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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC CURSO DE HISTÓRIA LICENCIATURA E BACHARELADO HÉROM SILVA DE CEZARO OS GRAFISMOS INDIGENAS DO POVO JÊ DO EXTREMO SUL CATARINENSE: UMA PERSPECTIVA ETNOHISTÓRICA E HISTÓRICA Criciúma 2013

UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC …repositorio.unesc.net/bitstream/1/2184/1/Hérom Silva de Cezaro.pdf · não menos importante a minha “namorida” Istefany Oliveira

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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC

CURSO DE HISTOacuteRIA ndash LICENCIATURA E BACHARELADO

HEacuteROM SILVA DE CEZARO

OS GRAFISMOS INDIGENAS DO POVO JEcirc DO EXTREMO SUL CATARINENSE

UMA PERSPECTIVA ETNOHISTOacuteRICA E HISTOacuteRICA

Criciuacutema

2013

HEacuteROM SILVA DE CEZARO

OS GRAFISMOS INDIGENAS DO POVO JEcirc DO EXTREMO SUL CATARINENSE

UMA PERSPECTIVA ETNOHISTORICA E HISTOacuteRICA

Trabalho de Conclusatildeo de Curso apresentado para

obtenccedilatildeo do grau de Historiador no curso de Histoacuteria

ndash Licenciatura e Bacharelado da Universidade do

Extremo Sul Catarinense UNESC

Orientador(a)Prof Me Juliano Bitencourt Campos

Orientador(a)Prof Me Marcos C Pereira Santos

Criciuacutema

2013

HEacuteROM SILVA DE CEZARO

OS GRAFISMOS INDIGENAS DO POVO JEcirc DO EXTREMO SUL CATARINENSE

UMA PERSPECTIVA ETNOHISTORICA E HISTOacuteRICA

Trabalho de Conclusatildeo de Curso apresentado para

obtenccedilatildeo do grau de Historiador no curso de Histoacuteria

ndash Licenciatura e Bacharelado da Universidade do

Extremo Sul Catarinense UNESC com Linha de

Pesquisa em Histoacuteria Local e Regional

Criciuacutema 27 de novembro de 20013

BANCA EXAMINADORA

Prof Juliano Bitencourt Campos - Mestre - (UNESC) - Orientador

Prof Marlon Borges Pestana - Mestre - (UNISINOS)

Prof Tiago da Silva Coelho - Mestre - (UNESC)

Agradeccedilo a todos os meus amigos familiares e a

minha Tety que entenderam as minhas loucuras e

angustias nesse processo de aprendizagem

AGRADECIMENTOS

Primeiramente devo agradecer aqui as duas pessoas mais importante de minha

vida e que fizeram de mim o homem que sou minha matildee Carla Renata Silva de Cezaro e meu

Pai Mauro de Cezaro que me apoiaram em todos os momentos e escolhas difiacuteceis da minha

vida e ainda o fazem em seguida agradeccedilo meus Avos Joatildeo e Ivonete que da forma deles

sempre estiveram presentes ao meu lado me apoiando a minha Irma Jady Silva de Cezaro que

me aturou por muito tempo e por mais que brigaacutessemos ela sempre esteve junto a mim ao

meu mais novo irmatildeo o Joatildeo Pedro - tchuti de mamatildee que veio para alegrar nossas vidas e

natildeo menos importante a minha ldquonamoridardquo Istefany Oliveira Rodrigues que esteve presente

em todo o processo de formaccedilatildeo do meu trabalho e pode observar minhas angustias minhas

afliccedilotildees e por mais que eu estivesse estressado ou de mau humor ela sempre esteve aqui

compreensiva e atenciosa

Aos meus amigos e colegas de trabalho que estiveram presentes tambeacutem de

alguma forma no decorrer do meu trabalho e da minha vida Guilherme B Souza Josiel dos

Santos Richard V Ronconi Juliano G Costa Dioneacuteia M Cardoso Rafael C da Rosa Diego

D Pavei Mayla S Toi Alan Sezara Dionatan Guisso James W Menegini Francieli G

Marcelina Jessica R e Breno S Cruz

Agradeccedilo ao meu amigo e Orientador Professor Me Juliano Bitencourt Campos

primeiramente por ter me dado agrave oportunidade de crescer profissionalmente e cientificamente

em seguida pela compreensatildeo nos momentos difiacuteceis da pesquisa por ter disponibilizado seu

tempo e o Laboratoacuterio de Arqueologia do Ipat para que eu pudesse dar segmento ao meu

trabalho e pesquisa

Agradeccedilo tambeacutem ao meu coorientador e grande Amigo Me Marcos Cesar

Pereira dos Santos por ter aceitado a difiacutecil tarefa de me coorientar pelos momentos em que

me aturou nesse aacuterduo processo de aprendizado tanto cientificamente quanto pessoal e nos

bons momentos de descontraccedilatildeo

ldquoA verdadeira funccedilatildeo que os iacutendios esperam

de tudo que fazem eacute a beleza Incidentalmente

suas belas flechas e sua preciosa ceracircmica tecircm

um valor de utilidade Mas sua funccedilatildeo real

vale dizer sua forma de contribuir para a

harmonia da vida coletiva e para expressatildeo de

sua cultura eacute criar belezardquo

(RIBEIRO Darcy 1999160)

RESUMO

O presente trabalho de conclusatildeo de curso tem como objetivo principal perceber de que forma

o mundo simboacutelico religioso dos grupos indiacutegenas pertencentes agrave matriz cultural Macro Jecirc do

extremo sul catarinense refletem-se na cultura material desses grupos Dentro da diversidade

existente na cultura material optamos pelos grafismos corporais pois acreditamos

representarem parte fundamental nas relaccedilotildees sociais e culturais humanas Com base nesta

problemaacutetica escolhemos trabalhar utilizando uma metodologia ancorada em um referencial

teoacuterico diversificado optando natildeo apenas pelos referenciais histoacutericos mas tambeacutem de aacutereas

afins como antropologia etno-histoacuteria arqueologia pois acreditamos serem necessaacuterios o

dialogo entre essas varias vertentes teoacutericas para uma maior compreensatildeo da questatildeo

Propomos aqui tambeacutem uma abordagem da arte que leve em conta a agencia dos materiais em

contato como o mundo imageacutetico (Sonhos Mundo dos Mortos) dos grupos indiacutegenas

pertencentes ao Macro Jecirc

Palavras-chave Xokleng Kaigang Mundo Simboacutelico Grafismos indiacutegenas

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 9

2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL 11

21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 12

211 Os Mitos e os Ritos 15

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 18

221 Mitos e Ritos 21

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA 24

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA 27

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS 30

41 OS GRAFISMOS XOKLENG 32

42 OS GRAFISMOS KAIGANG 33

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas 36

5 CONCLUSAtildeO 42

6 REFEREcircNCIAS 44

ANEXO 48

9

1 INTRODUCcedilAtildeO

Na presente pesquisa abordaremos os aspectos simboacutelicos referentes aos grupos

indiacutegenas pertencentes ao grupo eacutetnico Macro-Jecirc que povoaram a regiatildeo do extremo sul

catarinense Conhecidos como Xokleng e Kaigang esses povos deixaram marcas indeleacuteveis na

paisagem nessa perspectiva dividimos este Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC em trecircs

capiacutetulos cada um deles abordando uma temaacutetica relacionada ao objetivo principal

No primeiro capitulo um breve histoacuterico do povo Jecirc Meridional localizado no

territoacuterio do extremo Sul Catarinense Conhecidos historicamente como Xokleng e Kaigang

onde seratildeo abordadas algumas questotildees da ocupaccedilatildeo e da cultura desses grupos eacutetnicos

A origem da populaccedilatildeo (Xokleng e Kaigang) eacute atribuiacuteda pelo linguista Greg

Urban ao planalto Central brasileiro1 De acordo com Schimitz (2011) a partir do planalto

central eles teriam comeccedilado a se dispersar deslocando-se um grupo em direccedilatildeo o Sul haacute

cerca de trecircs mil anos

Falantes de liacutenguas distintas da famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos

culturalmente2 Na gradual ocupaccedilatildeo do territoacuterio diversificado ambientalmente os Kaigang

natildeo apenas se distinguiram e se separaram dos Xokleng mas formaram cinco dialetos

regionais os dois mais antigos estatildeo localizados no Rio Grande do Sul o terceiro em Santa

Catarina o quarto no Paranaacute e o mais recente em Satildeo Paulo3

[] ali foram desenvolvidas duas liacutenguas a mais antiga na parte oriental do

territoacuterio onde estatildeo os Xokleng a mais nova na parte central onde estatildeo os

Kaingang esta se teria diversificado em cinco dialetos regionais assim distribuiacutedos

os dois mais antigos no Rio Grande do Sul depois sucessivamente o de Santa

Catarina do Paranaacute e de Satildeo Paulo4

As relaccedilotildees linguiacutesticas existentes dentro do tronco linguiacutestico Jecirc colocam o

Kaigang no que segundo Noelli (2000) dentro do conjunto Akweacuten composto pelos povos

Xakribaacute Xavante e Xerente Estes grupos estatildeo localizados desde as terras mais altas do

Planalto Brasileiro tendo como divisores naturais agraves bacias do Satildeo Francisco Tocantins e

1URBAN 1992 apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense

Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 2NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia Debates e Perspectivas

1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269 dezfev 1999-2000 p 240 3WIESEMANN (1872) apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste

Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 244 4SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC

Argos 2011 365 p p185

10

Paranaacute os Xokleng por sua vez estatildeo locados dentro do conjunto linguiacutestico Kayapoacute

Timbira Kren-akarocircre e Suyaacute espalhados desde o Xingu Paranaacute Baixo Rio Tocantins

A organizaccedilatildeo social dos dois grupos manteacutem semelhanccedilas e padrotildees do grupo Jecirc

ldquocomo sistemas duais metades exocircgamicas e seccedilotildees hierarquicamente dispostas

uxorilocalidade bem como outros elementos poliacuteticosrdquo5

No segundo capitulo traremos como principal objetivo levantar as questotildees

teoacutericas envolvendo o mundo simboacutelico indiacutegena onde posteriormente buscaremos

correlacionar este mundo com a arte indiacutegena para isso tomaram-se como referenciais

teoacutericos principais as vertente teoacutericas o estruturalismo e etnografia aqui representadas por

Andreacute Leroi-Gourhan e Claude Leacutevi-Strauss

No terceiro capitulo traremos como principal objetivo realizar uma correlaccedilatildeo

entre o mundo simboacutelico6 (rituais e mitos) e a cultura material (grafismos) desses dois grupos

distintos para isso buscaremos com um olhar etno-arqueoloacutegico compreender os motivos

simboacutelicos dos grafismos Kaigang e Xokleng articulando as bibliografias etnograacuteficas etno-

histoacutericas arqueoloacutegicas em conjunto com uma abordagem filosoacutefica (Semioacutetica7) pois

acreditamos que por ldquoexistirem inuacutemeras coisas fora do alcance da compreensatildeo humana eacute

que frequentemente utilizamos termos simboacutelicos como representaccedilatildeo de conceitos que natildeo

podemos definir ou compreender integralmenterdquo 8 assim segundo Oliveira (2008) a Semioacutetica

estudaria todos os tipos possiacuteveis de accedilotildees dos Signos ou seja buscando a ldquovoltardquo ao Objeto

real

Quando estudamos arte rupestre buscamos uma ldquovoltardquo ao Objeto que soacute eacute

possiacutevel atraveacutes dos Signos que os representam e que permearam seu Mundo assim a

ldquocompreensatildeordquo atual dos grafismos soacute seraacute possiacutevel atraveacutes de analises comparativas dos

siacutembolos e signos dos grupos Indiacutegenas atuais

5NOELLI 1999-2000 op cit p 241

6Procuramos definir como siacutembolos os objetos materiais que em uma determinada sociedade por convenccedilatildeo

representa ou define uma realidade social ldquoO siacutembolo eacute importante porque ele permanece sobrevive dentro de

noacutes guarda seu significado Pelo siacutembolo se adquire um conhecimento que podemos chamar de indireto Neste

caso especiacutefico objetos que remetem agrave identidade eacutetnica e a histoacuteria do povo Xokleng e Kaigangrdquo (VIEIRA

2004 p 03) 7A Semioacutetica eacute uma teoria do conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-lo atraveacutes de signos pois um signo

sempre representa alguma coisa seu objeto Tudo pode ser representado atraveacutes de signos Charles Peirce (apud

LEFEBVRE sd) essa discussatildeo ocorrera no segundo capitulo 8 JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Editora Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo 2008 p21

11

2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL

Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos

primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um

passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes

povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas

sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os

restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos

As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da

regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional

segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais

aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)

afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte

dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave

alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10

Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos

troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP

A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em

todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11

aparecem famiacutelias

linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12

contudo apresentam algumas similaridades culturais

e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas

diferenciadas o Kaigang e o Xokleng

Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da

famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e

linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social

9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p

244 10

NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11

A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA

classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe

as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda

pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das

liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco

linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66

12

21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata

atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que

traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma

outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na

literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13

[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores

seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante

fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso

centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14

Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que

cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul

do Brasil (Figura 1)

Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)

Fonte IPATUNESC

13

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14

MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

Companhia das Letras 1992p37

13

Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem

formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu

potencial para suprir suas necessidades alimentares15

dependendo de um sistema sazonal de

mobilidade

Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se

subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a

sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares

esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16

Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas

relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos

Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17

As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia

etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades

A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos

homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do

grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares

[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de

inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de

taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo

da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de

farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos

preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18

Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem

poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram

especiacuteficos para as mulheres19

Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam

Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em

15

SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs

Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17

SANTOS 1973 op cit p33 18

SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)

2003 p 431-448 p 434 19

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p

31

14

cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos

alimentares20

Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa

dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis

em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21

construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se

mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs

meses

O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para

diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto

vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros

no litoral para realizar ataques a colonos22

As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do

nomadismo23

eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina

(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o

dia de caminhada era montado um acampamento

Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas

No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de

perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a

defesa24

Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva

repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia

uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas

com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras

airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma

espeacutecie de arcada25

20

VIEIRA 2004 op cit p 33 21

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina

(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de

Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p

166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do

Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23

VIEIRA 2004 op cit p 35 24

ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras

1992 p 423

15

As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo

descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim

como as mulheres apesar de sua baixa estatura

Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os

diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26

211 Os Mitos e os Ritos

Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses

acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se

refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto

tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico

No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande

importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27

que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida

desses povos

O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo

ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no

grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia

ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28

Para o preparo

do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos

para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29

funccedilatildeo muito

importante nesse momento especial para a famiacutelia

O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que

teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)

Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas

e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de

um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais

cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte

voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a

crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido

26

RIBEIRO 2009 op cit p126 27

PERES 2009 op cit p 48 28

SANTOS 2000 op cit p 26

29VIEIRA 2004 op cit p 171

16

O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era

considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia

toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme

variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais

extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)

Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR

Fonte Zig Koch (2007)

Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito

tempo30

pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria

consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da

festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que

tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)

Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica

sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o

efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para

outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio

um pequeno labrete31

de madeira32

30

LAVINA 1994 op cit p110 31

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de

materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do

tembetaacute e do botoque 32

PERES 2009 op cit p 64

17

Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e

introduccedilatildeo do ldquotembetardquo

Fonte SANTOS 1997 p 66

O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos

meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de

identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que

a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente

Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da

crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que

comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo

no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33

O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura

Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para

renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita

geralmente pelos afilhados do morto34

O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que

falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam

ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um

homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em

cestas forradas com folhas de xaxim35

33

RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng

2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC

Santa Catarina p28 34

VIEIRA 2004 op cit p 34 35

PERES 2009 op cit p 50

18

Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria

obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo

Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a

alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade

Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)

seguisse sua viagem36

O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo

ritualiacutestico que consistia37

no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e

pinturas corporais envolvendo a comunidade

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou

Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como

Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica

Tupi-Guarani38

nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem

foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas

posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar

diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc

corrigindo esse equivoco

A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos

compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus

domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura

4)

36

VIEIRA 2004 op cit p 34 37

RIBEIRO 2009 op cit p 35 38

METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p37

19

Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX

Fonte SANTOS 1973 p 36

As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a

200 indiviacuteduos em seus grupos39

O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto

por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou

podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees

aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e

finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40

denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse

grupo indiacutegena

39

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011

365 p p244

20

Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)

Fonte SCHMITZ 2010 p37

Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang

Fonte SCHMITZ 2011 p248

A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo

dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel

mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades

exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-

kreacuterdquo41

estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter

41

SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes

Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

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LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os

arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo

Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo

LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo

Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007

_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011

MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara

2010 Disponiacutevel em

httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-

MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml

MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em

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Acesso em 27de jul2013

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da

religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros

de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987

_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993

NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia

Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269

dezfev 1999-2000

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em

Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria

Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina

46

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992

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REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS

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RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

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RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

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_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

HEacuteROM SILVA DE CEZARO

OS GRAFISMOS INDIGENAS DO POVO JEcirc DO EXTREMO SUL CATARINENSE

UMA PERSPECTIVA ETNOHISTORICA E HISTOacuteRICA

Trabalho de Conclusatildeo de Curso apresentado para

obtenccedilatildeo do grau de Historiador no curso de Histoacuteria

ndash Licenciatura e Bacharelado da Universidade do

Extremo Sul Catarinense UNESC

Orientador(a)Prof Me Juliano Bitencourt Campos

Orientador(a)Prof Me Marcos C Pereira Santos

Criciuacutema

2013

HEacuteROM SILVA DE CEZARO

OS GRAFISMOS INDIGENAS DO POVO JEcirc DO EXTREMO SUL CATARINENSE

UMA PERSPECTIVA ETNOHISTORICA E HISTOacuteRICA

Trabalho de Conclusatildeo de Curso apresentado para

obtenccedilatildeo do grau de Historiador no curso de Histoacuteria

ndash Licenciatura e Bacharelado da Universidade do

Extremo Sul Catarinense UNESC com Linha de

Pesquisa em Histoacuteria Local e Regional

Criciuacutema 27 de novembro de 20013

BANCA EXAMINADORA

Prof Juliano Bitencourt Campos - Mestre - (UNESC) - Orientador

Prof Marlon Borges Pestana - Mestre - (UNISINOS)

Prof Tiago da Silva Coelho - Mestre - (UNESC)

Agradeccedilo a todos os meus amigos familiares e a

minha Tety que entenderam as minhas loucuras e

angustias nesse processo de aprendizagem

AGRADECIMENTOS

Primeiramente devo agradecer aqui as duas pessoas mais importante de minha

vida e que fizeram de mim o homem que sou minha matildee Carla Renata Silva de Cezaro e meu

Pai Mauro de Cezaro que me apoiaram em todos os momentos e escolhas difiacuteceis da minha

vida e ainda o fazem em seguida agradeccedilo meus Avos Joatildeo e Ivonete que da forma deles

sempre estiveram presentes ao meu lado me apoiando a minha Irma Jady Silva de Cezaro que

me aturou por muito tempo e por mais que brigaacutessemos ela sempre esteve junto a mim ao

meu mais novo irmatildeo o Joatildeo Pedro - tchuti de mamatildee que veio para alegrar nossas vidas e

natildeo menos importante a minha ldquonamoridardquo Istefany Oliveira Rodrigues que esteve presente

em todo o processo de formaccedilatildeo do meu trabalho e pode observar minhas angustias minhas

afliccedilotildees e por mais que eu estivesse estressado ou de mau humor ela sempre esteve aqui

compreensiva e atenciosa

Aos meus amigos e colegas de trabalho que estiveram presentes tambeacutem de

alguma forma no decorrer do meu trabalho e da minha vida Guilherme B Souza Josiel dos

Santos Richard V Ronconi Juliano G Costa Dioneacuteia M Cardoso Rafael C da Rosa Diego

D Pavei Mayla S Toi Alan Sezara Dionatan Guisso James W Menegini Francieli G

Marcelina Jessica R e Breno S Cruz

Agradeccedilo ao meu amigo e Orientador Professor Me Juliano Bitencourt Campos

primeiramente por ter me dado agrave oportunidade de crescer profissionalmente e cientificamente

em seguida pela compreensatildeo nos momentos difiacuteceis da pesquisa por ter disponibilizado seu

tempo e o Laboratoacuterio de Arqueologia do Ipat para que eu pudesse dar segmento ao meu

trabalho e pesquisa

Agradeccedilo tambeacutem ao meu coorientador e grande Amigo Me Marcos Cesar

Pereira dos Santos por ter aceitado a difiacutecil tarefa de me coorientar pelos momentos em que

me aturou nesse aacuterduo processo de aprendizado tanto cientificamente quanto pessoal e nos

bons momentos de descontraccedilatildeo

ldquoA verdadeira funccedilatildeo que os iacutendios esperam

de tudo que fazem eacute a beleza Incidentalmente

suas belas flechas e sua preciosa ceracircmica tecircm

um valor de utilidade Mas sua funccedilatildeo real

vale dizer sua forma de contribuir para a

harmonia da vida coletiva e para expressatildeo de

sua cultura eacute criar belezardquo

(RIBEIRO Darcy 1999160)

RESUMO

O presente trabalho de conclusatildeo de curso tem como objetivo principal perceber de que forma

o mundo simboacutelico religioso dos grupos indiacutegenas pertencentes agrave matriz cultural Macro Jecirc do

extremo sul catarinense refletem-se na cultura material desses grupos Dentro da diversidade

existente na cultura material optamos pelos grafismos corporais pois acreditamos

representarem parte fundamental nas relaccedilotildees sociais e culturais humanas Com base nesta

problemaacutetica escolhemos trabalhar utilizando uma metodologia ancorada em um referencial

teoacuterico diversificado optando natildeo apenas pelos referenciais histoacutericos mas tambeacutem de aacutereas

afins como antropologia etno-histoacuteria arqueologia pois acreditamos serem necessaacuterios o

dialogo entre essas varias vertentes teoacutericas para uma maior compreensatildeo da questatildeo

Propomos aqui tambeacutem uma abordagem da arte que leve em conta a agencia dos materiais em

contato como o mundo imageacutetico (Sonhos Mundo dos Mortos) dos grupos indiacutegenas

pertencentes ao Macro Jecirc

Palavras-chave Xokleng Kaigang Mundo Simboacutelico Grafismos indiacutegenas

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 9

2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL 11

21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 12

211 Os Mitos e os Ritos 15

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 18

221 Mitos e Ritos 21

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA 24

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA 27

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS 30

41 OS GRAFISMOS XOKLENG 32

42 OS GRAFISMOS KAIGANG 33

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas 36

5 CONCLUSAtildeO 42

6 REFEREcircNCIAS 44

ANEXO 48

9

1 INTRODUCcedilAtildeO

Na presente pesquisa abordaremos os aspectos simboacutelicos referentes aos grupos

indiacutegenas pertencentes ao grupo eacutetnico Macro-Jecirc que povoaram a regiatildeo do extremo sul

catarinense Conhecidos como Xokleng e Kaigang esses povos deixaram marcas indeleacuteveis na

paisagem nessa perspectiva dividimos este Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC em trecircs

capiacutetulos cada um deles abordando uma temaacutetica relacionada ao objetivo principal

No primeiro capitulo um breve histoacuterico do povo Jecirc Meridional localizado no

territoacuterio do extremo Sul Catarinense Conhecidos historicamente como Xokleng e Kaigang

onde seratildeo abordadas algumas questotildees da ocupaccedilatildeo e da cultura desses grupos eacutetnicos

A origem da populaccedilatildeo (Xokleng e Kaigang) eacute atribuiacuteda pelo linguista Greg

Urban ao planalto Central brasileiro1 De acordo com Schimitz (2011) a partir do planalto

central eles teriam comeccedilado a se dispersar deslocando-se um grupo em direccedilatildeo o Sul haacute

cerca de trecircs mil anos

Falantes de liacutenguas distintas da famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos

culturalmente2 Na gradual ocupaccedilatildeo do territoacuterio diversificado ambientalmente os Kaigang

natildeo apenas se distinguiram e se separaram dos Xokleng mas formaram cinco dialetos

regionais os dois mais antigos estatildeo localizados no Rio Grande do Sul o terceiro em Santa

Catarina o quarto no Paranaacute e o mais recente em Satildeo Paulo3

[] ali foram desenvolvidas duas liacutenguas a mais antiga na parte oriental do

territoacuterio onde estatildeo os Xokleng a mais nova na parte central onde estatildeo os

Kaingang esta se teria diversificado em cinco dialetos regionais assim distribuiacutedos

os dois mais antigos no Rio Grande do Sul depois sucessivamente o de Santa

Catarina do Paranaacute e de Satildeo Paulo4

As relaccedilotildees linguiacutesticas existentes dentro do tronco linguiacutestico Jecirc colocam o

Kaigang no que segundo Noelli (2000) dentro do conjunto Akweacuten composto pelos povos

Xakribaacute Xavante e Xerente Estes grupos estatildeo localizados desde as terras mais altas do

Planalto Brasileiro tendo como divisores naturais agraves bacias do Satildeo Francisco Tocantins e

1URBAN 1992 apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense

Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 2NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia Debates e Perspectivas

1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269 dezfev 1999-2000 p 240 3WIESEMANN (1872) apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste

Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 244 4SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC

Argos 2011 365 p p185

10

Paranaacute os Xokleng por sua vez estatildeo locados dentro do conjunto linguiacutestico Kayapoacute

Timbira Kren-akarocircre e Suyaacute espalhados desde o Xingu Paranaacute Baixo Rio Tocantins

A organizaccedilatildeo social dos dois grupos manteacutem semelhanccedilas e padrotildees do grupo Jecirc

ldquocomo sistemas duais metades exocircgamicas e seccedilotildees hierarquicamente dispostas

uxorilocalidade bem como outros elementos poliacuteticosrdquo5

No segundo capitulo traremos como principal objetivo levantar as questotildees

teoacutericas envolvendo o mundo simboacutelico indiacutegena onde posteriormente buscaremos

correlacionar este mundo com a arte indiacutegena para isso tomaram-se como referenciais

teoacutericos principais as vertente teoacutericas o estruturalismo e etnografia aqui representadas por

Andreacute Leroi-Gourhan e Claude Leacutevi-Strauss

No terceiro capitulo traremos como principal objetivo realizar uma correlaccedilatildeo

entre o mundo simboacutelico6 (rituais e mitos) e a cultura material (grafismos) desses dois grupos

distintos para isso buscaremos com um olhar etno-arqueoloacutegico compreender os motivos

simboacutelicos dos grafismos Kaigang e Xokleng articulando as bibliografias etnograacuteficas etno-

histoacutericas arqueoloacutegicas em conjunto com uma abordagem filosoacutefica (Semioacutetica7) pois

acreditamos que por ldquoexistirem inuacutemeras coisas fora do alcance da compreensatildeo humana eacute

que frequentemente utilizamos termos simboacutelicos como representaccedilatildeo de conceitos que natildeo

podemos definir ou compreender integralmenterdquo 8 assim segundo Oliveira (2008) a Semioacutetica

estudaria todos os tipos possiacuteveis de accedilotildees dos Signos ou seja buscando a ldquovoltardquo ao Objeto

real

Quando estudamos arte rupestre buscamos uma ldquovoltardquo ao Objeto que soacute eacute

possiacutevel atraveacutes dos Signos que os representam e que permearam seu Mundo assim a

ldquocompreensatildeordquo atual dos grafismos soacute seraacute possiacutevel atraveacutes de analises comparativas dos

siacutembolos e signos dos grupos Indiacutegenas atuais

5NOELLI 1999-2000 op cit p 241

6Procuramos definir como siacutembolos os objetos materiais que em uma determinada sociedade por convenccedilatildeo

representa ou define uma realidade social ldquoO siacutembolo eacute importante porque ele permanece sobrevive dentro de

noacutes guarda seu significado Pelo siacutembolo se adquire um conhecimento que podemos chamar de indireto Neste

caso especiacutefico objetos que remetem agrave identidade eacutetnica e a histoacuteria do povo Xokleng e Kaigangrdquo (VIEIRA

2004 p 03) 7A Semioacutetica eacute uma teoria do conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-lo atraveacutes de signos pois um signo

sempre representa alguma coisa seu objeto Tudo pode ser representado atraveacutes de signos Charles Peirce (apud

LEFEBVRE sd) essa discussatildeo ocorrera no segundo capitulo 8 JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Editora Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo 2008 p21

11

2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL

Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos

primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um

passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes

povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas

sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os

restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos

As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da

regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional

segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais

aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)

afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte

dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave

alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10

Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos

troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP

A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em

todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11

aparecem famiacutelias

linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12

contudo apresentam algumas similaridades culturais

e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas

diferenciadas o Kaigang e o Xokleng

Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da

famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e

linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social

9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p

244 10

NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11

A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA

classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe

as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda

pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das

liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco

linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66

12

21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata

atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que

traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma

outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na

literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13

[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores

seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante

fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso

centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14

Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que

cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul

do Brasil (Figura 1)

Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)

Fonte IPATUNESC

13

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14

MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

Companhia das Letras 1992p37

13

Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem

formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu

potencial para suprir suas necessidades alimentares15

dependendo de um sistema sazonal de

mobilidade

Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se

subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a

sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares

esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16

Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas

relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos

Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17

As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia

etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades

A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos

homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do

grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares

[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de

inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de

taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo

da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de

farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos

preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18

Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem

poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram

especiacuteficos para as mulheres19

Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam

Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em

15

SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs

Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17

SANTOS 1973 op cit p33 18

SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)

2003 p 431-448 p 434 19

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p

31

14

cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos

alimentares20

Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa

dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis

em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21

construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se

mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs

meses

O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para

diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto

vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros

no litoral para realizar ataques a colonos22

As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do

nomadismo23

eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina

(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o

dia de caminhada era montado um acampamento

Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas

No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de

perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a

defesa24

Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva

repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia

uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas

com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras

airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma

espeacutecie de arcada25

20

VIEIRA 2004 op cit p 33 21

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina

(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de

Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p

166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do

Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23

VIEIRA 2004 op cit p 35 24

ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras

1992 p 423

15

As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo

descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim

como as mulheres apesar de sua baixa estatura

Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os

diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26

211 Os Mitos e os Ritos

Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses

acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se

refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto

tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico

No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande

importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27

que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida

desses povos

O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo

ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no

grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia

ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28

Para o preparo

do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos

para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29

funccedilatildeo muito

importante nesse momento especial para a famiacutelia

O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que

teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)

Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas

e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de

um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais

cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte

voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a

crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido

26

RIBEIRO 2009 op cit p126 27

PERES 2009 op cit p 48 28

SANTOS 2000 op cit p 26

29VIEIRA 2004 op cit p 171

16

O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era

considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia

toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme

variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais

extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)

Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR

Fonte Zig Koch (2007)

Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito

tempo30

pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria

consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da

festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que

tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)

Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica

sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o

efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para

outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio

um pequeno labrete31

de madeira32

30

LAVINA 1994 op cit p110 31

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de

materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do

tembetaacute e do botoque 32

PERES 2009 op cit p 64

17

Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e

introduccedilatildeo do ldquotembetardquo

Fonte SANTOS 1997 p 66

O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos

meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de

identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que

a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente

Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da

crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que

comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo

no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33

O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura

Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para

renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita

geralmente pelos afilhados do morto34

O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que

falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam

ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um

homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em

cestas forradas com folhas de xaxim35

33

RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng

2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC

Santa Catarina p28 34

VIEIRA 2004 op cit p 34 35

PERES 2009 op cit p 50

18

Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria

obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo

Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a

alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade

Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)

seguisse sua viagem36

O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo

ritualiacutestico que consistia37

no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e

pinturas corporais envolvendo a comunidade

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou

Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como

Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica

Tupi-Guarani38

nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem

foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas

posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar

diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc

corrigindo esse equivoco

A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos

compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus

domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura

4)

36

VIEIRA 2004 op cit p 34 37

RIBEIRO 2009 op cit p 35 38

METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p37

19

Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX

Fonte SANTOS 1973 p 36

As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a

200 indiviacuteduos em seus grupos39

O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto

por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou

podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees

aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e

finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40

denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse

grupo indiacutegena

39

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011

365 p p244

20

Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)

Fonte SCHMITZ 2010 p37

Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang

Fonte SCHMITZ 2011 p248

A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo

dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel

mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades

exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-

kreacuterdquo41

estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter

41

SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes

Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

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LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os

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2010 Disponiacutevel em

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RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

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1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

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Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

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Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

HEacuteROM SILVA DE CEZARO

OS GRAFISMOS INDIGENAS DO POVO JEcirc DO EXTREMO SUL CATARINENSE

UMA PERSPECTIVA ETNOHISTORICA E HISTOacuteRICA

Trabalho de Conclusatildeo de Curso apresentado para

obtenccedilatildeo do grau de Historiador no curso de Histoacuteria

ndash Licenciatura e Bacharelado da Universidade do

Extremo Sul Catarinense UNESC com Linha de

Pesquisa em Histoacuteria Local e Regional

Criciuacutema 27 de novembro de 20013

BANCA EXAMINADORA

Prof Juliano Bitencourt Campos - Mestre - (UNESC) - Orientador

Prof Marlon Borges Pestana - Mestre - (UNISINOS)

Prof Tiago da Silva Coelho - Mestre - (UNESC)

Agradeccedilo a todos os meus amigos familiares e a

minha Tety que entenderam as minhas loucuras e

angustias nesse processo de aprendizagem

AGRADECIMENTOS

Primeiramente devo agradecer aqui as duas pessoas mais importante de minha

vida e que fizeram de mim o homem que sou minha matildee Carla Renata Silva de Cezaro e meu

Pai Mauro de Cezaro que me apoiaram em todos os momentos e escolhas difiacuteceis da minha

vida e ainda o fazem em seguida agradeccedilo meus Avos Joatildeo e Ivonete que da forma deles

sempre estiveram presentes ao meu lado me apoiando a minha Irma Jady Silva de Cezaro que

me aturou por muito tempo e por mais que brigaacutessemos ela sempre esteve junto a mim ao

meu mais novo irmatildeo o Joatildeo Pedro - tchuti de mamatildee que veio para alegrar nossas vidas e

natildeo menos importante a minha ldquonamoridardquo Istefany Oliveira Rodrigues que esteve presente

em todo o processo de formaccedilatildeo do meu trabalho e pode observar minhas angustias minhas

afliccedilotildees e por mais que eu estivesse estressado ou de mau humor ela sempre esteve aqui

compreensiva e atenciosa

Aos meus amigos e colegas de trabalho que estiveram presentes tambeacutem de

alguma forma no decorrer do meu trabalho e da minha vida Guilherme B Souza Josiel dos

Santos Richard V Ronconi Juliano G Costa Dioneacuteia M Cardoso Rafael C da Rosa Diego

D Pavei Mayla S Toi Alan Sezara Dionatan Guisso James W Menegini Francieli G

Marcelina Jessica R e Breno S Cruz

Agradeccedilo ao meu amigo e Orientador Professor Me Juliano Bitencourt Campos

primeiramente por ter me dado agrave oportunidade de crescer profissionalmente e cientificamente

em seguida pela compreensatildeo nos momentos difiacuteceis da pesquisa por ter disponibilizado seu

tempo e o Laboratoacuterio de Arqueologia do Ipat para que eu pudesse dar segmento ao meu

trabalho e pesquisa

Agradeccedilo tambeacutem ao meu coorientador e grande Amigo Me Marcos Cesar

Pereira dos Santos por ter aceitado a difiacutecil tarefa de me coorientar pelos momentos em que

me aturou nesse aacuterduo processo de aprendizado tanto cientificamente quanto pessoal e nos

bons momentos de descontraccedilatildeo

ldquoA verdadeira funccedilatildeo que os iacutendios esperam

de tudo que fazem eacute a beleza Incidentalmente

suas belas flechas e sua preciosa ceracircmica tecircm

um valor de utilidade Mas sua funccedilatildeo real

vale dizer sua forma de contribuir para a

harmonia da vida coletiva e para expressatildeo de

sua cultura eacute criar belezardquo

(RIBEIRO Darcy 1999160)

RESUMO

O presente trabalho de conclusatildeo de curso tem como objetivo principal perceber de que forma

o mundo simboacutelico religioso dos grupos indiacutegenas pertencentes agrave matriz cultural Macro Jecirc do

extremo sul catarinense refletem-se na cultura material desses grupos Dentro da diversidade

existente na cultura material optamos pelos grafismos corporais pois acreditamos

representarem parte fundamental nas relaccedilotildees sociais e culturais humanas Com base nesta

problemaacutetica escolhemos trabalhar utilizando uma metodologia ancorada em um referencial

teoacuterico diversificado optando natildeo apenas pelos referenciais histoacutericos mas tambeacutem de aacutereas

afins como antropologia etno-histoacuteria arqueologia pois acreditamos serem necessaacuterios o

dialogo entre essas varias vertentes teoacutericas para uma maior compreensatildeo da questatildeo

Propomos aqui tambeacutem uma abordagem da arte que leve em conta a agencia dos materiais em

contato como o mundo imageacutetico (Sonhos Mundo dos Mortos) dos grupos indiacutegenas

pertencentes ao Macro Jecirc

Palavras-chave Xokleng Kaigang Mundo Simboacutelico Grafismos indiacutegenas

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 9

2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL 11

21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 12

211 Os Mitos e os Ritos 15

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 18

221 Mitos e Ritos 21

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA 24

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA 27

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS 30

41 OS GRAFISMOS XOKLENG 32

42 OS GRAFISMOS KAIGANG 33

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas 36

5 CONCLUSAtildeO 42

6 REFEREcircNCIAS 44

ANEXO 48

9

1 INTRODUCcedilAtildeO

Na presente pesquisa abordaremos os aspectos simboacutelicos referentes aos grupos

indiacutegenas pertencentes ao grupo eacutetnico Macro-Jecirc que povoaram a regiatildeo do extremo sul

catarinense Conhecidos como Xokleng e Kaigang esses povos deixaram marcas indeleacuteveis na

paisagem nessa perspectiva dividimos este Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC em trecircs

capiacutetulos cada um deles abordando uma temaacutetica relacionada ao objetivo principal

No primeiro capitulo um breve histoacuterico do povo Jecirc Meridional localizado no

territoacuterio do extremo Sul Catarinense Conhecidos historicamente como Xokleng e Kaigang

onde seratildeo abordadas algumas questotildees da ocupaccedilatildeo e da cultura desses grupos eacutetnicos

A origem da populaccedilatildeo (Xokleng e Kaigang) eacute atribuiacuteda pelo linguista Greg

Urban ao planalto Central brasileiro1 De acordo com Schimitz (2011) a partir do planalto

central eles teriam comeccedilado a se dispersar deslocando-se um grupo em direccedilatildeo o Sul haacute

cerca de trecircs mil anos

Falantes de liacutenguas distintas da famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos

culturalmente2 Na gradual ocupaccedilatildeo do territoacuterio diversificado ambientalmente os Kaigang

natildeo apenas se distinguiram e se separaram dos Xokleng mas formaram cinco dialetos

regionais os dois mais antigos estatildeo localizados no Rio Grande do Sul o terceiro em Santa

Catarina o quarto no Paranaacute e o mais recente em Satildeo Paulo3

[] ali foram desenvolvidas duas liacutenguas a mais antiga na parte oriental do

territoacuterio onde estatildeo os Xokleng a mais nova na parte central onde estatildeo os

Kaingang esta se teria diversificado em cinco dialetos regionais assim distribuiacutedos

os dois mais antigos no Rio Grande do Sul depois sucessivamente o de Santa

Catarina do Paranaacute e de Satildeo Paulo4

As relaccedilotildees linguiacutesticas existentes dentro do tronco linguiacutestico Jecirc colocam o

Kaigang no que segundo Noelli (2000) dentro do conjunto Akweacuten composto pelos povos

Xakribaacute Xavante e Xerente Estes grupos estatildeo localizados desde as terras mais altas do

Planalto Brasileiro tendo como divisores naturais agraves bacias do Satildeo Francisco Tocantins e

1URBAN 1992 apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense

Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 2NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia Debates e Perspectivas

1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269 dezfev 1999-2000 p 240 3WIESEMANN (1872) apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste

Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 244 4SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC

Argos 2011 365 p p185

10

Paranaacute os Xokleng por sua vez estatildeo locados dentro do conjunto linguiacutestico Kayapoacute

Timbira Kren-akarocircre e Suyaacute espalhados desde o Xingu Paranaacute Baixo Rio Tocantins

A organizaccedilatildeo social dos dois grupos manteacutem semelhanccedilas e padrotildees do grupo Jecirc

ldquocomo sistemas duais metades exocircgamicas e seccedilotildees hierarquicamente dispostas

uxorilocalidade bem como outros elementos poliacuteticosrdquo5

No segundo capitulo traremos como principal objetivo levantar as questotildees

teoacutericas envolvendo o mundo simboacutelico indiacutegena onde posteriormente buscaremos

correlacionar este mundo com a arte indiacutegena para isso tomaram-se como referenciais

teoacutericos principais as vertente teoacutericas o estruturalismo e etnografia aqui representadas por

Andreacute Leroi-Gourhan e Claude Leacutevi-Strauss

No terceiro capitulo traremos como principal objetivo realizar uma correlaccedilatildeo

entre o mundo simboacutelico6 (rituais e mitos) e a cultura material (grafismos) desses dois grupos

distintos para isso buscaremos com um olhar etno-arqueoloacutegico compreender os motivos

simboacutelicos dos grafismos Kaigang e Xokleng articulando as bibliografias etnograacuteficas etno-

histoacutericas arqueoloacutegicas em conjunto com uma abordagem filosoacutefica (Semioacutetica7) pois

acreditamos que por ldquoexistirem inuacutemeras coisas fora do alcance da compreensatildeo humana eacute

que frequentemente utilizamos termos simboacutelicos como representaccedilatildeo de conceitos que natildeo

podemos definir ou compreender integralmenterdquo 8 assim segundo Oliveira (2008) a Semioacutetica

estudaria todos os tipos possiacuteveis de accedilotildees dos Signos ou seja buscando a ldquovoltardquo ao Objeto

real

Quando estudamos arte rupestre buscamos uma ldquovoltardquo ao Objeto que soacute eacute

possiacutevel atraveacutes dos Signos que os representam e que permearam seu Mundo assim a

ldquocompreensatildeordquo atual dos grafismos soacute seraacute possiacutevel atraveacutes de analises comparativas dos

siacutembolos e signos dos grupos Indiacutegenas atuais

5NOELLI 1999-2000 op cit p 241

6Procuramos definir como siacutembolos os objetos materiais que em uma determinada sociedade por convenccedilatildeo

representa ou define uma realidade social ldquoO siacutembolo eacute importante porque ele permanece sobrevive dentro de

noacutes guarda seu significado Pelo siacutembolo se adquire um conhecimento que podemos chamar de indireto Neste

caso especiacutefico objetos que remetem agrave identidade eacutetnica e a histoacuteria do povo Xokleng e Kaigangrdquo (VIEIRA

2004 p 03) 7A Semioacutetica eacute uma teoria do conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-lo atraveacutes de signos pois um signo

sempre representa alguma coisa seu objeto Tudo pode ser representado atraveacutes de signos Charles Peirce (apud

LEFEBVRE sd) essa discussatildeo ocorrera no segundo capitulo 8 JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Editora Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo 2008 p21

11

2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL

Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos

primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um

passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes

povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas

sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os

restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos

As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da

regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional

segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais

aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)

afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte

dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave

alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10

Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos

troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP

A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em

todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11

aparecem famiacutelias

linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12

contudo apresentam algumas similaridades culturais

e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas

diferenciadas o Kaigang e o Xokleng

Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da

famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e

linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social

9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p

244 10

NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11

A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA

classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe

as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda

pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das

liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco

linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66

12

21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata

atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que

traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma

outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na

literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13

[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores

seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante

fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso

centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14

Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que

cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul

do Brasil (Figura 1)

Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)

Fonte IPATUNESC

13

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14

MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

Companhia das Letras 1992p37

13

Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem

formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu

potencial para suprir suas necessidades alimentares15

dependendo de um sistema sazonal de

mobilidade

Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se

subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a

sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares

esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16

Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas

relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos

Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17

As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia

etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades

A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos

homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do

grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares

[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de

inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de

taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo

da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de

farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos

preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18

Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem

poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram

especiacuteficos para as mulheres19

Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam

Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em

15

SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs

Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17

SANTOS 1973 op cit p33 18

SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)

2003 p 431-448 p 434 19

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p

31

14

cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos

alimentares20

Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa

dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis

em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21

construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se

mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs

meses

O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para

diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto

vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros

no litoral para realizar ataques a colonos22

As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do

nomadismo23

eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina

(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o

dia de caminhada era montado um acampamento

Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas

No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de

perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a

defesa24

Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva

repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia

uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas

com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras

airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma

espeacutecie de arcada25

20

VIEIRA 2004 op cit p 33 21

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina

(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de

Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p

166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do

Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23

VIEIRA 2004 op cit p 35 24

ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras

1992 p 423

15

As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo

descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim

como as mulheres apesar de sua baixa estatura

Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os

diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26

211 Os Mitos e os Ritos

Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses

acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se

refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto

tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico

No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande

importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27

que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida

desses povos

O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo

ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no

grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia

ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28

Para o preparo

do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos

para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29

funccedilatildeo muito

importante nesse momento especial para a famiacutelia

O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que

teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)

Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas

e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de

um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais

cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte

voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a

crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido

26

RIBEIRO 2009 op cit p126 27

PERES 2009 op cit p 48 28

SANTOS 2000 op cit p 26

29VIEIRA 2004 op cit p 171

16

O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era

considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia

toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme

variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais

extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)

Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR

Fonte Zig Koch (2007)

Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito

tempo30

pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria

consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da

festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que

tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)

Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica

sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o

efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para

outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio

um pequeno labrete31

de madeira32

30

LAVINA 1994 op cit p110 31

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de

materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do

tembetaacute e do botoque 32

PERES 2009 op cit p 64

17

Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e

introduccedilatildeo do ldquotembetardquo

Fonte SANTOS 1997 p 66

O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos

meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de

identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que

a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente

Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da

crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que

comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo

no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33

O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura

Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para

renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita

geralmente pelos afilhados do morto34

O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que

falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam

ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um

homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em

cestas forradas com folhas de xaxim35

33

RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng

2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC

Santa Catarina p28 34

VIEIRA 2004 op cit p 34 35

PERES 2009 op cit p 50

18

Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria

obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo

Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a

alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade

Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)

seguisse sua viagem36

O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo

ritualiacutestico que consistia37

no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e

pinturas corporais envolvendo a comunidade

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou

Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como

Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica

Tupi-Guarani38

nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem

foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas

posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar

diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc

corrigindo esse equivoco

A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos

compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus

domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura

4)

36

VIEIRA 2004 op cit p 34 37

RIBEIRO 2009 op cit p 35 38

METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p37

19

Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX

Fonte SANTOS 1973 p 36

As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a

200 indiviacuteduos em seus grupos39

O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto

por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou

podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees

aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e

finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40

denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse

grupo indiacutegena

39

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011

365 p p244

20

Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)

Fonte SCHMITZ 2010 p37

Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang

Fonte SCHMITZ 2011 p248

A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo

dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel

mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades

exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-

kreacuterdquo41

estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter

41

SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes

Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

UNISINOS 1995 333 p

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CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ

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ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012

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em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte

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CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da

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GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003

45

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70

1964

JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e

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JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo

2008 p 316

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os

arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo

Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo

LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo

Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007

_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011

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2010 Disponiacutevel em

httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-

MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml

MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em

httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173

Acesso em 27de jul2013

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de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987

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NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia

Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269

dezfev 1999-2000

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em

Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria

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46

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992

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REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS

2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

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Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

Agradeccedilo a todos os meus amigos familiares e a

minha Tety que entenderam as minhas loucuras e

angustias nesse processo de aprendizagem

AGRADECIMENTOS

Primeiramente devo agradecer aqui as duas pessoas mais importante de minha

vida e que fizeram de mim o homem que sou minha matildee Carla Renata Silva de Cezaro e meu

Pai Mauro de Cezaro que me apoiaram em todos os momentos e escolhas difiacuteceis da minha

vida e ainda o fazem em seguida agradeccedilo meus Avos Joatildeo e Ivonete que da forma deles

sempre estiveram presentes ao meu lado me apoiando a minha Irma Jady Silva de Cezaro que

me aturou por muito tempo e por mais que brigaacutessemos ela sempre esteve junto a mim ao

meu mais novo irmatildeo o Joatildeo Pedro - tchuti de mamatildee que veio para alegrar nossas vidas e

natildeo menos importante a minha ldquonamoridardquo Istefany Oliveira Rodrigues que esteve presente

em todo o processo de formaccedilatildeo do meu trabalho e pode observar minhas angustias minhas

afliccedilotildees e por mais que eu estivesse estressado ou de mau humor ela sempre esteve aqui

compreensiva e atenciosa

Aos meus amigos e colegas de trabalho que estiveram presentes tambeacutem de

alguma forma no decorrer do meu trabalho e da minha vida Guilherme B Souza Josiel dos

Santos Richard V Ronconi Juliano G Costa Dioneacuteia M Cardoso Rafael C da Rosa Diego

D Pavei Mayla S Toi Alan Sezara Dionatan Guisso James W Menegini Francieli G

Marcelina Jessica R e Breno S Cruz

Agradeccedilo ao meu amigo e Orientador Professor Me Juliano Bitencourt Campos

primeiramente por ter me dado agrave oportunidade de crescer profissionalmente e cientificamente

em seguida pela compreensatildeo nos momentos difiacuteceis da pesquisa por ter disponibilizado seu

tempo e o Laboratoacuterio de Arqueologia do Ipat para que eu pudesse dar segmento ao meu

trabalho e pesquisa

Agradeccedilo tambeacutem ao meu coorientador e grande Amigo Me Marcos Cesar

Pereira dos Santos por ter aceitado a difiacutecil tarefa de me coorientar pelos momentos em que

me aturou nesse aacuterduo processo de aprendizado tanto cientificamente quanto pessoal e nos

bons momentos de descontraccedilatildeo

ldquoA verdadeira funccedilatildeo que os iacutendios esperam

de tudo que fazem eacute a beleza Incidentalmente

suas belas flechas e sua preciosa ceracircmica tecircm

um valor de utilidade Mas sua funccedilatildeo real

vale dizer sua forma de contribuir para a

harmonia da vida coletiva e para expressatildeo de

sua cultura eacute criar belezardquo

(RIBEIRO Darcy 1999160)

RESUMO

O presente trabalho de conclusatildeo de curso tem como objetivo principal perceber de que forma

o mundo simboacutelico religioso dos grupos indiacutegenas pertencentes agrave matriz cultural Macro Jecirc do

extremo sul catarinense refletem-se na cultura material desses grupos Dentro da diversidade

existente na cultura material optamos pelos grafismos corporais pois acreditamos

representarem parte fundamental nas relaccedilotildees sociais e culturais humanas Com base nesta

problemaacutetica escolhemos trabalhar utilizando uma metodologia ancorada em um referencial

teoacuterico diversificado optando natildeo apenas pelos referenciais histoacutericos mas tambeacutem de aacutereas

afins como antropologia etno-histoacuteria arqueologia pois acreditamos serem necessaacuterios o

dialogo entre essas varias vertentes teoacutericas para uma maior compreensatildeo da questatildeo

Propomos aqui tambeacutem uma abordagem da arte que leve em conta a agencia dos materiais em

contato como o mundo imageacutetico (Sonhos Mundo dos Mortos) dos grupos indiacutegenas

pertencentes ao Macro Jecirc

Palavras-chave Xokleng Kaigang Mundo Simboacutelico Grafismos indiacutegenas

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 9

2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL 11

21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 12

211 Os Mitos e os Ritos 15

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 18

221 Mitos e Ritos 21

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA 24

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA 27

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS 30

41 OS GRAFISMOS XOKLENG 32

42 OS GRAFISMOS KAIGANG 33

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas 36

5 CONCLUSAtildeO 42

6 REFEREcircNCIAS 44

ANEXO 48

9

1 INTRODUCcedilAtildeO

Na presente pesquisa abordaremos os aspectos simboacutelicos referentes aos grupos

indiacutegenas pertencentes ao grupo eacutetnico Macro-Jecirc que povoaram a regiatildeo do extremo sul

catarinense Conhecidos como Xokleng e Kaigang esses povos deixaram marcas indeleacuteveis na

paisagem nessa perspectiva dividimos este Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC em trecircs

capiacutetulos cada um deles abordando uma temaacutetica relacionada ao objetivo principal

No primeiro capitulo um breve histoacuterico do povo Jecirc Meridional localizado no

territoacuterio do extremo Sul Catarinense Conhecidos historicamente como Xokleng e Kaigang

onde seratildeo abordadas algumas questotildees da ocupaccedilatildeo e da cultura desses grupos eacutetnicos

A origem da populaccedilatildeo (Xokleng e Kaigang) eacute atribuiacuteda pelo linguista Greg

Urban ao planalto Central brasileiro1 De acordo com Schimitz (2011) a partir do planalto

central eles teriam comeccedilado a se dispersar deslocando-se um grupo em direccedilatildeo o Sul haacute

cerca de trecircs mil anos

Falantes de liacutenguas distintas da famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos

culturalmente2 Na gradual ocupaccedilatildeo do territoacuterio diversificado ambientalmente os Kaigang

natildeo apenas se distinguiram e se separaram dos Xokleng mas formaram cinco dialetos

regionais os dois mais antigos estatildeo localizados no Rio Grande do Sul o terceiro em Santa

Catarina o quarto no Paranaacute e o mais recente em Satildeo Paulo3

[] ali foram desenvolvidas duas liacutenguas a mais antiga na parte oriental do

territoacuterio onde estatildeo os Xokleng a mais nova na parte central onde estatildeo os

Kaingang esta se teria diversificado em cinco dialetos regionais assim distribuiacutedos

os dois mais antigos no Rio Grande do Sul depois sucessivamente o de Santa

Catarina do Paranaacute e de Satildeo Paulo4

As relaccedilotildees linguiacutesticas existentes dentro do tronco linguiacutestico Jecirc colocam o

Kaigang no que segundo Noelli (2000) dentro do conjunto Akweacuten composto pelos povos

Xakribaacute Xavante e Xerente Estes grupos estatildeo localizados desde as terras mais altas do

Planalto Brasileiro tendo como divisores naturais agraves bacias do Satildeo Francisco Tocantins e

1URBAN 1992 apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense

Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 2NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia Debates e Perspectivas

1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269 dezfev 1999-2000 p 240 3WIESEMANN (1872) apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste

Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 244 4SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC

Argos 2011 365 p p185

10

Paranaacute os Xokleng por sua vez estatildeo locados dentro do conjunto linguiacutestico Kayapoacute

Timbira Kren-akarocircre e Suyaacute espalhados desde o Xingu Paranaacute Baixo Rio Tocantins

A organizaccedilatildeo social dos dois grupos manteacutem semelhanccedilas e padrotildees do grupo Jecirc

ldquocomo sistemas duais metades exocircgamicas e seccedilotildees hierarquicamente dispostas

uxorilocalidade bem como outros elementos poliacuteticosrdquo5

No segundo capitulo traremos como principal objetivo levantar as questotildees

teoacutericas envolvendo o mundo simboacutelico indiacutegena onde posteriormente buscaremos

correlacionar este mundo com a arte indiacutegena para isso tomaram-se como referenciais

teoacutericos principais as vertente teoacutericas o estruturalismo e etnografia aqui representadas por

Andreacute Leroi-Gourhan e Claude Leacutevi-Strauss

No terceiro capitulo traremos como principal objetivo realizar uma correlaccedilatildeo

entre o mundo simboacutelico6 (rituais e mitos) e a cultura material (grafismos) desses dois grupos

distintos para isso buscaremos com um olhar etno-arqueoloacutegico compreender os motivos

simboacutelicos dos grafismos Kaigang e Xokleng articulando as bibliografias etnograacuteficas etno-

histoacutericas arqueoloacutegicas em conjunto com uma abordagem filosoacutefica (Semioacutetica7) pois

acreditamos que por ldquoexistirem inuacutemeras coisas fora do alcance da compreensatildeo humana eacute

que frequentemente utilizamos termos simboacutelicos como representaccedilatildeo de conceitos que natildeo

podemos definir ou compreender integralmenterdquo 8 assim segundo Oliveira (2008) a Semioacutetica

estudaria todos os tipos possiacuteveis de accedilotildees dos Signos ou seja buscando a ldquovoltardquo ao Objeto

real

Quando estudamos arte rupestre buscamos uma ldquovoltardquo ao Objeto que soacute eacute

possiacutevel atraveacutes dos Signos que os representam e que permearam seu Mundo assim a

ldquocompreensatildeordquo atual dos grafismos soacute seraacute possiacutevel atraveacutes de analises comparativas dos

siacutembolos e signos dos grupos Indiacutegenas atuais

5NOELLI 1999-2000 op cit p 241

6Procuramos definir como siacutembolos os objetos materiais que em uma determinada sociedade por convenccedilatildeo

representa ou define uma realidade social ldquoO siacutembolo eacute importante porque ele permanece sobrevive dentro de

noacutes guarda seu significado Pelo siacutembolo se adquire um conhecimento que podemos chamar de indireto Neste

caso especiacutefico objetos que remetem agrave identidade eacutetnica e a histoacuteria do povo Xokleng e Kaigangrdquo (VIEIRA

2004 p 03) 7A Semioacutetica eacute uma teoria do conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-lo atraveacutes de signos pois um signo

sempre representa alguma coisa seu objeto Tudo pode ser representado atraveacutes de signos Charles Peirce (apud

LEFEBVRE sd) essa discussatildeo ocorrera no segundo capitulo 8 JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Editora Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo 2008 p21

11

2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL

Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos

primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um

passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes

povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas

sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os

restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos

As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da

regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional

segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais

aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)

afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte

dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave

alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10

Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos

troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP

A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em

todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11

aparecem famiacutelias

linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12

contudo apresentam algumas similaridades culturais

e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas

diferenciadas o Kaigang e o Xokleng

Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da

famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e

linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social

9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p

244 10

NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11

A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA

classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe

as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda

pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das

liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco

linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66

12

21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata

atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que

traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma

outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na

literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13

[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores

seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante

fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso

centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14

Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que

cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul

do Brasil (Figura 1)

Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)

Fonte IPATUNESC

13

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14

MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

Companhia das Letras 1992p37

13

Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem

formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu

potencial para suprir suas necessidades alimentares15

dependendo de um sistema sazonal de

mobilidade

Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se

subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a

sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares

esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16

Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas

relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos

Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17

As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia

etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades

A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos

homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do

grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares

[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de

inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de

taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo

da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de

farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos

preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18

Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem

poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram

especiacuteficos para as mulheres19

Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam

Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em

15

SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs

Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17

SANTOS 1973 op cit p33 18

SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)

2003 p 431-448 p 434 19

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p

31

14

cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos

alimentares20

Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa

dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis

em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21

construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se

mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs

meses

O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para

diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto

vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros

no litoral para realizar ataques a colonos22

As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do

nomadismo23

eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina

(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o

dia de caminhada era montado um acampamento

Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas

No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de

perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a

defesa24

Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva

repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia

uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas

com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras

airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma

espeacutecie de arcada25

20

VIEIRA 2004 op cit p 33 21

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina

(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de

Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p

166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do

Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23

VIEIRA 2004 op cit p 35 24

ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras

1992 p 423

15

As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo

descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim

como as mulheres apesar de sua baixa estatura

Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os

diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26

211 Os Mitos e os Ritos

Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses

acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se

refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto

tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico

No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande

importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27

que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida

desses povos

O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo

ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no

grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia

ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28

Para o preparo

do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos

para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29

funccedilatildeo muito

importante nesse momento especial para a famiacutelia

O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que

teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)

Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas

e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de

um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais

cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte

voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a

crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido

26

RIBEIRO 2009 op cit p126 27

PERES 2009 op cit p 48 28

SANTOS 2000 op cit p 26

29VIEIRA 2004 op cit p 171

16

O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era

considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia

toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme

variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais

extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)

Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR

Fonte Zig Koch (2007)

Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito

tempo30

pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria

consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da

festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que

tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)

Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica

sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o

efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para

outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio

um pequeno labrete31

de madeira32

30

LAVINA 1994 op cit p110 31

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de

materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do

tembetaacute e do botoque 32

PERES 2009 op cit p 64

17

Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e

introduccedilatildeo do ldquotembetardquo

Fonte SANTOS 1997 p 66

O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos

meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de

identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que

a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente

Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da

crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que

comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo

no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33

O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura

Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para

renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita

geralmente pelos afilhados do morto34

O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que

falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam

ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um

homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em

cestas forradas com folhas de xaxim35

33

RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng

2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC

Santa Catarina p28 34

VIEIRA 2004 op cit p 34 35

PERES 2009 op cit p 50

18

Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria

obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo

Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a

alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade

Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)

seguisse sua viagem36

O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo

ritualiacutestico que consistia37

no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e

pinturas corporais envolvendo a comunidade

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou

Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como

Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica

Tupi-Guarani38

nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem

foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas

posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar

diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc

corrigindo esse equivoco

A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos

compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus

domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura

4)

36

VIEIRA 2004 op cit p 34 37

RIBEIRO 2009 op cit p 35 38

METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p37

19

Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX

Fonte SANTOS 1973 p 36

As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a

200 indiviacuteduos em seus grupos39

O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto

por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou

podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees

aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e

finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40

denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse

grupo indiacutegena

39

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011

365 p p244

20

Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)

Fonte SCHMITZ 2010 p37

Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang

Fonte SCHMITZ 2011 p248

A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo

dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel

mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades

exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-

kreacuterdquo41

estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter

41

SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes

Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

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RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

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_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

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_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

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Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

AGRADECIMENTOS

Primeiramente devo agradecer aqui as duas pessoas mais importante de minha

vida e que fizeram de mim o homem que sou minha matildee Carla Renata Silva de Cezaro e meu

Pai Mauro de Cezaro que me apoiaram em todos os momentos e escolhas difiacuteceis da minha

vida e ainda o fazem em seguida agradeccedilo meus Avos Joatildeo e Ivonete que da forma deles

sempre estiveram presentes ao meu lado me apoiando a minha Irma Jady Silva de Cezaro que

me aturou por muito tempo e por mais que brigaacutessemos ela sempre esteve junto a mim ao

meu mais novo irmatildeo o Joatildeo Pedro - tchuti de mamatildee que veio para alegrar nossas vidas e

natildeo menos importante a minha ldquonamoridardquo Istefany Oliveira Rodrigues que esteve presente

em todo o processo de formaccedilatildeo do meu trabalho e pode observar minhas angustias minhas

afliccedilotildees e por mais que eu estivesse estressado ou de mau humor ela sempre esteve aqui

compreensiva e atenciosa

Aos meus amigos e colegas de trabalho que estiveram presentes tambeacutem de

alguma forma no decorrer do meu trabalho e da minha vida Guilherme B Souza Josiel dos

Santos Richard V Ronconi Juliano G Costa Dioneacuteia M Cardoso Rafael C da Rosa Diego

D Pavei Mayla S Toi Alan Sezara Dionatan Guisso James W Menegini Francieli G

Marcelina Jessica R e Breno S Cruz

Agradeccedilo ao meu amigo e Orientador Professor Me Juliano Bitencourt Campos

primeiramente por ter me dado agrave oportunidade de crescer profissionalmente e cientificamente

em seguida pela compreensatildeo nos momentos difiacuteceis da pesquisa por ter disponibilizado seu

tempo e o Laboratoacuterio de Arqueologia do Ipat para que eu pudesse dar segmento ao meu

trabalho e pesquisa

Agradeccedilo tambeacutem ao meu coorientador e grande Amigo Me Marcos Cesar

Pereira dos Santos por ter aceitado a difiacutecil tarefa de me coorientar pelos momentos em que

me aturou nesse aacuterduo processo de aprendizado tanto cientificamente quanto pessoal e nos

bons momentos de descontraccedilatildeo

ldquoA verdadeira funccedilatildeo que os iacutendios esperam

de tudo que fazem eacute a beleza Incidentalmente

suas belas flechas e sua preciosa ceracircmica tecircm

um valor de utilidade Mas sua funccedilatildeo real

vale dizer sua forma de contribuir para a

harmonia da vida coletiva e para expressatildeo de

sua cultura eacute criar belezardquo

(RIBEIRO Darcy 1999160)

RESUMO

O presente trabalho de conclusatildeo de curso tem como objetivo principal perceber de que forma

o mundo simboacutelico religioso dos grupos indiacutegenas pertencentes agrave matriz cultural Macro Jecirc do

extremo sul catarinense refletem-se na cultura material desses grupos Dentro da diversidade

existente na cultura material optamos pelos grafismos corporais pois acreditamos

representarem parte fundamental nas relaccedilotildees sociais e culturais humanas Com base nesta

problemaacutetica escolhemos trabalhar utilizando uma metodologia ancorada em um referencial

teoacuterico diversificado optando natildeo apenas pelos referenciais histoacutericos mas tambeacutem de aacutereas

afins como antropologia etno-histoacuteria arqueologia pois acreditamos serem necessaacuterios o

dialogo entre essas varias vertentes teoacutericas para uma maior compreensatildeo da questatildeo

Propomos aqui tambeacutem uma abordagem da arte que leve em conta a agencia dos materiais em

contato como o mundo imageacutetico (Sonhos Mundo dos Mortos) dos grupos indiacutegenas

pertencentes ao Macro Jecirc

Palavras-chave Xokleng Kaigang Mundo Simboacutelico Grafismos indiacutegenas

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 9

2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL 11

21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 12

211 Os Mitos e os Ritos 15

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 18

221 Mitos e Ritos 21

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA 24

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA 27

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS 30

41 OS GRAFISMOS XOKLENG 32

42 OS GRAFISMOS KAIGANG 33

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas 36

5 CONCLUSAtildeO 42

6 REFEREcircNCIAS 44

ANEXO 48

9

1 INTRODUCcedilAtildeO

Na presente pesquisa abordaremos os aspectos simboacutelicos referentes aos grupos

indiacutegenas pertencentes ao grupo eacutetnico Macro-Jecirc que povoaram a regiatildeo do extremo sul

catarinense Conhecidos como Xokleng e Kaigang esses povos deixaram marcas indeleacuteveis na

paisagem nessa perspectiva dividimos este Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC em trecircs

capiacutetulos cada um deles abordando uma temaacutetica relacionada ao objetivo principal

No primeiro capitulo um breve histoacuterico do povo Jecirc Meridional localizado no

territoacuterio do extremo Sul Catarinense Conhecidos historicamente como Xokleng e Kaigang

onde seratildeo abordadas algumas questotildees da ocupaccedilatildeo e da cultura desses grupos eacutetnicos

A origem da populaccedilatildeo (Xokleng e Kaigang) eacute atribuiacuteda pelo linguista Greg

Urban ao planalto Central brasileiro1 De acordo com Schimitz (2011) a partir do planalto

central eles teriam comeccedilado a se dispersar deslocando-se um grupo em direccedilatildeo o Sul haacute

cerca de trecircs mil anos

Falantes de liacutenguas distintas da famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos

culturalmente2 Na gradual ocupaccedilatildeo do territoacuterio diversificado ambientalmente os Kaigang

natildeo apenas se distinguiram e se separaram dos Xokleng mas formaram cinco dialetos

regionais os dois mais antigos estatildeo localizados no Rio Grande do Sul o terceiro em Santa

Catarina o quarto no Paranaacute e o mais recente em Satildeo Paulo3

[] ali foram desenvolvidas duas liacutenguas a mais antiga na parte oriental do

territoacuterio onde estatildeo os Xokleng a mais nova na parte central onde estatildeo os

Kaingang esta se teria diversificado em cinco dialetos regionais assim distribuiacutedos

os dois mais antigos no Rio Grande do Sul depois sucessivamente o de Santa

Catarina do Paranaacute e de Satildeo Paulo4

As relaccedilotildees linguiacutesticas existentes dentro do tronco linguiacutestico Jecirc colocam o

Kaigang no que segundo Noelli (2000) dentro do conjunto Akweacuten composto pelos povos

Xakribaacute Xavante e Xerente Estes grupos estatildeo localizados desde as terras mais altas do

Planalto Brasileiro tendo como divisores naturais agraves bacias do Satildeo Francisco Tocantins e

1URBAN 1992 apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense

Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 2NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia Debates e Perspectivas

1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269 dezfev 1999-2000 p 240 3WIESEMANN (1872) apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste

Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 244 4SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC

Argos 2011 365 p p185

10

Paranaacute os Xokleng por sua vez estatildeo locados dentro do conjunto linguiacutestico Kayapoacute

Timbira Kren-akarocircre e Suyaacute espalhados desde o Xingu Paranaacute Baixo Rio Tocantins

A organizaccedilatildeo social dos dois grupos manteacutem semelhanccedilas e padrotildees do grupo Jecirc

ldquocomo sistemas duais metades exocircgamicas e seccedilotildees hierarquicamente dispostas

uxorilocalidade bem como outros elementos poliacuteticosrdquo5

No segundo capitulo traremos como principal objetivo levantar as questotildees

teoacutericas envolvendo o mundo simboacutelico indiacutegena onde posteriormente buscaremos

correlacionar este mundo com a arte indiacutegena para isso tomaram-se como referenciais

teoacutericos principais as vertente teoacutericas o estruturalismo e etnografia aqui representadas por

Andreacute Leroi-Gourhan e Claude Leacutevi-Strauss

No terceiro capitulo traremos como principal objetivo realizar uma correlaccedilatildeo

entre o mundo simboacutelico6 (rituais e mitos) e a cultura material (grafismos) desses dois grupos

distintos para isso buscaremos com um olhar etno-arqueoloacutegico compreender os motivos

simboacutelicos dos grafismos Kaigang e Xokleng articulando as bibliografias etnograacuteficas etno-

histoacutericas arqueoloacutegicas em conjunto com uma abordagem filosoacutefica (Semioacutetica7) pois

acreditamos que por ldquoexistirem inuacutemeras coisas fora do alcance da compreensatildeo humana eacute

que frequentemente utilizamos termos simboacutelicos como representaccedilatildeo de conceitos que natildeo

podemos definir ou compreender integralmenterdquo 8 assim segundo Oliveira (2008) a Semioacutetica

estudaria todos os tipos possiacuteveis de accedilotildees dos Signos ou seja buscando a ldquovoltardquo ao Objeto

real

Quando estudamos arte rupestre buscamos uma ldquovoltardquo ao Objeto que soacute eacute

possiacutevel atraveacutes dos Signos que os representam e que permearam seu Mundo assim a

ldquocompreensatildeordquo atual dos grafismos soacute seraacute possiacutevel atraveacutes de analises comparativas dos

siacutembolos e signos dos grupos Indiacutegenas atuais

5NOELLI 1999-2000 op cit p 241

6Procuramos definir como siacutembolos os objetos materiais que em uma determinada sociedade por convenccedilatildeo

representa ou define uma realidade social ldquoO siacutembolo eacute importante porque ele permanece sobrevive dentro de

noacutes guarda seu significado Pelo siacutembolo se adquire um conhecimento que podemos chamar de indireto Neste

caso especiacutefico objetos que remetem agrave identidade eacutetnica e a histoacuteria do povo Xokleng e Kaigangrdquo (VIEIRA

2004 p 03) 7A Semioacutetica eacute uma teoria do conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-lo atraveacutes de signos pois um signo

sempre representa alguma coisa seu objeto Tudo pode ser representado atraveacutes de signos Charles Peirce (apud

LEFEBVRE sd) essa discussatildeo ocorrera no segundo capitulo 8 JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Editora Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo 2008 p21

11

2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL

Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos

primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um

passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes

povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas

sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os

restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos

As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da

regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional

segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais

aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)

afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte

dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave

alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10

Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos

troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP

A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em

todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11

aparecem famiacutelias

linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12

contudo apresentam algumas similaridades culturais

e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas

diferenciadas o Kaigang e o Xokleng

Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da

famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e

linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social

9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p

244 10

NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11

A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA

classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe

as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda

pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das

liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco

linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66

12

21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata

atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que

traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma

outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na

literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13

[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores

seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante

fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso

centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14

Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que

cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul

do Brasil (Figura 1)

Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)

Fonte IPATUNESC

13

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14

MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

Companhia das Letras 1992p37

13

Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem

formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu

potencial para suprir suas necessidades alimentares15

dependendo de um sistema sazonal de

mobilidade

Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se

subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a

sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares

esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16

Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas

relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos

Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17

As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia

etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades

A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos

homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do

grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares

[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de

inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de

taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo

da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de

farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos

preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18

Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem

poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram

especiacuteficos para as mulheres19

Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam

Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em

15

SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs

Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17

SANTOS 1973 op cit p33 18

SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)

2003 p 431-448 p 434 19

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p

31

14

cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos

alimentares20

Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa

dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis

em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21

construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se

mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs

meses

O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para

diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto

vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros

no litoral para realizar ataques a colonos22

As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do

nomadismo23

eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina

(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o

dia de caminhada era montado um acampamento

Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas

No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de

perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a

defesa24

Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva

repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia

uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas

com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras

airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma

espeacutecie de arcada25

20

VIEIRA 2004 op cit p 33 21

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina

(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de

Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p

166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do

Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23

VIEIRA 2004 op cit p 35 24

ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras

1992 p 423

15

As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo

descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim

como as mulheres apesar de sua baixa estatura

Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os

diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26

211 Os Mitos e os Ritos

Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses

acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se

refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto

tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico

No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande

importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27

que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida

desses povos

O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo

ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no

grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia

ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28

Para o preparo

do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos

para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29

funccedilatildeo muito

importante nesse momento especial para a famiacutelia

O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que

teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)

Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas

e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de

um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais

cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte

voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a

crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido

26

RIBEIRO 2009 op cit p126 27

PERES 2009 op cit p 48 28

SANTOS 2000 op cit p 26

29VIEIRA 2004 op cit p 171

16

O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era

considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia

toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme

variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais

extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)

Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR

Fonte Zig Koch (2007)

Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito

tempo30

pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria

consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da

festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que

tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)

Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica

sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o

efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para

outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio

um pequeno labrete31

de madeira32

30

LAVINA 1994 op cit p110 31

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de

materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do

tembetaacute e do botoque 32

PERES 2009 op cit p 64

17

Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e

introduccedilatildeo do ldquotembetardquo

Fonte SANTOS 1997 p 66

O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos

meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de

identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que

a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente

Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da

crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que

comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo

no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33

O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura

Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para

renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita

geralmente pelos afilhados do morto34

O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que

falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam

ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um

homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em

cestas forradas com folhas de xaxim35

33

RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng

2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC

Santa Catarina p28 34

VIEIRA 2004 op cit p 34 35

PERES 2009 op cit p 50

18

Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria

obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo

Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a

alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade

Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)

seguisse sua viagem36

O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo

ritualiacutestico que consistia37

no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e

pinturas corporais envolvendo a comunidade

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou

Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como

Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica

Tupi-Guarani38

nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem

foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas

posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar

diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc

corrigindo esse equivoco

A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos

compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus

domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura

4)

36

VIEIRA 2004 op cit p 34 37

RIBEIRO 2009 op cit p 35 38

METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p37

19

Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX

Fonte SANTOS 1973 p 36

As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a

200 indiviacuteduos em seus grupos39

O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto

por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou

podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees

aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e

finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40

denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse

grupo indiacutegena

39

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011

365 p p244

20

Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)

Fonte SCHMITZ 2010 p37

Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang

Fonte SCHMITZ 2011 p248

A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo

dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel

mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades

exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-

kreacuterdquo41

estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter

41

SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes

Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

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Paulo vol 4 1988

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1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

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compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

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2004 p 59 ndash 70

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2010

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p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

ldquoA verdadeira funccedilatildeo que os iacutendios esperam

de tudo que fazem eacute a beleza Incidentalmente

suas belas flechas e sua preciosa ceracircmica tecircm

um valor de utilidade Mas sua funccedilatildeo real

vale dizer sua forma de contribuir para a

harmonia da vida coletiva e para expressatildeo de

sua cultura eacute criar belezardquo

(RIBEIRO Darcy 1999160)

RESUMO

O presente trabalho de conclusatildeo de curso tem como objetivo principal perceber de que forma

o mundo simboacutelico religioso dos grupos indiacutegenas pertencentes agrave matriz cultural Macro Jecirc do

extremo sul catarinense refletem-se na cultura material desses grupos Dentro da diversidade

existente na cultura material optamos pelos grafismos corporais pois acreditamos

representarem parte fundamental nas relaccedilotildees sociais e culturais humanas Com base nesta

problemaacutetica escolhemos trabalhar utilizando uma metodologia ancorada em um referencial

teoacuterico diversificado optando natildeo apenas pelos referenciais histoacutericos mas tambeacutem de aacutereas

afins como antropologia etno-histoacuteria arqueologia pois acreditamos serem necessaacuterios o

dialogo entre essas varias vertentes teoacutericas para uma maior compreensatildeo da questatildeo

Propomos aqui tambeacutem uma abordagem da arte que leve em conta a agencia dos materiais em

contato como o mundo imageacutetico (Sonhos Mundo dos Mortos) dos grupos indiacutegenas

pertencentes ao Macro Jecirc

Palavras-chave Xokleng Kaigang Mundo Simboacutelico Grafismos indiacutegenas

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 9

2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL 11

21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 12

211 Os Mitos e os Ritos 15

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 18

221 Mitos e Ritos 21

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA 24

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA 27

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS 30

41 OS GRAFISMOS XOKLENG 32

42 OS GRAFISMOS KAIGANG 33

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas 36

5 CONCLUSAtildeO 42

6 REFEREcircNCIAS 44

ANEXO 48

9

1 INTRODUCcedilAtildeO

Na presente pesquisa abordaremos os aspectos simboacutelicos referentes aos grupos

indiacutegenas pertencentes ao grupo eacutetnico Macro-Jecirc que povoaram a regiatildeo do extremo sul

catarinense Conhecidos como Xokleng e Kaigang esses povos deixaram marcas indeleacuteveis na

paisagem nessa perspectiva dividimos este Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC em trecircs

capiacutetulos cada um deles abordando uma temaacutetica relacionada ao objetivo principal

No primeiro capitulo um breve histoacuterico do povo Jecirc Meridional localizado no

territoacuterio do extremo Sul Catarinense Conhecidos historicamente como Xokleng e Kaigang

onde seratildeo abordadas algumas questotildees da ocupaccedilatildeo e da cultura desses grupos eacutetnicos

A origem da populaccedilatildeo (Xokleng e Kaigang) eacute atribuiacuteda pelo linguista Greg

Urban ao planalto Central brasileiro1 De acordo com Schimitz (2011) a partir do planalto

central eles teriam comeccedilado a se dispersar deslocando-se um grupo em direccedilatildeo o Sul haacute

cerca de trecircs mil anos

Falantes de liacutenguas distintas da famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos

culturalmente2 Na gradual ocupaccedilatildeo do territoacuterio diversificado ambientalmente os Kaigang

natildeo apenas se distinguiram e se separaram dos Xokleng mas formaram cinco dialetos

regionais os dois mais antigos estatildeo localizados no Rio Grande do Sul o terceiro em Santa

Catarina o quarto no Paranaacute e o mais recente em Satildeo Paulo3

[] ali foram desenvolvidas duas liacutenguas a mais antiga na parte oriental do

territoacuterio onde estatildeo os Xokleng a mais nova na parte central onde estatildeo os

Kaingang esta se teria diversificado em cinco dialetos regionais assim distribuiacutedos

os dois mais antigos no Rio Grande do Sul depois sucessivamente o de Santa

Catarina do Paranaacute e de Satildeo Paulo4

As relaccedilotildees linguiacutesticas existentes dentro do tronco linguiacutestico Jecirc colocam o

Kaigang no que segundo Noelli (2000) dentro do conjunto Akweacuten composto pelos povos

Xakribaacute Xavante e Xerente Estes grupos estatildeo localizados desde as terras mais altas do

Planalto Brasileiro tendo como divisores naturais agraves bacias do Satildeo Francisco Tocantins e

1URBAN 1992 apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense

Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 2NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia Debates e Perspectivas

1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269 dezfev 1999-2000 p 240 3WIESEMANN (1872) apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste

Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 244 4SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC

Argos 2011 365 p p185

10

Paranaacute os Xokleng por sua vez estatildeo locados dentro do conjunto linguiacutestico Kayapoacute

Timbira Kren-akarocircre e Suyaacute espalhados desde o Xingu Paranaacute Baixo Rio Tocantins

A organizaccedilatildeo social dos dois grupos manteacutem semelhanccedilas e padrotildees do grupo Jecirc

ldquocomo sistemas duais metades exocircgamicas e seccedilotildees hierarquicamente dispostas

uxorilocalidade bem como outros elementos poliacuteticosrdquo5

No segundo capitulo traremos como principal objetivo levantar as questotildees

teoacutericas envolvendo o mundo simboacutelico indiacutegena onde posteriormente buscaremos

correlacionar este mundo com a arte indiacutegena para isso tomaram-se como referenciais

teoacutericos principais as vertente teoacutericas o estruturalismo e etnografia aqui representadas por

Andreacute Leroi-Gourhan e Claude Leacutevi-Strauss

No terceiro capitulo traremos como principal objetivo realizar uma correlaccedilatildeo

entre o mundo simboacutelico6 (rituais e mitos) e a cultura material (grafismos) desses dois grupos

distintos para isso buscaremos com um olhar etno-arqueoloacutegico compreender os motivos

simboacutelicos dos grafismos Kaigang e Xokleng articulando as bibliografias etnograacuteficas etno-

histoacutericas arqueoloacutegicas em conjunto com uma abordagem filosoacutefica (Semioacutetica7) pois

acreditamos que por ldquoexistirem inuacutemeras coisas fora do alcance da compreensatildeo humana eacute

que frequentemente utilizamos termos simboacutelicos como representaccedilatildeo de conceitos que natildeo

podemos definir ou compreender integralmenterdquo 8 assim segundo Oliveira (2008) a Semioacutetica

estudaria todos os tipos possiacuteveis de accedilotildees dos Signos ou seja buscando a ldquovoltardquo ao Objeto

real

Quando estudamos arte rupestre buscamos uma ldquovoltardquo ao Objeto que soacute eacute

possiacutevel atraveacutes dos Signos que os representam e que permearam seu Mundo assim a

ldquocompreensatildeordquo atual dos grafismos soacute seraacute possiacutevel atraveacutes de analises comparativas dos

siacutembolos e signos dos grupos Indiacutegenas atuais

5NOELLI 1999-2000 op cit p 241

6Procuramos definir como siacutembolos os objetos materiais que em uma determinada sociedade por convenccedilatildeo

representa ou define uma realidade social ldquoO siacutembolo eacute importante porque ele permanece sobrevive dentro de

noacutes guarda seu significado Pelo siacutembolo se adquire um conhecimento que podemos chamar de indireto Neste

caso especiacutefico objetos que remetem agrave identidade eacutetnica e a histoacuteria do povo Xokleng e Kaigangrdquo (VIEIRA

2004 p 03) 7A Semioacutetica eacute uma teoria do conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-lo atraveacutes de signos pois um signo

sempre representa alguma coisa seu objeto Tudo pode ser representado atraveacutes de signos Charles Peirce (apud

LEFEBVRE sd) essa discussatildeo ocorrera no segundo capitulo 8 JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Editora Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo 2008 p21

11

2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL

Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos

primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um

passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes

povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas

sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os

restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos

As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da

regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional

segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais

aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)

afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte

dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave

alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10

Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos

troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP

A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em

todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11

aparecem famiacutelias

linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12

contudo apresentam algumas similaridades culturais

e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas

diferenciadas o Kaigang e o Xokleng

Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da

famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e

linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social

9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p

244 10

NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11

A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA

classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe

as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda

pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das

liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco

linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66

12

21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata

atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que

traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma

outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na

literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13

[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores

seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante

fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso

centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14

Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que

cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul

do Brasil (Figura 1)

Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)

Fonte IPATUNESC

13

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14

MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

Companhia das Letras 1992p37

13

Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem

formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu

potencial para suprir suas necessidades alimentares15

dependendo de um sistema sazonal de

mobilidade

Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se

subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a

sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares

esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16

Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas

relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos

Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17

As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia

etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades

A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos

homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do

grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares

[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de

inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de

taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo

da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de

farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos

preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18

Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem

poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram

especiacuteficos para as mulheres19

Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam

Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em

15

SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs

Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17

SANTOS 1973 op cit p33 18

SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)

2003 p 431-448 p 434 19

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p

31

14

cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos

alimentares20

Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa

dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis

em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21

construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se

mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs

meses

O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para

diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto

vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros

no litoral para realizar ataques a colonos22

As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do

nomadismo23

eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina

(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o

dia de caminhada era montado um acampamento

Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas

No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de

perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a

defesa24

Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva

repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia

uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas

com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras

airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma

espeacutecie de arcada25

20

VIEIRA 2004 op cit p 33 21

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina

(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de

Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p

166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do

Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23

VIEIRA 2004 op cit p 35 24

ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras

1992 p 423

15

As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo

descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim

como as mulheres apesar de sua baixa estatura

Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os

diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26

211 Os Mitos e os Ritos

Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses

acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se

refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto

tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico

No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande

importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27

que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida

desses povos

O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo

ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no

grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia

ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28

Para o preparo

do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos

para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29

funccedilatildeo muito

importante nesse momento especial para a famiacutelia

O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que

teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)

Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas

e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de

um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais

cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte

voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a

crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido

26

RIBEIRO 2009 op cit p126 27

PERES 2009 op cit p 48 28

SANTOS 2000 op cit p 26

29VIEIRA 2004 op cit p 171

16

O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era

considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia

toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme

variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais

extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)

Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR

Fonte Zig Koch (2007)

Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito

tempo30

pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria

consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da

festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que

tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)

Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica

sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o

efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para

outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio

um pequeno labrete31

de madeira32

30

LAVINA 1994 op cit p110 31

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de

materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do

tembetaacute e do botoque 32

PERES 2009 op cit p 64

17

Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e

introduccedilatildeo do ldquotembetardquo

Fonte SANTOS 1997 p 66

O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos

meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de

identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que

a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente

Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da

crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que

comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo

no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33

O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura

Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para

renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita

geralmente pelos afilhados do morto34

O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que

falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam

ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um

homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em

cestas forradas com folhas de xaxim35

33

RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng

2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC

Santa Catarina p28 34

VIEIRA 2004 op cit p 34 35

PERES 2009 op cit p 50

18

Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria

obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo

Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a

alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade

Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)

seguisse sua viagem36

O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo

ritualiacutestico que consistia37

no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e

pinturas corporais envolvendo a comunidade

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou

Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como

Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica

Tupi-Guarani38

nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem

foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas

posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar

diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc

corrigindo esse equivoco

A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos

compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus

domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura

4)

36

VIEIRA 2004 op cit p 34 37

RIBEIRO 2009 op cit p 35 38

METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p37

19

Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX

Fonte SANTOS 1973 p 36

As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a

200 indiviacuteduos em seus grupos39

O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto

por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou

podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees

aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e

finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40

denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse

grupo indiacutegena

39

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011

365 p p244

20

Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)

Fonte SCHMITZ 2010 p37

Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang

Fonte SCHMITZ 2011 p248

A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo

dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel

mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades

exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-

kreacuterdquo41

estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter

41

SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes

Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

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47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

RESUMO

O presente trabalho de conclusatildeo de curso tem como objetivo principal perceber de que forma

o mundo simboacutelico religioso dos grupos indiacutegenas pertencentes agrave matriz cultural Macro Jecirc do

extremo sul catarinense refletem-se na cultura material desses grupos Dentro da diversidade

existente na cultura material optamos pelos grafismos corporais pois acreditamos

representarem parte fundamental nas relaccedilotildees sociais e culturais humanas Com base nesta

problemaacutetica escolhemos trabalhar utilizando uma metodologia ancorada em um referencial

teoacuterico diversificado optando natildeo apenas pelos referenciais histoacutericos mas tambeacutem de aacutereas

afins como antropologia etno-histoacuteria arqueologia pois acreditamos serem necessaacuterios o

dialogo entre essas varias vertentes teoacutericas para uma maior compreensatildeo da questatildeo

Propomos aqui tambeacutem uma abordagem da arte que leve em conta a agencia dos materiais em

contato como o mundo imageacutetico (Sonhos Mundo dos Mortos) dos grupos indiacutegenas

pertencentes ao Macro Jecirc

Palavras-chave Xokleng Kaigang Mundo Simboacutelico Grafismos indiacutegenas

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 9

2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL 11

21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 12

211 Os Mitos e os Ritos 15

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 18

221 Mitos e Ritos 21

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA 24

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA 27

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS 30

41 OS GRAFISMOS XOKLENG 32

42 OS GRAFISMOS KAIGANG 33

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas 36

5 CONCLUSAtildeO 42

6 REFEREcircNCIAS 44

ANEXO 48

9

1 INTRODUCcedilAtildeO

Na presente pesquisa abordaremos os aspectos simboacutelicos referentes aos grupos

indiacutegenas pertencentes ao grupo eacutetnico Macro-Jecirc que povoaram a regiatildeo do extremo sul

catarinense Conhecidos como Xokleng e Kaigang esses povos deixaram marcas indeleacuteveis na

paisagem nessa perspectiva dividimos este Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC em trecircs

capiacutetulos cada um deles abordando uma temaacutetica relacionada ao objetivo principal

No primeiro capitulo um breve histoacuterico do povo Jecirc Meridional localizado no

territoacuterio do extremo Sul Catarinense Conhecidos historicamente como Xokleng e Kaigang

onde seratildeo abordadas algumas questotildees da ocupaccedilatildeo e da cultura desses grupos eacutetnicos

A origem da populaccedilatildeo (Xokleng e Kaigang) eacute atribuiacuteda pelo linguista Greg

Urban ao planalto Central brasileiro1 De acordo com Schimitz (2011) a partir do planalto

central eles teriam comeccedilado a se dispersar deslocando-se um grupo em direccedilatildeo o Sul haacute

cerca de trecircs mil anos

Falantes de liacutenguas distintas da famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos

culturalmente2 Na gradual ocupaccedilatildeo do territoacuterio diversificado ambientalmente os Kaigang

natildeo apenas se distinguiram e se separaram dos Xokleng mas formaram cinco dialetos

regionais os dois mais antigos estatildeo localizados no Rio Grande do Sul o terceiro em Santa

Catarina o quarto no Paranaacute e o mais recente em Satildeo Paulo3

[] ali foram desenvolvidas duas liacutenguas a mais antiga na parte oriental do

territoacuterio onde estatildeo os Xokleng a mais nova na parte central onde estatildeo os

Kaingang esta se teria diversificado em cinco dialetos regionais assim distribuiacutedos

os dois mais antigos no Rio Grande do Sul depois sucessivamente o de Santa

Catarina do Paranaacute e de Satildeo Paulo4

As relaccedilotildees linguiacutesticas existentes dentro do tronco linguiacutestico Jecirc colocam o

Kaigang no que segundo Noelli (2000) dentro do conjunto Akweacuten composto pelos povos

Xakribaacute Xavante e Xerente Estes grupos estatildeo localizados desde as terras mais altas do

Planalto Brasileiro tendo como divisores naturais agraves bacias do Satildeo Francisco Tocantins e

1URBAN 1992 apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense

Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 2NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia Debates e Perspectivas

1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269 dezfev 1999-2000 p 240 3WIESEMANN (1872) apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste

Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 244 4SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC

Argos 2011 365 p p185

10

Paranaacute os Xokleng por sua vez estatildeo locados dentro do conjunto linguiacutestico Kayapoacute

Timbira Kren-akarocircre e Suyaacute espalhados desde o Xingu Paranaacute Baixo Rio Tocantins

A organizaccedilatildeo social dos dois grupos manteacutem semelhanccedilas e padrotildees do grupo Jecirc

ldquocomo sistemas duais metades exocircgamicas e seccedilotildees hierarquicamente dispostas

uxorilocalidade bem como outros elementos poliacuteticosrdquo5

No segundo capitulo traremos como principal objetivo levantar as questotildees

teoacutericas envolvendo o mundo simboacutelico indiacutegena onde posteriormente buscaremos

correlacionar este mundo com a arte indiacutegena para isso tomaram-se como referenciais

teoacutericos principais as vertente teoacutericas o estruturalismo e etnografia aqui representadas por

Andreacute Leroi-Gourhan e Claude Leacutevi-Strauss

No terceiro capitulo traremos como principal objetivo realizar uma correlaccedilatildeo

entre o mundo simboacutelico6 (rituais e mitos) e a cultura material (grafismos) desses dois grupos

distintos para isso buscaremos com um olhar etno-arqueoloacutegico compreender os motivos

simboacutelicos dos grafismos Kaigang e Xokleng articulando as bibliografias etnograacuteficas etno-

histoacutericas arqueoloacutegicas em conjunto com uma abordagem filosoacutefica (Semioacutetica7) pois

acreditamos que por ldquoexistirem inuacutemeras coisas fora do alcance da compreensatildeo humana eacute

que frequentemente utilizamos termos simboacutelicos como representaccedilatildeo de conceitos que natildeo

podemos definir ou compreender integralmenterdquo 8 assim segundo Oliveira (2008) a Semioacutetica

estudaria todos os tipos possiacuteveis de accedilotildees dos Signos ou seja buscando a ldquovoltardquo ao Objeto

real

Quando estudamos arte rupestre buscamos uma ldquovoltardquo ao Objeto que soacute eacute

possiacutevel atraveacutes dos Signos que os representam e que permearam seu Mundo assim a

ldquocompreensatildeordquo atual dos grafismos soacute seraacute possiacutevel atraveacutes de analises comparativas dos

siacutembolos e signos dos grupos Indiacutegenas atuais

5NOELLI 1999-2000 op cit p 241

6Procuramos definir como siacutembolos os objetos materiais que em uma determinada sociedade por convenccedilatildeo

representa ou define uma realidade social ldquoO siacutembolo eacute importante porque ele permanece sobrevive dentro de

noacutes guarda seu significado Pelo siacutembolo se adquire um conhecimento que podemos chamar de indireto Neste

caso especiacutefico objetos que remetem agrave identidade eacutetnica e a histoacuteria do povo Xokleng e Kaigangrdquo (VIEIRA

2004 p 03) 7A Semioacutetica eacute uma teoria do conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-lo atraveacutes de signos pois um signo

sempre representa alguma coisa seu objeto Tudo pode ser representado atraveacutes de signos Charles Peirce (apud

LEFEBVRE sd) essa discussatildeo ocorrera no segundo capitulo 8 JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Editora Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo 2008 p21

11

2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL

Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos

primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um

passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes

povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas

sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os

restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos

As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da

regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional

segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais

aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)

afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte

dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave

alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10

Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos

troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP

A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em

todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11

aparecem famiacutelias

linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12

contudo apresentam algumas similaridades culturais

e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas

diferenciadas o Kaigang e o Xokleng

Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da

famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e

linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social

9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p

244 10

NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11

A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA

classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe

as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda

pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das

liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco

linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66

12

21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata

atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que

traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma

outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na

literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13

[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores

seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante

fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso

centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14

Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que

cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul

do Brasil (Figura 1)

Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)

Fonte IPATUNESC

13

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14

MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

Companhia das Letras 1992p37

13

Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem

formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu

potencial para suprir suas necessidades alimentares15

dependendo de um sistema sazonal de

mobilidade

Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se

subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a

sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares

esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16

Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas

relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos

Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17

As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia

etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades

A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos

homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do

grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares

[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de

inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de

taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo

da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de

farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos

preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18

Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem

poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram

especiacuteficos para as mulheres19

Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam

Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em

15

SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs

Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17

SANTOS 1973 op cit p33 18

SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)

2003 p 431-448 p 434 19

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p

31

14

cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos

alimentares20

Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa

dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis

em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21

construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se

mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs

meses

O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para

diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto

vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros

no litoral para realizar ataques a colonos22

As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do

nomadismo23

eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina

(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o

dia de caminhada era montado um acampamento

Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas

No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de

perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a

defesa24

Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva

repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia

uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas

com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras

airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma

espeacutecie de arcada25

20

VIEIRA 2004 op cit p 33 21

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina

(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de

Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p

166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do

Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23

VIEIRA 2004 op cit p 35 24

ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras

1992 p 423

15

As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo

descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim

como as mulheres apesar de sua baixa estatura

Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os

diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26

211 Os Mitos e os Ritos

Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses

acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se

refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto

tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico

No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande

importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27

que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida

desses povos

O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo

ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no

grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia

ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28

Para o preparo

do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos

para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29

funccedilatildeo muito

importante nesse momento especial para a famiacutelia

O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que

teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)

Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas

e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de

um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais

cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte

voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a

crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido

26

RIBEIRO 2009 op cit p126 27

PERES 2009 op cit p 48 28

SANTOS 2000 op cit p 26

29VIEIRA 2004 op cit p 171

16

O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era

considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia

toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme

variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais

extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)

Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR

Fonte Zig Koch (2007)

Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito

tempo30

pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria

consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da

festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que

tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)

Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica

sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o

efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para

outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio

um pequeno labrete31

de madeira32

30

LAVINA 1994 op cit p110 31

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de

materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do

tembetaacute e do botoque 32

PERES 2009 op cit p 64

17

Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e

introduccedilatildeo do ldquotembetardquo

Fonte SANTOS 1997 p 66

O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos

meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de

identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que

a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente

Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da

crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que

comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo

no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33

O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura

Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para

renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita

geralmente pelos afilhados do morto34

O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que

falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam

ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um

homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em

cestas forradas com folhas de xaxim35

33

RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng

2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC

Santa Catarina p28 34

VIEIRA 2004 op cit p 34 35

PERES 2009 op cit p 50

18

Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria

obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo

Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a

alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade

Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)

seguisse sua viagem36

O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo

ritualiacutestico que consistia37

no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e

pinturas corporais envolvendo a comunidade

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou

Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como

Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica

Tupi-Guarani38

nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem

foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas

posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar

diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc

corrigindo esse equivoco

A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos

compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus

domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura

4)

36

VIEIRA 2004 op cit p 34 37

RIBEIRO 2009 op cit p 35 38

METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p37

19

Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX

Fonte SANTOS 1973 p 36

As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a

200 indiviacuteduos em seus grupos39

O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto

por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou

podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees

aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e

finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40

denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse

grupo indiacutegena

39

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011

365 p p244

20

Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)

Fonte SCHMITZ 2010 p37

Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang

Fonte SCHMITZ 2011 p248

A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo

dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel

mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades

exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-

kreacuterdquo41

estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter

41

SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes

Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

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RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 9

2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL 11

21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 12

211 Os Mitos e os Ritos 15

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 18

221 Mitos e Ritos 21

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA 24

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA 27

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS 30

41 OS GRAFISMOS XOKLENG 32

42 OS GRAFISMOS KAIGANG 33

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas 36

5 CONCLUSAtildeO 42

6 REFEREcircNCIAS 44

ANEXO 48

9

1 INTRODUCcedilAtildeO

Na presente pesquisa abordaremos os aspectos simboacutelicos referentes aos grupos

indiacutegenas pertencentes ao grupo eacutetnico Macro-Jecirc que povoaram a regiatildeo do extremo sul

catarinense Conhecidos como Xokleng e Kaigang esses povos deixaram marcas indeleacuteveis na

paisagem nessa perspectiva dividimos este Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC em trecircs

capiacutetulos cada um deles abordando uma temaacutetica relacionada ao objetivo principal

No primeiro capitulo um breve histoacuterico do povo Jecirc Meridional localizado no

territoacuterio do extremo Sul Catarinense Conhecidos historicamente como Xokleng e Kaigang

onde seratildeo abordadas algumas questotildees da ocupaccedilatildeo e da cultura desses grupos eacutetnicos

A origem da populaccedilatildeo (Xokleng e Kaigang) eacute atribuiacuteda pelo linguista Greg

Urban ao planalto Central brasileiro1 De acordo com Schimitz (2011) a partir do planalto

central eles teriam comeccedilado a se dispersar deslocando-se um grupo em direccedilatildeo o Sul haacute

cerca de trecircs mil anos

Falantes de liacutenguas distintas da famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos

culturalmente2 Na gradual ocupaccedilatildeo do territoacuterio diversificado ambientalmente os Kaigang

natildeo apenas se distinguiram e se separaram dos Xokleng mas formaram cinco dialetos

regionais os dois mais antigos estatildeo localizados no Rio Grande do Sul o terceiro em Santa

Catarina o quarto no Paranaacute e o mais recente em Satildeo Paulo3

[] ali foram desenvolvidas duas liacutenguas a mais antiga na parte oriental do

territoacuterio onde estatildeo os Xokleng a mais nova na parte central onde estatildeo os

Kaingang esta se teria diversificado em cinco dialetos regionais assim distribuiacutedos

os dois mais antigos no Rio Grande do Sul depois sucessivamente o de Santa

Catarina do Paranaacute e de Satildeo Paulo4

As relaccedilotildees linguiacutesticas existentes dentro do tronco linguiacutestico Jecirc colocam o

Kaigang no que segundo Noelli (2000) dentro do conjunto Akweacuten composto pelos povos

Xakribaacute Xavante e Xerente Estes grupos estatildeo localizados desde as terras mais altas do

Planalto Brasileiro tendo como divisores naturais agraves bacias do Satildeo Francisco Tocantins e

1URBAN 1992 apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense

Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 2NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia Debates e Perspectivas

1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269 dezfev 1999-2000 p 240 3WIESEMANN (1872) apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste

Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 244 4SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC

Argos 2011 365 p p185

10

Paranaacute os Xokleng por sua vez estatildeo locados dentro do conjunto linguiacutestico Kayapoacute

Timbira Kren-akarocircre e Suyaacute espalhados desde o Xingu Paranaacute Baixo Rio Tocantins

A organizaccedilatildeo social dos dois grupos manteacutem semelhanccedilas e padrotildees do grupo Jecirc

ldquocomo sistemas duais metades exocircgamicas e seccedilotildees hierarquicamente dispostas

uxorilocalidade bem como outros elementos poliacuteticosrdquo5

No segundo capitulo traremos como principal objetivo levantar as questotildees

teoacutericas envolvendo o mundo simboacutelico indiacutegena onde posteriormente buscaremos

correlacionar este mundo com a arte indiacutegena para isso tomaram-se como referenciais

teoacutericos principais as vertente teoacutericas o estruturalismo e etnografia aqui representadas por

Andreacute Leroi-Gourhan e Claude Leacutevi-Strauss

No terceiro capitulo traremos como principal objetivo realizar uma correlaccedilatildeo

entre o mundo simboacutelico6 (rituais e mitos) e a cultura material (grafismos) desses dois grupos

distintos para isso buscaremos com um olhar etno-arqueoloacutegico compreender os motivos

simboacutelicos dos grafismos Kaigang e Xokleng articulando as bibliografias etnograacuteficas etno-

histoacutericas arqueoloacutegicas em conjunto com uma abordagem filosoacutefica (Semioacutetica7) pois

acreditamos que por ldquoexistirem inuacutemeras coisas fora do alcance da compreensatildeo humana eacute

que frequentemente utilizamos termos simboacutelicos como representaccedilatildeo de conceitos que natildeo

podemos definir ou compreender integralmenterdquo 8 assim segundo Oliveira (2008) a Semioacutetica

estudaria todos os tipos possiacuteveis de accedilotildees dos Signos ou seja buscando a ldquovoltardquo ao Objeto

real

Quando estudamos arte rupestre buscamos uma ldquovoltardquo ao Objeto que soacute eacute

possiacutevel atraveacutes dos Signos que os representam e que permearam seu Mundo assim a

ldquocompreensatildeordquo atual dos grafismos soacute seraacute possiacutevel atraveacutes de analises comparativas dos

siacutembolos e signos dos grupos Indiacutegenas atuais

5NOELLI 1999-2000 op cit p 241

6Procuramos definir como siacutembolos os objetos materiais que em uma determinada sociedade por convenccedilatildeo

representa ou define uma realidade social ldquoO siacutembolo eacute importante porque ele permanece sobrevive dentro de

noacutes guarda seu significado Pelo siacutembolo se adquire um conhecimento que podemos chamar de indireto Neste

caso especiacutefico objetos que remetem agrave identidade eacutetnica e a histoacuteria do povo Xokleng e Kaigangrdquo (VIEIRA

2004 p 03) 7A Semioacutetica eacute uma teoria do conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-lo atraveacutes de signos pois um signo

sempre representa alguma coisa seu objeto Tudo pode ser representado atraveacutes de signos Charles Peirce (apud

LEFEBVRE sd) essa discussatildeo ocorrera no segundo capitulo 8 JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Editora Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo 2008 p21

11

2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL

Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos

primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um

passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes

povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas

sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os

restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos

As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da

regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional

segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais

aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)

afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte

dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave

alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10

Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos

troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP

A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em

todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11

aparecem famiacutelias

linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12

contudo apresentam algumas similaridades culturais

e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas

diferenciadas o Kaigang e o Xokleng

Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da

famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e

linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social

9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p

244 10

NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11

A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA

classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe

as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda

pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das

liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco

linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66

12

21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata

atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que

traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma

outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na

literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13

[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores

seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante

fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso

centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14

Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que

cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul

do Brasil (Figura 1)

Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)

Fonte IPATUNESC

13

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14

MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

Companhia das Letras 1992p37

13

Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem

formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu

potencial para suprir suas necessidades alimentares15

dependendo de um sistema sazonal de

mobilidade

Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se

subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a

sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares

esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16

Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas

relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos

Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17

As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia

etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades

A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos

homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do

grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares

[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de

inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de

taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo

da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de

farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos

preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18

Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem

poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram

especiacuteficos para as mulheres19

Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam

Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em

15

SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs

Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17

SANTOS 1973 op cit p33 18

SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)

2003 p 431-448 p 434 19

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p

31

14

cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos

alimentares20

Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa

dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis

em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21

construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se

mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs

meses

O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para

diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto

vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros

no litoral para realizar ataques a colonos22

As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do

nomadismo23

eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina

(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o

dia de caminhada era montado um acampamento

Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas

No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de

perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a

defesa24

Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva

repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia

uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas

com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras

airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma

espeacutecie de arcada25

20

VIEIRA 2004 op cit p 33 21

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina

(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de

Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p

166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do

Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23

VIEIRA 2004 op cit p 35 24

ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras

1992 p 423

15

As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo

descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim

como as mulheres apesar de sua baixa estatura

Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os

diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26

211 Os Mitos e os Ritos

Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses

acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se

refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto

tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico

No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande

importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27

que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida

desses povos

O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo

ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no

grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia

ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28

Para o preparo

do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos

para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29

funccedilatildeo muito

importante nesse momento especial para a famiacutelia

O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que

teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)

Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas

e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de

um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais

cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte

voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a

crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido

26

RIBEIRO 2009 op cit p126 27

PERES 2009 op cit p 48 28

SANTOS 2000 op cit p 26

29VIEIRA 2004 op cit p 171

16

O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era

considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia

toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme

variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais

extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)

Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR

Fonte Zig Koch (2007)

Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito

tempo30

pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria

consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da

festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que

tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)

Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica

sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o

efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para

outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio

um pequeno labrete31

de madeira32

30

LAVINA 1994 op cit p110 31

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de

materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do

tembetaacute e do botoque 32

PERES 2009 op cit p 64

17

Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e

introduccedilatildeo do ldquotembetardquo

Fonte SANTOS 1997 p 66

O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos

meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de

identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que

a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente

Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da

crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que

comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo

no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33

O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura

Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para

renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita

geralmente pelos afilhados do morto34

O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que

falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam

ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um

homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em

cestas forradas com folhas de xaxim35

33

RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng

2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC

Santa Catarina p28 34

VIEIRA 2004 op cit p 34 35

PERES 2009 op cit p 50

18

Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria

obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo

Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a

alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade

Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)

seguisse sua viagem36

O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo

ritualiacutestico que consistia37

no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e

pinturas corporais envolvendo a comunidade

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou

Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como

Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica

Tupi-Guarani38

nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem

foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas

posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar

diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc

corrigindo esse equivoco

A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos

compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus

domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura

4)

36

VIEIRA 2004 op cit p 34 37

RIBEIRO 2009 op cit p 35 38

METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p37

19

Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX

Fonte SANTOS 1973 p 36

As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a

200 indiviacuteduos em seus grupos39

O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto

por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou

podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees

aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e

finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40

denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse

grupo indiacutegena

39

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011

365 p p244

20

Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)

Fonte SCHMITZ 2010 p37

Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang

Fonte SCHMITZ 2011 p248

A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo

dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel

mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades

exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-

kreacuterdquo41

estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter

41

SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes

Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

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MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml

MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em

httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173

Acesso em 27de jul2013

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da

religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros

de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987

_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993

NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia

Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269

dezfev 1999-2000

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em

Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria

Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina

46

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992

p613

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS

2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

9

1 INTRODUCcedilAtildeO

Na presente pesquisa abordaremos os aspectos simboacutelicos referentes aos grupos

indiacutegenas pertencentes ao grupo eacutetnico Macro-Jecirc que povoaram a regiatildeo do extremo sul

catarinense Conhecidos como Xokleng e Kaigang esses povos deixaram marcas indeleacuteveis na

paisagem nessa perspectiva dividimos este Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC em trecircs

capiacutetulos cada um deles abordando uma temaacutetica relacionada ao objetivo principal

No primeiro capitulo um breve histoacuterico do povo Jecirc Meridional localizado no

territoacuterio do extremo Sul Catarinense Conhecidos historicamente como Xokleng e Kaigang

onde seratildeo abordadas algumas questotildees da ocupaccedilatildeo e da cultura desses grupos eacutetnicos

A origem da populaccedilatildeo (Xokleng e Kaigang) eacute atribuiacuteda pelo linguista Greg

Urban ao planalto Central brasileiro1 De acordo com Schimitz (2011) a partir do planalto

central eles teriam comeccedilado a se dispersar deslocando-se um grupo em direccedilatildeo o Sul haacute

cerca de trecircs mil anos

Falantes de liacutenguas distintas da famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos

culturalmente2 Na gradual ocupaccedilatildeo do territoacuterio diversificado ambientalmente os Kaigang

natildeo apenas se distinguiram e se separaram dos Xokleng mas formaram cinco dialetos

regionais os dois mais antigos estatildeo localizados no Rio Grande do Sul o terceiro em Santa

Catarina o quarto no Paranaacute e o mais recente em Satildeo Paulo3

[] ali foram desenvolvidas duas liacutenguas a mais antiga na parte oriental do

territoacuterio onde estatildeo os Xokleng a mais nova na parte central onde estatildeo os

Kaingang esta se teria diversificado em cinco dialetos regionais assim distribuiacutedos

os dois mais antigos no Rio Grande do Sul depois sucessivamente o de Santa

Catarina do Paranaacute e de Satildeo Paulo4

As relaccedilotildees linguiacutesticas existentes dentro do tronco linguiacutestico Jecirc colocam o

Kaigang no que segundo Noelli (2000) dentro do conjunto Akweacuten composto pelos povos

Xakribaacute Xavante e Xerente Estes grupos estatildeo localizados desde as terras mais altas do

Planalto Brasileiro tendo como divisores naturais agraves bacias do Satildeo Francisco Tocantins e

1URBAN 1992 apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense

Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 2NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia Debates e Perspectivas

1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269 dezfev 1999-2000 p 240 3WIESEMANN (1872) apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste

Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 244 4SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC

Argos 2011 365 p p185

10

Paranaacute os Xokleng por sua vez estatildeo locados dentro do conjunto linguiacutestico Kayapoacute

Timbira Kren-akarocircre e Suyaacute espalhados desde o Xingu Paranaacute Baixo Rio Tocantins

A organizaccedilatildeo social dos dois grupos manteacutem semelhanccedilas e padrotildees do grupo Jecirc

ldquocomo sistemas duais metades exocircgamicas e seccedilotildees hierarquicamente dispostas

uxorilocalidade bem como outros elementos poliacuteticosrdquo5

No segundo capitulo traremos como principal objetivo levantar as questotildees

teoacutericas envolvendo o mundo simboacutelico indiacutegena onde posteriormente buscaremos

correlacionar este mundo com a arte indiacutegena para isso tomaram-se como referenciais

teoacutericos principais as vertente teoacutericas o estruturalismo e etnografia aqui representadas por

Andreacute Leroi-Gourhan e Claude Leacutevi-Strauss

No terceiro capitulo traremos como principal objetivo realizar uma correlaccedilatildeo

entre o mundo simboacutelico6 (rituais e mitos) e a cultura material (grafismos) desses dois grupos

distintos para isso buscaremos com um olhar etno-arqueoloacutegico compreender os motivos

simboacutelicos dos grafismos Kaigang e Xokleng articulando as bibliografias etnograacuteficas etno-

histoacutericas arqueoloacutegicas em conjunto com uma abordagem filosoacutefica (Semioacutetica7) pois

acreditamos que por ldquoexistirem inuacutemeras coisas fora do alcance da compreensatildeo humana eacute

que frequentemente utilizamos termos simboacutelicos como representaccedilatildeo de conceitos que natildeo

podemos definir ou compreender integralmenterdquo 8 assim segundo Oliveira (2008) a Semioacutetica

estudaria todos os tipos possiacuteveis de accedilotildees dos Signos ou seja buscando a ldquovoltardquo ao Objeto

real

Quando estudamos arte rupestre buscamos uma ldquovoltardquo ao Objeto que soacute eacute

possiacutevel atraveacutes dos Signos que os representam e que permearam seu Mundo assim a

ldquocompreensatildeordquo atual dos grafismos soacute seraacute possiacutevel atraveacutes de analises comparativas dos

siacutembolos e signos dos grupos Indiacutegenas atuais

5NOELLI 1999-2000 op cit p 241

6Procuramos definir como siacutembolos os objetos materiais que em uma determinada sociedade por convenccedilatildeo

representa ou define uma realidade social ldquoO siacutembolo eacute importante porque ele permanece sobrevive dentro de

noacutes guarda seu significado Pelo siacutembolo se adquire um conhecimento que podemos chamar de indireto Neste

caso especiacutefico objetos que remetem agrave identidade eacutetnica e a histoacuteria do povo Xokleng e Kaigangrdquo (VIEIRA

2004 p 03) 7A Semioacutetica eacute uma teoria do conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-lo atraveacutes de signos pois um signo

sempre representa alguma coisa seu objeto Tudo pode ser representado atraveacutes de signos Charles Peirce (apud

LEFEBVRE sd) essa discussatildeo ocorrera no segundo capitulo 8 JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Editora Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo 2008 p21

11

2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL

Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos

primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um

passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes

povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas

sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os

restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos

As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da

regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional

segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais

aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)

afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte

dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave

alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10

Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos

troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP

A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em

todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11

aparecem famiacutelias

linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12

contudo apresentam algumas similaridades culturais

e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas

diferenciadas o Kaigang e o Xokleng

Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da

famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e

linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social

9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p

244 10

NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11

A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA

classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe

as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda

pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das

liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco

linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66

12

21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata

atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que

traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma

outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na

literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13

[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores

seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante

fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso

centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14

Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que

cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul

do Brasil (Figura 1)

Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)

Fonte IPATUNESC

13

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14

MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

Companhia das Letras 1992p37

13

Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem

formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu

potencial para suprir suas necessidades alimentares15

dependendo de um sistema sazonal de

mobilidade

Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se

subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a

sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares

esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16

Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas

relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos

Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17

As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia

etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades

A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos

homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do

grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares

[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de

inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de

taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo

da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de

farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos

preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18

Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem

poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram

especiacuteficos para as mulheres19

Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam

Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em

15

SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs

Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17

SANTOS 1973 op cit p33 18

SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)

2003 p 431-448 p 434 19

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p

31

14

cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos

alimentares20

Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa

dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis

em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21

construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se

mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs

meses

O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para

diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto

vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros

no litoral para realizar ataques a colonos22

As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do

nomadismo23

eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina

(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o

dia de caminhada era montado um acampamento

Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas

No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de

perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a

defesa24

Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva

repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia

uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas

com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras

airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma

espeacutecie de arcada25

20

VIEIRA 2004 op cit p 33 21

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina

(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de

Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p

166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do

Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23

VIEIRA 2004 op cit p 35 24

ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras

1992 p 423

15

As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo

descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim

como as mulheres apesar de sua baixa estatura

Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os

diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26

211 Os Mitos e os Ritos

Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses

acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se

refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto

tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico

No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande

importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27

que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida

desses povos

O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo

ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no

grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia

ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28

Para o preparo

do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos

para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29

funccedilatildeo muito

importante nesse momento especial para a famiacutelia

O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que

teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)

Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas

e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de

um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais

cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte

voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a

crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido

26

RIBEIRO 2009 op cit p126 27

PERES 2009 op cit p 48 28

SANTOS 2000 op cit p 26

29VIEIRA 2004 op cit p 171

16

O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era

considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia

toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme

variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais

extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)

Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR

Fonte Zig Koch (2007)

Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito

tempo30

pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria

consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da

festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que

tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)

Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica

sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o

efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para

outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio

um pequeno labrete31

de madeira32

30

LAVINA 1994 op cit p110 31

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de

materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do

tembetaacute e do botoque 32

PERES 2009 op cit p 64

17

Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e

introduccedilatildeo do ldquotembetardquo

Fonte SANTOS 1997 p 66

O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos

meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de

identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que

a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente

Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da

crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que

comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo

no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33

O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura

Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para

renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita

geralmente pelos afilhados do morto34

O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que

falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam

ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um

homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em

cestas forradas com folhas de xaxim35

33

RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng

2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC

Santa Catarina p28 34

VIEIRA 2004 op cit p 34 35

PERES 2009 op cit p 50

18

Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria

obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo

Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a

alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade

Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)

seguisse sua viagem36

O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo

ritualiacutestico que consistia37

no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e

pinturas corporais envolvendo a comunidade

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou

Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como

Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica

Tupi-Guarani38

nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem

foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas

posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar

diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc

corrigindo esse equivoco

A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos

compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus

domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura

4)

36

VIEIRA 2004 op cit p 34 37

RIBEIRO 2009 op cit p 35 38

METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p37

19

Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX

Fonte SANTOS 1973 p 36

As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a

200 indiviacuteduos em seus grupos39

O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto

por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou

podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees

aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e

finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40

denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse

grupo indiacutegena

39

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011

365 p p244

20

Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)

Fonte SCHMITZ 2010 p37

Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang

Fonte SCHMITZ 2011 p248

A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo

dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel

mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades

exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-

kreacuterdquo41

estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter

41

SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes

Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

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LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo

Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007

_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011

MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara

2010 Disponiacutevel em

httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-

MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml

MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em

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Acesso em 27de jul2013

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da

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NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia

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46

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2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

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RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

10

Paranaacute os Xokleng por sua vez estatildeo locados dentro do conjunto linguiacutestico Kayapoacute

Timbira Kren-akarocircre e Suyaacute espalhados desde o Xingu Paranaacute Baixo Rio Tocantins

A organizaccedilatildeo social dos dois grupos manteacutem semelhanccedilas e padrotildees do grupo Jecirc

ldquocomo sistemas duais metades exocircgamicas e seccedilotildees hierarquicamente dispostas

uxorilocalidade bem como outros elementos poliacuteticosrdquo5

No segundo capitulo traremos como principal objetivo levantar as questotildees

teoacutericas envolvendo o mundo simboacutelico indiacutegena onde posteriormente buscaremos

correlacionar este mundo com a arte indiacutegena para isso tomaram-se como referenciais

teoacutericos principais as vertente teoacutericas o estruturalismo e etnografia aqui representadas por

Andreacute Leroi-Gourhan e Claude Leacutevi-Strauss

No terceiro capitulo traremos como principal objetivo realizar uma correlaccedilatildeo

entre o mundo simboacutelico6 (rituais e mitos) e a cultura material (grafismos) desses dois grupos

distintos para isso buscaremos com um olhar etno-arqueoloacutegico compreender os motivos

simboacutelicos dos grafismos Kaigang e Xokleng articulando as bibliografias etnograacuteficas etno-

histoacutericas arqueoloacutegicas em conjunto com uma abordagem filosoacutefica (Semioacutetica7) pois

acreditamos que por ldquoexistirem inuacutemeras coisas fora do alcance da compreensatildeo humana eacute

que frequentemente utilizamos termos simboacutelicos como representaccedilatildeo de conceitos que natildeo

podemos definir ou compreender integralmenterdquo 8 assim segundo Oliveira (2008) a Semioacutetica

estudaria todos os tipos possiacuteveis de accedilotildees dos Signos ou seja buscando a ldquovoltardquo ao Objeto

real

Quando estudamos arte rupestre buscamos uma ldquovoltardquo ao Objeto que soacute eacute

possiacutevel atraveacutes dos Signos que os representam e que permearam seu Mundo assim a

ldquocompreensatildeordquo atual dos grafismos soacute seraacute possiacutevel atraveacutes de analises comparativas dos

siacutembolos e signos dos grupos Indiacutegenas atuais

5NOELLI 1999-2000 op cit p 241

6Procuramos definir como siacutembolos os objetos materiais que em uma determinada sociedade por convenccedilatildeo

representa ou define uma realidade social ldquoO siacutembolo eacute importante porque ele permanece sobrevive dentro de

noacutes guarda seu significado Pelo siacutembolo se adquire um conhecimento que podemos chamar de indireto Neste

caso especiacutefico objetos que remetem agrave identidade eacutetnica e a histoacuteria do povo Xokleng e Kaigangrdquo (VIEIRA

2004 p 03) 7A Semioacutetica eacute uma teoria do conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-lo atraveacutes de signos pois um signo

sempre representa alguma coisa seu objeto Tudo pode ser representado atraveacutes de signos Charles Peirce (apud

LEFEBVRE sd) essa discussatildeo ocorrera no segundo capitulo 8 JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Editora Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo 2008 p21

11

2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL

Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos

primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um

passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes

povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas

sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os

restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos

As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da

regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional

segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais

aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)

afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte

dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave

alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10

Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos

troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP

A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em

todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11

aparecem famiacutelias

linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12

contudo apresentam algumas similaridades culturais

e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas

diferenciadas o Kaigang e o Xokleng

Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da

famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e

linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social

9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p

244 10

NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11

A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA

classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe

as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda

pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das

liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco

linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66

12

21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata

atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que

traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma

outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na

literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13

[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores

seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante

fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso

centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14

Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que

cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul

do Brasil (Figura 1)

Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)

Fonte IPATUNESC

13

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14

MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

Companhia das Letras 1992p37

13

Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem

formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu

potencial para suprir suas necessidades alimentares15

dependendo de um sistema sazonal de

mobilidade

Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se

subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a

sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares

esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16

Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas

relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos

Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17

As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia

etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades

A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos

homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do

grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares

[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de

inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de

taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo

da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de

farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos

preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18

Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem

poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram

especiacuteficos para as mulheres19

Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam

Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em

15

SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs

Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17

SANTOS 1973 op cit p33 18

SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)

2003 p 431-448 p 434 19

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p

31

14

cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos

alimentares20

Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa

dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis

em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21

construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se

mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs

meses

O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para

diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto

vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros

no litoral para realizar ataques a colonos22

As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do

nomadismo23

eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina

(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o

dia de caminhada era montado um acampamento

Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas

No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de

perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a

defesa24

Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva

repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia

uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas

com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras

airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma

espeacutecie de arcada25

20

VIEIRA 2004 op cit p 33 21

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina

(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de

Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p

166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do

Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23

VIEIRA 2004 op cit p 35 24

ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras

1992 p 423

15

As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo

descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim

como as mulheres apesar de sua baixa estatura

Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os

diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26

211 Os Mitos e os Ritos

Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses

acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se

refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto

tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico

No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande

importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27

que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida

desses povos

O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo

ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no

grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia

ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28

Para o preparo

do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos

para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29

funccedilatildeo muito

importante nesse momento especial para a famiacutelia

O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que

teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)

Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas

e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de

um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais

cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte

voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a

crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido

26

RIBEIRO 2009 op cit p126 27

PERES 2009 op cit p 48 28

SANTOS 2000 op cit p 26

29VIEIRA 2004 op cit p 171

16

O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era

considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia

toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme

variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais

extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)

Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR

Fonte Zig Koch (2007)

Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito

tempo30

pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria

consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da

festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que

tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)

Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica

sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o

efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para

outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio

um pequeno labrete31

de madeira32

30

LAVINA 1994 op cit p110 31

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de

materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do

tembetaacute e do botoque 32

PERES 2009 op cit p 64

17

Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e

introduccedilatildeo do ldquotembetardquo

Fonte SANTOS 1997 p 66

O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos

meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de

identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que

a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente

Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da

crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que

comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo

no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33

O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura

Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para

renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita

geralmente pelos afilhados do morto34

O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que

falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam

ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um

homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em

cestas forradas com folhas de xaxim35

33

RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng

2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC

Santa Catarina p28 34

VIEIRA 2004 op cit p 34 35

PERES 2009 op cit p 50

18

Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria

obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo

Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a

alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade

Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)

seguisse sua viagem36

O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo

ritualiacutestico que consistia37

no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e

pinturas corporais envolvendo a comunidade

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou

Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como

Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica

Tupi-Guarani38

nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem

foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas

posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar

diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc

corrigindo esse equivoco

A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos

compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus

domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura

4)

36

VIEIRA 2004 op cit p 34 37

RIBEIRO 2009 op cit p 35 38

METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p37

19

Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX

Fonte SANTOS 1973 p 36

As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a

200 indiviacuteduos em seus grupos39

O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto

por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou

podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees

aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e

finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40

denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse

grupo indiacutegena

39

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011

365 p p244

20

Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)

Fonte SCHMITZ 2010 p37

Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang

Fonte SCHMITZ 2011 p248

A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo

dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel

mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades

exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-

kreacuterdquo41

estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter

41

SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes

Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

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Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

11

2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL

Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos

primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um

passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes

povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas

sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os

restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos

As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da

regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional

segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais

aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)

afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte

dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave

alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10

Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos

troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP

A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em

todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11

aparecem famiacutelias

linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12

contudo apresentam algumas similaridades culturais

e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas

diferenciadas o Kaigang e o Xokleng

Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da

famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e

linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social

9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p

244 10

NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11

A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA

classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe

as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda

pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das

liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco

linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66

12

21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata

atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que

traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma

outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na

literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13

[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores

seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante

fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso

centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14

Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que

cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul

do Brasil (Figura 1)

Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)

Fonte IPATUNESC

13

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14

MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

Companhia das Letras 1992p37

13

Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem

formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu

potencial para suprir suas necessidades alimentares15

dependendo de um sistema sazonal de

mobilidade

Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se

subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a

sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares

esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16

Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas

relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos

Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17

As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia

etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades

A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos

homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do

grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares

[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de

inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de

taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo

da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de

farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos

preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18

Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem

poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram

especiacuteficos para as mulheres19

Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam

Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em

15

SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs

Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17

SANTOS 1973 op cit p33 18

SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)

2003 p 431-448 p 434 19

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p

31

14

cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos

alimentares20

Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa

dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis

em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21

construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se

mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs

meses

O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para

diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto

vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros

no litoral para realizar ataques a colonos22

As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do

nomadismo23

eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina

(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o

dia de caminhada era montado um acampamento

Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas

No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de

perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a

defesa24

Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva

repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia

uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas

com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras

airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma

espeacutecie de arcada25

20

VIEIRA 2004 op cit p 33 21

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina

(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de

Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p

166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do

Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23

VIEIRA 2004 op cit p 35 24

ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras

1992 p 423

15

As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo

descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim

como as mulheres apesar de sua baixa estatura

Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os

diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26

211 Os Mitos e os Ritos

Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses

acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se

refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto

tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico

No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande

importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27

que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida

desses povos

O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo

ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no

grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia

ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28

Para o preparo

do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos

para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29

funccedilatildeo muito

importante nesse momento especial para a famiacutelia

O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que

teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)

Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas

e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de

um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais

cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte

voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a

crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido

26

RIBEIRO 2009 op cit p126 27

PERES 2009 op cit p 48 28

SANTOS 2000 op cit p 26

29VIEIRA 2004 op cit p 171

16

O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era

considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia

toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme

variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais

extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)

Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR

Fonte Zig Koch (2007)

Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito

tempo30

pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria

consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da

festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que

tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)

Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica

sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o

efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para

outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio

um pequeno labrete31

de madeira32

30

LAVINA 1994 op cit p110 31

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de

materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do

tembetaacute e do botoque 32

PERES 2009 op cit p 64

17

Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e

introduccedilatildeo do ldquotembetardquo

Fonte SANTOS 1997 p 66

O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos

meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de

identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que

a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente

Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da

crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que

comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo

no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33

O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura

Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para

renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita

geralmente pelos afilhados do morto34

O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que

falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam

ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um

homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em

cestas forradas com folhas de xaxim35

33

RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng

2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC

Santa Catarina p28 34

VIEIRA 2004 op cit p 34 35

PERES 2009 op cit p 50

18

Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria

obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo

Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a

alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade

Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)

seguisse sua viagem36

O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo

ritualiacutestico que consistia37

no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e

pinturas corporais envolvendo a comunidade

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou

Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como

Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica

Tupi-Guarani38

nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem

foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas

posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar

diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc

corrigindo esse equivoco

A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos

compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus

domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura

4)

36

VIEIRA 2004 op cit p 34 37

RIBEIRO 2009 op cit p 35 38

METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p37

19

Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX

Fonte SANTOS 1973 p 36

As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a

200 indiviacuteduos em seus grupos39

O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto

por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou

podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees

aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e

finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40

denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse

grupo indiacutegena

39

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011

365 p p244

20

Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)

Fonte SCHMITZ 2010 p37

Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang

Fonte SCHMITZ 2011 p248

A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo

dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel

mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades

exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-

kreacuterdquo41

estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter

41

SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes

Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

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Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

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Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

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_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

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compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

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Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

12

21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata

atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que

traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma

outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na

literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13

[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores

seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante

fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso

centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14

Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que

cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul

do Brasil (Figura 1)

Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)

Fonte IPATUNESC

13

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14

MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

Companhia das Letras 1992p37

13

Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem

formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu

potencial para suprir suas necessidades alimentares15

dependendo de um sistema sazonal de

mobilidade

Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se

subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a

sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares

esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16

Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas

relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos

Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17

As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia

etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades

A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos

homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do

grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares

[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de

inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de

taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo

da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de

farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos

preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18

Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem

poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram

especiacuteficos para as mulheres19

Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam

Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em

15

SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs

Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17

SANTOS 1973 op cit p33 18

SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)

2003 p 431-448 p 434 19

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p

31

14

cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos

alimentares20

Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa

dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis

em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21

construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se

mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs

meses

O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para

diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto

vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros

no litoral para realizar ataques a colonos22

As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do

nomadismo23

eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina

(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o

dia de caminhada era montado um acampamento

Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas

No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de

perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a

defesa24

Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva

repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia

uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas

com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras

airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma

espeacutecie de arcada25

20

VIEIRA 2004 op cit p 33 21

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina

(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de

Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p

166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do

Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23

VIEIRA 2004 op cit p 35 24

ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras

1992 p 423

15

As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo

descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim

como as mulheres apesar de sua baixa estatura

Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os

diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26

211 Os Mitos e os Ritos

Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses

acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se

refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto

tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico

No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande

importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27

que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida

desses povos

O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo

ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no

grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia

ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28

Para o preparo

do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos

para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29

funccedilatildeo muito

importante nesse momento especial para a famiacutelia

O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que

teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)

Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas

e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de

um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais

cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte

voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a

crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido

26

RIBEIRO 2009 op cit p126 27

PERES 2009 op cit p 48 28

SANTOS 2000 op cit p 26

29VIEIRA 2004 op cit p 171

16

O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era

considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia

toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme

variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais

extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)

Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR

Fonte Zig Koch (2007)

Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito

tempo30

pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria

consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da

festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que

tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)

Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica

sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o

efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para

outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio

um pequeno labrete31

de madeira32

30

LAVINA 1994 op cit p110 31

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de

materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do

tembetaacute e do botoque 32

PERES 2009 op cit p 64

17

Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e

introduccedilatildeo do ldquotembetardquo

Fonte SANTOS 1997 p 66

O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos

meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de

identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que

a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente

Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da

crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que

comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo

no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33

O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura

Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para

renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita

geralmente pelos afilhados do morto34

O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que

falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam

ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um

homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em

cestas forradas com folhas de xaxim35

33

RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng

2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC

Santa Catarina p28 34

VIEIRA 2004 op cit p 34 35

PERES 2009 op cit p 50

18

Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria

obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo

Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a

alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade

Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)

seguisse sua viagem36

O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo

ritualiacutestico que consistia37

no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e

pinturas corporais envolvendo a comunidade

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou

Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como

Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica

Tupi-Guarani38

nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem

foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas

posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar

diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc

corrigindo esse equivoco

A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos

compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus

domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura

4)

36

VIEIRA 2004 op cit p 34 37

RIBEIRO 2009 op cit p 35 38

METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p37

19

Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX

Fonte SANTOS 1973 p 36

As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a

200 indiviacuteduos em seus grupos39

O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto

por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou

podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees

aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e

finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40

denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse

grupo indiacutegena

39

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011

365 p p244

20

Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)

Fonte SCHMITZ 2010 p37

Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang

Fonte SCHMITZ 2011 p248

A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo

dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel

mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades

exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-

kreacuterdquo41

estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter

41

SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes

Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

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46

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SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

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_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

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_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

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Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

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diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

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Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

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Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

13

Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem

formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu

potencial para suprir suas necessidades alimentares15

dependendo de um sistema sazonal de

mobilidade

Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se

subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a

sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares

esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16

Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas

relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos

Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17

As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia

etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades

A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos

homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do

grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares

[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de

inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de

taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo

da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de

farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos

preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18

Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem

poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram

especiacuteficos para as mulheres19

Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam

Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em

15

SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs

Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17

SANTOS 1973 op cit p33 18

SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)

2003 p 431-448 p 434 19

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p

31

14

cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos

alimentares20

Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa

dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis

em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21

construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se

mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs

meses

O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para

diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto

vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros

no litoral para realizar ataques a colonos22

As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do

nomadismo23

eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina

(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o

dia de caminhada era montado um acampamento

Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas

No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de

perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a

defesa24

Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva

repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia

uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas

com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras

airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma

espeacutecie de arcada25

20

VIEIRA 2004 op cit p 33 21

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina

(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de

Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p

166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do

Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23

VIEIRA 2004 op cit p 35 24

ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras

1992 p 423

15

As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo

descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim

como as mulheres apesar de sua baixa estatura

Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os

diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26

211 Os Mitos e os Ritos

Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses

acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se

refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto

tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico

No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande

importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27

que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida

desses povos

O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo

ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no

grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia

ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28

Para o preparo

do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos

para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29

funccedilatildeo muito

importante nesse momento especial para a famiacutelia

O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que

teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)

Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas

e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de

um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais

cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte

voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a

crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido

26

RIBEIRO 2009 op cit p126 27

PERES 2009 op cit p 48 28

SANTOS 2000 op cit p 26

29VIEIRA 2004 op cit p 171

16

O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era

considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia

toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme

variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais

extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)

Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR

Fonte Zig Koch (2007)

Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito

tempo30

pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria

consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da

festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que

tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)

Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica

sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o

efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para

outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio

um pequeno labrete31

de madeira32

30

LAVINA 1994 op cit p110 31

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de

materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do

tembetaacute e do botoque 32

PERES 2009 op cit p 64

17

Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e

introduccedilatildeo do ldquotembetardquo

Fonte SANTOS 1997 p 66

O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos

meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de

identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que

a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente

Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da

crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que

comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo

no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33

O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura

Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para

renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita

geralmente pelos afilhados do morto34

O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que

falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam

ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um

homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em

cestas forradas com folhas de xaxim35

33

RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng

2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC

Santa Catarina p28 34

VIEIRA 2004 op cit p 34 35

PERES 2009 op cit p 50

18

Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria

obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo

Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a

alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade

Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)

seguisse sua viagem36

O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo

ritualiacutestico que consistia37

no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e

pinturas corporais envolvendo a comunidade

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou

Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como

Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica

Tupi-Guarani38

nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem

foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas

posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar

diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc

corrigindo esse equivoco

A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos

compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus

domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura

4)

36

VIEIRA 2004 op cit p 34 37

RIBEIRO 2009 op cit p 35 38

METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p37

19

Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX

Fonte SANTOS 1973 p 36

As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a

200 indiviacuteduos em seus grupos39

O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto

por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou

podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees

aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e

finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40

denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse

grupo indiacutegena

39

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011

365 p p244

20

Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)

Fonte SCHMITZ 2010 p37

Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang

Fonte SCHMITZ 2011 p248

A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo

dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel

mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades

exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-

kreacuterdquo41

estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter

41

SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes

Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

UNISINOS 1995 333 p

_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS

1999 344 p

BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash

SP Edibolso 1975 232p

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ

As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina

ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012

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abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo

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VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

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47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

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2010

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Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

14

cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos

alimentares20

Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa

dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis

em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21

construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se

mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs

meses

O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para

diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto

vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros

no litoral para realizar ataques a colonos22

As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do

nomadismo23

eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina

(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o

dia de caminhada era montado um acampamento

Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas

No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de

perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a

defesa24

Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva

repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia

uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas

com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras

airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma

espeacutecie de arcada25

20

VIEIRA 2004 op cit p 33 21

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina

(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de

Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p

166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do

Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23

VIEIRA 2004 op cit p 35 24

ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras

1992 p 423

15

As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo

descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim

como as mulheres apesar de sua baixa estatura

Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os

diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26

211 Os Mitos e os Ritos

Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses

acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se

refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto

tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico

No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande

importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27

que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida

desses povos

O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo

ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no

grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia

ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28

Para o preparo

do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos

para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29

funccedilatildeo muito

importante nesse momento especial para a famiacutelia

O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que

teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)

Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas

e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de

um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais

cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte

voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a

crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido

26

RIBEIRO 2009 op cit p126 27

PERES 2009 op cit p 48 28

SANTOS 2000 op cit p 26

29VIEIRA 2004 op cit p 171

16

O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era

considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia

toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme

variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais

extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)

Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR

Fonte Zig Koch (2007)

Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito

tempo30

pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria

consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da

festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que

tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)

Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica

sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o

efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para

outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio

um pequeno labrete31

de madeira32

30

LAVINA 1994 op cit p110 31

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de

materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do

tembetaacute e do botoque 32

PERES 2009 op cit p 64

17

Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e

introduccedilatildeo do ldquotembetardquo

Fonte SANTOS 1997 p 66

O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos

meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de

identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que

a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente

Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da

crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que

comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo

no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33

O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura

Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para

renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita

geralmente pelos afilhados do morto34

O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que

falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam

ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um

homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em

cestas forradas com folhas de xaxim35

33

RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng

2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC

Santa Catarina p28 34

VIEIRA 2004 op cit p 34 35

PERES 2009 op cit p 50

18

Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria

obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo

Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a

alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade

Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)

seguisse sua viagem36

O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo

ritualiacutestico que consistia37

no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e

pinturas corporais envolvendo a comunidade

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou

Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como

Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica

Tupi-Guarani38

nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem

foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas

posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar

diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc

corrigindo esse equivoco

A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos

compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus

domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura

4)

36

VIEIRA 2004 op cit p 34 37

RIBEIRO 2009 op cit p 35 38

METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p37

19

Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX

Fonte SANTOS 1973 p 36

As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a

200 indiviacuteduos em seus grupos39

O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto

por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou

podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees

aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e

finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40

denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse

grupo indiacutegena

39

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011

365 p p244

20

Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)

Fonte SCHMITZ 2010 p37

Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang

Fonte SCHMITZ 2011 p248

A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo

dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel

mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades

exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-

kreacuterdquo41

estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter

41

SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes

Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

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SC Argos 2011 365 p

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Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

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Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

15

As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo

descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim

como as mulheres apesar de sua baixa estatura

Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os

diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26

211 Os Mitos e os Ritos

Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses

acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se

refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto

tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico

No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande

importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27

que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida

desses povos

O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo

ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no

grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia

ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28

Para o preparo

do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos

para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29

funccedilatildeo muito

importante nesse momento especial para a famiacutelia

O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que

teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)

Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas

e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de

um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais

cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte

voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a

crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido

26

RIBEIRO 2009 op cit p126 27

PERES 2009 op cit p 48 28

SANTOS 2000 op cit p 26

29VIEIRA 2004 op cit p 171

16

O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era

considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia

toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme

variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais

extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)

Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR

Fonte Zig Koch (2007)

Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito

tempo30

pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria

consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da

festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que

tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)

Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica

sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o

efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para

outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio

um pequeno labrete31

de madeira32

30

LAVINA 1994 op cit p110 31

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de

materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do

tembetaacute e do botoque 32

PERES 2009 op cit p 64

17

Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e

introduccedilatildeo do ldquotembetardquo

Fonte SANTOS 1997 p 66

O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos

meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de

identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que

a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente

Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da

crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que

comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo

no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33

O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura

Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para

renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita

geralmente pelos afilhados do morto34

O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que

falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam

ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um

homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em

cestas forradas com folhas de xaxim35

33

RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng

2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC

Santa Catarina p28 34

VIEIRA 2004 op cit p 34 35

PERES 2009 op cit p 50

18

Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria

obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo

Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a

alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade

Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)

seguisse sua viagem36

O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo

ritualiacutestico que consistia37

no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e

pinturas corporais envolvendo a comunidade

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou

Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como

Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica

Tupi-Guarani38

nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem

foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas

posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar

diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc

corrigindo esse equivoco

A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos

compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus

domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura

4)

36

VIEIRA 2004 op cit p 34 37

RIBEIRO 2009 op cit p 35 38

METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p37

19

Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX

Fonte SANTOS 1973 p 36

As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a

200 indiviacuteduos em seus grupos39

O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto

por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou

podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees

aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e

finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40

denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse

grupo indiacutegena

39

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011

365 p p244

20

Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)

Fonte SCHMITZ 2010 p37

Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang

Fonte SCHMITZ 2011 p248

A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo

dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel

mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades

exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-

kreacuterdquo41

estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter

41

SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes

Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

UNISINOS 1995 333 p

_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS

1999 344 p

BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash

SP Edibolso 1975 232p

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ

As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina

ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012

CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo

em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio

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47

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Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

16

O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era

considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia

toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme

variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais

extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)

Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR

Fonte Zig Koch (2007)

Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito

tempo30

pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria

consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da

festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que

tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)

Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica

sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o

efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para

outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio

um pequeno labrete31

de madeira32

30

LAVINA 1994 op cit p110 31

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de

materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do

tembetaacute e do botoque 32

PERES 2009 op cit p 64

17

Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e

introduccedilatildeo do ldquotembetardquo

Fonte SANTOS 1997 p 66

O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos

meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de

identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que

a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente

Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da

crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que

comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo

no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33

O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura

Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para

renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita

geralmente pelos afilhados do morto34

O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que

falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam

ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um

homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em

cestas forradas com folhas de xaxim35

33

RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng

2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC

Santa Catarina p28 34

VIEIRA 2004 op cit p 34 35

PERES 2009 op cit p 50

18

Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria

obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo

Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a

alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade

Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)

seguisse sua viagem36

O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo

ritualiacutestico que consistia37

no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e

pinturas corporais envolvendo a comunidade

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou

Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como

Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica

Tupi-Guarani38

nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem

foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas

posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar

diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc

corrigindo esse equivoco

A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos

compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus

domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura

4)

36

VIEIRA 2004 op cit p 34 37

RIBEIRO 2009 op cit p 35 38

METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p37

19

Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX

Fonte SANTOS 1973 p 36

As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a

200 indiviacuteduos em seus grupos39

O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto

por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou

podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees

aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e

finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40

denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse

grupo indiacutegena

39

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011

365 p p244

20

Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)

Fonte SCHMITZ 2010 p37

Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang

Fonte SCHMITZ 2011 p248

A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo

dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel

mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades

exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-

kreacuterdquo41

estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter

41

SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes

Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

UNISINOS 1995 333 p

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BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash

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CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ

As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina

ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012

CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

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em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte

rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil

Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011

CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da

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GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003

45

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70

1964

JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e

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JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo

2008 p 316

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os

arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo

Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo

LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo

Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007

_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011

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2010 Disponiacutevel em

httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-

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MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em

httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173

Acesso em 27de jul2013

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da

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de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987

_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993

NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia

Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269

dezfev 1999-2000

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em

Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria

Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina

46

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992

p613

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS

2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

17

Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e

introduccedilatildeo do ldquotembetardquo

Fonte SANTOS 1997 p 66

O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos

meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de

identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que

a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente

Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da

crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que

comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo

no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33

O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura

Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para

renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita

geralmente pelos afilhados do morto34

O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que

falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam

ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um

homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em

cestas forradas com folhas de xaxim35

33

RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng

2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC

Santa Catarina p28 34

VIEIRA 2004 op cit p 34 35

PERES 2009 op cit p 50

18

Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria

obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo

Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a

alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade

Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)

seguisse sua viagem36

O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo

ritualiacutestico que consistia37

no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e

pinturas corporais envolvendo a comunidade

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou

Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como

Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica

Tupi-Guarani38

nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem

foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas

posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar

diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc

corrigindo esse equivoco

A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos

compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus

domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura

4)

36

VIEIRA 2004 op cit p 34 37

RIBEIRO 2009 op cit p 35 38

METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p37

19

Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX

Fonte SANTOS 1973 p 36

As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a

200 indiviacuteduos em seus grupos39

O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto

por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou

podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees

aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e

finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40

denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse

grupo indiacutegena

39

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011

365 p p244

20

Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)

Fonte SCHMITZ 2010 p37

Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang

Fonte SCHMITZ 2011 p248

A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo

dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel

mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades

exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-

kreacuterdquo41

estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter

41

SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes

Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

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2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

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_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

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compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

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Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

18

Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria

obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo

Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a

alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade

Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)

seguisse sua viagem36

O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo

ritualiacutestico que consistia37

no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e

pinturas corporais envolvendo a comunidade

22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO

O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou

Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como

Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica

Tupi-Guarani38

nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem

foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas

posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar

diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc

corrigindo esse equivoco

A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos

compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus

domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura

4)

36

VIEIRA 2004 op cit p 34 37

RIBEIRO 2009 op cit p 35 38

METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p37

19

Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX

Fonte SANTOS 1973 p 36

As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a

200 indiviacuteduos em seus grupos39

O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto

por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou

podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees

aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e

finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40

denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse

grupo indiacutegena

39

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011

365 p p244

20

Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)

Fonte SCHMITZ 2010 p37

Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang

Fonte SCHMITZ 2011 p248

A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo

dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel

mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades

exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-

kreacuterdquo41

estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter

41

SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes

Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

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46

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SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

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Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

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ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

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Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

19

Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX

Fonte SANTOS 1973 p 36

As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a

200 indiviacuteduos em seus grupos39

O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto

por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou

podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees

aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e

finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40

denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse

grupo indiacutegena

39

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011

365 p p244

20

Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)

Fonte SCHMITZ 2010 p37

Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang

Fonte SCHMITZ 2011 p248

A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo

dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel

mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades

exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-

kreacuterdquo41

estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter

41

SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes

Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

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2008 p 316

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2010 Disponiacutevel em

httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-

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2010 303p

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Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

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Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

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Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

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SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

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Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

20

Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)

Fonte SCHMITZ 2010 p37

Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang

Fonte SCHMITZ 2011 p248

A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo

dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel

mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades

exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-

kreacuterdquo41

estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter

41

SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes

Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

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VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

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47

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Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

21

fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []

pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42

221 Mitos e Ritos

Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos

Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva

(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter

econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social

da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da

diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as

questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas

nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)

apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e

expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos

mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e

por isso objeto de crenccedilardquo43

Organizaccedilatildeo Social

A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia

onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo

apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos

gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com

sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos

Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo

Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e

povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua

descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico

Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as

caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem

42

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos

Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec

Edusp 1987 p 122 43

BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES

n04 2004 p 59 ndash 70 p 62

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

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SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

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SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

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Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

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VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

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2010

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httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

22

reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na

madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu

porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras

atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos

O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo

de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-

se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44

mesmo tendo

essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era

um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45

Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que

envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi

Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo

O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro

passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo

pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute

mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode

chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46

Ao

final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o

viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47

para que

possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer

uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto

passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos

ldquo48

Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia

Festa do Kikikoi

A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto

aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia

feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo

44

NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45

HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash

RS UNISINOS 1995 333 p p17 46

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p

63 47

VEIGA 2004 op cit p64 48

NIMUENDAJUacute 1993 opcit

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

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VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

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47

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2010

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Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

23

Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito

importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do

kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida

durante a festardquo49

A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de

mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a

fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50

Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar

o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida

A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o

kiki

Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser

finalizado

Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro

momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um

pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda

uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse

pronta

Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)

[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51

ateacute a aacutervore escolhida e rezam

falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os

jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o

seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser

derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre

uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados

(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o

umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do

umbigo ateacute os peacutes)52

Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a

fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo

ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute

inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas

49

VEIGA 2004 op cit p 67 50

Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU

1993) 51

Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e

podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52

VEIGA 2004 op cit p 67

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

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47

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Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

24

O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga

(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam

envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras

aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes

e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os

moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e

proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores

Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram

[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []

Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo

algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo

espiacuterito dos mortos53

A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as

sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas

Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados

sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de

pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da

sepultura54

Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os

rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta

ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos

mortos ao mundo dos vivos55

rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu

realizarem o mesmo procedimento

3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA

O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas

comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que

eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura

Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura

simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos

53

VEIGA 2004 op cit p 68 54

NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55

NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

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dezfev 1999-2000

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em

Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria

Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina

46

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992

p613

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS

2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

25

corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos

grupos Xokleng e Kaigang

Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA

(2004) apud Hoerhann56

analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos

iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois

Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado

enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas

flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos

cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos

enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem

como em vaacuterios outros enfeites

O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo

imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma

que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um

cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57

que

transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo

estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o

ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato

apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades

indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos

[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente

persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado

parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai

afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas

fonte de perigo para seu circulo []58

Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos

complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas

por Cannon (1942)

Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que

possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo

dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo

extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e

56

VIEIRA 2004 op cit p 55 57

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e

Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

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Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

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SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

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Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

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47

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httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

26

se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do

volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado

desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59

Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo

natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da

crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado

que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e

opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o

feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60

Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo

contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e

artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas

e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser

observados no relato as seguir

ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada

evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e

teorias nativas globalizantesrdquo 61

Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos

ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser

empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para

ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo

assim segundo Velthem (2010)

[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza

por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute

compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o

desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62

59

CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61

GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62

VELTHEM 2010 opcit p61

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

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As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina

ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012

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rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil

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LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo

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de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987

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46

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Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

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Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

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SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

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Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

27

31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E

ETNOGRAacuteFICA

Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena

numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-

Gourhan63

A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os

estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta

ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo

e empreacutestimosrdquo64

causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema

Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal

repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas

preacute-histoacutericas

Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se

apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento

geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de

sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []

No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e

os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas

partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou

delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a

Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e

motivos pintados

[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos

XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-

histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para

a Nova Zelacircndia []

Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de

hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e

historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se

bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas

63

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

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SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

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Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

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httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

28

distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois

milecircniosrdquo65

no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir

uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico

No entanto Leacutevi-Strauss afirma que

As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre

possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de

saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram

independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo

possuem em alguma parte um berccedilo em comum66

Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67

na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento

da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica

seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de

1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala

Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-

histoacuterica e as analises referentes a ela

Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica

foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os

partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os

que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos

primitivos atuais

Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises

feitas da arte preacute-histoacuterica

A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias

E do homem religioso que representaria somente deuses

Nesse sentido Velthem afirma que

[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas

apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato

65

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66

LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67

O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange

por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos

comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash

que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

UNISINOS 1995 333 p

_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS

1999 344 p

BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash

SP Edibolso 1975 232p

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ

As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina

ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012

CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

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Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

29

de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na

realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68

Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas

de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo

simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo

descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam

relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa

afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do

dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69

e tambeacutem pela necessidade do

estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer

No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes

ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a

religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de

acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de

informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para

negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de

rituais maacutegicos

Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso

atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees

deste mundo imaginaacuterio e material

Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de

ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de

bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima

grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de

raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um

cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia

simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila

Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que

resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que

prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo

68

VELTHEM 2010 opcit p61 69

GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

UNISINOS 1995 333 p

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CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ

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CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte

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1964

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JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo

2008 p 316

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os

arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo

Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo

LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo

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de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987

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46

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RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

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Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

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Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

30

4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS

Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-

Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos

artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de

estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este

cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio

Imaterial da cultura indiacutegena70

A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema

de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um

corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo

(VILACcedilA 2005)

Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades

indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea

ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais

culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de

processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo

humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71

A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma

intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo

de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72

(figura 7) Podemos observar por

exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o

decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda

uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-

o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73

Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a

identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades

desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma

possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos

aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74

70

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute

e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71

CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia

Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72

VELTHEM 2010 opcit p62 73

SILVA 2001 opcit p 209 74

VELTHEM 2010 opcit p63

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

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CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte

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46

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RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

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_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

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Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

31

Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo

Asurini Xingu

Fonte Renato Dalore

75

Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da

cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas

corporais76

1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente

com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e

da geraccedilatildeo fiacutesica

2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas

basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo

para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a

uma das duas metades cerimoniais

75

DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho

Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76

DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

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Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

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compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

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Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

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2004 p 59 ndash 70

47

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artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

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p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

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httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

32

41 OS GRAFISMOS XOKLENG

No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a

pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e

etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo

teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao

assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)

O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas

entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que

Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de

nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes

de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os

outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus

desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77

Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico

empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo

predominante nas pinturas corporais

A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da

Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde

foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde

segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos

ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a

colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)

77

HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

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CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte

rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil

Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011

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JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo

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LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os

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LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo

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Acesso em 27de jul2013

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de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987

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dezfev 1999-2000

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em

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46

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992

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2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

33

Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng

Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p

Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais

pinturas

42 OS GRAFISMOS KAIGANG

No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade

significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as

informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por

trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78

pois traz

informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)

Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os

estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de

Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de

Irai ndash RS e Nonoai ndash RS

Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute

sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves

releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio

dual parece ter acontecidordquo79

segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes

teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo

(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar

a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a

seccedilotildees kainru-kreacute80

posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado

78

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das

sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79

SILVA 2001 opcit p 211 80

SILVA 2001 opcit p 213

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

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BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash

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CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ

As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina

ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012

CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

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CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte

rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil

Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011

CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da

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GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003

45

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1964

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JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo

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LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os

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LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo

Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p

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MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml

MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em

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Acesso em 27de jul2013

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da

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de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987

_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993

NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia

Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269

dezfev 1999-2000

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em

Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria

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46

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992

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REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS

2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

34

como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam

varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo

do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos

poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81

Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang

Fonte JAENISCH 2010 p142

Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na

cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades

exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem

oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82

Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul

por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos

apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)

81

SILVA 2001 opcit p 214 82

SILVA 2001 opcit p 213

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

UNISINOS 1995 333 p

_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS

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CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ

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CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo

em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte

rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil

Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011

CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da

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_______ Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006

Disponiacutevel em httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913

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GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003

45

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70

1964

JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e

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2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio

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JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo

2008 p 316

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os

arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo

Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo

LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo

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MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007

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MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml

MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em

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Acesso em 27de jul2013

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da

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de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987

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NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia

Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269

dezfev 1999-2000

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em

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46

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992

p613

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS

2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

35

Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia

de Agonomia

Fonte SILVA 2001 p213

No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS

Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens

apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)

no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles

estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)

Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo

Fonte SILVA 2001 p215

83

SILVA 2001 opcit p 215

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

UNISINOS 1995 333 p

_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS

1999 344 p

BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash

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CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ

As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina

ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012

CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo

em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte

rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil

Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011

CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da

Presenccedila Jecirc no planalto catarinense 2012 p342 Tese (Doutorado em Arqueologia) ndash

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CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

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_______ Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006

Disponiacutevel em httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas

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GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003

45

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70

1964

JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e

Pessoas Imagens de relaccedilotildees nos territoacuterios das Bacias do Lago Guaiacuteba e Rio dos Sinos

2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio

Grande do Sul Porto Alegre

JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo

2008 p 316

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os

arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo

Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo

LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo

Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007

_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011

MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara

2010 Disponiacutevel em

httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-

MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml

MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em

httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173

Acesso em 27de jul2013

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da

religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros

de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987

_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993

NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia

Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269

dezfev 1999-2000

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em

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46

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REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS

2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

36

Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos

das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees

planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os

grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a

semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as

inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute

Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc

associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos

421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas

A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como

objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais

histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos

pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a

compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)

Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de

Arte Rupestre do Brasil

Fonte GASPAR 2003 p57

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

UNISINOS 1995 333 p

_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS

1999 344 p

BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash

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CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ

As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina

ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012

CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo

em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte

rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil

Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011

CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da

Presenccedila Jecirc no planalto catarinense 2012 p342 Tese (Doutorado em Arqueologia) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

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Catarinense Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_historia_3htm Acesso em 230913

_______ Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006

Disponiacutevel em httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas

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GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003

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GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70

1964

JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e

Pessoas Imagens de relaccedilotildees nos territoacuterios das Bacias do Lago Guaiacuteba e Rio dos Sinos

2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio

Grande do Sul Porto Alegre

JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo

2008 p 316

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os

arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo

Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo

LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo

Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007

_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011

MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara

2010 Disponiacutevel em

httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-

MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml

MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em

httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173

Acesso em 27de jul2013

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da

religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros

de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987

_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993

NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia

Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269

dezfev 1999-2000

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em

Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria

Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina

46

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992

p613

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS

2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

37

Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e

estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo

diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e

os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura

predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-

grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84

Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas

pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos

tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica

caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques

de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos

metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos

De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil

apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de

um grande conjunto existente do passado85

Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970

Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede

Guidon e Andreacute Prous (1978)

Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e

matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos

denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade

variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo

de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos

curtos e paralelos)86

conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas

Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses

grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou

alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo

ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns

abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem

84

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-

Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85

SCHMITZ 2007 opcit 86

SCHMITZ 2007 opcit p147

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

UNISINOS 1995 333 p

_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS

1999 344 p

BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash

SP Edibolso 1975 232p

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ

As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina

ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012

CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo

em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte

rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil

Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011

CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da

Presenccedila Jecirc no planalto catarinense 2012 p342 Tese (Doutorado em Arqueologia) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

Companhia das Letras 1992

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha O Avanccedilo Luso-Brasileiro sobre as Terras Kaigang do Oeste

Catarinense Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_historia_3htm Acesso em 230913

_______ Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006

Disponiacutevel em httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas

exemplos no Amapaacute e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95 p

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003

45

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70

1964

JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e

Pessoas Imagens de relaccedilotildees nos territoacuterios das Bacias do Lago Guaiacuteba e Rio dos Sinos

2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio

Grande do Sul Porto Alegre

JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo

2008 p 316

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os

arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo

Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo

LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo

Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007

_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011

MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara

2010 Disponiacutevel em

httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-

MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml

MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em

httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173

Acesso em 27de jul2013

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da

religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros

de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987

_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993

NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia

Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269

dezfev 1999-2000

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em

Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria

Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina

46

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992

p613

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS

2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

38

nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as

ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87

Segundo Gaspar (2003) 88

no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o

farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis

todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em

ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem

todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas

regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse

ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo

a Tradiccedilatildeo Litoral

Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de

biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e

doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das

ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de

influecircncias

As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas

podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes

diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro

centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no

litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser

comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se

certamente de uma criaccedilatildeo local89

Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90

e Cezaro et al(2011)91

demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo

Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92

apresentando novas

perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois

estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense

Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e

motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina

87

SCHMITZ 2007 opcit p147 88

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras

Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p

121-132 setembro 2012 91

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do

Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente

v 17 p 133-149 2011 92

CEZARO H S 2011 opcit

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

UNISINOS 1995 333 p

_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS

1999 344 p

BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash

SP Edibolso 1975 232p

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ

As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina

ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012

CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo

em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte

rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil

Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011

CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da

Presenccedila Jecirc no planalto catarinense 2012 p342 Tese (Doutorado em Arqueologia) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

Companhia das Letras 1992

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha O Avanccedilo Luso-Brasileiro sobre as Terras Kaigang do Oeste

Catarinense Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_historia_3htm Acesso em 230913

_______ Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006

Disponiacutevel em httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas

exemplos no Amapaacute e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95 p

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003

45

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70

1964

JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e

Pessoas Imagens de relaccedilotildees nos territoacuterios das Bacias do Lago Guaiacuteba e Rio dos Sinos

2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio

Grande do Sul Porto Alegre

JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo

2008 p 316

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os

arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo

Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo

LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo

Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007

_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011

MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara

2010 Disponiacutevel em

httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-

MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml

MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em

httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173

Acesso em 27de jul2013

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da

religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros

de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987

_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993

NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia

Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269

dezfev 1999-2000

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em

Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria

Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina

46

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992

p613

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS

2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

39

O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte

rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na

configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e

ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que

interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou

losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang

Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1

Fonte SILVA 2001 p284

Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura

corporal representada na arte rupestre como

[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave

direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia

da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados

atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute

[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois

pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos

circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade

Kaigang Kainru-kreacute93

Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do

Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos

em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o

93

SILVA 2001 opcit p 285

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

UNISINOS 1995 333 p

_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS

1999 344 p

BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash

SP Edibolso 1975 232p

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ

As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina

ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012

CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo

em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte

rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil

Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011

CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da

Presenccedila Jecirc no planalto catarinense 2012 p342 Tese (Doutorado em Arqueologia) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

Companhia das Letras 1992

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha O Avanccedilo Luso-Brasileiro sobre as Terras Kaigang do Oeste

Catarinense Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_historia_3htm Acesso em 230913

_______ Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006

Disponiacutevel em httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas

exemplos no Amapaacute e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95 p

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003

45

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70

1964

JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e

Pessoas Imagens de relaccedilotildees nos territoacuterios das Bacias do Lago Guaiacuteba e Rio dos Sinos

2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio

Grande do Sul Porto Alegre

JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo

2008 p 316

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os

arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo

Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo

LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo

Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007

_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011

MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara

2010 Disponiacutevel em

httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-

MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml

MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em

httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173

Acesso em 27de jul2013

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da

religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros

de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987

_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993

NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia

Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269

dezfev 1999-2000

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em

Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria

Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina

46

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992

p613

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS

2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

40

mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do

RS (Figuras 14 e 15)

Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS

Fonte SILVA 2001 p289

O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do

Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta

caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e

quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e

da ceracircmica Proto-Jecirc do sul

[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e

grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da

ceracircmica Proto-Jecirc meridional94

94

SILVA 2001 opcit p 287

A B

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

UNISINOS 1995 333 p

_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS

1999 344 p

BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash

SP Edibolso 1975 232p

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ

As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina

ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012

CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo

em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte

rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil

Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011

CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da

Presenccedila Jecirc no planalto catarinense 2012 p342 Tese (Doutorado em Arqueologia) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

Companhia das Letras 1992

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha O Avanccedilo Luso-Brasileiro sobre as Terras Kaigang do Oeste

Catarinense Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_historia_3htm Acesso em 230913

_______ Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006

Disponiacutevel em httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas

exemplos no Amapaacute e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95 p

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003

45

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70

1964

JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e

Pessoas Imagens de relaccedilotildees nos territoacuterios das Bacias do Lago Guaiacuteba e Rio dos Sinos

2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio

Grande do Sul Porto Alegre

JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo

2008 p 316

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os

arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo

Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo

LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo

Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007

_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011

MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara

2010 Disponiacutevel em

httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-

MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml

MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em

httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173

Acesso em 27de jul2013

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da

religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros

de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987

_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993

NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia

Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269

dezfev 1999-2000

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em

Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria

Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina

46

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992

p613

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS

2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

41

Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC

Fonte SILVA 2001 p290

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

UNISINOS 1995 333 p

_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS

1999 344 p

BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash

SP Edibolso 1975 232p

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ

As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina

ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012

CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo

em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte

rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil

Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011

CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da

Presenccedila Jecirc no planalto catarinense 2012 p342 Tese (Doutorado em Arqueologia) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

Companhia das Letras 1992

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha O Avanccedilo Luso-Brasileiro sobre as Terras Kaigang do Oeste

Catarinense Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_historia_3htm Acesso em 230913

_______ Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006

Disponiacutevel em httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas

exemplos no Amapaacute e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95 p

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003

45

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70

1964

JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e

Pessoas Imagens de relaccedilotildees nos territoacuterios das Bacias do Lago Guaiacuteba e Rio dos Sinos

2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio

Grande do Sul Porto Alegre

JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo

2008 p 316

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os

arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo

Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo

LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo

Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007

_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011

MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara

2010 Disponiacutevel em

httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-

MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml

MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em

httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173

Acesso em 27de jul2013

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da

religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros

de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987

_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993

NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia

Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269

dezfev 1999-2000

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em

Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria

Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina

46

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992

p613

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS

2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

42

5 CONCLUSAtildeO

Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e

classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da

divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)

analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo

simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois

constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos

pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo

(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser

observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos

motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos

e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica

(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o

discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a

classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que

representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu

Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas

questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda

cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do

contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de

aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos

indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um

dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais

No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras

rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios

arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do

grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e

homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo

de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos

humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o

Macro Jecirc

Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem

ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

UNISINOS 1995 333 p

_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS

1999 344 p

BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash

SP Edibolso 1975 232p

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ

As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina

ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012

CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo

em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte

rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil

Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011

CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da

Presenccedila Jecirc no planalto catarinense 2012 p342 Tese (Doutorado em Arqueologia) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

Companhia das Letras 1992

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha O Avanccedilo Luso-Brasileiro sobre as Terras Kaigang do Oeste

Catarinense Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_historia_3htm Acesso em 230913

_______ Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006

Disponiacutevel em httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas

exemplos no Amapaacute e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95 p

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003

45

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70

1964

JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e

Pessoas Imagens de relaccedilotildees nos territoacuterios das Bacias do Lago Guaiacuteba e Rio dos Sinos

2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio

Grande do Sul Porto Alegre

JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo

2008 p 316

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os

arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo

Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo

LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo

Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007

_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011

MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara

2010 Disponiacutevel em

httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-

MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml

MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em

httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173

Acesso em 27de jul2013

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da

religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros

de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987

_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993

NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia

Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269

dezfev 1999-2000

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em

Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria

Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina

46

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992

p613

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS

2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

43

foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees

graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos

Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam

similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos

gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos

linhas formas circulares e zig e zag)

Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada

por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica

Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais

grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu

cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o

tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e

correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do

extremo sul catarinense

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

UNISINOS 1995 333 p

_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS

1999 344 p

BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash

SP Edibolso 1975 232p

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ

As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina

ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012

CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo

em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte

rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil

Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011

CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da

Presenccedila Jecirc no planalto catarinense 2012 p342 Tese (Doutorado em Arqueologia) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

Companhia das Letras 1992

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha O Avanccedilo Luso-Brasileiro sobre as Terras Kaigang do Oeste

Catarinense Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_historia_3htm Acesso em 230913

_______ Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006

Disponiacutevel em httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas

exemplos no Amapaacute e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95 p

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003

45

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70

1964

JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e

Pessoas Imagens de relaccedilotildees nos territoacuterios das Bacias do Lago Guaiacuteba e Rio dos Sinos

2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio

Grande do Sul Porto Alegre

JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo

2008 p 316

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os

arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo

Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo

LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo

Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007

_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011

MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara

2010 Disponiacutevel em

httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-

MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml

MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em

httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173

Acesso em 27de jul2013

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da

religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros

de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987

_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993

NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia

Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269

dezfev 1999-2000

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em

Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria

Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina

46

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992

p613

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS

2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

44

6 REFEREcircNCIAS

BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS

UNISINOS 1995 333 p

_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS

1999 344 p

BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash

SP Edibolso 1975 232p

CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ

As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina

ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012

CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo

abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo

em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio

CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte

rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil

Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011

CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da

Presenccedila Jecirc no planalto catarinense 2012 p342 Tese (Doutorado em Arqueologia) ndash

Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP

Companhia das Letras 1992

DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha O Avanccedilo Luso-Brasileiro sobre as Terras Kaigang do Oeste

Catarinense Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em

httpwwwportalkaingangorgindex_historia_3htm Acesso em 230913

_______ Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006

Disponiacutevel em httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913

GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas

exemplos no Amapaacute e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95 p

GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003

45

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70

1964

JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e

Pessoas Imagens de relaccedilotildees nos territoacuterios das Bacias do Lago Guaiacuteba e Rio dos Sinos

2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio

Grande do Sul Porto Alegre

JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo

2008 p 316

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os

arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo

Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo

LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo

Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007

_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011

MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara

2010 Disponiacutevel em

httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-

MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml

MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em

httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173

Acesso em 27de jul2013

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da

religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros

de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987

_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993

NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia

Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269

dezfev 1999-2000

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em

Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria

Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina

46

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992

p613

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS

2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

45

GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70

1964

JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e

Pessoas Imagens de relaccedilotildees nos territoacuterios das Bacias do Lago Guaiacuteba e Rio dos Sinos

2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio

Grande do Sul Porto Alegre

JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo

2008 p 316

LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os

arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo

Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo

LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo

Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p

MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007

_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011

MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara

2010 Disponiacutevel em

httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-

MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml

MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em

httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173

Acesso em 27de jul2013

NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da

religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros

de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987

_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993

NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia

Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269

dezfev 1999-2000

PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em

Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria

Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina

46

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992

p613

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS

2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

46

PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992

p613

REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS

2010 303p

RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo

Paulo vol 4 1988

RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009

SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos

Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973

_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS

Garatuja 1975

_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC

1997 310 p

_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica

Vol VII (2) 2003 p 431-448

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre

a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p

SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash

SC Argos 2011 365 p

________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute

Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina

Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010

SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade

diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-

Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996

SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para

compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em

Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta

Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209

VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04

2004 p 59 ndash 70

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

47

VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos

artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65

2010

VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004

p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash

UFSC Santa Catarina

ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em

httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4

Acesso em 27 de jul2013

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

48

ANEXO

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais

49

GLOSSAacuteRIO

Kiki

Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua

e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo

utilizada nos rituais Kaigang

Kuiacirc

E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura

Kaigang

Peacutein

Nomenclatura dada agravequeles que possuem

espiacuterito mais forte e podem lidar com os

mortos de qualquer uma das metades

exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos

fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas

metades

Weinkupring

Considerada pelos Kaigang como aldeia

dos espiacuteritos dos mortos

teacutei e ror

Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para

representar as pinturas corporais e as

metades exogacircmica

Konkei

E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa

que seria traduccedilatildeo literal

Labrete

Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um

tipo de adorno que se prende a um furo no

laacutebio inferior feito de materiais diversos

(ossos conchas resina endurecida

madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem

distinto do tembetaacute e do botoque

Semioacutetica

A Semioacutetica eacute uma teoria do

conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-

lo atraveacutes de signos pois um signo sempre

representa alguma coisa seu objeto Tudo

pode ser representado atraveacutes de signos

veim Kongat

Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para

dar nome agraves pinturas faciais