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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA KENYA SIMAS TRIDAPALLI CONQUISTAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DO ENSINO INTERCULTURAL NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: ESTUDOS EM ALDEIAS GUARANI DE SANTA CATARINA E RIO GRANDE DO SUL Palhoça / SC 2011

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

KENYA SIMAS TRIDAPALLI

CONQUISTAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DO ENSINO INTERCULTURAL NA

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: ESTUDOS EM ALDEIAS GUARANI DE

SANTA CATARINA E RIO GRANDE DO SUL

Palhoça / SC

2011

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KENYA SIMAS TRIDAPALLI

CONQUISTAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DO ENSINO INTERCULTURAL NA

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: ESTUDOS EM ALDEIAS GUARANI DE

SANTA CATARINA E RIO GRANDE DO SUL

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências da Linguagem.

Orientador: Prof. Dr. Aldo Litaiff

Palhoça - SC 2011

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KENYA SIMAS TRIDAPALLI

CONQUISTAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DO ENSINO INTERCULTURAL NA

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: ESTUDOS EM ALDEIAS GUARANI DE

SANTA CATARINA E RIO GRANDE DO SUL

Esta dissertação foi julgada adequada à obtenção do título de Mestre em Ciências da Linguagem e aprovada em sua forma final pelo Curso de Mestrado em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Palhoça, 30 de setembro de 2011.

______________________________________________________ Professor e orientador Aldo Litaiff, Dr.

Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL)

______________________________________________________ Professora e avaliadora Maria Dorothea Post Darella, Dra.

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

______________________________________________________ Professora e avaliadora Solange Maria Leda Gallo, Dra.

Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL)

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Aos meus pais que sempre me apoiam e me

incentivam a estudar: Lane e José Luis.

Aos meus irmãos: Kassiano e Kristiano.

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AGRADECIMENTOS

A todos que colaboraram na realização desse trabalho, dando sugestões, oferecendo

material, proporcionando dados:

Ana Paula Seiffert, Bárbara Robertson, Joana Mongelo, Karina Mendes Thomas,

Márcia Sagaz, Professora Marci Fileti Martins, Professora Rosângela Morello, Professora

Solange Leda Gallo, Professor Aldo Litaiff e Professor Gilvan Müller de Oliveira.

Aos professores que ministraram e conduziram de forma exemplar as aulas no Ppgcl,

discutindo saberes e construindo conhecimento.

Aos meus amigos, meus colegas de sala de aula e familiares que contribuíram para que

este trabalho fosse finalizado.

À minha amiga Helena Iracy Cerquiz Santos Neto.

À Edna Mazon e a Layla Antunes de Oliveira sempre muito atenciosas e eficientes.

Ao meu amigo e professor de informática Juliano Kazapi.

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“Uma sociedade só é democrática quando

ninguém for tão rico que possa comprar

alguém e ninguém seja tão pobre que tenha de

se vender a alguém.”

Rousseau

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo investigar a diversidade linguística no Brasil, focalizando as línguas indígenas, sobretudo a língua Guarani-Mbyá (um subgrupo do Guarani, assim como Kaiowa e o Ñandeva ou Xiripá), tomando como base territorial nove comunidades do estado de Santa Catarina e cinco comunidades no Rio Grande do Sul. Essa etnia foi investigada com o intento de conhecer sua geografia, história, cultura e língua. A escolha pelo tema foi motivada pela percepção da necessidade de reflexões e debates voltados ao fomento e valorização da discussão sobre a diversidade étnica e linguística do país. Parte-se da premissa de que a preservação dos hábitos e da língua dessas comunidades é de suma importância, visto que constitui uma enorme riqueza antropológica, que corresponde à história e ao patrimônio cultural da nação brasileira. Considera-se que para o desenvolvimento sustentável de um país democrático é necessário que haja uma consciência coletiva de inclusão social de todas as etnias que compõem o país. Analisou-se o contexto escolar indígena em comunidades de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, cuja proposta é de um ensino bilíngue e intercultural, isto é, as crianças indígenas têm a oportunidade, pela primeira vez na história (depois de terem sua língua proibida durante séculos por colonizadores e ditaduras), de se alfabetizar na sua língua materna, bem como na língua portuguesa, com professores indígenas e não indígenas. Com a Constituição de 1988, as políticas públicas iniciaram uma nova fase: proteger a diversidade linguística, reconhecendo, enfim, o caráter heterogêneo do país. Constatou-se que o linguista tem um papel fundamental na elaboração, no desenvolvimento e na efetivação dessas políticas. A pesquisa bibliográfica forneceu as bases necessárias para amparar o estudo, bem como as análises da pesquisa de campo.

Palavras-chave: Diversidade linguística. Educação Escolar Indígena. Instrumentos

linguísticos.

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RESUMEN

El presente trabajo tiene como objetivo reflexionar sobre la cuestión de la diversidad linguística en Brasil, centrados en los idiomas indígenas, especialmente en el Mbyá-guaraní (un subgrupo del guaraní, así como Kaiowá y Ñandeva ou Xiripá), basado nueve comunidades del estado de Santa Catarina y cinco comunidades del estado del Rio Grande do Sul. Se ha investigado este grupo étnico con la intención de verificar su geografía, historia, cultura e lengua. La elección del tema estuvo motivada por la percepción de la necesidad de reflexionar y debatir acerca del aprecio de la diversidad étnica y linguística del país. Se parte de la premisa que la conservación de los hábitos y de la lengua de estas comunidades son de suma importancia, visto que son una enorme riqueza antropológica, que corresponde a la historia y al patrimonio cultural de la nación brasileña. Se considera que para el atento desarrollo sostenible de un país democrático es necesario que ocurra una conciencia colectiva de inclusión social de todas las etnias que componen el país. A partir de esto, se ha analizado el contexto escolar indígena en comunidades de Santa Catarina y Rio Grande do Sul, y se considera que la propuesta sería a partir de una educación bilingüe e intercultural. Es decir, por primera vez en la historia el niño indígena (por la razón de que ha tenido su lengua prohibida durante siglos por los colonizadores y dictadores), ahora puede ser alfabetizado en su lengua materna y en la lengua portuguesa, con profesores indígenas y no indígenas. Con la constitución de 1988, las políticas públicas han iniciado una nueva etapa: apoyar la diversidad linguística, reconociendo por fin, el carácter heterogéneo del país. Se observa que el lingüista tiene un rol clave en la elaboración, desarrollo e implementación de estas políticas. La literatura, por su parte, nos aportó las bases necesarias para respaldar la investigación, junto con el análisis de la investigación en campo.

Palabras-clave: Diversidad linguística. Educación Escolar Indígena. Instrumentos linguísticos.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Tupis-guaranis, provenientes da Amazônia desceram até a depressão do Pantanal.

..................................................................................................................................................26

Figura 2 - Tupis-guaranis atravessaram o planalto chegando aos litorais e então dividindo-se

entre norte e sul.........................................................................................................................26

Figura 3 - Desenvolvimento da língua Guarani segundo Rodrigues (1985) ............................28

Figura 4 - Mapa das aldeias visitadas em Santa Catarina ........................................................58

Figura 5 - Mapa das aldeias visitadas no Rio Grande do Sul ...................................................59

Figura 1 - Assunto do cotidiano em Guarani............................................................................80

Figura 7 - Assunto do cotidiano em Português.........................................................................80

Figura 8 - Varal do Alfabeto em Guarani.................................................................................80

Figura 9 - Exemplo da letra A...................................................................................................80

Figura 10 - Reinvindicações das mulheres indígenas para a educação escolar.......................82

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1- Número de habitantes da aldeia de Marangatu no município de Imaruí em Santa

Catarina.....................................................................................................................................61

Gráfico 2 - Número de habitantes da aldeia Morro dos Cavalos no município de Palhoça em

Santa Catarina...........................................................................................................................61

Gráfico 3 - Número de habitantes da Sepe Tiaraju no município de Araquari em Santa

Catarina.....................................................................................................................................62

Gráfico 4 - Número de habitantes na aldeia Yy Moroti Werá no município de Biguaçu em

Santa Catarina...........................................................................................................................62

Gráfico 5 - Número de habitantes da aldeia Cambirela no município de Palhoça em Santa

Catarina.....................................................................................................................................63

Gráfico 6 - Número de habitantes da aldeia de Itanhae no município de Biguaçu em Santa

Catarina.....................................................................................................................................64

Gráfico 7 - Número de habitantes da aldeia Feliz no município de Major Gercino em Santa

Catarina.....................................................................................................................................64

Gráfico 8 - Número de habitantes da aldeia Amaral (Mymba Roka) no município de Biguaçu

em Santa Catarina.....................................................................................................................65

Gráfico 9 - Número de habitantes da aldeia Limeira no município de Entre Rios em Santa

Catarina.....................................................................................................................................65

Gráfico 10 - Número de habitantes da aldeia Canta Galo no município de Viamão no estado

do Rio Grande do Sul ...............................................................................................................66

Gráfico 11 - Número de habitantes na aldeia Tekoá Porã ou Coxilha da Cruz no município de

Barra do Ribeiro no estado do Rio Grande do Sul ...................................................................67

Gráfico 12 - Número de habitantes na aldeia Nhupoty ou Flor do Campo no município de

Barra do Ribeiro no estado do Rio Grande do Sul ...................................................................67

Gráfico 13 - Número de habitantes na aldeia de Nhundy ou Estiva no município de Viamão

no Estado do Rio Grande do Sul ..............................................................................................68

Gráfico 14 - Número de habitantes na aldeia Nhum Porã ou Campo Bonito no município de

Torres no Estado do Rio Grande do Sul ...................................................................................68

Gráfico 15 - Quantidade de alunos nas escolas ........................................................................70

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Gráfico 16 - Quantidade de escolas improvisas e com prédio próprio.....................................71

Gráfico 17 - Quantidade de professores indígenas e não indígenas .........................................72

Gráfico 18 - Quantidade de diretores na escola........................................................................73

Gráfico 19 - Material didático em Guarani, em Português, em Inglês e em Espanhol ............74

Gráfico 20 - Formação dos Professores....................................................................................75

Gráfico 21- Uso da língua Guarani pelos Professores..............................................................79

Gráfico 22 - Uso da Língua Guarani pelos alunos ...................................................................79

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Comparação de dados da pesquisa com o polo-base/ Funasa de Florianópolis e

Chapecó ....................................................................................................................................60

Quadro 2 - Nomes das escolas visitadas, localização, demografia e números de alunos.........69

Quadro 3 - Atividades propostas dentro de sala de aula nas escolas indígenas com o grau de

interesse ....................................................................................................................................76

Quadro 4 - Atividades complementares fora da sala de aula com o nível de interesse............77

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CNPI Comissão Nacional de Políticas Indigenistas

FUNAI Fundação Nacional do Índio

FUNASA Fundação Nacional de Saúde

GTDL Grupo de Trabalho da Diversidade Linguística do Brasil

IES Instituições de Ensino Superior

IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

INDL Inventário Nacional da Diversidade Linguística

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

IPOL Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística

LDB Leis de Diretrizes e Bases

MEC Ministério da Educação

OEEI Observatório da Educação Escolar Indígena

OLEEI Observatório Linguístico da Educação Escolar Indígena

PROLIND Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Indígenas

RCNE Indígena Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas

SECAD Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

SPU Secretaria de Patrimônio da União

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .................................................................................................................14

1 INTRODUÇÃO ...............................................................................................................16

2 SÍNTESE TEÓRICA ......................................................................................................19

2.1 A ANÁLISE DO DISCURSO E A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA........................19

2.2 A IMPORTÂNCIA DO MITO PARA OS GUARANI-MBYÁ ..............................................21

2.3 A LÍNGUA COMO TEMA POLÍTICO E O GUARANI-MBYÁ..........................................22

3 HISTÓRIA, CULTURA E LÍNGUA DA ETNIA GUARANI-MBYÁ ......................26

3.1 BILINGUISMO E CONTEXTO .......................................................................................................33

3.2 CONCEITO DE INTERCULTURALIDADE ..............................................................................34

3.3 A PROBLEMÁTICA DA GRAMATIZAÇÃO............................................................................37

3.4 ESTUDOS ACADÊMICOS SOBRE A LÍNGUA GUARANI-MBYÁ................................38

3.5 DO DIREITO À LÍNGUA AO DIREITO À EDUCAÇÃO BILÍNGUE ..............................40

3.6 BRASIL: UM PAÍS PLURILÍNGUE ..............................................................................................49

3.7 A IMPORTÂNCIA DAS LÍNGUAS COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DA HUMANIDADE .............................................................................................................................................54

4 PESQUISA EM ALDEIAS NOS ESTADOS DE SANTA CATARINA E RIO GRANDE DO SUL – CONSTITUINDO O CORPUS.........................................................56

4.1 DADOS DA POPULAÇÃO E ETNIAS .........................................................................................60

4.2 ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS DAS ESCOLAS INDÍGENAS ............................69

4.3 ANÁLISE DO NÍVEL DE INTERESSE DOS ALUNOS PARA AS ATIVIDADES PROPOSTAS DENTRO E FORA DE SALA DE AULA. ................................................................76

4.4 ANÁLISE DOS DADOS.....................................................................................................................82

4.5 REFLEXÃO SOBRE A RELAÇÃO ENTRE ORALIDADE E ESCRITA .........................85

5 AVANÇOS E DESAFIOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A DIVERSIDADE LINGUÍSTICA NO BRASIL ................................................................................................91

CONCLUSÃO.........................................................................................................................94

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................97

APÊNDICE A .......................................................................................................................104

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APRESENTAÇÃO

A questão norteadora da pesquisa apresentou-se na seguinte forma: quais

instrumentos linguísticos e políticos estruturam o ensino da Língua Guarani nos estados

de Santa Catarina e Rio Grande do Sul?

O contato com o problema de pesquisa aconteceu no momento em que se iniciou o

presente trabalho. A escolha do tema se justifica pelo interesse gerado após a tomada de

conhecimento sobre a necessidade de reflexões e debates voltados ao fomento e

valorização da discussão sobre a diversidade étnica e linguística no Brasil. Além disso,

pela existência da possibilidade de aprofundar o estudo do bilinguismo, questão

recorrente na minha vida acadêmica e profissional. Com recomendações de material

bibliográfico informado (como livros, artigos e páginas on line específicas sobre o tema

diversidade linguística e pluriétnica) é que foi encontrado o alicerce para a abordagem do

problema a ser investigado. O contato real com os indígenas se deu primeiramente com

uma visita, em abril de 2010, à aldeia Guarani (predominantemente Mbyá), localizada no

Morro dos Cavalos em Palhoça-SC, durante as festividades da semana guarani. Era o

quinto ano do evento e em especial comemoravam um ano de demarcação dessa terra

indígena. Esta foi a primeira oportunidade que tive de conhecer a realidade de uma aldeia

indígena. Nesta situação observei a estrutura física da aldeia, abrangendo a Escola

Estadual Indígena de Ensino Fundamental Itaty e seus ambientes, além de um pouco de

cultura, com demonstrações de rituais religiosos, música, gastronomia, arte (pintura

corporal e artesanato), jogos, trilhas e palestras entre outros. Cabe ressaltar a produção de

materiais em foto e vídeo (com a devida autorização do cacique) contendo no filme

entrevistas realizadas com os moradores da aldeia, relatando um pouco de suas histórias,

incluindo a língua Guarani-Mbyá, bilinguismo e cultura. Além disso, nesta ocasião

ocorreu o registro audiovisual das atividades propostas para aquele dia, publicado no site:

www.vimeo.com/kenyatridapalli. Este primeiro contato foi de grande importância,

marcando indelevelmente a memória, o interesse e o anseio de aprimorar o conhecimento

desta cultura que era remota para mim e que se tornou mais evidente, mas não menos

fascinante.

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Posteriormente, como pesquisadora do IPOL1 surgiu a oportunidade de trabalhar

como recenseadora do ILG2 (Inventário da Língua Guarani-Mbyá), um dos projetos

pilotos realizados para o INDL3 (Inventário Nacional da Diversidade Linguística) na

aldeia Marangatu no município de Imaruí, Santa Catarina.

O INDL é uma pesquisa sociolinguística das várias comunidades linguísticas do

Brasil. É um passo fundamental para o reconhecimento do Brasil como um país

plurilíngue, visto que só agora, começam a surgir documentos sobre as outras línguas.

1 Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística que é uma sociedade civil de direito privado, sem fins lucrativos, de caráter privado e educacional, fundada em 1999 com sede em Florianópolis e constituída por profissionais de diversas áreas de conhecimento para realizar projetos de interesse político-linguístico em sentido amplo. Um dos objetivos desse instituto é apoiar tecnicamente os falantes das línguas minoritárias, indígenas ou de imigração.

2 O primeiro encontro sobre o Inventário da Língua Guarani ocorreu nos dia 26 e 27 de julho de 2011, em Florianópolis, SC. O evento foi promovido pelo IPOL (Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística) e reuniu lideranças indígenas, poder público e estudiosos envolvidos na questão indigenista e da língua com o objetivo de discutir o inventário para que as comunidades possam proteger e promover sua língua como patrimônio imaterial brasileiro.

3 No dia 09 de dezembro de 2010, o então presidente Luis Inácio Lula da Silva assinou o decreto que instituiu o INDL - Inventário Nacional da Diversidade Linguística por meio do Decreto 7387, publicado no Diário Oficial da União (DOU). O documento pressupõe um Brasil Multilíngue e promove as línguas existentes no país como riqueza do Estado brasileiro.

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1 INTRODUÇÃO

A hipótese para a elaboração deste trabalho parte da premissa de que o estudo

aprofundado da Educação Escolar Guarani constitui um instrumento imprescindível para

a proposição de políticas públicas voltadas à qualificação da educação bilíngue. Uma

dessas políticas é o Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL).

A criação do INDL ou Livro de Registro das Línguas, cujo articulador é o Grupo

de Trabalho da Diversidade Linguística do Brasil, é um motivador de grande importância

para a ampliação da língua Guarani-Mbyá, pois traz consigo a possibilidade de subsidiar

políticas linguísticas, partindo do pressuposto básico de que se deve conhecer a fundo a

amplitude do problema a ser resolvido. A língua Guarani-Mbyá foi inventariada por um

projeto piloto de ampla abrangência, coordenado pelo IPOL – incidiu sobre seis estados

das regiões sul e sudeste do Brasil: Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná,

Santa Catarina e Rio Grande do Sul, envolvendo 69 comunidades indígenas– envolvendo

apoio das lideranças Guarani e de instituições como os ministérios da Justiça, da Cultura

e da Educação, Secretarias de educação, a Funai e a Funasa, fato que a coloca no centro

dos debates políticos atuais. A metodologia para a escrita do inventário foi criada pelo

Grupo de Trabalho da Diversidade Linguística do Brasil (GTDL4). Esse grupo se

constituiu a partir do Seminário sobre a Criação do Livro de Registro das Línguas,

realizado no Congresso Nacional, em março de 2006, por iniciativa da Comissão de

Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, do Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (IPHAN) e do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em

Política Linguística (BRASIL, 2007). Alguns dados da língua Guarani inventariados são:

Identificação da Língua (denominações, classificações e estatuto), Demografia e

distribuição geográfica, Caracterização Linguística e Histórico-Cultural, Distribuição

Geográfica, Usos na Sociedade, Ações sobre a Língua, entre muitos outros. Com dados

reais e atuais, promovidos pelo Inventário Nacional, a busca por soluções se torna

consistente. Tal conjectura pode ser considerada um diagnóstico de base para a promoção 4 O GTDL foi constituído por representantes de diversos órgãos públicos (Câmara dos Deputados, Ministério da Cultura, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, Ministério da Ciência e Tecnologia e Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão), da sociedade civil (IPOL – Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística) e a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

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e estruturação de línguas indígenas tal como elas se apresentam na atualidade, incluindo a

escrita.

O IPOL também é parceiro do OLEEI - Observatório Linguístico de Educação

Escolar Indígena - no território Etnoeducacional leste, que compõem o projeto

interinstitucional “Práticas de Interculturalidade, plurilinguismo e aprendizagem nas

propostas de formação de professores nas escolas indígenas: explorando perspectivas

interdisciplinares”, apresentado ao edital do OEEI5- Observatório da Educação Escolar

Indígena, outro programa financiado pela CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior em parceria com a SECAD - Secretaria de Educação

Continuada, Alfabetização e Diversidade - e o INEP - Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - que convidam as IES – Instituições de Ensino

Superior a apresentarem projetos de estudos e pesquisas em Educação Escolar Indígena.

Em suma, o OLEEI é um subprojeto do OEEI.

A pesquisa de campo que integra este trabalho foi realizada para o OLEEI. A

pesquisadora e professora indígena Joana Vangelista Mongelo6, tinha a função de ir a

campo, observar as aulas nas escolas indígenas e entrevistar professores indígenas e não

indígenas, portanto, seu trabalho foi coletar os dados. Para isso, foi preciso elaborar uma

grade de observação (apêndice A). A autora desta dissertação contribuiu com a

elaboração dessa grade, juntamente com as pesquisadoras e doutorandas do Programa de

Pós-graduação em Linguística da UFSC na área de Política Linguística Ana Paula Seiffert

e Karina Mendes Thomaz com a orientação da professora Dra. em Linguística e diretora

do IPOL Rosângela Morello e do professor Dr. em linguística Gilvan Müller de Oliveira

coordenador dos projetos supracitados e presidente do IPOL. Acompanhávamos o

desenvolvimento da pesquisa em reuniões periódicas com a pesquisadora Joana. Os dados

eram sistematizados quantitativamente e qualitativamente pela equipe de pesquisadores.

5 O Observatório Educação Escolar Indígena é um projeto da Capes (coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior) que pretende promover e implementar a formação inicial e continuada de professores, preferencialmente indígenas, a inserção e a contribuição destes profissionais nos projetos de pesquisa em educação e a produção e a disseminação de conhecimentos que priorizem atividades centradas como: cursos, oficinas, produção conjunta de material didático, paradidático e objetos de aprendizagem nos formatos impresso e digital (BRASIL, 2010).

6 Formada em Pedagogia, habilitação em Orientação Educacional pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Acadêmica do curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica e mestranda em Educação do curso de Pós-graduação da UFSC, na linha de pesquisa Educação e Infância Indígena Guarani. É professora bilíngue na Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental Itaty para séries iniciais, na terra indígena Morro dos Cavalos em Palhoça, Santa Catarina.

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O objetivo principal foi de investigar como se dá a Educação Escolar Indígena nas

escolas observando principalmente as práticas linguísticas dentro dessa instituição. A

finalidade desta pesquisa foi de interagir com o OLEEI para subsidiar políticas públicas.

Dessa forma, os dados originários da pesquisa de campo contribuíram para ser parte

complementar desta dissertação, bem como integrar, com outro enfoque, a dissertação da

pesquisadora Joana Vangelista Mongelo.

Em virtude da própria natureza da investigação, faz-se necessário apresentar os

objetivos que norteiam o fazer científico nesta dissertação. O objetivo central foi

investigar as políticas para um ensino bilíngue, intercultural e de um modelo diferenciado,

proposto pela educação escolar indígena, especificamente dos Guarani-Mbyá, no estado

de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Os objetivos específicos foram: apontar os

direitos dos indígenas como cidadãos brasileiros, considerando os seus direitos

linguísticos e culturais ao longo da história; avaliar o que tem sido feito para fazer valer

os direitos educacionais dos Guarani-Mbyá e quais os instrumentos utilizados neste

intento, bem como se realmente está sendo posto em prática o que já foi conquistado por

lei; considerar os desafios e as perspectivas para a promoção e reconhecimento da língua

Guarani-Mbyá; sistematizar e avaliar uma pesquisa etnográfica, antropológica de sala de

aula de escolas indígenas em aldeias Guarani-Mbyá e observar as condições históricas

que determinaram e determinam o funcionamento social da língua Guarani-Mbyá.

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2 SÍNTESE TEÓRICA

O presente capítulo apresenta a literatura que se refere à área pesquisada servindo

de base para o desenvolvimento deste trabalho.

2.1 A ANÁLISE DO DISCURSO E A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

As formas institucionais de discurso, as formas de discurso lúdico e a questão da

educação escolar indígena são componentes de reflexão deste trabalho. Esses objetos se

inserem na área da Análise do Discurso de linha francesa (AD).

A análise do discurso (AD) se propõe a problematizar as formas de reflexões

estabelecidas pela linguística, em outras palavras é uma teoria crítica sobre a linguagem.

Segundo Orlandi (2009, p. 11): “Assim, ao mesmo tempo em que pressupõe a linguística,

a AD abre um campo de questões no interior da própria linguística e que refere o

conhecimento da linguagem ao conhecimento das formações sociais.” O contexto

histórico-social, a situação, os interlocutores, essas são as condições de produção. A

linguagem deve ser pensada vinculada ao social e ao histórico, em que se confrontam

sujeito e sistema: discurso. Não há discurso sem sujeito nem sujeito sem ideologia

(ORLANDI, 2009).

Para um maior entendimento do funcionamento do discurso Orlandi (2009, p.83)

ressalta:

Não falamos apenas para formar sentenças. As palavras mudam de sentido ao passarem de uma formação discursiva para outra: compara-se o sentido da palavra “nação” na formação discursiva ocidental e na do índio. Isso acontece porque, ao passar de uma formação discursiva para outra altera-se a relação com a formação ideológica.

Dado o exposto, sobre as perspectivas do discurso enfatiza ainda, (Orlandi 2009,

p.83): “[...] a linguagem não aparece apenas como instrumento de comunicação ou

transmissão de informação ou suporte de pensamento, mas como lugar de conflito, de

confronto ideológico, e em que a significação se apresenta em toda sua complexidade”.

Isso quer dizer que todo discurso deve ser referido às condições de sua produção. As

formas institucionais do discurso, segundo Orlandi (2009) são: religioso, politico,

jurídico, pedagógico, cotidiano entre outros. Como formas autoritárias de discurso, temos

os dizeres unilaterais (um interlocutor exclusivo, sem reversibilidade). Como formas de

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discursos lúdicos: cantigas, humor, literatura, teatro, lendas e composições musicais.

Orlandi (2009) afirma que a polissemia (multiplicidade de sentidos) é um dos processos

fundamentais na linguagem.

O tipo de discurso que prevalece na educação escolar tradicional é o autoritário.

Esse discurso aparece como transmissor de informações. A escola que se distingue é

aquela que dá espaço ao aluno para questionar de forma crítica esse discurso autoritário.

Surge, então, um discurso polêmico, ou seja, aquele que dá lugar a novas descobertas. Os

vários textos que existem sobre a Educação Escolar Indígena, afirmam sempre que é

preciso “ouvir o índio”. Mas, ouvir o índio com a finalidade de modificá-lo e direcioná-

lo a um modelo de cultura ocidental ou ouvir o índio aceitando tanto quanto possível suas

diferenças como diferenças e não como desigualdades? Essa é uma questão crucial para a

Educação Escolar Indígena (ORLANDI, 2009).

Ainda sobre essa questão Orlandi (2009, p. 90) enfatiza: “Ouvir o índio é

reconhecer que ele tem hipóteses sobre a linguagem, é focalizar, na relação com a

linguagem suas atitudes. É reconhecer que se está diante de um sujeito intelectualmente

ativo, que procura adquirir conhecimento que se coloca problemas e que trata de resolvê-

los segundo sua própria metodologia”. Portanto, eles têm ideias, teorias, hipóteses

próprias sobre sua língua que se confronta com a realidade e com as ideias dos outros.

Então, se eles têm sua própria metodologia, há de se admitir que os processos de

aprendizagem da língua sejam diferentes.

Portanto, “grafar” pode não ser, em todos os casos, o melhor caminho de

legitimação da língua indígena, considerando o modelo oral e seus modos próprios de

legitimação.

Um contraste entre Educação ocidental e Educação Escolar Indígena é a diferença

evidente entre sociedades. O discurso do ponto de vista da educação ocidental é o

autoritário, em que apresenta uma polissemia contida. A cultura indígena escolhe o

lúdico, que oferece uma polissemia aberta, e é ruptura (ORLANDI, 2009). Pensar sobre

essa diferença de cultura, é o ponto inicial para construir-se uma metodologia apropriada

para a escola indígena e perceber a questão do mito é fundamental para este processo

como será exposto mais adiante.

Faz-se necessário salientar que a não existência da escola em uma comunidade

indígena não constitui a inexistência de Educação. Os Guarani têm a consciência de que

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aprender é um ato espontâneo. A ideia do aprendizado ocorre naturalmente pela

convivência. A oralidade é o instrumento de transmissão do conhecimento, que é

materializado na memória humana, ou seja, a língua na cultura indígena é algo bastante

pragmático. O ato de dizer é o ato de ensinar. No entanto, a situação de aprendizagem da

escrita da língua se apresenta de outra forma. A problemática da escrita para essas

sociedades tem relação com a questão das condições de produção dessa escrita. Como

ressalta Ferreiro (apud ORLANDI, 2009, p. 93): “A escrita é um “substituto” e é preciso

estabelecer com clareza a natureza, o mecanismo da substituição”. Um exemplo

interessante é o da professora que se esforçava para ensinar a palavra borboleta (popo), a

professora desenhava e escrevia o nome ao lado, os índios tinham dificuldade em

aprender e repetiam mecanicamente. Num certo dia, uma borboleta entrou na sala de aula,

os alunos repetiam popo, popo. A professora aproveitou o momento e escreveu popo na

louça e fez o desenho, eles descobriram rapidamente qual era o procedimento e

generalizaram para outras palavras Montserrat (apud ORLANDI, 2009, p.92).

Desse modo, na visão da autora a cultura, as condições históricas, as relações

sociais, o meio-ambiente no qual o indivíduo está inserido, as habilidades desenvolvidas

são aspectos que influenciam a cognição humana.

A escrita passa pelo processo de formulação e circulação, portanto formular não

está desvinculado de circular: uma ação dá sentido à outra. Portnato, transportar o

conhecimento da formulação da língua portuguesa para a língua guarani, não resolve o

problema da circulação da língua.

É importante salientar, que o aprendizado da escrita como prática social tem que

ser experimentada pela comunidade, normalmente não é algo que vem de dentro para

fora, ainda que isso possa vir acontecer, se a comunidade não adere é inócuo.

2.2 A IMPORTÂNCIA DO MITO PARA OS GUARANI-MBYÁ

As narrativas mitológicas compõem a própria história da sociedade guarani. Para

Melià (apud ORLANDI, 2009, p. 93): “O mito é um lugar privilegiado para o índio se

entender a si mesmo. Esse lugar privilegiado que é o mito é também o lugar da

diferença”. Assim sendo, essa diferença é o que nos leva a entender a concepção que eles

têm de linguagem, diferente da ocidental. Para Pouillon (apud LITAIFF, 2002, p. 247):

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“O mito tem uma importante função comunicacional. A comunicação se desenvolve entre

pessoas que compartilham uma forma semelhante ou comum de pensar”. Sobre a

importância do mito para os Mbyá Litaiff elucida (2002, p.251):

Os Mbyá interpretam os mitos de acordo com seus modelos de conduta, que são crenças efetivamente compartilhadas pela maioria destes índios, sem que, entretanto, sempre haja uma correspondência direta entre norma e ação. O mito tem um sentido estabelecido por um acordo entre indivíduos que têm a intenção de se comunicar em sua comunidade, em consonância com o contexto social e histórico.

O essencial da questão do mito para os Mbyá é apreender a mensagem transmitida

inseparável do contexto. A formação de mitos á algo inerente à cultura, eles fornecem as

crenças ao povo determinando seus hábitos e suas ações. É mais que história, é lição de

vida.

Para Litaiff (2002), para entender como pensam as sociedades indígenas é preciso

adotar um ponto de vista pragmatista7 e holista.

Segundo Weate (1999, p. 59): “Os pragmáticos julgam a verdade de uma ideia em

relação à sua utilidade na vida real”. Para as sociedades indígenas as ideias que não tem

valor concreto na experiência do dia-a-dia são sem significado.

Quanto ao pensamento holístico, ele é intrinsecamente ecológico, o indivíduo e a

natureza são um conjunto impossível de ser separado e a visão de mundo se contrapõe a

visão dualista, fragmentada e mecanicista do racionalismo exacerbado (TAVARES,

1993).

2.3 A LÍNGUA COMO TEMA POLÍTICO E O GUARANI-MBYÁ

A existência de uma língua depende da existência de seres humanos que a falem.

Sendo “o ser humano um animal político”, conforme filosofava Aristóteles, chegamos à

conclusão com Bagno (2009, p. 19): “que tratar da língua é tratar de um tema político”.

7 Charles Sanders Peirce (1839-1914) inventou o termo “Pragmatismo”. Com ele, queria designar um método que esclarecesse o relacionamento entre pensamento e ação. Willian James (1842-1910) foi influenciado por Peirce. Ele acreditava que a veracidade de uma ideia repousa em seu valor prático, significando que é verdadeiro se for útil (WEATE, 1999).

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As línguas ao longo da história foram determinadas pelo poder político, conforme

seus interesses, privilegiando algumas em detrimento de outras, desmerecendo-as em seu

valor cultural. Entretanto, segundo Martins (comunicação pessoal, 2011): “Isso fica

“apagado” na maioria dos casos. Ora pelo próprio estudioso da língua que como cientista

se diz neutro e imparcial, ora pelo poder do Estado que ao exercer certo tipo de política

acaba por naturalizar os sentidos que se constrói sobre a língua”.

Dacanal (1987, p. 18): afirma que: “a língua é também uma imposição histórica

no sentido amplo quanto no sentido estrito da palavra”. De acordo com o autor, amplo

porque não se escolhe livremente uma língua, ao contrário, ela é condicionada de forma

rigorosa e inevitável. No sentido estrito porque a permanência e a continuidade e as

transformações sofridas ao longo do tempo de uma língua são fenômenos ligados às

estruturas de poder da referida comunidade.

Na metade do século XX, em 1964, ano em que surge a sociolinguística, torna-se

conhecido o termo planejamento linguístico. Este sintagma foi cunhado na pesquisa de

Einar Haugen sobre problemas linguísticos na Noruega (país que sofreu séculos de

dominação dinamarquesa). Foi definido mais tarde por Fishman (apud CALVET, 2007)

como sociolinguística aplicada. Esse mesmo autor definiu planejamento linguístico como

a aplicação de políticas linguísticas que estão baseadas em conhecimentos técnicos em

antropologia, sociologia, linguística, história, direito, todas essas áreas mobilizadas para

analisar situações linguísticas.

Para que exista um planejamento de políticas linguísticas é necessário pesquisas

no campo da sociolinguística. As políticas linguísticas têm como objetivo regularizar uma

língua ou, ainda, aperfeiçoar o funcionamento dela, criando espaços e retirando os fatores

que a inviabilizam para que seja disponibilizada em vários âmbitos de uso (rádio, jornal,

escolas, universidades, museus, bibliotecas, uso da língua para assuntos administrativos

em geral e, particularmente, para os procedimentos judiciais, entre outros).

Toda sociedade brasileira, à qual a etnia Guarani-Mbyá pertence, deve estar

envolvida para que o status (Calvet, 2007) das línguas autóctones atinja um patamar

desejável. Não basta falar Guarani somente nas aldeias, ela deve ocupar o seu espaço no

país. Portanto, em consonância com a afirmação de Costa (2009, p.64): “[...] essas línguas

precisam recuperar o seu espaço na sociedade, principalmente com esse “espaço

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linguístico” virá um espaço social, tirando esses povos da incômoda posição de

anônimos”.

Na época atual, a Educação Escolar Indígena segue uma linha fundamentada nos

Direitos Humanos. As diversidades étnicas e linguísticas dos povos indígenas estão sendo

cada vez mais reconhecidas. Ideias como “civilizar” e “integrar” o indígena na sociedade

brasileira, como previa o contraditório Estatuto do Índio, criado em dezembro de 1973,

Lei no. 6.001, já estão altamente ultrapassadas. Esse estatuto recebeu muitas críticas, já

que visava à integração dos “silvícolas” e não o reconhecimento de suas diferenças,

política que já existia desde a época dos Jesuítas. Sampaio Silva (2010) afirma, o caráter

integracionista do primeiro estatuto visava agregar o índio na sociedade brasileira, porém

o incentivo era que, aos poucos, abandonassem as suas características tradicionais.

Atualmente, há uma proposta de um novo texto para o Estatuto dos Povos Indígenas

elaborado, em 2008, pela CNPI (Comissão Nacional de Políticas Indigenistas) foi enviado

ao congresso por meio do Ministério da Justiça em agosto de 2009. Contudo, ao invés de

apresentar um novo projeto de lei, optou-se por apresentar o texto como uma proposta de

alteração do primeiro Projeto de Lei 2.057 de 1991 para sua modificação, que já tramitava

no congresso e também propõe mudanças no Estatuto. Atualmente, o projeto se encontra

tramitando na Câmara e aguarda apreciação em plenário. O Capítulo V dedica-se a

Educação Escolar Indígena, no qual o artigo 180 expõe princípios como respeito à

diversidade étnica e culturas dos povos indígenas, interculturalidade, multilinguismo,

entre outros. A nova proposta (Brasil, 2011) assegura o reconhecimento dos indígenas

como grupos etnicamente diferenciados respeitando suas organizações sociais, usos,

costumes, línguas e tradições, seus modos de viver, criar e fazer, seus valores culturais e

artísticos e demais formas de expressão.

Há uma nova visão de respeito à cultura e afirmação étnica. O caminho do

combate à discriminação (que começou a existir quando os europeus passaram a

escravizar indígenas e negros) passa hoje em dia por uma visão antropológica de se

afirmar a diferença, valorizando-a e conservando-a. Como ressalta Morello (2009, p. 28):

“O foco na diversidade pretende, portanto, desinstalar a desigualdade social: a diferença

como diversidade não deve equivaler à diferença como desigualdade”.

Na preservação das línguas faz-se uma analogia com o que afirma Pêcheux (1988,

p.192) sobre as condições de produção em que há situações que: “[...] são puros

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obstáculos, e outros constituem os pontos de apoio de uma transformação do campo”.

Obstáculos dentro de um contexto histórico que vem desde a época colonial: como

etnocentrismo, política da língua única para criação de uma língua nacional que domina a

nação, criação de leis que ignoram as diferenças, são entraves para o reconhecimento da

diversidade sociocultural. Os pontos de apoio são criações de políticas públicas que

façam valer os direitos educacionais e culturais de todos os cidadãos.

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3 HISTÓRIA, CULTURA E LÍNGUA DA ETNIA GUARANI-MBYÁ

A seguir será realizado um breve relato sobre o desenvolvimento histórico,

cultural e linguístico da etnia Guarani-Mbyá, uma das etnias descendentes de um dos

grupos mais antigos do Brasil, os Tupi.

De acordo com o documentário “O Povo Brasileiro” (2000), baseado na obra-

prima do antropólogo Darcy Ribeiro (um dos maiores intelectuais brasileiros do século

XX), no ano 1000 existiam cartas que falavam de uma ilha Brasil, isso significa que o

nome Brasil não vem do Pau-brasil. Em 1500 os portugueses fizeram uma descoberta

oficial, mandando inclusive um escrivão para registrar a terra como propriedade da coroa

portuguesa. Certo é que o “Brasil” já existia há muito tempo, fisicamente, biologicamente

e humanamente, humanidade indígena, humanidade diferente.

Os “Brasis”, como eram chamados os antepassados indígenas, eram e ainda são

classificados de acordo com a língua. Em 1500, havia cerca de 1 a 8 milhões de pessoas,

distribuídos da Foz do Oiapoque ao sistema fluvial Paraná, Paraguai e Uruguai. Segundo

Aziz Ab’Saber no documentário supracitado, num certo momento, depois dos primeiros

povoadores, que eram de diversas procedências e falavam diferentes línguas, surgem os

Tupis-guaranis, que vieram provavelmente do oeste ou noroeste da Amazônia, desceram

até a depressão do Pantanal e, posteriormente, atravessaram o planalto brasileiro

chegando ao litoral e a partir daí se dividiram entre norte e sul.

Figura 2 - Tupis-guaranis, provenientes da Amazônia desceram até a depressão do Pantanal.

Figura 3 - Tupis-guaranis atravessaram o planalto chegando aos litorais e então dividindo-se entre

norte e sul.

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Há um consenso entre os cientistas sobre um centro de origem comum dos Tupi: a

Amazónia, considerando-se fato e não mais hipótese. Porém segundo Noelli (1996, p.8):

“não há consenso quanto à localização geográfica desse centro e quanto à direção das

rotas”. Vestígios arqueológicos tupi mostram a Amazônia central como o cerne de

origem. Os dados linguísticos baseados nos estudos de Rodrigues, 1964, apresentam a

maior concentração de famílias e línguas tupi ao sul do Amazonas (NOELLI, 1996).

Antes da chegada dos europeus a palavra mais adequada para todos os

movimentos populacionais dos Tupi seria expansão, porque conforme estudos

arqueológicos, verificou-se que os Tupi mantinham a posse de seus domínios por longos

períodos, expandindo-se para novos territórios sem abandonar os antigos. O objetivo do

grupo era de ir conquistando novas áreas sem abandonar as anteriores. O termo migração

(saída de um lugar para o outro, abandonando seu lugar de origem) é apropriado após

1500 com a vinda dos europeus, que inclusive se caracterizavam, como movimentos de

fuga (NOELLI, 1996).

Considerando o desenvolvimento da língua Guarani, Noelli (1996, p.09) nos

esclarece:

Por Tupi designa-se um tronco linguístico que engloba aproximadamente 41 línguas que se expandiram, há vários milênios, pelo leste da América do Sul (Brasil, Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai). Por Tupi são designados também os povos falantes dessas línguas. Das 41 línguas, as mais citadas desde a chegada dos europeus foram o guarani e o tupinambá.

Os Guarani pertencem à família linguística Tupi-Guarani, uma das mais extensas

da América do Sul (RODRIGUES, 1985). No Brasil, encontram-se os grupos: Mbyá,

Ñandeva também denominados de Xiripá e os Kaiowá, cujas línguas são variações

modernas da língua Guarani que derivada da família linguística Tupi-Guarani do tronco

Tupi como pode ser observado na figura 3.

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Figura 4 - Desenvolvimento da língua Guarani segundo Rodrigues (1985)

De acordo com Cadogan (apud LITAIFF, 1996, p. 32): “na região do Guaíra, de

onde provem a maioria dos Mbyá” viviam cerca de 150 mil Guarani, que foram vítimas

da escravidão e de violentos assassinatos por homens brancos, que logo se apossavam de

suas terras. Os sobreviventes desse massacre se refugiavam junto aos jesuítas em

“missões” que, posteriormente, foram destruídas pelos bandeirantes. Os sobreviventes,

que não foram tantos, conseguindo escapar, dirigiam-se para a selva, conforme afirma

Pires (apud LITAIFF, 1996).

Os Guarani tinham um vasto conhecimento da floresta que, certamente,

possibilitou-lhes uma grande vantagem em relação ao colonizador, garantindo a

sobrevivência da etnia.

Sobre o significado da palavra Mbyá, Schaden dispõe (apud LADEIRA, 2008,

p.66) que: “Mbuá (gente) é a autodenominação mais usada pelos Guarani [...]”. Em

trabalhos anteriores (Ladeira, 1990; 1992), atém-se ao significado contido no termo, de

gente desconhecida e distante. Conforme seu locutor Guarani explicou há muitos anos,

Mbyá seria “estrangeiro, aquele que vem de fora, de longe” e que, todavia, identifica o

mesmo povo. Mbyá foi traduzido ainda por Dooley (1982, p. 112): como “muita gente

num só lugar”. De acordo com Ladeira (2008, p. 66): “Parece que o sentido duplo do

termo Mbyá – de coletivo e impessoal – sendo plural e independente do conhecimento

pessoal, identifica, não obstante, um mesmo povo, pois exclui os brancos e todos os

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outros”. Segundo Schaden (apud LITAIFF, 1996, p.34): “a designação Guarani

(“guerreiros”) foi dada pelos jesuítas a um certo número de tribos da região platina”.

Cadogan (apud LITAIFF, 1996, p.34) enfatiza: “Mbyá, ou Mbuá é igual a gente, povo”.

Dessa forma, conclui-se que uma interpretação mais apropriada seria “povo guerreiro”.

Em relação à localização atual dos Guarani-Mbyá, Ladeira (2003, p. 02), do

Centro de Trabalho Indigenista, com sede em São Paulo, informa:

Os Mbyá estão presentes em várias aldeias na região oriental do Paraguai, no nordeste da Argentina (província de Misiones) e no Uruguai8 (nas proximidades de Montevideo). No Brasil encontram-se em aldeias situadas no interior e no litoral dos estados do sul – Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul – e em São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo em várias aldeias junto à Mata Atlântica. Também na região norte do país encontra-se famílias Mbyá originárias de um mesmo grande grupo e que vieram ao Brasil após a Guerra do Paraguai, separam-se em grupos familiares e, atualmente, vivem no Pará (município de Jacundá), em Tocantins numa das áreas Karajá de Xambioá, além de poucas famílias dispersas na região centro-oeste. No litoral brasileiro suas comunidades são compostas por grupos familiares que, historicamente, procuram formar suas aldeias nas regiões montanhosas da Mata Atlântica - Serra do Mar, da Bocaina, do Tabuleiro, etc.

É importante salientar que o desapego à fixação em determinado lugar sempre foi

uma característica marcante dos Mbyá. Fato pertinente ao processo histórico vivenciado

pelos seus descendentes ao longo do tempo. Portanto, a mobilidade fez parte da cultura

desse povo.

Dificilmente um Guarani-Mbyá passa mais do que 5 anos morando em uma mesma aldeia. O comum é mudar frequentemente. Eles também costumam visitar seguidamente seus parentes e amigos que moram em outras aldeias em função de casamentos, mortes, atritos políticos e funções religiosas. Ikuta (Apud TEMPASS, 2007, p.177).

Cabe ressaltar que isso vem mudando. Há algumas famílias indígenas que moram

em aldeias há mais de 5 anos, em virtude do lugar oferecer terra boa para cultivar e ser

tranquilo, isto é sem conflitos sociais. Segundo Litaiff (2002, p. 227): “Sobre o litoral Sul

e Sudeste brasileiro encontra-se uma grande concentração de Mbyá9 e de Xiripá

8 Informações recentes dão conta de que atualmente não existem mais aldeias Guarani-Mbyá no Uruguai (ASSIS, 2006a).

9 Estima-se que a população de Guarani-Mbyá seja de 12.000 pessoas, distribuídos no centro oeste, sul e sudeste do Brasil, Paraguai e Argentina. É importante sublinhar que, devido aos constantes deslocamentos das populações, é bastante difícil precisar o número de Mbyá (LITAIFF, 2002). A população no Brasil é de cerca de 7.000 indivíduos (LADEIRA e MATTA, 2004).

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(Ñandeva) habitando o território onde viveram os Carijós-guaranis, seus ancestrais, até o

desaparecimento no século XVII”.

Quanto à subsistência dos Guarani-Mbyá, de acordo com Bonamigo (2009, p.

180): “o plantio do milho, da mandioca, do feijão, da melancia, entre outros sempre foi

realizado pelos ancestrais para garantir sua dieta alimentar.” Para eles, atualmente, há

uma significativa distinção entre atividade e trabalho.

Entendem por atividades os atos de alimentar-se, pescar, caçar, plantar, fazer artesanato para o próprio uso, usar ferramentas, semear o que a família deseja plantar, fazer roça comunitária de acordo com o que a comunidade quer [...]. Ou seja, num sentido amplo, atividade é quase tudo o que não gera renda. Considerando trabalho o que é feito para vender ou é remunerado: dar aula, fazer artesanato para vender, ser agente de saúde indígena, ser agente de saneamento básico [...] (BONAMIGO, 2009, p.179).

A gravação de CDs e a venda das cópias é outra fonte importante de renda. As

letras das canções falam sobre religião e o “jeito de ser” (nhandereko) do Mbyá. Os

rituais e celebrações também estão presentes no cotidiano dos indígenas e envolvem outra

atividade que é a pintura corporal, com música e dança. Para eles, todas as

comemorações são religiosas, inclusive as festas para as colheitas.

A religião é um dos aspectos culturais mais importantes que caracterizam os

Guarani-Mbyá. A medicina está profundamente ligada à religião, pois se utilizam das

ervas medicinais que são consideradas divinas. A opy é o centro religioso da aldeia, onde

os Mbyá, rezam, para os Ñanderu, segundo Ladeira (2008, p. 150): “Nhamandu, Kuaray,

Tupã, Jakaira, Karai e as respectivas mães (xy) das almas”. O pajé é o líder espiritual e

responsável pela reza, batismo, cura, interpretação de sonhos e/ou presságios e

comunicação com o mundo dos espíritos (LITAIFF, 1996).

Para uma maior compreensão da cultura guarani é fundamental conhecer os

termos tekoá e teko. De acordo com Litaiff (1996, p.49): “Os guarani denominam a terra

onde vivem de tekohá (tekoá para os Mbyá), ou seja, a terra Guarani”. Por isso, muitas

aldeias trazem no seu nome o termo tekoá que significa terra, aldeia. Teko significa

segundo Montoya (apud LADEIRA 2008, p. 135): “ser, estado de vida, condición,

costumbre, ley, hábito”. Ainda sobre o conceito de teko Ladeira esclarece (2008, p. 135):

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Além de um estado ou condição de ser, o conceito teko representa ou abrange todos os princípios éticos, morais que definem as normas do comportamento guarani. Nhandereko é traduzido pelos Guarani como “nosso sistema, nossa lei, nossos costumes e tradições. Teko é, pois, a referência padrão para atribuírem valor às suas relações, incluindo as normas de convivência e sociabilidade e o modo de produção e de consumo que, por sua vez, definem um modo de uso do espaço”.

Sendo assim, tekoá é o espaço físico para que os Guarani possam exercer o seu

teko, isto é, a sua cultura, o seu sistema, a sua lei. Como ressalta Melià (apud LITAIFF

1996, p. 49): “sem tekohá não há tekó”. ‘

Fato é que quase todos os autores concordam que os Mbyá circulam pelo litoral a

procura de um tipo de paraíso, definido como Yvy mara ey ou “terra sem mal ou sem

fim”. Na antiga tradição da terra sem mal o povo guarani viajava sempre por uma

necessidade constante de um espaço onde pudessem viver em seu “jeito de ser” com

segurança. Para os Mbyá se não se pode viver conforme tekó buscam encontrar a sagrada

tekoá, que seria Yvy Mara Ey ou Yvy Dju (Litaiff, 1996). Há hipóteses que a terra sem

mal mudou de caráter em contato com os jesuítas para adaptar-se a uma nova conjuntura

histórica e social, porém sem destruir a crença original. Segundo Litaiff (2002, p. 261):

“De fato, ela é o resultado da interpretação guarani, como, por exemplo, a fusão de um

conceito genuinamente cristão “paraíso” à estrutura ideológica autóctone já existente”.

Em sua obra, As Divinas Palavras: identidade étnica dos Guarani-Mbyá, o

antropólogo Litaiff (1996 p.53), mencionado anteriormente, relata sua experiência acerca

da língua com os Guarani-Mbyá na aldeia de Bracuí (litoral do estado do Rio de Janeiro):

“[...] todas as vezes que os Mbyá conversam entre si o fazem utilizando a língua nativa,

inclusive diante de estranhos, que desta forma são excluídos”. Isso expõe a função da

língua para os Mbyá que é a de garantir privacidade nas conversas, sem que informações

da comunidade sejam objeto de especulações para o não indígena. Todavia, isso gera a

exclusão dos estranhos em suas conversas.

Na obra Palavras do Xeramõi, o autor indígena Antunes (2008), cita a importância

de mostrar o que está desaparecendo e preservar o que ainda existe na cultura Guarani-

Mbyá, ressaltando o valor do projeto da escrita no processo de preservação da história de

um povo. Ele fala que a história escrita na obra não está completa, é somente uma parte

da história dos povos Guarani, a fim de mostrar o que está se perdendo e preservar o que

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está vivo para que tudo fique escrito no papel, como o Juruá10 faz. Portanto, Antunes

concorda com a escrita, mas não nega a importância da transmissão oral do conhecimento

(que conta com a memória humana). A transmissão do conhecimento pela oralidade é um

fato milenar em muitas culturas, cujos valores e tradições são passados de geração a

geração por meio de histórias e lendas. O pesquisador Vansina (1980, p.160) expõe que:

“a tradição oral é tudo aquilo que é transmitido pela boca ou pela memória” ou “um

testemunho transmitido oralmente de uma geração à outra”. Portanto, julgar que culturas

ágrafas são povos sem história, que não detêm o saber, é um preconceito incrustado em

uma visão etnocêntrica, que tem dificuldade de pensar a diferença. Sabe-se que uma

cultura não é melhor do que a outra e que escrita não é sinônimo de saber. Como enfatiza

Hampaté Bá (1980, p. 181): “A escrita é apenas uma fotografia do saber, mas não o saber

em si”.

Felizmente, no Brasil há uma literatura indígena de qualidade, que se verifica em

autores como Daniel Munduruku (cujo sobrenome provém da sua etnia), Kaká Werá

Jecupé, Olívio Jecupé, Renê Kithãulu, Yaguarê Yamã, Tupã Tenondé, entre outros. Estes

escritores indígenas abordam a temática do índio na visão deles, não na perspectiva dos

Juruá, e tentam derrubar conceitos antiquados em relação as suas tradições e mostrar a

sua cultura de forma desmistificada. Muitos dos livros destes autores são adotados em

escolas indígenas e não indígenas de todo o país. Em uma entrevista postada no seu blog,

o autor de histórias indígenas e doutor em educação, Daniel Munduruku (apud GRANDE,

2009, p.01), assegura: “Já somos vistos e ouvidos por conta da literatura e não precisamos

levantar bandeiras políticas para isso. A literatura é nossa arma para nos fazermos ouvir”.

Também na mesma entrevista, comenta que a reação do seu povo sobre ele escrever

livros na Língua Portuguesa foi a melhor possível, isto é teve uma boa aceitação por parte

do seu povo, os munduruku. Afirma que eles gostaram, pois seus parentes mais próximos

foram testemunhas das dificuldades que ele passou em sua infância, já que

acompanharam sua luta para conseguir estudar e se formar. Segundo Munduruku (apud

GRANDE, 2009, p.01): “Quem tem este tipo de resistência são os não indígenas, que

acham que uma pessoa deixa de ser indígena quando perde a língua”. Daniel tem apenas

um livro escrito em munduruku, que foi traduzido com a ajuda de seu primo falante e

conhecedor da língua, já que o autor estudou em escola não indígena na cidade de Belém

10 Modo como os Guarani-Mbyá se referem aos não indígenas.

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capital do estado do Pará, onde havia uma resistência muito forte aos indígenas e, por

conta disso, tinha vergonha de falar na língua. Consequentemente, o autor mesmo declara

na entrevista que perdeu quase totalmente o munduruku.

3.1 BILINGUISMO E CONTEXTO

O Bilinguismo é um tema amplo e existem múltiplas definições para ele. Mackey

(apud MELLO, 1999, p.46) considera o bilinguismo como algo relativo, pois não se sabe

exatamente em que ponto alguém se torna bilíngue, e acrescenta que é simplesmente uma

questão de alternância de duas ou mais línguas. O autor afirma que há quatro pontos

fundamentais que envolvem a questão do bilinguismo: grau (quanto alguém conhece as

línguas que usa?), função (para que ele usa suas línguas?), alternância (com que

frequência ele muda de uma língua para outra e sob quais circunstâncias?) e interferência

(até que ponto uma língua influencia a outra?). Mackey concluiu, após aplicar testes de

proficiência em indivíduos bilíngues, que nem sempre o bilíngue possui o mesmo grau de

domínio em todas as habilidades (fala, compreensão, leitura e escrita). Essa questão está

sendo cada vez mais debatida, sobretudo pelos profissionais que abordam assuntos

relacionados à linguagem, à sociedade e à psicologia. Após investigações desses

especialistas, o paradigma de que o bilíngue é alguém que domina duas ou mais línguas

perfeitamente em todas as suas habilidades como, fala “sem sotaque”, escrita, leitura e

compreensão foi quebrado. Atualmente, sabe-se que dificilmente um indivíduo é fluente

nas duas línguas e em todos os níveis, até porque a aquisição de uma segunda língua pode

ocorrer em diferentes fases da vida e em todas as faixas etárias (GROSJEAN apud

MELLO, 1999).

Muitas pessoas têm a necessidade de aprender uma segunda língua por diversos

motivos: conhecer outras culturas, migração, exigência profissional, viagens, interesses

econômicos, casamento intercultural, entre outros. Pode ser uma questão de escolha, uma

necessidade ou, até mesmo, uma imposição. As sociedades indígenas, no caso as

brasileiras, tendo suas línguas vistas como minoritárias, precisam também aprender a

língua oficial do país em que vivem. Fato que comprova que uma língua pode ser também

uma imposição social e histórica.

É certo que dependendo do momento, um bilíngue tem a vantagem de escolher

qual língua pode usar. Foi exposto anteriormente sobre a conveniência que os índios têm

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de excluir estranhos com o objetivo de preservar suas conversas. De fato, normalmente o

português como segunda língua é utilizado por eles somente quando precisam interagir

com o não índio.

Geralmente, o bilíngue elege uma língua matriz (aquela que é a principal nas

enunciações), contudo essa nem sempre é a única língua utilizada em uma conversação.

Pode ocorrer que a outra língua do bilíngue surja na interação verbal. Tal fenômeno é

conhecido como mudança de código (codeswitching) Mello explica (1999 p. 85): “Ao

interagir com outros bilíngues, o individuo pode passar de uma língua para outra,

inserindo uma frase ou uma sentença na enunciação”. A autora também enfatiza que a

mudança de código pode funcionar como uma tática importante para o falante bilíngue.

Para Costa (2009, p.55): “O contexto da comunicação define a mudança de código, a

finalidade da interação explica as escolhas dos falantes”. Portanto, são as práticas sociais

que definem qual língua deve ser utilizada.

Para a perspectiva discursiva não se trata de “código” em stricto senso, mas de

língua em contexto. Nesse sentido, passar de “um código” para outro é compreendido

como uma possibilidade gerada em condições de produção estáveis, nas quais tanto um

“código” como o outro pode igualmente produzir sentido. Ou seja, o que permite a

produção de sentido são as condições de produção (condições contextuais) e não o código

isolado.

3.2 CONCEITO DE INTERCULTURALIDADE

Além de bilíngue, a educação escolar indígena almeja ser intercultural e

diferenciada. Mas, o que significa intercultural? Segundo Oliveira (2010, p.01): “Como

um programa da educação pública a interculturalidade é o reconhecimento de que, no

território controlado pelo Estado, vivem diferentes povos, etnias, grupos, nações, como

quer que as chamemos.” Para Oliveira (2010) o estado multicultural seria aquele que se

admite como tal e permite que os povos que o constituem representem suas diferentes

histórias, suas diferentes religiões e práticas sociais, seus diferentes heróis, tudo isso em

suas variadas línguas. O contrário dessa ideia é um estado monolíngue e monocultural

que foi a pretensão de todos os grupos gestores dos Estados Modernos, com raras

exceções.

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No momento em que a diversidade linguística começa a ser reconhecida em um

país, gera uma transformação histórica para toda a sociedade, resultando numa melhoria

do desenvolvimento sócio sustentável, em que todos os cidadãos participam ativamente

do crescimento do país. A ideia do monolinguismo, no qual prevalece uma língua e

cultura dominante, leva a considerar que outras culturas são empecilhos para o

desenvolvimento dos estados, posição que causa enormes conflitos em muitas regiões do

mundo. Tal paradigma deve ser modificado. Um caminho alternativo para que os grupos

autóctones se desenvolvam seria adquirir conhecimentos necessários da cultura

dominante, sem que abandonem sua própria cultura (HAMEL, 1995).

Somente o ensino da língua indígena não resolve a problemática da Educação

Escolar Indígena. De acordo com Hamel, professor e investigador do Departamento de

Antropologia da Universidade Autônoma Metropolitana-Iztapalapa em México, DF

(1995, idem, p.84): “[...] una educación apropiada tendrá que adecuar sus métodos a la

realidad cultural de los alumnos; en otras palabras, tendrá que ser además de bilingüe,

intercultural.” Esta ideia de interculturalidade é fundamental para que a Educação Escolar

Bilíngue seja efetiva, por conseguinte foi adotada pelo México e outros diversos países

latino-americanos com população indígena expressiva, como no caso do Brasil. Essa ideia

de interculturalidade é fundamental para que a Educação Escolar Bilíngue seja efetiva, a

qual já foi adotada pelo México e por outros diversos países latino-americanos com

população indígena expressiva, como no caso do Brasil.

Entretanto Oliveira (2010), adverte que é estranho que no Brasil a educação

intercultural esteja destinada só aos indígenas que são a minoria, e não à maioria luso-

brasileira, exatamente aquela que se constitui nas ações de nation-building (construção de

nação) no caso monocultural e monolíngue.

A Educação Escolar Indígena no Brasil tem como prioridade ser uma escola

diferenciada, nos sentido de preservação da cultura indígena e do ensino bilíngue. O

objetivo é que o aluno aperfeiçoe sua língua materna e aprenda a língua portuguesa como

veículo de comunicação na cultura hegemônica. Esta educação não deve ser padronizada

num modelo rígido, ao contrário, deve ser adaptada às características sociolinguísticas de

cada comunidade.

Uma proposta interculturalista no ensino de línguas busca relacionar a

aprendizagem de língua à cultura, partindo sempre da cultura de origem para a cultura-

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alvo, ou seja, é preciso estabelecer pontes culturais com outras sociedades e culturas. O

professor é o mediador dessa relação da língua de origem com as outras. Serrani (2005),

atribui o professor de línguas como um interculturalista, que deverá estar apto para

realizar práticas de mediação sócio-cultural, contemplando o tratamento de conflitos

identitários e contradições sociais na linguagem da sala de sala. Contudo, é fundamental

que o professor esteja capacitado para que o ensino da língua, tanto materna quanto

estrangeira, não seja simplesmente um mero instrumento a ser dominado pelo aluno. De

acordo com Serrani (2005, p. 18): “o perfil de um interculturalista, sensível aos processos

discursivos, requer que o profissional considere especialmente, em sua prática, os

processos de produção-compreensão do discursso, relacionados diretamente à identidade

sócio-cultural.” Para Serrani (2005), a interculturalidade enfatiza o componente cultural,

bem como o componente específico de linguagem. Portanto, a elaboração do projeto

didático não parte de elementos exclusivamente do sistema da língua; é fundamental

ressaltar na metodologia qual o contexto sócio-cultural e quais gêneros discursivos estão

em foco, para isso Serrani (2005) propõe três eixos temáticos a serem seguidos: 1.

Territórios, espaços e momentos, esse eixo considera o território como espaço social; 2.

Pessoa e grupos sociais, eixo que trata a identificação dos grupos sociais em diferentes

perspectivas discursivas sobre a diversidade étnica; 3. Legados socioculturais, que são as

peculiaridades de cada cultura, transmitidas de geração à geração, por exemplo a região

sul do Brasil pode estudar textos relacionados com a cultura nordestina e vice-vesa. As

sociedades indígenas podem estudar a cultura de outras etnias autóctones ou não-

indígenas e reciprocamente.

Além de mediar os estudos linguísticos, o professor precisa ter conhecimento de

várias áreas de ensino. Como ressalta Serrani (2005, p.21): “o domínio das concepções

teóricas fundamentais para um docente de línguas como interculturalista é

definitivamente transdisciplinar.” Para a Educação Escolar Indígena as lendas, as

histórias, contadas oralmente são instrumentos valiosos para se trabalhar a língua

concomitantemente com a cultura, sobretudo se trabalhado sob uma perspectiva não-

normativista, ou seja, é importante que aluno deixe transparecer suas opiniões e emoções.

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3.3 A PROBLEMÁTICA DA GRAMATIZAÇÃO

Segundo Auroux (2009, p.65): “Por gramatização deve-se entender o processo que

conduz a descrever e a instrumentalizar uma língua na base de duas tecnologias, que são

ainda hoje os pilares de nosso saber metalinguístico: a gramática e o dicionário.”

Portanto, estes são os principais instrumentos linguísticos que legitimam a existência de

uma língua, na concepção da cultura ocidental.

Uma língua para fazer sua gramática se baseia em outras línguas. Como exemplo,

destaca-se o caso do latim em que houve uma endotransferência do grego, bem como para

as línguas vernáculas (espanhol, português, francês, italiano) houve uma

endotransferência do Latim. Segundo Auroux (1995): endotransferência é quando os

próprios falantes da língua fazem a transferência cultural. Já a exotransferência é quando

locutores de outras línguas realizam tal processo, como exemplo a gramática Tupi-

Guarani do padre jesuíta José de Anchieta, lançada no século XVI. Cabe lembrar que

essa gramática foi a primeira iniciativa de instrumento linguístico no Brasil com o

propósito da catequização. Por isso, ficou conhecida como tupi jesuítico ou tupi

catequético. A transcrição da língua brasileira oral, (o Tupi), foi feita a partir de um

modelo europeu de escrita, que segundo Gallo (1995, p.53): “é justamente por aí que

começa seu processo de disciplinação e não de legitimação”.

A gramatização de uma língua nesses moldes tradicionais é sem dúvida, um

instrumento linguístico e político que forma parte da história da própria língua e que

atribui a questão do ensino para as instituições. O modelo metodológico é continuamente

aquele tradicional europeu apresentando um levantamento sistematizado das normas que

dizem respeito à escrita (ortografia), aos sons (fonética), à forma das palavras

(morfologia), às ligações entre elas (sintaxe) e ao sentido das mesmas (semântica).

Segundo Agustini (2004, p.15): “A gramática é um discurso que se constitui na

base da língua (escrita) enquanto instrumento linguístico que constrói a existência

(imaginária) da língua nacional”. Produz-se, então, a falsa ideia de que todos os falantes

de uma mesma língua falam e escrevem da mesma forma. A língua nacional é uma língua

“correta” sustentada pela gramática e no caso do Brasil a língua nacional é a língua

portuguesa, imposta e dominante, que não abrange a língua dinâmica e contextualizada

que flui entre os falantes. De acordo com Gnerre (2009, p.15): “A língua dos gramáticos é

um produto elaborado que tem a função de ser uma norma imposta sobre a diversidade”.

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Desse modo, não se pode conceber o ensino de uma língua utilizando somente a

gramática como instrumento linguístico. Ela é tão-somente uma parte de um todo. Como

sustenta Orlandi (2009, p. 92): “Além das regras, há os valores sociais atribuídos às

regras, há o contexto histório-social, há a situação constitutiva da linguagem”. Portanto, é

preciso levar em conta o contexto no qual o sujeito se inscreve.

3.4 ESTUDOS ACADÊMICOS SOBRE A LÍNGUA GUARANI-MBYÁ

A língua Guarani, já há muito tempo, não é mais uma língua ágrafa, porém não

tem uma escrita normatizada (aliás, até o final do século XX nem a língua portuguesa

apresentava uma escrita uniformizada), como é o caso de muitas línguas de tradição oral,

mas conta com um dicionário bilíngue Guarani-Mbyá-Português do autor Robert Dooley

e outro Guarani-Mbyá/Castelhano escrito por León Cadogan, além de trabalhos

acadêmicos. Há pouco mais de dez anos, os Guarani-Mbyá estão tendo contato com a

escrita, com uma proposta de ensino bilíngue dentro das suas escolas e nas universidades.

Com isso, há uma expectativa de que a escrita ganhe maiores proporções, tornando-se

uma prática nova nessa sociedade.

De acordo com Martins (2004, p. 28): “Apesar de vários trabalhos terem

contribuído para a documentação do Mbyá, este não conta com nenhuma gramática que

assegure a sua descrição completa”. A mesma autora explica que a bibliografia existente

trata mais comumente de Fonologia e que esta resulta ser a área mais desenvolvida. A

morfologia e a sintaxe foram pouco exploradas, apresentando alguns trabalhos feitos por

Dooley (1982) e Martins (1996).

Segundo Martins, 2004, p. 28: “O Mbyá conta com um vocabulário básico de

aproximadamente 2.500 verbetes e subverbetes produzido por Dooley (1989), baseado na

língua falada no estado do Paraná e que contém notas sobre aspectos gramaticais e alguns

dados sobre pronúncia e grafia”.

Dooley autor do dicionário bilíngue intitulado Vocabulário Guarani dialeto Mbyá

(1982), do Summer Institute of Linguistics (SIL) entidade religiosa, norte-americana de

caráter fundamentalista. O dicionário é apresentado sob duas versões: uma técnica,

voltada para o mundo acadêmico, e outra com a finalidade de auxiliar estudantes, que

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contou com o apoio do MEC. Ambas as variações podem ser usadas por falantes do

Português que queiram conhecer o Guarani. Dooley proporciona em sua obra lexical o

acesso tanto à forma escrita comum quanto aos modelos para transcrições fonológicas e

fonéticas. Há no dicionário uma breve descrição sobre a fonologia Guarani, relacionada à

sua representação ortográfica, incluindo a influência da língua portuguesa sobre a

ortografia e a ordem alfabética.

Há nos trabalhos do SIL um valor significativo de investigação linguística,

entretanto, do ponto de vista social crítico é extremamente questionável a intenção de

evangelizar, de converter os indígenas à uma religião estranha à sua cultura, mesmo

porque estas sociedades já têm sua própria religião, ou melhor, suas próprias crenças.

Nesse sentido, a missão evangélica do SIL manifesta seu autoritarismo religioso, com um

pensamento totalitário de verdade universal, objetalizando o indígena e a sua língua, o

que, ao nosso ver compromete sua prática de pesquisa linguística.

O dicionário Guarani-Mbyá-Castelhano (1992) de Cadogan, como cita Melià no

prefácio da obra (1992, p. 13): “[...] conforta uma etnologia implícita dos Guarani-Mbyá

que [...] ajuda a compreender o significado de conceitos que são chaves nessa cultura e

[...] permite a compreensão melhor dos textos míticos dos Guarani-Mbyá do Guairá (Ayvu

Rapyta e Ywyra Ne’ery) também escrito por Cadogan.” O dicionário é um excelente

auxiliar na leitura dos textos. Não se trata de uma obra completa, e sim de uma parte da

língua dos Mbyá que foi falada ao autor em circunstâncias de tempo e lugar muito

determinadas. À medida que o corpus dos textos dos Mbyá ganhe amplitude e cubra uma

dimensão maior de falantes e formas de discurso, não há dúvidas de que novas palavras

irão incorporar-se ao dicionário, que, segundo Cadogan (1992), certamente seria

enriquecido, consciente, no entanto, que completá-lo inteiramente seria uma tarefa quase

que impossível, em virtude da riqueza linguística do Mbyá.

Em uma análise crítica sobre o modo de escrita e utilização dos dicionários

Guarani-Mbyá, Melià no apêndice da obra lexicográfica de Cadogan (1992, p. 210)

comenta:

Segundo nosso conhecimento só existe outro trabalho de lexicografia Mbyá: Dialeto Mbyá do Brasil de Robert Dooley, nele as palavras foram tratadas com quase absoluta abstração do contexto cultural, mas poderão ser utilizadas para traduções simples de textos coloquiais que não impliquem matizes semânticas específicas da cultura Guarani-Mbyá.

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Convém evidenciar que os trabalhos supracitados são clássicos e relevantes para o

ensino da escrita da língua Guarani-Mbyá, pois quando houver necessidade de

verificação, de exemplos, essas pesquisas darão respaldo. Contudo, essa é uma

necessidade do pesquisador e não do indígena. É importante deixar que os falantes (no

caso os indígenas) conheçam os modelos de escrita existentes na cultura ocidental

(dicionários, gramáticas, trabalhos acadêmicos), porém necessário se faz incentivá-los a

propor outras possibilidades de registro.

As graduações que estão sendo criadas para os indígenas têm papel importante,

visto que a ideia agora é poder contar com os próprios falantes e suas intuições, desde que

sempre seja respeitada a cultura do outro.

3.5 DO DIREITO À LÍNGUA AO DIREITO À EDUCAÇÃO BILÍNGUE

As políticas públicas enfrentam o instigante desafio de fazer valer em nosso país

os direitos políticos, culturais e educacionais conquistados pelos povos indígenas (após

um longo período de lutas árduas e protestos) que resultaram na afirmação destes direitos

com a Constituição Federal de 1988. Tal desafio se dá visto que além de reverter séculos

de políticas e projetos de ideologias homogêneas com capacidade de anular identidades e

diferenças étnicas, é primordial a transformação de mentalidades, desnaturalizando

estereótipos, desconstruindo visões estabelecidas, quebrando paradigmas obsoletos para,

e somente desta maneira, viabilizar processos de democratização que reduzam

desigualdades produzidas pela desumana exclusão de segmentos sociais portadores de

identidades contrastantes. A sustentabilidade da diversidade étnica é exatamente combater

a ideia de que haja culturas superiores, etnocentrismo e hierarquias, visto que apesar da

pluralidade de culturas existentes no Brasil, ainda o preconceito convive com o nosso

cotidiano. Por isso, além de reconhecer as diferenças é preciso valorizá-las também e

pensar que quanto maior a interculturalidade maior a riqueza, já que um mundo diverso

produz uma humanidade melhor, com diferentes olhares e diferentes contribuições. O

cidadão que vive em um estado multicultural compreende e respeita as práticas culturais

dos diferentes povos que o Estado apresenta.

A complexidade da área dos direitos culturais inclui vários conjuntos de direitos e

garantias, entre eles, merecem devidos destaque e reflexão, como cita Guerrero (2009, p.

93), “o reconhecimento da diversidade, o exercício da identidade como povos, o uso

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irrestrito da língua, uma educação própria e o respeito pelo patrimônio cultural”. O autor

supracitado, membro do Instituto Interamericano de Direitos Humanos, considera,

parafraseando Paulo Freire, que o direito à língua (que pertence ao campo dos direitos

culturais) é um direito gerador, ou seja, um direito fundamental para reivindicar os

demais.

A intenção de organizações e comunidades indígenas ao formularem demandas

pelo direito à língua abrange vários objetivos, considerados por Guerrero (2009) como o

reconhecimento formal de sua existência (colocá-la ao lado do idioma nacional) e, ao

mesmo tempo, o reconhecimento da existência dos povos falantes dela, em termos de

quantidade numérica e localização geográfica. Isso implica o direito de usar a língua na

vida cotidiana sem que este uso seja considerado uma ameaça à segurança nacional ou

mesmo como uma absurda evidência de uma possível atitude conspiratória, ou seja, estas

restrições impostas por autoridades locais, militares, empregadores do meio rural, entre

outros, que não vêm a ser restrições legais, porém não deixam de ser reais. Os indígenas

reivindicam, ao mesmo tempo aqui, o uso dos seus verdadeiros nomes e sobrenomes.

Segundo Guerrero (2009, p. 94), “O uso da língua materna para a educação é, sem

dúvida, a reivindicação mais generalizada e concreta que se desenvolveu até o momento”.

Ainda para o autor, seguindo um percurso de reivindicações, primeiramente, a luta era

para que as crianças pudessem usar suas línguas para fins não-educacionais, logo, a

demanda se estendeu para que alguns conteúdos educativos fossem ensinados em língua

indígena e, finalmente, que a própria educação se tornasse bilíngue. Além de bilíngue,

posteriormente, foi proposto que o ensino fosse bicultural ou intercultural (para fazer

referência aos próprios conteúdos, isto é, à realidade do contexto no qual os estudantes

estão inseridos). Hoje, esta modalidade de educação na América Latina se define como

Educação Intercultural Bilíngue e, no Brasil, exclusivamente, como Educação Escolar

Indígena. Ainda como reclamação mais avançada, foi solicitado que os processos

educacionais fossem controlados pelos próprios indígenas, sem seguir necessariamente o

modelo de ensino dos não indígenas.

Cabe ressaltar aqui a sugestão de que a língua portuguesa fosse aprendida como

uma segunda língua. E, ainda, que línguas indígenas, ou alguma dentre elas, fossem

ensinadas nas escolas dos não indígenas, como segunda língua a toda população do país.

Com outras palavras, as línguas minoritárias precisam chegar às escolas dos não

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indígenas e também às universidades. Como enfatiza Costa (2009, p. 52): “Os cursos de

Letras oferecem habilitações em diferentes línguas, porém nenhuma indígena, isso em

locais habitados por indígenas e senão houver mobilização por parte das etnias

interessadas, o horizonte não é promissor”.

A reivindicação ao direito à língua trouxe à tona a inserção do ensino bilíngue nas

escolas indígenas, que evoluiu para que haja uma ideologia voltada verdadeiramente para

um intercâmbio entre culturas indígenas e não indígenas. Tal fato, seguramente, é uma

grande conquista para a valorização e o reconhecimento dos direitos indígenas.

Nesse sentido, algumas medidas foram e estão sendo tomadas pelo governo para

tornar real o direito destes brasileiros, como a criação e ampliação de leis que promovem

a questão da pluralidade cultural no Brasil. Um exemplo importante a ser citado é a

substituição da Lei no 10.639 de 2003 (BRASIL, 2003), que abordava apenas a questão

racial negra, pela Lei no 11.645 de 2008 (BRASIL, 2008), com o objetivo de abrangê-la e

assim preconiza o trabalho e a valorização das tradições negras e indígenas, incluindo no

currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-

Brasileira e Indígena”.

Além disso, o Ministério da Educação tem investido em ações para qualificar a

Educação Escolar Indígena, como formação de professores, produção de materiais

próprios e melhorias na infraestrutura. Em julho de 2004, criou sua mais nova secretaria,

a SECAD - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Nesta

secretaria, além da educação escolar indígena e diversidade étnico-racial, estão reunidos

temas como alfabetização e educação de jovens e adultos, educação no campo, educação

ambiental e educação em direitos humanos, temas antes distribuídos em outras

secretarias.

A SECAD tem como objetivo contribuir para a redução das desigualdades

educacionais por meio da participação de todos os cidadãos em políticas públicas que

assegurem a ampliação do acesso à educação, tornando-se um instrumento de grande

importância para a estruturação do ensino da língua indígena.

A seguir, observam-se as principais ações da SECAD para garantir a oferta de

uma educação escolar indígena de qualidade. Tais ações se encontram no site oficial do

MEC (2010):

1. Formação inicial e continuada de professores indígenas em nível médio (Magistério Indígena). Esses cursos têm em média a duração de cinco anos e

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são compostos, em sua maioria, por etapas intensivas de ensino presencial (quando os professores indígenas deixam suas aldeias e, durante um mês, participam de atividades conjuntas em um centro de formação) e etapas de estudos autônomos, pesquisas e reflexão sobre a prática pedagógica nas aldeias. O MEC oferece apoio técnico e financeiro à realização dos cursos.

2. Formação de Professores Indígenas em Nível Superior (licenciaturas interculturais). O objetivo principal é garantir educação escolar de qualidade e ampliar a oferta das quatro séries finais do ensino fundamental, além de implantar o ensino médio em terras indígenas. O Programa de Formação Superior e Licenciaturas Indígenas - Prolind é um programa de apoio à formação superior de professores que atuam em escolas indígenas de educação básica. Estimula o desenvolvimento de projetos de curso na área das Licenciaturas Interculturais em instituições de ensino superior, públicas federais e estaduais. O objetivo é formar professores para a docência no ensino médio e nos anos finais do ensino fundamental das comunidades indígenas.

3. Produção de material didático específico em línguas indígenas, bilíngues ou em português. Livros, cartazes, vídeos, CDs, DVDs e outros materiais produzidos pelos professores indígenas são editados com o apoio financeiro do MEC e distribuídos às escolas indígenas.

4. Apoio político-pedagógico aos sistemas de ensino para a ampliação da oferta de educação escolar em terras indígenas.

5. Promoção do Controle Social Indígena. O MEC desenvolve, em articulação com a Funai, cursos de formação para que professores e lideranças indígenas conheçam seus direitos e exerçam o controle social sobre os mecanismos de financiamento da educação pública, bem como sobre a execução das ações e programas em apoio à educação escolar indígena. Podemos contar ainda com a criação e publicação dos Cadernos Secad, concebidos para cumprir a função de documentar as políticas públicas desta secretaria. Os conteúdos destes cadernos são de caráter informativo e formativo para aqueles que precisam compreender as bases históricas, conceituais, organizacionais e legais.

6. Apoio financeiro à construção, reforma ou ampliação de escolas indígenas.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) reconhece a

diferenciação da escola indígena das demais escolas do sistema, respeitando, assim, a

diversidade cultural e a língua materna. Com isso, o Ministério da Educação criou o

Referencial Curricular Nacional para as escolas indígenas - RCNE Indígena. Este

documento integra a série Parâmetros Curriculares Nacionais e reúne os embasamentos

históricos, antropológicos, políticos e legais da proposta de Educação Escolar Indígena,

além de esclarecer e incentivar a pluralidade, a diversidade e respeitar a participação de

educadores índios e não-índios. O objetivo do material é orientar o trabalho dos

professores junto às comunidades indígenas, oferecendo ideias e sugestões de trabalho

nas diversas áreas do conhecimento para cada ciclo escolar das escolas indígenas

inseridas no Ensino Fundamental (BRASIL, 1998).

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A alfabetização e a educação escolar sempre foram práticas de não indígenas, sua

forma de ensino veio ao encontro das suas necessidades e padrões e vêm evoluindo ao

longo de sua prática, dentro desta ideologia. Tal educação escolar foi inserida

arbitrariamente na cultura indígena através dos colonizadores, com seus padrões de

ensino voltados aos próprios interesses. Este modelo fixado avalia e reprova o que não faz

parte de padrões preestabelecidos, o que coloca em desvantagem tudo e todo aquele que

não pertence a esta realidade.

Entretanto, atualmente, notam-se progressos significativos que vem ocorrendo

desde a década de 70, com a estruturação de diferentes organizações indígenas, cujo

objetivo é lutar pelos seus direitos, inclusive no que diz respeito à legislação que regula a

Educação Escolar Indígena no Brasil. Também a presença das universidades nas aldeias,

com antropólogos indigenistas ocorreu nesse período. Contudo, os movimentos

indigenistas só conseguiram a criação de políticas públicas voltadas para um sistema

educacional diferenciado a partir da década de 80 (MACIEL, 2005).

Constata-se que somente após a constituição de 88, os índios conseguiram seu

primeiro curso oficial. Foi uma conquista após vários anos de lutas e reivindicações. De

acordo com Girotto, 2011, p.91:

A educação escolar indígena teve o primeiro curso oficial no estado de Mato Grosso do Sul direcionado para as etnias Guarani/Kaiowá no ano de 1993, isso para capacitação de professor para trabalhar com o Ensino Fundamental para indígenas, para tal o curso foi realizado numa parceria entre Universidade (UFMS), Estado (secretaria de Educação do Estado e Funai) e organizações não governamentais (CIMI e Missão Presbiteriana).

Como consta no RCNE Indígena (BRASIL, 1998), legalmente o caminho está

livre para a construção de currículos coerentes com a realidade e as novas demandas dos

povos indígenas, como reivindicam professores e pessoas envolvidas, conhecedores das

dificuldades encontradas naqueles modelos de educação impostos ao longo da história,

que nunca corresponderam aos interesses políticos e às pedagogias da cultura indígena.

A constituição de 88 e a LDB dão a garantia aos indígenas de colocarem em

exercício formas peculiares de organização escolar, como, por exemplo, o uso de um

calendário próprio e, ainda, autonomia para a criação, desenvolvimento e avaliação de

conteúdos. Porém, contradições e conflitos precisam ser superados, já que existem

entraves que dificultam a prática de tais propostas, como a falta de conhecimento na

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operacionalização propriamente dita, práticas cotidianas, assim como os objetivos a serem

alcançados.

Desse modo, existe a necessidade de uma análise constante, crítica e informada da

participação do professor indígena. Felizmente essa participação é uma realidade nas

práticas curriculares em andamento em suas escolas, já que, como foi dito anteriormente,

o modelo de ensino criado para uma sociedade considerada homogênea não vinha ao

encontro da grande diversidade cultural e étnica dos povos indígenas no Brasil.

Conforme o RCNE Indígena (BRASIL, 1998, p. 12): “só uma (re)avaliação

contínua da atuação pedagógica pode assegurar que tal atuação esteja sendo capaz de

promover, junto aos alunos indígenas o exercício pleno da cidadania e da

interculturalidade, o respeito a suas particularidades linguístico-culturais.”

O RCNE Indígena com a participação do movimento indígena serve como um

instrumento auxiliar nesta análise, já que se propõe a distinguir escolas indígenas de

escolas não indígenas e refletir novas intenções educativas que deverão orientar políticas

públicas e educacionais para as escolas indígenas. E, ainda, propõe-se a apresentar os

princípios mínimos necessários para que se possa chegar aos objetivos a serem

alcançados nos procedimentos de sala de aula em cada área de estudo do currículo.

Professores indígenas, em reunião da Comissão dos Professores Indígenas,

Amazonas, Roraima e Acre – COPIAR chegaram a consonância de que na prática

(BRASIL, 1998, p.13): “A primeira coisa que a gente tem que fazer para produzir um

currículo é [...] discutir as ideias. E chegar na aldeia [...] e conversar com a comunidade,

com os outros professores. E mostrar que aquele currículo não está bom, que é preciso

mudar.” Isso mostra que a participação do indígena na construção do currículo é

indispensável e este deve ser adequado às necessidades de cada comunidade.

Foi realmente nas décadas de 80 e 90 que os direitos dos indígenas começaram a

entrar em vigor. A Constituição de 88 reconheceu aos povos indígenas brasileiros o

direito às suas línguas, pelo menos no aparato escolar, em dois artigos (Art. 210, 231),

fato que foi regulamentado pela nova lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de

1996, também em dois artigos (Art. 78, 79).

A alfabetização dos indígenas é algo recente e pressupõe uma conquista

linguística. Entretanto, é etnocêntrico pensar que para uma língua ser legitimada, ela

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precisa ter escrita. Há várias línguas, mas cada uma deve ter sua própria forma material e

isso deve ser respeitado.

No Brasil, a conquista de leis nem sempre é a garantia da superação de

obstáculos. É necessário ultrapassar o etnocentrismo e a discriminação por meio de

comportamentos sociais e políticos que proporcionem o devido valor à igualdade de

direitos, independentemente da etnia ou língua do cidadão brasileiro.

Cabe mencionar o trabalho político sobre as línguas, nomeadamente as políticas

linguísticas, cujo objetivo principal é uma atuação junto às comunidades indígenas para

fazer valer a lei, garantindo que o índio possa usar sua língua materna e que o ensino

escolar a ele oferecido seja pautado pela interculturalidade (diálogo entre as duas

culturas) e adaptado às suas próprias características e necessidades.

O INDL (Inventário Nacional da Diversidade Linguística) vem a ser um livro de

registros das línguas e serve para possibilitar o reconhecimento das comunidades

linguísticas formadas por cidadãos brasileiros, sendo mais um passo na valorização do

direito à sua herança linguística e cultural. Portanto, trata-se de um instrumento de

salvaguarda pelo Estado porque a língua inventariada se torna um bem cultural imaterial

da nação. As línguas inventariadas já podem ser reconhecidas e, assim, mantêm-se e

valoriza-se a diversidade cultural, que é um patrimônio da humanidade.

Segundo o Relatório de atividades do grupo de trabalho da diversidade linguística

do Brasil (BRASIL, 2007, p. 16):

O inventário visa a dar visibilidade à pluralidade linguística brasileira e a permitir que as línguas sejam objeto de uma política patrimonial que colabore para sua manutenção e uso, portanto, visa a garantir às comunidades linguísticas que as utilizam, a legitimidade destes usos.

Conforme o Artigo 8 da Declaração dos Direitos Linguísticos, organizada pelo

linguista Oliveira (2003, p. 28): “Todas as comunidades linguísticas têm direito a

organizar e gerir os recursos próprios, com a finalidade de assegurar o uso de sua língua

em todas as funções sociais.” Ainda neste artigo: “Todas as comunidades linguísticas têm

direito a dispor dos meios necessários para assegurar a transmissão e a continuidade

futura de sua língua”. Dessa forma, somente com políticas que favoreçam a inclusão e a

participação de todos os cidadãos é que se tornará real o conceito de pluralismo cultural.

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É necessário criar condições para que esta pluralidade linguística continue existindo.

Portanto, o inventário é um trabalho de base para a criação destas políticas.

Com a virada político-linguística, conceito criado por Oliveira (2007), que são

movimentos de reconhecimento da diversidade linguística e cultural, pode-se afirmar que

o Brasil passa por um momento privilegiado para as políticas da diversidade, como nunca

tivemos na conformação do país.

Porém, há ainda grandes desafios como vencer o preconceito e garantir o espaço

linguístico, os direitos constitucionais, respeito às tradições dos cidadãos brasileiros que

não têm o português como língua mãe, independente de serem línguas indígenas, de

imigração, de sinais ou faladas por grupos quilombolas.

Recentemente, no dia 04.05.2010, uma juíza reacendeu o debate sobre a liberdade

de idiomas no Brasil num julgamento de assassinato de um cacique de setenta e dois anos,

em que fazendeiros, no estado do Mato Grosso do Sul, são os principais suspeitos. Os

índios, após darem os primeiros depoimentos em português, reivindicaram o direito de

darem os demais depoimentos em seu idioma nativo, levando, inclusive, um tradutor

oficial indicado pela FUNAI, nomeado pela justiça como intérprete oficial dos indígenas.

O pedido foi aceito pelo poder público e o julgamento foi marcado. Contudo, a juíza

responsável pelo julgamento se recusou a aceitar tal situação. Ela alegou que os primeiros

depoimentos foram feitos em língua portuguesa e não aceitou que houvesse um intérprete.

O procurador abandonou o júri para que os indígenas não fossem prejudicados no seu

direito de comunicar-se no julgamento, pois o Estado não pode impor um idioma às

minorias (sendo que tais minorias já adquiriram na Constituição de 88 o direito ao uso de

sua língua materna e, segundo o Ministério Público Federal, a Constituição Brasileira e

tratados internacionais garantem às etnias minoritárias de um país o direito de usar seu

idioma nativo).

Além disso, associa-se o fato de que tal atitude já lesou profundamente o Brasil

em sua diversidade cultural. Embora as vítimas e testemunhas já houvessem sido ouvidas

em português em outras fases do processo, o procurador Aras (apud FUHRMANN, 2010,

p.18) alega que: “Não é porque foi feito errado outras vezes que o problema pode repetir-

se. É como dizer que se eu invado a sua casa uma vez, posso invadi-la sempre.” O

julgamento teve de ser adiado e a discussão continua.

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O pesquisador e professor Bessa Freire (apud FUHRMANN, 2010) lembra que a

linguagem jurídica é de difícil compreensão por utilizar palavras técnicas e compara o

caso com os dos estrangeiros presos nos aeroportos brasileiros que têm o direito de

defender-se na sua língua materna, mesmo tendo algum conhecimento da língua

portuguesa e estando fora do seu território. Na opinião de Freire (apud FUHRMANN,

2010, p. 18): “aceitar que os indígenas se comuniquem em sua língua materna é uma

forma de fugir de um julgamento preconceituoso, pois reduz a impotência do índio

perante a justiça e lhe dá confiança. Isto é fundamental para quem está em busca da

verdade real.” Ou seja, é mais fácil as pessoas se comunicarem em sua língua materna na

qual pensam e sonham. Isto porque poucas pessoas alcançam um nível de bilinguismo

que lhes dá capacidade de raciocinar e defender seus direitos, de expor suas ideias num

segundo idioma. Também se deve considerar que há diversas tipologias de indivíduos

bilíngues. Ainda para Freire (apud FUHRMANN, 2010, p.18): “Seria necessário um

intérprete capaz de conhecer as nuances dos dois idiomas que estão sendo usados.” Entra

aqui não só a questão de que é preciso respeitar o bilinguismo como, também, há que se

levar em conta as nuances da interculturalidade. Assim sendo, o trabalho do intérprete

não é só fazer a mera tradução de palavras (literal), mas interpretar, pois deve existir um

elo entre culturas diferentes e em choque, neste caso.

É importante ressaltar aqui e levantar o questionamento que a própria cultura

jurídica Guarani é diferente da cultura dos não indígenas. O próprio fato de participar de

um júri já pode causar melindres, já que, para eles, a conversa é um encontro entre duas

almas e o falar alto pode assustar a alma do outro. Num julgamento, além do uso de um

gestual agressivo, grita-se muito. O intérprete nomeado para o caso, que vem a ser um

índio Guarani, doutorando em antropologia na UFRJ, de nome Tonico Benites (apud

FUHRMANN, 2010, p. 17) cita que: “[...] outras características de um julgamento são

incômodas para os índios, como o isolamento e a proibição de que testemunhas e vítimas

conversem entre si. [...] Para nós, quando falamos de alguém que morreu, a alma da

pessoa fica presente no lugar.” Por este motivo, torna-se difícil para eles relembrar a

história perante os companheiros e a alma da pessoa que foi assassinada, que crêem estar

presente. Além disso, ainda citando Benites (apud FUHRMANN, 2010, p. 17): “A

construção do discurso é diferente entre o português e o Guarani.” Além do desconforto

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de um ambiente hostil, a arbitrariedade de ter que falar em português deixa o índio em

desvantagem.

3.6 BRASIL: UM PAÍS PLURILÍNGUE

O Brasil é um país multiétnico e plurilíngue, apesar de não serem reconhecidas

todas as línguas aqui faladas. Para compreender melhor a questão é necessária a

apresentação de alguns dados.

No Brasil de hoje são falados por volta de 200 idiomas. As nações indígenas do país falam cerca de 170 línguas (chamadas de autóctones), e as comunidades de descendentes de imigrantes outras 30 línguas (chamadas de alóctones). Somos, portanto, como a maioria dos países do mundo – em 94% dos países do mundo são faladas mais de uma língua – um país de muitas línguas, plurlíngue (OLIVEIRA, 2005, p.01)

Contudo, as estatísticas mostram uma situação preocupante. De acordo com uma

pesquisa feita pela UNESCO (2010), que divulgou nesse mesmo ano o mapa interativo

das línguas em perigo no mundo, o Brasil é o terceiro país do mundo com o maior

número de línguas ameaçadas de extinção. Segundo levantamento feito por 25 linguistas,

45 línguas indígenas, a maioria delas no Amazonas, foram classificadas na categoria de

risco mais elevado, ou seja, em situação crítica e 81 correm perigo porque as novas

gerações não aprendem mais o idioma materno.

Conforme Haboud (apud URIBE, 2009), especialista em línguas andinas: “O

êxodo rural e a instalação de grandes multinacionais na região amazônica e nos Andes são

os principais fatores externos que contribuem para o desaparecimento da língua

indígena”. Esse é o problema de uma visão exclusivamente linguística. Todavia, faz-se

necessário destacar que mais preocupante que o desaparecimento das línguas é o

desaparecimento das comunidades indígenas. Na visão discursiva, há sujeitos em relação.

O que deve ser preservado é o indígena (não somente sua língua) mas as comunidades.

Sabe-se que um indígena pode não mais falar a sua língua, todavia não vai deixar de ser

indígena por conta disso. O contrário seria acreditar que a língua é um critério sine qua

non de reconhecimento de identidade cultural, porém a língua não ultrapassa os limites da

cultura.

No século XVI, o europeu quando aqui chegou, impôs seu modelo hierárquico e

etnocêntrico, com o objetivo da conquista, da colonização e do domínio do chamado

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Novo Mundo. Foi a época do extermínio do mais fraco. A política da língua única no

Brasil existe desde 1758, época em que Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de

Pombal (ministro todo-poderoso de Dom José I e com pleno domínio para governar

Portugal e suas colônias), decretou a língua portuguesa como língua oficial do Brasil,

justificando que governar um país com mais de uma língua se tornaria difícil. Nesse

momento, a ordem religiosa Companhia de Jesus, cujos membros eram os jesuítas,

notórios pelo trabalho missionário e educacional, é expulsa da colônia. O jesuíta mais

conhecido e atuante foi o Padre José de Anchieta que, em 1595, publica em Portugal a

“Arte da gramática mais usada na costa do Brasil”. Esse foi um dos primeiros

documentos sobre as línguas do Novo Mundo, que foi antecedido somente pela gramática

do quéchua, escrita pelo dominicano Domingo de Santo Tomás e publicada na Espanha

em 1560. Outra obra de teor igualmente importante que se tem conhecimento foi o

dicionário do jesuíta Antonio Ruiz de Montoya, intitulado “Arte, bocabulario, tesoro y

catecismo de la lengua Guarani”, publicado mais tarde na Espanha, em 1640. A

gramática do Tupi idealizada e escrita por Anchieta é um tema controverso: existem

aqueles que a consideram um magnífico trabalho de valor linguístico e filológico

indiscutível. E outros que a veem como uma deturpação da verdadeira língua indígena,

com o único propósito de ser um livro didático destinado aos jesuítas e à catequese dos

indígenas, logo não científico. Esses últimos ainda acreditam que ao empregar o modelo

latino, o jesuíta simplificou e criou categorias inexistentes para o legítimo Tupi (LEITE,

2003).

A respeito da contribuição das línguas indígenas, estima-se que foram

incorporadas à língua portuguesa do Brasil mais de dez mil palavras, porém este número

pode ser facilmente duplicado, pois, todas as denominações de lugares, de rios, de

montanhas, de plantas, de frutos pertencem ao tupi e ao guarani bem como a outros

falares de etnias ainda não bem conhecidas e estudadas até o momento (BUENO, 1987).

Certo é que, da língua tupi ou tupinambá, a língua portuguesa do Brasil

incorporou várias palavras referentes à flora, como abacaxi, buriti, mangabeira, carnaúba,

capim, pequi, jacarandá, jerivá, ipê, cipó, maracujá, jabuticaba, caju, caqui, entre outros; à

fauna, como capivara, tatu, jacaré, sucuri, piranha, urubu, quati, sabiá, maracanã, entre

outros; aos nomes geográficos: como Aracaju, Maceió, Guanabara, Iracema, Ipanema,

Tijuca, Niterói, Pindamonhangaba, Itapeva, Itaúna, Ipiranga, Chapecó, Itajaí, entre

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outros; aos nomes próprios: como Jurandir, Jurema, Ubirajara, Juçara, Maíra, entre outros

(BUENO, 1987).

Segundo Bueno (1987, p.19): “O que muitos julgam ser criação da gíria reflete

influência indígena. Quem desconhece o modo de dizer: fazer peteca de alguém? Aí está

a palavra tupi peteca, propriamente, tapa, bofetada, porque no jogo da peteca, esta é

mantida no ar a poder de tapas”.

Após a expulsão dos jesuítas em 1759, a política de difusão do português é

deflagrada e o horizonte linguístico se comprime, já que se desenvolveu uma política

linguística direcionada ao monolinguísmo, centrada na língua portuguesa como língua

oficial e nacional, baseada na crença de que outras línguas levariam a outras identidades,

o que ameaçaria a “identidade nacional brasileira”, caso se reconhecesse o direito ao uso

de outros idiomas. Segundo a obra elaborada pela Consultoria Legislativa da Câmara dos

Deputados, Ensaios sobre impactos da Constituição Federal de 1988 na sociedade (2008,

p. 191):

O colonizador, com tudo o que essa postura traz a reboque, a fim de provar seu poder buscou imprimir sua identidade sobre a colônia não apenas pelo mérito da força da conquista, mas também pelo subjugar da(s) cultura(s) local(is) por meio da imposição de seu idioma como marca do conquistador.

De acordo com exposto, Oliveira e Morello (2004, p.02) afirmam que: “que 85%

das línguas desapareceram sem deixar vestígio, já que se tratava de línguas ágrafas, isto é,

sem escrita, como, aliás, a maioria das línguas no mundo”. Não só por isso, mas também

porque eram comunidades sem muito poder.

Na obra Palavras do Xeramõi, de Antunes (2008), autor descendente dos Guarani,

de nome indígena Karai Tataendy, pode-se encontrar e analisar o outro lado da história,

explícito em seu pensamento:

A nossa história está escrita em lugares sagrados, lugares que a natureza se encarregou de preservar para as futuras gerações. Mas um povo, que aqui chegou com olhos de reis e roupas de imperadores, tirou de nós o direito de continuarmos registrando nossa história. Esse povo destruiu, assim, os “livros” e registros que estão guardados na natureza, à medida que foram nos obrigando a uma maneira, sem nos pedir licença, de falar a nossa língua, de enterrar nossos mortos, de dançar nossas músicas, de praticar nossa religião, nossos rituais de cura (ANTUNES, 2008, p.42-43).

Seguindo essa linha de pensamento, no Relatório de atividades do grupo de

trabalho da diversidade linguística (BRASIL, 2007, p. 03) consta que “a política

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linguística principal do estado sempre foi a de reduzir o número de línguas num processo

de glotocídio (eliminação de línguas) através de deslocamento linguístico, isto é, de sua

substituição pela língua portuguesa.” Segundo estimativas de Rodrigues (1986), há 500

anos falavam-se no país cerca de 1.200 línguas indígenas. Tal redução de línguas

indígenas nos últimos 500 anos se deu sob o efeito de um processo colonizador

extremamente violento e continuado. Segundo Funari e Noelli (2005, p. 66): “Nos

séculos seguintes à chegada de Cabral, teria havido uma drástica redução das línguas

indígenas no Brasil, principalmente em virtude da morte de muitos milhões de pessoas, na

ordem de mais de 80%, uma perda incomensurável de diversidade cultural”.

Do século XVI até o final do século XVIII houve grande migração portuguesa

para colonizar o Brasil de forma exploratória, seguindo o modelo de colonização ibérica.

Os lusitanos visavam enriquecimento rápido com intuito de retonar à metrópole. A

princípio, dedicaram-se sobretudo à agricultura, fundamentada no trabalho escravo,

inicialmente executado por indígenas, mas principalmente por escravos africanos. Cabe

lembrar que milhões de negros foram forçados a atravessar o oceano atlântico, ao longo

dos séculos XVI ao XIX, com destino ao Brasil, compondo a mão-de-obra escrava e

classificando, portanto, uma migração obrigatória. No século XVIII, os lusitanos vieram

atraídos pelo ouro no interior do Brasil. A partir do século XIX o Brasil passou a receber

imigrantes de outros países da europa, da ásia e do oriente médio. De acordo com

Dietrich (2011, p.28): “quase 5 milhões de pessoas migraram para o Brasil entre 1819 e

1940 e ajudaram a formar o que chamamos de nação brasileira. Os grupos mais

numerosos, em ordem decrescente, foram italianos, portugueses, espanhóis, alemães,

japoneses e árabes”. Essas populações foram atraídas pelas propagandas divulgadas em

seus países, que anunciavam uma vida melhor na América. Contudo, os imigrantes, os

africanos, assim como os indígenas também foram prejudicados pela política da língua

única.

A era Vargas é um exemplo clássico de ações violentas que fomentaram o

processo de glotocídio. Chegou-se ao ponto de considerar “crime idiomático” o fato de

falar outra língua que não fosse a língua portuguesa. Tal lei foi criada com a finalidade de

punir tanto índios como imigrantes que insistissem em usar seus idiomas maternos no

Brasil:

Durante o Estado Novo […] o governo […] perseguiu prendeu e torturou pessoas simplesmente por falarem suas línguas maternas em público ou mesmo

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privadamente, dentro de suas casas, instaurando uma atmosfera de terror e vergonha […]. […] Mais grave que tudo isso a escola da “nacionalização” estimulou as crianças a denunciar os pais que falassem alemão ou italiano em casa, criando sequelas psicológicas insuperáveis para esses cidadãos […] (OLIVEIRA, 2005, p. 88).

Um dos primeiros movimentos do Estado em direção ao plurilinguismo e uma

perspectiva mais moderna de direitos linguísticos ocorreu com a Constituição Federal de

1988, que reconheceu pela primeira vez aos povos indígenas os direitos linguísticos e

culturais, da Educação (Art. 210), que afirma que o ensino fundamental será ministrado

em língua portuguesa, garantindo às comunidades indígenas também a utilização de suas

línguas maternas e processos próprios de aprendizagem, respeitando os valores culturais e

artísticos, nacionais e regionais, da Cultura (Art. 215), assegurando que o estado

protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras. Contudo,

foram excluídos os falantes das demais línguas existentes no território nacional, como as

línguas de imigração, as línguas crioulas e as línguas de sinais das comunidades surdas.

Depois de todo o tipo de humilhação, vilipêndio, desprezo e sacrifício de vidas,

línguas, culturas e até mesmo após a criação da Constituição de 1988, que foi um marco

para o reconhecimento de muitos direitos, inclusive linguísticos, somente nos dias atuais,

como uma tentativa de resgate da dignidade e da história de cidadãos brasileiros

(oriundos de etnias que não são aquela dos colonizadores oficiais que detinham o poder

na época) é que ocorre a criação de políticas linguísticas de grande valia para línguas

minoritárias. Países vizinhos ao Brasil também estão engajados em programas para

restaurar línguas e culturas ameaçadas, como exemplo, quéchua (falado no Peru, Bolívia

e Equador) e aimará (falado na Bolívia e Peru) com o quéchua.

Embora as Políticas Linguísticas para diversidade das línguas sejam um tema

recente no Brasil, já foi possível, no ano de 2002, a cooficialização de algumas línguas

autóctones (indígenas) como nheengatu, tukano e baniwa, no município amazonense de

São Gabriel da Cachoeira. Recentemente, no ano de 2010, o município de Tacuru, no

estado do Mato Grosso do Sul, adotou o idioma Guarani como segunda língua, já que

indígenas e descendentes de paraguaios são a maioria da população no município (caso

restrito nesses municípios). Isso demonstra que mesmo com a propagação da língua das

potências colonizadoras sobre as populações que ela dominava num processo de

modernização forçada, que foi a colonização propriamente dita, as línguas autóctones se

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mantiveram em maior ou menor grau mesmo que a língua do ex-colonizador tenha

permanecido como oficial.

Línguas alóctones (de imigração) são, do mesmo modo que as autóctones,

consideradas línguas brasileiras, como exemplo, o pomerano, língua falada pelos

pomeranos que emigraram da região da Pomerânia (que deixou de existir após a segunda

guerra mundial) para o Brasil no século XIX. Atualmente, essa língua é falada somente

no Brasil, em alguns municípios dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e

Espírito Santo. No ano de 2009, no município de Santa Maria de Jetibá, no Espírito

Santo, o pomerano foi co-oficializado, fato que incidiu no mesmo ano em que se dava a

comemoração dos 150 anos da imigração pomerana naquele estado. Como cita a

coordenadora do PROEPO (Programa de Educação Escolar Pomerana), Kuster apud

ALMEIDA (2010, p. 01), “tal medida trouxe novo impulso ao programa que foi

fundamental para resgatar a cultura dos falantes, aumentando assim o interesse pela

língua entre os não falantes”. Afirma, também, que Santa Maria de Jetibá: “é o primeiro

município no Brasil a ter uma língua de imigrantes oficializada. Em geral, isso só

acontece com línguas indígenas.” E tal fato se justifica com o que já foi mencionado

anteriormente, já que a Constituição de 88, que foi o primeiro passo na direção de

reconhecimento de direitos linguísticos, favoreceu primeiramente e somente as línguas

autóctones.

3.7 A IMPORTÂNCIA DAS LÍNGUAS COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DA HUMANIDADE

Conforme Steiner (2005) acredita-se que atualmente estão em uso corrente algo

em torno de quatro ou cinco mil línguas. Contudo, essa cifra está seguramente aquém do

total efetivo, já que não se dispõe de um atlas de línguas com a pretensão de estar

próximo de um levantamento exaustivo, visto que a cada ano se extinguem línguas ditas

raras, ou seja, aquelas faladas por comunidades étnicas muito isoladas ou em vias de

desaparecimento.

Ainda, para Steiner (2005, p. 14): “Cada língua mapeia o mundo diferentemente.

[...] Cada língua e não há línguas inferiores ou primitivas – constrói um conjunto de

mundos possíveis e cartografias de memória”. Quando línguas e culturas se extinguem,

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um mundo possível morre também, já que toda uma riquíssima experiência humana é

perdida para sempre. A língua representa a forma de expressão de uma sociedade e,

conseguintemente, estará carregada de histórias, costumes e valores culturais. Pode haver

palavras em uma língua sem tradução literal. Em português, a palavra saudade é um

exemplo. É possível olhar no dicionário e encontrar o significado, porém os aspectos

culturais envolvendo as palavras é o que há de mais relevante e certamente um dos

maiores desafios para o tradutor.

As línguas afetam diferentemente a percepção de mundo, que nada mais é do que

a essência que faz humanos aos humanos e está intrinsecamente relacionada à forma

como o conhecimento é construído. É por meio da linguagem verbal humana que se

podem trocar experiências subjetivas, o que diferencia o ser humano das outras espécies

do planeta.

Sobre os efeitos do idioma na cognição, Boroditsky (2010, p.63) diz que: “Cada

língua oferece o seu próprio conjunto de ferramentas cognitivas e engloba o

conhecimento e a visão de mundo, desenvolvidos ao longo de milhares de anos dentro de

uma cultura.” Essa ideia remonta à década de 70, com Sapir-Worf, que pesquisou como

as línguas variam e conformam o pensamento diferentemente.

Por detrás da língua há toda a complexidade do patrimônio cultural e histórico

produzido pelo ser humano.

A língua é a chave para o coração de um povo. Se perdemos a chave, perdemos o povo. Se guardamos a chave em lugar seguro como um tesouro abriremos as portas para as riquezas incalculáveis, riquezas que jamais poderiam ser imaginadas do outro lado da porta (ENGHOLM apud MELLO,1999, p.07).

Em virtude dessas considerações, comprova-se a importância de uma política de

manutenção da língua e da escrita Guarani-Mbyá, a fim de reconhecê-la e salvaguardá-la

como Patrimônio Histórico e Cultural da Nação Brasileira.

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4 PESQUISA EM ALDEIAS NOS ESTADOS DE SANTA CATARINA E RIO GRANDE DO SUL – CONSTITUINDO O CORPUS

O trabalho teve início com o estudo da história, cultura e língua da etnia Guarani-

Mbyá. Estudando os Mbyá foi possível verificar o caráter pluriétnico e plurilíngue do

Brasil, ou seja, constatou-se que o brasileiro é um dos povos mais heterogêneos

linguística e culturalmente e que a ideia de unidade linguística (que somente se fala a

língua portuguesa no Brasil) é completamente ilusória, pois não se pode recusar o caráter

multilíngue do nosso país. Em seguida, pesquisou-se sobre quais foram os direitos

adquiridos pelos indígenas e, também, imigrantes como cidadãos brasileiros,

principalmente a partir da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), marco do

reconhecimento da diversidade étnica brasileira. Dando prosseguimento, foi pesquisada e

considerada a importância do linguista na ação de fomentar as línguas e seus usos,

principalmente as minoritárias e ameaçadas de extinção, fato que se reflete diretamente na

realidade das línguas e culturas em geral. Embora não seja o caso do Guarani, língua de

grande expressão no Brasil, falada em muitos estados. O fato é que se faz necessário seu

devido reconhecimento, em razão de que línguas genuinamente brasileiras foram

depreciadas por conta da política da língua única adotada desde o período colonial no

país. A desvalorização chegou a um ponto que algumas etnias perderam suas línguas

maternas. Felizmente tal ideia vem sendo enfraquecida pela precisão e, sobretudo, pelo

afinco dos profissionais e estudiosos envolvidos na área social e linguística, que

direcionam os interesses e reivindicações dos falantes das línguas desprovidas de

legitimação. Nesse contexto, observa-se a língua como um tema político.

A fundamentação teórica que ancora a pesquisa foi aprofundada com a leitura

sobre as condições de produção da língua na perspectiva da Análise do Discurso, sempre

fazendo um elo com a Educação Escolar Indígena.

A segunda fase apresenta uma pesquisa mista: quantitativa (sistematização de

dados estatísticos) e qualitativa com observação contextual. As técnicas de coleta foram

questionários com perguntas fechadas e abertas, respondidas pela própria pesquisadora

através de entrevistas e observação de campo.

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Utilizou-se uma escala Likert11 ou escala somada para quantificar os dados

obtidos sobre o nível de interesse dos alunos nas atividades propostas pelo professor

dentro e fora de sala de aula.

O ensino bilíngue (oralidade e escrita) e intercultural nas comunidades indígenas é

uma prerrogativa de exercício do direito à língua e à cultura, motivo pelo qual se coloca

essa questão no centro de nossa pesquisa.

A seguir, observar-se-á como caminha a Educação Escolar Indígena em

comunidades que foram pesquisadas in loco.

Os dados obtidos através de trabalho de campo foram coletados pela pesquisadora

e professora indígena Joana Vangelista Mongelo, que visitou nove aldeias em Santa

Catarina e cinco aldeias no Rio Grande do Sul. A autora desta dissertação fez a

sistematização que compõem os dados desta pesquisa, sob a sua interpretação através de

análise dos dados e reuniões periódicas com a pesquisadora de campo.

Na figura 1, observa-se a localização das aldeias visitadas nos municípios de

Santa Catarina.

11 Segundo Vieira (2009, p. 75): “A escala de Likert é o somatório dos escores conferidos aos vários itens de Likert que formam um conceito.” É uma escala de pesquisa bastante utilizada para medir conceitos. Foi o professor de sociologia e psicologia Rensis Likert (1903 - 1981) que em 1932, elaborou essa escala para medir opiniões. Likert foi também diretor do Instituto de Pesquisas Sociais da Universidade de Michigan nos Estados Unidos.

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Figura 5 - Mapa das aldeias visitadas em Santa Catarina

Na figura 2, obtida do site MAPAS-RS, observam-se as cinco aldeias visitadas

nos municípios do Rio Grande do Sul, sendo uma em Torres, duas na Barra do Ribeiro e

duas em Viamão.

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Figura 6 - Mapa das aldeias visitadas no Rio Grande do Sul

Esse trabalho, como já dito, foi realizado para o OLEEI - Observatório Linguístico

de Educação Escolar Indígena que é parceiro do IPOL – Instituto de Investigação e

Desenvolvimento em Política Linguística. A pesquisa de ida a campo teve um período de

aproximadamente três meses (do dia 28 de maio de 2010 até o dia 13 de agosto de 2010).

A seleção de algumas aldeias se deu pelo fato da proximidade e pela facilidade de contato

com o cacique, chefe da aldeia. O objetivo principal da pesquisa foi observar a Educação

Escolar Indígena através da interação com professores, diretores e observação de aulas. É

relevante salientar que, as conversas sobre os dados das aldeias (dados da população, por

exemplo) ocorriam sempre na presença do cacique, os professores normalmente

consultavam o cacique quanto às informações sobre as aldeias, por isso era fundamental

que o cacique estivesse presente no dia da visita.

Embora o levantamento tenha sido feito de maio a agosto de 2010, foram

utilizados parâmetros de comparação populacional entre cinco aldeias em Santa Catarina.

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Os dados foram disponibilizados por comunicação pessoal (2011) com Polo-Base/Funasa

de Florianópolis e Chapecó, cuja fonte é da Associação Rondon Brasil (Relatório de

Execução física referente ao período de janeiro a março de 2011). Pode-se observar a

seguir no quadro 1, que há diferenças em todas as aldeias no número de indígenas

encontrado pela pesquisa de campo e o número repassado via e-mail pela Funasa.

Segundo a enfermeira da Funasa responsável pelo polo-base de Chapecó Machado,

comunicação pessoal (2011): “É realmente uma população que se mobiliza bastante, eles

se deslocam muito do litoral para Limeira e vice-versa”.

População Município Aldeia Etnia

Funasa Pesquisa %

Araquari Sepetiarajú Guarani 104 92 13,04%

Imarui Tekoa Marangatu Guarani 138 160 13,75%

Palhoça Morro dos Cavalos Guarani 111 123 9,76%

Biguaçu Itanhae Guarani 125 83 50,60%

Entre Rios Limeira Guarani 100 78 28,21%

Quadro 1 - Comparação de dados da pesquisa com o polo-base/ Funasa de Florianópolis e Chapecó

4.1 DADOS DA POPULAÇÃO E ETNIAS

Primeiramente, o intuito dessa pesquisa foi quantitativo, ou seja, obter números

sobre população e etnia. Foram coletados os seguintes dados nas comunidades visitadas:

Na aldeia Marangatu, localizada no município de Imaruí, Santa Catarina, em visita

realizada no dia 28 de maio de 2010, constatou-se a existência de 160 indígenas, todos da

etnia Mbyá, totalizando cem por cento dos habitantes.

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Gráfico 1- Número de habitantes da aldeia de Marangatu no município de Imaruí em Santa Catarina

Na aldeia Morro dos Cavalos em Palhoça, Santa Catarina, em visita realizada no

dia 7 de junho de 2010, a pesquisadora de campo averiguou a existência de 123

indígenas, sendo 119 indígenas ou noventa e sete por cento da etnia Mbyá e outros 4

indígenas, ou três por cento, da etnia Kaingang.

Gráfico 2 - Número de habitantes da aldeia Morro dos Cavalos no município de Palhoça em Santa Catarina

Na aldeia Sepe Tiaraju, em Araquari, Santa Catarina, em visita realizada no dia 17

de junho de 2010, a pesquisadora de campo verificou a existência de 92 indígenas, sendo

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84 indígenas ou noventa e um por cento da etnia Mbyá e os outros 8 indígenas, ou nove

por cento, da etnia Xiripá (Ñandeva).

Gráfico 3 - Número de habitantes da Sepe Tiaraju no município de Araquari em Santa Catarina

Na aldeia YY Moroti Werá, em Biguaçu, Santa Catarina, em visita realizada no dia

06 de julho de 2010, a pesquisadora de campo constatou a existência de cento e setenta e

nove indígenas, sendo 177 indígenas, ou noventa e nove por cento, da etnia Mbyá, 1

indígena da etnia Kaingang, ou meio por cento, além de um habitante não indígena, que

representa meio por cento do total de habitantes nessa aldeia.

Gráfico 4 - Número de habitantes na aldeia Yy Moroti Werá no município de Biguaçu em Santa Catarina

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Na aldeia Cambirela, em Palhoça, Santa Catarina, em visita realizada no dia 22 de

julho de 2010, a pesquisadora de campo constatou a existência de uma família de 4

indígenas, sendo cem por cento da etnia Mbyá. As demais famílias que ali habitavam se

mudaram para a terra que receberam do governo, restando somente essas quatro pessoas

que não quiseram abandonar o local. Após o êxodo dos Mbyá, essa aldeia estava sofrendo

uma ameaça de invasão dos Kaingang, o que não seria bom para quem ficou, pois são

culturas diferenciadas.

Gráfico 5 - Número de habitantes da aldeia Cambirela no município de Palhoça em Santa Catarina

Na aldeia Itanhae, situada em Biguaçu, Santa Catarina, em visita realizada no dia

25 de julho de 2010, a pesquisadora de campo constatou a existência 84 indígenas, sendo

83 indígenas, ou noventa e nove por cento, da etnia Mbyá e apenas 1 indígena, ou um por

cento, da etnia Kaingang. Esse habitante que agora faz parte dessa comunidade passou

por um processo de perda de sua língua materna, o kaingang (que não pertence à família

linguística Guarani, mas à família jê do tronco macro-jê e possui algumas variações). O

indígena em questão fala bem o português e entende a língua Guarani-Mbyá, mas não

consegue falar.

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Gráfico 6 - Número de habitantes da aldeia de Itanhae no município de Biguaçu em Santa Catarina

Na aldeia Feliz (Tekoá Vy’a), situada em Major Gercino, Santa Catarina, em visita

realizada no dia 25 de julho de 2010, a pesquisadora de campo constatou que é uma

aldeia nova, também verificou a existência de sessenta e seis indígenas, sendo 65

indígenas, ou noventa e oito por cento, da etnia Mbyá e apenas 1 habitante não indígena,

que equivale a um e meio por cento do total. Ele veio com o filho do cacique de São

Paulo, mas não fala Guarani, apesar de já ter se adaptado bem.

Gráfico 7 - Número de habitantes da aldeia Feliz no município de Major Gercino em Santa Catarina

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Na aldeia Amaral antes denominada Kuri’y e hoje Mymba Roka, em Sorocaba de

Dentro, município de Biguaçu, Santa Catarina, em visita realizada no dia 29 de julho de

2010, a pesquisadora constatou a existência de trinta indígenas da etnia Mbyá, totalizando

cem por cento dos habitantes.

Gráfico 8 - Número de habitantes da aldeia Amaral (Mymba Roka) no município de Biguaçu em Santa

Catarina

Na aldeia Limeira, situada em Entre Rios, Santa Catarina, em visita realizada no

dia 31 de julho de 2010, a pesquisadora de campo constatou a existência de setenta e oito

indígenas da etnia Mbyá, totalizando cem por cento dos habitantes.

Gráfico 9 - Número de habitantes da aldeia Limeira no município de Entre Rios em Santa Catarina

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Na aldeia Canta Galo em Viamão, Rio Grande do Sul, em visita realizada no dia

09 de agosto de 2010, a pesquisadora de campo constatou a existência de cento e trinta e

cinco indígenas, sendo 121 indígenas, ou noventa por cento, predominantemente da etnia

Xiripá (Ñandeva), que se autodesignam Guarani-Tambeó e 14 indígenas da etnia Mbyá,

totalizando dez por cento.

Gráfico 10 - Número de habitantes da aldeia Canta Galo no município de Viamão no estado do Rio Grande

do Sul

Na aldeia Tekoá Porá ou Coxilha da Cruz, em Barra do Ribeiro, Rio Grande do

Sul, em visita realizada no dia 11 de agosto de 2010, a pesquisadora de campo constatou a

existência de duzentos e nove indígenas da etnia Mbyá, totalizando cem por cento.

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Gráfico 11 - Número de habitantes na aldeia Tekoá Porã ou Coxilha da Cruz no município de Barra do

Ribeiro no estado do Rio Grande do Sul

Na aldeia Nhupoty ou Flor do Campoo, em Barra do Ribeiro, Rio Grande do Sul,

em visita realizada no dia 11 de agosto de 2010, a pesquisadora de campo constatou a

existência de cinquenta e quatro indígenas da etnia Mbyá, totalizando cem por cento.

Gráfico 12 - Número de habitantes na aldeia Nhupoty ou Flor do Campo no município de Barra do Ribeiro

no estado do Rio Grande do Sul

Na aldeia Tekoá Nhundy (Aldeia Estiva), também não município de Viamão assim

com a aldeia de Canta Galo, Rio Grande do Sul, em visita realizada no dia 12 de agosto

de 2010, a pesquisadora de campo constatou a existência de cento e quarenta indígenas,

sendo cento e trinta e nove indígenas, ou noventa e nove por cento, da etnia Mbyá e 1

indígena da etnia Xiripá (Ñandeva), totalizando um por cento.

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Gráfico 13 - Número de habitantes na aldeia de Nhundy ou Estiva no município de Viamão no Estado do

Rio Grande do Sul

Na aldeia Nhum Porã ou Campo Bonito em Torres no Rio Grande do Sul, em

visita realizada no dia 13 de agosto de 2010, a pesquisadora de campo constatou a

existência de sessenta indígenas, todos da etnia Mbyá, totalizando cem por cento do total.

Gráfico 14 - Número de habitantes na aldeia Nhum Porã ou Campo Bonito no município de Torres no

Estado do Rio Grande do Sul

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4.2 ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS DAS ESCOLAS INDÍGENAS

Numa segunda análise, a pesquisa assume seu foco principal, o de ser um

instrumento de acompanhamento linguístico-cultural, com o objetivo de verificar a

proposta do governo federal para a educação escolar indígena está se realizando na

prática, isto é, se os direitos à educação bilíngue e intercultural dos indígenas estão sendo

cumpridos e a maneira como está ocorrendo.

No quadro 2, a seguir, apresenta-se o nome das aldeias visitadas pela

pesquisadora, com sua localização, incluindo demografia, suas respectivas escolas com o

número total de alunos:

Quadro 2 - Nomes das escolas visitadas, localização, demografia e números de alunos.

A Escola Básica Professor Néri Brasiliano Martins, localizada nas proximidades

da aldeia Cambirela, em Palhoça-SC, é uma escola não indígena. Nela estudam dois

indígenas (em idade escolar), dos quatro habitantes da aldeia Cambirela. Trata-se,

portanto, de uma exceção, por essa razão não está exposta no gráfico acerca da

quantidade de alunos que frequentam a escola. Inclusive, os alunos relataram que sofriam

preconceito na escola dos não-índios.

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Gráfico 15 - Quantidade de alunos nas escolas

Apenas quatro escolas funcionam de forma improvisada, ou seja, não possuem

prédio próprio (construído pelo governo), como é o caso da EIEF Taguato (que, segundo

a pesquisadora de campo, a comunidade é nova e os alunos têm aula numa casinha, a 3ª e

4ª séries estão na mesma sala, a professora passa as atividades e direciona para cada

série), EIEF Nhemboea Vyá, EIEF Kaá Kupe e uma ainda sem nome em Torres - RS.

Entretanto, todas elas já haviam solicitado às secretárias de Educação dos estados a

construção das escolas e as comunidades estavam aguardando resposta, tal atitude

comprova o interesse deles em Educação Escolar, portanto, em questão de tempo

provavelmente o problema deverá ser solucionado.

Constatou-se no município de Barra do Ribeiro – RS uma escola com prédio

próprio, mas que ainda não apresentava nome porque estavam esperando a inauguração

por parte do Estado. Percebe-se que há toda uma burocracia para a implantação e o

funcionamento de uma escola.

Para serem criadas e reconhecidas como escolas diferenciadas, com gestão autônoma, currículos e regimentos próprios (PPPs) organizados de forma diferente, de acordo com o desejo e as necessidades das comunidades -, as escolas devem passar por algumas fases administrativas legais (KAHN;AZEVEDO, 2004, p. 67).

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Inicialmente, as escolas têm um tempo de funcionamento provisório, que pode

prolongar-se até 3 anos. Nesse tempo, a comunidade, os professores, lideranças e

assessorias discutem seus projetos pedagógicos e os encaminha para o reconhecimento.

Sobre a demarcação das terras indígenas segue as leis da constituição federal (Art.

231 – reconhece as terras indígenas, o Decreto no 1.775 de 08 de janeiro de 1996 que

define os passos e os prazos da demarcação) e pela portaria MJ n.º 14 de 09 de janeiro de

1996, que institui normas para a elaboração do Relatório circunstanciado de identificação

e delimitação de terras indígenas, que deve ser feito por antropólogos.

A FUNAI tem um grupo técnico com antropólogos, biólogos, agrônomos para

estudar as terras e depois enviam um relatório para o Ministro da Justiça porque é ele

quem delibera a demarcação. Os pareceres da FUNAI e dos consultores do Ministro da

Justiça devem ser favoráveis à demarcação. Após essas medidas o Ministro tem 30 dias

para decidir (conforme Decreto no1775 /96). Somente como a aprovação do Ministro, a

FUNAI poderá realizar a demarcação física. Por último, o presidente faz a homologação e

é feito o registro como Terra Indígena. O registro deve ser feito em cartório imobiliário

do município em que está situada a terra indígena, além de ser providenciada a inscrição

na Secretaria de Patrimônio da União – SPU. Cabe ressaltar que em cada aldeia Guarani

há especifidades étnico-culturais e situações diferenciadas, o que requer do antropólogo

uma análise minuciosa de cada caso.

A seguir no gráfico 16, pode-se comparar a quantidade de aldeias com prédio

próprio para as escolas e aldeias ainda com espaços improvisados.

Gráfico 16 - Quantidade de escolas improvisas e com prédio próprio

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Nas escolas visitadas há professores indígenas e não indígenas. Averiguou-se que

56% são indígenas e 44 % são não-indígenas, como nota-se no gráfico 17, a seguir.

Gráfico 17 - Quantidade de professores indígenas e não indígenas

Um índice satisfatório para um ensino bilíngue e intercultural, já que as escolas

precisam de profissionais de ambas as etnias, desde que os professores não indígenas

conheçam bem a cultura indígena. Observa-se que a porcentagem foi um pouco maior de

professores Guarani, isso é um ponto positivo, pois uma vez mais demonstram interesse

em Educação Escolar. No entanto, constatou-se que a maioria das escolas (oito delas),

não conta com diretor e as que têm diretor são não indígenas.

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Gráfico 18 - Quantidade de diretores na escola

A não existência de um dirigente na escola é um ponto negativo porque é aquele

que faz cumprir as leis estaduais de funcionamento escolar, é responsável pela verificação

da qualidade do ensino, mediação entre pais, professores, alunos e a comunidade. Além

disso, o diretor da escola indígena deve ser um conhecedor das leis que regem essa

educação diferenciada, já que a diversidade linguística tem sido prioridade do governo.

Caso as escolas tivessem um diretor Guarani seriam beneficiadas com um conhecedor das

necessidades dos alunos porque ele vivencia os problemas da aldeia, além de conhecer a

língua. Como não há diretor indígena em nenhuma escola, constata-se essa problemática

em todas as escolas indígenas visitadas.

Quanto ao material escolar, convém salientar que a maioria dos livros didáticos e

gramáticas é em Língua Portuguesa. Há o referencial Curricular Nacional para as Escolas

Indígenas, porém é mais utilizado por professores não indígenas, que geralmente são os

que ensinam a Língua Portuguesa, justamente por estar escrito somente em português,

não existindo, uma versão multilíngue.

Em segundo lugar, em algumas escolas estão os materiais didáticos em Língua

inglesa. Em terceiro, em menor quantidade ainda, em língua Espanhola. O acesso a

Internet, em muitas aldeias, disponibiliza outra maneira de os alunos terem acesso a

textos, é no momento em que fazem os downloads de música, prática muito habitual entre

os adolescentes que, em muitos casos, trata-se de canções em inglês. Não foram

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encontrados jogos com finalidade didática. Há muitos livros de historinhas, alguns filmes

sobre a história e a cultura Guarani, cartazes e folhetos de divulgação de aldeias.

Gráfico 19 - Material didático em Guarani, em Português, em Inglês e em Espanhol

A maioria dos professores entrevistados foi da etnia Guarani-Mbyá, o restante

foram professores não indígenas.

Sobre a formação dos 14 professores entrevistados, constatou-se que a maioria

possui formação escolar, totalizando 57% (8 professores, sendo 2 professores pós-

graduados em Educação, 4 professores com Magistério Guarani, um professor bacharel

em História e um professor licenciado em pedagogia), outros 29% (4 professores) não

tinham formação, pois ainda estavam cursando o Ensino fundamental ou o Ensino Médio.

Outros 14% estão com formação em andamento (um professor está cursando Artes e o

outro o magistério Guarani).

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Gráfico 20 - Formação dos Professores

O Curso Superior de Magistério Indígena é algo bastante recente e certamente é

uma conquista da luta das comunidades indígenas, de professores e de pesquisadores da

área. A Universidade Federal de Santa Catarina iniciou a primeira graduação específica

em licenciatura indígena, cuja primeira etapa intensiva ocorreu em fevereiro de 2011, o

curso Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, projeto aprovado pelo

PROLIND (SECAD/MEC). Os 120 alunos, 40 de cada etnia (Guarani, Kaingang,

Xokleng) são de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo e Espírito Santo.

Segundo a coordenadora Ana Lúcia Vulfe Nötzold (apud WANDELLI, 2011), do

departamento de História, a graduação foi concebida pela Comissão Interinstitucional de

Educação Superior Indígena (CIESI) em conjunto com representantes indígenas, a partir

de projeto aprovado pelo Prolind do Ministério da Educação.

Muitos dos alunos já atuam em escolas de aldeias, mas há recém ingressados do

Ensino médio e lideranças comunitárias, bem como índios formados em faculdades não

específicas como Letras, História, Pedagogia, entre outros. O projeto cumpre a lei de

Diretrizes e Bases de 1996, que determina a formação de pessoal especializado, destinado

a Educação Escolar nas escolas indígenas.

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4.3 ANÁLISE DO NÍVEL DE INTERESSE DOS ALUNOS PARA AS ATIVIDADES PROPOSTAS DENTRO E FORA DE SALA DE AULA.

A análise dos dados buscou identificação do nível de interesse dos alunos para as

atividades propostas dentro de sala de aula. Considerou-se para análise os valores que

foram significativos para mostrar o interesse dos alunos. Para tanto, a escala proposta

avaliou valores de 1 a 3 em ordem crescente de importância. A amostra total constituiu-se

de 137 alunos.

Quadro 3 - Atividades propostas dentro de sala de aula nas escolas indígenas com o grau de interesse

Pode-se afirmar que a maioria dos componentes da amostra evidenciou um grande

interesse nas atividades propostas pelos professores em sala de aula. Vale ressaltar que o

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ensino da Gramática e da Matemática se prevalece do Discurso Pedagógico, no entanto as

próximas atividades são características de um Discurso Lúdico.

O seguinte quadro apresenta o nível de interesse para as atividades fora da sala de

aula:

Quadro 4 - Atividades complementares fora da sala de aula com o nível de interesse

Em vista dos resultados obtidos, observa-se que para as atividades fora de sala de

aula, o nível de interesse dos alunos foi altamente satisfatório. Todos os alunos têm

interesse, já que tais atividades fazem parte da cultura, ou seja, está presente no cotidiano

deles e são apresentadas de forma lúdica dentro de um ponto de vista pragmático e

holístico.

Dessa forma, é possível perceber que quando as atividades fazem parte das

tradições deles,. O aprendizado acontece naturalmente, de forma significativa e

contextualizada. Isso leva à reflexão não só sobre o ensino indígena, mas também o

regular. Convém relacionar a análise com a concepção humanista de aprendizagem

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significativo-experiencial de Rogers (1977), em que considera o envolvimento do aluno

como fundamental para indicar a qualidade da aprendizagem. Conforme dispõe Rogers

(apud PEÑA, 2005, p. 35): “Uma pessoa aprende significativamente aquelas coisas que

percebe como vinculadas à sobrevivência ou ao desenvolvimento de si mesma”. Para o

psicólogo Rogers (1977), o processo de aprendizagem em classe deve ter como referente

o aluno-pessoa em sua totalidade e, além da cognição, agrega valores como afetividade e

sociabilidade.

Sendo assim, constatou-se que os alunos apresentam mais dificuldade e

consequentemente menos interesse nas aulas mais teóricas, em que o professor passa

muita informação num curto espaço de tempo, sem relacionar o conteúdo com a prática.

Cabe ressaltar a experiência relatada por Hamel (1996) de Escolas Indígenas no

México12, onde não existia uma alfabetização em língua materna, apesar de todos os

professores serem indígenas bilíngues. Foi a partir dos anos 1980 que ocorreu uma

mudança radical nas políticas públicas desse país fundamentadas em investigações

sociolinguísticas que apoiavam a alfabetização em língua materna. Como sustenta Hamel

(1996) a língua materna nas séries iniciais deve predominar no ensino na maior parte dos

conteúdos curriculares. Sobre a base de uma aquisição avançada da língua materna se

produz normalmente transferências de estratégias cognitivas muito eficazes para a

segunda língua, no caso a língua vernácula.

Sobre a questão do uso da Língua Guarani-Mbyá, dos 14 professores

entrevistados, nove professores indígenas fazem sempre uso do Guarani-Mbyá (língua

oral) com os alunos, apenas um professor não indígena às vezes fala Guarani para

explicar as atividades de língua portuguesa, para chamar atenção dos alunos e também

quando passa atividades em Guarani. Os outros quatro professores não indígenas nunca

fazem uso do Guarani-Mbyá em sala de aula, somente utilizam a língua portuguesa. Tais

dados estão explicitados no gráfico 21, a seguir:

12 De acordo com o Cátalogo das Línguas Indígenas Nacionais, realizado pelo Instituto Nacional de Línguas Indígenas (disponível em www.inali.gob.mx) no México existem mais de 364 variantes linguísticas.

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Gráfico 21- Uso da língua Guarani pelos Professores

Como foram entrevistados mais professores indígenas (nove) do que não

indígenas (cinco), constatou-se que a língua Guarani é mais utilizada em sala de aula que

a língua portuguesa. Quando os alunos estão com um professor Guarani, fazem uso da

língua oral entre eles e com o professor. Quando estão em aula como o professor não

indígena, fazem uso do Guarani-Mbyá somente entre eles.

Gráfico 22 - Uso da Língua Guarani pelos alunos

Na maioria das escolas (69%) foram encontrados cartazes expostos nas paredes

com conteúdos que estavam sendo apresentados em sala de aula, como as letras do

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alfabeto, alguns conteúdos de matemática como a tabuada e assuntos do cotidiano da

aldeia, como fauna, flora, culinária, agricultura, entre outros. Em 31% das escolas não

havia nenhum material relacionado à escrita exposto. Nas figuras 6, 7, 8 e 9 pode-se

observar cartazes dos alunos da escola de Itaty na comunidade Morro dos Cavalos em

Palhoça – SC.

Com a observação dos cartazes, pode-se destacar a alfabetização baseada no

modelo clássico, que utiliza o método sintético, o mais antigo de todos, que vai da “parte”

para o “todo”, ou seja, os alunos estudam primeiro as vogais, consoantes, sílabas e mais

além se acercam aos textos. É certo que o tempo do ba, be, bi, bo, bu ficou para trás, após

o surgimento do método global ou analítico, apresentado por Nicolas Adam, no século

XVIII, causando uma ruptura, pois ao contrário do sintético parte do “todo” para as

“partes”, porém as escolas brasileiras começaram a utilizar esse método somente no final

do século XX. Sendo assim, primeiro inicia-se por textos, depois vão se destacando

Figura 7 - Assunto do cotidiano em Guarani

Figura 8 - Varal do Alfabeto em Guarani

Figura 9 - Exemplo da letra A

Figura 7 - Assunto do cotidiano em Português

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sentenças, palavras, silabas e por fim vogais e consoantes. No dia em que se visitou a

escola, presenciou-se um varal pedagógico, destacando palavras, sílabas e letras como

mostram as fotografias acima. Entretanto, constatou-se com o professor, que primeiro

oralmente conta-se uma historinha de um animal, planta ou objeto do cotidiano do aluno.

Após essa apresentação oral, é formulado um pequeno texto, do qual o professor destaca a

palavra chave, como exemplo: rato (anguja em guarani), depois as letras e sílabas. Na

conversa como o professor notou-se que ele prioriza que o aluno entenda o contexto em

que a palavra chave está inserida e não apenas decifre códigos.

O cartaz a seguir foi apresentado na Semana Cultural Guarani e 2ª Conferência

Indígena do Morro dos Cavalos em abril de 2011. Dentre as várias atividades da Semana

houve uma importante discussão sobre nas séries iniciais do Ensino Fundamental da

Escola de Itaty, juntamente com a Secretaria de Educação do Estado, cujo diretor da

GERED (Gerência Regional de Educação) estava presente. Foram tratados assuntos como

a Legislação na Educação Escolar Indígena e avaliadas as propostas da comunidade do

Morros dos Cavalos.

É importante observar que as mulheres indígenas no domínio da enunciação se

apropriaram da modalidade da escrita em língua vernácula com a finalidade de

conquistarem seus direitos de cidadãs brasileiras. Elas formularam uma série de

condições necessárias para o desenvolvimento de seus projetos. Tais condições são

reinvindicações que se expressam cada vez mais como direitos em termos legais e

afirmam a demanda da autonomia como forma de participação ativa em um novo Estado

democrático e pluricultural.

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Figura 10 - Reinvindicações das mulheres indígenas para a educação escolar

Em outras comunidades uma particularidade percebida foi que os cartazes são, em

maioria, escritos em língua portuguesa. Isso ocorre em razão de a escrita ser mais

explorada pelos professores de português em relação aos professores de língua Guarani.

Como afirma Costa (2009), certo é que o uso da variante escrita para a sociedade indígena

é muito ligada ao português, tanto que é um hábito quase que exclusivo na escola, o que

ratifica o caráter oral da língua Guarani. Os textos escritos estão mais relacionados com

suas interações com o não índio que com suas interações na aldeia.

A escrita pode circular na comunidade em diversos gêneros, como: documentos,

cartas, jornais, livros, revistas, cartazes e não há dúvidas que o uso do computador, da

Internet é um grande aliado para inclusão dos povos indígenas na sociedade. Parece fácil,

todavia por que não acontece? É preciso analisar as condições de produção históricas e

ideológicas, que serão refletidas na análise qualitativa dessa pesquisa.

4.4 ANÁLISE DOS DADOS

Destacam-se neste trabalho pontos positivos, como, por exemplo, o conhecimento

da realidade de diversas comunidades em dois estados brasileiros, Santa Catarina e Rio

Grande do Sul. Assim como o fato da pesquisadora de campo ser de origem Guarani e

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professora indígena facilitaram o acesso das informações. Como aspecto negativo, o uso

de uma grade de observação limitou as respostas. Ainda, há a questão da subjetividade, já

que a imparcialidade é muito difícil de mensurar. Como afirma Rauen (2002, p. 189): “O

ideal de um pesquisador neutro, um mero fotógrafo, é impossível porque ele possui

preferências, inclinações, interesses, sistema de valores”. Por isso quando se trata de

pesquisas na área das ciências humanas os resultados não são absolutos ou definitivos,

mas aproximativos (RAUEN, 2002). O pesquisador pode registrar as respostas e as

observações conforme o seu modo de pensar, pois não existe discurso fechado em si

mesmo, cada processo discursivo pode recortar e analisar estados diferentes. Por fazer uso

da linguagem e ao mesmo tempo observar o ensino em escolas indígenas, a pesquisa lida

com uma contradição que a estrutura, devido à característica da linguagem ser suscetível

a projeções que precedem o sujeito. Mas, por que ocorre esse fenômeno?

O contexto criado durante a aplicação do questionário pode produzir um discurso

politicamente correto por parte do entrevistado, que tende a responder o que acredita ser o

esperado como resposta pelo entrevistador. Esse fenômeno ocorre por ser a linguagem o

resultado de projeções imaginárias (PÊCHEUX, 1969). Tais projeções são representações

que são projetadas o tempo todo na posição sujeito que cada um assume. O que vou

dizer? Como vou dizer? O que ele (a) vai pensar do meu dizer? Por isso, o entrevistado

responde aquilo que pensa que o entrevistador quer como resposta. Esse fato ocorre

frequentemente nas pesquisas, contudo, nesta pesquisa, os professores indígenas foram

beneficiados com uma pesquisadora indígena, que tinha facilidade de acesso entre as

comunidades por ser da mesma origem, também apresenta os mesmos interesses,

preferências, sistema de valores que os indígenas. Contudo, vale lembrar que havia

professores não indígenas, que apresentaram respostas e métodos de ensino diferente,

próprio da sua formação acadêmica.

Foi evidenciado que a pesquisadora teve apenas um pequeno período de

permanência nas comunidades de estudo, impossibilitando, assim, um acompanhamento

maior das atividades.

No aspecto geral, a pesquisa pôde mostrar a situação das Escolas nas

comunidades. E, apesar da grade de observação ser limitada, foi necessária, já que a

pesquisa era direcionada totalmente para a educação escolar indígena e não para aspectos

como saúde, moradia, entre outros.

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Do ponto de vista discursivo os quadros e o questionário levam a uma

determinada interpretação, ou seja, os dados corroboram com uma visão linguística.

Porém o que interessa para a análise do discurso é o que não foi dito (o que não foi

argumentado e respondido) mas, que poderia ter sido. Segundo Orlandi (1999) são os

efeitos da interpretação, que consiste em uma outra leitura que o analista pode produzir. O

interpretador se coloca numa posição que lhe permite observar o processo de produção de

sentidos da linguagem. Cada analista produz o seu gesto de interpretação, fazendo uma

mediação entre a teoria e a prática permanentemente em todos os passos da análise. O

corpus está intrinsecamente ligado à analise. Estabelecer o corpus, já faz parte da análise,

deliniando seus limites. Consultando a teoria a partir dos sinais quo o corpus deixa

permite ir mas longe a procura de uma nova interpretação. Nessa nova etapa, depois do

corpus delimitado, conhecendo seus limites, passa-se a uma segunda etapa que é a do

processo discursivo. Pode-se, então, relacionar os sentidos provenientes do corpus com a

ideologia, o que nos permite compreender como se organiza o discurso. Para

compreender como se propõe a análise do discurso, deve-ser levar em conta os diferentes

processos de significação (memória, história, ideologia, entre outros) que aparecem em

um texto, formando um conjunto de relações significativas.

Relacionando o nosso corpus com a história, constatou-se que os alunos dão

preferência as aulas em ambientes externos porque associam continuamente a teoria com

a prática. O aluno gosta de ver a multiplicidades de representações (tudo o que ele vê na

natureza, relacionado com a teoria) e o estudo da escrita, da gramática baseia-se em regra

e normas com muitas ressalvas. Para o indígena é ainda mais complicado porque sua

língua é oral, não precisa de grafia para legitimar-se.

A partir desse ponto de vista, concorda-se com Orlandi (1999, p. 95-96): “que a

linguagem é uma prática; não no sentido de efetuar atos mas porque pratica sentidos,

intervêm no real.”

Sendo assim, pressupõe-se que a linguagem não ocorre como evidência, mas

como um lugar de descoberta. É isso que o aluno quer, porém as escolas falham em

permanecer com o método autoritário, sem evoluir.

Ainda considerando os resultados coletados, é possível perceber que a própria

constituição de uma grade de questões prévias, determina o que é dizível para preenchê-

la. Como exemplo, cita-se a questão 7, da página 107 deste trabalho (apêndice A).

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Quando se questiona “o que se sobressai na interação do professor com os alunos” já se

conta com uma série de sentidos pré-construídos, a saber, que há interação entre

professor/aluno, o que permite que se questione? O que é uma interação, neste caso?

Quem define interação? O aluno que responde ou o professor que pergunta? Há

coincidência, ou melhor, há negociação para o sentido de interação? Ou cada um

responde o seu lugar “imaginário” (formações imaginárias). Pode-se questionar ainda que

a pergunta permite conceber espaços de relação de interesse entre os interlocutores,

restando aos alunos localizar quais são esses momentos. Esse é um sentido que vem do

entrevistador e é imposto para o entrevistado, na pergunta, e assim sucessivamente. As

questões impõem um lugar discursivo que deverá ser ocupado pelo aluno, que deverá

ainda tomar posição nesse sentido, e não em outros, e daí, responder. Esse gesto de

interpretação imposto pela “grade” determina os resultados.

4.5 REFLEXÃO SOBRE A RELAÇÃO ENTRE ORALIDADE E ESCRITA

É preciso tecer considerações, ainda, a respeito da identidade étnica e linguística,

considerando o aspecto sócio-histórico de suas condições de produção. É fundamental

analisar o contexto histórico e social no qual os indígenas estão inseridos.

Ao longo da história vem-se assistindo a invasão das terras indígenas por diversos

interesses econômicos do não indígena. Houve muitas tentativas, sempre dentro de um

contexto violento de escravizar os indígenas em atividades como extração de matéria

prima e expansão da agropecuária. Sendo assim, tinham que fugir para o interior da mata,

que muito bem conheciam sendo a única maneira que tinham de sobreviver.

Como enfatiza Gallo (1996, p.102): o Discurso Escrito é um discurso sempre

institucional, não importa a época em que ele seja produzido: mudam-se as instituições

(igreja, corte, academia etc.), permanece o discurso.

Certo é que o povo indígena, mesmo com uma história de perseguições e

catequização, mantém sua língua e cultura vivas ao longo de séculos, sem precisar do

discurso. Acredita-se que a escrita do português é relevante para uma melhor integração

com a cultura dominante. Contudo, a escrita na língua indígena não se mostra

indispensável para essa integração. A propósito, há muitas controvérsias em relação ao

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estudo da escrita em língua materna indígena. Ocorre atualmente um debate estendido a

respeito de política linguística entre os Guarani sobre o ensino de línguas e escrita.

Observa-se que as crianças que vêm sendo alfabetizadas em guarani muito novas (entre seis e dez anos de idade) perdem a fluência e a entonação da língua materna. Por outro lado, a alfabetização na língua guarani, até o momento, se constitui no argumento mais forte das instituições oficiais de que a Educação Escolar Indígena implantada é diferenciada (LADEIRA, 2003).

Cabe comentar aqui uma comprovação que os Guarani-Mbyá se mantêm firme na

preservação da língua e da cultura. Um caso significativo ocorreu na comunidade de

Sapucaí em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. De acordo com Alves (2007), em 2003, a

Internet chegou à escola da aldeia por meio de um projeto do Comitê para

Democratização da Informática (CDI) em parceria com a ONG Rede Povos da Floresta,

com o objetivo de defender a cultura. Os Mbyá são bastantes conservadores dos seus

hábitos e costumes. Preferem viver conforme suas tradições sem a modernidade do

mundo contemporâneo. Vivem em casa sem repartições com chão de terra, cozinham em

fogão de lenha, não possuem eletrodomésticos. Mas, em se tratando de informática,

aceitaram a Internet no seu cotidiano. Logo perceberam que o mundo virtual exige uma

linguagem própria. Por conta disso, o cacique Werá Mirim incorporou significados novos

à língua Guarani. Ou melhor, ele adaptou palavras do Guarani para a linguagem virtual.

Como exemplo, anguja (rato) para designar mouse. Esse fato evidencia que os Mbyá

podem fazer parte do mundo virtual, preservando e enriquecendo sua língua e, assim,

ocupando seu espaço na sociedade. Outra experiência semelhante foi a do professor

Nunes Jr. que foi convidado em 2004, pelo cacique Leonardo Werá Tupã para ensinar

informática na Escola Indígena de Ensino Fundamental de Itaty na terra indígena Morro

dos Cavalos. O professor conta que o cacique sempre buscava discutir antes das

atividades desde objetivos até a metodologia e concordou que era importante ensinar os

nomes utilizados fora da aldeia para que todos soubessem lidar com a máquina quando

estivessem na cidade e precisassem dialogar com os não-índios. Sendo assim, as

traduções eram feitas pela turma de jovens, que foi a escolhida pelo professor para

realizar sua experiência e posteriormente aplicar com todas as turmas. No início das aulas

ele contextualizava historicamente desde o surgimento dessa tecnologia até os dias atuais

e esclareceu que o equipamento foi inventado para armazenar informações e encontrar

dados. Segundo Nunes Jr. (2009, p. 26): “No esforço coletivo de traduzir o termo

computador à língua guarani, com muitas conversas entre eles e tempo para amadurecer

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as ideias, a partir do primeiro mês de aulas o equipamento passou a ser chamado de

Arandu Omoĩ Porãa, ou “guardador de conhecimento”.” Também foram traduzidos os

equipamentos periféricos e alguns programas:

Assim, o mouse virou angujá, “rato” em guarani; o “teclado” virou omboparaa, ou seja, “escrevedor”, o” monitor”, ojexauka, “o que se deixa ver”. Entre os softwares, Windows se transformou em okẽ’i, literalmente “janela”. Como estudamos algum tempo com software livre, o Linux se transformou em guyra’i, tradução para “passarinho”, assim batizado por causa do pinguim símbolo do sistema operacional. A internet foi denominada de Nhandu kya, a teia de aranha e o e-mail virou ayu ogueraa, o “levador de palavras” (NUNES JR., 2009, p.26).

Deste modo, pode-se observar um modelo de ensino bilíngue e intercultural na

Educação Escolar indígena, já que o professor não indígena utiliza as duas línguas e

culturas em questão. Com esse trabalho o professor concluiu que é fundamental, na escola

indígena, uma metodologia que respeite o tempo de cada um e o seu interesse no

aprendizado.

Sob o ponto de vista da língua como forte elemento de preservação da identidade

do povo Guarani-Mbyá, Rodriguez (2003) afirma:

Os Guarani-Mbyá mantém sua língua viva e plena, sendo a transmissão oral o mais eficaz sistema na educação das crianças, na divulgação de conhecimentos e na comunicação inter e intra aldeias, constituindo-se a língua no mais forte elemento de sua identidade. [...]. A escrita em língua Guarani vem sendo introduzida em aldeias Mbyá com mais ênfase a partir de 1997, com a implantação de escolas bilíngues, a partir da criação dos NEIs - Núcleo de Educação Escolar Indígena, vinculados às Secretarias Estaduais de Educação ao MEC.[...].

Como bem lembra Costa (2009), para os indígenas, ser bilíngue não é meramente

uma questão de escolha; é uma necessidade, visto que estão em um ambiente em que uma

língua faz parte de sua cultura e a outra é a oficial do país. Portanto, se querem defender

seus direitos perante as autoridades brasileiras, das quais grande parte ou todas

desconhecem as línguas indígenas, os índios precisam dominar a língua dos não-índios.

Essa situação, certamente, revela uma posição de poder.

As sociedades autóctones evidenciam que o conhecimento não precisa da escrita

para se construir, isto é, a produção de conhecimento não se dá apenas através da escrita.

Em uma abordagem sobre a língua e a importância da palavra entre os Guarani, Melià

(apud LADEIRA, 2008, p. 32) expressa que: “A arte da palavra é a arte da vida. Assim

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como alma e palavra possuem o mesmo significado, o portador de uma alma (nhee)

estrutura sua vida para ser suporte e fundamento de palavras verdadeiras”. As crianças

indígenas aprendem com os adultos e vão se formando através do convívio, em um

diferente processo pedagógico em que não se afirma fundamentalmente a obtenção de

valores pela construção de um aparato escolar como o não indígena idealiza.

Sem dúvida, do ponto de vista de uma posição sujeito academicista, (cada sujeito

tem uma visão de mundo que representa o lugar social que ocupa) a escrita é uma

estratégia importante de sobrevivência das línguas nas culturas, já que permite uma

duração concreta da palavra falada no tempo e no espaço. Em latim, verba volant, scripta

manent, significa: as palavras voam e a escrita permanece, assim diziam os primeiros

romanos, querendo, com isso, expressar que as palavras proferidas pela sua oralidade

voam, enquanto aquelas que se reduzem ao escrito ficam exaradas no seu suporte,

tendendo, assim, a ser mais duradouras. Os romanos eram influenciados pelos gregos,

pioneiros em literatura e gramática (palavra grega que significa exatamente “a arte de

escrever”) no ocidente e, para os romanos, a língua grega era ilustre, a sociedade

considerada culta era aquela bilíngue, ou seja, que falava grego e latim. Porém, oportuno

se torna lembrar, conforme aduz Chalita (2006), que a civilização grega aprendeu a

escrita através das relações com culturas letradas, especificamente com os fenícios, com

quem aprenderam a usar o alfabeto. Essa habilidade foi aplicada no registro escrito da

literatura oral, cujo exemplo maior é o dos poemas épicos da Ilíada e da Odisséia (que de

fato propagaram a língua grega), atribuídos a Homero, por razão de serem tão antigos que

até hoje não se sabe se realmente foram escritos por ele ou se este é apenas um nome

mítico para designar um grupo de autores anônimos.

Uma experiência significativa é aquela narrada pelo filósofo e antropólogo

francês, Claude Lévi-Strauss, em uma de suas várias expedições ao Brasil, que geraram o

livro: Tristes Trópicos (1955). Conta ele que, quando chegou ao Mato Grosso, foi ao

encontro dos Nambiquara ou Nambikwara (da família linguística de mesmo nome), etnia

ágrafa, como todas as outras, que fazia no máximo alguns pontilhados ou ziguezagues em

suas cuias. Propositalmente, presenteou aqueles indígenas com lápis e folhas de papel.

Observando a reação deles, Lévi-Strauss surpreendeu-se ao ver que mesmo sem saber

escrever ou desenhar, os indígenas se puseram a imitar a atitude dos franceses, que

tinham o hábito de anotar tudo em seus cadernos. Certamente, para a maioria dos

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indígenas, tratava-se de uma brincadeira, mas não para a perspicácia do chefe daquela

aldeia, que intuiu que a escrita poderia ser um instrumento de dominação, antes mesmo de

saber quais eram as condições básicas para a eficácia desta, como, por exemplo, o acordo

sobre a significação das letras. O chefe dos Nambiquara percebeu o poder da escrita

quando alguém lia um papel à outra pessoa que o compreendia e esta aceitava tal

conteúdo como se fosse um chamado determinante dos deuses. Nesse momento, conta o

antropólogo, o dirigente indígena exigiu um caderno e deu início a uma nova forma de

comunicação: traços sinuosos exibidos ao interlocutor, ainda que sem significação entre

eles, mas encenados num contexto em que sugeria uma comunicação efetiva, embora

inexistente. A seguir, observamos um trecho da obra supracitada, em que o antropólogo

descreve sua experiência com o chefe dos Nambiquara:

[...] o chefe do bando enxergava mais longe. Era provável que só ele tivesse compreendido a função da escrita. Assim, exige de mim um bloco e nos equipamos da mesma forma quando trabalhamos juntos. Não me comunica verbalmente as informações que lhe peço, mas traça no seu papel linhas sinuosas e me mostra, como se ali eu devesse ler a sua resposta. Ele mesmo se deixa tapear um pouco com a sua encenação; toda vez que sua mão termina uma linha, examina-a ansioso como se dela devesse surgir algum significado, e a mesma desilusão se estampa no seu rosto. Mas, não a admite; e está tacitamente combinado entre nós que a sua garatuja tem um sentido que finjo decifrar; o comentário verbal segue-se quase de imediato e dispensa-me de exigir os esclarecimentos necessários (LÉVI-STRAUSS, 2005, p. 280).

Desse modo, argumenta-se que a escrita não é transcrição da oralidade e sim mera

aproximação dela. Segundo Cagliari (2009, p.101): “É uma ilusão pensar que a escrita é

um espelho da fala. A única forma de escrita que retrata a fala, de maneira a correlacionar

univocamente letra e som, é a transcrição fonética.”

Um dos períodos da história da humanidade mais criativo, situa-se no período

neolítico, época em que surgiu a agricultura, domesticação de animais, construção de

pequenas ferramentas, entre outros. Nesse período de 5.000 anos, não havia escrita, os

conhecimentos flutuavam, ou seja, passavam de geração a geração sem auxílio da escrita.

A escrista surge na formação das cidades e dos impérios e a criação de um sistema

político de clases sociais. Ela aparece para criar classes sociais, segundo hipóteses de

Strauss (2005, p.283):

“[...] a função primária da comunicação escrita foi facilitar a servidão. O emprego da escrita com fins desinteressados visando extrair-lhe satisfações

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intelectuais e estéticas, é um resultado secundário, se é que não se resume, no mais das vezes, a um meio para reforçar, justificar ou dissimular o outro.

Portanto, constata-se que a escrita não bastou para consolidar os conhecimentos,

embora seja uma ferramenta que dá acesso ao saber acumulado nas bibliotecas, que não é

acessível a todos, e os que tem acesso, muitas vezes são enganados por documentos

mentirosos, tornando-se vulneráveis a dominação e submissão ao poder e controle do

Estado. Como exemplo, cita-se o que ocorreu no século XIX: a luta contra o

analfabetismo, que nada mais era que o fortalecimento do controle dos cidadãos pelo

poder do Estado, pois era necessário que todos soubessem ler para que o Estado pudesse

afirmar: ninguém deve afirmar que desconhece a lei (STRAUSS, 2005).

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5 AVANÇOS E DESAFIOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A DIVERSIDADE LINGUÍSTICA NO BRASIL

Retoma-se, de forma mais específica, o assunto da crescente necessidade das

políticas públicas para a diversidade linguística e cultural no Brasil, com destaque para os

avanços e desafios, em especial, para as sociedades indígenas.

A valorização dos diferentes falares do Brasil é de suma importância, pois

contribui para o desenvolvimento socioeconômico sustentável. Isto é, mantém-se uma

melhor relação entre os diversos setores da sociedade, pois facilita a comunicação entre as

distintas etnias, sem que exista exclusão social, sem que haja “estrangeiros na sua própria

terra”, pois como já foi dito, durante séculos, qualquer idioma que não fosse o português

era visto como estrangeiro. As línguas minoritárias (ou melhor, que não tenham o

português como língua mãe), necessitam ter políticas voltadas para o sua promoção, com

o propósito de fortificar suas próprias comunidades.

Vale enfatizar o que diz Clastres (1978) sobre o etnocentrismo, não podemos

olhar sobre as diferenças para identificá-las e finalmente aboli-las. É essencial assumir

como diferenças e não como desigualdades.

É bem verdade que, na atualidade, o estado Brasileiro está corroborando com essa

linha de pensamento. Pode-se comprovar com a iniciativa da criação do Grupo de

Trabalho da Diversidade Linguística do Brasil (GTDL, 2006-2007) com a missão de

analisar a situação linguística do país e sugerir políticas públicas para o fomento e

sustentação da diversidade linguística do Brasil e seu reconhecimento como patrimônio

cultural. Suas propostas são: a) o Inventário Nacional da Diversidade Linguística

(INDL); b) o Livro de Registro das Línguas; c) criação de um Sistema de Documentação

e Informação gerenciado pelo Ministério da Cultura que reunirá os dados sistematizados

pelo INDL e outros já existentes; d) propõe que a política nacional de reconhecimento e

valorização da diversidade linguística do Brasil seja integrada e constitua um

compromisso no âmbito governamental, bem como seja executada com a participação das

comunidades linguísticas e compartilhada com a sociedade.

Pode-se afirmar que a legitimação da diversidade linguística ocasiona mudanças

significativas nas políticas públicas, visto que são necessários mecanismos para sustentar

o uso das diversas línguas e culturas existentes no Brasil. Os programas de inclusão de

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segmentos minoritários devem ser cada vez mais discutidos e intensificados e realmente

postos em prática, isso certamente terá fortes efeitos sociais.

De acordo com Morello (2009, p. 30): “A promoção das línguas se articula a

ações que atingem, inevitavelmente, os meios e processos de produção de saberes nessas

línguas”. Esse ponto de vista sugere o espaço para práticas linguísticas, suscitando sua

ligação com as práticas políticas. Com isso, incentivam-se consequentemente a promoção

das tecnologias da informação e comunicação. Também são favorecidas as tecnologias

sociais de formulação e gestão de políticas, como exemplo, disponibilizar os documentos

sobre as línguas com os dados sistematizados pelo INDL, entre outros documentos, nas

redes de comunicação para que toda a população possa ter acesso.

Desse modo, será observado que os conhecimentos organizados sobre a língua

guarani em gramáticas, livros didáticos, CDs etc. – que configuram instrumentos

linguísticos na concepção proposta por Auroux – ao se articularem a uma política de

promoção dos usos da língua, podem se tornar dispositivos políticos de afirmação desta

língua em variados espaços linguísticos. Para Morello (2009, p.31): “a ancoragem política

para a produção de conhecimento nas línguas e sobre elas é fundamental para que os

instrumentos operem como dispositivos”. Então, haverá um dispositivo linguístico, ou

seja, o instrumento linguístico colocado em prática com a utilização da tecnologia.

O plurilinguismo está cada vez mais ganhando espaço no mundo contemporâneo,

a autora supracitada afirma ainda que: “a diversificação do uso das línguas amplia os

espaços de exercício do direito cultural, uma vez que demanda, promove e reconhece um

papel agentivo dos falantes” (MORELLO, 2009, p. 31) .

A atenção para outros aspectos das políticas públicas é a criação de um Estatuto

das línguas em toda sua diversidade que circulam no Brasil, em que estaria inserida toda

uma memória social. Com a criação desse documento se chegaria a um patamar

satisfatório de democratização, representado pelos diversos segmentos sociais. Isso é

desafio para as políticas públicas: enfocar as minorias, dar espaço e possibilidade de

participação política de cidadãos brasileiros falantes de outras línguas.

Na discussão proposta sobre o alcance da política linguística como política social,

Morello (2009), lembra que a organização política e administrativa é compartilhada por

meio de uma memória coletiva, que aparece desde sempre, e essa memória faz parte da

organização do mundo, que apresenta divisão nos mecanismos de representação dos

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indivíduos nos diálogos políticos. Essa memória é que sustenta essa desigualdade de

representação dos indivíduos na participação das políticas sociais. Ou seja, mudar esse

quadro é um dos problemas-chave que as atuais políticas para a diversidade devem

enfrentar.

Outrora a escola era imposta aos índios, sem a menor preocupação com a sua

maneira de ser, com suas características étnicas. A escola fundamentada no

reconhecimento do plurilínguismo oferece autonomia para novos caminhos e para que os

indígenas se posicionem com os mesmos direitos de cidadãos brasileiros diante dos não

indígenas. A quebra do modelo escolar antigo é sinal de que a sociedade pode ser

transformada, com novos paradigmas que deem condições para que todos os brasileiros

tenham os mesmos direitos.

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CONCLUSÃO

Para finalizar pode-se afirmar que a diversidade étnica e linguística vem ganhando

espaço de forma abrangente nos processos educacionais da atualidade. É certo que o seu

reconhecimento está sendo alvo de atenção das autoridades governamentais. O objetivo

das atuais políticas públicas relacionadas à língua e à cultura é gerar o desenvolvimento

autossustentável sem a perda da identidade étnica, invertendo o processo de deterioração

das culturas indígenas durante o predatório processo colonizador, com a consciência de

resgatar, ainda que uma parcela pequeníssima, da dívida com essa sociedade.

Com a chegada dos europeus os indígenas foram oprimidos, marginalizados,

massacrados e perderam por completo seus direitos como primeiros habitantes. Após

muitas lutas e reivindicações esses grupos vêm ganhando respeito e direito de terem suas

terras e manterem a sua cultura e língua. Um documento fundamental desse

reconhecimento foi a Constituição de 1988. Desde então, há uma preocupação por parte

das autoridades de incluírem esses povos no contexto nacional. Como consequência, foi

criada a Educação Escolar Indígena, que prioriza um ensino bilíngue, intercultural e

diferenciado.

Há um longo caminho a ser percorrido, com muitos desafios, mas o importante é

que ambas as partes estão se empenhando para que haja uma educação de qualidade que

suscite bons resultados. Os indígenas estão abertos para esse novo aprendizado que é a

Educação Escolar, não mais imposta como era no passado pelos jesuítas, e sim, é uma

reivindicação feita por eles mesmos, desde que respeitem a sua cultura.

A Educação Escolar Indígena é decorrente da nova proposta de política linguística

no Brasil (não é mais de subtração e sim de adição), que garante a sobrevivência das

culturas indígenas. O governo vem reconhecendo os diversos falares e as diversas

culturas presentes no país. O indígena tem a possibilidade de aprender o português como

segunda língua na escola, a partir da primeira série do Ensino Fundamental e também de

alfabetizar-se e aperfeiçoar-se na sua língua materna.

Pelo caminho da Educação Escolar Indígena propõe-se reverter à

descaracterização sociocultural e resguardar a língua dos povos indígenas brasileiros.

Além disso, é indispensável garantir autonomia para que esta sociedade possa traçar seu

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próprio destino e defenda seus direitos como cidadãos brasileiros. Nota-se, também, o

empenho das universidades e de vários intelectuais nessa tarefa, em áreas do

conhecimento como antropologia, linguística, educação e outras.

Desse modo, buscou-se tomar conhecimento das diversas etnias e suas respectivas

línguas e culturas existentes em nosso país e que atualmente são consideradas Patrimônio

Cultural Nacional, entretanto, no passado sofreram repressão, sendo até mesmo proibido

pela política da língua única, no caso o português.

Conhecendo essa diversidade, escolheu-se estudar os Guarani-Mbyá pelo fato de

se apresentarem em grande maioria no estado de Santa Catarina e também pela razão de

manterem as origens de suas tradições, mesmo vivendo tão próximos do não indígena e à

cultura capitalista. Segundo especialistas, os Mbyá constituem um grupo de forte

identidade étnica com extrema capacidade de adaptação.

Optou-se por “língua Guarani-Mbyá”, ao invés de dialeto, porque acredita-se que

os dialetos são como línguas específicas, todavia muito semelhantes entre si. Isso ocorre

com o Guarani Mbyá, o Guarani Kaiowá e o Guarani Ñandeva, línguas semelhantes,

porém cada qual com suas peculiaridades linguísticas.

Pesquisou-se etnograficamente essa etnia com o intuito de compreender melhor

sua história, cultura, seu modo de ser ou, como se diz em Guarani o “Nhandereko”,

enfatizando, sobretudo, a cultura e a língua. A crença da Terra sem mal evidencia que o

povo guarani caminha sempre por uma necessidade constante de retorno ao ambiente

seguro, precedente à invasão europeia, onde possam viver em seu modo de ser.

Acredita-se que o objetivo principal da pesquisa foi contemplado, visto que foi

feito um levantamento de como está sendo ministrado o ensino bilíngue em comunidades

de Santa Catarina e Rio Grande do Sul e ainda se o Estado está atendendo às necessidades

dessas comunidades. Constatou-se que há ensino bilíngue em todas elas. Poucas escolas

funcionavam improvisadamente, porém já haviam solicitado à secretaria do Estado a

construção de prédio próprio, o que demonstra o interesse por parte deles também. Sobre

as atividades propostas, verificou-se que eram fundamentadas na cultura guarani e os

alunos tinham maior preferência quando se davam fora da sala de aula. Ressalta-se que os

instrumentos linguísticos eram poucos, apresentaram-se em maior número em português.

Essa situação deve ser revertida e tomada como prioridade, visto que as diretrizes

nacionais para o funcionamento das escolas indígenas afirmam que os instrumentos

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linguísticos devem ser produzidos de acordo com o contexto sociocultural de cada povo

indígena. Alguns professores tinham feito o magistério indígena ou estavam com a

formação em andamento, porém observou-se um índice significante de professores sem

formação, o que representa a necessidade de maior incentivo na formação destes, visto

que a amostra se demonstrou favorável à busca de qualificação.

Diante do exposto, conclui-se que foram respondidas as questões da pesquisa

voltadas para a realidade da Educação Escolar Indígena no universo pesquisado, tendo em

vista que os resultados obtidos foram relevantes para afirmar que esta é uma nova prática

inserida em seu cotidiano, assim como a amostra é favorável aos princípios das leis de

diretrizes e bases da Educação Escolar Indígena, manifestando fazer valer seus direitos

como cidadãos brasileiros.

No entanto, ficou também indicada a importância de, no caso dos Guarani,

desenvolver uma concepção clara de educação que se legitima em todos os atos

cotidianos. Essa legitimação implicaria o acolhimento de práticas de usos da língua não

pedagogizadas pelas atividades frequentes da escola. Além disso, ficou indicado à

necessidade de tornar plurilíngue também os espaços de gestão da educação e da língua,

de modo que os falantes do Guarani possam neles atuar com sua forma especifica de

olhar o processo educativo.

Pressupõe-se que a legitimação da escrita, conforme ela ocorre na língua

portuguesa, anula a legitimação oral na língua guarani e vice-versa. Há uma concorrência

do modo de legitimação. O modo de legitimação da língua portuguesa é diferente do

modo de legitimação da língua guarani. Um nunca se reduzirá ao outro. As línguas

indígenas não precisam ser grafadas para serem legitimadas. A língua materna indígena

pode e deve ser legitimada na sua especificidade que é a oralidade.

A Educação Escolar indígena deve funcionar de acordo com a cultura indígena,

nas formas do discurso polêmico e lúdico.

Conclui-se com base na análise do discurso que uma vez analisado o objeto ele

permanece para novas interpretações, dependendo do ponto de vista de cada analista.

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APÊNDICE A

Questionário para Trabalho de Campo

Trabalho de campo Data: _______________

Nome do pesquisador: _________________________________________________

Nome da Aldeia ou Comunidade:

Cacique: Contato (tel):

Localização da aldeia

População da aldeia:

Há não indígenas na aldeia? ( ) Sim ( ) Não.

Caso existam quantos são?____

O que fazem e há quanto tempo estão aqui? _________________________________

_____________________________________________________________________

Dos indígenas, são todos Guarani? ( ) Sim ( ) Não.

Há outras etnias presentes (que não Guarani)? ( ) Sim ( ) Não. Quais?

___________________________________________________________________

Quantos habitantes de outras etnias? _____________________________________

Dos Guarani, quantos são: Mbyá?____ Kaiowá? ______ Ñandeva? _____________

Outro? Qual? ________________ Quantos? ________ hab.

Escola na comunidade

Tem escola com prédio próprio na comunidade? ( ) Sim ( ) Não

Se sim, qual o nome da escola? __________________________________

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Diretor / Responsável: não tem___ Contato (tel)_________________

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E-mail: _______________________________________________________________

O Diretor / Responsável é indígena? ( ) Sim ( ) Não.

Qual é a etnia do diretor? ________________________________________________

Endereço da escola para correspondência: __________________________________

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Número de alunos da escola_____________________________________________

Se não tem escola, tem aula na comunidade? ( ) Sim ( ) Não: Onde? ____________

A educação escolar é improvisada? ( ) Sim ( ) Não

Se sim, descreva: ______________________________________________________

A comunidade não possui nenhum tipo de educação escolar ( )

Sobre a escola

Número de professores da escola: _____ professores _______________________________________

Quantos professores são indígenas? _____

Há professores não indígenas? Sim ( ) Não ( ) Quantos são não indígenas? ______

Os indígenas são todos Guarani? ( ) Sim ( ) Não. Caso não, quantos são de outras etnias indígenas? ______ Quais etnias? ____________________________________

Descrição e sistematização do material usado para o ensino

a) material em Guarani

Tem livro ( ) Sim ( ) Não. Gramática? ( ) Sim ( ) Não.

Jogos? ( ) Sim ( ) Não. Livros de historinha? ( ) Sim ( ) Não. Outros. Quais? _____________________________________________________________________

b) Materiais em português, quais?. ________________________________________

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c) Materiais em outras línguas, tipos de materiais e em que línguas?

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Em sala de aula

[Orientação para pesquisador: A interação se dá através de livros? Escrevem? Qual é a língua utilizada nas atividades propostas pelo professor? Que outras atividades fazem, como pintura, jogos etc. ? Como os alunos apresentam estas atividades? Em que língua se comunicam durante tais atividades? Como são avaliados? E, em que língua são avaliados? Usam livros de estórias infantis? Os livros são em Guarani?]

Série: Turm___ Turno: _matutino_________________

Professor:

O professor é indígena? ( ) Sim ( ) Não.

Fala Guarani-Mbyá? ( ) Sim ( ) Não.

Qual a formação do Professor?

1) Quais atividades são propostas pelo professor e qual é o interesse dos alunos nas atividades?

Atividade: ______________________________________________________

Interesse: ______________________________________________________

Atividade:______________________________________________________

Interesse: ______________________________________________________

Atividade:_______________________________________________________

Interesse:_______________________________________________________

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Atividade:_______________________________________________________

Interesse: _______________________________________________________

Atividade:_______________________________________________________

Interesse: _______________________________________________________

Atividade: _______________________________________________________

Interesse: _______________________________________________________

2) Em que momento o professor faz uso de Guarani-Mbyá em sala de aula?

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3) Em que momento os alunos fazem uso de Guarani-Mbyá em sala de aula?

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4) Em que momento o professor faz uso de outras línguas em sala de aula? Quais?

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5) Em que momento os alunos fazem uso de outras línguas em sala de aula? Quais?

_____________________________________________________________________

6) Presença escrita de que línguas em sala de aula? De que forma?

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7) O que se sobressai na interação do professor com os alunos?

[Orientação para pesquisador: Se ele não fala a língua do aluno, como reage quando o aluno fala com ele? Quando não compreende o que está sendo dito, pede ajuda? A quem? Como conduz as dúvidas que o aluno tem sobre o conhecimento ministrado? Como a criança reage quando não compreende o que o professor diz? Pede ajuda? A quem?]

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Fora da sala de aula

1) Em que momento(s) o professor faz uso de Guarani-Mbyá fora de sala de aula? Com quem?

2) Em que momento os alunos fazem uso de Guarani-Mbyá fora de sala sala de aula? Com quem?

3) Em que momento os professores fazem uso de outras línguas fora da sala de aula? Quais? Com quem? Professores indígenas e não indígenas conversam entre si? Em que língua? Conversam com as crianças, com os moradores?

4) Em que momento os alunos fazem uso de outras línguas fora da sala de aula? Quais? Com quem?

5) Observação do ambiente – presença escrita das línguas na escola. Quais línguas e onde estão (cartazes, placas, etc.). A escola tem nome? Está escrito em que língua

Observação Geral do processo de escolarização

Quais atitudes o aluno apresenta diante do ensino com o professor indígena e suas propostas de interação?

Quais atitudes o aluno apresenta diante do ensino com o professor não -indígena e suas propostas de interação?

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Número de alunos por série e turma, mapeando línguas:

Série /

Ano e

Turma

Total

de

alunos

Monolíngues

em Guarani

Monolíngues

em outra

língua indígena

Qual

língua?

Monolíngues

em Português

Monolíngues

em Espanhol

Bilíngues Em quais

línguas?

4º .

1º EM

2º EM

3º EM

EJA

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Comente sobre cada aula assistida, considerando aspectos marcantes em cada uma (por exemplo, o conteúdo foi interessante, professor atencioso, utilização de materiais diversificados, etc.). Faça uma análise crítica.

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