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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA- UNEB DAPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS- CAMPUS III
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, CULTURA, E TERRITÓRIOS SEMIÁRIDOS
FRANCIS NUNES TAVARES
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UM ESTUDO SOBRE O
CURRÍCULO E IDENTIDADE NA COMUNIDADE PANKARÁ (SERRA
DO ARAPUÁ/PE)
JUAZEIRO- BA
2019
FRANCIS NUNES TAVARES
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UM ESTUDO SOBRE O
CURRÍCULO E IDENTIDADE NA COMUNIDADE PANKARÁ (SERRA
DO ARAPUÁ/PE)
Dissertação apresentada ao Departamento de Ciências Humanas, Universidade do Estado da Bahia, Campus III, para obtenção do título de Mestre em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos.
Linha de Pesquisa: Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro
Orientador: Prof. Dr. José Roberto Gomes
Rodrigues
JUAZEIRO- BA 2019
Ficha catalográfica
Tavares, Francis Nunes
T231e Educação Escolar Indígena: um estudo sobre currículo e identidade na comunidade
Pankará (Serra di Arapuá/PE.). / Francis Nunes Tavares. – Juazeiro, 2018.
124 fls.
Orientador: José Roberto Gomes Rodrigues
Dissertação (Mestrado em Educação, Cultura e Territórios Semiàridos) . - Universi-
dade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas. PPGESA, Campus III,
2018.
Bibliografia
1.Educação multicultural 2.Índios – educação 3. Identidade 4. Escolas indígenas -
currículos I. Rodrigues, José Roberto Gomes II. Universidade do Estado da Bahia. De-
partamento de Ciências Humanas
CDD 371.97
Dedico este trabalho aos professores e lideranças que são
comprometidos com a luta, história e tradição do povo Pankará,
que mesmo diante das dificuldades enfrentas no dia a dia, se
esforçam para repassar seus saberes na formação de guerreiros
e guerreiras.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela Vida, e por todas as bênçãos conquistadas até aqui.
Ao Prof. Dr. José Roberto Gomes Rodrigues pela orientação adequando este projeto
de pesquisa às especificidades do saber científico, pelo profissionalismo e paciência.
Minha gratidão aos professores da Comunidade Indígena Pankará que se
solidarizaram a mim, ao fornecer informações que subsidiaram na realização desta
pesquisa, compartilhando suas experiências e valores.
Meus agradecimentos à minha família, em especial à minha esposa, Sandra Carvalho
Tavares; que, acompanhou a realização desta pesquisa com sugestões e pela
compreensão nos momentos ausentes durante o período de estudo de campo.
Minha gratidão aos professores doutores Josenilton Nunes Vieira e Maria Inez da Silva
de Souza Carvalho que, aceitando o convite para a composição da banca
examinadora, possibilitaram o desenvolvimento deste trabalho. Agradeço também aos
membros suplentes da banca, professores doutores Edmerson dos Santos Reis e
Silvia Maria Leite de Almeida, pela leitura do trabalho e valiosas contribuições.
Minha gratidão à equipe da UNEB Campus III, PPGESA, aos docentes e funcionários
que me acolheram, orientaram-me e proporcionaram a estrutura necessária para a
continuidade de minha formação.
“Com efeito, para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais. Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura”. (PIERRE BOURDIEU, 1998, p. 53)
RESUMO
O presente trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa sobre a Educação Escolar
Indígena na comunidade Pankará, localizada na Serra do Arapuá - Carnaubeira da Penha/PE,
lócus da pesquisa, em uma abordagem sobre o Currículo escolar e a Identidade indígena.
Desta forma, esta pesquisa traz como questão norteadora, a seguinte indagação: quais são
as implicações do currículo escolar na afirmação da identidade da comunidade indígena
Pankará? Tem, como objetivo geral, compreender as implicações do currículo escolar da
comunidade indígena Pankará no sentido de valorização e consolidação da identidade desse
povo. Trata-se, portanto, de um estudo de caso, de inspiração etnográfica, que definiu a
pesquisa qualitativa como principal método de pesquisa. Os resultados demonstraram que o
movimento de resistência do povo Pankará, liderado pela cacica Dorinha, possibilitou uma
educação escolar Indígena que promovesse a consolidação da identidade, esse processo foi
construído, primeiro pela demarcação da terra, e logo em seguida pela estadualização das
escolas, dessa forma, as escolas foram reorganizadas, e passaram a ter característica de
uma escola indígena, com o seu próprio Projeto Político Pedagógico. A partir desse contexto,
o currículo baseia-se no fortalecimento da luta pela terra e valorização da identidade,
valorizando os saberes, hábitos e rituais para a formação de guerreiros e guerreiras Pankará.
No grupo de entrevistados composto por professores e gestores escolares (coordenadores
pedagógicos), perceberam a necessidade de modificar o currículo escolar através dos eixos
norteadores, a maioria dos professores, gestores e técnicos fazem parte da própria
comunidade e atuam como educadores. As práticas e padrões de comportamento da
comunidade estudada são evidências nos depoimentos. Essa nova conjuntura da educação
escolar indígena, substituiu o modelo antigo e pragmático de educação modelada para o
processo integracionista, a partir de uma concepção de tutela do Estado.
Palavras-chave: Comunidade Indígena Pankará. Currículo. Identidade.
ABSTRACT
The present work presents the results of a research on Indigenous School Education
in the community of Pankará, located in the Serra do Arapuá - Carnaubeira da Penha
/ PE, locus of the research, in an approach on Curriculum and Identity. Thus, this
research brings as a guiding question, the following question: what are the implications
of the school curriculum in affirming the identity of the Pankara indigenous community?
It has, as a general objective, to understand the implications of the school curriculum
of the indigenous Pankará community in the sense of valorization and consolidation of
the identity of this people. It is, therefore, a case study, of ethnographic inspiration, that
defined qualitative research as the main method of research. The results showed that
the resistance movement of the Pankara people, led by Cacica Dorinha, made possible
an Indigenous school education that promoted the consolidation of identity, this
process was first constructed by the demarcation of the land and then by the In this
way, schools were reorganized, and they started to have the characteristic of an
indigenous school, with its own Political Pedagogical Project. From this context, the
curriculum is based on strengthening the struggle for land and valuing identity, valuing
the knowledge, habits and rituals for the formation of Pankara warriors and warriors.
In the group of interviewees composed of teachers and school managers (pedagogical
coordinators), they realized the need to modify the school curriculum through the
guiding axes, most teachers, managers and technicians are part of the community itself
and act as educators. The practices and behavior patterns of the community studied
are evidences in the testimonies. This new conjuncture of indigenous school education
has replaced the old and pragmatic model of education modeled for the integrationist
process, based on a concept of State tutelage.
Keywords: Pankará Indigenous Community. Curriculum. Identity.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Cacica Dorinha ......................................................................................... 19
Figura 2 - Mapa de Pernambuco com localização do município de Carnaubeira da
Penha ........................................................................................................................ 29
Figura 3 - Organização do Povo Pankará ................................................................. 30
Figura 4 - Índio Pankará na Feira de Cultura ............................................................ 32
Figura 5 - Cartograma – Número de terras indígenas e superfície, segundo a situação
fundiária .................................................................................................................... 41
Figura 6 - Dança do Toré entre os professores e
alunos ....................................................................................................................... 94
Figura 07 - Durante a realização das entrevistas com as professoras .................. 103
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Fontes de Pesquisa ................................................................................ 34
Quadro 2 - Participantes da pesquisa – Professores. ............................................... 35
Quadro 3 - Participantes da pesquisa – Gestores. ................................................... 36
Quadro 4 - Distribuição das escolas – Núcleo I ........................................................ 37
Quadro 5 - Distribuição das escolas – Núcleo II. ...................................................... 37
Quadro 6 - Distribuição das escolas – Núcleo III ...................................................... 37
Quadro 7 - Distribuição das escolas – Núcleo IV ..................................................... 38
Quadro 8 - Distribuição das escolas – Núcleo V ...................................................... 38
Quadro 9 - Distribuição das escolas – Núcleo VI. .................................................... 38
Quadro 10 - Eixos saberes e expectativas de ensino e aprendizagem, área do conhecimento: Língua Portuguesa ............................................................................ 92
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CEB Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação.
CF Constituição Federal
CNE Conselho Nacional de Educação
CIMI Conselho Indigenista Missionário
CISPAN Conselho Indígena de Saúde do Povo Pankará
CGEEI Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena
FUNAI Fundação Nacional do Índio
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação
MJ Ministério da Justiça
OIT Organização Internacional do Trabalho
OIEEP Organização Interna de Educação Escolar Pankará
PE Pernambuco
PDE Plano de Desenvolvimento da Escola
PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PNE Plano Nacional de Educação
PPGESA Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos
PPP Projeto Político Pedagógico
RCNEI Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNEB Universidade do Estado da Bahia
UNI União das Nações Indígenas
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 15
2. BASES METODOLÓGICAS ........................................................................................... 23
2.1 A PESQUISA CIENTÍFICA E SUAS ABORDAGENS ................................................. 23
2.2 MÉTODOS E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA ..................................................... 25
2.2.1 Entrevistas do tipo qualitativo .............................................................................. 26
2.2.2 Observação direta ............................................................................................... 27
2.3 O LÓCUS E OS SUJEITOS DA PESQUISA .............................................................. 28
2.4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DAS INFORMAÇÕES .............................................. 33
3. EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: AVANÇOS E RETROCESSOS ............................ 40
3.1 EFETIVIDADE DO DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS NO
BRASIL ............................................................................................................................ 40
3.2 DA INTEGRAÇÃO À REAFIRMAÇÃO DAS IDENTIDADES: A LEGISLAÇÃO COMO
MECANISMO DE PRESERVAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA ................... 43
4. CONCEITOS DE IDENTIDADE: PRESERVAÇÃO E APROPRIAÇÃO ........................... 49
4.1 IDENTIDADES: CONCEPÇÕES TEÓRICAS ............................................................. 49
4.2 TERRITÓRIO: SIGNIFICADOS E VALORES ............................................................. 61
4.3 TERRITÓRIOS INDÍGENAS: REPRESENTAÇÕES ÉTNICAS .................................. 66
5. CURRÍCULO: BREVE REFLEXÃO SÓCIO-HISTÓRICA E EPISTEMOLOGIA 73
5.1 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO E CURRICULO ESCOLAR ............................................ 73
5.2 A IMPORTÂNCIA DA ABORDAGEM DAS INTENÇÕES SOCIAIS, POLÍTICAS E
ECONÔMICAS DO CURRÍCULO..................................................................................... 75
5.3 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE O CURRÍCULO ...................................... 78
5.4 OS ASPECTOS SOCIOCULTURAIS DO CURRÍCULO ............................................. 81
6 A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NA COMUNIDADE PANKARÁ ............................ 87
6.1 CURRÍCULO PANKARÁ: DA MILITÂNCIA AS GARANTIAS LEGAIS DE
DIFERENCIAÇÃO ............................................................................................................ 87
6.2 PROCESSO DE FORMAÇÃO CURRICULAR PANKARÁ: DA TRADIÇÃO A
FORMAÇÃO DE GUERREIROS ...................................................................................... 92
6.3 EIXOS NORTEADORES PEDAGÓGICOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR PANKARÁ:
EXPECTATIVAS E PERSPECTIVAS ............................................................................... 99
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 106
8 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 113
APÊNDICES ...................................................................................................................... 119
APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS PROFESSORES ......................... 120
APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM EQUIPE GESTORA .......................... 121
APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ...................... 122
15
1. INTRODUÇÃO
“Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram. Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar na costa”.
Carta de Pero Vaz de Caminha.
Em primeiro de maio de 1500, ancorado em Porto Seguro, o escrivão Pero Vaz de
Caminha dirigiu ao monarca de Portugal, D. Manuel I, um relato de tudo o que vira na
terra recém descoberta. Percebe-se uma mensagem em que apenas um só sentido
era notado, sendo que o destinatário final não iria responder ao escrivão, na medida
em que tinha igualmente como objetivo, requerer honra ao rei de Portugal. Nessa
mensagem, Pero Vaz de Caminha descreve os indivíduos habitantes da terra
descoberta, que pensaram inicialmente ser as Índias, e por isso, os denominaram
Índios. Cor, aparências e objetos são retratados, bem como o modo pacífico, por
assim dizer, ao dispor de seus arcos. Embora tudo parecesse favorável, a descoberta,
e o não conflito, algo muito importante não aconteceu: O diálogo.
Outrora foi o arrebentar das águas do mar que sufocou as vozes, em contatos
seguintes a diversidade da língua. Vencidos esses obstáculos e passados mais de
quinhentos anos, esse diálogo aconteceu? Quais linhas foram escritas e qual narrativa
se criou em representação àqueles indivíduos recém descobertos?
O que de antemão sabe-se da história é que ela pôde ser parcialmente contada
através dos signos que formam as palavras, e do conjunto ordenado de palavras que
se compôs uma carta. O avanço da escrita permitiu conhecer, e até mesmo preservar,
as histórias passadas e vividas pelos mais antigos, em diferentes lugares e épocas.
Dominar esse conhecimento faz a todos valorizar a Educação.
Se conhecimento é poder, o que às vezes não fica tão claro é a sentença: Educação
é poder! Entendendo que a educação escolar é a aplicação de métodos, oriundos de
uma pedagogia, que visa assegurar a formação e desenvolvimento de indivíduos em
16
aspectos físicos, ou intelectuais, ou morais, abrangendo a plenitude do ser, e que a
Pedagogia, em tempos e espaços, não é neutra, faz com que a análise da grade
curricular da educação escolar seja necessária, para conhecimento de quais objetivos
desejam ser alcançados, ou quais princípios e garantias são valorizados, respeitados
e preservados naquela sociedade específica e temporal.
Dessa forma, buscando entender através do currículo da educação escolar de um
povo, que foi inserido no molde de outro, é possível identificar o que esse povo busca
para si. A linguagem em signos para ambos é discernível, mas há entendimento entre
as partes?
A partir dessas indagações, esta dissertação busca, através do currículo,
compreender quais são as implicações do currículo escolar na composição do
processo de consolidação da identidade na comunidade indígena Pankará.
A sentença acima quando lida atentamente se abre para questionamentos precisos:
Quem é a Comunidade Indígena Pankará? E porque esta comunidade em específico
é objeto desta dissertação, em meio às demais existentes?
A comunidade indígena Pankará está localizada na Serra do Arapuá, que pertence ao
município de Carnaubeira da Penha, Mesorregião do São Francisco Pernambucano,
há proximamente 500 quilômetros da capital Recife. A comunidade é composta por
5.500 (cinco mil e quietos) índios. A Cacica Dorinha é uma das principais lideranças
da comunidade Pankará.
Os indígenas Pankará se autodeclararam um dos “Povos Resistentes” com
denominação Pankará, e teve o processo de reconhecimento étnico aprovado pela
Funai no ano de 2003, durante o I Encontro Nacional dos Povos Indígenas em Luta
pelo Reconhecimento Étnico e Territorial, realizado na Cidade de Olinda/PE
(OLIVEIRA, 2014).
Atualmente, na Serra do Arapuá habitam, além dos índios Pankará, pequenos
agricultores não-índios e médios fazendeiros. Também habita na Serra do Arapuá
uma comunidade quilombola, chamada Tiririca dos Crioulos.
17
Porém, o que torna essa comunidade especial para esse estudo? Além do ineditismo
da pesquisa no campo do currículo na comunidade indígena Pankará, o interesse pela
escolha do objeto de estudo vai além de um aspecto meramente acadêmico na
perspectiva de entender as nuances do processo de formulação curricular das escolas
da comunidade indígena Pankará, existe um auto reconhecimento étnico por parte do
autor para com o povo Pankará.
Isso implica que, nesta pesquisa, aparecerá a figura do autor como um ator da ação
em curso, pois o projeto foi construído de forma participativa, desenvolvendo, dessa
forma, a corresponsabilidade. Aqui fica registrado, para a posteridade e
contemporâneos, parte das impressões de índios sobre seu processo de serem
ouvidos, após tantos anos de vozes silenciadas e vidas presumidas.
Com isso, este estudo se faz importante na medida em que direciona esforços para
entender as implicações do currículo escolar na contribuição para o fortalecimento da
identidade da comunidade Pankará.
A educação escolar indígena nem sempre esteve ancorada na legislação brasileira,
somente a partir da Constituição Federal (1988) que passou a ser regulamentada,
mesmo de forma tímida, dando a possibilidade de elaborar um estatuto próprio e
adequado de acordo com as características históricas, culturais, étnicas e geográficas.
Durante séculos, foi negado pelas autoridades brasileiras toda a diversidade cultural,
a cosmologia e as práticas sociais tradicionais.
Partindo da concepção de que os povos indígenas fazem parte dos grupos de
exclusão étnica no Brasil (MARQUES, 2010), ao longo dos 500 anos de colonização
europeia, a organização escolar atuou em várias comunidades indígenas, com
diferentes características e objetivos.
Inicialmente, teve o contato dos nativos com algum tipo de educação escolar, cujos
objetivos eram: catequizar, civilizar e integrar os indígenas à sociedade dominante,
negando suas identidades diferenciadas e impondo-lhes valores alheios.
18
Para Luciano (2006), a partir do contato, as culturas dos povos indígenas sofreram
profundas modificações, uma vez que, dentro das etnias se operam importantes
processos de mudança sociocultural, enfraquecendo toda a dinâmica da vida
tradicional. Pensando assim, esse também foi um dos motivos no processo de
reconhecimento sobre a importância de estudar uma comunidade tradicional
específica.
O Estado brasileiro quando inseriu na Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988 o capítulo que reconhece o direito à educação diferenciada e específica para
as comunidades indígenas, iniciou um marco de rompimento que segundo Marcilino
(2015), norteou toda a trajetória com uma unidade nacional e homogênea.
Entende-se que através da Constituição Federal de 1988, houve certo interesse dos
órgãos governamentais em dar legalidade para se ter um ensino específico e
consequentemente proporcionar um currículo diferenciado para a educação escolar
indígena.
Durante as viagens à comunidade indígena Pankará, da qual o autor é índio
descendente, foram realizados contatos com os professores e lideranças da
comunidade, que expunham o esforço em criar um projeto político pedagógico ao qual
possibilitasse a formação escolar especifica, diferenciada e intercultural, pois o espaço
escolar da comunidade Pankará é visto, pela cacica1 Maria das Dores Santos Silva,
conhecida como Dorinha, como espaço de difusão da história, da luta e da resistência
do povo, além de ter a função do fortalecimento pelo direito e o cuidado com todos os
bens naturais.
1 Cacica/Cacique: é a liderança mais importante politicamente na comunidade indígena. Tem a
responsabilidade de encontrar solução para algumas situações. Busca melhoria para o povo, resolve
problemas internos, luta junto com a comunidade pelo direito a terra demarcada, pela saúde e educação diferenciada.
19
Figura 1 - Cacica Dorinha
Fonte: Arquivo pessoal
A resistência e respeito extravasavam do olhar das lideranças, que passaram por um
conflito de interesses nesse campo de luta e espaço social, contra os agentes
denominados gestores do município de Carnaubeira da Penha-PE, em 2003.
Nessa época, a comunidade tentava estadualizar a educação escolar indígena, tendo
em vista a interferência constante dos agentes municipais no processo de formação
curricular da comunidade.
Somente em 2004, a partir de uma decisão política, que esse conflito cessou em parte.
A comunidade indígena Pankará conseguiu estadualizar a educação escolar
amparados na Resolução 003/99 do Conselho Nacional de Educação (CNE), que
dentre outros pontos, destinou para o Estado a responsabilidade da regulamentação
administrativa das escolas indígenas, nos respectivos Estados, integrando-as como
unidades próprias, autônomas e específicas no sistema estadual da educação escolar
indígena.
Desta forma, esta pesquisa traz como questão norteadora, a seguinte indagação:
quais são as implicações do currículo escolar na afirmação da identidade da
comunidade indígena Pankará? Almejando responder este problema, apresenta-se
como objetivo geral compreender as implicações do currículo escolar da comunidade
indígena Pankará no sentido de valorização e consolidação da identidade desse povo.
Para isso, elenca-se três objetivos específicos: (i) analisar o processo de construção
20
do currículo e o projeto político pedagógico da educação escolar da comunidade
indígena Pankará; (ii) averiguar qual é a concepção dos professores e da coordenação
pedagógica sobre o currículo escolar trabalhado na comunidade indígena; (iii) verificar
quais são as características do currículo escolar que contribuem para uma educação
especifica e diferenciada.
Ainda é válido destacar que a execução desta pesquisa se tornou possível após
iniciação dos estudos do autor como aluno especial no semestre 2016.2 do curso de
História das Disciplinas Escolares, Currículo e Avaliação, do Programa de Pós-
graduação Mestrado em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos (PPGESA), da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus III.
Durante o período de estudos, o Prof. Dr. José Roberto Gomes Rodrigues, docente
do quadro permanente do PPGESA da UNEB/Campus III, sempre questionava qual
seria o tema do trabalho de pesquisa, instigando o autor que tinha interesse em
participar do processo seletivo para aluno efetivo do PPGESA.
Durante as aulas, os questionamentos quanto ao objeto de pesquisa, os problemas e
as dificuldades apresentadas foram essenciais para a construção de uma postura
realista, e também na percepção da necessidade de adquirir um modus operandi na
pesquisa, além da conscientização da aquisição de um habitus2 científico necessário
e fundamental para a construção deste estudo.
A leitura do capítulo “Introdução a uma Sociologia Reflexiva” de Pierre Boudieu”, foi
importante no sentido do o autor adquirir um modo de percepção na operacionalização
dos conceitos sobre História da Educação, que acabou gerando um estímulo sobre o
estudo da formulação do currículo, e sua relação com a educação escolar do povo
indígena.
Os resultados deste estudo estão reunidos nesta dissertação que se encontra
estruturada em cinco sessões, e considerações finais.
2 O conceito de habitus encontra-se nas obras desenvolvidas por Pierre Bourdieu.
21
A primeira seção é a introdução, na qual se encontram as informações gerais, como
as motivações que levaram o pesquisador a escolher o tema de pesquisa, o objeto de
investigação, os objetivos e os caminhos traçados para a realização do estudo.
A segunda seção, intitulada de bases metodológicas, traz os fundamentos
epistemológicos, assim como os conceitos de campo e habitus de Pierre Bourdieu,
relacionando-os ao objeto da pesquisa. Expõe-se também conceitos mais
abrangentes sobre os tipos de pesquisa, além de apresentar o lócus e os sujeitos.
Autores como Martins (2000); Morin (2000); Gil (2002); Gaio (2008); Silveira; Córdova
(2009); Minayo (2010); Creswell e Clark (2013; entre outros foram determinantes para
a compreensão da base metodológica desta pesquisa.
A terceira seção, denominada educação escolar indígena: avanços e retrocessos:
suas implicações no contexto indígena, destina-se a promover uma discussão teórica
acerca da educação escolar indígena no Brasil. Tal debate se realiza destacando
inicialmente as mudanças necessárias na abordagem histórica dos povos indígenas
e sua participação em no processo de formação do povo brasileiro. Procura mostrar o
processo de subordinação do povo indígena aos desmandos do colonizador e, por
outro lado, demonstrar a autodeterminação dos povos indígenas ancorada no texto
constitucional brasileiro de 1988, que por sua vez, tem seu embasamento na
Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho e na Declaração das
Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. O capitulo traz também a
revisão da literatura sobre a criação das chamadas escolas indígenas, para atender à
necessidade educacional a partir de uma escola cujo ensino seja diferenciado e
específico.
Na quarta sessão, busca-se evidenciar conceitos sobre identidade, com base na
revisão de literatura, percebe-se que o conceito de identidade vem sendo imposto
massivamente no campo das ciências sociais a partir dos anos oitenta, tendendo a
banalizar-se, da mesma forma que o conceito de cultura, porque costuma ser invocado
sem preocupações maiores em defini-lo a um rigor conceitual. Além da revisão das
concepções identitárias, a sessão também traz conceitos atinentes à territorialidade,
pois o conceito de identidade deve ser entendido dentro de um contexto social onde
as relações entre os sujeitos e o espaço estão inseridos. Será
22
destaque nessa sessão, conceitos de diferentes autores que contribuem para o
entendimento do território indígena Pankará.
A quinta sessão inicia-se com a discussão sobre a gênese do conceito de Currículo
na tentativa de investigar suas perspectivas e seus desdobramentos. Tal sessão se
inicia sobre a história das disciplinas escolares, na tentativa de proporcionar um novo
olhar ao ensino dos conteúdos escolares, e depois sobre currículo escolar. Será
identificado e discutido como ocorre o processo de fabricação do currículo escolar em
diferentes aspectos epistemológicos.
A sexta seção, apresenta os resultados da pesquisa. Analisa os elementos
destacados nas observações, nas anotações e nas entrevistas com os sujeitos
envolvidos neste projeto, à luz das categorias analíticas eleitas para a compreensão
do objeto de estudo, tais como educação escolar indígena, identidade, território e
currículo, além de questões outras, pertencentes a esse campo de significação.
Por fim serão apresentadas, as considerações finais através de um resumo geral da
pesquisa, dos resultados alcançados, da discussão da pertinência e relevância do
estudo, e das possibilidades para o direcionamento de investigações futuras sobre a
educação escolar na comunidade indígena Pankará, uma vez que este trabalho não
é conclusivo.
23
2. BASES METODOLÓGICAS
Nesta seção do trabalho, faz-se o detalhamento na parte da fundamentação
metodológica e epistemológica da pesquisa, além do detalhamento do método, das
fontes de pesquisa, da análise de estudo e das técnicas eleitos pelo autor.
2.1 A PESQUISA CIENTÍFICA E SUAS ABORDAGENS
Pesquisar requer um conhecimento científico que de acordo com Morin (2000), é um
conhecimento exato quando utiliza dados verificados, oferecendo previsões
concretas. Nesse processo de conhecimento científico “É necessário desintegrar as
falsas certezas e as pseudo-respostas quando se quer encontrar as respostas
adequadas” (MORIN, 2000, p. 122), ou seja, não se deve realizar uma pesquisa
intuindo o que irá encontrar, pois dessa forma, o pesquisador pode acarretar na
contaminação dos resultados do estudo.
Por isso, o ato de fazer pesquisa científica demanda cuidado e responsabilidade,
implicando como expõe Bourdieu (1989), na escolha de abordagem, elaboração de
questionários, leitura de dados estatísticos e interpretação de documentos, por
exemplo. O autor (1989, p. 22) destaca ainda, que só se aprende a fazer pesquisa na
prática, pois o que se ensina é “(...) um modus operandi, um modo de produção
científico que supõe um modo de percepção, um conjunto de princípios de visão e de
divisão, a única maneira de o adquirir é a de o ver operar”.
As pesquisas científicas devem ser novas e originais, porém, se apropriar do modo de
pensamento científico de outrem, não é tarefa fácil. Nessa perspectiva, Bourdieu
(1989, p. 63) apresenta que elaborar e “Compreender trabalhos científicos que,
diferentemente dos textos teóricos, exigem não a contemplação, mas a aplicação
prática é fazer funcionar, praticamente, a respeito de um objecto diferente, o modo de
pensamento que nele se exprime”.
Sendo assim, a metodologia da pesquisa científica funciona como uma ferramenta
para a condução de trabalhos acadêmicos, e está relacionada ao caminho percorrido
pelo pesquisador, a fim de atingir os objetivos propostos (GAIO, 2008). Tendo como
24
finalidade, de acordo com Martins (2000), justificar e descrever o tipo de pesquisa que
será adotado, conforme a abordagem; caracterizar a população ou o objeto de estudo,
bem como o plano amostral que será empregado; detalhar a maneira e as estratégias
utilizadas para a coleta dos dados. Bourdieu (1989, p. 24) complementa afirmando
que “É em função de uma certa construção do objeto que tal método de amostragem,
tal técnica de recolha ou de análise dos dados, etc. se impõe”.
No entanto, para estabelecer um caminho metodológico, é preciso escolher e
conhecer bem o campo3 para a construção do objeto. Bourdieu (1989, p. 27) aponta
que:
A noção de campo é, em certo sentido, uma estenografia conceptual de um modo de construção do objecto que vai comandar – ou – orientar todas as opções práticas da pesquisa. Ela funciona como um sinal que lembra o que há que fazer, a saber, verificar que o objecto em questão não está isolado de um conjunto de relações de que retira o essencial das suas propriedades.
O campo, de acordo com as percepções de Bourdieu (1989) é um espaço simbólico,
social, composto por instituições e agentes, onde se fundam as relações objetivas, e
também se organizam as relações de poder e força, por exemplo. Nesta pesquisa
intitulada “Educação escolar indígena: um estudo sobre o currículo e identidade na
comunidade Pankará (Serra do Arapuá/PE)” que objetiva compreender as implicações
do currículo na afirmação das identidades da comunidade Pankará, nos
debruçaremos principalmente sobre o campo educacional.
Após estabelecer o campo de estudo, o autor adotou à abordagem qualitativa, que,
segundo Minayo (2010, p. 21), explora o âmbito dos “significados, das aspirações,
crenças, valores e atitudes". As pesquisas qualitativas estão relacionadas à
subjetividade, as compreensões de um grupo social, centrando-se no entendimento e
explicação da dinâmica estabelecida nas relações sociais (SILVEIRA; CÓRDOVA,
2009).
3 O conceito de campo aqui faz alusão à Teoria Geral dos Campos, presente nas diversas obras de Pierre Bourdieu.
25
Por se constituir o estudo da identidade através do currículo de uma comunidade
indígena, foi utilizado uma observação extensa, seguida pela elaboração do
pensamento de forma coletiva e in loco, nesse sentido este trabalho se apresenta
como um estudo que se aproximou do método etnográfico. A pesquisa de cunho
etnográfico converge para concepções de ciência defendida por Maturama (2001), no
sentido de que o método científico reflete uma realidade objetiva, a qual existe de
forma independente dos anseios e expectativas dos observadores. Contudo, referiu-
se de uma pesquisa descritiva, já que, segundo Gil (2002, p. 42), possibilitou a
descrição das “características de determinada população ou fenômeno”.
2.2 MÉTODOS E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA
O trabalho de pesquisa que resultou nesta dissertação, ao objetivar compreender as
implicações do currículo escolar na afirmação da identidade indígena Pankará
apresentou-se como campo de investigação utilizando inicialmente da pesquisa
bibliográfica e da pesquisa documental. Isso possibilitou a interpretação dos dados
existentes permitindo estruturar os instrumentos que iriam ser usados para analisar as
evidências dos acontecimentos que estavam sendo investigados, optando-se, então,
pelas entrevistas e pela observação direta.
A pesquisa bibliográfica, uma vez que, permite ao estudioso ter acesso a diversas
produções como livros, publicações periódicas, impressos diversos, e textos
disponíveis em sites confiáveis. Materiais acessíveis ao público em geral, que
possibilitam uma gama de conhecimento sobre o que já foi gerado acerca de
determinada temática, oportunizando a criação de novos saberes (GIL, 2002).
Nesse estudo, a pesquisa bibliográfica contribuiu para tecer as discussões acerca da
educação escolar indígena, do currículo, e da identidade, pois de acordo com
Bourdieu (1989) é necessário entender os conceitos para realizar a pesquisa empírica,
ou seja, a pesquisa de campo.
Também foi adotado a pesquisa documental que se assemelha a pesquisa
bibliográfica, porém é voltada a utilização de materiais que não receberam nenhum
tratamento, ou que podem ser reelaborados. Esses documentos podem ser
26
encontrados em arquivos de órgãos públicos e instituições privadas, e incluem
regulamentos, fotografias, boletins, projetos de lei, certidões, memorandos, etc. (GIL,
2002).
A pesquisa documental se faz importante na produção do conhecimento científico,
pois pode complementar informações ou expor novos aspectos sobre uma temática
(LUDKE; ANDRÉ, 1986). Neste estudo, por exemplo, avaliamos a Resolução nº 5, de
22 de junho de 2012 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar
Indígena na Educação Básica, a fim de analisar o currículo das escolas da
comunidade indígena Pankará.
2.2.1 Entrevistas do tipo qualitativo
Para Creswell e Clark (2013, p. 64), a entrevista é “uma conversa, a arte de realizar
perguntas e escutar respostas”. Como técnica de coleta de dados, é fortemente
influenciada pelas características pessoais do entrevistador. Esta definição inclui
qualquer encontro entre duas pessoas (entrevistador e entrevistado), no qual o
pesquisador faz perguntas que podem ir desde a pesquisa de opinião até aos
questionários, ou seja, instrumentos altamente estruturados, e as entrevistas abertas,
onde é possível inclusive que o pesquisador seja interpelado pelo entrevistado.
A entrevista de tipo qualitativo não se baseia em questões fechadas e altamente
estruturadas, ainda que possam ser utilizadas, mas em entrevistas mais abertas cuja
máxima expressão é a entrevista qualitativa em profundidade, onde não apenas se
mantém uma conversação com um informante, mas também os encontros se repetem
até que o pesquisador, revisada cada entrevista, esclarece todos os temas
emergentes ou questões relevantes para o seu estudo (CRESWELL; CLARK, 2013).
Neste trabalho, foram aplicadas as entrevistas de cunho qualitativo. Na comunidade
indígena Pankará, as entrevistas foram realizadas após as visitas da etapa de
elaboração do anteprojeto, como o autor se auto determina índio do povo Pankará, e
já tinha um contato prévio, houve a simpatia entre os professores e gestores
(coordenadores pedagógicos) envolvidos na pesquisa, justamente pela relação de
27
amizade e parentesco com os membros da comunidade. No segundo momento, o
pesquisador expôs o projeto para a cacica Maria das Doures (Dorinha), que apoiou a
iniciativa e se dispôs a colaborar no que fosse necessário.
Vale ressaltar, que nesse projeto de pesquisa, foi assegurado o anonimato aos
professores e gestores, e destacou a neutralidade e a independência do projeto.
Para a concretização das entrevistas individuais, utilizou-se gravador para registro de
voz, como também câmara fotográfica para o registro das imagens. Nas entrevistas,
foi aplicado um roteiro previamente elaborado, com perguntas semiestruturadas, de
acordo com entendimento de Gressler (2004) no qual destaca essa fase da pesquisa
com o objetivo de reconhecer os meios para recolher informações sobre o campo de
interesse, procurando captar um volume maior de informações para que auxilie a
estruturar melhor as análises e discussões sobre o assunto.
As perguntas foram elaboradas no roteiro durante análise documental e tentaram
buscar elementos que caracterizam a educação escolar da comunidade Pankará,
investigando a origem do currículo escolar e práticas que favorecem a consolidação
da identidade indígena, além dos questionamentos em relação a percepção que os
sujeitos tinham sobre o processo de formação dos alunos Pankará, desde a confecção
do Projeto Político Pedagógico (PPP) até os ensinamentos no dia a dia na sala de
aula.
As perguntas aludiram, sobre a participação dos professores no PPP, sobre as
competências necessárias para lecionar na escola indígena cujo ensino é especifico
e diferenciado, sobre a elaboração do material escolar, sobre o planejamento
interdisciplinar, e sobre a formação do professor Pankará (Vide Apêndice A e B).
2.2.2 Observação direta
A observação direta como ferramenta metodológica da pesquisa qualitativa foi
utilizada para obter determinados tipos de informações que possibilitaram os
resultados desta pesquisa.
28
Por meio da observação direta, foram realizadas anotações das evidências e
experiências em diário de campo.
Este método de coleta de dados é empregado, de acordo com Sampieri et al. (2013),
na forma de complementação das outras formas de coleta de dados, como entrevistas,
questionários, entre outros, sendo considerado uma técnica secundária da pesquisa.
Na comunidade indígena Pankará, a observação direta se delineou em todos os
encontros com os professores e gestores. Essa prática propiciou ao pesquisador o
agrupamento das impressões obtidas, facilitando a análise posterior dos dados.
2.3 O LÓCUS E OS SUJEITOS DA PESQUISA
A pesquisa referenciada neste trabalho foi realizada na comunidade indígena Pankará
localizada na Serra do Arapuá, local de habitação e sobrevivência, que pertence ao
município de Carnaubeira da Penha, Mesorregião do São Francisco Pernambucano,
que fica há proximamente 500 quilômetros da capital Recife. O município se estende
por 1 004,7 km² e contava com 11 782 habitantes no último censo. A densidade
demográfica é de 11,7 habitantes por km² no território do município. Situado a 456
metros de altitude, tem as seguintes coordenadas geográficas: Latitude: 8° 18' 46''
Sul, Longitude: 38° 44' 23'' Oeste (IBGE, 2010).
Os índios Pankará são habitantes na Serra do Arapuá, área de um brejo de altitude,
no município de Carnaubeira da Penha. Os denominados brejos de altitudes do
Semiárido do Nordeste são espaços de habitação de grupos humanos há centenas
de anos, como é o caso da Serra do Arapuá, território do povo Pankará. Registros
desde o início do processo da colonização portuguesa na região citam a sua ocupação
por indígenas e também por grupos quilombolas, espaço de refúgio e moradia desses
grupos (OLIVEIRA, 2014).
29
Essa região é também conhecida como Sertão do estado de Pernambuco, onde ocorreu um intenso processo de ocupação colonial que teve como principal empreendimento a atividade da pecuária, palco de conflitos intensos com as diversas populações indígenas habitantes nessa região, principalmente a área de abrangência do Rio São Francisco. E para facilitar a ocupação da região pelos colonos e com o objetivo de cristianizar os índios, foram instaladas várias missões religiosas, resultando em significativo quantitativo de aldeamentos que existiram na região. (OLIVEIRA, 2014, p.2 ).
A ocupação do território acompanhou o ciclo da pecuária, que iniciou nesta região
após a expulsão dos holandeses (1654), a partir da Casa da Torre. A família Garcia
D´Ávila concedeu grandes extensões de terra aos seus parentes pelos vales do São
Francisco e Pajeú, estabelecendo as primeiras fazendas. Estas ocupações
enfrentaram a resistência dos índios que viviam no Vale do Pajeú, do Piancó e do
Piranha entre 1694 e 1702, na chamada 4"guerra dos bárbaros" (IBGE, 2010).
Foi elevado à categoria de município com a denominação de Carnaubeira da Penha,
pela lei estadual nº 10.626, de 01 de outubro de 1991, desmembrado do município de
Floresta. A Sede passou a ser no antigo distrito de Carnaubeira, atual Carnaubeira da
Penha (IBGE, 2010).
Figura 2 - Mapa de Pernambuco com localização do município de Carnaubeira da Penha.
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Mapa_de_Carnaubeira_da_Penha_(2).png
4 Ocorrida entre os anos de 1650 e 1720, a Guerra dos Bárbaros envolveu os colonizadores e os povos nativos chamados Tapuia e teve como palco uma área que correspondia em termos atuais a um território que inclui os sertões nordestinos, desde a Bahia até o Maranhão. A designação “bárbaros” era dada pelos colonizadores e cronistas da época aos povos nativos que habitavam à região e ofereciam resistência à ocupação do território pelos portugueses. Foram assassinados cerca de 400 índios Paiacu e realizada a prisão de 250, incluindo crianças e mulheres (PIRES, 2016, p.2).
30
Na Serra do Arapuá, local de habitação do povo Pankará, a luta pela demarcação da
terra se iniciou no ano 1940, no entanto, o reconhecimento oficial só aconteceu em
2003 e a identificação dos limites da terra se efetivou em 2010. A população,
identificada pelo conselho de ancião, é de aproximadamente 5.500 índios.
Conforme depoimento de Maria das Dores dos Santos, de vulgo Dorinha, e Cacica
Pankará, a organização sócio política é constituída a partir do ritual sagrado. São
consideradas lideranças, aquelas pessoas indicadas pela natureza, e pelos encantos
da luz, ou seja, quem detém o saber religioso e guarda a história do povo. Os
estudantes participam dessa organização nas primeiras aprendizagens, que são
desenvolvidas na perspectiva da formação política do educando, prevalecendo o
respeito aos mais velhos, aos pajés, aos caciques e demais membros da comunidade
Pankará.
Assim se constitui a organização sócio política da comunidade indígena Pankará:
Figura 3 - Organização do Povo Pankará
Fonte: (PPP. PANKARÁ, 2012, p.10).
O ritual do toré e os anciãos são considerados pela cacica Dorinha como as “forças
maiores” dentro do povo, e a liderança religiosa é base da identidade e da educação
Pankará, desenvolvida no território considerado sagrado pelo povo Pankará.
31
No território Pankará o padrão de família simboliza a importância na formação das
aldeias, e se constitui em um modelo que representa uma boa relação familiar, os pais
têm a função primordial de educação com seus filhos, tendo a responsabilidade de
ensinar para a criança a dançar o ritual, a ter crença nas forças encantadas, visitar os
espaços religiosos e preservar a vegetação.
A organização social da comunidade Pankará caracteriza-se por famílias extensas
com base na filiação cognática. O território é divido em 6 núcleos populacionais que
residem em núcleos familiares que estão espalhados entre as 53 aldeias existentes.
Atualmente existem 26 unidades escolares, distribuídas entre as 53 aldeias. Existem
escolas que o acesso se torna difícil, com estradas de terra, sendo que algumas
devido a condição da estrada, só é possível chegar montado em animais, moto ou
mesmo a pé.
Nestas aldeias habitam índios Pankará, pequenos agricultores não-índios e médios
fazendeiros. Também habita na Serra do Arapuá uma comunidade quilombola,
chamada Tiririca dos Crioulos (IBGE, 2010).
O acesso aos serviços de saúde é composto pela equipe de enfermeiros, de auxiliares
de enfermagem, de dentistas, e dos AIS (Agentes Indígenas de Saneamento Básico).
Os agentes comunitários de saúde, junto aos dentistas e enfermeiros, colaboram na
orientação dos alunos sobre o tema educação e saúde. Os AIS contribuem na
educação realizando visitas domiciliares, onde pesam as crianças. As que possuem
baixo peso recebem cestas básicas. Nessas cestas vêm alimentos preparados e
nutritivos que ajudam no controle do peso das mesmas. Segundo a Cacica Dorinha,
os agentes do AIS participam dos eventos escolares como: palestras nas escolas com
os pais, alunos e toda a comunidade escolar.
Na comunidade Pankará, além do AIS, existe também o CISPAN (Conselho Indígena
de Saúde do Povo Pankará) que, além de fiscalizar, propõe novas ações de melhorias
em relação à saúde comunitária. Nas escolas existem alunos que são atendidos pelo
32
programa do governo federal, Bolsa Família e pelo Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil (PETI)5. Algumas famílias habitam em casa de taipa (barro) e outras
em casa de alvenaria.
Segundo o Instituto Socioambiental (2014), com exceção da aldeia Cacaria, a Serra
do Arapuá não apresenta graves problemas com água, o que é muito raro nessa
região e ameniza as maiores dificuldades, possibilitando a manutenção dos pomares
que incrementam a alimentação. As principais culturas são feijão de arranca, batata,
abóbora, jerimum, macaxeira, fava, andu, mandioca, milho, banana, mamão, caju,
pinha, goiaba, abacate, jaca, graviola e manga.
Figura 4 - Índio Pankará na Feira de Cultura
Fonte: http://pankarapovopankara.com
As feiras nas cidades mais próximas funcionam como espaço importante de encontros
e socialização. Na cidade de Carnaubeira da Penha, a feira acontece toda semana,
sempre na segunda-feira, e em Floresta, na sexta e sábado.
5 O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) é uma iniciativa que visa proteger crianças e adolescentes, menores de 16 anos, contra qualquer forma de trabalho, garantindo que frequentem a escola e atividades socioeducativas. O objetivo principal é erradicar todas as formas de trabalho infantil no país, em um processo de resgate da cidadania e inclusão social de seus beneficiários. O programa oferece auxílio financeiro, pago mensalmente pela Caixa, à mãe ou ao responsável legal do menor, por meio de cartão magnético (BRASIL, 2018.)
33
O índio Pankará tem como hábito, frequentar mais o município de Floresta, onde
compram os suprimentos que não produzem, como arroz, fósforos, macarrão, óleo
comestível, vestimentas e remédios.
Por serem filiados ao sindicato dos trabalhadores rurais, contam ainda com alguns
benefícios como aposentadoria e auxílio maternidade. Mas os que não possuem o
registro da terra, enfrentam dificuldades com a previdência social.
Como já relatado, existem vinte e seis unidades escolares, atendendo um total de
1.454 estudantes da Educação Básica: 148 na Educação Infantil, 882 Ensino
Fundamental nos Anos Iniciais e Finais (1º ao 9º), 149 na Educação de Jovens e
adultos – EJA (1ª à 4ª fases) e 275 no Ensino Médio.
Os sujeitos participantes deste estudo são professores e coordenadores pedagógicos
(Gestores) de diferentes escolas distribuídas entre as aldeias e núcleos da
comunidade Pankará. Os entrevistados foram selecionados não como “unidades
estatísticas”, no dizer de Alberti (2005, p. 32), mas como “unidades qualitativas”, em
virtude de suas experiências com o tema pesquisado.
2.4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DAS INFORMAÇÕES
A análise e interpretação das informações recolhidas na pesquisa de campo – 21
(vinte e um) entrevistas que correspondem a aproximadamente 157 minutos de
gravações, além dos diálogos estabelecidos com e sem o gravador ligado nos
encontros com a comunidade Pankará.
A participação inserção in loco ocorreu de forma participante nas aldeias, e o autor
também procurou coletar dados das fontes disponíveis, sejam pela observação direta,
pela coleta de documentos ou por meio da presença nas feiras culturais.
A pesquisa reuniu documentos institucionais fornecidos pela coordenação pedagógica
das escolas da comunidade indígena Pankará, na tentativa de obter informações
necessárias para a construção do objeto desta pesquisa, se constituindo como fontes
de pesquisa:
34
Quadro 1 - Fontes de Pesquisa
Documentos
Projeto Político Pedagógico - Pankará
Matriz Curricular do ensino fundamental I e II
Resoluções
Orientação Curricular Pankará
Fonte: Elaborado pelo autor.
Essas fontes de pesquisa compõem tanto o período atual quanto o histórico dos
acontecimentos do povo Pankará. As possíveis alterações que venham ocorrer no
decorrer nos documentos coletados podem servir como fontes para análise dos
estudos futuros. As análises das documentações têm como missão registrar
historicamente esses episódios históricos e atuais na tentativa de compreender a
constituição do currículo Pankará e compreender suas implicações na afirmação da
identidade.
Para a escolha dos sujeitos, foi realizado inicialmente uma reunião com a gestora geral
dos seis núcleos, que sugeriu fazer as entrevistas tanto nas escolas quanto na 6feira
do movimento cultural Pankará, as entrevistas seguem a seguinte composição:
a) 15 professores/as que lecionam em diversos cursos do ensino fundamental
I e II. As escolhas pelas quais os professores lecionam mesclaram no
quesito de experiência docente, e de diferentes aldeias;
6 Anualmente entre o mês de Abril e Maio é realizado a feira do movimento cultural Pankará cujo objetivo
é a inserção dos docentes e discentes na produção do saber escolar, e colocando-se numa postura de
identificação dos saberes do povo que norteiam o currículo das escolas, analisar como estão organizados
e sistematizados estes saberes nas propostas pedagógicas de ensino e verificar através das propostas
de ensino que saberes valem mais, para a garantia dos direitos a uma educação escolar específica,
diferenciada e intercultural pelos Pankará. São realizados rituais, apresentações culturais e mobiliza todas
as 53 aldeias distribuídas nos 6 núcleos, além das 26 escolas (PPP. PANKARÁ, 2012, p.10).
35
b) 6 gestores responsáveis pela coordenação pedagógica das escolas,
implantação e desenvolvimento do Núcleo Avançado. Esses gestores são
responsáveis pelo acompanhamento pedagógico das ações, em termos de
educação escolar, nos seis núcleos existentes.
Foram escolhidos quinze professores que ensinam em diferentes aldeias e núcleos,
que ministram aulas em disciplinas distintas, na tentativa de obter diferentes
depoimentos, além de contemplar diversas escolas. Além dos seis gestores que
contribuem de forma mais efetiva na elaboração do currículo escolar.
A seguir, será apresentado o perfil dos professores participantes da pesquisa:
Quadro 2 - Participantes da pesquisa – Professores.
Área de Ensino Idade Nível de ensino
Professor de Ciências 31 anos Fundamental I e II
Professora de Língua
Estrangeira - Inglês
37 anos Fundamental I e II
Professora de Educação
Física
33 anos Fundamental I e II
Professora de Matemática 36 anos Fundamental I e II
Professora de Português 36 anos Fundamental I e II
Professora de História 38 anos Fundamental I e II
Professora de Arte
Contemporânea
32 anos Fundamental I e II
Professora de arte indígena 25 anos Fundamental I e II
Professora de Religião 35 anos Fundamental I e II
Professora de Geografia 30 anos Fundamental I e II
Professora de Ciências 29 anos Fundamental I e II
Professora de Matemática 31 anos Fundamental I e II
Professor de História 33 anos Fundamental I e II
Professora de Português 28 anos Fundamental I e II
Professor de Ciências 30 anos Fundamental I e II
Fonte: elaborado pelo autor.
36
Na tentativa de preservar o anonimato dos professores que participaram das
entrevistas, será denominado apenas a área de ensino e a idade dos professores nos
resultados da pesquisa. O mesmo critério será estabelecido para os gestores
escolares dos seis núcleos.
A seguir, será apresentado o perfil dos gestores escolares participantes da pesquisa:
Quadro 3 - Participantes da pesquisa – Gestores.
Função Idade
Gestora – Coordenadora Pedagógica 38 anos
Gestora – Coordenadora Pedagógica 40 anos
Gestora– Coordenadora Pedagógica 37 anos
Gestora – Coordenadora Pedagógica 46 anos
Gestora – Coordenadora Pedagógica 37 anos
Gestora – Coordenadora Pedagógica 56 anos
Fonte: elaborado pelo autor.
Os gestores possuem especialização na modalidade Lato Sensu em Educação
Intercultural. Para um melhor acompanhamento pedagógico das ações, as escolas
foram distribuídas nos seis núcleos existentes na comunidade Pankará. Dentro dos
núcleos estão inseridas as aldeias. As escolas são distribuídas conforme a densidade
demográfica e necessidade de cada núcleo.
Por exemplo, o núcleo I, que corresponde a área do pé da serra do Catolé, possui seis
escolas:
No núcleo I - do Pé da Serra do Catolé, são seis escolas:
37
Quadro 4 - Distribuição das escolas – Núcleo I.
NÚCLEO I - DO PÉ DA SERRA DO CATOLÉ
ESCOLA POLO – ESTADUAL INDÍGENA ESPECIOSA BENIGNA DE BARROS
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA SIMÃO CÍCERO DA SILVA
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA JOSÉ JERONIMO BARBOSA
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA OLÍMPIO PEREIRA
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA MANOEL VICENTE DA SILVA
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA ODILON NUNES
Fonte: (PPP. PANKARÁ, 2012, p.20).
No núcleo II - do Agreste, são duas escolas:
Quadro 5 - Distribuição das escolas – Núcleo II.
NO NÚCLEO II – DO AGESTE
ESCOLA POLO – ESTADUAL INDÍGENA SAGRADA FAMÍLIA
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA ANA NUNES DA SILVA
Fonte: (PPP. PANKARÁ, 2012, p.20)
No núcleo III – Da Chapada, são duas:
Quadro 6 - Distribuição das escolas – Núcleo III.
NO NÚCLEO III – DA CHAPADA
ESCOLA POLO – ESTADUAL INDÍGENA QUINTINO DE MENEZES
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA NOSSA SENHORA APARECIDA
Fonte: (PPP. PANKARÁ, 2012, p.20)
No núcleo IV – Da Lagoa, são quatro escolas:
38
Quadro 7 - Distribuição das escolas – Núcleo IV.
NÚCLEO IV DA LAGOA
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA TIA AMÉLIA CAXIADO
ESCOLA POLO – ESTADUAL INDÍGENA ROSILDA SABAS DE SOUZA
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA MILTON PEREIRA NETO
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA NOSSA SENHORA DE FÁTIMA
Fonte: (PPP. PANKARÁ, 2012, p.21)
No núcleo V – Do Pé da Serra da Cacaria, são cinco escolas:
Quadro 8 - Distribuição das escolas – Núcleo V.
NÚCLEO V – DO PÉ DA SERRA DA CACARIA
ESCOLA POLO – ESTADUAL INDÍGENA BOM JESUS DOS AFLITOS
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA MANOEL JOÃO DE SOUZA
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA SANTO EXPEDITO
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA VÓ OLINDINA
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA COSME E DAMIÃO
Fonte: (PPP. PANKARÁ, 2012, p.21)
No núcleo VI – Do Pé da Serra Grande, são quatro escolas:
Quadro 9 - Distribuição das escolas – Núcleo VI.
NÚCLEO VI – DO PÉ DA SERRA GRANDE
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA MANOEL MIGUEL DO NASCIMENTO
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA VICENTE MUNIZ
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA MESTRE OTAVIANO
Fonte: (PPP. PANKARÁ, 2012, p.21)
Atualmente existem seis núcleos, sendo 26 unidades escolares, que se constituem
em 23 escolas e 03 extensões.
39
Na organização escolar, os professores e gestores não atuam de forma independente,
ou por conta própria. A educação escolar está submetida à organização do povo, ou
seja, o conselho de anciãos, cacique, pajé, lideranças de aldeias e a própria
comunidade. Porém, todos têm a autonomia conforme as responsabilidades
específicas definidas no PPP, de acordo com o perfil profissional.
Diante do exposto, emergiram as primeiras análises e interpretações que são
apresentadas no sexto capítulo. Esse levantamento metodológico possibilitou
compreender o território, as relações entre os sujeitos, e suas implicações quanto ao
currículo escolar na formação da identidade da comunidade Pankará.
40
3. EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: AVANÇOS E RETROCESSOS
Este capítulo tem como objetivo apresentar uma discussão teórica acerca dos
avanços, retrocessos e consensos no tema de educação escolar indígena no âmbito
geral. Essa discussão se torna necessária para entendimento das características e
particularidades que englobam a comunidade pesquisada.
3.1 EFETIVIDADE DO DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS
INDÍGENAS NO BRASIL
Existe hoje uma estimativa da existência de aproximadamente 200 sociedades
indígenas no país. Não é possível determinar um número exato, pois há grupos que
vivem de forma autônoma, ou seja, grupos que não possuem contato com sociedade
nacional (FUNAI, 2013). Mesmo os grupos indígenas estando presente em todo
território nacional brasileiro, com exceção do Piauí e Rio Grande do Norte, é
totalmente possível morar no Brasil e nunca ter se deparado com um índio.
Grande parte desta concentração indígena encontra-se no Norte e Centro-Oeste do
país. Mediante informações levantadas pelo Censo 2010, cerca de 0,4% da população
é composta por índios, uma somatória de 800 mil vivendo no Brasil.
No Censo 2010, o IBGE aprimorou a investigação sobre a população indígena no país, investigando o pertencimento étnico e introduzindo critérios de identificação internacionalmente reconhecidos, como a língua falada no domicílio e a localização geográfica. Foram coletadas informações tanto da população residente nas terras indígenas (fossem indígenas declarados ou não) quanto indígenas declarados fora delas. Ao todo, foram registrados 896,9 mil indígenas, 36,2% em área urbana e 63,8% na área rural. O total inclui os 817,9 mil indígenas declarados no quesito cor ou raça do Censo 2010 (e que servem de base de comparações com os Censos de 1991 e 2000) e também as 78,9 mil pessoas que residiam em terras indígenas e se declararam de outra cor ou raça (principalmente pardos, 67,5%), mas se consideravam “indígenas” de acordo com aspectos como tradições, costumes, cultura e antepassados (IBGE, 2011, p. 1).
A interpretação dos dados demográficos dos povos indígenas de hoje deve ser
realizada à luz do processo histórico, levando em consideração os meios de contato
41
que cada grupo tem realizado com a sociedade nacional, os efeitos epidêmicos e os
enfrentamentos que tiveram com as frentes de expansão (FUNAI, 2013).
Também foram identificadas 505 terras indígenas, cujo processo de identificação teve a parceria da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) no aperfeiçoamento da cartografia. Essas terras representam 12,5% do território brasileiro (106,7 milhões de hectares), onde residiam 517,4 mil indígenas (57,7% do total). Apenas seis terras tinham mais de 10 mil indígenas, 107 tinham entre mais de mil e 10 mil, 291 tinham entre mais de cem e mil e em 83 residiam até cem indígenas. A terra com maior população indígena é Yanomami, no Amazonas e em Roraima, com 25,7 mil indígenas (IBGE, 2011, p. 1).
O número de organizações indígenas vem crescendo nos últimos anos e triplicou
desde 1995 quando havia cerca de 100 e hoje existem segundo o Instituto
Socioambiental 330 organizações.
Figura 5 - Cartograma – Número de terras indígenas e superfície, segundo a situação fundiária.
Fonte: IBGE, 2011.
42
Observe pela figura 4, que dentro dos limites, do estado de Pernambuco, contém
alguns pontos verdes. Esses pontos representam 10 (dez) povos Indígenas,
distribuídos entre os municípios de Águas Belas, Pesqueira, Buíque, Cabrobó, Inajá,
Petrolândia, Jatobá, Tacaratu, e Carnaubeira da Penha, cuja população soma num
total de aproximadamente 25.720 Índios.
O Estado de Pernambuco, hoje é considerado o 4º maior estado, em população
indígena do país, só perdendo para a Amazonas, Mato Grosso e Pará (IBGE, 2017).
A política de colonização no Nordeste brasileiro gerou como consequência para os
povos indígenas um processo que pôs em xeque sinais diacríticos que os diferenciam
da população não-indígena, se comparados aos grupos étnicos habitantes de outras
regiões do país, a exemplo da Amazônia (OLIVEIRA, 2014).
Entretanto, os grupos indígenas no Nordeste vivenciaram um longo processo de
resistência, resultando em movimentos de emergências étnicas e reconstrução de
suas identidades (OLIVEIRA, 2014).
Contemporaneamente, o processo histórico sociocultural vivenciado pelos povos indígenas no Sertão pernambucano, ocorre no sentido da afirmação de suas identidades étnicas, envolvendo questões de autorreconhecimento e autoafirmação enquanto grupos indígenas, como o reconhecimento e identificação frente à sociedade brasileira, além das mobilizações pelas reivindicações e garantias de territórios, do Ambiente e expressões socioculturais, aspectos fundamentais para afirmação étnica dos povos indígenas, como é o caso do povo Pankará
(OLIVEIRA, 2014, p.2).
Nos anos 70, as lideranças indígenas brasileiras tiveram o apoio do CIMI – Conselho
Indigenista Missionário para a promoção de Assembleias Indígenas Intertribais para
com o intuito de debater sobre questões pertinentes aos povos indígenas que se
disseminaram paralelamente ao surgimento de líderes que se destacaram
internacionalmente: Mário Juruna (Xavante), Kretan e Xangrí (Kaingang) e Raoni
(Txukarramãe).
43
As assembleias procuravam levantar os problemas específicos de cada grupo e aldeia indígena. A partir deste quadro, os índios identificavam as questões urgentes, voltadas para a garantia da terra, assistência sanitária e educacional. Entretanto, uma proposta governamental de emancipação dos índios, divulgada em 1978 e rejeitada por Universidades, Igrejas, Ordem dos Advogados, ONGs, etc., motivou os índios a superarem a esfera local, para debater e agir sobre seus problemas em âmbito nacional. Os fatos de 1978 contribuíram para que os índios criassem, em 1979, uma organização nacional; a UNI - União das Nações Indígenas. Esta procurou representar um papel simbólico de unificar as reivindicações indígenas, adotando nas suas atividades uma política de alianças com os movimentos de apoio aos índios espalhados pelo Brasil (MUSEU, 2013, p. 4).
Devido às dificuldades de representar os índios em âmbito nacional a UNI (União das
Nações Indígenas) encontrou sérios obstáculos para institucionalizar-se, porque são
muitas e com vasta diversidade as questões relacionadas aos índios que incluem
questões territoriais, culturais, educacionais, de saúde, no entanto, sua intensiva
atuação influenciou a inclusão de um capítulo específico sobre os direitos indígenas
na Constituição Federal de 1988.
A Constituição de 1988 (CF 1988) que, no Artigo 231, reconheceu “aos índios sua
organização social, costumes, línguas, crenças, tradições, e os direitos originários
sobre as terras que tradicionalmente ocupam” (OLIVEIRA, 2014).
E, no Artigo 210, § 2º, assegurou às comunidades indígenas “a utilização de suas
línguas maternas e processos próprios de aprendizagem” no ensino fundamental. A
Lei de Diretrizes e Bases nº. 9.394/1996 (Artigos 32; 78 e 79), ao tratar da Educação
Básica, reforçou o disposto na CF (BRASIL, 1996).
3.2 DA INTEGRAÇÃO À REAFIRMAÇÃO DAS IDENTIDADES: A LEGISLAÇÃO
COMO MECANISMO DE PRESERVAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
A educação escolar indígena no Brasil tem se caracterizado por recuos e avanços que
se definem pelas políticas públicas educacionais que na literatura tem sido
44
evidenciada por períodos distintos em termos de objetivos e resultados, levando-se
em consideração a sua natureza institucional a partir do caráter educativo.
O discurso que define essa política de implementação e escolas nas aldeias e a
formação de educadores para essa tarefa teve como foco a noção de integração e
assimilação, considerando-se as grandes diferenciações de línguas e culturas
indígenas, bem como os costumes e tradições, a educação indígena criada pela
concepção das políticas públicas tinham como objetivo forçar o indígena a se
“desaculturar”, representando de certa forma uma carência de sensibilidade à riqueza
cultura e as experiências indígenas como povos de autonomia.
Essa fase marcaria, a escola feita pelos brancos para índios representando a negação
de sua cultura e protagonismo histórico. Sob essa ideologia de subordinação criava-
se a escola indígena de maneira verticalizada sob a diretriz das políticas públicas.
Com a Constituição de 1988 trouxe profundas mudanças entre a fase denominada de
7catequese como processo educativo de (1500 a 1988) e a 8criação das chamadas
escolas indígenas para atender à necessidade educacional a partir de uma escola
feita para o próprio indígena, com o objetivo de assegurar a continuidade de sua
riqueza cultura, determinando como exemplo de pluralidade as diferentes culturas que
deles emergem (LUCIANO, 2006).
Ao período que se seguiu à CF 1988, Troquez (2014) contribui afirmando que o Estado
procurou implantar a escolarização diferenciada em diversas áreas indígenas do país,
em alguns estados foram criados cursos de formação de professores índios em
7 A educação na colônia portuguesa do século XVI por meio dos jesuítas tinha como objetivo primário catequizar os nativos, e para isso, foram usados vários recursos didáticos e metodológicos. Os padres jesuítas foram os primeiros evangelizadores do Brasil colonial, trabalhavam com uma cultura europeia letrada e tinham como finalidade a completa conversão dos indígenas para a fé católica sendo a educação o principal agente colonizador (PAIVA,2016). 8 Os anos 1980, caracterizados por um “processo de transição” entre a ditadura e a reabertura democrática, e os anos 1990 foram marcados pelo movimento em prol da conquista da escola pelos índios. Este movimento, formado por agentes indigenistas ligados às propostas alternativas, por lideranças indígenas e alguns professores índios que foram sendo formados neste processo, reivindicava a transformação da educação para o índio em educação escolar indígena (BRITO, 1995, p. 98, TROQUEZ, 2006; 2012; 2015).
45
serviço, e em algumas universidades cursos superiores específicos para a formação
de professores índios. A partir de então, o MEC, através da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), tem procurado acompanhar os
processos de educação escolar indígena no país e de formação de professores índios.
Nessa nova conjuntura, a nova atribuição se tornou também um grande desafio para
os educadores que fazem a escola indígena contemporânea, desvinculada dos
valores alheios aos povos indígenas, mas uma escola que tenha como foco principal
manter as tradições, assegurar que suas experiências sociais permaneçam vivas para
as futuras gerações, assegurando-lhes o direito de autonomia. A partir dessas
mudanças no rumo da escola indígena, faz-se uma nova escola participativa e
engajada em trazer para o centro as pessoas que possam contribuir para a intenção
desse projeto escolar.
Nascimento e Urquiza (2012) referenciam que a partir da LDB (1996) novas diretrizes
se realizam em todo o país em relação ao ensino nas aldeias indígenas, trazendo uma
nova percepção de educação escolar indígena, arcada pela interculturalidade e
bilíngue (LUCIANO, 2006).
“Na comunidade indígena Pankará as aprendizagens vão se fortalecendo. Com os mais velhos, os jovens vão aprendendo pelo valor da experiência”. (Cacica Dorinha, 2018).
Percebe-se, pelo depoimento da cacica Dorinha, que a participação efetiva de
lideranças indígenas e saberes culturais de pessoas mais idosas da comunidade
indígena seriam uma forma de manter as práticas cotidianas e ouvir do passado as
lendas, os costumes, os manifestos:
Para a constituição dessa nova escola, foram necessárias as práticas cotidianas nas
escolas e nas aldeias indígenas de forma a tornar possível uma escola para o próprio
índio. Assim nasceu a escola indígena desprovida de modelos ou padrões, mas
trazendo em seu bojo uma dinâmica contextualizada com a realidade, a partir de
oportunizar uma maior diversidade de experiências. Portanto, não se pode definir a
46
escola indígena como um modelo padronizado, com metas e objetivos ou mesmo
resultante de processos que se identifiquem com a escola convencional brasileira
(NASCIMENTO; IRQUIZA, 2012).
Sob esse aspecto, Baniwa (2013) analisa que é um grande erro tentar estabelecer
critérios de natureza teórico-metodológica, ideológica ou mesmo de caráter
pedagógico, pois na realidade o que se evidencia na realidade das experiências
escolares nas escolas indígenas, é uma construção de sua dinâmica histórica a partir
das demandas que contemplem as necessidades da comunidade indígena.
As escolas se apresentam também como diferenciadas, pois deve ir ao encontro das
necessidades de cada comunidade indígena, portanto, existem escolas que ensinam
a língua portuguesa e disciplinas como a Matemática. E outras que dimensionam o
ensino a partir de ações que possam transmitir às crianças, adolescentes e jovens a
conhecer as razões e contextualizações dos movimentos indígenas em termos de
direitos sociais que vêm colocando de maneira crescente na busca de um
reconhecimento, a vigência e os privilégios de um direito próprio que regule a vida
social indígena e sua forma de ver o mundo.
Partindo dessa análise, algumas escolas indígenas ensinam as tradições e as lutas
de seus povos, bem como culturas e valores espirituais dos povos e sua relação com
as terras ou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam
alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos com a finalidade de produzir
uma revitalização dos ensinamentos por meio da transmissão dos saberes e
fortalecimento da identidade do povo.
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT que foi adotada no
Brasil em 2004, e a criação do Plano Nacional de Educação trouxeram inovações que
se reafirmaram a partir do reconhecimento da autonomia político-pedagógica das
escolas indígenas.
As mudanças jurídicas, políticas, pedagógicas e administrativas permitiram a
expansão da oferta de ensino retirando o povo indígena na exclusão educativa. Dessa
47
forma, a escola indígena tomou proporção, deixando de uma atividade isolada para
ser ter uma dimensão nacional, de modo a ter reconhecimento jurídico e institucional.
A educação indígena passou a ser beneficiada pelo Plano Nacional de Educação
(PNE) e do Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE) em vários Estados
onde existem comunidades indígenas.
Nessa conjuntura, as escolas indígenas utilizam pedagogias da prática vivencial das
comunidades como forma de valorizar seus conhecimentos, o desdobrar as múltiplas
concepções que possam permitir compreender o universo indígena, a partir de suas
linguagens expressivas, partindo desse aspecto, a educação escolar deve partir da
gênese da construção do conhecimento, da apropriação da cultura e da constituição
do ser como sujeito em sua formação dentro da comunidade (NASCIMENTO;
IRQUIZA, 2012).
Em resposta a nova conjuntura a favor da educação escolar idígena, os sistemas de
ensino podem também ser diferenciados em relação ao seu andamento institucional
e formal. Portanto, evidencia-se que os avanços no século XX favoreceram uma maior
autonomia às comunidades indígenas, fortalecidas com seus direitos e o
reconhecimento de seus direitos jurídicos e pedagógicos, bem como da liberdade de
decisão acerca da condução local da gestão escolar (PALADINO; ALMEIDA, 2012).
A outra dimensão decorreu de mudanças políticas e jurídicas que passaram a
assegurar o direito a uma educação diferenciada, a partir do usufruto do direito
coletivo. Assim se criaram as ofertas de ensino para as comunidades indígenas em
âmbito nacional, a intensificação de formação de professores em grande maioria
indígenas, o que representa um grande avanço (NASCIMENTO; IRQUIZA, 2012).
Foi criada a resolução da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação - CEB nº 3 de 1999 que determina os critérios e diretrizes para a
regularização de escolas indígenas em todo o país, oportunizando às crianças,
adolescentes e jovens a educação básica, bem como o funcionamento de todas as
escolas a partir de nível de acesso escolar amplo. A partir desse marco passou a
48
existir escolas indígenas normatizadas ou reconhecidas a partir de um ordenamento
específico e próprio.
Segundo Baniwa (2013) a verdadeira educação escolar indígena se alicerça nos
fundamentos da reprodução e transmissão de seus universos culturais e crenças. A
partir de uma escola que favoreça os aspectos socioculturais e reconhecendo as
diferenças de cada povo indígena.
A escola indígena deve ser um ambiente educativo qualitativo que permita o crescente
desenvolvimento humano por meio de um sistema socioeducativo de cada povo.
Nesse sentido, o Conselho Nacional de Educação - CNE, determinou a partir do
Parecer nº 14, o reconhecimento da necessidade de ampliar as decisões político-
administrativas para favorecer o apoio institucional às escolas.
Pode-se citar nesse contexto, a criação da Coordenação Geral de Educação Escolar
Indígena – CGEEI como outro avanço importante que favoreceu uma maior
expressividade às novas escolas indígenas em âmbito nacional.
49
4. CONCEITOS DE IDENTIDADE: PRESERVAÇÃO E APROPRIAÇÃO
Para um entendimento amplo da realidade investigada, principalmente no que condiz
a educação escolar indígena através dos programas e currículo que pretendem
propiciar um ensino especifico e diferenciado, visando também a preservação da
identidade, esta seção apresenta uma revisão das concepções identitárias, seguida
dos conceitos atinentes à territorialidade, pois o conceito de identidade deve ser
entendido dentro de um contexto social onde as relações entre os sujeitos e o espaço
estão inseridos.
4.1 IDENTIDADES: CONCEPÇÕES TEÓRICAS
A identidade é sempre a identidade de determinados atores sociais que, em sentido
próprio, são os atores individuais, já que possuem consciência, memória e psicologia
próprias. Contudo, isso não impede que o conceito de identidade se aplique,
analogicamente, a grupos e coletivos de consciência própria, porque constituem
sistemas de ação.
Em ambos os casos, o conceito de identidade implica ao menos em quatro elementos,
de acordo com Thompson (2011):
(1) a permanência no tempo de um sujeito de ação;
(2) concebido como uma unidade com limites;
(3) que o distingue de todos os demais sujeitos.
Ainda, as identidades se constroem a partir da apropriação, por parte dos atores
sociais, de repertórios educativos considerados com diferenciadores e definidores da
própria unidade e especificidade. Nesse sentido, a identidade não é mais que a
erudição interiorizada pelos sujeitos, considerada sob o ângulo de sua função
diferenciadora e contrastante em relação com outros sujeitos.
50
O conceito de identidade já foi imposto massivamente nas ciências sociais a partir dos
anos oitenta, tendendo a banalizar, da mesma forma que o conceito de cultura, porque
costuma ser invocado sem preocupações maiores em defini-lo ou submetê-lo a um
rigor conceitual.
Assim como se tende a ver cultura em todas as partes (cultura da violência, cultura da
paz, cultura do preconceito, etc.), parece que tudo é dotado de identidade, desde a
cidadania abstrata até os espaços públicos. O recurso cada vez mais frequente ao
conceito de identidade pode ser explicado por ser necessário, pois sem ele não se
pode explicar a sociedade, já que não é possível pensar a sociedade sem esse
conceito (MARTÍN-BARBERO, 2006).
Os parâmetros fundamentais que definem um ator social são, conforme Martín-
Barbero (2006):
a) todo ator ocupa sempre uma ou várias posições na estrutura social. Os
atores são indissociáveis das estruturas, e devem ser compreendidos e
inseridos em sistemas. No espaço urbano, por exemplo, não se pode conceber
um ator que não esteja situado em algum lugar da estratificação urbana ou da
estrutura social urbana;
b) nenhum ator é concebido senão em interação com outros, seja em termos
imediatos (pessoalmente) ou à distância (pela internet, por exemplo). Por isso,
não se concebe um ator social urbano que não esteja em interação com outros;
c) todo ator social está dotado de alguma forma de poder, no sentido de que
dispõe sempre de algum tipo de recursos que lhe permitem estabelecer
objetivos e mobilizar os meios para alcançá-los;
d) todo ator social é dotado de uma identidade. Esta é a imagem distintiva que
tem de si mesmo em relação com os outros. Trata-se, portanto, de um atributo
relacional e não de uma marca;
51
e) em estreita relação com sua identidade, todo ator social tem também um
projeto ou múltiplos projetos. O projeto pessoal ou coletivo é ligado à percepção
de sua identidade, porque deriva da imagem que tem de si mesmo e, em
consequência, de suas aspirações;
f) todo ator social se encontra em constante processo de socialização e
aprendizagem.
As mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais que estão se produzindo, a
revolução tecnológica, informacional e da sociedade em rede tornam possível o
reagrupamento e a coesão dos indivíduos em torno a particularidades artísticas e
identidades primárias coletivas.
Nesse sentido, Castells sustenta:
Em um mundo como este, de mudança descontrolada e confusa, as
pessoas tendem a reagrupar-se em torno de identidades primárias:
religiosa, étnica, territorial, nacional [...] A identidade está se
convertendo na principal e por vezes única fonte de significado em um
período histórico caracterizado por uma ampla desestruturação das
organizações, deslegitimação das instituições, desaparecimento dos
principais movimentos sociais e expressões culturais efêmeras
(CASTELLS, 2009, p. 27).
Segundo Castells, a identidade é a fonte de sentido de vida para a pessoa e o coletivo,
já que o estilo ou modo de vida dos atores sociais é determinado, em grande medida,
por sua identidade:
Por identidade, no que se refere aos atores sociais, entendo o processo de construção do sentido atendendo a um atributo cultural, a um conjunto relacionado de atributos culturais, ao qual se dá prioridade sobre o restante das fontes de sentido (CASTELLS, 2009, p. 28).
52
A identidade, nessa perspectiva, é o representativo de uma construção social que se
inicia a partir ou em função de atributos culturais e isso, por sua vez, institui a fonte de
sentido do ator social. A construção da identidade implica uma pluralidade e uma
distinção entre suas diversas formas e Castells (2009) faz uma tipologia da construção
identitária: a) identidade legitimadora; b) identidade de resistência; c) identidade
projeto.
Estes tipos de construção de identidade fazem parte da dinâmica da era da
informação, são os fundamentos básicos das razões dos movimentos sociais em meio
a um contexto de mudança gerado não apenas pela sociedade em rede, mas também
pela globalização (CASTELLS, 2009).
De forma detalhada, os tipos de identidade definidos por Castells (2009) são assim
caracterizados:
a) a identidade legitimadora é aquela representada pelas instituições
dominantes da sociedade, que exercem de um modo ou de outro autoridade,
governo e controle social.
Para Castells (2009, p. 30), “as identidades legitimadoras geram uma sociedade civil”,
o que significa afirmar que essas identidades se compõem e manifestam nas
organizações, instituições e atores sociais que racionalizam ou estruturam a
sociedade.
b) a identidade de resistência é composta por atores sociais que se encontram
em uma condição de exclusão e de estigmatização causada pela lógica da
dominação. Esta identidade constrói trincheiras de resistência, de oposição, de
alternativa e de sobrevivência, em contradição com as instituições e
organizações da sociedade.
Essas trincheiras resistem de alguma maneira àquilo que se encontra estabelecido
pela ordem social, isto é, pela ideologia e pelos estilos de vida.
53
Também, conforme Castells (2009, p. 31) “a identidade para a resistência conduz à
formação de comunas ou comunidades”, ou seja, constitui resistências coletivas a
partir de diversos elementos instrutivos, tais como o religioso, o territorial, o nacional
e étnico, etc.
Luciano (2006) enfatiza que as comunidades indígenas, ao longo dos 500 anos de
colonização, foram obrigadas, por força da repressão física e cultural, a reprimir e a
negar suas culturas e identidades como forma de sobrevivência diante da sociedade
colonial que lhes negava qualquer direito e possibilidade de vida própria.
Prosseguindo na leitura de Luciano (2002), os índios não tinham escolha: ou eram
exterminados fisicamente ou deveriam ser extintos por força do chamado processo
forçado de integração e assimilação à sociedade nacional.
No estado de Pernambuco, mais precisamente no Sertão pernambucano, considerado
reduto do coronelismo, o Governo Imperial decretou oficialmente a extinção dos
aldeamentos entre os anos de 1860 e 1880, sob o argumento da “ausência da pureza
racial” (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2014). Neste século os índios desta região
eram tidos como “misturados”, “caboclos”, “confundidos” com a população local. Em
fins do século XIX, muda o discurso nos documentos da época, de índios bárbaros a
“descendentes”, “criminosos” e até mesmo a total negação da identidade desses
povos (SILVA,1996).
Luciano (2006) afirma que o grau de resistência de luta não apenas pela identidade,
mas também pelo território, varia de povo para povo e de região para região, de acordo
com o processo histórico de contato vivido. Na Amazônia, por exemplo, onde o contato
com os colonizadores brancos aconteceu mais recentemente, muitos povos indígenas
continuam conservando integralmente suas culturas e tradições, como a terra, a língua
e os rituais das cerimônias.
Ainda conforme Luciano (2006) para esses povos, a prioridade é fortalecer a
identidade e promover a valorização e a continuidade de suas culturas, de suas
tradições e de seus saberes.
54
Para Barros (2006), assim, são as identidades de resistência aquelas que o centro
elaborador e difusor são os segmentos dominados e marginalizados que constroem
verdadeiras trincheiras para conter o projeto dos atores dominantes da sociedade, e
que surgem de forma acelerada na era da informação, em relação às mudanças
introduzidas pela globalização e reelaboração do capitalismo e do sistema de exclusão
gerado por essas mudanças.
c) a identidade projeto, diferentemente, é mais um processo que algo acabado,
porque não se refere ao legitimado e institucionalizado pela sociedade e
tampouco à continuidade de resistência, mas a atores sociais que a partir de
elementos culturais vão construindo, planejando e edificando uma nova
identidade que busca transformar a estrutura social.
A identidade, nessa perspectiva, produz sujeitos, não somente indivíduos
subordinados ou dominados social e culturalmente, que constroem seu sentido de
identidade em torno de sua individualidade que não é, em certa medida, determinado
totalmente pela ordem global e social (CASTELLS, 2009).
Hall e Silva (2000, p. 103) assinala que, está se produzindo uma “verdadeira explosão
discursiva do conceito de identidade” e, por isso, e por caminhos diversos, muitos
pensadores têm alertado para os diferentes aspectos circunscritos pela questão
identitária.
Nesse sentido, o conceito de identidade aceita que as identidades nunca se unificam
e, nos tempos da modernidade tardia, estão cada vez mais fragmentadas e fraturadas,
nunca são singulares, mas construídas de várias maneiras, através dos discursos,
práticas e posições diferentes e, mesmo, muitas vezes antagônicas (HALL, 2014).
Hall (2014) observa que os discursos constroem as posições subjetivas das práticas
sociais e as modalidades da enunciação que transformam o eu em um sujeito social
e isto pertence à especificidade do campo da comunicação. A reconstrução do
conceito de identidade implica em pensá-lo em sua dimensão comunicativa.
55
Nesse sentido, indaga:
É possível criticar a amplitude do conceito do qual parto para realizar este trabalho? É possível reduzir a identidade? É possível pensar em uma identidade social, política […]? Desde esta perspectiva, é inegável o caráter irredutível do conceito de identidade (HALL, 2014, p. 45).
Segundo Hall (2014), a identidade não se refere a um eu coletivo ou verdadeiro que
se esconde dentro dos muitos outros eu, mais superficiais ou artificialmente impostos,
que um povo com uma história e uma ascendência compartilhada tem em comum e
que podem estabilizar, fixar ou garantir uma unicidade, subjacentes a todas as outras
diferenças superficiais. Não há identidade comum, unitária, coerente. Se há um “nós”,
é porque há outro; o problema reside em que estas linhas, estes limites são cada vez
mais porosos e permeáveis.
Considera Hall (2014) que a identidade é um conceito estratégico e posicional, já que
os discursos constroem estratégias subjetivas através de suas regras de formação e
modalidades de enunciação. Portanto, identidade não implica em um núcleo estável
no eu, ou seja, o caráter de continuidade que se acreditava ser a condição a priori
para a produção da identidade é excluído.
As identidades são múltiplas e nunca se unificam, estão fracionadas, conforme Hall
(2014) em consequência da modernidade tardia que muitos autores caracterizam
como a era do fluído. Se constituem de diversas maneiras através dos discursos, das
práticas e das posições, normalmente antagônicas e cruzadas, tudo potencializado
pelos processos de globalização.
Nas palavras de Hall:
56
Uso “identidade” para me referir ao ponto de encontro, o ponto de
sutura entre, por um lado, os discursos e práticas que buscam
“interpelar-nos”, falar-nos ou colocar-nos em nosso lugar como
sujeitos sociais de discursos particulares e, por outro, os processos
que produzem subjetividades, que nos constroem como sujeitos
suscetíveis de serem “ditos”. De tal modo, as identidades são pontos
de adesão temporária às posições subjetivas que nos constroem as
práticas discursivas. São o resultado de uma articulação ou
“encadeamento” exitoso do sujeito no fluxo do discurso (HALL, 2014,
p 47).
Neste sentido, a língua não é função do sujeito, mas, pelo contrário, o sujeito está
inscrito na língua. As identidades são as posições que os sujeitos tomam ou estão
obrigados a tomar e estas posições subjetivas se constroem através do discurso. Isso
implica sempre em um ato de poder, já que a identidade é um ato de exclusão, ou
seja, as identidades se constroem dentro de um jogo de poder e exclusão (HALL,
2014).
Hall (2014) documenta a história do conceito de sujeito de um ponto de vista muito
próximo à história da identidade. Durante a Ilustração predominou a ideia individualista
do sujeito como entidade racional, soberana, autônoma. Posteriormente, o sujeito
começou a adquirir matrizes mais sociais, na medida em que o indivíduo se via como
parte integral de uma nação e como produto da sociedade.
O problema da identidade pode ser abordado na escala dos indivíduos ou na escala
dos grupos e outros coletivos. Trata-se de pontos de vista diferentes que devem ser
considerados.
Na escala individual, a identidade pode ser definida como um processo subjetivo e
frequentemente auto reflexivo pelo qual os sujeitos individuais definem suas
diferenças em relação aos demais, mediante um repertório de atributos culturais
geralmente valorizados e relativamente estáveis no tempo (THOMPSON, 2011).
57
Porém, deve-se acrescentar outra questão: a auto identificação do sujeito requer o
reconhecimento dos demais sujeitos com quem interage para que exista social e
publicamente. Por isso, a identidade do indivíduo não é simplesmente numérica, mas
qualitativa, formando-se, mantendo-se e manifestando-se em e pelos processos de
interação e comunicação social (HABERMAS, 2012).
Quando se aceita que a identidade de um sujeito se caracteriza sobretudo pela
vontade de distinção, demarcação e autonomia em relação aos demais, coloca-se a
questão de quais são os atributos diacríticos a que o sujeito apela para fundamentar
essa vontade, que Thompson (2011) define como:
a) atributos de pertinência social, que implicam a identificação do indivíduo
com diferentes categorias, grupos e coletivos sociais;
b) atributos particulares, que determinam a unicidade idiossincrática do sujeito.
Portanto, a identidade de uma pessoa contém elementos do socialmente
compartilhado, resultante da pertinência a grupos e outros coletivos e do
individualmente único.
Os elementos coletivos destacam as semelhanças, enquanto os individuais enfatizam
as diferenças, mas ambos se unem para constituir a identidade única, ainda que
multidimensional, do sujeito.
Pollini (2007) observa que o homem moderno pertence inicialmente à família de seus
pais, depois à família fundada por ele e à sua profissão, que o insere em vários círculos
de interesses, tem consciência de ser cidadão de um Estado e de pertencer a um
determinado estrato social. Desenvolve relações sociais conectadas que constituem
pertinências sociais que se configuram como componentes essenciais da sua
identidade.
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Segundo essa tese, a multiplicação dos círculos de pertinência a uma classe social,
etnicidade, coletividade territorial, grupo de idade e de gênero fortalece e circunscreve
com maior precisão a identidade individual. De acordo com os diferentes contextos,
algumas dessas pertinências podem ter maior relevo e visibilidade que outras como,
por exemplo, para um índio, sua pertinência étnica é geralmente mais importante do
que seu estatuto de classe.
“Para nós Povo Pankará é na tradição onde tudo começa. Com nossos pajés e anciãos, pois entendemos que eles são nossas raízes, que fortalecem a nossa fé e nos dão força para levar adiante as tradições”. (Depoimento da Cacica Dorinha, 2018).
Esse depoimento da Cacica Dorinha, permite precisar em que sentido os rituais e as
práticas intervêm como alimento da identidade, não em termos gerais e abstratos, mas
enquanto se condensa em forma de mundos concretos e relativamente delimitados de
crenças e práticas próprias de grupos.
A pertinência social, ainda, implica em compartilhar, mesmo parcialmente, modelos
culturais dos grupos ou coletivos em questão (rituais, conceitos, práticas, etc.).
Já as identidades coletivas, de acordo com o autor, se constroem por analogia com
as identidades individuais, o que significa que ambas são diferentes, mas que, em
alguns pontos, são bastante semelhantes. Um grupo ou uma comunidade não
constituem uma entidade claramente delimitada como a que se concretiza na
identidade individual.
Sobre a identidade coletiva, Oliveira (2006) observa que corresponde a uma categoria
analítica e seu conceito se constrói a partir de uma teoria da ação coletiva, concebida
como um conjunto de práticas sociais que envolvem, simultaneamente, certo número
de indivíduos ou grupos, exibe características similares no tempo e no espaço,
implicam em um campo de relações sociais e na capacidade dos envolvidos de
atribuírem sentido ao que fazem.
59
Assim, envolve uma grande variedade de fenômenos como movimentos sociais,
conflitos étnicos, ações políticas, manifestações, greves, mobilizações de massa, etc.
As ações coletivas supõem atores coletivos dotados de identidade, caso contrário não
se poderia explicar sua intencionalidade e sentido. Nesse sentido, a identidade
coletiva implica, inicialmente, em definições cognitivas sobre as orientações da ação,
seus fins, meios e campo de ação que se incorporam a um conjunto de rituais, práticas
e artefatos culturais que permitem aos envolvidos assumirem as orientações da ação,
assim definidas como valor ou modelo instrutivo ao qual se adere coletivamente
(OLIVEIRA, 2006).
Esse envolvimento permite aos indivíduos sentirem-se parte de uma unidade comum,
seja ele unificado e coerente ou não, que é reforçada culturalmente. Segundo Oliveira
(2006), nesse sentido, afirma que, o que define a identidade é a capacidade de manter
as fronteiras na interação com outros grupos e não os aspectos culturais selecionados
para demarcar, em determinado momento, as fronteiras entre as identidades coletivas,
embora isso não signifique que as identidades sejam vazias de conteúdo cultural.
Para Oliveira (2006), em qualquer tempo e lugar, as fronteiras identitárias se definem
sempre através de marcadores culturais, que podem variar no tempo e que nunca são
a expressão simples de uma cultura que é supostamente herdada, preexistente.
Os aspectos constitutivos de uma identidade coletiva, que se mantêm através das
mudanças sociais, políticas e culturais, podem variar sem que a identidade se altere,
porque esta não depende do repertório cultural vigente em determinado momento ou
do desenvolvimento cultural de um grupo ou de uma sociedade, mas sim da luta
permanente para manter suas fronteiras.
Conforme Binda (1999), o conceito de identidade, entendido como a ideia e a
sensação de continuar sendo o mesmo através do tempo, esconde em sua definição
60
uma múltipla complexidade. Em primeiro lugar, a identidade se estabelece a partir da
diferença, ou seja, em contraste com outra coisa.
O contraste fundamental é o que se dá entre o “eu” e o “outro”, assumindo que o outro
pode ser um objeto, uma pessoa, um grupo social, uma nação ou um ser imaginário.
Portanto, as identidades variam quando se apresentam os contrastes, coexistem em
diferentes escalas – desde a individualidade de cada pessoa até a espécie humana
como tal – e em todos os níveis, ao mesmo tempo (BINDA, 1999).
Assim, é possível ser uma determinada pessoa e ser, por sua vez, de terminada
nacionalidade, homem, pai, latino-americano, indígena, ser humano, etc., e tudo isso
simultaneamente. Em cada nível, a identidade se forma de dentro – desde o que “eu
sou” – e de fora – desde o que é o “outro”. Estas identidades podem entrar em conflito,
já que, por exemplo, uma pessoa pode ser “mestiça” para o Estado, ainda que
considere a si mesma apenas como “indígena” (BINDA, 1999).
No mesmo sentido, Haesbaert (1999) se refere ao conceito de identidades territoriais,
assinalando que algumas identidades se constroem com base na relação concreta ou
simbólica, bem como na relação material ou imaginária que os grupos sociais
estabelecem com seu território.
Woodward (2000), situando-se no marco da socialização difusa, explica a formação
das identidades individuais através do mecanismo da interpelação. Este mecanismo
opera por intermédio de símbolos e de imagens do entorno que convidam o indivíduo
a reconhecer-se neles e a identificar-se com o grupo que estes símbolos e imagens
designam.
Recorre fundamentalmente às teorias da socialização inspiradas no interacionismo
simbólico para explicar o processo de aquisição, formação e desenvolvimento das
identidades individuais. Sua tese central pode ser condensada com a afirmativa de
que as identidades são aprendidas no processo de interação social (WOODWARD,
2000).
61
Para Woodward (2000), as barreiras e limites simbólicos da identidade podem causar
efeitos grandes ou pequenos. Apesar das diferentes posturas, a identidade é estudada
como um processo de construção que os indivíduos vão definindo para si mesmos,
em estreita interação simbólica com outras pessoas. Nesse sentido, a identidade
marca as diferenças.
4.2 TERRITÓRIO: SIGNIFICADOS E VALORES
O território é um dos conceitos mais antigos e tradicionais e seu uso tem sido
reivindicado tanto para justificar a necessidade da expansão da soberania dos
Estados nacionais em um determinado espaço como por comunidades locais muitas
vezes representadas por movimentos sociais para que seja reconhecida sua
apropriação sobre o espaço quando se encontram em risco de expulsão de áreas nas
quais tradicionalmente vivem.
Castells (2008) compreende a identidade, vinculando-a à territorialidade, como
produção de significados sociais, os quais embasam a identificação dos sujeitos e dos
grupos. Ele destaca a atuação da cultura na construção das identidades que se
estruturam em torno de um conjunto de valores, com significados e compartilhamentos
“marcados por códigos específicos de auto identificação, a comunidade de fiéis, os
ícones do nacionalismo, a geografia do local” CASTELLS (2008, p. 84).
Na comunidade indígena Pankará, a Identidade se forma a partir do conhecer, do
viver, do praticar e do fortalecer sua cultura, através dos saberes da territorialização.
Com isso, para Andrade (2004), o território é a porção da natureza, espaço sobre o
qual uma sociedade determinada reivindica e garante a todos ou a parte de seus
membros direitos de acesso, de controle e de uso que recaem sobre todos ou parte
dos recursos que ali se encontram e que essa sociedade deseja e é capaz de explorar.
Ainda na configuração do conceito de território a contribuição das ciências sociais é
decisivo, fazendo com que sua descrição extrapole as limitações dos termos jurídicos
e administrativos que o aproximam de uma malha espacial, estendendo-a para o um
62
conceito que procura abranger toda a realidade complexa e as construções sociais e
econômicas que se encontram presentes em um determinado espaço físico
(HAESBAERT, 2007).
No mesmo sentido, para Haesbaert (2007), o conceito de território se relaciona tanto
aos aspectos formais, como a distribuição no espaço dos elementos naturais e
daqueles construídos, das divisões de natureza administrativa, política e jurídica,
como também àqueles aspectos que se referem ao sentido desses elementos, como
as ideologias do espaço, as representações e os sistemas de valores.
O território representa um laço cujo poder investe o espaço de valores que não são
apenas materiais, mas também são espirituais, éticos, simbólicos e afetivos. O
território cultural, portanto, precede o político e também o espaço econômico
(HAESBAERT, 2004).
Souza (2012) considera o território como local que é compartilhado cotidianamente,
que cria raízes e laços de pertencimento, simbologias. Os símbolos que são criados
pelo território proporcionam o conhecimento necessário para a restituição de toda a
riqueza de valores que atribuem sentido aos locais e aos territórios de vida.
Complementarmente, Souza (2012) observa que em uma perspectiva crítica
compreende-se o território como um campo de forças, uma espécie de teia ou de rede
de relações sociais complexa internamente, mas que apesar disso define um limite e
uma alteridade, ou seja, a diferença entre “nós” e “o outros”. Nessa perspectiva, o
território se associa a relações sociais que se projetam espacialmente e a uma rede
de relações sociais e produtivas que produzem singularidades.
Santos (2008) acrescenta a essa ideia o conceito socioespacial, que deriva do
conceito de formação socioeconômica, afirmando que o modelo de produção, a
formação social e econômica e o espaço correspondem a categorias que não apenas
são dependentes entre si como também são indissociáveis umas das outras.
63
Afirma Santos:
A configuração territorial é determinada pelo conjunto formado pelos sistemas naturais. A configuração territorial não é o espaço, já que sua realidade provém de sua materialidade, enquanto o espaço reúne a materialidade e a vida que a anima (SANTOS, 2008, p. 54).
O que transforma o espaço em território é o exercício de poder sobre uma porção
determinada do espaço. O território se converte na representação do espaço, o qual
se torna submetido a uma transformação contínua que resulta da ação social dos
seres humanos, da cultura e dos frutos da revolução vivida no mundo do
conhecimento (SANTOS, 2008).
Santos (2007) ressalta que o importante não é a discussão do conceito em si para a
partir daí, sendo o caso, estabelecer diferenças ou semelhanças com outros. O
território se torna um conceito utilizável para a análise social no momento em que é
considerado a partir de seu uso.
Por isso, uma das coisas mais importantes que se deve fazer é preocupar-se com o
método, já que este é o que conduz à teoria, especialmente em tempos de
globalização. Santos (2007) assinala que os geógrafos não podem apenas se deter
em determinar a precedência entre território e espaço. Tomando-se o espaço como
extensão, este precederia o território, pois é a parte que funciona (onde estão os
homens organizados). O território viria posteriormente, pois é ele que instaura a
apropriação das extensões, sendo esta apropriação a que define seus aspectos:
exclusividade, limites e identidade.
a) exclusividade porque seria uma terra na qual um grupo social - qualquer
organização social e política se estabelece;
b) limites que se definem tanto pela competência como pela relação biunívoca
entre a sociedade e a natureza que, por sua vez, cria identidades em
permanente reformulação.
64
Santos (2007) se refere ao território quanto à sua acepção política. Por isso, o termo
território, lato senso, é utilizado para se referir àquelas proporções da superfície da
terra, sobre as quais o homem, historicamente, tomou posse e que estão sujeitas, em
consequência, a relações de poder.
Esta afirmativa sustenta que uma sociedade politicamente organizada detenha o
controle, exerça o domínio sobre uma parte da costa terrestre, sendo neste processo
que o homem social cria, continuamente, espaço. O espaço construído,
desconstruído, reconstruído pelos homens em seu trabalho e em seus conflitos
(SANTOS, 2007).
O território deve ser compreendido em suas dimensões materiais e em sua
simbologia, em consonância com o significado etimológico do termo, descrito por
Haesbaert:
Desde a origem, o território nasce com uma dupla conotação, material e simbólica, pois etimologicamente aparece tão próximo de terra- territorium quanto de terreo-territor (terror, aterrorizar), ou seja, tem a ver com dominação (jurídico-política) da terra e com a inspiração do terror, do medo – especialmente para aqueles que, com esta dominação, ficam alijados da terra, ou no “territorium” são impedidos de entrar. Ao mesmo tempo, por extensão, podemos dizer que, para aqueles que têm o privilégio de usufrui-lo, o território inspira a identificação (positiva) e a efetiva “apropriação” (HAESBAERT, 2005, p. 6).
No mesmo sentido, para Haesbaert (2002), o termo se refere tanto a uma dimensão
simbólica e cultural (identidade territorial) e uma dimensão concreta (apropriação e
ordenamento de um espaço e domínio). Nesse sentido, alude ao controle físico e
objetivo do espaço e a uma apropriação subjetiva deste espaço em termos de
identidade social.
Nesse contexto, o território se relaciona com o poder e não apenas ao poder político,
mas em seu sentido mais concreto, como dominação e poder no sentido simbólico
como apropriação, ignorando muitas vezes, inclusive, as fronteiras políticas
(HAESBERT, 2005).
65
Andrade (2004), neste mesmo sentido, observa que a ideia de território sempre se liga
à ideia de poder, não apenas quando em referência ao poder público em todas as
suas esferas ou às corporações nacionais e internacionais que abrangem áreas
imensas que muitas vezes ultrapassam as fronteiras políticas existentes. Como
relação de poder, o território também abrange a subjetividade cultural e simbólica de
atores distintos.
Raffestin manifesta, quanto às relações de poder que subjazem à ideia/conceito de
território:
Quando se trata de relações existenciais ou produtivas, todas são relações de poder, já que há interação entre os atores que buscam modificar tanto as relações com a natureza como as relações sociais. Os atores, sem se darem conta, se auto modificam também. O poder é inevitável e, de forma alguma, inocente. Enfim, não é possível manter uma relação que não seja marcada por ele. Nesse exercício de poder, o território assume ao mesmo tempo suas instâncias no plano funcional e simbólico ao dominar o espaço para que este tenha determinada finalidade e também para criar significados (RAFFETSTIN, 1994, p. 14).
Em relação ao conceito de território, Raffestin (1994) afirma que os geógrafos têm se
equivocado e confundido esse conceito com o conceito de espaço, que é o conceito
central. Dessa forma, apenas quando os atores se apropriam de determinado espaço
este passa a ser um território, isto é, quando os atores territorializam o espaço.
Portanto, o que interessa é a forma como esses atores projetam no espaço as
representações das relações de poder que estabelecem, pois da análise dessas
representações é que se pode desenhar a rede de relações e as práticas espaciais
que se projetam no espaço territorializado.
Também, para Raffestin (1994), dessas relações de poder entre atores e espaço se
origina a territorialidade, isto é, um sentimento ou uma noção territorial nascida das
suas relações existenciais ou produtivas, da forma como os indivíduos e os coletivos
se relacionam com seus sistemas territoriais, em que as relações de poder se mostram
de forma preponderante.
66
Conforme Haesbaert (2005), o território é funcional tanto como recurso como na
qualidade de proteção ou abrigo/lar ou como uma fonte de recursos naturais, de
matérias primas, etc.
Esta expressão, desenvolvida tanto no âmbito da Geografia como de outras ciências
sociais, abrange conceitos classificados em três vertentes básicas que normalmente
se mesclam na definição de território e que são, de acordo com Haesbaert (1997):
1) uma categoria política e jurídica, isto é, como área espacial sobre a qual se
exerce algum poder;
2) uma categoria simbólica/subjetiva, isto é, como produto da apropriação
realizada sobre o espaço, através da identidade social;
3) uma categoria econômica, isto é, como produto espacial do embate entre
classes sociais e da relação entre capital e trabalho.
No caso dos indígenas, Binda (1999) observa que o termo território adquire uma
dimensão social, política e cosmológica que vai além do termo terra, que costuma ser
interpretado como meio de produção. De qualquer modo, para os povos indígenas a
luta pelo território é também uma luta pela terra, considerada meio de produção
material, mas também – e sobretudo – como símbolo da vida e da própria existência
real.
4.3 TERRITÓRIOS INDÍGENAS: REPRESENTAÇÕES ÉTNICAS
As comunidades indígenas não possuem uma concepção de território ligada às
fórmulas correntes vinculadas às representações de poder público e das instituições
capitalistas e se encontram, cada vez mais, excluídas desse projeto de território,
mesmo representando os proprietários originais das áreas de todas as nações.
Nunes (2010) comenta, nesse sentido, que a construção da ideia de território das
comunidades indígenas não tem correspondência com a concepção estatal, que
costuma considerar que territórios indígenas são territórios étnicos residuais,
normalmente passiveis de supressão em nome da expansão do capital.
67
Os territórios indígenas contemplam comunidades organizadas em comunidades para
as quais o espaço material adquire sentido em resposta a conteúdos simbólicos, a
vinculações afetivas entre o homem e o espaço. É a partir desse significado que o
território garante a sobrevivência e a coesão social. Já do ponto de vista estatal, o
território é ordenado para que o capital se reproduza através de processos de
ordenamento territorial, mas não de territorialização, como fazem os povos indígenas
(NUNES, 2010).
Rosado e Fagundes (2013) também afirmam que os povos indígenas têm uma
identificação com o território que vai além da concepção material das coisas e cujos
princípios se baseiam no pensamento da cosmovisão, da relação do homem com a
terra, o bem o e mal, o céu e o inferno, a luz e a escuridão, dois componentes unidos
e inerentes ao ser – o espiritual e o material. Os seres animados, particularmente
árvores e animais, encarnam variadas forças benéficas ou maléficas que impõem
pautas de comportamento que devem ser rigidamente respeitadas.
Na comunidade Pankará, determinadas espécies de árvores são veneradas e
protegidas, sua relação com o mundo é regida pela aplicação de valores sobre os
quais se estabelece sua organização social. Partindo do espiritual, os mais velhos, os
locais e as terras são consideradas sagradas, não havendo a noção de um espaço
regulado, traçado. A racionalidade do território é uma imposição do homem “branco”
que fragmenta o indivíduo, o limita e o obriga a falar de propriedade e posse desde o
momento da conquista imperial.
Os indígenas, originalmente se deslocavam livremente e seus caminhos eram
delineados organicamente, acomodados à topografia natural, mas a imposição de
limites territoriais, simbologia da dominação, se refletiu nas propriedades dos
senhores que construíam cercas para seu gado e suas posses (ROSADO;
FAGUNDES, 2013).
Almeida (2012) comenta também que uma das maneiras de desconhecer o território
é não admitir a sua pertinência a quem lhe corresponde, particularmente no caso dos
povos indígenas, que são os verdadeiros donos do território desde tempos imemoriais.
Da mesma forma, são muitos os atores que intervêm como interesses variados, desde
68
a posse do território com finalidades estratégicas militares até razões de índole
comercial, como os garimpos, as lavouras e a criação de gado.
A intervenção no território se efetiva através dos organismos de Estado, através de
planos que aparentemente oferecem soluções a situações sociais. Desta forma se
determinam técnicas e procedimentos que incidem sobre os territórios indígenas,
direta ou indiretamente, representando fatores que alteram o direito sobre o território,
tais como: a negação do direito à autonomia, o desconhecimento dos direitos de
propriedade, os megaprojetos, a exploração do solo e subsolo, a produção de cultivos
agrícolas, as invasões de território, as atuações indevidas do Estado, a ingerência de
políticas estrangeiras sobre e em detrimento dos direitos e territórios indígenas, a
exploração de recursos da fauna e da flora, a legislação contrária à autonomia
indígena, etc (ALMEIDA, 2012).
Almeida (2012) afirma que diante de todas essas questões, os indígenas são
obrigados a determinarem seu território. Conscientes da necessidade de protegerem
sua sociedade, posto que as reservas indígenas se tornam cada vez menores em
termos de território espacialmente considerado, também se veem na obrigação de
reclamar o que lhes é negado como reconhecimento de sua autonomia, da
propriedade comunitária e indivisível, da pertinência indiscutível de seu território e de
sua conexão com a terra.
Sobre essa questão Rosado e Fagundes (2013) acrescentam que, no contexto geral,
os povos indígenas manifestam, com diferentes nomes, sua identidade com a terra e
com o que nela existe, chamando-a por nomes diversos, como direito maior, mãe,
território ancestral, etc. Porém, indo além de nomes, existe um elemento de coesão,
que representa a honra e a palavra empenhada, que é a convivência entre diferentes
etnias – todo conflito se soluciona entre suas autoridades próprias, sem a intervenção
do Estado, consolidando um processo de autorregulação, diferentemente da cultura
ocidental, na qual os conflitos são solucionados após muito tempo, com intervenção
estatal e muitas vezes após a ocorrência de mortes.
Para os povos indígenas, como enfatiza Nunes (2010), o significado de território se
baseia em seu princípio de autonomia, não como uma situação de domínio sobre um
69
lugar, mas que envolve e que requer a possibilidade da tomada de decisões sobre o
que lhes pertence por natureza própria.
Para eles, simplesmente não pode existir demarcação, comarca, zona ou faixa,
porque eles se consideram um com o universo. Por isso o território, em seu
planejamento, não deveria se limitar à visão ocidental. Se para aqueles formados na
concepção ocidental a racionalidade impõe dificuldades para dimensionar o universo,
como se torna possível conceber e discutir sobre a concepção dos povos indígenas
de sua territorialidade indivisível e cosmogônica? Sua forma de dimensionar o território
é feita não como elementos ou demarcações físicas de referência, mas do ponto de
vista da imaginação de seus sentidos, até onde a vista alcança a paisagem, o
horizonte, onde sua capacidade física lhe permite a exploração do meio e seu sustento
(NUNES, 2010).
Almeida (2012) afirma, ainda, que a perda da linguagem, a evangelização, a adoração
aos ícones cristãos, a expulsão de seus territórios de origem, foram os primeiros
passos no desconhecimento dos direitos das comunidades indígenas. Se estas
circunstâncias são históricas, pois sempre se negou a propriedade legítima de seus
valores autóctones, a questão territorial indígena em tempos de globalização tende a
se agravar cada vez mais, já que cada vez menos os indígenas têm participação nas
mesas de negociação. Se atualmente não existe um reconhecimento claro por parte
do Estado, apesar da legislação vigente, dos direitos indígenas ao território, mais fácil
se torna às empresas, ao agronegócio, ao extrativismo explorar os recursos hídricos,
a fauna, a flora e a terra indígena.
As outras desvantagens se apresentam, conforme Nunes (2010), quando os territórios
são entregues em concessão a operadores internacionais, para reflorestamento com
espécies alheias ao local, em detrimento de espécies nativas. Soma-se a isso a falta
de zonas de trabalho ou de parcelas para os povos indígenas, forçando-os a entregar-
se como mão de obra barata, por salários para poderem sobreviver, submetidos a um
novo processo de aculturação e perda de seus próprios valores, que interfere na sua
própria concepção de terra/território.
70
Na comunidade Indígena Pankará, os índios compõem o segmento da população de
baixa renda na Serra do Arapuá. Muitos sentem a necessidade de trabalhar como
rendeiros, tendo como retorno da compensação financeira, um valor que corresponde
uma média entre 10% e 30% da produção, como meeiros, e os que se apropriam de
pequenos lotes de terras sem título, mas pagam um valor ao Incra.
Nunes (2010) observa também que a possibilidade de equilíbrio entre homem e
natureza é alcançada na medida em que exista a correlação terra/território para os
indígenas, para dar aplicabilidade aos princípios de ordem que estes estabelecem
mediante o mítico, o sagrado, o espiritual e o cosmogônico, que é a fonte da vida.
Mas terra e território, como comenta Almeida (2012), não podem se confundir. Terra
não é uma parcela de onde se extrai o sustento; pelo contrário, deve ser um elemento
da sustentabilidade no tempo. Território deve ser o espaço vital para desenvolver suas
atividades culturais e, ligadas a estas, a economia, a política, o social e o sagrado. Em
consequência, não é o bem imaterial individual, mas o bem de propriedade coletiva,
pleno de significados, que reivindica suas tradições e o legado de seus ancestrais para
dar um autêntico valor à sua cultura.
Souza Filho (2006) alude à questão de que quando se fala de território, deve-se
compreendê-lo em um sentido integral e não apenas como um espaço físico, mas
como um espaço que envolve todos os fenômenos da cultura e as tradições que dele
emanam.
No caso dos povos indígenas, o território se caracteriza pela relação especial que
estes povos desenvolvem com a terra. A importância dessa relação está
expressamente consagrada na convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho, em seu artigo 13, que dispõe que os Estados devem respeitar esta relação,
acrescentando ainda que o território também compreende a totalidade do habitat das
régios que os povos interessados ocupam ou utilizam de alguma outra maneira.
O artigo 25 da Declaração das Nações Unidas, por sua vez, garante o direito a manter
e fortalecer sua própria relação espiritual com as terras, territórios, águas, mares
costeiros e outros recursos que tradicionalmente possuem ou ocupem e utilizem,
71
assumindo as responsabilidades que a lhes incumbem para com as gerações futuras
(SOUZA FILHO, 2006).
Esta relação especial é descrita com clareza por Almeida (2012) quando afirma que
desde a origem, a terra se constituiu para o indígena em razão de ser, sua vida
mesma, sua mãe. É dela que obtém os produtos necessários para sua subsistência,
onde desenvolveu sua cultura e se projetou para o futuro. Com ela mantém um
equilíbrio e não a representa como uma mercadoria.
O território, então, sintetiza a cultura e a identidade própria dos povos indígenas e as
possibilidades de desenvolvimento dessa cultura para o futuro. Por isso, Almeida
(2012) afirma que a sobrevivência cultural dos povos indígenas depende do território
(o desenvolvimento de sua cultura, sua memória histórica, suas diferentes formas de
organização social estão ligadas intrinsecamente à terra que ocupam).
Não se trata apenas de um espaço físico. O território indígena é também um território
cultural, a tal ponto que a Corte Interamericana de Direitos afirmou que a terra está
estreitamente relacionada com as tradições e expressões orais, costumes e línguas,
suas artes e rituais, conhecimentos e usos relacionados com a natureza, artes
culinárias, direito consuetudinário, vestimenta, filosofia e valores dos povos indígenas
(SOUZA FILHO, 2006).
Em função de seu entorno (território como habitat), sua integração com a natureza e
sua história, os membros das comunidades indígenas transmitem, de geração em
geração, este patrimônio cultural imaterial, que é recriado constantemente pelos
membros das comunidades e grupos indígenas.
Os instrumentos internacionais, segundo Souza Filho (2006), estabelecem uma
proteção especial às terras indígenas, àquelas que ocuparam ancestralmente e as
que foram arrebatadas de forma ilegítima, além do respeito à totalidade do território,
incluindo os recursos naturais do solo e subsolo nelas existentes. Esta proteção
especial foi declarada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pela
Corte Interamericana, assinalando que a preservação desta conexão particular entre
povos indígenas e suas terras e recursos se vincula com a existência mesma destes
72
povos. Portanto, determina medidas especiais de proteção, porque do território
depende a subsistência material e a integridade dos povos indígenas.
Para Souza Filho (2006), ainda, a importância do território para os povos indígenas
não se esgota com sua relação espiritual, cultural e tradicional, mas adquire uma
relevância fundamental a respeito dos direitos coletivos, chamados de terceira
geração, que são os que garantem sua própria existência como povo: livre
autodeterminação, autonomia e autogoverno dos povos indígenas, garantidos pela
Declaração das Nações Unidas.
Estes direitos, como afirma Souza Filho (2006), não podem se desenvolver
plenamente sem um território. O direito ao próprio território torna operativos estes
direitos coletivos, porque é impossível a autonomia dos povos indígenas sem um
território que lhes permita existir como uma coletividade política.
73
5 CURRÍCULO: BREVE REFLEXÃO SÓCIO-HISTÓRICA E EPISTEMOLOGIA
Este capítulo se destina a promover uma revisão teórica acerca da gênese do conceito
de Currículo na tentativa de investigar as suas perspectivas e seus desdobramentos.
Tal capitulo se inicia com a história das disciplinas escolares, na tentativa de
proporcionar um novo olhar ao ensino dos conteúdos escolares e currículo escolar.
5.1 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO E CURRICULO ESCOLAR
A obra de André Chervel, “História das Disciplinas Escolares: reflexões sobre um
campo de pesquisa” aborda o âmbito das disciplinas escolares, as quais considera
elementos centrais e privilegiados na análise da história dos currículos.
Nesse sentido, para Chervel (1991), atender e esclarecer a natureza das disciplinas
escolares permitiria superar o reducionismo historiográfico em que a história do ensino
incide quando se concentra no ponto de vista das instituições, das populações
escolares, nas políticas educativas ou nas ideias pedagógicas. Quando isso ocorre
não se está realizando algo historiograficamente diferente de uma investigação da
história de outras instituições não escolares, de outros grupos sociais, etc.
Contrariamente, as disciplinas escolares superam esse marco historiográfico
tradicional sempre e quando deixam de ser percebidas como meras adaptações ou
vulgarizações das diversas ciências e passam a ser compreendidas como uma
realidade mais complexa que inclui “não somente as práticas docentes da aula, mas
também as grandes finalidades que presidiram sua constituição e o fenômeno de
aculturação de massas que ela determina” (CHERVEL, 1990, p. 184).
Propõe, portanto, uma profunda revisão da própria noção de disciplina escolar que,
longe de ser “o que se ensina e ponto”, uma entidade sinônima de “conteúdos” ou de
“matérias”, constitui uma conexão mais complexa, de natureza precisa e específica.
Nessa mesma questão coincidem também os historiadores do currículo que, em suas
determinações sobre o que sejam as disciplinas escolares, negam que constituam
“entidades monolíticas”, afirmando, contrariamente, sua natureza de “amálgamas
mutáveis de subgrupos e tradições” (GOODSON, 1997, p. 37).
74
Porém, essa revisão é difícil, dada a arraigada concepção de que a escola indígena
administra como conteúdo de ensino (disciplinas escolares) os saberes, os rituais, os
conhecimentos técnicos e científicos da comunidade em que está imersa. Como se
dirige ao nível infantil, isso impedira que se ensinasse em sua integridade e em estado
puro esses saberes e, portanto, as disciplinas escolares apresentariam esse
conhecimento científico, relativo às diferentes ciências de referência, simplificado,
vulgarizado, didatizado, enfim, entendendo as disciplinas como uma combinação
adequada de saberes e métodos pedagógicos, sendo estes últimos uma espécie de
mecanismo facilitador dessa transmissão ou, ainda, conforme Chervel (1990), “o
lubrificante que faz a engrenagem girar”.
Nesse sentido, considerando-se que a escola não se define por uma simples função
de transmissão de conhecimentos e de iniciação às ciências, mas que nela se
encontram explícitos outros objetivos que necessariamente devem ser transformados
em ensino e que a especificidade desse ensino, no qual o discurso se modula em um
“corpo a corpo” entre professor e alunos, a verdadeira natureza das disciplinas
escolares será de produtos autônomos que constituem claramente uma criação
espontânea e original do sistema educativo e nunca uma mera simplificação das
ciências de referência (CHERVEL, 1990).
Na comunidade indígena Pankará além de ser trabalhado os livros comuns, fornecidos
pelo governo, também são inseridos nas disciplinas escolares as produções
realizadas na própria comunidade, com o objetivo de atender ao currículo específico
e diferenciado defendido pela educação escolar indígena, configurando na
contribuição de Chervel (1990) quando se trata da verdadeira natureza das disciplinas.
Nas palavras de Chervel:
[Trata-se de um] vasto conjunto cultural amplamente original que ela secretou ao longo de decênios ou séculos e que funciona como uma mediação posta a serviço da juventude escolar em sua lenta progressão em direção à cultura da sociedade global (CHERVEL, 1990, p. 200).
75
Desta forma, qualquer pesquisa sobre a história das disciplinas não poderia ser
absorvida pelo campo da história da cultura e da história da pedagogia (os saberes e
os métodos), mas exigiria, a partir de um campo novo de análise, revelar sua natureza
específica analisando-se seus elementos constituintes.
Entre estes, basicamente se encontram, segundo Chervel (1990), os conteúdos de
conhecimento expostos pelo professor ou o manual, os exercícios destes conteúdos
(sem os exercícios e seu correspondente controle não é possível fixar uma disciplina),
as práticas de incitação e de motivação e as avaliações.
5.2 A IMPORTÂNCIA DA ABORDAGEM DAS INTENÇÕES SOCIAIS, POLÍTICAS E
ECONÔMICAS DO CURRÍCULO
Dentre os aspectos visíveis que constituem a cultura escolar (discursos, aspectos
organizativos e cultura material), um olhar diferente sobre o currículo permite uma
abordagem compreensiva sobre como as escolas se acomodam às políticas
educativas e aos seus ditames e o vislumbre das possibilidades de modificar
profundamente a prática educativa como um todo, em seus processos e resultados.
Sacristán (2017), referindo-se aos componentes do currículo explícito – metas e
objetivos, conteúdos, critérios metodológicos, de avaliação e promoção, entre outros
-, tanto na instância de sua formulação como nas definições institucionais e como
instrumentos de dominação da estrutura político-econômica são precedidos por
articulações e negociações que expressão histórias de lutas de imposição de um
arbitrário cultural e resistência a essa imposição.
Tanto a imposição como a resistência se manifestam de diferentes formas e sentidos
nas práticas concretas dos sujeitos e os estudos realizados por Goodson (1995) na
Inglaterra expressaram que são nas salas de aula onde se cruzam as práticas com as
ideologias. O autor destaca que sem uma apreciação das complexidades da vida nas
salas de aula não é possível desvelar seu verdadeiro significado e as relações de
poder que nela se escondem.
76
Desta maneira, entende-se que falar sobre currículo escolar, sobretudo relacionando-
o a comunidades tradicionais, é abordar de forma eficaz todo o conjunto de
especificidades sobre as quais a instituição de ensino, no papel de órgão formador,
tem por obrigação social discutir e buscar por meio de ações concretas a
conscientização dos indivíduos que a frequentam (SANTOS; LOPES, 2013).
No cenário brasileiro, no qual as desigualdades são profundas e a educação deve ser
definida em termos políticos, o currículo é compreendido como o lugar a partir do qual
se pode (e deve) construir o conhecimento. O conhecimento, contudo, não é algo
objetivo e, portanto, não há lugar para a transmissão de conteúdos. O mesmo
conteúdo em que consiste o conhecimento é uma construção, também por parte dos
alunos, a escola é o lugar da construção de significados e a pedagogia é o momento
da construção de significados (SILVA, 2015).
Vale ressaltar que, a abordagem do conceito de currículo remete a um extenso e
profundo debate acadêmico e ideológico que se acirrou nas últimas décadas. Autores
reconhecidos, como Goodson e Popkewitz, dentre tantos outros, se referem ao
contexto sócio histórico que dá sentido às problemáticas emergentes em torno do
currículo.
No que se refere aos conteúdos científicos trabalhados nas salas de aula de escolas
indígenas, a comunidade indígena Pankará, traz em seu Projeto Político Pedagógico
uma análise dos eixos norteadores como proposta curricular de todas as disciplinas
para 26 escolas das 53 aldeias.
De acordo com o PPP Pankará, (2007, p. 29):
Constitui-se, a matriz central das expectativas do trabalho docente em sala de aula, ou seja, incorporam valores morais, atitudes, crenças e modos de trabalho. Procuram entender a dimensão do conhecimento, na perspectiva de construção, sendo assim, professores/as, alunos/as, lideranças e comunidade, participantes ativos dos processos de ensino/aprendizagem.
77
Nesse sentido o centro das discussões pedagógicas não é especificamente a
discussão de componentes curriculares ou disciplinas isoladas, mas sim os
sujeitos, que atuando coletivamente, articula sobre as situações didáticas os
conteúdos, transformando-os em objetos de saber pedagógico escolar.
Com diferentes matrizes, que se desenvolvem e se contrapõem ao longo da obra de
muitos autores, de acordo com Sacristán (2017) pode-se reconhecer dois grandes
momentos no estudo sobre o currículo: primeiro, um desenvolvimento do chamado
currículo formalista ou acadêmico, que se refere fundamentalmente às abordagens e
problemas “utilitaristas” dos gestores da educação.
O segundo, posterior, mesclado com perspectivas críticas, produz modelos teóricos
a partir dos quais se reformula o objeto de estudo e suas aproximações
metodológicas.
O currículo da educação escolar Pankará, ao eleger determinados objetos de
estudo nos processos de aprendizagem dentro do universo escolar, para os
professores o que é realmente relevante são os aspectos indenitários, e esses
conhecimentos fazem parte do contexto social, histórico e político do povo. Desse
modo, a comunidade Pankará consegue construir um modelo teórico a partir da
reformulação do objeto de estudo Sacristán (2017).
Os professores/as da comunidade Pankará, ao planejarem a matriz curricular através
dos eixos norteadores, nos momentos pedagógicos, passam a identificar como
necessário a relação entre o conteúdo a ser aprendido e a dimensão sociocultural.
Entende-se que a terra, identidade, organização, história e Interculturalidade formam
os eixos norteadores trabalhados na matriz curricular Pankará. A partir desses cinco
eixos as escolas atualizaram os seus diversos projetos pedagógicos e políticos que
são desenvolvidos nas aldeias.
78
No caso de Popkewitz, observam Ferreira e Jaehn:
Buscando elaborar uma História do Currículo que perceba o conhecimento escolar como uma questão de regulação social, Popkewitz (2001) nos alerta para o quanto participamos da vida moderna disciplinados por sistemas de pensamento especializados. Segundo o autor, o currículo cria regulação em dois níveis: em um primeiro, impondo certas definições acerca dos conhecimentos supostamente válidos; em um segundo, produzindo “regras e padrões que guiam os indivíduos ao produzir seu conhecimento sobre o mundo” (FERREIRA; JAEHN, 2010, p. 8).
Neste caso, o currículo Pankará na prática pedagógica, funciona como regra, e padrão
a ser seguido para elaboração de todos os documentos relacionados a educação
escolar indígena. O currículo sofre alteração a cada bimestre, fazendo a junção de
conteúdo do povo (tradições, sabres antigos e rituais) com conteúdo da proposta
curricular da Secretaria de Educação do Estado.
Reconhecer nos estudos sobre o currículo as intenções sociais, políticas e
econômicas que normalmente são silenciadas por detrás dos discursos sobre a
educação, ou seja, desmascarar as relações de poder e controle que os grupos
hegemônicos exercem sobre a educação produziu um ponto a partir do qual se analisa
os currículos como estruturas culturais e sociais muitas vezes arbitrárias e
conflituosas.
5.3 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE O CURRÍCULO
O currículo como campo especializado do fazer educativo normalmente é tido como
algo cuja origem remonta ao princípio do século XX, mas segundo Hamilton (1992, p.
41), “[...] um ponto de partida conveniente, entretanto, é o Oxford English Dictionary,
que localiza a fonte mais antiga de ‘curriculum’ nos registros de 1633 da Universidade
de Glasgow”. O termo aparece, nesses registros, como um atestado concedido a um
graduado, referindo-se ao total do curso e não a unidades pedagógicas menores.
79
Hamilton observa:
Embora haja algumas pontas frouxas nesta história [...], o tema geral parece claro. O termo educacional “curriculum” emergiu na confluência de vários movimentos sociais e ideológicos. Primeiro, sob a influência das revisões de Ramus, o ensino de dialética ofereceu uma pedagogia geral que podia ser aplicada a todas as áreas de aprendizagem. Segundo, as visões de Ramus sobre a organização do ensino e da aprendizagem tornou-se consoante com as aspirações disciplinares do calvinismo. E, terceiro, o gosto calvinista pelo uso figurado de “vitae curriculum” – uma frase que remonta a Cícero (morte: 43 A.C) – foi ampliado para englobar as novas características de ordem e de sequência da escolarização do século XVI (HAMILTON, 1992, p 47).
De acordo com Hamilton (1992), a partir da divisão dos alunos em classes, com uma
vigilância mais estreita, o conteúdo e os métodos pedagógicos foram refinados. Em
consequência, o ensino e a aprendizagem passaram a ser influenciados por controles
externos.
Prosseguindo, Goodson pondera:
[Posteriormente] se nos voltarmos especificamente para o desenvolvimento escolar da Inglaterra [na Revolução Industrial] [...] a intersecção da pedagogia e do currículo começa a parecer-se mais com os padrões “modernos”. Como afirmou Bernstein (1971), pedagogia, currículo e avaliação considerados em conjunto, constituem os três sistemas de mensagens através dos quais o conhecimento educacional formal pode ser realizado; constituem neste sentido, uma epistemologia moderna (GOODSON, 1995, p. 34).
Na década de 1850, a característica do poder de diferenciar do currículo encontrava-
se institucionalizada. Segundo Goodson (1995), com o surgimento dos exames
secundários e a institucionalização da diferenciação curricular, o currículo se
destinava a identificar e a diferenciar socialmente, ocupando uma posição definitiva
na epistemologia da escolarização. Entre os séculos XIX e meados do século XX,
organizou-se o sistema de sala de aula em matérias, aulas, horários, notas, etc. que
nortearam as inovações posteriores dos sistemas educativos.
80
Ferreira e Jaehn analisam essa evolução:
Podemos dizer que, embora as preocupações com a História do Currículo remontem aos anos de 1970, com a emergência da nova Sociologia da Educação (SILVA, 1995), os estudos sócios históricos no campo são relativamente recentes. Afinal, é somente na década posterior que eles começam a ser desenvolvidos por sociólogos e por curriculistas ingleses e estadunidenses, além de alguns historiadores franceses, em perspectivas teóricas metodológicas diversas (FORQUIN, 1993). Também no Brasil, os estudos em História do Currículo surgem, de forma incipiente, no final dos anos de 1980, fomentando o aparecimento posterior de grupos de pesquisa e o diálogo com seu principal interlocutor: Ivor Goodson (FERREIRA; JAEHN, 2010, p. 2).
Ponderam também Ferreira e Jaehn (2010), ressaltando as contribuições de Goodson
e de Popkewitz para a análise histórica do currículo, que o primeiro considera que o
currículo é o aspecto principal para analisar a escolarização, porque contém
elementos que revelam as relações entre a escola e a sociedade, as estruturas de
poder presentes na educação e os conflitos inerentes ao currículo em sua conexão
com o poder dos grupos dominantes sobre a escolarização. Já, Popkewitz afirma que
a análise histórica do currículo deve seguir uma ótica epistemológica social,
vinculando historicamente a subjetividade dos indivíduos e as questões de poder e
regulação da razão e da racionalidade que devem ser questionadas (FERREIRA;
JAEHN, 2010).
Em uma perspectiva abrangente sobre a história do currículo, Goodson (1995, p. 132)
enfatiza que é necessário que “(...) analisemos a administração e organização de
estruturas e sistemas educacionais através de uma análise mais ampla dos legados
perenes de status, recursos, currículo e política de exames”, para que tanto
historiadores como responsáveis pelo estabelecimento de políticas educacionais
desvelem o currículo como objeto histórico e social.
No caso da educação escolar indígena, os direitos estabelecidos na Lei de Diretrizes
e Bases de 1996 e nas legislações subsequentes enfatizam que a educação escolar
indígena deverá ter um tratamento diferenciado em relação às outras escolas do não
índio, pois a mesma é determinada pela prática da Interdisciplinaridade nos eixos;
81
Terra, Identidade, História, Organização e Interculturalidade. Porém esses métodos
de ensino estar bem discutidos e compreendidos no currículo Pankará.
5.4 OS ASPECTOS SOCIOCULTURAIS DO CURRÍCULO
Viñao Frago e Escolano (2001, p. 28) enfatizam que não apenas a escola (espaço),
mas sua localização urbana deve ser analisada como parte do currículo. O espaço
que a escola ocupa na trama urbana revela a sua imagem “como centro de um
urbanismo racionalmente planificado ou como uma instituição marginal e
excrescente”.
Acrescentam:
A arquitetura escolar, além de ser um programa invisível e silencioso que cumpre determinadas funções culturais e pedagógicas, pode ser instrumentada também no plano didático, toda a vez que define o espaço em que se dá a educação formal e constitui um referente pragmático que é utilizado como realidade ou como símbolo em diversos aspectos do desenvolvimento curricular. Em algumas metodologias, inclusive, como a montessoriana, o planejamento do ambiente e do espaço é “parte constitutiva e irrenunciável de um novo modo de considerar a criança”, de tal maneira que os objetos e projeto educativo guardam, entre si, uma íntima relação (VIÑAO FRAGO; ESCOLANO, 2001, p. 48).
De acordo com Viñao Frago e Escolano (2001), a arquitetura e os cenários escolares
são espaços com uma forte carga simbólica, pois representam e reproduzem uma
determinada concepção da educação, determinados valores socioculturais, um
modelo de ordem social e determinadas relações de poder.
Estes espaços influenciam tanto ou mais do que os próprios conteúdos curriculares
no processo de ensino-aprendizagem das diferentes disciplinas através de sua
evocação e interferem na formação social, política e inclusive moral da cidadania.
Portanto, o estudo do espaço escolar, das rotinas geradas em seu interior, das
relações pessoais que se desenvolvem nas escolas e dos “textos invisíveis” que
comporta esse espaço é essencial não apenas para estudar como se configuram os
distintos códigos disciplinares, mas também para entender o surgimento, a
reconfiguração e a manutenção de determinados discursos e representações
82
socioculturais presentes nos currículos e que têm um grande peso no imaginário
coletivo.
Na perspectiva de Goodson (1995), a história do currículo tem como objetivo explicar
os processos pelos quais os grupos sociais selecionam os conhecimentos e as
crenças, que passam a fazer parte das instituições e da ideologia dominante. O objeto
de seu estudo é, portanto, o processo de produção cultural. Aplicado à educação, trata
de entender por que se selecionam certos conteúdos e práticas e se excluem outros.
No processo de formação curricular da comunidade indígena Pankará. Os conteúdos
e as práticas formam um conjunto de sabedoria que vem da educação familiar Pankará
para a educação escolar, local no qual aprendem desde os ensinamentos da história
de luta, da cultura, da tradição, dos valores, dos saberes e dos ensinamentos dos mais
velhos. Isso inclusive contribui para a permanência do Pankará no território.
“O currículo da educação escolar indígena da comunidade Pankará é específico e diferenciado porque buscamos trabalhar a cultura do povo Pankará, do povo do aluno, e depois abordamos o conteúdo segundo as visões das demais culturas. Primeiro aprendemos o que é nosso depois expandimos para os conhecimentos de outras culturas” (PROFESSORA PANKARÁ).
Este estudo situa a escola dentro dos processos sociais que legitimam o regime
econômico da sociedade. A escola, em suma, tem dinâmicas próprias que justificam
o status quo através da configuração de saberes autônomos dentro do sistema
educativo, dos processos de avaliação, da produção de materiais didáticos, etc.
“O material didático é construído através de pesquisas que realizamos juntos com os alunos, buscando informações com os mais velhos. Fazemos a socialização das pesquisas, e assim montamos o material” (PROFESSORA PANKARÁ).
Nesse sentido, para o povo Pankará a definição de currículo baseia-se no
fortalecimento da luta pela terra e valorização da cultura, reafirmando uma identidade
étnica, valorizando os saberes, hábitos e ideias para a formação de guerreiros e
guerreiras Pankará que respeite e proteja todo patrimônio indígena, (matas, terreiros,
fontes de água, o idoso, a criança, pedras sagradas) e os conhecimentos dos
83
antepassados, como, plantas medicinais, rituais, toantes, danças de toré e a arte
baseada principalmente no caroá, sendo também elemento fundamental e
estruturante do currículo o respeito, a partilha, a união para um bom convívio social e
qualidade de vida.
Goodson (1997) contribui com uma perspectiva social, crítica e histórica, reconhece
um lugar característico e importante do saber que circula na escola e que constitui,
entre outros aspectos, uma forma naturalizada do currículo escolar.
Estes saberes de ordem disciplinar, como produtos históricos da cultura escolar,
operam, segundo Viñao Frago e Escolano (2001), como organismos vivos: nascem,
evoluem, se transformam, desaparecem, se reestruturam, se dividem, competem,
intercambiam informações, se isolam, se aproximam ou se repelem ou são
indiferentes entre si, modificam sua denominação e aparência, se hierarquizam,
demarcam seu território.
Esta perspectiva demonstra a necessidade de interpretar, reconhecer, admitir e
reafirmar historicamente, por um lado, a participação real e concreta do professor na
construção do sentido do saber ensinar que integra seu conhecimento profissional. P
Por outro lado, também demonstra a exclusividade do conhecimento que se ensina
na escola e, mais concretamente, na sala de aula, dos processos de produção
discursiva e, consequentemente, do sentido que é construído pelos professores
relativamente ao currículo escolar (GOODSON, 1997a).
Pela fala da professora de português, observa-se que na sala de aula, as crianças e
jovens, aprendem a valorizar as tradições religiosas, as expressões orais, escritas e
artísticas presentes na comunidade:
84
“Sim, a interdisciplinaridade do currículo acontece quando ao estudar uma disciplina sempre trazemos um aspecto particular nossa cultura. Por exemplo, exemplo, a disciplina de português tratamos com textos que contam nossa história, que falam do nosso território. Essa forma já abordamos aspectos do conteúdo de história e geografia” (PROFESSORA PANKARÁ).
A liderança Pankará compreende o processo de construção curricular de forma ampla,
no qual privilegia tanto o conteúdo das bases curriculares nacionais, quanto a história
do povo Pankará de forma contextualizada.
Ao mesmo tempo, Goodson (1997b) enfatiza que o currículo escrito não é senão o
testemunho visível, público e mutável dos fundamentos racionais selecionados e a
retórica legitimadora da escolarização. Como tal, promulga e sustenta certas
intenções básicas da escolarização materializadas em estruturas e instituições.
Goodson (1997b) afirma ainda que o currículo escrito defina os fundamentos racionais
e a retórica da disciplina, esta definição representa unicamente o aspecto mais
tangível de extensa trama de recursos, finanças e análises, bem como do material e
dos interesses profissionais associados ao currículo. Nesta simbiose, é como se o
currículo escrito proporcionasse uma guia para a retórica legitimadora da
escolarização, promovida através de modelos de destinação de recursos, de
atribuição de status e de distribuição profissional (GOODSON, 1997b).
Em resumo, o currículo escrito proporciona um testemunho, representa uma fonte
documental, um mapa variável do terreno sendo, ao mesmo tempo, uma das melhores
guias auxiliares para a reflexão sobre a estrutura institucionalizada da escolarização.
Assim, são fundamentais para o projeto de reconceitualização profunda dos estudos
curriculares os diversos âmbitos e os vários níveis em que se produz, se negocia e se
reproduz o currículo.
O papel do PPP da escola indígena Pankará é considerado como um projeto de futuro,
além de transmitir a formação e exercício da cidadania, os diferentes conhecimentos,
as novas tecnologias, a arte e a cultura, a compreensão do ambiente natural e social,
85
da organização política e do processo histórico como oportunidade a melhoria da sua
qualidade de vida.
A caminhada para uma visão construtivista mais histórica e social do trabalho
curricular exigiria a consideração de todos esses âmbitos e níveis, mas esta tarefa é
algo bastante complexa, uma vez que o currículo se constrói em uma grande
variedade de âmbitos e de níveis e existem diferenças e contrastes consideráveis
entre o currículo escrito e o currículo como atividade em sala de aula (GOODSON,
1997b).
Desse modo, é possível compreender que nenhuma investigação conseguirá
abranger todos os cenários desse processo e existem diferentes riscos nesse
caminho. Um desses riscos é que ao tratar do currículo prescrito apenas é possível
que se obtenha uma visão desconectada da realidade. O outro risco é que, ao mesmo
tempo, um olhar que se volte unicamente para a prática de ensino pode não fornecer
os subsídios e as referências necessárias à compreensão do currículo formal.
Dito de outro modo, de acordo com o que foi enfatizado por Goodson (1995, p. 78), é
fato que “se os especialistas em currículo ignoram completamente a história e a
construção social do currículo, mais fáceis se tornam a mistificação e reprodução de
currículo ‘tradicional’, tanto na forma como no conteúdo”.
Com base nessa constatação, Goodson (1997b) afirma que o estudo das disciplinas
e do currículo escolar exige um enfoque mais amplo, que examine as relações entre
o conteúdo e a forma das disciplinas escolares e os problemas do processo e da
prática em sala de aula.
Devem também ser exploradas noções do currículo consideradas em um sentido mais
amplo: o currículo oculto, o currículo entendido como temas e atividades e, acima de
tudo, o currículo pré-escolar e o da escola primária (GOODSON, 1997b).
Compreendem também as habilidades adquiridas pelos alunos quanto às formas de
transgredir as normas, as simulações, os comportamentos adaptativos para agradar
86
os professores, a apresentação de tarefas, vocabulário, entre outros, bem como o que
se define como a “(...) aprendizagem do ofício de aluno” (CAMACHO, 2010, p. 35).
As influências que os professores exercem sobre seus alunos, “(...) nomeadas como
ensinamentos explícitos, começam ainda antes do encontro pedagógico em aula”,
com a seleção e sequenciação dos conteúdos, as opções metodológicas, o lugar da
avaliação como parte do processo de ensino ou como instrumento de controle
(CAMACHO, 2010, p. 37).
Na medida em que os estudos explorem a relação entre o conteúdo das disciplinas e
os parâmetros da prática, serão conformadas bases mais sólidas para determinar a
estrutura do mundo da escolarização.
Essa perspectiva vai ao encontro do argumento de Silva (1999) de que o currículo, tal
como concebido por Popkewitz, é um campo discursivo através do qual se constroem
os sujeitos da escolarização. A construção desses sujeitos se dá em sua configuração
pessoal como indivíduos que se autorregulam, que se autodisciplinam e que refletem
sobre si próprios como indivíduos, como membros de uma comunidade ou sociedade,
ou seja, o currículo é uma prática discursiva e cultural através da qual se constituem
sujeitos sociais.
É essencial, nesse sentido, modificar o foco da compreensão tradicional do currículo
e das disciplinas que o compõem enfatizando não o que os alunos têm opção de
aprender, mas o que não têm oportunidade de aprender, descobrindo como e por que
são oferecidas oportunidades e se deixam outras de lado nos processos de seleção
curricular. Em síntese, para Silva (1999, p. 187), em sua perspectiva sociocultural, o
currículo “é lugar, espaço, território, relação de poder, trajetória, viagem, percurso,
autobiografia, própria vida, forja de identidade, texto, discurso, documento, o currículo
é documento de identidade.
87
6 A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NA COMUNIDADE PANKARÁ
Este capítulo apresenta os resultados das pesquisas bibliográfica, documental e de
campo. Alguns fragmentos das falas dos entrevistados (Cacica Dorinha, professores
indígenas e gestores escolares) esclarecem os elementos apreendidos, à luz das
categorias analíticas eleitas na revisão de literatura, tais como educação escolar
indígena, currículo e identidade, além de questões outras, pertencentes a esse campo
de estudo. Foram sintetizadas algumas inquietações que emergiram a partir da
pesquisa in loco, tendo como direcionamento principal a seguinte indagação: quais
são as implicações do currículo escolar na afirmação da identidade da comunidade
indígena Pankará? A partir dela, conduziremos as análises que definirão o corpus
deste projeto. Tendo em vista tal problemática expressa, nosso objetivo é
compreender as implicações do currículo escolar da comunidade indígena Pankará
no sentido de valorização e consolidação da identidade.
6.1 CURRÍCULO PANKARÁ: DA MILITÂNCIA AS GARANTIAS LEGAIS DE
DIFERENCIAÇÃO
No intervalo entre os anos 1970 e 1980, verificou-se uma intensa mobilização das
comunidades indígenas no Brasil na tentativa de garantir acesso aos direitos básicos
como saúde, território e educação.
Nesse período, foi verificado também uma militância a favor da Educação Escolar
Indígena (EEI), que foi caracterizado pela mobilização e participação de organizações
não governamentais pró-índio na articulação de encontros nacionais de educação
para índios e na criação de projetos alternativos de educação escolar diferenciada
para os indígenas (FERREIRA, 2001, p. 87).
A partir da CF 1988, o Estado assumiu o discurso da educação diferenciada enquanto
um direito dos índios e algumas medidas oficiais foram tomadas no sentido de
normatizá-la no país (GRUPIONI, 2008, p.14).
88
“Fruto da nossa luta, e da Comissão de Professores/as Indígenas do Estado de Pernambuco (COPIPE), nossa educação escolar foi
estadualizada em 2004, a partir de uma decisão política dos 10 Povos indígenas em Pernambuco para garantir o nosso direito a uma educação escolar específica, diferenciada e intercultural”. (CACICA DORINHA, 2018).
Observa-se, na fala da cacica Dorinha, que ela cita a Comissão de Professores/as
Indígenas do Estado de Pernambuco (COPIPE) como uma forma de representação,
e na tentativa de viabilizar a estadualização da EEI no Estado de Pernambuco, e na
comunidade indígena Pankará.
A Comissão de Professores/as Indígenas de Pernambuco - COPIPE - foi criada em
novembro de 1999, durante o I Encontro de Professores Indígenas de Pernambuco.
É composta por 3 (três) representantes de sete das 10 (dez) comunidades indígenas
em Pernambuco, sendo dois professores/as e uma liderança por povo (AMORIM,
2014).
Ainda conforme Amorim (2014), destaca que mesmo diante da constituição brasileira
de 1988 e uma vast ç ,a documentação oficial reconheçam os indígenas como povos
com culturas diferenciadas vivendo dentro do Estado brasileiro, a prática dos órgãos
responsáveis não vem contribuindo para a efetivação desses direitos. O que tem sido
verificado é que só com pressão política e articulação dos povos indígenas é que a lei
é cumprida.
No mês de abril do ano de 2015, foi debelado um incêndio na comunidade indígena
Pankará, no local onde ficavam guardados os instrumentos, as vestes, as peças
tradicionais utilizadas nos cultos, e nas escolas indígenas.
“Sofremos muitas perseguições na prática dos nossos rituais. Há pessoas que querem nos intimidar, destruir nossa história e nos impedir de dar continuidade à nossa luta por território”. (CACICA DORINHA, 2018).
Nesse depoimento, observa-se que a comunidade Pankará vivenciava também uma
tentativa de silenciamento das suas práticas e rituais.
89
Antes da estadualização da EEI, a educação escolar Pankará estava subordinado a
secretária de educação do município de Carnaubeira da Penha-PE, portanto, os
recursos federais eram destinados diretamente para o município.
Porém, após o movimento pela EEI, estava na pauta de discussão a estadualização
da educação escolar. Isso iria, de certa forma, comprometer a receita do município,
principalmente em relação a verba do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que
atendia um total de 1.454 estudantes da educação básica, da creche ao ensino médio,
somente da comunidade Pankará.
Esse fato teria gerado descontentamento e perseguição por partes dos agentes
municipais, segundo nos informou uma das entrevistadas:
“Membros da elite agrária e do município tentam se apropriar da identidade indígena, e usurpar a liderança do povo Pankará, principalmente no que se refere a administração do território, e nas decisões políticas sobre a educação escolar indígena. Esse movimento significa uma nova estratégia de ocupação do território através da apropriação da identidade Pankará”. (CACICA DORINHA, 2018).
Esse relato da cacica Dorinha, está em conformidade com o pensamento de Castells
(2009), no que tange aos tipos de identidade. Percebe-se, um movimento de
resistência, construindo dessa forma, trincheiras de oposição, de alternativa e de
sobrevivência, em contradição com as instituições e organizações da sociedade. Na
tentativa de assegurar uma EEI para a comunidade indígena. Tais identidades se
constroem através do processo de territorialização (relações de domínio e de
apropriação de um determinado espaço, consolidando um poder ao mesmo tempo
concreto e simbólico, (HAESBAERT, 2004, p. 339).
“A partir do momento que o indivíduo conhece sua identidade, ela vai se auto afirmar não somente no território ao qual ele pertence, mas em qualquer outro lugar onde se encontre. ” (GESTORA PANKARÁ).
Outro relato de perseguição por parte do poder municipal, que era contra a
estadualização das escolas, foi quando o prefeito de Carnaubeira da Penha ameaçou,
90
anunciando em carros de som pela cidade, que iria subir a Serra do Arapuá para
resolver definitivamente o caso da educação escolar Pankará (ALMEIDA; SILVA,
2016).
Reagindo à ameaça, como um ato de resistência, conforme afirma Almeida e Silva
(2016) “[...] os índios da Serra do Arapuá fecharam todas as estradas que davam
acesso à Serra, impedindo a ação do prefeito. O movimento é marcado pela dança do
toré [...]”.
Outro acontecimento corresponde à interdição de duas escolas Pankará realizada
também pela Prefeitura de Carnaubeira da Penha, em 2008, situação que
desestabilizou a organização interna do povo, das escolas, e privou, temporariamente,
os estudantes indígenas de terem acesso à educação escolar (ALMEIDA e SILVA,
2016).
Esse último caso, foi registado um boletim e encaminhado as autoridades, conforme
o documento, datado de 20 de fevereiro de 2008:
[...] as escolas indígenas Quintino de Menezes e Sagrada Família, localizadas em Casa Nova e Enjeitado, respectivamente, foram “interditadas” pela gestão municipal, tiveram suas fechaduras trocadas e até vigilância 24 horas, para evitar que as lideranças dos Pankará a elas tivessem acesso. Destaque-se que essas duas escolas são as que têm o maior quantitativo de alunos e se constituem como Unidades Executoras, tendo, portanto, o maior percentual do FUNDEB (ALMEIDA e SILVA, 2016, p.5).
Em muitos depoimentos, tanto dos professores quanto dos gestores, fez-se alusão à
estadualização da educação escolar indígena, como um movimento de conquista e
vitória, como um novo marco na história do povo Pankará, conforme depoimento da
gestora escolar:
“Hoje temos autonomia e com isso podemos assegurar no currículo os ensinamentos da nossa cultura. Dessa forma percebemos que com o passar dos anos tivemos muitas mudanças em relação à educação escolar, após anos de luta, temos uma educação específica e diferenciada mantida pelo governo do Estado”. (GESTORA PANKARÁ).
91
Conforme depoimento da gestora escolar, no que tange às mudanças no processo de
formulação curricular, esse pensamento corrobora com o pensamento de Bourdieu
(1983), quando afirma que é necessário pensar numa educação escolar que desoculte
estas relações de poder e legitimação no interior do currículo e que possibilite a
aquisição/ apropriação de capitais culturais/ simbólicos que têm valor como
“instrumentos” de luta política para a mobilidade dos indivíduos ou grupos no espaço
social.
“Nós educadoras Pankará avaliamos o processo de formação curricular, através da participação contínua em muitos dos aspectos da vida diária, dentro da escola e fora dela: na roça, nos movimentos da comunidade, nas atividades culturais, na vida familiar”. (GESTORA PANKARÁ).
A estadualização das escolas aconteceu junto com o processo de reconhecimento
oficial do povo Pankará pela Funai, dessa forma, as escolas foram estadualizadas e
reorganizadas, e passaram a ter a característica de uma escola indígena, com o seu
próprio PPP. Sendo uma organização coletiva, feita pelos pajés, pela cacica, pelos
professores, pelas lideranças e membros da comunidade, com processos próprios de
ensino-aprendizagem. O corpo docente passou a ser composto por professores
indígenas, apresentando uma educação específica e diferenciada.
Conforme Troquez (2014) relata, que após reivindicações e mobilizações indígenas
por conta de diversas dificuldades apontadas no campo das políticas e práticas de
EEI, o Estado resolveu reorganizar a estrutura de apoio ao oferecimento da EEI. Para
tal, criou um projeto amplo que envolve a participação coordenada de representantes
do MEC, das Secretarias de Educação estudais, da FUNAI, das instituições
indigenistas e de indígenas na proposição de uma nova política de gestão para a EEI.
Este novo projeto é regulado pelo Decreto Nº 6.861, de 27 de maio de 2009, o qual
“dispõe sobre a Educação Escolar Indígena, define sua organização em territórios
etnoeducacionais, e dá outras providências” (TROQUEZ,2014).
Em termos gerais, a educação escolar indígena como campo de política pública,
passou a ter avanços que foram representados nos últimos anos a partir de uma visão
92
legal, política e pedagógica. No tocante à questão legal, evidenciou-se um avanço
jurídico-normativo em termos de garantia de autonomia pedagógica e
autodeterminação, a partir do reconhecimento da necessidade de diferenciação da
escola indígena (LUCIANO, 2006).
Com esse ideal de autonomia no processo de formação curricular, houve também a
necessidade de reorganização do povo Pankará na tentativa de melhorar as práticas
pedagógicas praticadas nas escolas. Com isso, o processo de formação do currículo
da educação escolar no povo Pankará passou a ser gerido pela organização interna
de educação escolar Pankará (OIEEP), composta pelos professores e coordenadores
pedagógicos da comunidade, refletindo periodicamente os problemas da educação,
com relação ao desempenho das práticas pedagógicas.
A grande maioria dos professores, gestores e técnicos fazem parte da própria
comunidade e atuam como educadores. Essa nova conjuntura substituiu o modelo
antigo e pragmático de educação modelada para o processo integracionista, a partir
de uma concepção de tutela do Estado.
“Existe um perfil do professor indígena. Primeiramente o professor deve ser do povo Pankará. Além dessa condição, há no PPP a descrição do perfil necessário. Alguns requisitos são exigidos, como ser um professor engajado nas lutas, um professor conhecedor da história do povo, ser um professor pesquisador”. (GESTORA PANKARÁ).
6.2 PROCESSO DE FORMAÇÃO CURRICULAR PANKARÁ: DA TRADIÇÃO A
FORMAÇÃO DE GUERREIROS
As escolas refletem a situação geográfica do povo Pankará, tendo a gestão recebido
contribuições tanto das relações sociais, quanto das relações familiares da
comunidade. No processo de formação curricular, a tomada de decisão, leva em
consideração a participação coletiva da comunidade, tanto na organização como no
planejamento do currículo, PPP, orientação curricular e demais documentos
relacionados.
93
“O processo de elaboração do projeto político pedagógico é formado com a participação de toda a comunidade juntamente com os professores. Mediante essa construção nós professores indicamos o que achamos importante inserir no currículo, analisando outros currículos e com base em obras que discorram sobre o assunto. A indicação dos professores é considerada para a formação do currículo apontado quais as disciplinas são essenciais na educação Pankará”. (PROFESSORA DE HISTÓRIA).
O currículo escolar passou a ocupar um importante papel no processo de formação
escolar dos índios Pankará, e os documentos curriculares instituídos oficializaram um
discurso para a gestão de uma educação diferenciada, cujo enfoque principal foi dado
por uma ideia/conceito de EEI como uma educação que deve contribuir para um
diálogo/interação com a sociedade sem deixar de ser “eles mesmos” (ALMEIDA e
SILVA, 2016).
Outra contribuição relevante no que tange ao processo de formação curricular se
manifesta nos trabalhos Goodson (1997) quando afirma que o estudo das disciplinas
e do currículo escolar exige um enfoque mais amplo, que examine as relações entre
o conteúdo e a forma das disciplinas escolares e os problemas do processo e da
prática em sala de aula.
Para o povo Pankará é na tradição onde tudo começa. Com os pajés e anciãos, pois
entendem que eles são as raízes de qualquer projeto da comunidade, que fortalecem
a fé, e que dão “força” para levar adiante as tradições.
“Para nós, currículo são os saberes construídos coletivamente dentro e fora da escola. Para desenvolver uma proposta de organização de saberes e conhecimentos na escola Pankará é necessário discutir sobre o Projeto de Futuro do Povo. Para tanto, precisamos conceituar o que é futuro na visão do Povo Pankará”. (ORIENTAÇÃO CURRICULAR, 2016, p.2).
O projeto de futuro para o povo Pankará está alicerçado no respeito ao sagrado, na
coletividade, na partilha e na tradição em função da luta.
94
“A educação escolar indígena tem por base a educação dos Pajés, da
liderança. (resguardando as tradições e memórias). A primeira educação da criança elas aprendem em casa com os Pajés, e assim continuamente através dos movimentos, retomadas. Pois tudo isso é uma forma de luta, e também formação”. (GESTORA PANKARÁ).
Observa-se, na fala da coordenadora, que a educação escolar indígena além de ter
sua prática na aldeia, considerado como espaço sagrado, o processo de educar se
inicia antes mesmo dos conhecimentos adquiridos nas escolas (estruturas físicas). A
educação começa pelos ensinamentos dos pajés.
Figura 06: Dança do Toré entre os professores e alunos
Fonte: Arquivo pessoal.
Nesse âmbito da EEI, como difusor das tradições como forma de contribuir para a
valorização da identidade, além de garantir a permanência do Pankará no território.
Faz-se oportuno recorrer a fundamentação teórica explorada nesta pesquisa,
principalmente quanto ao conceito de identidade que deve ser entendido dentro de um
contexto social onde as relações entre os sujeitos e os espaços estão inseridos. Nessa
perspectiva, Nunes (2010), situa os territórios indígenas como sinônimo de sentido em
resposta a conteúdos simbólicos, a vinculações afetivas entre o homem e o espaço. É
a partir desse significado que o território garante a sobrevivência e a coesão social.
95
Percebe-se na fala da professora de matemática, que a base de todo o currículo
escolar obedece um direcionamento básico, reforçando a concepção de que a
formação do currículo Pankará, passa pelo resgate das tradições e memórias do povo
Pankará:
“Currículo para nós é mais do que um norte. É algo que deve estar presente nas nossas emoções, sentimentos, desejos e tudo aquilo que almejamos em viver e realizar no contexto da educação escolar. É nele que deve estar inserido os saberes e práticas tradicionais do povo Pankará, o respeito com o sagrado, pois são eles que nos garante o fortalecimento da nossa identidade. É uma reflexão e sistematização do conhecimento no coletivo que será praticado em ações conjuntamente”. (PROFESSORA DE MATEMÁTICA).
A escola Pankará avança numa relação dos saberes do ensino e aprendizado, os
eventos culturais são praticados com liberdade, a percepção e importância sobre a
mesma é vista com um olhar diferente. Os mais velhos relatam que antes do processo
de demarcação da terra, e da estadualização do ensino, dançava o toré as
escondidas, e hoje a dança acontece dentro da instituição educativa, como parte dos
ensinamentos, e demais lugares apropriados à prática do ritual.
“Consistem em nossos rituais, na mãe terra, na união entre todos, o respeito mútuo e tudo aquilo que é importante para a autonomia do povo. A escola deve ser um laboratório de experimento e as aldeias campos de vivencias”. (PROFESSORA DE ARTE CONTEMPORÂNEA).
As oficinas, feiras culturais e a pratica do cultivo agrícola, são considerados essenciais
para a formação dos guerreiros (as) críticos (as), conhecedores da história Pankará,
lutadores pelos direitos e cumpridores dos deveres, que saiba respeitar e cuidar da mãe
Terra (território), respeitar também as diversidades culturais existentes na sociedade.
Um guerreiro Pankará com uma visão crítica sobre a sua condição humana e a relação
com o outro, sua condição de sujeito histórico indígena, compreendendo o contexto
social, econômico, político e cultural em que vive.
96
“Eu considero a educação do povo Pankará diferenciada porque a gente faz o que é da nossa essência, a gente leva para a escola, não que a escola seja só esse espaço em que a gente pode trabalhar isso, o que a gente faz é trabalhar com o que o aluno vive na sua casa, presente na sua aldeia. Por isso que eu acho que a educação é diferenciada porque a gente trabalha com a nossa realidade, com o nosso jeito de ser, com nosso jeito de pensar”. (PROFESSORA DE BIOLOGIA).
De acordo com a fala da professora de Biologia que a formação dos alunos, a educação
escolar indígena Pankará valoriza sua identidade, seus saberes, sua cultura, sua
tradição e seus valores, existe uma busca pela qualidade de vida humana no território.
A educação Pankará tenta fazer com que o aluno se orgulhe de ser índio, que fortaleça
sua identidade, que vivencie seus costumes e valores culturais e que lute pelos direitos
da terra.
Não são apenas os professores que se responsabilizam diretamente pela educação
escolar na comunidade Pankará. A organização interna procura incorporar o maior
número possível de membros das aldeias para realizarem, de forma ampla e com
qualidade, as atividades de planejamento e de ação pedagógica. Pôde-se observar
tal constatação no depoimento que segue.
“Participei do processo de construção do PPP. No processo de elaboração do PP, todos participam, a comunidade, os professores, os alunos, os Pajés, a liderança, cada um contribui com algum conhecimento. Minha contribuição foi no campo pedagógico, pela formação de professor que possuo”. (PROFESSORA DE GEOGRAFIA).
Por sua vez e no que concerne ao processo de construção curricular, Chizzotti e
Ponce (2012), comentam que o currículo é, antes de tudo, uma práxis, mais do que
um objeto inerte ou estático. Constitui uma prática de diálogo entre agentes sociais
(comunidade), coordenadores, alunos e professores que o moldam através de seus
conteúdos, formatos e práticas. Concretamente, deve ser estudado no contexto em
que se configura e em que se expressam as práticas educativas e seus resultados.
97
A escola Pankará vivencia um ensinar e aprender característico do seu modo de viver,
na formação de guerreiros/as que mantêm a riqueza cultural e a visão acerca do
conhecer e respeitar outras maneiras de fazer cultura. Esse papel que a escola possui
contribui na reflexão sobre a valorização da cultura numa perspectiva pluricultural, em
que se busca ser autêntico, reconhecendo as outras diferenças. Essa concepção
sobre os saberes do ensinar e aprender Pankará se encontra no PPP, com a seguinte
afirmativa:
O ensino e aprendizagem estão de acordo com as questões culturais, sociais e naturais levando em conta as diversas experiências vividas pelo aluno na comunidade, com outros povos e na sociedade em geral. (PPP. PANKARÁ, 2012, p.12).
As instituições escolares contribuem para o processo de aperfeiçoamento das
relações humanas, de permanência do índio Pankará no território, e de melhoria da
qualidade de vida.
Silva (2015) também afirma que a função da pedagogia é desmascarar a ideologia
hegemônica que perpassa os currículos, implantando uma nova forma de reprodução
do conhecimento, caracterizada pelo valor da igualdade, da justiça social e da
democratização cultural. Desta forma, compreende que a escola não é uma instituição
para transmitir conhecimentos objetivos, mas para reconstruir socialmente o
significado da realidade.
“Participo na construção do PP. Já fui em duas etapas. Minha participação consistiu na sugestão de temas que devam ser trabalhados nas escolas indígenas, como por exemplo uma análise do processo de colonização do povo Pankará, para que assim o movimento possa ser fortalecido. Então sugeri temas como Nação, Línguas e Povo, para que a gente possa compreender como se deu e porque o índio Pankará tem essas características. Durante o processo de elaboração do projeto político pedagógico a gente sai pesquisando com os mais velhos, que é a memória viva do povo Pankará, buscamos também as lideranças. E nesse processo de pesquisa os alunos estão presentes”. (PROFESSORA DE HISTÓRIA).
A escola se tornou um espaço de aprendizagem interdisciplinar e atualmente vem
contribuindo com o fortalecimento étnico e histórico da comunidade. Com portas
abertas para a comunidade, existem diversos saberes que são transmitidos para as
98
crianças. É o ambiente da construção de conhecimentos entre os seus integrantes,
que propicia o desenvolvimento pedagógico e afirmação da identidade em sala de
aula através também da interculturalidade.
Os principais objetivos da interculturalidade são a tolerância, a empatia e a
cooperação. Na bibliografia especifica sobre o tema, reclama-se a necessidade de
desenvolver uma pedagogia concreta para essa forma específica de aprendizagem
social. Isso verifica-se no depoimento da professora Pankará:
“Temos um direcionamento intercultural para destacar nossa educação diferenciada e específica, pois as disciplinas são comuns aos eixos. Desta forma, o mesmo exemplo abordado será explorado nas disciplinas presentes naquele eixo, para validar o propósito do eixo”. (PROFESSORA PANKARÁ)
Nessa perspectiva, a interculturalidade implica na criação e a assunção de atitudes
por parte de todos os membros da comunidade educativa que favoreçam a
convivência entre pessoas de diferentes etnias, culturas ou raças. A escola, nesse
sentido, se converte em ume espaço privilegiado para potencializar a tolerância, a
convivência, inculcando o valor positivo da diversidade, sendo a resposta à mesma
um de seus desafios fundamentais (DERRIDA, 2001).
“Considero que o currículo Pankará contribui para a formação da identidade, pois como é pensado para atender as necessidades do povo, ele vai se formar "naquilo" que a gente quer, aquilo que realmente o povo indígena, mais especificamente os Pankará, quer da educação. Um dos critérios é formar guerreiros e guerreiras, e a gente tenta adequar esse currículo dessa forma”. (GESTORA PANKARÁ).
No plano da educação indígena e em congruência com essas características
contextuais, Ferreira (2001) comenta que se sustenta a necessidade de regionalizar
os currículos, embora as práticas de implementação e seleção de elementos culturais
revelem que isso tende a ser realizado a partir de uma visão homogeneizadora.
O interesse, então, deve se concentrar em analisar o currículo da escola (seus
aspectos estruturais e formais e seus aspectos processuais e práticos) em sua relação
com o conteúdo dos discursos da comunidade indígena para delimitar sua incidência
no mesmo.
99
“Procuramos colocar dentro do currículo tudo o que vai fortalecer nossa identidade. Ele será a "nossa cara". O currículo será nossa identidade. O currículo é a identidade de uma escola. O currículo faz parte da nossa identidade e precisa refletir nossa identidade, para que alguém possa dizer isso aqui é Pankará. A prova disso, é o momento presente, essa Feira de Cultura é elaborada por nós professores, pela coordenação da escola e Lideranças. Há esse engajamento, que contribui para o fortalecimento da nossa identidade, do ser Pankará, da pessoa Pankará, pois a partir do momento que eu estou indo a uma liderança buscando realizar uma pesquisa, indo a um ancião buscando uma pesquisa eu não vou só, eu vou com meu aluno, sendo esse um contexto de fortalecimento da identidade”. (PROFESSORA DE ARTE INDÍGENA).
Ainda é importante compreender, que a transformação do conhecimento em sala de aula
como uma dimensão essencialmente política do currículo, pois este não é neutro, mas
normativo. A pedagógica, pois, é interpretada dentro da necessidade de construção da
realidade social, como fruto da interação, de situações e criações que, com base no
currículo, redefinem o conhecimento como meio para definir o mundo e as relações
sociais (LOPES; MACEDO, 2013).
Apreendeu-se desse depoimento da professora de arte indígena, que a finalidade da
educação indígena nessa proposta de autonomia se constitui no fortalecimento e da
continuidade de suas culturas e crenças, a partir da redefinição da estrutura do
currículo.
A escolha do currículo é participativa e tem na percepção dos povos a sua maior
legitimidade, de acordo com a vontade anunciada e a decisão de cada povo ou
comunidade (PALADINO; ALMEIDA, 2012).
6.3 EIXOS NORTEADORES PEDAGÓGICOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR PANKARÁ:
EXPECTATIVAS E PERSPECTIVAS
Na busca de conhecer as características da educação escolar da comunidade
pesquisada, verificou-se que os processos de ensino e aprendizagem na comunidade
Pankará, que é uma questão relevante em relação à vivência dos princípios referentes
à escola indígena, é uma das garantias da construção de uma escola realmente
100
específica e diferenciada, que traz as incorporações dos eixos nas práticas
pedagógicas da escola indígena.
“Nós trabalhamos com os eixos que norteiam nossa educação, e dentro dos eixos existem as disciplinas. As disciplinas serão comuns, o que diferencia são os eixos. Os eixos são para nortear o que é necessário ter, o que é necessário trabalhar na escola, como Organização, Terra. Dessa forma, entendo que não tem disciplina mais importante no processo de formação da identidade, pois todas trabalham um quesito necessário para a construção do que almejamos como povo”. (PROFESSORA DE CIÊNCIAS).
Na educação escolar Pankará, eixo pedagógico significa expectativas e perspectivas de
práticas de ação político-pedagógico. Os eixos também são formas de organização do
espaço escolar e do tempo pedagógico. Nos eixos pedagógicos os professores da
comunidade tentam selecionar aqueles descritores mais específicos que devem
influenciar a prática gestora e pedagógica das escolas.
“Sim, existe algumas diferenças. Recebemos do governo o currículo, que adaptamos, inserindo as disciplinas diferenciadas e específicas, pois é essa alteração que garante trabalharmos o nosso. Digo aos meus alunos que eles aprendem duas vezes mais. Por exemplo, quando trabalhamos Mito, o aluno estuda mito de uma forma geral, mas estudo também o Mito do povo Pankará, os mitos dos povos indígenas do Nordeste. Assim, esse aluno sai na frente, pois ele aprende em duas metodologias para um mesmo assunto. A diferença na metodologia está na abordagem de elementos do cotidiano da criança para apresentar conteúdo”. (PROFESSORA DE RELIGIÃO).
A ideia é trazer uma educação num contexto social específico capaz de auxiliar os
aprendizes a desenvolver soluções, a conhecer seus direitos, mas, mantendo suas
tradições e crenças. Nesse sentido, um educador pode trabalhar criando as condições
para o índio vivenciar uma educação com integração com o seu meio, por meio da
expansão de potenciais, habilidade e particularidades próprias.
As dificuldades para incorporação dos eixos norteadores devem ser observadas de
maneira crítica e reflexiva. Para tanto, é necessário refletir sobre o contexto
educacional, demonstrando assim, os fatores que constituem a educação indígena
com seus pressupostos, relacionando-a a educação escolar Pankará.
101
“Nosso currículo é diferenciado e específico porque trabalhamos o que é de nosso povo. Na minha disciplina, embora apresente todo o conteúdo necessário da matéria, incluo as informações da presença do nosso povo nos territórios brasileiros, informações que não estão presentes nos livros comuns. Assim eu trabalho o "currículo branco", mas trabalho também o currículo específico da área daquele conhecimento”. (PROFESSORA DE HISTÓRIA).
Subverter esses fatores faz com que a escola indígena se defina como uma realidade
política democrática, na qual o papel do currículo passa a ser a construção de
significados ou o diálogo significativo, com a finalidade de gerar um movimento social
que defenda a consolidação da identidade Pankará. Essa compreensão do currículo
em termos dos eixos norteadores se orienta fundamentalmente para a construção de
um novo modelo de comunidade. Isso significa que a consolidação e a preservação
da identidade indígena iniciam na escola, e que a luta social em defesa da educação
escolar indígena tem sua origem no currículo escolar (SANTOMÉ, 2014).
O Pankará entende que a terra, identidade, organização, história e interculturalidade
são aspectos fundamentais no processo de formação da educação escolar, pois,
esses elementos contribuem para o projeto de sociedade que a comunidade Pankará
objetiva. São características necessárias para a formação dos alunos a inclusão na
grade curricular a formação através dos cinco eixos:
“Terra: A forma pela qual se reconhece o território como o espaço
sagrado de habitação natural, lugar dos mitos, conhecimentos, tradições
(repleto de significados); espaço de moradia dos antepassados, fonte de
inspiração para agir e interagir com a mãe natureza. É também o lugar
de manter viva a resistência, as expressões da cultura, onde são
depositados a esperança e os sonhos de construção do projeto de vida.
Identidade: A maneira como compreende que a identidade Pankará,
nasce e se fortalece a partir do território. Ela é reelaborada sempre: nas
formas de convivência, nos espaços e tempo do cotidiano, da relação
com os encantados. Quando existe luta pela conquista da mãe terra,
fortalecem a identidade. Ela é um patrimônio deixado pelos mais velhos
para a geração atual e para as gerações futuras.
Organização: Tem como objetivo o fortalecimento político do povo
102
Pankará, como base de sustentação nas tradições religiosas e sociais,
na perspectiva da luta pela autonomia plena.
História: Compreender as relações da convivência social, cultural,
histórica e a relação com o território. Conhecer a história Pankará e de
outros povos é uma condição essencial para o fortalecimento das lutas.
Compreender cada vez melhor os valores de identidade cultural e
assumir com mais clareza as experiências deixadas através dos
exemplos de vida e dos antigos.
Interculturalidade: Assume o respeito a diversidade étnica e cultural do
país e fora dele, a comunidade Pankará, prega o respeito as outras
formas de viver, pensar e conviver entre diferentes povos”.
(PPP. PANKARÁ, 2012, p.19).
Esses eixos são formas que caracterizam a organização do espaço escolar e do
tempo pedagógico dentro e fora da escola indígena Pankará, sobretudo, constitui a
matriz central da organização do trabalho docente, pois, incorporam valores morais,
atitudes, crenças e modos de trabalho dentro da organização escolar interna do
povo Pankará.
“Aqui trabalhamos por áreas, eixos que a gente respeita na nossa educação, que são os princípios, começando pelo eixo terra, eixo identidade, eixo organização, interculturalidade. São esses eixos que norteam a educação. Dentro dos eixos são trabalhadas as disciplinas matemática, português, geografia, arte indígena entre outras. Todas elas são encaixadas nos eixos que norteiam a educação Pankará. Dentre essas, as mais importantes são a história ligada aos eixos organização e identidade. No eixo interdisciplinar, trabalhamos com uma língua estrangeira, pois além das questões das aldeias apresentamos uma visão do mundo”. (GESTORA PANKARÁ).
Diante desse depoimento, depreendeu-se que existe uma tentativa por parte do povo
Pankará de estabelecer que nesse processo de ensino-aprendizagem exista a
possibilidade de diálogo entre os sujeitos da educação nas diferentes relações
interculturais, é importante que haja ênfase nos valores culturais, políticos,
pedagógicos e antropológicos, de modo geral, sem esquecer as representações da
cultura do aluno e do povo, assuntos trabalhados nos eixos norteadores.
103
Figura 07: Durante a realização das entrevistas com as professoras
Fonte: Arquivo pessoal
Na disciplina da Língua Portuguesa esses eixos são trabalhados da seguinte forma:
Quadro 10: Eixos saberes e expectativas de ensino e aprendizagem, área do conhecimento: Língua Portuguesa
104
O quadro 10 apresenta, de forma sucinta, a maneira como é idealizada a educação
escolar do povo Pankará. É possível compreender sua forma própria de trabalhar as
disciplinas do currículo comum dentro de um propósito diferenciado e específico.
Embora os eixos possuam objetivos gerais diversos, o objeto de estudo para todos é
único e comum, dentro do ganho que aquele conhecimento trará à Comunidade
Pankará, segundo sua própria percepção e entendimento.
Observa-se que na disciplina de Língua Portuguesa, especificamente conforme
demonstrado no quadro 01, o objeto de estudo não consiste no mero domínio da norma
culta do idioma, para cumprimento de conteúdos da educação básica brasileira. A
disciplina existe para sua utilização como instrumento de valorização social, e de luta
para conquista de direitos, com plena vocação para o fortalecimento da identidade étnica
através da divulgação dos conhecimentos tradicionais do povo. A língua portuguesa é
para o povo Pankará a oportunidade de contar sua história à sua maneira, com lógica
própria de fatos.
Desenvolvendo a leitura e escrita “do branco”, o índio se vê na possibilidade de uma
prática social, que lhe foi negada outrora pelo arrebentar das ondas no quebra mar, de
outra vez pela diferença da língua: o diálogo.
A essência da educação indígena é a sua própria vivência em uma plenitude, a partir
de uma determinada experiência que seja significativa e cuja dimensão permite a
ampliação da reprodução cultural, excluindo o risco da desaculturação. A percepção
da dimensão verdadeira da educação indígena se direciona a um tipo de movimento
de experiências próprias em sua totalidade (MAGALHÃES, 2005).
Para o povo Pankará, a Língua Portuguesa é uma ferramenta de intervenção da
narrativa rasa divulgada pelo “homem branco”. Onde essa intervenção se faz eficaz
quando é realizada nas dimensões da História, Terra, Identidade, Organização e
Interculturalidade. Essas dimensões são os eixos norteadores da educação escolar
diferenciada e específica do povo Pankará.
Com essa ferramenta é possível contar a história, revelar a cultura, registrar a memória
105
viva dos antepassados sobre tradições, movimentos, lutas e resistências. A língua
portuguesa tem por objetivo geral no eixo História tornar eterno e conhecidos os fatos e
fábulas, tornar entendível sua expressão quanto pleno indivíduo e povo, para promover
soluções em contextos sociais. Essa disciplina tem por objetivo geral no eixo Terra
deixar registrado as delimitações da terra, demonstrando sua posse e pertencimento a
um elemento sagrado, que comunica sua cultura e costumes.
106
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante séculos, o Brasil vem sufocando as vozes dos povos indígenas na tentativa
de incorpora-los a comunidade nacional. As políticas públicas no campo educacional
eram no sentido de catequizar e integrar os índios à sociedade nacional. Isso implica
que a educação escolar indígena existia para propagar o sentimento de negação de
identidades e culturas diferenciadas.
Apenas nos últimos anos, com as mudanças no direcionando das diretrizes
internacionais e com a mobilização dos segmentos governamentais e não-
governamentais e a fundação de entidades representativas de apoio às comunidades
Indígenas, que para Buratto (2010) se articularam, exigindo mudanças, abrindo
espaços sociais e políticos e exigiram que os direitos indígenas fossem garantidos na
legislação Brasileira.
Depois de promulgada a Constituição de 1988 foi possível verificar questões
relacionadas de forma especifica para as comunidades indígenas. Inicialmente o
capitulo de referência está no artigo 231 que afirma: “São reconhecidos aos índios sua
organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários
sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,
proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
A Constituição Federal de 1988 conferiu para as comunidades indígenas o direito à
manutenção de suas especificidades culturais, históricas e linguísticas, mudando o
direcionamento da política governamental em relação à educação escolar indígena.
A partir do ano 1991, a educação escolar indígena deixou de ser atribuição da Funai,
passou para o Ministério da Educação - MEC e foi criada, por meio da portaria
interministerial MJ/MEC N°559 (16.4.91), a coordenação nacional de educação
indígena (MARANHÃO, 2010).
O MEC publicou, em 1993, as Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar
Indígena e, em 1998, o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas.
Esses documentos enfatizavam que a EEI deveria ser específica e diferenciada,
107
intercultural e bilíngue. Em 1999, através do Parecer CNE/CEB Nº. 14/1999 e da
Resolução CEB Nº. 03/1999 ficaram estabelecidos, no âmbito da educação básica, a
estrutura e funcionamento das escolas indígenas brasileiras (BURATTO, 2007).
Estes documentos reúnem as principais proposições e/ou reivindicações do
movimento indígena e indigenista para a EEI, referente ao momento que antecedeu
às conquistas legais da CF 1988. Em boa medida, as orientações presentes nestes,
e nos outros documentos normativos e/ou prescritos, são produtos/reflexos das
discussões e teorizações que foram sendo construídas no campo da EEI (TROQUEZ,
2014).
As escolas indígenas receberam a autonomia para tecer suas pedagogias a partir do
direito da diferenciação no plano de ensino-aprendizagem de cada comunidade.
Portanto, trata-se de um grande avanço no contexto da autonomia para se constituir
em uma escola diferenciada, a partir de suas categorias específicas tendo como
inovador a presença de professores indígenas em sua grande maioria, a partir de uma
escola que possui seu próprio ordenamento jurídico.
Pode-se afirmar que depois da mobilização das entidades representativas, como
exemplo, a Comissão de Professores/as Indígenas de Pernambuco – COPIPE, e da
publicação da CF 88, as leis seguintes que discutem a educação escolar indígena
como a LDB e o Plano Nacional de Educação têm reconhecido o direito dos povos
indígenas a uma educação diferenciada, principalmente pelo emprego dos saberes e
conhecimentos tradicionais valorizando sua história como uma forma de resgate da
sua cultura e também no fortalecimento da identidade. Portanto, entende-se que
houve certo interesse dos órgãos governamentais federais, em dar legalidade para se
ter um ensino específico e consequentemente proporcionar um currículo diferenciado
para a educação escolar indígena.
Diante do que se expôs, após a análise e interpretação das informações, com a
observação dos depoimentos, além das relações estabelecidas entre a identidade e
currículo escolar, conforme os fundamentos teóricos, e considerando o objetivo geral
e os específicos norteadores deste estudo, é possível registrar reflexões nos
parágrafos seguintes.
108
No que concerne ao objetivo geral deste estudo, que foi o de compreender as
implicações do currículo escolar da comunidade indígena Pankará no sentido de
valorização e consolidação da identidade, os resultados apontaram para uma
reconstrução de um pertencimento étnico por intermédio da produção dos discursos,
que relataram uma autonomia no processo de construção curricular após a
estadualização da EEI, e situados em um contexto de lutas pela garantia dos direitos
assegurados em leis. O discurso da identidade e a busca pela valorização da
comunidade indígena Pankará, ocorreram através de resistências na tentativa de
silenciamento por parte do poder municipal que intensificaram os conflitos na Serra do
Arapuá, tendo como motivação principal, o interesse nos recursos naturais e próprios
do território onde está localizada a comunidade, bem como os recursos financeiros do
FUNDEB providos ao município, que era calculado conforme o número de alunos
matriculados nas escolas Pankará.
Nesse caminho pela autonomia da EEI na comunidade Pankará na busca de legitimá-
la na produção de modos diferentes de fazer educação, portanto pela efetivação de
processos de escolaridade diferenciados para os indígenas Pankará, a atuação da
Cacica Dorinha, considerada pelos índios Pankará como uma importante liderança na
busca de direitos e garantias para a comunidade, que através das alianças com os
movimentos sociais, conseguiu registrar denúncias feitas das perseguições por parte
do município de Carnaubeira da Penha, principalmente junto a COPIPE.
A líder da comunidade Pankará assume, então, um papel determinante na ocorrência
do fenômeno da reconstrução da pertença étnica do povo Pankará, uma vez que
viabiliza a EEI através da resistência e formação das alianças necessárias para conter
o avanço do poder municipal nas decisões políticas e socais da comunidade indígena.
Essa aliança com os movimentos sociais resultou na elaboração de recomendações
ao Estado brasileiro, pela COPIPE, as quais foram apresentadas pela Relatoria em
audiência no Congresso Nacional
A partir do momento em que a esfera pública é acionada e convidada a responder,
frente às diversas organizações defensoras dos Direitos Humanos e ao próprio
109
Congresso Nacional, atende em cumprimento de sua função junto ao povo Pankará
(ALMEIDA e SILVA, 2016).
Em relação ao objetivo específico, analisar o processo de construção do currículo e o
projeto político pedagógico da educação escolar da comunidade Pankará,
considerando a EEI estadualizada e com autonomia para construção de um projeto
de futuro para o povo Pankará, pode-se afirmar que, entre os entrevistados, o currículo
escolar passou a ocupar um importante papel no processo de formação escolar dos
índios Pankará, principalmente após a estadualização da EEI.
O processo de construção do currículo e do PPP, passa pelo resgate das tradições,
pelos rituais e pelas memórias do povo Pankará. Antes de discutir qualquer projeto
sobre EEI, leva-se em consideração os conhecimentos adquiridos através dos
ensinamentos dos pajés. Participam do processo das atividades e de planejamento
na construção do currículo Pankará e do PPP, além dos professores, membros das
aldeias, pajés, caciques e coordenadores pedagógicos (gestores), através da
Organização Interna de Educação Escolar Pankará – OIEEP.
Foi verificado que entre os 15 professores entrevistados, apenas um, que era recém
contratado não participou do processo de construção do PPP. Isso implica um
processo democrático entre os professores, os coordenadores pedagógicos e as
lideranças da comunidade.
Diante das evidências encontradas, percebe-se que, em conformidade com a
concepção proposta por Castells (2008), a assimilação do discurso da identidade
Pankará no processo de formação curricular, fundamenta-se num propósito, converge
para a concretização do projeto coletivo de superação da injustiça social, a que a
educação escolar indígena foi silenciada.
No que que se refere aos objetivos de averiguar qual é a concepção dos professores
e da coordenação pedagógica sobre o currículo escolar trabalhado na comunidade
indígena Pankará, verificou-se que primeiro foi verificado que o professor Pankará
precisa ter uma formação no sentido de graduação/licenciatura, e dentro da aldeia é
necessário ter uma formação junto à liderança com os Pajés. Os primeiros
110
ensinamentos perpassam pelos anciões, que estão na base de qualquer projeto
político pedagógico.
Os professores precisam de competências específicas. Por exemplo, o processo de
autoafirmação, para ser professor Pankará, primeiro o indivíduo deve se reconhecer
como índio.
Embora a comunidade Pankará utilize os livros didáticos enviados pela secretaria de
educação estadual, os conteúdos apresentados são enriquecidos com os elementos
da cultura, da história do povo, através de produções próprias. O material produzido
na escola indígena Pankará, foi bem aceito pelos professores. Pois, é gerado a partir
da vivência de cada professor. Esses conteúdos produzidos são considerados pelos
professores como diferenciados, principalmente na sala de aula, quando trabalhado
nas disciplinas.
Na legislação isso só foi possível a partir do ano 1991, quando a educação escolar
indígena deixou de ser atribuição da Funai, passou para o Ministério da Educação -
MEC e foi criada, por meio da portaria interministerial MJ/MEC N°559 (16.4.91), a
coordenação nacional de educação indígena (MARANHÃO, 2010). Em 1996, foi a vez
da Lei de diretrizes e bases do ensino estabelecer e proporcionar aos índios, suas
comunidades e povos, a recuperação das memórias históricas, reafirmação de suas
identidades.
Na prática isso só aconteceu a partir do ano de 2004, quando a educação escolar
indígena na comunidade Pankará foi estadualizada. Antes disso, a gerencia do
currículo Pankará estava sob tutela da prefeitura municipal de Carnaubeira da Penha,
que não permitia qualquer alteração no currículo escolar, e nem adaptação aos
conteúdos ensinados na sala de aula.
No que diz respeito ao objetivo de verificar quais são as características do currículo
escolar que contribuem para uma educação específica e diferenciada na comunidade
Pankará, constatou-se que os eixos norteadores pedagógicos conhecidos como terra;
identidade; organização; história e interculturalidade, caracterizam-se pelas
expectativas e perspectivas das práticas de ação político-pedagógico. Os eixos
111
também são considerados pelas lideranças da comunidade Pankará como formas de
organização do espaço escolar e do tempo pedagógico.
Nos eixos pedagógicos os professores da comunidade tentam selecionar aqueles
descritores mais específicos que devem influenciar a prática gestora e pedagógica na
sala de aula. São através dos eixos pedagógicos que o currículo escolar é adaptado,
inserindo as disciplinas diferenciadas e específicas.
O material didático é uma característica da educação escolar indígena Pankará, são
elaborados pelos próprios professores indígenas, a partir do conhecimento adquirido
com os anciões, e das experiências tanto acadêmica, quanto social.
Além disso, a educação indígena é bilíngue - em português e na língua materna,
sendo definido no documento de orientação curricular o texto que deverá ser adotado
na sala de aula, de forma que possibilite uma interdisciplinaridade do programa
Isto possibilita que o ensino escolar preserve as particularidades socioculturais de
cada etnia (GONÇALVES e MELLO, 2009).
Com a conclusão da pesquisa e em resposta à questão norteadora (a saber: quais
são as implicações do currículo escolar na afirmação da identidade da comunidade
indígena Pankará?), evidenciou-se que, impulsionados pela estadualização do
processo de formação curricular, da Constituição Federal (CF) de 1988 e pela Lei de
diretrizes e bases do ensino de 1996, que estabeleceu e propiciou aos índios, suas
comunidades e povos, a recuperação das memórias históricas, reafirmação de suas
identidades, pela criação da Comissão de Professores/as Indígenas de Pernambuco
– COPIPE, os fenômenos estudados, identidade e currículo, entrecruzam-se na
comunidade pesquisada, convergem como construções de resistências e simbólicas
concebidas pelos agentes em resposta aos desafios impostos pelas interações
humanas, num contexto histórico-social-político, marcado pela perseguição e pela
dominação.
112
Este projeto de pesquisa não teve a pretensão de realizar uma modificação do
currículo da educação escolar indígena, a intenção é de pesquisar sobre o currículo
na perspectiva de encontrar elementos que valorizem a identidade do povo Pankará.
Destaca-se que este trabalho não tem a pretensão de esgotar as discussões e
abordagens sobre os temas apresentados, mas sim em contribuir para o
desenvolvimento de novos estudos.
113
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119
APÊNDICES
120
APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS PROFESSORES
- Identificação dos sujeitos da pesquisa: professores (as) que ensinam no ensino
fundamental I e II das escolas da comunidade indígena Pankará.
- Referencial teórico que embasa o roteiro de entrevistas: currículo; disciplinas
escolares; cultura escolar; identidade cultural e formas de escolarização.
1 - Você participa do processo de elaboração do projeto político pedagógico? (Caso
a resposta seja positiva, perguntar: De que forma?)
2 - Em sua opinião, o professor precisa de competências específicas para lecionar na
educação escolar indígena? (Caso a resposta seja positiva, perguntar: Quais são as
competências?).
3 - O que é um currículo diferenciado e especifico?
4 - Você considera a educação escolar indígena da comunidade Pankará como
especifica e diferenciada? Por que?
5 - Você considera que o currículo diferenciado e especifico contribui para a formação
da identidade? (Caso a resposta seja positiva, perguntar: Como contribui?)
6 - Dentre do currículo escolar, quais disciplinas você considera como principais no
processo de formação da identidade?
7 - A ementa da disciplina que você leciona contém elementos que valorizam a
tradição do povo Pankará? (Caso a resposta seja positiva, perguntar: Quais são os
elementos?)
8 - Para você, existe alguma diferença na metodologia utilizada para ensinar
disciplinas do currículo comum como aquelas apontadas por você como
diferenciadas? Como isso ocorre?
9 - No planejamento das aulas você tem um direcionamento interdisciplinar para a
destacar a educação diferenciada e especifica que valorize a cultura e formação da
identidade? De que maneira funciona?
10 – Como é produzido o material didático da escola indígena Pankará?
11 – Você considera que o material didático é apropriado para a educação escolar
diferenciada e especifica do povo Pankará?
12 – Na sua opinião existe algum elemento que poderia contribuir no processo de
formação curricular na comunidade Pankará e que atualmente não é implementado?
121
APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM EQUIPE GESTORA
- Identificação dos sujeitos da pesquisa: equipe gestora das escolas da comunidade
indígena Pankará.
- Categorias conceituais que embasam o roteiro de entrevistas: currículo; cultura
escolar; identidade e formas de escolarização.
1 - Na sua opinião a Educação Indígena no Plano Nacional de Educação (Lei 10.172)
contribui, na pratica, para um processo de formação curricular diferenciado e
especifico?
2 - Em sua opinião, um gestor escolar necessita de competências específicas para
atuar na gestão da educação escolar indígena? (Caso a resposta seja positiva,
perguntar: Quais as competências?).
3 – Como é formulado o projeto político pedagógico?
4 - Você considera que um gestor precisa ter participação na elaboração e no
desenvolvimento dos currículos diferenciado e específico? (De que forma?)
5 - Você considera que o currículo escolar da comunidade Pankará contribui na
formação da identidade? (Se a resposta for positiva, perguntar: De que maneira?)
6 – Quais os desafios diários de um gestor escolar na efetivação do currículo
diferenciado e especifico?
7 – Você considera necessário uma capacitação especifica dos professores para
lecionarem nesta metodologia de ensino diferenciado?
8 – São realizadas ações pedagógicas de capacitação dos professores?
9 – Quais são os principais elementos que valorizam a cultura e a tradição do povo
Pankará?
10 – Como é produzido o material didático da escola indígena Pankará?
11 – Você considera que o material didático é apropriado para a educação escolar
diferenciada e especifica do povo Pankará?
12 - Na sua opinião existe algum elemento que poderia contribuir no processo de
formação curricular na comunidade Pankará e que atualmente não é implementado?
122
Sexo: F ( ) M ( ) n :
APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS - CAMPUS III
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO, CULTURA E
TERRITÓRIOS SEMIÁRIDOS
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
ESTA PESQUISA SEGUIRÁ OS CRITÉRIOS DA ÉTICA EM PESQUISA COM SERES
HUMANOS CONFORME RESOLUÇÃO NO 466/12 DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE.
I – DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
Nome do Participante:
Documento de Identidade o
Data de Nascimento: / /
Endereço: ________________________ Complemento:
Bairro: ____________________________ Cidade: CEP:
Telefone: ( ) /( ) /
II - DADOS SOBRE A PESQUISA CIENTÍFICA:
1. TÍTULO DO PROTOCOLO DE PESQUISA: E D U C A Ç Ã O E S C O L A R I
N D Í G E N A : C U R R Í C U L O E I D E N T I D A D E N A C O M U N I D A D E P
A N K A R Á
2. PESQUISADOR(A) RESPONSÁVEL: FRANCIS NUNES TAVARES
Cargo/Função: P e s q u i s a d o r / d i s c e n t e
III - EXPLICAÇÕES DO PESQUISADOR AO PARTICIPANTE SOBRE A PESQUISA:
O (a) senhor (a) está sendo convidado (a) para participar da pesquisa:
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: CURRÍCULO E IDENTIDADE NA
123
COMUNIDADE PANKARÁ, de responsabilidade do pesquisador Francis Nunes
Tavares, discente da Universidade do Estado da Bahia que tem como objetivo primário
geral identificar se no curricular escolar da comunidade indígena Pankará é possível
encontrar elementos que valorizem a cultura e a consolidação da identidade desse
povo. A realização desta pesquisa trará ou poderá contribuir com os estudos acerca
do processo de formação curricular da comunidade indígena Pankará da Serra do
Arapuá- do município de Carnaubeira da Penha- PE e mesmo nacionalmente pela
relativa escassez de trabalhos acadêmicos acerca do tema. Caso aceite o senhor(a)
será submetido(a) a um questionário e uma entrevista gravada em formato de áudio
com um gravador digital de voz pelo mestrando Francis Nunes Tavares, do curso de
Pós-graduação Mestrado em Educação, Cultura e Territórios Semiárido. O
preenchimento do questionário e a gravação da entrevista poderá trazer algum
constrangimento para o(a) senhor(a) pelo fato de alguns assuntos serem mais
sigilosos, contudo o pesquisador respeitará as falas por meio do anonimato das suas
declarações. Sua participação é voluntária e não haverá nenhum gasto ou
remuneração resultante dela. Garantimos que sua identidade será tratada com sigilo
e portanto o Sr(a) não será identificado. Caso queira (a) senhor(a) poderá, a qualquer
momento, desistir de participar e retirar sua autorização. Sua recusa não trará nenhum
prejuízo em sua relação com a pesquisadora ou com a instituição.. Quaisquer dúvidas
que o (a) senhor(a) apresentar serão esclarecidas pela pesquisadora e o senhor(a)
caso queira poderá entrar em contato também com o Comitê de Ética da Universidade
do Estado da Bahia. Esclareço ainda que de acordo com as leis brasileiras o Sr. (a)
tem direito a indenização caso seja prejudicado por esta pesquisa. O (a) senhor (a)
receberá uma cópia deste termo onde consta o contato dos pesquisadores, que
poderão tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer
momento.
V. INFORMAÇÕES DE NOMES, ENDEREÇOS E TELEFONES DOS
RESPONSÁVEIS PELO ACOMPANHAMENTO DA PESQUISA, PARA CONTATO
EM CASO DE DÚVIDAS
PESQUISADOR (A) RESPONSÁVEL: FRANCIS NUNES TAVARES
Endereço: Rua Dr. Gerino de Souza Filho, Caixa D’Agua, nº4398, Cep. 42711-830
- Lauro de Freitas-BA.
124
Telefone: (71) 99279-2909, E-mail: [email protected]
Comitê de Ética em Pesquisa- CEP/UNEB Rua Silveira Martins, 2555, Cabula.
Salvador-BA. CEP: 41.150-000. Tel.: 71 3117-2445 e-mail: [email protected]
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP SEPN 510 NORTE, BLOCO A
1º SUBSOLO, Edifício Ex-INAN - Unidade II - Ministério da Saúde CEP: 70750-521 -
Brasília-DF
V. CONSENTIMENTO PÓS-ESCLARECIDO
Declaro que, após ter sido devidamente esclarecido pelo pesquisador (a) sobre os
objetivos benefícios da pesquisa e riscos de minha participação na pesquisa
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: CURRÍCULO E IDENTIDADE NA
COMUNIDADE PANKARÁ, e ter entendido o que me foi explicado, concordo em
participar sob livre e espontânea vontade, como voluntário consinto que os resultados
obtidos sejam apresentados e publicados em eventos e artigos científicos desde que
a minha identificação não seja realizada e assinarei este documento em duas vias
sendo uma destinada ao pesquisador e outra a via que a mim.
Carnaubeira da Penha - PE, de de .
Assinatura do participante da pesquisa
Assinatura do pesquisador discente Assinatura do professor responsável
(orientando (orientador)