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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS I CURSO DE PEDAGOGIA CELIMAR ROCHA MORAIS LÍNGUA ESTRANGEIRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: OS DESAFIOS DO ENSINO BILÍNGUE Salvador 2011

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB …‡ÃO... ·  · 2012-04-10forma de agradecer é declarar como o salmista no Salmo 23: “MUITO grata por seres ... língua e uma perspectiva

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I

CURSO DE PEDAGOGIA

CELIMAR ROCHA MORAIS

LÍNGUA ESTRANGEIRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL:

OS DESAFIOS DO ENSINO BILÍNGUE

Salvador

2011

1

CELIMAR ROCHA MORAIS

LÍNGUA ESTRANGEIRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL:

OS DESAFIOS DO ENSINO BILÍNGUE

Monografia apresentada como exigência

para obtenção da graduação em Pedagogia

com Habilitação em Educação Infantil da

Universidade do Estado da Bahia - UNEB,

sob a orientação da Profª. Dra. Maria de

Fátima Vieira Noleto.

Salvador

2011

2

FICHA CATALOGRÁFICA

Sistema de Bibliotecas da UNEB

MORAIS, Celimar Rocha

Língua Estrangeira na Educação Infantil: os desafios do ensino bilíngue / Celimar Rocha

Morais – Salvador, 2011.

49f.

Orientadora: Profª. Drª. Maria de Fátima Vieira Noleto.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia.

Departamento de Educação. Colegiado de Pedagogia. Campus I. 2011.

Contem referências.

1. Educação de crianças. 2. Bilingüismo. 3. Línguas - Estudo e ensino. I. NOLETO,

Maria de Fátima Vieira. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação.

CDD: 370.153

3

CELIMAR ROCHA MORAIS

Monografia apresentada como exigência

para obtenção da graduação em Pedagogia

com Habilitação em Educação Infantil da

Universidade do Estado da Bahia - UNEB,

sob a orientação da Profª. Dra. Maria de

Fátima Vieira Noleto.

Salvador, 27 de setembro de 2011

Banca Examinadora:

_______________________________________________________________

Profa. Dra. Maria de Fátima Vieira Noleto

Universidade do Estado da Bahia

_______________________________________________________________

Profa. MSc. Rilza Cerqueira Santos

Universidade do Estado da Bahia

_______________________________________________________________

Profa. MSc. Adelaide Rocha Badaró

Universidade do Estado da Bahia

4

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho àqueles que

entendem que a educação bilíngue, por

contribuir com o desenvolvimento

integral do ser humano, é um direito de

todos e cooperam para que isso aconteça

de fato.

5

AGRADECIMENTOS

Quero agradecer de coração a TODOS que, de alguma e/ou muitas formas,

contribuíram para que este trabalho (e todo o processo) se tornasse realizável e, agora,

realidade:

Primeira e totalmente, a Deus a minha gratidão – gratidão que nenhum nem

todos os idiomas e/ou vocábulos serão capazes de expressar! Agradeço por me

conduzir, sustentar, guardar, ensinar, aperfeiçoar... Agradeço pelas tantas experiências

“extra unebianas”, que me permearam, enriqueceram e fortaleceram para ser não apenas

uma melhor profissional, mas, acima de tudo, uma melhor pessoa. Penso que é a melhor

forma de agradecer é declarar como o salmista no Salmo 23: “MUITO grata por seres

meu pastor”!

À minha família, meu reconhecimento e agradecimento por fazer parte dessa

caminhada: pelo apoio incondicional, pelos conselhos e “puxões de orelha” tão

necessários, pelo cuidado e incentivo e, principalmente, por me ensinarem (com

palavras e a própria vida) os valores e princípios que orientam meu viver, por sonharem

comigo e por se realizarem ao ver que esta etapa chega ao fim.

Sou MUITO grata por e a TODOS os meus amigos: os de perto e os de longe, os

recentes e os de mais tempo, os mais centrados e os “da bagunça”, os mais experientes e

os mais jovens, os do dia-a-dia e os “periódicos”, os “agendados” e os “todynhos”...

VOCÊS NÃO TÊM NOÇÃO do quanto suas atitudes, palavras e silêncios me ajudaram

(e ajudam!) a ampliar minha visão e percepção!

Meus agradecimentos àqueles com os quais caminhamos juntos (neste mundo

que é a UNEB): colegas de turmas e de roteiros, funcionários e professores: agradeço

pelos conhecimentos que construímos juntos: acadêmicos, técnicos, metodológicos,

relacionais, sociais, práticos, subjetivos... Tudo isso poderia ter sido feito com outras

pessoas, mas sou muito grata porque foi com VOCÊS!

Quero registrar minha gratidão também a cada um que direta ou indiretamente

contribuiu nesta minha jornada acadêmica (muitos provavelmente já esqueceram): aos

que oraram em meu favor, aos que não economizaram em palavras de incentivo, aos que

cederam favores em impressões, acessos à internet, caronas e TANTAS outras coisas!

Pode ter certeza de que sua ajuda não foi em vão!

A TODOS VOCÊS: Muchas gracias! Thanks a lot! Merci beaucoup! הבר הדות

Na minha língua: “MUITO VALEU!!!”

6

“Quanto mais línguas souberes,

mais te aprimorarás como pessoa”

Provérbio eslovaco

7

RESUMO

Através deste trabalho pretende-se discutir alguns (dos vários) desafios do ensino de

língua estrangeira na Educação Infantil numa perspectiva bilíngue. Busca-se esclarecer

conceitos fundamentais para maior e melhor compreensão da temática: bilinguismo,

educação bilíngue e educação infantil. Apresentam-se também aspectos referentes a

língua estrangeira na educação: propostas teóricas acerca da aquisição de segunda

língua e uma perspectiva de ensino de língua(s) estrangeira(s) no Brasil. A

sistematização dessas informações proporciona uma discussão que aponta para três

desafios do ensino bilíngue (mitos acerca da temática, a alfabetização bilíngue e a

formação do profissional) e mostra a importância deste ensino desde a Educação

Infantil. Chega-se a três conclusões principais: o ensino bilíngue é relevante e deve ser

tratado em nossa formação acadêmica; o multilinguismo compõe o desenvolvimento

integral, finalidade da educação infantil, e, portanto, é um direito a ser assegurado; a

função primordial e mais significativa do ensino de línguas estrangeiras numa

perspectiva bilíngue desde a Educação Infantil deve ser constituir bases sólidas para

aprendizagens futuras.

Palavras chave: Bilinguismo. Ensino Bilíngue. Educação Infantil. Desenvolvimento

Integral.

8

ABSTRACT

Through this study we intend to discuss some (of many) challenges of teaching foreign

languages in Infant Education in a bilingual perspective. It aims to clarify key concepts

for greater and better understanding of the theme: bilingualism, bilingual education and

Infant Education. Also presented are aspects regarding foreign language education:

theoretical proposals about second language acquisition and a perspective for foreign

language teaching in Brazil. The systematization of this information provides a

discussion that points to three challenges of bilingual teaching (myths about the theme,

literacy, and bilingual professional training) and shows the importance of this teaching

in Infant Education. One reaches three main conclusions: that bilingual education is

relevant and should be treated in our academic training; multilingualism is part of

integral development, Infant Education purpose, and therefore is a right to be assured;

the primary and more significant function in foreign language teaching from the

bilingual perspective in Infant Education should be provide a solid foundation for future

learning.

Key Words: Bilingualism. Bilingual Teaching. Infant Education. Integral

Development.

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 10

1. O ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA ............................................................ 11

1.1. O BILINGUISMO ................................................................................................ 11

1.2. A EDUCAÇÃO BILÍNGUE ................................................................................. 16

1.3. A EDUCAÇÃO INFANTIL ................................................................................. 18

2. A LÍNGUA ESTRANGEIRA NA EDUCAÇÃO .................................................... 25

2.1. PROPOSTAS TEÓRICAS ACERCA DA AQUISIÇÃO DE L2 ......................... 25

2.2. UMA PERSPECTIVA PARA O ENSINO DE L2 NO BRASIL ......................... 33

3. OS DESAFIOS DO ENSINO DE L2 NA EDUCAÇÃO INFANTIL .................... 35

3.1. MITOS X CONTRIBUIÇÕES .............................................................................. 35

3.2. A ALFABETIZAÇÃO .......................................................................................... 38

3.3. O PROFESSOR BILÍNGUE ............................................................................... 42

CONCLUSÕES .............................................................................................................. 46

REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 48

10

INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é analisar os desafios do ensino de Língua Estrangeira na

Educação Infantil. A preocupação com esta temática surgiu em 2007 quando estagiei

como professora de crianças na Escola de Idiomas onde estudei três anos de Inglês.

Ao final da 8ª série do Ensino Fundamental (hoje, 9º ano), percebi que não sabia Inglês,

mesmo tendo essa disciplina durante os quatro anos desse nível de ensino. Fui

matriculada numa Escola de Idiomas e estudei Inglês ali durante os três anos em que

cursei o Ensino Médio. No ano seguinte, atuei como estagiária, ensinando crianças de 4

a 8 anos de idade na Escola de Idiomas em que havia estudado (também ministrei aulas

de reposição nos níveis básicos para jovens e adultos).

Neste mesmo ano (2007), minhas aulas na universidade iniciaram-se. Desde então,

venho estudando a temática – ainda que não tratada no curso de Pedagogia. De 2009 a

2011, atuei como professora polivalente de Educação Infantil. Também realizei viagens

internacionais: fui voluntária no Haiti e conheci também a República Dominicana

(Caribe – América Central) e visitei Israel (Oriente Médio). Além disso, tenho interesse

por outros idiomas – esporadicamente estudo alguns deles. Nessas vivências, venho

conhecendo pessoas com diferentes tipos (e níveis) de bilinguismo.

Fundamenta-se este trabalho (no que diz respeito ao seu objetivo) nos estudos

realizados por Cristina Pereira Furtado (2007), por desenvolver um trabalho plural,

baseando-se na visão sócio histórica/cultural do sujeito e discursiva na linguagem,

princípios norteadores para um ensino/aprendizagem significativo, especialmente

quanto ao ensino de língua estrangeira para crianças, e por aprofundar a pertinência do

ensino bilíngue na Educação Infantil.

Organiza-se este trabalho, um estudo bibliográfico, em três itens. Em seu primeiro item,

esclarecem-se conceitos fundamentais para a compreensão da temática; no segundo,

apresentam-se aspectos referentes à língua estrangeira na educação; e, em seu último

item, analisam-se alguns dos desafios do ensino de Língua Estrangeira na Educação

Infantil.

11

1. O ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA

A globalização, a rede mundial de computadores, a intercomunicação, a velocidade da

troca de informações... Tudo isso tem, de certa forma, aproximado o mundo e exigido

um idioma capaz de unir as pessoas. Atualmente, o idioma mais falado do mundo (e no

mundo) é o Inglês: 25% da população mundial utiliza essa língua em seu dia-a-dia,

desde conversas informais e games até em viagens turísticas e importantes eventos

internacionais.

Cada vez mais, o mercado de trabalho dá preferência àqueles que sabem mais de um

idioma: multinacionais têm se instalado em várias partes do país, determinados

programas e maquinários não estão disponíveis em nossa língua materna, não poucas

pesquisas acadêmico-científicas de temas emergentes são realizadas no exterior e/ou

devem utilizar-se de um idioma que possibilite a troca de informações, a vinda dos dois

maiores eventos esportivos do mundo para o Brasil nos próximos anos são exemplos

práticos da necessidade de se tornar bilíngue.

Mas, o que é ser bilíngue? Quanto tempo é preciso para se aprender uma língua

estrangeira? O que caracteriza a aquisição de outro idioma? Qual é a melhor fase para se

adquirir uma nova língua? Quais os benefícios em se tornar bilíngue? Para melhor

responder a essas e outras questões, faz-se necessário esclarecer conceitos fundamentais

na compreensão da temática e que serão utilizados no decorrer deste trabalho.

1.1. O BILINGUISMO

Elizabeth Villibor Flory (2008), em sua tese de doutorado, publicou um artigo intitulado

Bilinguismo: diferentes definições, diversas implicações. Nesse trabalho, ela mostra que

não há consenso entre os pesquisadores para o termo bilinguismo, que pode ser definido

através de vários critérios combináveis entre si. Assim, o termo bilinguismo adquire

diferentes definições, a depender dos aspectos a que foi referido.

Flory (2008) inicia apresentando diferentes perspectivas para estudo do bilinguismo:

aponta as três importantes dimensões para se estudar o fenômeno (apresentadas por Li

12

Wei, 2000/2006): sociolinguística, linguística e psicológica; cita a revisão de literatura

de Katchan (1986) e sua dimensão cognitivo-linguística; e aponta vários pesquisadores

(Bialystok, 2001/2006; Baker e Prys-Jones, 1998; Hamers e Blanc, 1982/2003;

Katchan, 1986) que, com olhar comparativo para os estudos em torno da temática,

afirmam que os resultados são diferentes e até contraditórios, destacando a importância

de revisões dessas pesquisas e a compreensão de qual tipo de bilinguismo está sendo

estudado em cada uma delas.

A partir daí, a autora trata de responder ao seguinte questionamento: “O que quer dizer

diferentes configurações ou tipos de bilinguismo?”, afirmando, incialmente, que esta

não é uma pergunta de resposta simples, porque

“Bilinguismo” representa uma infinidade de quadros diferentes, os

quais remetem à esfera social, política, econômica, individual, à

aceitação e valorização de cada uma das línguas faladas e das culturas

com as quais se relacionam, à exposição e experiência com a língua,

entre outros fatores. São inúmeras as configurações que levam ao

“mesmo” ponto: “Bilinguismo”. (FLORY, 2008, p. 22)

Ela, então, partindo de definições gerais para definições segundo critérios específicos,

apresenta algumas delas. A primeira, bastante restritiva, vem de Blommfield (1933),

segundo o qual bilíngue é uma pessoa que tem domínio (semelhante à de um nativo)

sobre duas línguas (Butler e Hakuta, 2004). Mas esta definição, explica Flory, deixa

margem para várias dúvidas, como: quais são os critérios para definir o domínio de uma

língua? Será que um indivíduo que não tenha semelhante proficiência nas duas línguas

não é bilíngue?

Flory apresenta também definições bastante amplas, como é o caso de Haugen (1953),

para quem bilíngue é qualquer pessoa capaz de produzir sentenças completas

significativas em dois idiomas (Butler e Hakuta, 2004), mas definições como essa

englobam os aprendizes em níveis iniciais já como bilíngues, o que Butler e Hakuta

(2004), apontam como uma vantagem em relação às definições restritas, pois não fixam

o bilinguismo a um momento específico, mas a um processo de desenvolvimento.

A autora acrescenta que atualmente faz-se a diferenciação entre o bilinguismo em seu

nível individual, a bilingualidade (bilinguality), e o bilinguismo em nível de sociedade,

13

o bilinguismo social (bilingualism). Termos que são trabalhados por Harmers e Blanc

(2000):

O conceito de bilinguismo refere-se ao estado de uma comunidade

linguística em que duas línguas estão em contato com o resultado de

que dois códigos podem ser usados na mesma interação e um número

de indivíduos são bilíngues (bilinguismo social); mas isso também

inclui o conceito de bilingualidade (ou bilinguismo individual).

Bilingualidade é o estado psicológico de um individuo que tem

acesso a mais de um código linguístico como um meio de

comunicação social; o grau de acesso mudará ao longo de um número

de dimensões que são psicológica, cognitiva, psicolinguística, sócio-

psicológica, social, sociológica, sociolinguística, sociocultural e

linguística (op. cit., tradução livre, grifos nossos)1

Flory conclui, em concordância com Spolsky (1998), que as várias definições geram

confusão na compreensão do termo bilinguismo, propondo que sejam selecionados

critérios que impliquem as diferentes naturezas do fenômeno.

Assim, a autora apresenta quatro dimensões gerais para classificação do bilinguismo, a

partir das quais se definem critérios para se considerar uma pessoa bilíngue, dimensões

essas apontadas por Butler e Hakuta (2004): a linguística, a cognitiva, a

desenvolvimental e a social, sendo que cada uma dessas dimensões traz diversas lacunas

que precisam ser estudadas mais profundamente.

A proficiência nas línguas em questão, por exemplo, está dentro da dimensão

linguística. A partir dela, o indivíduo pode ser classificado como bilíngue balanceado

(proficiência similar em ambas as línguas) ou bilíngue dominante (proficiência maior

em uma em detrimento da outra) – diferenciação desenvolvida por Peal e Lambert

(1962).

Outro critério é a idade de aquisição de língua, da dimensão desenvolvimental. Nela, os

sujeitos são classificados em bilíngues precoces (aquisição de segunda língua na

infância) ou bilíngues tardios (aquisição de segunda língua na adolescência ou fase

1 “The concept of bilingualism refers to the state of a linguistic community in which two languages are in

contact with the result that two codes can be used in the same interaction and a number of individuals are

bilingual (societal bilingualism); but it also includes the concept of bilinguality (or individual

bilingualism). Bilinguality is the psychological state of an individual who has access to more than one

linguistic code as a means of social communication; the degree of access will vary along a number of

dimensions which are psychological, cognitive, psycholinguistic, social psychological, social,

sociological, sociolinguistic, sociocultural and linguistic”. [Harmers e Blanc, 2000, p. 6, grifos nossos]

14

adulta). Os bilíngues precoces podem ser diferenciados entre bilíngues simultâneos

(quando as duas línguas são adquiridas ao mesmo tempo) ou bilíngues sequenciais

(quando a aquisição da segunda língua se inicia quando a aquisição da primeira língua

já está completa).

Um critério da dimensão cognitivo-linguística, a organização dos códigos linguísticos,

classifica bilinguismo em composto (dois conjuntos de códigos linguísticos, um em

cada idioma, estão relacionados à mesma unidade de significado), coordenado (cada

código linguístico estaria organizado separadamente em dois conjuntos de unidades de

significados) e subordinado (os códigos linguísticos da segunda língua seriam

interpretados por meio da primeira).

Na dimensão social, o critério status das línguas dentro da sociedade em questão,

Fishman diferencia o bilinguismo de elite (indivíduos que falam a língua dominante

daquela sociedade e uma segunda língua que lhes proporciona prestígio social) do

bilinguismo popular (grupos linguísticos minoritários cuja língua de origem não tem

status elevado na sociedade em que vivem).

O critério de manutenção da língua materna2 ao se adquirir uma segunda língua

3 é

desenvolvido por Lambert, diferenciando o bilinguismo aditivo (a segunda língua é

adquirida sem perda de proficiência na primeira) do bilinguismo subtrativo (quando, ao

adquirir-se a segunda língua, se perde a proficiência na primeira).

Flory traz, ainda, o critério identidade cultural do indivíduo, desenvolvido por Hamers e

Blanc (1982), na qual se diferenciam a bilingualidade bicultural (o bilíngue se

identifica positivamente com os dois grupos culturais que falam suas línguas e é aceito

em ambos), a bilingualidade monocultural L1 (o bilíngue tem sua identidade cultural

vinculada apenas à comunidade de sua língua materna), a bilingualidade aculturada L2

(o bilíngue renuncia a identidade cultural de sua língua materna e adota à de sua

segunda língua) e a bilingualidade desculturada (o bilíngue abdica da identidade

cultural de sua língua materna, mas não se identifica com o grupo cultural de sua

segunda língua).

2 Língua Materna (LM), ou Primeira Língua (L1)

3 Segunda Língua (L2), ou Língua Estrangeira (LE)

15

Flory faz referência a uma lista de “tipos de bilinguismo” de Li Wei (2000/2006) e aos

seis critérios do caráter multidimensional do bilinguismo, propostos por Hamers e Blanc

(1983/2003). Essas dimensões, em muitos aspectos semelhantes às dimensões apontadas

por Butler e Hakuta (2004), foram resumidas por Antonieta Heygen Megale (2005), em

artigo para a Revista Virtual de Estudos da Linguagem, como segue abaixo:

DIMENSÕES DE BILINGUISMO DE HARMERS

Competência

Relativa

Bilinguismo Balanceado L1 = L2

Bilinguismo Dominante L1 > L2 ou L1 < L2

Organização

Cognitiva

Bilinguismo Composto 1 representação para 2 traduções

Bilinguismo Coordenado 2 representações para 2 traduções

Idade de

Aquisição

Bilinguismo Infantil: L2 adquirida antes dos 10/11 anos

Simultâneo L1 e L2 adquiridas ao mesmo tempo

Consecutivo L2 adquirida posteriormente à L1

Bilinguismo Adolescente L2 adquirida entre os 11 e 17 anos

Bilinguismo Adulto L2 adquirida após os 17 anos

Presença de

L2

Bilinguismo Endógeno Presença de L2 na comunidade

Bilinguismo Exógeno Ausência de L2 na comunidade

Status das

Línguas

Bilinguismo Aditivo Não há perda ou prejuízo da L1

Bilinguismo Subtrativo Perda ou prejuízo da L1

Identidade

Cultural

Bilinguismo Bicultural Identificação positiva com os dois grupos

Bilinguismo Monocultural Identidade cultural referente à L1 ou L2

Bilinguismo Acultural Identidade cultural referente apenas à L2

Bilinguismo Descultural Sem identidade cultural

Tabela 1.1. Dimensões de Bilinguismo de Harmers (MEGALE, 2005, p. 6)

Flory chama atenção para o fato de que a multiplicidade de definições possíveis revela a

complexidade inerente ao tema bilinguismo, que deve ser muito bem compreendido

para que metodologias de estudo, ensino, pesquisa e interpretação de dados sejam

realizadas de forma satisfatória, para que se evitem generalizações que associem

determinados critérios a configurações diferentes. Flory afirma como Katchan (1986):

16

Levando em consideração a enorme diversidade de situações

envolvidas na aprendizagem bilíngue, o mais aconselhável é o estudo

das situações específicas de bilinguismo e possíveis consequências

dessas situações em determinados aspectos do desenvolvimento,

deixando de considerar o bilinguismo em si, e considerando-o em

contexto. (FLORY, 2008, p. 32, grifos da autora)

A autora afirma que, a depender da perspectiva, um mesmo indivíduo pode ser

classificado em diferentes critérios de bilinguismo, concordando com Valdés e Figueroa

(1996) quando afirmam que o bilinguismo deve ser considerado um processo contínuo,

em que o indivíduos movem-se nesse contínuo, perpassando por diferentes tipos de

bilinguismo.

Acreditamos ser de extrema importância a compreensão da complexidade e

multiplicidade de classificações, perspectivas e critérios para definição do bilinguismo,

para que resultados e conclusões não sejam adulterados e, principalmente, para que se

tenha clareza na definição de objetivos de trabalho e de metodologias de pesquisa e

ensino.

1.2. A EDUCAÇÃO BILÍNGUE

A educação bilíngue, assim como o bilinguismo, possui conceitos distintos. Antonieta

Heyden Megale (2005), em artigo à Revista Virtual de Estudos da Linguagem, ressalta

que diferentes países e contextos diferenciados, em função de questões étnicas, dos

educadores, dos legisladores e de fatores sócio-políticos, a variedade no uso de duas

línguas no ensino possui diferentes conceitos.

A autora apresenta as três grandes categorias para definição de educação bilíngue em

que Fishman e Lovas (1970) baseiam-se (perspectiva sociolinguística): intensidade,

objetivo e status.

Na categoria intensidade, há quatro tipos de programas bilíngues: o bilinguismo

transicional (L1 utilizada apenas como veículo de transição para L2), o bilinguismo

monoletrado (a escola utiliza ambas as línguas, mas a criança é alfabetizada apenas na

L2), o bilinguismo parcial biletrado (as duas línguas são utilizadas na escrita e na

oralidade, mas a L1 é usada apenas nas disciplinas culturais, como História, e a L2 nas

17

demais disciplinas) e o bilinguismo total biletrado (todas as habilidades são

desenvolvidas em ambas as línguas em todos os domínios).

A categoria objetivo classifica a educação bilíngue em três diferentes programas:

programa compensatório (instrução primeiramente na L1, visando melhor integração da

criança no contexto escolar), programa de enriquecimento (instrução de conteúdos em

ambas as línguas desde a alfabetização) e programa de manutenção de grupo (língua e

cultura de crianças de grupos minoritários são preservadas e aprimoradas).

Na categoria status, são observadas quatro dimensões: língua de importância primária

versus língua de importância secundária; língua de casa versus língua da escola; e

língua mais importante versus língua de menor importância.

Magale (2005) traz também a definição de educação bilíngue de Hamers e Blanc

(2000), para quem a instrução deve ser feita de forma planejada, ministrada em pelo

menos duas línguas, simultânea ou consecutivamente, em dado momento e período, por

qualquer sistema de educação escolar – o que não enquadra programas nos quais a

língua estrangeira é ensinada como matéria ou sem fins acadêmicos.

De acordo com essa definição, Megale apresenta três categorias nas quais a maioria

dos programas de educação bilíngue se encaixa: na primeira, a instrução é transmitida

simultaneamente nas duas línguas; na segunda, inicialmente as instruções são dadas

apenas na L1 e os alunos aprendem a L2 até estarem aptos a utilizá-la para fins

acadêmicos; e, na terceira, a maior parte das instruções é transmitida na L2 e a L1 é

introduzida posteriormente, iniciando como matéria até chegar a ser meio de instrução.

A autora, então, divide a educação bilíngue, de forma bem generalizada, em dois

grandes domínios: educação bilíngue para crianças do grupo dominante (educação

quase sempre de caráter elitista com vistas à aquisição de um novo idioma) e educação

bilíngue para crianças do grupo minoritário (crianças pertencentes a grupos

minoritários como indígenas e imigrantes).

18

Por objetivar discutir a educação bilíngue para crianças do grupo dominante, Megale

apresenta os dois principais tipos de programa: escolas internacionais multilíngues e

programas de imersão.

Ainda baseando-se em Hamers e Blanc (2000), Megale passa a caracterizar esses

programas de educação bilíngue. As escolas internacionais multilíngues possuem

metodologia diferenciada e combinam de dois a quatro idiomas no programa

educacional. Mas ainda não se pode concluir se o sucesso dessas escolas deve-se ao seu

caráter multilingual ou elitista, pois, como salientam Hamers e Blanc (2000), poucas

pesquisas foram feitas para investigar as consequências da educação bilíngue nesse

programa.

O segundo tipo de programa de educação bilíngue é a imersão (quando crianças falantes

de determinada L1 são submetidas à instrução total ou parcial em L2). Harmers e Blanc

(2000) apontam as duas hipóteses nas quais os programas de imersão se baseiam: a de

que o aprendizado da L2 ocorre de maneira similar à de L1; e a de que a língua é

aprendida de forma mais eficiente quando feita de maneira estimulante e natural, onde

as crianças percebam e aperfeiçoem as funções da língua.

Megale apresenta, ainda, os três tipos de imersão apontados pelos mesmos autores:

imersão inicial total (toda instrução dada antes da educação infantil e nos dois primeiros

anos da educação primária, ou seja, a alfabetização deve ser realizada na L2), imersão

inicial parcial (desde o início da vida escolar, ambas as línguas são utilizadas para

instrução) e imersão tardia (destinada a alunos do Ensino Médio que, até então,

receberam instrução apenas na L2).

1.3. A EDUCAÇÃO INFANTIL

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) define a Educação

Infantil como sendo “a primeira etapa da educação básica” sendo sua finalidade “o

desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico,

psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”.

19

Ainda segundo a LDB, é da União “em colaboração com os Estados, o Distrito Federal

e Municípios”, a incumbência de estabelecer as competências e diretrizes “que

nortearão o currículo e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica

comum” desta “etapa da educação básica”, sendo que, o Município é incumbido de

oferecer essa modalidade de ensino em creches (“ou entidades equivalentes, para

crianças de até três anos de idade”) e pré-escolas (“para as crianças de quatro a seis anos

de idade”). Dessa forma, o sistema de ensino do município compreende tanto as

instituições de educação infantil mantidas pelo Poder Público Municipal, assim como as

mantidas e criadas pela iniciativa privada.

A Lei prevê que a avaliação nesta etapa da educação “far-se-á mediante

acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção,

mesmo para o acesso ao ensino fundamental”.

A Lei 9.394/96 também diz que a oferta de educação especial (“modalidade de

educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para

educandos portadores de necessidades especiais”), dever constitucional do Estado, tem

início na educação infantil.

Quanto à formação docente para a área, esta “far-se-á em nível superior, em curso de

licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação,”

e, como formação mínima para atuação na educação infantil, o curso de nível Médio na

modalidade Normal (magistério). Ainda com relação à formação docente, afirma que “o

curso normal superior, [é] destinado à formação de docentes para a educação infantil”.

Outro documento importante é o Referencial Curricular Nacional para a Educação

Infantil, organizado em três volumes que integra a série dos Parâmetros Curriculares

Nacionais. Sua finalidade é apresentada pelo Ministro da Educação e do Desporto,

Paulo Renato Souza:

O Referencial pretende apontar metas de qualidade que contribuam para que as

crianças tenham um desenvolvimento integral de suas identidades, capazes de

crescerem como cidadãos cujos direitos à infância são reconhecidos. Visa,

também, contribuir para que possa realizar, nas instituições, o objetivo

socializador dessa etapa educacional, em ambientes que propiciem o acesso e a

20

ampliação, pelas crianças, dos conhecimentos da realidade social e cultural

(BRASIL, 1998, RCN-EI, p. 7)

Neste Referencial, baseado em vários autores, e mais precisamente nos estudos de

Piaget, Vygotsky e Wallon, a criança de zero a seis anos é entendida como um sujeito

social e histórico; que se referencia na família na qual está inserido; que faz parte, se

desenvolve, é marcado e marca a sociedade em que vive; que possui natureza singular

devido às suas individualidades; que constrói conhecimento através de interações

sociais usando-se de diferentes linguagens.

Assim, à Educação Infantil e aos seus profissionais recai o desafio de “compreender,

conhecer e reconhecer o jeito particular das crianças estarem no mundo” (BRASIL,

1998, RCN-EI, vol. 1, p. 22), além de organizar a prática dessa etapa da educação de

forma a alcançar seus objetivos gerais: desenvolvimento da autonomia (imagem

positiva de si, conhecimento do próprio corpo etc.), estabelecimento e ampliação de

relações sociais (vínculos afetivos, comunicação, interação, colaboração etc.),

enriquecimento da expressividade (nas brincadeiras, nos usos de diferentes linguagens

etc.) e conscientização de sua participação num contexto maior (sustentabilidade,

diversidade cultural etc.).

Essas aprendizagens serão alcançadas nas trocas sociais à medida que a criança

interagir socialmente, estabelecendo vínculos, o que ocorre quando esta se sente segura

para se expressar e utiliza-se de recursos próprios como a imitação (reconstrução interna

do desejo de observar, aprender e identificar-se com o outro), o brincar (atividade

interna que encontra em objetos manipulados sua interpretação criativa da realidade), a

oposição (afirmação de sua singularidade), a linguagem (veículo de socialização

adquirido socialmente, capaz de proporcionar comunicação, expressividade e acesso a

outras realidades) e a apropriação da imagem corporal (construção da identidade).

A avaliação da criança de educação infantil é formativa, contínua durante o processo,

seus critérios “devem ser compreendidos como referências que permitem a análise do

seu avanço ao longo do processo, considerando que as manifestações desse avanço não

são lineares, nem idênticas entre as crianças” (BRASIL, 1998, RCN-EI, vol. 3, p. 159),

é atividade permanente do professor (que deve ser reflexivo), afinal, é “instrumento

indispensável à constituição de uma prática pedagógica e educacional verdadeiramente

21

comprometida com o desenvolvimento das crianças” (op. cit., p. 203). Sua função é

“mapear e acompanhar o desenvolvimento da criança [...] para reorientar o

planejamento da ação educativa” (op. cit., p. 238).

A especificidade da Educação Infantil, então, dá-se pelo fato de que a criança que faz

parte dessa “etapa da educação básica” possui características, necessidades,

potencialidades e necessidades peculiares. Vejamos alguns estudos que mostram o

desenvolvimento da criança de zero a seis anos de idade.

À semelhança dos documentos oficiais, Helen Bee (2003) desenvolve um trabalho

acerca do desenvolvimento infantil em seus vários aspectos (cognitivo, biológico,

emocional, social etc.), oferecendo-nos uma rica visão da simultaneidade desses

desenvolvimentos (ver figuras 1.3 A e B).

Figura 1.3. (A) Resumo de alguns desenvolvimentos simultâneos durante o período de bebê.

Destaque para as mudanças mais críticas na opinião da autora (BEE, 2003, p.504)

Ela mostra-nos, por exemplo, quatro processos básicos que moldam os padrões dos

desenvolvimentos simultâneos que ocorrem no período bebê, do nascimento aos dezoito

meses: maturação física (alto crescimento pré-programado dos dendritos e sinapses

22

neurais, processo que, em ambiente com condições mínimas adequadas de exposição,

proporciona desenvolvimento perceptual, motor e cognitivo adequado), explorações da

criança (intimamente ligadas às mudanças no sistema nervoso, nos ossos e nos

músculos, permitindo mais explorações/movimentos e, consequentemente, modificando

a arquitetura do cérebro: sua cognição e percepção), apego (proporciona a segurança

necessária para maior e melhor interação que, por sua vez, trarão mais experiências e,

assim, aprendizagens mais ricas e variadas, estimulando o desenvolvimento cognitivo e

neurológico) e modelos funcionais internos (criação de uma “teoria da realidade”, sendo

que essas crenças básicas são as mais duráveis e resistentes a mudanças no futuro).

Assim, percebe-se que no período de bebê, antes de iniciar a vida escolar, a criança está

estabelecendo suas bases biológicas, afetivas, cognitivas, psicológicas, morais, sociais

etc. através das interações com o meio (especialmente a família), bases essas que

sustentarão suas futuras aprendizagens. Dessa forma, quanto mais ricas e variadas forem

essas experiências, resultarão em benefícios ao desenvolvimento e retenção de uma rede

mais elaborada e complexa de conexões neurais.

Mas existem fatores que podem inibir e atrapalhar o desenvolvimento pleno. Bee (2003)

aponta alguns deles: lesão orgânica (a depender da riqueza e do apoio ambiente, as

consequências em longo prazo podem ser mais ou menos danosos), ambiente familiar

(fatores como grave negligência, abuso, estresse e depressão, têm impacto sobre vários

aspectos desenvolvimentais da criança, impactos observáveis em médio prazo) e

influências sobre a família (pelo fato de a família fazer parte de um meio social mais

amplo, os impactos desse meio sobre a família afeta direta e indiretamente também a

criança, a exemplo das circunstâncias econômicas cujos efeitos serão perceptíveis mais

adiante em seu desenvolvimento).

Bee (2003), então, aponta como a mais forte impressão das pesquisas atuais acerca do

bebê o fato deles serem mais capazes que imaginávamos, mas chama atenção quanto

aos excessos, que podem prejudicá-los.

O período pré-escolar, dos dois aos seis anos, é caracterizado pela mudança lenta, mas

muito importante, como se pode observar na Figura 1.3 (B), na próxima página. A

autora aponta como característica principal do período, o fato de que nele “são plantadas

23

as sementes das habilidades sociais e da personalidade da criança – e talvez do adulto”

(BEE, 2003, p. 508), pois os modelos funcionais internos da criança são revisados,

consolidados e estabelecidos com mais firmeza – e tendem a persistir além do ensino

fundamental.

Figura 1.3. (B) Resumo dos desenvolvimentos paralelos durante os anos pré-escolares.

Destaque para as mudanças mais críticas na opinião da autora. (BEE, 2003, p. 508)

Dois grandes avanços cognitivos do período são a capacidade de usar símbolos e o

desenvolvimento de uma teoria da mente sofisticada (dos três aos cinco anos). O uso de

símbolos, refletido na capacidade de representar, contribui com o desenvolvimento da

linguagem, que, por sua vez, afeta o comportamento social da criança.

A teoria da mente, capacidade de perceber e entender o comportamento dos outros,

proporciona diferentes formas de interação social e desenvolve um esquema de self e

um esquema de gênero que são base para a personalidade e comportamento social.

Os contatos sociais, além de ser outro aspecto importante do desenvolvimento nesse

período, contribuem também com o desenvolvimento cognitivo, uma vez que se

expandem suas experiências com objetos, novas maneiras de faz-de-conta são criadas,

24

os esquemas de gênero são formados e o padrão de comportamento social se modifica

ou se reforça. Nesse sentido, Bee aponta como fator decisivo o estilo de disciplina dos

pais e mostra que a dinâmica familiar afeta os processos básicos de desenvolvimento

desse período.

Além de Piaget, Vygotsky e Wallon, outros teóricos, como Montessori, demonstraram a

capacidade do infante em apreender o mundo e a necessidade de se expressar e

comunicar-se. Essa capacidade e essa necessidade dão-se de forma integral: a criança

pequena capta diferentes linguagens e assim se expressa, sem juízo de valor.

A criança com idade pré-escolar (zero aos seis anos) encontra-se na fase que Maria

Montessori chamou de mente absorvente, capacidade da criança de absorção da cultura,

pela sua vida afetiva, motora, mental e sensorial. Ela dividiu esse período em dois:

Inconsciente (0-3 anos) e Consciente (3-6 anos).

A mente absorvente inconsciente (0-3 anos) é o período em que a criança apropria-se de

todas as impressões do ambiente (hábitos, costumes etc.); essa fase não será lembrada.

Paulatinamente (e através do trabalho com as mãos e a verbalização), a criança transita

para a mente absorvente consciente (3-6 anos).

Para esse segundo período, Montessori aponta a importância de oferecer estímulos

variados (porém pré-selecionados) às crianças, especialmente no que diz respeito ao

movimento e à manipulação de materiais – incluem-se aí mobiliário adaptado, materiais

específicos, ambiente adequado e a ajuda indireta e oportuna do professor.

Montessori mostra que através do aprimoramento dos sentidos a criança aperfeiçoa sua

capacidade de observação e discriminação, a partir de percepções sensoriais do meio

exterior. A educação sensorial de livre escolha, portanto, desenvolve a independência,

iniciativa, criatividade, concentração, ordem, coordenação, autodisciplina. Além de

potencializar sua capacidade perceptiva.

25

2. A LÍNGUA ESTRANGEIRA NA EDUCAÇÃO

O ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras apresenta, ao longo do tempo, diferentes

objetivos (pessoais e sociais), desde a necessidade de comercializar e estabelecer

alianças diversas entre diferentes povos até proporcionar acesso às informações em

diferentes idiomas e comunicar-se globalmente.

A educação exerce papel fundamental no processo de aquisição de outro idioma,

porque, como mostra Vygotsky em seus estudos, a ação educativa orienta e qualifica

essa aprendizagem.

2.1. PROPOSTAS TEÓRICAS ACERCA DA AQUISIÇÃO DE L2

A necessidade de conhecer as principais propostas teóricas acerca da aquisição de L2

deve-se, em grande parte, em razão do caráter multifacetado, complexo e

multidimensional da temática aquisição de linguagem (primeira ou segunda). Assim, as

várias contribuições possibilitarão uma melhor compreensão do processo.

Mailce Borges Mota (2008) em seu curso Aquisição de Segunda Língua, da

Universidade Federal de Santa Catarina – Licenciatura e Bacharelado em Letras-

LIBRAS na Modalidade à Distância, apresenta-nos as principais teorias, modelos e

hipóteses acerca da aquisição/aprendizagem da segunda língua.

Mota (2008) começa conceituando os termos da temática e afirma que alguns teóricos

distinguem aquisição de aprendizagem, pois, para eles, a aquisição se dá de maneira

inconsciente, natural, e a aprendizagem requer instrução formal, retenção de

conhecimento.

Ela acrescenta que alguns teóricos também fazem distinção entre aquisição de língua

estrangeira e de segunda (terceira, quarta...) língua. Nessa última, o critério é a ordem

de aquisição. Mas pode ocorrer também distinção devido ao papel que a língua exerce

na sociedade em que a aquisição acontece. Assim, segunda língua refere-se ao idioma

adquirido em situações formais de aprendizagem, em que essa língua tem papel

26

institucional e social bem relevante e língua estrangeira é qualquer idioma que não tem

nenhum papel social ou institucional consolidado, sendo geralmente objeto de instrução.

Mota (2008), então, esclarece que em seu trabalho usará os temos aquisição e

aprendizagem de maneira intercambiável referindo-se à retenção de conhecimento e à

criação de representação mental em uma língua e o termo segunda língua para ambas as

situações descritas anteriormente.

A autora apresenta seis propostas teóricas de aquisição de L2: o Modelo Monitor, a

Gramática Universal, a Teoria Associativa CREED, o Modelo Declarativo

Procedimental, a Teoria Sociocultural e a Teoria do Insumo, Interação e Produção.

O Modelo Monitor, também conhecido por Hipótese do Insumo e Hipótese da

Compreensão, é uma das primeiras propostas pós-behaviorismo e a que mais provocou

debates até hoje – devido principalmente a afirmações para as quais não há evidência ou

são difíceis de serem obtidas evidências metodológicas confiáveis. Foi proposto por

Stephen Krashen em 1978 e é organizado em cinco hipóteses sobre aquisição de L2.

A hipótese mais importante do modelo é a distinção entre aquisição e aprendizagem de

segunda língua – já comentados anteriormente. Para Krashen, esses dois processos não

interagem. Sua segunda hipótese é baseada na concepção de que a instrução tem função

de monitorar, revisar ou corrigir a língua que é produzida, uma vez que compreende a

interação social como razão principal para uso de L2. A terceira hipótese afirma que a

aquisição da gramática de L2 dá-se em uma ordem natural e previsível, independe da

complexidade e da forma em que é transmitida em sala de aula. A quarta hipótese é a de

que o aprendiz deve estar exposto a um insumo compreensível, um pouco acima de sua

proficiência, para que ele avance um nível em sua aquisição de L2. A quinta hipótese é

a de que o filtro afetivo do aprendiz deve estar baixo (receptivo ao insumo, confortável

na situação de aquisição e demonstrando atitude positiva com relação à L2) para que a

aquisição ocorra.

A Gramática Universal (GU) surgiu durante a década de 1980 de forma rápida e

intelectualmente forte. Os pesquisadores que a elegeram como a melhor teoria que

explica a aquisição de L2 preocupam-se em responder a três perguntas: Qual é o estado

27

inicial da aprendizagem? Qual é a natureza da interlíngua e como esse sistema se

desenvolve ao longo do tempo? Qual é o estado final da aprendizagem?

No estágio inicial da aprendizagem de L2, o sujeito já dispõe de um sistema linguístico

em sua L1, o qual transfere conhecimentos da L1 para a L2. Quando os parâmetros de

ambas as línguas são os mesmos, acontece a transferência positiva. Quando diferentes,

transferência negativa ou interferência. Pesquisadores que acreditam que no estágio

inicial, o aprendiz tem acesso à GU, apresentam quatro propostas com relação a esse

acesso em processo de L2: total acesso (GU como guia inato à aquisição de L2), acesso

parcial (alguns componentes da GU são mantidos), acesso indireto à GU (parâmetros

da L1 servirão de bases para a L2) e não acesso à GU (a L2 deverá ser adquirida por

meios completamente diferentes da L1).

A segunda pergunta refere-se à interlíngua, sua natureza e desenvolvimento.

Interlíngua, entendida nessa teoria de aquisição, como os estágios intermediários de

desenvolvimento. Assim, sua natureza e desenvolvimento dependem parcialmente do

acesso à GU, processo geralmente inconsciente. Há um fato que põe em dúvida a

questão do acesso à GU e possibilita a consideração de que os processos de aquisição de

L1 e L2 sejam diferentes: geralmente não alcançamos o mesmo grau de competência em

ambas as línguas.

A última pergunta tem relação ao estado final da aprendizagem, um dos maiores

desafios partilhado pelos teóricos da Gramática Universal devido à variação de ritmo,

tempo, quantidade e sucesso dos aprendizes em aquisição de L2 – uma vez que na L1

todos são bem sucedidos e alcançam proficiência por volta da mesma idade.

A Teoria Associativa-Cognitiva CREED é bastante recente. Foi proposta por Nick Ellis

e sua premissa central é que a aquisição de L2 é um processo que, embasada no

conceito de Construção, é Racional, dirigida por Exemplos, é Emergente e Dialética.

Para Ellis, a aquisição de uma língua estrangeira segue os mesmos mecanismos de

qualquer outra aquisição, pois entende que a aquisição de conhecimentos segue leis

gerais de aquisição.

28

Portanto, construção são “as unidades básicas de representação mental de L2” (Mota,

2008, p.24) conceito esse adaptado de teorias funcionais de aquisição de línguas e da

linguística cognitiva para as quais o aprendizado de línguas (construções) vem através

da comunicação, do uso frequente. Essa associação decorrente do uso, da experiência,

proporciona um tipo de sensibilidade à frequência com que ocorrem determinadas

construções linguísticas, aperfeiçoando a fluência do aprendiz.

Essa teoria caracteriza o processo de aquisição de L2 como racional, porque o aprendiz

tem sua capacidade de compreensão do funcionamento da língua sempre otimizada,

prevendo as construções linguísticas e produzindo a mais provável delas em L2 em

determinado contexto interativo de comunicação. Assim, a exposição a exemplos de uso

é a forma em que o aprendiz melhor executará sua “tarefa de desvendar” a língua,

aprendendo intuitivamente.

Ellis propõe que “a sistematicidade da língua é emergente – ela surge ao longo do

tempo, de maneira complexa, surpreendente, dinâmica e adaptativa” (Mota, 2008, p.

26). Além disso, o processo de aquisição de língua é dialético devido à tensão

consciente do aprendiz entre o que ele sabe e o feedback que recebe em forma de

correções.

O Modelo Declarativo/Procedimental foi proposto por Michael Ullman incialmente

para explicar a aquisição da língua materna. Este modelo de natureza neurocognitiva

propõe que sistemas cerebrais distintos (memória declarativa e memória procedimental)

adquirem e processam a L2.

Esses sistemas cerebrais distintos relacionam-se às duas capacidades da linguagem: o

léxico mental (palavras que conhecemos em formato som-significado, informações

relacionadas a essas palavras e sobre morfemas e estruturas complexas – portanto

memorizado) e a gramática mental (regras gerativas – portanto computacional e

operado através de regras).

O sistema cerebral de memória declarativa armazena conhecimento que pode, em parte,

ser acessado através da introspecção (aprendizagem, representação e uso do

conhecimento sobre fatos e eventos e aprendizagem de relações arbitrárias – o léxico

29

mental). O sistema de memória procedimental é também conhecido como sistema de

memória implícita, pois o conhecimento armazenado (novas aprendizagens e controle

de habilidades e hábitos cognitivos e motores – a gramática mental) não está acessível à

introspecção. Esses sistemas interagem de forma cooperativa e competitiva na aquisição

e uso da língua, ou seja, a funcionalidade de um sistema pode suprimir a do outro.

Isso se deve também às diferenças individuais previstas pelo modelo: de gênero e de

idade de aquisição da L2. Quanto ao gênero, as mulheres apresentam vantagens no

sistema declarativo (superior habilidade lexical) em relação aos homens porque esse

sistema é sensível aos níveis de estrogênio (mais presente em mulheres jovens e na fase

de pré-menopausa).

Essas diferenças entre os sexos permitem que o modelo possa prever

que as mulheres tendem a memorizar formas complexas, usando o

sistema declarativo, enquanto os homens aplicam regras

computacionais e combinatórias para estas mesmas formas usando o

sistema de memória procedimental. (MOTA, 2008, p. 31)

A outra diferença individual faz previsões quanto à idade de aquisição de L2. Após a

puberdade (aquisição tardia), a aquisição será mais problemática com relação à

gramática que ao léxico devido a fatores como o incremento da memória declarativa na

vida adulta e consequente atenuação da memória procedimental, ambos relacionados à

ação do estrogênio a partir da adolescência (entre meninos e meninas, mais nessas que

naqueles) – o estrogênio inibe o sistema de memória procedimental e incrementa o de

memória declarativa.

Assim, o modelo afirma que, apesar do atrofiamento no sistema de memória

procedimental, dependendo de alguns fatores, o armazenamento de conhecimento no

sistema de memória declarativo pode levar a bons níveis de proficiência. Dentre esses

fatores estão a quantidade e tipo de exposição à L2 (não há disfunção completa do

sistema de memória procedimental na aquisição tardia de L2; a prática deve levar à

aprendizagem procedimental e aperfeiçoamento do desempenho) e as diferenças

individuais relativas ao sistema declarativo (as mulheres estão em vantagem, devido

aos níveis de estrogênio, mas esse sistema sozinho não substitui as funções do sistema

de memória procedimental).

30

Ullman também postula em seu modelo que há diferenças na aquisição tardia de L2 por

adultos mais velhos e mais novos devido à diminuição da capacidade de aprendizado de

sequências complexas (a exemplo da gramática) e o declínio nos níveis de estrogênio

(habilidade de aprender novas informações) no decorrer dos anos.

Uma teoria que reconhece a importância da neurocognição para explicar nossos

processos mentais de ordem mais elevada, mas têm a interação social como meio de

desenvolver as atividades cognitivas mais importantes é a Teoria Sociocultural, cujo

principal representante na área de L2 é Jim Lantolf. Essa teoria, baseada no trabalho de

Vygotsky, explica a aquisição de segunda língua como processo situado

contextualmente – importante atentar também para o fato de que essa teoria foi proposta

para explicar a aquisição de língua materna por crianças em ambiente natural.

A Teoria Sociocultural possui quatro conceitos muito importantes: mediação,

regulação, internalização e Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Segundo a

teoria, toda atividade humana (incluindo a atividade cognitiva) é mediada por artefatos

simbólicos (instrumentos culturais de alto nível, como linguagem e letramento, que

mediam a atividade cognitiva e controlam os processos mentais) e por artefatos

materiais (mediam a relação entre os humanos e o mundo social e material em que

vivem). Para a Teoria Sociocultural, portanto, mediação é seu conceito mais importante.

A regulação, por sua vez, é uma forma de mediação, composta por três estágios: no

primeiro, regulação pelo objeto, o pensamento é controlado por objetos. O segundo,

regulação pelo outro, “envolve mediação implícita e explícita através de vários tipos de

assistência, direção e scaffolding (“andaime”) por parte dos pais, familiares e

professores” (MOTA, 2008, p. 37). A auto regulação é o último estágio, quando as

atividades são desempenhadas com pouco ou nenhum apoio externo.

Esse estágio final é alcançado através da internalização, processo que consiste em

transformar, por meio de negociações, a assistência externa em recurso interno; é uma

imitação, conceito entendido nesta teoria como algo “complexo, e é uma atividade

cognitiva direcionada que envolve mecanismos motores e neurológicos e que pode,

inclusive, modificar o modelo original” (MOTA, 2008, p. 37,38).

31

O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) enfatiza a natureza social da

aprendizagem e a importância da aprendizagem colaborativa, e está relacionado com a

ideia de que a aprendizagem, além de ser uma atividade interpessoal, em interação,

constitui a base do pensamento individual. Vygotsky (1978, p. 6 apud MOTA, 2008, p.

38) assim define a ZDP:

distância entre o nível de desenvolvimento real, determinado pela

capacidade de resolver problemas de forma independente, e o nível de

desenvolvimento potencial, determinado pela capacidade de resolver

problemas sob a orientação de adultos ou em colaboração com

parceiros mais capazes (op. cit., grifos nossos)

A Teoria do Insumo, Interação e Produção, apresentada inicialmente por meio de

hipóteses e proposta em seu formato mais recente por Susan Gass e Alison Mackey,

explica a aquisição de L2 através de três conceitos principais: exposição à L2, produção

da L2 e feedback, amparando-se fortemente à ideia de que a pressão pela comunicação

estimula a aprendizagem da segunda língua.

A exposição da língua na qual o aprendiz interage contém o insumo linguístico (input)

que direcionado à sua aprendizagem, portanto modificado para este objetivo, torna a

língua mais compreensível, aliviando o processamento cognitivo do aprendiz. Esse

input, em contexto de interação (conversas entre aprendizes), possibilita a identificação

de possíveis inadequações através de evidências negativas – quando aprendiz e

interlocutor negociam significados, é um meio de identificar erro em sua produção

linguística – muitas vezes por meio de feedback interacional. Ao se dar conta do erro, o

aprendiz formula uma hipótese e transmite o feedback adicional para confirmação.

Mota (2008) fala sobre os dois tipos principais de feedback apresentados por Gass e

Mackey: feedback explícito (correções e explicações metalinguísticas) e feedback

implícito (negociações entre aprendiz e interlocutor), que pode acontecer de diversas

formas: verificações de confirmação (Foi isso que você disse?), solicitações de

esclarecimento (O que você disse?), verificação de compreensão (Você entendeu?) e

recast (reconstrução correta do enunciado).

Esta teoria postula que esse processo de percepção do erro e incorporação de um item

linguístico é condição fundamental para aquisição da L2, pois atrai sua atenção para as

32

relações de forma e significado. Assim, a maneira do aprendiz confirmar suas hipóteses

é no uso da língua, em sua produção oral ou escrita, mecanismo que, através do uso

regular, evidencia a gramática do idioma e proporciona a automatização do que está em

processo de aquisição. Assim,

de acordo com essa Teoria, a interação faz com que o aprendiz

direcione seus recursos atencionais para aspectos problemáticos de sua

produção na L2 – motivando-o a buscar soluções para o problema –

ou para aspectos completamente novos (tais como vocabulário e

estruturas gramaticais). Em ambos os casos o resultado provável é o

desenvolvimento da L2. (MOTA, 2008, p. 42, grifo nosso)

A negociação de significados facilita a compreensão do insumo linguístico e

proporciona, através do feedback, a percepção do aprendiz quanto ao que ele quer dizer

e o que ele sabe dizer, impulsionando-o a avançar em seu processo de aquisição de L2.

Ao apresentar essas propostas teóricas sobre aquisição de L2, Mota (2008) apresenta as

observações gerais publicadas por VanPatten e Williams (2007) sobre o conhecimento

obtido até então acerca da temática: a exposição ao insumo linguístico é necessária para

a aquisição da L2 ocorrer; o processo de aquisição de L2 acontece, em grande parte,

incidentalmente; o aprendiz sabe mais do que aquilo que lhe é exposto; a produção (em

L2) do aprendiz geralmente segue estágios previsíveis na aquisição de determinadas

estruturas; há grande variação no nível de proficiência na L2 atingido pelos aprendizes e

no grau de conhecimento e desempenho do aprendiz com relação aos vários subsistemas

da L2; há limitações na frequência de um determinado item linguístico no insumo, na

influência da língua materna do aprendiz; “a instrução tem impacto limitado no

processo de aquisição”; e há limitações no impacto da produção no processo de

aquisição de L2.

Mota (2008) afirma que essas observações gerais são suficientes para sua reorganização

em cinco aspectos centrais: a natureza do conhecimento sobre a L2; a natureza do

desenvolvimento da interlíngua; o papel da L1; o ambiente linguístico; e o papel da

instrução. Aspectos esses que possibilitam melhor esquematização e consequente

abrangência na compreensão acerca dessa temática.

33

2.2. UMA PERSPECTIVA NO ENSINO DE L2 NO BRASIL

Segundo o Núcleo de Suporte Pedagógico para Professores de Língua Estrangeira

(NUSPPLE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no âmbito da LDB

(Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e do Parecer do CNE (Conselho

Nacional de Educação), o ensino de línguas estrangeiras modernas recuperou a

importância que lhe fora negada durante muito tempo. Fator de grande importância que

influencia essa mudança é a necessidade de comunicação num mundo moderno, com

vistas à formação pessoal, acadêmica ou profissional – maior meta da aprendizagem de

língua estrangeira.

A aprendizagem de Língua Estrangeira Moderna qualifica a

compreensão das possibilidades de visão de mundo e de diferentes

culturas, além de permitir o acesso à informação e à comunicação

internacional, necessárias para o desenvolvimento pleno do aluno na

sociedade atual. (NUSPPLE)

O documento produzido pelo NUSPPLE apresenta um panorama do estado das Línguas

Estrangeiras Modernas no Ensino Médio (EM), de onde extraímos princípios

norteadores também para a temática desenvolvida em nosso trabalho.

O ensino de Línguas Estrangeiras Modernas no EM assumiu uma função monótona e

repetitiva, deixando de capacitar o aluno a desenvolver suas capacidades linguísticas em

um novo idioma e de valorizar conteúdos relevantes à sua formação devido a curta

carga horária necessária e, principalmente, a falta de profissionais devidamente

qualificados.

É importante notar que as Línguas Estrangeiras Modernas estão inseridas numa grande

área – Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Assim, numa perspectiva

interdisciplinar, o ensino-aprendizagem de Línguas Estrangeiras Modernas adquire

novas configurações:

Torna-se, pois, fundamental conferir ao ensino de Línguas

Estrangeiras um caráter que, além de capacitar o aluno a compreender

e a produzir enunciados corretos no novo idioma, propicie ao aprendiz

a possibilidade de atingir um nível de competência linguística capaz

de permitir-lhe acesso a informações de vários tipos, ao mesmo tempo

em que contribua para a sua formação geral enquanto cidadão.

(NUSPPLE)

34

O que tem acontecido ao longo dos anos é que a responsabilidade por esse ensino

focado na comunicação tem sido transferida da escola regular para institutos

especializados no ensino de línguas estrangeiras, fato que deve ser restituído,

reconsiderando as concepções de ensino, como a oferta de idiomas de interesse dos

alunos (há predominância do Inglês) e a oferta de uma segunda língua estrangeira em

caráter optativo.

Para uma aprendizagem de línguas estrangeiras realmente significativa, deve-se

considerar os motivos pelos quais se torna importante aprendê-las, numa perspectiva de

competências (não mais habilidades) a serem dominadas – comunicativa, gramatical,

sociolinguística, discursiva e estratégica – e de articulação com outras disciplinas,

outorgando importância às questões culturais – propósito maior do ensino de Línguas

Estrangeiras Modernas.

A aprendizagem passa a ser vista, então, como fonte de ampliação dos

horizontes culturais. Ao conhecer outra(s) cultura(s), outra(s) forma(s)

de encarar a realidade, os alunos passam a refletir, também, muito

mais sobre a sua própria cultura e ampliam a sua capacidade de

analisar o seu entorno social com maior profundidade, tendo melhores

condições de estabelecer vínculos, semelhanças e contrastes entre a

sua forma de ser, agir, pensar e sentir a de outros povos, enriquecendo

a sua formação. (NUSPPLE)

35

3. OS DESAFIOS DO ENSINO DE L2 NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Este item trata exatamente do problema que deu origem a esta pesquisa: analisar os

desafios do ensino de língua estrangeira na educação infantil. Dentre eles, destacamos

três que, para nós, são fundamentais para fomentar discussões: os mitos acerca da

aquisição bilíngue na infância (que produzem e reproduzem preconceitos), a

alfabetização (processo comum à criança da educação infantil mono/bi/multilíngue) e a

formação de profissional para esta categoria (elemento central no processo ensino-

aprendizagem).

3.1. MITOS X CONTRIBUIÇÕES

Fred Genesee é professor de Psicologia da McGill University em Montreal, Quebec

(Canadá), pesquisador e autor de diversos livros acerca do bilinguismo. Em seu artigo

Aquisição Bilíngue, ele traz esclarecimento acerca de cinco preocupações mais comuns

de pais e profissionais de educação infantil a respeito da aquisição bilíngue na primeira

infância.

1. Aprender duas línguas na infância é difícil e pode resultar em atrasos no

desenvolvimento da linguagem. Na aquisição monolíngue, quanto maior a quantidade e

qualidade de exposição ao idioma, mais a criança obterá progresso. Da mesma forma, se

exposta regularmente e sistematicamente a duas línguas, a criança poderá alcançar os

mesmos progressos – e aproximadamente na mesma fase que as crianças monolíngues.

Atenção deve ser dada ao fato de que as diferenças individuais influenciam esse

processo. Assim, o tempo que uma determinada criança leva para adquirir suas

primeiras palavras ou usar formas mais complexas de produção oral pode durar mais ou

menos, mas não há nada de errado nisso.

2. As crianças bilíngues têm menor exposição do que as monolíngues a cada uma de

suas línguas. Como resultado, elas nunca dominam cada língua completamente e,

comparadas às crianças monolíngues, nunca se tornam tão proficientes. Genesee

reafirma que crianças bilíngues, mesmo tendo menos contato com suas duas línguas,

adquirem as mesmas proficiências que as crianças monolíngues em ambas as línguas e

36

aproximadamente na mesma idade que as monolíngues. Ele explica que “as crianças

bilíngues podem possuir modelos de desenvolvimento um tanto diferentes em certos

aspectos da língua em curto prazo” e cita duas áreas em que o desenvolvimento do

bilíngue se diferencia: vocabulário e comunicação interpessoal.

Genesee explica como fator provável para as crianças bilíngues, em comparação com as

monolíngues, possuírem menor vocabulário em uma ou nas duas línguas que possui é

porque crianças pequenas têm capacidade de memória limitada: as crianças bilíngues

devem guardar palavras das duas línguas. Além disso, a depender do contexto da

exposição em cada idioma, a criança bilíngue pode conhecer palavras em apenas uma

das línguas que possui. Mas Genesee afirma que fatores como esse são de curto prazo e

que, inclusive, provavelmente desaparecem até a entrada da criança na escola.

A criança bilíngue pode apresentar falta de habilidade na comunicação interpessoal,

especialmente no uso/compreensão de expressões (porque cada língua possui

determinadas formas de se comunicar em diferentes situações sociais e alguns

significados são muito diferentes de uma língua para outra) enquanto não houver tido

completa exposição a uma ou ambas as línguas. “Dada experiência adequada e

apropriada com suas línguas, a maioria das crianças bilíngues rapidamente adquire todas

as habilidades sociais da língua e as maneiras que necessitam para se expressar”,

explica.

Genesee, mais uma vez enfatiza a ideia de que a proficiência geral das crianças

bilíngues em cada língua é proporcional à quantidade e qualidade de exposição aos

idiomas. Ele exemplifica com a mudança na preferência do uso de determinado idioma,

fato que não deve ser corrigido duramente por ser normalmente temporário.

Acrescenta a isso a importância de os pais contribuírem com a melhor proficiência das

crianças proporcionando ricas experiências de contato com as línguas, especialmente a

que não consegue grande apoio da comunidade. Ele fala também que é importante

conservar a língua herdada em casa, porque, por ser parte da cultura da família,

contribui com o senso de pertencimento e com o desenvolvimento de sua identidade.

37

3. Jovens crianças bilíngues não conseguem manter suas línguas separadas; elas usam

ambas ao mesmo tempo; elas ficam obviamente confusas. Genesee explica que em certa

fase a criança bilíngue “mistura” sons e palavras de ambas as línguas numa mesma

conversação ou produção oral, ainda que seu interlocutor use somente uma delas,

porque ainda não possuem vocabulário suficiente para se expressarem como desejam

em ambas as línguas. “Portanto elas tomam emprestado da outra língua. Na verdade esta

é uma estratégia eficaz de comunicação”. Ele afirma que mesmo entre adultos bilíngues,

esse é um aspecto normal e natural na aquisição bilíngue. Acrescenta ainda que

“pesquisas mostram que quanto mais proficientes, mais os bilíngues misturam e das

mais sofisticadas maneiras sem violar as regras de nenhuma das línguas”.

4. O uso de ambas as línguas em uma mesma sentença ou conversação é ruim. Os pais

podem desencorajar e até mesmo impedir suas crianças de fazê-lo certificando-se que

cada um deles use uma e somente uma língua com seus filhos todas as vezes. O mesmo

vale para outros adultos que interagem com a criança. Além dos motivos apresentados

anteriormente, Genesee afirma que não há razão para preocupar-se com isso,

especialmente se a comunidade linguística mais ampla usa somente uma língua, porque

misturar as línguas “é uma forma natural e eficaz de se comunicarem entre si e com os

filhos”. Ele diz mais: “devido ao fato de a mistura de línguas ser comum entre pessoas

bilíngues, pode ser difícil e não natural, se não impossível, manter as línguas

completamente separadas”.

5. Quais são as coisas mais importantes que os pais ou educadores da primeira

infância devem saber sobre o bilinguismo infantil? Genesee apresenta várias ideias que

deve fazer parte da compreensão de pais e educadores: a aquisição bilíngue é uma

experiência infantil comum e normal, portanto todas as crianças são capazes de

aprender mais de uma língua na infância; “conhecer a língua dos pais é um componente

importante e fundamental da identidade cultural e do senso de pertencer das crianças”; a

aquisição e proficiência em ambas as línguas é facilitada com exposição rica e ampla

nas duas línguas; os pais ajudarão ainda mais usando de diversas maneiras a língua que

tiverem mais proficiência.

Genesee diz que essas e outras preocupações são comuns especialmente em

comunidades monolíngues, pois acreditam que o bilinguismo infantil é anormal, mas as

38

descrições das pesquisas que temos até então apontam importantes aspectos do

desenvolvimento bilíngue que, se tornando conhecidos por tais pessoas, haverá mais

familiaridade com algo que é, na verdade, mais comum do que se pensa: o bilinguismo

na primeira infância.

3.2. A ALFABETIZAÇÃO

Cristina Pereira Furtado (2007) em sua dissertação de mestrado intitulada Saberes para

um Ensino Bilíngue na Educação Infantil, discorre em seu terceiro capítulo, A

Construção do Saber Bilíngue, sobre a alfabetização na língua materna e a alfabetização

bilíngue.

Furtado fundamenta suas ideias na assertiva de Vygotsky de que o aprendizado de outra

língua auxilia no desenvolvimento da língua materna e, ao mesmo tempo, os

conhecimentos na língua materna auxiliam no aprendizado de uma segunda língua; e

que, assim como a língua materna é apreendida de forma mais espontânea e facilitada

pelo aspecto lúdico, o ensino de língua estrangeira requer intencionalidade.

Ela concebe a alfabetização como “base para que a pessoa se torne um cidadão, logo, é

direito do ser humano ser alfabetizado com qualidade na infância” (FURTADO, 2007,

p. 66) e afirma que crianças que desde cedo estão em contato com a língua escrita e suas

diferentes funções têm o processo de alfabetização facilitado – a criança passa por

várias etapas até compreender a natureza e a organização da escrita.

Furtado (2007) lembra também que a alfabetização é um assunto complexo: não

acontece apenas em sala de aula, deve levar em consideração a função social da escrita e

trabalhar os valores humanos. Nesse sentido, ela faz uma crítica:

A leitura e a escrita devem ter uma finalidade em si que não seja a de

apenas saber ler e escrever, ou pelo fato de constar nas estatísticas

educacionais. Consiste uma afronta ao direito da criança, ser

alfabetizada para diminuir o número de analfabetos, e não para

desenvolver sujeitos capazes de ler e escrever de forma compreensiva,

autônoma, consciente e crítica. (op. cit., p. 68)

39

Esse argumento revela uma concepção recente no ensino da escrita e da leitura: a

alfabetização preocupada também com o letramento – que é o envolvimento crítico,

consciente e questionador das práticas sociais de leitura e escrita. A escola, portanto,

tem a função de tanto alfabetizar quanto letrar o aluno.

Assim, a atuação do professor alfabetizador é essencial nesse processo: deve atentar

para a individualidade de cada aluno; desenvolver a cooperação e o respeito mútuo entre

seus alunos; valorizar as experiências prévias, a cultura local e a diversidade cultural;

utilizar-se de textos reais e significativos; ser reflexivo e não isolado em sua prática

docente; buscar a interdisciplinaridade; mostrar a importância da comunicação, ou seja,

o uso da língua em todas as suas formas e em vários contextos sociais.

A comunicação pode ser ainda mais efetiva se proporcionar atuação no contexto da

sociedade global. Para isso, faz-se necessário o conhecimento de outro idioma. Nesse

sentido, a alfabetização bilíngue se apresenta como facilitadora. Porém, essa

modalidade de ensino não está disponível em nosso sistema neoliberal para todos os

segmentos da sociedade, o que marca a separação das classes sociais.

Furtado (2007) mostra, assim, que “as políticas neoliberais transformaram a educação

em mercadoria” (op. cit., p. 79). Ela apresenta dados de seu estudo de caso, apontando

para a visão mercantilista da educação como, por exemplo, há escolas regulares que

oferecem a disciplina língua estrangeira para crianças para atrair mais clientes, mas que

não proporcionam efetivo ensino de L2 devido à não formação específica de seus

profissionais.

Furtado (2007) cita, ainda, sua experiência in loco em escola bilíngue: o preparo

profissional é evidente tanto na fluência da língua quanto em metodologia para o

trabalho com crianças (especialmente entre um e três anos).

A autora propõe então uma forma de não aceitar a mercantilização da educação mesmo

inseridos no sistema capitalista/neoliberal: a oferta da disciplina língua estrangeira na

educação pública, o que, para Furtado (2007, p. 80), “significaria inclusão e exigiria

professores preparados especificamente”.

40

Ela lembra que letramento implica em sujeitos críticos tanto em língua materna como

em língua estrangeira; letrar é possibilitar a “leitura do mundo”. E essa leitura crítica do

mundo é necessária.

Furtado (2007) afirma que no Brasil é comum encontrar bilíngues funcionais (ou

passivos): pessoas que compreendem regras gramaticais e/ou a oralidade, mas não

conseguem comunicar-se nessa segunda língua. Ela afirma:

Nota-se que ser bilíngue passivo não resolve [o] problema da exclusão

linguística [...], pois para ser cidadão é preciso, além de ler o mundo,

saber se expressar nesse mundo, saber criticá-lo, visando mudanças.

(op. cit., p. 82)

Com isso, a autora não quer dizer que fluência em ambas as línguas é fundamental para

a participação ativa no mundo, mas “a intenção é promover uma educação que contribua

para que se possa viver em um mundo em que a comunicação aconteça em vários

idiomas” (op. cit., p. 82), o que, por sua vez, não acarreta em esquecimento ou

desvalorização da própria língua e cultura, pelo contrário, contribui com o maior

entendimento e enriquecimento delas.

E, com relação ao ensino bilíngue na Educação Infantil, ela retoma a ideia de Vygotsky

de que aprender uma segunda língua não atrapalha o desenvolvimento da língua

materna, mas coopera com ela e acrescenta em outros aspectos de seu desenvolvimento

cognitivo (o desenvolvimento da percepção, do temperamento, da comunicação, da

criticidade, da formação pessoal do indivíduo entre outros).

Furtado (2007) acrescenta que esse ensino é relevante também devido à comunicação na

“aldeia global” acontecer em vários idiomas, especialmente o Inglês – língua que,

devido à tendência em ser global, “ao entrar em contato com outras línguas não as

diminuem, mas as transformam” (op. cit., p. 83). Ela cita ainda uma expressão usada

por Ortiz (1994) e Mesquita & Mello (2005): o Glocal English, ou Inglês Glocal – que é

o Inglês do mundo, por ser local e global – e afirma que este tipo de bilinguismo (o

bilinguismo glocal) deve ser o pretendido para a educação: “que possui as

características específicas de cada região que a fala” (op. cit., p. 84). Ela acrescenta

41

ainda que, em um futuro não muito distante, não saber usar esse idioma resultará em

exclusão linguística.

A autora faz referência ao anteprojeto de lei nº 1676/99 do deputado Aldo Rabelo contra

os estrangeirismos e americanização no Brasil. Ela concorda que a americanização deve

ser rejeitada, mas reconhece que não se pode negar as influências de outras culturas.

Ela, então afirma que o cidadão brasileiro precisa estar preparado para defender-se e

pergunta: “como será possível se defender se não souberem a língua deles, como

argumentar com eles?” (op. cit., p. 84). Além disso, em contato, as línguas enriquecem-

se, transformam-se, aperfeiçoam-se.

Furtado (2007) chama atenção: “a língua estrangeira, contudo, não deve ser entendida

como uma qualificação a mais para atender o mercado de trabalho. Ela deve fazer parte

da formação do individuo, principalmente no que diz respeito à sua cidadania” (op. cit.,

p. 88). Concordamos com a autora, pois acreditamos ser a aquisição de outro(s)

idioma(s) parte da formação integral do ser humano e um direito a ser assegurado.

A aprendizagem de língua estrangeira é uma possibilidade de

aumentar a auto percepção do aluno como ser humano e como

cidadão. [...] O papel educacional da língua estrangeira é importante

para o desenvolvimento integral do individuo, devendo seu ensino

proporcionar ao aluno uma nova experiência de vida. Experiência que

deveria significar uma abertura para o mundo próximo, fora de si

mesmo, quanto ao mundo distante, em outras culturas. (BRASIL,

1998, p. 15 e 36)

Assim, percebe-se a importância do letramento em língua estrangeira: a possibilidade

de interação em diferentes códigos e, consequentemente, um entendimento e uso mais

crítico da leitura e escrita nessas línguas.

Conforme experiência pessoal, Furtado (2007) atesta que crianças que entram em

contato com língua estrangeira desde cedo, desenvolvem motivação e mais facilidade na

aprendizagem do idioma no Ensino Fundamental. Nisso ela retoma sua proposta de

ensino de língua estrangeira numa perspectiva bilíngue, com profissionais

especializados, na Educação Infantil pública, uma vez que um dos objetivos da

Educação Infantil é o desenvolvimento da identidade da criança, e formar sua

identidade como cidadã na atualidade compreende a aprendizagem de L2. E ressalta que

42

No ensino bilíngue, a intenção é ir além da função instrumental da

língua como ela é abordada atualmente nas escolas e,

consequentemente, fazer com que a língua estrangeira promova maior

desenvolvimento das pessoas e da própria língua materna, a fim de

que as pessoas possam participar ativamente das mudanças que estão

ocorrendo no mundo globalizado. (op. cit., p. 91)

Furtado (2007), portanto, mostra que o ensino de língua estrangeira a partir da Educação

Infantil abre possibilidades de aprendizagens que contribuem com o desenvolvimento

de vários aspectos da criança e proporciona aprendizagens futuras. Quando feito em

programas de imersão, a aprendizagem torna-se mais significativa e relevante.

Os programas de imersão, como já abordado anteriormente, proporcionam ambientes

bilíngues de adição, pois a língua é ensinada em situações de uso e proporcionam a

construção de conhecimentos sobre a própria língua. Esse, segundo Furtado (2007) é o

método esperado para o ensino de L2 na Educação Infantil.

3.3. O PROFESSOR BILÍNGUE

Concordando com Furtado (2007) que o método ideal (e possível) para o ensino de

língua estrangeira na Educação Infantil é a imersão na L2, o professor é fator

fundamental: professor especialmente formado para atuação em ensino bilíngue na

Educação Infantil.

Furtado (2007) não acredita que ensinar língua estrangeira para crianças seja algo fácil,

mas, muito pelo contrário, é algo que se mostra bastante complexo. Ela afirma que “há a

necessidade de profissionais capacitados que dominem os diversos saberes necessários

para atuarem com essa abordagem” (op. cit., p. 105) e apresenta em sua dissertação

vários critérios para a especialização do professor para essa modalidade de ensino:

Precisa ser proficiente nas duas línguas e utilizar a segunda língua como meio de

comunicação com as crianças (p. 101). A proficiência nas duas línguas proporcionará

modelos seguros para que a aprendizagem ocorra de forma natural e espontânea: as

crianças estarão expostas a expressões, pronúncia etc. corretas e contextualizadas e, em

interação em sua língua materna, o professor estará capacitado a fornecer o feedback

43

necessário, mediando a aquisição bilíngue da criança. “Proficiência em línguas” remete

também aos costumes, à cultura, à história dentre outros aspectos das línguas

envolvidas, uma vez que a língua é uma manifestação cultural e meio por onde a

comunicação ocorre.

Atuar como modelo de uso correto e de valorização da língua (p. 101). Além do que

fora exposto anteriormente, “atuar como modelo” corresponde também ao apego da

criança com o professor, o que resultará em segurança no ambiente e referencial não

apenas na aprendizagem para a comunicação, mas especialmente dos aspectos culturais

da segunda língua. O professor deve promover a valorização da própria cultura e de

outras, consciente de que estará preparando as bases para a formação de sujeitos críticos

e atuantes na “aldeia global”.

Assegurar a proficiência da L2 e o sucesso do currículo escolar (p. 101). Além de

ensinar a língua estrangeira, o professor estará promovendo o ensino de outras

disciplinas, em razão da natureza do ensino de língua estrangeira na Educação Infantil,

que deve ser interdisciplinar, com ênfase na comunicação, ampliando a bagagem

cultural das crianças etc., enfim, preparando-as para serem cidadãs do mundo. Aqui

também inclui o fator “educação personalizada”: valorização individual na coletividade

– devido às características e necessidades da criança nessa fase – e a responsabilidade

de contemplar todos os aspectos concernentes à Educação Infantil.

Estar em formação contínua (p. 102). Devido à lacuna tanto no curso de Pedagogia,

que não trata do ensino de L2 (e pouco sobre Educação Infantil), como no curso de

Letras, que não aborda o conhecimento de L2 para crianças (e não garante, por si só,

proficiência em língua estrangeira), é necessária formação complementar e continuada.

Aqui, segundo Furtado (2007), vê-se a (desejável) participação da universidade:

promoção da formação continuada de seus egressos.

Dominar, no mínimo, quatro saberes básicos propostos por Brzezinski (2002): o saber

específico, o saber pedagógico, o saber cultural e político e o saber transversal (p.

107). Dentre os saberes específicos, ou científicos, destacam-se a educação e o

desenvolvimento das crianças, a alfabetização (em ambas as línguas), o aprendizado de

línguas pela criança, o bilinguismo. Dentro do saber pedagógico, deve conhecer,

44

principalmente, as abordagens mono e bilíngue da Educação Infantil (e saber atuar

nelas, por meio da prática reflexiva). No saber cultural e político, deve possuir visão

totalizante dos fatores que influenciam (e condicionam) a educação (mono, bi e

multilíngue) – sistemas políticos, econômicos, sociais etc. –, requisito necessário ao

profissional culto e crítico. Requer também um saber transversal que estimule a multi, a

inter e a transdisciplinaridade de conhecimentos (com as famílias das crianças, com a

comunidade, com o mundo).

Ricardo Schütz (2006), professor, sócio fundador do Instituto de Idiomas Schütz &

Kanomata (de Santa Cruz do Sul-RS), criador e principal colaborador do site English

Made in Brazil, em seu artigo Como Escolher um Programa de Inglês, fornece

orientações práticas na decisão por um programa de ensino de Inglês como segunda

língua. Ele chama atenção especialmente para o fato de que “o fundamental é o

professor”. E orienta a não deixar-se influenciar por nome de escola ou materiais

usados.

Schütz concebe a aprendizagem de L2 como proposta por Krashen (aquisição), o

desenvolvimento da habilidade funcional. Assim, ele apresenta três aspectos

(complementares e que devem ocorrer simultaneamente) que definem a qualificação de

um instrutor. Antes, contudo, esclarece:

quando falamos de professor ou instrutor de Inglês, na verdade

estamos nos referindo a uma pessoa que saiba funcionar como agente

desta língua e desta cultura que desejamos assimilar e que, consciente

do que necessitamos, saiba nos ajudar a desenvolver essa habilidade.

(SCHÜTZ, 2006)

Competência na língua e na cultura. Condição primeira e fundamental: o instrutor

deve ser capaz de comunicar-se e expressar-se de maneira natural e fluente e ter pleno

conhecimento da cultura estrangeira. Deve também utilizar-se de pronúncia, ritmo,

entonação e propriedade idiomática corretos (para não transferir desvios aos alunos).

Características de personalidade. Schütz (2006) afirma que há certas características de

personalidade e habilidades no plano psicológico que são decisivas: descontração,

alegria, bom senso de humor, facilidade de socialização; competência para trabalhar

com pessoas em diferentes graus de autoconfiança; que desempenha papel de

45

facilitador; que desenvolve a autoestima do aprendiz; explora seu plano afetivo e

empatiza com ele; “não é aquele que ostenta seu conhecimento linguístico e corrige o

aprendiz”; que identifica, analisa e explica diferenças culturais ao perceber a realidade

pela ótica do aprendiz; que explora seus pensamentos, valores, interesses e verdades,

levando o aprendiz a expressá-los de maneira correta, precisa e elegante; “que apresenta

a língua estrangeira na sua finalidade prática como meio de expressão, servindo ao

aprendiz e não levando-o a dobrar-se às regras e irregularidades da língua”.

Schütz (2006) diz que essas habilidades podem ou não ser inatas, mas, com certeza,

podem e devem ser desenvolvidas e treinadas. Ele fala, ainda, da importância de se

estudar os aspectos psicológicos na relação ensino-aprendizagem.

Qualificação acadêmica. Schütz (2006) aponta como indispensável ao instrutor, clara

compreensão dos conceitos de ensino-aprendizagem de língua estrangeira,

conhecimento das variadas facetas da aquisição de linguagem (L1 e L2) e de diferentes

métodos de ensino de L2 e alguma experiência como instrutor.

46

CONCLUSÕES

A emergência da temática ensino bilíngue na Educação Infantil remete-nos a um “novo

momento da compreensão da vida social” como expressou Paulo Freire (1996).

Juntamo-nos, pois, àqueles que vêm se debruçando sobre a temática, em “uma das

tarefas fundamentais do educador progressista [...] provocá-lo [o grupo, a sociedade]

bem como estimular a generalização da nova forma de compreensão do contexto”.

Neste trabalho buscou-se analisar alguns desafios da proposta do ensino bilíngue desde

a Educação Infantil, mostrando sua importância, complexidade, multidimensionalidade

e necessidade para a formação plena do cidadão crítico e atuante numa sociedade cada

vez mais globalizada. O intuito é de contribuir com o que Megale (2005) chamou de

“desmistificação da educação bilíngue”, uma compreensão mais ampla e esclarecida

acerca das diversas possibilidades existentes e possíveis consequências desse ensino.

Percebe-se que uma das maiores carências da temática é exatamente a sua discussão,

especialmente nos ambientes de formação dos que atuam nessa categoria de ensino: “O

curso de Pedagogia não contempla saberes pedagógicos e científicos para ensinar a

língua estrangeira e o curso de Letras não aborda saberes e conhecimentos sobre

Educação Infantil” (FURTADO, 2007, p. 80).

Ela aponta outros desafios ao ensino bilíngue, especialmente na sociedade brasileira:

estágio de desenvolvimento dos pais, problemas educacionais, formação de professores,

atitude cultural desfavorável, condições das escolas e da população, problemas e

dificuldades concernentes à alfabetização; entre outros (op. cit., p. 97 e 110).

Por isso, concordamos com Furtado (2007, p. 105) quando afirma que “abordar o

aprendizado de duas línguas de forma bilíngue desde a Educação Infantil, embora no

momento ainda possa parecer utopia, é relevante” e, por ser relevante, deve ser tratado

em nossa formação acadêmica, afinal, se a finalidade da educação infantil é “o

desenvolvimento integral da criança” (Brasil, 1996; grifo nosso), proporcionar esse

desenvolvimento integral inclui o direito de a criança ser preparada para ser cidadã do

47

mundo (FURTADO 2007) – entendendo aqui que o bi/multilinguismo é um direito a ser

assegurado.

Implícito ao papel da formação integral da criança da Educação Infantil está a

alfabetização, compreendida por nós numa teoria que associa, articula e integra às

múltiplas facetas do processo de alfabetização (psicológica, psicolinguística,

psicossocial e linguística) os condicionantes desse processo (fatores sociais,

econômicos, políticos e culturais), pois esse a alfabetização não é apenas uma aquisição

de conhecimentos, mas um processo de conscientização e uma forma de ação política

(SOARES, 1985; 2003). Parafraseando Heloísa Augusta Brito de Mello (em O Falar

Bilíngue, UFG: 1999, p. 104), é proporcionar “uma nova forma de ler o mundo”:

Se, por um lado, há aqueles que têm razões para achar inconveniências

no bilinguismo, por outro, há aqueles que só vêm vantagens. Em geral,

são pessoas que valorizam o inter-relacionamento entre línguas e

culturas; [...] são monolíngues que acreditam na possibilidade de

descobrir novos valores, novos caminhos. Para estas pessoas, o

bilinguismo significa múltiplas perspectivas na vida do individuo –

mobilidade social, oportunidades de trabalho, aquisição de novos

conhecimentos através do contato com a língua, a história, a literatura

e a cultura de outros povos. É, pois, uma maneira ilimitada de

visualizar o mundo. (op. cit., grifos nossos)

Furtado (2007, p. 98) afirma que “em pesquisas feitas nos Estados Unidos, foi

descoberto que o cérebro pode ser preparado para o multilinguismo desde a infância”.

Entendemos, portanto, ser esta a função primordial e mais significativa do ensino de

línguas estrangeiras numa perspectiva bilíngue desde a Educação Infantil: constituir

bases sólidas para aprendizagens futuras.

48

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