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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA- UNEB DAPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS- CAMPUS III PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, CULTURA, E TERRITÓRIOS SEMIÁRIDOS FRANCIS NUNES TAVARES EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UM ESTUDO SOBRE O CURRÍCULO E IDENTIDADE NA COMUNIDADE PANKARÁ (SERRA DO ARAPUÁ/PE) JUAZEIRO- BA 2019

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA- UNEB …...entendimento de proveito, por o mar quebrar na costa”. Carta de Pero Vaz de Caminha. Em primeiro de maio de 1500, ancorado em Porto Seguro,

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA- UNEB DAPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS- CAMPUS III

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, CULTURA, E TERRITÓRIOS SEMIÁRIDOS

FRANCIS NUNES TAVARES

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UM ESTUDO SOBRE O

CURRÍCULO E IDENTIDADE NA COMUNIDADE PANKARÁ (SERRA

DO ARAPUÁ/PE)

JUAZEIRO- BA

2019

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FRANCIS NUNES TAVARES

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UM ESTUDO SOBRE O

CURRÍCULO E IDENTIDADE NA COMUNIDADE PANKARÁ (SERRA

DO ARAPUÁ/PE)

Dissertação apresentada ao Departamento de Ciências Humanas, Universidade do Estado da Bahia, Campus III, para obtenção do título de Mestre em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos.

Linha de Pesquisa: Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro

Orientador: Prof. Dr. José Roberto Gomes

Rodrigues

JUAZEIRO- BA 2019

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Ficha catalográfica

Tavares, Francis Nunes

T231e Educação Escolar Indígena: um estudo sobre currículo e identidade na comunidade

Pankará (Serra di Arapuá/PE.). / Francis Nunes Tavares. – Juazeiro, 2018.

124 fls.

Orientador: José Roberto Gomes Rodrigues

Dissertação (Mestrado em Educação, Cultura e Territórios Semiàridos) . - Universi-

dade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas. PPGESA, Campus III,

2018.

Bibliografia

1.Educação multicultural 2.Índios – educação 3. Identidade 4. Escolas indígenas -

currículos I. Rodrigues, José Roberto Gomes II. Universidade do Estado da Bahia. De-

partamento de Ciências Humanas

CDD 371.97

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Dedico este trabalho aos professores e lideranças que são

comprometidos com a luta, história e tradição do povo Pankará,

que mesmo diante das dificuldades enfrentas no dia a dia, se

esforçam para repassar seus saberes na formação de guerreiros

e guerreiras.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela Vida, e por todas as bênçãos conquistadas até aqui.

Ao Prof. Dr. José Roberto Gomes Rodrigues pela orientação adequando este projeto

de pesquisa às especificidades do saber científico, pelo profissionalismo e paciência.

Minha gratidão aos professores da Comunidade Indígena Pankará que se

solidarizaram a mim, ao fornecer informações que subsidiaram na realização desta

pesquisa, compartilhando suas experiências e valores.

Meus agradecimentos à minha família, em especial à minha esposa, Sandra Carvalho

Tavares; que, acompanhou a realização desta pesquisa com sugestões e pela

compreensão nos momentos ausentes durante o período de estudo de campo.

Minha gratidão aos professores doutores Josenilton Nunes Vieira e Maria Inez da Silva

de Souza Carvalho que, aceitando o convite para a composição da banca

examinadora, possibilitaram o desenvolvimento deste trabalho. Agradeço também aos

membros suplentes da banca, professores doutores Edmerson dos Santos Reis e

Silvia Maria Leite de Almeida, pela leitura do trabalho e valiosas contribuições.

Minha gratidão à equipe da UNEB Campus III, PPGESA, aos docentes e funcionários

que me acolheram, orientaram-me e proporcionaram a estrutura necessária para a

continuidade de minha formação.

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“Com efeito, para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais. Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura”. (PIERRE BOURDIEU, 1998, p. 53)

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RESUMO

O presente trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa sobre a Educação Escolar

Indígena na comunidade Pankará, localizada na Serra do Arapuá - Carnaubeira da Penha/PE,

lócus da pesquisa, em uma abordagem sobre o Currículo escolar e a Identidade indígena.

Desta forma, esta pesquisa traz como questão norteadora, a seguinte indagação: quais são

as implicações do currículo escolar na afirmação da identidade da comunidade indígena

Pankará? Tem, como objetivo geral, compreender as implicações do currículo escolar da

comunidade indígena Pankará no sentido de valorização e consolidação da identidade desse

povo. Trata-se, portanto, de um estudo de caso, de inspiração etnográfica, que definiu a

pesquisa qualitativa como principal método de pesquisa. Os resultados demonstraram que o

movimento de resistência do povo Pankará, liderado pela cacica Dorinha, possibilitou uma

educação escolar Indígena que promovesse a consolidação da identidade, esse processo foi

construído, primeiro pela demarcação da terra, e logo em seguida pela estadualização das

escolas, dessa forma, as escolas foram reorganizadas, e passaram a ter característica de

uma escola indígena, com o seu próprio Projeto Político Pedagógico. A partir desse contexto,

o currículo baseia-se no fortalecimento da luta pela terra e valorização da identidade,

valorizando os saberes, hábitos e rituais para a formação de guerreiros e guerreiras Pankará.

No grupo de entrevistados composto por professores e gestores escolares (coordenadores

pedagógicos), perceberam a necessidade de modificar o currículo escolar através dos eixos

norteadores, a maioria dos professores, gestores e técnicos fazem parte da própria

comunidade e atuam como educadores. As práticas e padrões de comportamento da

comunidade estudada são evidências nos depoimentos. Essa nova conjuntura da educação

escolar indígena, substituiu o modelo antigo e pragmático de educação modelada para o

processo integracionista, a partir de uma concepção de tutela do Estado.

Palavras-chave: Comunidade Indígena Pankará. Currículo. Identidade.

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ABSTRACT

The present work presents the results of a research on Indigenous School Education

in the community of Pankará, located in the Serra do Arapuá - Carnaubeira da Penha

/ PE, locus of the research, in an approach on Curriculum and Identity. Thus, this

research brings as a guiding question, the following question: what are the implications

of the school curriculum in affirming the identity of the Pankara indigenous community?

It has, as a general objective, to understand the implications of the school curriculum

of the indigenous Pankará community in the sense of valorization and consolidation of

the identity of this people. It is, therefore, a case study, of ethnographic inspiration, that

defined qualitative research as the main method of research. The results showed that

the resistance movement of the Pankara people, led by Cacica Dorinha, made possible

an Indigenous school education that promoted the consolidation of identity, this

process was first constructed by the demarcation of the land and then by the In this

way, schools were reorganized, and they started to have the characteristic of an

indigenous school, with its own Political Pedagogical Project. From this context, the

curriculum is based on strengthening the struggle for land and valuing identity, valuing

the knowledge, habits and rituals for the formation of Pankara warriors and warriors.

In the group of interviewees composed of teachers and school managers (pedagogical

coordinators), they realized the need to modify the school curriculum through the

guiding axes, most teachers, managers and technicians are part of the community itself

and act as educators. The practices and behavior patterns of the community studied

are evidences in the testimonies. This new conjuncture of indigenous school education

has replaced the old and pragmatic model of education modeled for the integrationist

process, based on a concept of State tutelage.

Keywords: Pankará Indigenous Community. Curriculum. Identity.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Cacica Dorinha ......................................................................................... 19

Figura 2 - Mapa de Pernambuco com localização do município de Carnaubeira da

Penha ........................................................................................................................ 29

Figura 3 - Organização do Povo Pankará ................................................................. 30

Figura 4 - Índio Pankará na Feira de Cultura ............................................................ 32

Figura 5 - Cartograma – Número de terras indígenas e superfície, segundo a situação

fundiária .................................................................................................................... 41

Figura 6 - Dança do Toré entre os professores e

alunos ....................................................................................................................... 94

Figura 07 - Durante a realização das entrevistas com as professoras .................. 103

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Fontes de Pesquisa ................................................................................ 34

Quadro 2 - Participantes da pesquisa – Professores. ............................................... 35

Quadro 3 - Participantes da pesquisa – Gestores. ................................................... 36

Quadro 4 - Distribuição das escolas – Núcleo I ........................................................ 37

Quadro 5 - Distribuição das escolas – Núcleo II. ...................................................... 37

Quadro 6 - Distribuição das escolas – Núcleo III ...................................................... 37

Quadro 7 - Distribuição das escolas – Núcleo IV ..................................................... 38

Quadro 8 - Distribuição das escolas – Núcleo V ...................................................... 38

Quadro 9 - Distribuição das escolas – Núcleo VI. .................................................... 38

Quadro 10 - Eixos saberes e expectativas de ensino e aprendizagem, área do conhecimento: Língua Portuguesa ............................................................................ 92

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CEB Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação.

CF Constituição Federal

CNE Conselho Nacional de Educação

CIMI Conselho Indigenista Missionário

CISPAN Conselho Indígena de Saúde do Povo Pankará

CGEEI Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena

FUNAI Fundação Nacional do Índio

LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC Ministério da Educação

MJ Ministério da Justiça

OIT Organização Internacional do Trabalho

OIEEP Organização Interna de Educação Escolar Pankará

PE Pernambuco

PDE Plano de Desenvolvimento da Escola

PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

PNE Plano Nacional de Educação

PPGESA Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos

PPP Projeto Político Pedagógico

RCNEI Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UNEB Universidade do Estado da Bahia

UNI União das Nações Indígenas

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 15

2. BASES METODOLÓGICAS ........................................................................................... 23

2.1 A PESQUISA CIENTÍFICA E SUAS ABORDAGENS ................................................. 23

2.2 MÉTODOS E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA ..................................................... 25

2.2.1 Entrevistas do tipo qualitativo .............................................................................. 26

2.2.2 Observação direta ............................................................................................... 27

2.3 O LÓCUS E OS SUJEITOS DA PESQUISA .............................................................. 28

2.4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DAS INFORMAÇÕES .............................................. 33

3. EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: AVANÇOS E RETROCESSOS ............................ 40

3.1 EFETIVIDADE DO DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS NO

BRASIL ............................................................................................................................ 40

3.2 DA INTEGRAÇÃO À REAFIRMAÇÃO DAS IDENTIDADES: A LEGISLAÇÃO COMO

MECANISMO DE PRESERVAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA ................... 43

4. CONCEITOS DE IDENTIDADE: PRESERVAÇÃO E APROPRIAÇÃO ........................... 49

4.1 IDENTIDADES: CONCEPÇÕES TEÓRICAS ............................................................. 49

4.2 TERRITÓRIO: SIGNIFICADOS E VALORES ............................................................. 61

4.3 TERRITÓRIOS INDÍGENAS: REPRESENTAÇÕES ÉTNICAS .................................. 66

5. CURRÍCULO: BREVE REFLEXÃO SÓCIO-HISTÓRICA E EPISTEMOLOGIA 73

5.1 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO E CURRICULO ESCOLAR ............................................ 73

5.2 A IMPORTÂNCIA DA ABORDAGEM DAS INTENÇÕES SOCIAIS, POLÍTICAS E

ECONÔMICAS DO CURRÍCULO..................................................................................... 75

5.3 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE O CURRÍCULO ...................................... 78

5.4 OS ASPECTOS SOCIOCULTURAIS DO CURRÍCULO ............................................. 81

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6 A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NA COMUNIDADE PANKARÁ ............................ 87

6.1 CURRÍCULO PANKARÁ: DA MILITÂNCIA AS GARANTIAS LEGAIS DE

DIFERENCIAÇÃO ............................................................................................................ 87

6.2 PROCESSO DE FORMAÇÃO CURRICULAR PANKARÁ: DA TRADIÇÃO A

FORMAÇÃO DE GUERREIROS ...................................................................................... 92

6.3 EIXOS NORTEADORES PEDAGÓGICOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR PANKARÁ:

EXPECTATIVAS E PERSPECTIVAS ............................................................................... 99

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 106

8 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 113

APÊNDICES ...................................................................................................................... 119

APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS PROFESSORES ......................... 120

APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM EQUIPE GESTORA .......................... 121

APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ...................... 122

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1. INTRODUÇÃO

“Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram. Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar na costa”.

Carta de Pero Vaz de Caminha.

Em primeiro de maio de 1500, ancorado em Porto Seguro, o escrivão Pero Vaz de

Caminha dirigiu ao monarca de Portugal, D. Manuel I, um relato de tudo o que vira na

terra recém descoberta. Percebe-se uma mensagem em que apenas um só sentido

era notado, sendo que o destinatário final não iria responder ao escrivão, na medida

em que tinha igualmente como objetivo, requerer honra ao rei de Portugal. Nessa

mensagem, Pero Vaz de Caminha descreve os indivíduos habitantes da terra

descoberta, que pensaram inicialmente ser as Índias, e por isso, os denominaram

Índios. Cor, aparências e objetos são retratados, bem como o modo pacífico, por

assim dizer, ao dispor de seus arcos. Embora tudo parecesse favorável, a descoberta,

e o não conflito, algo muito importante não aconteceu: O diálogo.

Outrora foi o arrebentar das águas do mar que sufocou as vozes, em contatos

seguintes a diversidade da língua. Vencidos esses obstáculos e passados mais de

quinhentos anos, esse diálogo aconteceu? Quais linhas foram escritas e qual narrativa

se criou em representação àqueles indivíduos recém descobertos?

O que de antemão sabe-se da história é que ela pôde ser parcialmente contada

através dos signos que formam as palavras, e do conjunto ordenado de palavras que

se compôs uma carta. O avanço da escrita permitiu conhecer, e até mesmo preservar,

as histórias passadas e vividas pelos mais antigos, em diferentes lugares e épocas.

Dominar esse conhecimento faz a todos valorizar a Educação.

Se conhecimento é poder, o que às vezes não fica tão claro é a sentença: Educação

é poder! Entendendo que a educação escolar é a aplicação de métodos, oriundos de

uma pedagogia, que visa assegurar a formação e desenvolvimento de indivíduos em

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aspectos físicos, ou intelectuais, ou morais, abrangendo a plenitude do ser, e que a

Pedagogia, em tempos e espaços, não é neutra, faz com que a análise da grade

curricular da educação escolar seja necessária, para conhecimento de quais objetivos

desejam ser alcançados, ou quais princípios e garantias são valorizados, respeitados

e preservados naquela sociedade específica e temporal.

Dessa forma, buscando entender através do currículo da educação escolar de um

povo, que foi inserido no molde de outro, é possível identificar o que esse povo busca

para si. A linguagem em signos para ambos é discernível, mas há entendimento entre

as partes?

A partir dessas indagações, esta dissertação busca, através do currículo,

compreender quais são as implicações do currículo escolar na composição do

processo de consolidação da identidade na comunidade indígena Pankará.

A sentença acima quando lida atentamente se abre para questionamentos precisos:

Quem é a Comunidade Indígena Pankará? E porque esta comunidade em específico

é objeto desta dissertação, em meio às demais existentes?

A comunidade indígena Pankará está localizada na Serra do Arapuá, que pertence ao

município de Carnaubeira da Penha, Mesorregião do São Francisco Pernambucano,

há proximamente 500 quilômetros da capital Recife. A comunidade é composta por

5.500 (cinco mil e quietos) índios. A Cacica Dorinha é uma das principais lideranças

da comunidade Pankará.

Os indígenas Pankará se autodeclararam um dos “Povos Resistentes” com

denominação Pankará, e teve o processo de reconhecimento étnico aprovado pela

Funai no ano de 2003, durante o I Encontro Nacional dos Povos Indígenas em Luta

pelo Reconhecimento Étnico e Territorial, realizado na Cidade de Olinda/PE

(OLIVEIRA, 2014).

Atualmente, na Serra do Arapuá habitam, além dos índios Pankará, pequenos

agricultores não-índios e médios fazendeiros. Também habita na Serra do Arapuá

uma comunidade quilombola, chamada Tiririca dos Crioulos.

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Porém, o que torna essa comunidade especial para esse estudo? Além do ineditismo

da pesquisa no campo do currículo na comunidade indígena Pankará, o interesse pela

escolha do objeto de estudo vai além de um aspecto meramente acadêmico na

perspectiva de entender as nuances do processo de formulação curricular das escolas

da comunidade indígena Pankará, existe um auto reconhecimento étnico por parte do

autor para com o povo Pankará.

Isso implica que, nesta pesquisa, aparecerá a figura do autor como um ator da ação

em curso, pois o projeto foi construído de forma participativa, desenvolvendo, dessa

forma, a corresponsabilidade. Aqui fica registrado, para a posteridade e

contemporâneos, parte das impressões de índios sobre seu processo de serem

ouvidos, após tantos anos de vozes silenciadas e vidas presumidas.

Com isso, este estudo se faz importante na medida em que direciona esforços para

entender as implicações do currículo escolar na contribuição para o fortalecimento da

identidade da comunidade Pankará.

A educação escolar indígena nem sempre esteve ancorada na legislação brasileira,

somente a partir da Constituição Federal (1988) que passou a ser regulamentada,

mesmo de forma tímida, dando a possibilidade de elaborar um estatuto próprio e

adequado de acordo com as características históricas, culturais, étnicas e geográficas.

Durante séculos, foi negado pelas autoridades brasileiras toda a diversidade cultural,

a cosmologia e as práticas sociais tradicionais.

Partindo da concepção de que os povos indígenas fazem parte dos grupos de

exclusão étnica no Brasil (MARQUES, 2010), ao longo dos 500 anos de colonização

europeia, a organização escolar atuou em várias comunidades indígenas, com

diferentes características e objetivos.

Inicialmente, teve o contato dos nativos com algum tipo de educação escolar, cujos

objetivos eram: catequizar, civilizar e integrar os indígenas à sociedade dominante,

negando suas identidades diferenciadas e impondo-lhes valores alheios.

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Para Luciano (2006), a partir do contato, as culturas dos povos indígenas sofreram

profundas modificações, uma vez que, dentro das etnias se operam importantes

processos de mudança sociocultural, enfraquecendo toda a dinâmica da vida

tradicional. Pensando assim, esse também foi um dos motivos no processo de

reconhecimento sobre a importância de estudar uma comunidade tradicional

específica.

O Estado brasileiro quando inseriu na Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988 o capítulo que reconhece o direito à educação diferenciada e específica para

as comunidades indígenas, iniciou um marco de rompimento que segundo Marcilino

(2015), norteou toda a trajetória com uma unidade nacional e homogênea.

Entende-se que através da Constituição Federal de 1988, houve certo interesse dos

órgãos governamentais em dar legalidade para se ter um ensino específico e

consequentemente proporcionar um currículo diferenciado para a educação escolar

indígena.

Durante as viagens à comunidade indígena Pankará, da qual o autor é índio

descendente, foram realizados contatos com os professores e lideranças da

comunidade, que expunham o esforço em criar um projeto político pedagógico ao qual

possibilitasse a formação escolar especifica, diferenciada e intercultural, pois o espaço

escolar da comunidade Pankará é visto, pela cacica1 Maria das Dores Santos Silva,

conhecida como Dorinha, como espaço de difusão da história, da luta e da resistência

do povo, além de ter a função do fortalecimento pelo direito e o cuidado com todos os

bens naturais.

1 Cacica/Cacique: é a liderança mais importante politicamente na comunidade indígena. Tem a

responsabilidade de encontrar solução para algumas situações. Busca melhoria para o povo, resolve

problemas internos, luta junto com a comunidade pelo direito a terra demarcada, pela saúde e educação diferenciada.

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Figura 1 - Cacica Dorinha

Fonte: Arquivo pessoal

A resistência e respeito extravasavam do olhar das lideranças, que passaram por um

conflito de interesses nesse campo de luta e espaço social, contra os agentes

denominados gestores do município de Carnaubeira da Penha-PE, em 2003.

Nessa época, a comunidade tentava estadualizar a educação escolar indígena, tendo

em vista a interferência constante dos agentes municipais no processo de formação

curricular da comunidade.

Somente em 2004, a partir de uma decisão política, que esse conflito cessou em parte.

A comunidade indígena Pankará conseguiu estadualizar a educação escolar

amparados na Resolução 003/99 do Conselho Nacional de Educação (CNE), que

dentre outros pontos, destinou para o Estado a responsabilidade da regulamentação

administrativa das escolas indígenas, nos respectivos Estados, integrando-as como

unidades próprias, autônomas e específicas no sistema estadual da educação escolar

indígena.

Desta forma, esta pesquisa traz como questão norteadora, a seguinte indagação:

quais são as implicações do currículo escolar na afirmação da identidade da

comunidade indígena Pankará? Almejando responder este problema, apresenta-se

como objetivo geral compreender as implicações do currículo escolar da comunidade

indígena Pankará no sentido de valorização e consolidação da identidade desse povo.

Para isso, elenca-se três objetivos específicos: (i) analisar o processo de construção

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do currículo e o projeto político pedagógico da educação escolar da comunidade

indígena Pankará; (ii) averiguar qual é a concepção dos professores e da coordenação

pedagógica sobre o currículo escolar trabalhado na comunidade indígena; (iii) verificar

quais são as características do currículo escolar que contribuem para uma educação

especifica e diferenciada.

Ainda é válido destacar que a execução desta pesquisa se tornou possível após

iniciação dos estudos do autor como aluno especial no semestre 2016.2 do curso de

História das Disciplinas Escolares, Currículo e Avaliação, do Programa de Pós-

graduação Mestrado em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos (PPGESA), da

Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus III.

Durante o período de estudos, o Prof. Dr. José Roberto Gomes Rodrigues, docente

do quadro permanente do PPGESA da UNEB/Campus III, sempre questionava qual

seria o tema do trabalho de pesquisa, instigando o autor que tinha interesse em

participar do processo seletivo para aluno efetivo do PPGESA.

Durante as aulas, os questionamentos quanto ao objeto de pesquisa, os problemas e

as dificuldades apresentadas foram essenciais para a construção de uma postura

realista, e também na percepção da necessidade de adquirir um modus operandi na

pesquisa, além da conscientização da aquisição de um habitus2 científico necessário

e fundamental para a construção deste estudo.

A leitura do capítulo “Introdução a uma Sociologia Reflexiva” de Pierre Boudieu”, foi

importante no sentido do o autor adquirir um modo de percepção na operacionalização

dos conceitos sobre História da Educação, que acabou gerando um estímulo sobre o

estudo da formulação do currículo, e sua relação com a educação escolar do povo

indígena.

Os resultados deste estudo estão reunidos nesta dissertação que se encontra

estruturada em cinco sessões, e considerações finais.

2 O conceito de habitus encontra-se nas obras desenvolvidas por Pierre Bourdieu.

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A primeira seção é a introdução, na qual se encontram as informações gerais, como

as motivações que levaram o pesquisador a escolher o tema de pesquisa, o objeto de

investigação, os objetivos e os caminhos traçados para a realização do estudo.

A segunda seção, intitulada de bases metodológicas, traz os fundamentos

epistemológicos, assim como os conceitos de campo e habitus de Pierre Bourdieu,

relacionando-os ao objeto da pesquisa. Expõe-se também conceitos mais

abrangentes sobre os tipos de pesquisa, além de apresentar o lócus e os sujeitos.

Autores como Martins (2000); Morin (2000); Gil (2002); Gaio (2008); Silveira; Córdova

(2009); Minayo (2010); Creswell e Clark (2013; entre outros foram determinantes para

a compreensão da base metodológica desta pesquisa.

A terceira seção, denominada educação escolar indígena: avanços e retrocessos:

suas implicações no contexto indígena, destina-se a promover uma discussão teórica

acerca da educação escolar indígena no Brasil. Tal debate se realiza destacando

inicialmente as mudanças necessárias na abordagem histórica dos povos indígenas

e sua participação em no processo de formação do povo brasileiro. Procura mostrar o

processo de subordinação do povo indígena aos desmandos do colonizador e, por

outro lado, demonstrar a autodeterminação dos povos indígenas ancorada no texto

constitucional brasileiro de 1988, que por sua vez, tem seu embasamento na

Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho e na Declaração das

Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. O capitulo traz também a

revisão da literatura sobre a criação das chamadas escolas indígenas, para atender à

necessidade educacional a partir de uma escola cujo ensino seja diferenciado e

específico.

Na quarta sessão, busca-se evidenciar conceitos sobre identidade, com base na

revisão de literatura, percebe-se que o conceito de identidade vem sendo imposto

massivamente no campo das ciências sociais a partir dos anos oitenta, tendendo a

banalizar-se, da mesma forma que o conceito de cultura, porque costuma ser invocado

sem preocupações maiores em defini-lo a um rigor conceitual. Além da revisão das

concepções identitárias, a sessão também traz conceitos atinentes à territorialidade,

pois o conceito de identidade deve ser entendido dentro de um contexto social onde

as relações entre os sujeitos e o espaço estão inseridos. Será

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destaque nessa sessão, conceitos de diferentes autores que contribuem para o

entendimento do território indígena Pankará.

A quinta sessão inicia-se com a discussão sobre a gênese do conceito de Currículo

na tentativa de investigar suas perspectivas e seus desdobramentos. Tal sessão se

inicia sobre a história das disciplinas escolares, na tentativa de proporcionar um novo

olhar ao ensino dos conteúdos escolares, e depois sobre currículo escolar. Será

identificado e discutido como ocorre o processo de fabricação do currículo escolar em

diferentes aspectos epistemológicos.

A sexta seção, apresenta os resultados da pesquisa. Analisa os elementos

destacados nas observações, nas anotações e nas entrevistas com os sujeitos

envolvidos neste projeto, à luz das categorias analíticas eleitas para a compreensão

do objeto de estudo, tais como educação escolar indígena, identidade, território e

currículo, além de questões outras, pertencentes a esse campo de significação.

Por fim serão apresentadas, as considerações finais através de um resumo geral da

pesquisa, dos resultados alcançados, da discussão da pertinência e relevância do

estudo, e das possibilidades para o direcionamento de investigações futuras sobre a

educação escolar na comunidade indígena Pankará, uma vez que este trabalho não

é conclusivo.

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2. BASES METODOLÓGICAS

Nesta seção do trabalho, faz-se o detalhamento na parte da fundamentação

metodológica e epistemológica da pesquisa, além do detalhamento do método, das

fontes de pesquisa, da análise de estudo e das técnicas eleitos pelo autor.

2.1 A PESQUISA CIENTÍFICA E SUAS ABORDAGENS

Pesquisar requer um conhecimento científico que de acordo com Morin (2000), é um

conhecimento exato quando utiliza dados verificados, oferecendo previsões

concretas. Nesse processo de conhecimento científico “É necessário desintegrar as

falsas certezas e as pseudo-respostas quando se quer encontrar as respostas

adequadas” (MORIN, 2000, p. 122), ou seja, não se deve realizar uma pesquisa

intuindo o que irá encontrar, pois dessa forma, o pesquisador pode acarretar na

contaminação dos resultados do estudo.

Por isso, o ato de fazer pesquisa científica demanda cuidado e responsabilidade,

implicando como expõe Bourdieu (1989), na escolha de abordagem, elaboração de

questionários, leitura de dados estatísticos e interpretação de documentos, por

exemplo. O autor (1989, p. 22) destaca ainda, que só se aprende a fazer pesquisa na

prática, pois o que se ensina é “(...) um modus operandi, um modo de produção

científico que supõe um modo de percepção, um conjunto de princípios de visão e de

divisão, a única maneira de o adquirir é a de o ver operar”.

As pesquisas científicas devem ser novas e originais, porém, se apropriar do modo de

pensamento científico de outrem, não é tarefa fácil. Nessa perspectiva, Bourdieu

(1989, p. 63) apresenta que elaborar e “Compreender trabalhos científicos que,

diferentemente dos textos teóricos, exigem não a contemplação, mas a aplicação

prática é fazer funcionar, praticamente, a respeito de um objecto diferente, o modo de

pensamento que nele se exprime”.

Sendo assim, a metodologia da pesquisa científica funciona como uma ferramenta

para a condução de trabalhos acadêmicos, e está relacionada ao caminho percorrido

pelo pesquisador, a fim de atingir os objetivos propostos (GAIO, 2008). Tendo como

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finalidade, de acordo com Martins (2000), justificar e descrever o tipo de pesquisa que

será adotado, conforme a abordagem; caracterizar a população ou o objeto de estudo,

bem como o plano amostral que será empregado; detalhar a maneira e as estratégias

utilizadas para a coleta dos dados. Bourdieu (1989, p. 24) complementa afirmando

que “É em função de uma certa construção do objeto que tal método de amostragem,

tal técnica de recolha ou de análise dos dados, etc. se impõe”.

No entanto, para estabelecer um caminho metodológico, é preciso escolher e

conhecer bem o campo3 para a construção do objeto. Bourdieu (1989, p. 27) aponta

que:

A noção de campo é, em certo sentido, uma estenografia conceptual de um modo de construção do objecto que vai comandar – ou – orientar todas as opções práticas da pesquisa. Ela funciona como um sinal que lembra o que há que fazer, a saber, verificar que o objecto em questão não está isolado de um conjunto de relações de que retira o essencial das suas propriedades.

O campo, de acordo com as percepções de Bourdieu (1989) é um espaço simbólico,

social, composto por instituições e agentes, onde se fundam as relações objetivas, e

também se organizam as relações de poder e força, por exemplo. Nesta pesquisa

intitulada “Educação escolar indígena: um estudo sobre o currículo e identidade na

comunidade Pankará (Serra do Arapuá/PE)” que objetiva compreender as implicações

do currículo na afirmação das identidades da comunidade Pankará, nos

debruçaremos principalmente sobre o campo educacional.

Após estabelecer o campo de estudo, o autor adotou à abordagem qualitativa, que,

segundo Minayo (2010, p. 21), explora o âmbito dos “significados, das aspirações,

crenças, valores e atitudes". As pesquisas qualitativas estão relacionadas à

subjetividade, as compreensões de um grupo social, centrando-se no entendimento e

explicação da dinâmica estabelecida nas relações sociais (SILVEIRA; CÓRDOVA,

2009).

3 O conceito de campo aqui faz alusão à Teoria Geral dos Campos, presente nas diversas obras de Pierre Bourdieu.

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Por se constituir o estudo da identidade através do currículo de uma comunidade

indígena, foi utilizado uma observação extensa, seguida pela elaboração do

pensamento de forma coletiva e in loco, nesse sentido este trabalho se apresenta

como um estudo que se aproximou do método etnográfico. A pesquisa de cunho

etnográfico converge para concepções de ciência defendida por Maturama (2001), no

sentido de que o método científico reflete uma realidade objetiva, a qual existe de

forma independente dos anseios e expectativas dos observadores. Contudo, referiu-

se de uma pesquisa descritiva, já que, segundo Gil (2002, p. 42), possibilitou a

descrição das “características de determinada população ou fenômeno”.

2.2 MÉTODOS E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA

O trabalho de pesquisa que resultou nesta dissertação, ao objetivar compreender as

implicações do currículo escolar na afirmação da identidade indígena Pankará

apresentou-se como campo de investigação utilizando inicialmente da pesquisa

bibliográfica e da pesquisa documental. Isso possibilitou a interpretação dos dados

existentes permitindo estruturar os instrumentos que iriam ser usados para analisar as

evidências dos acontecimentos que estavam sendo investigados, optando-se, então,

pelas entrevistas e pela observação direta.

A pesquisa bibliográfica, uma vez que, permite ao estudioso ter acesso a diversas

produções como livros, publicações periódicas, impressos diversos, e textos

disponíveis em sites confiáveis. Materiais acessíveis ao público em geral, que

possibilitam uma gama de conhecimento sobre o que já foi gerado acerca de

determinada temática, oportunizando a criação de novos saberes (GIL, 2002).

Nesse estudo, a pesquisa bibliográfica contribuiu para tecer as discussões acerca da

educação escolar indígena, do currículo, e da identidade, pois de acordo com

Bourdieu (1989) é necessário entender os conceitos para realizar a pesquisa empírica,

ou seja, a pesquisa de campo.

Também foi adotado a pesquisa documental que se assemelha a pesquisa

bibliográfica, porém é voltada a utilização de materiais que não receberam nenhum

tratamento, ou que podem ser reelaborados. Esses documentos podem ser

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encontrados em arquivos de órgãos públicos e instituições privadas, e incluem

regulamentos, fotografias, boletins, projetos de lei, certidões, memorandos, etc. (GIL,

2002).

A pesquisa documental se faz importante na produção do conhecimento científico,

pois pode complementar informações ou expor novos aspectos sobre uma temática

(LUDKE; ANDRÉ, 1986). Neste estudo, por exemplo, avaliamos a Resolução nº 5, de

22 de junho de 2012 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de

Educação, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar

Indígena na Educação Básica, a fim de analisar o currículo das escolas da

comunidade indígena Pankará.

2.2.1 Entrevistas do tipo qualitativo

Para Creswell e Clark (2013, p. 64), a entrevista é “uma conversa, a arte de realizar

perguntas e escutar respostas”. Como técnica de coleta de dados, é fortemente

influenciada pelas características pessoais do entrevistador. Esta definição inclui

qualquer encontro entre duas pessoas (entrevistador e entrevistado), no qual o

pesquisador faz perguntas que podem ir desde a pesquisa de opinião até aos

questionários, ou seja, instrumentos altamente estruturados, e as entrevistas abertas,

onde é possível inclusive que o pesquisador seja interpelado pelo entrevistado.

A entrevista de tipo qualitativo não se baseia em questões fechadas e altamente

estruturadas, ainda que possam ser utilizadas, mas em entrevistas mais abertas cuja

máxima expressão é a entrevista qualitativa em profundidade, onde não apenas se

mantém uma conversação com um informante, mas também os encontros se repetem

até que o pesquisador, revisada cada entrevista, esclarece todos os temas

emergentes ou questões relevantes para o seu estudo (CRESWELL; CLARK, 2013).

Neste trabalho, foram aplicadas as entrevistas de cunho qualitativo. Na comunidade

indígena Pankará, as entrevistas foram realizadas após as visitas da etapa de

elaboração do anteprojeto, como o autor se auto determina índio do povo Pankará, e

já tinha um contato prévio, houve a simpatia entre os professores e gestores

(coordenadores pedagógicos) envolvidos na pesquisa, justamente pela relação de

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amizade e parentesco com os membros da comunidade. No segundo momento, o

pesquisador expôs o projeto para a cacica Maria das Doures (Dorinha), que apoiou a

iniciativa e se dispôs a colaborar no que fosse necessário.

Vale ressaltar, que nesse projeto de pesquisa, foi assegurado o anonimato aos

professores e gestores, e destacou a neutralidade e a independência do projeto.

Para a concretização das entrevistas individuais, utilizou-se gravador para registro de

voz, como também câmara fotográfica para o registro das imagens. Nas entrevistas,

foi aplicado um roteiro previamente elaborado, com perguntas semiestruturadas, de

acordo com entendimento de Gressler (2004) no qual destaca essa fase da pesquisa

com o objetivo de reconhecer os meios para recolher informações sobre o campo de

interesse, procurando captar um volume maior de informações para que auxilie a

estruturar melhor as análises e discussões sobre o assunto.

As perguntas foram elaboradas no roteiro durante análise documental e tentaram

buscar elementos que caracterizam a educação escolar da comunidade Pankará,

investigando a origem do currículo escolar e práticas que favorecem a consolidação

da identidade indígena, além dos questionamentos em relação a percepção que os

sujeitos tinham sobre o processo de formação dos alunos Pankará, desde a confecção

do Projeto Político Pedagógico (PPP) até os ensinamentos no dia a dia na sala de

aula.

As perguntas aludiram, sobre a participação dos professores no PPP, sobre as

competências necessárias para lecionar na escola indígena cujo ensino é especifico

e diferenciado, sobre a elaboração do material escolar, sobre o planejamento

interdisciplinar, e sobre a formação do professor Pankará (Vide Apêndice A e B).

2.2.2 Observação direta

A observação direta como ferramenta metodológica da pesquisa qualitativa foi

utilizada para obter determinados tipos de informações que possibilitaram os

resultados desta pesquisa.

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Por meio da observação direta, foram realizadas anotações das evidências e

experiências em diário de campo.

Este método de coleta de dados é empregado, de acordo com Sampieri et al. (2013),

na forma de complementação das outras formas de coleta de dados, como entrevistas,

questionários, entre outros, sendo considerado uma técnica secundária da pesquisa.

Na comunidade indígena Pankará, a observação direta se delineou em todos os

encontros com os professores e gestores. Essa prática propiciou ao pesquisador o

agrupamento das impressões obtidas, facilitando a análise posterior dos dados.

2.3 O LÓCUS E OS SUJEITOS DA PESQUISA

A pesquisa referenciada neste trabalho foi realizada na comunidade indígena Pankará

localizada na Serra do Arapuá, local de habitação e sobrevivência, que pertence ao

município de Carnaubeira da Penha, Mesorregião do São Francisco Pernambucano,

que fica há proximamente 500 quilômetros da capital Recife. O município se estende

por 1 004,7 km² e contava com 11 782 habitantes no último censo. A densidade

demográfica é de 11,7 habitantes por km² no território do município. Situado a 456

metros de altitude, tem as seguintes coordenadas geográficas: Latitude: 8° 18' 46''

Sul, Longitude: 38° 44' 23'' Oeste (IBGE, 2010).

Os índios Pankará são habitantes na Serra do Arapuá, área de um brejo de altitude,

no município de Carnaubeira da Penha. Os denominados brejos de altitudes do

Semiárido do Nordeste são espaços de habitação de grupos humanos há centenas

de anos, como é o caso da Serra do Arapuá, território do povo Pankará. Registros

desde o início do processo da colonização portuguesa na região citam a sua ocupação

por indígenas e também por grupos quilombolas, espaço de refúgio e moradia desses

grupos (OLIVEIRA, 2014).

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Essa região é também conhecida como Sertão do estado de Pernambuco, onde ocorreu um intenso processo de ocupação colonial que teve como principal empreendimento a atividade da pecuária, palco de conflitos intensos com as diversas populações indígenas habitantes nessa região, principalmente a área de abrangência do Rio São Francisco. E para facilitar a ocupação da região pelos colonos e com o objetivo de cristianizar os índios, foram instaladas várias missões religiosas, resultando em significativo quantitativo de aldeamentos que existiram na região. (OLIVEIRA, 2014, p.2 ).

A ocupação do território acompanhou o ciclo da pecuária, que iniciou nesta região

após a expulsão dos holandeses (1654), a partir da Casa da Torre. A família Garcia

D´Ávila concedeu grandes extensões de terra aos seus parentes pelos vales do São

Francisco e Pajeú, estabelecendo as primeiras fazendas. Estas ocupações

enfrentaram a resistência dos índios que viviam no Vale do Pajeú, do Piancó e do

Piranha entre 1694 e 1702, na chamada 4"guerra dos bárbaros" (IBGE, 2010).

Foi elevado à categoria de município com a denominação de Carnaubeira da Penha,

pela lei estadual nº 10.626, de 01 de outubro de 1991, desmembrado do município de

Floresta. A Sede passou a ser no antigo distrito de Carnaubeira, atual Carnaubeira da

Penha (IBGE, 2010).

Figura 2 - Mapa de Pernambuco com localização do município de Carnaubeira da Penha.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Mapa_de_Carnaubeira_da_Penha_(2).png

4 Ocorrida entre os anos de 1650 e 1720, a Guerra dos Bárbaros envolveu os colonizadores e os povos nativos chamados Tapuia e teve como palco uma área que correspondia em termos atuais a um território que inclui os sertões nordestinos, desde a Bahia até o Maranhão. A designação “bárbaros” era dada pelos colonizadores e cronistas da época aos povos nativos que habitavam à região e ofereciam resistência à ocupação do território pelos portugueses. Foram assassinados cerca de 400 índios Paiacu e realizada a prisão de 250, incluindo crianças e mulheres (PIRES, 2016, p.2).

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Na Serra do Arapuá, local de habitação do povo Pankará, a luta pela demarcação da

terra se iniciou no ano 1940, no entanto, o reconhecimento oficial só aconteceu em

2003 e a identificação dos limites da terra se efetivou em 2010. A população,

identificada pelo conselho de ancião, é de aproximadamente 5.500 índios.

Conforme depoimento de Maria das Dores dos Santos, de vulgo Dorinha, e Cacica

Pankará, a organização sócio política é constituída a partir do ritual sagrado. São

consideradas lideranças, aquelas pessoas indicadas pela natureza, e pelos encantos

da luz, ou seja, quem detém o saber religioso e guarda a história do povo. Os

estudantes participam dessa organização nas primeiras aprendizagens, que são

desenvolvidas na perspectiva da formação política do educando, prevalecendo o

respeito aos mais velhos, aos pajés, aos caciques e demais membros da comunidade

Pankará.

Assim se constitui a organização sócio política da comunidade indígena Pankará:

Figura 3 - Organização do Povo Pankará

Fonte: (PPP. PANKARÁ, 2012, p.10).

O ritual do toré e os anciãos são considerados pela cacica Dorinha como as “forças

maiores” dentro do povo, e a liderança religiosa é base da identidade e da educação

Pankará, desenvolvida no território considerado sagrado pelo povo Pankará.

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No território Pankará o padrão de família simboliza a importância na formação das

aldeias, e se constitui em um modelo que representa uma boa relação familiar, os pais

têm a função primordial de educação com seus filhos, tendo a responsabilidade de

ensinar para a criança a dançar o ritual, a ter crença nas forças encantadas, visitar os

espaços religiosos e preservar a vegetação.

A organização social da comunidade Pankará caracteriza-se por famílias extensas

com base na filiação cognática. O território é divido em 6 núcleos populacionais que

residem em núcleos familiares que estão espalhados entre as 53 aldeias existentes.

Atualmente existem 26 unidades escolares, distribuídas entre as 53 aldeias. Existem

escolas que o acesso se torna difícil, com estradas de terra, sendo que algumas

devido a condição da estrada, só é possível chegar montado em animais, moto ou

mesmo a pé.

Nestas aldeias habitam índios Pankará, pequenos agricultores não-índios e médios

fazendeiros. Também habita na Serra do Arapuá uma comunidade quilombola,

chamada Tiririca dos Crioulos (IBGE, 2010).

O acesso aos serviços de saúde é composto pela equipe de enfermeiros, de auxiliares

de enfermagem, de dentistas, e dos AIS (Agentes Indígenas de Saneamento Básico).

Os agentes comunitários de saúde, junto aos dentistas e enfermeiros, colaboram na

orientação dos alunos sobre o tema educação e saúde. Os AIS contribuem na

educação realizando visitas domiciliares, onde pesam as crianças. As que possuem

baixo peso recebem cestas básicas. Nessas cestas vêm alimentos preparados e

nutritivos que ajudam no controle do peso das mesmas. Segundo a Cacica Dorinha,

os agentes do AIS participam dos eventos escolares como: palestras nas escolas com

os pais, alunos e toda a comunidade escolar.

Na comunidade Pankará, além do AIS, existe também o CISPAN (Conselho Indígena

de Saúde do Povo Pankará) que, além de fiscalizar, propõe novas ações de melhorias

em relação à saúde comunitária. Nas escolas existem alunos que são atendidos pelo

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programa do governo federal, Bolsa Família e pelo Programa de Erradicação do

Trabalho Infantil (PETI)5. Algumas famílias habitam em casa de taipa (barro) e outras

em casa de alvenaria.

Segundo o Instituto Socioambiental (2014), com exceção da aldeia Cacaria, a Serra

do Arapuá não apresenta graves problemas com água, o que é muito raro nessa

região e ameniza as maiores dificuldades, possibilitando a manutenção dos pomares

que incrementam a alimentação. As principais culturas são feijão de arranca, batata,

abóbora, jerimum, macaxeira, fava, andu, mandioca, milho, banana, mamão, caju,

pinha, goiaba, abacate, jaca, graviola e manga.

Figura 4 - Índio Pankará na Feira de Cultura

Fonte: http://pankarapovopankara.com

As feiras nas cidades mais próximas funcionam como espaço importante de encontros

e socialização. Na cidade de Carnaubeira da Penha, a feira acontece toda semana,

sempre na segunda-feira, e em Floresta, na sexta e sábado.

5 O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) é uma iniciativa que visa proteger crianças e adolescentes, menores de 16 anos, contra qualquer forma de trabalho, garantindo que frequentem a escola e atividades socioeducativas. O objetivo principal é erradicar todas as formas de trabalho infantil no país, em um processo de resgate da cidadania e inclusão social de seus beneficiários. O programa oferece auxílio financeiro, pago mensalmente pela Caixa, à mãe ou ao responsável legal do menor, por meio de cartão magnético (BRASIL, 2018.)

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O índio Pankará tem como hábito, frequentar mais o município de Floresta, onde

compram os suprimentos que não produzem, como arroz, fósforos, macarrão, óleo

comestível, vestimentas e remédios.

Por serem filiados ao sindicato dos trabalhadores rurais, contam ainda com alguns

benefícios como aposentadoria e auxílio maternidade. Mas os que não possuem o

registro da terra, enfrentam dificuldades com a previdência social.

Como já relatado, existem vinte e seis unidades escolares, atendendo um total de

1.454 estudantes da Educação Básica: 148 na Educação Infantil, 882 Ensino

Fundamental nos Anos Iniciais e Finais (1º ao 9º), 149 na Educação de Jovens e

adultos – EJA (1ª à 4ª fases) e 275 no Ensino Médio.

Os sujeitos participantes deste estudo são professores e coordenadores pedagógicos

(Gestores) de diferentes escolas distribuídas entre as aldeias e núcleos da

comunidade Pankará. Os entrevistados foram selecionados não como “unidades

estatísticas”, no dizer de Alberti (2005, p. 32), mas como “unidades qualitativas”, em

virtude de suas experiências com o tema pesquisado.

2.4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DAS INFORMAÇÕES

A análise e interpretação das informações recolhidas na pesquisa de campo – 21

(vinte e um) entrevistas que correspondem a aproximadamente 157 minutos de

gravações, além dos diálogos estabelecidos com e sem o gravador ligado nos

encontros com a comunidade Pankará.

A participação inserção in loco ocorreu de forma participante nas aldeias, e o autor

também procurou coletar dados das fontes disponíveis, sejam pela observação direta,

pela coleta de documentos ou por meio da presença nas feiras culturais.

A pesquisa reuniu documentos institucionais fornecidos pela coordenação pedagógica

das escolas da comunidade indígena Pankará, na tentativa de obter informações

necessárias para a construção do objeto desta pesquisa, se constituindo como fontes

de pesquisa:

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Quadro 1 - Fontes de Pesquisa

Documentos

Projeto Político Pedagógico - Pankará

Matriz Curricular do ensino fundamental I e II

Resoluções

Orientação Curricular Pankará

Fonte: Elaborado pelo autor.

Essas fontes de pesquisa compõem tanto o período atual quanto o histórico dos

acontecimentos do povo Pankará. As possíveis alterações que venham ocorrer no

decorrer nos documentos coletados podem servir como fontes para análise dos

estudos futuros. As análises das documentações têm como missão registrar

historicamente esses episódios históricos e atuais na tentativa de compreender a

constituição do currículo Pankará e compreender suas implicações na afirmação da

identidade.

Para a escolha dos sujeitos, foi realizado inicialmente uma reunião com a gestora geral

dos seis núcleos, que sugeriu fazer as entrevistas tanto nas escolas quanto na 6feira

do movimento cultural Pankará, as entrevistas seguem a seguinte composição:

a) 15 professores/as que lecionam em diversos cursos do ensino fundamental

I e II. As escolhas pelas quais os professores lecionam mesclaram no

quesito de experiência docente, e de diferentes aldeias;

6 Anualmente entre o mês de Abril e Maio é realizado a feira do movimento cultural Pankará cujo objetivo

é a inserção dos docentes e discentes na produção do saber escolar, e colocando-se numa postura de

identificação dos saberes do povo que norteiam o currículo das escolas, analisar como estão organizados

e sistematizados estes saberes nas propostas pedagógicas de ensino e verificar através das propostas

de ensino que saberes valem mais, para a garantia dos direitos a uma educação escolar específica,

diferenciada e intercultural pelos Pankará. São realizados rituais, apresentações culturais e mobiliza todas

as 53 aldeias distribuídas nos 6 núcleos, além das 26 escolas (PPP. PANKARÁ, 2012, p.10).

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b) 6 gestores responsáveis pela coordenação pedagógica das escolas,

implantação e desenvolvimento do Núcleo Avançado. Esses gestores são

responsáveis pelo acompanhamento pedagógico das ações, em termos de

educação escolar, nos seis núcleos existentes.

Foram escolhidos quinze professores que ensinam em diferentes aldeias e núcleos,

que ministram aulas em disciplinas distintas, na tentativa de obter diferentes

depoimentos, além de contemplar diversas escolas. Além dos seis gestores que

contribuem de forma mais efetiva na elaboração do currículo escolar.

A seguir, será apresentado o perfil dos professores participantes da pesquisa:

Quadro 2 - Participantes da pesquisa – Professores.

Área de Ensino Idade Nível de ensino

Professor de Ciências 31 anos Fundamental I e II

Professora de Língua

Estrangeira - Inglês

37 anos Fundamental I e II

Professora de Educação

Física

33 anos Fundamental I e II

Professora de Matemática 36 anos Fundamental I e II

Professora de Português 36 anos Fundamental I e II

Professora de História 38 anos Fundamental I e II

Professora de Arte

Contemporânea

32 anos Fundamental I e II

Professora de arte indígena 25 anos Fundamental I e II

Professora de Religião 35 anos Fundamental I e II

Professora de Geografia 30 anos Fundamental I e II

Professora de Ciências 29 anos Fundamental I e II

Professora de Matemática 31 anos Fundamental I e II

Professor de História 33 anos Fundamental I e II

Professora de Português 28 anos Fundamental I e II

Professor de Ciências 30 anos Fundamental I e II

Fonte: elaborado pelo autor.

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Na tentativa de preservar o anonimato dos professores que participaram das

entrevistas, será denominado apenas a área de ensino e a idade dos professores nos

resultados da pesquisa. O mesmo critério será estabelecido para os gestores

escolares dos seis núcleos.

A seguir, será apresentado o perfil dos gestores escolares participantes da pesquisa:

Quadro 3 - Participantes da pesquisa – Gestores.

Função Idade

Gestora – Coordenadora Pedagógica 38 anos

Gestora – Coordenadora Pedagógica 40 anos

Gestora– Coordenadora Pedagógica 37 anos

Gestora – Coordenadora Pedagógica 46 anos

Gestora – Coordenadora Pedagógica 37 anos

Gestora – Coordenadora Pedagógica 56 anos

Fonte: elaborado pelo autor.

Os gestores possuem especialização na modalidade Lato Sensu em Educação

Intercultural. Para um melhor acompanhamento pedagógico das ações, as escolas

foram distribuídas nos seis núcleos existentes na comunidade Pankará. Dentro dos

núcleos estão inseridas as aldeias. As escolas são distribuídas conforme a densidade

demográfica e necessidade de cada núcleo.

Por exemplo, o núcleo I, que corresponde a área do pé da serra do Catolé, possui seis

escolas:

No núcleo I - do Pé da Serra do Catolé, são seis escolas:

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Quadro 4 - Distribuição das escolas – Núcleo I.

NÚCLEO I - DO PÉ DA SERRA DO CATOLÉ

ESCOLA POLO – ESTADUAL INDÍGENA ESPECIOSA BENIGNA DE BARROS

ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA SIMÃO CÍCERO DA SILVA

ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA JOSÉ JERONIMO BARBOSA

ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA OLÍMPIO PEREIRA

ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA MANOEL VICENTE DA SILVA

ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA ODILON NUNES

Fonte: (PPP. PANKARÁ, 2012, p.20).

No núcleo II - do Agreste, são duas escolas:

Quadro 5 - Distribuição das escolas – Núcleo II.

NO NÚCLEO II – DO AGESTE

ESCOLA POLO – ESTADUAL INDÍGENA SAGRADA FAMÍLIA

ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA ANA NUNES DA SILVA

Fonte: (PPP. PANKARÁ, 2012, p.20)

No núcleo III – Da Chapada, são duas:

Quadro 6 - Distribuição das escolas – Núcleo III.

NO NÚCLEO III – DA CHAPADA

ESCOLA POLO – ESTADUAL INDÍGENA QUINTINO DE MENEZES

ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA NOSSA SENHORA APARECIDA

Fonte: (PPP. PANKARÁ, 2012, p.20)

No núcleo IV – Da Lagoa, são quatro escolas:

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Quadro 7 - Distribuição das escolas – Núcleo IV.

NÚCLEO IV DA LAGOA

ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA TIA AMÉLIA CAXIADO

ESCOLA POLO – ESTADUAL INDÍGENA ROSILDA SABAS DE SOUZA

ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA MILTON PEREIRA NETO

ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

Fonte: (PPP. PANKARÁ, 2012, p.21)

No núcleo V – Do Pé da Serra da Cacaria, são cinco escolas:

Quadro 8 - Distribuição das escolas – Núcleo V.

NÚCLEO V – DO PÉ DA SERRA DA CACARIA

ESCOLA POLO – ESTADUAL INDÍGENA BOM JESUS DOS AFLITOS

ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA MANOEL JOÃO DE SOUZA

ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA SANTO EXPEDITO

ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA VÓ OLINDINA

ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA COSME E DAMIÃO

Fonte: (PPP. PANKARÁ, 2012, p.21)

No núcleo VI – Do Pé da Serra Grande, são quatro escolas:

Quadro 9 - Distribuição das escolas – Núcleo VI.

NÚCLEO VI – DO PÉ DA SERRA GRANDE

ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA MANOEL MIGUEL DO NASCIMENTO

ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA VICENTE MUNIZ

ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO

ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA MESTRE OTAVIANO

Fonte: (PPP. PANKARÁ, 2012, p.21)

Atualmente existem seis núcleos, sendo 26 unidades escolares, que se constituem

em 23 escolas e 03 extensões.

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Na organização escolar, os professores e gestores não atuam de forma independente,

ou por conta própria. A educação escolar está submetida à organização do povo, ou

seja, o conselho de anciãos, cacique, pajé, lideranças de aldeias e a própria

comunidade. Porém, todos têm a autonomia conforme as responsabilidades

específicas definidas no PPP, de acordo com o perfil profissional.

Diante do exposto, emergiram as primeiras análises e interpretações que são

apresentadas no sexto capítulo. Esse levantamento metodológico possibilitou

compreender o território, as relações entre os sujeitos, e suas implicações quanto ao

currículo escolar na formação da identidade da comunidade Pankará.

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3. EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: AVANÇOS E RETROCESSOS

Este capítulo tem como objetivo apresentar uma discussão teórica acerca dos

avanços, retrocessos e consensos no tema de educação escolar indígena no âmbito

geral. Essa discussão se torna necessária para entendimento das características e

particularidades que englobam a comunidade pesquisada.

3.1 EFETIVIDADE DO DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS

INDÍGENAS NO BRASIL

Existe hoje uma estimativa da existência de aproximadamente 200 sociedades

indígenas no país. Não é possível determinar um número exato, pois há grupos que

vivem de forma autônoma, ou seja, grupos que não possuem contato com sociedade

nacional (FUNAI, 2013). Mesmo os grupos indígenas estando presente em todo

território nacional brasileiro, com exceção do Piauí e Rio Grande do Norte, é

totalmente possível morar no Brasil e nunca ter se deparado com um índio.

Grande parte desta concentração indígena encontra-se no Norte e Centro-Oeste do

país. Mediante informações levantadas pelo Censo 2010, cerca de 0,4% da população

é composta por índios, uma somatória de 800 mil vivendo no Brasil.

No Censo 2010, o IBGE aprimorou a investigação sobre a população indígena no país, investigando o pertencimento étnico e introduzindo critérios de identificação internacionalmente reconhecidos, como a língua falada no domicílio e a localização geográfica. Foram coletadas informações tanto da população residente nas terras indígenas (fossem indígenas declarados ou não) quanto indígenas declarados fora delas. Ao todo, foram registrados 896,9 mil indígenas, 36,2% em área urbana e 63,8% na área rural. O total inclui os 817,9 mil indígenas declarados no quesito cor ou raça do Censo 2010 (e que servem de base de comparações com os Censos de 1991 e 2000) e também as 78,9 mil pessoas que residiam em terras indígenas e se declararam de outra cor ou raça (principalmente pardos, 67,5%), mas se consideravam “indígenas” de acordo com aspectos como tradições, costumes, cultura e antepassados (IBGE, 2011, p. 1).

A interpretação dos dados demográficos dos povos indígenas de hoje deve ser

realizada à luz do processo histórico, levando em consideração os meios de contato

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que cada grupo tem realizado com a sociedade nacional, os efeitos epidêmicos e os

enfrentamentos que tiveram com as frentes de expansão (FUNAI, 2013).

Também foram identificadas 505 terras indígenas, cujo processo de identificação teve a parceria da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) no aperfeiçoamento da cartografia. Essas terras representam 12,5% do território brasileiro (106,7 milhões de hectares), onde residiam 517,4 mil indígenas (57,7% do total). Apenas seis terras tinham mais de 10 mil indígenas, 107 tinham entre mais de mil e 10 mil, 291 tinham entre mais de cem e mil e em 83 residiam até cem indígenas. A terra com maior população indígena é Yanomami, no Amazonas e em Roraima, com 25,7 mil indígenas (IBGE, 2011, p. 1).

O número de organizações indígenas vem crescendo nos últimos anos e triplicou

desde 1995 quando havia cerca de 100 e hoje existem segundo o Instituto

Socioambiental 330 organizações.

Figura 5 - Cartograma – Número de terras indígenas e superfície, segundo a situação fundiária.

Fonte: IBGE, 2011.

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Observe pela figura 4, que dentro dos limites, do estado de Pernambuco, contém

alguns pontos verdes. Esses pontos representam 10 (dez) povos Indígenas,

distribuídos entre os municípios de Águas Belas, Pesqueira, Buíque, Cabrobó, Inajá,

Petrolândia, Jatobá, Tacaratu, e Carnaubeira da Penha, cuja população soma num

total de aproximadamente 25.720 Índios.

O Estado de Pernambuco, hoje é considerado o 4º maior estado, em população

indígena do país, só perdendo para a Amazonas, Mato Grosso e Pará (IBGE, 2017).

A política de colonização no Nordeste brasileiro gerou como consequência para os

povos indígenas um processo que pôs em xeque sinais diacríticos que os diferenciam

da população não-indígena, se comparados aos grupos étnicos habitantes de outras

regiões do país, a exemplo da Amazônia (OLIVEIRA, 2014).

Entretanto, os grupos indígenas no Nordeste vivenciaram um longo processo de

resistência, resultando em movimentos de emergências étnicas e reconstrução de

suas identidades (OLIVEIRA, 2014).

Contemporaneamente, o processo histórico sociocultural vivenciado pelos povos indígenas no Sertão pernambucano, ocorre no sentido da afirmação de suas identidades étnicas, envolvendo questões de autorreconhecimento e autoafirmação enquanto grupos indígenas, como o reconhecimento e identificação frente à sociedade brasileira, além das mobilizações pelas reivindicações e garantias de territórios, do Ambiente e expressões socioculturais, aspectos fundamentais para afirmação étnica dos povos indígenas, como é o caso do povo Pankará

(OLIVEIRA, 2014, p.2).

Nos anos 70, as lideranças indígenas brasileiras tiveram o apoio do CIMI – Conselho

Indigenista Missionário para a promoção de Assembleias Indígenas Intertribais para

com o intuito de debater sobre questões pertinentes aos povos indígenas que se

disseminaram paralelamente ao surgimento de líderes que se destacaram

internacionalmente: Mário Juruna (Xavante), Kretan e Xangrí (Kaingang) e Raoni

(Txukarramãe).

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As assembleias procuravam levantar os problemas específicos de cada grupo e aldeia indígena. A partir deste quadro, os índios identificavam as questões urgentes, voltadas para a garantia da terra, assistência sanitária e educacional. Entretanto, uma proposta governamental de emancipação dos índios, divulgada em 1978 e rejeitada por Universidades, Igrejas, Ordem dos Advogados, ONGs, etc., motivou os índios a superarem a esfera local, para debater e agir sobre seus problemas em âmbito nacional. Os fatos de 1978 contribuíram para que os índios criassem, em 1979, uma organização nacional; a UNI - União das Nações Indígenas. Esta procurou representar um papel simbólico de unificar as reivindicações indígenas, adotando nas suas atividades uma política de alianças com os movimentos de apoio aos índios espalhados pelo Brasil (MUSEU, 2013, p. 4).

Devido às dificuldades de representar os índios em âmbito nacional a UNI (União das

Nações Indígenas) encontrou sérios obstáculos para institucionalizar-se, porque são

muitas e com vasta diversidade as questões relacionadas aos índios que incluem

questões territoriais, culturais, educacionais, de saúde, no entanto, sua intensiva

atuação influenciou a inclusão de um capítulo específico sobre os direitos indígenas

na Constituição Federal de 1988.

A Constituição de 1988 (CF 1988) que, no Artigo 231, reconheceu “aos índios sua

organização social, costumes, línguas, crenças, tradições, e os direitos originários

sobre as terras que tradicionalmente ocupam” (OLIVEIRA, 2014).

E, no Artigo 210, § 2º, assegurou às comunidades indígenas “a utilização de suas

línguas maternas e processos próprios de aprendizagem” no ensino fundamental. A

Lei de Diretrizes e Bases nº. 9.394/1996 (Artigos 32; 78 e 79), ao tratar da Educação

Básica, reforçou o disposto na CF (BRASIL, 1996).

3.2 DA INTEGRAÇÃO À REAFIRMAÇÃO DAS IDENTIDADES: A LEGISLAÇÃO

COMO MECANISMO DE PRESERVAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

A educação escolar indígena no Brasil tem se caracterizado por recuos e avanços que

se definem pelas políticas públicas educacionais que na literatura tem sido

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evidenciada por períodos distintos em termos de objetivos e resultados, levando-se

em consideração a sua natureza institucional a partir do caráter educativo.

O discurso que define essa política de implementação e escolas nas aldeias e a

formação de educadores para essa tarefa teve como foco a noção de integração e

assimilação, considerando-se as grandes diferenciações de línguas e culturas

indígenas, bem como os costumes e tradições, a educação indígena criada pela

concepção das políticas públicas tinham como objetivo forçar o indígena a se

“desaculturar”, representando de certa forma uma carência de sensibilidade à riqueza

cultura e as experiências indígenas como povos de autonomia.

Essa fase marcaria, a escola feita pelos brancos para índios representando a negação

de sua cultura e protagonismo histórico. Sob essa ideologia de subordinação criava-

se a escola indígena de maneira verticalizada sob a diretriz das políticas públicas.

Com a Constituição de 1988 trouxe profundas mudanças entre a fase denominada de

7catequese como processo educativo de (1500 a 1988) e a 8criação das chamadas

escolas indígenas para atender à necessidade educacional a partir de uma escola

feita para o próprio indígena, com o objetivo de assegurar a continuidade de sua

riqueza cultura, determinando como exemplo de pluralidade as diferentes culturas que

deles emergem (LUCIANO, 2006).

Ao período que se seguiu à CF 1988, Troquez (2014) contribui afirmando que o Estado

procurou implantar a escolarização diferenciada em diversas áreas indígenas do país,

em alguns estados foram criados cursos de formação de professores índios em

7 A educação na colônia portuguesa do século XVI por meio dos jesuítas tinha como objetivo primário catequizar os nativos, e para isso, foram usados vários recursos didáticos e metodológicos. Os padres jesuítas foram os primeiros evangelizadores do Brasil colonial, trabalhavam com uma cultura europeia letrada e tinham como finalidade a completa conversão dos indígenas para a fé católica sendo a educação o principal agente colonizador (PAIVA,2016). 8 Os anos 1980, caracterizados por um “processo de transição” entre a ditadura e a reabertura democrática, e os anos 1990 foram marcados pelo movimento em prol da conquista da escola pelos índios. Este movimento, formado por agentes indigenistas ligados às propostas alternativas, por lideranças indígenas e alguns professores índios que foram sendo formados neste processo, reivindicava a transformação da educação para o índio em educação escolar indígena (BRITO, 1995, p. 98, TROQUEZ, 2006; 2012; 2015).

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serviço, e em algumas universidades cursos superiores específicos para a formação

de professores índios. A partir de então, o MEC, através da Secretaria de Educação

Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), tem procurado acompanhar os

processos de educação escolar indígena no país e de formação de professores índios.

Nessa nova conjuntura, a nova atribuição se tornou também um grande desafio para

os educadores que fazem a escola indígena contemporânea, desvinculada dos

valores alheios aos povos indígenas, mas uma escola que tenha como foco principal

manter as tradições, assegurar que suas experiências sociais permaneçam vivas para

as futuras gerações, assegurando-lhes o direito de autonomia. A partir dessas

mudanças no rumo da escola indígena, faz-se uma nova escola participativa e

engajada em trazer para o centro as pessoas que possam contribuir para a intenção

desse projeto escolar.

Nascimento e Urquiza (2012) referenciam que a partir da LDB (1996) novas diretrizes

se realizam em todo o país em relação ao ensino nas aldeias indígenas, trazendo uma

nova percepção de educação escolar indígena, arcada pela interculturalidade e

bilíngue (LUCIANO, 2006).

“Na comunidade indígena Pankará as aprendizagens vão se fortalecendo. Com os mais velhos, os jovens vão aprendendo pelo valor da experiência”. (Cacica Dorinha, 2018).

Percebe-se, pelo depoimento da cacica Dorinha, que a participação efetiva de

lideranças indígenas e saberes culturais de pessoas mais idosas da comunidade

indígena seriam uma forma de manter as práticas cotidianas e ouvir do passado as

lendas, os costumes, os manifestos:

Para a constituição dessa nova escola, foram necessárias as práticas cotidianas nas

escolas e nas aldeias indígenas de forma a tornar possível uma escola para o próprio

índio. Assim nasceu a escola indígena desprovida de modelos ou padrões, mas

trazendo em seu bojo uma dinâmica contextualizada com a realidade, a partir de

oportunizar uma maior diversidade de experiências. Portanto, não se pode definir a

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escola indígena como um modelo padronizado, com metas e objetivos ou mesmo

resultante de processos que se identifiquem com a escola convencional brasileira

(NASCIMENTO; IRQUIZA, 2012).

Sob esse aspecto, Baniwa (2013) analisa que é um grande erro tentar estabelecer

critérios de natureza teórico-metodológica, ideológica ou mesmo de caráter

pedagógico, pois na realidade o que se evidencia na realidade das experiências

escolares nas escolas indígenas, é uma construção de sua dinâmica histórica a partir

das demandas que contemplem as necessidades da comunidade indígena.

As escolas se apresentam também como diferenciadas, pois deve ir ao encontro das

necessidades de cada comunidade indígena, portanto, existem escolas que ensinam

a língua portuguesa e disciplinas como a Matemática. E outras que dimensionam o

ensino a partir de ações que possam transmitir às crianças, adolescentes e jovens a

conhecer as razões e contextualizações dos movimentos indígenas em termos de

direitos sociais que vêm colocando de maneira crescente na busca de um

reconhecimento, a vigência e os privilégios de um direito próprio que regule a vida

social indígena e sua forma de ver o mundo.

Partindo dessa análise, algumas escolas indígenas ensinam as tradições e as lutas

de seus povos, bem como culturas e valores espirituais dos povos e sua relação com

as terras ou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam

alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos com a finalidade de produzir

uma revitalização dos ensinamentos por meio da transmissão dos saberes e

fortalecimento da identidade do povo.

A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT que foi adotada no

Brasil em 2004, e a criação do Plano Nacional de Educação trouxeram inovações que

se reafirmaram a partir do reconhecimento da autonomia político-pedagógica das

escolas indígenas.

As mudanças jurídicas, políticas, pedagógicas e administrativas permitiram a

expansão da oferta de ensino retirando o povo indígena na exclusão educativa. Dessa

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forma, a escola indígena tomou proporção, deixando de uma atividade isolada para

ser ter uma dimensão nacional, de modo a ter reconhecimento jurídico e institucional.

A educação indígena passou a ser beneficiada pelo Plano Nacional de Educação

(PNE) e do Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE) em vários Estados

onde existem comunidades indígenas.

Nessa conjuntura, as escolas indígenas utilizam pedagogias da prática vivencial das

comunidades como forma de valorizar seus conhecimentos, o desdobrar as múltiplas

concepções que possam permitir compreender o universo indígena, a partir de suas

linguagens expressivas, partindo desse aspecto, a educação escolar deve partir da

gênese da construção do conhecimento, da apropriação da cultura e da constituição

do ser como sujeito em sua formação dentro da comunidade (NASCIMENTO;

IRQUIZA, 2012).

Em resposta a nova conjuntura a favor da educação escolar idígena, os sistemas de

ensino podem também ser diferenciados em relação ao seu andamento institucional

e formal. Portanto, evidencia-se que os avanços no século XX favoreceram uma maior

autonomia às comunidades indígenas, fortalecidas com seus direitos e o

reconhecimento de seus direitos jurídicos e pedagógicos, bem como da liberdade de

decisão acerca da condução local da gestão escolar (PALADINO; ALMEIDA, 2012).

A outra dimensão decorreu de mudanças políticas e jurídicas que passaram a

assegurar o direito a uma educação diferenciada, a partir do usufruto do direito

coletivo. Assim se criaram as ofertas de ensino para as comunidades indígenas em

âmbito nacional, a intensificação de formação de professores em grande maioria

indígenas, o que representa um grande avanço (NASCIMENTO; IRQUIZA, 2012).

Foi criada a resolução da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de

Educação - CEB nº 3 de 1999 que determina os critérios e diretrizes para a

regularização de escolas indígenas em todo o país, oportunizando às crianças,

adolescentes e jovens a educação básica, bem como o funcionamento de todas as

escolas a partir de nível de acesso escolar amplo. A partir desse marco passou a

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existir escolas indígenas normatizadas ou reconhecidas a partir de um ordenamento

específico e próprio.

Segundo Baniwa (2013) a verdadeira educação escolar indígena se alicerça nos

fundamentos da reprodução e transmissão de seus universos culturais e crenças. A

partir de uma escola que favoreça os aspectos socioculturais e reconhecendo as

diferenças de cada povo indígena.

A escola indígena deve ser um ambiente educativo qualitativo que permita o crescente

desenvolvimento humano por meio de um sistema socioeducativo de cada povo.

Nesse sentido, o Conselho Nacional de Educação - CNE, determinou a partir do

Parecer nº 14, o reconhecimento da necessidade de ampliar as decisões político-

administrativas para favorecer o apoio institucional às escolas.

Pode-se citar nesse contexto, a criação da Coordenação Geral de Educação Escolar

Indígena – CGEEI como outro avanço importante que favoreceu uma maior

expressividade às novas escolas indígenas em âmbito nacional.

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4. CONCEITOS DE IDENTIDADE: PRESERVAÇÃO E APROPRIAÇÃO

Para um entendimento amplo da realidade investigada, principalmente no que condiz

a educação escolar indígena através dos programas e currículo que pretendem

propiciar um ensino especifico e diferenciado, visando também a preservação da

identidade, esta seção apresenta uma revisão das concepções identitárias, seguida

dos conceitos atinentes à territorialidade, pois o conceito de identidade deve ser

entendido dentro de um contexto social onde as relações entre os sujeitos e o espaço

estão inseridos.

4.1 IDENTIDADES: CONCEPÇÕES TEÓRICAS

A identidade é sempre a identidade de determinados atores sociais que, em sentido

próprio, são os atores individuais, já que possuem consciência, memória e psicologia

próprias. Contudo, isso não impede que o conceito de identidade se aplique,

analogicamente, a grupos e coletivos de consciência própria, porque constituem

sistemas de ação.

Em ambos os casos, o conceito de identidade implica ao menos em quatro elementos,

de acordo com Thompson (2011):

(1) a permanência no tempo de um sujeito de ação;

(2) concebido como uma unidade com limites;

(3) que o distingue de todos os demais sujeitos.

Ainda, as identidades se constroem a partir da apropriação, por parte dos atores

sociais, de repertórios educativos considerados com diferenciadores e definidores da

própria unidade e especificidade. Nesse sentido, a identidade não é mais que a

erudição interiorizada pelos sujeitos, considerada sob o ângulo de sua função

diferenciadora e contrastante em relação com outros sujeitos.

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O conceito de identidade já foi imposto massivamente nas ciências sociais a partir dos

anos oitenta, tendendo a banalizar, da mesma forma que o conceito de cultura, porque

costuma ser invocado sem preocupações maiores em defini-lo ou submetê-lo a um

rigor conceitual.

Assim como se tende a ver cultura em todas as partes (cultura da violência, cultura da

paz, cultura do preconceito, etc.), parece que tudo é dotado de identidade, desde a

cidadania abstrata até os espaços públicos. O recurso cada vez mais frequente ao

conceito de identidade pode ser explicado por ser necessário, pois sem ele não se

pode explicar a sociedade, já que não é possível pensar a sociedade sem esse

conceito (MARTÍN-BARBERO, 2006).

Os parâmetros fundamentais que definem um ator social são, conforme Martín-

Barbero (2006):

a) todo ator ocupa sempre uma ou várias posições na estrutura social. Os

atores são indissociáveis das estruturas, e devem ser compreendidos e

inseridos em sistemas. No espaço urbano, por exemplo, não se pode conceber

um ator que não esteja situado em algum lugar da estratificação urbana ou da

estrutura social urbana;

b) nenhum ator é concebido senão em interação com outros, seja em termos

imediatos (pessoalmente) ou à distância (pela internet, por exemplo). Por isso,

não se concebe um ator social urbano que não esteja em interação com outros;

c) todo ator social está dotado de alguma forma de poder, no sentido de que

dispõe sempre de algum tipo de recursos que lhe permitem estabelecer

objetivos e mobilizar os meios para alcançá-los;

d) todo ator social é dotado de uma identidade. Esta é a imagem distintiva que

tem de si mesmo em relação com os outros. Trata-se, portanto, de um atributo

relacional e não de uma marca;

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e) em estreita relação com sua identidade, todo ator social tem também um

projeto ou múltiplos projetos. O projeto pessoal ou coletivo é ligado à percepção

de sua identidade, porque deriva da imagem que tem de si mesmo e, em

consequência, de suas aspirações;

f) todo ator social se encontra em constante processo de socialização e

aprendizagem.

As mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais que estão se produzindo, a

revolução tecnológica, informacional e da sociedade em rede tornam possível o

reagrupamento e a coesão dos indivíduos em torno a particularidades artísticas e

identidades primárias coletivas.

Nesse sentido, Castells sustenta:

Em um mundo como este, de mudança descontrolada e confusa, as

pessoas tendem a reagrupar-se em torno de identidades primárias:

religiosa, étnica, territorial, nacional [...] A identidade está se

convertendo na principal e por vezes única fonte de significado em um

período histórico caracterizado por uma ampla desestruturação das

organizações, deslegitimação das instituições, desaparecimento dos

principais movimentos sociais e expressões culturais efêmeras

(CASTELLS, 2009, p. 27).

Segundo Castells, a identidade é a fonte de sentido de vida para a pessoa e o coletivo,

já que o estilo ou modo de vida dos atores sociais é determinado, em grande medida,

por sua identidade:

Por identidade, no que se refere aos atores sociais, entendo o processo de construção do sentido atendendo a um atributo cultural, a um conjunto relacionado de atributos culturais, ao qual se dá prioridade sobre o restante das fontes de sentido (CASTELLS, 2009, p. 28).

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A identidade, nessa perspectiva, é o representativo de uma construção social que se

inicia a partir ou em função de atributos culturais e isso, por sua vez, institui a fonte de

sentido do ator social. A construção da identidade implica uma pluralidade e uma

distinção entre suas diversas formas e Castells (2009) faz uma tipologia da construção

identitária: a) identidade legitimadora; b) identidade de resistência; c) identidade

projeto.

Estes tipos de construção de identidade fazem parte da dinâmica da era da

informação, são os fundamentos básicos das razões dos movimentos sociais em meio

a um contexto de mudança gerado não apenas pela sociedade em rede, mas também

pela globalização (CASTELLS, 2009).

De forma detalhada, os tipos de identidade definidos por Castells (2009) são assim

caracterizados:

a) a identidade legitimadora é aquela representada pelas instituições

dominantes da sociedade, que exercem de um modo ou de outro autoridade,

governo e controle social.

Para Castells (2009, p. 30), “as identidades legitimadoras geram uma sociedade civil”,

o que significa afirmar que essas identidades se compõem e manifestam nas

organizações, instituições e atores sociais que racionalizam ou estruturam a

sociedade.

b) a identidade de resistência é composta por atores sociais que se encontram

em uma condição de exclusão e de estigmatização causada pela lógica da

dominação. Esta identidade constrói trincheiras de resistência, de oposição, de

alternativa e de sobrevivência, em contradição com as instituições e

organizações da sociedade.

Essas trincheiras resistem de alguma maneira àquilo que se encontra estabelecido

pela ordem social, isto é, pela ideologia e pelos estilos de vida.

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Também, conforme Castells (2009, p. 31) “a identidade para a resistência conduz à

formação de comunas ou comunidades”, ou seja, constitui resistências coletivas a

partir de diversos elementos instrutivos, tais como o religioso, o territorial, o nacional

e étnico, etc.

Luciano (2006) enfatiza que as comunidades indígenas, ao longo dos 500 anos de

colonização, foram obrigadas, por força da repressão física e cultural, a reprimir e a

negar suas culturas e identidades como forma de sobrevivência diante da sociedade

colonial que lhes negava qualquer direito e possibilidade de vida própria.

Prosseguindo na leitura de Luciano (2002), os índios não tinham escolha: ou eram

exterminados fisicamente ou deveriam ser extintos por força do chamado processo

forçado de integração e assimilação à sociedade nacional.

No estado de Pernambuco, mais precisamente no Sertão pernambucano, considerado

reduto do coronelismo, o Governo Imperial decretou oficialmente a extinção dos

aldeamentos entre os anos de 1860 e 1880, sob o argumento da “ausência da pureza

racial” (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2014). Neste século os índios desta região

eram tidos como “misturados”, “caboclos”, “confundidos” com a população local. Em

fins do século XIX, muda o discurso nos documentos da época, de índios bárbaros a

“descendentes”, “criminosos” e até mesmo a total negação da identidade desses

povos (SILVA,1996).

Luciano (2006) afirma que o grau de resistência de luta não apenas pela identidade,

mas também pelo território, varia de povo para povo e de região para região, de acordo

com o processo histórico de contato vivido. Na Amazônia, por exemplo, onde o contato

com os colonizadores brancos aconteceu mais recentemente, muitos povos indígenas

continuam conservando integralmente suas culturas e tradições, como a terra, a língua

e os rituais das cerimônias.

Ainda conforme Luciano (2006) para esses povos, a prioridade é fortalecer a

identidade e promover a valorização e a continuidade de suas culturas, de suas

tradições e de seus saberes.

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Para Barros (2006), assim, são as identidades de resistência aquelas que o centro

elaborador e difusor são os segmentos dominados e marginalizados que constroem

verdadeiras trincheiras para conter o projeto dos atores dominantes da sociedade, e

que surgem de forma acelerada na era da informação, em relação às mudanças

introduzidas pela globalização e reelaboração do capitalismo e do sistema de exclusão

gerado por essas mudanças.

c) a identidade projeto, diferentemente, é mais um processo que algo acabado,

porque não se refere ao legitimado e institucionalizado pela sociedade e

tampouco à continuidade de resistência, mas a atores sociais que a partir de

elementos culturais vão construindo, planejando e edificando uma nova

identidade que busca transformar a estrutura social.

A identidade, nessa perspectiva, produz sujeitos, não somente indivíduos

subordinados ou dominados social e culturalmente, que constroem seu sentido de

identidade em torno de sua individualidade que não é, em certa medida, determinado

totalmente pela ordem global e social (CASTELLS, 2009).

Hall e Silva (2000, p. 103) assinala que, está se produzindo uma “verdadeira explosão

discursiva do conceito de identidade” e, por isso, e por caminhos diversos, muitos

pensadores têm alertado para os diferentes aspectos circunscritos pela questão

identitária.

Nesse sentido, o conceito de identidade aceita que as identidades nunca se unificam

e, nos tempos da modernidade tardia, estão cada vez mais fragmentadas e fraturadas,

nunca são singulares, mas construídas de várias maneiras, através dos discursos,

práticas e posições diferentes e, mesmo, muitas vezes antagônicas (HALL, 2014).

Hall (2014) observa que os discursos constroem as posições subjetivas das práticas

sociais e as modalidades da enunciação que transformam o eu em um sujeito social

e isto pertence à especificidade do campo da comunicação. A reconstrução do

conceito de identidade implica em pensá-lo em sua dimensão comunicativa.

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Nesse sentido, indaga:

É possível criticar a amplitude do conceito do qual parto para realizar este trabalho? É possível reduzir a identidade? É possível pensar em uma identidade social, política […]? Desde esta perspectiva, é inegável o caráter irredutível do conceito de identidade (HALL, 2014, p. 45).

Segundo Hall (2014), a identidade não se refere a um eu coletivo ou verdadeiro que

se esconde dentro dos muitos outros eu, mais superficiais ou artificialmente impostos,

que um povo com uma história e uma ascendência compartilhada tem em comum e

que podem estabilizar, fixar ou garantir uma unicidade, subjacentes a todas as outras

diferenças superficiais. Não há identidade comum, unitária, coerente. Se há um “nós”,

é porque há outro; o problema reside em que estas linhas, estes limites são cada vez

mais porosos e permeáveis.

Considera Hall (2014) que a identidade é um conceito estratégico e posicional, já que

os discursos constroem estratégias subjetivas através de suas regras de formação e

modalidades de enunciação. Portanto, identidade não implica em um núcleo estável

no eu, ou seja, o caráter de continuidade que se acreditava ser a condição a priori

para a produção da identidade é excluído.

As identidades são múltiplas e nunca se unificam, estão fracionadas, conforme Hall

(2014) em consequência da modernidade tardia que muitos autores caracterizam

como a era do fluído. Se constituem de diversas maneiras através dos discursos, das

práticas e das posições, normalmente antagônicas e cruzadas, tudo potencializado

pelos processos de globalização.

Nas palavras de Hall:

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Uso “identidade” para me referir ao ponto de encontro, o ponto de

sutura entre, por um lado, os discursos e práticas que buscam

“interpelar-nos”, falar-nos ou colocar-nos em nosso lugar como

sujeitos sociais de discursos particulares e, por outro, os processos

que produzem subjetividades, que nos constroem como sujeitos

suscetíveis de serem “ditos”. De tal modo, as identidades são pontos

de adesão temporária às posições subjetivas que nos constroem as

práticas discursivas. São o resultado de uma articulação ou

“encadeamento” exitoso do sujeito no fluxo do discurso (HALL, 2014,

p 47).

Neste sentido, a língua não é função do sujeito, mas, pelo contrário, o sujeito está

inscrito na língua. As identidades são as posições que os sujeitos tomam ou estão

obrigados a tomar e estas posições subjetivas se constroem através do discurso. Isso

implica sempre em um ato de poder, já que a identidade é um ato de exclusão, ou

seja, as identidades se constroem dentro de um jogo de poder e exclusão (HALL,

2014).

Hall (2014) documenta a história do conceito de sujeito de um ponto de vista muito

próximo à história da identidade. Durante a Ilustração predominou a ideia individualista

do sujeito como entidade racional, soberana, autônoma. Posteriormente, o sujeito

começou a adquirir matrizes mais sociais, na medida em que o indivíduo se via como

parte integral de uma nação e como produto da sociedade.

O problema da identidade pode ser abordado na escala dos indivíduos ou na escala

dos grupos e outros coletivos. Trata-se de pontos de vista diferentes que devem ser

considerados.

Na escala individual, a identidade pode ser definida como um processo subjetivo e

frequentemente auto reflexivo pelo qual os sujeitos individuais definem suas

diferenças em relação aos demais, mediante um repertório de atributos culturais

geralmente valorizados e relativamente estáveis no tempo (THOMPSON, 2011).

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Porém, deve-se acrescentar outra questão: a auto identificação do sujeito requer o

reconhecimento dos demais sujeitos com quem interage para que exista social e

publicamente. Por isso, a identidade do indivíduo não é simplesmente numérica, mas

qualitativa, formando-se, mantendo-se e manifestando-se em e pelos processos de

interação e comunicação social (HABERMAS, 2012).

Quando se aceita que a identidade de um sujeito se caracteriza sobretudo pela

vontade de distinção, demarcação e autonomia em relação aos demais, coloca-se a

questão de quais são os atributos diacríticos a que o sujeito apela para fundamentar

essa vontade, que Thompson (2011) define como:

a) atributos de pertinência social, que implicam a identificação do indivíduo

com diferentes categorias, grupos e coletivos sociais;

b) atributos particulares, que determinam a unicidade idiossincrática do sujeito.

Portanto, a identidade de uma pessoa contém elementos do socialmente

compartilhado, resultante da pertinência a grupos e outros coletivos e do

individualmente único.

Os elementos coletivos destacam as semelhanças, enquanto os individuais enfatizam

as diferenças, mas ambos se unem para constituir a identidade única, ainda que

multidimensional, do sujeito.

Pollini (2007) observa que o homem moderno pertence inicialmente à família de seus

pais, depois à família fundada por ele e à sua profissão, que o insere em vários círculos

de interesses, tem consciência de ser cidadão de um Estado e de pertencer a um

determinado estrato social. Desenvolve relações sociais conectadas que constituem

pertinências sociais que se configuram como componentes essenciais da sua

identidade.

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Segundo essa tese, a multiplicação dos círculos de pertinência a uma classe social,

etnicidade, coletividade territorial, grupo de idade e de gênero fortalece e circunscreve

com maior precisão a identidade individual. De acordo com os diferentes contextos,

algumas dessas pertinências podem ter maior relevo e visibilidade que outras como,

por exemplo, para um índio, sua pertinência étnica é geralmente mais importante do

que seu estatuto de classe.

“Para nós Povo Pankará é na tradição onde tudo começa. Com nossos pajés e anciãos, pois entendemos que eles são nossas raízes, que fortalecem a nossa fé e nos dão força para levar adiante as tradições”. (Depoimento da Cacica Dorinha, 2018).

Esse depoimento da Cacica Dorinha, permite precisar em que sentido os rituais e as

práticas intervêm como alimento da identidade, não em termos gerais e abstratos, mas

enquanto se condensa em forma de mundos concretos e relativamente delimitados de

crenças e práticas próprias de grupos.

A pertinência social, ainda, implica em compartilhar, mesmo parcialmente, modelos

culturais dos grupos ou coletivos em questão (rituais, conceitos, práticas, etc.).

Já as identidades coletivas, de acordo com o autor, se constroem por analogia com

as identidades individuais, o que significa que ambas são diferentes, mas que, em

alguns pontos, são bastante semelhantes. Um grupo ou uma comunidade não

constituem uma entidade claramente delimitada como a que se concretiza na

identidade individual.

Sobre a identidade coletiva, Oliveira (2006) observa que corresponde a uma categoria

analítica e seu conceito se constrói a partir de uma teoria da ação coletiva, concebida

como um conjunto de práticas sociais que envolvem, simultaneamente, certo número

de indivíduos ou grupos, exibe características similares no tempo e no espaço,

implicam em um campo de relações sociais e na capacidade dos envolvidos de

atribuírem sentido ao que fazem.

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Assim, envolve uma grande variedade de fenômenos como movimentos sociais,

conflitos étnicos, ações políticas, manifestações, greves, mobilizações de massa, etc.

As ações coletivas supõem atores coletivos dotados de identidade, caso contrário não

se poderia explicar sua intencionalidade e sentido. Nesse sentido, a identidade

coletiva implica, inicialmente, em definições cognitivas sobre as orientações da ação,

seus fins, meios e campo de ação que se incorporam a um conjunto de rituais, práticas

e artefatos culturais que permitem aos envolvidos assumirem as orientações da ação,

assim definidas como valor ou modelo instrutivo ao qual se adere coletivamente

(OLIVEIRA, 2006).

Esse envolvimento permite aos indivíduos sentirem-se parte de uma unidade comum,

seja ele unificado e coerente ou não, que é reforçada culturalmente. Segundo Oliveira

(2006), nesse sentido, afirma que, o que define a identidade é a capacidade de manter

as fronteiras na interação com outros grupos e não os aspectos culturais selecionados

para demarcar, em determinado momento, as fronteiras entre as identidades coletivas,

embora isso não signifique que as identidades sejam vazias de conteúdo cultural.

Para Oliveira (2006), em qualquer tempo e lugar, as fronteiras identitárias se definem

sempre através de marcadores culturais, que podem variar no tempo e que nunca são

a expressão simples de uma cultura que é supostamente herdada, preexistente.

Os aspectos constitutivos de uma identidade coletiva, que se mantêm através das

mudanças sociais, políticas e culturais, podem variar sem que a identidade se altere,

porque esta não depende do repertório cultural vigente em determinado momento ou

do desenvolvimento cultural de um grupo ou de uma sociedade, mas sim da luta

permanente para manter suas fronteiras.

Conforme Binda (1999), o conceito de identidade, entendido como a ideia e a

sensação de continuar sendo o mesmo através do tempo, esconde em sua definição

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uma múltipla complexidade. Em primeiro lugar, a identidade se estabelece a partir da

diferença, ou seja, em contraste com outra coisa.

O contraste fundamental é o que se dá entre o “eu” e o “outro”, assumindo que o outro

pode ser um objeto, uma pessoa, um grupo social, uma nação ou um ser imaginário.

Portanto, as identidades variam quando se apresentam os contrastes, coexistem em

diferentes escalas – desde a individualidade de cada pessoa até a espécie humana

como tal – e em todos os níveis, ao mesmo tempo (BINDA, 1999).

Assim, é possível ser uma determinada pessoa e ser, por sua vez, de terminada

nacionalidade, homem, pai, latino-americano, indígena, ser humano, etc., e tudo isso

simultaneamente. Em cada nível, a identidade se forma de dentro – desde o que “eu

sou” – e de fora – desde o que é o “outro”. Estas identidades podem entrar em conflito,

já que, por exemplo, uma pessoa pode ser “mestiça” para o Estado, ainda que

considere a si mesma apenas como “indígena” (BINDA, 1999).

No mesmo sentido, Haesbaert (1999) se refere ao conceito de identidades territoriais,

assinalando que algumas identidades se constroem com base na relação concreta ou

simbólica, bem como na relação material ou imaginária que os grupos sociais

estabelecem com seu território.

Woodward (2000), situando-se no marco da socialização difusa, explica a formação

das identidades individuais através do mecanismo da interpelação. Este mecanismo

opera por intermédio de símbolos e de imagens do entorno que convidam o indivíduo

a reconhecer-se neles e a identificar-se com o grupo que estes símbolos e imagens

designam.

Recorre fundamentalmente às teorias da socialização inspiradas no interacionismo

simbólico para explicar o processo de aquisição, formação e desenvolvimento das

identidades individuais. Sua tese central pode ser condensada com a afirmativa de

que as identidades são aprendidas no processo de interação social (WOODWARD,

2000).

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Para Woodward (2000), as barreiras e limites simbólicos da identidade podem causar

efeitos grandes ou pequenos. Apesar das diferentes posturas, a identidade é estudada

como um processo de construção que os indivíduos vão definindo para si mesmos,

em estreita interação simbólica com outras pessoas. Nesse sentido, a identidade

marca as diferenças.

4.2 TERRITÓRIO: SIGNIFICADOS E VALORES

O território é um dos conceitos mais antigos e tradicionais e seu uso tem sido

reivindicado tanto para justificar a necessidade da expansão da soberania dos

Estados nacionais em um determinado espaço como por comunidades locais muitas

vezes representadas por movimentos sociais para que seja reconhecida sua

apropriação sobre o espaço quando se encontram em risco de expulsão de áreas nas

quais tradicionalmente vivem.

Castells (2008) compreende a identidade, vinculando-a à territorialidade, como

produção de significados sociais, os quais embasam a identificação dos sujeitos e dos

grupos. Ele destaca a atuação da cultura na construção das identidades que se

estruturam em torno de um conjunto de valores, com significados e compartilhamentos

“marcados por códigos específicos de auto identificação, a comunidade de fiéis, os

ícones do nacionalismo, a geografia do local” CASTELLS (2008, p. 84).

Na comunidade indígena Pankará, a Identidade se forma a partir do conhecer, do

viver, do praticar e do fortalecer sua cultura, através dos saberes da territorialização.

Com isso, para Andrade (2004), o território é a porção da natureza, espaço sobre o

qual uma sociedade determinada reivindica e garante a todos ou a parte de seus

membros direitos de acesso, de controle e de uso que recaem sobre todos ou parte

dos recursos que ali se encontram e que essa sociedade deseja e é capaz de explorar.

Ainda na configuração do conceito de território a contribuição das ciências sociais é

decisivo, fazendo com que sua descrição extrapole as limitações dos termos jurídicos

e administrativos que o aproximam de uma malha espacial, estendendo-a para o um

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conceito que procura abranger toda a realidade complexa e as construções sociais e

econômicas que se encontram presentes em um determinado espaço físico

(HAESBAERT, 2007).

No mesmo sentido, para Haesbaert (2007), o conceito de território se relaciona tanto

aos aspectos formais, como a distribuição no espaço dos elementos naturais e

daqueles construídos, das divisões de natureza administrativa, política e jurídica,

como também àqueles aspectos que se referem ao sentido desses elementos, como

as ideologias do espaço, as representações e os sistemas de valores.

O território representa um laço cujo poder investe o espaço de valores que não são

apenas materiais, mas também são espirituais, éticos, simbólicos e afetivos. O

território cultural, portanto, precede o político e também o espaço econômico

(HAESBAERT, 2004).

Souza (2012) considera o território como local que é compartilhado cotidianamente,

que cria raízes e laços de pertencimento, simbologias. Os símbolos que são criados

pelo território proporcionam o conhecimento necessário para a restituição de toda a

riqueza de valores que atribuem sentido aos locais e aos territórios de vida.

Complementarmente, Souza (2012) observa que em uma perspectiva crítica

compreende-se o território como um campo de forças, uma espécie de teia ou de rede

de relações sociais complexa internamente, mas que apesar disso define um limite e

uma alteridade, ou seja, a diferença entre “nós” e “o outros”. Nessa perspectiva, o

território se associa a relações sociais que se projetam espacialmente e a uma rede

de relações sociais e produtivas que produzem singularidades.

Santos (2008) acrescenta a essa ideia o conceito socioespacial, que deriva do

conceito de formação socioeconômica, afirmando que o modelo de produção, a

formação social e econômica e o espaço correspondem a categorias que não apenas

são dependentes entre si como também são indissociáveis umas das outras.

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Afirma Santos:

A configuração territorial é determinada pelo conjunto formado pelos sistemas naturais. A configuração territorial não é o espaço, já que sua realidade provém de sua materialidade, enquanto o espaço reúne a materialidade e a vida que a anima (SANTOS, 2008, p. 54).

O que transforma o espaço em território é o exercício de poder sobre uma porção

determinada do espaço. O território se converte na representação do espaço, o qual

se torna submetido a uma transformação contínua que resulta da ação social dos

seres humanos, da cultura e dos frutos da revolução vivida no mundo do

conhecimento (SANTOS, 2008).

Santos (2007) ressalta que o importante não é a discussão do conceito em si para a

partir daí, sendo o caso, estabelecer diferenças ou semelhanças com outros. O

território se torna um conceito utilizável para a análise social no momento em que é

considerado a partir de seu uso.

Por isso, uma das coisas mais importantes que se deve fazer é preocupar-se com o

método, já que este é o que conduz à teoria, especialmente em tempos de

globalização. Santos (2007) assinala que os geógrafos não podem apenas se deter

em determinar a precedência entre território e espaço. Tomando-se o espaço como

extensão, este precederia o território, pois é a parte que funciona (onde estão os

homens organizados). O território viria posteriormente, pois é ele que instaura a

apropriação das extensões, sendo esta apropriação a que define seus aspectos:

exclusividade, limites e identidade.

a) exclusividade porque seria uma terra na qual um grupo social - qualquer

organização social e política se estabelece;

b) limites que se definem tanto pela competência como pela relação biunívoca

entre a sociedade e a natureza que, por sua vez, cria identidades em

permanente reformulação.

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Santos (2007) se refere ao território quanto à sua acepção política. Por isso, o termo

território, lato senso, é utilizado para se referir àquelas proporções da superfície da

terra, sobre as quais o homem, historicamente, tomou posse e que estão sujeitas, em

consequência, a relações de poder.

Esta afirmativa sustenta que uma sociedade politicamente organizada detenha o

controle, exerça o domínio sobre uma parte da costa terrestre, sendo neste processo

que o homem social cria, continuamente, espaço. O espaço construído,

desconstruído, reconstruído pelos homens em seu trabalho e em seus conflitos

(SANTOS, 2007).

O território deve ser compreendido em suas dimensões materiais e em sua

simbologia, em consonância com o significado etimológico do termo, descrito por

Haesbaert:

Desde a origem, o território nasce com uma dupla conotação, material e simbólica, pois etimologicamente aparece tão próximo de terra- territorium quanto de terreo-territor (terror, aterrorizar), ou seja, tem a ver com dominação (jurídico-política) da terra e com a inspiração do terror, do medo – especialmente para aqueles que, com esta dominação, ficam alijados da terra, ou no “territorium” são impedidos de entrar. Ao mesmo tempo, por extensão, podemos dizer que, para aqueles que têm o privilégio de usufrui-lo, o território inspira a identificação (positiva) e a efetiva “apropriação” (HAESBAERT, 2005, p. 6).

No mesmo sentido, para Haesbaert (2002), o termo se refere tanto a uma dimensão

simbólica e cultural (identidade territorial) e uma dimensão concreta (apropriação e

ordenamento de um espaço e domínio). Nesse sentido, alude ao controle físico e

objetivo do espaço e a uma apropriação subjetiva deste espaço em termos de

identidade social.

Nesse contexto, o território se relaciona com o poder e não apenas ao poder político,

mas em seu sentido mais concreto, como dominação e poder no sentido simbólico

como apropriação, ignorando muitas vezes, inclusive, as fronteiras políticas

(HAESBERT, 2005).

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Andrade (2004), neste mesmo sentido, observa que a ideia de território sempre se liga

à ideia de poder, não apenas quando em referência ao poder público em todas as

suas esferas ou às corporações nacionais e internacionais que abrangem áreas

imensas que muitas vezes ultrapassam as fronteiras políticas existentes. Como

relação de poder, o território também abrange a subjetividade cultural e simbólica de

atores distintos.

Raffestin manifesta, quanto às relações de poder que subjazem à ideia/conceito de

território:

Quando se trata de relações existenciais ou produtivas, todas são relações de poder, já que há interação entre os atores que buscam modificar tanto as relações com a natureza como as relações sociais. Os atores, sem se darem conta, se auto modificam também. O poder é inevitável e, de forma alguma, inocente. Enfim, não é possível manter uma relação que não seja marcada por ele. Nesse exercício de poder, o território assume ao mesmo tempo suas instâncias no plano funcional e simbólico ao dominar o espaço para que este tenha determinada finalidade e também para criar significados (RAFFETSTIN, 1994, p. 14).

Em relação ao conceito de território, Raffestin (1994) afirma que os geógrafos têm se

equivocado e confundido esse conceito com o conceito de espaço, que é o conceito

central. Dessa forma, apenas quando os atores se apropriam de determinado espaço

este passa a ser um território, isto é, quando os atores territorializam o espaço.

Portanto, o que interessa é a forma como esses atores projetam no espaço as

representações das relações de poder que estabelecem, pois da análise dessas

representações é que se pode desenhar a rede de relações e as práticas espaciais

que se projetam no espaço territorializado.

Também, para Raffestin (1994), dessas relações de poder entre atores e espaço se

origina a territorialidade, isto é, um sentimento ou uma noção territorial nascida das

suas relações existenciais ou produtivas, da forma como os indivíduos e os coletivos

se relacionam com seus sistemas territoriais, em que as relações de poder se mostram

de forma preponderante.

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Conforme Haesbaert (2005), o território é funcional tanto como recurso como na

qualidade de proteção ou abrigo/lar ou como uma fonte de recursos naturais, de

matérias primas, etc.

Esta expressão, desenvolvida tanto no âmbito da Geografia como de outras ciências

sociais, abrange conceitos classificados em três vertentes básicas que normalmente

se mesclam na definição de território e que são, de acordo com Haesbaert (1997):

1) uma categoria política e jurídica, isto é, como área espacial sobre a qual se

exerce algum poder;

2) uma categoria simbólica/subjetiva, isto é, como produto da apropriação

realizada sobre o espaço, através da identidade social;

3) uma categoria econômica, isto é, como produto espacial do embate entre

classes sociais e da relação entre capital e trabalho.

No caso dos indígenas, Binda (1999) observa que o termo território adquire uma

dimensão social, política e cosmológica que vai além do termo terra, que costuma ser

interpretado como meio de produção. De qualquer modo, para os povos indígenas a

luta pelo território é também uma luta pela terra, considerada meio de produção

material, mas também – e sobretudo – como símbolo da vida e da própria existência

real.

4.3 TERRITÓRIOS INDÍGENAS: REPRESENTAÇÕES ÉTNICAS

As comunidades indígenas não possuem uma concepção de território ligada às

fórmulas correntes vinculadas às representações de poder público e das instituições

capitalistas e se encontram, cada vez mais, excluídas desse projeto de território,

mesmo representando os proprietários originais das áreas de todas as nações.

Nunes (2010) comenta, nesse sentido, que a construção da ideia de território das

comunidades indígenas não tem correspondência com a concepção estatal, que

costuma considerar que territórios indígenas são territórios étnicos residuais,

normalmente passiveis de supressão em nome da expansão do capital.

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Os territórios indígenas contemplam comunidades organizadas em comunidades para

as quais o espaço material adquire sentido em resposta a conteúdos simbólicos, a

vinculações afetivas entre o homem e o espaço. É a partir desse significado que o

território garante a sobrevivência e a coesão social. Já do ponto de vista estatal, o

território é ordenado para que o capital se reproduza através de processos de

ordenamento territorial, mas não de territorialização, como fazem os povos indígenas

(NUNES, 2010).

Rosado e Fagundes (2013) também afirmam que os povos indígenas têm uma

identificação com o território que vai além da concepção material das coisas e cujos

princípios se baseiam no pensamento da cosmovisão, da relação do homem com a

terra, o bem o e mal, o céu e o inferno, a luz e a escuridão, dois componentes unidos

e inerentes ao ser – o espiritual e o material. Os seres animados, particularmente

árvores e animais, encarnam variadas forças benéficas ou maléficas que impõem

pautas de comportamento que devem ser rigidamente respeitadas.

Na comunidade Pankará, determinadas espécies de árvores são veneradas e

protegidas, sua relação com o mundo é regida pela aplicação de valores sobre os

quais se estabelece sua organização social. Partindo do espiritual, os mais velhos, os

locais e as terras são consideradas sagradas, não havendo a noção de um espaço

regulado, traçado. A racionalidade do território é uma imposição do homem “branco”

que fragmenta o indivíduo, o limita e o obriga a falar de propriedade e posse desde o

momento da conquista imperial.

Os indígenas, originalmente se deslocavam livremente e seus caminhos eram

delineados organicamente, acomodados à topografia natural, mas a imposição de

limites territoriais, simbologia da dominação, se refletiu nas propriedades dos

senhores que construíam cercas para seu gado e suas posses (ROSADO;

FAGUNDES, 2013).

Almeida (2012) comenta também que uma das maneiras de desconhecer o território

é não admitir a sua pertinência a quem lhe corresponde, particularmente no caso dos

povos indígenas, que são os verdadeiros donos do território desde tempos imemoriais.

Da mesma forma, são muitos os atores que intervêm como interesses variados, desde

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a posse do território com finalidades estratégicas militares até razões de índole

comercial, como os garimpos, as lavouras e a criação de gado.

A intervenção no território se efetiva através dos organismos de Estado, através de

planos que aparentemente oferecem soluções a situações sociais. Desta forma se

determinam técnicas e procedimentos que incidem sobre os territórios indígenas,

direta ou indiretamente, representando fatores que alteram o direito sobre o território,

tais como: a negação do direito à autonomia, o desconhecimento dos direitos de

propriedade, os megaprojetos, a exploração do solo e subsolo, a produção de cultivos

agrícolas, as invasões de território, as atuações indevidas do Estado, a ingerência de

políticas estrangeiras sobre e em detrimento dos direitos e territórios indígenas, a

exploração de recursos da fauna e da flora, a legislação contrária à autonomia

indígena, etc (ALMEIDA, 2012).

Almeida (2012) afirma que diante de todas essas questões, os indígenas são

obrigados a determinarem seu território. Conscientes da necessidade de protegerem

sua sociedade, posto que as reservas indígenas se tornam cada vez menores em

termos de território espacialmente considerado, também se veem na obrigação de

reclamar o que lhes é negado como reconhecimento de sua autonomia, da

propriedade comunitária e indivisível, da pertinência indiscutível de seu território e de

sua conexão com a terra.

Sobre essa questão Rosado e Fagundes (2013) acrescentam que, no contexto geral,

os povos indígenas manifestam, com diferentes nomes, sua identidade com a terra e

com o que nela existe, chamando-a por nomes diversos, como direito maior, mãe,

território ancestral, etc. Porém, indo além de nomes, existe um elemento de coesão,

que representa a honra e a palavra empenhada, que é a convivência entre diferentes

etnias – todo conflito se soluciona entre suas autoridades próprias, sem a intervenção

do Estado, consolidando um processo de autorregulação, diferentemente da cultura

ocidental, na qual os conflitos são solucionados após muito tempo, com intervenção

estatal e muitas vezes após a ocorrência de mortes.

Para os povos indígenas, como enfatiza Nunes (2010), o significado de território se

baseia em seu princípio de autonomia, não como uma situação de domínio sobre um

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lugar, mas que envolve e que requer a possibilidade da tomada de decisões sobre o

que lhes pertence por natureza própria.

Para eles, simplesmente não pode existir demarcação, comarca, zona ou faixa,

porque eles se consideram um com o universo. Por isso o território, em seu

planejamento, não deveria se limitar à visão ocidental. Se para aqueles formados na

concepção ocidental a racionalidade impõe dificuldades para dimensionar o universo,

como se torna possível conceber e discutir sobre a concepção dos povos indígenas

de sua territorialidade indivisível e cosmogônica? Sua forma de dimensionar o território

é feita não como elementos ou demarcações físicas de referência, mas do ponto de

vista da imaginação de seus sentidos, até onde a vista alcança a paisagem, o

horizonte, onde sua capacidade física lhe permite a exploração do meio e seu sustento

(NUNES, 2010).

Almeida (2012) afirma, ainda, que a perda da linguagem, a evangelização, a adoração

aos ícones cristãos, a expulsão de seus territórios de origem, foram os primeiros

passos no desconhecimento dos direitos das comunidades indígenas. Se estas

circunstâncias são históricas, pois sempre se negou a propriedade legítima de seus

valores autóctones, a questão territorial indígena em tempos de globalização tende a

se agravar cada vez mais, já que cada vez menos os indígenas têm participação nas

mesas de negociação. Se atualmente não existe um reconhecimento claro por parte

do Estado, apesar da legislação vigente, dos direitos indígenas ao território, mais fácil

se torna às empresas, ao agronegócio, ao extrativismo explorar os recursos hídricos,

a fauna, a flora e a terra indígena.

As outras desvantagens se apresentam, conforme Nunes (2010), quando os territórios

são entregues em concessão a operadores internacionais, para reflorestamento com

espécies alheias ao local, em detrimento de espécies nativas. Soma-se a isso a falta

de zonas de trabalho ou de parcelas para os povos indígenas, forçando-os a entregar-

se como mão de obra barata, por salários para poderem sobreviver, submetidos a um

novo processo de aculturação e perda de seus próprios valores, que interfere na sua

própria concepção de terra/território.

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Na comunidade Indígena Pankará, os índios compõem o segmento da população de

baixa renda na Serra do Arapuá. Muitos sentem a necessidade de trabalhar como

rendeiros, tendo como retorno da compensação financeira, um valor que corresponde

uma média entre 10% e 30% da produção, como meeiros, e os que se apropriam de

pequenos lotes de terras sem título, mas pagam um valor ao Incra.

Nunes (2010) observa também que a possibilidade de equilíbrio entre homem e

natureza é alcançada na medida em que exista a correlação terra/território para os

indígenas, para dar aplicabilidade aos princípios de ordem que estes estabelecem

mediante o mítico, o sagrado, o espiritual e o cosmogônico, que é a fonte da vida.

Mas terra e território, como comenta Almeida (2012), não podem se confundir. Terra

não é uma parcela de onde se extrai o sustento; pelo contrário, deve ser um elemento

da sustentabilidade no tempo. Território deve ser o espaço vital para desenvolver suas

atividades culturais e, ligadas a estas, a economia, a política, o social e o sagrado. Em

consequência, não é o bem imaterial individual, mas o bem de propriedade coletiva,

pleno de significados, que reivindica suas tradições e o legado de seus ancestrais para

dar um autêntico valor à sua cultura.

Souza Filho (2006) alude à questão de que quando se fala de território, deve-se

compreendê-lo em um sentido integral e não apenas como um espaço físico, mas

como um espaço que envolve todos os fenômenos da cultura e as tradições que dele

emanam.

No caso dos povos indígenas, o território se caracteriza pela relação especial que

estes povos desenvolvem com a terra. A importância dessa relação está

expressamente consagrada na convenção 169 da Organização Internacional do

Trabalho, em seu artigo 13, que dispõe que os Estados devem respeitar esta relação,

acrescentando ainda que o território também compreende a totalidade do habitat das

régios que os povos interessados ocupam ou utilizam de alguma outra maneira.

O artigo 25 da Declaração das Nações Unidas, por sua vez, garante o direito a manter

e fortalecer sua própria relação espiritual com as terras, territórios, águas, mares

costeiros e outros recursos que tradicionalmente possuem ou ocupem e utilizem,

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assumindo as responsabilidades que a lhes incumbem para com as gerações futuras

(SOUZA FILHO, 2006).

Esta relação especial é descrita com clareza por Almeida (2012) quando afirma que

desde a origem, a terra se constituiu para o indígena em razão de ser, sua vida

mesma, sua mãe. É dela que obtém os produtos necessários para sua subsistência,

onde desenvolveu sua cultura e se projetou para o futuro. Com ela mantém um

equilíbrio e não a representa como uma mercadoria.

O território, então, sintetiza a cultura e a identidade própria dos povos indígenas e as

possibilidades de desenvolvimento dessa cultura para o futuro. Por isso, Almeida

(2012) afirma que a sobrevivência cultural dos povos indígenas depende do território

(o desenvolvimento de sua cultura, sua memória histórica, suas diferentes formas de

organização social estão ligadas intrinsecamente à terra que ocupam).

Não se trata apenas de um espaço físico. O território indígena é também um território

cultural, a tal ponto que a Corte Interamericana de Direitos afirmou que a terra está

estreitamente relacionada com as tradições e expressões orais, costumes e línguas,

suas artes e rituais, conhecimentos e usos relacionados com a natureza, artes

culinárias, direito consuetudinário, vestimenta, filosofia e valores dos povos indígenas

(SOUZA FILHO, 2006).

Em função de seu entorno (território como habitat), sua integração com a natureza e

sua história, os membros das comunidades indígenas transmitem, de geração em

geração, este patrimônio cultural imaterial, que é recriado constantemente pelos

membros das comunidades e grupos indígenas.

Os instrumentos internacionais, segundo Souza Filho (2006), estabelecem uma

proteção especial às terras indígenas, àquelas que ocuparam ancestralmente e as

que foram arrebatadas de forma ilegítima, além do respeito à totalidade do território,

incluindo os recursos naturais do solo e subsolo nelas existentes. Esta proteção

especial foi declarada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pela

Corte Interamericana, assinalando que a preservação desta conexão particular entre

povos indígenas e suas terras e recursos se vincula com a existência mesma destes

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povos. Portanto, determina medidas especiais de proteção, porque do território

depende a subsistência material e a integridade dos povos indígenas.

Para Souza Filho (2006), ainda, a importância do território para os povos indígenas

não se esgota com sua relação espiritual, cultural e tradicional, mas adquire uma

relevância fundamental a respeito dos direitos coletivos, chamados de terceira

geração, que são os que garantem sua própria existência como povo: livre

autodeterminação, autonomia e autogoverno dos povos indígenas, garantidos pela

Declaração das Nações Unidas.

Estes direitos, como afirma Souza Filho (2006), não podem se desenvolver

plenamente sem um território. O direito ao próprio território torna operativos estes

direitos coletivos, porque é impossível a autonomia dos povos indígenas sem um

território que lhes permita existir como uma coletividade política.

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5 CURRÍCULO: BREVE REFLEXÃO SÓCIO-HISTÓRICA E EPISTEMOLOGIA

Este capítulo se destina a promover uma revisão teórica acerca da gênese do conceito

de Currículo na tentativa de investigar as suas perspectivas e seus desdobramentos.

Tal capitulo se inicia com a história das disciplinas escolares, na tentativa de

proporcionar um novo olhar ao ensino dos conteúdos escolares e currículo escolar.

5.1 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO E CURRICULO ESCOLAR

A obra de André Chervel, “História das Disciplinas Escolares: reflexões sobre um

campo de pesquisa” aborda o âmbito das disciplinas escolares, as quais considera

elementos centrais e privilegiados na análise da história dos currículos.

Nesse sentido, para Chervel (1991), atender e esclarecer a natureza das disciplinas

escolares permitiria superar o reducionismo historiográfico em que a história do ensino

incide quando se concentra no ponto de vista das instituições, das populações

escolares, nas políticas educativas ou nas ideias pedagógicas. Quando isso ocorre

não se está realizando algo historiograficamente diferente de uma investigação da

história de outras instituições não escolares, de outros grupos sociais, etc.

Contrariamente, as disciplinas escolares superam esse marco historiográfico

tradicional sempre e quando deixam de ser percebidas como meras adaptações ou

vulgarizações das diversas ciências e passam a ser compreendidas como uma

realidade mais complexa que inclui “não somente as práticas docentes da aula, mas

também as grandes finalidades que presidiram sua constituição e o fenômeno de

aculturação de massas que ela determina” (CHERVEL, 1990, p. 184).

Propõe, portanto, uma profunda revisão da própria noção de disciplina escolar que,

longe de ser “o que se ensina e ponto”, uma entidade sinônima de “conteúdos” ou de

“matérias”, constitui uma conexão mais complexa, de natureza precisa e específica.

Nessa mesma questão coincidem também os historiadores do currículo que, em suas

determinações sobre o que sejam as disciplinas escolares, negam que constituam

“entidades monolíticas”, afirmando, contrariamente, sua natureza de “amálgamas

mutáveis de subgrupos e tradições” (GOODSON, 1997, p. 37).

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Porém, essa revisão é difícil, dada a arraigada concepção de que a escola indígena

administra como conteúdo de ensino (disciplinas escolares) os saberes, os rituais, os

conhecimentos técnicos e científicos da comunidade em que está imersa. Como se

dirige ao nível infantil, isso impedira que se ensinasse em sua integridade e em estado

puro esses saberes e, portanto, as disciplinas escolares apresentariam esse

conhecimento científico, relativo às diferentes ciências de referência, simplificado,

vulgarizado, didatizado, enfim, entendendo as disciplinas como uma combinação

adequada de saberes e métodos pedagógicos, sendo estes últimos uma espécie de

mecanismo facilitador dessa transmissão ou, ainda, conforme Chervel (1990), “o

lubrificante que faz a engrenagem girar”.

Nesse sentido, considerando-se que a escola não se define por uma simples função

de transmissão de conhecimentos e de iniciação às ciências, mas que nela se

encontram explícitos outros objetivos que necessariamente devem ser transformados

em ensino e que a especificidade desse ensino, no qual o discurso se modula em um

“corpo a corpo” entre professor e alunos, a verdadeira natureza das disciplinas

escolares será de produtos autônomos que constituem claramente uma criação

espontânea e original do sistema educativo e nunca uma mera simplificação das

ciências de referência (CHERVEL, 1990).

Na comunidade indígena Pankará além de ser trabalhado os livros comuns, fornecidos

pelo governo, também são inseridos nas disciplinas escolares as produções

realizadas na própria comunidade, com o objetivo de atender ao currículo específico

e diferenciado defendido pela educação escolar indígena, configurando na

contribuição de Chervel (1990) quando se trata da verdadeira natureza das disciplinas.

Nas palavras de Chervel:

[Trata-se de um] vasto conjunto cultural amplamente original que ela secretou ao longo de decênios ou séculos e que funciona como uma mediação posta a serviço da juventude escolar em sua lenta progressão em direção à cultura da sociedade global (CHERVEL, 1990, p. 200).

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Desta forma, qualquer pesquisa sobre a história das disciplinas não poderia ser

absorvida pelo campo da história da cultura e da história da pedagogia (os saberes e

os métodos), mas exigiria, a partir de um campo novo de análise, revelar sua natureza

específica analisando-se seus elementos constituintes.

Entre estes, basicamente se encontram, segundo Chervel (1990), os conteúdos de

conhecimento expostos pelo professor ou o manual, os exercícios destes conteúdos

(sem os exercícios e seu correspondente controle não é possível fixar uma disciplina),

as práticas de incitação e de motivação e as avaliações.

5.2 A IMPORTÂNCIA DA ABORDAGEM DAS INTENÇÕES SOCIAIS, POLÍTICAS E

ECONÔMICAS DO CURRÍCULO

Dentre os aspectos visíveis que constituem a cultura escolar (discursos, aspectos

organizativos e cultura material), um olhar diferente sobre o currículo permite uma

abordagem compreensiva sobre como as escolas se acomodam às políticas

educativas e aos seus ditames e o vislumbre das possibilidades de modificar

profundamente a prática educativa como um todo, em seus processos e resultados.

Sacristán (2017), referindo-se aos componentes do currículo explícito – metas e

objetivos, conteúdos, critérios metodológicos, de avaliação e promoção, entre outros

-, tanto na instância de sua formulação como nas definições institucionais e como

instrumentos de dominação da estrutura político-econômica são precedidos por

articulações e negociações que expressão histórias de lutas de imposição de um

arbitrário cultural e resistência a essa imposição.

Tanto a imposição como a resistência se manifestam de diferentes formas e sentidos

nas práticas concretas dos sujeitos e os estudos realizados por Goodson (1995) na

Inglaterra expressaram que são nas salas de aula onde se cruzam as práticas com as

ideologias. O autor destaca que sem uma apreciação das complexidades da vida nas

salas de aula não é possível desvelar seu verdadeiro significado e as relações de

poder que nela se escondem.

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Desta maneira, entende-se que falar sobre currículo escolar, sobretudo relacionando-

o a comunidades tradicionais, é abordar de forma eficaz todo o conjunto de

especificidades sobre as quais a instituição de ensino, no papel de órgão formador,

tem por obrigação social discutir e buscar por meio de ações concretas a

conscientização dos indivíduos que a frequentam (SANTOS; LOPES, 2013).

No cenário brasileiro, no qual as desigualdades são profundas e a educação deve ser

definida em termos políticos, o currículo é compreendido como o lugar a partir do qual

se pode (e deve) construir o conhecimento. O conhecimento, contudo, não é algo

objetivo e, portanto, não há lugar para a transmissão de conteúdos. O mesmo

conteúdo em que consiste o conhecimento é uma construção, também por parte dos

alunos, a escola é o lugar da construção de significados e a pedagogia é o momento

da construção de significados (SILVA, 2015).

Vale ressaltar que, a abordagem do conceito de currículo remete a um extenso e

profundo debate acadêmico e ideológico que se acirrou nas últimas décadas. Autores

reconhecidos, como Goodson e Popkewitz, dentre tantos outros, se referem ao

contexto sócio histórico que dá sentido às problemáticas emergentes em torno do

currículo.

No que se refere aos conteúdos científicos trabalhados nas salas de aula de escolas

indígenas, a comunidade indígena Pankará, traz em seu Projeto Político Pedagógico

uma análise dos eixos norteadores como proposta curricular de todas as disciplinas

para 26 escolas das 53 aldeias.

De acordo com o PPP Pankará, (2007, p. 29):

Constitui-se, a matriz central das expectativas do trabalho docente em sala de aula, ou seja, incorporam valores morais, atitudes, crenças e modos de trabalho. Procuram entender a dimensão do conhecimento, na perspectiva de construção, sendo assim, professores/as, alunos/as, lideranças e comunidade, participantes ativos dos processos de ensino/aprendizagem.

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Nesse sentido o centro das discussões pedagógicas não é especificamente a

discussão de componentes curriculares ou disciplinas isoladas, mas sim os

sujeitos, que atuando coletivamente, articula sobre as situações didáticas os

conteúdos, transformando-os em objetos de saber pedagógico escolar.

Com diferentes matrizes, que se desenvolvem e se contrapõem ao longo da obra de

muitos autores, de acordo com Sacristán (2017) pode-se reconhecer dois grandes

momentos no estudo sobre o currículo: primeiro, um desenvolvimento do chamado

currículo formalista ou acadêmico, que se refere fundamentalmente às abordagens e

problemas “utilitaristas” dos gestores da educação.

O segundo, posterior, mesclado com perspectivas críticas, produz modelos teóricos

a partir dos quais se reformula o objeto de estudo e suas aproximações

metodológicas.

O currículo da educação escolar Pankará, ao eleger determinados objetos de

estudo nos processos de aprendizagem dentro do universo escolar, para os

professores o que é realmente relevante são os aspectos indenitários, e esses

conhecimentos fazem parte do contexto social, histórico e político do povo. Desse

modo, a comunidade Pankará consegue construir um modelo teórico a partir da

reformulação do objeto de estudo Sacristán (2017).

Os professores/as da comunidade Pankará, ao planejarem a matriz curricular através

dos eixos norteadores, nos momentos pedagógicos, passam a identificar como

necessário a relação entre o conteúdo a ser aprendido e a dimensão sociocultural.

Entende-se que a terra, identidade, organização, história e Interculturalidade formam

os eixos norteadores trabalhados na matriz curricular Pankará. A partir desses cinco

eixos as escolas atualizaram os seus diversos projetos pedagógicos e políticos que

são desenvolvidos nas aldeias.

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No caso de Popkewitz, observam Ferreira e Jaehn:

Buscando elaborar uma História do Currículo que perceba o conhecimento escolar como uma questão de regulação social, Popkewitz (2001) nos alerta para o quanto participamos da vida moderna disciplinados por sistemas de pensamento especializados. Segundo o autor, o currículo cria regulação em dois níveis: em um primeiro, impondo certas definições acerca dos conhecimentos supostamente válidos; em um segundo, produzindo “regras e padrões que guiam os indivíduos ao produzir seu conhecimento sobre o mundo” (FERREIRA; JAEHN, 2010, p. 8).

Neste caso, o currículo Pankará na prática pedagógica, funciona como regra, e padrão

a ser seguido para elaboração de todos os documentos relacionados a educação

escolar indígena. O currículo sofre alteração a cada bimestre, fazendo a junção de

conteúdo do povo (tradições, sabres antigos e rituais) com conteúdo da proposta

curricular da Secretaria de Educação do Estado.

Reconhecer nos estudos sobre o currículo as intenções sociais, políticas e

econômicas que normalmente são silenciadas por detrás dos discursos sobre a

educação, ou seja, desmascarar as relações de poder e controle que os grupos

hegemônicos exercem sobre a educação produziu um ponto a partir do qual se analisa

os currículos como estruturas culturais e sociais muitas vezes arbitrárias e

conflituosas.

5.3 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE O CURRÍCULO

O currículo como campo especializado do fazer educativo normalmente é tido como

algo cuja origem remonta ao princípio do século XX, mas segundo Hamilton (1992, p.

41), “[...] um ponto de partida conveniente, entretanto, é o Oxford English Dictionary,

que localiza a fonte mais antiga de ‘curriculum’ nos registros de 1633 da Universidade

de Glasgow”. O termo aparece, nesses registros, como um atestado concedido a um

graduado, referindo-se ao total do curso e não a unidades pedagógicas menores.

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Hamilton observa:

Embora haja algumas pontas frouxas nesta história [...], o tema geral parece claro. O termo educacional “curriculum” emergiu na confluência de vários movimentos sociais e ideológicos. Primeiro, sob a influência das revisões de Ramus, o ensino de dialética ofereceu uma pedagogia geral que podia ser aplicada a todas as áreas de aprendizagem. Segundo, as visões de Ramus sobre a organização do ensino e da aprendizagem tornou-se consoante com as aspirações disciplinares do calvinismo. E, terceiro, o gosto calvinista pelo uso figurado de “vitae curriculum” – uma frase que remonta a Cícero (morte: 43 A.C) – foi ampliado para englobar as novas características de ordem e de sequência da escolarização do século XVI (HAMILTON, 1992, p 47).

De acordo com Hamilton (1992), a partir da divisão dos alunos em classes, com uma

vigilância mais estreita, o conteúdo e os métodos pedagógicos foram refinados. Em

consequência, o ensino e a aprendizagem passaram a ser influenciados por controles

externos.

Prosseguindo, Goodson pondera:

[Posteriormente] se nos voltarmos especificamente para o desenvolvimento escolar da Inglaterra [na Revolução Industrial] [...] a intersecção da pedagogia e do currículo começa a parecer-se mais com os padrões “modernos”. Como afirmou Bernstein (1971), pedagogia, currículo e avaliação considerados em conjunto, constituem os três sistemas de mensagens através dos quais o conhecimento educacional formal pode ser realizado; constituem neste sentido, uma epistemologia moderna (GOODSON, 1995, p. 34).

Na década de 1850, a característica do poder de diferenciar do currículo encontrava-

se institucionalizada. Segundo Goodson (1995), com o surgimento dos exames

secundários e a institucionalização da diferenciação curricular, o currículo se

destinava a identificar e a diferenciar socialmente, ocupando uma posição definitiva

na epistemologia da escolarização. Entre os séculos XIX e meados do século XX,

organizou-se o sistema de sala de aula em matérias, aulas, horários, notas, etc. que

nortearam as inovações posteriores dos sistemas educativos.

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Ferreira e Jaehn analisam essa evolução:

Podemos dizer que, embora as preocupações com a História do Currículo remontem aos anos de 1970, com a emergência da nova Sociologia da Educação (SILVA, 1995), os estudos sócios históricos no campo são relativamente recentes. Afinal, é somente na década posterior que eles começam a ser desenvolvidos por sociólogos e por curriculistas ingleses e estadunidenses, além de alguns historiadores franceses, em perspectivas teóricas metodológicas diversas (FORQUIN, 1993). Também no Brasil, os estudos em História do Currículo surgem, de forma incipiente, no final dos anos de 1980, fomentando o aparecimento posterior de grupos de pesquisa e o diálogo com seu principal interlocutor: Ivor Goodson (FERREIRA; JAEHN, 2010, p. 2).

Ponderam também Ferreira e Jaehn (2010), ressaltando as contribuições de Goodson

e de Popkewitz para a análise histórica do currículo, que o primeiro considera que o

currículo é o aspecto principal para analisar a escolarização, porque contém

elementos que revelam as relações entre a escola e a sociedade, as estruturas de

poder presentes na educação e os conflitos inerentes ao currículo em sua conexão

com o poder dos grupos dominantes sobre a escolarização. Já, Popkewitz afirma que

a análise histórica do currículo deve seguir uma ótica epistemológica social,

vinculando historicamente a subjetividade dos indivíduos e as questões de poder e

regulação da razão e da racionalidade que devem ser questionadas (FERREIRA;

JAEHN, 2010).

Em uma perspectiva abrangente sobre a história do currículo, Goodson (1995, p. 132)

enfatiza que é necessário que “(...) analisemos a administração e organização de

estruturas e sistemas educacionais através de uma análise mais ampla dos legados

perenes de status, recursos, currículo e política de exames”, para que tanto

historiadores como responsáveis pelo estabelecimento de políticas educacionais

desvelem o currículo como objeto histórico e social.

No caso da educação escolar indígena, os direitos estabelecidos na Lei de Diretrizes

e Bases de 1996 e nas legislações subsequentes enfatizam que a educação escolar

indígena deverá ter um tratamento diferenciado em relação às outras escolas do não

índio, pois a mesma é determinada pela prática da Interdisciplinaridade nos eixos;

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Terra, Identidade, História, Organização e Interculturalidade. Porém esses métodos

de ensino estar bem discutidos e compreendidos no currículo Pankará.

5.4 OS ASPECTOS SOCIOCULTURAIS DO CURRÍCULO

Viñao Frago e Escolano (2001, p. 28) enfatizam que não apenas a escola (espaço),

mas sua localização urbana deve ser analisada como parte do currículo. O espaço

que a escola ocupa na trama urbana revela a sua imagem “como centro de um

urbanismo racionalmente planificado ou como uma instituição marginal e

excrescente”.

Acrescentam:

A arquitetura escolar, além de ser um programa invisível e silencioso que cumpre determinadas funções culturais e pedagógicas, pode ser instrumentada também no plano didático, toda a vez que define o espaço em que se dá a educação formal e constitui um referente pragmático que é utilizado como realidade ou como símbolo em diversos aspectos do desenvolvimento curricular. Em algumas metodologias, inclusive, como a montessoriana, o planejamento do ambiente e do espaço é “parte constitutiva e irrenunciável de um novo modo de considerar a criança”, de tal maneira que os objetos e projeto educativo guardam, entre si, uma íntima relação (VIÑAO FRAGO; ESCOLANO, 2001, p. 48).

De acordo com Viñao Frago e Escolano (2001), a arquitetura e os cenários escolares

são espaços com uma forte carga simbólica, pois representam e reproduzem uma

determinada concepção da educação, determinados valores socioculturais, um

modelo de ordem social e determinadas relações de poder.

Estes espaços influenciam tanto ou mais do que os próprios conteúdos curriculares

no processo de ensino-aprendizagem das diferentes disciplinas através de sua

evocação e interferem na formação social, política e inclusive moral da cidadania.

Portanto, o estudo do espaço escolar, das rotinas geradas em seu interior, das

relações pessoais que se desenvolvem nas escolas e dos “textos invisíveis” que

comporta esse espaço é essencial não apenas para estudar como se configuram os

distintos códigos disciplinares, mas também para entender o surgimento, a

reconfiguração e a manutenção de determinados discursos e representações

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socioculturais presentes nos currículos e que têm um grande peso no imaginário

coletivo.

Na perspectiva de Goodson (1995), a história do currículo tem como objetivo explicar

os processos pelos quais os grupos sociais selecionam os conhecimentos e as

crenças, que passam a fazer parte das instituições e da ideologia dominante. O objeto

de seu estudo é, portanto, o processo de produção cultural. Aplicado à educação, trata

de entender por que se selecionam certos conteúdos e práticas e se excluem outros.

No processo de formação curricular da comunidade indígena Pankará. Os conteúdos

e as práticas formam um conjunto de sabedoria que vem da educação familiar Pankará

para a educação escolar, local no qual aprendem desde os ensinamentos da história

de luta, da cultura, da tradição, dos valores, dos saberes e dos ensinamentos dos mais

velhos. Isso inclusive contribui para a permanência do Pankará no território.

“O currículo da educação escolar indígena da comunidade Pankará é específico e diferenciado porque buscamos trabalhar a cultura do povo Pankará, do povo do aluno, e depois abordamos o conteúdo segundo as visões das demais culturas. Primeiro aprendemos o que é nosso depois expandimos para os conhecimentos de outras culturas” (PROFESSORA PANKARÁ).

Este estudo situa a escola dentro dos processos sociais que legitimam o regime

econômico da sociedade. A escola, em suma, tem dinâmicas próprias que justificam

o status quo através da configuração de saberes autônomos dentro do sistema

educativo, dos processos de avaliação, da produção de materiais didáticos, etc.

“O material didático é construído através de pesquisas que realizamos juntos com os alunos, buscando informações com os mais velhos. Fazemos a socialização das pesquisas, e assim montamos o material” (PROFESSORA PANKARÁ).

Nesse sentido, para o povo Pankará a definição de currículo baseia-se no

fortalecimento da luta pela terra e valorização da cultura, reafirmando uma identidade

étnica, valorizando os saberes, hábitos e ideias para a formação de guerreiros e

guerreiras Pankará que respeite e proteja todo patrimônio indígena, (matas, terreiros,

fontes de água, o idoso, a criança, pedras sagradas) e os conhecimentos dos

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antepassados, como, plantas medicinais, rituais, toantes, danças de toré e a arte

baseada principalmente no caroá, sendo também elemento fundamental e

estruturante do currículo o respeito, a partilha, a união para um bom convívio social e

qualidade de vida.

Goodson (1997) contribui com uma perspectiva social, crítica e histórica, reconhece

um lugar característico e importante do saber que circula na escola e que constitui,

entre outros aspectos, uma forma naturalizada do currículo escolar.

Estes saberes de ordem disciplinar, como produtos históricos da cultura escolar,

operam, segundo Viñao Frago e Escolano (2001), como organismos vivos: nascem,

evoluem, se transformam, desaparecem, se reestruturam, se dividem, competem,

intercambiam informações, se isolam, se aproximam ou se repelem ou são

indiferentes entre si, modificam sua denominação e aparência, se hierarquizam,

demarcam seu território.

Esta perspectiva demonstra a necessidade de interpretar, reconhecer, admitir e

reafirmar historicamente, por um lado, a participação real e concreta do professor na

construção do sentido do saber ensinar que integra seu conhecimento profissional. P

Por outro lado, também demonstra a exclusividade do conhecimento que se ensina

na escola e, mais concretamente, na sala de aula, dos processos de produção

discursiva e, consequentemente, do sentido que é construído pelos professores

relativamente ao currículo escolar (GOODSON, 1997a).

Pela fala da professora de português, observa-se que na sala de aula, as crianças e

jovens, aprendem a valorizar as tradições religiosas, as expressões orais, escritas e

artísticas presentes na comunidade:

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“Sim, a interdisciplinaridade do currículo acontece quando ao estudar uma disciplina sempre trazemos um aspecto particular nossa cultura. Por exemplo, exemplo, a disciplina de português tratamos com textos que contam nossa história, que falam do nosso território. Essa forma já abordamos aspectos do conteúdo de história e geografia” (PROFESSORA PANKARÁ).

A liderança Pankará compreende o processo de construção curricular de forma ampla,

no qual privilegia tanto o conteúdo das bases curriculares nacionais, quanto a história

do povo Pankará de forma contextualizada.

Ao mesmo tempo, Goodson (1997b) enfatiza que o currículo escrito não é senão o

testemunho visível, público e mutável dos fundamentos racionais selecionados e a

retórica legitimadora da escolarização. Como tal, promulga e sustenta certas

intenções básicas da escolarização materializadas em estruturas e instituições.

Goodson (1997b) afirma ainda que o currículo escrito defina os fundamentos racionais

e a retórica da disciplina, esta definição representa unicamente o aspecto mais

tangível de extensa trama de recursos, finanças e análises, bem como do material e

dos interesses profissionais associados ao currículo. Nesta simbiose, é como se o

currículo escrito proporcionasse uma guia para a retórica legitimadora da

escolarização, promovida através de modelos de destinação de recursos, de

atribuição de status e de distribuição profissional (GOODSON, 1997b).

Em resumo, o currículo escrito proporciona um testemunho, representa uma fonte

documental, um mapa variável do terreno sendo, ao mesmo tempo, uma das melhores

guias auxiliares para a reflexão sobre a estrutura institucionalizada da escolarização.

Assim, são fundamentais para o projeto de reconceitualização profunda dos estudos

curriculares os diversos âmbitos e os vários níveis em que se produz, se negocia e se

reproduz o currículo.

O papel do PPP da escola indígena Pankará é considerado como um projeto de futuro,

além de transmitir a formação e exercício da cidadania, os diferentes conhecimentos,

as novas tecnologias, a arte e a cultura, a compreensão do ambiente natural e social,

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da organização política e do processo histórico como oportunidade a melhoria da sua

qualidade de vida.

A caminhada para uma visão construtivista mais histórica e social do trabalho

curricular exigiria a consideração de todos esses âmbitos e níveis, mas esta tarefa é

algo bastante complexa, uma vez que o currículo se constrói em uma grande

variedade de âmbitos e de níveis e existem diferenças e contrastes consideráveis

entre o currículo escrito e o currículo como atividade em sala de aula (GOODSON,

1997b).

Desse modo, é possível compreender que nenhuma investigação conseguirá

abranger todos os cenários desse processo e existem diferentes riscos nesse

caminho. Um desses riscos é que ao tratar do currículo prescrito apenas é possível

que se obtenha uma visão desconectada da realidade. O outro risco é que, ao mesmo

tempo, um olhar que se volte unicamente para a prática de ensino pode não fornecer

os subsídios e as referências necessárias à compreensão do currículo formal.

Dito de outro modo, de acordo com o que foi enfatizado por Goodson (1995, p. 78), é

fato que “se os especialistas em currículo ignoram completamente a história e a

construção social do currículo, mais fáceis se tornam a mistificação e reprodução de

currículo ‘tradicional’, tanto na forma como no conteúdo”.

Com base nessa constatação, Goodson (1997b) afirma que o estudo das disciplinas

e do currículo escolar exige um enfoque mais amplo, que examine as relações entre

o conteúdo e a forma das disciplinas escolares e os problemas do processo e da

prática em sala de aula.

Devem também ser exploradas noções do currículo consideradas em um sentido mais

amplo: o currículo oculto, o currículo entendido como temas e atividades e, acima de

tudo, o currículo pré-escolar e o da escola primária (GOODSON, 1997b).

Compreendem também as habilidades adquiridas pelos alunos quanto às formas de

transgredir as normas, as simulações, os comportamentos adaptativos para agradar

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os professores, a apresentação de tarefas, vocabulário, entre outros, bem como o que

se define como a “(...) aprendizagem do ofício de aluno” (CAMACHO, 2010, p. 35).

As influências que os professores exercem sobre seus alunos, “(...) nomeadas como

ensinamentos explícitos, começam ainda antes do encontro pedagógico em aula”,

com a seleção e sequenciação dos conteúdos, as opções metodológicas, o lugar da

avaliação como parte do processo de ensino ou como instrumento de controle

(CAMACHO, 2010, p. 37).

Na medida em que os estudos explorem a relação entre o conteúdo das disciplinas e

os parâmetros da prática, serão conformadas bases mais sólidas para determinar a

estrutura do mundo da escolarização.

Essa perspectiva vai ao encontro do argumento de Silva (1999) de que o currículo, tal

como concebido por Popkewitz, é um campo discursivo através do qual se constroem

os sujeitos da escolarização. A construção desses sujeitos se dá em sua configuração

pessoal como indivíduos que se autorregulam, que se autodisciplinam e que refletem

sobre si próprios como indivíduos, como membros de uma comunidade ou sociedade,

ou seja, o currículo é uma prática discursiva e cultural através da qual se constituem

sujeitos sociais.

É essencial, nesse sentido, modificar o foco da compreensão tradicional do currículo

e das disciplinas que o compõem enfatizando não o que os alunos têm opção de

aprender, mas o que não têm oportunidade de aprender, descobrindo como e por que

são oferecidas oportunidades e se deixam outras de lado nos processos de seleção

curricular. Em síntese, para Silva (1999, p. 187), em sua perspectiva sociocultural, o

currículo “é lugar, espaço, território, relação de poder, trajetória, viagem, percurso,

autobiografia, própria vida, forja de identidade, texto, discurso, documento, o currículo

é documento de identidade.

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6 A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NA COMUNIDADE PANKARÁ

Este capítulo apresenta os resultados das pesquisas bibliográfica, documental e de

campo. Alguns fragmentos das falas dos entrevistados (Cacica Dorinha, professores

indígenas e gestores escolares) esclarecem os elementos apreendidos, à luz das

categorias analíticas eleitas na revisão de literatura, tais como educação escolar

indígena, currículo e identidade, além de questões outras, pertencentes a esse campo

de estudo. Foram sintetizadas algumas inquietações que emergiram a partir da

pesquisa in loco, tendo como direcionamento principal a seguinte indagação: quais

são as implicações do currículo escolar na afirmação da identidade da comunidade

indígena Pankará? A partir dela, conduziremos as análises que definirão o corpus

deste projeto. Tendo em vista tal problemática expressa, nosso objetivo é

compreender as implicações do currículo escolar da comunidade indígena Pankará

no sentido de valorização e consolidação da identidade.

6.1 CURRÍCULO PANKARÁ: DA MILITÂNCIA AS GARANTIAS LEGAIS DE

DIFERENCIAÇÃO

No intervalo entre os anos 1970 e 1980, verificou-se uma intensa mobilização das

comunidades indígenas no Brasil na tentativa de garantir acesso aos direitos básicos

como saúde, território e educação.

Nesse período, foi verificado também uma militância a favor da Educação Escolar

Indígena (EEI), que foi caracterizado pela mobilização e participação de organizações

não governamentais pró-índio na articulação de encontros nacionais de educação

para índios e na criação de projetos alternativos de educação escolar diferenciada

para os indígenas (FERREIRA, 2001, p. 87).

A partir da CF 1988, o Estado assumiu o discurso da educação diferenciada enquanto

um direito dos índios e algumas medidas oficiais foram tomadas no sentido de

normatizá-la no país (GRUPIONI, 2008, p.14).

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“Fruto da nossa luta, e da Comissão de Professores/as Indígenas do Estado de Pernambuco (COPIPE), nossa educação escolar foi

estadualizada em 2004, a partir de uma decisão política dos 10 Povos indígenas em Pernambuco para garantir o nosso direito a uma educação escolar específica, diferenciada e intercultural”. (CACICA DORINHA, 2018).

Observa-se, na fala da cacica Dorinha, que ela cita a Comissão de Professores/as

Indígenas do Estado de Pernambuco (COPIPE) como uma forma de representação,

e na tentativa de viabilizar a estadualização da EEI no Estado de Pernambuco, e na

comunidade indígena Pankará.

A Comissão de Professores/as Indígenas de Pernambuco - COPIPE - foi criada em

novembro de 1999, durante o I Encontro de Professores Indígenas de Pernambuco.

É composta por 3 (três) representantes de sete das 10 (dez) comunidades indígenas

em Pernambuco, sendo dois professores/as e uma liderança por povo (AMORIM,

2014).

Ainda conforme Amorim (2014), destaca que mesmo diante da constituição brasileira

de 1988 e uma vast ç ,a documentação oficial reconheçam os indígenas como povos

com culturas diferenciadas vivendo dentro do Estado brasileiro, a prática dos órgãos

responsáveis não vem contribuindo para a efetivação desses direitos. O que tem sido

verificado é que só com pressão política e articulação dos povos indígenas é que a lei

é cumprida.

No mês de abril do ano de 2015, foi debelado um incêndio na comunidade indígena

Pankará, no local onde ficavam guardados os instrumentos, as vestes, as peças

tradicionais utilizadas nos cultos, e nas escolas indígenas.

“Sofremos muitas perseguições na prática dos nossos rituais. Há pessoas que querem nos intimidar, destruir nossa história e nos impedir de dar continuidade à nossa luta por território”. (CACICA DORINHA, 2018).

Nesse depoimento, observa-se que a comunidade Pankará vivenciava também uma

tentativa de silenciamento das suas práticas e rituais.

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Antes da estadualização da EEI, a educação escolar Pankará estava subordinado a

secretária de educação do município de Carnaubeira da Penha-PE, portanto, os

recursos federais eram destinados diretamente para o município.

Porém, após o movimento pela EEI, estava na pauta de discussão a estadualização

da educação escolar. Isso iria, de certa forma, comprometer a receita do município,

principalmente em relação a verba do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da

Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que

atendia um total de 1.454 estudantes da educação básica, da creche ao ensino médio,

somente da comunidade Pankará.

Esse fato teria gerado descontentamento e perseguição por partes dos agentes

municipais, segundo nos informou uma das entrevistadas:

“Membros da elite agrária e do município tentam se apropriar da identidade indígena, e usurpar a liderança do povo Pankará, principalmente no que se refere a administração do território, e nas decisões políticas sobre a educação escolar indígena. Esse movimento significa uma nova estratégia de ocupação do território através da apropriação da identidade Pankará”. (CACICA DORINHA, 2018).

Esse relato da cacica Dorinha, está em conformidade com o pensamento de Castells

(2009), no que tange aos tipos de identidade. Percebe-se, um movimento de

resistência, construindo dessa forma, trincheiras de oposição, de alternativa e de

sobrevivência, em contradição com as instituições e organizações da sociedade. Na

tentativa de assegurar uma EEI para a comunidade indígena. Tais identidades se

constroem através do processo de territorialização (relações de domínio e de

apropriação de um determinado espaço, consolidando um poder ao mesmo tempo

concreto e simbólico, (HAESBAERT, 2004, p. 339).

“A partir do momento que o indivíduo conhece sua identidade, ela vai se auto afirmar não somente no território ao qual ele pertence, mas em qualquer outro lugar onde se encontre. ” (GESTORA PANKARÁ).

Outro relato de perseguição por parte do poder municipal, que era contra a

estadualização das escolas, foi quando o prefeito de Carnaubeira da Penha ameaçou,

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anunciando em carros de som pela cidade, que iria subir a Serra do Arapuá para

resolver definitivamente o caso da educação escolar Pankará (ALMEIDA; SILVA,

2016).

Reagindo à ameaça, como um ato de resistência, conforme afirma Almeida e Silva

(2016) “[...] os índios da Serra do Arapuá fecharam todas as estradas que davam

acesso à Serra, impedindo a ação do prefeito. O movimento é marcado pela dança do

toré [...]”.

Outro acontecimento corresponde à interdição de duas escolas Pankará realizada

também pela Prefeitura de Carnaubeira da Penha, em 2008, situação que

desestabilizou a organização interna do povo, das escolas, e privou, temporariamente,

os estudantes indígenas de terem acesso à educação escolar (ALMEIDA e SILVA,

2016).

Esse último caso, foi registado um boletim e encaminhado as autoridades, conforme

o documento, datado de 20 de fevereiro de 2008:

[...] as escolas indígenas Quintino de Menezes e Sagrada Família, localizadas em Casa Nova e Enjeitado, respectivamente, foram “interditadas” pela gestão municipal, tiveram suas fechaduras trocadas e até vigilância 24 horas, para evitar que as lideranças dos Pankará a elas tivessem acesso. Destaque-se que essas duas escolas são as que têm o maior quantitativo de alunos e se constituem como Unidades Executoras, tendo, portanto, o maior percentual do FUNDEB (ALMEIDA e SILVA, 2016, p.5).

Em muitos depoimentos, tanto dos professores quanto dos gestores, fez-se alusão à

estadualização da educação escolar indígena, como um movimento de conquista e

vitória, como um novo marco na história do povo Pankará, conforme depoimento da

gestora escolar:

“Hoje temos autonomia e com isso podemos assegurar no currículo os ensinamentos da nossa cultura. Dessa forma percebemos que com o passar dos anos tivemos muitas mudanças em relação à educação escolar, após anos de luta, temos uma educação específica e diferenciada mantida pelo governo do Estado”. (GESTORA PANKARÁ).

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Conforme depoimento da gestora escolar, no que tange às mudanças no processo de

formulação curricular, esse pensamento corrobora com o pensamento de Bourdieu

(1983), quando afirma que é necessário pensar numa educação escolar que desoculte

estas relações de poder e legitimação no interior do currículo e que possibilite a

aquisição/ apropriação de capitais culturais/ simbólicos que têm valor como

“instrumentos” de luta política para a mobilidade dos indivíduos ou grupos no espaço

social.

“Nós educadoras Pankará avaliamos o processo de formação curricular, através da participação contínua em muitos dos aspectos da vida diária, dentro da escola e fora dela: na roça, nos movimentos da comunidade, nas atividades culturais, na vida familiar”. (GESTORA PANKARÁ).

A estadualização das escolas aconteceu junto com o processo de reconhecimento

oficial do povo Pankará pela Funai, dessa forma, as escolas foram estadualizadas e

reorganizadas, e passaram a ter a característica de uma escola indígena, com o seu

próprio PPP. Sendo uma organização coletiva, feita pelos pajés, pela cacica, pelos

professores, pelas lideranças e membros da comunidade, com processos próprios de

ensino-aprendizagem. O corpo docente passou a ser composto por professores

indígenas, apresentando uma educação específica e diferenciada.

Conforme Troquez (2014) relata, que após reivindicações e mobilizações indígenas

por conta de diversas dificuldades apontadas no campo das políticas e práticas de

EEI, o Estado resolveu reorganizar a estrutura de apoio ao oferecimento da EEI. Para

tal, criou um projeto amplo que envolve a participação coordenada de representantes

do MEC, das Secretarias de Educação estudais, da FUNAI, das instituições

indigenistas e de indígenas na proposição de uma nova política de gestão para a EEI.

Este novo projeto é regulado pelo Decreto Nº 6.861, de 27 de maio de 2009, o qual

“dispõe sobre a Educação Escolar Indígena, define sua organização em territórios

etnoeducacionais, e dá outras providências” (TROQUEZ,2014).

Em termos gerais, a educação escolar indígena como campo de política pública,

passou a ter avanços que foram representados nos últimos anos a partir de uma visão

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legal, política e pedagógica. No tocante à questão legal, evidenciou-se um avanço

jurídico-normativo em termos de garantia de autonomia pedagógica e

autodeterminação, a partir do reconhecimento da necessidade de diferenciação da

escola indígena (LUCIANO, 2006).

Com esse ideal de autonomia no processo de formação curricular, houve também a

necessidade de reorganização do povo Pankará na tentativa de melhorar as práticas

pedagógicas praticadas nas escolas. Com isso, o processo de formação do currículo

da educação escolar no povo Pankará passou a ser gerido pela organização interna

de educação escolar Pankará (OIEEP), composta pelos professores e coordenadores

pedagógicos da comunidade, refletindo periodicamente os problemas da educação,

com relação ao desempenho das práticas pedagógicas.

A grande maioria dos professores, gestores e técnicos fazem parte da própria

comunidade e atuam como educadores. Essa nova conjuntura substituiu o modelo

antigo e pragmático de educação modelada para o processo integracionista, a partir

de uma concepção de tutela do Estado.

“Existe um perfil do professor indígena. Primeiramente o professor deve ser do povo Pankará. Além dessa condição, há no PPP a descrição do perfil necessário. Alguns requisitos são exigidos, como ser um professor engajado nas lutas, um professor conhecedor da história do povo, ser um professor pesquisador”. (GESTORA PANKARÁ).

6.2 PROCESSO DE FORMAÇÃO CURRICULAR PANKARÁ: DA TRADIÇÃO A

FORMAÇÃO DE GUERREIROS

As escolas refletem a situação geográfica do povo Pankará, tendo a gestão recebido

contribuições tanto das relações sociais, quanto das relações familiares da

comunidade. No processo de formação curricular, a tomada de decisão, leva em

consideração a participação coletiva da comunidade, tanto na organização como no

planejamento do currículo, PPP, orientação curricular e demais documentos

relacionados.

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“O processo de elaboração do projeto político pedagógico é formado com a participação de toda a comunidade juntamente com os professores. Mediante essa construção nós professores indicamos o que achamos importante inserir no currículo, analisando outros currículos e com base em obras que discorram sobre o assunto. A indicação dos professores é considerada para a formação do currículo apontado quais as disciplinas são essenciais na educação Pankará”. (PROFESSORA DE HISTÓRIA).

O currículo escolar passou a ocupar um importante papel no processo de formação

escolar dos índios Pankará, e os documentos curriculares instituídos oficializaram um

discurso para a gestão de uma educação diferenciada, cujo enfoque principal foi dado

por uma ideia/conceito de EEI como uma educação que deve contribuir para um

diálogo/interação com a sociedade sem deixar de ser “eles mesmos” (ALMEIDA e

SILVA, 2016).

Outra contribuição relevante no que tange ao processo de formação curricular se

manifesta nos trabalhos Goodson (1997) quando afirma que o estudo das disciplinas

e do currículo escolar exige um enfoque mais amplo, que examine as relações entre

o conteúdo e a forma das disciplinas escolares e os problemas do processo e da

prática em sala de aula.

Para o povo Pankará é na tradição onde tudo começa. Com os pajés e anciãos, pois

entendem que eles são as raízes de qualquer projeto da comunidade, que fortalecem

a fé, e que dão “força” para levar adiante as tradições.

“Para nós, currículo são os saberes construídos coletivamente dentro e fora da escola. Para desenvolver uma proposta de organização de saberes e conhecimentos na escola Pankará é necessário discutir sobre o Projeto de Futuro do Povo. Para tanto, precisamos conceituar o que é futuro na visão do Povo Pankará”. (ORIENTAÇÃO CURRICULAR, 2016, p.2).

O projeto de futuro para o povo Pankará está alicerçado no respeito ao sagrado, na

coletividade, na partilha e na tradição em função da luta.

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“A educação escolar indígena tem por base a educação dos Pajés, da

liderança. (resguardando as tradições e memórias). A primeira educação da criança elas aprendem em casa com os Pajés, e assim continuamente através dos movimentos, retomadas. Pois tudo isso é uma forma de luta, e também formação”. (GESTORA PANKARÁ).

Observa-se, na fala da coordenadora, que a educação escolar indígena além de ter

sua prática na aldeia, considerado como espaço sagrado, o processo de educar se

inicia antes mesmo dos conhecimentos adquiridos nas escolas (estruturas físicas). A

educação começa pelos ensinamentos dos pajés.

Figura 06: Dança do Toré entre os professores e alunos

Fonte: Arquivo pessoal.

Nesse âmbito da EEI, como difusor das tradições como forma de contribuir para a

valorização da identidade, além de garantir a permanência do Pankará no território.

Faz-se oportuno recorrer a fundamentação teórica explorada nesta pesquisa,

principalmente quanto ao conceito de identidade que deve ser entendido dentro de um

contexto social onde as relações entre os sujeitos e os espaços estão inseridos. Nessa

perspectiva, Nunes (2010), situa os territórios indígenas como sinônimo de sentido em

resposta a conteúdos simbólicos, a vinculações afetivas entre o homem e o espaço. É

a partir desse significado que o território garante a sobrevivência e a coesão social.

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Percebe-se na fala da professora de matemática, que a base de todo o currículo

escolar obedece um direcionamento básico, reforçando a concepção de que a

formação do currículo Pankará, passa pelo resgate das tradições e memórias do povo

Pankará:

“Currículo para nós é mais do que um norte. É algo que deve estar presente nas nossas emoções, sentimentos, desejos e tudo aquilo que almejamos em viver e realizar no contexto da educação escolar. É nele que deve estar inserido os saberes e práticas tradicionais do povo Pankará, o respeito com o sagrado, pois são eles que nos garante o fortalecimento da nossa identidade. É uma reflexão e sistematização do conhecimento no coletivo que será praticado em ações conjuntamente”. (PROFESSORA DE MATEMÁTICA).

A escola Pankará avança numa relação dos saberes do ensino e aprendizado, os

eventos culturais são praticados com liberdade, a percepção e importância sobre a

mesma é vista com um olhar diferente. Os mais velhos relatam que antes do processo

de demarcação da terra, e da estadualização do ensino, dançava o toré as

escondidas, e hoje a dança acontece dentro da instituição educativa, como parte dos

ensinamentos, e demais lugares apropriados à prática do ritual.

“Consistem em nossos rituais, na mãe terra, na união entre todos, o respeito mútuo e tudo aquilo que é importante para a autonomia do povo. A escola deve ser um laboratório de experimento e as aldeias campos de vivencias”. (PROFESSORA DE ARTE CONTEMPORÂNEA).

As oficinas, feiras culturais e a pratica do cultivo agrícola, são considerados essenciais

para a formação dos guerreiros (as) críticos (as), conhecedores da história Pankará,

lutadores pelos direitos e cumpridores dos deveres, que saiba respeitar e cuidar da mãe

Terra (território), respeitar também as diversidades culturais existentes na sociedade.

Um guerreiro Pankará com uma visão crítica sobre a sua condição humana e a relação

com o outro, sua condição de sujeito histórico indígena, compreendendo o contexto

social, econômico, político e cultural em que vive.

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“Eu considero a educação do povo Pankará diferenciada porque a gente faz o que é da nossa essência, a gente leva para a escola, não que a escola seja só esse espaço em que a gente pode trabalhar isso, o que a gente faz é trabalhar com o que o aluno vive na sua casa, presente na sua aldeia. Por isso que eu acho que a educação é diferenciada porque a gente trabalha com a nossa realidade, com o nosso jeito de ser, com nosso jeito de pensar”. (PROFESSORA DE BIOLOGIA).

De acordo com a fala da professora de Biologia que a formação dos alunos, a educação

escolar indígena Pankará valoriza sua identidade, seus saberes, sua cultura, sua

tradição e seus valores, existe uma busca pela qualidade de vida humana no território.

A educação Pankará tenta fazer com que o aluno se orgulhe de ser índio, que fortaleça

sua identidade, que vivencie seus costumes e valores culturais e que lute pelos direitos

da terra.

Não são apenas os professores que se responsabilizam diretamente pela educação

escolar na comunidade Pankará. A organização interna procura incorporar o maior

número possível de membros das aldeias para realizarem, de forma ampla e com

qualidade, as atividades de planejamento e de ação pedagógica. Pôde-se observar

tal constatação no depoimento que segue.

“Participei do processo de construção do PPP. No processo de elaboração do PP, todos participam, a comunidade, os professores, os alunos, os Pajés, a liderança, cada um contribui com algum conhecimento. Minha contribuição foi no campo pedagógico, pela formação de professor que possuo”. (PROFESSORA DE GEOGRAFIA).

Por sua vez e no que concerne ao processo de construção curricular, Chizzotti e

Ponce (2012), comentam que o currículo é, antes de tudo, uma práxis, mais do que

um objeto inerte ou estático. Constitui uma prática de diálogo entre agentes sociais

(comunidade), coordenadores, alunos e professores que o moldam através de seus

conteúdos, formatos e práticas. Concretamente, deve ser estudado no contexto em

que se configura e em que se expressam as práticas educativas e seus resultados.

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A escola Pankará vivencia um ensinar e aprender característico do seu modo de viver,

na formação de guerreiros/as que mantêm a riqueza cultural e a visão acerca do

conhecer e respeitar outras maneiras de fazer cultura. Esse papel que a escola possui

contribui na reflexão sobre a valorização da cultura numa perspectiva pluricultural, em

que se busca ser autêntico, reconhecendo as outras diferenças. Essa concepção

sobre os saberes do ensinar e aprender Pankará se encontra no PPP, com a seguinte

afirmativa:

O ensino e aprendizagem estão de acordo com as questões culturais, sociais e naturais levando em conta as diversas experiências vividas pelo aluno na comunidade, com outros povos e na sociedade em geral. (PPP. PANKARÁ, 2012, p.12).

As instituições escolares contribuem para o processo de aperfeiçoamento das

relações humanas, de permanência do índio Pankará no território, e de melhoria da

qualidade de vida.

Silva (2015) também afirma que a função da pedagogia é desmascarar a ideologia

hegemônica que perpassa os currículos, implantando uma nova forma de reprodução

do conhecimento, caracterizada pelo valor da igualdade, da justiça social e da

democratização cultural. Desta forma, compreende que a escola não é uma instituição

para transmitir conhecimentos objetivos, mas para reconstruir socialmente o

significado da realidade.

“Participo na construção do PP. Já fui em duas etapas. Minha participação consistiu na sugestão de temas que devam ser trabalhados nas escolas indígenas, como por exemplo uma análise do processo de colonização do povo Pankará, para que assim o movimento possa ser fortalecido. Então sugeri temas como Nação, Línguas e Povo, para que a gente possa compreender como se deu e porque o índio Pankará tem essas características. Durante o processo de elaboração do projeto político pedagógico a gente sai pesquisando com os mais velhos, que é a memória viva do povo Pankará, buscamos também as lideranças. E nesse processo de pesquisa os alunos estão presentes”. (PROFESSORA DE HISTÓRIA).

A escola se tornou um espaço de aprendizagem interdisciplinar e atualmente vem

contribuindo com o fortalecimento étnico e histórico da comunidade. Com portas

abertas para a comunidade, existem diversos saberes que são transmitidos para as

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crianças. É o ambiente da construção de conhecimentos entre os seus integrantes,

que propicia o desenvolvimento pedagógico e afirmação da identidade em sala de

aula através também da interculturalidade.

Os principais objetivos da interculturalidade são a tolerância, a empatia e a

cooperação. Na bibliografia especifica sobre o tema, reclama-se a necessidade de

desenvolver uma pedagogia concreta para essa forma específica de aprendizagem

social. Isso verifica-se no depoimento da professora Pankará:

“Temos um direcionamento intercultural para destacar nossa educação diferenciada e específica, pois as disciplinas são comuns aos eixos. Desta forma, o mesmo exemplo abordado será explorado nas disciplinas presentes naquele eixo, para validar o propósito do eixo”. (PROFESSORA PANKARÁ)

Nessa perspectiva, a interculturalidade implica na criação e a assunção de atitudes

por parte de todos os membros da comunidade educativa que favoreçam a

convivência entre pessoas de diferentes etnias, culturas ou raças. A escola, nesse

sentido, se converte em ume espaço privilegiado para potencializar a tolerância, a

convivência, inculcando o valor positivo da diversidade, sendo a resposta à mesma

um de seus desafios fundamentais (DERRIDA, 2001).

“Considero que o currículo Pankará contribui para a formação da identidade, pois como é pensado para atender as necessidades do povo, ele vai se formar "naquilo" que a gente quer, aquilo que realmente o povo indígena, mais especificamente os Pankará, quer da educação. Um dos critérios é formar guerreiros e guerreiras, e a gente tenta adequar esse currículo dessa forma”. (GESTORA PANKARÁ).

No plano da educação indígena e em congruência com essas características

contextuais, Ferreira (2001) comenta que se sustenta a necessidade de regionalizar

os currículos, embora as práticas de implementação e seleção de elementos culturais

revelem que isso tende a ser realizado a partir de uma visão homogeneizadora.

O interesse, então, deve se concentrar em analisar o currículo da escola (seus

aspectos estruturais e formais e seus aspectos processuais e práticos) em sua relação

com o conteúdo dos discursos da comunidade indígena para delimitar sua incidência

no mesmo.

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“Procuramos colocar dentro do currículo tudo o que vai fortalecer nossa identidade. Ele será a "nossa cara". O currículo será nossa identidade. O currículo é a identidade de uma escola. O currículo faz parte da nossa identidade e precisa refletir nossa identidade, para que alguém possa dizer isso aqui é Pankará. A prova disso, é o momento presente, essa Feira de Cultura é elaborada por nós professores, pela coordenação da escola e Lideranças. Há esse engajamento, que contribui para o fortalecimento da nossa identidade, do ser Pankará, da pessoa Pankará, pois a partir do momento que eu estou indo a uma liderança buscando realizar uma pesquisa, indo a um ancião buscando uma pesquisa eu não vou só, eu vou com meu aluno, sendo esse um contexto de fortalecimento da identidade”. (PROFESSORA DE ARTE INDÍGENA).

Ainda é importante compreender, que a transformação do conhecimento em sala de aula

como uma dimensão essencialmente política do currículo, pois este não é neutro, mas

normativo. A pedagógica, pois, é interpretada dentro da necessidade de construção da

realidade social, como fruto da interação, de situações e criações que, com base no

currículo, redefinem o conhecimento como meio para definir o mundo e as relações

sociais (LOPES; MACEDO, 2013).

Apreendeu-se desse depoimento da professora de arte indígena, que a finalidade da

educação indígena nessa proposta de autonomia se constitui no fortalecimento e da

continuidade de suas culturas e crenças, a partir da redefinição da estrutura do

currículo.

A escolha do currículo é participativa e tem na percepção dos povos a sua maior

legitimidade, de acordo com a vontade anunciada e a decisão de cada povo ou

comunidade (PALADINO; ALMEIDA, 2012).

6.3 EIXOS NORTEADORES PEDAGÓGICOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR PANKARÁ:

EXPECTATIVAS E PERSPECTIVAS

Na busca de conhecer as características da educação escolar da comunidade

pesquisada, verificou-se que os processos de ensino e aprendizagem na comunidade

Pankará, que é uma questão relevante em relação à vivência dos princípios referentes

à escola indígena, é uma das garantias da construção de uma escola realmente

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específica e diferenciada, que traz as incorporações dos eixos nas práticas

pedagógicas da escola indígena.

“Nós trabalhamos com os eixos que norteiam nossa educação, e dentro dos eixos existem as disciplinas. As disciplinas serão comuns, o que diferencia são os eixos. Os eixos são para nortear o que é necessário ter, o que é necessário trabalhar na escola, como Organização, Terra. Dessa forma, entendo que não tem disciplina mais importante no processo de formação da identidade, pois todas trabalham um quesito necessário para a construção do que almejamos como povo”. (PROFESSORA DE CIÊNCIAS).

Na educação escolar Pankará, eixo pedagógico significa expectativas e perspectivas de

práticas de ação político-pedagógico. Os eixos também são formas de organização do

espaço escolar e do tempo pedagógico. Nos eixos pedagógicos os professores da

comunidade tentam selecionar aqueles descritores mais específicos que devem

influenciar a prática gestora e pedagógica das escolas.

“Sim, existe algumas diferenças. Recebemos do governo o currículo, que adaptamos, inserindo as disciplinas diferenciadas e específicas, pois é essa alteração que garante trabalharmos o nosso. Digo aos meus alunos que eles aprendem duas vezes mais. Por exemplo, quando trabalhamos Mito, o aluno estuda mito de uma forma geral, mas estudo também o Mito do povo Pankará, os mitos dos povos indígenas do Nordeste. Assim, esse aluno sai na frente, pois ele aprende em duas metodologias para um mesmo assunto. A diferença na metodologia está na abordagem de elementos do cotidiano da criança para apresentar conteúdo”. (PROFESSORA DE RELIGIÃO).

A ideia é trazer uma educação num contexto social específico capaz de auxiliar os

aprendizes a desenvolver soluções, a conhecer seus direitos, mas, mantendo suas

tradições e crenças. Nesse sentido, um educador pode trabalhar criando as condições

para o índio vivenciar uma educação com integração com o seu meio, por meio da

expansão de potenciais, habilidade e particularidades próprias.

As dificuldades para incorporação dos eixos norteadores devem ser observadas de

maneira crítica e reflexiva. Para tanto, é necessário refletir sobre o contexto

educacional, demonstrando assim, os fatores que constituem a educação indígena

com seus pressupostos, relacionando-a a educação escolar Pankará.

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“Nosso currículo é diferenciado e específico porque trabalhamos o que é de nosso povo. Na minha disciplina, embora apresente todo o conteúdo necessário da matéria, incluo as informações da presença do nosso povo nos territórios brasileiros, informações que não estão presentes nos livros comuns. Assim eu trabalho o "currículo branco", mas trabalho também o currículo específico da área daquele conhecimento”. (PROFESSORA DE HISTÓRIA).

Subverter esses fatores faz com que a escola indígena se defina como uma realidade

política democrática, na qual o papel do currículo passa a ser a construção de

significados ou o diálogo significativo, com a finalidade de gerar um movimento social

que defenda a consolidação da identidade Pankará. Essa compreensão do currículo

em termos dos eixos norteadores se orienta fundamentalmente para a construção de

um novo modelo de comunidade. Isso significa que a consolidação e a preservação

da identidade indígena iniciam na escola, e que a luta social em defesa da educação

escolar indígena tem sua origem no currículo escolar (SANTOMÉ, 2014).

O Pankará entende que a terra, identidade, organização, história e interculturalidade

são aspectos fundamentais no processo de formação da educação escolar, pois,

esses elementos contribuem para o projeto de sociedade que a comunidade Pankará

objetiva. São características necessárias para a formação dos alunos a inclusão na

grade curricular a formação através dos cinco eixos:

“Terra: A forma pela qual se reconhece o território como o espaço

sagrado de habitação natural, lugar dos mitos, conhecimentos, tradições

(repleto de significados); espaço de moradia dos antepassados, fonte de

inspiração para agir e interagir com a mãe natureza. É também o lugar

de manter viva a resistência, as expressões da cultura, onde são

depositados a esperança e os sonhos de construção do projeto de vida.

Identidade: A maneira como compreende que a identidade Pankará,

nasce e se fortalece a partir do território. Ela é reelaborada sempre: nas

formas de convivência, nos espaços e tempo do cotidiano, da relação

com os encantados. Quando existe luta pela conquista da mãe terra,

fortalecem a identidade. Ela é um patrimônio deixado pelos mais velhos

para a geração atual e para as gerações futuras.

Organização: Tem como objetivo o fortalecimento político do povo

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Pankará, como base de sustentação nas tradições religiosas e sociais,

na perspectiva da luta pela autonomia plena.

História: Compreender as relações da convivência social, cultural,

histórica e a relação com o território. Conhecer a história Pankará e de

outros povos é uma condição essencial para o fortalecimento das lutas.

Compreender cada vez melhor os valores de identidade cultural e

assumir com mais clareza as experiências deixadas através dos

exemplos de vida e dos antigos.

Interculturalidade: Assume o respeito a diversidade étnica e cultural do

país e fora dele, a comunidade Pankará, prega o respeito as outras

formas de viver, pensar e conviver entre diferentes povos”.

(PPP. PANKARÁ, 2012, p.19).

Esses eixos são formas que caracterizam a organização do espaço escolar e do

tempo pedagógico dentro e fora da escola indígena Pankará, sobretudo, constitui a

matriz central da organização do trabalho docente, pois, incorporam valores morais,

atitudes, crenças e modos de trabalho dentro da organização escolar interna do

povo Pankará.

“Aqui trabalhamos por áreas, eixos que a gente respeita na nossa educação, que são os princípios, começando pelo eixo terra, eixo identidade, eixo organização, interculturalidade. São esses eixos que norteam a educação. Dentro dos eixos são trabalhadas as disciplinas matemática, português, geografia, arte indígena entre outras. Todas elas são encaixadas nos eixos que norteiam a educação Pankará. Dentre essas, as mais importantes são a história ligada aos eixos organização e identidade. No eixo interdisciplinar, trabalhamos com uma língua estrangeira, pois além das questões das aldeias apresentamos uma visão do mundo”. (GESTORA PANKARÁ).

Diante desse depoimento, depreendeu-se que existe uma tentativa por parte do povo

Pankará de estabelecer que nesse processo de ensino-aprendizagem exista a

possibilidade de diálogo entre os sujeitos da educação nas diferentes relações

interculturais, é importante que haja ênfase nos valores culturais, políticos,

pedagógicos e antropológicos, de modo geral, sem esquecer as representações da

cultura do aluno e do povo, assuntos trabalhados nos eixos norteadores.

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Figura 07: Durante a realização das entrevistas com as professoras

Fonte: Arquivo pessoal

Na disciplina da Língua Portuguesa esses eixos são trabalhados da seguinte forma:

Quadro 10: Eixos saberes e expectativas de ensino e aprendizagem, área do conhecimento: Língua Portuguesa

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O quadro 10 apresenta, de forma sucinta, a maneira como é idealizada a educação

escolar do povo Pankará. É possível compreender sua forma própria de trabalhar as

disciplinas do currículo comum dentro de um propósito diferenciado e específico.

Embora os eixos possuam objetivos gerais diversos, o objeto de estudo para todos é

único e comum, dentro do ganho que aquele conhecimento trará à Comunidade

Pankará, segundo sua própria percepção e entendimento.

Observa-se que na disciplina de Língua Portuguesa, especificamente conforme

demonstrado no quadro 01, o objeto de estudo não consiste no mero domínio da norma

culta do idioma, para cumprimento de conteúdos da educação básica brasileira. A

disciplina existe para sua utilização como instrumento de valorização social, e de luta

para conquista de direitos, com plena vocação para o fortalecimento da identidade étnica

através da divulgação dos conhecimentos tradicionais do povo. A língua portuguesa é

para o povo Pankará a oportunidade de contar sua história à sua maneira, com lógica

própria de fatos.

Desenvolvendo a leitura e escrita “do branco”, o índio se vê na possibilidade de uma

prática social, que lhe foi negada outrora pelo arrebentar das ondas no quebra mar, de

outra vez pela diferença da língua: o diálogo.

A essência da educação indígena é a sua própria vivência em uma plenitude, a partir

de uma determinada experiência que seja significativa e cuja dimensão permite a

ampliação da reprodução cultural, excluindo o risco da desaculturação. A percepção

da dimensão verdadeira da educação indígena se direciona a um tipo de movimento

de experiências próprias em sua totalidade (MAGALHÃES, 2005).

Para o povo Pankará, a Língua Portuguesa é uma ferramenta de intervenção da

narrativa rasa divulgada pelo “homem branco”. Onde essa intervenção se faz eficaz

quando é realizada nas dimensões da História, Terra, Identidade, Organização e

Interculturalidade. Essas dimensões são os eixos norteadores da educação escolar

diferenciada e específica do povo Pankará.

Com essa ferramenta é possível contar a história, revelar a cultura, registrar a memória

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viva dos antepassados sobre tradições, movimentos, lutas e resistências. A língua

portuguesa tem por objetivo geral no eixo História tornar eterno e conhecidos os fatos e

fábulas, tornar entendível sua expressão quanto pleno indivíduo e povo, para promover

soluções em contextos sociais. Essa disciplina tem por objetivo geral no eixo Terra

deixar registrado as delimitações da terra, demonstrando sua posse e pertencimento a

um elemento sagrado, que comunica sua cultura e costumes.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante séculos, o Brasil vem sufocando as vozes dos povos indígenas na tentativa

de incorpora-los a comunidade nacional. As políticas públicas no campo educacional

eram no sentido de catequizar e integrar os índios à sociedade nacional. Isso implica

que a educação escolar indígena existia para propagar o sentimento de negação de

identidades e culturas diferenciadas.

Apenas nos últimos anos, com as mudanças no direcionando das diretrizes

internacionais e com a mobilização dos segmentos governamentais e não-

governamentais e a fundação de entidades representativas de apoio às comunidades

Indígenas, que para Buratto (2010) se articularam, exigindo mudanças, abrindo

espaços sociais e políticos e exigiram que os direitos indígenas fossem garantidos na

legislação Brasileira.

Depois de promulgada a Constituição de 1988 foi possível verificar questões

relacionadas de forma especifica para as comunidades indígenas. Inicialmente o

capitulo de referência está no artigo 231 que afirma: “São reconhecidos aos índios sua

organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários

sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,

proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

A Constituição Federal de 1988 conferiu para as comunidades indígenas o direito à

manutenção de suas especificidades culturais, históricas e linguísticas, mudando o

direcionamento da política governamental em relação à educação escolar indígena.

A partir do ano 1991, a educação escolar indígena deixou de ser atribuição da Funai,

passou para o Ministério da Educação - MEC e foi criada, por meio da portaria

interministerial MJ/MEC N°559 (16.4.91), a coordenação nacional de educação

indígena (MARANHÃO, 2010).

O MEC publicou, em 1993, as Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar

Indígena e, em 1998, o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas.

Esses documentos enfatizavam que a EEI deveria ser específica e diferenciada,

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intercultural e bilíngue. Em 1999, através do Parecer CNE/CEB Nº. 14/1999 e da

Resolução CEB Nº. 03/1999 ficaram estabelecidos, no âmbito da educação básica, a

estrutura e funcionamento das escolas indígenas brasileiras (BURATTO, 2007).

Estes documentos reúnem as principais proposições e/ou reivindicações do

movimento indígena e indigenista para a EEI, referente ao momento que antecedeu

às conquistas legais da CF 1988. Em boa medida, as orientações presentes nestes,

e nos outros documentos normativos e/ou prescritos, são produtos/reflexos das

discussões e teorizações que foram sendo construídas no campo da EEI (TROQUEZ,

2014).

As escolas indígenas receberam a autonomia para tecer suas pedagogias a partir do

direito da diferenciação no plano de ensino-aprendizagem de cada comunidade.

Portanto, trata-se de um grande avanço no contexto da autonomia para se constituir

em uma escola diferenciada, a partir de suas categorias específicas tendo como

inovador a presença de professores indígenas em sua grande maioria, a partir de uma

escola que possui seu próprio ordenamento jurídico.

Pode-se afirmar que depois da mobilização das entidades representativas, como

exemplo, a Comissão de Professores/as Indígenas de Pernambuco – COPIPE, e da

publicação da CF 88, as leis seguintes que discutem a educação escolar indígena

como a LDB e o Plano Nacional de Educação têm reconhecido o direito dos povos

indígenas a uma educação diferenciada, principalmente pelo emprego dos saberes e

conhecimentos tradicionais valorizando sua história como uma forma de resgate da

sua cultura e também no fortalecimento da identidade. Portanto, entende-se que

houve certo interesse dos órgãos governamentais federais, em dar legalidade para se

ter um ensino específico e consequentemente proporcionar um currículo diferenciado

para a educação escolar indígena.

Diante do que se expôs, após a análise e interpretação das informações, com a

observação dos depoimentos, além das relações estabelecidas entre a identidade e

currículo escolar, conforme os fundamentos teóricos, e considerando o objetivo geral

e os específicos norteadores deste estudo, é possível registrar reflexões nos

parágrafos seguintes.

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No que concerne ao objetivo geral deste estudo, que foi o de compreender as

implicações do currículo escolar da comunidade indígena Pankará no sentido de

valorização e consolidação da identidade, os resultados apontaram para uma

reconstrução de um pertencimento étnico por intermédio da produção dos discursos,

que relataram uma autonomia no processo de construção curricular após a

estadualização da EEI, e situados em um contexto de lutas pela garantia dos direitos

assegurados em leis. O discurso da identidade e a busca pela valorização da

comunidade indígena Pankará, ocorreram através de resistências na tentativa de

silenciamento por parte do poder municipal que intensificaram os conflitos na Serra do

Arapuá, tendo como motivação principal, o interesse nos recursos naturais e próprios

do território onde está localizada a comunidade, bem como os recursos financeiros do

FUNDEB providos ao município, que era calculado conforme o número de alunos

matriculados nas escolas Pankará.

Nesse caminho pela autonomia da EEI na comunidade Pankará na busca de legitimá-

la na produção de modos diferentes de fazer educação, portanto pela efetivação de

processos de escolaridade diferenciados para os indígenas Pankará, a atuação da

Cacica Dorinha, considerada pelos índios Pankará como uma importante liderança na

busca de direitos e garantias para a comunidade, que através das alianças com os

movimentos sociais, conseguiu registrar denúncias feitas das perseguições por parte

do município de Carnaubeira da Penha, principalmente junto a COPIPE.

A líder da comunidade Pankará assume, então, um papel determinante na ocorrência

do fenômeno da reconstrução da pertença étnica do povo Pankará, uma vez que

viabiliza a EEI através da resistência e formação das alianças necessárias para conter

o avanço do poder municipal nas decisões políticas e socais da comunidade indígena.

Essa aliança com os movimentos sociais resultou na elaboração de recomendações

ao Estado brasileiro, pela COPIPE, as quais foram apresentadas pela Relatoria em

audiência no Congresso Nacional

A partir do momento em que a esfera pública é acionada e convidada a responder,

frente às diversas organizações defensoras dos Direitos Humanos e ao próprio

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Congresso Nacional, atende em cumprimento de sua função junto ao povo Pankará

(ALMEIDA e SILVA, 2016).

Em relação ao objetivo específico, analisar o processo de construção do currículo e o

projeto político pedagógico da educação escolar da comunidade Pankará,

considerando a EEI estadualizada e com autonomia para construção de um projeto

de futuro para o povo Pankará, pode-se afirmar que, entre os entrevistados, o currículo

escolar passou a ocupar um importante papel no processo de formação escolar dos

índios Pankará, principalmente após a estadualização da EEI.

O processo de construção do currículo e do PPP, passa pelo resgate das tradições,

pelos rituais e pelas memórias do povo Pankará. Antes de discutir qualquer projeto

sobre EEI, leva-se em consideração os conhecimentos adquiridos através dos

ensinamentos dos pajés. Participam do processo das atividades e de planejamento

na construção do currículo Pankará e do PPP, além dos professores, membros das

aldeias, pajés, caciques e coordenadores pedagógicos (gestores), através da

Organização Interna de Educação Escolar Pankará – OIEEP.

Foi verificado que entre os 15 professores entrevistados, apenas um, que era recém

contratado não participou do processo de construção do PPP. Isso implica um

processo democrático entre os professores, os coordenadores pedagógicos e as

lideranças da comunidade.

Diante das evidências encontradas, percebe-se que, em conformidade com a

concepção proposta por Castells (2008), a assimilação do discurso da identidade

Pankará no processo de formação curricular, fundamenta-se num propósito, converge

para a concretização do projeto coletivo de superação da injustiça social, a que a

educação escolar indígena foi silenciada.

No que que se refere aos objetivos de averiguar qual é a concepção dos professores

e da coordenação pedagógica sobre o currículo escolar trabalhado na comunidade

indígena Pankará, verificou-se que primeiro foi verificado que o professor Pankará

precisa ter uma formação no sentido de graduação/licenciatura, e dentro da aldeia é

necessário ter uma formação junto à liderança com os Pajés. Os primeiros

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ensinamentos perpassam pelos anciões, que estão na base de qualquer projeto

político pedagógico.

Os professores precisam de competências específicas. Por exemplo, o processo de

autoafirmação, para ser professor Pankará, primeiro o indivíduo deve se reconhecer

como índio.

Embora a comunidade Pankará utilize os livros didáticos enviados pela secretaria de

educação estadual, os conteúdos apresentados são enriquecidos com os elementos

da cultura, da história do povo, através de produções próprias. O material produzido

na escola indígena Pankará, foi bem aceito pelos professores. Pois, é gerado a partir

da vivência de cada professor. Esses conteúdos produzidos são considerados pelos

professores como diferenciados, principalmente na sala de aula, quando trabalhado

nas disciplinas.

Na legislação isso só foi possível a partir do ano 1991, quando a educação escolar

indígena deixou de ser atribuição da Funai, passou para o Ministério da Educação -

MEC e foi criada, por meio da portaria interministerial MJ/MEC N°559 (16.4.91), a

coordenação nacional de educação indígena (MARANHÃO, 2010). Em 1996, foi a vez

da Lei de diretrizes e bases do ensino estabelecer e proporcionar aos índios, suas

comunidades e povos, a recuperação das memórias históricas, reafirmação de suas

identidades.

Na prática isso só aconteceu a partir do ano de 2004, quando a educação escolar

indígena na comunidade Pankará foi estadualizada. Antes disso, a gerencia do

currículo Pankará estava sob tutela da prefeitura municipal de Carnaubeira da Penha,

que não permitia qualquer alteração no currículo escolar, e nem adaptação aos

conteúdos ensinados na sala de aula.

No que diz respeito ao objetivo de verificar quais são as características do currículo

escolar que contribuem para uma educação específica e diferenciada na comunidade

Pankará, constatou-se que os eixos norteadores pedagógicos conhecidos como terra;

identidade; organização; história e interculturalidade, caracterizam-se pelas

expectativas e perspectivas das práticas de ação político-pedagógico. Os eixos

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também são considerados pelas lideranças da comunidade Pankará como formas de

organização do espaço escolar e do tempo pedagógico.

Nos eixos pedagógicos os professores da comunidade tentam selecionar aqueles

descritores mais específicos que devem influenciar a prática gestora e pedagógica na

sala de aula. São através dos eixos pedagógicos que o currículo escolar é adaptado,

inserindo as disciplinas diferenciadas e específicas.

O material didático é uma característica da educação escolar indígena Pankará, são

elaborados pelos próprios professores indígenas, a partir do conhecimento adquirido

com os anciões, e das experiências tanto acadêmica, quanto social.

Além disso, a educação indígena é bilíngue - em português e na língua materna,

sendo definido no documento de orientação curricular o texto que deverá ser adotado

na sala de aula, de forma que possibilite uma interdisciplinaridade do programa

Isto possibilita que o ensino escolar preserve as particularidades socioculturais de

cada etnia (GONÇALVES e MELLO, 2009).

Com a conclusão da pesquisa e em resposta à questão norteadora (a saber: quais

são as implicações do currículo escolar na afirmação da identidade da comunidade

indígena Pankará?), evidenciou-se que, impulsionados pela estadualização do

processo de formação curricular, da Constituição Federal (CF) de 1988 e pela Lei de

diretrizes e bases do ensino de 1996, que estabeleceu e propiciou aos índios, suas

comunidades e povos, a recuperação das memórias históricas, reafirmação de suas

identidades, pela criação da Comissão de Professores/as Indígenas de Pernambuco

– COPIPE, os fenômenos estudados, identidade e currículo, entrecruzam-se na

comunidade pesquisada, convergem como construções de resistências e simbólicas

concebidas pelos agentes em resposta aos desafios impostos pelas interações

humanas, num contexto histórico-social-político, marcado pela perseguição e pela

dominação.

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Este projeto de pesquisa não teve a pretensão de realizar uma modificação do

currículo da educação escolar indígena, a intenção é de pesquisar sobre o currículo

na perspectiva de encontrar elementos que valorizem a identidade do povo Pankará.

Destaca-se que este trabalho não tem a pretensão de esgotar as discussões e

abordagens sobre os temas apresentados, mas sim em contribuir para o

desenvolvimento de novos estudos.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS PROFESSORES

- Identificação dos sujeitos da pesquisa: professores (as) que ensinam no ensino

fundamental I e II das escolas da comunidade indígena Pankará.

- Referencial teórico que embasa o roteiro de entrevistas: currículo; disciplinas

escolares; cultura escolar; identidade cultural e formas de escolarização.

1 - Você participa do processo de elaboração do projeto político pedagógico? (Caso

a resposta seja positiva, perguntar: De que forma?)

2 - Em sua opinião, o professor precisa de competências específicas para lecionar na

educação escolar indígena? (Caso a resposta seja positiva, perguntar: Quais são as

competências?).

3 - O que é um currículo diferenciado e especifico?

4 - Você considera a educação escolar indígena da comunidade Pankará como

especifica e diferenciada? Por que?

5 - Você considera que o currículo diferenciado e especifico contribui para a formação

da identidade? (Caso a resposta seja positiva, perguntar: Como contribui?)

6 - Dentre do currículo escolar, quais disciplinas você considera como principais no

processo de formação da identidade?

7 - A ementa da disciplina que você leciona contém elementos que valorizam a

tradição do povo Pankará? (Caso a resposta seja positiva, perguntar: Quais são os

elementos?)

8 - Para você, existe alguma diferença na metodologia utilizada para ensinar

disciplinas do currículo comum como aquelas apontadas por você como

diferenciadas? Como isso ocorre?

9 - No planejamento das aulas você tem um direcionamento interdisciplinar para a

destacar a educação diferenciada e especifica que valorize a cultura e formação da

identidade? De que maneira funciona?

10 – Como é produzido o material didático da escola indígena Pankará?

11 – Você considera que o material didático é apropriado para a educação escolar

diferenciada e especifica do povo Pankará?

12 – Na sua opinião existe algum elemento que poderia contribuir no processo de

formação curricular na comunidade Pankará e que atualmente não é implementado?

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APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM EQUIPE GESTORA

- Identificação dos sujeitos da pesquisa: equipe gestora das escolas da comunidade

indígena Pankará.

- Categorias conceituais que embasam o roteiro de entrevistas: currículo; cultura

escolar; identidade e formas de escolarização.

1 - Na sua opinião a Educação Indígena no Plano Nacional de Educação (Lei 10.172)

contribui, na pratica, para um processo de formação curricular diferenciado e

especifico?

2 - Em sua opinião, um gestor escolar necessita de competências específicas para

atuar na gestão da educação escolar indígena? (Caso a resposta seja positiva,

perguntar: Quais as competências?).

3 – Como é formulado o projeto político pedagógico?

4 - Você considera que um gestor precisa ter participação na elaboração e no

desenvolvimento dos currículos diferenciado e específico? (De que forma?)

5 - Você considera que o currículo escolar da comunidade Pankará contribui na

formação da identidade? (Se a resposta for positiva, perguntar: De que maneira?)

6 – Quais os desafios diários de um gestor escolar na efetivação do currículo

diferenciado e especifico?

7 – Você considera necessário uma capacitação especifica dos professores para

lecionarem nesta metodologia de ensino diferenciado?

8 – São realizadas ações pedagógicas de capacitação dos professores?

9 – Quais são os principais elementos que valorizam a cultura e a tradição do povo

Pankará?

10 – Como é produzido o material didático da escola indígena Pankará?

11 – Você considera que o material didático é apropriado para a educação escolar

diferenciada e especifica do povo Pankará?

12 - Na sua opinião existe algum elemento que poderia contribuir no processo de

formação curricular na comunidade Pankará e que atualmente não é implementado?

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Sexo: F ( ) M ( ) n :

APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS - CAMPUS III

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO, CULTURA E

TERRITÓRIOS SEMIÁRIDOS

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

ESTA PESQUISA SEGUIRÁ OS CRITÉRIOS DA ÉTICA EM PESQUISA COM SERES

HUMANOS CONFORME RESOLUÇÃO NO 466/12 DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE.

I – DADOS DE IDENTIFICAÇÃO

Nome do Participante:

Documento de Identidade o

Data de Nascimento: / /

Endereço: ________________________ Complemento:

Bairro: ____________________________ Cidade: CEP:

Telefone: ( ) /( ) /

II - DADOS SOBRE A PESQUISA CIENTÍFICA:

1. TÍTULO DO PROTOCOLO DE PESQUISA: E D U C A Ç Ã O E S C O L A R I

N D Í G E N A : C U R R Í C U L O E I D E N T I D A D E N A C O M U N I D A D E P

A N K A R Á

2. PESQUISADOR(A) RESPONSÁVEL: FRANCIS NUNES TAVARES

Cargo/Função: P e s q u i s a d o r / d i s c e n t e

III - EXPLICAÇÕES DO PESQUISADOR AO PARTICIPANTE SOBRE A PESQUISA:

O (a) senhor (a) está sendo convidado (a) para participar da pesquisa:

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: CURRÍCULO E IDENTIDADE NA

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COMUNIDADE PANKARÁ, de responsabilidade do pesquisador Francis Nunes

Tavares, discente da Universidade do Estado da Bahia que tem como objetivo primário

geral identificar se no curricular escolar da comunidade indígena Pankará é possível

encontrar elementos que valorizem a cultura e a consolidação da identidade desse

povo. A realização desta pesquisa trará ou poderá contribuir com os estudos acerca

do processo de formação curricular da comunidade indígena Pankará da Serra do

Arapuá- do município de Carnaubeira da Penha- PE e mesmo nacionalmente pela

relativa escassez de trabalhos acadêmicos acerca do tema. Caso aceite o senhor(a)

será submetido(a) a um questionário e uma entrevista gravada em formato de áudio

com um gravador digital de voz pelo mestrando Francis Nunes Tavares, do curso de

Pós-graduação Mestrado em Educação, Cultura e Territórios Semiárido. O

preenchimento do questionário e a gravação da entrevista poderá trazer algum

constrangimento para o(a) senhor(a) pelo fato de alguns assuntos serem mais

sigilosos, contudo o pesquisador respeitará as falas por meio do anonimato das suas

declarações. Sua participação é voluntária e não haverá nenhum gasto ou

remuneração resultante dela. Garantimos que sua identidade será tratada com sigilo

e portanto o Sr(a) não será identificado. Caso queira (a) senhor(a) poderá, a qualquer

momento, desistir de participar e retirar sua autorização. Sua recusa não trará nenhum

prejuízo em sua relação com a pesquisadora ou com a instituição.. Quaisquer dúvidas

que o (a) senhor(a) apresentar serão esclarecidas pela pesquisadora e o senhor(a)

caso queira poderá entrar em contato também com o Comitê de Ética da Universidade

do Estado da Bahia. Esclareço ainda que de acordo com as leis brasileiras o Sr. (a)

tem direito a indenização caso seja prejudicado por esta pesquisa. O (a) senhor (a)

receberá uma cópia deste termo onde consta o contato dos pesquisadores, que

poderão tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer

momento.

V. INFORMAÇÕES DE NOMES, ENDEREÇOS E TELEFONES DOS

RESPONSÁVEIS PELO ACOMPANHAMENTO DA PESQUISA, PARA CONTATO

EM CASO DE DÚVIDAS

PESQUISADOR (A) RESPONSÁVEL: FRANCIS NUNES TAVARES

Endereço: Rua Dr. Gerino de Souza Filho, Caixa D’Agua, nº4398, Cep. 42711-830

- Lauro de Freitas-BA.

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Telefone: (71) 99279-2909, E-mail: [email protected]

Comitê de Ética em Pesquisa- CEP/UNEB Rua Silveira Martins, 2555, Cabula.

Salvador-BA. CEP: 41.150-000. Tel.: 71 3117-2445 e-mail: [email protected]

Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP SEPN 510 NORTE, BLOCO A

1º SUBSOLO, Edifício Ex-INAN - Unidade II - Ministério da Saúde CEP: 70750-521 -

Brasília-DF

V. CONSENTIMENTO PÓS-ESCLARECIDO

Declaro que, após ter sido devidamente esclarecido pelo pesquisador (a) sobre os

objetivos benefícios da pesquisa e riscos de minha participação na pesquisa

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: CURRÍCULO E IDENTIDADE NA

COMUNIDADE PANKARÁ, e ter entendido o que me foi explicado, concordo em

participar sob livre e espontânea vontade, como voluntário consinto que os resultados

obtidos sejam apresentados e publicados em eventos e artigos científicos desde que

a minha identificação não seja realizada e assinarei este documento em duas vias

sendo uma destinada ao pesquisador e outra a via que a mim.

Carnaubeira da Penha - PE, de de .

Assinatura do participante da pesquisa

Assinatura do pesquisador discente Assinatura do professor responsável

(orientando (orientador)