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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
MARIA ISABEL BORBA ALAMINI
A DISCURSIVIDADE E O PROJETO POLÍTICO
PEDAGÓGICO: UM OLHAR SOBRE O PPP DA REDE
MUNICIPAL DE CRICIÚMA (SC)
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade do
Extremo Sul Catarinense –
UNESC, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre
em Educação
Orientador: Prof. Dr. Gladir da
Silva Cabral
CRICIÚMA
2015
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
A318d Alamini, Maria Isabel Borba.
A discursividade e o projeto político pedagógico : um
olhar sobre o APP da rede municipal de Criciúma (SC) /
Maria Isabel Borba Alamini ; orientador: Gladir da Silva
Cabral. – Criciúma, SC : Ed. do Autor, 2016.
121 p. : il. ; 21 cm.
Dissertação (Mestrado) - Universidade do Extremo Sul
Catarinense, Programa de Pós-Graduação em Educação,
Criciúma, SC, 2016.
1. Projeto político pedagógico. 2. Escolas municipais –
Planejamento educacional. 3. Escolas municipais – Proposta
pedagógica. 4. Análise do discurso. 5. Educação –
Finalidades e objetivos. I. Título.
CDD. 22ª ed. 371.207
Bibliotecária Rosângela Westrupp – CRB 14º/364
Biblioteca Central Prof. Eurico Back - UNESC
Agradeço a todos que, de uma
maneira ou de outra, me
acompanharam nesse percurso e
me ajudaram a concretizar um
sonho.
O discurso não é simplesmente
aquilo que traduz as lutas ou os
sistemas de dominação, mas
aquilo porque, pelo que se luta, o
poder do qual nos queremos
apoderar.
Michel Foucault
RESUMO
Esta dissertação se propõe a analisar os discursos que circulam na
elaboração e implantação do Projeto Político Pedagógico (PPP) da Rede
Municipal da Cidade de Criciúma, Estado de Santa Catarina, a fim de
identificar as diferentes vozes que perpassam neste documento. Esta
análise é fundamentada nas teorias de autores como Bakhtin, Pêcheux e
Orlandi, apropriados pela Análise do Discurso (AD) da escola francesa.
Entendendo que a educação e o ambiente escolar são espaços
discursivos permeados de relações de poder, é objetivo desta pesquisa,
através da análise de segmentos textuais selecionados e extraídos do
PPP, interpretar os sentidos, inclusive políticos, que são atribuídos às
falas dos responsáveis pela elaboração e implantação desse projeto.
Analisar os discursos sobre educação, a partir da perspectiva da AD,
pode ajudar a compreender as políticas educacionais e partidárias,
historicamente entrecruzadas no cotidiano escolar. Não é de interesse
dessa dissertação legitimar ou julgar uma determinada política de
governo, nem apontar soluções para os problemas educacionais. Refletir
sobre educação, à luz da AD, vai ajudar a encontrar os sentidos, as
ideologias e a historicidade presentes indelevelmente nos discursos dos
sujeitos inscritos nesse cenário.
Palavras-chave: Educação. Plano Político Pedagógico. Análise de
Discurso. Discursos e Sentidos.
ABSTRACT
This dissertation aims at analyzing the Pedagogical Political Plan of
Criciúma (SC) municipal schools in order to identify the different voices
that echo in the pedagogical discourses. This analysis is based on the
theoretical ideas of Bakhtin, Pêcheux, and Orlandi, in connection with
the French school of Discourse Analysis. Focusing on textual segments
selected from the PPP, the discourses and voices in the document will be
identified and analyzed in order to explicit the meanings attributed to
State and school politics, teachers, and students. The analysis of the
pedagogical discourses from the perspective of Discourse Analysis can
help to better understand the forms of subjugation to the official norms
and laws, considering that into the PPP move regulation discourses and
operational actions. My interest in this dissertation is not legitimizing or
judging any specific governmental politics, nor proposing solutions to
educational problems. The Discourse Analysis on the contrary, focus on
the historicity of meanings and the opacity of language used by the
authors of the PPP.
Keywords: Education. Pedagogical Political Plan. Discourse Analysis.
Discourses and Meaning.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Símbolo de Criciúma/SC ..................................................... 71 Figura 2 – Mapa do Brasil e do Estado de Santa Catarina .................... 71 Figura 3 – Mapa e bandeira de Criciúma .............................................. 72 Figura 4 – Organograma do processo de Construção do PPP ............... 75 Figura 5 – Capa do PPP da Rede Municipal de Educação .................. 105
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AD Análise do Discurso
DP Discursos Pedagógicos
FD Formação Discursiva
FI Formação Ideológica
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LDB Lei de Diretrizes e Bases
MEC Ministério da Educação
ONGs Organizações Não Governamentais
PDE Plano de Desenvolvimento da Educação
PDE-Escola Plano de Desenvolvimento da Escola
PNE Plano Nacional de Educação
PPP Projeto Político Pedagógico
PROEJA Programa de Ensino de Jovens e Adultos
PT Partido Trabalhista
SC Santa Catarina
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................ 19 2 DA LÍNGUA AO DISCURSO: UM ITINERÁRIO
CONCEITUAL .................................................................................... 25 3 ANÁLISE DE DISCURSO: UMA NOVA DISCIPLINA ............. 31 4 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA ANÁLISE DO
DISCURSO .......................................................................................... 39 4.1 TEXTO E CORPUS ........................................................................ 47 4.2 DISPOSITIVOS E METODOLOGIA ............................................ 47 4.3 A ANÁLISE DO DISCURSO E A SUA TIPOLOGIA .................. 50 5 PLANO POLÍTICO PEDAGÓGICO: CONSTITUIÇÃO
DISCURSIVA E ORIGEM SOCIAL ................................................ 55 5.1 MOVIMENTOS EDUCACIONAIS E SEUS REFLEXOS NA
EDUCAÇÃO ......................................................................................... 55 5.2 A LDB E A PROPOSIÇÃO DA EXISTÊNCIA DO PLANO
POLÍTICO PEDAGÓGICO (PPP) ....................................................... 59 5.3 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: IMPOSIÇÃO OU
TRANSFORMAÇÃO SOCIAL? .......................................................... 64 6 A REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE CRICIÚMA/SC E O
PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO .......................................... 71 6.1 A CIDADE DE CRICIÚMA/SC ..................................................... 71 6.2 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICO
PEDAGÓGICO ..................................................................................... 73 6.3 ELABORAÇÃO DO PPP DA REDE MUNICIPAL DE
CRICIÚMA/SC ..................................................................................... 74 6.4 ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO DO PPP....................... 76 7 ANÁLISE DE DADOS – RECORTES DE TEXTOS
EXTRAÍDOS DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO ........... 79 7.1 A VOZ DO PREFEITO .................................................................. 80 7.2 A VOZ DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO ............................... 85 7.3 A VOZ DO ASSESSOR ................................................................. 90 7.4 AS RAZÕES PARA A CONSTRUÇÃO DO PPP ....................... 100 7.5 A COMUNICAÇÃO DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO – COR
E SLOGAN .......................................................................................... 103 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................ 111 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................ 113
19
1 INTRODUÇÃO
A Educação é responsável pela formação humana dos indivíduos,
pela construção do conhecimento, pela propagação da cultura de um
povo, pela sobrevivência da sociedade, como também pela socialização
dos indivíduos. Historicamente, por meio dela se espera promover a
ascensão e a inclusão social de todos os cidadãos. A educação é vista
como um dos mais importantes setores para o desenvolvimento de uma
nação e está vinculada à qualidade de vida e possibilidade de acesso ao
mercado de trabalho. No Brasil, discutida, analisada e reinventada em
diversos períodos, passou por uma série de reformas que estão ligadas a
plataformas políticas que estabelecem a educação como índice e
dispositivo de desenvolvimento social, meio de divulgação de projetos
políticos e até mesmo de propaganda eleitoral.
Sendo uma área fundamental para a sociedade, a educação e a
escola têm sido objetos de estudo nas mais diversas áreas do
conhecimento, vistas de perspectivas diferentes, em uma busca
incessante de se encontrar caminhos para entendê-la ou transformá-la.
Os governos federal, estadual e municipal, por meio de leis e decretos,
procuram estabelecer procedimentos unificados e básicos na busca da
melhoria da educação nacional, com foco, ora no aluno, ora no
professor.
Nesse cenário, sendo a escola um local onde a diversidade é uma
constante, onde imperam as relações hierárquicas, a disciplina, a
autoridade, encontra-se um campo fecundo para o aparecimento dos
mais diversos discursos, com os mais diversos sentidos. Os Projetos
Políticos Pedagógicos (PPP) são espaços discursivos, dentro da escola,
que têm nos seus pressupostos mais importantes a autonomia e a
participação de todos os envolvidos no processo da educação.
Foi pensando nesse espaço que foi produzida esta dissertação
intitulada “A discursividade e o Projeto Político Pedagógico - um olhar
sobre o PPP da Rede Municipal de Criciúma (SC)”. As questões que se
pretende discutir aqui estão ligadas às seguintes problematizações: que
discursos circulam nos documentos oficiais da Secretaria da Educação
da cidade de Criciúma (SC)? Que procedimentos e estratégias
discursivas esses textos adotam? Para encontrar as respostas, este
trabalho tem como objetivo analisar e interpretar os discursos
pertinentes à educação pública municipal, partindo das vozes dos
responsáveis pela elaboração e implantação do Projeto Político
Pedagógico da Rede Municipal de Criciúma (SC), em 2004.
20
Levando-se em consideração a necessidade de encontrar
caminhos na busca dessas respostas, esta pesquisa tem como objetivos
específicos:
Identificar os diferentes significados da linguagem, na visão de
diversos autores, entendendo o discurso além da abordagem
linguística;
Identificar e conceituar os elementos constitutivos do discurso,
que compõem a teoria da Análise do Discurso;
Entender a construção dos Projetos Políticos Pedagógicos,
segundo a LDB;
Conhecer a construção constitucional do PPP da Rede
Municipal de Criciúma (SC), de 2004
Recortar fragmentos de textos, extraídos do PPP, que podem
dar pistas, que possibilitem analisar e entender o funcionamento
do discurso no PPP;
Analisar os recortes de textos seguindo os conceitos da AD para
entender a construção discursiva do PPP;
Analisar, por meio da AD, o papel político implícito no discurso
do PPP.
Para uma melhor compreensão, é importante entender o papel e a
posição dos PPPs dentro do ambiente educacional. Conforme orientação
do Governo Federal, com base na Lei de Diretrizes e Base (LDB), nº
9.394, o Projeto Político Pedagógico deve ser elaborado em um trabalho
conjunto envolvendo a coletividade, docentes e discentes. Nessa
perspectiva, o PPP propõe a reflexão e a discussão crítica sobre os
problemas da sociedade e da educação, com a intenção de encontrar
alternativas que possam intervir na realidade. Dessa forma, ao se colocar
como espaço de construção coletiva, esse documento deve direcionar
sua constituição para consolidar e cumprir o seu papel na socialização
do conhecimento, definindo qual o eixo e a finalidade da produção do
trabalho escolar. Assim, o PPP abriga uma formação discursiva que
estabelece a responsabilidade da própria instituição escolar e de todos os
envolvidos no processo educativo.
Sendo historicamente um ambiente de tensões e de disputas, a
escola abre espaço para uma multiplicidade de discursos que podem ser
analisados, no caso desta dissertação, à luz da teoria da Análise do
Discurso (AD) da linha francesa. O que se pretende investigar aqui é a
construção discursiva presente no PPP da Rede Municipal de Educação
de Criciúma (SC), com o propósito de compreender o funcionamento
21
desses discursos. Dessa forma, o PPP passa a ser o corpus dessa
pesquisa.
Sendo assim, a Análise do Discurso, que nas palavras de Orlandi
(1994, p. 55), "tem seu ponto de apoio na reflexão que produz sobre o
sujeito e o sentido, um relativamente ao outro, já que considera que, ao
significar, o sujeito se significa", se apresenta como uma das
possibilidades de compreender o fenômeno da linguagem e as variadas
funções e movimentos do discurso. Uma vez que, para a AD, a
interpretação é um dos aspectos mais importantes da análise, a pergunta
crucial na sua essência é: o que o texto significa? Outro ponto
fundamental na Análise de Discurso é a noção de que todo texto sempre
fala muito mais do que aparenta ou gostaria de falar, pois a superfície
discursiva vem carregada de material produzido pelo inconsciente do
sujeito falante.
Não é interesse desta pesquisa analisar a linguagem como um
sistema de códigos e regras, mas sim pensar na linguagem como um
fenômeno social de interação verbal, carregado de interpretações
desencontradas, de incompletude, de ideologias e de história. Pela
análise do discurso, percebe-se que é impossível nos separarmos dos
equívocos e da opacidade da linguagem. Orlandi declara que não há
neutralidade nos mais simples dos signos usados no cotidiano, que não
há imparcialidade nas relações e que a entrada no simbólico é
irremediável e permanente, porque estamos comprometidos com as
ideologias, os sentidos e o político (ORLANDI, 1999).
Outro ponto importante é relembrar que a pesquisa é um processo
formal e sistemático, baseado em referenciais teóricos de autores
reconhecidos e em metodologias científicas, de busca por respostas a
questionamentos. Esses questionamentos surgem com o propósito de
alcançar novos conhecimentos para que sejam compartilhados com a
comunidade acadêmica, em benefício da sociedade. Inerente, também, à
pesquisa é o planejamento, para que se obtenham informações
confiáveis e adequadas aos objetivos almejados e para que sejam feitas
análises criteriosas e dentro da cientificidade.
Como parte do planejamento, a escolha da metodologia é outro
passo de grande importância no trabalho científico. Ela deve se ajustar
aos propósitos da investigação, de maneira que conduza o pesquisador
por um caminho seguro, respeitando o rigor acadêmico. O importante é
que o método a ser utilizado se adapte e sirva aos objetivos da pesquisa
que está sendo realizada. A Análise de Discurso, cujos conceitos são
fundamentais para esse trabalho, no entanto, ressalta que não há, para
essa ciência, uma metodologia única e nem específica a ser utilizada,
22
pois o discurso é calcado em movimentos dialógicos, repletos de
situações interpretativas e subjetivas.
Nesta proposta de pesquisa, a metodologia mais apropriada é a
documental, que busca a análise de documentos que ainda não foram
analisados ou que dão margem a outros tipos de interpretações
complementares. Este tipo de pesquisa se fundamenta na análise do
contexto, da função do(s) autor(res), da autenticidade e confiabilidade
do texto-objeto e os conceitos que fundamentam a problematização.
Ainda pensando em metodologia, pode-se dizer que a abordagem
da pesquisa é de caráter qualitativo, levando-se em conta que esse tipo
de abordagem se preocupa com a compreensão e a interpretação dos
fenômenos sociais e seus significados. Requer, também, uma
compreensão do contexto e do texto analisado, para que se possa
entender e acompanhar a apropriação do documento pesquisado. Para
Bakhtin (1992), a língua é uma entidade viva, um instrumento de
mediação perpetuado no tempo, que se transforma no falar e agir
humanos. Por isso, a linguagem se caracteriza como um fenômeno
eminentemente social e constitutivo de toda manifestação cultural.
Partindo desse pressuposto, o Projeto Político Pedagógico se
apresenta como um documento que tem uma proposta sócio-cultural,
que exige o comprometimento de todos os envolvidos no processo
educativo: professores, equipe técnica, alunos, pais e a comunidade
como um todo. A prática de construção de um Projeto Político
Pedagógico deve estar amparada por concepções teóricas sólidas e deve
supor o aperfeiçoamento e a formação de seus agentes. O PPP deve, de
fato, mostrar a escola com sua cultura organizacional, suas
potencialidades e suas limitações. Nessa perspectiva, ao se colocar como
espaço de construção coletiva, esse documento deve propor uma
reflexão e provocar uma discussão crítica sobre os problemas da
sociedade e da educação, a fim de encontrar caminhos para uma
revolução social.
Para exemplificar, fortalecendo a importância da pesquisa sobre a
construção e implantação do PPP, pode-se citar o livro de Ilma Passos
Alencastro Veiga: Projeto Político Pedagógico da Escola: uma
construção Coletiva (2006) e a dissertação de Rose Margareth
Reynaud: Projeto Político Pedagógico escolar: Instrumento de
Mudança ou a Própria Mudança? A escola do Ceará, uma experiência a ser compartilhada (2009). Essas dissertações, pela suas
relevâncias, servem de fonte teórica para essa pesquisa.
Importante ressaltar que o Projeto Político Pedagógico da Rede
Municipal de Criciúma (SC) foi construído dentro dos preceitos e
23
normas descritas pela LDB. O PPP municipal analisou a realidade local,
suas necessidades e com base nelas elaborou o documento.
No capítulo 2 desta dissertação, com o intuito de atender os
objetivos desta pesquisa, é apresentado um itinerário histórico-
conceitual, que distingue as diferentes definições de língua, segundo a
visão de diferentes autores. Neste caminho, o estudo da linguagem se
transforma e chega na Análise de Discurso da linha francesa, que se
apresenta como uma nova teoria, apresentada no capítulo 3 e, como já
citado, base teórica dessa dissertação.
No capítulo 4, num outro momento deste trabalho, são citados
autores como Bakhtin, Pêcheux e Orlandi, entre outros, com conteúdos
fundamentais para o entendimento da Análise de Discurso, como
também são apresentados os elementos constitutivos dessa área de
estudo: a linguagem.
Na sequência, capítulo 5, após apresentar o processo de
construção do PPP da Rede Municipal, e após a apresentação da cidade
de Criciúma (SC), no capítulo 6, é dado início à análise de dados da
pesquisa, sob o prisma teórico da AD. A análise, propriamente dita, no
capítulo 7, é feita por meio de segmentos textuais, selecionados e
extraídos do PPP, nos quais serão identificados os discursos e as vozes
dos responsáveis pela elaboração desse documento, identificando os
sentidos que lhes foram atribuídos.
Sem a intenção de legitimar nem de combater nenhuma política
de governo, nem com o objetivo de encontrar soluções imediatas para os
problemas educacionais, este trabalho busca investigar a forma como
são construídos os discursos na elaboração e implantação do PPP.
Portanto, explicitando a atual dinâmica do PPP, com base na teoria da
Análise de Discurso, procuro responder ao seguinte questionamento:
Quais as vozes e discursos que aparecem no Projeto Político
Pedagógico, da Rede Municipal de Criciúma, implantado em 2004?
24
25
2 DA LÍNGUA AO DISCURSO: UM ITINERÁRIO
CONCEITUAL
A linguagem é uma ferramenta que sempre esteve presente nas
relações sociais e está inserida no desenvolvimento das potencialidades
e do conhecimento do ser humano. Segundo Neves (2002, p. 17), “por
natureza racional dotado de linguagem, o animal homem estrutura seu
pensamento em cadeias faladas.” É por meio da linguagem que a
humanidade escreve a sua história, media sua relação com a realidade e
interage com os grupos que a integram. Nas palavras de Perini (2010, p.
2), “observemos que qualquer sociedade minimamente complexa só
pode funcionar, e mesmo surgir, através do uso intensivo da
linguagem.”
Nesse sentido, pode-se dizer que a linguagem se estabelece por
meio de um tripé formado pela realidade, pela história do sujeito falante
e pelo meio social do qual ele faz parte. Perini (2010, p. 2) diz que “o
que chamamos uma ‘língua’ é, assim, uma das realizações históricas da
capacidade humana para a linguagem. E cada língua é profundamente
enraizada na cultura que serve.”
Muitos estudiosos, de diversas e diferentes culturas, se
debruçaram sobre a língua, tentando desvendar seus mistérios,
procurando relacioná-la com o ser humano, enquanto partícipe de uma
sociedade em transformação. Dessa forma, pode-se dizer que houve um
percurso na construção nos estudos da linguagem, no qual, a Análise do
Discurso da linha francesa e foco desta dissertação tem um momento
marcante. Nas palavras de Brandão (2003, p. 1), a AD “atingiu sua
maturidade teórica e metodológica e se consolidou como disciplina no
cenário dos estudos de linguagem, deslocando-se, por assim dizer, da
periferia para o centro.”
Nos estudos linguísticos, há diversas correntes quanto ao
entendimento do que venha a ser linguagem. Um desses caminhos leva a
olhar a língua enquanto um sistema de signos ou como um sistema com
regras formais. Por gramática normativa entende-se, conforme Neves
(2002, p. 21), “um sistema regulador da combinação de elementos
linguísticos constituindo o modelo da combinação de gêneros.”
Outro momento decisivo no estudo da linguagem foi no final do
século XIX e começo do século XX. Nas palavras de Brandão (2003, p.
1):
[...] a linguística viveu, na primeira metade do
século passado, um período eufórico em que
26
exerceu o papel de ciência piloto das ciências
humanas, fornecendo a partir do modelo
fonológico uma espécie de passagem para as
ciências humanas.
Quando o pesquisador suíço Ferdinand de Saussure, delimitou a
língua como um objeto de pesquisa e entregou aos linguistas um
método, o estruturalismo, ele concebeu a língua (langue) como um
“fenômeno social” e a definiu como um “sistema de signos”, isto é, um
conjunto de unidades, aceitas por uma convenção social, que se
relacionam entre si de forma organizada dentro de um todo. Leite (2009,
p. 220) afirma que “a noção adotada por Saussure aponta para a língua
como um sistema, ou seja, uma estrutura formal passível de
classificação em elementos mínimos, que compõem o todo.”
No entanto, a teoria de Saussure, no início do século XX, já
apresentava uma separação conceitual, em que língua e linguagem eram
diferenciadas. O entendimento da língua como um instrumento de
comunicação e um conjunto de convenções, possibilitando o exercício
da linguagem pelos indivíduos numa sociedade, é uma das rupturas da
linguística saussuriana em relação aos conceitos anteriores descritos
pelos gramáticos do século XIX. Segundo Saussure:
[...] a língua não se confunde com a linguagem; é
somente uma parte determinada, essencial dela. É
ao mesmo tempo, um produto social de faculdade
da linguagem e um conjunto de convenções
necessárias, adotadas pelo corpo social para
permitir o exercício dessa faculdade nos
indivíduos. A linguagem é multiforme e
heteróclita; a língua, ao contrário, é um todo por si
e um princípio de classificação. Ela é a parte
social da linguagem, exterior ao indivíduo
(LEITE, 2009, p. 219).
Dessa forma, os estudos linguísticos foram, durante um bom
tempo, delimitados pela dicotomia língua/fala, com ênfase na língua
como sistema organizado e fechado. Para Brandão (2003, p. 1),
Saussure “definia dois objetos científicos distintos, o de uma ‘linguística
da língua’ que ele passa a examinar e o de uma ‘linguística da fala’ que
ficava para ser explorada.”
Consequentemente, com o reconhecimento da dualidade na
linguagem, “os estudiosos passam a buscar uma compreensão do
27
fenômeno da linguagem, não mais centrada apenas na língua, sistema
ideologicamente neutro, mas num nível também situado fora do
estritamente linguístico.” (BRANDÃO, 2003, p. 2).
Esse novo olhar sobre a língua, desvinculando-a de regras rígidas
e padrões pré-estabelecidos, dando a ela o status de entidade calcada na
comunicação e no diálogo, foi resultado do reconhecimento de que
“uma linguística imanente que se limitava ao estudo interno da língua
não dava conta do seu objeto.” (BRANDÃO, 2003, p. 2). Dessa forma,
os estudiosos passaram a buscar um entendimento diferente do
fenômeno linguístico. A ideia de Saussure é questionada pelos
sociolinguistas, que segundo Downes (apud FAIRCLOUGH, 2001, p. 90):
[...] argumentam que a variação no uso de
linguagem é sistemática e acessível ao estudo
científico e que aquilo que o torna sistemático é a
sua correlação com variáveis sociais: a língua
varia de acordo com a natureza da relação entre os
participantes em interações, o tipo de evento
social, os propósitos sociais das pessoas na
interação e assim por diante.
Essa ideia de linguagem ligada ao social e ao gênero1 foi
amplamente difundida pela teoria bakhtiniana. Para Bakhtin (1992, p.
279),
[...] a riqueza e a variedade dos gêneros do
discurso são infinitas, pois a variedade virtual da
atividade humana é inesgotável, e cada esfera
dessa atividade comporta um repertório de
gêneros do discurso que vai diferenciando-se e
ampliando-se à medida que a própria esfera se
desenvolve e fica mais complexa.
É importante dizer que a parte teórica que Saussure afasta do seu
estudo é justamente o que atrai Bakhtin, isto é, a linguagem em seu
funcionamento no ambiente social. Para Bakhtin (apud LEITE, 2009, p.
219), “a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal
1 Gênero: Para Bakhtin, os gêneros são tipos “relativamente estáveis” de
enunciados elaborados pelas mais diversas esferas da atividade humana
(MARCUSHI, 2002).
28
concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua, nem
no psiquismo individual dos falantes.”
Dessa forma, a linguagem passa pelo sujeito que, sendo um dos
agentes das relações sociais, é responsável pela composição do discurso,
numa relação sempre dialógica. É com base nessa teoria do dialogismo,
uma das características do pensamento bakhtiniano, que se pode estudar
qualquer tipo de enunciado: o discurso interior, o monólogo, a
comunicação diária, os vários gêneros de discurso, a literatura, qualquer
manifestação cultural. Nas palavras de Di Fanti (2003, p. 98), “tratar do
dialogismo é, por um lado, descartar qualquer possibilidade de limitação
e redução dos sentidos, e, por outro, preservar as ressonâncias de outros
ditos, já-ditos e/ou não-ditos na linguagem.”
Na elaboração desse diálogo, o sujeito faz uso de conhecimentos
e enunciados anteriores interligados com o seu contexto social, seu
contexto histórico e ideológico. Segundo Bakhtin (1992, p. 41), “as
palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e
servem de trama a todas as relações sociais e seus domínios.”
Nos anos 60, “[n]a conjuntura teórica da França, [...] em um
momento em que emerge o sentimento dos limites e do relativo
esgotamento do estruturalismo nasce a AD.” (BRANDÃO, 2003, p. 5),
novo olhar sobre a linguagem que rompe, de alguma maneira, com
alguns conceitos anteriores. A contribuição de Pêcheux (2001, p. 52),
um dos pioneiros dessa nova teoria foi, conforme Fairclough,
“desenvolver a ideia de que a linguagem é uma forma material da
ideologia fundamentalmente importante.” Dessa forma, a Análise de
Discurso diz que os textos podem ser interpretados de formas diferentes,
dependendo do contexto do leitor. Para Fairclough (2001, p. 57), “o
objeto de análise são textos linguísticos, que são analisados em termos
de sua própria especificidade.”
Sendo assim, as questões que circundam a linguagem passam a
ser pautadas nas relações entre a história, o sujeito e a fala. Segundo
Orlandi (2003, p. 6), “a grande questão é a relação da estrutura com a
história, do indivíduo com o sujeito, da língua com a fala, assim como
interroga a interpretação.”
Conclusivamente, a pluralidade de análises, tendo como objeto a
linguagem, baseadas em teorias distintas e diversas, permite pensá-la
como um fenômeno social de interação verbal carregada de
interpretações conflitantes, de incompletudes, de ideologias, de história,
elementos que oportunizam a análise do discurso como abordagem
possível do fenômeno linguístico. Nas palavras de Orlandi (2013, p. 15),
“é pensando que há muitas maneiras de significar que os estudiosos
29
começaram a se interessar pela linguagem de uma maneira particular,
que é a que deu origem à análise do discurso.”
E é nesse cenário, vendo a língua além dos horizontes
limitadores, que a Análise de Discurso constrói seu próprio objeto de
estudo: o discurso.
30
31
3 ANÁLISE DE DISCURSO: UMA NOVA DISCIPLINA
A linguagem é uma construção social que se manifesta de
maneira processual nas interações grupais, nos discursos e nas
instituições que compõem a sociedade. Através dos tempos, muitos
foram os modos do ser humano se comunicar. Segundo Neves (2002, p.
17), “por natureza racional, dotado de linguagem, o animal homem
estrutura seu pensamento em cadeias faladas.” As relações dos homens
em sociedade, nem sempre pacíficas, são intermediadas pelo uso da
linguagem em suas mais intricadas nuances.
A linguagem é uma ferramenta que auxilia o ser humano a
desenvolver suas potencialidades e a aumentar seus conhecimentos. Por
meio dela, o indivíduo escreve a sua história, se posiciona em relação à
realidade e se relaciona com os grupos que integra. Nesse sentido, pode-
se dizer que a linguagem se estabelece por meio de um tripé formado
pela realidade, pela história do sujeito falante e pelo meio social do qual
ele faz parte. Nas palavras de Silva (2005, p. 16): “Por meio da
linguagem, o homem transforma a realidade em que vive e a si mesmo.
O homem constrói a existência humana, ou seja, confere-lhe sentido.”
Como visto no capítulo anterior, há diversas visões quanto ao
entendimento do que venha a ser linguagem. Um desses caminhos nos
leva a olhar a língua enquanto “um sistema regulador da combinação de
elementos linguísticos constituindo o modelo da combinação de
gêneros.” (NEVES, 2002, p. 21), a gramática. Outro caminho seria a
linguística, “que visa descrever e explicar a linguagem verbal humana.”
(ORLANDI, 2009, p. 9).
Entretanto, a pluralidade de análises, tendo como objeto a
linguagem, baseadas em teorias distintas e diversas, permite pensá-la
como um fenômeno social de interação verbal carregada de
interpretações conflitantes, de incompletudes, de ideologias, de história,
elementos que oportunizam a análise do discurso como abordagem
possível do fenômeno linguístico. Para Eni Orlandi (2013, p. 15), “é
pensando que há muitas maneiras de significar que os estudiosos
começaram a se interessar pela linguagem de uma maneira particular
que é a que deu origem à análise do discurso.”
A AD nasce na França, nos anos 1960, num contexto de
multiplicidade de teorias e de efervescência política (Maio de 1968),2
2 Maio de 1968: movimento, na França que se tornou ícone de uma época em
que a renovação dos valores veio acompanhada pela proeminente força de uma
32
“no auge do estruturalismo como paradigma de formatação de mundo.”
(FERREIRA, 2005, p. 1). Nesse período, os estudos linguísticos
estavam centrados no estudo interno da língua, um sistema rígido, sem
“o reconhecimento de uma dualidade constitutiva da linguagem, isto é,
do seu caráter, ao mesmo tempo formal e atravessado por entradas
subjetivas, sociais e históricas.” (BRANDÃO, 2003, p. 2).
Duas obras aparecem como inaugurais no campo da Análise de
Discurso: o discurso de encerramento do Colóquio de Lexicologia
Política Saint Clous, em abril de 1968, intitulado “Lexicologia e Análise
do Enunciado”, proferido por Jean Dubois e a publicação do livro
Análise Automática do Discurso, em 1969, por Michel Pêcheux
(Analyse Automatique du Discours). Para Dubois (apud BRANDÃO,
2003), a AD passa do estudo das palavras para o estudo do enunciado,
numa maneira “natural”, permitida pela linguística. Pêcheux, no entanto,
filósofo por formação, entendeu que a filosofia sozinha não teria forças
no universo científico. Para Baquero (2001, p. 13), “Michel Pêcheux foi
um filósofo de formação, não um filósofo qualquer, mas um filósofo
convencido de que a prática tradicional da filosofia, no que diz respeito
às ciências, estava (está) desprovida de sentido.”
Dessa forma, Pêcheux procurou construir um objeto de estudo
que pudesse dar às ciências humanas legitimidade científica. Segundo
Brandão (2003, p. 5), “em Pêcheux, a análise de discurso é pensada
como uma ruptura epistemológica em relação ao que se fazia nas
ciências humanas, articulando a questão do discurso com as do sujeito e
da ideologia.” Essa ruptura com o lado estruturalista da língua e do
campo ideológico das ciências sociais faz nascer a teoria da análise do
discurso, interessada, primeiramente, na análise do discurso político.
Segundo Maria Cristina L. Ferreira (2005, p. 2):
Do ponto de vista político, a Análise do Discurso
(AD) nasce, assim, na perspectiva de uma
intervenção, de uma ação transformadora, que
visava combater o excessivo formalismo
lingüístico então vigente. Ao lado dessa tendência
revolucionária, a AD buscava desautomatizar a
relação com a linguagem, donde sua relação
crítica com a linguística.
cultura jovem. Pode ser visto como uma revisão dos costumes, feita por lutas
políticas, obras filosóficas e a euforia juvenil (PIACENTINI, 2008).
33
Dessa maneira, a AD de Pêcheux rompe com o enraizamento
ideológico da época, estabelecendo as relações no discurso entre língua,
sujeito e história, entre língua e ideologia. Nas palavras de Kronka
(2003, p. 590), “Michel Pêcheux, ao propor uma teoria da significação
fundada numa posição materialista do discurso, ressalta a preocupação
demasiada dos lógicos em tentar estabelecer uma relação transparente e
direta entre linguagem e conhecimento.” Nessa nova perspectiva teórica,
é possível destacar o discurso como o objeto a ser analisado e pensar nos
instrumentos para analisá-lo. Para Brandão (2003, p. 6), em Pêcheux
“encontra-se a teorização de um objeto novo, cujos procedimentos, que
permitiam apreendê-lo, colocam em relação um dado estado das
condições de produção e processos de produção do discurso.”
A AD circula por três campos disciplinares: a linguística, o
materialismo marxista e a psicanálise, sem, no entanto, fixar-se neles.
Segundo Caregnato e Mutti (2006, p. 680), a Análise do Discurso é:
Uma disciplina de interpretação fundada pela
intersecção de epistemologias distintas,
pertencentes a áreas da lingüística, do
materialismo histórico e da psicanálise. Essa
contribuição ocorreu da seguinte forma: da
linguística deslocou-se a noção de fala para
discurso; do materialismo histórico emergiu a
teoria da ideologia; e finalmente, da psicanálise
veio a noção de inconsciente que a AD trabalha
com o de-centramento do sujeito.
Os focos diferentes, com autores diferentes e contextos
diferentes, partindo de diversas correntes e teorias tradicionais, têm no
discurso o seu ponto de intersecção. Não o discurso neutro, sem a
intenção de refletir sobre o mundo e as ideias, mas o discurso como
fator preponderante na construção da vida em sociedade. “O efeito
subversivo da trilogia Marx-Freud-Saussure foi um desafio intelectual
engajando a promessa de uma revolução cultural, que coloca em causa
as evidências da ordem humana como estritamente bio-social.”
(PÊCHEUX, 2002, p. 45).
Ao contrapor a base linguística ao processo discursivo, Pêcheux destaca que todo o sistema de língua, enquanto conjunto de estruturas
rígidas e formal é também dotado de uma estrutura particular e
autônoma, com normas específicas que dão origem aos processos
discursivos. Pode ser percebida a intencionalidade da busca de
autonomia da “nova” disciplina quando se percebe a recusa em permear
34
os mesmos caminhos das outras ciências, incluindo a linguística. Nas
palavras de Orlandi (2003, p. 11), “ao mesmo tempo em que pressupõe a
Linguística, a AD abre um campo de questões no interior da própria
Linguística e que refere o conhecimento da linguagem ao conhecimento
das formações sociais.” Dessa maneira, a Análise do Discurso trabalha
com os processos discursivos, com as condições de produção de
linguagem, com instrumentos que possam aferi-la e sua relação com a
história.
Ainda com base nos estudos de Pêcheux, “contrapondo-se a uma
filosofia idealista da linguagem atravessada pela evidência da existência
espontânea do sujeito como fonte, origem ou causa em si.”
(BRANDÃO, 2003, p. 6), a nova noção de sujeito para a AD é
determinada pela posição de onde se fala. E o sujeito fala de uma
formação discursiva (FD),3 regida por uma formação ideológica (FI)
4.
Dessa maneira, nas palavras de Brandão (2003, p. 6), “um sujeito
marcado por uma forte dimensão social, histórica, que na linguagem é
balizada pela FD que define ‘o que pode e deve ser dito por um sujeito.”
Depois de 1975, a AD passa por uma nova fase, e a noção de
formação discursiva é reconsiderada. Essa transformação teórica nasce
do reconhecimento de que uma FD não é um espaço estrutural fechado,
“pois está em relação paradoxal com seu exterior ao ser
constitutivamente invadida por elementos que vêm de outro lugar (isto
é, de outras FDs), que se repetem nela sob a forma de pré-construído e
de discursos transversos.” (PÊCHEUX, apud Brandão, 2003, p. 7).
Surge, então, o conceito de interdiscursividade, que compreende,
fundamentalmente, os sujeitos, a situação e a memória.
Outro teórico, o filósofo russo Mikhail Bakhtin também teve suas
ideias assimiladas pela análise do discurso, em função de sua concepção
3 Formação Discursiva (FD):“conceito proposto inicialmente por M. Foucault e,
posteriormente, para a AD de M. Pêcheux, torna-se indissociável da noção de
interdiscurso. O discurso não pode mais ser visto fora das condições históricas
de produção. A noção de formação discursiva foi elaborada por Pêcheux a partir
das proposições de Foucault e tem dois tipos de funcionamento: 1) a paráfrase –
a formação discursiva é um sistema de paráfrases, ou seja, de constante
retomada e reformulação dos enunciados, como forma de preservar sua
identidade; 2) o pré-construído – A análise do discurso chama de pré-construído
as construções anteriores e exteriores, que se diferenciam do que é construído
pelo enunciado” (CORREA, 2009, p.36). 4 Formação Ideológica (FI): As formações ideológicas caracterizam-se por
serem elementos capazes de intervir como uma força em confronto com outras
na conjuntura ideológica de uma determinada formação social.
35
sobre linguagem. Um dos conceitos bakhtinianos apropriado pela AD
foi a questão dialógica dos discursos. Todo discurso, todo ato dialógico
tem um determinante rigoroso envolvendo aquele que fala, o lugar a
partir de onde fala e o seu contexto histórico. Para Bakhtin (apud
BRAIT 2006, p. 116):
O diálogo, por sua clareza e simplicidade, é a
forma clássica da comunicação verbal. Cada
réplica, por mais breve e fragmentária que seja,
possui um acabamento específico que expressa a
posição de locutor, sendo possível responder,
sendo possível tomar, com relação a essa réplica,
uma posição responsiva.
Dessa forma, entende-se a linguagem como uma forma de
interação social, um “compartilhamento com o outro” em que o outro
tem papel fundamental na produção do discurso. Di Fanti afirma que
“tratar do dialogismo é, por um lado, descartar qualquer possibilidade de
limitação e redução de sentidos, e por outro, preservar as ressonâncias
de outros ditos, já-ditos e/ou não ditos na linguagem” (2003, p. 98). De
Bakhtin vem, também, o conceito de polifonia, que tem como principal
propriedade a diversidade de vozes, controversas, no interior de um
texto. Para Brandão (2003, p. 9), “é nesse sentido que se tem
disseminada a metáfora de que um texto se transforma numa arena de
lutas, em que vozes situadas em diferentes posições, emergem,
polifonicamente, numa relação de aliança, de oposição ou polêmica.”
A AD encontrou eco em muitos estudiosos da linguagem, que se
identificaram com suas concepções teóricas, sua metodologia e seu
poder de análise, e acaba se constituindo numa ferramenta poderosa para
o conhecimento da sociedade, dos sujeitos e seus discursos. Nas
palavras de Orlandi (2013, p. 21), “o discurso é efeito de sentidos entre
locutores.” Dessa maneira, os dispositivos teóricos e de análises na AD
têm características histórico-sociais nas quais o sujeito, a história e a
língua estão entrelaçados, numa relação indissolúvel.
O objetivo da análise discursiva é encontrar sentido nas diversas
formas de produção verbal ou não verbal, levando-se em consideração
que qualquer manifestação comunicativa é passível de interpretação. É importante destacar que a AD trabalha com o sentido e não com o
conteúdo do texto analisado, preocupa-se com o que esse texto significa.
Orlandi (2013, p. 18) sugere que a AD “produz um conhecimento a
partir do próprio texto, porque o vê como tendo uma materialidade
36
simbólica própria e significativa, como tendo uma espessura semântica:
ela o concebe em sua discursividade.”
Isso não significa que a proposta analítica do discurso abra mão
da língua. Ela apenas não usa a mesma abordagem de outras correntes
que se debruçam sobre o tema. A AD tem alguns pressupostos
fundamentais com os quais trabalha: a língua como um fato social, a
ideologia e o inconsciente. Segundo Kronka (2003, p. 589),
A AD acredita que há mais sentidos além do que
está explicitado na superfície linguística, portanto,
não estabelece ao discurso um sentido único e
fechado. Cabe ao analista explicitar o caminho
pelo qual se chegou ao sentido evidente (e se
calou outros possíveis).
No Brasil, a AD foi introduzida pela pesquisadora e professora
universitária brasileira Eni P. Orlandi no final dos anos 1970, no período
histórico da ditadura político-militar. Nas palavras da autora, “no Brasil
a análise de discurso institucionaliza-se amplamente – não sem algumas
resistências, alguns antagonismos – e, com sua produção e alcance
teórico, configura-se como uma disciplina de solo fértil” (2012, p. 9).
Orlandi (2003, p. 7) faz a releitura da proposta de Pêcheux,
compreendendo que sua teoria
não deixa intocada a região da reflexão sobre a
linguagem, não se apresentando apenas como
acréscimo do ponto de vista metodológico, mas
como uma iniciativa de reflexão que interroga as
próprias teorias que constituem as relações
contraditórias do campo de sua existência.
Na visão de Orlandi, a Análise de Discurso, como acontece na
corrente francesa, não se desvincula da ciência da língua nem do
território onde o discurso é produzido.
A AD não tem a pretensão de fazer novas descobertas nem de
fazer julgamentos de valor, explicitando o que é certo ou errado. Nas
palavras de Brandão (2003, p. 10), a Análise de Discurso “não pode se furtar ao diálogo interdisciplinar sem perder, no entanto, o rosto e a
identidade, pois uma disciplina que preza a historicidade, não pode se
deixar congelar por qualquer tipo de imobilismo ou fixidez.”
Dessa forma, levando-se em consideração a multiplicidade de
ideias, a flexibilização da teoria, as dicotomias e as diferentes
37
significações de conceitos, pode-se dizer que o importante para a
Análise do Discurso, como uma nova disciplina, é, segundo Orlandi
(2013), romper fronteiras.
38
39
4 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA ANÁLISE DO
DISCURSO
A linguagem é uma habilidade do ser humano que serve para a
comunicação e se dá na relação direta entre aquele que fala e aquele que
escuta, entre o que escreve e o que lê, entre a arte e o observador. Nas
palavras de Brandão (2009, p. 2) “a linguagem é um trabalho
desenvolvido pelo homem – só o homem tem a capacidade de se
expressar pela linguagem verbal.”
Porém, para conhecer e entender a Análise de Discurso, é
necessário que se tenha contato com os conceitos que a norteiam. Os
elementos constitutivos da AD aparecem inter-relacionados, formando
uma verdadeira rede de noções que algumas vezes se completam e
outras se antepõem. A teoria do discurso rompe com a noção de
linguagem apenas como instrumento de comunicação e deve ser
compreendida como algo mais do que uma estrutura linguística, uma
vez que ela se ajusta aos interlocutores, de acordo com o contexto.
Não é uma tarefa simples, compreender a análise do discurso,
levando-se em consideração que nela nada está permanentemente
estabelecido, os limites não são evidentes e tudo oscila, dependendo do
olhar e do viés histórico. E para completar, ou confundir, nesse
ambiente circula o sujeito, o protagonista do discurso. Nas palavras de
Orlandi (2013, p. 32), “o dizer não é propriedade nossa. Elas significam
pela história e pela língua. O que é dito em outro lugar também significa
nas ‘nossas’ palavras.”
Para a AD, o discurso é contextualizado, porque entende que todo
enunciado, ou signo, tem sentido diferente, dependendo de quem o faz,
do lugar e do momento em que é produzido. Segundo Orlandi (2013, p.
18), a AD “produz um conhecimento a partir do próprio texto, porque o
vê como tendo uma materialidade simbólica própria e significativa,
como tendo uma espessura semântica: ela o concebe em sua
discursividade.”
Dessa maneira, cada vez que uma linguagem é usada num
determinado contexto histórico e faz sentido, um discurso é produzido.
Para Orlandi (2013, p. 25), “a linguagem é linguagem porque faz
sentido. E a linguagem só faz sentido porque se inscreve na história.”
Sendo assim, pode-se dizer que o discurso é uma manifestação
espontânea do sujeito, cujos valores culturais, sociais, crenças e
ideologias estão enraizados no grupo ao qual pertence. Bakhtin (2004, p.
92) afirma que, para o locutor, “o centro de gravidade da língua não
40
reside na conformidade à norma da forma utilizada, mas na nova
significação que essa forma adquire no contexto.”
É por isso que se diz que não há discurso neutro, uma vez que
cada discurso é reflexo das posições socioculturais e ideológicas dos
sujeitos falantes e ouvintes. De acordo com Bakhtin (2004, p. 95), “a
palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido
ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e
somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias
ideológicas ou concernentes à vida.”
Sendo assim, o discurso é produzido por um sujeito que, ao fazê-
lo, se coloca, como autor do que é dito. A Análise do Discurso, no
entanto, trabalha com a constatação de que estamos sempre
subordinados à linguagem e que não há neutralidade no mais
insignificante dos signos. Nas palavras de Orlandi (2013, p. 9), “a
entrada do simbólico é irremediável e permanente: estamos
comprometidos com os sentidos e o político.” É importante destacar que
o sujeito, na Análise do Discurso, não é um indivíduo com vontade
própria. Ele é, de outra maneira, um sujeito histórico-social, porque
mesmo inconscientemente, há uma intencionalidade discursiva em cada
enunciado, uma vez que todo discurso é atravessado pela linguagem,
pela história e pela ideologia, para que possa produzir sentido. “As
palavras mudam de sentido ao passarem de uma formação discursiva
para outra. Assim, não são somente as intenções que determinam o
dizer. Há uma articulação entre intenção e convenções sociais.”
(ORLANDI, 2003, p. 27).
Dessa maneira, pode-se dizer que para a Análise do Discurso, o
sujeito se constitui pela linguagem, mas não é o autor desse discurso,
uma vez que o mesmo está relacionado com outra formação discursiva e
ideológica. Segundo Bakhtin (apud DI FANTI, 2003, p. 98), “o objeto
do discurso de um locutor, seja ele qual for, não é objeto do discurso
pela primeira vez nesse enunciado, e esse locutor não é o primeiro a
falar dele.” Sujeito e sentido se constituem num processo simultâneo,
que se projeta com efeitos incontroláveis, partindo de construções
discursivas.
Nesse entrelaçar de conceitos, é importante conhecer outro
elemento da AD, que é fundamental para a sua compreensão: o sentido.
De acordo com Orlandi (2013, p. 42), “o sentido não existe em si, mas é
determinado pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo
sócio-histórico em que as palavras são produzidas. As palavras mudam
de sentido segundo as posições daqueles que as empregam.”
41
Se pegarmos como exemplo a palavra “terra”, podemos afirmar
que ela não tem o mesmo significado (sentido) para um agrônomo, para
um homem do campo, para um geólogo, para um astrônomo ou para um
sem-terra. Por isso, é importante frisar que o sentido da linguagem não
está no sistema linguístico, mas no contexto de interação verbal. Sendo
assim, pode-se dizer que o material simbólico não é transparente e está
sujeito a diversas interpretações, impregnadas de valores previamente
construídos.
Seguindo esse caminho de apresentação dos elementos
constitutivos da Análise de Discurso é importante dizer que para a AD,
o discurso é construído e funciona de acordo com certas condições:
relação de sentidos; relação de forças; ideologia; antecipação. Nas
palavras de Orlandi (2003, p. 26), “a ilusão de ser fonte de sentido se
desfaz se atentarmos ao fato de que, para ter sentido, qualquer sequência
deve pertencer a uma formação discursiva, que por sua vez faz parte de
uma formação ideológica determinada.” Segundo o conceito de relações
de sentido, não existe discurso que não se relacione ou se “inspire” em
outro discurso já dito e sem que ele tenha sentido. Conforme Pêcheux
(apud ORLANDI, 2003, p. 26),
todo discurso nasce de outro discurso e reenvia a
outro, por isso não se pode falar em um discurso,
mas em estado de um processo discursivo, e esse
estado deve ser compreendido como resultando de
processos discursivos sedimentados,
institucionalizados.
Na sequência, dois novos conceitos aparecem, pois são
fundamentais e norteadores para a compreensão da teoria da AD: a
paráfrase e a polissemia. Entende-se por processos parafrásticos aqueles
que mostram que há sempre algo que se mantém (já foi dito) no discurso
(ORLANDI, 2013). A paráfrase, segundo a autora, “representa o retorno
aos mesmos espaços de dizer” (2013, p. 36). Na polissemia, por outro
lado, o que “temos é deslocamento, ruptura de processos de
significação. Ela joga com o equívoco” (idem).
Na perspectiva da AD, há uma relação tensa entre paráfrase e
polissemia dentro do discurso, já que as duas forças trabalham
conjuntamente, isto é: o que é dito já foi dito, mas que pode ser
formulado de forma diferente. Orlandi (2013, p. 36) aponta que é “nesse
jogo entre paráfrase e polissemia, entre o mesmo e o diferente, entre o
já-dito e o a dizer que os sujeitos e os sentidos se movimentam, fazem
42
seu percurso, (se) significam.” É na relação entre a paráfrase e a
polissemia que aparece o confronto entre o simbólico e o político, a
língua e a ideologia, sendo exatamente essa intersecção o foco de
interesse da AD. E é também no confronto entre paráfrase e polissemia
que nasce a noção de interdiscurso, que para Orlandi (2013, p. 33) “é
todo o conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determinam o
que dizemos. Para que minhas palavras façam sentido é preciso que elas
já façam sentido.”
Assim, pode-se dizer que o discurso é irrepetível. Cada discurso é
construído levando-se em conta uma rede discursiva, um conjunto de
enunciados já feitos e esquecidos que servem de fonte para o que se diz.
Dessa maneira, para a Análise de Discurso não há discurso original,
nenhum discurso é adâmico. Nas palavras de Brandão (s/d, p. 5), “nessa
relação interdiscursiva (com outros discursos), quer citando, quer
comentando, parodiando esses discursos, disputa-se a verdade pela
palavra numa relação de aliança, de polêmica ou de oposição.”
Para a AD, todo dizer é um saber discursivo, isto é, um saber
(memória/interdiscurso) que torna possível todo dizer (ORLANDI,
2013). Para a autora, “o fato de que há um já-dito que sustenta a
possibilidade mesma de todo dizer, é fundamental para se compreender
o funcionamento do discurso, a sua relação com os sujeitos e a
ideologia.” (2013, p. 32).
Para alguns, a ideologia tem sempre um caráter de dominação e
de manipulação, que age de modo persuasivo e dissimulado, numa
forma sutil de alienar o ser humano. No entanto, a dimensão ideológica
do discurso, tanto pode apenas reproduzir, quanto transformar relações
de poder. A ideologia é um termo que traz, em si só, diversos
significados. Pode ser definida como um conjunto de ideias,
pensamentos, como doutrina de um grupo ou de um indivíduo ou como
orientação de ações sociais e principalmente políticas.
A AD dialogou com a teoria marxista sobre ideologia, para
elaborar seu conceito sobre o tema, quando essa estava atrelada apenas
ao ambiente político-social. Neves (2002, p. 18) entende ideologia como
“o homem comunicando-se com voz articulada que produz sentido e,
assim criando uma sociedade política.”
A pluralidade de sentidos relacionados à palavra ideologia, cada
um deles respondendo às indagações de seu segmento pessoal ou social,
caracteriza muito bem a essência da AD. Nessa multiplicidade de
sentidos, podemos relacionar ideologia com a política, com a religião,
com o jurídico, com a economia ou a filosofia. Para Fiorin (2000, p. 29):
43
Todo conhecimento está comprometido com os
interesses sociais. Esse fato dá uma dimensão
mais ampla ao conceito de ideologia; ela é uma
“visão de mundo”, ou seja, o ponto de vista de
uma classe social a respeito da realidade, a
maneira como uma classe ordena, justifica e
explica a ordem social. Daí podemos deduzir que
há tantas visões de mundo numa dada formação
social quantas forem as classes sociais.
Se tratando de linguagem, a ideologia aparece em terrenos mais
amplos e mais férteis. Como contribuição para a AD, encontra-se em
Bakhtin a ideologia do cotidiano, entendida como aquela que nasce das
relações casuais, do dia a dia, na proximidade social (BRAIT, 2008).
Para Bakhtin (2004, p. 31), “tudo que é ideológico possui um
significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos,
tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia.”
Torna-se um signo, então, tudo aquilo que, sem perder sua identidade na
realidade material, passa a significar e a refletir outra realidade. Ribeiro
afirma que, para Bakhtin (2006, p. 4), o signo “receberá tantas
significações quantas forem as situações reais em que venha a ser usado
por usuários social e historicamente localizados.”
Para a Análise de Discurso, a palavra é um signo da
comunicação, que carrega com intensidade a ideologia e funciona como
agente da memória social, com significações diferentes, contradições,
percorrendo contextos diferentes (BAKTHIN, 2004). Pelas palavras
(discursos), ocorrem os debates e os conflitos de classe. Segundo o
autor, “a palavra é o fenômeno ideológico por excelência. A realidade
toda da palavra é absorvida por sua função de signo” (2004, p. 36). Nos
signos, vozes distintas se manifestam e, segundo Brait (2008, p. 172),
“neles coexistem contradições ideológico-sociais entre o passado e o
presente, entre as várias épocas do passado, entre os vários grupos do
presente, entre os futuros possíveis e contraditórios.” Em outras
palavras, por não haver neutralidade no mais simples dos signos, não há
discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia. E é nesse ambiente
é que a língua faz sentido.
Nessa pesquisa, indo ao encontro do objetivo deste trabalho, cabe
elucidar o conceito de ideologia na visão da Análise do Discurso. Para a
Análise do Discurso, a ideologia está relacionada, intrinsecamente, com
a formação discursiva, uma vez que “o sentido não existe em si, mas é
determinado pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo
44
sócio-histórico em que as palavras são produzidas.” (ORLANDI, 2013,
p. 42). A linguagem, que é a materialidade do sentido, envia sinais
mostrando o posicionamento do sujeito e indica com qual discurso esse
sujeito está filiado. Nas palavras de Orlandi (2003, p. 34):
[...] onde está a linguagem está a ideologia. Há
confronto de sentidos, a significação não é imóvel
e está no processo de interação locutor-receptor,
no confronto de interesses sociais. Portanto, dizer
não é apenas informar, nem comunicar, nem
inculcar, é também reconhecer pelo afrontamento
ideológico.
O dizer tem história e os sentidos produzem efeitos diferentes
para diferentes interlocutores, portanto não se esgotam no dizer.
Outro ponto a ser salientado é a forma como a Análise de
Discurso trabalha com as “relações de poder”, que tornam o enunciado
constitutivo. Conforme Orlandi (2013, p. 39-40), “como nossa
sociedade é constituída de relações hierarquizadas, são relações de
força, sustentadas no poder desses diferentes lugares que se fazem valer
na ‘comunicação’.” Sendo assim, as relações de força não se apresentam
apenas na forma institucionalizada, mas são reforçadas em toda e
qualquer relação social. Desta maneira, quem diz e o lugar que ocupa,
no contexto histórico-social, oficializa o discurso. Portanto, o discurso
da posição Mãe tem maior peso que o discurso da posição Filho. A fala
do Professor vale (significa) mais que a do Aluno. Para Danner, citando
Foucault, o sujeito atual é, ainda, submisso, não só às leis religiosas,
mas também às leis do Estado e às relações de poder entre os próprios
indivíduos (micropoderes), que anulam a ideia de que o ser humano tem
a sua individualidade (2009, p. 787). Nas palavras de Foucault (apud
DREYFUS; RABINOW, 1995, p. 12):
O problema político, ético, social e filosófico de
nossos dias não consiste em tentar libertar o
indivíduo do Estado nem das instituições do
estado, porém nos libertarmos tanto do Estado
quanto do tipo de individualização que a ele se
liga. Temos que promover novas formas de
subjetividade através da recusa deste tipo de
individualidade que nos foi imposto há vários
séculos.
45
Dessa forma, pode-se dizer que o discurso exerce uma forma de
poder, uma vez que há em cada enunciado uma intenção inconsciente,
ou não, de influenciar, de atuar ou agir sobre o outro. Foucault (2008, p.
54) afirma que:
[...] os “discursos”, tais como podemos ouvi-
los, tais como podemos lê-los sob a forma de
texto, não são como se poderia esperar um puro
e simples entrecruzamento de coisas e de
palavras: trama obscura de coisas, cadeia
manifesta, visível e colorida das palavras [...]
Nesse contexto, o sujeito, na sua relação sócio-histórica, é
contraditório, pois ao mesmo tempo em que é livre para “dizer”, é,
inconscientemente, submisso à língua para que possa “sabê-lo”
(ORLANDI, 2013). Mesmo que haja uma tentativa pela busca da
originalidade discursiva, a falta de individualidade involuntária ocorre
porque o sujeito “se filia ou interioriza o conhecimento da construção
coletiva, sendo porta-voz daquele discurso e representante daquele
sentido.” (CAREGNATO; MUTTI, 2004, p. 681).
Essa submissão ao coletivo é chamada pela AD de
assujeitamento. Portanto, num certo sentido, o sujeito-religioso da Idade
Média é na sociedade atual o sujeito de direito, subordinado às leis, com
direitos e deveres. Nas palavras de Orlandi (2013, p. 51), “submetendo o
sujeito, mas ao mesmo tempo apresentando-o como livre e responsável,
o assujeitamento se faz de modo a que o discurso apareça como
instrumento (límpido) do pensamento e um reflexo (justo) da realidade”
Dessa forma, a língua é a materialização do inconsciente ideológico do
sujeito.
Partindo da perspectiva com a qual a AD trabalha os conceitos de
ideologia, discurso e sentido, e entendendo que ela objetiva
compreender como os objetos simbólicos produzem sentidos, sabe-se,
nas palavras de Orlandi (2013, p. 9), que “a entrada no simbólico é
irremediável e permanente: estamos comprometidos com os sentidos e o
político. Não temos como não interpretar.” Por isso, a AD se preocupa
com os mecanismos que constituem o processo de significação, busca os
gestos de interpretação, sem se restringir a procurar a verdade dos
sentidos. Segundo Orlandi (2013, p. 26), a análise do discurso avalia “os
próprios gestos de interpretação que ela considera como atos no domínio
simbólico, pois eles intervêm no real do sentido.”
46
Interpretar está relacionado com a compreensão, que é “saber
como as interpretações funcionam e não apenas com a inteligibilidade,
que refere o sentido à língua.” (ORLANDI, 2013, p. 26). É importante
citar que, no momento da análise, o discurso nela produzido sofre,
também, a influência da posição ideológica do analista, suas crenças e
sua posição histórico-social. Isso fortalece a premissa de que a
interpretação não é absoluta, única ou neutra.
Outra característica do discurso é a sua dialogicidade, outro
conceito retomado pela AD e que tem fundamento na teoria bakhtiniana.
O discurso é uma atividade desenvolvida, no mínimo, entre dois sujeitos
e é, segundo a AD, ininterrupto e nunca original. Bakhtin (apud BRAIT
2006, p. 116) comenta que:
O diálogo, por sua clareza e simplicidade, é a
forma clássica da comunicação verbal. Cada
réplica, por mais breve e fragmentária que seja,
possui um acabamento específico que expressa a
posição de locutor, sendo possível responder,
sendo possível tomar, com relação a essa réplica,
uma posição responsiva.
É por meio do diálogo que se pode analisar a comunicação diária,
o monólogo, o discurso interior, os gêneros de linguagem, a literatura,
qualquer manifestação cultural. “O dialogismo é o permanente diálogo
entre os diversos discursos que configuram uma sociedade, uma
comunidade, uma cultura.” (MARQUES, 2002, p. 5).
Dessa forma, os discursos funcionam com valores específicos,
entre os quais podemos citar a relação de sentidos. Por essa noção,
pode-se afirmar que não há um discurso que não tenha relação com
outro que o sustenta e que lhe dá continuidade. Essa interdiscursividade
faz surgir o mecanismo de antecipação, outra condição de produção de
discurso. Antecipação é a capacidade do falante de se colocar no lugar
do ouvinte, para ouvir suas próprias palavras, com a “intenção” de
convencer, uma vez que os enunciados são produzidos em função e
interação do outro (ORLANDI, 2013). O interlocutor, portanto, não é
um personagem passivo, que apenas ouve o enunciado. Ele é, ao
contrário, a oposição dialógica, que ao interpretar elabora um novo enunciado por resposta.
A antecipação, segundo Orlandi (2013, p. 39), é “um mecanismo
que regula a argumentação, de tal forma que o sujeito dirá de um modo
ou de outro, segundo o efeito que pensa produzir em seu ouvinte.” Na
47
antecipação, levando-se em conta a afirmação da AD que diz que o
sujeito se posiciona histórica e ideologicamente, ocorre um jogo de
formações discursivas imaginárias que atravessam todo o embate
dialógico: a imagem que o sujeito faz dele mesmo, a imagem que faz do
seu interlocutor, o objeto do discurso, entre outras (ORLANDI, 2013).
É pelo mecanismo da antecipação que o sujeito argumenta,
acreditando poder prever os sentidos que serão produzidos, ao falar para
determinado interlocutor. Para Pêcheux (1993, p. 77), “essa antecipação
do que o outro vai pensar parece constitutiva de qualquer discurso.”
A emancipação está relacionada, entre outros aspectos, ao próprio
funcionamento das instituições, nas quais os interlocutores atuam,
dando-lhes um status de verdade.
4.1 TEXTO E CORPUS
O texto é a materialização do discurso, isto é, todo discurso se
manifesta linguisticamente por textos. Ele é visto na AD como a
unidade da análise. Pela análise de textos é que se pode entender o
funcionamento do discurso, que podem ter significados, sentidos ou
definições diferentes, mas, estão profundamente interligados. Para
Orlandi (2003, p. 159), “o texto pode ter qualquer extensão: pode ser
desde uma simples palavra até um conjunto de frases. O que o define
não é sua extensão, mas o fato de que ele é uma unidade de significação
em relação à situação.”
A AD se preocupa, apenas, com a interpretação ou a releitura do
corpus sob seu foco de análise, já que qualquer elemento que produza
sentido pode ser analisado.
4.2 DISPOSITIVOS E METODOLOGIA
Se o assunto é Análise de Discurso, cabe a indagação: “O que
entendemos por análise do discurso?”. Como já foi dito em capítulos
anteriores, a Análise de Discurso consiste em examinar um texto e a
partir dele compreender as suas construções ideológicas, sem esquecer
que o discurso está sempre vinculado ao contexto sócio-histórico do
enunciador5. Nas palavras de Orlandi (2008, p. 13), “não é um ponto do
texto que ‘mostra’ a ideologia. É a formulação que se coloca como uma
censura no continuum da discursividade e, ao fazê-lo, se compromete
com uma versão (interpretação, formação discursiva, ideologia)”
5 Enunciador: aquele que faz parte do processo discursivo, aquele que diz.
48
Portanto, “uma vez que formular é dar corpo aos sentidos” (p. 9)
pode-se dizer que o sujeito que “diz”, se assumindo como autor do que
“diz”, é determinado pelo que “diz”. Para Caregnato e Mutti (2006, p.
680), “o processo de análise discursiva tem a pretensão de interrogar os
sentidos estabelecidos em diversas formas de produção [...] bastando
que sua materialidade produza sentidos para a interpretação [...]”
É importante relembrar que a AD não tem a pretensão de
encontrar, no processo de análise, o sentido verdadeiro do texto, nem o
lado formal da língua com seu conjunto de regras. Segundo Orlandi
(2013, p. 60), “os sentidos e os sujeitos se constituem em processos em
que há transferências, jogos simbólicos dos quais não temos o controle e
nos quais o equívoco – o trabalho da ideologia e do inconsciente - estão
largamente presentes.” Para o analista, o que importa é pensar e
descrever o funcionamento do discurso. Orlandi (2008, p. 23) entende
que, “em seu trabalho, o analista de discurso deve mostrar os
mecanismos dos processos de significação que presidem a textualização
da discursividade.”
Dessa forma, o texto é o objeto de observação do analista, que
tem como meta descobrir, nesse texto, o discurso. A Análise do
Discurso trabalha “a política da língua que se materializa no corpo do
texto, ou seja, na formulação, por gestos de interpretação que tomam
forma na textualização do discurso.” (ORLANDI, 2008, p. 35).
Dessa maneira, com base na teoria do discurso, pode-se dizer que
uma palavra, mesmo que seja na mesma língua, pode ter um significado
diferente, dependendo de quem diz, da posição em que diz e para quem
diz. Essa “opção” léxica é que vai dar o sentido ao discurso no texto
analisado. Para Fairclough (2001, p. 230), a escolha das palavras “não
são de natureza puramente individual: os significados das palavras e a
lexicalização de significados são questões variáveis socialmente e
socialmente contestadas, e facetas de processos sociais e culturais mais
amplos.”
Partindo do conceito acima, é fundamental para a realização da
AD que o analista entenda que a enunciação é fruto da posição histórico-
social e ideológica do sujeito que a produz. Na visão de Gregolin (1995,
p. 20),
Empreender a análise do discurso significa tentar
entender e explicar como se constrói o sentido de
um texto e como esse texto se articula com a
história e a sociedade que o produziu. O discurso
é um objeto, ao mesmo tempo, linguístico e
49
histórico; entendê-lo requer a análise desses dois
elementos simultaneamente.
É importante saber, também, que para interpretar esse discurso é
necessário retirar o sujeito que enuncia “da posição de único responsável
pelo que diz, para atingir o sentido que realmente foi impresso ao seu
dizer e que, na maioria das vezes, nem ele possui tal clareza.” (GOMES,
2006, p. 621).
Dessa maneira, o analista precisa determinar quais as “pistas” que
ele encontra no texto e de que maneira essas pistas vão ajudá-lo a
desvendar o sentido do dizer. Para Orlandi (2013, p. 59), é necessário
que o analista defina
Que escuta ele deve estabelecer para ouvir para lá
das evidências e compreender, acolhendo a
opacidade da linguagem, a determinação dos
sentidos pela história, a constituição do sujeito
pela ideologia e pelo inconsciente, fazendo espaço
para o possível, a singularidade, a ruptura, a
resistência?.
Como próximo passo, o analista necessita retirar do texto
exemplos e criar dispositivos de análise, que o conduzam na busca dos
resultados para a sua linha de interpretação. Para Orlandi (2013, p. 60),
O analista pode explicitar os processos de
identificação pela sua análise: falamos a mesma
língua, mas falamos diferente. Se é assim, o
dispositivo que ele constrói deve ser capaz de
mostrar isso, de lidar com isso. Esse dispositivo
deve poder levar em conta ideologia e
inconsciente assim considerados.
O dispositivo, junto com os elementos teóricos da AD, tem como
principal objetivo mostrar o que não está dito no texto, aquilo que está
oculto na ideologia, na história e nas relações de força, em qualquer
espaço social. Em toda a literatura sobre a análise de discurso é unânime
a posição dos autores no sentido de que há necessidade de se criarem
dispositivos analíticos para que seja possível “desvendar os mecanismos
de produção de sentidos de uma determinada discursividade.” (GOMES,
2006, p. 260). Ainda nas palavras de Gomes (2006, p. 621),
50
Esse dispositivo apresenta-se como indispensável
para a realização da AD, pois todo dizer vai se
estruturando a partir de famílias parafrásticas, que
dão continuidade espaço-temporal ao sentido
constituído em algum ponto da linha histórica do
indivíduo ou da sociedade.
Portanto, com base nas afirmações teóricas da AD, um PPP é um
documento que possibilita ao analista se colocar numa “posição
deslocada que lhe permite contemplar o processo de produção dos
sentidos em suas condições.” (ORLANDI, 2013, p. 61), para trabalhar
as diferentes formações discursivas. Pode-se dizer que o Projeto Político
Pedagógico da Rede Municipal de Criciúma (SC) é a materialização das
vozes dos envolvidos na sua construção e que “analisar o processo de
construção e implementação deste projeto é refletir sobre a escola, suas
características, seus polos de poder, seus conflitos, por se tratar de uma
organização orientada com finalidades, controlada e permeada pelas
relações de poder.” (VEIGA, 2006, p. 25).
Para finalizar, é importante destacar que o analista trabalha com
os limites da interpretação, isto é, “é pela exploração de certas
características da língua que a discursividade se manifesta.”
(POSSENTI, 2009, p. 16). Dessa maneira, o analista não se coloca fora
da história, mas, ao contrário, age como alguém que vê a história
acontecer, se desenvolver e a fazer sentido.
4.3 A ANÁLISE DO DISCURSO E A SUA TIPOLOGIA
A Análise do Discurso aparece como uma proposta crítica e
reflexiva sobre os padrões estabelecidos no estudo da linguagem e
trabalha com a opacidade da língua, com seus implícitos e seus
deslocamentos. As “falhas” da língua, “se explicam numa teoria geral
(da incompletude, da indeterminação, do real da língua...) cujo
fundamento diz respeito ao fato de que uma língua nunca – nunca
mesmo, nem na linguagem científica – dá conta de dizer o real.”
(POSSENTI, 2009, p. 6).
A incompletude da linguagem, na Análise de Discurso, está
relacionada com o conceito segundo o qual nenhum processo é fechado
em si só. Para a AD, a linguagem é entendida como uma “tecnologia”
em eterno movimento. “O fragmentário, o disperso, o incompleto, o não
transparente. Eis o domínio da reflexão discursiva.” (ORLANDI, 2003,
p. 12).
51
Dessa forma, a Análise do Discurso procura percorrer novos e
diferentes caminhos, redefinindo-se sempre na busca da coerência entre
sua prática e sua teoria. Nas palavras de Orlandi (2003, p. 11), “não há
um acúmulo científico fixo, no que diz respeito à teoria, à definição de
seu objeto e método(s): a cada passo, a AD redimensiona seu objeto,
revalida aspectos teóricos e se relaciona criticamente com seu(s)
método(s).”
A AD trabalha, na visão de Orlandi (2012, p. 9), com processos
de produção do discurso que aparecem em três momentos igualmente,
todos com o mesmo valor analítico. Primeiramente, a constituição do
discurso a partir da memória do dizer, isto é, o contexto histórico-
ideológico. Depois, com a formulação do discurso, que envolvem a
produção e as circunstâncias da enunciação. E por último, na circulação
desse discurso, que acontece em certo contexto específico, o que revela
as condições histórico-sociais que lhe dão força. Nas palavras de
Orlandi (2012, p. 9), “é na formulação que a linguagem ganha vida, que
a memória se atualiza, que os sentidos se decidem, que o sujeito se
mostra (e se esconde).”
Destacados esses elementos do processo de produção do discurso,
a AD principia seu mecanismo de análise questionando as relações
sociais, ideológicas e históricas entre falantes e ouvintes, que fazem
parte do discurso a ser analisado. Segundo Orlandi (2003, p. 117):
Do ponto de vista da análise do discurso, o que
importa é destacar o modo de funcionamento da
linguagem, sem esquecer que esse funcionamento
não é integralmente linguístico, uma vez que dele
fazem parte as condições de produção, que
representam o mecanismo de situar os
protagonistas e o objeto do discurso.
Para a Análise do Discurso, é importante o tratamento que se dá
ao texto. Segundo Orlandi (2003, p. 12), “este se apresenta como
monumento e não como document.o. Não é de interesse da AD tomar o
texto apenas no seu lado contextual, isto é, “a materialidade linguística
através das condições empíricas do texto, estabelecendo categorias para
sua interpretação.” (CAREGNATO; MUTTI, 2006, p. 683-684), mas buscar no texto os efeitos de sentido referente ao discurso. Para Orlandi
(2003, p. 13), “a AD problematiza a atribuição de sentido(s) ao texto,
procurando mostrar tanto a materialidade do sentido como os processos
de constituição do sujeito, que instituem o funcionamento discursivo de
52
qualquer texto.” Para a Análise do Discurso, o texto dá “informações”
sobre a posição discursiva do sujeito enunciador, legitimadas pela sua
posição histórica, social e ideológica. Dessa forma, pode-se dizer que a
teoria, a crítica, a ideologia e o sentido são alguns dos mais importantes
fundamentos da AD.
O sentido, um dos alicerces da AD, não se desenvolve em linha
reta, não se mede e nem é facilmente calculado, uma vez que se
apresenta de diversas formas. Para Orlandi (2003, p. 162), “todos os
sentidos são de direito sentidos possíveis.” Esta dissertação apropria-se
da vertente de sentido que a coloca dentro das condições de produções
discursivas no ambiente educacional, onde é possível distinguir a
predominância de um sentido, sem que isso apague ou elimine os
sentidos paralelos. “A sedimentação de processos de significação, em
termos de sua dominância, se dá historicamente: o sentido que se
sedimenta é aquele que, dadas certas condições, ganha estatuto
dominante.” (ORLANDI, 2003, p. 162).
Para a AD, quanto mais ligado a uma instituição, mais o discurso
se torna legitimado. A escola, fortalecida pela sua tradição histórico-
temporal, é uma dessas instituições e é pensada como a sede da
reprodução de conhecimento e da propagação cultural. Para Orlandi
(2003, p. 162), “a institucionalização de um sentido dominante lhe
atribui o prestígio de legitimidade e este se fixa, então, no centro: o
sentido oficial (literal).” Dessa maneira, é possível definir a escola como
uma ordem legítima, uma vez que ela se baseia em leis, em modelos de
conduta obrigatórios, em discursos que validam suas ações. E é na
escola que os discursos pedagógicos (DP) transitam. Para Orlandi (2003,
p. 23),
A escola é a sede do DP. Em última instância, é o
fato de estar vinculado à escola, isto é, a uma
instituição, que faz do DP aquilo que é,
mostrando-o em sua função: um dizer
institucionalizado, sobre coisas, que se garante,
garantindo a instituição que se origina e para qual
tende.
Para a análise do discurso é importante distinguir as condições de produção dos discursos, para examiná-las em sua singularidade, sem
perder de vista a sua generalidade. Para Possenti (2009, p. 13), “a leitura
não é leitura de um texto enquanto texto, mas enquanto discurso, isto é,
na medida em que é remetido a suas condições, principalmente
53
institucionais, de produção.” Dessa forma, conforme a AD, para que um
texto possa ser lido objetivamente, é necessário selecionar e descrever
os espaços nos quais esses discursos são produzidos, sem, no entanto,
exercer “o papel de árbitro em relação ao que seja ou não uma leitura
adequada.” (POSSENTI, 2009, p. 14). Um texto pode ser “lido” de
muitas maneiras, nele muitas “vozes” aparecem, há intertextualidade, os
sentidos se diversificam e se expandem. Segundo Orlandi (2012, p. 95),
às margens do texto, textos fantasmas diluem as
bordas da textualização, seus limites. Desse ponto
de vista, um mesmo texto, imaginado, volta
sempre, fazendo seu retorno em várias retomadas
por um sujeito autor que trabalha diferentes
formulações (versões) em uma história inacabada
das diferentes textualizações possíveis.
Como já foi visto, um dos princípios da Análise do Discurso
estabelece que “não há discurso sem sujeito, nem sujeito sem
ideologia.” (PÊCHEUX apud Orlandi, 2013, p. 47). A forma do sujeito
histórico corresponde à forma do sujeito social, que determina o que diz,
mas que, por outro lado, é determinado pela exterioridade (ORLANDI,
2012, p. 91). Essa exterioridade, nas palavras de Orlandi (2012, p. 91), é
“algo que fala antes, em outro lugar, e independentemente.” Por isso, é
importante que se defina, para dar uma direção à análise, o tipo de
discurso identificado no texto a ser analisado. Segundo Orlandi (2003, p.
219) “diante de um material a ser analisado, o fato de se utilizar uma ou
outra tipologia resultará em um recorte que é seletivo, isto é, que
salientará esse ou aquele dado, esse ou aquele traço.” A escolha da
tipologia, na análise do texto, deve seguir os objetivos da análise e a
natureza do texto.
Para a AD, é possível definir três tipos de discurso em
funcionamento: o lúdico, o polêmico e o autoritário. Segundo Orlandi
(2003, p. 29), “o critério para a distinção está na relação entre os
interlocutores e o referente, isto é, na suas condições de produção.” No
tipo de discurso a ser desenvolvido neste trabalho, que tem o Projeto
Político Pedagógico da Rede Municipal de Criciúma como texto-
discurso, a marca principal é o aspecto autoritário, cujas características se enquadram nos discursos produzidos no contexto educacional, no
discurso pedagógico (DP). “Procurando caracterizar o DP, pudemos
observar que tal qual ele se mostra atualmente em uma formação social
54
como a nossa, ele se apresenta como um discurso autoritário, logo, sem
nenhuma neutralidade.” (ORLANDI, 2003, p. 29).
A educação, no seu sentido mais amplo, engloba qualquer
processo de socialização no qual ocorra o movimento ensinar/aprender.
Ela é exercida nos mais diversos espaços de convívio social e funciona
como construção cultural, como formação humana, como
compartilhamento de conhecimento. Na educação formal, que ocorre no
espaço escolar, a prática educativa se dá de maneira intencional, com
objetivos determinados. Para Orlandi (2003, p. 23), “a escola atua
através da convenção: o costume que, dentro de um grupo, se considera
como válido e está garantido pela reprovação da conduta discordante.”
Ao longo da história, os comportamentos, as ideias e as ações se
modificaram num contínuo movimento de adaptação, transformação ou
mesmo acomodação. Nesses movimentos, em situações particulares, os
discursos produzidos são um reflexo das vozes que os produzem,
trazendo implícito em cada um deles a herança cultural. Dentro desse
cenário, a educação sempre esteve presente, servindo aos interesses e
expectativas da sociedade organizada, cada um deles com os seus
saberes legitimamente institucionalizados. Segundo Pey (1988, p. 11),
As “falas” orais ou escritas que circulam nas
instituições educacionais são muito poderosas.
Elas podem ocultar ou explicitar a realidade,
menosprezar ou prestigiar aqueles a que se
dirigem, confundir ou esclarecer dúvidas; enfim,
elas têm o poder de ora pronunciar a educação da
adaptação, ora anunciar a educação da
transformação.
O discurso autoritário busca a unificação do sentido, de maneira
que o discurso, no seu contexto de produção, não apenas se torne
dominante, mas seja o único. “Há, em relação à escola, uma seleção que
decide, de antemão, quem faz parte dela e quem não faz, quem está em
condições de se apropriar desses discursos e quem não está.”
(ORLANDI, 2003, p. 34). O autoritarismo está na escola e nos seus
discursos, está nas relações sociais, está em toda ação de inculcar.
55
5 PLANO POLÍTICO PEDAGÓGICO: CONSTITUIÇÃO
DISCURSIVA E ORIGEM SOCIAL
5.1 MOVIMENTOS EDUCACIONAIS E SEUS REFLEXOS NA
EDUCAÇÃO
O que ensinar, como ensinar e para quem ensinar são decisões
que sempre estiveram ligadas aos interesses políticos e ideológicos,
numa relação disciplinar entre o saber e o poder. “Na escola as pessoas
falam, escrevem e lêem. São falas que fazem falar, falas que dizem e
também falas que calam, inibem, ocultam ou confundem.” (PEY, 1988,
p. 6). Educar nunca foi um fenômeno neutro. Assim, para que se
compreenda o desenvolvimento histórico político da educação no Brasil,
destacam-se alguns momentos importantes nesse processo cultural,
levando em conta “a inerente historicidade do fenômeno educacional e
suas relações e articulações com as políticas educacionais.”
(GREGORUTTI, 2011, p. 19).
No Brasil, historicamente, o início da educação está vinculado à
vinda dos jesuítas, no século XV. As atividades missionárias, tanto nas
cidades como no campo, se comprometeram com a formação escolar,
uma vez que encontraram aqui um território desprovido de um sistema
de escrita e sem nenhuma norma educacional. Com a vinda da família
real, no século XIX, a educação no Brasil foi impulsionada, em função
da criação de escolas militares (Real Academia Naval e Academia
Militar Real) aos moldes das escolas europeias, com a abertura da
Biblioteca Nacional, com o nascimento do Jardim Botânico e com a
fundação da Escola de Medicina do Rio de Janeiro. Bello (2001)
comenta que:
A vinda da Família Real, em 1808, permitiu uma
nova ruptura com a situação anterior. Para atender
as necessidades de sua estadia no Brasil, D. João
VI abriu Academias Militares, Escolas de Direito
e Medicina, a Biblioteca Real, o Jardim Botânico
e, sua iniciativa mais marcante em termos de
mudança, a Imprensa Régia. Segundo alguns
autores, o Brasil foi finalmente "descoberto" e a
nossa História passou a ter uma complexidade
maior. O surgimento da imprensa permitiu que os
fatos e as ideias fossem divulgados e discutidos no
meio da população letrada, preparando terreno
56
propício para as questões políticas que permearam
o período seguinte da História do Brasil.
Mais tarde, na Constituição de 1924, inspirada nos ideais da
Revolução Francesa, surgiu a concepção de uma educação calcada na
liberdade, que, dentre os compromissos assumidos, incluía a instrução
primária gratuita, estendida a todos os cidadãos brasileiros. Nesse
período, para atender à demanda escolar, foi fundada a primeira escola
de formação dos professores: a Escola Normal de Niterói (1935). “A
Escola Normal da província de Niterói deveria ser o centro formador de
professores que teriam a missão de auxiliar na ordenação moral dos
cidadãos.” (MARTINS, 2009). As mudanças na educação brasileira
sempre refletiram, nos seus princípios, as características e tendências
adotadas pelo regime político vigente. Sendo assim, a formalização, a
centralização e o autoritarismo são marcas que se perpetuaram durante a
história.
A educação brasileira passou por outras mudanças com a
instauração da República, mantendo as mesmas características adotadas
pelo novo governo. Contudo, é no início da Era Vargas (1930) que
surgem as reformas educacionais mais modernas, levando-se em conta a
necessidade mercadológica de mão de obra especializada, para atender o
setor urbano-industrial em crescimento. Gadotti (1997, p. 111) afirma
que
No Estado nacional-populista a escola
representava o instrumento ideal para a
disseminação da nova ideologia
desenvolvimentista, isto é, o mito do
desenvolvimento capaz de produzir o bem-estar
de todos, independentemente de classe social.
Nesse período foi organizado o Conselho Nacional de Educação,
através do Decreto n. 9.850, de 11 de abril de 1931, incumbido de criar
o primeiro Plano Nacional de Educação. Segundo Gadotti (1997, p.
111),
[...] em 1930 foi criado o Ministério da Educação
e Saúde. Seu primeiro Ministro (Francisco
Campos) cria o Conselho Nacional de Educação,
ao mesmo tempo em que reforma o ensino
secundário; cria o ensino comercial e estabelece o
57
Estatuto das Universidades Brasileiras (Reforma
Campos).
Há, nesse momento, o interesse em discutir a educação nos meios
intelectuais brasileiros, com a intenção de promover a melhoria no
processo de estabilização social. O texto do “Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova”, de março de 1932, é um dos documentos que, segundo
Bedin (2011, p. 13), “marcou a história da educação brasileira,
representou o pensamento intelectual da época.” Saviani (2004, p. 34)
entende o documento “como um instrumento político que expressa a
posição do grupo de educadores que se aglutinou na década de 1920 e
que vislumbrou na Revolução de 1930 a oportunidade de vir a exercer o
controle da educação no país.”
Em 1964, com a instauração do governo militar no Brasil, as
decisões, no âmbito das políticas educacionais, ficaram centralizadas e
fortalecidas no Executivo. Nas palavras de Gregorutti (2011, p. 22), “em
1971, ainda sob o regime militar, e tendo como orientação o acordo
MEC/Usaid, é editada a Lei Federal nº 5692.” Para esse autor,
A pedagogia tecnicista é convertida em pedagogia
oficial, estendendo-se a tendência produtivista a
todas as escolas do país. Incorporando à legislação
os princípios da racionalidade, da eficiência e da
produtividade, apresenta-se como o pano de fundo
dessa tendência a teoria do capital humano,
baseada no jargão “máximo resultado com
mínimo de dispêndio” (2011, p. 22).
Esses intelectuais concluíram, que em virtude da exigência do
mundo moderno, capitalista, as instituições educacionais estavam muito
defasadas, devendo ser modernizadas de acordo com a nova realidade
social (GADOTTI, 1997). Dessa forma, a reestruturação da escola, no
campo do saber, está sob o domínio do Estado, que na normalização do
discurso pedagógico torna invisível o seu poder. Para Orlandi (2003, p.
30), “há uma indistinção feita pela linguagem escolar que se presta a
uma função tranqüilizante: não há sustos, dúvidas ou questões sem
respostas. Assim se constrói o saber devido, o saber útil (vale perguntar: para quem?).”
A escola, então, se consolida como uma grande promessa de
ascensão social dos diferentes. O Estado‐Nação se compromete com a
educação gratuita, e os paradigmas capitalistas da produção
asseguravam empregos fixos e ambos contribuíam para a aceitação, de
58
certa forma com o aval da sociedade, das formas de exploração.
Segundo Orlandi (2003, p. 22),
A escola tem uma função de dissimulação;
apresenta hierarquias sociais e a reprodução
dessas como se estivessem baseadas na hierarquia
de dons, méritos ou competências e não como
hierarquia fundada na afirmação brutal de relações
de forças. Convertem hierarquias sociais em
hierarquias escolares e com isso legitimam a
perpetuação da ordem social.
Com as pressões sociais organizadas pela sociedade civil, uma
distensão lenta, gradual e segura é formulada pelos militares em 1974,
iniciando o processo de saída do período ditatorial; em 1979 ocorre a
denominada “abertura democrática”. Para Saviani (2004, p. 39), a
“transição democrática” fez-se segundo a estratégia da conciliação pelo
alto, visando à garantia da continuidade da ordem socioeconômica.
Para Gregorutti (2011, p. 9), “nos anos 1980, os educadores
brasileiros reivindicaram maior participação nas decisões, na gestão do
ensino, na elaboração do Projeto Pedagógico das escolas e na
formulação das políticas educativas.” Dessa maneira, os discursos
anunciando as mudanças na educação são construídos, criando a
expectativa em torno da escola, caracterizada como um local apropriado
para acolher e modelar o novo cidadão. Conforme Gregorutti (2011, p.
28-29), a nova Constituição (1988) traz “importantes alterações na área
educacional, principalmente quanto à inclusão das reivindicações dos
professores em participar das decisões, instituindo, assim, a gestão
democrática nas escolas.”
Em 1996, foi elaborava a nova Lei de Diretrizes e Base da
Educação (LDB), que instituiu a política educacional brasileira.
Conforme documento da Câmara dos Deputados, “desde sua
promulgação, em 20 de setembro de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação nacional vem redesenhando o sistema educacional brasileiro
em todos os níveis [...]” (BRASIL, 1996, p. 1). Esse documento define
que a educação no Brasil deve ser organizada e administrada
separadamente por cada nível de governo. Dessa maneira, a União, os
Estados, o Distrito Federal e os municípios devem criar seus próprios
mecanismos e sistemas de ensino, gerenciados pelo governo federal
através do Ministério da Educação.
59
Com base nessa nova lei, em artigos que serão posteriormente
citados, o sistema de ensino concede às escolas públicas da educação
básica, entre outras incumbências, a autonomia para a elaboração da
proposta pedagógica, que segundo Gregorutti (2011, p. 29), “observadas
as normas gerais de direito financeiro público que os integram –
progressivos graus de autonomia pedagógica, de administração e de
gestão financeira, definirão as normas da gestão democrática do ensino
público.”
Vale citar que outros movimentos aconteceram depois do
surgimento da LDB, contribuíram de alguma maneira com as diretrizes
das políticas educacionais. Dentre eles, pode-se citar o Plano Nacional
de Educação (PNE de 2001), o Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE de 2007), o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE-Escola)
(GREGORUTTI, 2011).
Por fim, pode-se dizer que com avanços e recuos, sabendo-se que
é impossível escapar das influências globalizadoras da sociedade
moderna, foram criadas as condições para o desenvolvimento do sistema
de ensino no Brasil, sem esquecer que a educação não está imune nem
ao “espírito do sistema”, nem aos princípios ideológicos de quem está
no poder.
5.2 A LDB E A PROPOSIÇÃO DA EXISTÊNCIA DO PLANO
POLÍTICO PEDAGÓGICO (PPP)
Na educação, o Ministério da Educação (MEC) passa a ser o
centralizador do discurso oficial e alguns princípios, como gestão
democrática, autonomia da escola, construção do Projeto Político
Pedagógico e descentralização (municipalização) passam a ser
incorporadas ao sistema educacional (GREGORUTTI, 2011). O Projeto
Político Pedagógico (PPP), sem poder fugir à regra, originado que é da
LDB, passou a ser “uma exigência e as escolas estão diante do desafio
de concretizarem e fortalecerem mecanismos mais participativos e
democráticos de decisão em seu interior” (2011, p. 39). Nessa Lei
destacam-se a autonomia e a possibilidade de participação dos
envolvidos no universo escolar, componentes muito relevantes para a
proposta de um novo caminho no ensino.
Nos artigos abaixo citados, fica evidenciada a visão do Estado
sobre educação e as obrigações das escolas, dos docentes e todo o
conjunto formador do sistema de ensino.
Da Educação
60
Art. 1º - A educação abrange os processos
formativos que se desenvolvem na vida familiar,
na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos
sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais.
§ 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se
desenvolve, predominantemente, por meio do
ensino, em instituições próprias.
§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao
mundo do trabalho e à prática social.
Dos Princípios e Fins da Educação Nacional
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado,
inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais
de solidariedade humana, tem por finalidade o
pleno desenvolvimento do educando, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho.
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos
seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e
permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e
divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções
pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V - coexistência de instituições públicas e
privadas de ensino;
VI - gratuidade do ensino público em
estabelecimentos oficiais;
VII - valorização do profissional da educação
escolar;
VIII - gestão democrática do ensino público, na
forma desta Lei e da legislação dos sistemas de
ensino;
IX - garantia de padrão de qualidade;
X - valorização da experiência extra-escolar;
XI - vinculação entre a educação escolar, o
trabalho e as práticas sociais.
XII - consideração com a diversidade étnico-
racial. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
elaborar e executar sua proposta pedagógica.
61
Art. 12º Os estabelecimentos de ensino,
respeitadas as normas comuns e as de seu sistema
de ensino, terão a incumbência de:
I. Elaborar e executar sua proposta pedagógica;
II. Administrar seu pessoal e seus recursos
materiais e financeiros;
III. Assegurar o cumprimento dos dias letivos e
horas-aula estabelecidas;
IV. Velar pelo cumprimento do plano de trabalho
de cada docente;
V. prover meios para a recuperação dos alunos de
menor rendimento;
VI. Articular-se com as famílias e a comunidade,
criando processos de integração da sociedade com
a escola;
VII. Informar os pais e responsáveis sobre a
freqüência e o rendimento dos alunos, bem como
sobre a execução de sua proposta pedagógica.
Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de:
I. Participar da elaboração da proposta pedagógica
do estabelecimento de ensino;
II. Elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo
a proposta do estabelecimento de ensino; zelar
pela aprendizagem dos alunos;
III. Estabelecer estratégias de recuperação para os
alunos de menor rendimento;
IV. Ministrar os dias letivos e horas-aula
estabelecidos, além de participar integralmente
dos períodos dedicados ao planejamento, à
avaliação e ao desenvolvimento profissional;
V. Colaborar com as atividades de articulação da
escola com as famílias e a comunidade.
Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas
da gestão democrática do ensino público na
educação básica, de acordo com as suas
peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I. Participação dos profissionais da educação na
elaboração do Projeto Pedagógico da escola;
II. Participação das comunidades escolar e local
em conselhos escolares ou equivalentes.
Art. 15. Os sistemas de ensino assegurarão às
unidades escolares públicas de educação básica
que os integram progressivos graus de autonomia
pedagógica e administrativa e de gestão
62
financeira, observadas as normas gerais de direito
financeiro público (BRASIL, 1996).
A LDB define o objeto e o objetivo da educação, estabelece a
obrigatoriedade do Projeto Político Pedagógico e determina que o
mesmo seja elaborado pela escola e seus profissionais da educação,
numa tarefa coletiva, com a participação da comunidade, na qual a
escola está inserida. O PPP, nas palavras de Gregorutti (2011, p. 10),
Se construído a partir da vivência democrática e
com a participação de todos os segmentos que
compõem a comunidade escolar, torna-se
instrumento de superação, de ruptura e de
participação democrática ao possibilitar a
ampliação da consciência e dos direitos dos
cidadãos, no sentido de pertencerem a uma escola
que tenha uma função social na comunidade.
O Projeto Político Pedagógico pode ser descrito como uma ação
intencional na busca de soluções e direção, com um compromisso sócio-
político intimamente ligado aos interesses do seu público-alvo e com a
formação do cidadão social. Para Albino (2011, p. 663-664), o PPP pode
ser entendido, politicamente, como “a resistência à regulação oficial e
crença na possibilidade de construir a identidade escolar através de um
Projeto Político Pedagógico comprometido com a qualidade da
educação.”
Na dimensão pedagógica, o PPP “se constitui em norteador do
‘programa de ensino’, do currículo, da metodologia adotada, do
processo de avaliação de disciplina adotado, da didática de ensino e de
outras decisões que compõem o cotidiano escolar.” (MALAVAZI, 1995,
p. 4). O Projeto Pedagógico visa a formação de um cidadão
participativo, compromissado, crítico, criativo e responsável (VEIGA,
2006, p. 13). Político e pedagógico são conceitos que têm, dessa forma,
uma significação indissociável.
Dessa forma, a escola é, por uma definição tradicional, o local
onde se compartilha e constrói conhecimento, onde as políticas públicas
se concretizam, de onde saem as demandas que influenciam essas políticas. Por outro lado, as leis são importantes, mas, por si só não
provocam nenhuma mudança, se não forem acompanhadas de ações
transformadoras. Para Reynaud (2000, p.11),
63
As ideias em educação, são de fundamental
importância, mais do que em qualquer outro
campo de ação; no entanto, se não forem postas
em prática, só servem para o debate prazeroso e
para a compreensão, mas não geram
transformação, são letra morta.
Por esse prisma, construir um Projeto Político Pedagógico requer
o cumprimento de algumas condições especiais: a participação de todos
os envolvidos no Projeto, a autonomia e uma constante reflexão sobre o
cotidiano da escola, para a qual está sendo elaborado o PPP. Segundo
Neves (1996, apud REYNAUD, 2000, p. 3), “na realidade escolar,
autonomia é exercício de democratização de espaço público: é delegar à
direção e aos demais agentes pedagógicos a possibilidade de responder
aos cidadãos a quem prestam serviço”.
O Projeto Político Pedagógico tem co.m um dos seus objetivos
definir que tipo de sociedade e cidadãos a escola quer construir e quais
os caminhos que ela deve seguir para alcançar essa meta. Para Reynaud
(2000, p. 2), o PPP “firma o ideal de sua prática para dar significado ao
esforço desencadeado.” Portanto, só é Projeto Político Pedagógico, se
conseguir alcançar sua intencionalidade, criando um novo cenário
social, com a participação efetiva de todos os envolvidos nesse
processo. Para Velho (apud MEDEIROS; SILVA, 2009, p. 3), “o PPP é
formado dentro de um campo de possibilidades históricas e culturais e
sua continuidade e estabilidade dependem de sua capacidade de definir a
realidade de maneira convincente e coerente, que garanta eficácia
política e simbólica.”
Entretanto, há no ambiente escolar uma triagem velada que define
quem faz e quem não faz parte dele, quem tem o poder de se apropriar
do discurso pedagógico e quem não tem. “O produtor da linguagem não
possui seu controle, ainda assim sua naturalidade não é natural nem sua
arbitrariedade arbitrária, pois encontra sua motivação na forma social,
no sistema de produção a que pertence.” (ROSSI-LANDI, 1975 apud
ORLANDI, 2003, p. 25). E é no ambiente escolar que o Projeto Político
Pedagógico é desenvolvido e pode ser observado como a materialidade
dos discursos que o regem, uma vez que a Análise do Discurso se
interessa pela compreensão de como um objeto simbólico produz
sentido. Para Orlandi (2012, p. 26), “a compreensão procura a
explicitação dos processos de significação presentes no texto e permite
que se possam ‘escutar’ outros sentidos que ali estão, compreendendo
como eles se constituem.”
64
Dessa maneira, a partir do embasamento teórico da Análise do
Discurso, apresentado nesta dissertação, pode-se afirmar que o PPP tem
sua discursividade constituída a partir dos diálogos entre os sujeitos
responsáveis em redigi-lo. Não foi pensado, para uma análise discursiva,
o PPP como estrutura textual ou linguística, um texto fechado e pronto,
mas pensado no corpus como uma unidade de significação, respeitando
sua incompletude e cujo sentido está oculto nos discursos dos
interlocutores, cabíveis de interpretações. Orlandi (2013, p. 10) adverte
que, “diante de qualquer fato, de qualquer objeto simbólico somos
instados a interpretar, havendo uma injunção a interpretar. Ao falar,
interpretamos. Mas, ao mesmo tempo, os sentidos parecem já estar
sempre lá..”
E se, por definição, o PPP envolve um ambiente histórico-social,
intenção, sentido e ideologia, pode-se dizer que implica discurso. E
como tal, se torna um corpus fértil para a análise do discurso.
5.3 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: IMPOSIÇÃO OU
TRANSFORMAÇÃO SOCIAL?
Por imposição da Lei, a escola recebeu a tarefa de elaborar e
executar o Projeto Pedagógico de forma coletiva e democrática, isto é,
com a participação de todos os envolvidos no sistema de ensino, além da
comunidade escolar local. Dessa maneira, a proposta de uma gestão, no
ensino público, tem o desafio de fortalecer os mecanismos participativos
e democráticos, dentro do ambiente escolar. Nas palavras de Gregorutti
(2011, p.39):
A gestão democrática, portanto, é uma conquista
da sociedade civil na defesa de uma escola pública
e democrática que ofereça elevado nível de
qualidade para a população usuária em
contraposição a uma gestão instituída pelo Estado
que objetiva desresponsabilizar-se dos seus
deveres.
Dessa maneira, diante das mudanças histórico-sociais e legais, foi
necessário que os municípios articulassem um conjunto de propostas, ações e estratégias para que pudessem oferecer à população
oportunidades de desenvolvimento, crescimento individual e coletivo.
Conforme Veiga (2006, p. 15),
65
Para modificar sua própria realidade cultural, a
instituição educativa deverá apostar em novos
valores. Em vez da padronização, propor a
singularidade; em vez de dependência, construir a
autonomia; em vez de isolamento e
individualismo, o coletivo e a participação; em
vez da privacidade do trabalho pedagógico,
propor que seja público; em vez de autoritarismo,
a gestão democrática; em vez de cristalizar o
instituído, inová-lo; em vez de qualidade total,
investir na qualidade para todos.
Nos textos dos Projetos Políticos Pedagógicos, seguindo a
orientação da LDB, é possível identificar a intencionalidade em atingir
as metas propostas pelo documento, que orienta uma “simbiose” entre a
gestão democrática e a gestão em ação. Juntas e coerentes com o
discurso institucionalizado devem buscar:
– Um sistema público de ensino com autonomia,
democrático, sem discriminações, racismos e
intolerâncias;
– Um sistema público de ensino cujos atores
ouçam falar de solidariedade, cidadania,
república, direitos etc., e que sejam esses
conceitos vinculados à sua prática de vida.
(FERNANDES, 2005, p. 5).
Em outras palavras, os textos dos Projetos Políticos Pedagógicos
deixam claro que exigem da escola, através de sua estrutura humana e
pedagógica, a formação de um cidadão crítico, reflexivo, conscientes de
seus direitos e deveres.
O Projeto Político Pedagógico, ao mesmo tempo
em que exige dos educadores, funcionários,
alunos e pais a definição clara do tipo de escola
que intentam, requer a definição de fins. Assim,
todos deverão definir o tipo de sociedade e o tipo
de cidadão que pretendem formar. (VEIGA, 2006,
p. 17).
Desta forma, a preocupação fundamental da escola pública, se
analisarmos o PPP, deve ser a busca por uma educação de qualidade e
ao alcance de todos. Complementando, Veiga (2006, p.1), observa:
66
Desenvolver o educando, prepará-lo para o
exercício da cidadania e do trabalho significam a
construção de um sujeito que domine
conhecimentos, dotado de atitudes necessárias
para fazer parte de um sistema político, para
participar dos processos de produção da
sobrevivência e para desenvolver-se pessoal e
social.
O PPP determina, também, a descentralização do poder, a
democratização e a autonomia, requisitos básicos a serem seguidos, para
que o Projeto não se transforme num documento inútil e esquecido.
Contudo, não basta regulamentar a autonomia. É
preciso criar condições para que ela seja
construída, em cada escola, de acordo com as suas
especificidades locais e no respeito pelos
princípios e objectivos que informam o sistema
público nacional de ensino. (BARROSO, 2003, p.
2).
Se por um lado o PPP, no papel, propicia autonomia à escola,
dando-lhe voz, por outro essa autonomia só poderá ser alcançada se
houver participação consciente e responsável de todos os envolvidos no
Projeto. É necessário que se compreenda e se absorva o conceito de
sujeito coletivo. Para Reynaud (2000, p. 3):
É indispensável eliminar as relações competitivas,
corporativas e autoritárias que impossibilitam a
vivência democrática e a resolução de conflitos de
forma criativa, diminuindo os efeitos
fragmentários da divisão do trabalho, que
reforçam as diferenças e hierarquizam os poderes
de decisão.
Dessa forma, autonomia e participação desenvolvem-se
paralelamente e deveriam acontecer nas ações diárias escolares e nas
relações entre os agentes desse processo. Para Gregorutti (2011, p. 45),
“é a ação dos diversos membros que compõem a comunidade escolar
que precisa ser incentivada para a efetiva construção da sua autonomia.”
Em síntese, o Projeto Político Pedagógico orienta todos a buscar
a qualidade da educação, seja ela do ponto de vista político ou
67
pedagógico. Conforme Veiga (2006, p. 3) sugere, “a qualidade que se
busca implica duas dimensões indissociáveis: a formal ou técnica e a
política. Uma não está subordinada a outra; cada uma delas tem
perspectivas próprias.” Segundo o autor, a qualidade formal está ligada
aos instrumentos, técnicas e métodos, e a qualidade política, por sua vez,
fundamenta-se na participação coletiva e na visão de uma educação
transformadora. Para Gregorutti (2011, p. 45),
A escola que objetiva construir uma gestão
democrática precisa criar condições para romper
com a autonomia aparente, decretada ou
instituída, romper com modelos de centralização,
paternalismos, dependências, inércia e burocracia
excessiva; portanto, é a ação dos diversos
membros que compõem a comunidade escolar que
precisa ser incentivada para a efetiva construção
da sua autonomia.
Todavia, o ambiente escolar é, historicamente, um espaço de
resistência. De acordo com Giroux (1997, p. 204-205),
As escolas são terrenos políticos e ideológicos a
partir dos quais a cultura dominante “fabrica” suas
“certezas” hegemônicas, mas elas também são
lugares nos quais grupos dominantes e
subordinados definem e pressionam uns aos
outros através de uma constante batalha e
intercâmbio em resposta às condições sócio-
históricas “contidas” nas práticas institucionais,
textuais e vividas que definem a cultura escolar e
a experiência professor/estudante.
Os agentes envolvidos na máquina educadora muitas vezes têm
posições políticas diferentes e muitas vezes visões contraditórias sobre
as regras e os caminhos da educação, impostas pelos discursos oficiais.
Como aponta Gadotti Neto (2011, p. 21),
Seja qual for a perspectiva da educação
contemporânea, uma educação voltada para o
futuro será sempre uma educação contestadora,
superadora dos limites impostos pelo Estado e
pelo mercado, portanto, uma educação muito mais
68
voltada para a transformação social do que para a
transmissão cultural.
Paralelamente ao discurso que promove a autonomia das
instituições escolares, enfatizando a participação coletiva, com um apelo
em torno dos ideais de liberdade e igualdade,
Os projetos têm sido aprovados por Secretarias de
Educação, Núcleos de Ensino que emitem o
parecer favorável ou contrário. Esses aspectos
estão colados com a reforma do Estado, na qual o
mesmo fortalece-se na função de promotor e
regulador. (BATISTA, 2012, 118).
Referindo-se ao mesmo tema, Veiga (2006, p. 49) diz que “o
Projeto da escola orienta-se por planos de curta duração, que muitas
vezes são padronizados e vêm de cima para baixo, como uma forma de
controle e vigilância.”
Há outra linha de pensadores que entende a escola como uma
instituição a serviço do Estado e, portanto, fiel à sua ideologia. Para essa
linha de pensamento, a função do PPP é, nas palavras de Silva (2003, p.
292), “a conformação dos comportamentos e a inibição daqueles
indesejáveis.” Esses autores defendem que a democratização da escola
está contida num discurso vazio, “uma vez que, atualmente, temos uma
grande distância entre o que é colocado em lei e o que é de fato
realizado no dia a dia das escolas.” (GREGORUTTI, 2011, p. 43).
E é nesse conflito, entre a transformação e a submissão, que a
organização escolar vai fundamentando os seus aspectos político-
pedagógicos e vai construindo os seus discursos.
Analisando na perspectiva da educação, Orlandi (2003, p. 21),
sugere que “as questões não se podem dizer nem verdadeiras nem falsas,
pois não se trata de explicar fatos, mas de se mostrar a perspectiva de
como podem ser vistos.”
Assim, é possível concluir que o espaço escolar é um lugar
repleto de particularidades e diferenças, onde as ideias, os conceitos e as
ideologias são, muitas vezes, forças antagônicas de igual intensidade.
De acordo com Gregorutti (2011, p. 12-13),
O processo de investigação a respeito da
construção do Projeto Político Pedagógico nas
escolas implica em uma interpretação do objeto
estudado, passando da percepção para o
69
conhecimento que – como processo – necessita
ser reconstruído; assim, a investigação é uma
forma de ação que procura tornar visível o
invisível, fazendo perceber o que não se percebe e
ver o que normalmente não se vê.
Para finalizar, baseado no que foi exposto, entender as condições
em que o Projeto Político Pedagógico da Rede Municipal de Educação
de Criciúma foi produzido, auxilia no processo investigativo nos moldes
da Análise de Discurso. Desta forma, conhecer o PPP ajuda na
descoberta das vozes que fazem parte dos discursos nesse documento.
70
71
6 A REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE CRICIÚMA/SC E O
PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO
6.1 A CIDADE DE CRICIÚMA/SC
Antes da análise de discurso, baseada em recortes de textos
contidos no Projeto Político Pedagógico da Rede Municipal de Criciúma
(SC), é importante que se situe a cidade geograficamente e se faça um
breve relato sobre a sua história.
Figura 1 – Símbolo de Criciúma/SC
Fonte: www.criciuma.sc.gov.br
Criciúma é um município brasileiro, situado no Estado de Santa
Catarina, na região Sul do País. Segundo as estatísticas do IBGE de
2014, conta com 204.667 habitantes. Delimita-se com os municípios de
Siderópolis, Cocal do Sul, Morro da Fumaça ao norte; Maracajá e
Araranguá ao sul; Içara ao leste e Nova Veneza e Forquilhinha ao Oeste.
Figura 2 – Mapa do Brasil e do Estado de Santa Catarina
Fonte: www.criciuma.sc.gov.br
A cidade nasceu no final do século XIX, durante o ciclo da
imigração europeia, e o dia 6 de janeiro de 1880 é considerado a data da
sua fundação. O início da colonização do município ocorreu com a
72
chegada das primeiras famílias de italianos que, oriundos da Itália,
vieram procurar novas oportunidades, em terras promissoras. Segundo
Gasparetto Junior (2010, p. 799) “o Brasil era um local atrativo por
causa de seu florescimento econômico e em consequência da
propaganda realizada na Europa.”
Mais tarde chegaram à região imigrantes de outras
nacionalidades, que juntos com os italianos contribuíram de forma
decisiva no desenvolvimento do município. A emancipação política de
Criciúma ocorreu em 1925, com o seu desmembramento da comarca de
Araranguá. Nas palavras de Naspolini Filho (2007, p. 115) “no dia 16 de
dezembro de 1925 ocorreu a primeira eleição política de Cresciuma,
então município emancipado de Araranguá.”
Com uma economia diversificada, Criciúma figura hoje como
uma cidade em franco desenvolvimento, sendo uma das principais
cidades catarinenses e um dos mais importantes centros econômico e
industrial da região sul do estado. “O município é polo industrial em
diversos setores, entre eles: confecção, embalagens, cerâmico, plástico e
descartáveis, metal-mecânico, extração do carvão mineral, construção
civil, comércio e material gráfico.” (PRADO, 2013, p. 46).
Figura 3 – Mapa e bandeira de Criciúma
Fonte: www.criciuma.sc.gov.br
Por ser considerada cidade referência, inclusive na educação, com
suas escolas públicas, particulares e universidade, foi escolhido como
texto-base deste trabalho o Projeto Político Pedagógico da Rede
Municipal de Criciúma (SC).
A elaboração do plano teve início em 2001, na gestão do prefeito municipal Décio Góes (PT), e entrou em vigor em 2004, último ano de
seu mandato. Nesse período, o município contava com 69 escolas da
Rede Municipal e com o Programa de Educação de Jovens e Adultos
(PROEJA). Foram convidados para participar da elaboração do PPP
73
universidades, escolas particulares, sindicatos, conselhos municipais,
Câmara de Vereadores, ONGs, escolas estaduais e a comunidade em
geral.
6.2 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICO
PEDAGÓGICO
A educação no Brasil passou por reformas de ordem de gestão,
política e pedagógica, sempre atendendo à demanda e às exigências do
contexto histórico-social e econômico no qual a escola estava inserida.
A escola pública, como instituição educacional, tem a sua organização
modelada e mediada pelo discurso oficial, isto é, seu discurso deve estar
em consonância com os discursos hierarquicamente superiores –
nacional, estadual e municipal – que ditam as leis do sistema
educacional brasileiro.
Como já foi dito anteriormente, entre as atividades pedagógicas
impostas pela LDB está a criação do Projeto Político Pedagógico.
Conforme Batista (2012, p. 10), “um dos documentos que tem sido
elaborado para organizar as atividades pedagógicas é o Projeto Político
Pedagógico (PPP).”
Faz parte do Projeto Político Pedagógico o conjunto de textos
concebido para a orientação administrativa, curricular e social, com o
objetivo de organizar o funcionamento das unidades escolares. Segundo
Pimentel e Sant’Anna (2006, p. 80), o PPP “integra o conjunto dos
textos elaborados em níveis de gestão que estão relacionados aos
municípios ou à própria escola.” Em conformidade com a legislação que
regula sua existência, espera-se que o PPP seja elaborado pelos
componentes sociais que participam do funcionamento da instituição,
isto é, a direção, os professores, os alunos e as famílias que representam
esses alunos (PIMENTEL; SANT’ANNA, 2006, p. 80). “No Projeto
Pedagógico ficam contidas a identidade da escola, sua intencionalidade
e a revelação de seus compromissos.” (REYNAUD, 2000).
A importância da construção de um PPP está na possibilidade de
se detectar e solucionar problemas referentes a cada unidade escolar, de
construir conhecimentos baseados em teorias já existentes e de
programar as atividades da escola em questão. O PPP tem, também, a
pretensão de ser um instrumento indispensável de ação e de
transformação política, educacional e social. Como afirmou Reynaud
(2000, p. 2), o PPP “é em síntese, a maneira de superar e transformar o
contexto existente, criando o novo, definido coletivamente, pela razão,
emoção e ação.”
74
Portanto, construir um Projeto Político Pedagógico de uma rede
de escolas municipais implica em condições essenciais: a conquista da
autonomia, a participação coletiva, a reflexão sobre o cotidiano das
escolas e o diálogo como mediador no processo. “Um Projeto só é
Político Pedagógico, quando busca alternativas viáveis à efetivação de
sua intencionalidade.” (REYNAUD, 2000, p. 2).
Nessa perspectiva, os textos encontrados no Projeto Político
Pedagógico, num cenário de reformas educacionais mediadas pela
ideologia e estimuladas pela promessa de descentralização e autonomia,
são fontes inesgotáveis de sentidos, relações de força e ideologias. Esses
elementos, fundamentais para a AD, possibilitam ao analista desvendar
os sentidos discursivos destes textos envolvidos com a educação e a
descobrir as muitas “vozes” que aparecem e formam esses discursos.
6.3 ELABORAÇÃO DO PPP DA REDE MUNICIPAL DE
CRICIÚMA/SC
A Lei n. 9.394/96, no inciso I do Artigo 12, diz que “respeitadas
as normas comuns e as do seu sistema de ensino”, os estabelecimentos
escolares terão a tarefa de elaborar e executar o seu Projeto Político
Pedagógico: o PPP (BRASIL, 1996). Ele é um documento que nasce do
diálogo entre os diversos segmentos do universo escolar, para que juntos
possam detectar, planejar e solucionar os problemas diagnosticados,
estabelecendo, desta forma, a estrutura administrativo-pedagógica das
escolas.
O quadro abaixo representa a composição organizacional
montada pela secretaria de Educação de Criciúma (SC) para a
elaboração do PPP de sua rede de ensino.
75
Figura 4 – Organograma do processo de Construção do PPP
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO PPP
* Em 2003 o número de escolas municipais foi ampliado de 69 para 71 escolas.
Fonte: LOURENÇO, 2014.
A elaboração do Projeto Político Pedagógico foi dividida em três
etapas: 1) marco diferencial; 2) diagnóstico e 3) programação. Como
metodologia foram usados o questionamento e a problematização para
que fossem identificadas as necessidades e a realidade local das escolas
da Rede Municipal. As discussões e debates ocorreram nas unidades
escolares e em espaços de plenário, até a versão final do texto. Nas
palavras de Lourenço, “como recurso para a elaboração do Marco
Referencial, Diagnóstico e Programação (etapas do PPP), usamos o
PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA REDE
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE CRICIÚMA
Secretaria Municipal de Educação
69 Escolas *
Equipe
diretiva,
(diretor,
auxiliar de
direção,
secretários
e orientado-
ras educa-
cionais)
Funcioná-
rios/as
(serventes,
merende-
iras e
professores
/as)
Pais
Mães
Pai
s/M
ães
Alunos/as
Comuni-
dade em
geral
76
metodologia do questionamento e da problematização.” (CRICIÚMA,
2004, p. 41).
No primeiro momento da elaboração do PPP, cada unidade
escolar trabalhou seu texto, com a participação do seu próprio quadro de
colaboradores, com seus alunos e com a comunidade em geral.
Lourenço afirma que “o texto foi resultado do trabalho coletivo de cada
unidade escolar.” (CRICIÚMA, 2004, p. 43). No segundo momento, as
69 versões foram encaminhadas à Equipe de Coordenação Pedagógica
da Secretaria de Educação, que ficou encarregada da sistematização e
redação do texto final. Segundo Lourenço,
Foram momentos de muito trabalho,
compromisso, envolvimento e aprendizagem. A
Equipe de Coordenação Pedagógica da Secretaria
de Educação esmerou-se na elaboração de
metodologias de redação que fossem ao encontro
do compromisso máximo: ser fiel às ideias que
deram origem ao texto. (CRICIÚMA, 2004, p.
43).
Durante dez dias, no final de cada etapa da construção do PPP,
foram realizados grandes plenários com a participação de delegados
designados pelas escolas, que se revezavam para que pudessem
acompanhar a apresentação de todas as unidades escolares e da
secretaria. Em 26 de novembro de 2002, após um plenário final que
durou cinco dias, foi aprovado o documento do Projeto Político
Pedagógico da Rede Municipal de Educação de Criciúma, com a
definição, inclusive do slogan do Projeto: “Por uma educação mais
democrática”.
6.4 ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO DO PPP
Um dos objetivos da Secretaria de Educação era que o PPP da
Rede e o PPP de cada unidade compusessem um conjunto unificado e
articulado. Nas palavras de Lourenço, “integrado quanto aos princípios e
linhas de ação e articulado nas ações, para que, nesse ânimo coletivo, se
chegue a bons resultados.” (CRICIÚMA, 2004, p. 51). Para que isso
fosse possível, foi instituída uma Comissão Permanente para
Acompanhamento e Avaliação do PPP, formada por representantes de
pais, alunos, professores, diretores de escola, funcionários e Secretaria
de Educação. Essa comissão tem como tarefa, segundo Lourenço, “o
77
desenvolvimento de instrumentos e mecanismos de acompanhamento e
avaliação” (idem). O acompanhamento e a avaliação servem para
corrigir rotas de atuação e criar novas ações caso algum fato novo
aconteça, preservando, dessa maneira, a qualidade e os objetivos do
Projeto Político Pedagógico da Rede Municipal de Criciúma (SC).
78
79
7 ANÁLISE DE DADOS – RECORTES DE TEXTOS
EXTRAÍDOS DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO
Os textos, conforme a perspectiva da Análise de Discurso, são
fontes inesgotáveis de sentidos. Como parte dos objetivos dessa
pesquisa os recortes extraídos do PPP serão analisados explorando o
sentido político, ideológico implícito no discurso escolar.
Dessa forma, levando-se em consideração os procedimentos
teóricos e analíticos da AD, neste capítulo serão revisitados conceitos
que nos permitirão analisar os dados em destaque. Um desses conceitos
é a paráfrase, que para a AD é o discurso que se mantém em um novo
discurso. Isso é, o que já foi dito em outro lugar e fica na memória
discursiva. Um segundo conceito é a polissemia, que a Análise de
Discurso define como a ruptura de sentido. Para Orlandi (2013, p. 36), a
paráfrase e a polissemia “são duas forças que trabalham continuamente
o dizer, de tal modo que todo discurso se faz nessa tensão: entre o
mesmo e o diferente.”
Importante lembrar que os discursos funcionam levando-se em
consideração as relações de sentido. “O modo particular como a AD
concebe e analisa a construção dos sentidos permite pensar o discurso
enquanto fronteira, espaço onde coexistem unidade e polissemia,
transparência e opacidade, fechamento e incompletude.” (HENGE;
BEHENCK, 2008, p. 2). Desta forma, o discurso tem relação com outro
discurso e não tem começo e fim absolutos.
Nessa pesquisa serão usados recortes extraídos do Projeto
Político Pedagógico da Rede Municipal de Criciúma (SC), adotado em
2004, que serão analisados sob os conceitos da Análise de Discurso, já
expostos em capítulos anteriores. A seleção de certos trechos de textos
em detrimento de outros se deve a uma escolha e organização de
material para análise, na busca de “pistas” que expliquem o
funcionamento do discurso. Nas palavras de Orlandi (2009, p. 61), o
funcionamento do discurso é “uma atividade estruturante de um discurso
determinado, por um falante determinado, para um interlocutor
determinado, com finalidades específicas.” Sendo assim, o sujeito
falante diz, pensando para quem diz, com intenção de convencimento.
Neste trabalho vai se considerar a afirmação de que todo discurso
é formulado partindo da memória sócio-histórica do sujeito falante.
Esses discursos oferecem uma gama de formulações que são “a
atualização e textualização da memória.” (ORLANDI, 2003, p. 15) e
trazem doutrinamentos por conta das ideologias. Nas palavras de Vargas
(2009, p. 70), os discursos são “veiculados, muitas vezes por uma voz
80
de autoridade e de verdade que parece harmonizar as diferentes vozes
dos discursos.” Dessa maneira, como orienta a AD, o discurso vai ser
pensado, fazendo sentido.
Com base nessas afirmações, pode-se dizer que o ambiente
escolar é um espaço propício para a circulação de muitos discursos,
muitas vozes e onde acontecem significativas relações de poder. Sendo
assim, torna-se um local propício para se “ouvir” esses discursos e essas
vozes, a partir da perspectiva da AD. Para Orlandi (2008, p. 26), “o
gesto do analista é determinado pelo dispositivo teórico, enquanto o
gesto do sujeito é determinado por um dispositivo ideológico.”
Dessa forma, a análise de um texto é uma escolha metodológica
do analista, enquanto que para o sujeito falante o discurso é a
materialização de sua ideologia. Tendo em conta as noções acima
explicitadas, segue-se mostrando os textos, objetos de atenção dessa
dissertação.
7.1 A VOZ DO PREFEITO
Tendo em conta as noções acima explicitadas, seguimos
mostrando os textos, objetos de nossa atenção6. Os primeiros excertos
são retirados da apresentação do prefeito, em exercício no ano de
implantação do PPP. A fala da principal autoridade política da cidade é
o texto que dá início ao documento. Isso já dá indícios da existência de
relação de poder e autoridade encontrada na hierarquia social e política e
da importância que se dá à posição de quem “diz” e de onde “diz”.
Sempre tive uma preocupação com a Educação.
(CRICIÚMA, 2004, p. 13. Grifo da autora).
Na primeira frase do discurso do prefeito, feita na primeira
pessoa, já aparece, se pensarmos nas noções sobre a prática discursiva,
uma clara referência a discursos políticos anteriores nos quais a
preocupação com a Educação foi um dizer repetido exaustivamente.
Independentemente do partido político, por ser uma obrigatoriedade
governamental, a educação, frequentemente, faz parte de propaganda
eleitoral e é usada como plataforma de governo. No grifo, temos uma
6 Todos os textos, aqui analisados, são retirados de textos contidos no PPP da
Rede Municipal de Criciúma (SC) e estão anexados, na íntegra, num apêndice,
no final da dissertação.
81
citação parafrástica que, segundo Orlandi (2003, p. 27), é “um retorno
constante a um mesmo dizer sedimentado.”
A paráfrase, nas palavras de Gomes (2006, p. 622), “é a repetição
do dizível ligado a uma filiação político-partidária.” Isso vai ao encontro
da fundamentação da AD que nos mostra que o sujeito não é o autor do
que diz, mas apenas o diz de maneira diferente. Para a Análise de
Discurso, a paráfrase é indispensável, porque, segundo um de seus
conceitos, todo dizer vai se estruturando a partir de discursos feitos
anteriormente.
Num outro momento do texto de apresentação do PPP da Rede
Municipal de Criciúma encontramos, ainda na palavra do prefeito:
Para aprimorar o processo de qualificação do
ensino oferecido pela Rede era preciso unificar o
discurso ou sobre a escola que desejamos, ter
consciência da distância que temos dela e do que
é preciso fazer para diminuir essa distância num
horizonte de tempo compatível com os nossos
recursos humanos, financeiros, cultural, físico
etc. (CRICIÚMA, 2004, p.13. Grifo da autora).
Nesse fragmento do texto podemos perceber que houve uma
mudança e o discurso, feito em primeira pessoa passa a ser elaborado
num tom generalizado e impessoal. Esse deslocamento aparece no
discurso de cunho político-ideológico, que fala em nome de todos, para
todos.
Além disso, a análise do léxico é uma das ferramentas da AD
para encontrar “pistas” ideológicas dentro da análise de um discurso. O
termo processo, usado no texto, insere-se numa vasta possibilidade de
sentidos. Pode nos remeter a uma ação articulada, metodológica que vai
na contra-mão do pensamento democrático de liberdade. Na linguagem
jurídica, o termo é ligado às leis e normas. Conforme consta no Art. 29
da Lei n. 8.213/91, decretada pelo Presidente da República, processo é
“uma forma sistemática de proceder, necessária ao válido exercício do
poder”.
Por outro lado, “processo” pode significar movimento,
desenvolvimento ou continuação. Para a Análise de Discurso, “não há
sentido sem metáfora.” (PÊCHEUX, 2001, p. 94). A escolha da palavra
é explicada pela AD como uma ação que permite entrever a constituição
do sujeito. Para Orlandi (2012, p. 44), a metáfora “é um lugar
82
privilegiado em que a ideologia e a historicidade se manifestam.” As
palavras significam diferentes coisas em situações diferentes.
No mesmo recorte, o uso da expressão “unificar o discurso” também dá mostra de uma incoerência discursiva. Se levarmos em
consideração os conceitos da AD, podemos dizer que o verbo unificar
pode adquirir diversos significados, dependendo de quem, de onde e
como é usado. Nesse caso, unificar pode ser analisado e entendido como
um comprometimento ao ideal democrático, que permite a discordância
ou o livre arbítrio. Há nessa afirmação um deslize ideológico que nos
remete a um discurso autoritário e de uniformalização social e de
opinião pública. Esse tipo de discurso é característico da escola, que
segundo Orlandi (2003, p. 23) “atua através da convenção: o costume,
que dentro de um grupo, se considera como válido e está garantido pela
reprovação da conduta discordante.” Podemos dizer que, historicamente,
a escola exerce um papel normatizador e disciplinador, que acaba
repetindo o modelo social. Cabe à escola, também, a responsabilidade
de selecionar e legitimar o saber. “Pela avaliação que a escola
estabelece, atribui-se um estatuto de necessidade (de dever) e se institui,
dessa forma um conhecimento valorizado, um saber legítimo.”
(ORLANDI, 2003, p. 30). Dessa maneira, a expressão “unificar o
discurso” nos remete a um vício social sedimentado, a um interdiscurso
enraizado: o assujeitamento.
No fragmento a seguir, observa-se a indicação do tipo de escola
que o documento pretende legitimar:
[...] A escola que desejamos ter, consciência da
distância que estamos dela e do que é preciso
fazer para diminuir essa distância num horizonte
de tempo compatível com os nossos recursos
humanos, financeiros, culturais, culturais, físicos,
etc. (CRICIÚMA, 2004, p. 13. Grifo da autora).
Nele, podemos detectar o que na AD chamamos de “não-dito”.
Esse recorte do discurso do prefeito dá margem para pensarmos que há
uma tentativa de negação de tudo aquilo que foi feito na rede de
educação nos períodos anteriores, nos quais outros partidos políticos
ocupavam o poder. Para a análise de discurso o sujeito se coloca como
autor do que diz, deixando entrever sua posição ideológica. “Há uma
forma social de apropriação da linguagem em que está refletido o modo
como ele o fez, ou seja, a ilusão de sujeito, sua interpelação feita pela
ideologia.” (ORLANDI, 2003, p. 27).
83
Quando falamos de discursos políticos, podemos dizer que é um
processo recorrente os partidos com comportamentos e filiações
ideológicas opostas, a partir das mudanças de poder, alternarem os seus
discursos. Esse mesmo dizer, dito de forma que pareça uma ruptura com
o discurso anterior, é o que a AD caracteriza como a tensão entre a
paráfrase e a polissemia.
Também era preciso que esse processo fosse
democrático, com a participação de toda a
comunidade escolar, para que tivesse
continuidade e legitimidade social, que tivesse
articulado com a sociedade... (CRICIÚMA, 2004,
p. 13. Grifo da autora).
No primeiro grifo, mais uma vez, a escolha das palavras mostra
forças antagônicas. Enquanto o “processo” remete às regras e
metodologias, o conceito de “democracia” nos remete à autonomia e à
liberdade. Para Orlandi (2008, p. 26), “sabemos que o sujeito se inscreve
numa formação pela qual suas palavras têm um sentido sob um modo
que lhe pareça como natural, como sendo o sentido-lá, transparente.”
Ao trazer à tona a participação comunitária, em uma correlação
de sentido com democracia, o sujeito falante sustenta um dizer
“esquecido”, que na Análise de Discurso particulariza o conceito de
interdiscurso. Democracia faz parte de um desses discursos disponíveis
na memória político-social que “não possuem origem definida, mas se
mantêm presente nas relações estabelecidas no âmbito social.”
(GOMES, 2006, p. 623). Dito de outra maneira, o sujeito se imagina
autor do dizer, quando na realidade está sendo “conduzido” ou
“atravessado” por uma memória discursiva.
O uso do léxico “legitimidade” também se antepõe à categoria
social, uma vez que legitimar tem a conotação de dar permissão, de
legalizar, de normalizar. Portanto, legitimidade social, mesmo que
analisada apenas no ambiente escolar pode ser entendida como uma
forma de padronização da sociedade, o que mais uma vez anula ou
enfraquece o discurso de autonomia, uma das prerrogativas do PPP.
Para que tivesse continuidade e legitimidade
social, que tivesse articulado com a sociedade e
com as outras instâncias governamentais, outros
setores do governo municipal e dentro do
Congresso da Cidade, que visualiza nossa
84
Criciúma até 2020. (CRICIÚMA, 2004, p. 13.
Grifo da autora).
Podemos notar nessa afirmação, levando-se em consideração que
o PPP da Rede Municipal foi adotado em 2004, um projeto intrínseco de
permanência no poder e o entendimento de perenidade do documento
(PPP).
Tenho certeza de que como resultado de sua
prática, teremos pessoas mais motivadas, críticas,
solidárias, responsáveis, que saibam valorizar a
formação, o conhecimento e os ciclos de vida.
(CRICIÚMA, 2004, p. 13. Grifo da autora).
Conforme os parâmetros do Projeto Político Pedagógico, o seu
teor tem como objetivo a qualidade de ensino, o crescimento de todos os
envolvidos com o espaço escolar e a participação efetiva de toda a
comunidade em torno. O PPP, dessa forma, é um documento que aponta
como meta a realização de expectativas e ideais. Tem, portanto, um
conteúdo voltado totalmente para as relações humanas.
Numa perspectiva interpretativa, podemos dizer que, para a
sociedade capitalista do século atual, “resultado” remete a situações de
rendimento, lucro. Para Marques (2011, p. 61), “o sujeito discursivo
mobiliza determinadas formas lexicais para evidenciar uma tomada de
posição enunciativa.” Dessa maneira, podemos entender a “escolha” do
léxico “resultado” como uma metáfora, que nos mostra uma relação de
cooperação entre a escola e o mercado de trabalho, ambos exigindo
produtividade. É a educação preparando o cidadão, qualificando a mão
de obra produtiva.
Ainda no exemplo acima, na primeira afirmação do prefeito, não
foram levados em consideração os conflitos, as relações de poder, tão
presentes nos relacionamentos humanos e nos movimentos da história e
da sociedade. No segundo grifo, chama atenção a intenção de
autoralidade, isto é, a ilusão de que o sujeito falante é o autor do
discurso. O uso do verbo “ter”, no tempo futuro, nos dá uma pista da
negação de uma realidade anterior. Mais uma vez, o conceito de
interdiscurso, já citado nesse trabalho, na AD, nos auxilia a interpretar o que é e o que não é dito, no discurso respeitando a opacidade da
linguagem.
No grifo, “teremos pessoas mais motivadas, críticas, solidárias,
responsáveis, que saibam valorizar a formação, o conhecimento e os
85
ciclos de vida”, aparecem, novamente, os discursos sedimentados,
usados nas plataformas eleitorais. Esse modelo de cidadão é
“idealizado” pelos PPPs em nível nacional, uma vez que esses objetivos
vêm sugeridos pelo Estado.
Nessa primeira parte de análise dos recortes selecionados, foi
possível perceber que o discurso do prefeito foi pautado, provavelmente
de forma não intencional, em dizeres sedimentados nas propagandas
partidárias, em falas usadas em palanques políticos. Portanto, podemos
dizer que fica explicitada a teoria da AD, através de dispositivos de
análise, que não há discurso sem ideologia, como explicada em
capítulos anteriores.
7.2 A VOZ DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO
Num segundo momento, observamos e analisamos o texto de
apresentação do documento, por meio das palavras da Secretaria
Municipal de Educação. Nesse texto, aparece o discurso da própria
Secretaria relatando os objetivos, a importância e a construção do PPP
da Rede Municipal.
Foi preciso muita discussão, coragem e ousadia da
equipe da Secretaria Municipal de Educação para
alavancar a construção do Projeto Político da
Rede Municipal de Educação de Criciúma.
(CRICIÚMA, 2004, p. 15. Grifo da autora).
Nesse recorte, podemos detectar que o processo de enunciação se
liga a outro processo discursivo, já existente, que na AD é tratado como
interdiscurso, que reforçando, é “aquilo que fala antes, em outro lugar,
independentemente.” (GOMES, 2006, p. 623). O interdiscurso organiza
o discurso de forma a externar o dizer ideológico do falante.
Para Gomes (2006, p. 623), o interdiscurso “retira a centralidade
do sujeito falante e integra-o ao funcionamento dos enunciados, que são
sustentados por formações ideológicas.” Dessa maneira, se analisarmos
os substantivos grifados no texto – discussão, coragem e ousadia –
podemos perceber a repetição de um discurso político de luta de classes.
Esse deslocamento discursivo para o ambiente escolar pode ser explicado por um funcionamento da linguagem explicado na AD como a
tensão entre a polissemia e a paráfrase. Segundo Gomes (2006, p. 622),
“apesar de os discursos serem construídos parafraseando tudo o que já
foi vivenciado [...] em alguns momentos se consegue realizar uma
86
ruptura e experimentar um sentido novo no dito cotidiano.” Essa
ruptura, para a AD, é a polissemia.
No mesmo recorte, a análise do léxico construção nos remete,
metaforicamente, a uma ideia de obra e trabalho braçal, um cenário
diverso do ambiente escolar, embora a expressão “construção do
conhecimento” já seja de uso corrente. Entretanto, esse deslize vem ao
encontro do que nos diz Orlandi (2003, p. 22) sobre os discursos
vinculados à escola: “convertem hierarquias sociais em hierarquias
escolares e com isso legitimam a perpetuação da ordem social.” Um
outro olhar sobre a opção das palavras nos mostra que elas,
historicamente, se institucionalizam de tal forma que passam a ter uma
correlação natural, em algumas situações específicas. “A
institucionalização de um sentido dominante lhe atribui o prestígio de
legitimidade e este se fixa, então no centro: o sentido oficial (literal).”
(ORLANDI, 2003, p. 162). Nesse ponto de vista, a conotação de
construção ligada à educação foi assimilada e sedimentada.
Vejamos o próximo excerto:
Seria mais fácil encomendar um projeto pronto e
bem escrito. (CRICIÚMA, 2004, p. 15. Grifo da
autora).
Um dos dispositivos da Análise do Discurso é pensar na
linguagem não em seu caráter linguístico, mas sim no seu
funcionamento produzindo sentido. Orlandi (2003, p. 117) reforça essa
afirmação quando diz que “o que importa é o funcionamento da
linguagem, uma vez que dele fazem parte as condições de produção, que
representam o mecanismo de situar os protagonistas e o objeto do
discurso.”
Com base nesses conceitos, e levando-se em consideração que o
recorte acima foi retirado do texto da Secretaria de Educação do
município e, portanto, fala em nome da instituição pública, podemos
analisá-lo, tentando acompanhar sua construção. Como um discurso não
nasce em si, mas é uma resposta a um discurso anterior, dá para
suspeitar que exista uma crítica na afirmação do recorte. Seria mais fácil encomendar, pode ser interpretado como uma “denúncia” às autoridades
anteriores, que possivelmente teriam usado o subterfúgio da encomenda.
De outra forma, se usarmos o deslocamento dos sentidos7, outro
7Deslocamento dos sentidos é a ruptura de processos de significação (Orlandi,
2003).
87
dispositivo da AD, podemos entender que a Secretaria, através do seu
porta-voz, considerou difícil a tarefa de montar o PPP. De qualquer
forma, nos dois sentidos há, mais uma vez subentendido, o não-dito,
porque, segundo Orlandi (2003, p. 42) “os sentidos não estão nas
palavras nelas mesmas. Estão aquém e além delas.” Para a AD, o
discurso não é apenas transmissão de informação, mas funciona como
uma fonte de sentidos entre interlocutores.
Vejamos mais um recorte:
A Assessoria garantiu que o processo fosse
transparente e livre de qualquer manipulação. A
disputa ocorreu no campo das ideias e
argumentos. (CRICIÚMA, 2004, p. 15. Grifo da
autora).
No primeiro grifo podemos perceber que a Secretaria de
Educação, no texto de apresentação do PPP, mostra a sua posição
hierárquica no processo de implantação do documento. A Análise de
Discurso, nas palavras de Fairclough (2001, p. 58), “preocupa-se não
apenas com as relações de poder, no discurso, mas, também com a
maneira como as relações de poder e a luta de poder moldam e
transformam as práticas discursivas de uma sociedade ou instituição
[...]”
Se analisarmos a escolha pelo verbo garantir, que pode significar
prometer ou responsabilizar-se, podemos interpretar que a Secretaria,
falando em nome da instituição que representa, se coloca como a
autoridade que decide e que tem legitimidade no que diz. As relações de
poder ganham especial importância “em decorrência da hierarquização
presente na sociedade, o que faz com que elas se enraízem no poder
social desses diferentes lugares, determinando o que pode ser dito, como
pode ser dito e a quem pode ser dito determinada coisa.” (GOMES,
2006, p. 624). Quando o assunto é relação de poder, sempre é levado em
consideração o lugar de onde o sujeito fala, uma vez que esse lugar está
ligado ao que ele diz e o que ele diz está apoiado na posição (lugar) de
onde ele fala.
No segundo grifo, onde é dito que o processo será transparente e
livre de qualquer manipulação, há, mais uma vez, uma criticidade, que nos remete aos debates políticos em épocas de eleições, nos quais as
agressões mútuas e as denúncias de corrupção e fraudes são recorrentes.
O discurso político tem como uma das suas características uma
constante alteração de sentidos, dependendo das circunstâncias e dos
88
opositores na ocasião. Se, por deslocamento, ação permitida pela AD,
substituirmos transparência e não manipulação por honestidade,
podemos dizer que há, na afirmação acima, uma confirmação da
acusação dirigida aos antecessores. Esse recorte pode ser interpretado,
também, se lembrarmos que o país havia recém saído de um regime
militar autoritário, no qual não se estava livre de manipulações e ações
ditatoriais.
Por último, no mesmo excerto, aparece o substantivo disputa. Se
pensarmos no seu significado, vamos relacioná-lo com luta,
concorrência, rivalidade. Segundo Gomes (2006, p. 622), “partidos com
comportamentos e filiações ideológicas opostas, ao longo do tempo e a
partir de mudanças nas posições de poder, alternam seus discursos entre
paráfrase e polissemia.” Dito em outras palavras, os discursos políticos
proferidos em nome da/pró coletividade são uma representação do já-
dito, enunciados por oradores que pensam ser a fonte do dizer. E se
pensarmos, por outro lado, na palavra disputa, como fazendo sentido em
ações de militância, podemos dizer que os discursos políticos não
representam tão somente a busca dos interesses sociais, mas significam
por outro lado, uma luta pelo poder.
A discussão nas escolas, a partir das temáticas
levantadas, contaram com a participação de
vários autores, e nem sempre a quantidade se
fazia presente, mas a qualidade foi o elemento
central das discussões. (CRICIÚMA, 2004, p. 15.
Grifo da autora).
Revisitando os conceitos da AD, podemos dizer que no primeiro
grifo – vários autores – está subentendido um número incontável de
vozes. Se levarmos em consideração que não há discurso sem ideologia,
a multiplicidade de vozes nos leva a pensar em multiplicidade de
discursos, de ideologias e de sentidos. Essa pluralidade de vozes, que se
entrecruzaram na construção do PPP, pode ser entendida, também, como
um fortalecimento e uma legitimação do documento.
Seguindo os grifos no mesmo excerto, é possível detectar um “ato
falho” na afirmação nem sempre a quantidade se fazia presente,
provando que a linguagem, não sendo transparente, pode deixar entrever
em suas manifestações aquilo que não é dito, o esquecimento. Nas
palavras de Orlandi (2013, p. 35), “ao falarmos, o fazemos de uma
maneira e não de outra, e, ao longo de nosso dizer, formam-se famílias
parafrásticas que indicam que o dizer sempre podia ser outro.” Dessa
89
forma, quando o enunciador diz que nem sempre a quantidade estava
presente, ele poderia dizer que houve, em algumas ocasiões, o
esvaziamento de público nos plenários, para a discussão de elaboração
do PPP. Para a AD, o que se diz e o modo como se diz não são
indiferentes aos sentidos e à história do sujeito falante.
Esse documento vivo expressa os anseios e
desejos e os sonhos daqueles que querem uma
educação pública com maior qualidade e mais
inclusiva. (CRICIÚMA, 2004, p. 16. Grifo da
autora).
No recorte acima, novamente é identificado o interdiscurso que
nos remete aos discursos que tratam a educação como uma tábua de
salvação social. Esse tipo de discurso é usado com frequência pela
mídia, pela escola, pela igreja e é comum a todos os partidos políticos,
principalmente em períodos eleitorais. Como foi dito anteriormente,
para a AD, esse é um dizer sedimentado, cujo sujeito falante se
considera autor do que está enunciando. Por consequência, podemos
afirmar que a fala da Secretaria nada mais é do que um dizer
parafrástico, político-social muito conhecido e recorrente.
O uso das palavras qualidade e inclusiva, usadas repetidamente
durante todo o documento do PPP, só vem reforçar a percepção de que
educação é um tema frequentemente citado e explorado, sem que, no
entanto, projetos sejam desenvolvidos e consolidados. A escolha do
léxico, nesse recorte, nos permite interpretar a ideologia do sujeito
falante.
O uso de substantivos como anseio, sonhos e desejos, aterrissa
num discurso com muitos clichês, que aparece em múltiplos ambientes
sociais, um discurso usado em muitos tipos de propaganda, inclusive as
que estimulam o consumo. Mais uma vez, escola e economia se
entrelaçam e dividem a mesma fala. Segundo a AD, o que é dito (PPP)
num contexto (escolar), num ambiente cheio de regras, relações de força
e obediência (escola), circula de forma a ter um caráter de legitimidade e
ganha a força de lei.
Em mais um excerto:
É compromisso de TODOS a concretização do
PPP da Rede Municipal de Educação de
Criciúma. (CRICIÚMA, 2004, p. 16. Grifo da
autora).
90
Nesse recorte, a colocação do pronome indefinido TODOS em
letras maiúsculas e em negrito, ligado a compromisso, tem um sentido
de convocação. Essa postura de obrigatoriedade deixa evidente as
relações de forças entre o Estado, as instituições e a sociedade. Para
Foucault (1979, p. 289), os programas políticos públicos passam “pelas
necessidades e aspirações da sociedade, identificadas não só pelo
aspecto quantitativo de demanda, mas, principalmente, pelo aspecto
qualitativo para garantir a sua sustentabilidade.”
Por conclusão, apesar dos discursos em defesa da autonomia, da
liberdade e da participação comunitária na construção do PPP, a
presença desse TODOS, no texto, tem sentido de um grito de ordem,
que parte da Secretaria de Educação da Rede Municipal.
7.3 A VOZ DO ASSESSOR
Os próximos recortes foram retirados do texto escrito por Celso
Vasconcellos, Doutor em Educação pela USP e Mestrado em História e
Filosofia da Educação pela PUC-SP, convidado a assessorar o processo
de elaboração do Projeto Político Pedagógico do município. Celso
Vasconcellos que é, conforme Gadotti (2002, p. 7), “um dos melhores
alunos de Paulo Freire”, milita pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e
traz para o documento os conceitos freirianos sobre educação.
Vasconcellos, inclusive, fez parte do instituto que leva o nome do
pedagogo. A triangulação Paulo Freire, Celso Vasconcellos e Décio
Góes - prefeito da cidade - todos seguidores da mesma bandeira
partidária, define o tom político do PPP da Rede, que vem sendo
mostrado nesta pesquisa com o destaque de palavras, de textos que nos
dão as diretrizes para a análise. Segundo o site oficial do partido, “O PT
surgiu com a necessidade de promover mudanças na vida de
trabalhadores da cidade e do campo, militantes de esquerda, intelectuais
e artistas”. O discurso petista sobre política pública está ligado ao
combate à miséria e à promessa de oferta de novas oportunidades para o
cidadão. Historicamente, a educação é considerada um desses caminhos
de transformação.
É, também, característica do discurso petista esse tom inaugural,
negando as ações anteriores, uma forma de apagar a história da rede
pública de ensino. Essa ideologia fica bem evidente na nota de rodapé,
no PPP da Rede Municipal, nas palavras das organizadoras.
(CRICIÚMA, 2004, p. 105) “em 2004, data da publicação do
documento do PPP, a realidade político-social é diferente. Em 2002 foi
eleito presidente do Brasil Luiz Inácio da Silva: a conjuntura político-
91
econômico-social passa por alterações”. Desta forma, baseado nesse
contexto político e nas ligações entre as pessoas envolvidas na
elaboração do PPP, é que serão analisados os recortes seguintes.
No primeiro excerto, tirado do discurso do assessor, encontramos:
Trata-se de um produto, fruto de um processo de
muita coragem e ousadia, sobretudo pela decisão
de se fazer juntos, de se elaborar coletivamente.
(CRICIÚMA, 2004, p. 17. Grifo da autora).
No primeiro grifo aparece novamente o léxico produto,
fortemente ligado à industrialização, a mercado e ao capitalismo, ideias
combatidas por partidos de esquerda, posição, publicamente assumida
pelo PT. Para a Análise do Discurso, isso é característica do
esquecimento, que é explicado como uma relação natural entre o
pensamento, a linguagem e o mundo, de forma que o sujeito falante
pensa que só poderia se dizer o que foi dito dessa maneira. Para Orlandi
(2013, p. 35) “é chamado esquecimento enunciativo e que atesta que a
sintaxe significa: o modo de dizer não é indiferente aos sentidos.” O
esquecimento, para a AD, mostra que os discursos já estão em
andamento e que somos nós que nos inserimos neles e não ao contrário.
No grifo seguinte, o uso dos substantivos coragem e ousadia no
documento reflete o pensamento, de se colocar como um agente
idealizado e idealizador, com capacidade de romper com a realidade e
provocar mudanças. É sabido que esses mesmos argumentos são usados
em outros discursos, em outros partidos. Porém, essa dissertação analisa
e leva em consideração a fala de alguém ligado ao PT. Desta forma,
sabendo-se que a interpretação faz parte do alicerce teórico da Análise
de Discurso, é permitido pensar nos sentidos possíveis às palavras
coragem e ousadia. “A análise do Discurso não estaciona na
interpretação, trabalha seus limites, seus mecanismos, como parte dos
processos de significação.” (ORLANDI, 2013, p. 26). Deste modo, a
forma de dizer significa na “voz” do falante. Coragem e ousadia têm,
nesse caso, o significado ligado à luta, discurso muito usado na
militância de esquerda.
No próximo fragmento do texto encontramos
Obtido um consenso, cada escola da Rede enviou
seu texto. (CRICIÚMA, 2004, p. 17. Grifo da
autora).
92
Nesse recorte podemos observar o uso do léxico consenso. Pode-
se definir consenso como resultado de uma negociação, porém, é
possível também, levando-se em consideração a teoria da AD, pensar
em conformidade, em padronização, sem que se leve em consideração as
especificidades, as diferenças do ser social. A unanimidade e a
uniformalização de ações e pensamentos dentro de uma instituição como
a escola, entram em confronto com os conceitos de autonomia e
democracia, apregoados pelo PPP.
Contrariamente à ideia de querer mostrar que foi dada voz a todos
os participantes da elaboração do documento, a palavra consenso
neutraliza a pluralização de opiniões, apaga as vozes discordantes. Para
a AD, segundo Orlandi (2013, p. 34), “ao falarmos, nos filiamos a redes
de sentidos, mas não sabemos como fazê-lo, ficando ao sabor da
ideologia e do inconsciente.” Desta forma, podemos dizer que a
“escolha” do que é dito e como é dito é resultado da história e da
ideologia do sujeito falante.
Em um novo recorte:
Mas sabemos que a construção da democracia é
um grande desafio. Na vida humana concreta, é
extremamente difícil a questão de relações de
poder. (CRICIÚMA, 2004, p. 17. Grifo da
autora).
Para a Análise de Discurso, a memória está ligada ao fato de que
todo discurso está ligado a um discurso já dito anteriormente. Desta
forma, alguns conceitos se cristalizam no tempo, sem que tenhamos
certeza da sua origem e de seu significado. Podemos dizer que um
desses conceitos, que encontramos último recorte, refere-se ao léxico
democracia. Para Orlandi (2012, p. 171) “para que nossas palavras
façam sentido é preciso que já signifiquem, que se produzam em uma
memória discursiva, que possam ser interpretadas.” No entanto,
conforme a AD, no sujeito falante, há duas formas de esquecimento,
pelas quais esse “passado linguístico” é apagado. A primeira, que faz
com que ele se enxergue como autor do discurso, desconsiderando “que
os sentidos não começam nele.” (ORLANDI, 2012, p. 171). A segunda
acontece quando o sujeito falante esquece que interpreta o que já foi dito, deixando transparecer a ideologia. Nas palavras de Orlandi (2012,
p. 171), “o sujeito se posiciona, ele se faz (um lugar) uma posição em
relação a uma memória do dizer.” É o que a AD chama de interdiscurso.
93
Desta maneira, é importante entender que o interdiscurso pode ter
dois caminhos: o mesmo e o diferente. O diferente está relacionado com
as diversas interpretações e sentidos, que acontecem no decorrer da
história. O mesmo, chamado pela AD de arquivo, é a memória
institucionalizada. Para Orlandi, (2012, p. 172) “no arquivo, o dizer é
documento, atestação de sentidos, efeito de relação de forças.”
Sendo assim, podemos dizer que democracia tem um sentido
institucionalizado, de tal forma que faz parte de qualquer discurso
político-partidário, obedecendo a um condicionamento social, que
define o que deve ser dito e para quem deve ser dito. “Numa sociedade
como a nossa, com a forma de nossa história, há tendência em se
sobrepor o arquivo sobre o interdiscurso no funcionamento discursivo.”
(ORLANDI, 2012, p. 172).
No recorte acima, democracia, que tem como um dos seus
principais sentidos a liberdade, antepõe-se aos termos seguintes,
grifados, onde o autor do texto fala em desafios e em relações de poder.
No excerto seguinte:
Cada um de nós, de forma mais ou menos sutil ou
consciente, tende a sentir-se como o portador por
excelência da verdade, que “naturalmente”
precisaria ser seguida pelos demais, sob pena de
o avanço de o progresso não vir (os “iluminados”
na frente e os “pobres mortais” atrás...).
(CRICIÚMA, 2004, p. 17-18. Grifo da autora).
Como já foi citado anteriormente, relembrando a teoria da AD,
cada texto é aberto, nos leva a incontáveis caminhos de interpretação e
permite lacunas a serem preenchidas pelo leitor No recorte acima, ao se
expressar, dizendo que a construção da democracia é um grande
desafio, mais uma vez percebemos, levando-se em conta o olhar
político dado a essa afirmação, um discurso de negação do que foi
construído anteriormente, como se o sujeito falante se considerasse o
autor do dito.
Para a Análise do Discurso, essa forma de reeditar um discurso já
feito anteriormente é explicada pela intertextualidade. Para Possenti
(2009, p. 135), “o conceito de intertextualidade aponta para a produtividade dos textos, para como os textos podem transformar textos
anteriores e reestruturar as convenções existentes (gênero, discursos)
para gerar novos textos.” Desta forma, a AD ajuda a descobrir os outros
textos que estão presentes, implicitamente, no texto sob análise.
94
Também é possível notar, nos textos recortados, que o assessor se
contradiz quando fala sobre a participação da equipe, na elaboração do
PPP. Em contraponto com o significado de consenso, no excerto
anterior, Vasconcellos deixa entrever a dificuldade em trabalhar em
grupo e cita a questão de relações de poder. Essa dificuldade é
reforçada quando ele “denuncia” que a pessoa pode sentir-se como o portador por excelência da verdade. Nesses recortes, podemos falar das
relações de poder, que permeiam toda a sociedade e que estão
igualmente presentes no universo da educação, levando-se em
consideração a constituição hierárquica escolar.
A AD, com base em Foucault, destaca em sua teoria essa questão,
uma vez que compreende as relações presentes na escola, onde o “poder
disciplinar” demonstra sua eficácia. Nas palavras de Guiraud (2008, p.
4): “a organização escolar é penetrada por relações de poder e
dominação, refletidas em sua cultura e nos saberes que a alimentam.”
Diante disso, pode-se dizer que, nesse ambiente, os envolvidos tanto
influenciam, como são influenciados no processo de mudança social.
No último grifo desse recorte, os “iluminados” na frente e os
“pobres mortais” atrás..., há um tom de ironia, onde fica explícito que
algumas pessoas no processo se consideravam mais esclarecidas
(“iluminados”) e, portanto, mais aptas para definir o conteúdo do
documento, em detrimento daquelas com menos conhecimento (“pobres
mortais”). Mais uma vez, as relações de poder são colocadas em xeque,
sugerindo, inclusive, que o não cumprimento das metas sugeridas no
PPP colocaria em risco a chegada do desenvolvimento social. Para a
Análise de Discurso, o não-dito é tão importante e traz tantas
informações interpretativas como o que é dito. É o que a AD entende
como a opacidade da língua.
No próximo recorte encontramos:
Muitas vezes, criticamos o autoritarismo do outro
até o momento em que assumimos uma posição na
qual temos condições de exercer de forma mais
eficaz o poder. A ordem ou determinação que
passamos a estabelecer, como que por um passe
de mágica, deixa de ser autoritária, por estar
eivada de “busca do bem comum”, de
“compromisso com o grupo” etc. (CRICIÚMA,
2004, p. 18. Grifo da autora).
95
Nesse segmento de texto podemos entrever a ideologia do sujeito
falante, se observarmos que ele faz críticas ao autoritarismo que vem do
“outro”, mas que nele e para ele é permitido porque justifica os seus
objetivos. A frase “a ordem ou determinação que passamos a
estabelecer, como que por um passe de mágica, deixa de ser
autoritária”, demonstra um discurso de alguém ou partido, que se
considera um “salvador” ou “herói”, que vem em defesa daqueles que
não têm forças para se defender. A Análise de Discurso, nas palavras de
Gomes (2006, p. 621) “vincula a linguagem ao seu contexto e, desta
forma, adota a realidade da enunciação como dialógica e como centro
organizador da expressão externa, localizada no bojo da ideologia.” Na
visão do sujeito falante, uma vez que o fato está relacionado com a
“busca do bem comum” e o “compromisso com o grupo”, exercer o
poder passa a ser uma atitude aprovada e reconhecida.
Analisando um segundo grifo do mesmo recorte, entendemos que
o sujeito falante se contradiz e “admite” que há uma forma “eficaz” e
possível de poder, ao dizer que “assumimos uma posição na qual temos
condições de exercer de forma mais eficaz o poder”. A relação
“posição” versus “poder” é amplamente discutida pela AD, que nos diz
que o sentido do texto é explicado pelo lugar social ocupado pelos
interlocutores. Segundo Orlandi (2008, p. 58), “de acordo com a análise
do discurso, o sentido não existe em si, mas é determinado pelas
posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico em
que as palavras são produzidas.”
Na perspectiva de Eni Orlandi, “o discurso implica o lugar de
onde se fala, a pessoa que fala, o que “esse lugar”, esse sujeito,
representa na sociedade. Desta maneira, identificada a posição social do
sujeito falante, é possível perceber o que ele disse, sua ideologia e a
argumentação usada, nesse caso, dentro do contexto da educação.
Em mais um destaque:
É certo que, para alguns dos participantes, tais
procedimentos, às vezes, tornavam-se um tanto
cansativos, mas com um pouco de boa vontade
quase tudo se resolveu a contento. (CRICIÚMA,
2004, p. 18. Grifo da autora).
No recorte acima, mais uma vez, podemos falar da opacidade da
língua, lembrando que a AD “permite pensar o discurso enquanto
fronteira, espaço onde coexistem unidade e polissemia, transparência e
opacidade, fechamento e incompletude.” (HENGE; BEHENCK, 2008,
96
p. 2). Ao analista cabe “descobrir” os equívocos e as falhas, que
mostram o funcionamento da língua, e “encontrar” o sentido das
palavras, que, conforme Silva (2008, p. 41), “estão para além do que se
encontra explícito no texto.”
Portanto, para compreender e interpretar o discurso é necessário
que se conheça as circunstâncias em que ele foi proferido, o momento
histórico e ideológico que influenciou a sua criação. Para Silva (2008, p.
41) “na palavra se inscreve o não-dito, o que não é verbalizado, mas que
está ali, configurado no espaço do branco do papel; guarda segredos nas
entrelinhas, gerando um silêncio que suspende o entendimento e aguça a
criatividade.” Desta forma, os termos grifados podem nos mostrar que o
autor do texto tenta diminuir o peso das dificuldades encontradas na
elaboração do PPP, principalmente se observarmos o caráter social no
processo (relações de forças).
No próximo excerto:
Cada escola tinha seu Projeto Político
Pedagógico e continuaria a ter; o que estávamos
construindo era o projeto da Rede Municipal,
portanto, num outro nível institucional.
(CRICIÚMA, 2004, p. 19. Grifo da autora).
Na análise desse recorte vamos salientar que, mais uma vez, o
assessor/autor do PPP da Rede Municipal deixa transparecer a relação
de força, agora identificada na hierarquia, uma vez que ele diz que o
documento oficial (prefeitura) tem supremacia sobre os PPPs elaborados
nas escolas, por seu quadro de funcionários. Nessa perspectiva, pode-se
dizer que o poder disciplinar tem posição de destaque nos discursos e
nas ações, sendo o personagem principal das relações que compõem o
universo escolar. Para Foucault (1999b, p. 88) a hierarquia “permite a
articulação de um poder com um saber, que se ordena em torno
da norma, do que é ou não normal, do que é correto ou incorreto, do que
se deve ou não se deve fazer.”
Continuando a seleção de textos:
É processo; só com ousadia e humildade
elaboraremos produtos para nos ajudarem a
trilhar esse caminho tão desafiador da educação.
(CRICIÚMA, 2004, p. 20. Grifo da autora).
97
Como já foi dito anteriormente, o sentido da linguagem está na
interpretação, pois ele não existe independentemente. É função da AD
“desnaturalizar os sentidos, problematizando-os.” (HENGE;
BEHENCK, 2008, p. 5). Desta forma, analisando os termos grifados no
recorte acima, é possível identificar a relação da língua com a história e
a relação do sujeito com o sentido. Processo e produtos são, como já
citados anteriormente, palavras que nos remetem a produtividade,
mercado e opressão, um discurso capitalista que é completamente
contrário aos ideais dos governos populares.
O texto, cujo teor discursivo e político defende as minorias,
comprova, segundo a AD, que o sujeito é “constituído pela língua,
atravessado pelo inconsciente, portanto, dividido, clivado, heterogêneo;
nele, a contradição, a dispersão, o equívoco, a descontinuidade, a
incompletude e a falta são estruturantes. (ORLANDI, 2005; PÊCHEUX,
1997). Desta forma, podemos dizer que os sentidos aparecem e são
articulados entre o linguístico e o histórico, perpassados pelo
interdiscurso, isto é, um dizer já constituído, dito de forma diferente,
materializando a ideologia. Para Henge e Behenck (2008, p. 1) “é na
relação do sujeito com a exterioridade, mediada por práticas sociais
simbólicas, que podemos compreender os processos de significação
materializadas no discurso.”
Num segundo grifo, o surgimento das palavras ousadia e
humildade, contrariamente ao destaque anterior, nos leva ao espírito da
filosofia dita de esquerda, que historicamente, defende a luta e a
participação popular nas decisões públicas. Deslocando os sentidos dos
vocábulos, podemos entender que há uma pretensão democrática que
atravessa o documento. Para a AD, essa conjunção entre língua e
história é que produz o sentido. Sendo assim, “o discurso se define
na/pela determinação da língua pela história, tomadas como
materialidade, na qual o sujeito - afetado duplamente - está presente”
(HENGE; BEHENCK, 2008, p. 3).
No terceiro e último grifo do recorte acima, o uso da metáfora
caminho ligado à educação e a dificuldades (desafios), nos faz acreditar
que o documento (PPP) demonstra fragilidade e incompletudes. Para a
AD, “as palavras mudam de sentido segundo as posições ocupadas por
aqueles que as empregam” (PÊCHEUX; HAROCHE; HENRY, 2007, p.
26) e ganham força, uma vez que partem do assessor no processo de
elaboração do documento.
Nos recortes seguintes:
98
Quando resgatamos alguns elementos descritos
no Marco Situacional (relações internacionais
altamente injustas, concentração de renda,
desemprego, corrupção, crise de valoração,
consumismo, etc.), há o risco de tendermos ao
desânimo.
[...] Por outro lado o Marco traz sinais de
resistência, de luta, de presença da esperança nos
movimentos sociais: é a vida se recusando a
sucumbir. É nesse quadro extremamente
complexo e desigual que o Projeto Político
Pedagógico se situa. (CRICIÚMA, 2004, p. 20.
Grifo da autora).
Nos dois recortes acima, o sujeito falante permite que se detecte a
ideologia partidária do PT, uma vez que ele faz uso, no texto, do mesmo
teor político-discursivo. Se lido o Estatuto do Partido dos Trabalhadores,
podemos encontrar um discurso argumentativo, que repudia o sistema
econômico nacional e internacional e se coloca como um salvador dos
oprimidos. O uso do verbo resgatar, conforme a AD, mostra como o
orador quer se fazer entender, deixando que se veja, no não-dito, toda a
carga ideológica que transparece na fala.
Ao citar as relações internacionais altamente injustas,
concentração de renda, desemprego, corrupção, crise de valoração,
consumismo etc., o assessor deixa entrever sua posição ideológica. Para
Possenti (2009, p. 17) “o modo de apresentar os eventos não é uma
questão de verdade ou de realidade, mas de um modo do locutor integrar
a ação em seu sistema ideológico.”
Contrapondo-se à critica, Vasconcellos, fazendo mais uma vez
uso da fala petista, enaltece as “virtudes” daqueles que querem
mudanças, mais justiça e igualdade. A presença de palavras e expressões
como resistência, luta, esperança, movimentos sociais, vida se
recusando a sucumbir, deixa transparecer a marca do discurso de
esquerda, conclamando a classe trabalhadora para uma “batalha” contra
a opressão. “O trabalho ideológico é um trabalho da memória e do
esquecimento, pois é só quando passa para o anonimato que no dizer
produz seu efeito de literalidade, a impressão do sentido.” (ORLANDI,
2013, p. 49).
O discurso político, como todo discurso, é sempre ideológico e
tem sempre um texto argumentativo, que tenta seduzir o eleitor, que fala
em nome do bem comum e fundamenta-se em decisões sobre o futuro,
prometendo o que pode vir a ser feito. Para Buttignon (2010, p. 9) o
99
discurso político “procura impor suas ideias, os seus valores e projetos,
recorrendo à força persuasiva da palavra, através de recursos estéticos
como certas construções, metáforas, imagens e jogos linguísticos.”
De acordo com a história, os discursos políticos sofrem
constantes mudanças, adequando-se às circunstâncias do momento. Em
períodos eleitorais, mais fortemente, têm em comum a promessa de
soluções para os grandes problemas sociais e o “compromisso” de suprir
satisfatoriamente as necessidades mais elementares do cidadão.
E por fim:
Evidentemente, por si, o documento nada pode.
Sua força será diretamente proporcional ao
número de pessoas que, no seu espaço – pessoal e
institucional – de (considerando que, como seres
de relação, ninguém tem autonomia absoluta,
toda autonomia é limitada), o tomarem como
referência para a caminhada da Rede Municipal.
(CRICIÚMA, 2004, p. 20. Grifo da autora).
O último recorte do assessor que implantou o PPP da Rede, por si, o documento nada pode, mostra o que a AD entende como a relação
entre o texto e o leitor. Uma vez exposto, o dito passa a ser passível de
ser usado de maneiras interpretativas diferentes, pelos diferentes
leitores. Todas as promessas de realizações sociais e mudanças, desta
maneira, são divididas com todos que fizeram parte do processo de
elaboração, de forma proporcional ao número de pessoas que seguirem
na caminhada. Para a AD, o sujeito é “constituído pela língua,
atravessado pelo inconsciente, portanto, dividido, clivado, heterogêneo;
nele, a contradição, a dispersão, o equívoco, a descontinuidade, a
incompletude e a falta são estruturantes.” (PÊCHEUX, 1997, apud
Silva, 2008, p. 40). Desta forma, podemos “ouvir” o não-dito, uma vez
que ele é também uma forma de discurso, com sentido, ideologia e
historicidade.
Diante do apresentado, é possível dizer que no texto de
apresentação do PPP da Rede Municipal de Educação, escrito pelo
assessor do processo de elaboração do documento, a escolha das
palavras e as estruturas discursivas se apresentam de maneira que
expressam a posição e a ideologia do autor.
100
7.4 AS RAZÕES PARA A CONSTRUÇÃO DO PPP
Seguindo a mesma linha de análise, são extraídos segmentos do
texto-discurso de apresentação do Projeto Político Pedagógico,
intitulado “As razões para a construção e etapas do PPP”, entendendo
que ele nos dá uma visão da relação entre a discursividade na escola e
alguns conceitos fundamentais da Análise de Discurso.
A organização escolar, historicamente, tem por um lado, uma
função social considerada fundamental para a formação e para o
crescimento do ser humano. Sistematicamente, é função da escola
mediar e repassar os conhecimentos produzidos ao longo dos tempos
aos alunos, procurando, dessa forma, contribuir para o seu
desenvolvimento.
Por outro lado, o ambiente escolar, se revisitado nos mais
diversos períodos da história da humanidade, é perpassado por relações
de poder e dominação, de posições hierárquicas e disciplinares. Dessa
forma, “a escola, assim, define espaços, subdivide e recompõe
atividades, capitaliza o tempo e as energias dos indivíduos pela
disciplina, de maneira que sejam susceptíveis de utilização e controle.”
(GUIRAUD; CORRÊA, 2009, p. 6535).
Sendo assim, podemos dizer que a organização escolar é uma
reprodução estrutural da sociedade vigente, o que provoca, segundo
Orlandi (2003, p. 23), “uma circularidade de discursos (escola, discurso,
poder, escola), que só pode ser quebrada pela crítica.” Posto dessa
maneira, podemos dizer que a organização escolar é o espelho da
realidade econômica e o retrato da realidade sócio-política das
sociedades modernas.
Indiferentes às inúmeras reformas sociais que se sucederam ao
longo da história (Revolução Francesa de 1789, Revolução Comunista
de 1917, as inúmeras reformas políticas do pós-guerra, Revolução
Cultural de 1968), as instituições sociais acabaram por reproduzir os
mesmos mecanismos que queriam superar.
Nesse quadro se encontra a escola, que persiste “na recomposição
de relações hierárquicas e disciplinares, no jogo de forças que se
estabelecem intra e interinstitucional, ainda buscando formar indivíduos
dóceis e produtivos.” (GUIRAUD, 2009, p. 6). Além disso, a educação
tornou-se um discurso institucionalizado e engessado, a serviço de
propaganda eleitoral, usada como plataforma política, com as repetitivas
promessas de mudanças e ascensão social.
Diante do exposto, tendo-se em vista os conceitos da Análise de
Discurso, é possível analisar o texto de apresentação do PPP da Rede
101
Municipal de Criciúma como uma releitura dos discursos sobre a
educação e descobrir neles as vozes que os constituem. Nas palavras de
Orlandi (2012, p. 10), “a relação teoria/método/procedimentos
analíticos/objeto são inseparáveis e devem ter, entre si, uma relação de
consistência.” Para a AD, todos os elementos conceituais, tais como
sujeito, sentido, ideologia, são interdependentes e formam a rede que
possibilita compreender e interpretar os discursos.
Como foi dito anteriormente, a elaboração do documento do PPP
da Rede Municipal de Criciúma (SC), foi feita durante uma
administração do PT, juntamente com outros partidos, cuja coligação foi
denominada Frente Popular. Dessa forma, num trabalho analítico e
interpretativo, conseguimos enxergar no texto, que é a materialidade do
discurso, a ótica ideológica de partidos de esquerda, que fundamentada
em seus ideais, idealiza a educação. Para Possenti (2009, p. 17), “o
modo de apresentar os eventos não é uma questão de verdade ou de
realidade, mas de um modo de o locutor integrar a ação em seu sistema
ideológico.” Dito de outra maneira, o sujeito varia as características de
sua enunciação e, consequentemente, os efeitos e as formações
discursivas de acordo com “crenças” que fundamentam as suas
formações ideológicas.
Nos grifos extraídos do texto de apresentação do PPP: “traz no bojo da sua história a luta, após vinte anos de história, de luta e
militância política, governo Popular e espaços coletivos, participativos
e democráticos” fica caracterizada a linha discursiva e a visão petista da
sociedade. Esse recorte também pode nos remeter ao um discurso pós-
ditadura militar, época em que a liberdade de expressão e de
participação foram tolhidas. Nas palavras de Gomes (2006, p. 621), “o
enunciado depende do tema tratado e das condições de produção desse
discurso.”
Nesse processo de análise, aos moldes da AD, é preciso ficar
atento, de maneira especial, para a paráfrase presente no texto em
destaque. Esse dispositivo é muito importante para a AD, pois “todo
dizer vai se estruturando a partir de famílias parafrásticas, que dão
continuidade espaço-temporal ao sentido constituído em algum ponto da
linha histórica do indivíduo ou da sociedade.” (GOMES, 2006, p. 621).
A paráfrase se manifesta, no texto, na repetição do já dito, quando
o assunto é educação, ao considerar a escola um espaço democrático,
que “possibilita o exercício de distribuição do poder, de justiça, de
compromisso, de responsabilidade e ajuda a construir nossa
identidade”. Contudo, a repetição cristalizada do discurso, partindo de
quem diz e de onde diz, abre espaço para equívocos e rupturas, que são
102
definidos pela AD como polissemia. Para Orlandi (2013, p. 36), “toda
vez que falamos, ao tomar a palavra, produzimos uma mexida na rede de
filiação dos sentidos, no entanto, falamos com palavras já ditas.” Dessa
forma, o discurso sobre educação, partindo de um partido que se
autodenomina “governo popular”, como o PT, vai estar repleto de
elementos que remetem o leitor às ideologias do partido. Assim, a
presença de ideias como: acesso, a permanência e sucesso dos
educandos; a gestão democrática e a qualidade social de vida, e o uso
repetido de palavras como luta, militância, democracia e injustiça
comprovam essa ideologia.
Vale citar, também, que a presença dessas palavras, no texto,
caracteriza a metáfora, que segundo a AD “é a tomada de uma palavra
pela outra, através de um mecanismo de transferência que estabelece o
modo como as palavras significam.” (GOMES, 2006, p. 623). Sendo
assim, cada vocábulo permite, antes de tudo, que os sentidos se mostrem
atribuídos ao sujeito que fala. Todo dizer é ligado em torno do sujeito e
do sentido, uma vez que o discurso é formado por ambos, através da
linguagem, da ideologia e do inconsciente. Para Silva (2009, p. 31), o
discurso é “o lugar privilegiado de materialização de contradições
ideológicas de grupos e de classes sociais.”
Outro sinal discursivo no grifo acima, é o fato das palavras
estarem escritas em negrito, numa intencional tentativa de chamar
atenção para elas. Desta forma, o enunciado adquire uma característica
de propaganda, como encontrada nos slogans, assunto visto
posteriormente nessa dissertação. É um discurso que cria expectativas de
mudanças, direcionado para um público alvo, que, por sua vez, se
identifica e se entusiasma com a mensagem.
As palavras “luta e militância” historicamente nos remetem a
embates entre classes sociais, a confronto entre a burguesia produtora e
a classe operária. Segundo a AD, isso caracteriza a memória discursiva,
o interdiscurso. Para Gomes (2006, p. 623), “o que particulariza o
interdiscurso é o esquecimento e a posterior disponibilização desses já
ditos esquecidos que não possuem origem definida.” A atenção voltada
para os conceitos de participação, cidadania e realidade social injusta
nos levam a pensar na dualidade que envolve capitalismo versus
socialismo, regimes políticos com diferentes ideologias. Cada uma
dessas palavras adquire sentido levando-se em consideração quem fala,
de onde fala e para quem fala, levando-se em conta as relações de força.
Para Orlandi (2013, p. 43), “os sentidos sempre são determinados
ideologicamente. Não há sentido que não o seja.”
103
Outro indício que lembra um inter(discurso) é o aparecimento
sistemático de palavras com sentido de transformação e ascensão social,
como se pode ver nas frases: “a participação no espaço escolar possibilita o exercício de distribuição do poder, de justiça, de
compromisso, de responsabilidade e ajuda a construir nossa identidade
e porque, como sujeitos históricos, podemos refletir e gerar ações que interfiram e transformem nossa sociedade”.
Dessa forma, compreender a formação discursiva é básico na
análise de discurso, “uma vez que permite compreender o processo de
produção dos sentidos, sua relação com a ideologia e ainda a
possibilidade de estabelecer regularidades no funcionamento do
discurso.” (MONTEIRO, 2008, p. 5).
Concluindo, do ponto de vista da sua discursividade, o texto
apresenta um tom de discurso inaugural, o surgimento de uma nova era
que surgirá com a implantação do PPP. O texto apresenta uma divisão
que, por um lado, diz que há um universo de pessoas que vivem numa
dura realidade e, por outro lado, um sistema político-social que se
isentava de removê-los dessa situação.
Essa divisão se manifesta na materialidade do texto, pelo uso de
um vocabulário que demonstra a ideologia do partido que assumiu a
prefeitura e que evidencia as suas crenças referentes às diferenças entre
as classes sociais, numa sociedade que eles entendem como
discriminatória, dominadora e exclusiva.
7.5 A COMUNICAÇÃO DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO – COR
E SLOGAN
A leitura reflexiva de um enunciado é complexa, se levarmos em
consideração a mensagem a ser transmitida, o modo de transmissão, a
argumentação, o entendimento e o que desejamos como resposta. Não é
diferente, se o enunciado a ser analisado for um slogan, desenvolvido
pela Secretaria de uma Rede Municipal de Educação. Os objetivos desse
tipo de mensagem são a clareza, a concisão, a simplicidade. Mas, o
slogan, para encontrar eco, precisa ser impactante e deve ser condizente
com o repertório e o contexto social do receptor da mensagem. Segundo
Hauptmann (2012, p. 2), as teorias de comunicação “resumem o sistema
na constituição de quatro elementos básicos: quem diz, o que diz, por
qual canal, a quem se diz. Os textos de slogans possuem estratégias que
remetem o leitor a percorrer caminhos repletos de valores, ideias e
ideais.”
104
Dito dessa maneira, o slogan não é apenas um simples recurso
publicitário, mas é, antes de tudo, um modo de ordenar, orientar e mudar
pensamentos e comportamentos. Nas palavras de Hauptmann, “o slogan,
como os jargões e ditados populares, é uma repetição que fala ao
inconsciente pela interdiscursividade do já-dito e do não-dito” (2012, p.
3). O slogan joga com os sentidos das palavras, procurando convencer
os receptores da mensagem, seguindo regras de comunicação. Para Rêgo
(2013, p. 3), essas regras são importantes na interpretação dos
enunciados, “uma vez que na busca de sentidos, não se investiga apenas
o texto em sua estrutura interna, mas também todo o envolto social, o
que lhe é externo e o que contribui para a produção efetiva dos
sentidos.” Para a AD, como dito anteriormente, os sentidos refletem a
ideologia, as condições sociais e a historicidade do sujeito falante.
Para fazer sentido, o slogan precisa representar os valores de
segmentos, dentro da sociedade. Para Hauptmann (2012, p. 5), é preciso
que o enunciado “faça parte do patrimônio cultural do público a que se
dirige, suscitando um já-dito.” Para cada ambiente social, publicidade,
empresa, o slogan tem um objetivo a ser alcançado. Na política, ele
aparece para fazer com que o eleitor acredite que certa candidatura ou
partido seja a melhor escolha, para que convença que haverá melhorias e
mudanças.
Nesse raciocínio, podemos dizer que o slogan escolhido pelos
colaboradores na construção do Projeto Político da Rede Municipal de
Criciúma também segue essa determinação e tem em seu enunciado uma
intencionalidade discursiva, para atingir o seu público-alvo. Para a
Análise de Discurso, as palavras não têm um sentido ligado à sua
materialidade. Contudo, todo enunciado pode torna-se outro, diferente
de si mesmo, deslocando-se para resultar num outro enunciado
(PÊCHEUX, 1997). Dessa maneira, todo dizer pode mudar de
significado, dependendo da interpretação de quem o recebe, sempre se
levando em consideração a ideologia dos sujeitos do discurso.
Para o exercício de análise de um slogan, Orlandi (2013, p. 26)
sugere o dispositivo de deslocamento, que segundo a autora, “visa à
compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos, como ele
está investido de significância para e por sujeitos.”
Sendo assim, pretendemos levantar uma reflexão sobre o slogan
da Secretaria de Educação de Criciúma, relembrando que o PT foi o
partido que assumiu a prefeitura na gestão 2004. O slogan escolhido e
que passa a ser analisado enuncia: “POR UMA EDUCAÇÃO MAIS
DEMOCRÁTICA” (capa).
105
Para uma melhor compreensão dos possíveis sentidos que há no
slogan, é preciso considerar a necessidade de um conhecimento prévio
sobre as condições de produção do mesmo, de uma noção histórica e do
contexto político-social, de forma que possa esclarecer a formulação
discursiva.
O slogan da Secretaria aparece na capa, na qual foi usada a cor
vermelha, do livro em que foi publicado o Projeto Político Pedagógico,
em letras também em vermelho. Historicamente, o vermelho é uma cor
que nos remete a movimentos revolucionários, de luta e é a cor oficial
do PT. Dessa maneira, a escolha das cores já tem um significado
político, relacionado à luta e à militância do próprio partido, que está
assumindo o poder municipal. Segundo Possenti (2009, p. 162), “a cor
produz um enunciado, ao lado dos enunciados textuais.”
Figura 5 – Capa do PPP da Rede Municipal de Educação
Fonte: CRICIÚMA, PPP da Rede, 2004.
Num outro olhar, na análise, podemos ver que o slogan aparece
no canto superior da capa, como se fosse carimbado nela. A palavra
carimbo tem origem africana (karimbu) e denomina a marca feita a ferro
que os escravos africanos traziam no corpo, mostrando que os impostos
e taxas já haviam sido pagos ao governo. Dessa forma, carimbo, por
106
definição, significa marca, autenticação e validação. Ele pressupõe uma
hierarquia e o uso da autoridade, do poder.
Para a AD, os dizeres não são transparentes e deixam vestígios a
serem apreendidos. Mesmo que se autodenominem de esquerda, o uso
do slogan em forma de carimbo traz em sua memória uma história de
uso do poder e legitimação, um recurso que busca tornar o documento
autoral. Mais uma vez, podemos lembrar do conceito da AD, o
interdiscurso, isto é, o já-dito em outros tempos e em outro lugar.
O uso do slogan em forma de carimbo apresenta uma contradição
discursiva, na alegada posição de esquerda do partido, e é explicado por
Orlandi (2013, p. 32) como “alguma coisa mais forte – que vem pela
história, que não pede licença, que vem pela memória, pelas filiações de
sentidos constituídos em outros dizeres, em muitas vozes, no jogo da
língua.”
Seguindo com a análise, o slogan tem uma argumentação
implícita de convencimento, de mudança de comportamento do outro,
de propagação de uma ideia, conceito ou valor. Nas palavras de
Hauptmann (2012, p. 4), o slogan “é considerado, como enunciação, um
produto de interação entre indivíduos socialmente organizados.
Portanto, um fenômeno que não existe fora de um contexto sócio-
ideológico-comunicacional.”
A escolha das palavras, a relação entre educação e democracia,
são pistas do contexto em que o enunciado foi produzido. Para
Hauptmann (2012, p. 5), “além de se materializar nos slogans, os
discursos dominantes se caracterizam também nas frases de efeito e nas
palavras que impelem a uma ação prática, as palavras de ordem.”
A linguagem, como diz a AD, não é transparente e um dizer
sempre pode ser proferido de outra forma, com outras palavras, uma vez
que “todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro,
diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para
derivar para outro.” (PÊCHEUX, 2002, p. 53). Dessa forma, o slogan
escolhido pela Secretaria de Educação e que reflete a tendência
histórico-ideológica do partido no poder poderia ser escrito de maneira
diferente, com significados também diferentes, refletindo outras
ideologias e outros momentos históricos. Para Orlandi (2013, p. 28),
“daí deriva a riqueza da Análise de Discurso ao permitir explorar de
muitas maneiras essa relação do simbólico, sem apagar as diferenças
[...]”
Dessa maneira, se fizermos um exercício de deslocamento de
significação, com o uso da metáfora, poderíamos descrever o slogan
“Por uma educação mais democrática” de outras maneiras. Todavia,
107
antes disso, é importante lembrar que o slogan foi escrito num cenário
político petista. Sendo assim, a cor vermelha com a qual o texto foi
escrito é associada à cor do partido, que na cronologia política está
relacionada à luta e à militância. Segundo Orlandi (2013, p. 29), “a cor
vermelha está ligada historicamente a posições revolucionárias.” Nesse
raciocínio, outra cor ou a escolha de outras palavras teriam um
significado diferente.
Nesse sentido, cabe aqui uma reflexão sobre a propaganda
política e a língua de Estado, que “é o modo pelo qual ele dá sentido a si
mesmo.” (ORLANDI, 2012, p. 107), dito de outra maneira, uma língua
que representa o “pensamento” do governo, em que manobras de
propaganda psicológicas são postas em prática. Para Orlandi (2012, p.
108), “a propaganda se faz com imagens e palavras, sentimentos, ideias
e gestos.” Por isso, podemos dizer que os slogans têm como finalidade
prometer e convencer, falando com palavras que provocam sentidos e
necessidades. O enunciado-base de uma propaganda, segundo Orlandi
(2012, p. 131), opera da seguinte maneira: “é de x que você precisa,
sendo esse x um arrebanhador de desejo e este você diluído em ‘para
todos e ninguém’.” Dessa forma, o dizer do slogan político fala para a
massa, mas passa, intencionalmente, uma ilusão de individualidade.
Para a Análise de Discurso, as palavras falam com palavras,
“sempre plural, sempre capaz de ser outro o sentido.” (ORLANDI,
2012, p. 134). Nesse caminho, para um exercício de análise, vamos ver
com que outras palavras o slogan “POR UMA EDUCAÇÃO MAIS
DEMOCRÁTICA” fala. Seguindo um princípio da AD, o da paráfrase,
que significa dizer a mesma coisa em outras palavras, dá para reescrever
esse slogan, de modo que ele passasse a ter sentidos diferentes. Nas
palavras de Possenti (2009, p. 163), “significar uma coisa ou outra
depende de se tratar de um discurso e não de outro, de um conjunto de
condições de produção e não de outra, de certas instâncias enunciativas
etc.” Assim, por substituições, o slogan poderia variar para outras
formações discursivas.
De volta ao cenário para o qual foi destinado o slogan em
questão, podemos entender que a escolha da palavra democracia vem ao
encontro do pensamento do governo petista, que defende uma gestão
voltada para o povo. Por definição, democracia é um regime de governo
em que todas as importantes decisões políticas estão com o povo. Dessa
maneira, a formação discursiva na frase “por uma educação mais
democrática” se antepõe à formação discursiva da sentença “por uma
educação mais aristocrática” e nega, discordando, por consequência, da
elitização da educação. É preciso identificar a posição daquele que o
108
escreve, pois para Orlandi (1988, p.58) “as palavras mudam de sentido
segundo as posições daqueles que as empregam. Elas tiram seu sentido
dessas posições, isto é, em relação às formações ideológicas nas quais
essas formações se inscrevem.”
Seguindo nesse caminho de associações, é sabido que a AD
permite que a interpretação analítica do discurso derive para outros
sentidos e outras formas de dizer. Dessa maneira, podemos pensar na
educação, objetivo social do slogan, trazendo à luz a alfabetização, uma
questão constante no contexto social e da história da educação brasileira.
A alfabetização é, portanto, um dos sentidos da educação e está
relacionada, socialmente, com a chave de entrada no mercado de
trabalho. Orlandi (2012, p, 140) afirma que
A questão da educação, analfabetismo, é só um
déficit a ser corrigido, não é uma questão de que
apela para uma ruptura social. E que a questão do
trabalho é só uma questão de capacitação,
treinamento e não de educação. Relação
fragilizada de educação e trabalho (trabalhador).
Nesse sentido, a educação, no slogan, é apresentada com um
dizer generalizado, sem que por si só, se mostra capaz de provocar uma
ruptura na cadeia social. Se, por um lado, a educação tem em sua
“essência” a promessa de formar um sujeito cidadão no seu sentido mais
amplo, por outro, é responsável pela formação do sujeito capacitado
para o trabalho. Disso se conclui que “o efeito de pré-construído se
consuma.” (ORLANDI, 2012, p. 142) e o sujeito, que poderia ter
consciência de sua capacidade de intervenção social, fica apenas na
condição de ligação com o trabalho. Ele se vê mais capacitado para o
trabalho e mais produtivo, menos crítico e reflexivo.
Para concluir, por trás da construção discursiva do slogan,
aparecem as representações econômicas, políticas e socioculturais, onde
se ouvem as vozes das instituições responsáveis pelos discursos. Apesar
da tentativa de proclamar uma educação acessível a todos, o slogan abre
espaço para a análise dos não-ditos e das falhas, que são, para a AD,
fontes inesgotáveis de sentidos. O slogan “Por uma educação mais
democrática” cumpre seu papel de propaganda de governo, ao pretender
promover a inclusão social, a mudança e a construção de cidadãos
conscientes, caindo na armadilha “da ideologia da globalização, onde
todos são cada um e ninguém.” (ORLANDI, 2012, p. 127). Dessa
forma, perpetua-se a formação discursiva, a promessa da redenção pela
109
educação, sem que haja, no entanto, um comprometimento real de como
se dará a mudança e a definição de quem se quer transformar.
110
111
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Análise de Discurso, apesar de ser uma ciência recente, tem
sido usada por diferentes setores da produção de conhecimentos. Ver a
língua do ponto de vista discursivo é ir além das fronteiras das
abordagens linguísticas ou gramaticais. O discurso é o objeto de estudo
da Análise de Discurso e está intrinsecamente ligado à língua, à história
e à ideologia. Em cada Formação Discursiva está o que já foi dito, o que
foi silenciado, o dito diferente. Dessa forma, analisar enunciados é
relacioná-los com outros enunciados, é transportá-los para outro
momento, é dar a eles outro sentido. Pensar na língua é pensá-la
incompleta, opaca, é pensar nela fazendo sentido. A AD não tem a
pretensão de buscar nos discursos o sentido verdadeiro, pois o exercício
da análise discursiva é trabalho de interpretação.
Para a AD, é necessário que se procure os sentidos, sempre em
aberto, que atravessam os discursos e que estão impregnados nos
sujeitos falantes. Vale lembrar que os sentidos dependem, também, das
condições de produção e da interpretação do receptor. Sendo assim, o
discurso (e o sujeito do discurso) visa transmitir uma mensagem, na
busca de um objetivo específico e premeditado, concretizado na
interpretação do sujeito ouvinte.
Baseado nesses pressupostos da Análise de Discurso, essa
dissertação procurou responder os objetivos a que se propôs.
Primeiramente, identificou os diferentes significados da linguagem,
entendendo o discurso além da simples abordagem linguística, através
da visão de estudiosos da língua, numa trajetória que culmina na Análise
de Discurso no Brasil, que tem em Eni P. Orlandi um dos seus maiores
expoentes.
Num segundo momento, esta pesquisa se preocupou em destacar
elementos e conceitos, que serviram para que se conhecesse a Análise de
Discurso como ciência. Alicerçados nesses conceitos, foram analisados
recortes extraídos do Projeto Político Pedagógico da Rede Municipal de
Criciúma (SC), corpus desta dissertação, sob um viés político, que
atravessa o documento. Analisar os discursos sobre educação a partir
das perspectivas da AD pode ajudar a compreender as políticas
educacionais e partidárias, historicamente entrecruzadas no cotidiano
escolar
Depois de apresentar a Lei Nacional que rege o Projeto Político
Pedagógico, todo o processo de implantação do PPP da Rede Municipal,
de conhecer o contexto histórico-social e o espaço no qual ele foi
produzido, esta dissertação passou a explicar como foram construídos os
112
sentidos nas vozes e nos discursos dos responsáveis pela elaboração do
documento.
Por conclusão, diante do que se pode observar, podemos dizer
que os discursos que representam as vozes oficiais do governo
municipal, apesar de tentar quebrar alguns paradigmas políticos e
sociais, acabam repetindo os discursos que, historicamente, foram feitos
sobre a educação, sobre o papel da escola e sobre o sujeito-cidadão.
Sendo assim, esses elementos que fazem parte do discurso sócio-
educativo acabam sendo, apenas, um eco da ideologia propaganda-
partidária.
Por outro lado, é importante salientar que a Análise de Discurso
defende e destaca que o discurso não tem um início específico, que ele
se entrelaça com outros discursos e que não tem um final definido.
Dessa forma, a reflexão sobre educação se abre de forma infinita, como
um campo fértil, pronto para apresentar novas descobertas. Com base
nessas afirmações, uma vez que essa pesquisa entrecruza educação,
linguagem, discurso e análise de discurso, cabe dizer que a AD pode ter
um papel relevante na escola e na formação do seu corpo docente e
discente. Língua e linguagem podem ser apresentadas respeitando-se as
suas diferentes manifestações, de maneira que o aluno possa distingui-
las e entendê-las.
De outra forma, tendo em vista que não há neutralidade nos
signos, a Análise do Discurso pode ajudar a problematizar a maneira de
ler, fazendo com que o aluno-leitor ultrapasse os limites das perguntas e
repostas óbvias e entenda que o discurso abre possibilidades de muitas
interpretações. Essa liberdade de questionar e sair dos limites, muitas
vezes engessadores da interpretação, pode ser um dos caminhos para a
formação de um cidadão mais crítico e formador de opinião, objetivos
contidos nos PPPs e tão almejados pelos educadores. A criticidade e a
oportunidade de poder lançar um olhar para além das fronteiras
estabelecidas são atitudes que provocam, de maneira gradativa, uma
mudança cultural de comportamento.
E assim, podemos dizer, parafraseando ORLANDI (2013), que
essa pesquisa abre uma perspectiva onde a linguagem se apresenta, não
como evidente e translúcida, onde a ideologia se materializa não para
ocultar a realidade, mas para estruturar a significação. Uma pesquisa que
mostra o lugar do discurso, como um lugar do sujeito, da significação e
da história. A Análise do Discurso, dessa forma, oferece um imenso
espaço de novas descobertas.
113
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