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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS ILANA GUIMARÃES DE SOUZA USOS DE ONDE EM REDAÇÕES DO VESTIBULAR DA UNEB: UMA ANÁLISE SOCIOFUNCIONALISTA Salvador 2018

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE … · instrumental, objeto, pessoa, explicação/causa e resultado/consequência). A depender do seu valor semântico, onde pode representar

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS I

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS

ILANA GUIMARÃES DE SOUZA

USOS DE ONDE EM REDAÇÕES DO VESTIBULAR DA UNEB:

UMA ANÁLISE SOCIOFUNCIONALISTA

Salvador

2018

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ILANA GUIMARÃES DE SOUZA

USOS DE ONDE EM REDAÇÕES DO VESTIBULAR DA UNEB:

UMA ANÁLISE SOCIOFUNCIONALISTA

ILANA GUIMARÃES DE SOUZA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Estudo de Linguagens, no âmbito da Linha de Pesquisa

II – Linguagens Discurso e Sociedade, do Departamento de

Ciências Humanas – Campus I –, da Universidade do

Estado da Bahia (UNEB), como requisito parcial para a

obtenção do grau de Mestre em Estudo de Linguagens.

Orientadora: Profª Drª Cristina dos Santos Carvalho

Salvador

2018

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Ficha Catalográfica - Produzida pela Biblioteca Edivaldo Machado Boaventura

Souza, Ilana Guimarães de.

USOS DE ONDE EM REDAÇÕES DO VESTIBULAR DA UNEB: UMA

ANÁLISE SOCIOFUNCIONALISTA / Ilana Guimarães de Souza, I.-- Salvador, 2018.

139 fls.

Orientador: Cristina dos Santos Carvalho

Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de

Ciências Humanas. Campus I. Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens -

PPGEL, 2018

1. Sociofuncionalismo. I. Carvalho, Cristina dos Santos II. Universidade do Estado

da Bahia. Departamento de Ciências Humanas. Campus I.

CDD: 410

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ILANA GUIMARÃES DE SOUZA

USOS DE ONDE EM REDAÇÕES DO VESTIBULAR DA UNEB: UMA

ANÁLISE SOCIOFUNCIONALISTA

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em

estudo de linguagens do programa de pós-graduação em estudos da linguagem

(PPGEL) Universidade do Estado da Bahia (UNEB)

Aprovada em _____________________________________________

Banca Examinadora

______________________________________________________________________

Profª. Drª Cristina dos Santos Carvalho - Professora Orientadora

PPGEL-UNEB

______________________________________________________________________

Profª. Drª Norma da Silva Lopes

PPGEL-UNEB

______________________________________________________________________

Profª. Drª Emília Helena Portella Monteiro de Souza

PPGLINC-UFBA.

______________________________________________________________________

Profª. Drª Lúcia Maria de Jesus Parcero (SUPLENTE)

PPGEL-UNEB

______________________________________________________________________

Profª. Drª Therezinha Maria Mello Barreto (SUPLENTE)

PPGLINC-UFBA

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A Helena Maria, por ser meu

sentido de vida, minha graça e

minha força.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida, pela inspiração e força necessárias para que eu conseguisse

realizar este e tantos sonhos em minha vida.

A Helena, minha poesia viva, que acredita mais em mim do que eu mesma, por quem eu

preciso ser mais para tentar me aproximar do que ela imagina que sou; por ser minha

maior encorajadora; por me tirar da frente do computador para brincar um pouco; por

sentir minhas ausências e permanecer sorrindo.

A Isaac, meu companheiro de vida, por todo o incentivo para que eu possa realizar os

meus sonhos; pela compreensão e paciência; por ter sido meu suporte em todos os

momentos; por me fazer aumentar minha Fé na Vida.

Aos meus pais e minha irmã, pelos valores familiares que fizeram de mim quem sou

hoje; por terem sido tão cuidadosos e disponíveis, cuidando de minha filha para que eu

pudesse estudar e trabalhar; por serem indispensáveis em nossas vidas.

À Profª Drª Cristina Carvalho, minha orientadora, pela parceria construída ao longo

dessa trajetória; por me mostrar que é sempre possível fazer melhor; por ser inspiração

na minha vida acadêmica.

À Profª Drª Norma Lopes, tão solícita e carinhosa, por ter sido tão importante durante

minha trajetória no mestrado; pelos livros emprestados; pela concessão do corpus; por

conseguir conciliar amabilidade e competência.

À Profª Drª Therezinha Barreto, por gentilmente ter aceitado o convite para participar da

minha banca; pelas orientações tão detalhadamente cuidadosas durante o exame de

qualificação.

Aos amigos feitos na Linha 2 do PPGEL e às minhas amigas mestras Aline, Camila,

Maiara e Michele, por serem grandes incentivadores desta jornada; por me dizerem que

eu era capaz e me acalmarem nos momentos em que eu achava que não daria conta.

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“O correr da vida embrulha tudo.

A vida é assim: esquenta e esfria,

aperta e daí afrouxa,

sossega e depois desinquieta.

O que ela quer da gente é coragem.”

Guimarães Rosa

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RESUMO

A presente dissertação pretende analisar os usos de onde na modalidade escrita do

português, em um corpus formado por 400 redações produzidas durante o processo

seletivo vestibular da UNEB para o ano de 2014. O estudo é feito à luz de pressupostos

do Funcionalismo Linguístico norte-americano, no que concerne à abordagem da

Gramaticalização (HOPPER, 1991; HOPPER; TRAUGOTT, 2003[1993], dentre

outros) e da Sociolinguística Variacionista (LABOV, 2008 [1972]), interface teórico-

metodológica que vem sendo designada de Sociofuncionalismo (TAVARES, 2013).

Sob essa perspectiva, observa-se a possibilidade de onde passar por um processo de

mudança de item menos gramatical para mais gramatical, ocupando estágios mais

abstratos na trajetória de gramaticalização proposta por Heine, Claudi e Hünnemeyer

(1991) e assumindo diferentes categorias gramaticais dentro do continuum estabelecido

por Hopper e Traugott (2003 [1993]). Do ponto de vista metodológico, os dados

coletados são analisados quantitativa e qualitativamente. Para a análise quantitativa,

consideram-se cinco grupos de fatores linguísticos: foricidade, natureza sintática do

referente, categoria gramatical, função sintática do onde e tipo de oração em que se

encontra o onde, a fim de identificar os contextos linguísticos que privilegiam o uso de

um ou outro valor semântico (espaço físico, espaço virtual ou abstrato, tempo,

instrumental, objeto, pessoa, explicação/causa e resultado/consequência). A depender do

seu valor semântico, onde pode representar as categorias gramaticais de pronome

relativo, pronome ou advérbio interrogativo, advérbio relativo e operador

argumentativo, além de ocorrer em contextos ambíguos, que demonstram que pode

haver migração entre categorias (CARVALHO, 2017). Pode-se dizer, então, que se

evidencia, no português brasileiro, um percurso de gramaticalização de onde, desde sua

função mais evidentemente locativa, como pronome ou advérbio interrogativo,

passando por advérbio relativo e pronome relativo, até o emprego como conjunção ou

operador argumentativo, o que ilustraria o percurso de mudança espaço > (tempo) >

texto (HEINE; CLAUDI; HÜNNEMEYER, 1991). Ademais, em contextos de usos

mais monitorados, como as dissertações de vestibular, constatam-se indícios de uma

abstratização dos sentidos e mudança categorial desse item gramatical, o que confirma

resultados de outras pesquisas a respeito desse item gramatical (SOUZA, 2003; LIMA,

2007, dentre outros). Os resultados obtidos mostram que: o onde tende a fazer

referências anafóricas a sintagmas nominais (quando tem valor de espaço abstrato,

instrumental, pessoa e objeto) ou preposicionais (quando tem valor de tempo), a ser

categorizado como pronome relativo, a desempenhar função sintática de adjunto

adverbial e a encabeçar orações adjetivas restritivas; os usos como conjunção,

estabelecendo as relações de explicação/causa e resultado/consequência, sinalizam,

além de recategorização e abstratização de sentidos do onde, perda de foricidade e

função sintática e ocorrência em contexto sintático de orações hipotáticas adverbiais.

Todavia, embora haja uma tendência à abstratização nos dados examinados, os casos de

onde em referência a sentidos mais concretos, como pessoa e objeto, constituem

contraevidências para o processo de gramaticalização por contrariar o princípio da

unidirecionalidade, já que ocupam posições mais anteriores no continuum de

abstratização semântica indicado por Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991) (pessoa >

objeto > atividade > espaço > tempo > qualidade).

Palavras-chave: Funcionalismo linguístico. Sociolinguística Variacionista. Mudança

Linguística. Gramaticalização do onde.

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ABSTRACT

The present dissertation intends to analyze the uses of where in the written form of

Portuguese, from a corpus formed by 400 essays produced during UNEB college

entrance exams in year 2014. The study is done in the light of theoretical assumptions

of North-American linguistic functionalism, regarding Grammaticalization (HOPPER,

1991; HOPPER; TRAUGOTT, 2003[1993], among others) and the Variationist

Sociolinguistics (LABOV, 2008 [1972]), a theoretical interface that has been called

Sociofunctionalism (TAVARES, 2013). In this perspective, it is observed that there is

the possibility of where going through a less grammatical item shifting process to a

more grammatical one, occupying more abstract stages in the trajectory of

grammaticalization proposed by Heine, Claudi and Hünnemeyer (1991), and assuming

different grammatical categories inside continuum indicated by Hopper and Traugott

(2003 [1993]). From the methodological point of view, the data collected is analyzed

quantitatively and qualitatively. For a quantitative analysis five groups of linguistic

factors were considered: the forticity, the grammatical category, the syntactic nature of

the referent of where, a syntactic function and the type of sentence in which it is located

are analyzed, in order to identify the linguistic contexts that favor the use of one or other

semantic value (physical space, virtual or abstract space, time, instrumental, object,

person, explanation / cause and result / consequence). Depending of its semantic value,

where can represent grammatical categories such as: relative pronoun, interrogative

pronoun or adverb, relative adverb and argumentative operator, besides occurring in

ambiguous contexts, which demonstrate that there may be migration between categories

(CARVALHO, 2017). It is possible to be said, then, that in the Brazilian Portuguese a

grammaticalization path it is shown, from its most evidently locative function, as a

pronoun or interrogative adverb, passing through relative adverb and relative pronoun,

to the use as conjunction or operator argumentative, which would illustrate the path of

change space> (time)> text (HEINE; CLAUDI; HÜNNEMEYER, 1991). The results

obtained show that one where, in the majority of occurrences, makes anaphoric

references to noun phrases, is categorized as a relative pronoun, plays a syntactic

function of adjunct, and finishes restrictive adjective sentences. In addition, in contexts

of more monitored uses, such as selective exam process dissertations, evidence of an

abstraction of the senses and categorical change of this grammatical item is verified,

which confirms results of other researches regarding this grammatical item (SOUZA,

2003; LIMA, 2007, among others). However, there is a tendency to abstraction in the

data examined, in cases where in reference to more concrete meanings, as person and

object, constitute against evidences to the process of grammaticalization by

contradicting the principle of unidirectionality, since they occupy earlier positions in the

continuum of semantic abstraction indicated by Heine, Claudi and Hünnemeyer (1991)

(person> object> activity> space> time> quality).

Keywords: Linguistic functionalism. Variationist Sociolinguistic. Linguistic Change.

Grammaticalization of where.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Proposta de redação do vestibular da UNEB no ano de 2013 71

Figura 2: Trajetória de abstratização semântica dos usos encontrados no corpus

a partir da proposta de Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991). 124

Figura 3: Continuum de abstratização dos usos encontrados no corpus

a partir da proposta de Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991). 125

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Categorias gramaticais para o onde em gramáticas normativas 26

Quadro 2: Categorias gramaticais para o onde em gramáticas descritivas 30

Quadro 3: Paradigma formal x Paradigma funcional 35

Quadro 4: Quadro síntese da trajetória de gramaticalização do onde 66

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Distribuição dos valores semânticos do onde no corpus 107

Gráfico 2: Distribuição dos valores semânticos concretos e abstratos do onde 108

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Distribuição dos valores semânticos do onde no corpus 105

Tabela 2: Distribuição de valores semânticos do onde de acordo com a foricidade 109

Tabela 3: Valores semânticos e categorias gramaticais do onde no corpus 112

Tabela 4: Distribuição dos valores semânticos do onde em função da natureza sintática

dos seus referentes 113

Tabela 5: Distribuição dos valores semânticos do onde de acordo com a sua função

sintática 117

Tabela 6: Distribuição dos valores semânticos do onde de acordo com o tipo de oração

que introduz 120

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SUMÁRIO

LISTA DE QUADROS

LISTA DE FIGURAS

LISTA DE TABELAS

INTRODUÇÃO 14

1 A DESCRIÇÃO DO ONDE EM GRAMÁTICAS 19

1.1 A visão de gramáticas normativas 19

1.2 A visão de gramáticas descritivas 26

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 32

2.1 Funcionalismo Linguístico 32

2.1.1 Funcionalismo norte-americano: conceitos e postulados 37

2.2 Gramaticalização 40

2.2.1 Princípios da Gramaticalização 43

2.2.2 O princípio de unidirecionalidade e algumas trajetórias de gramaticalização

propostas 45

2.3 Sociolinguística 47

2.4 O Sociofuncionalismo 51

2.5 Estudos (sócio)funcionalistas sobre o item onde 53

3 METODOLOGIA 69

3.1 O Corpus 70

3.1.1 A redação/dissertação de vestibular como texto argumentativo: gênero textual? 73

3.2 Procedimentos metodológicos para observação e análise dos dados 75

3.2.1 Valores semânticos do onde 77

3.2.2 Grupos de fatores linguísticos controlados na pesquisa 80

3.2.2.1 Foricidade 80

3.2.2.2 Categoria gramatical 81

3.2.2.3 Natureza sintática do referente do onde 83

3.2.2.4 Função sintática 85

3.2.2.5 Tipo de oração em que se encontra o onde 87

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3.3 O suporte quantitativo 89

4 ANÁLISE DOS DADOS 90

4.1 Usos do onde no corpus: valores semânticos e categorias gramaticais 90

4.1.1 Casos ambíguos 98

4.2 Os usos de aonde 101

4.3 Análise quantitativa dos dados 105

4.3.1 Valores Semânticos 104

4.3.2 Foricidade 108

4.3.3 Categorias gramaticais 111

4.3.4 Natureza sintática do referente do onde 114

4.3.5 Função sintática 116

4.3.6 Tipo de oração em que se encontra o onde 120

4.4 Trajetórias de gramaticalização do onde e deslizamentos semânticos 123

CONSIDERAÇÕES FINAIS 127

REFERÊNCIAS 132

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INTRODUÇÃO

Os itens gramaticais de uma língua são fundamentais para o estabelecimento de

relações morfológicas, sintáticas e semântico-pragmáticas, construindo o encadeamento

linguístico e colaborando para a atribuição do sentido ao texto. Quando se observa um

fenômeno de variação ou mudança em curso de um desses itens, cabe a investigação dos

parâmetros que atuam como motivadores desse fenômeno. A descrição de processos de

gramaticalização em curso (HOPPER, 1991) pode funcionar como material de pesquisa

importante para futuros estudos das mesmas formas linguísticas, então já

gramaticalizadas.

A gramaticalização, em sentido restrito, é vista como um processo através do

qual um item lexical passa a funcionar gradualmente como item gramatical ou um item

gramatical passa a exercer funções ainda mais gramaticais (HEINE; CLAUDI;

HÜNNEMEYER, 1991; HOPPER; TRAUGOTT, 2003[1993], dentre outros). Esse

processo tem sido descrito a partir de continua unidirecionais de abstratização

semântica (HEINE; CLAUDI; HÜNNEMEYER, 1991) e mudança categorial

(HOPPER; TRAUGOTT, 2003[1993]).

O presente trabalho tem por objetivo analisar os usos gramaticalizados ou não do

item onde, observados em textos produzidos por vestibulandos que se submeteram ao

processo seletivo realizado em 2013 para o ingresso nos cursos de graduação da UNEB

no ano letivo de 2014. Observa-se a possibilidade de onde estar passando por um

processo de mudança categorial, de item menos gramatical para mais gramatical. Nesse

caso, parece haver um percurso de gramaticalização de onde, desde sua função mais

evidentemente locativa, como pronome ou advérbio interrogativo sem antecedente,

passando por pronome relativo, até o emprego como conjunção ou operador

argumentativo, com perda de função sintática. Ademais, alguns usos de onde são

indícios de que está havendo uma abstratização de sentidos desse item gramatical. Nesta

pesquisa, buscam-se identificar as variáveis linguísticas1 que condicionam o emprego de

onde, as funções gramaticais e semântico-pragmáticas que ele desempenha nas

sentenças e as categorias gramaticais em que ele pode ser inserido.

1 No capítulo de metodologia, será explicado por que fatores sociais como faixa etária, escolaridade,

gênero e grupo social dos informantes não puderam ser levados em consideração nesta pesquisa.

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Tendo em vista as considerações anteriores, este trabalho pretende responder às

seguintes questões:

(i) O item gramatical onde está, de fato, passando por um processo de

gramaticalização que envolve tanto abstratização de sentidos como mudança

categorial?

(ii) Quais são os grupos de fatores linguísticos que motivam os usos –

gramaticalizados ou não – de onde em diferentes domínios funcionais?

(iii) Qual é a produtividade dos usos gramaticalizados de onde na modalidade

escrita da língua portuguesa e, mais especificamente, em gêneros textuais

como a redação do vestibular?

Para responder a esses questionamentos, analisam-se todos os casos encontrados

no corpus e descrevem-se seus contextos de uso, considerando grupos de fatores

linguísticos como foricidade, categoria gramatical, natureza sintática do referente,

função sintática do onde e tipos de orações. Os usos, codificados de acordo com esses

grupos de fatores, serão analisados qualitativa e quantitativamente.

Vale ressaltar que esta pesquisa não toma os usos de onde como variantes, nos

moldes do que propõe Labov (2008[1972]), que conceitua variantes como a competição

e a coexistência de duas ou mais formas linguísticas distintas que exercem a mesma

função dentro do mesmo contexto. Assim, neste estudo, não serão analisados os

contextos em que se acionam formas equivalentes para o onde, tendo em vista que aqui

se enfatiza a o fenômeno da mudança linguística e não a variação. Durante a

categorização dos dados, a permuta do onde com formas variantes (como em que,

através do qual, cujo, entre outras) visou apenas à verificação dos valores semânticos e

categoriais para a codificação dos fatores linguísticos que motivam o uso do item onde

em diferentes domínios funcionais.

Essa possibilidade de ocupar domínios distintos difere do que prescreve a

tradição normativa, cuja determinação a esse respeito indica que onde deve fazer

referência apenas à ideia de lugar, conforme afirmam Cipro Neto e Infante (2003) e

Bechara (2009):

Na língua culta, escrita ou falada, onde deve ser limitado aos casos em que há

indicações de lugar físico, espacial. Quando não houver essa indicação, deve-

se preferir em que, no qual (e suas flexões, na qual, nos quais, nas quais) e,

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nos casos de idéia [sic] de causa/efeito ou de conclusão, portanto. (CIPRO

NETO; INFANTE, 2003, p. 424).

Os advérbios relativos, como os pronomes relativos, servem para referir-se a

unidades que estão postas na oração anterior. Nas ideias de lugar

empregamos onde, em vez de em que, no qual (e flexões): A casa onde mora

é excelente. Precedido das preposições a ou de, grafa-se aonde e donde: O

sítio aonde vais é pequeno. (BECHARA, 2009, p. 245).

É interessante observar que a própria orientação de Cipro Neto e Infante (2003)

aponta contextos linguísticos em que não se deve usar onde, o que indica que os autores

constatam que, na prática comunicativa, os falantes têm usado onde para fazer

referência a outros valores semânticos, não apenas a lugar, como propõe a gramática

normativa.

Na presente pesquisa, registram-se tanto usos inovadores (e, por conseguinte,

mais gramaticalizados) quanto usos com o sentido-fonte de onde (no caso, os não

gramaticalizados com valor de espaço físico), conforme pode ser verificado,

respectivamente, nos exemplos (01) e (02), que ocorrem em sequência, em um mesmo

texto.

(01) (INÍCIO DO TEXTO) Dada a criação de uma nova cultura, onde o som se

potencializa como via de entretenimento, o excesso da forma em que o

mesmo é utilizado incomoda parte da população que vivencia o exagero da

sonoridade, caracterizada pela poluição sonora. (CONTINUA NO

SEGUINTE) (R83a)

(02) (CONTINUAÇÃO DO ANTERIOR) Principalmente nas periferias, onde

ocorrem as disputas por quem possui o aparelho de som mais potente nos

carros, uma maioria dos moradores são prejudicados ao serem obrigados a

conviver com o incomodo e a invasão dos altos decibéis em suas casas

cotidianamente. (R83b)

No exemplo (01), nota-se que onde faz referência anafórica ao sintagma nominal

“uma nova cultura”, cujo valor semântico associa-se a um espaço mais abstrato,

indicando um modo de vida, um conjunto de valores. Nesse sentido, o onde se distancia

do que é proposto pela tradição gramatical, já que não se refere a um espaço físico. No

mesmo texto, porém, encontra-se outro uso de onde, remetendo ao sintagma

preposicional “nas periferias” (02), que se refere a localidades físicas. Observa-se,

então, que o onde se comporta de maneiras diferentes no que diz respeito ao valor

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semântico do referente. É necessário, assim, analisar que parâmetros linguísticos

privilegiam o uso de um ou de outro comportamento desse item.

Os objetivos específicos desta pesquisa são os seguintes:

(i) caracterizar, quanto a valores semânticos, os usos de onde encontrados no

corpus analisado;

(ii) quanto a esses usos, identificar as categorias gramaticais em que se insere o

onde;

(iii) identificar quais dos fatores linguísticos elencados na pesquisa favorecem a

ocorrência de onde em usos não gramaticalizados e gramaticalizados,

considerados, respectivamente, padrão e não-padrão pela tradição gramatical;

(iv) confrontar os resultados desta pesquisa com os de outros estudos já

realizados sobre o onde em outros gêneros textuais;

(v) verificar indícios de gramaticalização de onde e o estágio em que se encontra

o processo a partir de diferentes trajetórias de abstratização semântica

(HEINE; CLAUDI; HÜNNEMEYER, 1991; TRAUGOTT; HEINE, 1991,

dentre outros).

A pesquisa, do ponto de vista metodológico, é subsidiada pela abordagem da

Sociolinguística Variacionista ou Quantitativa (LABOV, 1972), que dispõe de

procedimentos importantes para uma análise baseada em análises quantitativas de

dados, como aqui se propõe. Todavia, a fundamentação do trabalho não se aterá

exclusivamente a esse aporte teórico-metodológico. Serão ainda tomados como

referência teórica pressupostos do Funcionalismo Linguístico, mais especificamente, da

vertente da norte-americana, a partir do que propõem Hopper (1991), Heine, Claudi e

Hünnemeyer (1991), Hopper e Traugott (2003[1993]), Martelotta, Votre e Cezario

(1996) e outros, enfatizando-se a abordagem da gramaticalização. Ao ser desenvolvido,

pois, na interface teórico-metodológica da Sociolinguística Variacionista ou

Quantitativa e do Funcionalismo norte-americano, este estudo se fundamenta no que se

convencionou chamar de Sociofuncionalismo (TAVARES, 2013).

O corpus aqui estudado é formado por 400 textos produzidos para a prova de

redação do vestibular da UNEB para o ano letivo de 2014, dentre os quais foram

encontradas 137 ocorrências de onde, que foram codificadas de acordo com grupos de

fatores linguísticos previamente selecionados.

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A presente dissertação se organiza em quatro capítulos constituídos da seguinte

forma: o primeiro faz uma discussão acerca do tratamento dado ao onde por gramáticas

normativas (ALMEIDA, 2009 [1943]; ROCHA LIMA, 2005[1957]; CUNHA;

CINTRA, 2017[1985]) e descritivas (NEVES, 2000; PERINI, 2015[2009]; CASTILHO,

2016[2010]), observando as categorias gramaticais atribuídas ao onde, os tipos de

orações em que ocorre e a presença ou não de um antecedente. O segundo capítulo

apresenta a fundamentação teórica da pesquisa, descrevendo os pressupostos básicos do

Funcionalismo, da Gramaticalização, da Sociolinguística e do Sociofuncionalismo.

Além disso, há uma seção destinada à análise de estudos (sócio)funcionalistas sobre o

item onde, na qual se comparam os resultados das pesquisas realizadas a respeito desse

item. O terceiro capítulo delineia os aspectos metodológicos seguidos para realizar a

pesquisa, descrevendo o corpus e os fatores linguísticos selecionados para a análise dos

dados. O quarto capítulo traz, primeiramente, a análise qualitativa dos usos encontrados

e, logo após, a análise quantitativa dos dados, considerando, entre outros, aspectos

relativos ao valor semântico-pragmático, à categoria gramatical e função sintática do

onde. Em seguida, apresentam-se as considerações finais a respeito do fenômeno

investigado.

Trata-se, portanto, de uma pesquisa que, ao questionar as prescrições

tradicionais e descrever, sincronicamente, o comportamento de um item que,

gradativamente, tem adquirido novas propriedades funcionais, apresenta resultados

profícuos para o desenvolvimento dos estudos linguísticos e, mais especificamente,

daqueles realizados na interface do Funcionalismo norte-americano e da

Sociolinguística Variacionista. Ademais, a análise aqui empreendida, ao descrever as

relações sintáticas e semântico-pragmáticas de sentenças interligadas por onde, pode

contribuir para o ensino de Língua Portuguesa. Essa descrição pode se constituir em

rico material para a elaboração de atividades de reflexão sobre a língua e produção de

textos, com a possibilidade de se fazer uso, inclusive, dos exemplos aqui citados a fim

de se discutir a respeito do funcionamento da língua portuguesa e/ou construir, com os

estudantes, estratégias linguísticas de substituição do uso do onde não-padrão em

trechos selecionados do corpus da pesquisa.

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19

1 A DESCRIÇÃO DO ONDE EM GRAMÁTICAS

Neste capítulo, será feita uma descrição da abordagem do onde por gramáticas

tanto normativas quanto descritivas. Para proceder a essa descrição, serão considerados,

além da categorização do onde quanto à sua classe gramatical, os valores semânticos e

as funções sintáticas atribuídas a esse item. Serão analisadas as gramáticas normativas

de Almeida (2009[1943]), Rocha Lima (2005[1957]) e Cunha e Cintra (2017[1985]) e

as gramáticas descritivas de Neves (2000), Perini (2015[2009]) e Castilho (2016[2010]).

Quanto aos critérios de eleição das obras normativas, foram selecionadas

gramáticas que têm reconhecida tradição prescritiva e vasto espaço no mercado editorial

brasileiro. Já no que diz respeito às gramáticas descritivas, procedeu-se à seleção com

base no atual reconhecimento acadêmico das obras analisadas e na descrição de usos

linguísticos contemporâneos.

1.1 A visão de gramáticas normativas

Sabe-se que a gramática normativa não tem como objetivo dar conta da

descrição de usos linguísticos reais (BORTONI-RICARDO, 2005). Apesar disso, os

usos considerados pela gramática normativa podem funcionar como ponto de partida

para muitos estudos de natureza descritiva, inclusive os que tratam da

multifuncionalidade de onde (COELHO, 2001; SOUZA, 2003; LIMA, 2007; SILVA,

2008; FIORAVANTE, 2011; SILVA, 2011, dentre outros). A classificação de onde

pelos gramáticos aqui analisados não representa um consenso, pois, apesar de haver

pontos em comum no que dizem os autores, algumas definições se contradizem ou

permitem mais de uma interpretação, como se verá a seguir2.

Almeida (2009 [1943]), ao descrever e enumerar os advérbios de lugar, cita onde

no referido grupo (ao lado de perto, longe, além, aquém, algures, alhures, dentre

outros), mas o especifica como advérbio relativo quando tem antecedente explícito ou

implícito:

Onde pode ser advérbio relativo, com antecedente expresso ou latente; na

frase: “A cidade onde nasci” – cidade é o antecedente expresso do advérbio

relativo onde. Dizer: “Eu nasci onde tu nasceste” – equivale a dizer: “Eu

nasci no lugar onde ( = em que = pronome relativo) tu nasceste” – sendo

2 As obras aqui serão descritas seguindo um critério cronológico com base no primeiro ano de edição das

gramáticas consultadas.

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20

lugar o antecedente implícito ou latente do advérbio (grifo meu) onde.

(ALMEIDA, 2009[1943], p. 317)

O autor explica que onde é um advérbio relativo que contém tanto um relativo

“que” quanto um referente (implícito ou explícito) com um sentido locativo. É

interessante, porém, observar que, ao descrever o funcionamento de onde com

antecedente subentendido, Almeida (2009[1943]) usa apenas o termo advérbio ao se

referir ao onde. Esta designação é também é usada quando se distinguem os usos de

onde e aonde: “O advérbio (grifo meu) onde indica estada, permanência „em‟ um lugar

(01). O advérbio (grifo meu) aonde indica movimento „para‟ um lugar” (02).

(01) Não sei onde (em que lugar) você o encontrou3.

(02) Eu sei aonde (para que lugar) queres ir‟.

Onde recebe ainda a especificação advérbio interrogativo na seção destinada à

análise desta categoria, na qual também se contemplam os casos de quando, como,

quanto e por que:

Vimos que, de acordo com a função, certos advérbios podem ser conjuntivos;

chamam-se então interrogativos, pelo fato de em geral [sic] virem em

orações interrogativas, tanto diretas quanto indiretas; podem indicar quatro

circunstâncias:

de lugar

advérbios interrogativos de tempo

de modo

de causa

Almeida (2009[1943]) ilustra sua explicação com os seguintes exemplos:

(03) lugar: “Onde está você?” – “Pergunto onde você está.”

(04) tempo: “Quando se deu isso?” – “Não sei quando se deu isso.”

(05) modo: “Como você poderá estudar?” – “Diga-me como poderá você

estudar.” – “Quanto você estima sua casa?”

(06) causa: “Por que não me pediu licença?” – “Gostaria de saber por que não

me pediu licença.”4

3 Exemplos de Almeida (2009[1943], p. 318).

4 Exemplos extraídos de Almeida (2009[1943], p.324).

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21

Ao analisar as orações subordinadas interrogativas indiretas, Almeida

(2009[1943]) refuta a possibilidade de analisar quando, como, por que, onde, quanto,

quais, quem, etc. como conjunções integrantes:

Essas interrogativas indiretas prendem-se ao verbo da oração principal

(saber ou outro qualquer que implique a ideia de declaração ou

sentimento), sem que nenhum interesse traga (grifo meu) ao nosso

ou a qualquer idioma interpretar a palavra que inicia tais subordinadas

(quando, como, por que, onde, quanto, quais, quem, etc.) como

conjunção integrante. (ALMEIDA, 2009[1943], p. 408)

Em outra seção da gramática, ao descrever as orações adjetivas, o autor reafirma

essa análise, afirmando que é necessário desdobrá-las quando seu antecedente for

elidido, o que, segundo ele, não configura uma oração substantiva:

“Não vejo onde você está = Não vejo o lugar // em que você está”.

Desse modo, poderão resolver-se em subordinadas adjetivas as subordinadas

ligadas por esses relativos.

Assim como no período “Estimo quem me estima” não se analisa “quem me

estima” como subordinada substantiva, também não se deve dar essa análise,

forçada e inútil, para orações iniciadas por outros relativos. (ALMEIDA,

2009[1943], p. 528)

Diante disso, constata-se a categorização de onde por Almeida (2009[1943]) da

seguinte forma: advérbio relativo (presente em orações adjetivas com antecedente

explícito ou implícito) ou advérbio interrogativo (empregado em orações interrogativas

diretas e indiretas).

Rocha Lima (2005[1957]) designa como pronomes relativos “as palavras que

reproduzem, numa oração, o sentido de um termo ou da totalidade de uma oração

anterior. Elas não têm significação própria; em cada caso [sic] representam o seu

antecedente” (ROCHA LIMA, 2005[1957], p. 116). O autor não cita onde nem entre os

pronomes relativos, ilustrados apenas com os usos de que, quem, quanto(a)(s),

cujo(a)(s), o(a) qual(is), nem entre os interrogativos, dos quais exemplifica apenas os

casos de que, quem, qual(is) e quanto(a)(s). Tais itens, segundo o gramático, são

pronomes indefinidos que recebem o nome de interrogativos quando, com eles, se

formula uma pergunta, que pode ser feita direta ou indiretamente.

Entre os exemplos de pronomes indefinidos, conceituados como palavras que se

aplicam à terceira pessoa gramatical quando esta tem sentido vago, onde é citado no

grupo dos indefinidos que se referem a lugares e que não acompanham substantivos, ao

lado de algures, alhures e nenhures. Não é citado um exemplo para ilustrar o que se diz

a esse respeito (ROCHA LIMA, 2005[1957], p. 114-115).

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22

O autor categoriza o onde (ao lado de quando e como) no grupo dos advérbios

relativos, que, segundo ele, ocorrem, em orações adjetivas, com antecedente. Ao tratar

dos empregos de onde, Rocha Lima (2005[1957]) afirma que “onde é pronome-

advérbio, geralmente locativo; tem sentido equivalente a lugar em que, no qual, etc.”

(ROCHA LIMA, 2005[1957], p. 331). Ressalta-se que o autor une as categorias de

pronome e advérbio, gerando uma categorização ambígua. Além disso, é usada a

expressão “geralmente locativo” para designar o valor semântico do item, o que permite

deduzir que o valor de lugar não é o único relacionado ao onde. Rocha Lima

(2005[1957]) destaca, ainda, que o onde pode também ser empregado com o valor de

simples relativo e cita o seguinte exemplo:

(07) As deduções por onde (pelas quais) chegamos a esse resultado...5

É interessante observar que o antecedente “deduções” presente no exemplo (07)

claramente não indica um lugar. Trata-se, então, de um caso de onde não-locativo, o que

justifica o uso do modalizador “geralmente”, referido anteriormente. Em seguida, o

autor distingue os usos de onde e aonde respectivamente a partir das noções de

estabilidade (lugar em que) e movimento (lugar a que), mas afirma que os clássicos não

faziam essa distinção e cita os seguintes excertos de Luís Vaz de Camões (08) e Cláudio

Manuel da Costa (09):

(08) Se lá no assento etéreo onde subiste.6

(09) Nize? Nize? Onde estás? Aonde? Aonde?

No capítulo destinado à descrição das orações substantivas, onde é citado como

um pronome ou advérbio interrogativo, figurando entre os termos que podem introduzir

orações interrogativas indiretas (10), as quais, segundo Rocha Lima (2005[1957]),

funcionam, quase sempre, como objetivas diretas.

(10) Diga-me / onde se vende esse livro.7

5 Exemplo de Rocha Lima (2005[1957], p. 333).

6 Exemplos extraídos de Rocha Lima (2005[1957], p. 334).

7 Exemplo de Rocha Lima (2005[1957], p. 265- 266).

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23

Vale ressaltar que, conforme aqui já citado, quando Rocha Lima (2005[1957])

descreveu o funcionamento das palavras que constituiriam a categoria dos pronomes

interrogativos, o autor não havia inserido onde, diferente do que faz durante a análise

das orações substantivas.

Na abordagem das orações adjetivas, no entanto, não há contradições internas na

gramática de Rocha Lima (2005[1957]), pois se aponta que onde figura, ao lado de

quando e como, entre os advérbios relativos (confirmando o que o autor já anunciara ao

descrever essa categoria):

As orações adjetivas, quando desenvolvidas, são encetadas pelos pronomes

relativos que, o qual (com suas flexões), quem, cujo (com suas flexões); ou

pelos advérbios relativos onde, quando e como – por intermédio dos quais se

prendem a um substantivo, ou pronome, da oração anterior. (ROCHA LIMA,

2005[1957], p. 269)

O gramático indica, em seguida, as funções sintáticas dos pronomes relativos,

ressaltando que,

Ao contrário dos demais, os relativos cujo, onde, quando, como têm funções

privativas:

- cujo (com suas flexões) é sempre adjunto adnominal;

- onde quando e como funcionam exclusivamente como adjunto adverbial,

respectivamente de – lugar, tempo e modo. (ROCHA LIMA, 2005[1957], p.

210)

Nota-se que o autor preferiu a designação genérica relativos para se referir tanto

ao que ele denominou, inicialmente, de pronome relativo (cujo e suas flexões) quanto

aos chamados advérbios relativos (onde, quando e como) e, no caso específico de onde,

limita sua função sintática a adjunto adverbial com o valor semântico locativo.

Onde é citado também quando se analisam os chamados relativos condensados.

Segundo Rocha Lima (2005[1957], p. 271), esses relativos “podem usar-se sem

antecedente, ou melhor – podem condensar em si duas funções: uma de termo da oração

principal, e outra de um termo da oração adjetiva”. O caso é exemplificado com a frase

em (11). Assemelha-se, dessa forma, ao conceito anteriormente citado de pronome

indefinido de lugar.

(11) O carro enguiçou onde não havia socorro.8

Os rótulos dados por Rocha Lima (2005[1957]) para onde são, portanto,

pronome indefinido de lugar / relativo condensado (usado em orações adjetivas cujo

antecedente está implícito), advérbio relativo (em orações adjetivas com antecedente

8 Exemplo de Rocha Lima (2005[1957], p. 272).

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24

explícito) e pronome / advérbio interrogativo (empregado em orações interrogativas

diretas ou indiretas). O valor semântico citado para onde é “normalmente” locativo.

Note-se que, apesar de relativizar a expressão, o autor não aprofunda essa possível

ampliação de sentidos, e a função sintática referenciada é adjunto adverbial.

Cunha e Cintra (2017[1985]) dão a designação de relativo ao pronome que se

refere a um termo anterior, o antecedente, e citam que fazem parte desse grupo que,

o(a)(s) qual(is), cujo(a)(s), quanto(a)(s), quem e onde. Destacam, ainda, que o pronome

onde pode se aglutinar às preposições a e de, gerando as formas aonde e donde

(CUNHA; CINTRA, 2017[1985], p. 356-357). Porém, ao analisar, especificamente, o

onde, ressaltam que onde também costuma ser considerado advérbio relativo: “Como

desempenha normalmente a função de adjunto adverbial (= o lugar em que, no qual),

onde costuma ser considerado por alguns gramáticos ADVÉRBIO RELATIVO”

(CUNHA; CINTRA, 2017[1985], p. 356). Os autores citam a distinção entre os usos de

onde (lugar em que) e aonde (lugar a que), mas afirmam que esse contraste é

praticamente anulado na fala coloquial e, semelhante a Rocha Lima, (2005[1957]),

citam trechos de clássicos, como Fagundes Varela (12) e Machado de Assis (13), para

indicar que essa distinção quase não ocorre:

(12) Vela ao entrares no porto

Aonde o gigante está! 9

(13) Mas aonde te vais agora,

Onde vais, esposo meu?

Onde é classificado, ainda, como advérbio interrogativo, categoria que, segundo

Cunha e Cintra (2017[1985]), introduz interrogações diretas (14) e indiretas (15),

descrevendo onde com a especificação de interrogativo de lugar.

(14) Onde está o livro?

(15) Ignoro onde está o livro.10

Na seção destinada à descrição de advérbios relativos, Cunha e Cintra

(2017[1985]) citam o onde como único exemplo dessa categoria e justificam que essa

categorização decorre do fato de desempenhar normalmente a função de adjunto

adverbial. Afirmam, inclusive, que a denominação advérbio relativo foi acolhida pela

Nomenclatura Gramatical Portuguesa, mas não está presente na Brasileira:

9 Exemplos extraídos de Cunha e Cintra (2017[1985], p. 356). 10 Exemplos de Cunha e Cintra (2017[1985], p. 557).

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Como dissemos na página 365, o relativo onde, por desempenhar

normalmente a função de adjunto adverbial (=lugar em que, no qual) é

considerado por alguns gramáticos ADVÉRBIO RELATIVO, designação

que não consta na Nomenclatura Gramatical Brasileira, mas que foi acolhida

pela Portuguesa. (CUNHA; CINTRA, 2017[1985], p. 558)

Há, no entanto, uma reflexão sobre o uso de onde na seção destinada à análise

dos relativos sem antecedente, indicando que assim ocorre quando empregado em frases

como (16), funcionando, segundo os autores, como relativo indefinido (CUNHA;

CINTRA, 2017[1985], p. 360). É feita, porém, uma observação a esse respeito,

chamando a atenção para o fato de que muitos gramáticos admitem, nesses casos, a

existência de um antecedente interno, desenvolvendo-se o onde como lugar em que. Os

autores não citam onde na classe dos pronomes interrogativos, fazendo referência

apenas a que, quem, qual e quanto.

(16) Passeias onde ando.11

Cunha e Cintra (2017[1985]), portanto, categorizam onde como pronome

relativo/ advérbio relativo (que sempre fazem referência a um antecedente), advérbio

interrogativo (empregado em orações interrogativas diretas ou indiretas) e relativo

indefinido (usado em estruturas adjetivas sem antecedente explícito). Além disso, o

único valor semântico relacionado ao item onde por Cunha e Cintra (2017[1985]) é de

lugar e a função sintática por ele desempenhada, segundo os autores, é de adjunto

adverbial.

Nas três gramáticas normativas aqui estudadas, há pontos coincidentes e

divergentes quanto à classificação de onde. Todavia, é comum entre elas a indicação da

função sintática de adjunto adverbial e o valor semântico locativo que o item adquire,

ressaltando-se que Rocha Lima (2005[1957]) indica que esse é o sentido que

geralmente ocorre. No quadro 1, apresenta-se uma sinopse das categorias gramaticais de

onde identificadas nas três gramáticas consultadas. Estabeleceu-se como critério de

comparação entre as categorias a presença ou ausência de referentes explícitos e o tipo

de oração.

11 Exemplo de Cunha e Cintra (2017[1985], p. 360).

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Antecedente

Tipo de oração

Sem antecedente explícito Com antecedente

explícito

Orações

adjetivas

Orações

interrogativas

diretas ou

indiretas

Orações adjetivas

Almeida (2009[1943])

Advérbio

relativo

Advérbio

interrogativo

Advérbio relativo

Rocha Lima

(2005[1957]) Pronome

indefinido de

lugar /

Relativo

condensado

Advérbio

interrogativo

Advérbio relativo

Cunha e Cintra

(2017[1985]) Relativo

indefinido

Advérbio

interrogativo

Pronome relativo/

Advérbio relativo Quadro 1: Categorias gramaticais para o onde em gramáticas normativas

Fonte: Elaboração própria.

1.2 A visão de gramáticas descritivas

A fim de obter uma visão mais atual a respeito das categorias gramaticais,

funções sintáticas e valores semânticos do onde, foram consultadas também três

gramáticas de natureza descritiva: Neves (2000), Perini (2015[2009]) e Castilho

(2016[2010]).

Neves (2000) insere onde na categoria de advérbio de lugar e indica que

também pode ser chamado advérbio interrogativo, usado em interrogações diretas (17)

ou indiretas (18). No caso das indiretas, a autora destaca que a oração ocorre integrada à

oração nuclear, funcionando como seu complemento:

(17) Onde está o Eduardo? (DE) 12

(18) Quis saber onde se encontrava o camarada. (ALE)

A autora também categoriza onde como pronome relativo e destaca que ele e

como são “pronomes que nunca se referem a pessoas” (NEVES, 2000, p. 372). Na

presente pesquisa, no entanto, foram encontrados casos que ilustram, diferentemente do

que afirma Neves (2000), onde fazendo referência a pessoas (cf. capítulo de análise dos

dados). Para ela, onde é indicador de lugar, empregado com (19) ou sem antecedente

(20).

12

Exemplos extraídos de Neves (2000, p. 239).

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(19) (...) deitado no colchão esburacado de onde saíam tufos de palha de milho.

(20) “Ramsey observou que onde há fumaça, há fogo”13

Ao fazer a descrição das funções sintáticas dos pronomes relativos, Neves

(2000) menciona que onde sempre funciona como adjunto (21) ou complemento

adverbial de lugar (22) e, quando possui antecedente, “é sempre equivalente a em que”

(NEVES, 2000, p. 386).

(21) A casa onde mora há quase 40 anos, desde que saiu do colégio Sacré Coeur

de Jésus, está encravada numa encosta da Gávea, na rua que leva o nome do

sogro, o desbravador João Borges. (CAA)

(22) Ciosa de sua independência, a menina voltou a sentar-se na cadeira de

onde saíra. (FR)14

Apesar dessa referência à função locativa de onde, a autora destaca que esse

item tem sido usado com outros valores semânticos, o que, para ela, não é justificado:

“O pronome relativo ONDE é, muitas vezes, empregado equivalendo a em QUE, mas

sem valor locativo, o que não tem justificativa” (NEVES, 2000, p. 386). A autora cita

exemplos em que onde apresenta os sintagmas “um negócio” (23) e “uma situação” (24)

como antecedentes:

(23) Na prática, a venda com caderneta funciona como um negócio onde o

dinheiro também é virtual, só que sem a sofisticação dos modernos cartões

magnéticos. (FSP) 15

(24) A diminuição dos empréstimos bancários que alimentam a produção cria

uma situação onde não é o consumidor que pára de comprar. (FSP)

A autora não cita onde no rol dos pronomes interrogativos, incluindo nessa

categoria apenas os itens que, quem, qual e quanto (NEVES, 2000, p. 539).

As categorias gramaticais designadas para onde, segundo Neves (2000), são,

então, apenas advérbio de lugar / advérbio interrogativo (em orações interrogativas

diretas ou indiretas) e pronome relativo (empregado nas orações adjetivas, com

antecedente explícito). No que diz respeito à função sintática, a autora afirma que onde

13

Exemplos extraídos de Neves (2000, p. 372). 14

Exemplos extraídos de Neves (2000, p. 386). 15

Exemplos extraídos de Neves (2000, p. 386).

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pode desempenhar as funções de complemento ou adjunto adverbial. Embora o valor

semântico privilegiado seja o de lugar, Neves (2000) ressalta que, mesmo não havendo

explicação, onde é usado para outros valores semânticos (que não são descritos).

O onde é também descrito por Perini (2015[2009]) como pronome relativo,

figurando ao lado de que, o qual, quem, e cujo (PERINI, 2015[2009], p. 140). O autor

define que essa categoria introduz as tradicionalmente chamadas orações relativas, que

articulam um “elemento nominal (parte de um SN) + o relativo + a estrutura

oracional mencionada, formando uma sequência que é um SN; o elemento nominal

inicial nem sempre está presente” (PERINI, 2015[2009], p. 140). Disso, depreende-se

que as construções relativas referidas por Perini (2015[2009]) podem ou não apresentar

antecedente16

, não havendo distinção entre os itens que introduzem cada tipo de

construção, já que o autor os classifica como pronomes relativos.

Na seção destinada à descrição dos usos dos diferentes relativos, porém, Perini

(2015[2009]) não faz referência a onde, descrevendo apenas os usos de quem, o qual, o

que e que (PERINI, 2015[2009], p. 156), o que constitui uma contradição interna, já que

onde fora anteriormente referido como pronome relativo.

Onde figura, ao lado de (o) que, (o) quê, quem, quando, como, por que e qual,

como simplesmente elemento interrogativo quando Perini (2015[2009], p. 64) conceitua

as orações interrogativas e mantém essa nomenclatura ao descrever o funcionamento

das interrogativas indiretas (PERINI, 2015[2009], p. 142).

As categorias atribuídas ao onde por Perini (2015[2009]), portanto, são:

pronome relativo (em orações adjetivas com ou sem antecedente explícito) e elemento

interrogativo (usado nas orações interrogativas diretas ou indiretas). Não foram

encontradas análises das possíveis funções sintáticas e dos valores semânticos para o

onde.

Castilho (2016[2010]), refletindo a respeito das formas de categorização das

palavras, alerta que: “as categorias devem ser vistas como representação da realidade,

não como sua reprodução. Com isso, não há limites claros entre as categorias,

estabelecendo-se entre elas um continuum de limites imprecisos” (CASTILHO,

2016[2010], p. 70). É o que se observa quando se analisam as categorias em que o autor

insere o onde: quando faz uma análise das orações interrogativas, Castilho (2016[2010],

16

Não foi encontrado um exemplo com onde para confirmar essa afirmação, mas o autor cita um exemplo

com quem, no qual, segundo o autor, não há antecedente precedendo o pronome relativo: “Só respeito

quem o governo financia” (PERINI, 2015[2009], p. 153).

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29

p. 325) afirma que onde, “por praticidade”, é designado como pronome interrogativo ou

forma Q:

A interrogativa direta ocorre igualmente nos casos em que desconhecemos

um dos termos da sentença asseverativa. Para obter essa informação,

inserimos no lugar sintático ocupado regularmente pelo termo ignorado um

dos seguintes pronomes interrogativos: que, quem, qual, quando, quanto,

como, em que por praticidade incluímos onde. (CASTILHO, 2016[2010], p.

325)

Quando analisa as orações subordinadas adjetivas, Castilho (2016[2010])

enumera os itens que compõem a classe dos pronomes relativos: que, qual, cujo, quanto

e onde (CASTILHO, 2016[2010], p. 366). Descreve a sintaxe das sentenças adjetivas a

partir de três estratégias de relativização no Português Brasileiro: sentença adjetiva

padrão, sentença adjetiva copiadora e sentença adjetiva cortadora. Esta última,

segundo o autor, deve estabelecer alguma relação com “o uso crescente do advérbio

onde17

, que substituiria a estrutura padrão em que” (CASTILHO, 2016[2010], p. 367).

Castilho (2016[2010]) cita um artigo de Braga e Manfili (2004) a respeito da variação

onde/em que e os valores semânticos assumidos por onde. Esse estudo, que será descrito

na seção 2.5 deste trabalho, relaciona a função sintática ao uso de uma ou outra forma.

Citando o trabalho das autoras, Castilho (2016[2010]) destaca que:

essas expressões têm a mesma chance de ocorrência quando o antecedente

representa a categoria de LUGAR ou TEMPO, como em:

(85)

d) Qualquer lugar onde/que você vai, o preço é o dobro.

e) Os moradores poderão reviver aquela época onde/em que a cidade era a

capital da laranja.

Essas autoras notaram que a função de adjunto favorece a opção por onde, e a

de argumento, a opção pelo pronome relativo preposicionado. (CASTILHO,

2016[2010], p. 368)

Quando se descrevem as funções sintáticas dos pronomes relativos, há

novamente a referência à função de adjunto adverbial associada ao onde, que, mais uma

vez, é categorizado como pronome relativo:

(25) Demoliram a casa onde nasci. (pronome relativo adjunto adverbial)18

Há uma seção destinada à análise da oração adjetiva livre, ou seja, sem a

presença de um antecedente. Nessa seção, porém, são exemplificadas apenas orações

17

Note-se que onde, em contexto equivalente ao que o próprio autor chamou inicialmente de pronome

relativo, é agora denominado de advérbio. 18

Exemplo extraído de Castilho (2016[2010], p. 369).

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30

com quem, as quais, segundo o autor, “situam-se no ponto de passagem do pronome

relativo para a conjunção integrante, localizando-se num continuum categorial que tem,

numa ponta, o encaixamento no sintagma verbal e, na outra ponta, o encaixamento do

sintagma nominal” (CASTILHO, 2016[2010], p. 370). Não é citado o caso de onde

durante essa análise, mas é possível associar seu uso ao de quem nas chamadas adjetivas

livres.

A categorização de onde por Castilho (2016[2010]) contempla, enfim, as classes

de pronome/advérbio interrogativo (em orações interrogativas diretas ou indiretas) e

pronome relativo (em orações adjetivas com antecedente explícito ou implícito19

). A

função sintática identificada para onde é de adjunto adverbial e os valores semânticos

são de lugar e tempo.

O quadro 2 sintetiza os rótulos dados ao onde nas três gramáticas descritivas

aqui examinadas:

Antecedente

Tipo de oração

Sem antecedente explícito Com antecedente

explícito

Orações adjetivas Orações

interrogativas

diretas ou indiretas

Orações adjetivas

G

R

A

M

Á

T

I

C

A

Neves (2000) Pronome relativo Advérbio de lugar /

Advérbio

interrogativo

Pronome relativo

Perini

(2015[2009])

Pronome relativo Elemento

Interrogativo

Pronome relativo

Castilho

(2016[2010])

Pronome relativo Pronome

Interrogativo/

Advérbio

Interrogativo

Pronome relativo

Quadro 2: Categorias gramaticais para o onde em gramáticas descritivas.

Fonte: Elaboração própria.

Observa-se que as gramáticas descritivas mantêm uma estabilidade maior no que

diz respeito à categorização de onde em relação ao que propõem as gramáticas

normativas. Nas gramáticas descritivas analisadas, não são citados os rótulos advérbio

relativo, relativo indefinido e relativo condensado para as orações adjetivas sem

antecedente explícito. Também não há diferença de classe gramatical entre as palavras

que introduzem as adjetivas com antecedente explícito ou implícito; em ambos os casos,

19

Afirma-se isso por dedução a partir dos exemplos com quem, que foi classificado como pronome

relativo.

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31

indica-se que há simplesmente um pronome relativo. Quanto às orações interrogativas,

o que era convergente na categorização tradicional (nas três gramáticas analisadas, onde

é classificado como advérbio interrogativo) passa a ser divergente na classificação das

gramáticas descritivas: Neves (2000) prefere o rótulo advérbio (de lugar ou

interrogativo), Castilho (2016[2010]) propõe tanto advérbio interrogativo quanto

pronome interrogativo e Perini (2015[2009]) prefere a imparcialidade do rótulo

elemento interrogativo.

Quanto à análise sintática, apenas Neves (2000) apresentou a possibilidade de

onde exercer, além do adjunto adverbial, outra função: o complemento adverbial.

No que diz respeito aos valores semânticos de onde, apenas Castilho

(2016[2010]) cita, com base no estudo de Braga e Manfili (2004), o uso de onde com

referência a tempo (26) para o item, além do seu sempre citado valor locativo (27).

(26) Os moradores poderão reviver aquela época onde/em que a cidade era a

capital da laranja.20

(27) Qualquer lugar onde/que você vai, o preço é o dobro.

Apesar de haver uma distinção quanto ao caráter prescritivo ou descritivo das

gramáticas aqui analisadas, não se encontram diferenças significativas das abordagens

quanto aos aspectos categorial, semântico e sintático do onde, o que confirma a

necessidade de ampliação de pesquisas a esse respeito, a fim de se obterem critérios

mais precisos para a análise desse item gramatical. O capítulo a seguir apresenta a

fundamentação teórica em que este estudo se baseia para desenvolver sua análise,

abordando as perspectivas do Funcionalismo linguístico (especialmente da abordagem

da gramaticalização), da Sociolinguística e da interface entre essas duas orientações

teóricas, representada pelo Sociofuncionalismo.

20

Exemplos extraídos de Castilho (2016[2010], p. 368).

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32

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Para desenvolver este estudo a respeito do item onde, tomam-se como referência

os pressupostos teóricos do Funcionalismo Linguístico, sobretudo os referentes à

vertente americana (HOPPER, 1991; HOPPER; TRAUGOTT, 2003[1993];

MARTELOTTA; VOTRE; CEZARIO, 1996; TRAUGOTT, 1997; MARTELOTTA,

2015) e da Sociolinguística Variacionista (LABOV, 2008[1972]; WEINREICH;

LABOV; HERZOG, 2002 [1968]).

Este capítulo está estruturado em quatro seções: (i) Funcionalismo linguístico,

que trata dos fundamentos teóricos e conceitos dessa corrente, comparando-os com o

paradigma formal e enfatizando postulados da vertente funcionalista norte-americana;

(ii) Gramaticalização, que apresenta conceitos, princípios e possíveis trajetórias desse

processo de mudança linguística; (iii) Sociolinguística, que focaliza a abordagem

variacionista e descreve seu objeto de estudo, seus pressupostos fundamentais e

procedimentos metodológicos; (iv) Sociofuncionalismo, que aborda a interface entre o

Funcionalismo e a Sociolinguística Variacionista.

2.1 Funcionalismo Linguístico

O termo função, em estudos linguísticos, pode se referir às relações de natureza

estrutural entre os signos ou aos papéis assumidos pelos constituintes numa sentença

(CASTILHO, 2012, p. 17). Na perspectiva funcionalista, todavia, emprega-se a noção

de função como o uso das línguas para um determinado propósito comunicativo. O

Funcionalismo, segundo Castilho (2012), se propõe a descrever os usos da língua para

atingir determinados propósitos e as funções desses usos, além de enxergar a língua

como um instrumento de interação social, valorizando o estudo sobre o discurso, a partir

do qual se deve estudar a semântica e a sintaxe.

Dessa forma, diante de contínuos processos de interferência de situações

contextuais na estrutura da língua, pode-se afirmar que a gramática de uma língua não é

invariável. Há contínuos processos de adaptação das estruturas que a compõem, os

quais são promovidos por relações entre a cognição linguística e a necessidade

comunicativa. Nas palavras de Castilho (2012),

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33

O funcionalismo não é uma abordagem monolítica; ao contrário, ele reúne

um conjunto de subteorias que coincidem na postulação de que a língua tem

funções cognitivas e sociais que desempenham um papel central na

determinação das estruturas e dos sistemas que organizam a gramática de

uma língua (CASTILHO, 2012, p. 21).

Na concepção funcionalista, uma vez que a linguagem é instrumento de

interação social, ampliam-se os interesses de estudo para além da descrição dos

mecanismos estruturais linguísticos: é necessário também estudar os contextos sócio-

discursivos em que os fenômenos ocorrem e de que forma essas condições discursivas

interferem na gramática da língua. Para Furtado da Cunha (2008), o objetivo do

Funcionalismo é analisar a relação entre o contexto comunicativo e a estrutura

gramatical.

Ainda segundo Furtado da Cunha (2008), embora hoje o funcionalismo tenha

propostas distintas do estruturalismo, aquele derivou deste quando, na conhecida Escola

de Praga, estudiosos pós-saussureanos como Trubetzkoy, Jakobson, Martinet e

Mathesius começaram a reconhecer diferentes funções da linguagem nos fonemas e na

morfologia. Houve, então, a percepção de que, do ponto de vista pragmático, há

diferenças entre sentenças estruturalmente semelhantes, a partir de análises de sentenças

efetivamente enunciadas. Essas sentenças, conforme explica Furtado da Cunha (2008),

são analisadas por Jan Firbas, também da Escola de Praga, que criou, na década de

1960, um modelo de análise das estruturas da língua a partir das funções comunicativas.

Sobre a Escola Linguística de Praga, Neves (2001[1997]) afirma que se tratou de

um grupo de linguistas que, iniciando sua atuação antes de 1930, defendia que a

linguagem consente ao ser humano a reação e a referência à realidade extralinguística,

veiculando informações e também estabelecendo relações com a situação da fala e o

contexto linguístico. A autora busca distinguir esse modelo de visão de língua como

uma entidade não suficiente em si em oposição a um outro – estruturalista -, que

concebe e analisa a língua e, por conseguinte, a estrutura linguística como objetos

autônomos.

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34

Nessa perspectiva, Neves (200 [1997]) faz uma oposição entre as duas grandes

correntes do pensamento linguístico: o funcionalismo e o formalismo21

. Enquanto a

vertente formalista busca justificar o sistema linguístico a partir de seus próprios

subsistemas (valorizando apenas aspectos como fonemas, morfemas, palavras e

sintagmas), os funcionalistas buscam descrever a linguagem em seu funcionamento a

partir de questões como prosódia e discurso. A autora cita Dik (1987) para fazer essa

distinção:

No paradigma formal, a linguagem é vista como um sistema abstrato

autônomo em relação aos modos de uso, enquanto, no paradigma funcional,

considera-se que as expressões linguísticas não são objetos funcionais

arbitrários, mas têm propriedades sensíveis e co-determinadas por

determinantes pragmáticos da interação verbal humana. (DIK, 1987 apud

NEVES, 2001 [1997], p. 46).

Neves (2001 [1997]), a partir das ideias de Dik (1987), constrói um quadro

comparativo em que se descrevem as visões formalista e funcionalista para questões

como conceito de língua, função da língua, relação entre sintaxe, semântica e

pragmática:

21

As duas correntes que representam o Formalismo Linguístico são o Estruturalismo (SAUSSURE, 1916)

e o Gerativismo (CHOMSKY, 1957). O Estruturalismo se propõe a analisar qualquer língua como um

sistema estrutural regido por normas internas. E o Gerativismo se propõe a uma descrever uma gramática

universal com um conjunto finito de regras capaz de gerar infinitas sentenças.

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35

PARADIGMA

FORMAL

PARADIGMA

FUNCIONAL

Como definir a

língua

Conjunto de orações. Instrumento de interação social.

Principal função da

língua

Expressão dos pensamentos.

Comunicação.

Comunicação.

Correlato psicológico Competência: capacidade de

produzir, interpretar e julgar

orações.

Competência comunicativa:

habilidade de interagir

socialmente com a língua.

O sistema e seu uso O estudo da competência tem

prioridade sobre o da atuação.

O estudo do sistema deve fazer-

se dentro do quadro do uso.

Língua e

contexto/situação

As orações da língua devem

descrever-se independentemente do

contexto/situação

A descrição das expressões

deve fornecer dados para a

descrição de seu funcionamento

num dado contexto.

Aquisição da

linguagem

Faz-se com uso de propriedades

inatas, com base em um input

restrito e não estruturado de dados.

Faz-se com a ajuda de um

input extenso e estruturado de

dados apresentados no contexto

natural.

Universais

linguísticos

Propriedades inatas do falante. Explicados em função de

restrições: comunicativas,

biológicas ou psicológicas;

contextuais.

Relação entre a

sintaxe, a semântica e

a pragmática

A sintaxe é autônoma em relação à

semântica; as duas são autônomas

em relação à pragmática; as

prioridades vão da sintaxe à

pragmática, via semântica.

A pragmática é o quadro dentro

do qual a semântica e a sintaxe

devem ser estudadas; as

prioridades vão da pragmática à

sintaxe, via semântica.

Quadro 3: Paradigma formal x Paradigma funcional (DIK, 1987 apud NEVES, 2001 [1997], p. 46-47).

FONTE: NEVES, 2001 [1997], p. 46-47

A partir do quadro 3, nota-se, de modo geral, que, enquanto os formalistas

tomam a língua como objeto descontextualizado, cujas propriedades atuam de modo

autônomo sobre o processo de construção de sentenças, os funcionalistas consideram os

processos de interferência de fatores extralinguísticos durante a interação social,

observando a estrutura linguística concomitantemente com a análise do contexto

discursivo-pragmático; em decorrência disso, demonstram que há uma constante

adaptação da língua à situação comunicativa.

De acordo com Furtado da Cunha, Oliveira e Martelotta (2015, p. 21), a análise

funcionalista diverge da perspectiva formalista tanto na concepção da língua como um

instrumento de interação social quanto no objeto de estudo, que vai além da mera

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36

descrição da estrutura linguística, partindo para a investigação do contexto discursivo, o

qual é encarado como elemento motivador da formulação da estrutura de uma sentença.

A visão de língua adaptável proposta pelos funcionalistas permite a Castilho

(2012) afirmar que:

a gramática das línguas naturais é um conjunto de escolhas formuladas pelo

falante. Essa gramática não é estática. Ao insistir em que a gramática deve

retratar o dinamismo da língua, alguns autores chegam a afirmar que não há

gramática, há gramaticalizações. (CASTILHO, 2012, p. 22).

Com o objetivo de propor fundamentos que unifiquem o funcionalismo, Castilho

(2012) descreve três postulados funcionalistas, que, segundo ele, só se difeririam quanto

ao foco que cada autor dá sobre determinado elemento. O primeiro postulado diz

respeito à visão da língua como competência comunicativa, que, de acordo com Neves

(2001 [1997], p. 15), “é a capacidade que os indivíduos têm não apenas de codificar ou

decodificar expressões, mas também usar e interpretar essas expressões de maneira

interacionalmente satisfatória”. O segundo postulado estabelece que os funcionalistas

não consideram as estruturas linguísticas como objetos autônomos, sendo vistas,

portanto, como flexíveis e sujeitas às pressões do uso, não arbitrárias e submetidas a

constantes processos de gramaticalização. O terceiro e último postulado explica que a

busca da explicação linguística deve ser sustentada nos usos e numa visão pancrônica

(sincrônica e diacrônica) da língua, ou seja, para o funcionalismo, são as funções

impostas pelas necessidades comunicativas que geram as estruturas linguísticas e não o

contrário. Sobre isso, Mackenzie (1992), citado por Neves (2001 [1997], p. 22), defende

que

a gramática funcional tem como hipótese fundamental a existência de uma

relação não-arbitrária entre a instrumentalidade do uso da língua (o

funcional) e a sistematicidade da estrutura da língua (a gramática). Em outras

palavras, a gramática funcional visa explicar regularidades dentro das línguas

e através delas, em termos de aspectos recorrentes das circunstâncias sob as

quais as pessoas usam a língua. (MACKENZIE, 1992 apud NEVES, 2001

[1997], p. 22)

Na perspectiva funcionalista, portanto, a dinamicidade da língua é

evidentemente motivada, havendo constantes motivações pragmáticas durante o

processo de interação comunicativa. O objeto de estudo deste trabalho, item gramatical

onde será descrito, a posteriori, como evidência desses processos de mudança, já que

tem sido usado com distintas funções semântico-pragmáticas.

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37

2.1.1 Funcionalismo norte-americano: conceitos e postulados

Segundo Martelotta e Areas (2015), os estudos de Sandra Thompson, Paul

Hopper e Talmy Givón, a partir da década de 1970, foram fundamentais para a

consolidação do funcionalismo nos Estados Unidos. Esses linguistas aprofundaram

pesquisas por uma gramática baseada no uso com o objetivo de analisar a língua na

perspectiva dos contextos linguístico e extralinguístico. Conforme afirmam Martelotta e

Areas (2015):

De acordo com essa concepção, a sintaxe é uma estrutura em constante

mutação em consequência das vicissitudes do discurso. Ou seja, a sintaxe tem

a forma que tem em razão adas estratégias de organização da informação

empregadas pelo falante no momento da interação discursiva.

(MARTELOTTA;AREAS, 2015, p. 17).

Conforme exposto por Martelotta e Areas (2015), seguindo essa concepção de

constituição de uma gramática sempre condicionada pelo discurso, Talmy Givón

formula princípios fundamentais para a comprovação da motivação entre os contextos

discursivos e as estruturas gramaticais: a iconicidade, a valorização da parole e a

pancronia. Assim, para os funcionalistas, há uma relação entre a estrutura linguística e o

que ela designa e essa relação reflete o modo como se organizam as propriedades da

mente humana. Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2015, p. 22) apontam que essa

relação já fora discutida na antiguidade clássica, quando, a partir de um embate

ideológico contra os convencionalistas, os naturalistas já propunham uma relação

motivacional entre forma e conteúdo. O tema se desenvolve ainda mais quando, no

início do século XX, Saussure mostra-se mais favorável ao que pregavam os

convencionalistas, ressaltando a questão da arbitrariedade entre o significante e o

significado (FURTADO DA CUNHA; OLIVEIRA; MARTELOTTA, 2015).

Em 1940, Pierce toma posição diversa à de Saussure, propondo que há uma

motivação moderada entre a sintaxe de uma língua e seu designatum. Segundo ele,

existe uma interação entre princípios cognitivamente motivados (icônicos) e aqueles

com motivação arbitrária (simbólicos), o que cria uma relação isomórfica na sintaxe.

Bolinger (1997 apud FURTADO DA CUNHA; COSTA; CEZARIO, 2015) ressalta essa

motivação ao propor que é condição natural de uma língua manter uma forma para um

sentido. No entanto, há diversos estudos que refutam essa ideia, indicando que, em

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38

determinados contextos comunicativos, há uma opacidade entre as estruturas

linguísticas e a diversidade de papéis que elas designam. Furtado da Cunha, Costa e

Cezario (2015) indicam que os estudos de natureza variacionista constataram formas

diferentes de dizer “a mesma coisa”, o que induziu à reformulação desse princípio de

iconicidade. Como evidência de que a iconicidade pode se perder, os autores citam a

pesquisa de Silva (2000) sobre o sufixo –inho e suas diferentes funções no discurso de

noção de diminutivo (criancinha), conotação pejorativa (gentinha) e até intensificação

(devagarzinho).

O objeto de estudo deste trabalho também exemplifica uma noção contrária ao

que inicialmente se concebeu como iconicidade: o onde, funcionando como conector

textual, tem desempenhado múltiplos papéis semânticos, tais como explicação,

conclusão etc, em textos tanto falados como escritos.

A constatação de que seria necessário refletir sobre o princípio da iconicidade

levou Givón (1984 apud Cezario, 2012) a propor três divisões para ele. São

subprincípios que consideram: (i) a quantidade de informação, (ii) o grau de integração

entre os constituintes da expressão e do conteúdo e (iii) a ordenação linear dos

segmentos. Para descrição desses princípios, baseia-se aqui em Neves (2001 [1997]),

Cezario (2012) e Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2015).

O subprincípio da quantidade estabelece uma relação de proporcionalidade entre

a quantidade e a abrangência das informações a serem transmitidas e o número de

formas utilizadas (CEZARIO, 2012). Neves (2001 [1997]) afirma que o subprincípio da

quantidade é o mais evidente para a relação da iconicidade: quanto maior um texto,

mais informação está contida nele. Dessa forma, um pensamento mais complexo deve

estruturar-se linguisticamente de modo proporcionalmente complexo. Segundo ela, “um

texto maior deve conter mais informação do que um texto menor, já que, admitida a

relação icônica entre forma e organização do conteúdo, maior quantidade de matéria

fônica deve corresponder a maior quantidade de conteúdo” (NEVES, 2001 [1997], p.

107).

O subprincípio da integração ou proximidade estipula que a integração, no

plano cognitivo, entre os conceitos é também elemento motivador para maior integração

morfossintática (CEZARIO, 2012). Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2015), a partir

de um estudo realizado por Costa (2000), citam, como exemplo de atuação desse

subprincípio, a diminuição da frequência de concordância entre sujeito e verbo quando

esses dois elementos se mostram menos integrados, devido à presença de material

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39

linguístico entre eles. A atuação desse subprincípio é ilustrada no exemplo abaixo, no

qual se reconhece que a presença de um aposto (o da atriz Daniela Perez e o da menina

que foi queimada pelos sequestradores) favorece a falta de concordância entre o núcleo

do sujeito (assassinatos) e o verbo (ressuscitou).

(01) Há pouco tempo atrás, dois bárbaros assassinatos, o da atriz Daniela Perez

e o da menina que foi queimada pelos sequestradores ressuscitou a polêmica

da Pena de Morte. (Corpus D&G/Natal: 321)22

O subprincípio da ordenação linear propõe que, em primeiro plano, seja

colocada a informação mais importante ou mais tópica (CEZARIO, 2012). Em outras

palavras, esse subprincípio prevê uma organização dos elementos na sentença de acordo

com seu grau de importância para o falante. Dessa forma, a sequência cronológica, por

exemplo, segue esse subprincípio, ordenando os acontecimentos linearmente de acordo

com o período em que ocorreram. A frase “Vim, vi e venci” é citada por Furtado da

Cunha, Costa e Cezario (2015) para exemplificar essa ordenação.

Além do princípio da iconicidade, o Funcionalismo Linguístico também

considera o princípio da marcação. Tavares (2008, p. 12) afirma que esse princípio se

originou na Escola de Praga a partir da noção de valor linguístico já proposta por

Saussure e cita Givón (2001) para defini-lo: “categorias que são estruturalmente mais

marcadas tendem também a ser substantivamente mais marcadas” (Givón, 2001 apud

Tavares, 2008, p. 13). A autora exemplifica o princípio da marcação com a oposição

binária de marcação de plural no português a partir da presença ou ausência da

desinência –s. Tavares (2008) ressalta que, segundo esse princípio, as formas mais

marcadas tendem ser usadas em contextos mais complexos do que as não marcadas. Ao

definir critérios para identificação de formas mais ou menos marcadas, Givón (1990

apud Furtado da Cunha, Costa e Cezario, 2015. p. 25-6) propõe a análise da: (i)

complexidade estrutural: a estrutura marcada tende a ser maior ou mais complexa do

que a estrutura sem marcação que a corresponde; (ii) distribuição da frequência: a

estrutura não marcada tem uma tendência a ser mais frequente do que a estrutura

marcada correspondente; (iii) complexidade cognitiva: a estrutura marcada

normalmente é mais complexa cognitivamente do que a não marcada, e essa

22

Exemplo extraído de Costa (2000 apud Furtado da Cunha, Costa e Cezario, 2015, p. 25).

Page 42: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE … · instrumental, objeto, pessoa, explicação/causa e resultado/consequência). A depender do seu valor semântico, onde pode representar

40

complexidade pode ser da ordem do esforço mental, tempo de processamento e

demanda de tempo.

O terceiro princípio funcionalista proposto por Givón, ainda conforme o que

dizem Martelotta e Areas (2015), diz respeito ao questionamento da dicotomia

sincronia x diacronia. Diferentemente dos estruturalistas – que propunham a

segregação entre as análises sincrônica e diacrônica –, os funcionalistas adotam uma

concepção pancrônica de mudança, observando “as forças cognitivas e comunicativas

que atuam no indivíduo no momento concreto da comunicação e que se manifestam de

modo universal” (MARTELOTTA; AREAS, 2015, p. 20).

A gramática funcional, portanto, a partir de situações reais de comunicação,

objetiva investigar de que forma as expressões linguísticas são usadas na interação

social e de que forma elas são interpretadas nos contextos sociocomunicativos. Em

muitos casos, essas expressões tendem a se modificar em sua forma e/ou função e sofrer

reanálise categorial, o que tem sido estudado, dentro da corrente funcionalista, a partir

da abordagem da gramaticalização.

2.2 Gramaticalização

Dentro da concepção funcionalista, o fenômeno da gramaticalização tem sido

um dos mais produtivos e aceitos como evidência da não-estaticidade da gramática.

Ocorre processo de gramaticalização quando um item lexical passa a funcionar como

gramatical ou quando um item gramatical adquire funções ainda mais gramaticais, como

afirmam Hopper e Traugott (2003[1993]):

Gramaticalização é geralmente considerada como um subconjunto de

mudanças linguísticas em que um item ou construção lexical em

determinados usos assume características gramaticais, ou através do qual um

item gramatical se torna mais gramatical (HOPPER; TRAUGOTT,

2003[1993], p. 2, tradução nossa)23

.

Em um capítulo sobre a história da gramaticalização, Hopper e Traugott

(2003[1993]) afirmam que esse processo tem sido caracterizado de muitas maneiras

diferentes e já ocupou posições, tanto centrais como marginais, na linguística.

Mencionam Antoine Meillet como o provável criador do termo gramaticalização, além

23

“Grammaticalization is usually thought of as that subset of linguistic changes whereby a lexical item or

construction in certain uses takes on grammatical characteristics, or through which a grammatical item

becomes more grammatical” (HOPPER; TRAUGOTT, 2003[1993], p. 2).

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41

de citarem estudiosos mais recentes que se debruçam sobre esse fenômeno. Segundo os

autores, Meillet, que fora estudante de Saussure, analisou a gramaticalização como

“atribuição do caráter gramatical a uma palavra antes autônoma” ("l'attribution du

caractere grammatical a un mot jadis autonome") (MEILLET 1912, p. 131 apud

HOPPER; TRAUGOTT, 2003[1993], p. 19).

Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2015, p. 42) descrevem que, no início do

percurso dos processos de regularização de usos da língua, não há uma ocorrência

regular dos fenômenos; todavia, com o uso e a repetição o que antes era casuístico passa

a se fixar e se estabelecer em norma e entrar na gramática, ou seja, passa a ser uma

forma gramaticalizada. Há, então, um momento estabilização, em que ocorre um “nível

de iconicidade maior, isto é, relação transparente entre expressão e conteúdo, resultando

no máximo de economia comunicativa e no máximo de rentabilidade sistemática”

(FURTADO DA CUNHA; COSTA; CEZARIO, 2015, p. 42).

No entanto, ainda segundo Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2015), essa

estabilidade é relativa e aparente, pois o que era constante começa a se desgastar e a

entrar em um progressivo processo de esvaziamento semântico, chegando a um nível

em que deixam de obedecer a padrões de seleção e alcançam a abstratização do

discurso. Os autores citam como exemplo o estudo de Oliveira (2000), que analisa o

deslizamento de sentido do item onde. Na trajetória desse item gramatical, há mudança

nos valores semânticos dos seus referentes de lugar físico (02) para tempo (03) e

também ocorre a recategorização do item, chegando a ser descrito como marcador

discursivo (04), sem significado lexical, usado para organizar e planejar internamente o

turno. O estudo de Oliveira (2000) exemplifica o esquema proposto por Heine, Claudi e

Hünnemeyer (1991), que formulam uma representação dos processos de

gramaticalização de itens mais concretos para outros mais abstratos, descrevendo uma

trajetória de abstratização gradativa dos elementos linguísticos: espaço > (tempo) >

texto.

(02) ... no banheiro nós vamos encontrar ... uma prateleira ... onde fica os utensílios

pessoais ... (corpus D&G/Natal: 309)

(03) ... depois disso ... teve a noite onde foi escolhido o grupo de cinco pessoas mais

ou menos ... (corpus D&G/Natal: 304)

(04) ... eu acho que ao invés das pessoas sair na rua ... pedindo para ser implantado a

pena de morte no Brasil ... deveria estar lutando por outras ... outros métodos ...

outros objetivos ... de melhores condições de vida ... de melhor educação para os

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42

seus filhos ... onde as pessoas poderiam viver num país bom ... certo? (corpus

D&G/Natal: 314)24

O presente estudo, tal como o de Oliveira (2000), também se debruça sobre o

estudo do item gramatical onde e, no capítulo de análise dos dados, se propõe a

descrever casos de deslizamentos de sentido desse item. No corpus aqui examinado,

encontram-se alguns exemplos de onde que ilustram o deslizamento semântico expresso

no continuum de Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991):

(05) A poluição sonora é um problema que traz muitos efeitos negativos à

população, afetando à saúde auditiva. Em baixa intensidade, o som não

causa danos, mas com forte intensidade, pode gerar danos graves, levando

as pessoas à surdez e, suas ondas (fisicamente falando) podem gerar

rachaduras em paredes, tetos, etc. Para que toda a incomodação acabe, são

necessárias medidas urgentes de conscientização popular, pois ninguém

gosta ou merece viver em ambientes onde é desrespeitado. (FIM DO

TEXTO) (R22)25

(06) Já os poluidores que utilizam do carro de passeio para propagar o som são

extremamente individuais, e com a precariedade de apoio dos órgãos

responsáveis acabam inibindo a quem sofre com a recepção sonora, pois

quando se reclama com o poluidor, o mesmo pode ter uma alteração

comportamental gerando a violência. No fim de semana é onde tem mais

ocorrência porque existem bairros que viram o dia com o som ligado, como

os bairros de São Caetano e Fazenda Grande do Retiro. (R147)

(07) Pessoas conversam ao mesmo tempo expostas a sons altos e intenso, para

alguns imperceptível para outros um verdadeiro incomodo, torna uma

cidade que está em constante desenvolvimento em um pouco mais

silenciosa é uma tarefa quase impossível, não só devemos considerar o

silencio uma questão social, deve também se aplicar como uma questão de

respeito ao próximo, respeitar cada gosto peculiar quando se trata de musica

onde devemos aceitar e respeitar cada espaço seja particular ou urbano.

Quando se tratar de lazer cada pessoa ao responsável crie seu mecanismo,

respeitando o limite de volume e horário, onde motoristas que estejam

desrespeitando esse limite, além de o som apreendido, e multado, perdece

pontos em sua carteira (...) (R347c)

No exemplo (05), o onde remete à expressão “ambientes”, ou seja, apresenta

valor locativo, com referência a um termo de valor físico concreto que é o valor

24

Exemplos retirados de Oliveira (2000 apud FURTADO DA CUNHA; COSTA; CEZARIO, 2015, p.

43). 25

Os exemplos foram identificados com a letra “R”, indicando a inicial de Redação, seguida da

numeração dos textos de acordo com a ordem de ocorrência no corpus.

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43

semântico mais usado para o onde; nesse caso, constitui o valor semântico inicial da

trajetória de deslizamento semântico proposta por Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991).

Em (06), o referente de onde é o sintagma preposicional “no fim de semana”,

numa referência clara ao valor de tempo. A transposição da noção de espaço para tempo

se dá por meio do que Lakoff (1998, p. 102) chama de “uma locação no espaço”. O

valor de lugar que o onde carrega de sua origem é transposto para uma referência mais

abstrata, como a noção de tempo, o que pode ser visto como indício de processo de

maior abstratização. Em (7), o onde introduz um resultado ou consequência, a partir da

afirmação sobre o respeito ao gosto individual relacionado à música: nesse caso, o autor

do texto apresenta uma declaração consecutiva logo após o onde, indicando que é

necessário “aceitar e respeitar cada espaço”. Constata-se que não há referência ao

sintagma nominal anterior (“música”), mas, sim, uma relação entre os sentidos das

orações que se unem a partir do onde. Como se discutirá no capítulo de análise dos

dados, essa aparente ausência de referente pode ser considerado um indício de que o

item gramatical onde está se tornando ainda mais gramatical, passando a exercer novas

funções no texto.

Essa hipótese de gramaticalização do item onde também já foi estudada por

Oliveira (1997), Coelho (2001), Souza (2003), Lima (2007), Siqueira (2009), entre

outros, como se verá no item 1.5. Na seção referente à análise de dados, far-se-ão as

devidas considerações sobre esse fenômeno no corpus selecionado para este estudo.

2.2.1 Princípios da Gramaticalização

Para se estabelecerem bases norteadoras que regem o processo de

gramaticalização, alguns autores têm se dedicado a descrever as gradativas etapas desse

processo, delineando seus princípios fundamentais.

Dentre esses autores, destaca-se o linguista Paul Hopper, que é um dos nomes

mais importantes para o desenvolvimento de estudos sobre a gramaticalização.

Expoente do chamado Funcionalismo Norte-americano, estabeleceu critérios

fundamentais para o reconhecimento de processos de gramaticalização. Em 1991, com o

objetivo de suplementar o que seu antecessor Lehmann (1985)26

já havia descrito,

26

Hopper (1991) afirma que a descrição da gramaticalização de Lehmann (1985) analisa apenas formas já

bastante gramaticalizadas, indicando somente tendências.

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44

Hopper, no texto “On some principles of grammaticization”, descreve os princípios

para se reconhecer os estágios de um processo de gramaticalização.

Na fase da estratificação, as novas formas emergentes coexistem com as antigas

dentro do mesmo domínio funcional, como uma nova camada ao lado de outras. Hopper

designa como domínio funcional áreas gerais como aspecto, tempo, referência,

modalidade e caso. Segundo o princípio da estratificação, uma forma não emerge em

substituição de outra, mas em acúmulo de formas com diferenças sutis entre elas dentro

do mesmo domínio funcional. Neves (2001 [1997], p. 124) cita como exemplos de

estratificação as formas de tratamento mistress („mulher‟), mrs („senhora‟) e miss

(„senhorita‟), que “representam diferentes graus do que foi originalmente; são diferentes

„camadas‟ de termos de tratamento (às quais alguns adicionariam uma camada posterior,

ms [miz])”.

Em uma superposição à estratificação, como uma forma especial de camada de

estratificação, está o princípio da divergência. Segundo esse princípio, uma forma

lexical pode sofrer gramaticalização e também continuar como forma autônoma,

podendo inclusive manter suas potencialidades de mudança como forma lexical. Neves

(2001 [1997]) retoma o exemplo de mistress para exemplificar a divergência, porque

esse substantivo continuou existindo e mantendo significado análogo ao original,

mesmo tendo passado por gramaticalização ao originar as formas mrs e miss.

A etapa que se segue à divergência é a que Hopper (1991) chama de

especialização. Nessa fase, estreita-se a possibilidade de escolha de formas dentro de

um mesmo domínio, ou seja, o falante tem menos opções para usar em determinada

função porque uma dessas opções passa a ser mais usada, já que é a forma em processo

de gramaticalização. Consequentemente, ocorre o aumento da frequência de ocorrências

dessa forma e, posteriormente, há o que Lehmann (1985) chamou de princípio da

obrigatoriedade de uso, que se dá no final do processo de gramaticalização.

O princípio da persistência prevê a permanência de vestígios de traços

semânticos da forma lexical original na forma em gramaticalização. Com isso, é

possível que o comportamento gramatical da nova forma tenha restrições baseadas no

significado do item lexical que lhe deu origem. Neves (2001 [1997]), mais uma vez, se

refere ao o caso de mrs (feminino de master) que mostra a permanência do sentido do

substantivo mistress para designar mulheres adultas.

A descategorização ou decategorização prevê a perda de marcas

morfossintáticas da forma gramaticalizada em relação à sua forma fonte. Assim, a forma

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45

gramaticalizada tende a reduzir marcas morfológicas, características sintáticas e

referências a conceitos, qualidades, ações etc, passando a desempenhar funções mais

gramaticais como preposição, adjetivo, particípio, dentre outros. Lopes (2003), em

estudo sobre a trajetória de gramaticalização de a gente, sinaliza a decategorização

dessa expressão, que passa a apresentar propriedades que a assemelham aos pronomes.

Ao pronominalizar-se, “gente” passa a ter uma posição mais fixa dentro do sintagma

nominal “a gente”, com maior tendência a ocorrer isolado no SN e sem modificadores

internos, como acontece com maior frequência com os outros pronomes pessoais.

2.2.2 O princípio de unidirecionalidade e algumas trajetórias de gramaticalização

propostas

Nos estudos funcionalistas sobre o processo de gramaticalização, há a

proposição de distintas trajetórias de deslizamentos semânticos e/ou gramaticalização

dos itens, em que se evidencia a unidirecionalidade da mudança como um processo

contínuo. Para Neves (2001[1997]), essa é uma característica básica do processo de

gramaticalização e parte da prerrogativa de que uma mudança que percorre um

determinado sentido não pode reverter essa direção.27

Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2015, p. 45) descrevem a trajetória

funcional unidirecional da gramaticalização proposta por Givón (1979) para representar

os processos através dos quais a língua se regulariza diacronicamente:

(08) Discurso > sintaxe > morfologia > morfofonologia > zero

Esse esquema propõe que os itens lexicais em gramaticalização começam

desempenhar funções gramaticais ainda não totalmente definidas no discurso. Através

de progressiva repetição, pode-se identificar maior previsibilidade e regularidade nesses

usos, de modo a se constituir em uma estrutura sintática nova com características

morfológicas especiais. É possível ainda que essas formas se tornem, com o uso em

progresso, mais dependentes como um clítico ou um afixo, podendo inclusive haver

reduções fonológicas. Posteriormente, essa estrutura tende a passar por desgaste formal

27

Há autores que questionam o princípio da unidirecionalidade (cf. Oliveira (2000), Ferreira (2003) e

Abraçado (2006)).

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46

e funcional, o que pode levar até mesmo ao seu desaparecimento, iniciando-se, assim,

um novo ciclo (FURTADO DA CUNHA; COSTA; CEZARIO, 2015).

No nível da semântica, o processo da gramaticalização é descrito por uma

trajetória que propõe a passagem das noções mais concretas para as mais abstratas.

Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991) propõem o primeiro continuum desse progressivo

processo de abstratização, o qual concebe o corpo como ponto de partida para a

referência semântica mais concreta, chegando ao nível da qualificação como o mais

abstrato:

(09) Pessoa > objeto > processo > espaço > tempo > qualificação

A respeito dessa abstratização semântica progressiva, Heine, Claudi e

Hünnemeyer (1991), a fim de descreverem a gramaticalização dos conectores, indicam

que a noção mais concreta é a de espaço, seguida ou não pela noção de tempo e

chegando à categoria mais abstrata, que é a de texto, consoante se observa na trajetória

abaixo:

(10) Espaço > (tempo) > texto

Martelotta, Votre e Cezario (1996) consideram que a trajetória espaço > discurso

constitui um exemplo de processo metafórico, através do qual, segundo os autores,

“conceitos que estão próximos da experiência humana são utilizados para expressar

aquilo que é mais abstrato e, consequentemente, mais difícil de ser definido”

(MARTELOTTA, VOTRE e CEZARIO, 1996, p. 54). Citam ainda o caso de lá e isso,

que, originalmente, são dêiticos e passam a ter valor anafórico dentro do texto:

em frente à cama tem a televisão... que fica também na frente da janela

assim... o que mais? que ela fica no alto... assim... até é um saco... que o meu

controle... às vezes/ quebrou... e aí... à noite assim... eu durmo e aí eu... “a::i

não... tenho que apagar a televisão”... aí levanto... vou lá... a... aí desligo... é

um saco... isso é um saco... (MARTELOTTA, VOTRE e CEZARIO, 1996. p.

55)

Destaca-se que lá faz referência ao lugar em que está a televisão, e o isso remete

à necessidade de levantar e desligar o aparelho anteriormente citado, o que constitui

casos de anáfora, ou seja, referência intratextual a expressões anteriormente citadas.

Dessa forma, os itens destacados demonstram estar em processo de gramaticalização

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47

por desempenharem funções mais associadas ao valor textual do que ao espacial, a que

se propunham anteriormente (quando usados como dêiticos).

2.3 Sociolinguística

A Linguística, desde o seu surgimento, vem se desenvolvendo em suas mais

diversas ramificações, dentre as quais se destaca a área da Sociolinguística, que tem

como objetivo estudar os usos da língua, além de analisar as relações entre língua e

sociedade.

O marco inicial no desenvolvimento dos estudos sociolinguísticos foi a

conferência sobre sociolinguística organizada por William Bright em maio de 1964, na

Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA). No evento, do qual participaram

nomes que vieram a se tornar expoentes da sociolinguística, como William Labov, Dell

Hymes e John Gumperz, foram discutidos temas direcionados à relação entre língua e

sociedade, e dele resultou um texto considerado fundante para a nova área da linguística

que surgia, denominado As dimensões da sociolinguística (BRIGHT, 1974 [1966] apud

CAMACHO, 2013, p. 35).

A sociolinguística hoje envolve estudos de diversos enfoques na relação entre os

usos da linguagem e o contexto social. Camacho (2013) ressalta as três grandes

vertentes que compõem essa disciplina: (i) a sociologia da linguagem se dedica a

relacionar as situações dialetais com os fatores sociais, o desenvolvimento do

bilinguismo em nações complexas socialmente e o planejamento linguístico de nações

emergentes; (ii) a etnografia da comunicação lida com os chamados “eventos de fala” e

as regras que envolvem o processo da comunicação, dando origem a muitas pesquisas

sobre a análise da conversação e a sociolinguística interacional; (iii) a sociolinguística

variacionista, proposta por William Labov, traz um modelo teórico-metodológico de

análise de dados que serve de base para inúmeros estudos até a atualidade. A chamada

Teoria da Variação visa à explicação das diferentes formas de uso de uma língua que se

equivalem semanticamente, associando-as a regras internas de funcionamento da língua

e a fatores externos, como faixa etária, gênero, condição econômica e grau de

escolaridade do falante.

Labov (2008[1972]) defende o estudo da língua tal como “usada na vida diária

por membros da ordem social, este veículo de comunicação com que as pessoas

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48

discutem com seus cônjuges, brincam com seus amigos e ludibriam seus inimigos”

(LABOV, 2008[1972], p. 13).

Nessa perspectiva, os estudos de caráter sociolinguísticos investigam a relação

entre a língua e os fatores sociais que possam atuar sobre ela. Segundo Mollica (2004,

p. 9), a Sociolinguística “se faz presente um espaço interdisciplinar, na fronteira entre

língua e sociedade, focalizando precipuamente os empregos linguísticos concretos, em

especial os de caráter heterogêneo”. Dessa maneira, tem-se a heterogeneidade como

foco dessa ciência, que visa à análise da variação linguística de natureza fonética,

morfológica, sintática, lexical ou no domínio pragmático-discursivo.

Considera-se que há variação linguística quando se encontram formas

linguísticas diferentes para se fazer referência ao mesmo significado ou desempenhar a

mesma função no sistema linguístico. Nas palavras de Pagotto (2006, p. 54), “a ideia

básica da Sociolinguística é a de que a língua abre, em vários lugares estruturais ou

lexicais, a possibilidade da utilização de uma ou outra forma”. É, portanto, foco dos

estudos sociolinguísticos analisar os padrões de comportamento das variantes

linguísticas dentro de uma comunidade de fala especificada, detalhando esses padrões

de modo a relacioná-los à ocorrência das variantes, com o objetivo de comprovar que o

sistema linguístico deve ser plural e heterogêneo para desempenhar funções também

plurais e heterogêneas (MOLLICA, 2004).

Ainda segundo Mollica (2004), é papel da Sociolinguística a investigação do

grau de estabilidade ou de mutabilidade da variação, além da indicação dos elementos

internos ou externos à língua que contribuem para o surgimento de formas linguísticas

alternativas, observando seu comportamento regular e sistemático.

Conhecida também como Teoria da Variação, a Sociolínguística Variacionista,

proposta, na década de 1960, por William Labov, preconiza que a variação linguística é

um fenômeno universal e que existem formas linguísticas alternativas chamadas

variantes. Portanto, variantes são as diversas formas de usos para uma mesma função, o

que configura um fenômeno variável. Do ponto de vista metodológico, a esse fenômeno

dá-se o nome de variável dependente. Mollica (2004, p. 11) cita como exemplo de

variável dependente a concordância entre verbo e sujeito, já que existem duas opções

possíveis e semanticamente equivalentes para a realização da marca de plural ou não no

verbo. A autora ainda explica que a variável é chamada de dependente porque se

presume que haja dependência da atuação de grupos de fatores estruturais ou sociais

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49

para a ocorrência de uma variante ou outra. Esses grupos de fatores são denominados

variáveis independentes.

Um outro exemplo é o da variação de onde e em que, tomada como variável

dependente no trabalho de Braga e Manfilli (2004), que identificam as propriedades

gramaticais associadas ao uso do onde como elemento anafórico que faz referência a

expressões não locativas. As autoras categorizam as ocorrências e analisam a

possibilidade de substituir onde por um sintagma preposicional e investigam grupos de

fatores sintáticos e semânticos, tais como função sintática e valores semânticos do onde,

que motivam o uso do item analisado.

As variáveis independentes são fundamentais para o desenvolvimento de

critérios para uma a análise da heterogeneidade linguística, que, na visão da

Sociolinguística, é algo inerente ao sistema e guiada pelas interferências sociais e

linguísticas. Em busca dessa descrição dos elementos externos motivadores para usos

linguísticos, os sociolinguistas elencam variáveis sociais como condição

socioeconômica, idade, sexo e escolaridade, categorizando os falantes e associando

essas circunstâncias à ocorrência das variantes. Concomitantemente, são também

elencados grupos de fatores estruturais da língua que podem atuar como favoráveis ou

desfavoráveis ao surgimento de determinada variante.

Outro pressuposto fundamental à Sociolinguística é que a mudança linguística

sempre decorre da variação, mas nem toda variação linguística chega a promover uma

mudança (LABOV, 2008 [1972]; WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968]).

Assim, diz-se que os processos de mudança linguística estão em estágios de

coocorrência, quando há momentos sincrônicos de variação, ou seja, em um mesmo

período, duas ou mais variantes da mesma variável podem ser encontradas na língua.

Há, porém, também fenômenos em concorrência, em que apenas uma das formas

permanece. O que motiva essa seleção é o que deve ser perseguido pelo sociolinguista,

já que, segundo Labov (2008 [1972]), a heterogeneidade da língua não é aleatória, mas

motivada por regras. Nas palavras do autor, “[...] não se pode fazer nenhum avanço

importante rumo ao entendimento do mecanismo da mudança linguística sem o estudo

sério dos fatores sociais que motivam a evolução linguística” (LABOV, 2008[1972], p.

291).

A Sociolinguística Variacionista, como qualquer área do conhecimento, tem

desenvolvido metodologias próprias de análise de dados, sendo, por essa razão,

considerada um modelo teórico-metodológico. Para que se faça uma análise

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50

sociolinguística, os passos metodológicos, conforme explicitado por Tavares (2013),

são os seguintes: definição do envelope de variação: identifica-se a variável e suas

formas variantes; levantamento de hipóteses: buscam-se os parâmetros condicionadores

de natureza sociocultural, linguística e estilística; coleta, codificação e submissão dos

dados a tratamento estatístico para medir a influência dos fatores; verificação das

hipóteses.

Na perspectiva da Teoria da Variação, o estudo quantitativo, pautado na

combinação e na correlação dos dados, é fundamental. Nas palavras de Naro (2004),

Tal como existem condições ou regras que obrigam o falante a usar certa s

formas (a casa) e não outras (casa a), também existem condições ou regras

mudáveis que funcionam para favorecer ou desfavorecer, variavelmente e

com pesos específicos, o uso de uma ou outra forma. [...] deve ser possível

identificar uma série de categorias independentes que influem neste uso.

Estas categorias podem ser internas ao sistema linguístico ou externas a ele

(NARO, 2004, p. 15).

Segundo Naro (2004), para a análise quantitativa dos dados transmitir uma

leitura confiável dos fenômenos estudados, faz-se necessário ir além da observação dos

percentuais brutos de uso, de que forma possam ser analisadas as ocorrências do

fenômeno e a atuação simultânea de regras variáveis presentes nas diversas categorias

que se manifestam na sentença selecionada como amostra de fala. Nesse sentido, o olhar

sobre o fenômeno em estudo perpassa por outros olhares sobre a ocorrência de outros

fenômenos associados e as inter-relações que há entre as categorias, promovendo o

desempenho de uma regra variável. O autor ressalta a necessidade de haver uma

hipótese que aponte para uma possível potencialidade de atuação de determinadas

categorias identificadas no contexto estudado e, então, fazer uso de métodos

computacionais que possam avaliar individualmente os efeitos da atuação dessas

categorias.

Apesar de se ter conhecimento da existência da variação onde/em que28

, o

fenômeno aqui estudado é tomado como um caso de mudança linguística, analisando-se

os papéis que apenas a forma onde tem assumido no funcionamento da língua. Não

obstante essa ressalva, serão usados pressupostos metodológicos da Sociolinguística

Variacionista para a análise de dados. Grupos de fatores linguísticos (descritos no

capítulo de metodologia) serão selecionados e computados no programa computacional

28

Braga e Manfili (2004) descrevem bem essa variação em corpora que envolvem dados de natureza

escrita e falada, conforme já foi descrito no capítulo 1 desta dissertação.

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51

GoldVarb X, com o intuito de verificar quais deles mais atuam na gramaticalização do

item gramatical onde.

A perspectiva da gramaticalização sob o olhar metodológico da sociolinguística

tem sido bastante produtiva. No português brasileiro, destacam-se trabalhos teóricos

e/ou empíricos como os de Naro e Braga (2000), Tavares (2003, 2013), Carvalho

(2004), Freitag (2007), Amorim (2011). Essa interface tem sido bastante contemplada

no que se chama de sociofuncionalismo (TAVARES, 2013), temática da próxima seção.

2.4 Sociofuncionalismo

No final da década de 80, nos termos de Tavares (2013), inicia-se uma linha de

pesquisa que lida com fenômenos de variação e mudança linguísticas e vem

desenvolvendo estudos que aliam pressupostos teórico-metodológicos da

sociolinguística variacionista e do funcionalismo norte-americano. A autora descreve,

inicialmente, os conceitos principais da sociolinguística, destacando que essa linha

objetiva identificar e explicar casos de variação e considera que a variabilidade está em

todos os níveis da língua, a qual não é estável nem homogênea e produz uma variação

que pode ser sistematizada e analisada quantitativamente em qualquer um de seus

níveis.

A interface entre sociolinguística e funcionalismo é possível porque as linhas

apresentam muitos postulados em comum. Tavares (2013) enumera alguns deles:

(i) prioridade para o estudo dos usos linguísticos;

(ii) concepção de que a língua não é estática;

(iii) destaque à mudança linguística contínua e gradual;

(iv) complementaridade entre sincronia e diacronia para obter prognósticos de

mudança mais confiáveis;

(v) crença no principio do uniformitarismo29

;

(vi) destaque sobre a frequência das ocorrências;

(vii) relação entre os fenômenos da língua e a sociedade que a usa;

(viii) influência da natureza interacional sobre a mudança linguística;

29

Tavares (2013) afirma que, segundo esse princípio, as forças linguísticas e sociais que hoje agem sobre

a variação e a mudança são, em princípio, as mesmas de épocas passadas (LABOV, 2008 [1972];

HOPPER; TRAUGOTT, 2003[1993]).

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52

(ix) reconhecimento da gramaticalização como processo que origina variação e

mudança no nível morfossintático.

A relação entre a variação e a mudança morfossintática com a gramaticalização

é o principal ponto selecionado por Tavares (2013) para discorrer a respeito das

afinidades entre a sociolinguística e o funcionalismo. A gramaticalização, conforme já

explicado, é o processo que leva um item lexical a se tornar gramatical ou um item

gramatical se tornar ainda mais gramatical (HOPPER; TRAUGOTT, 2003[1993]). No

desenvolvimento desse processo, descrevem-se cinco estágios (HOPPER, 1991), sendo

o primeiro deles o que se chama estratificação, que é a fase em que há a coexistência

das formas emergentes com as antigas dentro do mesmo domínio funcional, como já

mencionado. Tavares (2013) associa essa fase do processo de gramaticalização com o

que a sociolinguística chama de variação linguística. Segundo ela, “fenômeno de

estratificação pode ser relacionado com o objeto de estudo da sociolinguística

variacionista, que é o fenômeno de variação linguística”. (TAVARES, 2013: 35).

A partir dessa relação, Tavares (2013, p. 37) indica os procedimentos que o

pesquisador da interface sociofuncionalista deve fazer para empreender um estudo nessa

vertente: (i) analisar o percurso de gramaticalização do item a ser pesquisado a fim de

reconhecer os domínios funcionais em que ocorre, bem como identificar outras formas

que desempenham, sincronicamente, a mesma função, considerando-as, portanto,

camadas ou variantes. (ii) testar quais são os grupos de fatores (linguísticos,

discursivos, estilísticos e socioculturais) que interferem na prevalência de uma dessas

formas sobre as demais, tendo em vista o reconhecimento de padrões de variação. (iii)

interpretar esses padrões de variação como indícios de gramaticalização.

Amorim (2013) ressalta que a variabilidade linguística interessa à

sociolinguística e que essa variabilidade pode levar à mudança. Segundo o autor, esses

dois fenômenos – variação e mudança – podem, a um só tempo, ser analisados a partir

da visão tanto da sociolinguística quanto da gramaticalização. A respeito dessa relação,

destaca ainda

outro ponto crucial na interface Sociolinguística/Gramaticalização, que diz

respeito a uma questão metodológica: a abordagem quantitativa capaz de

auxiliar na compreensão de processos de gramaticalização. Desse modo, vale

destacar que, para desenvolver um estudo nessa interface, não deve haver,

necessariamente, a consideração de fatores sociais, já que a Sociolinguística

propõe que há também fatores internos que condicionam a mudança

linguística. Portanto a interface Sociolinguística/ Gramaticalização também

se implementa nos casos em que fatores estritamente linguísticos são

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53

elencados como possíveis favorecedores (ou não) do uso de uma forma em

gramaticalização ou mesmo como responsáveis pelo próprio processo de

mudança gramatical e são avaliados com base no tratamento quantitativo dos

dados (AMORIM, 2013. p. 103).

Dias (2017) ressalta que o sociofuncionalismo não trata da extensão da

sociolinguística e do funcionalismo linguístico, defende que existem diálogos possíveis

e que nem todos os aspectos teóricos de uma vertente podem ser considerados em uma

pesquisa. Segundo ele, cabe ao pesquisador identificar que aspectos de cada teoria irão

contribuir para a investigação que se propõe a fazer, traçando diálogos teóricos. Nesse

percurso, é possível que encontre a predominância de uma ou outra teoria que melhor dê

conta do seu estudo:

O pesquisador, ao fazer as suas escolhas, irá optar por um ou outro caminho

teórico predominante, envolvendo aspectos da área que está em diálogo.

Quando se decidiu manter relações com outra teoria é por que se percebeu

nela algum ou alguns aspecto(s) necessários para a análise linguística

pretendida. (DIAS 2017. p. 85)

Nessa perspectiva, o presente estudo, embora faça a análise de um corpus que

não permite a identificação de fatores de natureza social, se propõe a analisar os dados a

partir de pressupostos teórico-metodológicos da sociolinguística variacionista ou

quantitativa. Tal opção metodológica será importante para a identificação dos grupos de

fatores (que constituirão as variáveis linguísticas da pesquisa) relevantes para a

gramaticalização do item em estudo. Busca-se, então, aqui, conciliar a abordagem

metodológica da sociolinguística quantitativa com os postulados o funcionalismo

linguístico, o que permite afirmar que se trata de uma pesquisa de natureza

sociofuncional. Nesse sentido, as hipóteses aqui levantadas serão direcionadas para o

processo de gramaticalização, aventando-se a possibilidade de o onde estar se

gramaticalizando a partir dos grupos de fatores linguísticos controlados, como se verá

no capítulo de metodologia.

2.5 Estudos (socio)funcionalistas sobre o item onde

O fenômeno que esta dissertação se propõe a analisar já foi descrito em muitos

estudos, guiados por diversas orientações teóricas (Gerativismo, Semântica Cognitiva,

Sociolinguística e Funcionalismo). Porém, como a orientação aqui assumida será o

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54

Sociofuncionalismo, priorizou-se a apreciação de pesquisas de natureza sociolinguística,

funcionalista ou sociofuncionalista, a fim de se obterem referências a respeito,

principalmente, dos valores semânticos e categorias gramaticais assumidos por onde

nesses estudos para, posteriormente, estabelecer critérios próprios durante a análise dos

dados.

Com base na hipótese de que o uso polissêmico de onde não constitui uma

inovação do português contemporâneo, mas uma realização de trajetória de mudança

linguística já indicada desde o português ducentista, Coelho (2001) analisa,

inicialmente, os usos de onde em 427 poemas escritos em galego-português, de autoria

atribuída a D. Afonso X, datados do século XIII. Em seguida, a autora completa o

corpus com textos contemporâneos, escritos em língua padrão, selecionados em textos

acadêmicos, na imprensa e na literatura. A pesquisadora conclui que, no período

ducentista, há predominância de valores não locativos para onde (ora expresso como u,

ora como onde), diferentemente do que se constata no português contemporâneo.

Segundo ela, do total de ocorrências de onde e u encontradas, apenas 26,7% indicam

valor locativo, 6,7% têm como antecedente um termo indicador de pessoa e os 73,3%

restantes assumem uma diversidade de sentidos: tempo, instrumento, explicação, causa,

adição e fim. Além disso, são constatadas as seguintes categorias gramaticais: pronome

relativo, marcador conversacional e partícula expletiva.

No que diz respeito ao português contemporâneo30

, Coelho (2001) constata que,

assim como nos textos ducentistas, os empregos de onde não locativos também

predominam nos textos acadêmicos (61,9% contra 38,1% de usos com valor locativo).

A autora verifica que, nesse contexto, o item pode denotar tempo, adição, instrumento,

conformidade, condição e posse e ressalta que esses empregos já não soam como usos

forçados, derivados de inabilidade linguística, mas, segundo ela, demonstram ser um

recurso linguístico legitimado. Por outro lado, nos textos de imprensa, os usos de onde

locativo (87%) superam os de valor não locativo (13%), assim como nos textos

literários, que já apresentam uma diferença percentual menor: 52,2% de valor locativo e

47,8% não locativo.

Partindo também de uma abordagem diacrônica, Souza (2003), inicialmente,

descreve os empregos das formas locativas no latim vulgar (ubi, unde, quo e qua), no

latim medieval (ubi e unde) e no português arcaico (ubi e unde) para, baseada em

30

O estudo de Coelho (2001) considera textos datados de 1963 a 2000.

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princípios sociofuncionalistas, estudar os usos de onde na modalidade falada do

português de Salvador. Para tanto, utiliza dados de dois corpora: 48 inquéritos do PEPP

(Programa de Estudo do Português Popular Falado de Salvador) e 18 do NURC/SSA

(Norma Urbana Culta de Salvador). Além disso, compara as prescrições sobre o uso de

onde no português contemporâneo com a análise do onde por gramáticas descritivas,

associando ambas ao tratamento dado ao où nas gramáticas e dicionários de língua

francesa.

Além de indicar variáveis sociais (faixa etária, escolaridade e gênero) para

análise dos dados, Souza (2003) observa as seguintes variáveis linguísticas para o

comportamento do onde:

(i) foricidade: valor anafórico, catafórico, exofórico ou sem foricidade;

(ii) referenciação: dêiticos adverbiais espaciais, sintagmas nominais, sintagmas

preposicionais, preposições e locuções prepositivas, locuções adverbiais, orações e

referentes situacionais não explícitos no contexto;

(iii) tipos de frase: afirmativa, interrogativa direta e interrogativa indireta;

(iv) tipos de oração: relativa padrão, relativa não padrão, adverbial locativa,

substantiva, oração absoluta com onde interrogativo, frases feitas e outras estruturas;

(v) correlação com preposições: requerida e realizada, requerida e não

realizada, requerida e realizada inadequadamente;

(vi) elementos discursivos: implicações da repetição sobre o sentido

reconhecido em onde.

A autora relaciona os parâmetros sociais e linguísticos com as seguintes

categorias semânticas para o onde: espaço físico, tempo, noção31

, posse e outros valores

semanticamente mais abstratos. Souza (2003) cita conceitos da Semântica Cognitiva

para descrever os processos de transferência metafórica do valor espacial de onde, por

meio da qual a linguagem funciona como uma representação conceitual espacial e

aciona o onde para referir-se a domínios semânticos como tempo, noção e posse, que,

segundo a hipótese levantada pela autora, se comportariam como recipientes no

esquema conceitual em que onde é acionado.

31

Segundo Souza (2003), o valor nocional de onde se dá por transferência metafórica, em que a metáfora

do recipiente se amplia a outros domínios mais abstratos associados a situações, conceitos, sentimentos,

entre outros. De acordo com a autora, “o falante conceitualiza essas ocorrências como se estivessem

dentro de alguma coisa, num espaço virtual, cognitivamente projetado a partir da experiência em relação

ao espaço físico” (SOUZA, 2003, p. 213).

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Após a análise dos dados, Souza (2003) conclui que a preferência de usos do

onde, em todas as variáveis sociais consideradas em sua pesquisa, ainda é relacionada

ao valor semântico de espaço físico. Chama a atenção, porém, para o número

significativo de ocorrências do onde noção entre homens de idade entre 25 e 35 anos

com nível de escolaridade superior. O onde tempo ocorre com frequência menor do que

os dois primeiros, seguido do onde com valor de posse. Quanto à foricidade, nota-se a

maior incidência, nos corpora analisados, de casos de onde com referência exofórica,

seguindo-se da anafórica e da catafórica. No que diz respeito à referenciação,

predominam os casos em que onde está relacionado a sintagmas nominais, suplantando

os sintagmas preposicionais e os dêiticos. Considerando-se os tipos de frase, o onde

tende a ocorrer mais em frases afirmativas e em orações relativas padrão, seguidas das

orações adverbiais, das substantivas e das orações com onde interrogativo e das

relativas não padrão. A partir disso, Souza (2003) propõe a distribuição de onde no

contínuo de graus de integração das orações proposto por Hopper e Traugott

(2003[1993]) (parataxe, hipotaxe e subordinação32

), identificando empregos de onde em

todas as etapas desse contínuo, desde as estruturas mais independentes até as mais

encaixadas. A pesquisadora destaca que estruturas em “frases feitas” foram

consideradas à parte por serem convencionalmente fixadas33

. No que tange à correlação

com as preposições, constata-se que, quando a preposição é requerida, ela é

majoritariamente realizada de maneira adequada, verificando-se apenas uma ocorrência

de realização inadequada.

Souza (2003) considera usos “marginais” aqueles em que o onde tem valor ainda

mais abstrato, ocorrendo, em orações relativas não padrão, como complementizador e

com comportamento funcional equivalente a que. Apesar de constatar a existência

desses usos e também de casos em que o onde estabelece nexo entre orações, a

pesquisadora não quantifica as ocorrências de onde conjunção, apontando a baixa

frequência desses casos nos dois corpora analisados. Vale ressaltar que a tese de Souza

(2003) analisa textos predominantemente narrativos, diferentemente do que fez Coelho

(2001), que deu conta de uma maior heterogeneidade de gêneros e percebeu que há um

aumento nos usos de onde não locativo em textos acadêmicos. Apesar de Souza (2003)

32

Para Hopper e Traugott (2003[1993]), ocorre parataxe nas orações denominadas justapostas e

coordenadas pela gramática normativa, hipotaxe nas orações adverbiais e adjetivas explicativas e

subordinação nas orações substantivas e adjetivas restritivas. 33

Foram consideradas “frases feitas” pela autora construções como “Onde já se viu?” e “Não tem para

onde correr”.

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não observar o comportamento de onde nessa modalidade textual, constata que, entre os

falantes com nível superior, há aumento de usos de onde com valor não locativo, o que

pode ser decorrente da maior convivência desses falantes com produções escritas da

academia. Essas suposições se baseiam em indícios levantados por outros estudos

(COELHO, 2001, LIMA, 2007; SIQUEIRA, 2009; ASSIS, 2016) que aqui ainda serão

resenhados, bem como nos próprios dados da presente dissertação, que dá conta de um

corpus formado por textos com predominância de sequências argumentativas.

De caráter sociolinguista, o artigo de Braga e Manfili (2004) analisa, como

formas variantes, onde e os sintagmas preposicionais em que, no qual, na qual, nos

quais e nas quais e busca elencar os parâmetros motivadores para a seleção de uma ou

outra forma. As autoras, tomando como base os estudos Manfili (2003) e Souza (2003),

examinam a função sintática de cada variante dentro da oração e a natureza da categoria

cognitiva a que cada uma remete, observando se a recuperação anafórica a essas

categorias é sensível a propriedades gramaticais do contexto em que ocorre. Explicam

também que pretendem analisar os usos de onde em orações que apresentam traços de

[+] dependência e [+] encaixamento, tomando como base os estudos de Hopper e

Traugott (2003[1993]).

Assim como no estudo de Souza (2003), são contemplados dados de fala (10

entrevistas do PEUL – Projeto de Estudo do Uso da Língua), mas há também a análise

de textos escritos (117 artigos dos jornais O Globo, Jornal do Brasil, Povo e Extra). As

autoras extraíram 175 orações em que fosse possível permutar onde e sintagmas

preposicionais (em que, de que etc.). As análises sinalizam a tendência de onde ocorrer

com maior frequência nos textos escritos e indicam que, quando há um processo de

vinculação de orações por encaixamento, o onde pode fazer referência anafórica a um

termo de valor temporal; já as combinações de orações por meio da hipotaxe constituem

um contexto que, segundo Braga e Manfili (2004), bloqueia a remissão anafórica a

expressões com sentido de tempo por meio do onde.

Braga e Manfili (2004) confirmam o que já haviam dito Coelho (2001) e Souza

(2003) a respeito da predominância do valor locativo dos usos do onde. Segundo elas, a

categoria cognitiva a que o onde mais faz referência anafórica é a de lugar, com 69%

dos casos, seguida das categorias de atividade (7,5%), tempo (5%), objeto (5%),

situação/estado (5%), noção (2,5%), instituição (2,5%) e produção discursiva (2,5).

Consideram ainda que a função sintática de adjunto adverbial é mais propensa para o

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uso de onde e a função de complemento do predicado verbal é favorecedora para

sintagmas preposicionais.

A dissertação de Lima (2007) organiza bem as subdivisões dos sentidos

atribuíveis ao onde quando se propõe à elaboração de continua de abstratização

semântica para o item. Em um corpus formado por 223 textos escritos por estudantes do

último semestre do curso de letras e por professores de língua portuguesa atuantes em

escolas públicas e particulares do Distrito Federal e de Goiás, Lima (2007) analisa os

valores semânticos de onde tomando como ponto de partida o continuum e abstratização

semântica proposto por Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991): espaço > (tempo) > texto.

Para o autor, os sentidos de onde como locativo concreto, locativo abstrato, possessivo e

instrumental compõem a primeira etapa da escala de abstratização; a segunda fase é

representada pelo rótulo de valor semântico temporal e a etapa mais gramaticalizada

(fase do texto) é reconhecida pelo autor em usos de onde com valor fórico textual,

operador argumentativo e marcador discursivo.

Semelhante ao trabalho de Souza (2003), Lima (2007) fundamenta-se na

Linguística Funcional, na abordagem da Gramaticalização, na Semântica Cognitiva e na

Sociolinguística Variacionista, além de também fazer uma abordagem diacrônica,

analisando outros estudos a respeito dos locativos relativos no latim clássico, no latim

vulgar, no português antigo e em outras línguas românicas, como o espanhol e o

francês.

Ao abordar a trajetória de gramaticalização do onde, o autor descreve de que

forma autores como Castilho (1997), Heine, Claudi e Hünnemeyer, Hopper (1991),

Hopper e Traugott (2003[1993]), Martelotta, Votre e Cezario (1996) e Neves (2006)

tratam a gramaticalização. Com base nisso, propõe uma trajetória de gramaticalização

específica para o onde, a qual é subdividida em três fases: (i) trajetória de mudança

categorial – recategorização, (ii) trajetória de mudança semântica – semantização, e (iii)

trajetória de mudança discursiva – discursivização. Lima (2007) destaca ainda que,

diferente do que é proposto por Givón (1979) e Castilho (1997), não encontrou, em sua

análise sobre o onde, qualquer indício de redução fonética ou morfologização, bem

como também não foram encontrados todos os estágios de mudança linguísticas

indicados por Martelotta, Votre e Cezario (1996).

Quando analisa o percurso de recategorização de onde, Lima (2007) toma como

base o esquema de Hopper e Traugott (2003[1993]), segundo o qual a gramaticalização

de itens lexicais começa inicialmente em categorias maiores (nome, verbo e pronome),

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passa pelas categorias medianas (adjetivos e advérbios) e chega às categorias menores

(preposição e conjunção). O autor destaca o caráter multicategorial assumido por onde,

que, na diacronia, é reconhecido originalmente como pronome, adquire novas

propriedades funcionais e semânticas e passa a funcionar como conjunção e marcador

discursivo. Lima (2007) afirma ser problemática a classificação de onde como advérbio,

no mesmo grupo de locativos como aqui, ali e lá e, ao fazer uma permuta entre

locativos, comprova que os itens aqui, ali e lá não se distribuem sintaticamente do

mesmo modo que onde. Vale ressaltar que o autor chega a uma interessante conclusão

sobre usos de onde: a partir da abordagem de Castilho (1997) a respeito da

recategorização dentro do grupo dos pronomes, nota-se que onde

nos usos interrogativos e adverbiais relativos (os que estão numa posição

mais anterior do continuum diacrônico), tem um valor exclusivamente dêitico

locativo, e posteriormente, nos usos pronominais relativos, assume um valor

acentuadamente anafórico. (LIMA, 2007, p. 62)

Com base nisso e na afirmação de Castilho (1997) sobre o fato de que “os

pronomes relativos estão perdendo suas propriedades pronominais, com uma severa

redução de seu quadro, restringindo sua atuação gramatical à de uma conjunção sem

papel funcional” (CASTILHO, 1997, p. 41 apud LIMA, 2007, p. 64), Lima (2007)

ressalta a possibilidade de onde, na passagem pronome > conjunção, passar por

expansão de uso, funcionando como conjunção, assim como que.

O autor explica as classificações que assumiu para as ocorrências de onde

encontradas no corpus a partir das correlações entre categoria gramatical e contexto

sintático, da seguinte forma:

a) O onde como relativo está correlacionado às orações relativas com

antecedente, nomeadas simplesmente de relativas;

b) O onde como advérbio relativo está correlacionado às orações relativas

sem antecedente, nomeadas de relativas livres;

c) O onde como interrogativo está correlacionado à oração absoluta

interrogativa;

d) O onde como conjunção está correlacionado às orações subordinadas

adverbiais. (LIMA, 2007, p. 82)34

Vale destacar, ainda no trabalho de Lima (2007), o levantamento dos valores

semânticos encontrados para onde: locativo concreto, locativo abstrato, possessivo,

instrumental, temporal e operador argumentativo (de conclusão35

, causa, resultado,

34

Essa referência de classificação será aqui também assumida, como se explicará no capítulo destinado à

descrição da metodologia da pesquisa. 35

Lima (2007) enquadra as orações de valor conclusivo no grupo das subordinadas adverbiais, mas não

justifica esse rótulo; o autor afirma somente que o onde com esse valor semântico é permutável por

portanto, por isso e pois, sem alteração na argumentação do texto original (LIMA, 2007, p. 119 e 121).

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condição e finalidade). Os dados de Lima (2007) apontam que, do total de 63 casos de

onde encontrados no corpus estudado, há uma preferência pelos usos de onde como

locativo concreto (19 ocorrências) e locativo abstrato (também 19 ocorrências) e uma

menor incidência de ocorrências de onde como conjunção (15 ocorrências). O autor faz

uma interessante observação, nas considerações finais da dissertação, a respeito do fato

de que os usos de onde como operador argumentativo ocorrem em textos com

problemas relacionados à textualidade em diversos aspectos, como coesão, coerência,

articulação e progressão textual. Dessa forma, enfatiza que:

(...) o problema aqui não reside especificamente num uso inadequado do

onde, mas na falta de preparação para a produção textual acadêmica. Esse

tipo de problema não se resolve apenas reconhecendo que o uso de onde

operador argumentativo pode afetar a articulação do texto. (LIMA, 2007, p.

131)

Apesar disso, o autor concorda que o uso de onde com os valores locativo

abstrato (11), possessivo (12), instrumental (13) e temporal (14) não afetam a

textualidade e, portanto, não haveria uma razão justificável para as gramáticas

normativas continuarem prescrevendo a substituição de onde por seus equivalentes

semânticos quando da ocorrência desses valores.

(11) Segundo os dois autores, os grupos sociais possuem suas próprias normas

sociais onde um grande número de variações linguísticas se manifestam (...)

(12) No outro extremo, soterramos com um entulho de conteúdos os que

freqüentam escolas onde o verdadeiro currículo é o vestibular da

universidade pública mais próxima.

(13) Nessa perspectiva, vemos como grande desafio, atualmente, em nossas

escolas a prática pedagógica da ilusão, onde muitos professores ainda

insistem em condenar “erros”, exaltar gramáticas e estagnar pensamentos.

(14) Estamos vivendo em tempos onde a cada momento temos novos desafios

que não estamos preparados. 36

Outro estudo sociofuncional de onde em perspectiva diacrônica é o de Silva

(2008), que examina a frequência desse item gramatical no português dos períodos

arcaico, moderno e contemporâneo. A pesquisadora, após levantamento das

categorizações de onde por gramáticas normativas, simplifica as funções do onde da

seguinte forma: advérbio, quando não há referência a um termo anterior; pronome,

quando existe função anafórica (locativa, nocional, temporal ou genitiva); e conectivo,

36

Exemplos extraídos de Lima (2007, p. 96, 104, 112 e 113).

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61

quando ocorre ligação intersentencial (estabelecendo os sentidos de conclusão,

explicação ou consequência).

No corpus escrito (formado por textos de meados do século XIV até o final do

século XX), Silva (2008) verifica que a maior frequência de onde, em todas as

sincronias, se dá na categoria de pronome relativo, com predominância do valor locativo

nos períodos arcaico e moderno e do valor nocional na era contemporânea. A

pesquisadora conclui que a baixa frequência dos usos conectivos de onde decorre da

concorrência com outras expressões conjuncionais, o que não ocorre com as formas

concorrentes para onde com valor nocional (em que, no qual e suas variantes).

Silva (2008) também analisa o comportamento de onde em um corpus oral

constituído por 16 entrevistas, com informantes de 16 a 40 anos, sendo 8 do sexo

feminino e 8 do sexo masculino. A pesquisadora, apesar de apresentar essas

informações, não utiliza os grupos de fatores extralinguísticos como elementos

motivacionais para suas análises, pois focaliza os critérios nas categorias gramaticais

ocupadas por onde, concluindo que há predominância do onde adverbial locativo na

modalidade oral (78,3%), seguido do onde pronome relativo (26,2%). Nesse corpus,

não se constatam usos de onde com valor conectivo, o que pode ser motivado

justamente pela modalidade falada, que, conforme já foi aqui sinalizado a partir dos

dados de Coelho (2001), Souza (2003) e Lima (2007), parece não constituir um

contexto favorecedor para os usos de onde como conjunção. Essa relação entre os usos

de onde e a estrutura do texto em que ocorrem é uma das hipóteses fundamentais do

trabalho de Siqueira (2009).

Numa perspectiva diacrônica, Siqueira (2009), em dissertação de mestrado,

verifica as ocorrências de onde em 316 cartas escritas nos séculos XVI, XVII, XVIII,

XIX e XX. São levantadas quatro variáveis para a análise dos dados: valores

semânticos; possibilidade de aplicação do princípio da extensão imagética instantânea37

(VOTRE, 2006[1999]); probabilidade de formação de unidade pré-fabricada (ERMAN;

WARREN, 2000 apud SIQUEIRA, 2009); e a correlação entre os valores semânticos

assumidos pelo onde e a sequência textual identificada.

A autora analisa cada uma das sincronias selecionadas e constata, assim como

percebido por Souza (2003) e Lima (2007), a prevalência de usos relacionados a espaço

37

Siqueira (2009) explica que, por meio do princípio da extensão imagética instantânea proposto por

Votre (1999), “a faculdade da metáfora atuaria de modo instantâneo permitindo o acesso a todas as

possibilidades e potencialidades na mente dos falantes de determinada comunidade discursiva, a partir de

diferentes contextos situacionais” (SIQUEIRA, 2009, p. 42).

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físico sobre os demais (locativo virtual, tempo, operador argumentativo de conclusão e

integrante da locução conjuntiva onde quer que). Siqueira (2009) associa as categorias

gramaticais assumidas por onde às sequências textuais em que o item ocorre,

confirmando a hipótese de Mattos e Silva (1989) a respeito da relação entre a ocorrência

de onde conjunção e a sequência argumentativa, o que será também observado no

presente estudo, que se debruça sobre um corpus constituído de textos declaradamente

argumentativos.

A tese de Fioravante (2011), assim como a de Souza (2003), traz uma análise de

onde numa perspectiva cognitivo-funcional, tomando como corpus produções

discursivas escritas por estudantes que participaram do processo seletivo para ingresso

em cursos de graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) no ano de

2010. A autora estudou textos produzidos em diferentes etapas que constituem o

processo seletivo da UFJF: o PISM I (Programa de Ingresso Seletivo Misto destinado a

estudantes que acabaram de concluir a primeira série do Ensino Médio), o PISM II (que

se aplica apenas a estudantes concluintes da segunda série do Ensino Médio) e o

tradicional Exame Vestibular (idealizado aos que já concluíram o Ensino Médio). Dessa

forma, Fioravante (2011) dá conta de três fases do processo de formação educacional

dos estudantes e as associa aos usos de onde encontrados. O estudo analisa os casos de

onde com valor anafórico – funcionando como pronome relativo – e sem função fórica –

indicado como conjunção. A autora inclui no rótulo das conjunções casos de onde com

valor discursivo, que, segundo ela, podem ser suprimidos sem prejuízo semântico para

os enunciados.

Fioravante (2011), além do suporte teórico-metodológico do Funcionalismo

Linguístico, aborda a hipótese da gramaticalização a partir de um ponto de vista

cognitivo-funcional para explicar tanto a abstratização semântica de onde anafórico (a

qual, segundo ela, se dá por via da metáfora), como a tendência ao comportamento de

onde como conjunção (que, para Fioravante (2011), ocorre via metonímia

composicional).

A análise dos dados contempla um total de 979 empregos de onde, dos quais 605

(62%) funcionam como pronome relativo e 374 (38%) são categorizados como

conjunção. Os critérios usados para inserir os casos em uma ou outra categoria foram os

seguintes: (i) o onde é classificado como relativo quando remete a um sintagma nominal

e possui uma função sintática dentro do enunciado em que se encontra; (ii) quando não

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se reconhece uma função sintática atribuível ou valor fórico para o onde e se observa o

estabelecimento de nexo entre orações, o item é categorizado como conjunção.

Assim como se constatou nos estudos de Coelho (2001), Souza (2003), Braga e

Manfili (2004), Lima (2007) e Siqueira (2008), os dados de Fioravante (2011) também

apontam uma tendência à referência a lugares: dos usos de onde pronome relativo, 48%

das ocorrências (288/605) são de retomada a expressões de valor locativo, e 52%

(317/605) dos casos retomam entidades com sentido não locativo. Semelhante ao que se

encontra nos dados de Souza (2003), Fioravante (2011) destaca que, à medida que

cresce o grau de escolaridade dos estudantes, as ocorrências do relativo onde não

locativo aumentam, bem como também cresce a incidência de onde categorizado como

conjunção. Quanto à função sintática dos relativos, descrevem-se casos de onde

exercendo as funções de adjunto adverbial (15) e complemento verbal (16).

(15) Revolução Industrial que gerou empregos com remuneração e uma jornada

de trabalho muito extensa. Guerra Santa foi uma guerra onde não foi

derramado nenhuma gota de sangue. (PISM I /2010)

(16) Com todo aquele dualismo houve inúmeras revoltas, onde até políticos se

envolveram, ocorreu a revolução política, os revoltosos não ficaram

satisfeitos e ocorreu a revolução no qual se recuou. Com os políticos longe a

Revolução Industrial avançou, surgindo assim, várias indústrias e fábricas.

(PISM II/2010)38

Já entre as conjunções, são destacadas as ocorrências de onde estabelecendo

relações semânticas de causa, tempo e condição, valores já apontados por Lima (2007),

que propusera também os sentidos de conclusão, resultado e finalidade para os

conectivos.

Xavier da Silva (2011), a fim de descrever os valores e funções assumidos por

onde nas modalidades falada e escrita, analisa dados orais e escritos das cidades de

Natal/RN, Rio de Janeiro/RJ, Juiz de Fora/MG e Rio Grande do Sul. A autora afirma

que tomará como referência exclusivamente o paradigma funcionalista para a análise

dos dados, mas faz uso da metodologia variacionista para levantamento das variáveis

dependente e independentes e computação de resultados. Semelhante aos trabalhos de

Lima (2007), Silva (2008) e Fiarovante (2011), Xavier da Silva (2011) destaca as

categorias gramaticais assumidas por onde, relacionando-as aos seus valores

semânticos. São consideradas as seguintes classificações: onde espacial (relativo

38

Exemplos extraídos de Fioravante (2011, p. 129 e 130).

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64

locativo, pronominal locativo39

, adverbial locativo, locativo virtual); onde temporal e

onde textual (sequencializador/conjunção causal, substituinte, preenchedor e possuinte).

Na dissertação de Xavier da Silva (2011), é questionável, no entanto, a diferença

entre alguns rótulos, como é o caso das categorias relativo locativo e adverbial relativo,

que seriam permutáveis respectivamente por que e em que. Todavia, nos exemplos

citados para relativo locativo (17) e (18), caso seja feita a permuta, nota-se a

necessidade de uso da preposição em anterior ao pronome que:

(17) (...) na hora de vir embora... nós pegamos um... um bairro lá... onde a minha

tia mora (...)40

.

(18) (...) ele fez perguntas muito diretas... perguntas pessoais... isso eu nunca

tinha esperado de uma pessoa que eu não conhecia... e principalmente de um

colégio... onde a relação aluno-diretor é muito fria (...).

Além disso, usos classificados como onde possessivo (equivalente a cujo),

também poderiam ser permutados por em que:

(19) Num país como o Brasil onde a justiça é falha nunca poderá implantar a

pena de morte.

Os exemplos (17) e (18) assemelham-se bastante ao caso de (19), já que, nos três

casos, são encontrados sintagmas nominais anteriores a que o onde pode fazer

referência (“um bairro”, “um colégio” e “o Brasil”, respectivamente). Essa diferença na

rotulação dos exemplos demonstra a grande dificuldade que existe para a categorização

de onde, conforme será aqui discutido nos capítulos de metodologia e análise dos dados,

nos quais serão explicados casos de classificação ambígua.

Outro caso que chama a atenção é a classificação de onde como conjunção

causal no exemplo a seguir:

(20) Acho muitíssimo importante, principalmente na situação em que se

encontra o país, onde milhares passam por necessidades (...).41

No caso de (20), fica claro que onde faz referência ao sintagma nominal o país,

funcionando como adjunto adverbial de lugar na oração adjetiva, mas a autora não

39

Xavier da Silva (2011) considera pronominais locativos os casos em que onde retoma um sintagma

nominal cujo sentido não é originalmente locativo, mas adquire esse valor a partir do uso do onde, como

“amplificam as caixas, onde se escuta o som”. Note-se que onde retoma uma expressão que não tem

sentido abstrato (o que o inseriria no rótulo locativo virtual), mas também não é um prototipicamente um

lugar. 40

Exemplos de (17) a (19) extraídos de Xavier da Silva (2011, p. 65, 75 e 76). 41

Exemplo extraído de Xavier da Silva (2011, p. 87).

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65

reconhece a função sintática do item nem seu valor semântico, já que o rotula como

conectivo.

Apesar dos questionamentos aqui feitos, a pesquisa de Xavier da Silva (2011)

apresenta resultados bem detalhados quanto ao comportamento de onde, discriminando

os dados relativos a cada localidade selecionada, bem como a modalidade (oral ou

escrita) e os grupos de fatores sociais (escolaridade e sexo). Em todos esses contextos,

constata-se a preferência do onde locativo físico, seguido dos casos de onde locativo

virtual, onde temporal e onde com funções textuais, a saber: sequencializador

(conjunção causal), substituinte (demonstrativo que substitui sentenças), preenchedor

(marcador discursivo) e possuinte (equivalente a cujo).

Em artigo com claro diálogo com a dissertação de Lima (2007), Lima e Coroa

(2013) apontam os processos de mudança implicados na trajetória de gramaticalização

do onde, constatando-se traços de mudança na categoria gramatical (recategorização),

conteúdo semântico (semantização) e funcionamento discursivo (discursivização).

Os autores, assim como já fizera Lima (2007), questionam a classificação de

onde como advérbio pelas gramáticas tradicionais, já que não há equivalência sintática

entre o funcionamento do onde e itens prototipicamente adverbiais locativos, como

aqui, ali e lá. Dessa forma, Lima e Coroa (2013) propõem que, nos casos em que não se

encontra referente interno para onde, esse item “seja classificado como advérbio

relativo, uma subclasse dos pronomes, e não apenas um advérbio” (LIMA; COROA,

2013, p. 316).

Com base em exemplos selecionados da referida dissertação de Lima (2007), são

indicadas correlações entre os valores semânticos e as categorias gramaticais possíveis

para o onde: valor locativo (pronome interrogativo, advérbio relativo e pronome

relativo); valor locativo abstrato (pronome interrogativo, advérbio relativo e pronome

relativo); valor temporal (pronome relativo); valor possessivo (pronome relativo) e valor

discursivo (conjunção). Diante disso, conforme apresentado no quadro 4, os autores

propõem as seguintes trajetórias de gramaticalização, inicialmente quanto à

semantização e, em seguida, no que diz respeito à recategorização e discursivização42

.

42

Lima e Coroa (2013) consideram que a discursivização é um “processo de mudança, que leva o

elemento linguístico a perder suas restrições gramaticais, sobretudo de ordenação vocabular, e assumir

restrições de caráter pragmático e interativo” (MARTELOTTA; VOTRE; CEZARIO, 1996, p. 60 apud

LIMA; COROA, 2013, p. 327).

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66

Escala Semântica

Espaço Tempo Texto

Trajetória de

semantização

Espaço

concreto

Espaço

abstrato

Posse

Instrumento

Tempo

Espaço

textual

Causa;

Conclusão;

Resultado

Marca

discursiva

Valores

Semânticos

Locativo

concreto

Locativo

abstrato

Possessivo

Instrumental

Temporal

Fórico

textual

Operador

argumentativo

Marcador

discursivo

Equivalentes

Semânticos

Em que

lugar Lugar em

que

Em que No(a)

qual Que

Cujo

Do(a) qual

Com o qual Através

do(a) qual

Quando

Em que tempo

Isto /

Isso

Porque / pois / já que

Por isso / portanto

De modo que

Ø (zero)

Trajetória de

recategorização

e

discursivização

Pronome

Conjunção

Marcador discursivo

Interrogativo Advérbio

relativo

Relativo

Relativo

Relativo

Relativo

Demons- trativo

Quadro 4: Quadro síntese da trajetória de gramaticalização do onde

FONTE: LIMA; COROA, 2013, p. 329

Assis (2016) também busca descrever o percurso de expansão semântica de onde

a partir dos seus usos não padrão, tomando como corpus textos acadêmicos da Uniaraxá

(Centro Universitário do Planalto de Araxá – MG). A pesquisadora analisa casos em

que onde faz referência ao que ela chama de “espaço de tempo”, como no exemplo

indicado a seguir:

(21) O torneio aconteceu de forma tranquila onde as crianças tiveram a

oportunidade de realizar uma atividade física de forma lúdica. 43

O onde remete à expressão “torneio” e, segundo Assis (2016), apesar de poder

ser substituído por “lugar em que”, representa uma analogia, um processo de

transferência metafórica por meio do qual ocorre a projeção de um indicador espacial

para um temporal, passando a ser permutável por expressões como “momento em que”.

Além disso, Assis (2016) afirma que, em (22), o emprego de onde ilustra também um

caso de reanálise, já que, em muitas ocorrências, demonstra uma tendência a migrar

para uma nova classe gramatical, a conjunção.

(22) As visitas realizadas foram de suma importância para o curso, onde os

alunos tiveram oportunidade de conhecimento e vivência dos tribunais e

demais poderes. 44

43

Exemplo extraído de Assis (2016, p. 935). 44

Exemplo extraído de Assis (2016, p. 936).

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67

A autora considera que, em (22), há a possibilidade de onde remeter à expressão

“visitas”, mas argumenta que também há uma relação de implicação entre dois

argumentos: “as visitas foram importantes” por causa da “oportunidade de

conhecimento vivida pelos alunos”. Ao analisar casos como esse, Assis (2016) afirma

que

(...) nesses usos com valor conjuncional, o onde é usado como recurso para

recapitular uma sequência anterior antes da proposição de um novo

argumento. Nesse viés, pode-se afirmar que o onde se apresenta como uma

palavra argumentativamente representativa para estabelecer conexões entre

os argumentos. As funções exercidas pelo onde conjuntivo identificadas no

corpus são basicamente de apontar uma conclusão a argumentos

apresentados anteriormente e introduzir uma justificativa ou explicação para

o que foi dito antes. (ASSIS, 2016, p. 939)

No entanto, são também indicados outros usos mais claramente conjuncionais de

onde, como o que se destaca a seguir:

(23) Os temas oferecidos foram de interesse dos alunos onde foram apresentados

de forma atraente e expressiva.45

Assis (2016) ressalta que o onde introduz uma explicação para a sequência

anterior e, em casos como o de (23), não é mais possível explicar a mudança de função

do onde sob a perspectiva da transferência metafórica, pois se verifica uma instância

diferente para o mesmo fenômeno. A pesquisadora, como também fizeram Coelho,

(2001), Souza (2003), Lima (2007), Silva (2008), Siqueira (2009), Fioravante (2011),

Xavier da Silva (2011) e Lima e Coroa (2013), se baseia no continuum de

gramaticalização – espaço > (tempo) > texto – proposto por Heine, Claudi e

Hünnemeyer (1991) para explicar os casos de onde como operador argumentativo. Com

base nisso, Assis (2016), que desconsiderou os usos de onde como locativo concreto por

se propor a estudar apenas casos não padrão, reconheceu os seguintes valores: locativo

abstrato, temporal, relativo “curinga”46

, posse, noção e os casos de onde operador

argumentativo, indicando os sentidos de conclusão, explicação e causa.

Diante dos estudos aqui elencados, podem-se constatar algumas convergências

no que concerne à descrição do caráter multifuncional do onde:

45

Exemplo extraído de Assis (2016, p. 941). 46

Assis (2016) inclui nesse rótulo exemplos semelhantes ao que Lima (2007) chamou de onde

instrumental.

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68

(i) O valor locativo concreto de onde ainda é prevalente sobre os demais (SOUZA,

2003; BRAGA; MANFILI, 2004; LIMA, 2007, SILVA, 2008; SIQUEIRA, 2009;

FIORAVANTE, 2011; XAVIER DA SILVA, 2011; LIMA; COROA, 2013; ASSIS,

2016);

(ii) O caráter multicategorial do onde já ocorria em textos do latim medieval e do

português arcaico (COELHO, 2001; SOUZA, 2003; LIMA, 2007, SILVA, 2008;

SIQUEIRA, 2009; XAVIER DA SILVA, 2011; LIMA; COROA, 2013);

(iii) Há maior probabilidade de ocorrer onde em textos predominantemente

argumentativos (COELHO, 2001; LIMA, 2007; SIQUEIRA, 2009; ASSIS, 2016);

(iv) As trajetórias de gramaticalização propostas por Heine, Claudi e Hünnemeyer

(1991) e Hopper e Traugott (2003[1993]) têm sido confirmadas na maioria dos estudos

sobre o onde (COELHO, 2001; SOUZA, 2003; LIMA, 2007, SILVA, 2008;

SIQUEIRA, 2009; FIORAVANTE, 2011; XAVIER DA SILVA, 2011; LIMA;

COROA, 2013; ASSIS, 2016);

(v) Os usos conjuncionais (mais gramaticalizados), apesar de não representarem uma

unanimidade nos estudos, tendem a introduzir os sentidos de causa/explicação e

conclusão (COELHO, 2001; LIMA, 2007; FIORAVANTE, 2011; XAVIER DA

SILVA, 2011; LIMA; COROA, 2013; ASSIS, 2016).

Com base nessas considerações, podem-se estabelecer critérios específicos para

desenvolver uma metodologia adequada à análise do objeto de estudo desta pesquisa.

Tomar-se-á como hipótese a possibilidade de gramaticalização do item onde, partindo-

se para o levantamento de grupos de fatores linguísticos motivadores para os usos

considerados mais ou menos gramaticalizados desse item, conforme se verá no capítulo

a seguir.

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69

3 METODOLOGIA

Este capítulo tem como objetivo descrever o corpus da pesquisa e os

procedimentos metodológicos usados para a observação e a análise dos dados. A

metodologia aqui utilizada segue a orientação da Sociolinguística Variacionista ou

Quantitativa, proposta por William Labov.

Segundo essa linha teórico-metodológica, a heterogeneidade linguística, que é

inerente à língua, não se dá de modo arbitrário, mas de maneira sistemática e a partir de

grupos de fatores sociais e estruturais que conduzem a um dado comportamento

linguístico. Esta pesquisa, apesar de se valer dos procedimentos metodológicos da

sociolinguística variacionista, ater-se-á à descrição de grupos de fatores estruturais

(linguísticos) que motivam a ocorrência de onde.

Durante a realização da pesquisa, foi requerido ao setor de Seleção da

Universidade o acesso aos dados dos vestibulandos que produziram os textos aqui

estudados, todavia, conforme informações de funcionários responsáveis pelo setor, as

informações a respeito dos candidatos são sigilosas e não poderiam ser cedidas, mesmo

sob a garantia de que não se faria menção ao nome dos envolvidos. Diante disso, a

abordagem dos fatores extralinguísticos motivacionais para as ocorrências do onde não

pôde ser aqui contemplada. Manteve-se, portanto, apenas a análise de grupos de fatores

linguísticos, que, somada à metodologia de observação e computação dos dados

proposta por Labov (2008[1972]), assegura o caráter sociolinguístico do presente

estudo. Neste trabalho, a associação do viés sociolinguístico à perspectiva da

Gramaticalização (HOPPER, 1991; HOPPER; TRAUGOTT, 2003[1993] etc.) permite

afirmar que aqui se desenvolve uma pesquisa sociofuncionalista nos moldes em que

descreve Tavares (2013).

É importante ressaltar também que o presente trabalho não observa seu objeto de

estudo a partir do que a Teoria da Variação conceitua como variante. Para Labov

(2008[1972]), variantes são duas ou mais formas linguísticas diferentes que

desempenham a mesma função, ou seja, têm o mesmo significado dentro do mesmo

contexto. Aqui, como já mencionado na introdução, embora tenham sido feitas, durante

a categorização dos dados, permutas do onde com formas variantes como em que,

através do qual e cujo, não se pretendem analisar os contextos em que se aciona uma ou

outra dessas formas, já que não se enfatiza o processo de variação, mas de mudança

linguística. Pretende-se apenas, como já foi dito no capítulo de fundamentação teórica,

Page 72: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE … · instrumental, objeto, pessoa, explicação/causa e resultado/consequência). A depender do seu valor semântico, onde pode representar

70

descrever os grupos de fatores linguísticos que motivam o uso do item onde em

domínios funcionais distintos e, por conseguinte, a sua gramaticalização.

Este capítulo se subdivide em três partes: Na primeira, inicialmente, serão

apresentadas, informações acerca do corpus analisado, descrevendo as condições de

produção dos textos que foram selecionados como amostra para se proceder à análise;

em seguida, discute-se a respeito da consideração da redação ou dissertação de

vestibular (corpus desta pesquisa) como gênero textual. Na segunda, será feita uma

descrição dos procedimentos metodológicos adotados na pesquisa, dos grupos de fatores

linguísticos controlados para análise do onde, além da conceituação e exemplificação de

cada um desses grupos. Na terceira, será apresentado o suporte metodológico

quantitativo usado para a análise dos dados.

3.1 O corpus

A escolha da modalidade escrita para observação dos usos do item onde parte da

prática de correção de redações de treinamento para vestibular em cursinhos

preparatórios, além da prática docente como professora de Produção de Textos. Foi

possível constatar, ao longo de anos de experiência, que alguns usos – sinalizados no

processo de correção como não-padrão – demonstravam certa regularidade, como os

casos de onde em referência a espaços mais abstratos, como tempo, por exemplo. A

partir de então, definiram-se o objeto de estudo e o corpus da pesquisa, os textos

produzidos para o vestibular.

A opção por redações do vestibular da UNEB deu-se em decorrência da

acessibilidade ao acervo de redações que a referida universidade já disponibilizara,

através de documento de solicitação, ao Programa de Pós-graduação em Estudos de

Linguagem (PPGEL) para realização de estudos anteriores, sob a orientação da

Professora Doutora Norma da Silva Lopes. Os textos foram escritos em 24 novembro de

2013, atendendo à proposta de redação do vestibular que selecionou estudantes para o

ano de 2014. A proposta, reproduzida na figura 1, era a produção de um texto

argumentativo a respeito do crescimento exagerado do barulho nas áreas urbanas.

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71

Figura 1: Proposta de redação do vestibular da UNEB no ano de 2013.

FONTE: http://www.vestibular2014.uneb.br/?p=173

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72

A produção de textos argumentativos, conforme indicado na proposta temática,

pode motivar contextos favoráveis ao surgimento de construções com valores

semânticos mais abstratos atribuídos ao item em análise, por fomentar a produção de

sequências dissertativo-argumentativas. Oliveira (2010), com base em um estudo a

respeito da trajetória dos pronomes locativos no português, ressalta que há uma relação

motivacional entre a sequência textual dissertativo-argumentativa e essa tendência à

abstratização:

O que os dados de nossa pesquisa evidenciam, tanto no português

contemporâneo quanto em sincronias anteriores, é a atuação de motivações

de ordem pragmático-discursiva no delineamento ou hibridização da função

dos pronomes locativos. Assim, na mesma fase da língua, convivem usos

mais ou menos recentes, cujo sentido é derivado do gênero ou da sequência

textual em elaboração. Trechos expositivos, injuntivos ou dissertativo-

argumentativos, pelo maior nível de abstração que apresentam em relação aos

narrativos e descritivos, favorecem a articulação de sentidos também mais

abstratos (OLIVEIRA, 2010, p. 39).

Nessa perspectiva, Siqueira (2009) também apresenta motivação entre a

sequência argumentativa e o uso de onde como operador. Conforme a autora, confirma-

se a proposta de Mattos e Silva (1989), segundo a qual haveria maior probabilidade de

ocorrer onde como operador argumentativo em sequências argumentativas:

Os 12 exemplos desta macrofunção [operador argumentativo] foram

encontrados em sequências argumentativas. A observação de Mattos e Silva

(1989) a respeito da correlação entre o uso de onde como operador

argumentativo e a sequência argumentativa parece se confirmar através de

nossos dados, ou seja, o contexto mais propício para o aparecimento desta

macrofunção seria nas sequências argumentativas (SIQUEIRA, 2009, p. 71).

Vale ressaltar que um dos critérios de avaliação dos textos é declaradamente a

adequação ao padrão linguístico normativo (cf. figura 1), o que permite afirmar que se

trata de uma produção cujo autor monitora sua linguagem de forma a tentar minimizar o

que ele considera como linguisticamente inadequado. Dessa forma, pode-se constatar

que, diante do número de ocorrências (como se verá no capítulo de análise dos dados),

os usos de onde considerados não-padrão pela tradição gramatical (por exemplo, os que

remetem a espaço abstrato, tempo, pessoa etc.) estão se tornando bastante frequentes na

linguagem, de modo a não serem rejeitados por muitos usuários da língua em uma

modalidade textual mais formal como a redação para um exame vestibular.

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73

Na próxima seção, discute-se o modelo de texto usado pelos vestibulandos para

atender à proposta temática. Trata-se da típica redação ou dissertação de vestibular, com

estruturação comum a quase todos os textos lidos nesta pesquisa. Será, então, abordada

a possibilidade de considerar essa produção como um gênero textual.

3.1.1 A redação/dissertação de vestibular como texto argumentativo: gênero textual?

A proposta temática para produção da redação no vestibular da UNEB de 2014,

como já foi mencionado, requeria a escrita de um texto argumentativo, sem especificar

qual gênero textual se encaixaria nessa denominação, a qual suscita inicialmente se

tratar de uma sequência textual que, segundo Santos e Hack (2009),

[...] visa persuadir o leitor acerca de uma posição. Quanto mais polêmico for

o assunto em questão, mais dará margem à abordagem argumentativa. Isso

pode ocorrer desde o início quando se defende uma tese ou também

apresentar [SIC] os aspectos favoráveis e desfavoráveis posicionando-se

apenas na conclusão. E, ainda, além de dissertar, procura-se formar a opinião

do leitor ou a do ouvinte, tentando convencê-lo de que a razão está conosco,

isto é, a verdade. Argumentar é, em última análise, convencer ou tentar

convencer mediante a apresentação de razões em face da evidência das

provas e à luz de um raciocínio lógico e consistente. (SANTOS; HACK,

2009, p. 5)

Nas observações que se encontram abaixo do comando temático, há sinalizações

a respeito da necessidade de o produtor do texto utilizar a norma culta escrita da língua

portuguesa, analisar as causas e os efeitos da questão colocada no tema da redação e

apresentar uma ou mais sugestões para o controle do problema colocado. Tais

indicações fomentam a produção de um texto que apresente uma posição e busque o

convencimento do leitor a respeito dela, ou seja, indica-se a produção de um texto que

se adéqua à sequência textual argumentativa, nos moldes do que propõem Santos e

Hack (2009).

Todavia, essas características podem ser encontradas em inúmeros gêneros

textuais. Por exemplo, são considerados gêneros com predomínio de sequência

argumentativa o editorial, o artigo de opinião, a carta de reclamação, o debate oral, o

discurso de acusação ou de defesa (no universo jurídico) (cf. PAIVA, 2016). Segundo

Marcuschi (2002), através dos gêneros, se dá toda e qualquer comunicação. Seguindo a

linha sociointerativa da linguagem, o autor defende que “os gêneros textuais se

constituem como ações sociodiscursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo,

constituindo-o de algum modo” (MARCUSCHI, 2002, p. 22).

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74

Nessa perspectiva, questiona-se se a proposta temática da prova de redação de

vestibular da UNEB de 2014 estaria permitindo aos vestibulandos a produção de

qualquer gênero textual que contivesse a sequência argumentativa ou se estaria exigindo

a escrita de um formato de texto mais específico, com marcas linguísticas próprias,

constituindo um gênero textual. As características linguístico-discursivas reconhecidas

nos textos selecionados47

levam a identificá-los com o que Souza (2007) chama de

dissertação. A autora defende que a dissertação é um gênero textual, apontando sua

ampliação entre as esferas de comunicação, sendo requisitada nos exames vestibulares,

concursos públicos e no Exame Nacional do Ensino Médio. Indica também que, como

os demais gêneros, a dissertação tem um contexto de produção próprio, que se relaciona

ao contexto físico e ao sociosubjetivo. Nos termos de Souza (2007), o contexto físico

diz respeito ao lugar de produção do texto, à situação de produção, ao agente-produtor e

ao receptor. Já o contexto sociosubjetivo advém da interação sociocomunicativa entre

autor e leitor, dos seus lugares sociais e do objetivo interacional da dissertação, que visa

à adesão do leitor sobre o ponto de vista nela defendido.

A autora ainda faz um levantamento das correlações linguístico-discursivas

encontradas na dissertação que comprovam o estabelecimento pragmático do texto e da

atuação de seu produtor sobre o contexto que o cerca. Tais características podem ser

associadas ao que propunha anteriormente Marcuschi (2002) a respeito da função

sociocomunicativa dos gêneros textuais e confirmam que a dissertação é, de fato, um

gênero, posição que é também assumida no presente trabalho.

Na descrição do plano das propriedades linguístico-discursivas desse gênero,

Souza (2007) sinaliza a presença de organizadores textuais com valor lógico-

argumentativo e modalizações lógicas realizadas a partir de conectivos, advérbios e

anáforas pronominais, o que constitui contexto linguístico propício para usos de onde,

objeto desta pesquisa.

Lobão Assis (2016), em tese sobre a gramaticalização do não pré-verbal em

redações de vestibular, concorda que se trata de um texto profícuo para estudos de

natureza funcionalista:

Quanto ao gênero Redação de Vestibular, é possível afirmar, ainda que

precocemente, que se trata de um texto com características textual-

discursivas que podem constituir campo fértil de investigação científica

funcionalista [...], podem estar no limiar do continuum fala/escrita, entre o

47

Souza (2007) descreve as características linguístico-discursivas do gênero dissertação em três planos:

plano da situação de ação da linguagem, plano discursivo e plano das propriedades linguístico-

discursivas.

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75

registro formal e informal da língua, já que não são passíveis de uma

reelaboração mais sistemática devido ao tempo limitado em que são

produzidos. (LOBÃO ASSIS, 2016, p. 29)

Os textos aqui estudados, conforme se verá nos exemplos destacados,

constituíram um corpus bastante variado nos usos de onde e suas diferentes funções,

tanto no nível da semântica quanto na sintaxe. A seguir, será feita a descrição dos

procedimentos metodológicos para a observação e análise dos dados nesse corpus.

3.2 Procedimentos metodológicos para observação e análise dos dados

Na pesquisa, para observação e análise dos dados, procedeu-se às seguintes

etapas:

(a) levantamento e fichamento dos trechos em que ocorreu o uso de onde nas

150 redações analisadas;

(b) categorização dos valores semânticos do onde.

(c) definição dos grupos de fatores linguísticos a serem controlados na

codificação dos dados na pesquisa;

(d) codificação das ocorrências a partir dos grupos de fatores linguísticos

definidos;

(e) análises quantitativa e qualitativa dos dados.

Antes de examinar os textos cedidos pela UNEB para este estudo, foram feitas

cópias dos referidos textos, a fim de devolver os originais ao acervo da Comissão

Permanente de Seleção. Além disso, com as cópias, foi possível numerar as redações,

para poder referenciar o texto que originou o dado, como R1, R2, R3 etc. (sendo “R”

abreviação de Redação). Dessa maneira, ao lado de cada excerto aqui citado, será

indicada entre parênteses a numeração da redação da qual ele foi retirado. Essa

numeração foi feita conforme a sequência original organizada pela empresa

gerenciadora do processo seletivo vestibular da UNEB.

O levantamento das ocorrências do onde se deu a partir da leitura de cada um

dos 400 textos e seleção daqueles em que estivesse presente o item onde. Procedeu-se,

então, à transcrição dos trechos que continham esses itens. Para essa transcrição, levou-

se também em consideração a presença de material linguístico suficiente para se

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reconhecer o referente (quando havia) do onde. Em alguns textos, foram encontradas

duas ou mais ocorrências de onde; nesses casos, os trechos transcritos foram

identificados com a numeração da redação que os originou seguido da letra “a” para a

ocorrência que apareceu primeiro no texto, “b” para a segunda ocorrência e assim

sucessivamente.

Quanto à categorização dos valores do onde, quando não se reconhecia um

referente endofórico ou exofórico para o item, foram adotadas as seguintes estratégias;

(ii) substituição de onde por “através do(a) qual”, para identificar o valor semântico de

instrumento; (ii) permuta com os conectivos “pois”, “porque”, a fim identificar o

sentido de explicação/causa; (iii) substituição do onde por “de modo que”, para

categorizar o valor de resultado. Essas estratégias seguem a metodologia já adotada por

Lima (2007) e Fioravante (2011).

Vale ainda ressaltar que casos ambíguos em relação a valores semânticos do

onde (01) não foram quantificados. Tais casos só serão tratados qualitativamente.

(01) Ruídos, barulhos, conversas altas, som alto; vêm sendo denominado nos

últimos anos como poluição sonora. Vias públicas, vizinhança, entre muitos

outros, tem sido alvo de reclamação; o uso abusivo de todos os tipos de

som.

Em Salvador, a disputa pelo espaço urbano e social, tem crescido muito. O

uso de som em carros, tem sido grande problema, onde gera o desconforto a

muitos moradores e de outros motoristas; a sensação de incomodo cresce a

cada dia; e número de queixas também. Bares, tem sido alvo também de

reclamações. (R35)

Em (01), onde pode ser interpretado como: (i) uma proforma que remete ao

sintagma nominal “grande problema” ou mesmo a um sintagma mais distante (“o uso de

som em carros”), funcionando, portanto, como um relativo semelhante ao que, já que

exerceria, dentro da estrutura relativa por ele introduzida, a função de sujeito da forma

verbal “gera”; (ii) um conectivo (e, como tal, sem função sintática) de valor

causal/explicativo, que pode ser permutado com pois, tendo em vista que introduz uma

oração que traz uma justificativa para o que se diz na oração “tem sido um grande

problema”.

Nesta pesquisa, como houve apenas quatro ocorrências de aonde, esse item será

analisado qualitativamente no capítulo destinado à análise dos dados, na seção 4.2.

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3.2.1 Valores semânticos do onde

Muitos trabalhos (SOUZA, 2003; LIMA, 2007; SIQUEIRA, 2009; OLIVEIRA,

2010, FIORAVANTE, 2011, dentre outros) têm enfatizado distintos usos e valores

semânticos do onde tanto em textos falados como escritos, tomando, entre outras, como

referência a trajetória de abstratização semântica proposta por Heine, Claudi e

Hünnemeyer (1991):

PESSOA > OBJETO > ATIVIDADE > ESPAÇO > TEMPO > QUALIDADE

Neves (2001[1997]) destaca o “princípio da exploração de velhos meios para

novas funções”, também apontado por Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991), como um

princípio básico no processo de gramaticalização. Segundo ela,

experiências não-físicas são entendidas como experiências físicas, tempo em

termos de espaço, causa em termos de tempo, relações em termos de

processos cinéticos ou de relações espaciais, etc. É nesse sentido que a

gramaticalização é um processo de base metafórica, já que sua função

primária é a conceptualização obtida na expressão de uma coisa por outra;

(NEVES, 2001[1997], p. 132-133)

Sob essa perspectiva, faz-se necessário observar os valores semânticos

desempenhados pelo onde nos dados estudados. Esses sentidos serão tomados como

referência para análise dos grupos de fatores linguísticos. Foram encontrados os

seguintes valores semânticos:

(a) Espaço físico

(02) As pessoas que mais poluem o silêncio das cidades, são as quais gostam de

mostrar superioridade sobre os sons ao lado, e assim vivemos numa

“guerra” de sons, onde vence o som mais alto. Essa poluição também atinge

o transito das grandes cidades devido ao intenso uso das buzinas ou defeitos

mecânicos, produzindo ruidos ou até mesmo em casa, onde as pessoas

colocam o som acima do permitido, atrapalhando o sossego do morador e ao

redor, sem pensar nas consequências de seus atos. (R113c)

(b) Espaço virtual ou abstrato

(03) Por isso, podemos apropriarmos em afirmar que: “A valorização do silêncio

é uma questão social.” Pois, a forma como cada indivíduo percebe o som,

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está ligado ao seu padrão cultural, e o modo como transmite é altamente

social.

Enfim, vivemos em uma sociedade onde reeducar é preciso; para à vida, à

sociedade, o próximo, e, principalmente, para si. (FIM DO TEXTO) (R39)

(c) Tempo

(04) Pode-se observar em meios comunicativos que a maioria da população

utilizam os seus aparelhos sonoros com o volume exagerado, provocando

sérios danos a saúde, como em alguns casos extremos a surdez, a atinge a

maioria dos jovens, entretanto esses barulhos são provinientes, geralmente

nos finais de semana, onde os responsáveis usam o som no volume acima do

normal, o que é proibido pode gerar multa. (R66)

(d) Instrumental48

(05) A poluição sonora está entre os três principais problemas ambientais que a

sociedade é mais afetada. No entanto como não é uma ação fácil reeducar a

população como um todo além que custaria muito tempo e dinheiro se faz

necessário que atitudes mais rigosas sejam tomadas como a criação de uma

lei onde os donos de fábricas não pudessem produzir aparelhos com altura

superior a 70 decibéis, e o seu descomprimento resultaria numa multa e uma

advertência, com o total de três, a empresa seria obrigada a fechar.(R89b)

(e) Objeto49

(06) Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uns dos problemas

ambientais que mais afetam a população é a poluição sonora, ficando atrás,

somente, do ar e da água. E esta poluição se concentra nas grandes cidades,

onde se observa um elevado crescimento do barulho, proporcionado,

principalmente, por carros que trazem em seus portas-malas, verdadeiros

trios elétricos, onde param na calçada e fazem até uma disputa de espaço

sonoro; quando não isto, são os bares, que em uma mesma postura,

desrespeitoza sí permite em tirar o sossego das pessoas que não podem se

dar o direito de ter silêncio, culminando em uma falta de educação e

sivilidade. (R46b)

(f) Pessoa

(07) Os grandes aumentos dos sons nas cidades de Salvador, em decorrência aos

grandes números de automóveis, nas concentrações de restaurantes e bares

das nossas cidades.

48

Neste trabalho, foram considerados com valor semântico instrumental casos em que é possível

reconhecer uma referência a um termo que funcione como instrumento dos estados-de-coisas descritos na

oração introduzida pelo onde, que, geralmente, pode ser substituído, sem prejuízo semântico, por através

do(a) qual. 49

O valor semântico de objeto foi atribuído aos casos em que onde remete a espaços físicos menos

prototípicos, como veículos, por exemplo, que, apesar de apresentar o sentido de um recipiente, algo em

que se pode adentrar, não carrega a semântica primitiva de um lugar estático, como um bairro, por

exemplo.

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Fatos como esses, que podemos observarmos, que com o crescimento dos

automóveis, esse fator de uma maior educação por parte desses

frequentadores, onde elevam os sons dos seus carros, portanto causando em

todas as vizinhanças muitos problemas de saúde, no tange nas perdas de

audição desencadeado doenças metais, e também psicológica, gerado pelo

auto índice de decibéis produzidos pelos seus carros. (R36)

(g) Explicação/Causa50

(08) Com tudo, com o crescimento no abuso sonoro urbano, a falta de

intimidade, particularidade e paz atualmente é algo perdido onde os limites

não são respeitados e o costume já foram adotados causando não só prejuizo

a quem usa, mas principalmente a quem sofre com os danos causados.

(R387b)

(h) Resultado/Consequência

(09) A poluição sonora está entre os três principais problemas ambientais que a

sociedade é mais afetada. No entanto como não é uma ação fácil reeducar a

população como um todo além que custaria muito tempo e dinheiro se faz

necessário que atitudes mais rigosas sejam tomadas como a criação de uma

lei onde os donos de fábricas não pudessem produzir aparelhos com altura

superior a 70 decibéis, e o seu descomprimento resultaria numa multa e uma

advertência, com o total de três, a empresa seria obrigada a fechar. Assim

diminuiria um pouco o problema além de assegurar uma vida saudável onde

os problemas de perca de audição diminuiria consideravelmente. (FIM DO

TEXTO) (R89c)

Conforme já foi explicado, ressalta-se que, embora esses usos não representem

casos de variação, mas de mudança linguística, para rodada no pacote de programas

GOLDVARB X, eles vão ser tomados como se fossem a variável dependente da

pesquisa, seguindo um procedimento adotado em outros trabalhos sobre a

gramaticalização (CARVALHO, 2004; LIMA, 2007; OLIVEIRA, 2010; AMORIM,

2011; ASSIS, 2016, dentre outros).

50

Neste trabalho, optou-se por não fazer distinção entre causa e explicação, já que essa diferença ainda

não é ponto pacífico nem entre normativistas nem entre linguistas. A esse respeito, Amorim (2012), em

sua pesquisa sobre construções causais, ressalta que “a relação de causalidade é pouco explorada, tanto na

perspectiva tradicional quanto nos trabalhos de orientação linguística. Quando se trata, em ambas as

perspectivas, da conexão causal, a proposta de distinção das noções de causa e explicação é bastante

obscura, não dispondo ainda de critérios mais precisos que possam explicá-la” (AMORIM, 2012, p. 54-

55). Ademais, também não foi deita distinção dos domínios de atuação da causa: referencial e epistêmico

e atos de fala, de acordo com o que propõe Sweetser (1991 apud AMORIM, 2012).

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3.2.2 Grupos de fatores linguísticos controlados na pesquisa

Nesta pesquisa, os usos do onde serão analisados em função de grupos de fatores

linguísticos que podem ser relevantes para a explicação da gramaticalização desse item.

Alguns desses fatores foram considerados em pesquisas anteriores, realizadas por

Coelho (2011) Souza (2003), Braga e Manfili (2004), Lima (2007), Silva (2008),

Siqueira (2009), Fioravante (2011), Lima e Coroa (2013), entre outras. Neste trabalho,

foram considerados cinco parâmetros linguísticos: foricidade, categoria gramatical,

natureza sintática do referente do onde, função sintática de onde e tipos de orações em

que se encontra o onde. Esses fatores serão descritos a seguir.

3.2.2.1 Foricidade

A foricidade diz respeito ao caráter lacunar identificado nos itens de natureza

pronominal ao remeterem semanticamente a outro, que pode estar presente ou não na

materialidade do texto (FÁVERO, 1991). Segundo Halliday e Hasan (1976 apud

CASTILHO, 2007), quando a identificação do termo referido depende de uma

inferência a partir do contexto comunicativo, ou seja, quando não há verbalização de um

referente para o onde, diz-se que há uma referência exofórica. No entanto, quando essa

referência é endofórica, ou seja, está presente no texto, cabe observar se sua

verbalização é anterior ou posterior ao item que a retoma, classificando-se,

respectivamente, como anafórica e catafórica. Há casos em que anáfora e catáfora

ocorrem simultaneamente, mas não foram encontrados exemplos dessa concomitância

no corpus aqui estudado.

Ao se observar a foricidade do onde, pretende-se avaliar se a característica

pronominal do item tem se mantido mesmo com a gramaticalização em andamento.

Assim, à luz de trabalhos como os de Souza (2003), Braga e Manfili (2004), Lima

(2007), Silva (2008), Siqueira (2009), Fioravante (2011), Lima e Coroa (2013), aventa-

se aqui a hipótese de que, com essa gramaticalização, a carga semântica de onde tende a

se esvaziar, havendo, consequentemente, uma perda de foricidade.

Os grupos de fatores controlados são os seguintes:

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(a) Anafórico

(10) Hoje em dia somos “condenados” a conviver com o barulho. Com a

globalização, a medida em que são lançados no mercado, aparelhos

tecnológicos cada vez mais potentes, a proporção do barulho só tende a

aumentar. Isso é visível nos interiores e principalmente nos grandes

centros urbanos, onde a população, além de ter que aturar as buzinas dos

carros nos engarrafamentos, tem que conviver com o som alto dos bares e

dos automóveis que possuem sons de volumes cada vez maiores, com a

finalidade de seus proprietários realizarem “disputas” para mostrar quem

tem o som mais potente. (R47)

(b) Exofórico

(11) (INÍCIO DO TEXTO) A capital baiana tem se tornado a capital do barulho.

Por onde se passa, é impossível não fica incomodado com o barulho dos

carros, de pessoas falando, crianças chorando, sem contar que no final de

semana o fluxo de poluição sonora é ainda maior. (R97)

(c) Sem foricidade

(12) Na atual conjuntura, o problema da poluição sonora não só traz desconforto,

traz também a insatisfação. De forma que os poderes públicos com os seus

paradigmas, não atentam para esse delema. Deveriam investir em mudanças

radicais neste sentido, onde se o individuo não cumpresse com tal recurso,

seria punido com pontos na carteira de habilitação. Mas a poluição sonora

não se restringe somente nas classe menos favorecidas, alarga-se nos bairros

que se consideram classe alta. (R99)

3.2.2.2 Categoria gramatical

Hopper e Traugott (2003[1993]) afirmam que, quando um item é submetido à

gramaticalização, “ele tende a perder as propriedades morfológicas e sintáticas que a

identificariam como membro pleno de uma categoria gramatical maior”51

, passando a

funcionar como um item pertencente a uma categoria menor, podendo ou não passar

pelas categorias intermediárias. Assim, descrevem os substantivos e os verbos como

pertencentes às categorias maiores e incluem nas categorias menores as preposições,

conjunções, verbos auxiliares, pronomes e demonstrativos. As categorias intermediárias

abrangem os adjetivos e advérbios.

51

When a form undergoes grammaticalization from a lexical to a grammatical form, however, it tends to

lose the morphological and syntactic properties that would identify it as a full member of a major

grammatical category such as noun or verb (HOPPER; TRAUGOTT, 2003[1993], p.107).

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Segundo os autores, a mudança categorial, na sua forma mais extrema, obedece

ao seguinte cline de categorialidade: categoria maior ( > categoria intermediária) >

categoria menor (HOPPER; TRAUGOTT, 2003[1993], p.107).

Diante do questionamento inicial desta pesquisa a respeito da possibilidade de o

item onde estar passando por um processo de gramaticalização, faz-se necessário

observar quais as categorias em que esse item se enquadra e se há tendência ao que

Hopper (1991) e Hopper e Traugott (2003[1993]) chamam de recategorização. Assim,

assume-se aqui a hipótese de que o onde esteja passando por uma reanálise categorial,

tendo empregos como pronome/advérbio interrogativo, pronome relativo e ainda como

operador argumentativo ou conjunção, conforme já sinalizaram Lima e Coroa (2013)52

.

Encontraram-se as seguintes categorias gramaticais atribuídas ao onde:

(a) Pronome ou advérbio interrogativo53

(13) (a) Mostrar ao mundo o que se gosta não é errado, mas desta forma,

agredindo os ouvidos das pessoas, é um crime, ao meu ver.

E se formos pensar, tendo como base o ditado popular: “Os incomodados

que se mudem”, vamos para onde? Onde estão as autoridades desta cidade?

Onde andam os policiais que não conseguem frear estas pessoas? Acredito

que, se for aumentado o número de policiais e viaturas nas ruas para

fiscalizar estas ações, ficaria mais fácil de resolver este problema, que nem

sempre no diálogo pode ser resolvido. (R32 a,b,c)

(b) (INÍCIO DO TEXTO) Ouvir som alto demais é uma falta de respeito

para com a outra pessoa que valoriza o silêncio. É necessário saber onde e

quando o barulho é aceitável.

O indivíduo tem todo direito de ouvir som, desde que seja em um volume

adequado ao local. Em algumas cidades do Brasil; a exemplo o Rio de

Janeiro é proibido ouvir qualquer tipo de som dentro dos transportes

coletivos. (R19)

(b) Advérbio relativo54

(14) Sair nas ruas, de carro, com o som no máximo volume, virou moda entre

os jovens desta sociedade moderna, tornando-se uma forma de mostrar

52

Os autores indicam que o onde passa de pronome relativo, advérbio interrogativo e relativo para

demonstrativo e conjunção (cf. LIMA e COROA, 2013, p. 329) 53

Neste trabalho, diante da constatação de que não há consenso entre gramáticos ou linguistas a respeito

do onde introdutor de orações interrogativas diretas ou indiretas, preferiu-se usar o rótulo

pronome/advérbio interrogativo para classificar esse tipo de uso do onde. 54

Aqui serão designados como advérbios relativos os casos em que onde introduz as chamadas orações

relativas sem antecedente, designadas como relativas livres.

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superioridade ao próximo, com o propósito de chamar atenção, afirmando

sua presença no local.

Ouvir qualquer tipo de som é normal, mas, as pessoas não se educaram a

ouvi-la em um volume adequado que se satisfaça e não pertube o próximo.

Onde chegam abrem a mala de som, colocam no último volume, sem ao

menos ter respeito com os outros sem saber se todos estão de acordo. Pois,

além além do desconforto, pode causar graves doenças auditivas. (R117b)

(c) Pronome relativo

(15) Em Salvador, o volume alto de som de automóveis nas ruas e bares, tornou-

se desagradável para os habitantes dos bairros onde concentram-se o incomo

citado. Além de ser um desrespeito para com o outro cidadão, é

infringimento da Lei do Silêncio, que estabelece limites de 60 decibéis entre

as 22h e as 7h, e 70 das 7h as 22h. (R2)

(d) Operador argumentativo ou conjunção

(16) Hoje a capital baiana é a campeão do barulho, pois a cada esquina, tem

pessoas com seu carro utilizando seus rádios com o som nas alturas, fazendo

competições entre se transtornos para a população. Meios de combates são

feitos para amenizar esse sofrimento urbano, onde muitas vezes não são

respeitados os direitos alheios, mas a cada dia que passa esse processo saem

piorando pois não se tem fiscalização rigorosa pela cidade. (R133)

3.2.2.3 Natureza sintática do referente do onde

As referências endofóricas indicadas pelo onde podem aparecer no texto sob a

forma de diferentes categorias ou estruturas sintáticas. Serão observadas as

estruturações sintáticas dos referentes a fim de relacionar suas ocorrências à maior ou

menor probabilidade de o onde exercer papéis mais gramaticais. Serão observados

também os casos de referências exofóricas ou de ausência de referentes. Braga e Manfili

(2004) já verificaram a correlação entre o onde e os sintagmas preposicionados (SP):

Nossa hipótese é a de que a dispersão de usos de onde, no que diz

respeito às categorias não-espaciais, aliada a não realização da preposição

subcategorizadora do SPrep encabeçador de orações relativas, pode estar

favorecendo a generalização dos contextos sintáticos nos quais onde pode

ocorrer, numa mútua interdependência entre semântica, pragmática e sintaxe.

(BRAGA; MANFILI, 2004, p. 241)

Com base na a hipótese colocada por Braga e Manfili (2004), considera-se aqui

que a presença de referências a um SP anterior tende a favorecer a ocorrência de onde,

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sobretudo com os valores semânticos de lugar físico, abstrato e tempo, pois, nesses

casos, há a possibilidade de onde estar substituindo em que, expressão que, segundo

Braga e Manfili (2004) funciona como variante de onde.

Quanto à natureza sintática, os referentes do onde podem ser sintagmas ou

orações. Os tipos sintáticos de referentes encontrados são os seguintes:

(a) Sintagma Nominal

(17) É visível vermos que bares, casas e restaurantes se encomodam com isso, É

verdade que falamos que isso pode e vai nos levar para a poluição sonora,

um problema para a população, claro que podemos evitar ou pelo menos se

controlada para isso temos um orgão publico chamado SUCOM que cuida

desses chamados “paredoes” o que não adianta muito pois eles sempre

mudam de lugares, agora como o carnaval onde temos trio eletrico que são

controlados pela SUCOM para não passarem do limite e passam perante aos

Hospitais, Asilos e Casas de Repousos com o volume acima. Para os carros

com seus potentes sons poderiam fazer um lugar para essa pratica, mas

prejudicariam os proprios donos de carros e a quem divese com eles. (R6)

(b) Sintagma Preposicional

(18) O crescimento desse barulho é um ponto preocupante. Ou seja, a população

espera um mínimo significante do volume desse som, pois a poluição sonora

está crescendo de maneira negativa, colaborando para a insatisfação das

pessoas. Por tanto, é nescessário mais leis para ter esses barulhos

aprendidos. Pois é necessário que esse assunto seja levado a sério por todos

para ter uma melhora nessas áreas, onde um pouco de silêncio seja

colaborado (FIM DO TEXTO). (R3)

Em alguns casos, onde não apresenta referente explícito no texto ou não admite

nenhum tipo de referente:

(a) Referente situacional, não explícito no contexto

(19) Dentre as várias figuras causadoras de ruídos excessivos, se encontra a dos

condutores de veículos automotivos, que causam barulhos exagerados com

seus carros cheios de alto falantes. Por onde passam deixam um rastro de

desrespeito e desvalorização do silêncio. (R121)

(b) Sem referentes

(20) (...) não só devemos considerar o silencio uma questão social, deve também

se aplicar como uma questão de respeito ao próximo, respeitar cada gosto

peculiar quando se trata de musica onde devemos aceitar e respeitar cada

espaço seja particular ou urbano. Quando se tratar de lazer cada pessoa ao

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responsável crie seu mecanismo, respeitando o limite de volume e horário,

onde motoristas que estejam desrespeitando esse limite, além de o som

apreendido, e multado, perdece pontos em sua carteira, regras existem não

para restrigir e sim para defender direitos e bem estar. (R347d)

Outra hipótese aqui aventada é a possibilidade de que a ausência de referentes

para o onde esteja indicando o seu esvaziamento semântico, o que funcionaria como

indício de gramaticalização do onde empregado como conjunção (OLIVEIRA, 2000;

FURTADO DA CUNHA; COSTA; CEZARIO, 2015).

3.2.2.4 Função sintática

Castilho (1997) descreve a sintaticização como uma das fases da

gramaticalização. Segundo ele, um item passa por sintaticização quando muda sua

categoria de classe de palavra e também altera sua categorização funcional. Dessa

forma, cabe a observação das funções sintáticas dos itens em possível processo de

gramaticalização. No corpus desta pesquisa, foram encontradas as seguintes funções

sintáticas para o onde:

(a) Adjunto adverbial

(21) O crescimento da população e a concentração desordenada destes nas áreas

centrais e econômicas das cidades, ocasiona um conflito de sons e barulhos

que ultrapassam os limites permitidos pela Lei do Silêncio.

No mundo contemporâneo, onde as pessoas possuem diversos aparelhos

eletrônicos que emitem sons e automóveis com buzinas altas e

equipamentos de som e vídeo super potentes, é quase impossível manter

silêncio. (R24a)

(b) Complemento adverbial

(22) Algumas pessoas vão em busca de tranquilidade, preferindo morar em

lugares mais calmos, como os interiores, mas acabam se decepcionando,

pois esse problema esta presente em todos os lugares, afinal a sociedade

vive achando que a diversão, esta presente nas praças, onde eles chegam,

estacionam carros e abrem o porta-malas com o som alto, causando até

disputas de som que gera até violência, não pensam nas ondas sonoras que

circulam no ar prejudicando a audição do seu próximo e até mesmo dele.

(R11)

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(c) Objeto direto

(23) Claro que você tem o direito de escutar sua música, o seu som, mas com

educação e respeito aos vizinhos e as leis. Em diversos casos esses vizinhos

são idosos e sofrem de doenças que esses barulhos causam irritação,

desespero ou até algo mais grave.

É necessário que os governantes, façam rondas ou as chamadas blitz, em

lugares onde a população frequenta mais, como bares, restaurantes, casas de

shows, entre outros... (R31)

(d) Sujeito

(24) (INÍCIO DO TEXTO) Existem vários tipos de poluição, dentre elas está a

poluição sonora, onde hoje está causando incômodo a sociedade. Pois

algumas pessoas abusam da liberdade e ultrapassam o limite do espaço do

próximo. Sair nas ruas, de carro, com o som no máximo volume, virou

moda entre os jovens desta sociedade moderna, tornando-se uma forma de

mostrar superioridade ao próximo, com o propósito de chamar atenção,

afirmando sua presença no local. (R117a)

(e) Complemento nominal

(25) (INÍCIO DO TEXTO) Um tipo de poluição que vem crescendo

principalmente nas áreas urbanas é a poluição sonora, onde um dos

principais causadores é os barulhos oriundos de carros. (R300)

(f) Sem função sintática

(26) A atual relação entre os homens que fomente o individualismo e a

concorrência acaba que aumentando a sensação de conflito onde quem fala

mais alto ganha a disputa agregado ao desenvolvimento tecnológico que cria

instrumentos cada vez mais ruidosos (...) (R228)

Tendo em vista que o onde, além de adjunto adverbial e complemento adverbial,

tem exercido as funções sintáticas de objeto direto e sujeito, assume-se, com Braga e

Manfili (2004), a hipótese de que, com a gramaticalização, o onde possa estar se

generalizando em contextos sintáticos, assumindo novas funções, semelhantes às do

relativo que55

, o que caracterizaria a sintaticização, uma das etapas da gramaticalização

(CASTILHO, 1997).

55

Braga e Manfili (2004) já abordaram essa relação em um estudo que considerou onde e Sprep‟s (com a

configuração preposição + QUE pro-relativo, como “em que” e “no qual”) como variantes.

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3.2.2.5 Tipo de oração em que se encontra o onde

De acordo com o continuum de gramaticalização das categorias gramaticais

proposto por Hopper e Traugott (2003[1993]), os pronomes são descritos como uma

categoria maior do que a dos advérbios e conjunções56

. A classificação do onde como

uma dessas categorias requer a análise dos tipos de oração que ele introduz. Lima

(2007) associa valores semânticos e categoriais do onde às orações relativas, relativas

livres e absolutas interrogativas. Manfili (2008) também analisou essa relação, com base

nos conceitos de Halliday (198657

), chegando à seguinte conclusão:

Em se tratando da categoria cognitiva retomada pela variante onde e o tipo de

relação (encaixamento e hipotaxe), verificamos que o onde não-locativo

tendeu a ocorrer por hipotaxe, correspondendo a 51%; quanto à relação por

encaixamento, o onde não-locativo ocorreu com 37%. Em retomada a lugar,

95% se deram com onde nas orações por hipotaxe e 78% nas orações por

encaixamento. (MANFILI, 2008, p. 16)

Com base nisso, aqui também serão comparados os tipos de orações em que se

encontra o onde com os valores semânticos levantados para o onde na pesquisa.

Seguindo os rótulos adotados por Lima (2007), as orações analisadas serão as seguintes:

(a) Orações absolutas interrogativas

(27) Mostrar ao mundo o que se gosta não é errado, mas desta forma, agredindo

os ouvidos das pessoas, é um crime, ao meu ver.

E se formos pensar, tendo como base o ditado popular: “Os incomodados

que se mudem”, vamos para onde? Onde estão as autoridades desta cidade?

(R32b)

(b) Orações subordinadas substantivas

(28) (INÍCIO DO TEXTO) Ouvir som alto demais é uma falta de respeito para

com a outra pessoa que valoriza o silêncio. É necessário saber onde e

quando o barulho é aceitável.

O indivíduo tem todo direito de ouvir som, desde que seja em um volume

adequado ao local. Em algumas cidades do Brasil; a exemplo o Rio de

56

Como já foi mencionado, segundo Hopper e Traugott (2003[1993]), o continuum de gramaticalização

das categorias gramaticais é descrito da seguinte forma: categoria maior [nome, verbo, pronome] >

categoria mediana [adjetivo e advérbio] > categoria menor [preposição, conjunção]. 57

Halliday (1986 apud CARVALHO, 2004) considera como hipotaxe as cláusulas relativas não-

restritivas, cláusulas de discurso indireto e cláusulas interligadas por relações circunstanciais e como

estruturas de encaixamento as subordinadas substantivas e adjetivas restritivas da gramática tradicional.

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88

Janeiro é proibido ouvir qualquer tipo de som dentro dos transportes

coletivos. (R19)

(c) Orações subordinadas adjetivas restritivas

(29) O ruído provocado pelo sons dos carros é tão forte que alguns moradores,

fecham suas portas e janelas. Quem precisa dormir para cumprir seus

compromissos, não conseguem. As moradias onde há pessoas idosas e

doente são as mais vulneráveis. O problema causado pela poluição sonora,

virou caso de polícia. (R127a)

(d) Orações adjetivas explicativas

(30) Pesquisas feitas pela SUCOM comprovam que a maioria das denúncias

feitas em relação a poluição sonora estão ligadas aos bairros mais populosos

de Salvador, como: Fazenda Grande do Retiro, Rio Vermelho, Pituba; onde

os bares e carros com sons exagerados, nos fins de semana, tiram a paz de

quem se deleita nos seus lares em busca de descanso. (R62)

(e) Orações relativas livres58

(31) Sair nas ruas, de carro, com o som no máximo volume, virou moda entre os

jovens desta sociedade moderna, tornando-se uma forma de mostrar

superioridade ao próximo, com o propósito de chamar atenção, afirmando

sua presença no local.

Ouvir qualquer tipo de som é normal, mas, as pessoas não se educaram a

ouvi-la em um volume adequado que se satisfaça e não pertube o próximo.

Onde chegam abrem a mala de som, colocam no último volume, sem ao

menos ter respeito com os outros sem saber se todos estão de acordo. Pois,

além além do desconforto, pode causar graves doenças auditivas. (R117b)

(f) Orações hipotáticas (adverbiais)

(32) Nas grandes cidades, especificamente em Salvador, onde existem muitas

festividades: Festa de largo, lavagem, shows e carnaval praticamente o ano

inteiro, gerando para muitos desconforto auditivo, devido ao volume alto

dos sons produzidos pelos aparelhos musicais, automotivos, motos e até

mesmo a voz humana. Com isso provoca um desequilíbrio emocional, onde

58

O rótulo orações relativas livres aqui é baseado no que afirma Medeiros Junior (2009), segundo o qual

as relativas livres são estruturas relativas que “não localizam, no contexto sintático relevante, o

antecedente nominal que deveria estar ligado à interpretação da lacuna que se forma no interior desse tipo

de oração subordinada”. Ainda a respeito desse tipo de oração, Ribeiro e Figueredo (2008) afirmam que

“as relativas livres se caracterizam pela ausência de um antecedente explícito para a referência do

constituinte relativo, sendo, por isso, também denominadas relativas sem cabeça”.

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89

na maioria das vezes o indivíduo exposto a níveis de sons elevados,

resultando em stress e distúrbio de sono. Por outro lado, na vida social,

gerando desentendimentos e brigas que podem levar a fatalidade. (R353b)

Ao se observarem os tipos de orações introduzidas pelo onde, analisa-se a

possibilidade de recategorizá-lo de acordo com o papel que exercerá articulando as

orações. Lima (2007) constata que as categorias gramaticais de pronome relativo,

advérbio relativo, pronome interrogativo e conjunção associam-se, respectivamente, às

orações relativas, relativas livres, interrogativas absolutas e adverbiais. Também foi

possível constatar, no corpus, que o onde como pronome ou advérbio interrogativo pode

introduzir uma oração subordinada substantiva, conforme se vê em (28).

3.3 O suporte quantitativo

Tavares (2013), ao discutir a articulação teórico-metodológica entre o

Funcionalismo Linguístico e a Sociolinguística Variacionista, sinaliza que codificar

dados e submetê-los a tratamento estatístico são procedimentos metodológicos da

Teoria da Variação que podem ser aplicados em estudos de natureza funcionalista. A

esse respeito, a autora cita Bybee (2010):

Em uma teoria baseada no uso, os estudos quantitativos passam a ser

extremamente importantes para a compreensão da amplitude da experiência

com a língua. A tradição variacionista iniciada por Labov (1966, 1972),

embora destinada à compreensão de como ocorre a interação de fatores

sociais com a fonologia e a gramática, também fornece uma metodologia

apropriada para o estudo da variação e da mudança gramatical. (BYBEE,

2010, p. 114 apud TAVARES, 2013, p. 33).

Os dados coletados no corpus da pesquisa foram codificados em função dos

grupos de fatores linguísticos anteriormente elencados e quantificados com a utilização

do programa computacional GoldVarbX, que foi elaborado para análise de fenômenos

relativos à variação linguística por meio de cálculos estatísticos que consideram a

convergência dos dados. Nesta pesquisa, os resultados obtidos através desse programa

possibilitam a interpretação dos dados a fim de se buscar confirmação ou não das

hipóteses inicialmente levantadas acerca da possibilidade de estar havendo um processo

de gramaticalização do onde. No caso, a confirmação ou não das hipóteses será

interpretada a partir da relevância numérica apresentada em determinado grupo de

fatores, que serão indicados como motivadores ou não do fenômeno em análise.

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90

4 ANÁLISE DOS DADOS

Neste capítulo, inicialmente, são analisados valores semânticos de onde

encontrados no corpus selecionado, associando-os às categorias gramaticais em que

pode ser inserido o onde. Posteriormente, há uma seção destinada à análise dos casos

ambíguos encontrados na pesquisa. Além disso, é feita uma descrição de usos de aonde

registrados no corpus, seguida da análise quantitativa dos dados relativos aos usos de

onde e, por fim, elabora-se uma discussão sobre possíveis trajetórias de

gramaticalização do onde e deslizamentos semânticos.

4.1 Usos do onde no corpus: valores semânticos e categorias gramaticais

No corpus analisado, conforme apresentado no capítulo referente à metodologia

da pesquisa, encontram-se os seguintes valores semânticos para o onde:

(a) espaço físico

(01) O número de poluição sonora cresceu muito nos último anos,

principalmente depois que inventaram a conhecida “competição com som de

carro”. Entre sexta e domingo o número de reclamações e denúncias

aumentam nos bairros mais populares, onde acontece com frequência, há

registros de reclamações até próxima a faculdade, e quem sofre com isso é a

população. O exagero do volume do som vem provocando consequências,

que é a poluição sonora urbana, as causas são diversas, a falta de

consciência e educação das partes desses indivíduos, e a falta de fiscalização

e regras mais rigorosas entre os órgãos. (R91a)

(02) Ouvir som alto demais é uma falta de respeito para com a outra pessoa que

valoriza o silêncio. É necessário saber onde e quando o barulho é aceitável.

O indivíduo tem todo direito de ouvir som, desde que seja em um volume

adequado ao local. Em algumas cidades do Brasil; a exemplo o Rio de

Janeiro é proibido ouvir qualquer tipo de som dentro dos transportes

coletivos. (R19)

(03) Mostrar ao mundo o que se gosta não é errado, mas desta forma, agredindo

os ouvidos das pessoas, é um crime, ao meu ver.

E se formos pensar, tendo como base o ditado popular: “Os incomodados

que se mudem”, vamos para onde? (R32a)

(04) Dentre as várias figuras causadoras de ruídos excessivos, se encontra a dos

condutores de veículos automotivos, que causam barulhos exagerados com

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seus carros cheios de alto falantes. Por onde passam deixam um rastro de

desrespeito e desvalorização do silêncio. (R121)

Dentre as ocorrências de onde registradas na amostra, há referência ao valor

semântico de espaço físico, como demonstram os exemplos (01), (02), (03) e (04).

Nesse sentido, o onde pode ser pronome relativo, como se observa em (01), em que o

onde remete ao sintagma preposicionado nos bairros mais populares.

Em (02), embora não se identifique, no contexto linguístico, uma expressão a

que o onde faça uma referência, entende-se que o valor de espaço físico é reforçado no

trecho seguinte do texto: “O indivíduo tem todo direito de ouvir som, desde que seja em

um volume adequado ao local.”. Em (03), também se verifica a ausência de referentes,

mas reconhece-se que o onde se associa a um verbo transitivo circunstancial, cujo

complemento requer o valor semântico de lugar. Além disso, na afirmação posta entre

aspas no texto, o autor destaca que as pessoas incomodadas pelo barulho devem mudar

de lugar e questiona essa afirmação ao interrogar para que lugar devem ir. (02) e (03)

ilustram os casos em que onde funciona como pronome/advérbio interrogativo.

Em (04), verifica-se um dos casos de advérbio relativo encontrados no corpus. A

atribuição do valor semântico de espaço físico decorre da constatação de que o texto faz

uma crítica a respeito de motoristas de veículos que se locomovem pelo espaço com

aparelhos de som automotivos em alto volume, além de se perceber também que onde

complementa um verbo cujo complemento circunstancial requer essa noção de lugar

concreto.

(b) espaço virtual ou abstrato

(05) Por isso, podemos apropriarmos em afirmar que: “A valorização do silêncio

é uma questão social.” Pois, a forma como cada indivíduo percebe o som,

está ligado ao seu padrão cultural, e o modo como transmite é altamente

social. Enfim, vivemos em uma sociedade onde reeducar é preciso; para à

vida, à sociedade, o próximo, e, principalmente, para si. (R39)

(06) (INÍCIO DO TEXTO) Dada a criação de uma nova cultura, onde o som se

potencializa como via de entretenimento, o excesso da forma em que o

mesmo é utilizado incomoda parte da população que vivencia o exagero da

sonoridade, caracterizada pela poluição sonora. (R83a)

(07) (INÍCIO DO TEXTO) A sociedade atual vive tentando se acostumar com

tudo, justamente por ser um conjunto onde no qual pessoas lidam com

gostos e opiniões diferentes e que muitas vezes não são aceitos por todos.

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92

Há momentos que ficamos incomodados com algumas atitudes de outras

pessoas, atitudes essas que também temos e nem por isso paramos para

pensar no bem estar do próximo. (R146)

(08) Se hoje tem Ba X Vi haverá sons de carros em volumes exorbitantes, os

bares estarão com seus telões transmitindo à festa: Hoje, em Salvador, as

sextas, sábados e domingos de vários bairros tem-se disputa de sons, onde

vários carros ecoam um barulho que atraem multidões; Por vezes a polícia

aje constantemente por denúncia de moradores. (R126a)

De (05) a (08), estão ilustrados casos de onde com valor de espaço virtual ou

abstrato identificados no corpus. Remetendo às expressões em uma sociedade, uma

nova cultura, um conjunto e disputa de sons, respectivamente, em (05), (06), (07), (08),

o onde, categorizado como pronome relativo, indica um locativo virtual, com sentidos

mais abstratos que compõem um lugar conceitual especificado a partir da oração

relativa introduzida por onde. Já no caso específico de (07), vale ressaltar que ocorrem

concomitantemente as formas onde e no qual, que, nesse contexto, pertencem à mesma

categoria (pronome relativo). A ocorrência de no qual nesse contexto permite inferir

que o onde pode estar passando por um processo de esvaziamento semântico, já que

autoriza a presença de outro termo desempenhando, na oração, um valor que poderia ser

exercido pelo próprio onde. Ressalta-se que, em (08), embora exista a menção anterior a

um valor locativo concreto expresso em bairros, o onde introduz uma oração que

destaca o barulho dos carros e a atração de multidões. Deduz-se, portanto, que se trata

de uma referência a um evento criado em torno da atividade de disputa de sons, caso em

que se nota uma noção ainda mais abstrata do que nos exemplos de (05) a (07). Numa

escala de abstratização semântica, portanto, exemplos como (08) estariam ocupando

posições mais gramaticalizadas do que os anteriores. No entanto, ainda não chega a ser

considerado um caso que pode ser categorizado como uma referência a uma atividade –

valor semântico previsto na trajetória de Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991) –, já que

se compreende que há uma ênfase ao evento (no qual se reúnem carros para uma

competição em que vence aquele que possuir um som mais potente) que remete mais ao

sentido de um espaço virtual.

(c) instrumental

(09) A poluição sonora está entre os três principais problemas ambientais que a

sociedade é mais afetada. No entanto como não é uma ação fácil reeducar a

população como um todo além que custaria muito tempo e dinheiro se faz

necessário que atitudes mais rigosas sejam tomadas como a criação de uma

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93

lei onde os donos de fábricas não pudessem produzir aparelhos com altura

superior a 70 decibéis, e o seu descomprimento resultaria numa multa e uma

advertência, com o total de três, a empresa seria obrigada a fechar. (R89b)

(10) Por conseguinte chegar a uma conciliação, onde todos chegarão ao mesmo

denominador comum. Através disso as pessoas passarão a ter um pouco mais

de educação, respeitando tanto o espaço de um quanto o espaço do outro.

(R206c)

(11) Todavia, necessário se faz de um maior rigor na fiscalização dessas

ocorrências danosas, e de campanhas educativas com vistas a maior

entendimento, vez que, este fato, ocorre em toadas as camadas sociais e, seus

efeitos são danosos à saúde humana. Também, delimitação de espaços para

este fim, vez que a música é um dispersor das emoções onde o ser humano se

aproxima de Deus. Isso segundo alguns filósofos e, entre esses: Arthurr

Schopenhauer. (R179b)

Os casos de onde com o valor semântico instrumental estão representados em

(09), (10) e (11). Verifica-se que seus referentes são também conceitos abstratos, porém,

como esses conceitos foram usados nos textos como ferramentas que permitiriam a

realização dos estados-de-coisas descritos na oração relativa, procedeu-se aqui à

diferenciação de rótulos. Ademais, como se trata de uma relação em que uma expressão

funciona como meio através do qual uma ação é realizada, admite-se aqui que muitas

das ocorrências de onde com valor instrumental parecem sugerir que pode haver algum

tipo de imbricação entre os empregos de ONDE com valor de instrumental e

resultado/consequência (esse último uso será abordado mais adiante, na alínea (h)).

Lima (2007) afirma que os casos do relativo onde com valor instrumental

formam estruturas relativas cortadoras, quando há apagamento da preposição antes do

pronome relativo. Dessa forma, foram testados os casos (09), (10) e (11) a partir da

permuta de onde com a expressão através do(a)(s) qual(is) ou por meio do(a)(s)

qual(is), conforme se verifica nas paráfrases dos trechos abaixo:

(09‟) ... se faz necessário que atitudes mais rigosas sejam tomadas como a

criação de uma lei por meio da qual os donos de fábricas não pudessem

produzir aparelhos com altura superior a 70 decibéis ...

(10‟) ...a uma conciliação, através da qual todos chegarão ao mesmo

denominador comum. Através disso as pessoas passarão a ter um pouco mais

de educação ...

(11‟) ... a música é um dispersor das emoções por meio da qual o ser humano se

aproxima de Deus....

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94

(d) tempo

(12) O crescimento da população e a concentração desordenada destes nas áreas

centrais e econômicas das cidades, ocasiona um conflito de sons e barulhos

que ultrapassam os limites permitidos pela Lei do Silêncio.

No mundo contemporâneo, onde as pessoas possuem diversos aparelhos

eletrônicos que emitem sons e automóveis com buzinas altas e

equipamentos de som e vídeo super potentes, é quase impossível manter

silêncio. (R24a)

(13) (INÍCIO DO TEXTO) Vivemos numa era onde o avanço tecnológico se

expandiu e tomou conta de nossa sociedade. Sendo a globalização, um meio

de nos conectarmos com o que há de melhor e ruim em outros lugares, onde

as pessoas tomam para si o direito de fazerem o quizerem, na hora que

quizerem, não tendo como base as diferenças entre liberdade e libertinagem.

(R42a)

(14) Pode-se observar em meios comunicativos que a maioria da população

utilizam os seus aparelhos sonoros com o volume exagerado, provocando

sérios danos a saúde, como em alguns casos extremos a surdez, a atinge a

maioria dos jovens, entretanto esses barulhos são provinientes, geralmente

nos finais de semana, onde os responsáveis usam o som no volume acima do

normal, o que é proibido pode gerar multa. (R66)

Remetendo a expressões com valor temporal, foram encontradas ocorrências de

onde como pronome relativo (12), (13) e (14). Em (12), onde remete ao sintagma

preposicionado no mundo contemporâneo, que, apesar de conter um núcleo com sentido

de locativo concreto (mundo), assume-se que, no contexto, a referência é à noção de

contemporaneidade, um significado muito mais associado a tempo do que a lugar. Em

(13) e (14), as referências ao valor temporal são ainda mais claras, pois o onde retoma,

respectivamente, os sintagmas preposicionados numa era e nos finais de semana.

(e) objeto

(15) Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uns dos problemas

ambientais que mais afetam a população é a poluição sonora, ficando atrás,

somente, do ar e da água. E esta poluição se concentra nas grandes cidades,

onde se observa um elevado crescimento do barulho, proporcionado,

principalmente, por carros que trazem em seus portas-malas, verdadeiros

trios elétricos, onde param na calçada e fazem até uma disputa de espaço

sonoro; quando não isto, são os bares, que em uma mesma postura,

desrespeitoza sí permite em tirar o sossego das pessoas que não podem se

dar o direito de ter silêncio, culminando em uma falta de educação e

sivilidade. (R46b)

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95

(16) A apropriação do espaço urbano, causado pela disputa de sons de carros

com ruídos acima do permitido por lei, está extremamente associado a

forma como o individuo se preocupa com o outro, essa falta de consciência

e respeito contribuem para a irritação e o incomôdo dos ouvintes. Mas a

poluição sonora está apenas ligada aos sons dos carros, mas também em

qualquer lugar público, até mesmo nos transportes coletivos onde pessoas

ligam seus aparelhos acima do volume permitido, sem se importar com

quem está do lado. (R119)

Nos dados analisados, o onde com valor semântico de objeto é categorizado

como pronome relativo. Em (15) e (16), respectivamente, atribui-se a onde o valor

semântico de objeto em decorrência da referência anafórica ao sintagma nominal carros

que trazem em seus porta-malas verdadeiros trios elétricos (retomando,

especificamente o núcleo carros) e ao sintagma preposicionado nos transportes

coletivos, que designam veículos, objetos usados como meio de transporte. Apesar da

noção de recipiente espacial, no qual é possível se adentrar, não se categorizaram os

usos como locativos físicos por designarem um meio através do qual é possível exercer

um deslocamento. Não se trata, portanto, de locais fixos como os designados nos

exemplos (01), (02), (03) e (04). Braga e Manfili (2004) também encontraram o valor de

objeto na pesquisa que fizeram a respeito das referências anafóricas de onde. As autoras

categorizam como referência a objeto um exemplo no qual o onde retoma a expressão

carrinho de chá, cujo sentido se aproxima do que aqui foi colocado, um veículo, um

objeto móvel59

.

(f) pessoa

(17) Os grandes aumentos dos sons nas cidades de Salvador, em decorrência aos

grandes números de automóveis, nas concentrações de restaurantes e bares

das nossas cidades.

Fatos como esses, que podemos observarmos, que com o crescimento dos

automóveis, esse fator de uma maior educação por parte desses

frequentadores, onde elevam os sons dos seus carros, portanto causando em

todas as vizinhanças muitos problemas de saúde, no tange nas perdas de

audição desencadeado doenças metais, e também psicológica, gerado pelo

auto índice de decibéis produzidos pelos seus carros. (R36)

59

Braga e Manfili (2004) citam o seguinte exemplo como ilustração do valor semântico de objeto: “Meu

filho, quando tinha dois, três anos, uns três anos mais ou menos, ele sentava atrás do carrinho de chá,

onde eu tinha lá minhas cachaças, meus troços lá, meus licores, ele abria e até o dia que se engasgou.”

(BRAGA; MANFILI, 2004, p. 239).

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96

(18) Essas constantes incomodações, só termina quando alguém se irrita, e toma

uma atitude ligando para a sucom que é um dos órgãos responsáveis pela

fiscalização de sons de carro e residências, onde ao chegar ao local da

denúncia e constatarem que o volume ultrapassa a quantidade de decibéis

permitido, o som é apreendido na mesma hora. (R206b)

Os exemplos acima representam as ocorrências de onde com valor semântico de

pessoa. O caso de (17) permite afirmar que o onde remete ao sintagma nominal esses

frequentadores, pessoas que frequentam os bares e restaurantes anteriormente citados

no texto. O onde funciona como sujeito da forma verbal elevam, o que pode ser

confirmado ao constatar a relação de concordância estabelecida entre o verbo (elevam) e

o sintagma referente do onde (esses frequentadores). Trata-se, mais uma vez, de um

pronome relativo, que poderia ser substituído por que, um relativo cujos valores

semânticos podem ser mais abrangentes do que aqueles normalmente atribuídos ao

onde. A mesma função (sujeito) e igual classe gramatical (pronome relativo) também se

verificam no exemplo (18), no qual é possível notar que uma organização institucional

(SUCOM) é referida no texto como uma representação dos seus membros. Em (18),

embora sejam usadas diferentes flexões para as formas verbais “chegar” e

“constatarem”, pode-se afirmar que ambas apresentam o mesmo sujeito, que, com base

no contexto da sentença, representa alguém com a função de fiscalizar a intensidade dos

ruídos produzidos pelos carros e/ou residências referidos no texto. Nesse caso, apesar de

não haver uma referência direta a esse agente responsável pela fiscalização, pode-se

dizer que, em termos semânticos, há uma relação metonímica entre órgão e seus

membros: a SUCOM, o órgão citado no texto, é tomada como o próprio fiscal, já que

pratica a ação de “chegar” e “constatar”; dessa forma, o onde, ao retomar SUCOM,

acaba desempenhando o valor semântico de pessoa.

(g) explicação/causa60

(19) Hoje a capital baiana é a campeão do barulho, pois a cada esquina, tem

pessoas com seu carro utilizando seus rádios com o som nas alturas, fazendo

competições entre se transtornos para a população. Meios de combates são

feitos para amenizar esse sofrimento urbano, onde muitas vezes não são

60

Como já foi mencionado no capítulo de metodologia, vale lembrar que, neste trabalho, optou-se por não

se fazer a distinção entre causa e explicação. Também não se distingue a causa de acordo com o tipo de

domínio em que ela pode atuar: domínios referencial e epistêmico e atos de fala, conforme proposto por

Sweetser (1991 apud AMORIM, 2012).

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97

respeitados os direitos alheios, mas a cada dia que passa esse processo saem

piorando pois não se tem fiscalização rigorosa pela cidade. (R133)

(20) A falta de respeito ao próximo e a falta de senso de viver em sociedade é

um grande fator da crescente sonora, onde, a vontade de agradar a si,

mostrar o que possui e o que pode fazer, supera o fato de que tal ação pode

prejudicar quem está ao seu redor. (R295a)

(21) E por parte do governo, fazer valer a Lei do Silêncio, com maior rigor,

analisando cada caso e dando um solução ao mesmo, com penalidade. Já

notaram que o silêncio é acolhedor, onde nas horas de descanso, nos calma,

nos tranquiliza, trazendo uma vida mais equilibrada e feliz? Façam a

experiência. (R353c)

No exemplo (19), verifica-se que onde funciona como conjunção ou operador

argumentativo, introduzindo a oração muitas vezes não são respeitados os direitos

alheios. Compreende-se que essa oração indica uma causa ou explicação para a criação

de mecanismos de combate ao sofrimento urbano, ideia presente na oração anterior ao

onde. Em (20), é estabelecida uma relação entre a falta de respeito ao próximo e o

aumento da poluição sonora, o que é explicado a partir da oração introduzida pelo onde,

a qual argumenta que a referida falta de “senso de viver em sociedade” é explicada pela

“vontade de agradar a si”, desconsiderando os possíveis prejuízos alheios. O caso (21)

traz uma afirmação de caráter subjetivo do autor do texto (“o silêncio é acolhedor”),

que, a fim de confirmar sua declaração, introduz uma justificativa, a qual é conectada à

oração anterior por meio do onde.

(h) resultado/ consequência

(22) Na atual conjuntura, o problema da poluição sonora não só traz desconforto,

traz também a insatisfação. De forma que os poderes públicos com os seus

paradigmas, não atentam para esse delema. Deveriam investir em mudanças

radicais neste sentido, onde se o individuo não cumpresse com tal recurso,

seria punido com pontos na carteira de habilitação. Mas a poluição sonora

não se restringe somente nas classe menos favorecidas, alarga-se nos bairros

que se consideram classe alta. (R99)

(23) A vida moderna num país capitalista, leva o homem a um labor constante,

onde, as suas emoções ficam legadas a segundo plano, face à correria em

busca da sobrevivência. (R197a)

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98

Os trechos (22) e (23) exemplificam ocorrências de onde com valor de

resultado/consequência encontradas no corpus. A atribuição desse valor pode ser

confirmada quando se substitui o onde pelas locuções conjuntivas de (tal) modo que e

de (tal) maneira que, adotando-se aqui a estratégia proposta por Lima (2007). Com a

paráfrase, fica evidente que, de fato, o onde funciona como operador argumentativo e a

relação semântica atribuída à oração introduzida por ele é a de resultado/consequência

da informação veiculada na oração anterior:

(22‟) Deveriam investir em mudanças radicais neste sentido, de tal modo que se

o individuo não cumpresse com tal recurso, seria punido com pontos na

carteira de habilitação.

(23‟) A vida moderna num país capitalista, leva o homem a um labor constante,

de tal maneira que as suas emoções ficam legadas a segundo plano, face

à correria em busca da sobrevivência.

Parafrasear as ocorrências foi uma das formas que esta pesquisa utilizou para

descrever o valor semântico de onde. Vale ressaltar também que, nos casos de

resultado/consequência, assim como nas ocorrências de explicação/causa, não se

reconhece foricidade no onde, diferentemente dos usos aqui rotulados como

instrumentais, que, apesar de também apresentarem uma relação de causa em

consequência entre as orações, apresentam um onde que claramente retoma um termo

anterior, ou seja, possui função fórica.

4.1.1 Casos ambíguos

Conforme já se afirmou no capítulo referente à metodologia da pesquisa, nas

etapas de codificação e análise quantitativa dos dados, não foram considerados casos

ambíguos. São trechos cuja organização estrutural das sentenças não permite analisar,

com precisão, os valores semânticos, as categorias gramaticais e as funções sintáticas,

do onde. Seguem os exemplos encontrados:

(24) (...) as pessoas possuem diversos aparelhos eletrônicos que emitem sons e

automóveis com buzinas altas e equipamentos de som e vídeo super

potentes, é quase impossível manter silêncio. Isso se deve principalmente

pelo aumento da renda familiar e a expansão da classe média, onde as

pessoas podem adquirir carros de forma mais rápida e comprar mais

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99

aparelhos eletrônicos. No entanto, percebe-se que os lugares com maiores

concentrações de bares, restaurantes, mercados, feiras e praças, são os que

emitem mais ruídos. (R24b)

(25) Ruídos, barulhos, conversas altas, som alto; vêm sendo denominado nos

últimos anos como poluição sonora. Vias públicas, vizinhança, entre

muitos outros, tem sido alvo de reclamação; o uso abusivo de todos os

tipos de som. Em Salvador, a disputa pelo espaço urbano e social, tem

crescido muito. O uso de som em carros, tem sido grande problema, onde

gera o desconforto a muitos moradores e de outros motoristas; a sensação

de incomodo cresce a cada dia; e número de queixas também. Bares, tem

sido alvo também de reclamações. (R35)

(26) Projetos urbanos para o remanejamento de lugares voltadas para festas e

eventos e a própria Lei do Silêncio, são exemplos do quão é perigoso a

emissão de sons altos e intaveis. Porém, não é apenas essas casas que deve

ser observadas, o som do motor do carro, da buzina, da obra ao lado,

influência para o caminho ritmado para o caos sonoro. É preciso rever a

qualidade e intensidade do ambiente auditivo para a organização de

iniciativas onde a velocidade urbana não seja a velocidade sonóra. (FIM

DO TEXTO) (R107)

(27) Mesmo a fiscalização fazendo a apreencão de muitos sons, não resolvem o

problema, a população sofrem muito por essa falta de respeito

principalmente os idosos, crianças, não pode reclamar porem essas pessoas

relatam a rua é pública, os encomodados é que se mudem, onde se

encontra a Lei do silêncio pois é uma questão moral e social. (R180)

(28) Poluição sonora pode se considerada uma das consequencias crecimento e

evolução de uma população, barulho emitidos por construções, escolas,

carros, sirenes juntos podem se torna um verdadeiro desconforto a

intensidade dos ruidos vem aumentando a cada ano que passa onde

confirma o crescimento constante segue firme e forte, com o crescimento

das industrias nas grandes cidades a oferta de emprego cresceu, população

crescer, como esperado o barulho crescer também e algumas vezes

tornando-se insuportável e afetando a saúde do ser humano (R347a)

Em (24), é possível entender que onde remete a “classe média”, cujos membros

começam a ter mais acesso a bens de consumo. Nesse sentido, pode-se pensar em um

onde um locativo abstrato, em referência a uma camada social. Há ainda a possibilidade

de compreender o onde como um equivalente a “pois”, com sentido de

explicação/causa, já que a oração introduzida pelo onde funcionaria como um

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100

argumento para a ideia anteriormente apresentada a respeito da relação entre o aumento

da renda familiar e o crescimento da poluição sonora. Dessa forma, não se pode

categorizar, com precisão, o valor semântico de onde.

O exemplo (25) também permite mais de uma possibilidade de análise, pois é

possível considerar que o onde, assim como em (24), pode remeter ao sintagma

imediatamente anterior (“grande problema”) ou mesmo a um sintagma mais distante (“o

uso de som em carros”); nesse caso, o onde funcionaria como pronome relativo e seria

sujeito da forma verbal “gera”, permutável pelo relativo “que”, ou mesmo pela

expressão “o que”. Outra possibilidade é admitir que o onde pode não ter foricidade,

assumindo, então, valor semântico de explicação/causa e funcionando como conectivo,

sem ter função sintática.

Em (26), considera-se que não há possibilidade de uma análise precisa do

funcionamento de onde porque a própria organização das ideias do período não permite

uma clara compreensão da intencionalidade daquilo que se quer comunicar. O texto

tenta relacionar o que o autor chama de “velocidade urbana” e “velocidade sonora”, e

essa relação é estabelecida ao lado da necessidade de revisão da qualidade e intensidade

do som. Pode-se tentar interpretar o onde, remetendo a “iniciativas”, como um

equivalente a “através das quais”, com valor semântico instrumental, ou mesmo com

valor de espaço abstrato (semelhante a “em que”). É possível considerar, ainda, que o

onde, em (26), esteja funcionando como uma conjunção que expressa

resultado/consequência, semelhante a “de modo que”. O fato é que, para poder

descrever exatamente o funcionamento de onde no referido exemplo, seria necessário

que o trecho estivesse organizado de modo mais coerente, ou que houvesse informações

posteriores que tornassem mais clara a intenção do autor do texto (o que não foi

possível, já que o onde ocorre no último período do texto).

O excerto (27) também apresenta problemas na construção da sentença. Pode-se

notar que o autor expõe trechos que representariam a fala de outrem, como “a rua é

pública, os encomodados (sic) é que se mudem”. Na sequência, a oração “onde se

encontra a Lei do silêncio” parece não manter a ideia de reprodução de um discurso

alheio, ao contrário, chama a atenção para o instrumento legal por meio do qual os as

falas reproduzidas seriam rechaçadas. Nesse sentido, pode-se pensar em um valor

adversativo para o onde, que funcionaria como conectivo oracional, equivalente a

“porém”. Por outro lado, é possível entender também que o onde pode fazer referência a

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101

todo o contexto oracional anterior61

, equivalendo a “nesse contexto” ou “para casos

assim”. O fato é que a própria sequência de informações que permeiam o texto não

permite uma análise exata a respeito do uso do onde no exemplo.

O trecho (28) foi retirado de uma redação com evidentes problemas de coerência

e organização sintática nos períodos, conforme se observa no próprio trecho destacado.

Inicialmente, o autor estabelece uma relação de causa e consequência entre o aumento

populacional e o constante avanço da intensidade da poluição sonora. Para ilustrar a

evolução da sociedade, é citado o crescimento das indústrias, das ofertas de emprego e

do barulho. O onde é usado interligando essas ideias, porém sem estabelecer relação

aparente entre elas. Nesse caso, não foi possível sequer fazer uma paráfrase com a

substituição do onde por algum outro item linguístico para atribuir nexo à sentença.

Considerou-se a possibilidade de “o que” em substituição ao onde, com o “que”

assumindo a função de sujeito, semelhante ao exemplo (25) aqui descrito, mas o trecho

continuaria incoerente, pois há mais uma forma verbal adiante (segue), que também é

colocada sem sujeito. Verifica-se, portanto, a impossibilidade de uma descrição

adequada para a ocorrência (28).

Outras ocorrências de onde também se apresentavam como incoerentes do ponto

de vista semântico e/ou sintático. Todavia, o material linguístico ao redor dessas

ocorrências (trechos anteriores e posteriores) tornou possível uma identificação mais

precisa do sentido que se pretendia atribuir às sentenças, diferentemente do que foi

encontrado nos casos analisados nesta seção, que não permitiam uma afirmação

confiável acerca dos sentidos atribuíveis ao onde e de seu funcionamento no texto. É

admissível, porém, que os casos aqui considerados ambíguos possam ser descritos em

análises posteriores, que encontrem fundamento com base em grupos de fatores

linguísticos que possam não ter sido contemplados nesta análise.

4.2 Os usos de aonde

Apesar de esta pesquisa se propor a descrever o funcionamento do onde, cabe

uma breve reflexão a respeito das (raras) ocorrências de aonde no corpus, posto que

ambos os itens, em contextos reais de comunicação, partilham alguns usos. No entanto,

ignorando usos reais da língua, as gramáticas normativas (como as analisadas no

61

Lima (2007) já descreveu casos em que o onde refere-se a uma oração. São usos que ele rotulou como

fórico textual, conforme já foi citado no capítulo 1 desta dissertação.

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102

capítulo 1 desta dissertação), quando discorrem sobre o onde, manifestam clara

preocupação em distingui-lo de aonde. Na tradição normativa, prescreve-se que o uso

de aonde seja usado com valor semântico de lugar concreto, semelhante ao que também

é proposto para onde. Além disso, a gramática normativa diferencia onde e aonde,

designando “o primeiro para a ideia de repouso e o segundo para a de movimento”

(BECHARA, 2009, p. 399). No corpus analisado, o item aonde foi encontrado em

contextos que, como já era de se esperar, demonstram os usos reais da língua e, por

conseguinte, não atendem a essa oposição normativista, conforme se verifica nos casos

reproduzidos a seguir:

(29) As pessoas não tem respeito sobre seus direitos e deveres, avisando dessa

forma o direito de fazer o que deseja em qualquer horário e lugar.

Os bares e locais aonde agromerem um elevado número de pessoas são os

principais pontos da poluição sonora, que vêem como diversão o uso do

volume em alta potência, procurando assim através desse ruído

constrangimento e mal estar a maior parte da população localizada no

entorno. (R13)

(30) (INÍCIO DO TEXTO) A poluição sonora vem a cada dia aumentando nas

áreas urbanas, sejam por pessoas que gostam de serem notadas aonde se

encontram ou por carros sem a manutenção adequada. Essa poluição

também atinge o transito das grandes cidades devido ao intenso uso das

buzinas ou defeitos mecânicos, produzindo ruidos ou até mesmo em casa,

onde as pessoas colocam o som acima do permitido, atrapalhando o sossego

do morador e ao redor, sem pensar nas consequências de seus atos. (R113a)

(31) Vivemos num mundo onde está incerido diferentes tipos de pessoas. Cada

um tem o seu costume, crença, normas, posições sociais e entre outros o que

leva a cada um comportar de jeito diferente independentemente aonde

estiver. (R290b)

(32) Tem pouco tempo que começou essa lei de tomar o carro e dar multa, pois

o número de denúncias é um dos mais altos na população brasileira. Pois

para os donos do som acordar tem que apertar no bolso pois é aonde vai

doer, ou ficar atrás das grades, ou seja, ser preso. O crescimento exagerado

vem por conta de que hoje em dia ninguém respeita o próximo. (R74)

Em (29), o aonde, diferente do que propõe a gramática normativa, não se associa

a uma forma verbal que apresente noção de movimento. No caso, o aonde, ao fazer

referência aos sintagmas nominais os bares e locais, adquire valor semântico de espaço

físico. A categoria gramatical identificada é de um pronome relativo.

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103

Diferentemente do que se observa em (29), não se encontra, em (30) e em (31),

referente para o aonde, que, introduzindo uma oração relativa livre, adquire valor

semântico de espaço físico. Em (30), o aonde traz a noção de um lugar concreto em que

as pessoas gostam de ser notadas e no qual se encontram, ou seja, não há noção de

movimento. Em (31), o sentido de locativo físico é acionado pelo verbo “estar”, que é

transitivo circunstancial e rege complementos com essa carga semântica e também não

carrega o sentido de movimento. A categoria gramatical de aonde, nesses dois casos, é

de advérbio relativo.

No caso de (32), mais uma vez, não se identifica a ideia de movimento proposta

pela gramática normativa no item. Verifica-se, ainda, que o aonde retoma o sintagma

preposicionado no bolso, cujo valor semântico pode ser interpretado como um caso

semelhante ao que aqui se analisou em (15) e (16), porque também constitui uma

expressão que remete a um recipiente, um espaço fechado e, sendo parte constitutiva de

uma roupa, tende-se a reconhecer uma referência a um objeto. A expressão no bolso,

entretanto, adquire, no contexto, um valor mais abstrato, porque simboliza

metaforicamente o custo econômico gerado pela multa prevista para quem infringir a lei

mencionada pelo autor do texto. Diante disso, encaixa-se o valor semântico de aonde,

em (32), no rótulo espaço abstrato.

Na comparação com os resultados acerca dos usos de onde, percebe-se que, ao

menos no que diz respeito aos dados encontrados nesta pesquisa, diferente do que

afirma Cambraia (2002) a respeito da equivalência entre esses itens, o aonde parece não

se encontrar no mesmo estágio de gramaticalização do onde, já que os valores

semânticos aqui descritos estão limitados ao sentido locativo (concreto ou abstrato), e as

categorias gramaticais de pronome relativo e advérbio relativo configuram usos

considerados mais prototípicos, diferentemente do que ocorre com o onde, que chega a

funcionar como conectivo (uma categoria considerada mais gramatical segundo o

continuum de Hopper e Traugott (2003[1993]).

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104

4.3 Análise quantitativa dos dados

Nesta seção, são apresentados os resultados quantitativos62

da análise dos dados

encontrados no corpus, computados por meio do programa GoldVarb X, que processa

estatisticamente informações codificadas a respeito do funcionamento das ocorrências

de um dado fenômeno linguístico que se pretende estudar. Com base nos resultados

quantitativos, avalia-se a possibilidade de confirmação das hipóteses aventadas em

torno dos grupos de fatores linguísticos selecionados, observando as tendências

motivacionais para a ocorrência do fenômeno estudado.

A codificação dos dados relativos ao uso de onde se deu a partir da elaboração

de grupos de fatores, tomando como base, inicialmente, os valores semânticos do onde

e, posteriormente, os demais grupos de fatores linguísticos (foricidade, natureza

sintática dos referentes do onde, categoria gramatical, funções sintáticas e tipos de

orações). A seleção dos grupos de fatores linguísticos baseou-se na observação dos

dados e em estudos anteriores realizados a respeito do onde (COELHO, 2001; SOUZA,

2003; BRAGA; MANFILI, 2004; LIMA, 2007, dentre outros). Conforme já se elucidou

no capítulo de metodologia, não foi possível observar a atuação de fatores

extralinguísticos em decorrência da natureza do corpus aqui analisado.

4.3.1 Valores Semânticos

No corpus, foram encontradas 142 ocorrências de onde e, desse total, foram

excluídos 5 casos ambíguos, que não puderam ser codificados pelo fato de permitirem

mais de uma interpretação (conforme demonstrado em 4.1.1). Procedeu-se, então, à

análise de 137 usos, que foram categorizados de acordo com os valores semânticos aqui

já mencionados em 4.1, conforme se observa na tabela 1.

62

Os resultados percentuais, em alguns casos, foram aproximados porque os números, ora correspondiam

a uma dízima periódica, ora apresentavam casas centesimais.

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105

Tabela 1 –Distribuição dos valores semânticos do onde no corpus.

Valores semânticos do onde Nº %

Espaço físico 72 52,6

Espaço abstrato 25 18,2

Instrumental 12 8,8

Tempo 5 3,6

Pessoa 3 2,2

Objeto 3 2,2

Explicação/Causa 11 8

Resultado/Consequência 6 4,4

Total 137 100

FONTE: Elaboração própria.

Nota-se que a maior parte dos usos (52,6%) se concentra no valor semântico

espaço físico. Esse resultado confirma o que outros estudos (COELHO, 2001; SOUZA,

2003; BRAGA; MANFILI, 2004; LIMA, 2007, SILVA, 2008; SIQUEIRA, 2009;

FIORAVANTE, 2011; XAVIER DA SILVA, 2011; LIMA; COROA, 2013; ASSIS,

2016) já detectaram a respeito do uso majoritário desse valor semântico do onde. Apesar

disso, nota-se um percentual importante de outros usos do onde (espaço abstrato,

instrumental, tempo, pessoa, objeto, explicação/causa e resultado/consequência): todos

esses casos somados correspondem a 47,4% do total.

Ainda no que diz respeito aos valores semânticos encontrados no corpus aqui

estudado, pode-se afirmar que é confirmada a hipótese de ampliação dos sentidos do

onde, numa tendência gradativa à abstratização. Como se pôde confirmar na análise

quantitativa dos dados, há uma proporção significativa de referências a noções mais

abstratas de onde, que, juntas, chegam a 43% das ocorrências (18,2 % de espaço

abstrato, 8,8% de instrumental, 8% de explicação/causa, 4,4% de

resultado/consequência e 3,6% de tempo). Como já foi mencionado, algumas dessas

ocorrências (pessoa, objeto, espaço e tempo) podem ser reconhecidas nos estágios do

continuum de abstratização semântica proposto por Heine, Claudi e Hünnemeyer

(1991): pessoa > objeto > atividade > espaço > tempo > qualidade.

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106

Aqui cabe ressaltar que os valores semânticos de pessoa e objeto são indicados

pelos autores como noções mais concretas em relação aos demais, ou seja, menos

gramaticalizadas, por estarem em estágios mais anteriores no processo de

gramaticalização. A identificação de ocorrências de valores semânticos para o onde

relacionados a pessoa e objeto indicaria, portanto, uma contraevidência ao princípio da

unidirecionalidade, segundo o qual não há possibilidade de uma forma mais

gramaticalizada (mais abstrata) retornar ao seu uso menos gramatical (mais concreto).

Com base nesse princípio, os valores semânticos relativos às categorias cognitivas

pessoa e objeto tenderiam a não ocorrer quando o item que está se gramaticalizando já

aciona conceitos mais abstratos, como tempo, por exemplo. Apesar de a verificação

desses usos (que, no corpus, somam apenas 4,4% das ocorrências de onde), poder

representar uma contraevidência à unidirecionalidade, isso não constitui um empecilho

à ocorrência de gramaticalização do onde, conforme será explicado no item 4.4.

Uma das possibilidades de justificar tais ocorrências é o fato de onde poder

estar sendo mais usado como relativo universal, equivalente a “que”, já descrito por

Lima (2007) e Assis (2016). Com base nesse raciocínio, é possível afirmar que o uso de

onde está sendo ainda mais gramatical, já que amplia suas possibilidades de emprego

em textos, tanto no que diz respeito ao seu uso como relativo universal (remetendo a

categorias cognitivas diversas), quanto no que tange ao seu desempenho como

representante de outras categorias gramaticais, como se verá adiante.

Para melhor visualização da distribuição dos valores semânticos atribuídos ao

onde na amostra verificada, apresenta-se o gráfico 1, que explicita a prevalência do

sentido de espaço físico sobre os demais:

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107

Gráfico 1 – Distribuição dos valores semânticos do onde no corpus.

FONTE: Elaboração própria

Em oposição às noções mais concretas de espaço físico, pessoa e objeto,

observa-se que a soma dos usos mais abstratos, que contemplam os sentidos de espaço

abstrato, instrumental, tempo, explicação/causa e resultado/consequência, chega a um

total de 43% das ocorrências, contra 57% de usos concretos (espaço físico, pessoa e

objeto). Ao observar essa distinção, percebe-se que os usos abstratos, embora

apresentem percentuais menores do que os usos concretos, atingem um percentual

bastante significativo, que configura como real indício de abstratização semântica. O

gráfico 2 ilustra bem essa oposição.

52,60%

18,20%

8,80% 3,60%

2,20% 2,20%

8% 4,40%

Valores semânticos

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108

Gráfico 2 – Distribuição dos valores semânticos concretos e abstratos do onde.

FONTE: Elaboração própria.

4.3.2 Foricidade

Constatando-se o funcionamento de onde como um termo que pode retomar

outro, seja este mais concreto ou mais abstrato, dentro da sentença, cabe observar como

se dá o desempenho fórico desse item gramatical. Nesse caso, analisa-se, inclusive, a

possibilidade de esvaziamento da sua carga semântica, assim como também fizeram

Souza (2003), Braga e Manfili (2004), Lima (2007), Silva (2008), Siqueira (2009),

Fioravante (2011) e Lima e Coroa (2013). Essa observação, além de funcionar como

base para a posterior análise das categorias gramaticais do onde, também pode apontar

indícios a respeito dos contextos em que se perde a sua condição fórica.

Como item de caráter referencial, o onde pode ter referentes internos ao texto, as

chamadas referências endofóricas, que se subdividem em: anafóricas (remetem a termos

que foram citados anteriormente no texto) e catafóricas (ligadas a expressões

posteriormente referidas no texto). Há também a possibilidade das referências

exofóricas, que preenchem o sentido do onde por meio de elementos situacionais não-

verbalizados, implícitos no contexto comunicativo. No corpus, foram encontradas

também ocorrências de onde sem foricidade, ou seja, usos em que não se reconheceu

um elemento interno ou externo ao texto ao qual o onde estivesse fazendo uma

referência.

57%

43% Valores semânticos concretos

Valores semânticos abstratos

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109

Para analisar se há relação motivacional entre o desempenho fórico e os casos

em que onde não tem sentido de espaço físico (possivelmente mais gramaticalizados),

faz-se necessário observar de que forma as ocorrências de onde anafórico, exofórico ou

sem foricidade estão relacionadas aos valores semânticos por ele assumidos. A tabela 2

expõe os resultados quantitativos dos usos de onde de acordo com sua foricidade.

Tabela 2 – Distribuição dos valores semânticos do onde de acordo com a sua foricidade

Foricidade

Valores semânticos Anafórico Catafórico Exofórico Sem

foricidade Total

Nº % Nº % Nº % Nº %

Espaço físico 59 82 0 0 13 18 0 0 72

Espaço Abstrato 24 96 0 0 1 4 0 0 25

Instrumental 12 100 0 0 0 0 0 0 12

Tempo 5 100 0 0 0 0 0 0 5

Pessoa 3 100 0 0 0 0 0 0 3

Objeto 3 100 0 0 0 0 0 0 3

Explicação/Causa 0 0 0 0 0 0 11 100 11

Resultado/

Consequência

0 0 0 0 0 0 6 100 6

Total 106 77,4 0 0 14 10,2 17 12,4 137 FONTE: Elaboração própria.

Em relação à tabela 2, a primeira observação a ser feita é que os dados apontam

uma prevalência importante do valor anafórico do onde, que corresponde a 77,4% do

total de ocorrências, contra 12,4% sem foricidade e 10,2% com referência exofórica.

Não foram encontrados usos de onde catafórico. Percebe-se, portanto, a persistência do

valor fórico do onde nos usos majoritários, cujo valor semântico se preenche com

referências a elementos linguísticos anteriores no texto (anáfora) ou fora dele (exófora).

No entanto, a proposição de esvaziamento semântico de onde encontra respaldo nos

dados analisados, já que foram constatados 17 casos (12,4%) em que há ausência de

foricidade. Essa constatação, mesmo partindo de percentuais não muito altos, já aponta

para a possibilidade de usos ainda mais gramaticais do item aqui estudado, que

demonstra potencialidade para exercer funções mais textuais, como de conectores,

indicando mais uma tendência à gramaticalização, com base na trajetória proposta por

Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991): espaço > (tempo)> texto.

Os dados da tabela 2 ainda permitem evidenciar que, na amostra analisada, ao se

considerar a relação entre valor semântico e foricidade, nota-se que a referência

exofórica ocorre apenas com os valores semânticos de espaço físico (18%) e espaço

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110

abstrato (4%). Já quando se observam as ocorrências de anáfora, há um aumento

significativo no percentual de usos: 82% das ocorrências espaço físico (33), 96% dos

casos de espaço abstrato (34) e 100% dos usos que remetem às noções de instrumental

(35), tempo (36), objeto (37) e pessoa (38) são de onde com valor anafórico.

(33) Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uns dos problemas

ambientais que mais afetam a população é a poluição sonora, ficando atrás,

somente, do ar e da água. E esta poluição se concentra nas grandes

cidades, onde se observa um elevado crescimento do barulho (...) (R46a)

(34) (...) Tudo isso faz com que as pessoas fiquem cada vez mais impacientes no

trânsito (quando buzinam sem prudência), nas conversas onde buscam

impor suas opiniões num alto tom de voz), e mesmo no momento de lazer

(quando abrem o porta-malas dos veiculos e ligam o som ao máximo, os

chamados “paredões”). (R298a)

(35) Sendo a globalização, um meio de nos conectarmos com o que há de

melhor e ruim em outros lugares, onde as pessoas tomam para si o direito

de fazerem o quizerem, na hora que quizerem, não tendo como base as

diferenças entre liberdade e libertinagem. (R42b)

(36) Já os poluidores que utilizam do carro de passeio para propagar o som são

extremamente individuais, e com a precariedade de apoio dos órgãos

responsáveis acabam inibindo a quem sofre com a recepção sonora, pois

quando se reclama com o poluidor, o mesmo pode ter uma alteração

comportamental gerando a violência. No fim de semana é onde tem mais

ocorrência porque existem bairros que viram o dia com o som ligado,

como os bairros de São Caetano e Fazenda Grande do Retiro. (R147)

(37) Ao chegar o fim de semana pessoas, não se conscientizam, com o barulho

de som alto, principalmente dos carros que possuem um volume ainda

maior, onde é encontrado em portas de bares, fazendo com que a

vizinhança seja obrigada a escutar certos tipos de música, não havendo

hora de parar. (R206a).

(38) Fatos como esses, que podemos observarmos, que com o crescimento dos

automóveis, esse fator de uma maior educação por parte desses

frequentadores, onde elevam os sons dos seus carros, portanto causando

em todas as vizinhanças muitos problemas de saúde, no tange nas perdas

de audição desencadeado doenças metais, e também psicológica, gerado

pelo auto índice de decibéis produzidos pelos seus carros. (R36)

Aqui cabe ressaltar a evidente relação entre os valores semânticos de

explicação/causa (39) e resultado/consequência (40) e as ocorrências de onde sem

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111

foricidade (nos dois casos, 100% das ocorrências). Os usos em que não se reconheceu

referente correspondem exatamente aos casos cujo valor semântico se associa às

funções conectivas de onde, ou seja, casos em que onde funciona como conjunção, sem

uma função fórica, apenas interligando as sentenças e estabelecendo nexo entre elas.

(39) Numa vizinhaça, por exemplo, as famílias são passivas a escutar o que lhe

é imposto, em consequência da convivência com outros indivíduos, estão

sujeitos à apreciar, ou não o estilo musical de outros grupos familiares.

Outro exemplo claro, são os vestibulandos, onde os locais de prova

escolhidos pelas universidades nem sempre são agradáveis. Num momento

em que se é necessário concentração, os famosos carros de som começam

a formar rapidamente grandes grupos de pessoas que agem

deliberadamente. (R264)

(40) Pessoas conversam ao mesmo tempo expostas a sons altos e intenso, para

alguns imperceptível para outros um verdadeiro incomodo, torna uma

cidade que está em constante desenvolvimento em um pouco mais

silenciosa é uma tarefa quase impossível, não só devemos considerar o

silencio uma questão social, deve também se aplicar como uma questão de

respeito ao próximo, respeitar cada gosto peculiar quando se trata de

musica onde devemos aceitar e respeitar cada espaço seja particular ou

urbano. (...) (R347c)

4.3.3 Categorias gramaticais

Como já foi mencionado, para Hopper e Traugott (2003 [1993]), a mudança de

categorias gramaticais tende a corresponder à seguinte escala: categoria maior

(pronomes, substantivos e verbos) > (categoria intermediária (advérbios e adjetivos) ) >

categoria menor (preposições e conjunções). Levando-se em consideração a hipótese de

que o onde pode estar passando por uma recategorização, nos moldes do que propõem

Hopper e Traugott (2003[1993]) para diferentes categorias linguísticas, cabe analisar

quantitativamente as ocorrências de onde de acordo com a categoria gramatical que ele

desempenha. Os resultados quantitativos quanto a esse parâmetro linguístico estão

indicados na tabela 3.

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112

Tabela 3: Valores semânticos e categorias gramaticais do onde no corpus

Categorias Gramaticais

VALORES

SEMÂNTICOS

Pronome

relativo

Advérbio

Relativo

Pronome ou

advérbio

Interrogativo

Conjunção Total

Nº % Nº % Nº % Nº %

Espaço físico 59 82 8 11 5 7 0 0 72

Espaço Abstrato 24 96 1 4 0 0 0 0 25

Instrumental 12 100 0 0 0 0 0 0 12

Tempo 5 100 0 0 0 0 0 0 5

Pessoa 3 100 0 0 0 0 0 0 3

Objeto 3 100 0 0 0 0 0 0 3

Explicação/Causa 0 0 0 0 0 0 11 100 11

Resultado/consequência 0 0 0 0 0 0 6 100 6

Total 106 77,4 9 6,6 5 3,6 17 12,4 137 FONTE: Elaboração própria.

Percebe-se que a categoria gramatical mais produtiva quanto à variedade de

valores semânticos é a de pronome relativo, considerada por Hopper e Traugott

(2003[1993]) como uma categoria maior. Essa categoria contempla 77,4% dos casos de

onde. Os casos de onde como pronome relativo são prevalentes quando se consideram

os sentidos de espaço físico (82%), espaço abstrato (96%), instrumental (100%),

tempo (100%), pessoa (100%) e objeto (100%). Ressalte-se, no entanto, que embora os

usos referentes a instrumental, tempo, pessoa e objeto constituam casos categóricos, o

total de ocorrências de cada um desses usos não é tão alto.

No que diz respeito aos usos de onde como advérbio relativo, o número de

ocorrências é muito menor: apenas 6,6% do total geral de ocorrências do onde, contra

77,4% dos casos de onde como pronome relativo. Quando onde funciona como

advérbio relativo, ocorre em percentuais não muito altos e em frequência descendente,

apenas com os valores de espaço físico (11%) e espaço abstrato (4%).

A categoria gramatical com menor percentual de ocorrências é a dos pronomes

ou advérbios interrogativos (3,6% do total de ocorrências de onde), que apenas

apresenta valor semântico de espaço físico e corresponde a 7% dos casos com esse valor

semântico.

Observando-se os dados relativos aos usos conjuncionais de onde (que

representam a 12,4% do total de ocorrências de onde), percebe-se que tais usos são

categóricos com os valores semântico de explicação/causa e resultado/consequência. No

entanto, quando se comparam apenas esses dois usos, que funcionam conjunção,

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113

percebe-se que há um maior percentual de ocorrência e explicação/causa (11/17 = 65%)

do que de resultado/consequência (6/17 = 35%). Os resultados aqui obtidos corroboram

os encontrados por Assis (2016), que associa muitos usos de onde a relações de

implicação em que o onde remete a uma sequência anterior e propõe para ela um novo

argumento:

[...] nesses usos com valor conjuncional, o onde é usado como recurso para

recapitular uma sequência anterior antes da proposição de um novo

argumento. Nesse viés, pode-se afirmar que o onde se apresenta como uma

palavra argumentativamente representativa para estabelecer conexões entre

os argumentos. As funções exercidas pelo onde conjuntivo identificadas no

corpus são basicamente de apontar uma conclusão a argumentos

apresentados anteriormente e introduzir uma justificativa ou explicação para

o que foi dito antes. (ASSIS, 2016, p. 939).

Esse tipo de estabelecimento de conexão entre sentenças, seja de

explicação/causa, seja de resultado/consequência, reconhecendo-se o desempenho de

uma conjunção, permite, portanto, confirmar a hipótese de que o onde esteja passando

por uma recategorização, nos moldes do que indicam Hopper e Traugott (2003[1993]) a

respeito da gramaticalização dos conectivos.

Segundo o cline de categorialidade descrito por Hopper e Traugott (2003[1993]),

os pronomes, ao lado dos substantivos e verbos, representam uma categoria maior, mais

anterior na trajetória de gramaticalização, os advérbios, juntamente com os adjetivos,

estariam em uma categoria intermediária dentro do continuum de recategorização, e as

conjunções, assim como as preposições, ocupariam a categoria mais gramaticalizada

nessa escala. O que se pode constatar, ao se observarem os dados aqui analisados, é que,

em consonância com resultados de outras pesquisas (COELHO, 2001; SOUZA, 2003;

BOMFIM, 2005; LIMA, 2007, MANFILI, 2007; SILVA, 2008; SIQUEIRA, 2009;

XAVIER DA SILVA, 2011; FIORAVANTE, 2011, LIMA; COROA, 2013), o onde

apresenta claramente um caráter multicategorial, funcionando, numa mesma sincronia,

como pronome, advérbio e conjunção, ou seja, ocupando as três categorias que foram

descritas por Hopper e Traugott (2003[1993]) como os estágios da trajetória de

recategorização.

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114

4.3.4 Natureza sintática do referente do onde

Ao se examinar a frequência das ocorrências de onde em relação à natureza

sintática dos seus referentes, busca-se verificar se há alguma relação motivacional entre

a prevalência de onde e os casos que remetessem a sintagmas preposicionais,

especialmente nos sentidos de lugar físico, abstrato e tempo tomando como base a

relação estabelecida por Braga e Manfili (2004) a respeito da variação onde/em que.

Além disso, esse levantamento, semelhante ao que se fez ao analisar a foricidade,

também visou à análise das correlações entre a ausência de referentes e o favorecimento

das ocorrências de onde como conjunção. Os resultados obtidos em relação aos usos do

onde e a natureza sintática dos seus referentes são apresentados na tabela 4.

Tabela 4 – Distribuição dos valores semânticos do onde em função da natureza sintática

dos seus referentes.

Natureza sintática do referente do onde

Valores semânticos Sintagma

nominal

Sintagma

preposicional

Referente

situacional

Sem

referente Total

Nº % Nº % Nº % Nº %

Espaço físico 29 40,3 30 41,7 13 18 0 0 72

Espaço Abstrato 15 60 9 36 1 4 0 0 25

Instrumental 11 92 1 8 0 0 0 0 12

Tempo 0 0 5 100 0 0 0 0 5

Pessoa 3 100 0 0 0 0 0 0 3

Objeto 2 67 1 33 0 0 0 0 3

Explicação/Causa 0 0 0 0 0 0 11 100 11

Resultado/consequência 0 0 0 0 0 0 6 100 6

Total 60 43,8 46 33,6 14 10,2 17 12,4 137 FONTE: Elaboração própria.

Analisando-se cada valor semântico de onde associado aos tipos de sintagmas de

seus referentes, percebe-se que o número de ocorrências de onde remetendo a sintagmas

nominais é maior quando relacionadas às noções de instrumental (92%), objeto (67%) e

espaço abstrato (60%), como se pode ver, respectivamente, em (41), (42), (e (43). Note-

se ainda que, embora o percentual para pessoa seja de 100%, o total de ocorrências

desse uso referindo-se a sintagmas nominais é muito baixo: apenas três ocorrências

(44). Ao se observarem os dados relativos à ideia de espaço físico, nota-se um relativo

equilíbrio entre os percentuais de sintagmas nominais (40,3%) e preposicionais (41,7%),

como demonstram, respectivamente, os exemplos (45) e (46). Quanto aos casos em que

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115

se reconhece o sentido de tempo, constata-se que 100% das ocorrências remetem a

sintagmas preposicionais (47).

(41) No ano 2012 entrou em vigor uma lei onde pessoas não poderiam usar

caixas de som dentro de qual quer transporte público e se flagrado por

qualquer policial essa pessoa poderar perder seu aparelho. (R162b)

(42) (...) se observa um elevado crescimento do barulho, proporcionado,

principalmente, por carros que trazem em seus portas-malas,

verdadeiros trios elétricos, onde param na calçada e fazem até uma

disputa de espaço sonoro; quando não isto, são os bares, que em uma

mesma postura, desrespeitoza sí permite em tirar o sossego das pessoas

que não podem se dar o direito de ter silêncio, culminando em uma falta de

educação e sivilidade. (R46b)

(43) Com isso, a qualidade de vida no espaço urbano tende a diminuir, já que a

saúde da população é diretamente atingida, vindo a uma maior frequência

de dores de ouvido, enxaquecas, estresse e doenças mentais. Além disso,

sem controle do barulho nas cidades, com o tempo, podemos nos tornar

uma sociedade ignorante, sem educação, onde as pessoas não conhecem

os próprios limites e desrespeitam o espaço do outro. (R298c)

(44) Fatos como esses, que podemos observarmos, que com o crescimento dos

automóveis, esse fator de uma maior educação por parte desses

frequentadores63

, onde elevam os sons dos seus carros, portanto causando

em todas as vizinhanças muitos problemas de saúde, no tange nas perdas

de audição desencadeado doenças metais, e também psicológica, gerado

pelo auto índice de decibéis produzidos pelos seus carros. (R36)

(45) O ruído provocado pelo sons dos carros é tão forte que alguns moradores,

fecham suas portas e janelas. Quem precisa dormir para cumprir seus

compromissos, não conseguem. As moradias onde há pessoas idosas e

doente são as mais vulneráveis. O problema causado pela poluição sonora,

virou caso de polícia. (R127a)

(46) Um problema impossível de não ser notado e infelizmente frequente, o

barulho o exagerado é motivo de discurções e polemicas principalmente

nas áreas urbanas onde as pessoas se concentram pra comemorar, brincar

ou festejar algo, assim incomodando os vizinhos e todos ao redor e

também contribuindo e um fator negativo, a poluição sonora que cresce

gradativamente. (R73)

(47) Na era medieval a sociedade era principalmente rural, pessoas viviam no

campo, onde a calmaria era quebrada em certas épocas onde haviam

festejos de colheitas e em comemorações, como torneios oferecidos pelo

rei (...) (R357b)

63

No exemplo (41), apesar de estar presente um sintagma preposicional (“desses frequentadores”),

considera-se que o onde remete apenas ao sintagma nominal (“esses frequentadores”) que está contido

nesse SP.

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116

A hipótese inicialmente levantada considerou a possibilidade de a referência a

sintagmas preposicionais relacionados a espaço físico, espaço abstrato e tempo ser

favorecedora ao uso de onde. Com base nos dados relativos ao valor semântico de

tempo, reconhece-se que essa hipótese encontra fundamento, já que todas as ocorrências

estão relacionadas a sintagmas preposicionais. No sentido de espaço físico, há também

predominância desse tipo de sintagma, mas com uma diferença muito pequena (apenas

1,4%) em relação aos casos de sintagmas nominais. Já no que diz respeito aos casos de

onde em referência a espaços abstratos, não se pode confirmar o que foi inicialmente

aventado, pois a clara preferência, na amostra analisada, é pelos sintagmas nominais

(60% das ocorrências).

Ao se observar, porém, os valores semânticos de onde indicadores dos seus usos

conjuncionais (explicação/causa e resultado/consequência), confirma-se a segunda

hipótese aqui apresentada: a ausência de referentes para o onde favorece seu

desempenho como conectivo oracional, com gradativa abstratização semântica, o que

sinaliza mais um indício de gramaticalização desse item gramatical.

4.3.5 Função sintática

Ao se analisarem as funções sintáticas desempenhadas pelo onde dentro das

sentenças em que se encontrava, buscou-se averiguar se o comportamento sintático

desse item gramatical corresponderia ao que Castilho (1997) chama de etapa de

sintaticização. Como já foi dito, nessa etapa da gramaticalização, os itens que estão se

gramaticalizando, além de sofrerem alterações na sua categoria de classe de palavras,

passam também por modificações no papel funcional que ocupam dentro das sentenças.

No que diz respeito à mudança categorial, o item 4.3.3 dá conta da descrição desse

processo e confirma a hipótese então aventada, sinalizando que o onde está passando

por recategorização.

A tabela 5 expõe os dados do corpus a respeito das funções sintáticas exercidas

pelo onde em relação a cada valor semântico assumido.

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117

Tabela 5– Distribuição dos valores semânticos do onde de acordo com a sua função

sintática.

Função sintática do onde64

Valores

semânticos

AA CA OD SU CN SF Total

Nº % Nº % Nº % Nº % Nº

%

Nº %

Espaço físico 54 75 14 19,5 1 1,4 3 4,1 0 0 0 0 72

Espaço

Abstrato

19 76 2 8 0 0 3 12 1 4 0 0 25

Instrumental 10 83,3 0 0 0 0 2 16,7 0 0 0 0 12

Tempo 5 100 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 5

Pessoa 0 0 0 0 0 0 3 100 0 0 0 0 3

Objeto 1 33,3 0 0 0 0 2 66,7 0 0 0 0 3

Explicação

/Causa

0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 11 100 11

Resultado

/consequência

0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 6 100 6

Total 89 65 16 11,7 1 0,7 13 9,5 1 0,7 17 12,4 137 FONTE: Elaboração própria.

Quanto ao papel sintático do onde, foram descritas cinco funções sintáticas

distintas – adjunto adverbial (65%), complemento adverbial (11,7%), objeto direto

(0,7%), sujeito (9,5%) e complemento nominal (0,7%) –, além de se reconhecerem

também casos em que onde funcionava como mero conector de sentenças, sem função

sintática, o que se deu em 12,4% dos usos.

Considerando-se os valores semânticos relacionados às funções sintáticas, nota-

se que a função de adjunto adverbial ocorre em 100% dos casos de onde relacionado a

tempo (48), 83,3% das ocorrências de onde instrumental (49), 76% dos usos

relacionados a espaço abstrato (50) e 75% de espaço físico (51).

(48) No mundo contemporâneo, onde as pessoas possuem diversos aparelhos

eletrônicos que emitem sons e automóveis com buzinas altas e

equipamentos de som e vídeo super potentes, é quase impossível manter

silêncio. (R24a)

(49) A lei do silêncio, foi um ótimo método adotado para controlar a poluição

sonora, onde não é permitido sons altos a partir das 22 horas, mas o que

fazer para controlar o barulho nas demais horas do dia? (R295b)

64

Para melhor organização dos dados na tabela, preferiu-se abreviar as funções sintáticas: AA = Adjunto

adverbial; CA = Complemento adverbial; OD = Objeto direto; SU = Sujeito; CN = Complemento

nominal; SF = Sem função sintática.

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118

(50) (...) temos um orgão publico chamado SUCOM que cuida desses chamados

“paredoes” o que não adianta muito pois eles sempre mudam de lugares,

agora como o carnaval onde temos trio eletrico que são controlados pela

SUCOM para não passarem do limite e passam perante aos Hospitais,

Asilos e Casas de Repousos com o volume acima. (R06)

(51) Em Salvador, onde não existe lugar reservado para a disputa de som, a

ocorrência se dá em espaços públicos. Basta abrir a mala do carro, ligar o

som, está intalando o desconforto auditivo e o desrrespeito com o espaço

do outro. (R40b)

A função de complemento adverbial foi identificada apenas em 19,5% das

ocorrências de onde com sentido de espaço físico (52) e em 8% dos usos de onde como

espaço abstrato (53).

(52) Eles não tem mais lugar nem hora pra satisfazer suas vontades, sem olhar

muitas das vezes que estão junto a um hospital, perto de uma Igreja, perto

de uma Delegacia e principalmente nas portas das nossas residências, onde

todos os dias chegamos cansados fadigados do nosso dia-dia. (R221b)

(53) A busca excessiva pelo status urbano levou as pessoas a colocar

sonorização potentes em seus carros. Como já ocorre nos bailes funk do

Rio de Janeiro ou no tecnobrega no Pará, onde65

pessoas chegam com seus

veículos, abrem o porta malas e mostram a potência do seu som. (R40a)

Das funções sintáticas desempenhadas pelo onde na amostra, verificou-se que

9,5% dos casos correspondem a usos de onde como sujeito. Ao observar os valores

semânticos em relação a essa função sintática, nota-se que a função de sujeito é

identificada em 100% das ocorrências de onde como pessoa (54), 66% dos casos com

sentido de objeto (55), 16,7% de instrumental (56), 12% como espaço abstrato (57) e

4,1% de espaço físico (58). Com base nesses resultados, percebe-se que, apesar da

possibilidade de o onde exercendo a função de sujeito acionar variados sentidos e de o

total de ocorrências não ser alto para cada sentido acionado, o valor semântico de

pessoa demonstra maior tendência a desempenhar essa função sintática.

(54) Fatos como esses, que podemos observarmos, que com o crescimento dos

automóveis, esse fator de uma maior educação por parte desses

frequentadores, onde elevam os sons dos seus carros, portanto causando

em todas as vizinhanças muitos problemas de saúde, no tange nas perdas

65

No exemplo (53), considerou-se que o onde remete aos eventos indicados por “bailes funk” e

“tecnobrega”.

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119

de audição desencadeado doenças metais, e também psicológica, gerado

pelo auto índice de decibéis produzidos pelos seus carros. (R36)

(55) (...) um elevado crescimento do barulho, proporcionado, principalmente,

por carros que trazem em seus portas-malas, verdadeiros trios elétricos,

onde param na calçada e fazem até uma disputa de espaço sonoro; quando

não isto, são os bares, que em uma mesma postura, desrespeitoza sí

permite em tirar o sossego das pessoas que não podem se dar o direito de

ter silêncio, culminando em uma falta de educação e sivilidade. (R46b)

(56) A raíz desse problema pode está ligada a diversos fatores, como: Ocupação

desordenada, crescimento demográfico e até mesmo a violação dos direitos

pertencentes a cada indivíduo. Visando solucionar o barulho exagerado,

foi sancionada uma lei (lei do silêncio), onde limita a 60 decibés os ruídos

emitidos das 22h as 7h e 70 decibés das 7h as 22h. (R394a)

(57) Existem vários tipos de poluição, dentre elas está a poluição sonora, onde

hoje está causando incômodo a sociedade. Pois algumas pessoas abusam

da liberdade e ultrapassam o limite do espaço do próximo. (R117a)

(58) Atualmente um dos locais onde possui um grande número de denúncias,

por conta da violação do silêncio é a cidade de Salvador. Essa questão

decorre da falta de respeito entre as pessoas e da prática da ética e da

moral, pois qualquer cidadão tem conhecimento de que é proibido tal

atitude, mas nem todos obedecem o que é estabelecido. (R67)

Ainda que apresente um baixo percentual (9,5%) de ocorrências, a constatação

de que o onde pode funcionar como sujeito representa mais um indício de

gramaticalização. Essa função sintática, quando preenchida por um pronome relativo,

tende a acionar o uso de que ou suas formas variáveis (o qual, a qual, os quais e as

quais), mas os dados aqui apontados revelam que esses os relativos que e onde têm

exercido papéis sintáticos semelhantes. Isso permite concluir que o onde tem

desempenhado funções de item ainda mais gramatical, semelhante ao que Assis (2016)

chama de relativo curinga, o que confirma sua gramaticalização.

As funções de objeto direto (59) e complemento nominal (60) só tiveram uma

ocorrência cada uma (apenas 0,7% das ocorrências para cada função), correspondendo,

respectivamente, aos valores semânticos de espaço físico e espaço abstrato.

(59) É necessário que os governantes, façam rondas ou as chamadas blitz, em

lugares onde a população frequenta mais, como bares, restaurantes, casas

de shows, entre outros... (R31)

(60) (INÍCIO DO TEXTO) Um tipo de poluição que vem crescendo

principalmente nas áreas urbanas é a poluição sonora, onde um dos

principais causadores é os barulhos oriundos de carros. (R300)

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120

Os casos de objeto direto e complemento nominal não permitem uma análise

mais detalhadas sobre essa possível correlação entre valores semânticos e funções

sintáticas. A presença dessas funções, no entanto, ainda que em uma proporção ínfima

em relação às demais, já representa um indício importante para a confirmação da

hipótese de gramaticalização do onde, sinalizando que há possibilidade de ampliação

dos papéis sintáticos desse item, nos moldes do que propõe Castilho (1997).

4.3.6 Tipo de oração em que se encontra o onde

A fim de verificar qual contexto oracional é favorecedor para os usos de onde

não relacionados a lugares físicos, analisa-se a relação entre os tipos de oração

introduzidas pelo onde e os valores semânticos por ele assumidos. A tabela 6 expõe os

resultados quantitativos dessa análise.

Tabela 6 – Distribuição dos valores semânticos do onde de acordo com o tipo de oração

que introduz.

Tipo de oração

Valores

semânticos

Adjetiva

restritiva

Relati-

va livre

Subordi-

nada

substanti-

va

Absoluta

interroga-

tiva

Adjetiva

explicati-

va

Adverbial Total

Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

Espaço

físico

44 61

8 11 1 1,4 4 5,6 15 21 0 0 72

Espaço

Abstrato

15 60 1 4 0 0 0 0 9 36 0 0 25

Instrumental 8 67 0 0 0 0 0 0 4 33

0 0 12

Tempo 3 60

0 0 0 0 0 0 2 40

0 0 5

Pessoa 0 0

0 0 0 0 0 0 3 100 0 0 3

Objeto 2 67

0 0 0 0 0 0 1 33

0 0 3

Explicação

/Causa

0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 11 100

11

Resultado

/consequênci

a

0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 6 100

6

Total 72 52,5 9 6,7 1 0,7 4 2,9 34 24,8 17 12,4 137 FONTE: Elaboração própria.

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121

Com base na tabela 6, nota-se que, no corpus, foram identificados seis tipos de

orações: adjetiva restritiva, relativa livre, subordinada substantiva, absoluta

interrogativa, adjetiva explicativa e adverbial. Entre esses tipos, há prevalência de

ocorrências de orações adjetivas restritivas (52,5% do total).

Os dados da tabela 6 ainda permitem evidenciar que os valores semânticos de

objeto (67%), instrumental (67%), espaço físico (61%), espaço abstrato (60%) e tempo

(60%), se configuram mais sob a forma de oração adjetiva restritiva, como se pode ver,

respectivamente, em (61), (62), (63), (64) e (65).

(61) Mas a poluição sonora está apenas ligada aos sons dos carros, mas também

em qualquer lugar público, até mesmo nos transportes coletivos onde

pessoas ligam seus aparelhos acima do volume permitido, sem se importar

com quem está do lado. (R119)

(62) Os orgão que são responsaveis por fiscalizar esse tipo de poluição deveriam

criar uma lei onde o proprietário de um veículo tivesse um limite máximo

para comprar caixas de sons e o descomprimento dessa lei poderiam a alem

de custar pontos na carteira o daria uma multa (R162c)

(63) Outra profilaxia, seria maior ronda por meio de policiais em áreas onde isso

acontece com maior frequência, e caso alguém seja detido por

descumprimento da lei, que sua punição ocorra rigorosamente (...) (R224b)

(64) Vivemos em uma sociedade onde pessoas tem a necessidade de se

relacionar em lugares como festas, boates, bares, praias. Pessoas conversam

ao mesmo tempo expostas a sons altos e intenso, para alguns imperceptível

para outros um verdadeiro incomodo. (R347b)

(65) Na era medieval a sociedade era principalmente rural, pessoas viviam no

campo, onde a calmaria era quebrada em certas épocas onde haviam festejos

de colheitas e em comemorações, como torneios oferecidos pelo rei (...)

(R357b)

O segundo tipo de oração encabeçada por onde que foi mais frequente no corpus

foi a adjetiva explicativa, com 24,8% do total de ocorrências, que contemplam os

valores semânticos de pessoa (100%), tempo (40%), espaço abstrato (36%),

instrumental (33%), objeto (33%) e espaço físico (21%), representados,

respectivamente, em (66), (67), (68), (69), (70) e (71).

(66) Fatos como esses, que podemos observarmos, que com o crescimento dos

automóveis, esse fator de uma maior educação por parte desses

frequentadores, onde elevam os sons dos seus carros, portanto causando

em todas as vizinhanças muitos problemas de saúde, no tange nas perdas

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122

de audição desencadeado doenças metais, e também psicológica, gerado

pelo auto índice de decibéis produzidos pelos seus carros. (R36)66

(67) Pode-se observar em meios comunicativos que a maioria da população

utilizam os seus aparelhos sonoros com o volume exagerado, provocando

sérios danos a saúde, como em alguns casos extremos a surdez, a atinge a

maioria dos jovens, entretanto esses barulhos são provinientes, geralmente

nos finais de semana, onde os responsáveis usam o som no volume

acima do normal, o que é proibido pode gerar multa. (R66)

(68) Vale apena destacar que, um dos principais causadores dessa incoveniência

é a falta de impunidade e fiscalização. O respeito e a compreenção está

cada vez mais escassa no meio social, onde jovens se programam e se

reúnem para se divertirem em um espaço, propagando mais de 100

decibéis ocasionando assim, prejuízos a sua saúde auditiva e a saúde de

terceiros. (R110)

(69) Se faz necessário a implantação de uma fiscalização mais rigorosa de leis,

tais leis que possibilitam um acordo entre as partes, onde colocaria os

carros de som ativos somente em um espaço autorizado, em um

volume que não ultrapassasse os decibeis estabelecidos. O barzinho pela

mesma forma e um projeto de conscientização aos motoristas e

motociclistas informando que buzina não tira nem carro, nem moto da

frente, tem a serventia apenas de da um aviso, chamar a atenção. (R132)

(70) (...) carros que trazem em seus portas-malas, verdadeiros trios elétricos,

onde param na calçada e fazem até uma disputa de espaço sonoro;

quando não isto, são os bares, que em uma mesma postura, desrespeitoza

sí permite em tirar o sossego das pessoas que não podem se dar o direito

de ter silêncio, culminando em uma falta de educação e sivilidade. (R46b)

(71) Isso é visível nos interiores e principalmente nos grandes centros urbanos,

onde a população, além de ter que aturar as buzinas dos carros nos

engarrafamentos, tem que conviver com o som alto dos bares e dos

automóveis que possuem sons de volumes cada vez maiores, com a

finalidade de seus proprietários realizarem “disputas” para mostrar quem

tem o som mais potente. (R47)

Os usos de onde introduzindo orações hipotáticas adverbiais ocorrem

categoricamente com os valores semânticos de explicação/causa (72) e

resultado/consequência (73) e representam 12,4% dos casos encontrados na amostra.

(72) (INÍCIO DO TEXTO) A um tempo a cidade de salvador vem sofrendo com

altos niveis de poluição sonora, onde pessoas sem o bom cenço, param

em determinados locais da cidade e ligão o som do seu veículo, muitas

66

Alguns exemplos precisaram ser repetidos durante a análise dos grupos de fatores linguísticos em

decorrência da pequena quantidade de ocorrências e da sobreposição de grupos de fatores analisados.

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123

vezes sem se importa com os moradores proximo ao local, incomodando-

os com o extremo barulho de seus sons (R162a)

(73) A forma mais correta para se avaliar, seria colocando/acrescentando provas

práticas, estimulando o esporte e a preparação física, onde todos sairiam

preparados e proporcionaria uma melhora social. (R222)

Os casos das orações relativas livres correspondem a 6,7% das ocorrências,

funcionando como adjunto adverbial das sentenças a que estão relacionadas. Com esse

tipo de oração, percebe-se a preferência pelo onde como lugar físico. Esse valor

semântico é o único acionado quando o onde introduz orações absolutas interrogativas e

subordinadas substantivas, ambas correspondendo respectivamente a 2,9% e 0,7% do

total de ocorrências.

Manfili (2008), que observou as ocorrências de onde em orações adjetivas,

aponta uma tendência a valores semânticos não relacionados a lugares físicos nas

adjetivas explicativas, referidas pela autora como hipotáticas. No corpus aqui estudado,

no entanto, excluindo-se os casos em que onde expressando explicação/causa e

resultado/consequência, percebe-se a preferência por orações restritivas.

Ao observar os valores semânticos, a foricidade, a categoria gramatical, a

natureza sintática do referente do onde, a função sintática e os tipos de oração na análise

quantitativa dos dados, percebe-se que, apesar de os usos considerados mais

gramaticalizados não terem sido identificados com uma frequência maior do que os

mais prototípicos, pode-se afirmar que os resultados apontam para a confirmação da

hipótese de gramaticalização do onde.

4.4 Trajetórias de gramaticalização do onde e deslizamentos semânticos

Tendo em vista que um dos objetivos deste trabalho é observar a possibilidade

de gramaticalização de onde, é indispensável que valores semânticos encontrados sejam

relacionados com as trajetórias de gramaticalização propostas por Heine, Claudi e

Hünnemeyer (1991), que descrevem os continua de gradual abstratização semântica das

formas que estão se gramaticalizando:

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124

(a) Pessoa > objeto > atividade > espaço > tempo > qualidade

A maioria dos usos encontrados no corpus da pesquisa pode ser alocada nessa

trajetória de categorias cognitivas postulada por Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991)

porque dão conta dos valores semânticos de pessoa, objeto, espaço e tempo, deixando

de contemplar atividade e qualidade. Nessa trajetória, o ponto de partida para a análise

do item onde é a noção de espaço, categoria cognitiva na qual também pode ser

incluído o valor semântico aqui referido como instrumental (adotando-se a posição de

Lima (2007) e Lima e Coroa (2013)), pois o onde rotulado com esse sentido remete a

um referente com uma noção locativa mais abstrata, em alusão a um meio através do

qual se realiza a ação indicada na sentença. Há, portanto, a expansão semântica do onde

espaço físico no sentido de maior abstratização de sentidos. No entanto, além de

acionar sentidos mais abstratos, o funcionamento do onde dá indícios de que esse item

gramatical tem desempenhado a função de um relativo curinga (ASSIS, 2016), a ponto

de poder remeter também a sentidos considerados mais concretos, como os de pessoa e

objeto. No caso do onde, portanto, como o sentido-fonte é de espaço, os valores

semânticos de pessoa e objeto, embora comumente sejam relacionados a estágios mais

anteriores nas trajetórias de gramaticalização, podem ser tomados como sentidos ainda

mais gramaticalizados do que a noção de tempo, por exemplo. Dessa forma, ao se

compararem os usos encontrados na amostra e o continuum indicado por Heine, Claudi

e Hünnemeyer (1991), é possível constituir a seguinte trajetória:

pessoa > objeto > atividade > espaço > tempo > qualidade

pessoa objeto físico > abstrato > instrumental > tempo > explicação/

causa

resultado/

consequência

Figura 2: Trajetória de abstratização semântica dos usos encontrados no corpus a partir da proposta de

Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991).

FONTE: Elaboração prória.

É possível reconhecer, nos estágios indicados por Heine, Claudi e Hünnemeyer

(1991), quase todos os valores semânticos do onde identificados no corpus desta

pesquisa: apenas os usos com sentido de explicação/causa e resultado/consequência não

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125

são cobertos pela trajetória mencionada. Diante disso, por seguir, comprovadamente,

uma trajetória de abstratização semântica, ainda que dentro de uma mesma sincronia,

constata-se o caráter multissêmico do onde, já verificado em outros estudos (MATTOS

E SILVA, 1989; PIRES DE OLIVEIRA, 1998; SOUZA, 2003).

(b) espaço > (tempo) > texto

Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991), considerando que o continuum pessoa >

objeto > atividade > espaço > tempo > qualidade seria insuficiente para ilustrar o

processo de gramaticalização dos conectores, propõem um novo percurso de

deslizamento semântico, o qual pode ser melhor relacionado às etapas de

gramaticalização do onde. Para eles, os itens que se referem a espaço, por transferência

metafórica, começam a ser usados como referências temporais, em um estágio mais

avançado, como organizadores do espaço textual. Há ainda a possibilidade de o

percurso seguir do espaço externo diretamente para o espaço textual.

No corpus analisado, é possível alocar nessa trajetória a maioria dos casos de

onde encontrados. Na categoria de espaço, além dos valores semânticos de espaço

físico, espaço abstrato, aqui se enquadram também os casos de valor instrumental,

porque remetem a expressões que funcionam metaforicamente como um caminho

abstrato por meio do qual é possível realizar uma ação. Os usos enquadrados no valor

semântico de tempo correspondem ao mesmo rótulo na trajetória agora tomada como

referência. Os casos de onde com sentido de explicação/causa e resultado/consequência

são alocados no estágio indicado como texto por Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991).

Cruzando-se, então, os usos encontrados no corpus e a trajetória proposta por Heine,

Claudi e Hünnemeyer (1991), pode-se estabelecer o seguinte continuum:

espaço > (tempo) > texto

espaço físico tempo explicação/causa

espaço abstrato resultado/consequência

instrumental

Figura 3: Continuum de abstratização dos usos encontrados no corpus a partir da proposta de Heine,

Claudi e Hünnemeyer (1991).

FONTE: Elaboração prórpria

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126

No entanto, os casos aqui encontrados de onde remetendo a pessoa e objeto não

são cobertos por essa trajetória. A esse respeito, Ferreira (2003, p. 87 apud

ABRAÇADO, 2006, p. 137) defende a revisão das trajetórias unidirecionais de

ampliação semântica:

Como evidenciado nos trabalhos aqui relatados, as hipóteses de trajetórias

unidirecionais de desenvolvimento semântico-sintático precisam ser

enfraquecidas, na medida em que, muitas vezes, configurações semântico-

sintáticas supostamente “mais jovens” (porque mais abstratas) são observadas

na sincronia mais remota coexistindo ao lado de configurações mais

concretas, que, por sua vez, permanecem desafiando todas as pressões

históricas e culturais que poderiam ter levado ao seu desaparecimento ou

mudança. Resta-nos então perguntar como isso acontece. (FERREIRA, 2003,

p. 87 apud ABRAÇADO, 2006, p. 137)

Ainda sobre essa questão da unidirecionalidade da mudança no decorrer do

tempo, vale ressaltar que os usos de onde em referência a lugar abstrato e tempo não

constituem inovações, pois Mattos e Silva (1989, p. 89 apud SOUZA, 2003, p. 168), ao

analisar um corpus com textos trecentistas literários medievais em prosa, constatou que

o onde já tinha “como traço semântico básico o ponto a partir de que, quer espacial,

quer nocional, quer temporal, quer possessivo, quer contextual”. Outros estudos

também de caráter diacrônico (COELHO, 2001; SOUZA, 2003; LIMA, 2007, SILVA,

2008; SIQUEIRA, 2009; XAVIER DA SILVA, 2011; LIMA; COROA, 2013) atestam

que, no latim medieval e no português arcaico onde já apresentava caráter

multicategorial.

Os usos de onde como operador argumentativo introduzindo orações com

sentido de explicação/causa e resultado/consequência, ainda que com baixo número de

ocorrências, indicam que o item estudado já começa ocupar uma categoria gramatical

que se encontra no estágio final da trajetória de gramaticalização aqui examinada.

Apesar disso, os usos relacionados a espaço – físico e abstrato – são bastante

significativos, presentes no corpus em quantidade muito maior. Dessa forma, percebe-se

que onde ocupa, numa mesma sincronia, os três estágios da trajetória de

gramaticalização aqui referenciada. Essa constatação reforça o que é previsto pelo

princípio da divergência, que propõe que, mesmo com a gramaticalização de um

item/construção, a forma/construção fonte ou conceito-fonte permanece na língua.

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127

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, objetivou-se analisar os usos do item onde no que diz respeito à

sua trajetória de abstratização semântica e mudança categorial. Para tanto, tomou-se,

como corpus, um total de 400 textos escritos por estudantes que se submeteram ao

processo seletivo vestibular da UNEB para o ano letivo de 2014. A escolha desse

corpus baseou-se na constatação, a partir da experiência com correção de textos

produzidos em cursos pré-vestibulares, de que os usos de onde considerados fora do

padrão gramatical pareciam funcionar com certa regularidade, acionando sentidos mais

abstratos. Tal constatação, que já era oriunda de dados empíricos do português

brasileiro, suscitou o interesse pela investigação do tema e realização da pesquisa.

Com base em conceitos e pressupostos funcionalistas, principalmente os da

vertente norte-americana (HOPPER, 1991; HEINE; CLAUDI; HÜNNEMEYER, 1991;

HOPPER; TRAUGOTT, 2003 [1993], dentre outros), analisaram-se as ocorrências de

onde no corpus, descrevendo o contexto linguístico em que se inserem. Para proceder a

essa descrição, foram considerados, além dos valores semânticos assumidos pelo onde,

os seguintes grupos de fatores: foricidade, natureza sintática do referente, categoria

gramatical e função sintática de onde e tipos oracionais introduzidos por onde.

A pesquisa, em decorrência da natureza do corpus estudado, não contemplou a

análise de fatores sociais, como escolaridade, faixa etária, grupo social etc. Apesar

disso, este estudo, por apresentar caráter sociofuncionalista, também se fundamentou

nos pressupostos teórico-metodológicos da Sociolinguística Variacionista, que forneceu

os passos metodológicos para a efetivação da análise do fenômeno. Assumindo-se essa

orientação teórico-metodológica, utilizou-se o programa GoldVarb X, que permitiu a

quantificação dos dados, informando os percentuais de ocorrências dos grupos de

fatores linguísticos selecionados e cruzando esses resultados aos papéis semânticos

assumidos pelo onde.

O estudo aqui empreendido também fez um levantamento do tratamento dado ao

onde por gramáticas normativas (ALMEIDA, 2009 [1943]; ROCHA LIMA,

2005[1957]; CUNHA; CINTRA, 2017[1985]) e descritivas (NEVES, 2000; PERINI,

2015[2009]; CASTILHO, 2016[2010]), chegando à conclusão de que, em ambas as

vertentes, não há diferenças significativas nas abordagens do onde quanto à sua

categoria gramatical (advérbio relativo, pronome indefinido de lugar, relativo

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128

condensado, relativo indefinido, advérbio ou pronome interrogativo), ao seu valor

semântico (lugar e tempo67

) e à sua função sintática (adjunto adverbial e complemento

adverbial).

Partindo de considerações sobre o funcionamento do onde feitas nas gramáticas

consultadas e em estudos de caráter (sócio)funcionalista (COELHO, 2001; SOUZA,

2003; BRAGA; MANFILI, 2004; LIMA, 2007; LIMA; COROA, 2013; ASSIS, 2016,

dentre outros) e levando em consideração as características do corpus a ser investigado,

a presente pesquisa visou responder às seguintes questões:

(i) O item gramatical onde está, de fato, passando por um processo de

gramaticalização que envolve tanto abstratização de sentidos como mudança categorial?

(ii) Quais são os grupos de fatores linguísticos que motivam os usos –

gramaticalizados ou não – de onde em diferentes domínios funcionais?

(iii) Qual é a produtividade dos usos gramaticalizados de onde na modalidade

escrita da língua portuguesa e, mais especificamente, em gêneros textuais como a

redação do vestibular?

Com a análise dos usos de onde encontrados no corpus, verificou-se a

multifuncionalidade desse item gramatical quanto aos seus valores semânticos (espaço

físico, espaço virtual ou abstrato, instrumental, tempo, pessoa, objeto, explicação/causa,

resultado/consequência). Os dados indicaram preferência pelo valor semântico espaço

físico, o que sugere que os demais valores semânticos encontrados parecem não estar

em disputa com o onde em seu sentido fonte e mais usual. Essa constatação se coaduna

com o que prevê o princípio da divergência, proposto por Hopper (1991) ao descrever

os pressupostos da gramaticalização. Segundo esse princípio, mesmo após a

gramaticalização de uma forma lexical, essa forma pode continuar presente na língua

com suas características iniciais, ao lado da forma gramaticalizada. Diante disso e das

evidências de um processo de ampliação de sentidos, pode-se afirmar que, com base nos

resultados encontrados na amostra analisada, os usos de onde configuram um indício de

gramaticalização.

Acerca dessa ampliação de sentidos, os dados indicaram uma tendência à

abstratização, acionando valores semânticos como espaço virtual ou abstrato, tempo,

instrumental, explicação/causa e resultado/consequência. No entanto, também foram

encontrados casos que ilustram um caminho de referência a entidades mais concretas,

67

Apenas Castilho (2016 [2010]) sinaliza a possibilidade de onde ser usado com sentido de tempo.

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129

como objeto e pessoa. Diante de tal constatação, nota-se uma reversão na trajetória de

abstratização semântica, o que funcionaria como indício contrário ao princípio da

unidirecionalidade.

O fato de onde remeter também às noções de pessoa e objeto, apesar de serem

essas mais concretas do que as demais, sinaliza que esse item gramatical tem ampliado

sua possibilidade de atuação, com funcionamento semelhante ao do item gramatical

que, cuja variedade de valores semânticos é ainda mais ampla. Essa constatação reforça

o que mencionam Souza (2003), Lima (2007) e Assis (2016) a respeito do que eles

chamam de relativo universal ou relativo curinga e permite afirmar que onde tem sido

usado como item ainda mais gramatical. Dessa maneira, embora não atenda

unidirecionalmente à trajetória de abstratização semântica proposta por Heine, Claudi e

Hunnemeyer (1991), os usos de onde remetendo a objeto e pessoa podem ser

interpretados como mais uma sinalização da gramaticalização de onde.

Quanto aos grupos de fatores linguísticos considerados na pesquisa, é possível

tecer algumas considerações em relação aos usos menos e mais gramaticalizados de

onde e às hipóteses propostas.

Ao analisar a foricidade do onde, aventou-se a hipótese de que um possível

processo de esvaziamento semântico estaria interferindo no caráter pronominal desse

item gramatical. Os dados indicaram a predominância da natureza lacunar para o onde,

apontando maior tendência a referências anafóricas. Foram encontrados, porém, casos

em que não se reconheceu foricidade no onde (quando empregado como conjunção), o

que direciona para a confirmação da hipótese levantada.

Essa perda do caráter fórico constitui também indício de que onde possa estar

passando pelo processo de recategorização, no qual se verifica a gradativa perda das

propriedades funcionais dos itens em gramaticalização, que passam a desempenhar

papéis mais gramaticais. Confirmou-se essa hipótese na medida em que se constatou o

caráter multicategorial de onde, que foi reconhecido como pronome relativo, advérbio

relativo, pronome/advérbio interrogativo e até mesmo conjunção, atestando o que

propuseram Hopper e Traugott (2003[1993]) como trajetória de mudança das categorias

gramaticais (categorias maiores > categorias medianas > categorias menores).

Com a análise do fator linguístico relativo à natureza sintática do referente de

onde, observou-se que, quando onde remete a um sintagma anterior, a predominância é

de referência a sintagmas nominais (quando tem valor de espaço abstrato, instrumental,

pessoa e objeto) e a sintagmas preposicionais (quando tem valor de tempo). Os usos de

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130

onde como espaço físico se distribuíram entre esses dois tipos de sintagmas, havendo

um ligeiro favorecimento para o sintagma preposicionado.

Confirmou-se a hipótese da sintaticização quando se observaram, além das

categorias gramaticais aqui já mencionadas, as propriedades funcionais do onde quanto

às suas funções sintáticas. Verificou-se a predominância das funções de adjunto

adverbial e complemento adverbial, mas também foram encontrados casos de onde

como sujeito, objeto direto e complemento nominal, além das ocorrências

conjuncionais, que não apresentavam função sintática nas orações. A função de adjunto

adverbial foi considerada a mais produtiva em relação aos percentuais de ocorrência e à

ampliação dos valores semânticos de onde, com casos associados às ideias de espaço

físico, espaço abstrato, tempo, instrumento e objeto. A função de sujeito se destaca

apenas em relação à ampliação dos valores semânticos de onde, ocorrendo com os

seguintes usos: espaço físico, espaço abstrato, instrumental, pessoa e objeto.

Quanto à relação que o onde estabelece com as orações por ele introduzidas,

notou-se que o ambiente sintático mais frequente é o de orações adjetivas restritivas,

pois, nesse contexto, ocorrem usos não gramaticalizados (valor de espaço físico) e mais

gramaticalizados (espaço abstrato, tempo, instrumental e objeto).

Desse modo, os resultados da análise dos dados apontam que o corpus

selecionado constituiu uma amostra produtiva de ocorrências de usos gramaticalizados

de onde. Nesse sentido, tais resultados confirmam que textos escritos argumentativos,

como a dissertação de vestibular, constituem condições favoráveis à ocorrência de onde,

como já verificaram os estudos de Coelho (2001), Lima (2007), Siqueira (2009) e Assis

(2016), que indicaram um aumento dos usos mais gramaticalizados do onde em textos

em que predominava a sequência argumentativa.

Os resultados aqui apresentados também corroboraram o que evidenciaram

Coelho (2001), Souza (2003), Lima (2007), Silva (2008), Siqueira (2009), Xavier Da

Silva (2011) e Lima e Coroa (2013) a respeito do caráter multicategorial do onde e da

confirmação das trajetórias de gramaticalização propostas por Heine, Claudi e

Hünnemeyer (1991) e Hopper e Traugott (1993).

O estudo do item gramatical onde tem despertado interesse de muitos estudiosos

do português brasileiro, pois a descrição do caráter multifuncional desse item constitui

um desafio para os que se debruçam ao estudo dos contextos motivacionais para os usos

considerados mais gramaticalizados. Espera-se que os resultados desta pesquisa possam

ser úteis para aqueles que se propõem a estudar o funcionamento do onde, em especial

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131

na perspectiva sociofuncionalista. Ademais, espera-se também que este estudo possa

motivar o surgimento de novas pesquisas que tomem como objeto de investigação esse

item, com novos corpora e em outras sincronias.

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132

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