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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro Biomdico
Faculdade de Enfermagem
Maria das Graas Gazel de Souza
Representaes sociais do cncer para o familiar do paciente
oncolgico em tratamento quimioterpico
Rio de Janeiro
2011
Maria das Graas Gazel de Souza
Representaes sociais do cncer para o familiar do paciente oncolgico em
tratamento quimioterpico
Dissertao apresentada, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre, ao Programa de Ps-Graduao em Enfermagem, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. rea de concentrao: Enfermagem, Sade e Sociedade.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Marcos Tosoli Gomes
Rio de Janeiro
2011
CATALOGAO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/CBB
Autorizo, apenas para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total ou parcial
desta dissertao.
________________________________________ _________________________
Assinatura Data
S729 Souza, Maria das Graas Gazel de. Representaes sociais do cncer para o familiar do paciente
oncolgico em tratamento quimioterpico / Maria das Graas Gazel de Souza. - 2011.
129 f. Orientador: Antonio Marcos Tosoli Gomes. Dissertao (mestrado) Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Faculdade de Enfermagem. 1. Representaes sociais. 2. Cncer. 3. Enfermeiros. 4.
Relaes profissional-famlia . 5. Paciente. 6. Quimioterapia. I. Gomes, Antonio Marcos Tosoli. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. III. Ttulo.
CDU
614.253.5
Maria das Graas Gazel de Souza
Representaes sociais do cncer para o familiar do paciente oncolgico em
tratamento quimioterpico
Dissertao apresentada, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre, ao Programa de Ps-Graduao em Enfermagem, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. rea de concentrao: Enfermagem, Sade e Sociedade.
Aprovada em 02 de Maro de 2011.
Banca Examinadora:
_________________________________________ Prof. Dr. Antonio Marcos Tosoli Gomes Faculdade de Enfermagem da UERJ
_________________________________________ Prof. Dra. Ftima Helena do Esprito Santo Faculdade de Enfermagem da UFF
_________________________________________ Prof. Dr. Sergio Corra Marques Faculdade de Enfermagem da UERJ
Rio de Janeiro
2011
DEDICATRIA
A minha querida me (in memoriam).
AGRADECIMENTOS
A Deus pelo dom da vida e por sempre ter colocado em meu caminho
pessoas especiais que me ensinaram muito mais do que uma metodologia de
estudo mas um caminhar e um olhar atento para a vida.
Ao meu querido orientador, Professor Doutor Antonio Marcos Tosoli Gomes,
meu querido Tosolinho, que muito mais que um orientador foi um pai, foi um amigo
nas horas em que mais necessitei. Obrigada querido, por compreender minhas
limitaes e por me ensinar que, apesar dos obstculos, podemos ir sempre alm do
que pensamos poder.
Ao meu querido amigo e irmo espiritual, Leandro Andrade. Obrigada amigo,
pela amizade sincera, por ter sido o irmo amigo quando precisei, por tornar as
dificuldades encontradas ao longo dessa trajetria menores do que realmente eram,
por trazer nos dias tristes um sorriso, uma brincadeira, por tornar esse caminhar
muito mais suave.
querida Ftima Helena do Esprito Santo por me acompanhar desde a
graduao sempre com muito carinho, ateno e zelo. Voc, querida Fata, foi a me
que precisei em muitos momentos.
Ao querido professor Srgio Marques, o meu muito obrigada pela ateno,
pela educao e pelo carinho desde o primeiro momento em que recebeu o convite
para participar de minha banca examinadora.
A todos os familiares dos pacientes com cncer que esto no dia a dia na luta
constante pela vida e na esperana de alcanar a cura.
Ao Instituto Nacional de Cncer, responsvel por minha formao e
aprendizado em Oncologia. Muito mais que uma escola, uma verdadeira lio de
vida.
Suponho que me entender no uma questo de inteligncia e sim de sentir, de entrar em contato... Ou toca, ou no toca.
Clarice Lispector
RESUMO
SOUZA, Maria das Graas Gazel de. Representaes sociais do cncer para o familiar do paciente oncolgico em tratamento quimioterpico. 2011. 129 f. Dissertao (Mestrado em Enfermagem) Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.
Considerando-se que a famlia vivencia e partilha junto com o doente todos os sentimentos, emoes e angstias que envolve o diagnstico e o tratamento do cncer, o presente estudo teve como objetivos descrever as dimenses das representaes sociais acerca do cncer para familiares do cliente oncolgico em tratamento quimioterpico ambulatorial em uma unidade de referncia para o seu tratamento; analisar a representao social do cncer elaborada por familiares do cliente oncolgico em tratamento quimioterpico ambulatorial; e discutir as contribuies do enfermeiro junto famlia do cliente oncolgico em tratamento quimioterpico ambulatorial a partir da construo representacional do cncer para os sujeitos do estudo. De carter qualitativo, o caminho metodolgico foi construdo com base na Teoria das Representaes Sociais. Os sujeitos foram 30 familiares que estavam acompanhando o doente durante o tratamento quimioterpico. Os dados foram coletados a partir da realizao de entrevistas semi-estruturadas e analisados atravs da anlise de contedo de Bardin (1979), sistematizada por Oliveira (2008), com o auxlio do software QRS Nvivo 2.0. Da anlise dos dados emergiram seis categorias que compem o campo representacional e se expressa atravs das dimenses representacionais concretizadas nas seguintes categorias: sentimentos compartilhados por familiares de clientes oncolgicos em tratamento quimioterpico, que mostra que, ao se depararem com a doena e sua dura realidade, os familiares so acometidos por diversos tipos de sentimentos; imagens, metforas e conceitos no existir da famlia que enfrenta a doena, onde os familiares revelaram que o cncer percebido, entre outras coisas, como um monstro que invade a vida das pessoas e dela passa a tomar conta e a domin-la; preconceitos e estigmas na vivncia do cncer, que revelou que ainda hoje existem representaes e estigmas presentes na sociedade e em suas construes culturais acerca do cncer; diferentes prticas desenvolvidas no contexto da doena e do processo de adoecimento pelo cncer, que evidenciou as diferentes prticas presentes no discurso dos sujeitos, quais sejam, a de religiosidade no contexto do cncer, a de enfrentamento da doena, a de comunicao-ocultamento e de atitudes da famlia ao estar no mundo frente ao cncer; o processo de ancoragem e o conhecimento adquirido aps a experincia do cncer, onde surgiram os conhecimentos que os sujeitos adquiriram acerca do cncer e alguns elementos do processo de ancoragem do cncer; as vivncias do enfermeiro que trabalha em oncologia e suas contribuies junto famlia que alerta os enfermeiros para a necessidade de intervenes efetivas direcionadas assistncia integral do indivduo, levando em considerao a importncia da famlia. Conclui-se que ao se descobrir acompanhando um familiar que tem cncer, a famlia passa a viver um outro mundo, no qual a possibilidade de morte se mostra de forma inevitvel e iminente. Diante disso, a famlia passa a valorizar no apenas o cuidado dispensado ao doente, mas tambm anseia por uma ateno profissional que contemple seu existir e seu modo de viver.
Palavras-chave: Representaes sociais. Cncer. Famlia. Quimioterapia.
ABSTRACT
Considering that the family experiences and sharing with the patient all the feelings, emotions and anxieties surrounding the diagnosis and treatment of cancer, this study aimed to describe the dimensions of social representations of cancer for relatives of the client in oncology chemotherapy in an outpatient unit for their treatment, analyze the social representation of cancer produced by relatives of the client in oncology outpatient chemotherapy treatment, and discuss the contributions of the nurse with the client's family in cancer chemotherapy outpatients from the construction representational of cancer among the study subjects. Character and quality, a methodological approach was based on the Theory of Social Representations. The subjects were 30 family members who were accompanying the patients during chemotherapy. Data were collected from the interviews were semi-structured and analyzed through content analysis of Bardin (1979), systematized by Oliveira (2008), with the help of software QRS NVivo 2.0. The analysis of the data emerged six categories that make up the representational field and is expressed through the representational dimensions achieved in the following categories: feelings shared by relatives of oncology and chemotherapy, which shows that, when faced with the disease and its harsh reality, family members are affected by different kinds of feelings, images, metaphors and concepts exist in the family facing the disease, where family members revealed that the cancer is perceived, among other things, like a monster that invades people's lives and it is to take over and dominate it, prejudice and stigma in the experience of cancer, which showed that even today there are Representations and stigmas in society and their cultural constrictions about cancer, and different practices developed in the context of disease and disease process by cancer, which highlighted the different practices within the discourse of the subjects, namely, that of religiosity in the context of cancer, the disease-fighting, the communication-concealment and attitudes of the family to be in the world against the cancer, the process anchor and the knowledge acquired after the cancer experience, and on which the knowledge acquired about the subjects of cancer and some elements of the anchoring process of cancer, the experiences of nurses working in oncology and its contributions to the family that alert nurses the need for effective interventions aimed at comprehensive care of the individual, taking into consideration the importance of family. It follows that to find out if accompanying a family member who has cancer, the family has to live another world, where the possibility of death shown so inevitable and imminent. Given this, the family has to not only appreciate the care the patient but also yearns for a professional care that addresses their existence and their way of living.
Keywords: Social representations. Cancer. Family. Chemotherapy.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Tabela 2
Tabela 3
Tabela 4
Tabela 5
Tabela 6
Tabela 7
Tabela 8
Tabela 9
Tabela 10
Tabela 11
Tabela 12
Distribuio dos sujeitos do estudo segundo o sexo....................
Distribuio dos sujeitos do estudo segundo a idade...................
Distribuio dos sujeitos do estudo segundo o estado civil.
Distribuio dos sujeitos do estudo segundo a escolaridade.......
Distribuio dos sujeitos do estudo segundo a religio.
Distribuio dos sujeitos do estudo segundo o nmero de filhos.
Distribuio dos sujeitos do estudo segundo o grau de
parentesco.....................................................................................
Distribuio dos sujeitos do estudo segundo o tempo de
diagnstico....................................................................................
Distribuio dos sujeitos do estudo segundo o local de moradia.
Distribuio dos sujeitos do estudo segundo o histrico de
cncer na famlia...........................................................................
Distribuio dos sujeitos do estudo segundo o tratamento
anterior ao quimioterpico.............................................................
Distribuio dos sujeitos do estudo segundo o contato prvio
com a consulta de enfermagem....................................................
47
48
48
49
49
50
50
51
52
52
53
53
SUMRIO
1
1.1
1.2
1.3
2
3
3.1
3.2
3.2.1
3.2.2
3.2.2.1
3.2.2.2
3.2.3
3.2.4
3.2.4.1
3.2.4.2
3.2.4.3
3.2.4.4
3.2.5
3.2.6
4
CONSIDERAES INICIAIS ................................................................
REFERENCIAL TERICO-METODOLGICO......................................
A Teoria das Representaes Sociais ...............................................
A famlia como ncleo social ..............................................................
O tratamento quimioterpico e o processo de adoecer de cncer .
METODOLOGIA ....................................................................................
APRESENTAO E DISCUSSO DOS DADOS ................................
Caracterizao dos sujeitos ................................................................
As dimenses representacionais .......................................................
Sentimentos compartilhados por familiares de clientes oncolgicos em
tratamento quimioterpico ......................................................................
Imagens, metforas e conceitos do cncer para os familiares que
enfrentam a doena ...............................................................................
As imagens e metforas do cncer ........................................................
Os conceitos desenvolvidos pelos familiares acerca do cncer ............
Preconceitos e estigmas na vivncia do cncer ....................................
As diferentes prticas de enfrentamento desenvolvidas no contexto da
doena e do processo de adoecimento pelo cncer .........................
As prticas religiosas no contexto do cncer .........................................
Os mecanismos de superao da doena e do adoecimento ...............
Prticas de proteo na vivncia do cncer ...........................................
As atitudes da famlia ao estar no mundo frente a frente com o cncer
O conhecimento acerca do cncer e alguns elementos de ancoragem
As vivncias do enfermeiro que trabalha em oncologia e suas
contribuies junto famlia ...................................................................
CONCLUSO ........................................................................................
REFERNCIAS .....................................................................................
APNDICE A - Questionrio de Caracterizao dos Sujeitos ...............
APNDICE B - Roteiro de Entrevista ....................................................
APNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ..............
ANEXO Carta de aprovao do Comit de tica em Pesquisa...........
10
18
18
25
32
40
47
47
55
55
66
66
71
73
80
80
83
86
88
90
98
107
111
123
124
126
129
10
CONSIDERAES INICIAIS
O interesse pelo tema surgiu a partir da experincia pessoal com o
adoecimento de um familiar prximo. Mais tarde, durante a o curso de graduao em
Enfermagem da Universidade Federal Fluminense, pude ter um contato mais
prximo com os pacientes com cncer e seus familiares, o que me despertou a
vontade de fazer a Residncia em Enfermagem Oncolgica no Instituto Nacional de
Cncer. Ali, pude sentir, juntamente com os pacientes e seus familiares, a dor, a
angstia, as decepes e as esperanas que envolvem a experincia do
adoecimento por cncer de um ente querido.
Apenas a vivncia deste processo explicita, de forma marcante, a importncia
de se receber o apoio da equipe de sade e, principalmente, dos enfermeiros, por
permanecerem em tempo integral ao lado dos pacientes e por acompanhar a
maioria dos dissabores inerentes ao diagnstico de uma doena debilitante como o
cncer, seus tratamentos e seus efeitos indesejveis, tanto fsicos quanto
psicolgicos. Foi atravs dessa experincia que aprendi a superar muitos medos e a
compreender melhor o sentido de se estar no mundo, valorizando a vida. Trabalhar
com pacientes oncolgicos e seus familiares entender a importncia da humildade,
da caridade, da doao e do amor ao prximo. Um verdadeiro tesouro em forma de
aprendizado para a vida profissional e tambm para a vida pessoal.
Frente a isto, destacamos que a identidade do doente e de seus familiares
abalada quando submetida vivncia de um intenso sofrimento, como o gerado pela
presena do cncer. O impacto do diagnstico, a realizao de cirurgias mutiladoras,
a submisso ao tratamento quimioterpico e radioterpico prolongado, as limitaes
impostas pela prpria doena, a reduo das atividades dirias e sociais e a
incerteza quanto ao futuro so alguns dos aspectos que influenciam fortemente a
vida dessas pessoas (PETUCO; MARTINS, 2006).
Ao mesmo tempo, o cncer constitui um importante problema de sade
pblica para o mundo desenvolvido e tambm para as naes em desenvolvimento,
uma vez que responsvel por mais de 12% de todas as causas de bito no mundo,
onde mais de 7 milhes de pessoas morrem anualmente da doena. De acordo com
a International Union Against Cncer (UICC) citado pelo Ministrio da Sade, a
incidncia de cncer estimada em 11 milhes de casos novos em 2002 e
11
alcanar mais de 15 milhes em 2020.
A partir da constatao de que o cncer um problema de sade pblica,
passa a ser importante o conhecimento de sua magnitude para que se possa ter
subsdios para o seu controle, seja por meio de programas de preveno e de
deteco precoce, seja pela organizao e financiamento da rede assistencial para o
tratamento e a reabilitao da populao (INSTITUTO NACIONAL DE CNCER,
2006). O cncer uma doena caracterizada pela multiplicao descontrolada de
clulas defeituosas ou atpicas, que escapam ao controle do nosso sistema
imunolgico por algum motivo at hoje desconhecido. Saber que os prprios
cientistas no tm o controle do cncer contribui para que um dos maiores medos de
algumas pessoas seja desenvolver essa doena agressiva, mutilante, de alto grau
de letalidade e de futuro incerto e desconhecido.
Como toda doena grave, o cncer confronta o doente e toda a sua famlia
com o risco de morte iminente, causando profundas modificaes em suas vidas.
Mesmo com todos os avanos que vem apontando as possibilidades de cura para
alguns tipos de cncer, podemos observar que o diagnstico marcado por
incertezas e angstias na vida do doente e de seus familiares (SILVA, 2007).
So comuns as reaes iniciais de desconfiana, de questionamentos sobre a
validade do diagnstico, levando o doente e seus familiares procura de outros
mdicos para novos exames, o que resulta na demora do incio do tratamento.
Muitas vezes, a doena mantida em segredo e abordada de forma no muito clara
e em cdigos, criando barreiras que dificultam as discusses sobre estratgias de
enfrentamento mais produtivas (SILVA, 2007). um tempo de intensos
questionamentos familiares, conflitos, acusaes pela responsabilidade da doena,
busca de explicaes para essa nova realidade, na tentativa de atribuir uma causa
ao cncer. As dificuldades tambm esto relacionadas compreenso da doena e
de seu tratamento, que muito complexo (SILVA, 2007).
Estas consequncias no se devem apenas s especificidades da doena,
mas tambm porque a palavra cncer est relacionada a uma doena terrvel, sem
cura e que geralmente termina em morte e permeada por muito sofrimento. Uma
forma de administrar essa complexidade entender como as famlias precisam
enfrentar e aprender a lidar com os problemas deflagrados com as situaes
especficas relacionadas introduo de uma doena grave na famlia (PENNA,
2004).
12
Nesse contexto, podemos observar que, muitas vezes, a famlia encontra-se
despreparada para enfrentar o adoecimento e o sofrimento de um de seus membros,
fazendo com que o processo do adoecer se torne penoso e sofrido para todos os
envolvidos. Acreditamos que a famlia necessita de ajuda e compreenso, pois
presencia um ente querido sofrer de uma doena com prognstico reservado e
repleto de construes simblicas e culturais.
O sofrimento da famlia tende a ser mais evidente quando o tratamento
quimioterpico iniciado e a mesma passa a acompanhar de perto as repercusses
e os efeitos dos agentes antineoplsicos em seu parente. Por se tratar de uma
teraputica sistmica, a quimioterapia antineoplsica gera reaes desagradveis no
organismo como nuseas, vmitos, diarreia, queda de plos e ulceraes na
mucosa oral. Todos esses efeitos afetam a aparncia fsica levando as pessoas
acometidas, muitas vezes, a sentimentos de revolta frente a tal situao e
vergonha do prprio corpo (SOUZA; ESPIRITO SANTO, 2008).
O auxlio fsico e emocional ao indivduo doente e a seus familiares
fundamental para enfrentar o sofrimento que a doena e o tratamento impem como
as dores, os medos, as nuseas, os vmitos, a falta de apetite, a aparncia
comprometida pela queda dos cabelos provocada pelo tratamento quimioterpico, as
marcas da radioterapia, a presena de cateteres venosos centrais, os hematomas
ocasionados pelas constantes punes venosas, a queda da imunidade, a fadiga, o
mal estar fsico e a depresso. Alm de tudo isso, as idas constantes ao hospital ou
as hospitalizaes prolongadas so fatores que desestruturam o paciente e a famlia
(SILVA, 2007).
Durante este processo de tratamento, o enfermeiro um dos profissionais
mais prximos do doente e de sua famlia, participando desde o momento da
internao hospitalar at a sua alta, bem como no acompanhamento ambulatorial.
Contudo, podemos verificar o centro do cuidado e da ateno voltados ao paciente e
no famlia.Tal fato remeteu-nos a pensar no modelo biomdico de assistncia
onde o foco da assistncia est voltado para a cura da doena em detrimento do ser
humano como algum que est inserido em um contexto bio-psico-social.
Esta crena na relao de cuidado pouco responde s reais necessidades da
famlia, pois no a considera em sua unidade, seus laos afetivos, sua realidade e
suas diretrizes norteadoras do viver. Portanto, a famlia deve ser conhecida com
suas caractersticas e necessidades particulares. Torna-se interessante destacar
13
que o enfermeiro, normalmente, considera-se como conhecedor da famlia. Porm,
ao ponderar melhor acerca desta questo e ampliar seus conhecimentos a respeito,
notam-se tmidos domnio sobre a temtica ou at mesmo o seu despreparo ou
equvoco a respeito (WERNET; NGELO, 2003).
Entretanto, pensar no cuidado de enfermagem exige a incluso da famlia
como parte integrante deste cuidado, particularmente quando se trata da questo da
pessoa com cncer, o que demanda suporte social e familiar no enfrentamento da
doena. Ao refletir a esse respeito, questiona-se o motivo desta discrepncia. Seria
uma incompatibilidade no modo de como se pensa sobre a famlia e na real
concepo do que ela significa? Ou seja, ser que realmente a famlia considerada
como uma instncia importante pelos enfermeiros? Ou ser que, por saberem que
existem teorias que norteiam um cuidar valorizador da famlia, estes profissionais as
citam e at pensam dominar seus princpios? Mas isto, segundo Wernet e ngelo
(2003), no os toca interiormente e eles no acreditam nos benefcios possveis de
serem alcanados por estas perspectivas de cuidar.
A partir do momento que o indivduo tem o diagnstico de cncer, muitas
mudanas ocorrem em sua vida. Essas mudanas so fsicas, devido doena,
seus sintomas, seu tratamento e os seus efeitos adversos, sociais, em funo dos
gastos financeiros, o desequilbrio econmico e a restrio na convivncia do grupo
social, psicolgicas, pela configurao de um processo depressivo e pelos diversos
medos que surgem a partir do diagnstico, como o relativo da morte e a
desfigurao corporal e espiritual, como a implementao de um processo de
barganha com o divino, a adoo de atitudes extremas com ele, como amor ou dio,
ou um estgio de descrena absoluta, mudanas estas que repercutem na famlia.
Baseado nesta premissa fica claro que a famlia requer suporte adicional e
intervenes especializadas para enfrentar a situao que est vivenciando (FITCH,
2006).
Tendo em mente que o cuidar em enfermagem constitudo de um encontro
entre pessoas, o enfermeiro deve participar junto, com os familiares, neste contexto,
envolvendo sentimentos de cumplicidade, aes de cuidar e a necessidade de
transformaes da prtica profissional. Acredita-se que cuidar do ser um exerccio
da arte de escutar e do encontro, o que fundamenta a enfermagem enquanto
profisso: lanar mo de habilidades e de competncias, bem como da objetividade
e tambm da subjetividade presente no ser humano e nas relaes que se
14
estabelecem entre profissionais, usurios e familiares (SILVA; GONALVES, 2006).
Assim, concorda-se com Boff (1999, p. 91), que considera que o cuidado
somente surge quando a existncia de algum tem importncia para mim. Passo
ento a dedicar-me a ele; disponho-me a participar de seu destino, de suas buscas,
de seus sofrimentos e de seus sucessos, enfim, de sua vida. Logo, o cuidar para o
enfermeiro est presente em sua essncia primeiro como ser humano e, depois,
como profissional. Deve-se buscar compreender o cuidado como a estrutura
fundamental do ser, pois atravs de um cuidar autntico que se pode proporcionar
aos pacientes e seus familiares a esperana de conhecer a si mesmo na busca de
caminhos para a sua vida e motivaes menos frgeis para suas escolhas (SILVA;
GONALVES, 2006). Tudo isto faz repensar acerca de um cuidar em enfermagem
efetivo e abrangente da unidade cliente-famlia.
Por isto mesmo, entender o que o cuidado no to simples, precisa-se
vivenci-lo e isso acontece atravs dos sentimentos que envolvem as aes
profissionais. Em um sentido genrico, cuidado, na abordagem proposta neste
trabalho, compreenso, amor, entrega, toque, contato humano, a palavra dita no
momento necessrio, despir-se de preconceitos e ter pacincia e respeito pelo outro
(LOURENO; NEVES, 2004).
Ento, qual deveria ser o significado de cuidar para o enfermeiro? Seria o
mesmo que assistir ou realizar procedimentos tcnicos? Compreende-se que o
cuidar mais abrangente do que isto. Para cuidar efetivamente, o enfermeiro
precisa potencializar a sua viso interior e valorizar sua intuio, aliada ao
conhecimento tcnico-cientfico, no sentido de buscar identificar com o outro o que
ele necessita em um determinado momento da sua vida (LOURENO; NEVES,
2004).
Neste estudo, pretende-se analisar a representao do cncer para
familiares de clientes oncolgicos em tratamento quimioterpico ambulatorial com
vistas a discutir as contribuies que o enfermeiro pode oferecer para esta famlia.
Assim, optamos pela Teoria das Representaes Sociais como fundamentao do
estudo, por consider-la til para explicar a construo do saber compartilhado por
um determinado grupo.
Assim, pudemos definir como objeto de estudo: A Representao Social do
cncer para familiares de clientes oncolgicos em tratamento quimioterpico
ambulatorial. De acordo com a problemtica descrita, traamos os seguintes
15
objetivos:
a) descrever as dimenses das representaes sociais acerca do
cncer para familiares do cliente oncolgico em tratamento
quimioterpico ambulatorial em uma unidade de referncia para o
seu tratamento;
b) analisar a representao social do cncer elaborada por familiares
do cliente oncolgico em tratamento quimioterpico ambulatorial;
c) discutir as contribuies do enfermeiro junto famlia do cliente
oncolgico em tratamento quimioterpico ambulatorial a partir da
construo representacional do cncer para os sujeitos
surpracitados.
O cncer traz consigo o estigma social de doena incurvel. Apesar dos
avanos tecnolgicos na cura de muitas neoplasias malignas, prevalece ainda uma
representao relacionada dor, mutilao, deformidade e morte. Alm disso,
o incio do tratamento quimioterpico gera um grande desconforto fsico e
psicolgico ao doente e sua famlia. Apesar do sofrimento da famlia, o apoio que
esta oferece ao doente torna-se indispensvel para que o processo de recuperao
seja menos doloroso, pois a unidade familiar tende a propiciar proteo, segurana e
cuidados essenciais para a melhora do paciente. A famlia, nesse momento, atua
como suporte psicolgico para fazer com que seu ente querido sofra menos com os
efeitos caractersticos da quimioterapia (ANDRADE et al., 2006).
A partir do momento em que se recebe um diagnstico de cncer, a pessoa
se v em confronto com questes como a morte, a angstia, a depresso e a
mutilao que levam a uma transformao na vida da pessoa e de seus familiares,
interferindo profundamente no contexto de vida dessas pessoas (FREITAS et al.,
2006). Durante o curso da doena oncolgica e seu tratamento, a famlia enfrenta e
enfrentar muitas situaes difceis, novas ou no, que faro parte de sua vivncia.
Neste perodo, o doente e os familiares que compartilham da situao, passam por
diversos conflitos psicolgicos e enfrentam srias crises emocionais, vivendo
momentos de dvidas, inseguranas e incertezas (BERVIAN; PERLINI, 2006).
Assim, falar do cliente oncolgico significa tambm falar de sua famlia, pois,
segundo Waldow (2004, p.104), os familiares, por permanecerem muito tempo ao
lado dos pacientes, podem ser considerados tanto cuidadores quanto seres
cuidados. necessrio que o enfermeiro no cotidiano da enfermagem em oncologia
16
tenha a sensibilidade de perceber a famlia como foco do cuidado e como seu
elemento constitutivo, estando assim influenciando tambm o desenvolvimento da
assistncia prestada pessoa doente.
Diante de uma doena como o cncer acredita-se que o envolvimento familiar
inevitvel j que a famlia funciona como um grupo de pessoas interligadas por
sentimento de afeto, crenas, valores e respeito mtuo entre seus membros. A
famlia funciona como um sistema vivo, de maneira que tudo o que acontece a um
de seus integrantes repercute sobre os demais, fazendo com que seus problemas
no se restrinjam apenas a uma pessoa em particular, mas afetam normalmente a
todos os demais membros causando o que chamamos de desestrutura familiar
(RODRIGUES; GUEDES SOBRINHO; SILVA, 2000).
A realizao de estudos que busquem compreender as repercusses na
famlia ao ter um de seus membros com cncer, reveste-se de importncia para a
enfermagem e as demais reas da sade que vivenciam esta realidade. Aprofundar
o conhecimento das relaes familiares, suas reaes, seus sentimentos e sua
dinmica poder servir de subsdios para que os profissionais colaborem no
enfrentamento da situao, direcionando aes que incluam aspectos relacionados
famlia como um todo (BERVIAN; PERLINI, 2006). fundamental para o paciente
e seus familiares a sensibilizao dos profissionais, para que ofeream cuidados
tambm aos integrantes da famlia, na medida em que conhecem os problemas
vivenciados pela estrutura familiar (BERVIAN; PERLINI, 2006).
Com relao atuao profissional do enfermeiro pautada no conhecimento
cientfico permite o respeito dos outros profissionais da rea da sade e a
credibilidade da equipe no trabalho do enfermeiro, sendo responsvel pela
construo de um saber interdisciplinar eficaz, ao mesmo tempo em que compartilha
responsabilidades, deveres e direitos. O conhecimento cientfico torna-se importante
no atendimento das necessidades e na resoluo dos problemas da clientela,
fazendo com que se explicite a importncia e a utilidade deste profissional dentro da
equipe de sade. Quanto instituio, permite uma atuao profissional racional e
eficaz, gerando resolutividade e retorno financeiro e social organizao (GOMES;
OLIVEIRA, 2008).
Neste cenrio, o enfermeiro torna-se um educador que, ao sistematizar e
individualizar o cuidado e voltar-se no somente para a doena, passa a exercer
forte influncia sobre o estilo de vida das pessoas fazendo com que as mesmas se
17
tornem sujeitos de suas prprias decises. As aes de educao em sade com a
participao de todos os envolvidos, como o cliente e seu familiar, torna-se um
mtodo efetivo na aquisio e no compartilhamento de informaes, possibilitando
aos pacientes e seus familiares o desenvolvimento de prticas favorveis sua
sade e seu bem-estar, porm de forma consciente (LOPES; ANJOS; PINHEIRO,
2009).
Acreditamos que conhecer em profundidade a famlia e suas interfaces
diante do processo de adoecimento de um de seus membros ser importante para
as prprias famlias, que tero reconhecido suas potencialidades e fragilidades, o
que possibilitar buscar apoio junto aos profissionais de sade que a cercam. Alm
disso, uma abordagem terica que focalize a famlia, sua subjetividade, suas
relaes e suas possveis interfaces com a sade e a doena, certamente trar
significativas contribuies para a prtica profissional.
Este estudo visa contribuir para a prtica de enfermagem em oncologia, em
virtude das informaes que oferece relacionada aos familiares dos clientes
oncolgicos em tratamento quimioterpico. Com isso, oportuniza o aperfeioamento
na assistncia a essa clientela, pois a sade individual est diretamente relacionada
sade da famlia, representando um fator importante na prtica profissional. Alm
disso, os conceitos identificados contribuem especialmente para ampliar a
compreenso da abordagem de cuidado centrado na famlia e proporcionam um
caminho para a reflexo acerca da interao e da interveno com a famlia na
prtica da clnica em oncologia.
18
1 REFERENCIAL TERICO-METODOLGICO
1.1 A Teoria das Representaes Sociais
A Teoria das Representaes Sociais consiste em uma forma de pensamento
social originado na Frana em 1961 tendo como precursor Serge Moscovici. Foi
atravs da publicao de seu estudo La Psychanayse: son image et son public que
surgiu um novo conceito: o das representaes sociais. Moscovici (1978, p. 25)
menciona que toda representao composta de figuras e de expresses
socializadas. Conjuntamente, uma representao social a organizao de imagens
e linguagem, porque ela reala e simboliza atos e situaes que nos so usuais
tornando-os comuns.
De acordo com S (1996), a Grande Teoria proposta por Mocovici desdobra-
se em trs correntes tericas complementares: a abordagem processual,
desenvolvida por Denise Jodelet e que est muito prxima da proposta original de
Moscovici; a abordagem estrutural, desenvolvida por Jean-Claude Abric; e a
abordagem relacional, desenvolvida por Willem Doise.
De acordo com Jodelet (1984 apud S, 1996), o conceito de Representao
Social nos remete a uma forma especfica de conhecimento, o saber do senso
comum, cujos contedos manifestam a operao de processos generativos e
funcionais socialmente marcados. uma modalidade de pensamento prtico
orientado para a comunicao, a compreenso e o domnio do ambiente social,
material e ideal. Dessa maneira, designa uma forma de pensamento social.
Assim, a representao social produz e determina o comportamento dos
indivduos, pois define a natureza dos estmulos que nos cercam e nos provocam
bem como o significado das respostas que devemos dar-lhes. A representao
social uma modalidade de conhecimento particular que tem como funo a
elaborao de comportamentos e a comunicao entre os indivduos (MOSCOVICI,
1978).
A representao social uma forma de conhecimento socialmente construda
e partilhada que contribui para a construo de uma realidade comum a um grupo
social. Distingue-se do conhecimento cientfico, mas, ao mesmo tempo, alimenta-se
19
dele, gerando um senso comum que tido como um objeto de estudo to legtimo
quanto aquele, devido importncia que assume na vida social das pessoas
(JODELET, 2001).
De acordo com esta autora, representar corresponde a um ato de
pensamento no qual um sujeito se reporta a um objeto que pode ser uma pessoa ou
coisa, um acontecimento material ou psquico, real ou imaginrio, mas sempre
necessrio. A esse respeito, Andrade (2003) refere que as representaes sociais
correspondem s prprias definies de objetos sociais e as relaes que se
estabelecem entre este e um determinado grupo de indivduos atravs das
informaes, das imagens, das opinies e das atitudes que este grupo constri, em
relao direta com o contexto cultural e social desses indivduos.
Para Moscovici (1978), as representaes sociais so entidades que circulam,
se cruzam e se cristalizam incessantemente atravs da comunicao social em
nosso universo cotidiano. Dessa forma, a investigao da representao social
sobre o cncer para seus familiares remete-nos a uma teoria do senso comum, a
um conhecimento particular elaborado entre o grupo selecionado a partir de suas
experincias de vida num contexto sociocultural determinado.
De acordo com Abric (2001), a representao social um conjunto
organizado de opinies, de atitudes, de crenas e de informaes que se referem a
um objeto ou a uma situao especfica. determinada pelo sujeito juntamente com
sua histria e sua vivncia, pelo sistema social e ideolgico no qual ele est inserido
e pela natureza dos vnculos que ele mantm com o sistema social. Assim, a
considerao das representaes muito mais que a simples introduo de uma
varivel suplementar, mas trata-se de uma abordagem dos fenmenos que no se
interessa mais pelos fatores e comportamentos diretamente observveis, mas que
enfatiza sua dimenso simblica.
O que ns percebemos e imaginamos, essas figuras do pensamento so as
representaes e terminam por se constituir em um ambiente real e concreto.
Atravs de sua autonomia e das presses que ela exerce so como se fossem
realidades inquestionveis que ns temos de confront-las. O peso de sua histria,
de seus costumes e de seu contedo cumulativo nos confronta com toda a
resistncia de um objeto material. Talvez essa resistncia seja ainda maior quando
levamos em considerao que o que visvel tambm inevitavelmente mais difcil
de superar do que o que visvel (MOSCOVICI, 2009).
20
Assim, todas as interaes humanas, surjam elas entre duas pessoas ou
entre dois grupos, pressupem representaes. As representaes esto presentes
sempre e em todo lugar quando ns encontramos pessoas ou coisas e nos
familiarizamos com elas, tornando, dessa forma, a informao que recebemos, e a
qual tentamos dar um significado, sob seu controle e no possui outro sentido para
ns seno o sentido dado pelas representaes (MOSCOVICI, 2009).
Podemos afirmar que o que importante a natureza da mudana, atravs
da qual a natureza das representaes sociais se torna capaz de influenciar o
comportamento de um indivduo participante de uma coletividade. exatamente
dessa maneira que as representaes so criadas, internamente, mentalmente, pois
dessa forma que o prprio processo coletivo penetra, como o fator determinante
dentro do pensamento individual. Tais representaes aparecem para ns quase
que como objetos materiais, pois eles so o produto de nossas aes e
comunicaes (MOSCOVICI, 2009).
Dessa forma, pessoas e grupos criam representaes no decurso da
comunicao e da cooperao. Representaes no so criadas por um indivduo
isoladamente e, uma vez criadas, elas passam a adquirir uma vida prpria, circulam,
se encontram, se atraem e se repelem e do a oportunidade para o nascimento de
novas representaes, enquanto velhas representaes morrem (MOSCOVICI,
2009).
Toda representao social se organiza em torno de um ncleo central, que o
elemento fundamental da representao, uma vez que ele que determina sua
significao e organizao. O ncleo central um subconjunto da representao,
composto de um ou de alguns elementos, cuja ausncia, desestruturaria ou daria
uma significao completamente diferente representao em seu conjunto. Por
outro lado, o elemento mais estvel da representao e o que mais resiste
mudana. Assim, uma representao suscetvel de se alterar superficialmente por
uma mudana de sentido de seus elementos perifricos, mas ela s se transforma
radicalmente ou muda de significao quando o prprio ncleo central posto em
questo (ABRIC, 2001).
Assim, uma realidade social criada apenas quando o novo ou no familiar
vem a ser incorporado aos universos consensuais. A operam os processos pelos
quais ele passa a ser familiar, perde a novidade, torna-se socialmente conhecido e
real. O fato de que isso ocorra sob o peso da tradio, da memria e do passado,
21
no significa que no se esteja criando e acrescentando novos elementos
realidade consensual, ou seja, que no se esteja produzindo mudanas no
pensamento social ou que no se esteja dando prosseguimento construo do
mundo das ideias e imagens em que vivemos (S, 1993).
A ancoragem e a objetivao so os dois processos que geram
representaes sociais. Para Moscovici (2009), antes a cincia era baseada no
senso comum, mas agora o senso comum passou a ser a cincia tornada comum.
Sem dvida, cada fato, cada lugar comum esconde dentro de sua prpria banalidade
um mundo de conhecimento, determinada dose de cultura e um mistrio que o faz,
ao mesmo tempo, compulsrio e fascinante. No fcil transformar palavras, ideias
ou seres no familiares, em palavras usuais, prximas e atuais. necessrio, para
dar-lhes uma feio familiar, colocar em funcionamento os dois mecanismos de um
processo de pensamento baseado na memria e em concluses passadas
(MOSCOVICI, 2009).
O primeiro mecanismo tenta ancorar ideias estranhas, reduzi-las a categorias
e a imagens comuns, coloc-las em um contexto familiar. O objetivo do segundo
mecanismo objetiv-los, ou seja, transformar algo abstrato em algo quase
concreto, transferindo o que est na mente em algo que exista no mundo fsico.
Assim, esses mecanismos tornam algo no familiar em algo familiar, primeiramente
transferindo-o nossa prpria esfera particular, onde ns somos capazes de
compar-lo e interpret-lo e, depois, reproduzindo-o entre as coisas que ns
podemos ver e tocar. Torna-se fundamental compreender como esses dois
mecanismos funcionam para compreender como as representaes so criadas
(MOSCOVICI, 2009).
A ancoragem consiste na integrao cognitiva do objeto representado - sejam
ideias, acontecimentos, pessoas ou relaes - a um sistema de pensamento social
preexistente e nas transformaes implicadas (S, 1993). Assim, as representaes
j disponveis podem funcionar como um sistema de acolhimento de novas
representaes que venham a surgir, fazendo com que o processo seja responsvel
pelo enraizamento ou ancoragem social da representao e seu objeto (S, 1993).
J o outro processo de formao das Representaes Sociais, a objetivao,
consiste em uma operao imaginante e estruturante pela qual se d a forma ou
figura especfica ao conhecimento acerca do objeto, tornando concreto e quase
tangvel o conceito abstrato, materializando a palavra (S, 1993).
22
A ancoragem um processo que transforma algo estranho e perturbador, que
nos intriga, em nosso sistema particular de categorias e o compara com um
paradigma de uma categoria que ns pensamos ser apropriada. quase que
ancorar um bote perdido em um dos boxes de nosso espao social. Ancorar ,
portanto, classificar e dar nome a alguma coisa que no classificada, coisas que
so estranhas, no existentes e ao mesmo tempo so ameaadoras. Por outro lado,
a objetivao um processo muito mais atuante que a ancoragem uma vez que
torna o que incomum e imperceptvel em algo familiar. A objetivao une a ideia de
no familiaridade com a de realidade, torna-se a verdadeira essncia da realidade
(MOSCOVICI, 2009).
As representaes sociais so, dessa forma,
Um conhecimento do senso comum, construdos e mobilizados nos universos consensuais, que muitas vezes consistem em transformaes operadas sobre informaes oriundas dos universos reificados. Tais representaes so, como foi visto, formadas atravs dos processos complementares de ancoragem e de subjetivao. Se acrescenta que tais processos so subordinados por Moscovici a um princpio bsico - que ele sintetiza como a transformao do no-familiar em familiar - tem-se aqui um esboo razoavelmente fidedigno do cerne da teoria das representaes sociais, na sua verso original (S, 1993, p. 591).
Assim, devem ser vistas como uma maneira especfica de compreender e
comunicar o que ns j sabemos. Elas ocupam, dessa forma, uma posio curiosa,
em algum ponto entre conceitos, que tem como seu objetivo abstrair sentido do
mundo e introduzir nele ordem e percepes, que produzam o mundo de uma forma
significativa (MOSCOVICI, 2009). Acerca das representaes sociais de sade e
doena, Minayo (2007) refere que desde o incio do sculo XX, socilogos e
antroplogos deram uma contribuio muito importante para o setor sade ao
demonstrar, por meio de estudos empricos o fato de que a doena, a sade e a
morte no se reduziam a uma evidncia orgnica, natural, objetiva, mas que sua
vivncia pelas pessoas e pelos grupos sociais estavam intimamente relacionadas
com as caractersticas de cada sociedade. Assim, a doena, alm de sua
configurao biolgica, tambm uma realidade construda e o doente um
personagem social.
A partir das Cincias Sociais, podemos dizer que existe uma ordem de
significaes culturais mais abrangentes que informa o olhar lanado sobre o corpo
que adoece e que morre. A linguagem da doena no a linguagem em relao ao
corpo, mas linguagem que se dirige sociedade e s relaes sociais de forma
23
histrica. Seja qual for a dinmica efetiva de ficar doente, no plano das
representaes, o indivduo julga seu estado no apenas por manifestaes
intrnsecas, mas a partir de seus efeitos ele busca no mdico a legitimidade da
definio de sua situao. Desse contexto, ele retira atitudes e comportamentos em
relao a seu estado e assim se torna doente para o outro, ou seja, para a
sociedade (MINAYO, 2007).
Segundo Sontag (1984), nada pode ser to poderoso como as chamadas
doenas-metfora para evidenciar a representao de uma enfermidade tanto para a
classe mdica como para uma sociedade. As doenas-metfora so aquelas cuja
enunciao nos remete a catstrofes e conseguem criar um consenso a respeito da
fonte dos males na sociedade. Em geral, so explicadas como parte das anomalias
e catstrofes sociais ligadas e frutos de transgresses individuais, provocando
autojulgamento e autopunio. Pelo fato de algumas delas, como o caso do
cncer, atingirem a todos os grupos sociais, independentemente do grupo social,
costumam vir associadas s ideias de desordem, de desvios morais e at a crena
na devassido do ser humano (MINAYO, 2007).
As doenas-metfora constituem fenmenos privilegiados para
questionamento da precariedade da organizao social, pois rene a ameaa de
morte da humanidade, anunciando sua decadncia e perpetuando a permanncia
simblica ou real da infelicidade e chamam a ateno para os comportamentos
considerados recriminveis, vetores do mal de hoje e sempre. No caso do cncer e
da AIDS sua evocao como fenmeno social conservadora, pois apela para o
retorno a um passado sempre considerado mais saudvel (MINAYO, 2007).
Segundo Pelaez Dro et al. (2004), observa-se, na populao, a proliferao
de representaes sobre o cncer, socialmente construdas e frequentemente
associadas ideia de morte. A cura, quando alcanada, relacionada a um grande
sofrimento fsico e psicolgico onde o tratamento em busca da cura torna-se mais
sofrido e doloroso do que a prpria doena (SOTANG, 2002). A doena e seu
tratamento provocam um impacto que acaba por desestruturar o universo familiar
uma vez que assistir um ente querido ameaado e exposto a tratamentos
agressivos, dor e dependncia provoca uma srie de sentimentos controversos.
Quando a famlia encontra apoio dos profissionais, ela sente-se mais preparada para
lidar com a situao e se preparar para o futuro, ajudando o familiar doente a se
recuperar, quando possvel ou a encontrar conforto quando o inevitvel acontece
24
(WALDOW, 2004).
O cncer ainda traz, para pacientes e familiares, o pensamento de morte e
finitude. Vrios so os sentimentos vivenciados frente a ele, como a dor, o
sofrimento e o medo da prpria morte. Simultaneamente, sentimentos de susto, de
negao, de desespero e de tristeza tambm esto presentes, transformando a vida
das pessoas envolvidas em um turbilho emocional de difcil controle (OLIVEIRA;
GOMES, 2008).
Observa-se que o paciente em tratamento de quimioterapia antineoplsica
constri um sentido para sua experincia de viver a quimioterapia, que foi
interpretado como a perda do controle da prpria vida. Experincia marcada por
sentimentos de sofrimento e luta pela sobrevivncia devido aos efeitos causados
pelas drogas em seu corpo, o torna impotente diante da vida e do papel, em
algumas situaes, de provedor do lar (ANJOS; ZAGO, 2006).
Cada sociedade tem um grupo de doenas que poderiam ser chamadas de
doenas-metfora. So enfermidades que, a partir do imaginrio social, perpetuam
na coletividade a ideia de perenidade do mal e de limites do ser humano diante da
ameaa de morte. So doenas que por criarem um clima de medo, de catstrofe e
de desordem na vida das pessoas, tendem a ser usadas ideologicamente e
politicamente como meios de recompor a harmonia social. Alm de seu carter de
sofrimento e de infelicidade, elas so consideradas socialmente como mitos, por
meio das quais as pessoas expressam sua coero e coeso em torno da
organizao social (MINAYO, 2007).
Esse significado confirma que a experincia do cncer e seu tratamento
envolvem uma dimenso que vai alm das reaes de nuseas e vmitos e que
nem sempre valorizado pelos profissionais de sade, entre eles, o enfermeiro.
Assim, as prioridades do tratamento no devem recair apenas no manejo da doena,
mas se estender ao ambiente construdo ao redor do cliente bem como de seus
familiares (ANJOS; ZAGO, 2006).
.
25
1.2 A Famlia como ncleo social
Nos dias atuais, apresenta-se como crescente o interesse das diversas reas
do conhecimento pelo estudo sobre a famlia, na busca de compreender esse grupo
humano na sociedade. A famlia uma unidade social bastante complexa e a
diversidade dos aspectos que a envolvem nos faz reconhecer que conhecemos
somente parte da sua realidade (ALTHORF, 2004). A filosofia da abordagem do
cuidado centrado na famlia existe no sistema de sade brasileiro atravs do
Programa de Sade da Famlia (PSF), no entanto, sua concretizao mostra-se
frgil e, ainda, incipiente. No entanto, as famlias esto inseridas no processo de
cuidar da sade de um indivduo hospitalizado e, dessa forma, esto interagindo,
interpretando, atribuindo significado e atuando frente situao vivenciada
(SILVEIRA; NGELO, 2006). A abordagem do cuidado focalizado na famlia enfatiza
o papel integral e fundamental que desempenhado pelos membros da famlia na
sade e no bem-estar do indivduo doente como parte integrante desse grupo social.
Diferentes autores tm feito meno ao cuidado que prestado pela famlia,
sendo que Elsen (2004) destaca Kleinman como um dos mais citados ao afirmar que
a famlia constituda por um sistema cultural de cuidado sade, que diferente e,
ao mesmo tempo, complementar ao do profissional, e Leininger que, em sua teoria
da diversidade e universalidade do cuidado humano, identifica o cuidado da famlia
como parte integrante do cuidado popular.
Para Muniz, Zago e Schwartz (2009), o foco de ateno saiu dos profissionais
de sade para os pacientes e familiares com o conceito de sobrevivncia. Este
conceito passou a ser um paradigma que est possibilitando a elaborao de novas
polticas de sade para os sobreviventes. Isto est se tornando possvel devido a
novas abordagens investigativas que observam o contexto sociocultural onde o
paciente oncolgico est inserido.
Diante do exposto, possvel perceber que os estudos voltados para o
entendimento das famlias tm contribudo de forma significativa para a
compreenso das respostas da famlia em situaes de doena, para o
entendimento de como as relaes de sade so processadas e vivenciadas e tm
identificado uma srie de intervenes consideradas efetivas (SILVEIRA; NGELO,
2006). A literatura de enfermagem tambm vem fazendo referncia ao papel da
26
famlia como unidade de cuidados em situaes de sade e doena. Neste sentido,
encontramos o conceito de famlia como unidades de cuidado de seus membros,
cabendo aos profissionais de sade apoi-la, fortalec-la e orient-la quando a
mesma encontrar-se necessitada e fragilizada (ELSEN, 2004).
Quando se dirige o olhar para as famlias, percebe-se que cada uma delas
busca construir um modo de viver prprio e que, embora cada famlia seja nica
neste processo, ela faz parte de uma estrutura dinmica e contnua de interao
com o meio que a cerca (ALTHORF, 2004).
A famlia a principal instituio social em que o indivduo inicia suas
relaes afetivas, cria vnculos e adquire valores. Essa relao funciona como uma
rede interligada por seus membros, como se um ser fosse extenso do outro
(ARAJO; NASCIMENTO, 2004). em seu interior que o indivduo desenvolve a
capacidade de amar e ser amado sentir-se til, amparado, valorizado e exerce
direito e deveres na busca de ser cidado (RODRIGUES; GUEDES SOBRINHO;
SILVA, 2000).
constituda pela comunho do ser com o outro, em que as premissas
bsicas da relao entre seus componentes so o afeto, a lealdade e a
responsabilidade com o outro, o que a torna uma relao social dinmica, permeada
por crenas, valores e normas da sua tradio sociocultural e pelo seu momento
histrico (MOTTA, 2002 apud ELSEN, 2009). Dessa forma, o ser humano constri-
se na relao com o outro e com o mundo, desvelando os significados da dimenso
existencial, ao longo do processo evolutivo, do nascimento morte. No viver
cotidiano, so revelados os sentimentos, percepes, aes, possibilidades e
vulnerabilidades do ser, que reflete sobre si, sobre o outro e sobre a existncia,
compreendendo-se a si e ao mundo, enfrentando a vida de forma autntica,
crescendo e ajudando os demais a crescerem (MOTTA, 2002 apud ELSEN, 2009).
De acordo com Osrio (1996), a famlia exerce importante funo na formao
do indivduo e torna-se o principal estmulo integrao do ser humano consigo
mesmo e com a sociedade, permitindo-lhe atuar com equilbrio e desenvolver
mecanismos de adaptao e enfrentamento perante eventuais adversidades que
lhes sejam impostas. Uma das funes psquicas da famlia servir de continente
para as ansiedades existenciais do ser humano durante seu processo evolutivo.
Para Helman (1994), a famlia enquanto unidade primria do cuidado
funciona como um espao social em que seus membros interagem, trocam
27
informaes e, ao identificarem problemas de sade, apoiam-se mutuamente e no
medem esforos na busca de solues. A famlia funciona, em muitos momentos,
dividindo as crises provenientes dos eventos que acontecem no desenrolar dos
acontecimentos, o que torna esse momento de conflito uma fonte de apoio aos seus
membros, mantendo sempre sentimentos como a compreenso e o respeito e
valorizando, preservando e fortalecendo a unio familiar. Tudo isso nos faz
compreender que a doena envolve no s o doente, mas todo o grupo familiar
(BIELEMANN, 2003).
Diante dessas assertivas, fica evidente que a experincia de adoecimento em
seu interior torna-se um momento muito difcil, tanto para o doente quanto para o
grupo familiar, principalmente quando a causa o cncer. Portanto, na busca de
manter-se saudvel, a famlia age, reage e interage internamente com o meio social
em que convive, buscando, dessa forma, ajudar e apoiar o seu familiar doente
(BIELEMANN, 2003).
Essas concepes enquadram-se na perspectiva sistmica e interacionista de
famlia que afirma que toda e qualquer vivncia interfere e altera o funcionamento da
mesma, que busca sempre uma forma de reestruturao e rearranjo para continuar
buscando seus ideais, sejam eles novos ou antigos. Dessa forma, a famlia possui a
capacidade de adaptao para manter e perpetuar o seu contnuo movimento de
almejar o bem viver de todos (WERNET; ANGELO, 2003).
A famlia reconhecida como a maior prestadora de cuidados a seus
membros no caso de uma doena, identifica sinais e queixas de mal-estar ou dor,
busca recursos, auxilia no tratamento, ocupa um papel importante na busca da
melhor qualidade de vida. Porm, a capacidade da famlia de cuidar de seus
membros pode estar comprometida, diminuda ou ausente em determinadas
situaes ou fases de sua trajetria (BARROS, 2004).
Conviver com doena grave de um de seus membros pode afetar o cuidado
com os demais. A unidade psicolgica da famlia continuamente moldada por
condies externas e por sua prpria organizao interna. Sob condies favorveis,
as emoes positivas, a lealdade e a harmonia familiar so mantidas. Caso
contrrio, sob condies antagnicas, crises conflitantes, o antagonismo e o dio
mtuo ameaam a integridade familiar (BARROS, 2004).
Manter a integridade do relacionamento familiar essencial no processo de
recuperao e de adaptao fsica, emocional e social da pessoa que vivencia uma
28
doena debilitante como o cncer. O relacionamento adaptativo torna-se uma forma
de reconhecimento de valores, atitudes saudveis com o outro, respeito humano e
segurana e envolvimento com os sentimentos, relacionando-os com todos os
membros da famlia (MELO; FERNANDES, 2005). Nesta perspectiva, cuidar da
famlia envolve a conscincia de que os indivduos que a compem esto unidos por
laos relacionais que mantm o sistema familial funcionando em busca de suas
metas (WERNET; ANGELO, 2003).
A enfermeira consegue cuidar desses indivduos quando for capaz de
perceber que por meio da interao entre seus membros que ocorre a busca do
equilbrio e a realizao de seus ideais. s vezes, a famlia depara-se com
dificuldades que interferem em sua capacidade para encontrar respostas.
normalmente nesse momento que passa a expressar suas necessidades, que
precisa ser ouvida e ser cuidada por algum (WERNET; ANGELO, 2003).
De acordo com Elsen (2004), o cuidado familial concretiza-se nas aes e nas
interaes presentes na vida de cada grupo familiar e direcionada a cada um de
seus membros, objetivando o seu crescimento, desenvolvimento, sade, bem-estar,
realizao pessoal, insero e contribuio social. Para isso, a presena
fundamental para que o ser humano possa crescer, desenvolver e realizar-se
integralmente. Porm, sabido que h situaes ao longo da trajetria da vida em
que ela se torna fundamental, como, por exemplo, nos primeiros anos de vida da
criana, nas situaes de doenas e em pocas dos diferentes tipos de crise.
Esse cuidado como promoo da vida e do bem-estar objetiva impulsionar,
potencializar e qualificar a vida de cada um dos membros da famlia, assim como a
do prprio grupo familiar. Ele se realiza ao proporcionar e favorecer o
desenvolvimento das potencialidades individuais e grupais atravs da criao de um
ambiente fsico e simblico favorvel s trocas e ao crescimento pessoal e grupal
(ELSEN, 2004). A compreenso desse cuidado certamente proporciona aos
profissionais de sade elementos significativos para a reflexo e para o seu agir
profissional, uma vez que, ao longo do processo de viver, a famlia pode encontrar-
se fragilizada e, como consequncia, ter sua capacidade de cuidar diminuda ou
ausente. Quais os sinais e quadros a serem investigados e quais as possibilidades
do profissional de sade para ajudar no fortalecimento do grupo familiar? (ELSEN,
2004).
No passado, acreditava-se que os membros de uma famlia ao enfrentar uma
29
doena ameaadora como o cncer, no ficariam estressados como o paciente em
que fora diagnosticada a doena. Portanto, a crena bsica era de que aquela
famlia no sofreria mudanas substanciais, quando, na verdade esses efeitos so
muito mais disseminados entre seus membros do que se pensa (RODRIGUES;
GUEDES SOBRINHO; SILVA, 2000).
Com frequncia, os profissionais de sade no so preparados para lidar com
a psique do outro e com os problemas de famlia. Muitas vezes, os profissionais de
sade recusam-se a ouvir o outro porque escut-lo significa dividir com ele
problemas existenciais, que ele prprio talvez ainda no tenha conseguido resolver.
Para no se envolver com a ansiedade dos problemas existenciais trazidos pela fala
do outro, com os quais ele tambm se identifique, toma uma atitude de afastamento.
Essa distncia gera uma frieza que perversa ao outro, seja ele cliente ou familiar, e
que tambm no contribui para resolver o problema pessoal daquele profissional
(RODRIGUES; GUEDES SOBRINHO; SILVA, 2000).
Torna-se necessrio pensar em um acompanhamento do cliente e de seus
familiares alm dos limites do hospital. Deve-se preocupar em saber como a vida
do paciente em mbito familiar, na comunidade, na escola. Tudo isso faz parte do
cuidado integral que a ser oferecido, abrangendo no somente os aspectos
referentes doena, mas tambm as percepes que o prprio doente tem acerca
de sua condio atual, independente do local em que esteja inserido (ROSSARI,
2008).
Conhecer as percepes do doente sobre a experincia da facticidade
existencial de estar com cncer pode permitir famlia e aos profissionais de sade
um aprofundamento no que tange ao cuidado integral desse indivduo e uma
interveno mais efetiva, visando melhoria da qualidade de vida desses indivduos
(ROSSARI, 2008).
A enfermagem uma profisso que est muito prxima da famlia em
diferentes momentos da vida humana. Do nascimento morte, no processo sade-
doena, nas instituies sociais e no domiclio, o enfermeiro est presente onde a
famlia se encontra, atravs de suas aes de cuidado. Compreender os significados
que as famlias formam atravs das interaes entre seus membros possibilita um
melhor entendimento das famlias, de como elas vivem e convivem e indica
caminhos para a atuao da enfermagem como cuidadora da famlia. Ampliar essa
perspectiva constitui um enriquecimento do conhecimento e um encontro de um
30
novo modo de olhar a famlia (ALTHORF, 2004).
Por estar junto do paciente durante todo o perodo da doena, a famlia
merece a ateno dos profissionais de sade. Os enfermeiros devem sempre
incentivar a participao da famlia no tratamento e orientar sobre a necessidade de
um ambiente harmnico e tranquilo para o paciente em todas as fases do processo
de adoecimento (CRESPO; LOURENCO, 2007). A famlia deve estar sempre bem
informada sobre o diagnstico, o tratamento e o prognstico. Para que os familiares
sintam-se mais seguros, devem ser orientados quantos s rotinas e o que podem ou
no fazer pelo paciente (CRESPO; LOURENCO, 2007).
importante que o enfermeiro desenvolva estratgias de ateno, enfocando
o cuidado junto famlia, contribuindo para o cuidado individual de cada um.
Visando a prestao de uma assistncia de qualidade em oncologia torna-se
necessrio que o enfermeiro enfatize a famlia como foco relevante no cuidado, visto
que, no momento de uma doena potencialmente fatal como o cncer, esta tambm
fica afetada em sua integridade, podendo interferir nas respostas de adaptao do
cliente ao tratamento e em sua forma de enfrentamento da doena (NASCIMENTO
et al., 2005).
Assim, estudar a dinmica das famlias que enfrentam o adoecimento de um
de seus membros, o impacto causado pela situao no grupo familiar e as
estratgias utilizadas neste processo podem constituir-se em importante fonte para a
compreenso do vivido e, a partir disso, efetivamente incluir a famlia como sujeito
das aes de cuidados (BERVIAN; PERLINI, 2006). Dessa forma, deve-se orientar
para um cuidar holstico que considere o indivduo no somente em suas dimenses
fsicas, mas tambm em suas inseres na famlia, na sociedade e na comunidade.
A famlia importante em qualquer etapa do processo sade-doena e ela precisa
de apoio para cuidar de um familiar que necessite de maior ateno. Para tanto, faz-
se necessrio que o enfermeiro compreenda a estrutura familiar, a fim de planejar
sua assistncia (ROSSARI, 2008).
Assim, a famlia costuma ter significaes de sade e de doena, bem como
prticas prprias de cuidar, originadas de seu contexto sociocultural. O enfermeiro
s poder desenvolver aes efetivas se interagir com a conscincia de que a sua
cultura profissional e pessoal poder ser diferente daquela dos indivduos e famlias
com quem est atuando e isto, por sua vez, s ser possvel com o conhecimento
da cultura do outro (ROSSARI, 2008).
31
Durante o processo de adoecimento, tanto a famlia quanto o doente
enfrentam problemas como longos perodos de hospitalizao, reinternaes
frequentes, teraputica agressiva causando vrios efeitos indesejveis advindos do
prprio tratamento, dificuldades pela separao entre os membros da famlia
durantes as internaes prolongadas e repetidas, interrupes das atividades
dirias, limitaes na compreenso do diagnstico, desajuste financeiro, angstia,
dor, sofrimento e medo constante da possibilidade de finitude diante da vida
(NASCIMENTO et al., 2005).
O diagnstico de cncer expe as fragilidades das relaes familiares como
as dificuldades sociais, os desajustamentos, os lutos e outros elementos que podem
ser revelados pelo cncer ou intensificados por ele. So dvidas e preocupaes
exacerbadas por no haver uma explicao causal para a doena (SILVA, 2007).
O cncer uma doena da famlia inteira, uma vez que a doena muda a vida
de todos, modificando os hbitos de todos do grupo familiar. Podemos dizer que o
cncer , portanto, sistmico, metasttico (MICELI, KASTRUPQAL, 1989). A
famlia no sabe como lidar com sua impotncia, com suas raivas, seus medos, sua
incapacidade de cuidar. Nem o doente o sabe. Ele adoece. E porque ele adoece,
outro vai com ele ao hospital. Se ele no pode relacionar-se sexualmente, seu
parceiro tambm fica privado. Se ele se torna dependente, o outro fica escravizado
aos seus horrios e suas necessidades. Se ele adoece, adoece o outro. Mas o
doente ele e no o outro (MICELI; KASTRUP, 1989).
Aps o choque inicial, o tumulto de sentimentos e a urgncia imediata de
busca por informaes sobre o cncer, a preocupao do doente e seus familiares
se concentram nas condies atuais da doena, do tratamento e no planejamento
prtico do cotidiano. Ao lado do desgaste emocional, da incompreenso de ser
atingida por tal golpe, da ameaa de morte que paira sobre seu ente querido, a
famlia tambm precisa resolver questes de ordem prtica como a organizao do
ambiente domstico, com quem deixar os filhos durante o tratamento, quem vai
prover o sustento da famlia; como levar o doente para a realizao do tratamento,
que muitas vezes dirio; como comprar os medicamentos; como resolver as
ausncias no emprego; as dificuldades de concentrao no trabalho, entre algumas
questes que necessitam de rpida soluo para que a energia do grupo familiar
possa se concentrar no apoio ao indivduo doente (SILVA, 2007).
32
1.3 O tratamento quimioterpico e o processo de adoecer de cncer
A era da quimioterapia contempornea foi inaugurada a partir de observaes
coletadas durante as duas Grandes Guerras Mundiais. Em 1919, Krumbhaar
observou a associao entre a exposio de soldados ao gs mostarda durante a I
Guerra Mundial e o desenvolvimento de aplasia de medula ssea. Associado a este
fato, o ataque de Pearl Harbor, durante a II Grande Guerra Mundial, levou a
populao da regio exposio ao gs mostarda causando hipoplasia medular e
linfide. Ao mesmo tempo, os agentes alquilantes, como o referido gs mostarda,
foram utilizados pela primeira vez em neoplasia hematolgica pelo Yale-New Haven
Medial Center em 1943 com observao de regresso dramtica dos linfomas
avanados no incio da teraputica, porm os resultados s foram publicados em
1946 devido natureza secreta do gs mostarda (ANELLI, 2004).
Houve um grande desenvolvimento da quimioterapia antineoplsica a partir
da segunda metade deste sculo. Neste contexto, o isolamento e o desenvolvimento
de agentes quimioterpico efetivos associados ao sucesso da quimioterapia
combinada foram fundamentais para que a oncologia clnica pudesse tornar as
neoplasias malignas potencialmente curveis (ANELLI, 2004). A quimioterapia
antineoplsica uma modalidade de tratamento sistmico do cncer que utiliza
agentes qumicos, isolados ou em combinao, com o objetivo de tratar tumores
malignos. uma modalidade de tratamento da doena que contrasta com a cirurgia
e a radioterapia, mais antigas e de atuao localizada. A abordagem sistmica do
tratamento tornou possvel a cura de leucemias e linfomas, alm de permitir o
tratamento precoce de micro metstases (BONASSA; SANTANA, 2005).
Os quimioterpicos, tambm denominados citostticos, agem diretamente na
clula, atuando nas diversas fases do ciclo celular. Devido a essa caracterstica
importante que seja utilizada a poliquimioterapia, na qual mais de dois tipos de
medicamentos de classificaes farmacolgicas diferentes so aplicados, buscando-
se um efeito mais abrangente sobre as clulas tumorais. Neste caso, importante a
associao de drogas com diferentes toxicidades que permitam aumentar o efeito
antitumoral sem elevar a toxicidade (BRASIL, 2002). A estratgia de administrao
dos quimioterpicos antineoplsicos consiste em utiliz-los ciclicamente a intervalos
suficientemente longos com o objetivo de permitir uma boa recuperao medular,
33
mas no o suficiente para permitir a recuperao tumoral entre os ciclos de
quimioterapia (BRASIL, 2002).
Os agentes citostticos vo atuar tanto em clulas normais quanto nas
cancergenas; seus efeitos agem principalmente naquelas que possuem maior
capacidade de proliferao, como as mais jovens e, consequentemente, mais
indiferenciadas. Portanto, as clulas normais da medula ssea, mucosas do tubo
digestivo, folculos pilosos, mucosa vesical e gnodas so as mais sensveis aos
efeitos dos quimioterpicos antineoplsicos. Isso explica os feitos txicos que so
atribudos a esses agentes, como a leucopenia, estomatite, mucosite, nuseas,
vmitos, diarreia, alopcia e oligospermia, entre outros (ALMEIDA, 2005).
Em relao aos efeitos desejados dos quimioterpicos sobre as clulas
cancergenas, as neoplasias constitudas por um predomnio de clulas mais jovens,
mais indiferenciadas e nas pequenas populaes tumorais com maior frao de
crescimento proliferativo, quando expostas aos efeitos dos medicamentos, sero as
mais atingidas e sensveis ao mesmo (ALMEIDA, 2005). Assim, medida que o
tumor cresce, ocorre uma competio entre as clulas em busca de nutrientes,
oxignio e espao, fazendo com que o nmero de clulas ativas diminua. As clulas
que esto se reproduzindo ativamente so as mais sensveis ao dos
quimioterpicos. Por isso, um dos princpios do tratamento reduzir o tamanho do
tumor fazendo com que sua velocidade de crescimento aumente e as clulas se
tornem mais suscetveis quimioterapia em decorrncia de sua funo de diviso
celular aumentada (BRASIL, 2002).
O enfermeiro especialista em oncologia fundamental no tratamento, pois o
cliente com cncer necessita, a todo o momento, de cuidados de enfermagem
especializada na administrao dos quimioterpicos, manejo dos efeitos colaterais,
tais como vmitos, desidratao, infeces, convulses e febre, por exemplo, como
tambm a famlia necessita de apoio do profissional para que tambm colabore
(CAMARGO; LOPES; NOVAES, 2000).
Os maiores problemas acompanham a administrao das drogas vesicantes e
irritantes. Quimioterpicos vesicantes provocam irritao severa com formao de
vesculas e destruio tecidual quando infiltrados fora do vaso; j os irritantes
causam irritao cutnea menos intensa quando extravasados, porm podem
ocasionar dor e reao inflamatria no local da puno e ao longo do trajeto venoso
(BONASSA; SANTANA, 2005).
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Assim, administrao das drogas quimioterpicas de inteira
responsabilidade do enfermeiro, tanto as vesicantes, quanto as irritantes. O
enfermeiro no deve autorizar a administrao de drogas vesicantes por punes
perifricas, pois os riscos de extravasamento esto potencialmente presentes e so
muito agressivos. J as drogas irritantes, requerem cuidados locais mais simples,
embora tambm exijam ateno e devam ser administradas com a devida cautela e
superviso constantes (FONTES; QUARTERONE, 2000).
Ao passar pela experincia da teraputica quimioterpica, o doente convive
com o incmodo gerado por seus efeitos indesejveis tornando, dessa forma, a
quimioterapia mais amedrontadora do que o prprio cncer. O enfraquecimento, as
limitaes na execuo das atividades dirias, o comprometimento do ritmo de sono
e de apetite, a deteriorao da imagem, so alguns exemplos que acabam por
desestimular o paciente a participar de forma efetiva de seu tratamento (JESUS;
GONCALVES, 2006).
No que se refere modificao da autoimagem, desencadeada pela
quimioterapia, a alopcia sentida de forma mais intensa pela pessoa do sexo
feminino, sendo encarada como algo terrvel, pois a desfigurao exterior causada
pela perda dos cabelos uma evidncia tanto para o doente quanto para quem o
observa. Assim, sujeitar-se quimioterapia vivenciar a ameaa integralidade de
seu corpo fsico, pois essa conduta teraputica extremamente invasiva, ocasiona
danos e impe limites na vida tanto do doente quanto de seus familiares (JESUS;
GONCALVES, 2006).
A quimioterapia est associada a efeitos colaterais fsicos, como nuseas,
vmitos, anorexia, constipao, diarreia, mucosite e fadiga. Como o diagnstico de
cncer tem significativo impacto social, o acrscimo dos efeitos colaterais da
quimioterapia pode levar o paciente a sentir-se impotente para reagir e lutar pela
sobrevivncia (ANJOS; ZAGO, 2006).
Alm disso, o ataque indiscriminado promovido pelas drogas antineoplsicas
s clulas normais e cancerosas produz efeitos colaterais indesejveis que so
conhecidos e extremamente temidos pelos indivduos que precisam se submeter a
esse tipo de tratamento (BONASSA; SANTANA, 2005). A partir do momento em que
os sintomas ocasionados pelos agentes antineoplsicos se intensificam, o doente
passa a questionar sobre sua vida uma vez que, o seu corpo, e no propriamente as
nuseas e vmitos, no lhe permite mais manter suas condies de trabalho e
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interfere diretamente em seus recursos financeiros e em sua relao com a famlia
(ANJOS; ZAGO, 2006).
A quimioterapia promove uma srie de transformaes na vida do indivduo,
muda seu corpo, altera seu estado emocional e sua rotina, fazendo com que o
indivduo passe a ser dominado por sentimentos de tristeza, de medo, de
nervosismo, de depresso e de angstia. Apesar de todos os efeitos adversos
provenientes do tratamento quimioterpico, essa teraputica ainda encarada como
uma fonte de vida pelos pacientes e seus familiares (JESUS; GONCALVES, 2006).
A quimioterapia tida pelo doente como algo que aprisiona e modifica seu
estilo de vida. A rgida rotina estabelecida pelo tratamento, somada s sequelas que
determinam limitaes e perdas, faz emergir sentimentos de inutilidade e de
descontentamento. Dessa maneira, um novo e difcil mundo se abre para o paciente
e seu familiar, que se v obrigado a desvincular-se dos espaos e hbitos que
constituem sua vida (JESUS; GONCALVES, 2006).
Tudo isso, nos faz compreender que o paciente passa a construir um sentido
para a sua experincia de viver a quimioterapia, interpretada por eles como a perda
do controle da prpria vida. uma experincia marcada por sentimentos
ambivalentes de sofrimento e de luta pela sobrevivncia, devido s respostas de seu
corpo s drogas, que os impede de cumprir seus papis de provedor de recursos
financeiros necessrios para o sustento da famlia (ANJOS; ZAGO, 2006).
Os profissionais de sade devem conhecer tudo isso, procurando buscar
sempre, como fonte de conhecimento, o prprio doente de cncer e que se submete
ao tratamento quimioterpico. necessrio que os profissionais de sade procurem
entender esse fenmeno sob a tica de quem o vive, para que dessa maneira se
possa ajud-lo a conviver e a buscar novos modos de bem-viver, mesmo diante
dessa condio, a fim de prestar uma assistncia singular e de qualidade (JESUS;
GONCALVES, 2006).
Entretanto, o cncer ainda possui um estigma, soando como uma sentena
de morte, como uma maldio to temida que at mesmo o pronunciamento da
palavra que nomeia aquela doena, aquilo, cuidadosamente evitado. O cncer
no um, muitos. E muitos porque pode ter vrias causas, vrios culpados. Isso
so metforas, uma vez que o cncer , ainda, um enigma e, como tal, se presta a
produzi-las. E para cada metfora sempre haver uma linguagem particular (MICELI,
KASTRUP, 1989).
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So comuns os tabus, as ideias preconcebidas e os temores que desesperam
os pacientes e acabam por afast-los da possibilidade de cura. necessrio que o
enfermeiro atue como multiplicador de informaes correta a respeito do tratamento,
desfazendo dvidas, tabus, temores e preconceitos enraizados entre os pacientes e
a populao geral (BONASSA; SANTANA, 2005).
O fato de estar doente no pejorativo ou execrvel, mas o fato de estar
com cncer que causa o transtorno na vida das pessoas. Enquanto uma doena for
tratada como uma maldio e considerada como um destruidor invencvel e no
simplesmente como uma doena a ser tratada, os pacientes com cncer se sentiro
duramente discriminados ao saber de que enfermidade so portadores. A soluo
para tal fato, no est em sonegar a verdade ao doente e a seus familiares, mas em
retificar a concepo da doena e seu tratamento, em desmistific-los (SONTAG,
1984).
O cncer cada vez mais conceituado como uma doena crnica que traz
problemas e demandas especficas para o paciente e seus familiares. sabido que
as doenas emocionais ocorrem com maior frequncia em pacientes com cncer e
em seus familiares do que na populao em geral, fazendo com que tal fato chame a
ateno para estudos sobre as consequncias do cncer na vida do paciente e de
sua famlia e tambm sobre as equipes multiprofissionais envolvidas no cuidado a
essa clientela (PENNA, 2004).
Ainda encontramos profissionais que mentem aos seus pacientes sobre a
doena. Esse mundo de mentiras aos doentes de cncer uma medida de como
tem sido penoso, em sociedades industriais avanadas, chegar a um acordo com a
morte. A morte um acontecimento agressivamente sem sentido, de modo que uma
doena considerada como sinnimo de morte tida como algo que se deve
esconder. Mentem-se aos pacientes com cncer e aos seus familiares no s
porque a doena tida como uma sentena de morte, mas porque considerada
obscena, no sentido original da palavra: de mau pressgio, abominvel e repugnante
aos sentidos (SONTAG, 1984).
A prpria sexualidade, to importante quando falamos de uma doena que
frequentemente esteriliza, castra, mutila, vai ter registros diversos de acordo com
cada caso. So comuns as preocupaes econmicas e a discriminao de ordens
diversas como a social e a trabalhista so geradores de uma baixa na autoestima do
doente e de seus familiares. Tanto o doente quanto a famlia podem negar a doena
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em uma tentativa de defensiva de manuteno do equilbrio do sistema familiar.
Mesmo assim, as mudanas so inevitveis, quer seja em sua estrutura, quer seja
em sua organizao, sejam ela funcionais ou no, de primeira ou de segunda ordem
(MICELI; KASTRUP, 1989).
As fantasias inspiradas constituem um reflexo de uma concepo segundo a
qual a doena intratvel e caprichosa, ou seja, um mal que ainda no
compreendido numa era em que a premissa bsica da medicina a de que todas as
doenas podem ser curadas, tornando tal tipo de enfermidade misteriosa por
definio (SONTAG, 1984).
Enquanto no se compreende a causa do cncer e as prescries mdicas
mostram-se, muitas vezes, ineficazes, a doena pode ser considerada uma insidiosa
e implacvel ladra de vidas. O cncer no bate porta antes de entrar e ainda
desempenha um papel de enfermidade cruel e furtiva (SONTAG, 1984).
Sentimentos como medo, raiva, culpa, pena, solido, separao, rejeio,
abandono, impotncia