112
UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ANA PAULA DA SILVA GALDINO O CONHECIMENTO MATEMÁTICO DE ESTUDANTES DO 3º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE O CONCEITO DE MULTIPLICAÇÃO: UM ESTUDO COM BASE NA TEORIA HISTÓRICO CULTURAL Tubarão 2016

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ANA PAULA …pergamum.unisul.br/pergamum/pdf/111436_Ana.pdf · ANA PAULA DA SILVA GALDINO O CONHECIMENTO MATEMÁTICO DE ESTUDANTES DO 3º ANO

Embed Size (px)

Citation preview

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

ANA PAULA DA SILVA GALDINO

O CONHECIMENTO MATEMÁTICO DE ESTUDANTES DO 3º ANO DO ENSINO

FUNDAMENTAL SOBRE O CONCEITO DE MULTIPLICAÇÃO: UM ESTUDO

COM BASE NA TEORIA HISTÓRICO CULTURAL

Tubarão

2016

ANA PAULA DA SILVA GALDINO

O CONHECIMENTO MATEMÁTICO DE ESTUDANTES DO 3º ANO DO ENSINO

FUNDAMENTAL SOBRE O CONCEITO DE MULTIPLICAÇÃO: UM ESTUDO

COM BASE NA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

Esta dissertação foi julgada adequada à

obtenção do título de Mestre em Educação e

aprovada em sua forma final, pelo curso de

Mestrado em Educação da Universidade do Sul

de Santa Catarina.

Orientadora: Prof. Drª. Josélia Euzébio da Rosa.

Tubarão

2016

ANA PAULA DA SILVA GALDINO

O CONHECIMENTO MATEMÁTICO DE ESTUDANTES DO 3º ANO DO ENSINO

FUNDAMENTAL SOBRE O CONCEITO DE MULTIPLICAÇÃO: UM ESTUDO

COM BASE NA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

Este relatório foi considerado

________________ pela banca examinadora.

Tubarão, 18 de fevereiro de 2016.

Às crianças, que têm o dom de maravilhar-se

diante da vida.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi construído por memórias. Memória solitária, sentada diante de

textos, registros escritos, fotografias à procura de um modo de “expressar em palavras o

vivido”. Mas, acima de tudo, foi construído por memórias compartilhadas. Momentos de

estudos em disciplinas, professores que com suas aulas mostraram um caminho a seguir, amigas

que compartilharam seus medos, angústias e conquistas... Por isso preciso agradecer:

À minha orientadora Professora Doutora Josélia Euzébio da Rosa. Encontrar

palavras para descrever essa relação torna-se um desafio. Ela, que se tornou uma grande amiga

e que sabe tão bem atender, com sensibilidade, minhas questões, anseios e dúvidas... Você tem

o dom de ser calmaria quando é disso que se precisa e, concomitantemente, dom de ser

“turbilhão” quando o caminho é alcançar voos mais altos. “Há pessoas que nos falam e nem as

escutamos, há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas há pessoas que simplesmente

aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre” (CECÍLIA MEIRELLES). Obrigada por

todo o conhecimento compartilhado e por ter marcado uma etapa acadêmica tão importante.

À Professora Lúcia, que nos possibilitou a pesquisa em sua sala, que sempre

demonstrou carinho e atenção comigo e com esta pesquisa.

Aos estudantes desta investigação, que contribuíram para a realização desta

pesquisa, ao disponibilizarem-se ao diálogo e à compreensão do quanto aqueles momentos eram

importantes para mim. Sem a ajuda de vocês, a pesquisa poderia ter sido realizada, mas, com

certeza, perderia a riqueza do olhar nos olhos, da curiosidade que me fez explicar várias vezes

o que é o Mestrado e o que eu pesquisava, dos abraços que recebi e daquilo que a pesquisa de

campo tem de melhor: o inesperado.

À Professora Sílvia Pereira Gonzaga de Moraes e ao Professor Clóvis Nicanor

Kassick, por suas contribuições valiosas no exame de qualificação e pelo aceite em participar,

também, da banca de defesa.

À Professora Elaine Sampaio Araújo por aceitar o convite para participar da banca

de defesa.

Aos meus pais e irmãs, que me apoiaram em todos os momentos, que constituem

aquilo que sou hoje e, também, aquilo que ainda serei.

À minha vó Lulu, que nos deixou durante a realização desta pesquisa. Ela, que sem

certezas científicas, tinha o dom de acreditar na educação, orgulhava-se das netas e genro

professores e com seu carinho ficará eterna na memória.

À minha sobrinha Isabela, que com seus muitos “Por quê?” faz com que eu pense

sobre as rotinas instituídas, os modos de ser criança e viver a infância que muitas vezes são

negados pela escola. Obrigada por compartilhar sua infância comigo e me fazer compreender

que ser tia é amar incondicionalmente alguém.

Às orientandas e amigas, Bia, Cris, Sandra e Gi, pelas valiosas contribuições

durante a realização desta pesquisa e pelas conversas que tornaram este caminho mais doce. À

Cris e Sandra um agradecimento especial, pelos momentos de angústias e conquistas neste

semestre final da pesquisa e na parceria durante o estágio de docência no curso de Pedagogia.

Entre laços acadêmicos e afetivos, vocês se fazem presentes no processo de constituição deste

estudo, tanto com as discussões teóricas quanto pelas conversas, risadas, viagens juntas e

carinho.

À amiga Olívia, que esteve presente desde a elaboração do projeto para o processo

seletivo de ingresso ao Mestrado. A ela minha amizade, companheirismo e gratidão por todos

os momentos juntas e que seja só o começo de grandes conquistas juntas.

À amiga e companheira de trabalho no primeiro ano de Mestrado, Amanda, que

entendeu as demandas de uma professora/pesquisadora. Na impossibilidade de “abraçar o

mundo” precisei da sua ajuda em momentos em que o lado pesquisadora precisava de mais

espaço. Obrigada por toda a amizade e ajuda e por ser essa pessoa tão especial.

Aos integrantes do Grupo de Pesquisa em Educação Matemática: uma Abordagem

Histórico-Cultural (GPEMAHC) e integrantes do grupo Teoria do Ensino Desenvolvimental na

Educação Matemática (TEDMAT), pelos momentos de estudos, reflexões durante a

investigação e materiais bibliográficos disponibilizados.

Ao programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação da UNISUL, aos

professores, coordenação, secretária Daniela e colegas do curso, por terem contribuído em

diversos momentos de minha formação.

Às meninas da disciplina Fundamentos e Metodologias do Ensino da Matemática

nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, do curso de Pedagogia, por terem compartilhado

suas dúvidas e aprendizagens comigo durante o Estágio de Docência. Obrigada!

À Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão de Santa Catarina (FAPESC), pelo

apoio financeiro concedido durante o segundo ano de realização do curso.

“Aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas porque a gente não

esquece. O que a memória ama fica eterno” (RUBEM ALVES). A todos, construtores de

memórias eternas: muito obrigada!

Aula de voo

O conhecimento

Caminha lento feito lagarta

Primeiro não sabe que sabe

e voraz contenta-se com cotidiano orvalho

deixando nas folhas vívidas das manhãs.

Depois pensa que sabe e se fecha em si mesmo:

faz muralhas

cava trincheiras

ergue barricadas.

Defendendo o que pensa saber

levanta certeza na forma de muro orgulhando-se de seu casulo.

Até que maduro

explode em voos

rindo do tempo que imaginava saber

ou guardava preso o que sabia.

Voa alto sua ousadia

reconhecendo o suor dos séculos

no orvalho de cada dia. Mesmo o voo mais belo

descobre um dia não ser eterno.

É tempo de acasalar

Voltar à terra com seus ovos

À espera de novas e prosaicas lagartas.

O conhecimento é assim

Ri de si mesmo

E de suas certezas

É meta da forma

Metamorfose

Movimento

Fluir do tempo

Que tanto cria como arrasa

A nos mostrar que para o voo

É preciso tanto o casulo

Como a asa.

(MAURO IASI)

RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi investigar o conhecimento matemático dos estudantes do 3º ano

do Ensino Fundamental sobre o conceito de multiplicação. Consideramos que este é composto

por abstrações, generalizações e conceitos. A referência foi a Teoria Histórico-Cultural, mais

especificamente a distinção entre pensamento teórico e empírico. Os dados de pesquisa foram

obtidos por meio do acompanhamento de uma turma de 3º ano escolar, de uma escola da rede

estadual, no município de Tubarão, durante o segundo semestre de 2014. A coleta de dados foi

realizada em dois momentos: observação das aulas de Matemática e entrevistas individuais com

os estudantes, após a realização das avaliações propostas pela professora, a fim de compreender

o pensamento adotado para a resolução das questões. Para a análise dos dados, utilizou-se: 1)

Descrição construída a partir dos dados que constituem a essência do fenômeno investigado. 2)

Revelação da unidade de análise do objeto de pesquisa: a relação entre a lógica adotada no

processo de ensino e aprendizagem e o conhecimento produzido pelos estudantes sobre o

conceito de multiplicação. 3) Abstrações auxiliares, extraídas no decorrer do processo de

organização dos dados: o tipo de generalização, abstração e conceito desenvolvido pelos

estudantes. 4) Elaboração dos episódios que explicitam a unidade de análise e os isolados. Os

resultados obtidos são semelhantes àqueles detectados por Davýdov (1982) ao analisar as

proposições para o ensino de Matemática em seu país (Rússia) no século XX, por ele

denominado de ensino tradicional por sustentar-se na teoria empírica. Nessa perspectiva, a

elaboração do conhecimento segue o esquema percepção - representação - conceito. O conceito

formado a partir desse movimento de generalização e abstração constitui o conteúdo do

conhecimento empírico. Como forma de superação, Davýdov propõe outro modo de

organização do ensino, tal como apresentamos ao final da presente dissertação por meio de um

diálogo com algumas reflexões brasileiras fundamentadas na Teoria Histórico-Cultural.

Palavras-chave: Educação Matemática. Conceito de multiplicação. Teoria Histórico-Cultural.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 - Interconexão entre unidade de análise/episódios e abstrações auxiliares .......... 32

Quadro 1 - Organização dos episódios e cenas ........................................................................ 33

Ilustração 2 - Exercício proposto pela professora e resolvido por Maria ................................. 36

Ilustração 3 - Adição de quantidades iguais ............................................................................. 37

Ilustração 4 - Conceito de multiplicação .................................................................................. 39

Ilustração 5 - Tabelas de multiplicação .................................................................................... 41

Ilustração 6 - Dobro, triplo, quádruplo e quíntuplo .................................................................. 43

Ilustração 7 - Para além do estágio de representação (resolvido por Antônia) ........................ 44

Ilustração 8 - O processo de elaboração do conhecimento na lógica formal ........................... 45

Ilustração 9 - Primeiras questões sobre multiplicação nas avaliações...................................... 47

Ilustração 10 - Cálculo para chegar à resposta ......................................................................... 48

Ilustração 11 - Quantos anos tem Ana? .................................................................................... 49

Ilustração 12 - Quantas rodas podemos contar? ....................................................................... 51

Ilustração 13 - Rascunho de Luís ............................................................................................. 52

Ilustração 14 - Rascunho Guilherme ........................................................................................ 52

Ilustração 15 - Riscos no processo de contagem dos povos primitivos.................................... 56

Ilustração 16 - Riscos utilizados como instrumento de cálculo................................................ 56

Ilustração 17 – O casamento da Dona Baratinha ...................................................................... 66

Ilustração 18 – Linhas, pontos e segmento ............................................................................... 70

Ilustração 19 – Representação da relação de desigualdade entre A e C ................................... 70

Ilustração 20 – Introdução do arco ........................................................................................... 71

Ilustração 21 – Representação geométrica e algébrica da quantidade de rosas........................ 71

Ilustração 22 – Cálculo da quantidade de rosas ........................................................................ 72

Ilustração 23 – Representação algébrica dos valores desconhecidos ....................................... 73

Ilustração 24 – Construção inicial do esquema de setas ........................................................... 73

Ilustração 25 – Esquema de segmentos .................................................................................... 74

Ilustração 26 – Esquema de setas: unidade de medida intermediária....................................... 75

Ilustração 27 – Esquema de setas: relação universal ................................................................ 75

Ilustração 28 – Modelação da grandeza discreta a partir dos valores 4 e 6 .............................. 77

Ilustração 29 – Linha tomada como unidade de medida intermediária .................................... 78

Ilustração 30 – Esquema de setas para 6 x 4 ............................................................................ 79

Ilustração 31 – Cálculo na reta numérica para 6 x 4 = 24 ........................................................ 79

Ilustração 32 – Coluna tomada como unidade de medida intermediária .................................. 80

Ilustração 33 – Esquema de setas para 4 x 6 ............................................................................ 80

Ilustração 34 – Cálculo da operação 4 x 6 = 24 e 6 x 4 = 24 na reta numérica ........................ 81

Ilustração 35 – As operações 4 x 6 = 24 e 6 x 4 = 24 na reta numérica ................................... 81

Ilustração 36 – Situações singulares decorrentes de uma particularidade ................................ 82

Ilustração 37 – Termos do conceito de multiplicação .............................................................. 84

Ilustração 38 – Esquema de setas para a situação singular 3 x 4 = ? ....................................... 85

Ilustração 39 – Decomposição do multiplicando (24) .............................................................. 86

Ilustração 40 – Cálculo da operação da multiplicação em linha .............................................. 86

Ilustração 41 – Redução do registro: cálculo da multiplicação em linha ................................. 87

Ilustração 42 – Cálculo da operação da multiplicação em linha e coluna ................................ 87

Ilustração 43 – Cálculo a partir da unidade de milhar e a partir da unidade básica ................. 88

Ilustração 44 – Três possibilidades de singularidades .............................................................. 89

Ilustração 45 – Cálculo na reta numérica da operação 2,50 x 4 = _____ ................................. 89

Ilustração 46 – Cálculo na reta numérica do valor total de moedas que Dona Baratinha

precisará .................................................................................................................................... 90

Ilustração 47 – Carta para Dona Bartinha ................................................................................ 91

LISTA DE SIGLAS

ACT - Contratada em Caráter Temporário

AOE – Atividade Orientadora de Ensino

FEUSP – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

GERED - Gerência Regional de Educação

GEPAPe - Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Atividade Pedagógica

GPEMAHC - Grupo de Pesquisa em Educação Matemática: Uma abordagem Histórico-

Cultural

PENOA - Programa Estadual de Novas Oportunidades de Aprendizagem

S.M. - Sentença Matemática

UNISUL - Universidade do Sul de Santa Catarina

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 11

1 DO CAMINHO PERCORRIDO ÀS REFLEXÕES REALIZADAS ............................. 13

1.1 MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO ...................................................................................... 19

1.2 DA APREENSÃO DOS DADOS AO CONCRETO PENSADO: O CONTEXTO DA

PESQUISA ............................................................................................................................... 22

1.2.1 O campo de pesquisa: a singularidade pesquisada .................................................... 25

1.2.2 Procedimentos metodológicos utilizados durante a pesquisa de campo ................... 27

1.2.3 Procedimentos de organização e análise dos dados .................................................... 30

2 ANÁLISE DO VIVIDO: O QUE OS ESTUDANTES TÊM A DIZER SOBRE O

CONCEITO DE MULTIPLICAÇÃO? ................................................................................ 35

2.1 EPISÓDIO 1: O MOVIMENTO DE FORMAÇÃO DO CONHECIMENTO REFERENTE

AO CONCEITO DE MULTIPLICAÇÃO ............................................................................... 35

2.2 EPISÓDIO 2: OLHOS NOS OLHOS – UM DIÁLOGO SOBRE MULTIPLICAÇÃO

.................................................................................................................................................. 46

3 ONDE ESTÁ A SAÍDA? ..................................................................................................... 58

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 95

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 108

10

11

APRESENTAÇÃO

A coisa mais importante na atividade científica não é a reflexão nem o

pensamento, nem a tarefa, mas a esfera das necessidades e

emoções. [...] As emoções são muito mais fundamentais

que os pensamentos, elas são a base para todas as

diferentes tarefas que um homem estabelece para si mesmo,

incluindo as tarefas do pensar. [...] A função geral das

emoções é capacitar uma pessoa a pôr-se certas tarefas

vitais, mas este é somente meio caminho andado. A coisa

mais importante é que as emoções capacitam a pessoa a

decidir, desde o início se, de fato, existem meios físicos,

espirituais e morais necessários para que ela consiga

atingir seu objetivo (DAVÍDOV, 1999, p. 45, grifos nossos).

A epígrafe expressa que as ações humanas são carregadas de sentidos subjetivos e

motivos. Desse modo, as emoções e necessidades impulsionam o ser humano para a

concretização de objetivos (DAVÍDOV, 1999). Isto porque todo movimento humano é gerado

a partir de uma necessidade: sobrevivência, trabalho, lazer, estudo, entre outras.

Ainda nessa perspectiva, na concepção de Leontiev (1983), o sujeito constitui-se

em sua atividade, a partir de uma necessidade que se caracterize como individual. Para o

referido autor, entretanto, concomitantemente “com toda a sua peculiaridade, a atividade do

indivíduo humano constitui um sistema compreendido no sistema de relações da sociedade.

Fora destas relações, a atividade humana em geral, não existe” (LEONTIEV, 1983, p. 67).

Intimidade, distância, emoção e necessidade são elementos de referência no

movimento construído na presente investigação enquanto atividade. Intimidade e distância, dois

movimentos inversos que marcam a constituição enquanto pesquisadora: intimidade com a sala

de aula, a docência, o cotidiano escolar e suas especificidades. Distância, para olhar com outros

olhos, buscar outras possibilidades, compreender um contexto específico, ao mesmo tempo em

que relata o atual estágio da educação brasileira.

Já a estrutura da atividade e seus elementos, explicitam o movimento estabelecido

na pesquisa. Esta surge de uma necessidade individual, movida pelo interesse em compreender

o processo de apropriação dos conceitos científicos da Matemática, na especificidade desta

investigação, a natureza do conhecimento matemático de estudantes do 3º ano escolar. No

entanto, constitui-se também como uma necessidade social de fomentar reflexões científicas

sobre a organização do ensino e aprendizagem de Matemática, em especial, das escolas públicas

brasileiras.

12

Adotamos como base para esta investigação, desde a delimitação do objeto de

estudo às análises realizadas, os pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, especialmente de

Davýdov e colaboradores. Estes pesquisaram e elaboraram um sistema de ensino considerado

por Rosa (2012), Libâneo e Freitas (2013), entre outros pesquisadores, a expressão mais atual

e fiel aos princípios da teoria anunciada.

Nesta investigação, delimitamos nosso objeto de estudo no conhecimento

matemático de estudantes do 3º ano escolar sobre o conceito de multiplicação.

Para tanto, estruturamos o texto da dissertação em três capítulos: 1) Do caminho

percorrido às reflexões realizadas; 2) Análise do vivido: o que os estudantes têm a dizer sobre

a Matemática? 3) Onde está a saída?

O primeiro capítulo constitui-se do contexto do objeto de estudo em nossa trajetória

acadêmica, a delimitação dos objetivos e o percurso investigativo com base no método adotado:

o Materialismo Histórico e Dialético. O seguinte é dedicado às análises realizadas a partir da

apreensão dos dados da pesquisa de campo e o esforço teórico em explicá-los, de modo

articulado com os fundamentos da Teoria Histórico-Cultural. O terceiro capítulo trata-se de

possibilidades de objetivação da referida teoria em sala de aula. E, por fim, as considerações

finais e síntese das reflexões realizadas sobre o objeto de estudo.

13

1 DO CAMINHO PERCORRIDO ÀS REFLEXÕES REALIZADAS

“O aprendizado de muitas coisas não ensina a compreensão”

(HERÁCLITO DE ÉFESO).

Com esta frase, Libanêo e Freitas (2013) iniciam seu capítulo, no livro Ensino

Desenvolvimental: vida, pensamento e obra dos principais pensadores russos, dedicado a

VasilyVasilyevich Davýdov1. Os autores afirmam que a frase combina com o que acreditava

Davýdov “ao longo de quase 25 anos de pesquisa nas escolas russas visando formular uma

teoria de ensino voltada para o desenvolvimento do pensamento de crianças e jovens”

(LIBÂNEO; FREITAS, 2013, p. 315).

Trouxemos2 a frase para o texto introdutório desta pesquisa, por assemelhar-se com

as reflexões de pesquisadores atuais dos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, tais como

Araújo (2003), Cedro (2008), Moraes (2008), Rosa (2012), Asbahr (2011), Furlanetto (2013),

Hobold (2014), Silveira (2015), entre outros. Além disso, por assemelhar-se com as

inquietações iniciais que geraram o presente estudo: o que os estudantes têm aprendido, de fato,

na escola? A grande quantidade de conteúdo, exercícios, avaliações, resulta em aprendizagem?

Que tipo de aprendizagem?

Durante a graduação tive a oportunidade de aprofundar os estudos sobre o processo

de ensino e aprendizagem da criança. Neste momento, surgiram perguntas: como a criança

aprende? Qual a função de cada uma das etapas de ensino? O foco, por tratar-se de um curso

de Pedagogia, eram as linguagens: linguagem oral, escrita, gráfica, corporal, entre tantas outras.

Todavia, o questionamento mais frequente entre as graduandas era: como e quando a criança

começará a ler e escrever nos Anos Iniciais? Entretanto, como fica a Matemática neste contexto

de “importâncias”?

Tive a angústia, também sentida por outras colegas, do desafio que é trabalhar com

os Anos Iniciais do Ensino Fundamental por ser, nesta etapa da educação básica,

1 No decorrer do texto utilizaremos a grafia Davýdov. Entretanto, quando se tratar de referência a alguma obra

utilizaremos a grafia apresentada na mesma. 2 Ao longo deste capítulo de introdução, em que faremos referência à trajetória pessoal e profissional, assumiremos

a primeira pessoa do singular, dada a natureza do texto. Contudo, quando estivermos nos referindo à parceria

com a orientadora, neste capítulo e nos demais capítulos deste texto, retomaremos o uso da primeira pessoal do

plural.

14

responsabilidade de um professor trabalhar com a maioria das disciplinas (exceto Arte,

Educação Física, Língua Estrangeira).

Saliento este aspecto, visto que durante a graduação tive apenas uma disciplina para

cada área do conhecimento, como, por exemplo, a disciplina de Matemática, intitulada

“Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Ensino da Matemática”, com duração de sessenta

horas aulas. Nesta, os jogos didáticos foram explorados, enfaticamente, como a possibilidade

de “deixar a matemática mais prazerosa”. Todavia, cabem as perguntas: a matemática precisa

ser somente prazerosa? A metodologia de jogos possibilita a socialização da essência do

conhecimento matemático contemporâneo produzido pela humanidade?

Atualmente, na prática docente (professora da Educação Infantil), nas várias escolas

em que lecionei, na condição de professora contratada em caráter temporário (ACT), assim

como também durante os estágios da graduação, a ênfase incidia na Língua Portuguesa e na

Matemática. Professores e coordenação pedagógica enfatizavam em seus discursos a

importância dessas duas disciplinas na formação do estudante. Não há como negar tal

relevância, mas deve-se considerar o desenvolvimento integral da criança, pois o que ocorria,

na prática escolar, era a linguagem escrita em “primeiro plano” e a linguagem matemática logo

em seguida.

De acordo com Fiorentini (1995), a prática pedagógica de Matemática tem sido, ao

longo dos anos, organizada por meio de um padrão: exposição do conteúdo, demonstração,

exemplos e, em seguida, exercícios para “fixar” o tema proposto. Alguns professores acreditam

que a Matemática deve estar inteiramente relacionada ao cotidiano do estudante e aquilo que

não está ao alcance do sensorial deve ser evitado. Desta forma, o ambiente é de repetição, cópia,

reprodução, com destaque ao quadro e ao livro (FIORENTINI, 1995). Além disso, os livros

didáticos de Matemática, disponibilizados nas escolas em que lecionei, evidenciavam a relação

direta entre número e quantidade discreta em detrimento da quantidade contínua.

Neste contexto surgem outros questionamentos: como os estudantes têm significado

a Matemática? Que relações estabelecem entre objetos? O livro didático dá espaço a uma

abordagem não linear?

Os resultados referentes à educação escolar brasileira apresentados em documentos

oficiais e por pesquisadores como ASBAHR (2011), FERRARO (1999), MOURA et al. (2012),

entre outros, evidenciam que nosso país avançou na questão do acesso à escola, porém o

problema está na aprendizagem dos estudantes. Isso porque

15

[...] é notório o pouco investimento que tem recebido a Educação Matemática nos

anos iniciais, no que se refere à formação docente, quer das políticas públicas, quer

dos próprios educadores. Sabemos, também, a importância do combate a uma

persistente visão de que o conhecimento matemático pertence a uma minoria, cujo

acesso requer elaborados esquemas intelectuais. Associado a essa concepção tem-se

a adoção de uma metodologia de ensino que desconsidera o movimento de produção

cultural dos conceitos, focalizando o ensino apenas no aspecto operacional de

determinados conteúdos matemáticos (MOURA et al., 2012, p. 02480).

Ainda em relação à atual educação brasileira, mais especificamente nos Anos

Iniciais do Ensino Fundamental, deparamo-nos com políticas públicas que provocaram

mudanças, como, por exemplo, a implantação do Ensino Fundamental de nove anos e a

consequente inserção da criança de seis anos na escola, implementada a partir de documentos3

que deixaram educadores e gestores com dúvidas quanto à sua materialização em sala de aula.

Por meio da Portaria nº 867, de 4 de julho de 2012 (BRASIL, 2012a), o governo

federal instituiu o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e suas diretrizes. O Pacto

é um compromisso formal assumido pelos governos federal, do Distrito Federal, dos Estados e

Municípios de “assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade,

ao final do 3º ano do Ensino Fundamental” (BRASIL, 2012b, p. 11). Diante dessas políticas

públicas, como está a organização do ensino de Matemática nas escolas atualmente? Por que os

estudantes continuam apresentando baixo desempenho nas avaliações externas e internas?

A Matemática é uma linguagem e, por isso, implica que as crianças “dominem seus

signos, as conexões entre eles e a sintaxe” (MOURA, 2007, p. 61). Pensar a educação nos Anos

Iniciais do Ensino Fundamental significa compreender esta etapa como base importante para o

processo de apropriação do conhecimento científico e no desenvolvimento da Atividade de

Estudo (DAVÝDOV, 1982).

Assim, na busca por compreender um modo de organização do ensino de

Matemática com vistas ao desenvolvimento do pensamento teórico e de refletir a concepção

enraizada nos bancos escolares geradora de afirmações como “a matemática é difícil”, “não

gosto de matemática”, vislumbramos as proposições de Vasili Vasilievich Davýdov. A partir

dos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, Davýdov propôs um modo de organização de

ensino no qual tanto o conteúdo quanto o método estão direcionados ao processo de formação

dos conceitos matemáticos em nível científico.

Com um projeto de formação de um novo homem na sociedade socialista soviética,

Davýdov almejava que a escola “ensinasse os alunos a orientarem-se com autonomia na

3 Documentos como: Ensino Fundamental de nove anos: orientações gerais. Brasília: MEC/SEB e Ensino

Fundamental de nove anos: passo a passo do processo de implantação. 2. ed. Brasília: MEC/SEB, 2009.

16

informação científica e em qualquer outra esfera do conhecimento” (LIBÂNEO; FREITAS,

2013, p. 315). Davýdov focou suas investigações

[...] nas questões referentes às ações mentais, fundamentadas na Teoria criada por

Galperin nos anos de 1950 (SHUARE, 1990). De 1959 a 1983 trabalhou, juntamente

com Elkonin, no Instituto de Psicologia Geral e Pedagogia da Academia de Ciências

Pedagógicas da União Soviética. Inicialmente, como colaborador científico, em

seguida como chefe de laboratório de psicologia e, finalmente, como diretor

(HOBOLD, 2014, p. 17).

Algo essencial nas proposições de Davýdov era o desejo de propor um ensino

inovador como superação ao que era realizado em seu país.

Para tanto formulou a seguinte proposição: primeiro os estudantes aprendem o

aspecto genético e essencial do conhecimento, referente ao próprio modo de operar da ciência,

como um método geral para análise e solução de problemas particulares que requerem tais

conhecimentos compreendendo a articulação entre os mesmos. Depois, ao utilizar o método

geral, os estudantes resolvem tarefas particulares e contemplam a articulação entre o todo e as

partes e vice-versa. (DAVÝDOV, 1982).

Esse processo possibilita, de acordo com Davýdov (1982), o desenvolvimento do

pensamento teórico. Os pressupostos Teoria Histórico-Cultural, em especial da proposição

davydoviana para o ensino de Matemática suscitaram em mim interesse e necessidade de refletir

sobre a Educação Matemática brasileira e algumas possibilidades de mudanças. A fim de

satisfazer essa necessidade, após dois anos da conclusão da graduação, retornei ao curso de

Pedagogia para participar da nova disciplina de Fundamentos Teóricos e Metodológicos do

ensino da Matemática, na Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), no ano de 2013.

Parte das reflexões realizadas foi com base na concepção davydoviana e nos fundamentos da

Teoria Histórico-Cultural para o processo de ensino e aprendizagem de Matemática.

A disciplina cursada serviu apenas como base introdutória. Para aprofundar esses

estudos, principalmente sobre a obra davydoviana, ingressei no Mestrado em Educação da

UNISUL. Durante a realização das disciplinas no Mestrado, foi possível delimitar o objeto de

pesquisa e refletir sobre o método a ser utilizado.

Para Rosa (2012, p. 25), “constitui tarefa da educação: influenciar, dirigir, isto é,

transformar em princípio a criação das condições e as premissas para a mudança do tipo geral

e dos ritmos do desenvolvimento psíquico das crianças”, perguntamos: Qual é o conhecimento

matemático desenvolvido pelos estudantes do Ensino Fundamental?

17

Nesse sentido, a educação escolar, nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental teve,

conforme mencionamos, a implantação do Pacto Nacional da Alfabetização na Idade Certa, que

estabelece a alfabetização, inclusive Matemática, até o 3º ano escolar. Por isso, optamos por

realizar esta pesquisa com estudantes do 3º ano do Ensino Fundamental, com faixa etária média

de oito anos. A partir desse ano escolar, conforme prevê o pacto, é que há possibilidade de

reprovação dos estudantes, bem como a realização da Avaliação Nacional da Alfabetização

(ANA), aplicada pelo INEP.

Ao ingressar na escola, já nos Anos Iniciais, na concepção de Davýdov (1982), os

estudantes devem aprender aquilo que não lhes é acessível em casa, na rua e nas brincadeiras

entre amigos. O autor em referência aponta que o ensino escolar deve proporcionar às crianças

conceitos genuinamente científicos, desenvolver o pensamento teórico e as capacidades para o

sucessivo domínio, independente do número sempre ascendente de novos conhecimentos

científicos (DAVÝDOV, 1982; DAVÍDOV, 1988).

Com base nestas reflexões, propusemos o seguinte problema de pesquisa: qual a

natureza do conhecimento dos estudantes do 3º ano escolar sobre o conceito de multiplicação?

Assim, delimitamos como objetivo geral investigar o conhecimento matemático dos estudantes

do 3º ano do Ensino Fundamental sobre o conceito de multiplicação.

A fim de alcançar o objetivo proposto, consideramos a relação entre a organização

do ensino de Matemática no 3º ano escolar e os conhecimentos apropriados pelos estudantes

dos conceitos matemáticos. Para investigar o conhecimento matemático de estudantes do 3º ano

do Ensino Fundamental, fundamentamo-nos na Teoria Histórico-Cultural. Para tanto,

estudamos os pressupostos referentes ao conhecimento teórico e empírico e os processos de

ensino e aprendizagem de Matemática.

A relevância social e acadêmica da presente investigação incide na carência

significativa de pesquisas que desvendem a natureza do conhecimento matemático considerada

na organização do ensino proposta por autores da Teoria Histórico-Cultural e aquela

comumente contemplada na educação escolar brasileira. Trata-se de aprofundar as reflexões

sobre o processo de ensino e aprendizagem da Matemática nos Anos Iniciais do Ensino

Fundamental, na especificidade do conhecimento apresentado por estudantes brasileiros do 3º

ano e na proposta de Davýdov e colaboradores (Teoria do Ensino Desenvolvimental), esta,

[...] tornou-se realidade ao ser implantada em escolas de Moscou, quando foram

propostos novos programas para as principais disciplinas de pré-escolas e escolas

primárias, cujos fundamentos estão no livro Problemas do Ensino Desenvolvimental.

Foram desenvolvidos também programas de formação de professores para trabalhar

com esse sistema (LIBÂNEO; FREITAS, 2013, p. 321).

18

Acreditamos, com base em Davýdov (1982) e demais autores da Teoria Histórico-

Cultural, que a escola deve promover o desenvolvimento do conhecimento teórico em

detrimento do conhecimento empírico. Assim, a análise dos dados teve respaldo em reflexões

sobre o conhecimento empírico e teórico no processo de ensino e aprendizagem de Matemática.

Compreendemos, de acordo com a referida teoria, que o encaminhamento teórico-

metodológico para o processo de ensino e aprendizagem da Matemática deve contemplar o

lógico-histórico do conhecimento matemático (ROSA; MORAES; CEDRO, 2010a, 2010b;

SILVEIRA, 2015). Conforme Kopnin (1978, p. 183):

Por histórico subentende-se o processo de mudança do objeto, as etapas de seu

surgimento e desenvolvimento. O histórico atua como objeto de pensamento, o reflexo

do histórico, como conteúdo. O pensamento visa à reprodução do processo histórico

real em toda a sua objetividade, complexidade e contrariedade. O lógico é o meio

através do qual o pensamento realiza esta tarefa, mas é o reflexo do histórico em forma

teórica, vale dizer, é a reprodução da essência do objeto e da história do seu

desenvolvimento no sistema de abstrações (KOPNIN, 1978, p. 183).

Logo, compreender a organização do ensino da Matemática considerando o lógico-

histórico significa considerar o movimento de origem e transformações do conhecimento.

Desse modo, os conceitos são considerados como produto da necessidade vivenciada

historicamente pela humanidade, porém em seu estágio atual de desenvolvimento.

Nesse contexto, cada conceito é compreendido em seu conjunto, da mesma forma

que uma “célula deve ser tomada com todas as suas ramificações através das quais ela se

entrelaça com o tecido comum” (VIGOSTKI, 2000, p. 294). No ensino da Matemática o

conceito de número, por exemplo, sofreu alterações que o transformaram em um sistema

integral. Os números surgiram a partir da necessidade humana de contagem, dando origem aos

números naturais. Depois, a partir da necessidade da medição surgiram os racionais e

irracionais, culminado assim com o sistema dos números reais (ROSA, 2012).

Vale salientar que o conteúdo de uma disciplina não é idêntico à totalidade dos

avanços da ciência correspondente. Mas, de acordo com Davýdov (1982), é obrigação da

educação escolar proporcionar as abstrações e generalizações ao nível inteiramente moderno, o

conhecimento em seu atual estágio de desenvolvimento. Para investigarmos o conhecimento

matemático dos estudantes fundamentamo-nos no método adotado. A seguir apresentaremos

alguns princípios metodológicos advindos do Materialismo Histórico-Dialético.

19

1.1 MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO

Ao falarmos em investigação, referimo-nos essencialmente ao método. Segundo

Kopnin (1978) e Vigostki (1995), compreendemos método como

um meio de obtenção de determinados resultados no conhecimento e na prática, todo

método compreende o conhecimento das leis objetivas. As leis interpretadas

constituem o aspecto objetivo do método, sendo o objetivo formado pelos recursos de

pesquisa e transformação dos fenômenos, recursos esses que surgem com base

naquelas leis. Por si mesmas, as leis objetivas não constituem o método; tornam-se

método os procedimentos que nelas se baseiam e servem para a sucessiva

interpretação e transformação da realidade, para a obtenção de novos resultados.

(KOPNIN, 1978, p. 91).

Para Vigotski (1995), o método de conhecimento é a parte principal de uma

concepção teórica: “O método e a investigação mantêm uma relação estreita” (VIGOTSKI,

1995, p. 47).

Ao definirem o método, os autores supracitados fazem-no por meio do

Materialismo Histórico e Dialético. Assim, a lógica do conhecimento é a lógica dialética. O

homem é compreendido em sua historicidade e materialidade e a busca da ciência é a explicação

da realidade com o intuito de transformá-la.

A Teoria Histórico-Cultural tem sua origem epistemológica no Materialismo

Histórico e Dialético. Assim, como mencionado, as reflexões realizadas na presente pesquisa

são fundamentadas nesse método de investigação. Optamos pela ótica dessa teoria por

acreditarmos que esta se diferencia, significativamente, das demais tanto pela amplitude quanto

pela sua profundidade (ROSA, 2012) e, também, pela referida teoria fundamentar a Proposta

Curricular do Estado de Santa Catarina, qual seja a Teoria Histórico-Cultural.

A dialética materialista e suas categorias têm, de acordo com Kopnin (1978), a

função de método do conhecimento científico. É o método do desenvolvimento “[...] e da

explicitação dos fenômenos culturais partindo da atividade prática objetiva do homem

histórico” (KOSIK, 1995, p. 39).

Para Martins (2008), essa concepção de homem como autor do mundo faz com que

ele se veja como “ser” diferente dos outros animais. O ponto essencial de diferenciação é a

capacidade de transformar a natureza e a si mesmo com e pelo seu trabalho. Nessa ótica, a

sociedade é resultado da luta que ela enfrenta para garantir a sua sobrevivência. Então, se

existem diferentes formações econômicas e sociais é porque também há distintas formas de

sobrevivência, modos diversos de produzir condições necessárias para a vida do homem.

20

Diante disso, o ser social desenvolveu-se e desenvolve-se com o processo das

relações sociais correspondentes à produção material dos homens, “[...] que é o fundamento de

toda a vida social e, em consequência, da verdadeira história [...]” (MARX, 1989, p. 124) e é o

elemento central da ontologia marxiana. Por não restringir-se à dimensão propriamente

filosófica, mas também à prática social, o ser e o pensar são duas dimensões do mesmo existir

humano.

Um estudo sobre a gênese histórica do objeto deve partir do todo, do real que

queremos analisar. Para Marx (1989), no início, o real é uma representação caótica do todo, e

por meio de uma determinação mais exata deste todo chegamos a conceitos mais simples de

representação do concreto, ou, com outras palavras, a abstrações do todo. Quando chegarmos a

esse momento, é hora de voltar, de modo inverso, até atingirmos o concreto pensado (MARX,

1989).

Segundo a lógica dialética, tudo está em movimento, e todas as formas de

movimento são geradas pela simultaneidade de vários elementos contraditórios na totalidade

de certo sistema. De acordo com Kosik (2002),

captar o fenômeno de determinada coisa significa indagar e descrever como a coisa

em si se manifesta naquele fenômeno, e como ao mesmo tempo nele se esconde.

Compreender o fenômeno é atingir a essência. Sem o fenômeno, sem a sua

manifestação e revelação, a essência seria inatingível... O fenômeno não é, portanto,

outra coisa senão aquilo que – diferentemente da essência oculta – se manifesta

imediatamente, primeiro e com maior frequência (KOSIK, 2002, p. 12).

Compreender um fenômeno, portanto, é atingir a sua essência. Esta tem como ponto

de partida sua manifestação externa, que no movimento entre concreto e abstrato, se revela sua

relação interna na atividade de pesquisa.

Ao iniciarmos uma pesquisa, vale refletir sobre a questão levantada por Bicudo

(1993): “[...] a elaboração de pesquisas publicadas nas modalidades de dissertações e de teses

são natimortas, não têm vitalidade, só servem para a obtenção de títulos exigidos para o

preenchimento de quadros institucionais” (BICUDO, 1993, p. 21). Outros estudos apontam na

mesma direção e alertam sobre a necessidade de apropriação do pesquisador que realiza o

estudo. Significa considerar a pesquisa como atividade, de fato, humana.

Moura (2000) explica que para estar em uma pesquisa como atividade em busca de

um fim,

[...] ela precisa ser do sujeito. Isto é, deve provocar no sujeito uma necessidade de

solucionar algum problema. Ou, melhor ainda: ter sua nascente numa necessidade.

21

Esta, por sua vez, só aparece diante de um problema que precisa ser resolvido e cuja

solução exige uma estratégia de ação (MOURA, 2000, p. 34).

Desse modo, estar em atividade de pesquisa significa estarmos voltados a um

objetivo e à satisfação de uma necessidade. Este é um processo dinâmico e que interfere na

condição tanto de pesquisadora quanto de professora, a ponto de, no segundo ano de Mestrado,

termos que nos afastar da docência e nos debruçarmos, com dedicação exclusiva, à pesquisa.

Outro aspecto que merece destaque refere-se à utilização do estudo de caso nas

pesquisas no campo da educação. Para Rigon, Asbahr e Moretti (2010), são comuns pesquisas

que evidenciam o contexto da sala de aula e descrevem o que foi observado nessa investigação,

especificando os fenômenos.

Nas pesquisas do Gepape4, o estudo de caso é utilizado, mas há uma outra

compreensão acerca do conhecimento produzido a partir da investigação de uma

realidade singular. Embora com singularidades de um estudo de caso, entendemos que

a pesquisa deve permitir a legitimação do singular como instância de produção de

conhecimento científico (RIGON; ASBAHR; MORETTI, 2010, p. 43).

Uma vez que:

O valor do singular está estreitamente relacionado a uma nova compreensão acerca

do teórico, no sentido de que a legitimação da informação proveniente do caso

singular se dá através do modelo teórico que o pesquisador vai desenvolvendo no

curso da pesquisa (GONZÁLEZ REY, 2005).

Assim, optamos pelo estudo de caso para a presente pesquisa, ao refletirmos sobre

o objetivo que almejamos. Além disso, em coerência com os princípios teóricos que

fundamentam a presente pesquisa, determinamos como meta não nos atentarmos somente para

a aparência dos fatos. Mas, sim, a uma análise que tenha como foco revelar a essência da

totalidade do objeto de estudo.

Para Caraça (2002, p. 105), “se tudo depende de tudo, como fixar a nossa atenção

num objeto particular de estudo? Temos que estudar tudo ao mesmo tempo?” O próprio autor

sugere solução para esta questão ao estabelecer um recorte deste todo, que ele denominou de

isolado: “um conjunto de seres e fatos abstraindo de todos os outros que com ele estão

relacionados” (CARAÇA, 2002, p. 105). Esse conjunto denominado pelo referido autor de

isolado, é uma seção, um recorte da realidade, na busca por compreender o fenômeno e na

4 Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Atividade Pedagógica (FEUSP).

22

impossibilidade de se estudar tudo ao mesmo tempo. O isolado pode ser constituído de isolados

mais amplos, que servirão para a análise de fenômenos mais complexos.

Nesse sentido, em uma sala de aula há diversas possibilidades de objeto de estudo,

há vários isolados, inclusive para uma pesquisa que tenha como foco uma única disciplina, que

no nosso caso é a Matemática. Na impossibilidade de se estudar tudo ao mesmo tempo, optamos

por delimitar como nosso isolado desta pesquisa: a natureza do conhecimento dos estudantes

do 3º ano do Ensino Fundamental sobre o conceito de multiplicação. Ao considerar nosso

objeto de estudo, o conhecimento matemático dos estudantes, o isolado serve como base para

a análise, na sua interdependência com outros isolados e considerando-o dentro de uma

totalidade, no caso em estudo o processo de ensino e aprendizagem da Matemática.

1.2 DA APREENSÃO DOS DADOS AO CONCRETO PENSADO: O CONTEXTO DA

PESQUISA

Anteriormente abordamos os fundamentos do método em seu caráter geral. Neste

item, apresentaremos, primeiramente, alguns princípios metodológicos específicos para a

presente pesquisa. Reafirmamos que a base epistemológica é o Materialismo Histórico e

Dialético. Esta é a base que orienta as reflexões apresentadas na presente dissertação, desde a

delimitação do objeto de estudo, as etapas de coleta de dados até a análise dos mesmos. Não

pretendemos aqui esgotar as questões advindas deste método, por compreender que não

conseguiríamos alcançar tal objetivo em virtude de sua complexidade e do tempo que

possuímos para concluir o Mestrado. Desse modo, abordaremos aqui os elementos centrais que

orientam a investigação.

Em seguida, apresentaremos os procedimentos metodológicos adotados na

pesquisa de campo, ou seja, como apreendemos os dados da realidade pesquisada. Em um

terceiro momento, relatamos os procedimentos de análise que indicam o movimento de análise

dos dados coletados para que compreendêssemos o objeto de estudo.

De acordo com Prestes, Tunes e Nascimento (2013, p. 55), o desafio de Vygotski

“era criar uma nova abordagem dos processos psicológicos estritamente humanos e pôr a

psicologia em bases materialistas”. Nesta concepção, Vigotski adota uma lógica de

conhecimento: a lógica dialética. Como decorrência desta, vale reafirmar que o homem é

compreendido em sua historicidade e materialidade e a ciência é a busca de explicação e

transformação da realidade.

23

Entretanto, segundo Davidov e Zinchenko (1999, p. 157), Vygotski não

considerava “a filosofia marxista [...] um dogma ou uma teoria em que poderiam ser

encontradas respostas a todas as questões específicas da psicologia”. Inclusive, “o autor critica

aqueles que fazem colagens das citações de Marx para explicar problemas que são próprios da

Psicologia” (ASBAHR, 2011, p. 102).

Desse modo, Vygotsky (1988) sustenta que o elemento essencial para a

compreensão das funções psicológicas superiores é a abordagem dialética. Para tanto, qual seria

o princípio fundamental da abordagem dialética? Para o autor, trata-se de estudar o objeto de

pesquisa historicamente e em movimento, como destaca na seguinte afirmação:

Quando uma investigação inclui o processo de desenvolvimento de algum fenômeno

em todas as suas fases e mudanças, desde o momento em que surge, até o momento

em que desaparece, isto implica manifestar sua natureza, conhecer a sua essência, uma

vez que apenas em movimento demonstra o corpo que existe (VIGOTSKI, 1995, p.

67-68, tradução nossa).

Vygotski formula, conforme Shuare (2010)5, “uma concepção metodológica” a

partir do método Materialista Histórico e Dialético. Esta concepção está baseada em duas

proposições centrais: alguns princípios metodológicos indispensáveis à investigação dos

fenômenos psicológicos humanos e o método de análise por unidades (VYGOTSKY, 1988). O

autor aponta três princípios de investigação que nortearam a análise na presente pesquisa:

análise de processos e não de objetos; explicação e não apenas descrição; estudo do problema

do comportamento fossilizado.

A realização desses três princípios ocorre, em Vygotsky (1988), no contexto das

unidades de análises. O autor compreende as unidades como forma de analisar o todo do objeto

de estudo, do isolado, negando outras abordagens que o decompõem a partir dos elementos de

que este é constituído. Esta investigação compreende a singularidade do objeto de estudo e

procura apreender em sua plenitude, ao considerá-lo a partir de unidades que constituem o todo.

No entanto, o que é uma unidade de análise? Como podemos revelar, em nosso

objeto de estudo, a unidade central para que possamos compreendê-lo? Vigotski (2000) define:

Um produto de análise que, diferente dos elementos, possui todas as propriedades que

são inerentes ao todo e, concomitantemente, são partes vivas e indecomponíveis dessa

unidade. A chave para explicar certas propriedades da água não é a sua fórmula

química, mas o estudo das moléculas e do movimento molecular. De igual maneira, a

célula viva, que conserva todas as propriedades fundamentais da vida, próprias do

5 “Expressão utilizada por Martha Shuare em palestra proferida no Instituto de Psicologia da Universidade de

São Paulo em dezembro de 2010” (ASBAHR, 2011, p. 103).

24

organismo vivo, é a verdadeira unidade de análise biológica (VIGOTSKI, 2000, p.

08).

Ainda, sobre as unidades de análise Vigotski (2000) explicita:

Procuramos substituir a análise que aplica o método de decomposição em elementos

pela análise que desmembra a unidade complexa do pensamento discursivo em

unidades várias, entendidas estas como produtos da análise que, à diferença dos

elementos, não são momentos primários constituintes em relação ao todo o fenômeno

estudado, mas apenas a alguns dos seus elementos e propriedades concretas, os quais,

também diferentemente dos elementos, não perdem as propriedades inerentes à

totalidade e são suscetíveis de explicação, mas contêm, em sua forma primária e

simples, aquelas propriedades do todo em função das quais se empreende a análise

(VIGOSTKI, 2000, p. 397-398).

Assim como Marx, Vygotsky (1988) concebe o conhecimento do fenômeno na sua

totalidade e não como soma de elementos que o constituem. Para expor nosso objeto de estudo

a partir desta concepção, adotamos a ideia de episódios proposta por Moura (1992; 2004) na

tentativa de criar uma metodologia para investigar as interdependências em isolados.

Os episódios poderão ser frases escritas ou faladas, gestos e ações que constituem

cenas [...]. Assim, os episódios não são definidos a partir de um conjunto de ações

lineares. Pode ser que uma afirmação de um participante de uma atividade não tenha

um impacto imediato [...] o pesquisador, tal como o produtor de cinema, é que faz a

leitura dessas várias ações, que parecem isoladas, à procura das interdependências

[...]. (MOURA, 2004, p. 276).

Dessa forma, os episódios direcionaram-nos para uma necessidade teórico-

metodológica das pesquisas científicas: analisar o processo de desenvolvimento do objeto de

estudo.

A análise por unidades e episódios tem sido adotada por alguns pesquisadores

brasileiros como Moretti (2007), Moraes (2008), Cedro (2008), Ribeiro (2011), Furlanetto

(2013), Panossian (2014), Silva; Cedro (2015), entre outros. Quanto à presente investigação,

pretendemos, com os episódios, reconhecer a essência do conhecimento matemático dos

estudantes sobre o conceito de multiplicação.

No entender de Asbahr (2011), para a apropriação da essência do real, do concreto,

são necessárias mediações de “um tipo especial”, pois este processo não se dá imediatamente

aos órgãos dos sentidos. Essas mediações especiais que Marx (1989) chama de abstrações, em

Vygotsky (1988), para a referida autora, são denominadas de unidades de análise.

Rigon et al. (2010), fundamentadas em Kosik (2002), escrevem sobre os princípios

que orientam a compreensão do fenômeno em sua totalidade:

25

[...] compreender um fenômeno dialeticamente é atingir a sua essência, e esta não se

manifesta diretamente, é necessária a atividade do pensamento para alcançarmos a

concretude do real, a totalidade. A aparência do fenômeno é uma das dimensões da

realidade, mas na ‘atmosfera comum da vida humana’, essa aparência, adquire

independência, constitui o mundo da pseudoconcreticidade: ‘no mundo da

pseudoconcreticidade, o aspecto fenomênico da coisa, em que a coisa se manifesta e

se esconde, é considerado como a essência mesma, a diferença entre o fenômeno e a

essência desaparece’. (RIGON et al., 2010, p. 37).

Com isso, entendemos que a apropriação do concreto pelo pensamento se dá por

meio das unidades de análise ou abstrações. Contudo, não basta a definição das unidades de

análise. Para Vygotski (1999) é necessário realizar o caminho inverso, ou seja, o estudo da

essência de determinado fenômeno por meio da análise de sua forma mais desenvolvida.

Este é o movimento que percorremos: a ascensão do abstrato ao concreto. De acordo

com Marx (1989, p. 248), o concreto é a “síntese de múltiplas determinações, logo, unidade da

diversidade”. No momento de partida,

[...] no estágio da percepção sensorial da realidade, o conhecimento recebe os dados,

sem esse material não se pode avançar nenhum passo. No estágio do pensar abstrato,

se busca o que constitui a base, a unidade da diversidade. No estágio da reprodução

mental do concreto, o círculo em certo modo se encerra no ponto de partida, porém

sobre uma nova base: a diversidade se nos apresenta já não como um conjunto caótico

de aspectos e relações, mas como unidade ‘organizada’, subordinada a determinadas

leis. O concreto, mentalmente reproduzido aparece já, não em forma de soma de

diversos dados, observações, fatos, proposições separadas, etc., mas como saber sobre

fenômenos iluminados por uma única ideia (ILIENKOV, 2006, p. 160, grifo do autor).

Nessa perspectiva, conforme Davýdov (1982, p. 331), inicialmente, o real

concreto “surge para o homem como o sensorialmente dado. Em suas formas especiais de

contemplação e representação, a atividade sensória é capaz de perceber a integridade do objeto

e a existência nele das conexões que conduzem para a generalidade”. Assim, o concreto ponto

de partida e ponto de chegada tem significados diferentes, embora o ponto de chegada seja o

ponto de partida (conhecimento dos alunos), porém em âmbito teórico. Esse movimento é

mediado pela abstração, constituída, na presente pesquisa, pela unidade de análise.

1.2.1 O campo de pesquisa: a singularidade pesquisada

O ponto de partida da investigação foi a observação de uma singularidade. Portanto,

a fim de situar o leitor quanto ao contexto investigativo, apresentaremos a escola em que foi

realizada a coleta de dados.

26

A opção pela escola pesquisada foi motivada pela proximidade geográfica e de

formação, como estudante da educação básica e, posteriormente, enquanto estagiária do curso

de Pedagogia. É uma escola da rede estadual de Santa Catarina, localizada no município de

Tubarão, sul do Estado.

No ano de 2014, mais de setenta pessoas trabalhavam na escola, entre

administradores, professores e zeladores. A escola conta com dezoito salas de aula, dez salas

de ambientes (biblioteca, sala de vídeo...) e três quadras para a realização de esportes. É

considerada referência entre as escolas públicas da região quanto à sua infraestrutura e trabalhos

realizados.6 As aulas acontecem nos três períodos e a escola atende estudantes do Ensino

Fundamental ao Médio, com aproximadamente 1,1 mil alunos matriculados no ano de 2014. É

a segunda maior escola estadual do município em número de matrícula.

O bairro onde a escola está localizada é residencial, constituído, em grande parte,

por casas, com poucos edifícios. Embora residencial, existem algumas fábricas com um número

significativo de funcionários, muitos deles pais de estudantes matriculados na escola. Não há

parques, praças ou outros locais de convívio social e lazer, somente associações da iniciativa

privada.

A turma escolhida para participar desta pesquisa foi o 3º ano do Ensino

Fundamental I matutino. Como já mencionado, optamos por esta turma em função do atual

plano de governo “Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa” (BRASIL, 2012b)

enfatizar o 3º ano do Ensino Fundamental como uma importante etapa do processo de

alfabetização dos estudantes. Essa opção foi concretizada graças à disponibilidade da

professora Lúcia7 em abrir as portas da sua sala de aula para a realização da pesquisa, apesar da

nossa longa permanência naquele local.

A professora Lúcia tem vinte e dois anos de magistério e é contratada pelo governo

estadual como ACT. Faltam apenas dois anos para se aposentar. Sempre trabalhou com turmas

de 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental. Ela está na escola há três anos consecutivos, mas já

havia trabalhado lá em outros anos. Durante a nossa permanência em sala, ela procurava auxiliar

no que fosse necessário para o bom andamento da pesquisa, sobretudo em relação a horários

para a realização das avaliações, para que pudéssemos conversar com os estudantes após as

mesmas.

Os estudantes da turma, com idade entre oito a dez anos, foram receptivos e se

referiam a nós como “a estagiária das aulas de Matemática”, pois, para eles, uma pessoa “de

6 Segundo reportagem de jornal local (Jornal Notisul, 23/05/2014). 7 A fim de proteger a identidade da professora e dos estudantes os nomes serão fictícios.

27

fora” que ia assistir às aulas era porque “estava aprendendo a ser professora”. Aos poucos, após

muitos questionamentos sobre a pesquisa, compreenderam o motivo da nossa presença em sua

sala de aula e passaram a colaborar de modo mais significativo. Procuravam explicar em

detalhes o seu raciocínio. Dos vinte e um estudantes, três deles estavam, ainda, em fase de

alfabetização e dois deles haviam repetido o ano.

Aproximadamente8 cinco estudantes participavam do Programa Estadual de Novas

Oportunidades de Aprendizagem (PENOA), que tem por objetivo apoiar estudantes que

apresentam dificuldades de aprendizagem. Os encontros ocorriam no contraturno das aulas

regulares.

A maioria dos estudantes era assídua, realizava diariamente os exercícios

intitulados de “Para Casa”, muitos deles sem a ajuda de adultos. Quando questionados se

estudavam em casa para as avaliações, eles afirmavam que estudavam pouco, com a

justificativa de que já sabiam o conteúdo.

A professora Lúcia não adotava um livro didático de Matemática. Assim, os

exercícios eram realizados no caderno, a maioria copiada do quadro e algumas fotocópias,

especialmente quando o tema da aula era novo, como, por exemplo, quando iniciou o conceito

de multiplicação, a apresentação de gráficos como fonte de informações, entre outros temas.

Para elaborar seus exercícios tinha como base diversos livros didáticos, aos quais não nos foi

possibilitado acesso.

1.2.2 Procedimentos metodológicos utilizados durante a pesquisa de campo

Uma pesquisa requer um longo processo desde a formulação do problema, a coleta

de dados, leituras e reflexões inerentes ao processo de análise. Algumas ações são

desenvolvidas conforme planejamos inicialmente, mas há momentos em que somos

surpreendidos por imprevistos provocados pelo contexto de coleta de dados que nos fazem

repensar desde o foco da pesquisa às ações a serem realizadas.

Além disso, como lembra Duarte (2002, p. 86), realizar uma pesquisa é, de alguma

forma, “um relato de longa viagem empreendida por um sujeito cujo olhar vasculha lugares

muitas vezes já visitados”. As palavras do autor colaboram neste momento de reflexão sobre os

procedimentos utilizados durante a ida a campo, pois esta “viagem” foi a um lugar por nós

muito visitado: a sala de aula, porém vista com um novo olhar, o olhar de pesquisadora, de

8 Apesar da longa permanência em sala, utilizamos uma estimativa de estudantes que participavam do programa,

pois não havia uma regularidade de presença dos estudantes e não acompanhamos esses momentos.

28

quem está ali para conhecer e apropriar-se de uma realidade vivida por outras pessoas, com

suas histórias e singularidades.

Duarte (2002, p. 140) afirma ainda que a pesquisa tem sempre “um modo diferente

de olhar e pensar determinada realidade a partir de uma experiência e de uma apropriação do

conhecimento que são, aí sim, bastante pessoais”. Nessa direção, constituir-se como

pesquisadora significa uma tentativa de compreender a realidade investigada, na especificidade

da pesquisa ora relatada, a partir do que vivenciamos em sala de aula e, também, das leituras

realizadas. Estas constituíram um alicerce profícuo para que pudéssemos esboçar algumas

reflexões com vistas à elaboração de um projeto de transformação desta realidade.

Ao pesquisarmos, em uma abordagem dialética, entendemos que o objeto de estudo

não é algo pronto e acabado que está à espera do pesquisador para que este “colete dados e

analise-os”. Quando entramos em contato com a escola, contexto do estudo, pretendíamos

pesquisar como as crianças pensam a Matemática e como a organização do ensino desta

disciplina influencia na operacionalização dos conceitos por parte dos estudantes.

Os primeiros dias de observação em sala foram essenciais para que pudéssemos

conquistar a confiança e abertura dos estudantes e desenvolvêssemos uma postura investigativa,

diferente da docência, até então desempenhada. Procurávamos observar tudo o que ocorria,

interpretar as falas daqueles estudantes que foram receptivos e, até mesmo, os olhares daqueles

que estranharam a nossa presença. Estes, acostumados com a presença das estagiárias em sala,

nos perguntavam quando iríamos “dar aula”.

Apesar de estarmos com o projeto de pesquisa bem delimitado, o contexto da

pesquisa nos trouxe inúmeras possibilidades de investigação. A organização do ensino nos

provocou muitos questionamentos sobre os rumos da pesquisa para que os objetivos fossem

alcançados. Neste momento, muitas idas e vindas foram necessárias. As conversas com a

orientadora e com o grupo de orientandas9 foram essenciais para que não perdêssemos de vista

o foco da pesquisa.

Ao focarmos no conhecimento matemático dos estudantes, consideramos, com base

em Davýdov (1982), que este é composto por abstrações, generalizações e conceitos. Assim,

investigamos o conhecimento matemático dos estudantes no contexto em que este é

predominantemente formado no processo de ensino e aprendizagem da Matemática a partir do

conceito de multiplicação. Embora o foco incida no conceito de multiplicação, na primeira

etapa de apreensão dos dados registramos todas as ações, tarefas, exercícios, jogos e outros

9 Bia, Gi e Sandra.

29

aspectos ocorridos durante o semestre, referentes aos diferentes conceitos abordados. Para a

coleta de dados utilizamos o registro escrito (diário de campo), fotográfico e, em momentos em

que se fez necessária, a gravação de áudio e vídeo.

Ainda durante a elaboração do projeto de pesquisa, alguns questionamentos nos

faziam pensar sobre esta etapa de apreensão dos dados: como compreender o conhecimento

matemático dos estudantes? Como captar os dados que não estão prontos à espera do

pesquisador?

Quando nos propusemos a pesquisar o conhecimento matemático dos estudantes,

outro aspecto também nos intrigava: o pensamento. O que as crianças de oito ou nove pensam

sobre a Matemática? E, junto a isso, quais conceitos elas elaboram a partir das aulas realizadas

por sua professora? Vale esclarecer que não é nossa pretensão criar uma “solução mágica” que

acabe com os problemas inerentes ao processo de ensino e aprendizagem de Matemática no

país. Mas apontar indícios que nos façam refletir sobre possibilidades de superação.

Na busca por encontrarmos respostas para as perguntas anteriores, durante o

período de coleta de dados nos deparamos com um registro escrito considerado como

fundamental no sistema de ensino adotado no Brasil: a avaliação/prova. Este momento

constituiu-se na segunda etapa de coleta de dados. Registramos, por meio de fotocópias, as

avaliações propostas pela professora regente com as respostas desenvolvidas pelos estudantes

e os rascunhos utilizados por eles durante a resolução. De acordo com Moraes (2008),

[...] a atividade humana é intencional e consciente, seja na consciência em si ou na

consciência para si, significa que ambas são determinadas histórica e socialmente. Na

relação entre a intenção e objetivação, sempre estará presente a avaliação com o

objetivo de verificar se os caminhos escolhidos levam à objetivação desejada ou

necessária (MORAES, 2008, p. 23).

Não pretendemos aprofundar tal discussão, todavia cabe salientar que nossa

compreensão de avaliação está fundamentada na perspectiva da referida autora. Nesse sentido,

Moraes (2008) afirma que:

A avaliação escolar tem como questão de fundo o ideal de homem que deseja

formar, qual o papel da escola na formação dos indivíduos. Desse modo, as

práticas avaliativas da aprendizagem escolar não podem ser compreendidas por si

mesmas, mas estão inseridas num contexto maior (MORAES, 2008, p. 26, grifos da

autora).

Assim, a avaliação tem seu papel no processo de ensino e aprendizagem. No âmbito

desta investigação ela será vista, também, como uma manifestação do pensamento, já que na

30

avaliação o estudante encontra-se sozinho com seus próprios pensamentos. Com isso, alguns

conhecimentos referentes aos conceitos matemáticos, estarão ali materializados e foram

considerados como fonte documental.

Para Vygotski (2001, p. 313):

[...] a linguagem escrita requer para o seu transcurso pelo menos um alto grau de

abstração. Trata-se de uma linguagem sem o seu aspecto musical, entonacional,

expresso, em suma, sonoro. É uma linguagem do pensamento, de representação, mas

uma linguagem desprovida do traço mais substancial da fala – o som material.

Conforme Vygotski (2001), a escrita é a expressão do pensamento, porém ela

necessita de um grau de abstração alto para que a criança consiga expressar aquilo que pensou.

Por isso, a terceira etapa da coleta de dados foi uma conversa com cada estudante, após a

realização das provas, para compreendermos, minuciosamente, o conhecimento adotado.

Ao pesquisar em uma abordagem dialética, entendemos que as etapas descritas não

necessitam de uma lógica linear. Durante a pesquisa, idas e vindas foram necessárias, pois o

movimento de investigação é um processo dinâmico que envolve dados em interação constante.

Assim, pois, trata-se de investigar a especificidade do conhecimento de cada

estudante, porém, não isoladamente, mas no seu contexto de origem e inter-relações: o processo

de ensino e aprendizagem. Não é nossa pretensão “enquadrar” cada um deles em padrões

socialmente estabelecidos. Os dados coletados são considerados “apenas” para fomentar as

reflexões científicas, sem julgamentos do professor ou dos estudantes.

1.2.3 Procedimentos de organização e análise dos dados

Ao finalizar a etapa de apreensão dos dados, deparamos-nos com uma grande

quantidade de registros que nos inquietaram quanto ao modo de organizá-los: como superar a

descrição dos dados? Como explicar aquilo que detectamos em sala de aula sobre o objeto de

investigação? Que contribuições a pesquisa terá efetivamente para os estudos sobre a Teoria

Histórico-Cultural? Quais reflexões serão produzidas por esta investigação?

Tínhamos grande quantidade de registros escritos e fotográficos, entretanto a maior

parte dos dados estava em arquivos de áudio e vídeo. Portanto, nossa primeira ação foi

descrever os dados para que pudéssemos ter ideia de tudo que havíamos coletado a partir da

pesquisa de campo.

Em um segundo momento, sentimos necessidade de organizá-los por conceitos, já

que durante o semestre registramos momentos de exercícios sobre sistema de numeração,

31

sistema monetário, multiplicação, divisão, entre outros, na sequência em que ocorriam. Esta

etapa foi importante para reunirmos cenas que estavam distantes, se considerarmos a linha

cronológica dos registros durante a coleta, mas, ao mesmo tempo, próximas em relação à sua

natureza. Eis o movimento de constituição da unidade de análise e episódios.

A descrição, construída a partir dos dados que constituem a essência do fenômeno

investigado, consistiu apenas em uma etapa da organização dos dados. Mas, em concernência

com o método, precisávamos superá-la por meio da explicação. Neste momento, surgiram

alguns questionamentos vivenciados, também, por outros pesquisadores, tais como: “Quais são

as abstrações necessárias para que se ascenda do concreto caótico para o concreto pensado? [...]

Que unidade de análise é essa que não se deixa decompor e contém as propriedades do processo

[...]” como um todo? (ASBAHR, 2011, p. 117). Em outras palavras, na especificidade deste

estudo, que unidade de análise é essa que possui todas as propriedades da natureza do

conhecimento matemático dos estudantes pesquisados e que nos permite compreendê-lo? Para

Davídov (1988), essa abstração deve abranger a conexão historicamente simples, contraditória

e essencial do concreto.

Ao considerarmos o isolado, a natureza do conhecimento dos estudantes do 3º ano

do Ensino Fundamental, não podemos decompor a relação entre a lógica adotada e o processo

de ensino e aprendizagem do conceito de multiplicação. Por isso, a elegemos como unidade

de análise, como um isolado no interior de um isolado mais amplo, que é a natureza do

conhecimento dos estudantes. Recorremos aos conceitos de isolado e unidade de análise para

explicar a realidade investigada em um contexto específico, mas determinada pela totalidade

de relações que a constitui. A determinação da unidade de análise deve-se ao fato de que,

segundo Rigon et al. (2010, p. 65):

A relação entre o processo de apropriação da cultura e o desenvolvimento humano

objetiva-se por meio da aprendizagem em geral, ou ainda nas relações sistematizadas

pelo processo educacional, que tem a função de criar condições para que os estudantes

apropriem-se dos conhecimentos científicos e teóricos elaborados ao longo da história

das ciências.

Assim, a determinação da unidade de análise e isolados constitui-se em um primeiro

passo para a análise da realidade investigada e possibilita-nos refletir sobre o modo de

organização do processo de ensino e aprendizagem de Matemática, com ênfase no conceito de

multiplicação, de modo a compreender como ocorre a apropriação do conhecimento destes

estudantes, quais abstrações e generalizações são realizadas, que tipo de pensamento é

desenvolvido, uma vez que, como afirmam Rosa, Moraes e Cedro (2010a, p. 67), “o tipo de

32

pensamento que a organização do ensino permite ao estudante desenvolver é um dos fatores

reveladores de como o conhecimento é apropriado dentro do ambiente escolar”.

Além da unidade de análise central/isolado, foram necessárias abstrações

auxiliares para a compreensão do objeto de estudo. Vygotski (1999) aponta a necessidade de

abstrações auxiliares na construção de sua Psicologia e enfatiza que o próprio Marx utilizou

categorias mais simples para a compreensão de O Capital. Quais seriam os conceitos, as

abstrações necessárias para explicar a natureza do conhecimento matemático dos estudantes?

Na concepção de Longarezi e Franco (2013), o desenvolvimento do pensamento é

resultado da atividade social humana e da apropriação da cultura. Assim, a lógica adotada no

processo de ensino e aprendizagem de Matemática resulta/influencia, fundamentalmente, no

tipo de generalização e abstração produzido pelos estudantes. Portanto, estas são nossas

abstrações auxiliares e se encontram em movimento constante com a unidade de

análise/isolado, como mostra a figura a seguir:

Ilustração 1 - Interdependência entre unidade de análise/isolado e abstrações auxiliares

Fonte: Elaborado pela autora, 2015.

Após a delimitação dos unidade de análise/isolado e abstrações auxiliares, foi

necessário voltar aos dados coletados com um novo olhar, no qual o objetivo consistiu em

buscar interconexões entre cenas registradas durante o período de permanência em campo.

Logo, neste contexto, iniciamos a constituição dos episódios, conceito abordado anteriormente.

33

Os episódios constituem-se como a estruturação e explicitação dos isolados e unidade de análise

delimitada (SILVA; CEDRO, 2015).

No primeiro episódio, tínhamos como objetivo analisar o movimento de formação

do conceito de multiplicação. O registro deste movimento foi possibilitado pela utilização de

um diário de campo. De acordo com Fiorentini e Lorenzato (2006, p. 118-119), “é nele que o

pesquisador registra observações de fenômenos, faz descrições de pessoas e cenários, descreve

episódios ou retrata diálogos”. Desse modo, para compor o primeiro episódio, o diário de campo

foi o instrumento utilizado para selecionar cenas reveladoras do fenômeno investigado.

O segundo episódio tinha por finalidade investigar as sínteses elaboradas pelos

estudantes sobre o conceito de multiplicação. Os instrumentos utilizados para a constituição das

cenas deste episódio foram as cópias das avaliações realizadas pelos estudantes e as conversas

que tivemos com os mesmos para compreender o modo de resolução dos exercícios.

A seguir, apresentamos um quadro de organização dos episódios e cenas:

Quadro 1 - Organização dos episódios e cenas

Unidade de análise

Episódios

Cenas

Episódio 1 – O

movimento de formação

do conhecimento

referente ao conceito de

multiplicação.

Cena 1 – A imagem dada

diretamente aos órgãos do

sentido: o ponto de

partida.

Cena 2 – A síntese: uma

abstração a partir dos

traços substanciais.

Cena 3 – A tabuada: um

modo de generalização.

34

A relação entre a lógica

adotada e o processo de

ensino e aprendizagem do

conceito de multiplicação.

Episódio 2 – Um diálogo

sobre o conceito de

multiplicação.

Cena 1 – A ideia de

multiplicação como soma

de parcelas iguais

Cena 2 – Limites de uma

generalização realizada a

partir de uma abstração

singular.

Cena 3 – Os meios

utilizados para a

realização do cálculo.

Fonte: Elaborado pela autora, 2015.

No presente capítulo apresentamos o objeto, o contexto de pesquisa e o método

adotado. No capítulo a seguir, os fundamentos do Materialismo Dialético apresentados, serão

explicitados a partir do relato das reflexões produzidas sobre o concreto caótico (dados

coletados na pesquisa de campo), mediadas pelo abstrato (unidade de análise/isolado e

abstrações auxiliares) que possibilitaram ascender ao concreto pensado.

35

2 ANÁLISE DO VIVIDO: O QUE OS ESTUDANTES TÊM A DIZER SOBRE O

CONCEITO DE MULTIPLICAÇÃO?

As palavras e os conceitos são vivos, escapam escorregadios como

peixes entre as mãos do pensamento. E como peixes

movem-se ao longo do rio da História. Há quem pense que

pode pescar e congelar conceitos. Essa pessoa será quando

muito um colecionador de ideias mortas (MIA COUTO, em

Pensatempos).

Apresentaremos, neste capítulo, os dados de pesquisa organizados com base na

unidade de análise/isolado: a relação entre a lógica adotada e o processo de ensino e

aprendizagem do conceito de multiplicação e nas abstrações auxiliares referentes ao tipo de

generalização e abstração desenvolvidas pelos estudantes.

Vigotski (2000) diz que nem todo o processo de escolarização implica no

desenvolvimento psíquico do sujeito. Por isso, a delimitação dos isolados e unidade de análise,

pois estes possibilitam refletir e explicar, para além da aparência, o modo de organização do

processo de ensino e aprendizagem de Matemática.

O movimento que se faz neste capítulo busca reconstruir a realidade investigada, a

partir de um olhar sob a perspectiva da Teoria Histórico-Cultural, em um exercício de ascender

à sua concretude.

Na presente investigação, o questionamento que fundamenta a análise vai ao

encontro daqueles vivenciados por Davýdov, qual seja: como ocorre o movimento de

apropriação do conhecimento pelos estudantes? Para possibilitar as reflexões sobre a questão

norteadora, apresentamos, a seguir, os episódios que constituem o objeto de estudo.

2.1 EPISÓDIO 1: O MOVIMENTO DE FORMAÇÃO DO CONHECIMENTO REFERENTE

AO CONCEITO DE MULTIPLICAÇÃO

A questão norteadora do processo de análise do presente episódio consiste em: qual

a natureza das generalizações e abstrações produzidas pelos estudantes, a partir das aulas de

Matemática, referentes ao conceito de multiplicação? Para tanto, apresentamos três cenas que

se constituíram em momentos vivenciados em sala de aula, em que os estudantes são colocados

diante de situações que nos possibilitam a reflexão sobre a formação do conhecimento

36

relacionado à multiplicação. Iniciamos com a primeira, na qual as representações objetais

através das imagens aparecem como ponto de partida para a aprendizagem do conceito de

multiplicação.

Cena 1 – A imagem dada diretamente aos órgãos do sentido: o ponto de partida

Ilustração 2 - Exercício proposto pela professora e resolvido por Maria

Fonte: Acervo da autora, 2014.

O exercício (Ilustração 2) consiste na identificação do número total de flores nos

vasos. Quantas são as flores em cada vaso? Quantos são os vasos? No total, são quantas flores?

Trata-se da observação, na situação dada, das características comuns: a síntese a ser elaborada

é que, quando houver dois (2) agrupamentos compostos por três (3) unidades cada, o total será

seis (6). Como 3 + 3 = 6, então 2 x 3 = 6. Por procedimento análogo resolve-se a segunda

situação (DIÁRIO DE CAMPO, 2014).

Segundo Davýdov (1982), a generalização, no ensino tradicional, consiste na

descrição das características comuns, substanciais, que um objeto apresenta em meio a outros

objetos semelhantes. O processo ocorre com base na comparação das características singulares,

que são próprias de um objeto dado; as gerais são comuns a vários objetos (ROSENTAL, 1962).

Essa descrição leva os estudantes, por meio da percepção imediata das características externas,

atingirem a essência do objeto para a lógica formal.

Nesta perspectiva de formação do conhecimento, as características dos objetos ou

fenômenos são classificadas em dois grupos: o primeiro, das características essenciais e o

37

segundo constitui-se pelas acidentais, insubstanciais (LEFEBVRE, 1991). Assim, os vasos de

flores podem ser substituídos por árvores, balas, animais ou qualquer outro objeto, portanto,

fazem parte do grupo de atributos insubstanciais, acidentais. Isto porque, de acordo com

Davídov (1988) a separação de certa qualidade essencial, como comum, inclui sua separação

de outras qualidades.

No processo de ensino, a palavra do professor organiza a observação dos alunos,

precisando o objeto da observação, orienta a análise para diferenciar os aspectos

essenciais dos fenômenos daqueles que não são e, finalmente, a palavra-termo, sendo

associada aos traços distinguidos, comuns para toda uma série de fenômenos, se

converte em seu conceito generalizador (DAVÍDOV, 1988, p. 102-103).

No exercício em análise, o foco da observação não é a cor ou tamanho das flores e

vasos, pois estas são propriedades insubstanciais. Todavia, a quantidade que compõe cada

agrupamento é invariável, essencial. Pinto (1969, p. 177) afirma que “a lógica formal está

perfeitamente habilitada a dar conta dessa missão elementar” de identificar as características

externas dos objetos, próprias do pensamento empírico. No entanto, quando se trata de revelar

as relações internas, a lógica formal é insuficiente (BERNARDES, 2011). Além disso, no

exercício apresentado na ilustração 3, o professor propõe uma nova situação com características

substanciais e insubstanciais semelhantes àquele apresentado anteriormente (Ilustração 3):

Ilustração 3 - Adição de quantidades iguais

Fonte: Acervo da autora, 2014.

O exercício (Ilustração 3) consiste na mesma proposta apresentada no anterior.

Aqui se enfatiza a necessidade de comparação entre soma de parcelas iguais e sua relação com

a multiplicação (DIÁRIO DE CAMPO, 2014). Eis a objetivação do “princípio do caráter

38

visual” (direto ou intuitivo) no ensino, isto porque atende ao reflexo sensorial das características

externas dos objetos.

Segundo Davídov (1987, p. 148, tradução nossa), esse princípio “é externamente

simples, até banal, se, de fato, a prática de sua aplicação não fosse tão séria (e, para o

desenvolvimento mental, tão trágica), como é na realidade”. Para o referido autor, este princípio

desenvolve, exclusivamente, a formação, nas crianças, do pensamento empírico:

Como material de partida para todos os níveis de generalização servem os objetos e

fenômenos singulares, sensorialmente perceptíveis, do mundo que nos rodeia. No

processo docente, se ensina às crianças a maneira de observar consequentemente essa

diversidade sensorial concreta de objetos e fenômenos, assim como também a explicar

de forma oral os resultados das observações. De modo gradual as crianças adquirem

a faculdade, por uma parte, de efetuar a descrição oral dos objetos sobre a base de

impressões anteriores, apoiando-se nas representações visuais, auditivas e táteis

motoras; e por outra, seguindo a narração verbal e as indicações do mestre,

desenhando as adequadas representações ilustrativas dos objetos com os quais não

têm uma relação direta (DAVÝDOV, 1982, p. 22, tradução nossa).

Cabe salientar, além disso, que exercícios como estes possibilitam ao estudante

operar somente com aquilo que memorizou na esfera singular. Os exercícios que precederam a

estes possuem a mesma generalização empírica, qualquer situação diferente não é possível de

ser resolvida. Ainda para Davýdov (1982, p. 155, grifo no original – tradução nossa):

[...] os escolares – especialmente os primários – resolvem com inteiro acerto somente

problemas do tipo que eles conhecem e cuja identificação prévia é a premissa

fundamental para reproduzir o método resolutivo concreto que antes assimilaram.

Com toda a complexidade deste trabalho já que por si, ela não passa dos marcos do

pensamento classificante e empírico.

A essência, no ensino tradicional, incide nas propriedades comuns, similares, as

quais fundamentam o pensamento empírico (DAVÝDOV, 1982). Assim, a característica dos

exercícios anteriormente analisados (Ilustrações 2 e 3) leva os estudantes a atingirem a seguinte

essência: 2 + 2 + 2 + 2 = 8 e que, consequentemente, 4 x 2 = 8. Não importam os objetos,

sempre que houver quatro grupos compostos por duas unidades cada, o procedimento de cálculo

e o resultado será esse. Essa síntese é generalizada para agrupamentos compostos por outras

quantidades que se repetem, ou seja, a essência (quantidade) continua a mesma em todos os

exercícios. Na concepção de Hobold (2014),

[...] em cada situação conclui-se, por meio da comparação, que a adição de parcelas

iguais pode ser representada por meio de outra operação: a multiplicação. O domínio

desses procedimentos é um caso particular do processo de generalização, cujo

resultado é o conceito de multiplicação (HOBOLD, 2014, p. 43).

39

O problema é que essências como essas, “[...] tomadas em seu melhor sentido (em

compreensão), são essências fixas, coaguladas, e cada ‘essência’ aparece ao exame como uma

coleção de qualidades justapostas, exteriores, numa ordem de generalidade crescente”

(LEFEBVRE, 1991, p. 142-143, grifo do autor). Nesse sentido, o processo de abstração é um

componente da generalização, “já que busca o desenvolvimento da capacidade de abstração do

sujeito tendo como base certos atributos particulares invariantes do objeto ou fenômeno”

(ROSA; MORAES; CEDRO, 2010a, p. 69-70).

Os exercícios em análise nessa primeira cena, correspondentes à introdução do

conceito de multiplicação no processo de ensino aprendizagem, acenam para a formação do

conhecimento empírico, predominante na educação escolar brasileira (ROSA, 2012). Em outras

palavras, aproximam-se do modo pelo qual a lógica formal propõe a tríade abstração,

generalização e conceito.

Cena 2 – A síntese: uma abstração a partir dos traços substanciais

Após a realização de exercícios semelhantes aos destacados na cena 1, os estudantes

são apresentados à síntese do conceito de multiplicação:

Ilustração 4 - Conceito de multiplicação

Fonte: Acervo da autora, 2014.

Neste momento, o foco continua na soma de parcelas iguais. A síntese anterior

(Ilustração 4) é apresentada por meio de uma cópia que os estudantes colam em seus cadernos

(DIÁRIO DE CAMPO, 2014). Desse modo, o conceito se expressa por palavras que “se

40

abstra[em] de regras e atributos individuais, de diversas percepções e representações, é,

portanto, o resultado de uma síntese de percepções e representações de fenômenos e objetos

homogêneos” (NIKITIN; RYPASOV, 1963 apud DAVÝDOV, 1982, p. 25, tradução nossa).

Trata-se, na verdade, de um pseudoconceito revelado por Vygotski (2001) ao

analisar o processo de internalização de conceitos com base no estudo experimental sobre as

fases de desenvolvimento do pensamento. Para o autor, esse processo ocorre em três principais

fases: pensamento sincrético, pensamento por complexo e conceitos propriamente ditos.

Ao tomar para a análise o conceito apresentado aos estudantes sobre multiplicação,

nosso foco ficará na fase do pensamento por complexo. Nesta fase, Vygotski (2001) afirma que

as estruturas de generalização da criança “[...] recorda[m] em sua aparência externa aos

conceitos utilizados pelo adulto em sua atividade intelectual, a essência da sua natureza

psicológica é muito diferente do verdadeiro conceito (VYGOTSKI, 2001, p. 146, tradução

nossa). Por isso, pseudoconceito, que “apoiando-se nas observações, refletem nas

representações as propriedades externas dos objetos” (DAVÍDOV, 1988, p. 154, tradução

nossa). Segundo Vygotski (2001),

[...] o pseudoconceito se parece tanto a um verdadeiro conceito, como a baleia a um

peixe. Porém, se recorremos à ‘origem das espécies’ das formas intelectuais e animais,

não duvidamos em incluir o pseudoconceito no pensamento por complexo, como

incluímos a baleia entre os mamíferos (VYGOTSKI, 2001, p. 149, grifo do autor).

Os pseudoconceitos constituem-se como uma fase no processo de formação de

conceitos. Posteriormente, deverão ser superados pelos conceitos propriamente ditos, não

necessariamente numa sequência linear (VYGOTSKI, 2001). O desenvolvimento de conceitos

verdadeiros envolve a análise, a síntese e a abstração, “[...] quando uma série de atributos que

têm sido abstraídos se sintetizam de novo e quando a síntese abstrata conseguida desse modo

se converte na forma fundamental do pensamento, através do qual a criança percebe e atribui

sentido a realidade que lhe rodeia” (VYGOTSKI, 2001, p. 169).

Essa ascensão aos conceitos propriamente ditos, os científicos, só é possível por

meio da abstração e generalização substanciais, enquanto os empíricos são formados de acordo

com os fundamentos da lógica formal, a partir de generalizações e abstrações empíricas. Nessa

ótica, primeiramente, há necessidade de selecionar vários objetos os quais possuem

características comuns substanciais. Em seguida, é preciso nomear essas características

agrupadas em uma classe. E, por fim, o próximo passo é o significado não estar estritamente

relacionado com a presença imediata dos objetos, mas com uma imagem geral dos mesmos

41

(DAVÝDOV, 1982). Ou seja, a imagem, no plano mental lembra aquela do plano objetal no

que esta tem de substancial. Os traços insubstanciais são abstraídos. Isso porque:

[...] fora do homem e de seu pensamento existem objetos singulares concretos, e estes

se oferecem em toda individualidade e concretização para os órgãos dos sentidos do

homem. Todo objeto existe no tempo e no espaço, possui corporeidade, forma e

demais atributos. E na infinita pluralidade de suas manifestações individuais, cada

objeto dado por ser análogo em algo a outros objetos, mas estas circunstâncias de fato

não acrescentam nada para sua existência efetiva nem tampouco a diminui em nada.

Certos, segundo essa propriedade de analogia, objetos soltos – após comparação –

podem unir-se em classes (DAVÝDOV, 1982, p. 57 – grifos do autor, tradução nossa).

Desse modo, ao comparar objetos soltos e estabelecer características análogas,

podemos agrupá-los em classes, ao considerarmos características comuns. É o que

apresentaremos a seguir, na cena referente às tabelas de multiplicação (Tabuada).

Cena 3 – A tabuada: um modo de generalização

A identificação de características comuns entre objetos e o agrupamento das

mesmas em classes é um procedimento fundamentado na lógica formal, para obtenção de

conhecimento, conforme expressam as tabelas de multiplicação (Ilustração 5).

Ilustração 5 - Tabelas de multiplicação

Fonte: Acervo da autora, 2014.

42

Na ilustração (5) há uma variedade de multiplicações na qual a essência continua a

mesma: soma de parcelas iguais. Assim, podem-se destacar algumas características comuns por

meio da análise da composição externamente dada: soma de parcelas iguais; o multiplicando é

um valor invariável em cada tabuada; o multiplicando indica a quantidade de vezes que o

multiplicador se repete (DIÁRIO DE CAMPO, 2014).

Estas características comuns constituem, segundo Davýdov (1982), o conteúdo do

conceito, na lógica formal, denominado por uma palavra ou conjunto de palavras, como, por

exemplo, tabelas de multiplicação ou tabuada. Nesse sentido, o “conteúdo do conceito é o

conjunto de características substanciais dos diversos objetos homogêneos representados no

mesmo” (DAVÝDOV, 1982, p. 49, tradução nossa). Hobold (2014, p. 67) explica que:

O atributo pertencente a um objeto isolado não é por si, nem geral nem particular. Este

ato (de atribuir característica) só é viável no plano mental, em seu conceito. Neste

caso, as tabelas de multiplicação só podem ser associadas à classe de sucessão

numérica no plano conceitual, pois carecem de relação interna.

Nessa segunda cena a generalização também consiste no ato de destacar alguns

atributos estáveis (soma de parcelas iguais) que se repetem. Assim, “no processo de

generalização tem lugar, por uma parte, a busca e designação com a palavra de certo invariante

na multiplicidade de objetos e suas propriedades; por outra, o reconhecimento dos objetos da

multiplicidade dada com a ajuda do invariante separado” (DAVÍDOV, 1988, p. 100).

No processo de ensino e aprendizagem investigado, há uma preocupação com a

memorização da tabuada. Mas, mesmo após a apresentação da tabela de multiplicar, são

desenvolvidos exercícios que envolvem a representação direta das quantidades, sempre

referentes a grandezas discretas. Tal como podemos verificar no exercício (Ilustração 6) sobre

“dobro, triplo, quádruplo e quíntuplo” (DIÁRIO DE CAMPO, 2014).

43

Ilustração 6 - Dobro, triplo, quádruplo e quíntuplo

Fonte: Acervo da autora, 2014.

O pensamento por imagens diretamente dadas é o foco de vários exercícios. Hobold

(2014) também evidenciou esse aspecto ao analisar a proposição da coleção de livros didáticos

mais utilizados na 36ª Gerência Regional de Educação10 (GERED) para o ensino do conceito

de multiplicação. A escola, contexto da pesquisa em tela, não pertence à região dessa GERED,

porém os resultados da investigação de Hobold (2014) são semelhantes aos detectados na

presente investigação até o momento.

Em seus estudos sobre a educação tradicional, Davýdov (1982) aborda essa questão

e lembra que o ensino, com base na lógica formal, é organizado em consonância com a faixa

etária do estudante.

Dessa forma, em cada etapa de ensino, há que se seguir o desenvolvimento

correspondente à respectiva faixa etária dos estudantes. Por exemplo, na Educação Infantil e

Anos Iniciais, uma destas características é o uso de imagens, das representações diretas do

objeto. Trata-se do princípio da acessibilidade (DAVVÍDOV, 1982). Segundo este princípio,

em cada etapa do ensino, propomos aos estudantes aquilo que são capazes de assimilar de

acordo com sua idade “[...] a medida dessa capacidade se formou espontaneamente na prática

10 A referida GERED tem sua sede no município de Braço do Norte, sul de Santa Catarina.

44

real do ensino tradicional” (DAVÍDOV, 1987, p. 146, tradução nossa). As capacidades da

criança são subestimadas, pois quem pode determinar o que ela pode ou não aprender?

[...] o ensino utiliza unicamente as possibilidades já formadas e presentes na criança,

em cada caso se pode, então, limitar tanto o conteúdo do ensino como as exigências

apresentadas à criança a este nível real ― presente sem responsabilizar-se por suas

premissas. Naturalmente, assim se pode justificar a limitação e a pobreza do ensino

primário, apelando a características evolutivas da criança de sete anos, por exemplo,

o pensamento por imagens que se apoia em representações elementares (DAVÍDOV,

1987, p. 147, tradução nossa).

É com base nesse princípio de acessibilidade que o ensino, na perspectiva da

pedagogia tradicional, justifica que o conhecimento deve partir das experiências empíricas

vivenciadas pelos estudantes. Para que isso ocorra, são possibilitados dados perceptíveis aos

órgãos dos sentidos. Nesse processo, cabe ao estudante observar e extrair os indícios comuns

existentes e, consequentemente, formular o conceito do objeto. Nas palavras de Davýdov

(1982) observamos que a percepção direta “das imagens [...] facilita o processo de formulação

dos conceitos abstratos [...]” (DAVÝDOV, 1982, p. 42, tradução nossa), porém empíricos.

Nesse nível dos conceitos abstratos, no processo de ensino e aprendizagem

investigado, os estudantes receberam uma cópia de tabelas de multiplicação intitulada, também,

de tabuadas. Essa cópia é colada no caderno para que pudessem consultá-la durante a resolução

das questões referentes ao conceito de multiplicação. Em seguida a professora propõe a

resolução do exercício apresentado na ilustração 7 (DIÁRIO DE CAMPO, 2014).

Ilustração 7 - Para além do estágio de representação (resolvido por Antônia)

Fonte: Acervo da autora, 2014.

45

O exercício da ilustração (7) corrobora aquilo que Vietrov (1959) considera como

desarticulação do conceito com a imagem do objeto. Para esse autor, na lógica formal, “se não

somos capazes de fazer isso, nos encontramos no estágio da representação” (VIETROV, 1959

apud DAVÝDOV, 1982, p. 64, tradução nossa). Com esse método de formação de conceitos,

os estudantes superam a experiência sensorial e estabelecem relações que não podem ser

evidenciadas diretamente pelos órgãos dos sentidos, o que poderíamos chamar de uma

abstração formal das propriedades comuns.

Assim, conforme refletimos até o momento, mesmo nos limites dos fundamentos

da lógica formal há um movimento de formação do conhecimento que apresentamos em síntese

a título de conclusão do presente episódio.

Ilustração 8 - O processo de elaboração do conhecimento na lógica formal

Fonte: Elaborado pela autora, 2015.

Até o presente momento analisamos o primeiro episódio que denominamos de O

movimento de formação do conhecimento referente ao conceito de multiplicação. Na sequência

apresentaremos as três cenas referentes ao segundo episódio.

46

2.2 EPISÓDIO 2: OLHOS NOS OLHOS – UM DIÁLOGO SOBRE MULTIPLICAÇÃO

A partir da análise do episódio anterior emergem alguns questionamentos: o que

pensam os estudantes sobre a multiplicação? Qual foi a aprendizagem? O que ficou? Como os

estudantes operam com o conceito de multiplicação? A fim de responder a esses

questionamentos, analisamos, no presente episódio, as respostas apresentadas pelos estudantes

para as questões referentes à multiplicação de duas avaliações propostas pela professora. Além

disso, também consideramos o diálogo, dos estudantes com a pesquisadora, sobre o raciocínio

por eles adotado. Para tanto, selecionamos as seguintes cenas: A ideia de multiplicação

enquanto soma de parcelas iguais; Limites de uma generalização a partir de uma abstração

singular; Os meios utilizados para a realização do cálculo.

Cena 1 – A ideia de multiplicação enquanto soma de parcelas iguais

Hoje os estudantes realizarão a primeira avaliação sobre o conceito de multiplicação.

Eles chegam à sala falando sobre a tabuada. Em seguida, Maria diz ao conversar com

algumas colegas: ‘– A pior coisa que tem é prova de Matemática’. A avaliação aborda

questões sobre o folclore brasileiro, tema das últimas aulas devido ao dia do folclore

(22 de agosto). A professora entrega a avaliação e faz a leitura, com os estudantes, das

questões propostas. Em sua explicação, relembra algumas considerações sobre a

multiplicação: ‘- Quando eu quero saber o dobro o que eu tenho que fazer? Eu vou

somar o valor duas vezes’. Em seguida, cada estudante realiza a avaliação em silêncio

(DIÁRIO DE CAMPO, 2014).

A epígrafe refere-se ao registro do dia em que foi realizada a primeira avaliação do

segundo semestre letivo. Após a avaliação conversamos com os estudantes individualmente

sobre as respostas para as três questões referentes ao conceito de multiplicação. Nos dois

primeiros exercícios, dos 16 estudantes, cerca de 80% chegaram à resposta correta e explicaram

de modo semelhante ao que diz Clara:

47

Ilustração 9 - Primeiras questões sobre multiplicação nas avaliações

Fonte: Acervo da autora, 2014.

Pesquisadora: - Você pode me explicar como chegou à resposta nesse exercício?

Clara: - Aqui era de dobro e triplo, porque já tava [sic] dizendo ali. Aí eu fiz 12 x 3

que é a mesma coisa que 12+ 12+ 12 e deu 36. Depois 8 x 2 que é a mesma coisa que

8 + 8 e deu 16. (Entrevista com Clara, agosto de 2014)

Já a terceira questão da avaliação, sobre o conceito de multiplicação, consistia em

realizar o cálculo e, posteriormente, informar o raciocínio adotado para chegar à resposta:

48

Ilustração 10 - Cálculo para chegar à resposta

Fonte: Acervo da autora, 2014.

Por considerarmos que as questões (Ilustrações 9 e 10) possuem a mesma essência:

soma de quantidades iguais, optamos por realizar a análise conjunta de ambas. Assim,

inicialmente, é preciso relacionar o que é considerado conteúdo nas aulas de Matemática

(multiplicação) com o de outras disciplinas e na vida, fora da escola, no caso específico dessas

questões, o folclore.

Para Davídov (1987), trata-se do princípio do “caráter sucessivo”, comum ao ensino

tradicional. A característica deste princípio é priorizar a relação entre os conceitos a serem

aprendidos, em situação escolar, com aquilo que a criança já conhece.

49

A depender do movimento de abstração e generalização, pode não apresentar

muitas vantagens, em função da “indistinção entre os conceitos científicos e os cotidianos, a

aproximação exagerada entre a atitude propriamente científica e a cotidiana diante das coisas”

(DAVÍDOV, 1987, p. 146, tradução nossa).

Cabe ressaltar, também, aquilo que considera-se como “articulação” do conceito,

isto porque Davídov (1988, p. 110, tradução nossa) afirma que

A psicologia pedagógica [...] recomenda aos professores utilizar a experiência

empírica cotidiana de familiarização dos estudantes com as coisas e fenômenos como

base para que apropriem-se dos conhecimentos escolares. Com isto, reconhece-se, de

fato, a homogeneidade tanto do conteúdo como do procedimento de apropriação dos

conhecimentos na infância pré-escolar e durante o ensino escolar [...].

Outro aspecto que pode ser destacado das ilustrações anteriores é a relação que os

estudantes efetuam da multiplicação como soma de parcelas iguais. Dos dezesseis (16)

estudantes que realizaram a avaliação, sete (7) deles afirmaram ter utilizado o cálculo “11 + 11

+ 11” para responder à questão proposta. Além destes, outros estudantes preferiram apagar o

“x” marcado nesta opção e marcar a opção “11 x 3”. Mas a essência da multiplicação que ficou

para os estudantes incide na soma de parcelas iguais que se repete na próxima cena. O

questionamento que fica é: e quando o valor do multiplicando for maior? Por exemplo, 1000 x

11?

Cena 2 – Limites de uma generalização realizada a partir de uma abstração singular

Na segunda avaliação realizada, uma das questões (Ilustração 11) consiste em

determinar a idade de Ana, sabendo que a mesma é o dobro da idade de Maria, que tem quatro

anos.

Ilustração 11 - Quantos anos tem Ana?

Fonte: Acervo da autora, 2014.

50

Na conversa realizada com os estudantes, individualmente, após a avaliação, a

essência das respostas é sempre a mesma, conforme as três apresentadas na sequência:

Pesquisadora: Você pode me explicar o porquê da resposta oito anos?

Maria: É porque aqui era o dobro, aí tinha que fazer a continha de dobro.

Pesquisadora: Mas como é essa conta de dobro?

Maria: É que tem que fazer vezes o 2, aí eu fiz e 4 mais 4 é oito. (Entrevista com

Maria, setembro de 2014)

Pesquisadora: Você pode me explicar como fez essa questão da idade das meninas?

Laura: Ah, essa é bem fácil, né [sic]! É que é de dobro, aí a tia disse que quando for

dobro é duas vezes o número. Aí quatro mais quatro é [sic] oito, né [sic]? (Entrevista

com Laura, setembro de 2014).

Pesquisadora: Por que você considerou que a resposta era oito anos?

Lucas: Porque duas vezes o quatro é oito, quatro mais quatro (Entrevista com Lucas,

setembro de 2014).

A fala dos estudantes confirma a generalização da abstração realizada a partir das

características substanciais externamente dadas. Isso porque na pedagogia tradicional, “[...]

primeiro, os estudantes apropriam-se formalmente do conceito como produto pronto e acabado,

depois desenvolvem ações mentais que permitem sua aplicação” em situações semelhantes

(PUENTES; LONGAREZI, 2013, p. 255).

Nesse sentido, Davýdov (1982, p. 15, tradução nossa) afirma que “com base em um

grande número de fatos adequadamente selecionados, nasce a ideia abstrata, generalizadora, de

um dos atributos que estão associados ao conceito”. É importante ressaltar que na especificidade

do objeto de estudo este atributo é a soma de parcelas iguais. Trata-se de uma generalização

sustentada na abstração de uma singularidade em detrimento da abstração realizada a partir da

relação geneticamente inicial, universal, do conceito teórico.

Mas a pergunta que ainda persiste é: como os estudantes operam com o conceito de

multiplicação? Para buscar respostas para esse questionamento selecionamos a última cena que

compõe este episódio, que será apresentada a seguir.

Cena 3 – Os meios utilizados para a realização do cálculo

Quando escolhemos esta cena para finalizar o capítulo de análise dos dados desta

investigação, pensamos na ideia essencial apresentada por Moura (2004) na constituição dos

episódios: o pesquisador, tal como o produtor de cinema, é que faz a leitura das várias ações à

procura de interdependências. Vale a ênfase, apesar de já termos apresentado tal ideia do

referido autor porque a leitura que fizemos desta última cena assemelha-se, em partes, ao

51

produtor de cinema ao narrar o final de um filme. Isto porque, diante do caminho percorrido

para explicar como os estudantes aprenderam o conceito de multiplicação, percebemos que a

síntese realizada pelos mesmos pode ser explicitada por meio das imagens e falas que

apresentaremos a seguir através das questões referentes ao conceito de multiplicação extraídas

da segunda avaliação:

Ilustração 12 - Quantas rodas podemos contar?

Fonte: Acervo da autora, 2014.

A questão (Ilustração 12) consiste na determinação da quantidade de rodas no pátio

da escola onde estavam estacionadas 25 bicicletas. Luísa não apresenta a sentença matemática

(S.M.) solicitada, apenas o algoritmo (25 x 5 =__) e a resposta não correspondente ao mesmo,

mas responde ao problema de forma correta. Quando questionada sobre o modo como chegou

a esta resposta explica:

Pesquisadora: Como você chegou a essa resposta [cinquenta rodas]?

Luísa: Aqui eu ia fazer a continha, mas eu não sabia vezes o que, tipo [sic] se era

cinco vezes o vinte e cinco, aí eu fiz no rascunho os palitinhos e contei 2, 4, 6, porque

cada bicicleta tem duas rodas. Aí eu fui contando e riscando os palitinhos (Entrevista

com Luísa, setembro de 2014).

Luísa também utilizou riscos (palitos) ou dedos na resolução das outras questões da

avaliação, assim como os demais colegas, conforme o rascunho utilizado por Luiz:

52

Ilustração 13 - Rascunho de Luís

Fonte: Acervo da autora, 2014.

Pesquisadora: - Como você resolveu a questão “23 x 3”?

Lucas: - É que eu contei três, mais três, mais três, mas aí eu não sabia fazer. Eu não

respondi porque eu não lembrava da tabuada do três (Entrevista com Lucas, agosto

de 2014).

Trata-se de riscos representativos de qualquer objeto (flores, rodas, presentes...).

Para realizar a operação Lucas utiliza riscos agrupados de três em três. Entretanto, em

determinado momento ele se dá conta de que a operação requer muitos agrupamentos (23) e

desiste. Inicia o cálculo do algoritmo, mas também desiste e entrega a avaliação sem concluir

o cálculo. Os rascunhos de outros estudantes evidenciam situações semelhantes, como é o caso

de Guilherme (Ilustração 14).

Ilustração 14 - Rascunho Guilherme

Fonte: Acervo da autora, 2014.

Alguns rascunhos contemplam a utilização dos riscos, outros estudantes preferiam

apagar antes de entregá-lo para a professora, mas ficaram as marcas e há, ainda, aqueles que

53

utilizam a mesa para registrá-los. Durante as conversas com a pesquisadora, para explicarem o

raciocínio adotado, estes mesmos estudantes, utilizavam os dedos em substituição aos riscos.

Desse modo, os dedos e os riscos representam os objetos apresentados nos enunciados dos

exercícios desenvolvidos em sala de aula ou nas questões da prova.

Em síntese, a elaboração do conhecimento segue o esquema percepção -

representação - conceito. A percepção refere-se aos objetos organizados, explicitamente,

consoante a situação singular. A representação, por sua vez, incide nas imagens abstraídas

decorrentes do processo de observação direta dos objetos. Assim, os riscos e os dedos são

representantes de flores, lápis, bolas... ou qualquer outro objeto mencionado no enunciado. Na

tentativa de explicar o que fizeram, os estudantes reproduzem a fala da professora ou aquilo

que está escrito nos exercícios realizados em sala de aula, ou seja, o emprego específico da

palavra. Por isso, a aprendizagem, no sentido vigotskiano (VIGOTSKI, 2000), não ocorre.

Como mencionamos no decorrer da análise, o ponto de partida da abstração

realizada pelos estudantes é a percepção direta sobre o objeto. Esse movimento contempla

apenas a aparência externa. Em sua obra, Davýdov critica a escola tradicional, na qual

predomina o método intuitivo, na dimensão empírica.

Segundo Davídov (1987), esse tipo de conhecimento,

[...] tem um caráter classificador, catalisador e assegura a orientação da pessoa no

sistema de conhecimentos já acumulados sobre as singularidades e os traços externos

de objetos e fenômenos isolados da natureza e da sociedade. Tal orientação é

indispensável para fazeres cotidianos, durante o cumprimento de ações laborais

rotineiras, porém é absolutamente insuficiente para assimilar o espírito autêntico da

ciência contemporânea e os princípios de uma relação criativa, ativa e de profundo

conteúdo em face da realidade (DAVÍDOV, 1987, p. 144, tradução nossa).

Esse conhecimento predomina não só no processo de ensino e aprendizagem

investigado. Trata-se de uma realidade nacional, tal como afirmam outros pesquisadores

brasileiros (HOBOLD, 2014; DAMAZIO; ROSA; EUZÉBIO, 2012).

Como anunciado no capítulo I da presente dissertação, seguimos os três princípios

investigativos vygotskianos: análise de processos e não de objetos; explicação e não apenas

descrição; estudo do problema do comportamento fossilizado.

Ao considerar o princípio referente à análise de processos e não objetos, Vygotsky

(1988, p. 81) elucida que “a análise psicológica quase sempre tratou os processos como objetos

estáveis e fixos”. Contudo, o autor ressalta que qualquer processo de desenvolvimento

psicológico sofre alterações a olhos vistos. Com isso, é preciso considerar o fenômeno em sua

historicidade e materialidade. Para tanto, consideramos o objeto de estudo (conhecimento

54

matemático referente ao conceito de multiplicação) no contexto em que esse se materializa: a

sala de aula. A pesquisa de campo ocorreu durante quatro meses do segundo semestre de 2014.

Desse modo, não nos detivemos à análise de objetos (exercícios e avaliações realizadas), mas,

sim, desses exercícios e avaliações em seu processo de constituição.

No decorrer da elaboração do presente capítulo, buscamos a explicar e não apenas

descrever os dados coletados. Vigotski (1995) compreende que estudar um problema em seu

desenvolvimento se dá desde a revelação de sua gênese e suas bases dinâmico-causais: “O tipo

de análise objetiva que defendemos procura mostrar a essência dos fenômenos psicológicos ao

invés de suas características perceptíveis” (VIGOTSKI, 1995, p. 72).

No esforço pela explicação do fenômeno surgiu a necessidade do estudo da lógica

que orienta a constituição do conhecimento no processo de ensino e aprendizagem investigado,

a lógica formal e suas relações de aproximações e/ou distanciamentos com a lógica dialética.

Quanto ao terceiro princípio, de acordo com Vigotski (1995), os comportamentos

fossilizados são aqueles que perderam sua aparência original, sua gênese, ao longo de seu

desenvolvimento:

[...] são as formas psicológicas petrificadas, fossilizadas, originadas em tempos

remotíssimos, nas etapas mais primitivas do desenvolvimento cultural do homem, que

se conservaram de maneira surpreendente, como vestígios históricos em estado pétreo

e ao mesmo tempo vivo na conduta do homem contemporâneo (VIGOTSKI, 1995, p.

63).

Como pesquisar determinado fenômeno no qual sua origem não está dada no

momento em que este ocorre, mas nas etapas primitivas do desenvolvimento cultural da

humanidade? Para responder a tal questionamento, recorremos a Vigotski (1995), quando se

refere à compreensão do processo de desenvolvimento psicológico:

Podem-se distinguir, dentro de um processo geral de desenvolvimento, duas linhas

qualitativamente diferentes de desenvolvimento, diferindo quanto a sua origem: de

um lado, os processos elementares, que são de origem biológica; de outro, as funções

psicológicas superiores, de origem sócio-cultural. A história do comportamento da

criança nasce do entrelaçamento dessas duas linhas. A história do desenvolvimento

das funções psicológicas superiores seria impossível sem um estudo de sua pré-

história, de suas raízes biológicas, e de seu arranjo orgânico. As raízes do

desenvolvimento de duas formas fundamentais, culturais, de comportamento, surgem

durante a infância: o uso de instrumentos e a fala humana. Isso, por si só, coloca a

infância no centro da pré-história do desenvolvimento cultural (VIGOTSKI, 1995, p.

52).

Se a infância está no centro da pré-história do desenvolvimento cultural, o que está

no centro da pré-história da cultura matemática? Desse contexto emerge outro questionamento:

55

como resolveram os homens o problema da contagem? Se este for respondido, encontraremos,

consequentemente, a resposta para o questionamento anterior. Caraça (2002) lembra que:

[...] para pequenas coleções de objetos, é habitual contar-se pelos dedos, e este fato

teve grande influência no aparecimento dos números, não é verdade que o nome

dígito, que designa os números naturais de 1 a 9, vem do latim digitus que significa

dedo? Mas há mais: - a base do nosso sistema de numeração é 10, número de dedos

das duas mãos [...] alguns dizem duas mãos em vez de 10, um homem inteiro em vez

de 20 [...]. Noutros ainda nem existem nomes de números – quando se quer exprimir

uma quantidade, fazem-se gestos com as mãos (CARAÇA, 2002, p. 5, grifo do autor).

Posteriormente, mas ainda em tempos remotíssimos, os símbolos escritos eram

riscos que representavam o número correspondente aos dedos estendidos (EVES, 2007). A

orientação para a utilização dos dedos e de riscos, segundo Rosa (2012, p. 192), também aparece

nos livros didáticos brasileiros:

Para resolver a operação 2 + 3 = __, por exemplo, as crianças estendem dois dedos

em uma mão e três na outra, para saber o resultado contam o total de dedos estendidos:

1, 2, 3, 4, 5. Ou ainda fazem 2 riscos, mais 3 riscos e contam o total de riscos (5): ││

+ │││= │││││. O mesmo ocorre na operação inversa, a subtração. Em 5 – 3 = ___,

por exemplo, estende-se 5 dedos e baixa-se 3, o resultado é a quantidade de dedos que

ficou estendida. Ou ainda, por meio de riscos, faz-se 5 riscos e cortam-se 3, o número

de riscos sem cortes (2) corresponde ao resultado: ┼┼┼││(ROSA, 2012, p. 192).

Isso significa dizer, de acordo com a autora em referência, que tal proposição

possibilita a reprodução, no processo de ensino e aprendizagem, do “estágio inicial do

desenvolvimento do conceito de número pela humanidade em detrimento de seu estágio atual”,

tal como propõem os fundamentos da Teoria Histórico-Cultural (ROSA, 2012, p. 192).

A contagem por meio dos dedos é um procedimento fossilizado. Sua origem

histórica é obscurecida. É um comportamento petrificado, como diz Vigotski (1995), originado

em tempos remotos, mas vivo no homem contemporâneo. Em outras palavras, a origem da

contagem através dos dedos e riscos corresponde à pré-história do conhecimento matemático.

Objeto matemático reconhecido como, possivelmente, o mais antigo da

humanidade, datado aproximadamente de 35.000 anos a. C., sugere tentativas pré-históricas de

quantificação. Trata-se de um osso com alguns entalhes, conforme a ilustração 15:

56

Ilustração 15 - Riscos no processo de contagem dos povos primitivos

Fonte: MATEMÁTICA..., 2015.

Os estudantes contemporâneos, colaboradores da pesquisa, por sua vez, utilizam,

no lugar do osso a folha de papel e, no lugar da pedra para marcar o osso, o lápis, conforme

ilustração 16.

Ilustração 16 - Riscos utilizados como instrumento de cálculo

Fonte: Acervo da autora, 2014.

Portanto, o procedimento de contagem adotado pelos estudantes para determinar o

resultado das operações por meio de riscos tem sua origem há 37.000 anos.

Mas, é errado então contar nos dedos ou com auxílio dos riscos? A resposta depende

da teoria que a sustenta. De acordo com os Fundamentos da Teoria Histórico-Cultural, em

especial da proposição davydoviana, mencionada no capítulo introdutório da presente

dissertação, os estudantes devem ir à escola para aprender aquilo que não lhes é acessível em

casa, na rua e nas brincadeiras entre amigos. Desse modo, em situações extraescolares, no

período pré-escolar, as crianças aprendem a contar nos dedos ou com apoio de objetos.

Cabe ressaltar, portanto, que a contagem com dedos ou riscos consiste em uma

etapa importante na apropriação dos conceitos matemáticos, entretanto ela precisa ser superada

na idade escolar. Isto porque, “o pensamento teórico de qualquer época é um produto histórico

57

que em períodos distintos adquire formas diversas e assume, portanto, um conteúdo muito

diferente” (DAVÍDOV, 1988, p. 160).

Nesse sentido, o ensino escolar de acordo com a orientação davydoviana

(DAVÝDOV, 1982; DAVÍDOV, 1988), deve proporcionar às crianças conceitos genuinamente

científicos em nível contemporâneo, desenvolver o pensamento teórico e as capacidades para o

sucessivo domínio, independente do número sempre ascendente de novos conhecimentos

científicos em desenvolvimento pela ciência.

Entretanto, é possível que nos perguntem: Mas, o pensamento teórico será

desenvolvido, em sua totalidade, no terceiro ano escolar? Compreendemos, de acordo com

Davidov (1982) que a apropriação do conhecimento teórico estrutura a formação do

pensamento teórico.

Desse modo, se a organização do processo de ensino e aprendizagem reforça o

desenvolvimento do pensamento empírico, “tipo de pensamento pautado nos aspectos externos

e observáveis dos objetos e fenômenos e, como tal desenvolve-se independentemente da

escolarização do sujeito” (ROSA, MORAES, CEDRO, 2010, p. 80), não há indícios da

superação, por meio do conhecimento teórico, dos dados obtidos da atividade sensorial das

pessoas. Em outras palavras, no terceiro ano escolar, os estudantes permanecem nos limites da

formação do pensamento empírico.

Para a formação do pensamento teórico, fazem-se necessárias abstrações e

generalizações sustentadas nas relações internas, universais dos conceitos. Assim, as

representações dos mesmos são constituídas por modelos teóricos abstratos que em nada

lembram a aparência externa dos objetos, mas que lhes dá origem.

Este movimento proposto por Davýdov e colaboradores é que apresentaremos, no

contexto de uma situação desencadeadora de ensino tal como propõe Moura (2004), no próximo

capítulo.

58

3 ONDE ESTÁ A SAÍDA?

Onde está a saída? Na área da teoria é impossível. A verdadeira

solução deste problema requer mudar, substancialmente, a própria

prática sócio pedagógica da educação e ensino das gerações em

crescimento (DAVÍDOV, 1988, p. 61, tradução nossa).

No capítulo anterior apresentamos a análise dos dados, coletados em uma escola da

Rede Estadual do Munícipio de Tubarão. Ao finalizar esta análise, nos questionamos: Como

organizar o ensino com vistas a superação das fragilidades dos estudantes em relação a

apropriação do conceito de multiplicação? Qual a contribuição que a presente dissertação

poderia apresentar, enquanto relato de uma pesquisa científica, para o processo de ensino e

aprendizagem de conceitos matemáticos na contemporaneidade?

Na busca por respostas para tais questionamentos, o direcionamento tomado foi o

estudo dos princípios da lógica dialética. Nesse processo, nos deparamos com o questionamento

de Davídov (1988), apresentado como epígrafe deste capítulo: Onde está a saída?

A saída, segundo Davídov (1988), encontra-se na própria prática sócio pedagógica,

em outras palavras, no conteúdo e método adotados. O referido autor afirma, que:

O conteúdo e os métodos do ensino primário, vigentes, se orientam

predominantemente para a formação, nos estudantes dos primeiros anos, das bases da

consciência e pensamento empíricos, caminho importante, mas não o mais efetivo na

atualidade, para o desenvolvimento psíquico das crianças (DAVÍDOV, 1988, p. 99,

tradução nossa).

Esta afirmação aponta fragilidades no ensino primário da sua época (por volta de

1970), na Rússia. Entretanto, como estão organizados os conteúdos e métodos na educação

escolar no Brasil atualmente? A constatação davydoviana se aproxima da realidade brasileira

em pleno ano de 2015, aproximadamente meio século depois?

Os resultados apresentados em documentos oficiais (BRASIL, 2014)11, e por

pesquisadores como Sousa (2014), Hobold (2014), Dalmolin (2015), entre tantos outros,

apontam que a afirmação de Davídov (1988) é atual em nosso sistema educacional. Além disso,

11 Entre os documentos oficiais destacamos os resultados da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA)

disponíveis em: http://portal.inep.gov.br/web/saeb/ana/resultados

59

os resultados obtidos por meio da análise dos dados da presente investigação apontam que a

organização do ensino de Matemática no Brasil, no contexto investigado, tem por base a lógica

formal.

Assim, o objetivo nesse capítulo é refletir sobre os princípios da Teoria Histórico-

Cultural, especificamente, do pensamento dialético e “expressá-los na ‘tecnologia de

desenvolvimento do material didático’” (DAVÍDOV, 1988, p. 108, tradução nossa). A questão

desencadeadora é: quais as possibilidades de objetivação dos fundamentos da Teoria Histórico-

Cultural no modo de organização do ensino de Matemática, em especial, do conceito de

multiplicação?

Para tanto, o movimento conceitual apresentado neste capítulo terá por base a

proposição davydoviana para o ensino de Matemática discutida, no contexto brasileiro, por

pesquisadores como: Rosa (2012), Madeira (2012), Crestani (2013)12, Dorigon (2013), Matos

(2013), Silveira (2012), Hobold (2014), Cunha (2014), Moya (2015), Silveira (2015), Rosa

(2015) Matos (2015), entre outros. Adotamos, também, para as reflexões suscitadas, o livro

didático e o livro de orientação para o terceiro ano do Ensino Fundamental da proposição

davydoviana.

Além disso, no contexto brasileiro de produções com base na Teoria Histórico-

Cultural, estudamos a Atividade Orientadora de Ensino (AOE) proposta por Moura e seus

seguidores (MOURA, 1996; MOURA et. Al. 2010, ARAÚJO (2003), MORETTI (2007),

SERRÃO 2006, MORAES (2008), CEDRO (2008), LOPES (2004), , PANOSSIAN (2014),

NASCIMENTO (2014), entre outros).

No movimento de construção deste capítulo, consideramos a proposição

davydoviana e a AOE como um modo de objetivação da Teoria Histórico-Cultural na

organização do ensino de Matemática. Isto nos leva a refletir, primeiramente, o porquê de tal

opção. Davídov (1988) afirma que:

As ideias de Leontiev e seus seguidores sobre a determinação histórico-social dos

processos de reprodução, pelas crianças, das capacidades genéricas, requerem estudar

a relação interna entre a educação, o ensino e o desenvolvimento psíquico, revelar os

tipos historicamente diferentes em que se apresenta esta relação, até aquela na qual o

desenvolvimento espontâneo das crianças se opõe realmente ao papel

12 Referenciamos algumas monografias (ALVES, 2013; CRESTANI, 2013; DORIGON, 2013; MATOS, 2013;

SILVEIRA, 2012) em virtude da relevância desses trabalhos para o projeto mais amplo ao qual se insere a presente

pesquisa. Estas monografias foram desenvolvidas no interior de um grupo de pesquisa com apoio financeiro do

FUMDES (Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior e apresentam reflexões

importantes para a compreensão do movimento conceitual de introdução do conceito de multiplicação, entre outros

conceitos que o antecedem.

60

determinante da educação e o ensino dirigidos a um objetivo (DAVÍDOV, 1988,

p. 59, tradução e grifos nossos).

Se o desenvolvimento espontâneo das crianças se opõe ao objetivo da escola, de

desenvolver conceitos científicos e o pensamento teórico (princípio da Teoria Histórico-

Cultural), a Atividade Orientadora de Ensino reflete sobre conteúdo e método adotados no

processo de ensino e aprendizagem nessa perspectiva. Nesse sentido, ainda segundo o referido

autor, junto aos conceitos de ensino e educação, é conveniente considerar um conceito mais

geral, o de apropriação:

O processo de apropriação leva o indivíduo para a reprodução, em sua própria

atividade, das capacidades humanas formadas historicamente. Durante a reprodução

a criança realiza uma atividade que é adequada (mas, não idêntica) a atividade

incorporada pelas pessoas nestas capacidades (DAVÍDOV, 1988, p. 56, tradução

nossa).

A educação e o ensino são, portanto, a apropriação e reprodução pelo homem, das

produções humanas formadas histórico e socialmente. A AOE, para o processo de apropriação

de conceitos, a partir da situação desencadeadora de aprendizagem, propõe que se explicite “a

necessidade que levou a humanidade à construção do referido conceito” (MOURA, et. al. 2010,

p. 223), de modo semelhante ao que pode ter acontecido em certo momento histórico. Nesta

perspectiva, também, Davídov (1988) aponta que “é indispensável que as crianças, no processo

de apropriação do novo procedimento de ação, saibam dos problemas surgidos quando o

homem teve que resolver pela primeira vez tarefas semelhantes” (DAVÍDOV, 1988, p. 189,

tradução nossa).

A aproximação entre AOE e o Ensino Desenvolvimental pode ser evidenciada, na

nossa opinião, quando analisamos a situação desencadeadora de aprendizagem, materializada

em um problema desencadeador e a tarefa de estudo:

Examinemos o conteúdo de conceitos tais como ‘tarefa de estudo’ e problema de

estudo’ (o segundo foi introduzido na teoria do ensino de caráter problemático).

Inicialmente, devemos indicar que até agora falta uma diferenciação precisa dos

conceitos ‘tarefa’ e ‘problema’. Por exemplo, S. Rubinstein em alguns casos utiliza

estes conceitos como sinônimos, em outros, a tarefa é considerada um problema

formulado verbalmente (DAVÍDOV, 1988, p. 180, tradução nossa).

Como Rubinstein (1977; 1979), concebemos tarefa e problema como sinônimos.

Desde que o problema seja tomado no contexto da Atividade Orientadora de Ensino, ou seja,

como problema desencadeador da aprendizagem. Na tarefa de estudo o objetivo é desenvolver

nos estudantes meios de análise para resolvê-la sobre a base de abstrações e generalizações

61

teóricas. Durante a solução da tarefa “os estudantes revelam a origem da ‘célula’ do objeto

integral estudado e, utilizando-a, reproduzem mentalmente esse objeto” (DAVÍDOV, 1988, p.

179, tradução nossa). Do mesmo modo ocorre na situação desencadeadora de aprendizagem

(MOURA et al., 2010). Diante de tal aproximação, concordamos com Moraes (2008, p. 99,

grifos da autora) quando afirma que,

Pressupõe-se que o professor crie a necessidade no aluno de se apropriar dos

conhecimentos teóricos. Esta ação do professor na organização do ensino está de

acordo com a defesa de Davídov (1999, p. 4) sobre a elaboração da tarefa de estudo

pelos docentes. Ele defende que ‘ninguém pode forçar a criança escolar entrar em

atividade de aprendizagem se elas não têm necessidade de fazer isto’. Para nós, a

situação desencadeadora equivale às tarefas de estudo propostas por este pesquisador,

visto que ela é organizada de modo a possibilitar condições para que o objetivo da

atividade de ensino seja alcançado.

A tarefa de estudo, na proposição davydoviana, “se diferencia essencialmente das

diversas tarefas particulares de um ou outro tipo” (DAVÍDOV, 1988, p. 179, tradução nossa).

A tarefa de estudo permite que os estudantes apropriem-se do procedimento geral para

solucionar as tarefas particulares.

Segundo Vigotski (1988, p. 45, tradução nossa), “o ensino é, por consequência, o

aspecto internamente necessário e universal no processo de desenvolvimento, na criança, não

de peculiaridades naturais, mas, sim, históricas do homem”. Ao criar a necessidade do conceito,

reafirmamos, que a situação desencadeadora de aprendizagem deve explicitar as necessidades

que surgiram, ao longo do desenvolvimento da humanidade, e como os homens solucionaram

tais situações, considerando o movimento lógico-histórico:

O lógico [...] é o reflexo abstrato, liberado de casualidades e ziguezagues, do

desenvolvimento histórico do objeto. O lógico, em forma universal, em forma pura,

expressa a necessidade interna do desenvolvimento dos processos históricos. No

lógico se repete a sequência dos estágios históricos do desenvolvimento (DAVÍDOV,

1988, p. 64, tradução nossa).

De acordo com o autor em referência, “as formas da cultura são a expressão lógica,

universal, da história da consciência humana” (DAVÍDOV, 1988, p. 64, tradução nossa). Desse

modo, ao organizar o ensino, o movimento conceitual adotado na proposição davydoviana

“contempla a unidade entre o lógico e o histórico, expressa na conexão do universal com o

particular e o singular” (SILVEIRA, 2015, p. 158). Esse movimento conceitual também é

sugerido pela Proposta Curricular de Santa Catarina (2014, p. 35) que prevê a apropriação do

conceito “como forma de atividade mental por meio da qual se reproduz o objeto idealizado e

62

o sistema de suas relações, que em sua unidade refletem a universalidade e a essência do

movimento do objeto [...],” o que requer a unidade entre o lógico e o histórico.

Portanto, a opção pelo estudo da Atividade Orientadora de Ensino em unidade com

a proposição davydoviana, deve-se, também, a sua inclusão, na atual Proposta Curricular de

Santa Catarina (SANTA CATARINA, 2014).

A Atividade Orientadora de Ensino teve sua origem diante da complexidade,

[...] dos fenômenos multifacetados que constituem a educação escolar, é necessário

combater uma visão, muitas vezes naturalizada, segundo a qual essa multiplicidade

de fenômenos termina por levar o professor ou os responsáveis pela educação escolar

a se aterem apenas ao fenômenos mais aparentes da educação escolar, tais como: o

pouco desempenho escolar dos estudantes, a formação incipiente dos professores, a

falta de motivação para o estudo, a indisciplina e a violência nas escolas (MOURA et

al., 2010, p. 81-82).

A preocupação com um problema, “talvez menos aparente da ação pedagógica: a

interdepência entre o conteúdo de ensino, as ações educativas e os sujeitos que fazem parte da

atividade educativa” (MOURA, et al., 2010, p. 82) levaram pesquisadores brasileiros

(MOURA, 1996; MOURA et. Al. 2010, MORETTI (2007), SERRÃO 2006, MORAES (2008),

CEDRO (2008), LOPES (2004), ARAÚJO (2003), PANOSSIAN (2014), NASCIMENTO

(2014), entre outros) a conceituarem os princípios teórico-metodológicos que orientam e

realizam a atividade de ensino.

Ao considerarmos o ensino como atividade - no sentido atribuído por Leontiev

(1983) de processo social, mediado por instrumentos/signos e estruturado a partir de uma

necessidade – o professor assume uma responsabilidade essencial, a de organizar o ensino.

Nesse sentido, Moura et al (2010, p. 89) colabora ao afirmar que,

[...] embora o sujeito possa se apropriar dos mais diferentes elementos da cultura

humana de modo não intencional, não abrangente e não sistemático, de acordo com

suas próprias necessidades e interesses, é no processo de educação escolar que se dá

a apropriação de conhecimentos, aliada à questão da intencionalidade social.

Assim, ao agir intencionalmente, no desenvolvimento de ações que visam a

apropriação dos conhecimentos, pelos estudantes, o professor objetiva, na sua atividade de

ensino, o motivo que o impulsiona (apropriação dos conhecimentos pelos estudantes).

Em relação a tal intencionalidade educativa deve-se, segundo Davídov (1988,

tradução nossa), alcançar o objetivo social da escola: proporcionar ao estudante a apropriação

dos conhecimentos, mas não de qualquer conhecimento, trata-se dos teóricos, dos científicos.

Em suas investigações, com base nos pressupostos vygotskianos e da Teoria da Atividade, o

63

autor em referência, dedicou-se à pesquisas sobre a atividade de estudo, considerada por ele a

atividade que deve ser dominante na criança em idade escolar. Segundo ele, “o ingresso na

escola marca o começo de uma nova etapa da vida da criança, nela muito se modifica tanto no

aspecto da organização externa quanto interna” (DAVÍDOV, 1988, p. 76, tradução nossa).

Além disso, assumir a educação como atividade significa “considerar o conhecimento em suas

múltiplas dimensões, como produto da atividade humana” (RIGON, et al., 2010, p. 24).

Ao pautar-se na Teoria Histórico-Cultural e na Teoria da Atividade e,

consequentemente, na perspectiva de que a escola deve promover a formação do pensamento

teórico, Moura (1996), propõe a Atividade Orientadora de Ensino:

Na AOE, ambos, professor e estudante, são sujeitos em atividade e como sujeitos se

constituem indivíduos portadores de conhecimentos, valores e afetividade, que estarão

presentes no modo como realizarão as ações que têm por objetivo um conhecimento

de qualidade nova. Tomar consciência de que sujeitos em atividade são indivíduos é

primordial para considerar a AOE como um processo de aproximação constante do

objeto: o conhecimento de qualidade nova. A atividade, assim, só pode ser orientadora

(MOURA et al, 2010, p. 97).

As pesquisas sobre a Atividade Orientadora de Ensino apontam-na como unidade

entre formação do estudante e do professor. Isto porque, o professor, ao organizar as ações que

objetivam a atividade de aprendizagem do estudante, também, requalifica seu próprio

conhecimento. Assim, a atividade é orientadora,

[...] no sentido de que é construída na inter-relação professor e estudante está

relacionada à reflexão do professor que, durante todo o processo, sente necessidade

de reorganizar suas ações por meio da contínua avaliação que realiza sobre a

coincidência ou não entre os resultados atingidos por suas ações e os objetivos

propostos (MOURA et al, 2010, p. 101).

A estrutura da Atividade Orientadora de Ensino permite que os envolvidos no

processo de ensino e aprendizagem interajam, “mediados por um conteúdo negociando

significados com o objetivo de solucionar coletivamente uma situação problema” (MOURA,

2001, p. 155). De acordo com Moura (1996), estas situações podem ocorrer por meio de

diferentes recursos metodológicos: Jogos infantis, história virtual do conceito e situações

emergentes do cotidiano.

Em síntese, o ensino organizado com base nos pressupostos da AOE é produto e

processo. A AOE “como mediadora, conduz ao desenvolvimento psíquico dos sujeitos que a

realizam” (MOURA et al., 2010, p. 108). A relação entre desenvolvimento psíquico e ensino

64

implica na compreensão do papel de algumas atividades que o ser humano desenvolve. Segundo

Davídov (1988, p. 70, tradução nossa),

A base do desenvolvimento mental é justamente a substituição do tipo de atividade

praticada, que através da necessidade determina o processo pelo qual as novas

formações psicológicas começam a ser modeladas no indivíduo. Desta maneira, o

novo tipo de atividade que sustenta o desenvolvimento mental integral da criança em

uma idade específica foi chamada de atividade “principal”.

Em cada atividade principal se constituem as correspondentes formações

psicológicas, cuja sucessão configura uma unidade do desenvolvimento psíquico da criança.

Das atividades principais analisadas por Davídov (1988), tais como a do jogo, estudo, trabalho,

entre outras, nos deteremos a duas delas: a atividade do jogo e a atividade de estudo13, por

compreendê-las como essenciais para esta pesquisa, já que os dados que subsidiaram a análise,

no capítulo anterior, foram obtidos com crianças de oito a nove anos.

Segundo o referido autor,

A atividade do jogo é a mais característica para a criança de três a seis anos. Em sua

realização surgem na criança a imaginação e a função simbólica, a orientação no

sentido geral das relações humanas, a capacidade de separar nelas os aspectos de

subordinação e direção; [...] a atividade de estudo se forma nas crianças de seis a dez

anos. Sobre sua base surge, nas crianças, a consciência e o pensamento teóricos, se

desenvolvem as capacidades correspondentes (reflexão, análise, planejamento

mental) e também as necessidades e motivos de estudo (DAVÍDOV, 1988, p. 74,

tradução nossa).

Ao analisarmos as atividades principais, poderíamos adotar como base para este

estudo somente a atividade de estudo, pois é esta que corresponde a idade e o estágio escolar

dos sujeitos da presente pesquisa, como ingressantes recentes na educação escolar. Entretanto,

optamos por refletir sobre a transição entre atividade do jogo para a atividade de estudo. Isto

porque,

[...] embora uma atividade principal, em particular, seja característica de um período

de desenvolvimento associado à faixa etária, isto não significa que outros tipos de

atividades estejam ausentes ou sejam “introduzidas à força” em uma determinada

faixa etária. Sabe-se, por exemplo, que a brincadeira é a atividade principal de

crianças em idade pré-escolar. Mas, nas crianças também encontram elementos de

estudo e trabalho no período pré-escolar de suas vidas. Porém, estes elementos não

determinam o caráter das mudanças psicológicas básicas em uma determinada idade:

13 O termo atividade de estudo não deve ser tomado como sinônimo de aprendizagem. “A atividade de estudo tem

um conteúdo e uma estrutura especial e há que diferenciá-la de outros tipos de atividade principais” (DAVÍDOV,

1988, p. 159, tradução nossa).

65

os diferentes aspectos destas mudanças psicológicas dependem mais do que nunca da

natureza da brincadeira. (DAVÍDOV, 1988, p. 71-72, tradução nossa).

Desse modo, o desenvolvimento da imaginação e da função simbólica,

características essenciais da atividade do jogo, não acabam quando a criança entra na escola.

Isto porque, em primeiro lugar, “o que uma série de psicólogos chama de ‘crise’ no

desenvolvimento psíquico da criança é o ponto de virada no transcurso normal deste processo

quando, por exemplo, uma necessidade é substituída por outra e, em consequência, uma

atividade é substituída por outra” (DAVÍDOV, 1988, p. 89, tradução nossa). A criança que entra

no Ensino Fundamental continua, em sua essência, criança, ou seja, suas necessidades ainda a

colocam em atividade do jogo, a diferença é que neste momento esta não é mais sua atividade

principal. Além disso, é necessário “certo tempo para que os ‘ex pré-escolares’ comecem a

converter-se, desde os seis anos, em verdadeiros escolares com todas as peculiaridades

psicológicas” (DAVÍDOV, 1988, p. 76, tradução nossa).

Concebemos a história virtual do conceito como um recurso didático da AOE que

possibilita a transição entre a atividade do jogo e a atividade de estudo, por meio do enredo

lúdico, da essência do conceito e da necessidade histórica do mesmo. A necessidade do

conceito, também é gerada nas tarefas davydovianas, quando o estudante depara-se com tarefas

não solucionáveis pelos procedimentos já apropriados. Entretanto, é necessário que as

características da imaginação e ludicidade estejam presentes, neste momento de transição de

uma atividade principal para outra.

A fim de refletirmos sobre os conteúdos e metodologias de ensino, com base nas

reflexões apresentadas anteriormente, optamos por elaborar, em colaboração com os

pesquisadores do grupo de pesquisa TEDMAT14, uma história virtual, compreendida como uma

narrativa que proporciona ao estudante envolver-se na solução de um problema (MOURA;

LANNER DE MOURA, 1998). O enredo tem como contexto o conto popular “O casamento da

Dona Baratinha” (MACHADO, 2004) e a personagem principal, Dona Baratinha, envia uma

carta solicitando ajuda aos estudantes:

14 Grupo de Pesquisa Teoria do Ensino Desenvolvimental na Educação Matemática sediado na UNISUL, criado e

coordenado pela Prof.ª Dr.ª Josélia Euzébio da Rosa. O referido grupo integra a unidade de relacionamento

gepapeana de Santa Catarina com o GPEMAHC - Grupo de Pesquisa em Educação Matemática: uma Abordagem

Histórico-Cultural (UNESC), criado e coordenado pelo Prof. Dr. Ademir Damazio.

66

Ilustração 17- O casamento da Dona Baratinha

O CASAMENTO DA DONA BARATINHA

Caros estudantes,

Quem escreve aqui é a Dona Baratinha, que tem fita no cabelo e dinheiro na

caixinha. Vocês já devem ter escutado minha história por aí e sabem que depois de muitos

pretendentes vou me casar com o Sr. Ratão. Vamos reunir a bicharada em uma grande festa.

Para isso, reservamos o salão mais bonito da nossa pequena cidade de Pinheiral e uma banda

da cidade vizinha animará a festa.

Quanto a decoração do salão, nós gostamos muito de rosas, cada mesa terá um

vaso com rosas. Como os nossos amigos tem muitos filhos, genros, noras e netos, o salão terá

muitas mesas.

Só que nós, baratinhas, não frequentamos a escola como vocês e stou com

problemas para saber quantas rosas precisaremos para a decoração. Meu noivo é meio

atrapalhado com tudo, apesar de não fazer grandes barulhos como os outros pretendentes, ele

fala demais. Então, quando tento pensar a quantidade de rosas que precisaremos, ele fica me

distraindo, falando de bolo de casamento, doces, queijos, feijoada... e eu acabo me

desconcentrando.

Então peço a ajuda de vocês. Eu preciso saber: quantas rosas precisaremos e

quanto dinheiro vou ter que retirar da minha caixinha?

Solicito à vocês que me mandem uma carta para me ajudarem a solucionar esse

problema, pois vou ter que repassar as instruções aos amigos que estão me ajudando na festa.

Desde já agradeço,

Dona Baratinha. Fonte: Elaboração da autora, 2015.

A elaboração da história virtual constituiu-se como um momento essencial na

produção deste capítulo. Consideramos a carta uma história virtual porque, com um enredo

lúdico15, coloca a criança diante de uma situação problema, semelhante a situação vivenciada

pelo homem historicamente (MOURA; LANNER DE MOURA, 1998).

15 Por lúdico entendemos uma situação em que “a infração da lógica das ações e regras é repelida” (ELKONIN,

1998, p. 299),

67

Após esse momento, pensamos na objetivação da história no desenvolvimento da

atividade de ensino do professor e da atividade de estudo do estudante. Mais uma vez, a

indissociabilidade entre professora/pesquisadora fez com que o movimento criado fosse de

possibilidades de objetivação, em sala de aula, desta história. Embora nossa preocupação seja

de não nos limitarmos as particularidades, foi necessário recorre-las, a título de exemplificação.

A partir de agora refletiremos sobre algumas hipóteses de respostas, ora refletindo efetivamente

em uma resposta para Dona Baratinha, ora refletindo sobre as ações dos professores e

estudantes, a partir dos pressupostos da lógica dialética, por meio da unidade entre AOE e a

proposição davydoviana.

Mas, porque relacionar a proposição davydoviana e a Atividade Orientadora de

Ensino? Pelo fato de que Davídov e colaboradores (Rosa (2012), Madeira (2012), Crestani

(2013), Dorigon (2013), Matos (2013), Silveira (2012), Hobold (2014), Cunha (2014), Moya

(2015), Silveira (2015), Rosa (2015) Matos (2015), entre outros) sistematizaram o ensino da

Matemática a partir dos fundamentos da Teoria Histórico-Cultural. Ou seja, objetivaram os

pressupostos teóricos no modo de organização e desenvolvimento do ensino da Matemática.

Nesse sentido,

Davýdov oferece aos estudiosos da didática e das didáticas disciplinares o suporte

teórico e prático para o ensino escolar. Não foi por acaso que definiu sua investigação

inicial como a elaboração da ‘fundamentação lógico-psicológica da estrutura das

disciplinas escolares’, pois a causa à qual dedicou sua vida pessoal, profissional e

científica foi a de criar as bases teóricas de uma metodologia de ensino na escola,

tendo como referência uma psicologia pedagógica (LIBÂNEO; FREITAS, 2013, p.

346-347).

Algo essencial nas ideias de Davídov advém da relação entre pensamento empírico

e pensamento teórico:

O pensamento empírico é muito importante na vida, porém, ‘obstaculiza o caminho’

quando queremos que os alunos entendam bem algum conhecimento teórico que se

ensina na educação escolar moderna. Isto porque, para entender uma teoria, utilizamos

outro tipo de pensamento que se estuda na lógica dialética, que se chama pensamento

teórico (DAVYDOV, 1998, p. 147-148, tradução nossa).

Ao considerar que o conhecimento empírico obstaculiza o desenvolvimento do

pensamento teórico, Davýdov (1998) se opõe a ideia do conhecimento empírico como ponto de

partida para o desenvolvimento do conhecimento teórico:

A débil influência do ensino primário no desenvolvimento mental das crianças está

ligada, primeiramente, com o fato de que os alunos dominam o material didático

68

predominantemente por meio de abstração e generalização empíricas, as quais não

podem servir de base para avanços qualitativos no desenvolvimento do

pensamento dos estudantes (DAVÍDOV, 1988, p. 167, tradução e grifos nossos).

Assim, a base para avanços qualitativos no desenvolvimento do pensamento deve

contemplar a reflexão, análise e experimento mental, característicos do pensamento teórico

(DAVÍDOV, 1988). Ao pensar no problema de Dona Baratinha surge, a seguinte situação

problema: Qual o total de rosas que ela precisará?

Primeiramente, em relação a reflexão dos estudantes, o professor possui o papel de

orientar e direcionar a reflexão dos mesmos para que estes não se limitem a busca de respostas,

mas, também, a elaboração de perguntas e hipóteses (ROSA, 2012). De acordo com Davídov

(1988), a atividade de estudo não é inata na criança, precisa ser desenvolvida. Para tanto, faz-

se necessário desenvolver, entre outras, a ação investigativa, materializada na elaboração de

perguntas direcionadas tanto ao professor quanto aos colegas, isto contribuirá para a

estruturação da atividade de estudo (ROSA, 2012). Além disso, segundo Rubinstein (1976) o

processo pedagógico, como atividade do professor, forma a personalidade infantil em

desenvolvimento na medida em que o professor dirige a atividade da criança.

Sobre a atividade de estudo da criança, Davídov (1988) com base nas ideias de

Vigotski (2000) sobre o processo de interiorização, diz:

Originalmente o indivíduo (principalmente a criança) está incluído de maneira direta

em uma certa atividade social distribuída entre os membros de um certo coletivo, que

tem uma expressão externa, concreta e que se realiza com ajuda de diferentes meios

materiais e semióticos. [...] precisamente na passagem das formas externas, realizadas

coletivamente, da atividades para as formas internas, implícitas, individuais de sua

realização, ou seja, no processo de interiorização, de transformação do interpsíquico

em intrapsíquico, se realiza o desenvolvimento psíquico do homem (DAVÍDOV,

1988, p. 55-56).

Nesse processo de interiorização, de acordo com os fundamentos da Teoria

Histórico-Cultural, a apropriação do movimento conceitual é orientado do geral para o

particular e singular (DAVÝDOV, 1982). Este movimento ocorre em função da relação

universal (ROSA, 2015). Nesta perspectiva, a resolução da história anteriormente apresentada

parte do aspecto geral do conceito. A quantidade de vasos ou rosas não está dada. O

levantamento de hipóteses de situações particulares torna-se o primeiro passo para a solução do

problema desencadeador, uma vez que o mesmo está apresentado em seu caráter geral:

O caminho da apropriação de conhecimento que temos assinalado tem traços

característicos. Em primeiro lugar, o pensamento dos estudantes move-se orientado

do geral para o particular (no começo buscam e fixam a ‘célula’ universal, inicial do

69

material a estudar e logo, apoiando-se nela, revelam as diversas particularidades do

objeto dado (DAVÍDOV, 1988, p. 175, tradução nossa).

Desse modo, por meio da célula, ou seja, a relação universal do objeto dado, os

estudantes procedem a generalização e abstração teóricas, orientando-se por este movimento,

ocorre a formação do conceito.

Os estudantes podem, então, apresentar reflexões que revelem a seguinte

problemática: Como resolver o problema de Dona Baratinha sem saber o valor aritmético das

quantidades envolvidas?

Em Matemática, quando não sabemos o valor aritmético de uma grandeza que

queremos medir ou contar, podemos recorrer ao caráter geral e representá-la por uma letra, ou

seja, por meio das significações algébricas (ROSA, 2012). A “álgebra como conhecimento

matemático (...) se caracteriza essencialmente pela busca da relação quantitativa entre as

grandezas variáveis de forma geral, sendo esta sua relação teórica essencial ou célula”

(PANOSSIAN, 2014, p. 107, grifos da autora).

Portanto, na resolução da história, as letras representam valores que podem sofrer

variações em função do movimento do geral para o particular e singular que a história almeja

desencadear. Nesse sentido, tomemos uma rosa como unidade de medida básica16, para

proceder a contagem um a um. Esta, representaremos pela letra A. Além disso, temos outro

valor desconhecido, o todo, o qual representaremos pela letra C. De posse desses valores gerais,

representados algebricamente, já é possível proceder algumas reflexões sobre os mencionados

valores. Por exemplo, qual é maior, A (unidade de medida básica) ou C (total de rosas)? Ou são

iguais? A resposta matematicamente esperada é: A é menor que C (A < C), uma vez que haverá

mais de uma rosa no salão. Vale esclarecer que, quanto aos sinais de menor que (<) e maior que

(>), a abertura sempre fica direcionada para o maior.

Além da representação por meio de letras, representação algébrica, podemos

representar a desigualdade entre os dois valores em análise, por meio de segmentos de retas.

Mas, o que são segmentos de retas?

Para responder esta questão, sugerimos a seguinte tarefa: primeiramente, o

professor solicita que os estudantes desenhem em seus cadernos duas linhas retas. Como fazer

para traçar uma linha reta? A resposta matematicamente correta refere-se a utilização de um

objeto com os lados retos, dobrar a folha ou o auxílio da régua (ROSA, 2012).

16 Adotamos a unidade de medida um rosa, entretanto a proposiç

70

Em seguida, o professor solicita que, em cada uma destas linhas retas, o estudante

marque dois pontos. Além disso, pede para que seja destacado com outra cor a parte reta entre

os dois pontos e explica “que a parte destacada chama-se segmento. Por isso, às vezes, as

extremidades dos segmentos são marcadas com riscos, como se fosse a linha de corte” (ROSA,

2012, p. 88-89), conforme ilustração a seguir:

Ilustração 18 – Linhas, pontos e segmento

Fonte: Elaboração nossa com base em Rosa (2012).

A introdução desses elementos geométricos, na proposta de Davýdov, ocorre logo

no primeiro ano de escolarização. Contempla:

[...] as inter-relações e conexões entre elementos como ponto, segmento de reta e reta

inseridos em um sistema, como integridade objetiva. Traduz, pois, o que o

materialismo histórico e dialético denomina de ‘unidade do diverso’ (MARX, 2003,

p. 248), como concreto. Fora dessa unidade, a reta não existe, uma vez que ela se

constitui de infinitos segmentos, cada um deles, por menor que seja, é formado por

infinitos pontos. Consequentemente, a reta também é constituída por infinitos pontos

(ROSA, 2012, p. 90).

O questionamento que emerge após a construção do segmento é: Como representar

por segmentos de reta, os valores A e C?

Ilustração 19 – Representação da relação de desigualdade entre A e C

Fonte: Elaboração nossa com base em Rosa (2015)

Qual dos segmentos anteriores (Ilustração 19), representa a unidade de medida

básica? E qual representa o total de unidades de medida básica? Com base nas reflexões já

71

realizadas, é possível concluir que o primeiro segmento representa o valor C (total de rosas no

salão) e o segundo o valor A (unidade de medida básica). Assim, o segmento menor, tomado

de uma extremidade a outra representa uma unidade de medida básica, conforme indica o arco

(Ilustração 03):

Ilustração 20 – Introdução do arco

Fonte: Elaboração nossa com base em Rosa (2015)

Com base na Ilustração 20 temos, até o momento, de acordo com Rosa (2012), a

representação algébrica e a representação geométrica: como a representação aritmética pode ser

revelada neste contexto? Ao professor cabe a elaboração de questionamentos, como por

exemplo, quantas vezes A se repete em C? Ou, no contexto da história em análise, quantas rosas

Dona Baratinha precisará? (Ilustração 21)

Ilustração 21 – Representação geométrica e algébrica da quantidade de rosas

Fonte: Elaboração nossa com base em Rosa (2015).

Com base no esquema apresentado visualmente, por meio de elementos algébricos

e geométricos (ROSA, 2015), podemos determinar a quantidade de rosas que Dona Baratinha

precisará? Ainda não, pois não sabemos quantas vezes A se repete em C. Trata-se de um valor

ainda desconhecido.

Portanto, em síntese, temos que C = A + A + A + A ... + A + A + A. Quantas vezes

A se repete? Como ainda não sabemos, supomos que A se repete por y vezes, desse modo,

temos: C = y x A. O número de vezes (y) que a unidade de medida básica (A) se repete, consiste

no total de rosas (C). Mas, como ajudar Dona Baratinha a determinar o total de rosas

A A A A A A A A

C

..............

A

72

necessárias? Ainda não sabemos quantas rosas ela colocará em cada vaso e nem quantos vasos

terão. Estes valores são indispensáveis para que possamos resolver o problema vivenciado por

Dona Baratinha. Vamos supor que Dona baratinha colocará a quantidade de rosas apresentadas

no esquema (Ilustração 22):

Ilustração 22 – Cálculo da quantidade de rosas

Fonte: Elaboração nossa com base na proposição davydoviana, 2015.

Após a contagem de algumas rosas, como na Ilustração 22, sugerimos que o que o

professor simule um incômodo com a demora deste procedimento da contagem de unidade por

unidade, além de não estar explícito até onde a contagem deverá ser realizada. Também é

importante refletir sobre as limitações da contagem um a um e a possibilidade de elaboração de

um modo mais rápido para determinar o total de rosas.

A síntese a ser elaborada consiste na ideia de que contar vaso por vaso é mais rápido

do que rosa por rosa. Pois, possibilita a superação da contagem de rosa por rosa (um a um), que

é um procedimento de cálculo demorado. Para tanto, basta sabermos quantos vasos serão

utilizados e a quantidade de rosas que serão colocadas em cada um deles. Historicamente, a

humanidade também vivenciou as limitações da contagem um a um, no que se refere ao controle

de quantidades. A solução encontrada pela humanidade foi a contagem por agrupamentos:

A contagem por agrupamentos representa uma nova qualidade no pensamento em

relação à contagem por correspondência um-a-um. À medida que se faz necessário

controlar quantidades sempre maiores, lança-se mão de estratégias que organizam e

agilizam a contagem. É criada uma unidade relativa: um que vale muitos e muitos que

valem um (MOURA, 1995, p. 77).

A contagem por agrupamento será o princípio que seguiremos na resposta à Dona

Baratinha. Como ela gosta muito de rosas, supomos que ela colocará mais de uma rosa em cada

vaso. Desse modo, a quantidade de rosas de cada vaso, consiste em um agrupamento. Vamos

representar esses valores desconhecidos algebricamente:

73

Ilustração 23- Representação algébrica dos valores desconhecidos

Fonte: Elaboração nossa, 2015.

A unidade de medida básica que adotamos é uma rosa, a partir dela é que

formaremos agrupamentos. Davýdov e colaboradores propõem o esquema de setas para auxiliar

na interpretação das tarefas apresentadas em seu material didático, para os conceitos de divisão

e multiplicação (CRESTANI, 2013; HOBOLD, 2014). Portanto, adotaremos o esquema de

setas para a interpretação do problema desencadeador contemplado na História de Dona

Baratinha.

De acordo com Davídov,

Os modelos expressos com letras e os modelos gráficos cumprem um importante

papel na formação dos conceitos matemáticos. Sua particularidade essencial é que

reúnem o sentido abstrato com a concretização objetal. Falando estritamente, a

abstração da relação matemática pode ser produzida somente com a ajuda das

fórmulas expressadas por meio de letras (DAVÍDOV, 1988, p. 214, tradução nossa).

Por meio das letras, iniciaremos a construção do esquema de seta a partir das

informações que já temos: unidade de medida básica (A), todo (C), quantidade total de rosas

(y). Para isso, faremos uma seta (A → C) que indica o ponto de partida na resolução do

problema (Ilustração 24).

Ilustração 24- Construção inicial do esquema de setas

Fonte: Elaboração nossa com base em Crestani (2013); Hobold (2014).

A quantidade de vezes que a unidade de medida básica se repete no agrupamento

denomina-se unidade de medida intermediária e, com base nessa medida, é que

A C (Unidade de medida básica) (Todo)

(Total de rosas)

74

conseguiremos um processo de cálculo mais rápido para determinar o valor do todo, a

quantidade de unidades básicas (HOBOLD, 2014). Para Madeira (2012) a unidade de medida

intermediária consiste em um elemento essencial por determinar “dois fatores componentes da

operação da multiplicação: multiplicando e multiplicador. Ou seja, em termos aritméticos é dela

que surge a quantidade de vezes que uma determinada quantidade de unidade está sendo

multiplicada” (MADEIRA, 2012, p. 159).

No esquema de segmentos (Ilustração 25) temos:

Ilustração 25- Esquema de segmentos

Fonte: Elaboração nossa com base na proposição davydoviana, 2015.

No esquema anterior (Ilustração 25), temos a representação genérica da quantidade

de rosas por vaso (z), da quantidade de vasos (x) e da quantidade de rosas no total (y). Assim,

conforme já mencionamos, a quantidade de rosas de cada vaso (z) consiste na unidade de

medida intermediária.

O que implica, de acordo com Hobold (2014), na inclusão, no esquema iniciado na

ilustração 06, de mais uma seta (A → B), inclinada, direcionada para baixo, com a indicação

de quantas vezes a unidade básica (A) se repete na unidade de medida intermediária (B),

conforme a ilustração 26.

x

y

z ..................

.....

z

75

Ilustração 26 - Esquema de setas: unidade de medida intermediária

Fonte: Elaboração nossa com base em Hobold (2014); Crestani (2013).

Desse modo, a unidade de medida básica se repete z vezes na unidade de medida

intermediária. Com o intuito de finalizar o processo de constituição do esquema proposto por

Davýdov e colaboradores (HOBOLD, 2014; CRESTANI, 2013) para o processo de ensino e

aprendizagem dos conceitos de multiplicação e divisão, incluiremos uma terceira seta (B → C)

para indicar quantas vezes a unidade de medida intermediária (B) se repete no todo (C),

conforme a ilustração 27.

Ilustração 27- Esquema de setas: relação universal

Fonte: Elaboração nossa com base em Hobold (2014); Crestani (2013).

Este esquema foi construído a partir dos elementos que constituem a relação

universal dos conceitos de multiplicação e divisão tais como: unidade de medida básica (A),

unidade de medida intermediária (B) e o todo (C). A inter-relação desses elementos ocorre a

partir da seguinte lei: z . x = y. Eis o modelo da relação universal do conceito de multiplicação,

inicialmente constituído por elementos geométricos e algébricos (Ilustração 09), e agora, em

seu nível máximo de abstração, reduzido a sua expressão literal. Desse modo, concluímos o

z

A

(Unidade de medida intermediária)

B

y

C

(Quantidade de vezes que a unidade de

medida básica se repete)

z

A

(Unidade de medida intermediária)

B

y

C

(Quantidade de vezes que a unidade de

medida básica se repete) (Quantidade de vezes que a unidade de

medida intermediária se repete)

76

processo de redução do concreto ao abstrato. Essa relação universal possibilita a resolução de

diversas situações particulares referentes ao conceito.

Em relação ao movimento do concreto ao abstrato, Lefebvre (1991, p. 111-112)

afirma que, estes não podem ser separados; “são dois aspectos solidários, duas características

inseparáveis do conhecimento. Convertem-se, incessantemente, um no outro: o concreto

determinado torna-se abstrato e o abstrato aparece como concreto já conhecido [pensado]”.

Após o movimento de redução do concreto (ponto de partida) ao abstrato, é

necessário, portanto, a ascensão do abstrato ao concreto (DAVÍDOV, 1988). Neste movimento

do pensamento teórico de compreensão do fenômeno, o qual mencionamos no capítulo inicial

da presente dissertação, o concreto aparece duas vezes, “como ponto de partida da

contemplação e representação, reelaboradas no conceito e como resultado mental da reunião

das abstrações” (DAVÍDOV, 1988, p. 150, tradução nossa). O concreto é,

[...] um processo de síntese, de inferência sintética; partindo da abstração inicial se

desenvolve toda a multiplicidade concreta do fenômeno. Enquanto que o passar do

sensorial concreto ao abstrato aplicamos, sobretudo, a análise, o procedimento de

investigação mais importante para ascender do abstrato ao mentalmente concreto é a

síntese. Como já temos dito, a síntese não é uma simples ligação mecânica de partes

separadas até formar um todo, mas um procedimento de desenvolvimento; é a

inferência do singular e concreto partindo do geral e abstrato. Unicamente esse

desenvolvimento sintético que vai de uns conceitos e definições, a outros mais

concretos, pode reproduzir – como resultado de todo o caminho de ascensão – a

concreta diversidade das facetas do fenômeno em sua unidade (ILIENKOV, 2006, pp.

172 - 173).

Tomamos como concreto ponto de partida a situação desencadeadora, a partir dela,

revelamos os elementos que compõem a relação universal. Por meio desta relação, abstraída e

apresentada por meio de modelos geométricos e algébricos, é possível resolver o problema

desencadeador da História Virtual. Isso ocorre porque

Quando os estudantes resolvem a tarefa de estudo, eles dominam, inicialmente o

procedimento geral de solução de tarefas particulares. A solução da tarefa escolar é

importante não somente no caso particular dado, sim para todos os casos do mesmo

tipo. Aqui o pensamento dos estudantes se move do geral para o particular

(DAVÍDOV, 1988, p. 179, tradução nossa).

O movimento criado pela história ocorre, portanto, do geral para o particular. O

problema desencadeador contempla o conceito de multiplicação em seu aspecto geral, ele é o

ponto de partida para as diversas situações particulares que podem surgir, “a passagem do geral

para o particular se realiza não só concretizando o conteúdo das abstrações iniciais, mas,

77

também, substituindo os símbolos expressos por letras pelos símbolos numéricos concretos”

(DAVÍDOV, 1988, p. 215, tradução nossa).

Nesse sentido, o professor pode, portanto, sugerir que os estudantes apresentem

valores aritméticos para representar as quantidades envolvidas na história e, a partir destes,

proceda a modelação da grandeza, que nesse caso, é a discreta.

As grandezas discretas, segundo Costa (1866), são aquelas que “não podem

aumentar ou diminuir por graus tão pequenos [...]” (COSTA, 1866, p. 09). Já as grandezas

contínuas, “são as que podem aumentar ou diminuir por graus tão pequenos quanto se queira

[...]” (COSTA, 1866, p. 09). Desse modo, objetos soltos, como por exemplo, flores, bonecas,

bicicletas, pessoas, entre outros, são contados por meio da grandeza discreta, pois só podem

aumentar ou diminuir de unidade em unidade: uma rosa, duas rosas, três rosas e, assim,

sucessivamente. Não faz sentido contar meia rosa, por exemplo. A menos que o foco seja seu

volume, massa, entre outras. Pois, as grandezas contínuas, diferentemente das discretas, podem

ser aumentadas ou diminuídas em partes menores.

Ao contrário da história em análise, se pensarmos nos dados analisados no capítulo

anterior, este movimento do geral para o particular não ocorre. Os estudantes resolvem, apenas,

problemas particulares. Diante disso, cabe ressaltar, conforme já mencionado, que os estudantes

resolvem “[...] com inteiro acerto somente problemas do tipo que eles conhecem e cuja

identificação prévia é a premissa fundamental para reproduzir o método resolutivo concreto que

antes assimilaram” (DAVÝDOV, 1982, p. 155, tradução nossa).

A título de exemplificação, supomos que os estudantes sugeriram os números 4 e

6. Essa situação particular, no contexto do conceito de multiplicação, pode ser modelada do

seguinte modo (Ilustração 28):

Ilustração 28 - Modelação da grandeza discreta a partir dos valores 4 e 6.

Fonte: Elaboração nossa com base na proposição davydoviana, 2015.

78

Como trata-se da grandeza discreta, cada unidade de medida básica é representada

por um ponto. Os valores 4 e 6 são dispostos por meio de linhas e colunas. Essa situação

particular (Ilustração 28), no contexto da multiplicação, possibilita duas singularidades: quatro

vasos com seis rosas ou seis vasos com quatro rosas. A modelação da relação universal expressa

por meio da grandeza é importante porque, o conteúdo do pensamento teórico,

[...] é a existência mediatizada, refletida, essencial. O pensamento teórico é o processo

de idealização de um dos aspectos da atividade objetal-prática, a reprodução, nelas,

das formas universais das coisas. Tal reprodução tem lugar na atividade laboral das

pessoas como peculiar experimento objetal-sensorial. Logo este experimento adquire

cada vez mais um caráter cognoscitivo permitindo para as pessoas, passar, com o

tempo, para os experimentos realizados mentalmente (DAVÍDOV, 1988, p. 125,

tradução nossa).

Assim, o ponto de partida para a apropriação do conceito é a atividade objetal,

possibilitada pelos órgãos do sentidos. Entretanto, a “essência das coisas permanece oculta no

olhar imediato, requerendo-se grandes esforços para revelar esta essência” (ROSENTAL, 1962,

p. 354). Visualmente, por meio da modelação da grandeza (Ilustração 10), pode-se constatar

uma situação particular que depende do valor tomado como unidade de medida intermediária

para ser transformada em uma situação singular. O valor da unidade de medida intermediária

depende do contexto singular em análise. Se considerarmos, por exemplo, a quantidade disposta

na linha como a unidade de medida intermediária, quantas vezes ela se repete no todo

(Ilustração 29)?

Ilustração 29 – Linha tomada como unidade de medida intermediária

Fonte: Elaboração nossa com base na proposição davydoviana, 2015.

Na situação singular anterior (Ilustração 29), a unidade de medida intermediária (6)

se repete por (4) vezes, conforme o esquema de setas a seguir (Ilustração 30):

79

Ilustração 30 - Esquema de setas para 6 x 4

Fonte: Elaboração nossa com base na proposição davydoviana, 2015.

Entretanto, ainda é desconhecido o valor do total de rosas. Como podemos realizar

esse cálculo? A sugestão davydoviana é que se inicie o processo de ensino e aprendizagem das

operações básicas no contexto da reta numérica (ROSA, 2012; CRESTANI, 2013; ALVES,

2013; MATOS, 2013; HOBOLD, 2014; SILVEIRA, 2015;). Na reta, as unidades de medidas

intermediárias (agrupamentos) serão representadas por arcos. O ponto geométrico de partida é

o zero e o resultado consistirá no ponto de chegada do último arco (Ilustração 31).

Ilustração 31 - Cálculo na reta numérica para 6 x 4 = 24

Fonte: Elaboração nossa com base na proposição davydoviana, 2015.

Assim temos seis vezes quatro (6 que se repete por 4 vezes). De acordo com o

resultado, obtido por meio da reta numérica, Dona Baratinha precisará de 24 rosas. Como se

pode observar,

[...] a modelação está ligada com o caráter visual, amplamente utilizado pela didática

tradicional. Contudo, no marco do Ensino Desenvolvimental o caráter visual tem um

conteúdo específico. Nos modelos visuais se refletem as relações e as vinculações

essenciais ou internas do objeto, separadas (abstraídas) por meio das correspondentes

transformações (o visual concreto habitualmente só fixa as propriedades externamente

observáveis das coisas) (DAVÍDOV, 1988, p. 214, tradução nossa).

A C

B

6 4

?

80

Desse modo, pode-se constatar que podemos considerar outra situação singular, na

qual a coluna é tomada como unidade de medida intermediária. Quantas vezes ela se repete no

todo (Ilustração 32)?

Ilustração 32 - Coluna tomada como unidade de medida intermediária

Fonte: Elaboração nossa com base na proposição davydoviana, 2015.

Conforme a Ilustração 32, a unidade de medida intermediária (4) se repete seis

vezes, conforme o esquema de setas a seguir (Ilustração 33):

Ilustração 33 – Esquema de setas para 4 x 6

Fonte: Elaboração nossa com base na proposição davydoviana, 2015.

Do mesmo modo que procedemos na situação singular anterior, a reta numérica

auxiliará na determinação do valor do todo, conforme segue (Ilustração 34):

A C

B

4 6

?

81

Ilustração 34 - Cálculo da operação 4 x 6 = 24 na reta numérica

Fonte: Elaboração nossa com base na proposição davydoviana, 2015.

Neste caso temos 4 x 6 = 24 (Ilustração 34). Ou seja, quatro (unidade de medida

intermediária) vezes seis (quantidade de vezes que a unidade de medida intermediária se

repete). O resultado obtido, assim como no cálculo anterior, são 24 rosas. Isso ocorre em função

da propriedade comutativa da multiplicação na qual: “a . b = b . a” (CARAÇA, 2002, p. 19).

Ilustração 35 – As operações 4 x 6 = 24 e 6 x 4 = 24 na reta numérica

Fonte: Elaboração nossa com base na proposição davydoviana.

Embora, sejam operações diferentes, que representam situações singulares

distintas, o valor do todo é o mesmo. Desse modo, se Dona Baratinha tiver seis vasos e colocar

quatro rosas, em cada um, precisará de vinte e quatro rosas e se forem quatro vasos com seis

rosas cada, também precisará de vinte e quatro rosas. Estas são apenas duas singularidades

decorrentes da particularidade considerada. No entanto, a História em análise, por seu caráter

geral, possibilita a reflexão sobre infinitas situações particulares e singulares.

Por exemplo, ainda na situação particular em que o número quatro é tomado como

unidade de medida intermediária, serão infinitas as possibilidades de singularidades, se não

delimitarmos o segundo valor. Anteriormente (Ilustrações 33 e 34) ao considerarmos o valor

quatro como unidade de medida intermediária, durante a resolução da operação 4 x 6 = 24,

apresentamos seis possibilidades singulares (4 x 1 = 4, 4 x 2 = 8, 4 x 3 = 12, 4 x 4 = 16, 4 x 5 =

82

20 e 4 x 6 = 24). No entanto, caso a quantidade de vasos seja maior que seis, teremos outras

situações singulares, conforme segue (Ilustração 36):

Ilustração 36 - Situações singulares decorrentes de uma particularidade

Fonte: Elaboração nossa com base na proposição davydoviana, 2015.

Na sequência apresentada na ilustração anterior (36), o valor da unidade de medida

intermediária, representada inicialmente por z, é a constante (quatro). A quantidade de vezes

que a constante se repete é a variável independente (x). A variável y, por sua vez, depende dos

valores atribuídos a x, portanto, variável dependente. A sequência que resultou da lei 4 . x = y

também é conhecida, na Matemática básica, de tabuada.

Cabe ressaltar, ainda sobre a ilustração (36), que na operação 4 x 0 = 0, ao tomarmos

o número zero como multiplicador, o resultado, será sempre zero. Isto porque, a unidade de

medida intermediária não se repete nenhuma vez, ou seja, não há formação de nenhum

agrupamento.

Mas, onde termina a sequência particular anteriormente apresentada (Ilustração

36)? A continuidade vai depender da situação singular requerida. A perspectiva da continuidade

é necessária para a compreensão de que qualquer número inteiro terá seu lugar na tabuada, que

ela não se limita no número 10. Além disso, também é importante termos clareza que a relação

particular 4 . x = y nos liberta para atribuirmos qualquer valor à x. Por exemplo, para x = 15,

83

teremos: 4 x 15 = 60. O mesmo é válido para o sucessor de 15 (4 x 16 = 64) e assim

sucessivamente.

Nesse sentido, nossa proposição é que a estrutura interna da tabuada seja

compreendida e memorizada, nos limites da unidade de segunda ordem, no caso do sistema de

numeração decimal, a dezena com possibilidade de generalização para a sequência infinita, a

fim de subsidiar o cálculo mental (SILVEIRA, 2015). Por exemplo, 4 x 16 = 64 é o mesmo

que: 4 x 10 = 40 mais 4 x 6 = 24. O que possibilitaria a superação da necessidade permanente

de utilização dos riscos, dedos conforme revelaram os dados que apresentamos no segundo

capítulo da presente dissertação, quando o estudante Guilherme afirma: “[...] quando eu não sei

eu faço risquinhos no rascunho [...] se for muito grande, as vezes, eu me perco” (Entrevista com

Guilherme, agosto de 2014). Conforme mencionamos no capítulo anterior, os primitivos

utilizavam os dedos ou os riscos para representá-los durante o cálculo e os estudantes

participantes da pesquisa assim procedem.

Tais resultados são confirmados pela Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA)

de 2014. De acordo com Renato Janine, ministro da Educação, o maior problema das crianças

do 3º ano do Ensino Fundamental é a Matemática, área na qual 57% mostraram um nível

inadequado de aprendizagem (AGÊNCIA BRASIL, 2015). Para a avaliação de Matemática, o

MEC dividiu a aprendizagem em quatro níveis, foram considerados inadequados os dois

primeiros. Em relação à esta divisão, o ministro afirma que no “[...] primeiro, a criança tem

apenas o conhecimento que traz de casa. No segundo, ela é capaz de fazer operações, mas muito

simples” (AGÊNCIA BRASIL, 2015).

Desse modo, os resultados da ANA, publicados em setembro de 2015, reforçam o

que dizem alguns pesquisadores brasileiros (ROSA, 2012, BRUNELI, 2012, HOBOLD, 2014,

entre outros): a maioria dos estudantes brasileiros permanecem nos limites do conhecimento

empírico. Porém, ao ingressar na escola, os estudantes deveriam desenvolver a atividade estudo,

destinada a apropriação do conhecimento teórico de sua época que é diferente daqueles

utilizados na vida cotidiana:

O desenvolvimento desta relação teórica para a realidade permite ao homem ‘sair’ dos

limites da vida cotidiana, observada diretamente; A inserção no amplo círculo dos

conhecimentos mediatizadamente representados que transcorrem no mundo e também

nas relações das pessoas (DAVÍDOV, 1988, p. 162, tradução nossa).

Para nós, ao permanecer nos limites da vida cotidiana, como por exemplo, o que

demonstra os resultados da ANA, a escola pouco contribui na formação mais ampla do ser

humano.

84

[..] A atividade de estudo plena, como atividade principal dos estudantes, pode ser a

base de seu desenvolvimento omnilateral. Em segundo lugar, as aptidões e hábitos

realmente firmes de leitura compreensiva e expressiva, de escrita e cálculo corretos

se forma nas crianças na presença de determinados conhecimentos teóricos. Em

terceiro lugar, a atividade consciente dos estudantes para o estudo se apoia na sua

necessidade, desejo e capacidade de aprender, os que surgem no processo de

cumprimento real da atividade de estudo (DAVÍDOV, 1988, p. 171, tradução nossa).

O cumprimento real da atividade de estudo, a partir da situação desencadeadora de

aprendizagem, consiste em observar e transformar os dados da história, não solucionáveis pelos

procedimentos conhecidos pela criança. A finalidade é revelar e distinguir “uma relação

completamente definida de certo objeto integral” (DAVÍDOV, 1988, p. 182, tradução nossa).

O conceito matemático adotado no processo de reflexão da primeira pergunta de

Dona Baratinha (total de rosas), a fim de tornar o processo de contagem menos trabalhoso, foi

o de multiplicação. Coletivamente, a partir dessas reflexões, os estudantes podem sintetizar a

definição do conceito de multiplicação, como uma soma de parcelas iguais (CARAÇA, 2002),

conforme os termos matemáticos do conceito (Ilustração 37):

Ilustração 37 – Termos do conceito de multiplicação

Fonte: Elaboração nossa com base na proposição davydoviana, 2015.

Dada a expressão anterior (Ilustração 37), z é o multiplicando, x o multiplicador e

y o produto. É importante adotar os termos corretos, para que os estudantes se apropriem, além

do conceito, da linguagem adequada. Para Lefebvre (1991, p. 88), os instrumentos do

pensamento “não podem ser separados dos objetos aos quais se aplicam. A lógica concreta

[dialética], portanto, descreverá tais instrumentos mais aperfeiçoados, tais ‘formas racionais’, e

resumirá assim milhões e milhões de experiências”. Desse modo, a relação universal do

conceito de multiplicação, modelada algebricamente, corresponde e se aplica a diversas

situações particulares.

Nascimento (2014), com base em Davídov, diz que

85

Os modelos teóricos possuem um duplo papel: são instrumento de análise para o

estudo do conteúdo das relações essenciais de um objeto (na medida em que nos

permitem de forma “direta” a análise das relações internas de um fenômeno, testando

as hipóteses sobre quais seriam essas relações e como se dá a conexão ou os nexos

entre os seus elementos) e são, também, um modo de exposição sintética dos nexos

internos encontrados pela análise (NASCIMENTO, 2014, p. 54).

Os modelos gráficos e literais permitem a análise e revelam as sínteses realizadas

a partir da experiência sensorial, “que constitui a base do conhecimento humano” (SILVEIRA,

2015, p. 134). Nesse sentido, Davídov (1988, p. 176, tradução nossa) aponta que:

Segundo a lei geral de interiorização, a forma inicial das ações de estudo é o seu

cumprimento empregado em objetos exteriormente representados. ‘... o domínio das

ações mentais – escreveu Leontiev – que estão na base da apropriação, da ‘herança’

pelo indivíduo dos conhecimentos, dos conceitos elaborados pela humanidade, requer

indispensavelmente a passagem do sujeito desde as ações realizadas externamente

para as ações no plano verbal e, finalmente, a paulatina interiorização destas últimas,

como resultado do qual adquirem o caráter das operações mentais’ [...].

Para que estas ações de interiorização adquiram um caráter mental, por meio da

reprodução e apropriação do conceito, a proposição davydoviana sugere a inclusão, também,

de tarefas que envolvam as grandezas discretas e contínuas (DAVÝDOV, 1982). Para que isso

ocorra, a história elaborada contempla duas perguntas e envolve a grandeza discreta (rosas) e a

contínua (valor monetário).

Em relação à segunda pergunta apresentada na História Virtual: “Quanto dinheiro

vou ter que retirar da minha caixinha?” Utilizaremos a mesma operação que adotamos para

determinar a quantidade de rosas. Para isso, precisaremos saber o custo de cada rosa.

Supomos que cada rosa custará três moedas. Além disso, consideremos as situações

singulares propostas anteriormente (4 x 6 = 24 ou 6 x 4 = 24). Como são 24 rosas, e cada rosa

custa 3 moedas, este será o valor da unidade de medida intermediária (3). Portanto, faremos

agrupamentos compostos por três unidades cada, que se repetirão por 24 vezes (total de rosas),

conforme o esquema de setas (Ilustração 38).

Ilustração 38 - Esquema de setas para a situação singular 3 x 24 = ?

Fonte: Elaboração nossa com base na proposição davydoviana, 2015.

A C

B

3 24

?

86

Até então, realizamos o cálculo com o auxílio da reta numérica, pois, de acordo

com a proposição davydoviana, a reta numérica é o ponto de partida para a introdução do

conceito de multiplicação (CRESTANI, 2013; HOBOLD, 2014). Entretanto, temos agora, uma

situação singular na qual a unidade de medida intermediária se repetirá por vinte e quatro vezes,

o que torna o cálculo na reta numérica um procedimento demorado e, portanto, precisa ser

superado por um outro mais rápido. Faz-se necessário o algoritmo do conceito da multiplicação

ou, nas palavras de Davýdov e colaboradores (ГОРБОВ, C. Ф. МИКУЛИНА Г. Г.;

САВЕЛЬЕВА О. В., 2003)17 a multiplicação em coluna.

A sugestão da referida proposição é a decomposição do multiplicando pelas

centenas, dezenas e unidades que o compõem. Isto porque, ao decompor o multiplicando, os

estudantes podem orientar-se pela tabuada. Por exemplo, para realizar a operação da situação

particular em análise, temos (Ilustração 39):

Ilustração 39 - Decomposição do multiplicando (24)

Fonte: Elaboração nossa com base em ГОРБОВ, C. Ф. МИКУЛИНА Г. Г.; САВЕЛЬЕВА О. В., 2003.

Para determinar o produto (total) da operação 24 x 3 = ___, por meio da

decomposição, temos duas dezenas que se repetem por três vezes e quatro unidades que também

se repetem por três vezes. Para determinar o resultado, a continuidade do cálculo (Ilustração

20), ocorre do seguinte modo (Ilustração 40):

Ilustração 40 - Cálculo da operação da multiplicação em linha

20 . 3 + 4 . 3 = 60 + 12 = 72

17 Livro didático e no livro de orientação ao professor referente ao terceiro ano do Ensino Fundamental da

proposição davydoviana.

87

Fonte: Elaboração nossa com base em ГОРБОВ, C. Ф. МИКУЛИНА Г. Г.; САВЕЛЬЕВА О. В., 2003.

Conforme a ilustração 40, ao orientar-se pela tabuada do número três, o estudante

determina o valor da operação. Assim, para duas dezenas vezes três, teremos seis dezenas e

para quatro unidades vezes três teremos doze unidades. A conclusão do cálculo ocorre por meio

da adição dos resultados parciais obtidos. Nesta situação singular, Dona Baratinha precisaria de

setenta e duas moedas.

Em seguida, para a introdução do algoritmo da multiplicação, sugere-se a redução

do registro, por meio da decomposição mental do multiplicando (centenas, dezenas e unidades).

Por exemplo, se Dona Baratinha tivesse 1324 flores (Ilustração 41):

Ilustração 41 - Redução do registro: cálculo da multiplicação em linha

1324 . 3 = 3000 + 900 + 60 + 12 = 3972

Fonte: Elaboração nossa com base em ГОРБОВ, C. Ф. МИКУЛИНА Г. Г.; САВЕЛЬЕВА О. В., 2003.

Ao reduzirmos o registro, demos mais um passo em direção ao procedimento que

agiliza o cálculo mental (Ilustração 41). Além disso, também é importante sistematizar o

algoritmo da multiplicação (multiplicação em coluna). Se Dona Baratinha precisasse adquirir

2132 rosas ao custo de 3 moedas cada, seria necessário o cálculo do produto (2132 . 3 = ____),

conforme a ilustração 42:

Ilustração 42 - Cálculo da operação da multiplicação em linha e coluna

2132 . 3 = 6000 + 300 + 90 + 6 = 6396

2132

x 3

6396

Fonte: Elaboração nossa com base em ГОРБОВ, C. Ф. МИКУЛИНА Г. Г.; САВЕЛЬЕВА О. В., 2003.

Para determinar o produto da operação 2132 . 3 = ____ (Ilustração 42),

determinamos e anotamos em linha o primeiro produto parcial (6000). Ele é colocado também

na coluna correspondente a unidade de milhar (6). De modo análogo, gradativamente, anotamos

os demais resultados parciais (centenas, dezenas e unidades). Conclui-se, por meio da

comparação dos dois modos de cálculo, linha e coluna, que no de coluna já temos a resposta

88

final e no procedimento em linha temos que executar a operação da adição. Assim, o novo modo

de registro, torna-se um procedimento de cálculo mais rápido que o anterior.

Mas está correto iniciar pela unidade de milhar? Reflitamos sobre duas operações.

Na primeira iniciaremos o cálculo a partir da unidade de milhar e na segunda a partir da unidade

(Ilustração 43):

Ilustração 43 - Cálculo a partir da unidade de milhar e a partir da unidade básica

2252

x 3

6656

6756

Fonte: Elaboração nossa com base em ГОРБОВ, C. Ф. МИКУЛИНА Г. Г.; САВЕЛЬЕВА О. В., 2003.

As operações (Ilustração 43) foram desenvolvidas de dois modos distintos. Na

primeira, iniciando pelo número da ordem maior e na segunda pelo número da menor ordem.

No primeiro caso, ao final do cálculo, é necessário corrigir o registro. Isso ocorre em função da

transformação de unidades em dezenas, de dezenas em centenas, e assim sucessivamente. No

segundo caso, o resultado parcial pode ser memorizado e em seguida adicionado ao produto

obtido na sequência18. Ou, ao ocorrer a formação de uma nova ordem, esta pode ser indicada

com uma seta e o número que representa o novo valor (SILVEIRA, 2015). Assim, a operação

realizada a partir da unidade, torna o procedimento mais cômodo, pois não é necessário corrigir

o registro ao término do cálculo.

Mas, retomando, as reflexões sobre resposta à Dona Baratinha, conforme já

mencionamos, a situação singular em análise consiste em setenta e duas moedas (Ilustração 19).

Será que Dona Baratinha terá moedas suficientes? Ainda não temos essa informação. Como é

um valor desconhecido, representaremos o total de dinheiro pela letra H e daremos algumas

sugestões para Dona Baratinha:

18 Esse procedimento, no ensino tradicional, é empiricamente conhecido como “vai um”.

1423

x 3

4269

89

Ilustração 44 - Três possibilidades de singularidades

Fonte: Elaboração nossa, 2015.

Caso a opção seja pela última possibilidade, primeiramente, faz-se necessário

determinar o custo para cada vaso: serão quatro agrupamentos (parcelas) de 2,50 cada. Na reta

numérica, o ponto de partida é o zero, e o resultado consistirá no ponto geométrico no qual o

último agrupamento atingir.

Ilustração 45 - Cálculo na reta numérica da operação 2,50 x 4 = ___.

Fonte: Elaboração nossa com base na proposição davydoviana, 2015.

De acordo com o resultado obtido (Ilustração 45), Dona Baratinha precisará de 10

moedas para cada vaso. Cabe ressaltar que, no decorrer do processo de ensino e aprendizagem

dos conceitos matemáticos, em especial do conceito de multiplicação, o estudante irá apropriar-

se do algoritmo também para situações com números decimais. Entretanto, este não é o objetivo

nesse momento de introdução do conceito.

90

Além da reta numérica e do algoritmo referente ao conceito de multiplicação, há

outro procedimento de cálculo que poderá ser utilizado para determinar o produto em todos as

situações apresentadas: a calculadora.

Como produção humana contemporânea, a calculadora atende ao princípio dos

pressupostos da Teoria Histórico-Cultural de apropriação de conceitos em seu atual estágio de

desenvolvimento. Na proposição davydoviana, a sugestão do uso deste instrumento é para

operações com números altos e, também, como comprovação de resultados obtidos por meio

da reta numérica, cálculo mental, contagem um a um, etc.

Em algumas tarefas da referida proposição a sugestão é a resolução, da mesma

tarefa, por modos diferentes de cálculo: “o professor propõe que uma criança conte de unidade

em unidade (1, 2, 3, ..., 15), outra utilize a calculadora e as demais realizem o cálculo com

auxílio da régua” (HOBOLD, 2014, p. 109). Esta sugestão estende-se as situações particulares

e singulares que apresentamos nesta resolução.

Para finalizar o cálculo da quantidade de moedas é preciso determinar o valor total

dos vasos. Para tanto, formaremos agrupamentos de dez unidades cada (valor de cada vaso)

que se repetirão por 6 vezes (quantidade de vasos), considerando a situação particular proposta

anteriormente, conforme ilustração a seguir:

Ilustração 46 – Cálculo na reta numérica do valor total de moedas que Dona Baratinha precisará

Fonte: Elaboração nossa com base na proposição davydoviana.

Vale ressaltar que Dona Baratinha não mencionou em sua carta qual moeda tem em

sua caixinha. No contexto brasileiro, a moeda oficial é o Real. Supomos, por exemplo, que as

moedas totalizem R$ 80,00 e que seus gastos sejam de R$ 60,00. Como ela poderá saber se

possui dinheiro suficiente?

91

A resposta matematicamente correta, será obtida por meio da subtração (80 – 60 =

20)19. Com base nos resultados obtidos a partir das situações particulares e singulares sugeridas

no decorrer deste, a resposta à Dona Baratinha poderia ser do seguinte modo:

Ilustração 47 – Carta para Dona Baratinha

Cara Dona Baratinha,

Somos pesquisadoras sobre Educação Matemática e pretendemos ajudá-la com o

problema de seu casamento. A dificuldade que você encontrou para contar as rosas, uma a

uma, também encontramos por aqui atualmente. A limitação desse modo de cálculo também

ocorreu, historicamente, quando as quantidades a serem contadas foram aumentando. A

solução encontrada, pela humanidade, foi a contagem por agrupamento. Este é o princípio que

seguiremos nesta carta resposta.

Como você gosta muito de rosas, supomos que haverá mais de uma em cada vaso.

Temos, portanto, a unidade de medida básica (uma rosa) e o que chamaremos de unidade de

medida intermediária (quantidade de rosas por vaso), pois ela facilita o processo de contagem.

Primeiramente, para possibilitar nossa comunicação, vamos representar os valores

desconhecidos algebricamente (por letras): Quantidade de rosas por vaso (z), quantidade de

vasos (x) e total de rosas (y). Os elementos essenciais para que você encontre um modo mais

rápido de contagem são:

O conceito que adotamos para responder sua carta, em Matemática, é denominado de

multiplicação. Quando você precisar agilizar um processo de cálculo poderá orientar-se pela

19 O cálculo, com o auxílio da reta numérica, diferente da multiplicação, para qual o ponto de partida é o zero,

neste caso o ponto de partida é o valor total (80). No entanto, os valores maiores são realizados no algoritmo. Para

aprofundar o estudo das operações de adição e subtração em Davýdov sugerimos as leituras de Rosa, Damazio e

Alves (2013) e Silveira (2015).

92

relação universal da multiplicação que, ao considera a representação algébrica desta carta,

consiste em z . x = y.

Para o procedimento de cálculo sugerimos que você adote a reta numérica, ela é o

lugar geométrico do conceito de número. Cada unidade de medida intermediária formará um

agrupamento (arco). O ponto de partida é o zero e o resultado consistirá no ponto geométrico

que o último agrupamento atingir (ponto de chegada):

Você adotará a mesma operação para calcular a quantidade de rosas e o quanto de

dinheiro que você terá que retirar de sua caixinha. Para isso, você precisará saber o valor de

cada rosa e a quantidade de vezes que ela se repete (y).

Concluímos nossa carta desejando-lhe um ótimo casamento e que não corra nenhum

imprevisto. Por falar em imprevistos, tome cuidado, ficamos sabendo que você tem um noivo

guloso, que pode empolgar-se demais e acabar caindo em alguma deliciosa panela de feijão

que estiver “dando sopa”.

Além disso, reflita sobre a necessidade da compra de rosas e sobre a lógica do capital.

Mas, como nossa carta já se estendeu demais, deixamos essa conversa para outras

correspondências que trocaremos. Até breve!

Lembranças à bicharada, em especial ao seu noivo Sr. Ratão.

Abraços dos integrantes do TEDMAT

Fonte: Elaboração nossa, 2015.

Enfim, as ações de estudo apresentadas no decorrer deste, como possibilidades de

resolução da história Virtual intitulada O Casamento de Dona Baratinha, estão dirigidas para

que:

Os estudantes revelem as condições do surgimento do conceito do qual estão em

processo de apropriação (para quê e como se separa seu conteúdo, por quê e em quê

se fixa este, em que casos particulares se manifesta depois). É como se os próprios

estudantes construíssem o conceito, embora com a direção sistemática do professor

(ao mesmo tempo o caráter dessa direção muda gradativamente e cresce, também

gradativamente, o grau de autonomia do estudante) (DAVÍDOV, 1988, p. 183-184,

tradução nossa).

93

Foi esse movimento de construção do conceito que tentamos imprimir ao longo do

presente capítulo. O ponto de partida foram as reflexões sobre uma possível situação vivenciada

pela personagem principal da história, por concebermos que, “os conceitos nascem da prática e

resumem, sintetizam o que previamente está dado na vida real, na prática” (ROSENTAL, 1962,

p. 328).

Por outro lado, se consideramos o conhecimento empírico como ponto de partida,

isso significaria que os estudantes precisariam, primeiramente, realizar generalizações e

abstrações empíricas e formarem conceitos igualmente empíricos, conforme, os dados

apresentados no capítulo anterior, para, somente depois disso, realizarem generalizações,

abstrações e conceitos teóricos? No entanto, Davídov (1999) é enfático ao afirmar que o

pensamento empírico obstaculiza o desenvolvimento do pensamento teórico.

A aprendizagem dos conceitos científicos e o desenvolvimento do pensamento

teórico, finalidades principais da atividade de ensino, só ocorrem por meio de um processo

orientado, organizado e sistematizado, mediante procedimentos analíticos que ultrapassem os

limites das experiências empíricas. Davídov (1988, p. 111, tradução nossa) enfatiza que “sem

dúvida alguma, a experiência vital da criança deve ser utilizada no ensino, mas somente por via

de sua reestruturação qualitativa dentro da forma, especial e nova para o aluno, do

conhecimento científico teórico”.

Portanto, não é qualquer ensino que oportuniza a aprendizagem e o

desenvolvimento mencionados, ao contrário, somente aquele cuja intencionalidade está

direcionada a este objetivo. Nas palavras de Vygotsky (1988), como mencionamos, o bom

ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento.

No entanto, segundo Davídov (1988, p. 59, tradução nossa):

As gerações anteriores transmitem para as sucessivas não somente as condições

materiais da produção, mas, também, as capacidades para produzir as coisas nessas

condições. As capacidades são a memória ativa que a sociedade tem de suas forças

produtivas universais.

Com as palavras de Davídov (1988) enfatizamos, a título de fechamento deste

capítulo, que o modo de organização de ensino é uma “herança” de gerações anteriores, que

precisa ser superado. Sabemos que o desafio é grande, inclusive na formação de professores.

Porém, nas palavras de Vigotski (1995, p. 12), “[...] é mais fácil mil fatos novos em qualquer

âmbito que um ponto de vista novo sobre uns poucos fatos já conhecidos”. Para Araújo (2003,

p. 43),

94

Trazer à mesa de discussões a formação de professores, não é apresentar uma

preocupação nova. Trata-se de um tema desgastado, até mesmo pela forma como tem

sido abordado: procurando culpados. Condenados e absolvidos revezam-se no banco

dos réus, sem direito a fala; e parece que a “justiça” nunca se concretiza. Pouca coisa

muda, muito permanece. Razão pela qual o tema continua a figurar com freqüência

nas manchetes pedagógicas. Falar de formação fugindo do terreno infértil, onde na

maioria das vezes foi plantada, é um grande e necessário desafio.

Conscientes de quão grande é o desafio, alertamos que somente a organização do

ensino com vistas ao desenvolvimento do pensamento teórico não dá conta da diversidade de

problemas que a educação brasileira está submetida. Entretanto, tampouco sem ele, haverá

mudanças. Nesta “mesa de discussões”, entra, portanto, a formação de professores, as condições

objetivas de trabalho docente, entre outros. Pois,

[...] a questão sobre as potencialidades de desenvolvimento de um ou outro sistema

de educação e ensino se pode analisar do seguinte modo: o sistema historicamente

formado e já estabelecido garante a apropriação, pelas crianças, de determinado

conjunto de capacidades, que correspondem às exigências da sociedade. Os meios e

procedimentos de organização da atividade reprodutiva se tornam tradicionais e

cotidianos. O papel desenvolvimental deste sistema torna-se oculto. Mas, se a

sociedade dada deve formar nas crianças um novo conjunto de capacidades, torna-se

indispensável criar um sistema de educação e ensino que organize o funcionamento

eficaz de novos tipos de atividade reprodutiva. Neste caso, o papel desenvolvimental

do sistema atua de forma aberta e se torna objeto de discussão especial, de análise e

organização consciente, orientada a um objetivo definido por parte da sociedade

(DAVÍDOV, 1988, p. 59, tradução nossa).

Assim, no sistema historicamente formado e já estabelecido na realidade brasileira

a formação ocorre, conforme os dados da presente pesquisa e de outras realizadas por

pesquisadores brasileiros (ROSA, 2015; HOBOLD, 2014; ROSA, 2012; entre outros), em sua

essência, para desenvolver o pensamento empírico. E este parece atender as exigências da

estrutura social vigente, já que perdura. Vislumbramos, pois, que esta realidade seja

transformada e que a essência requerida para os estudantes brasileiros seja o desenvolvimento

do pensamento teórico.

95

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na atividade de estudo, as jovens gerações reproduzem em

sua consciência as riquezas teóricas que a humanidade

acumulou e expressou nas formas ideais da cultura

espiritual (DAVÍDOV, 1988, p. 174, tradução nossa).

A epígrafe que finaliza este estudo aponta aquilo que defendemos desde a

elaboração do projeto da presente dissertação: Na atividade de estudo ocorre a reprodução, no

processo de apropriação, do conhecimento produzido historicamente pela humanidade. Para

compreendermos esse processo elencamos como objetivo: investigar o conhecimento

matemático dos estudantes do 3º ano do Ensino Fundamental sobre o conceito de multiplicação.

Os dados de pesquisa foram obtidos por meio do acompanhamento de uma turma de 3º ano

escolar, de uma escola da Rede Estadual, no município de Tubarão, durante o segundo semestre

de 2014.

A fim de investigarmos o conhecimento dos estudantes, consideramos que este é

composto por abstrações, generalizações e conceitos. Assim, a análise dos dados obtidos, teve

por objetivo revelar como ocorre o processo de formação de conceito, a partir das abstrações e

generalizações desenvolvidas. Para atingir tal objetivo, fundamentamo-nos nos três princípios

investigativos de Vygotsky (1988): analisar processos e não objetos; explicação e não apenas

descrição e o estudo do comportamento fossilizado.

Diante de tais princípios, a análise dos dados foi realizada no contexto dos

isolados/unidade de análise, abstrações auxiliares e dos episódios. Como unidade de análise,

que nos possibilitou revelar a essência do fenômeno investigado, elencamos a relação entre a

lógica adotada e o processo de ensino e aprendizagem do conceito de multiplicação. A partir

desta unidade, constituímos dois episódios: O movimento de formação do conhecimento

referente ao conceito de multiplicação e um diálogo sobre o conceito de multiplicação.

No primeiro episódio, analisamos o movimento de formação do conceito de

multiplicação, pelos estudantes, a partir das aulas da professora titular do terceiro ano.

Constatamos que o processo de ensino e aprendizagem investigado fundamenta-se na lógica

formal. Nesta lógica, o movimento conceitual é organizado a partir do estabelecimento, por

comparação, das características comuns a partir das sensações e percepções de determinado

objeto, ou, em outras palavras, com base somente na aparência externa. Após esta comparação,

96

ocorre a união de objetos soltos em classes, de acordo com os atributos comuns, substanciais.

Por fim, há a formação de uma imagem geral representativa do objeto no plano mental.

O esquema percepção – representação – conceito desenvolve nos estudantes, de

acordo com Davídov (1988), o conhecimento empírico. A essência, neste processo de

elaboração do conhecimento, consiste na redução do conteúdo do conceito aos dados sensoriais,

aos seus traços comuns, com a contagem nos dedos, típica do homem primitivo.

Diante desta análise, nos questionamentos: Onde está a saída? De acordo com a

Teoria que fundamenta a análise crítica que desenvolvemos, se conteúdo e método sustentam-

se na unidade de abstração, generalização e conceitos formais, irá desenvolver o conhecimento

empírico. Por outro lado, se a organização do ensino ocorre na unidade entre abstração,

generalização e conceitos teóricos, com a finalidade de desenvolver capacidades teóricas de

reflexão, análise e planejamento, o conhecimento desenvolvido será o teórico, típico do homem

contemporâneo (DAVÍDOV, 1988).

Com isso, elaboramos o capítulo final da presente dissertação, com o objetivo

refletir as possibilidades de materialização, dos fundamentos da Teoria Histórico-Cultural, no

modo de organização do ensino do conceito de multiplicação. O movimento conceitual que

culmina no conceito teórico, teve como ponto de partida a relação entre grandezas discretas e

contínuas, na redução do concreto ao abstrato e ascensão do abstrato ao concreto. No caráter

geral do conceito, focamos na relação universal, nas relações internas do conceito, ou seja, sua

essência, que possibilita a aplicação do mesmo nas diversas situações particulares e singulares.

Reproduzimos esta relação em modelos objetais, gráficos e literais, para proceder ao estudo das

propriedades do conceito na inter-relação entre as significações algébricas, geométricas e

aritméticas. Desse modo, por meio de elementos mediadores (esquema, reta numérica, entre

outros), atingimos o concreto ponto de chegada.

Ao realizar a síntese do movimento de nossa investigação e ao chegarmos ao fim

deste estudo, é possível que, ainda, nos perguntem: Mas, afinal, é possível a objetivação em

sala destes pressupostos? A resposta está nos 25 anos de pesquisa de Davýdov e colaboradores

para a elaboração de tal proposta, que afirma que, sim, é possível. Vale lembrar que a realidade

da educação russa, quando Davýdov propôs elaborou sua teoria, era semelhante a nossa (ROSA,

2012; BRUNELLI, 2012; HOBOLD, 2014).

Além disso, a experiência no curso de Pedagogia, como estagiária de docência na

disciplina de Fundamentos da Matemática para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, indica

que há possibilidades. Isto porque, tanto no decorrer do processo de aprendizagem das

97

acadêmicas, quanto nos relatos dos estágios que as mesmas realizaram, levando para a sala de

aula aquilo que aprenderam na disciplina, tivemos indícios dessa possibilidade.

Para finalizar, cabe retomar dois movimentos trazidos na constituição enquanto

pesquisadora: intimidade e distância. Estes dois movimentos considerados inversos por sua

etimologia são vistos, dialeticamente, ao fim desta pesquisa, pois não há mais como “separar”

a professora da pesquisadora e vice-versa. Para tanto, diante do compromisso social assumido,

vislumbramos algumas possibilidades de temáticas para futuras pesquisas: A organização do

ensino de Matemática na Educação Infantil e a formação de professores com base na Teoria

Histórico-Cultural. Educação infantil, por ser a base necessária ao desenvolvimento da

atividade de estudo e formação de professores por transitar em todos os níveis de ensino.

98

REFERÊNCIAS

AGÊNCIA BRASIL. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2015-

09/matematica-e-area-mais-preocupante-para-alunos-da-alfabetizacao. Acesso em: 18 de

setembro de 2015.

ANDRÉ, M. E. D. A. Etnografia da prática escolar. São Paulo: Papirus, 1995.

ASBAHR, F. “Por que aprender isso, professora?” Sentido pessoal e atividade de estudo

na Psicologia Histórico Cultural. 2011. 219 f. Tese (Doutorado)-Instituto de Psicologia da

Universidade de São Paulo, 2011.

BERNARDES, M. E. M. A constituição do pensamento na atividade prática: implicações no

processo pedagógico. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 16, n. 4, p. 521-530, out./dez. 2011.

BICUDO, M. A. V. Pesquisa em educação matemática. Proposições, Campinas, v. 4, n. 10, p.

18-23, mar. 1993.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Portaria nº 867, de 4 de julho de 2012. Institui o

Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e as ações do Pacto e define suas diretrizes

gerais. Brasília, DF: Diário Oficial da União. MEC, 2012a. Disponível em:

<http://pacto.mec.gov.br/images/pdf/port_867_040712.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2014.

______. Ministério da Educação e Cultura. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade

Certa – Manual do Pacto. MEC: Brasília, DF. 2012b. Disponível em:

<http://pacto.mec.gov.br/images/pdf/pacto_livreto.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2014.

BRUNELLI, J. B. Projeto ou atividade de ensino e de aprendizagem? Expressões da

implantação da Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina. 2012. 128 f.

Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma.

CARAÇA, B. J. Conceitos fundamentais da matemática. Lisboa: Livraria Sá da Costa,

2002.

CEDRO, W. L. O motivo e a atividade de aprendizagem do professor de matemática:

uma perspectiva histórico cultural. 2008. 242 f. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade de

Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

CEDRO, W. L.; MORAES, S. P. G.; ROSA, J. E. A Atividade de Ensino e o

desenvolvimento do pensamento teórico em Matemática. Ciência & Educação, v. 16, n. 2, p.

427-445, 2010.

CHIZZOTTI, A. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. Petrópolis: Vozes,

2006.

COUTO, M. Pensatempos: textos de opinião. 2. ed. Lisboa: Caminho, 2005.

COSTA, J. M. C. Da. Tratado de arithmetica. Lisboa: Imprensa Nacional, 1866.

99

CRESTANI, S. Análise conceitual das proposições de Davydov e seus colaboradores para

o ensino do conceito de divisão. 2013. 70 f. Monografia (Especialização em Educação

Matemática) - Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma. CUNHA, A. L. A. Ensino de estatística: uma proposta fundamentada na teoria do ensino

desenvolvimental. 2014, 128 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Pontifícia

Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

DAMAZIO, A.; ROSA, J. E.; EUZÉBIO, J. S. O ensino do conceito de número em diferentes

perspectivas. Educação Matemática Pesquisa, v. 14, p. 209-231, 2012.

DAVIDOV, V. V. A new approach to the interpretation of activity structure and content. In:

CHAIKLIN, S.; HEDEGAARD, M.; JENSEN, U. J. (Org.). Activity theory and social

practice: cultural-historical approaches. Aarhus (Dinamarca): Aarthus University Press, 1999.

p. 39-50.

DAVÍDOV, V. V. La enseñanza escolar y el desarrollo psíquico: investigación teórica y

experimental. Trad. Marta Shuare Moscú: Editorial Progreso, 1988.

______. Análisis de los princípios dicácticos de la escuela tradicional y posibles princípios de

enseñanza em el futuro próximo. In: SHUARE, M. Psicologia evolutiva e pedagógica em la

URSS: Antología. Moscú: Progresso, 1987. p. 143-155.

DAVYDOV, V. V. O poniatti razvivaiushevo obutchénie. Moscou: Pedagogika, n. 1, 1995.

______. La renovación de la educación y el desarollo mental de los alunos. In: Thinking, The

Journal of Philososhy for Children. Vol. 13, nº4, 1998. p. 5-7.

DAVYDOV, V. V.; ZINCHENKO, V. P. A contribuição de Vygotsky para o

desenvolvimento da psicologia. In: DANIELS, H. (Org.). Vygotsky em foco: pressupostos e

desdobramentos. 4. ed. São Paulo: Papirus, 1999. p. 151-167.

DAVÝDOV, V. V. Tipos de generalizacion en la ensenanza. Havana: Pueblo y Educacion,

1982.

DORIGON, J. C. G. Proposições de Davydov para introdução ao conceito de equação.

2013. 90 f. Monografia (Especialização em Educação Matemática) - Universidade do

Extremo Sul Catarinense, Criciúma.

DUARTE, R. Pesquisa Qualitativa: reflexões sobre o trabalho em campo. Cadernos de

Pesquisa, São Paulo, n. 115, p. 139-154, mar. 2002.

EVES, H. Introdução à história da matemática. Tradução de Hygino H. Domingues.

Campinas, SP: Unicamp, 2007.

EZPELETA, J. Pesquisa participante. São Paulo: Ed. Cortez, 1989.

FERRARO, Alceu R. Diagnóstico da escolarização no Brasil. Revista Brasileira de

Educação, São Paulo, n. 12, p. 22-47, 1999.

100

FERREIRA, V. A. A formação de conceitos matemáticos nos anos iniciais: como

professores pensam e atuam com conceitos. 2013. 154 f. Tese (Doutorado em Educação)-PUC

– Goiás, 2013.

FIORENTINI, D. Alguns modos de ver e conceber o ensino da Matemática no Brasil.

Zetetiké - Revista do Círculo de Estudo, Memória, e Pesquisa em educação, v. 3, n. 4, p. 1-

16, 1995.

FIORENTINI, D.; LORENZATO, S. Investigação em educação matemática: percursos

teóricos e metodológicos. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2006. (Coleção

Formação de Professores).

FRAGA, L. P. Futuros professores e a organização do ensino: o clube de matemática como

espaço de aprendizagem da docência. 2013. 184 f. Dissertação (Mestrado em Educação)-

Universidade Federal de Santa Maria, 2013.

FURLANETTO, F. R. O movimento de mudança de sentido pessoal na formação inicial

do professor. 2013. 194 f. Tese (Doutorado)-Faculdade de Educação da Universidade de São

Paulo (FEUSP), São Paulo, 2013.

HOBOLD, E. S. F. Proposições para o ensino da tabuada com base nas lógicas formal e

dialética. 2014. 199 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade do sul de Santa

Catarina, Tubarão, 2014.

GONZÁLEZ REY, F. Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de construção da

informação. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.

IASI, M. L. Meta Amor Fases. Sao Paulo: Ed. Expressao Popular, 2008.

ILIENKOV, E. V. La ascensión de lo abstracto a lo concreto en principios de la lógica

dialéctica. In: JIMÉNEZ, A. T. Teoría de la construcción del objeto de estudio.

México: Instituto Politécnico Nacional, 2006. p. 151-200.

KOPNIN, P. V. A dialética como lógica e teoria do conhecimento. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1978.

KOSIK, K. A dialética do concreto. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

LEONTIEV, A. N. Actividad, consciência, personalidade. 2 ed. Havana: Pueblo y

Educacion, 1983.

LEFEBVRE, H. Lógica Formal e Lógica Dialética. Tradução de Carlos Nelson

Coutinho. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.

LIBÂNEO, J. C.; FREITAS, R. A. M. M. Vasily Vasilyevich Daydov: a escola e a formação

do pensamento teórico-científico. In: LONGAREZI, A. M.; PUENTES, R. V. (Org.). Ensino

Desenvolvimental: vida, pensamento e obra dos principais representantes russos. Uberlândia:

Edufu, 2013. p. 315-350.

LONGAREZI, A. M.; FRANCO P. L. J. A. N. Leontiev: a vida e obra do psicólogo da

atividade. In: LONGAREZI, A. M.; PUENTES, R. V.; (Org.). Ensino Desenvolvimental:

101

vida, pensamento e obra dos principais representantes russos. Uberlândia: Edufu, 2013. p. 67-

110.

LOPES, A. R. L. V. Aprendizagem docente no estágio compartilhado. 2004, 192 f. Tese.

(Doutorado em Educação: Ensino de Ciências e Matemática) – Universidade de São Paulo,

São Paulo, 2004.

MACHADO, Ana Maria. Dona Baratinha. Ilustração de Maria Eugênia. São Paulo: FTD,

2004.

MADEIRA, S. C. “Prática”: Uma leitura Histórico-Crítica e proposições davydovianas

para o conceito de multiplicação. 2012. 165 f. Dissertação (Mestrado em Educação) -

Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma. MARTINS, M. F. Marx, Gramsci e o conhecimento ruptura ou continuidade – As

dimensões ontológicas, axiológicas e gnosiológicas de uma “Filosofia da Transformação’’ O

Materialismo Histórico e Dialético. UNISAL: São Paulo, 2008.

MARX, K. O capital: critica da economia política. 2. ed. São Paulo: Nova cultural, 1989.

MATEMÁTICA no Planeta Terra. Disponível em:

<http://www.mat.uc.pt/~mat0703/PEZ/Civiliza%C3%A7%C3%A3oafricana2.htm>. Acesso

em: 1º maio 2015.

MATTOS, Priscila. Estudo da reta numérica na perspectiva histórico-cultural. 2015.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão

Preto/USP. Ribeirão Preto, 2015.

MATOS, C. F. Resolução de problemas davydovianos sobre adição e subtração por

estudantes brasileiros do sexto ano do ensino fundamental. 2013. 168 f. Monografia

(Especialização em Educação Matemática) - Universidade do Extremo Sul Catarinense,

Criciúma.

MORAES, S. P. G. Avaliação do processo de ensino e aprendizagem em Matemática:

contribuições da teoria histórico-cultural. 2008. 261 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de

Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

MORETTI, V. D. Professores de matemática em atividade de ensino: uma perspectiva

histórico-cultural para a formação docente. 2007. 206 f. (Doutorado em Educação: Ensino de

Ciências e Matemática) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

MOURA, M. O. Matemática na infância. In: MIGUEIS, M. R.; AZEVEDO, M. G. (Org.).

Educação Matemática na infância: abordagens e desafios. Serzedo – Vila Nova de Gaia:

Gailivro, 2007. p. 39-64.

______. O. O educador matemático na coletividade de formação: uma experiência com a

escola pública. 2000. 131 f. Tese (Livre-Docência em Educação) - Universidade de São

Paulo, São Paulo, 2000.

102

______. A construção do signo numérico em situação de ensino. 1992. 131 f. Tese

(Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992.

______. Pesquisa colaborativa: um foco na ação formadora. In: BARBOSA, R. L. L. (Org.).

Trajetórias e perspectivas da formação de educadores. São Paulo. Editora UNESP, 2004.

cap. 18. p. 257-284.

______. O. Atividade de ensino como ação formadora. In: CASTRO, A.; CARVALHO, A.

(Org.). Ensinar a ensinar: didática para a escola. São Paulo: Pioneira, 2002. p. 143-162.

MOURA, M. O. et al. Educação matemática nos anos iniciais do ensino fundamental:

princípios e práticas da organização do ensino. In: XVI ENDIPE - Encontro Nacional de

Didática e Práticas de Ensino – UNICAMP – Campinas, 2012. Anais... Campinas:

Junqueira & Marin Editores Livro 2, p. 02478-02489.

MOURA, M. O.; LANNER DE MOURA, A. R. Escola: um espaço cultural. In: Matemática

na Educação Infantil: conhecer, (re)criar – um modo de lidar com as dimensões do

mundo. São Paulo: Diadema/Secel, 1998.

MOYA, P. T. Princípios para a organização do ensino da Matemática no primeiro ano

do Ensino Fundamental. 2015, 168 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade

Estadual de Maringá, Maringá, 2015.

NASCIMENTO, C. P. A atividade pedagógica da Educação Física: a proposição dos

objetos de ensino e o desenvolvimento das atividades da cultura corporal. 2014, 293 f.

Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática) - Faculdade de Educação da

Universidade de São Paulo, São Paulo. NÚÑEZ, I. B. Vygotsky, Leontiev, Galperin: Formação de conceitos e princípios didáticos.

Brasília: Líber Livro, 2009.

PANOSSIAN, M. L. O movimento histórico e lógico dos conceitos algébricos com

princípio para constituição do objeto de ensino da álgebra. 2014. 317 f. Tese (Doutorado

em Educação) - Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.

PINO, Angel. As marcas do humano. São Paulo: Cortez, 2005.

PINTO, A. V. Ciência e existência: problemas filosóficos da pesquisa científica. Rio de

Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1969.

PRESTES, Z.; TUNES E.; NASCIMENTO, R. Lev Semionovitch Vigotski: um estudo da

vida e da obra do criador da psicologia histórico-cultural. In: LONGAREZI, A. M.;

PUENTES, R. V. (Org.). Ensino Desenvolvimental: vida, pensamento e obra dos principais

representantes russos. Uberlândia: Edufu, 2013. p. 47-66.

PUENTES, R. V.; LONGAREZI, A. M. Escola e didática desenvolvimental: seu campo

conceitual na tradição da teoria histórico-cultural. Educação em Revista, Belo Horizonte, v.

29, n. 1, p. 247-271, 2013.

103

RIBEIRO, F. D. A aprendizagem da docência na prática de ensino e no estágio:

contribuições da teoria da atividade. 2011. 196 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade

de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

RIGON, A. J. et al. Sobre o processo de humanização. In: MOURA, M. O. (Org.). A

atividade pedagógica na teoria histórico- cultural. Brasília: Liber Livro, 2010. p. 13-44.

ROSA, J. E. Proposições de Davydovy para o ensino de Matemática no primeiro ano

escolar: inter-relações dos sistemas de sistema de significações numéricas. 2012. 244 f. Tese

(Doutorado em Educação)-Universidade Federal do Paraná, 2012.

_______. Formação Matemática no Contexto do Curso de Pedagogia a partir dos

fundamentos da Teoria Histórico-Cultural. 2015. Trabalho apresentado no GT 19

Educação Matemática. Anais da 37a Reunião Científica da ANPEd. Florianópolis, Outubro de

2015. ISSN: 2447-2808. Disponível em:

<https://play.google.com/store/apps/details?id=dmx.appyou.anped37>. Acesso em:

05/novembro/ 2015.

ROSA, J. E.; MORAES, S. P. G.; CEDRO, W. L. As particularidades do pensamento

empírico e do pensamento teórico na organização do ensino. In: MOURA, M. O. (Org.). A

atividade pedagógica na teoria histórico-cultural. Brasília: Liber Livro, 2010a. p. 67-80.

RUBINSTEIN, S. L. O desarrolo de La psicologia: principios y métodos. Habana:

Editorial Puéblos y Educación, 1979.

_____. Princípios de psicologia geral. Havana: Pueblo y Educación, 1977.

______. A formação do pensamento teórico em uma atividade de ensino de Matemática. In:

MOURA, M. O. (Org.). A atividade pedagógica na teoria histórico-cultural. Brasília:

Liber Livro, 2010b. p. 135-154.

ROSENTAL, M. M. Principios de lógica dialectica. Tradução de Augusto Vidal

Roget. Ediciones Pueblos Unidos. Montevideo, Uruguai, 1962.

SANTA CATARINA. Proposta Curricular de Santa Catarina: formação integral na

educação básica. Governo do Estado de Santa Catarina – Secretaria de Estado da Educação.

2014. 192 p.

SERRÃO, M. I. B. Estudantes de pedagogia e “atividade de aprendizagem” do ensino em

formação. 2004, 220 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo, São

Paulo, 2004.

SILVA, M. M.; CEDRO, W. L.; 2015. O planejamento compartilhado das ações

pedagógicas: a aprendizagem da docência do professor de Matemática. Trabalho

apresentado no GT 19 Educação Matemática. Anais da 37a Reunião Científica da ANPEd.

Florianópolis, Outubro de 2015. ISSN: 2447-2808. Disponível em:

<https://play.google.com/store/apps/details?id=dmx.appyou.anped37>. Acesso em:

05/novembro/ 2015.

104

SILVEIRA, G. M. Unidade entre lógico e histórico no movimento conceitual do sistema

de numeração proposta por Davýdov e colaboradores para o ensino das operações da

adição e subtração. 2015. 186 f. Dissertação (Mestrado em Educação)-Universidade do Sul

de Santa Catarina, Tubarão, 2015.

_____. Introdução do valor posicional do algarismo zero na proposição de Davýdov e

colaboradores para o ensino do sistema numérico posicional. In: Anped Sul, X, 2014,

Florianópolis. Anais... Florianópolis: UDESC, 2014.

_____. Proposições para o ensino do sistema de numeração em Davýdov. 2012. 111 f.

Monografia (Especialização em Educação Matemática) - Universidade do Extremo Sul

Catarinense, Criciúma.

SOUSA, V. G. de. Realidade e possibilidades da prática docente em matemática 170

nos anos iniciais: um estudo mediado pelas proposições davydovianas. 2014. 221 f. Tese

(Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Piauí, Teresina.

TALIZINA, N. F. Manual de psicología pedagógica. San Luís Potosi: Facultad de

Psicología de la Universidad Autónoma de San Luís Potosi, 2000.

TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em

educação. 1. ed. São Paulo: Atlas, 1987.

VYGOTSKY, Lev. Semenovitch. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,

1988.

VIGOTSKI, Lev. Semenocitch. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São

Paulo: Martins Fontes, 2000.

______. Obras escogidas. Madrid: Machado Libros, 1995. v. 3.

VYGOTSKI, Lev. Semenovitch. Teoria e método em psicologia. São Paulo: Martins e

Fontes, 1999.

______. Obras escogidas II. 2. ed. Madrid: Centro de Publicaciones Del M.E.C. y Visor

Distribuiciones, 2001.

ГОРБОВ, C. Ф. МИКУЛИНА Г. Г.; САВЕЛЬЕВА О. В. . Обучение математике. 3 класс:

Пособие для учителей начальной школы (Система Д.Б.Эльконина – В.В. Давыдова). 2-е

ида. перераб. - М.:ВИТА-ПРЕССб, 2003. [Ensino de Matemática. 3 ano: livro do professor

do ensino fundamental (sistema do D.B.Elkonin – V.V. Davidov)/ S.F.Gorbov,

G.G.Mikulina, O.V.Savieliev – 3-a edição, - Moscou, VITA-PRESS, 2003.

ДАВЫДОВ, В. В. О. et al. Математика, 1-Kjiacc. Mockba: Mnpoc - Аргус, 2009. Davídov,

V.V. Matemática, 3ª série. Livro didático e de exercícios para os estudantes da terceira

série. Moscou: MIROS, Argus, 2009.

105

APÊNDICES

106

APÊNDICE A

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

TERMO DE CONSENTIMENTO

Prezado (a) Diretor (a):

Solicito por meio deste a sua colaboração para realização de uma pesquisa na escola sob

sua responsabilidade. A pesquisa intitulada “O conhecimento matemático de estudantes do

3º ano do Ensino Fundamental sobre o conceito de multiplicação: um estudo com base na

Teoria Histórico-Cultural” tem como objetivo investigar o conhecimento matemático de

estudantes do 3º ano do Ensino Fundamental sobre o conceito de multiplicação.

O presente estudo será realizado nos meses de agosto à novembro, nos dias e horários

que forem combinados. A pesquisa será realizada por meio de observação da turma investigada,

entrevistas com os estudantes, registros escritos e fotográficos. Destaca-se que a realização

deste estudo é condição para a pesquisadora concluir seu curso de Mestrado em Educação na

Universidade do Sul de Santa Catarina.

Ao final da pesquisa, a pesquisadora se coloca a disposição da instituição para socializar

os resultados da pesquisa.

Afirmo desde já que a identidade dos participantes e da escola será mantida em sigilo e

os dados obtidos durante a pesquisa serão utilizados para fins didáticos, de pesquisa e

divulgação de conhecimento científico.

Obrigada pela colaboração.

_________________________ __________________________

Pesquisadora Responsável Professor Orientador

De acordo: ________________________________________________________

Assinatura e carimbo da Direção da escola

107

APÊNDICE B

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E DEPOIMENTOS

Eu_________________________________, depois de conhecer e compreender os objetivos

desta pesquisa, AUTORIZO, através do presente termo, a pesquisadora Ana Paula da Silva

Galdino do projeto de pesquisa intitulado “O conhecimento matemático de estudantes do 3º

ano do Ensino Fundamental sobre o conceito de multiplicação: um estudo com base na

Teoria Histórico-Cultural” a realizar as fotos que se façam necessárias e/ou a colher o

depoimento sem quaisquer ônus financeiros a nenhuma das partes, do (a) meu (minha) filho(a):

________________________________________________________.

Ao mesmo tempo, libero a utilização destas fotos (seus respectivos negativos) e/ou depoimentos

para fins científicos e de estudos (livros, artigos, slides e transparências), em favor da

pesquisadora da pesquisa, acima especificados, obedecendo ao que está previsto nas Leis que

resguardam os direitos das crianças e adolescentes (Estatuto da Criança e do Adolescente –

ECA, Lei N.º 8.069/ 1990).

Tubarão, __ de ______ de 2014

___________________________ _____________________________

Pesquisador responsável pelo projeto Pais ou responsáveis

108