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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA SANDRA CRESTANI ORGANIZAÇÃO DO ENSINO DE MATEMÁTICA NA PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO TEÓRICO: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO CONCEITO DE DIVISÃO Tubarão 2016

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA SANDRA …pergamum.unisul.br/pergamum/pdf/111291_Sandra.pdf · Damazio, Prof. Dr. Manoel Oriosvaldo de Moura, Profa. ... de impulsar el desarrollo

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

SANDRA CRESTANI

ORGANIZAÇÃO DO ENSINO DE MATEMÁTICA NA PERSPECTIVA DO

DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO TEÓRICO: UMA REFLEXÃO A

PARTIR DO CONCEITO DE DIVISÃO

Tubarão

2016

10

Crestani, Sandra, 1976-

C94 Organização do ensino de matemática na perspectiva do

desenvolvimento do pensamento teórico : uma reflexão a partir

do conceito de divisão / Sandra Crestani ; -- 2016.

126 f. il. color. ; 30 cm

Orientadora : Josélia Euzébio da Rosa.

Dissertação (mestrado)–Universidade do Sul de Santa

Catarina, Tubarão, 2016.

Inclui bibliografias.

1. Ensino. 2. Matemática – Estudo e ensino. 3. Matemática -

Problemas, exercícios, etc. 4. Educação – teoria. I. Rosa, Josélia

Euzébio da. II. Universidade do Sul de Santa Catarina –

Mestrado em Educação. III. Título.

CDD (21. ed.) 371.102

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul

11

Aos professores comprometidos com a

formação omnilateral humana, em especial,

minha orientadora Josélia.

AGRADECIMENTOS

A Deus, primeiramente, pela dádiva da vida, pela oportunidade bendita de estar

neste mundo, superando a cada dia minhas limitações. E por ter colocado no meu caminho

pessoas tão especiais, que muito contribuíram para a realização deste trabalho.

A meus pais, Otávio (em memória) e Valdeci, pelo amor, zelo e educação, mesmo

diante das dificuldades.

À minha orientadora Profa. Dra. Josélia Euzébio da Rosa, pela paciência, carinho

e confiança tão necessários em minha caminhada; pelas suas valiosas correções e

contribuições e por seu exemplo de ser humano e profissional. Sou grata por todo o

aprendizado que me proporcionou, sobretudo, por me mostrar a importância de nos

constituirmos como grupo, de me ensinar a compartilhar coletivamente os estudos realizados,

as dúvidas, os anseios, mostrando-me que, assim, podemos ir mais longe.

Ao meu marido, Airto e meus filhos Ramiro e Artur, pelo apoio, amor e

compreensão.

Ao meu irmão e amigo Alexandre, pelo incentivo, apoio e amizade incondicional.

Aos professores participantes da banca de qualificação e defesa Prof. Dr. Ademir

Damazio, Prof. Dr. Manoel Oriosvaldo de Moura, Profa. Dra. Letícia Carneiro Aguiar e Prof.

Dr. Gilvan Luiz Machado Costa, pela paciência, compreensão e, principalmente, por

compartilharem seus conhecimentos, contribuindo para o aperfeiçoamento deste trabalho.

Aos professores e funcionários da Unisul, por contribuírem, de uma forma ou de

outra, com minha formação, em especial às professoras doutoras: Graça, Leonete, Fátima,

Tânia e a secretária do PPGE, Daniela, que, no exercício de sua função, destacou-se pela

atenção, presteza e competência no trato com todos.

Aos colegas da unidade de relacionamento catarinense do GEPAPe

(GPEMAHC/TEDMAT), pelas contribuições e discussões teóricas realizadas durante todo o

percurso investigativo, em especial à minha querida amiga Daiane.

Aos amigos, companheiros do curso, Gi, Ana, Cris, Bia, Mariana e Cléber, pela

amizade e parceria tão importantes na caminhada acadêmica. Obrigada pelas discussões e

reflexões realizadas durante o curso, e que muito contribuíram na produção desse trabalho.

A Gi, Ediséia, Cris e Ana, pela leitura atenta e pelas valiosas contribuições.

Cris, obrigada pela companhia tão importante nas viagens a Tubarão. Foi nessas

idas e vindas que nasceu em nós uma linda amizade!

Ana, com traços tão delicados, ocultou por poucos instantes a pessoa forte,

determinada, madura que você é. Agradeço suas valiosas contribuições e sua franqueza no

momento em que mais precisei.

Às alunas do curso de Pedagogia da Unisul, pelo aprendizado obtido durante o

período de estágio docente. Foi muito bom tê-las conhecido e convivido com vocês durante

todo o segundo semestre de 2015!

À Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina

(FAPESC), pela bolsa concedida para a realização desta pesquisa.

A TODOS, MUITO OBRIGADA!

“Temos de assegurar as duas pontas da corrente: revolucionar o ensino, o que

implica em revolução social e dar nossa aula amanhã cedo” (George Snyders).

RESUMO

O foco da pesquisa inside no modo de organização de ensino do conceito de divisão proposto

por Davýdov. O pressuposto é que a obra davydoviana pode contribuir para repensarmos a

Educação Matemática brasileira, com a finalidade de promover o desenvolvimento do

pensamento teórico por meio da apropriação dos conceitos científicos. Davýdov propõe, a

partir dos fundamentos da Teoria do Ensino Desenvolvimental, que o ensino dos conceitos

matemáticos seja organizado por meio de tarefas de estudos, constituídas de seis ações, cujo

desenvolvimento ocorre durante a resolução de um sistema de tarefas particulares. A hipótese

é que as ações de estudo, referentes ao conceito de divisão, são interconectadas pela sua

relação geneticamente inicial, universal. Nesse sentido, investigamos as manifestações da

relação universal do conceito de divisão, nas tarefas particulares e sua conexão com as seis

ações de estudo. A fonte de dados da pesquisa, de caráter bibliográfico, foi a obra de

Davýdov. Durante o procedimento de análise fundamentou-se na Teoria Histórico-Cultural,

mais especificamente nos Fundamentos Matemáticos, Lógicos, Psicológicos, Didáticos e

Filosóficos. Os procedimentos para a efetivação da pesquisa foram: estudo das seis ações

davydovianas e dos Fundamentos Matemáticos do conceito de divisão; análise das tarefas

davydovianas para identificação dos elementos que compõem a relação genética do referido

conceito e revelação de sua conexão interna; seleção das tarefas que compõem o sistema

correspondente às seis ações de estudo; discussão teórica com base nos fundamentos da

Teoria do Ensino Desenvolvimental. Constatou-se que, na proposição davydoviana, a conexão

interna do conceito de divisão é revelada no movimento de modelação que segue do plano

objetal ao gráfico e literal. Os elementos que compõem tal conexão são: as unidades básica e

intermediária, bem como o total de ambas. A gênese do conceito, na interconexão desses

elementos, desencadeia um movimento conceitual orientado do geral para o particular e

singular por meio da interconexão das significações algébricas, geométricas e aritméticas.

Após a resolução da problemática de pesquisa, com base na revelação da relação universal do

conceito de divisão e de sua manifestação nas tarefas particulares correspondentes às seis

ações de estudo, finalizamos a dissertação com uma reflexão sobre as possibilidades de

objetivação do pressuposto inicial, a partir do seguinte questionamento: como a obra

davydoviana pode contribuir para as reflexões sobre a Educação Matemática brasileira, com a

finalidade de promover o desenvolvimento do pensamento teórico, por meio da apropriação

científica dos conceitos? Para tanto, estabelecemos um diálogo com os pressupostos teóricos

da Atividade Orientadora de Ensino (AOE), desenvolvida pelo professor Manoel Oriosvaldo

de Moura e seus seguidores, no contexto do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Atividade

Pedagógica, tendo como referência os mesmos fundamentos teóricos da proposição

davydoviana. Dentre os recursos propostos pela AOE elaboramos e desenvolvemos

matematicamente uma história virtual. O conceito norteador é o de divisão, inter-relacionado

com outros conceitos matemáticos, principalmente, o de multiplicação, uma vez que ambos

conformam um sistema conceitual cuja relação interna, de origem, é a mesma. Além disso,

refletimos sobre alguns elementos teóricos que fundamentam o movimento conceitual, tais

como a relação entre o abstrato e o concreto e o movimento entre geral, particular e singular.

Trata-se, portanto, da objetivação do movimento conceitual proposto nas tarefas

davydovianas no desenvolvimento de uma história virtual.

Palavras-chave: Modo de organização do ensino. Conceito de divisão. Pensamento teórico.

Ensino desenvolvimental. Davýdov.

10

RESUMEN

El foco de la investigación es sobre la manera de organización de la enseñanza del concepto

de división propuesto por Davýdov. El presupuesto es que la obra de Davýdov puede

contribuir para repensar la Educación Matemática brasileña con el objetivo de promover el

desarrollo del pensamiento teórico por medio de la apropiación científica de los conceptos.

Desde los fundamentos de la Teoría de la Enseñanza y del Desarrollo, Davýdov propone que

la enseñanza de los conceptos de Matemático sea organizada por medio de tareas de estudio,

constituidas por seis acciones cuyo desarrollo ocurre durante la resolución de un sistema de

tareas particulares. La hipótesis es que las acciones de estudio referentes al concepto de

división son interconectadas por su relación genéticamente inicial y universal. En ese sentido

son investigadas, en ese trabajo, las manifestaciones de la relación del concepto de división en

las tareas particulares, y en conexión con las seis acciones de estudio. La fuente de datos de la

investigación bibliográfica fue la obra de Davýdov. Durante el procedimiento de análisis la

fundamentación fue la Teoría Histórico-Cultural, específicamente en los Fundamentos

Matemáticos, Lógicos, Psicológicos, Didácticos y Filosóficos. Los procedimientos para

realizar la investigación fueron: estudio de las seis acciones de Davýdov y de los

Fundamentos Matemáticos del concepto de división; análisis de las tareas de Davýdov para

identificación de los elementos que componen la relación genética del referido concepto y

revelación de su conexión interna; selección de las tareas que componen el sistema

correspondiente a las seis acciones de estudio; e discusión teórica basada en los fundamentos

de la Teoría de la Enseñanza e del Desarrollo. Fue constatado que en la proposición de

Davýdov, la conexión interna del concepto de división es revelada en el movimiento de

modelación que sigue del plan de lo objeto para el grafico y literal. Los elementos que

componen esa conexión son su unidad básica, intermediaria, y su total. La génesis del

concepto, en la interconexión de eses elementos, desencadena un movimiento conceptual cuya

orientación es del general para el particular o singular, por medio de la interconexión de las

significaciones algébricas, geométricas o aritméticas. Después de la resolución del problema

de la investigación y por medio de la relación universal del concepto de división y de su

manifestación en las tareas particulares correspondientes a las seis tareas de estudio, la

disertación es finalizada con una reflexión sobre las posibilidades de objetivación del

presupuesto inicial por medio del siguiente cuestionamiento: ¿cómo la obra de Davýdov

puede contribuir para las reflexiones sobre la Educación Matemática brasileña con el objetivo

de impulsar el desarrollo del pensamiento teórico por medio de la apropiación científica de los

conceptos? Para ello, establecemos un diálogo con la Actividad Orientadora de Enseñanza

(AOE), desarrollada por el profesor Manoel Oriosvaldo de Moura y sus seguidores en el

contexto del Grupo de Estudios E investigación sobre la Actividad Pedagógica, desde los

mismos fundamentos teóricos de la proposición de Davýdov. Entre los recursos propuestos

por la AOE, nosotros elaboramos y desarrollamos matemáticamente una historia virtual. El

concepto conductor es la división, interrelación con otros conceptos matemáticos,

principalmente el de la multiplicación, una vez que ambos forman un sistema conceptual cuya

relación interna, de origen, es la misma. Además, reflexionamos sobre algunos elementos

teóricos que fundamentan el movimiento conceptual, cómo la relación entre el abstracto y el

concreto, y el movimiento entre general, particular y singular. Por lo tanto, es la objetivación

del movimiento conceptual propuesto en las tareas de Davýdov en el desarrollo de una

historia virtual.

Palabras-clave: Educación Matemática. Modo de organización de la enseñanza. Concepto de

división. Desarrollo del pensamiento teórico.

11

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 - Esquema síntese da pesquisa .............................................................................. 32

Ilustração 2 - Elementos que compõem a relação essencial do conceito de divisão ................ 41

Ilustração 3 - 1ª tarefa, transferência de líquidos...................................................................... 43

Ilustração 4 - 1ª tarefa, unidade de medida básica e unidade de medida intermediária (volumes

A e C) ....................................................................................................................................... 43

Ilustração 5 - 1ª tarefa: relação quantitativa entre unidade de medida básica e intermediária . 44

Ilustração 6 - Modelo objetal, gráfico e literal ......................................................................... 46

Ilustração 7 - 2ª tarefa: figura parcialmente oculta e esquema de setas ................................... 48

Ilustração 8 - 2ª tarefa: figura parcialmente oculta e dados no esquema de setas .................... 48

Ilustração 9 - 2ª tarefa: figura parcialmente oculta e esquema correspondente para M = 21 ... 49

Ilustração 10 - 2ª tarefa: resolução de 21 ÷ 3 =___ na reta numérica....................................... 49

Ilustração 11 - 2ª tarefa: representação gráfica (esquema) ....................................................... 54

Ilustração 12 - 2ª tarefa: representação gráfica (reta numérica) ............................................... 55

Ilustração 13 - 2ª tarefa: representação gráfica (esquema) ....................................................... 55

Ilustração 14 - 2ª tarefa: representação gráfica (esquema e reta) ............................................. 56

Ilustração 15 - 3ª tarefa: esquema abstrato ............................................................................... 58

Ilustração 16 - 4ª tarefa: representação gráfica ......................................................................... 59

Ilustração 17 - 4ª tarefa: representação da multiplicação no esquema ..................................... 60

Ilustração 18 - 4ª tarefa: resultado da operação de multiplicação no esquema ........................ 60

Ilustração 19 - 4ª tarefa: representação da operação de divisão ............................................... 60

Ilustração 20 - 4ª tarefa: representação da divisão no esquema ............................................... 61

Ilustração 21 - 4ª tarefa: modelo gráfico e literal ..................................................................... 61

Ilustração 22 - Transformação do modelo ................................................................................ 63

Ilustração 23 - 5ª tarefa: representação dos dados no esquema de setas .................................. 64

Ilustração 24 - 5ª tarefa: representação da operação de multiplicação 8 x 6 no esquema ........ 64

Ilustração 25 - 5ª tarefa: representação no esquema setas dos dados contidos na reta ............. 64

Ilustração 26 - 5ª tarefa: representação gráfica da operação de divisão ................................... 65

Ilustração 27 - 5ª tarefa: representação gráfica da operação de divisão ................................... 65

Ilustração 28 - 5ª tarefa: representação dos dados no esquema ................................................ 65

Ilustração 29 - 5ª tarefa: representação gráfica da operação de divisão ................................... 66

Ilustração 30 - 5ª tarefa: representação gráfica da operação de divisão ................................... 66

Ilustração 31 - 5ª tarefa: quadro-síntese da transformação do modelo ..................................... 66

Ilustração 32 - 6ª tarefa: representação objetal dos dados da tarefa ......................................... 67

Ilustração 33 - 6ª tarefa: representação no esquema, da divisão da soma pelo número ........... 67

Ilustração 34 - 6ª tarefa: representação no esquema da divisão da soma pelo número ............ 68

Ilustração 35 - 6ª tarefa: representação da transformação do modelo gráfico .......................... 68

Ilustração 36 - Quarta ação de estudo ....................................................................................... 69

Ilustração 37 - 7ª tarefa: representação gráfica da conversão de medidas................................ 71

Ilustração 38 - 7ª tarefa: representação gráfica da operação de divisão ................................... 71

Ilustração 39 - 7ª tarefa: quadro da correlação entre unidades de comprimento ...................... 72

Ilustração 40 - 8ª tarefa: operação da divisão pelo método da decomposição numérica .......... 73

Ilustração 41 - 8ª tarefa: explicitação dos elementos da relação universal no algoritmo da

divisão ....................................................................................................................................... 74

Ilustração 42 - 4ª tarefa: modelo literal no algoritmo ............................................................... 74

Ilustração 43 - 9ª tarefa: operação da divisão no algoritmo ..................................................... 74

Ilustração 44 - 9ª tarefa: operação da divisão no algoritmo ..................................................... 75

Ilustração 45 - 9ª tarefa: operação de divisão no algoritmo ..................................................... 75

Ilustração 46 - 10ª tarefa: esquema e figura quadriculada ........................................................ 77

Ilustração 47 - 10ª tarefa: esquema e figura quadriculada ........................................................ 77

Ilustração 48 - 10ª tarefa: esquema e figura quadriculada ........................................................ 77

Ilustração 49 - 11ª tarefa: verificação do resto da operação de divisão .................................... 78

Ilustração 50 - 11ª tarefa: divisão na régua............................................................................... 79

Ilustração 51 - 11ª tarefa: divisão na régua............................................................................... 79

Ilustração 52 - 11ª tarefa: divisão na régua............................................................................... 79

Ilustração 53 - 11ª tarefa: divisão na régua............................................................................... 80

Ilustração 54 - Ação de controle e avaliação ............................................................................ 82

Quadro 1 - Síntese das seis ações de estudo ............................................................................. 83

Ilustração 55 - História Virtual: “A produção de laços de Dona Baratinha” ........................... 88

Ilustração 56 - Relação entre a grandeza comprimento ............................................................ 91

Ilustração 57 - Relação entre a grandeza comprimento ............................................................ 92

Ilustração 58 - Quantidade de palmos ...................................................................................... 93

Ilustração 59 - Relação entre A, B e C ..................................................................................... 94

Ilustração 60 - Introdução da primeira seta no esquema .......................................................... 94

Ilustração 61 - Introdução da segunda seta no esquema ........................................................... 95

Ilustração 62 - Introdução da terceira seta no esquema ............................................................ 95

Ilustração 63 - Transformação do modelo no esquema de setas .............................................. 96

Ilustração 64 - Propriedade comutativa da multiplicação ........................................................ 96

Ilustração 65 - Constituição da particularidade ........................................................................ 99

Ilustração 66 - Esquema parcial, representativo da unidade de medida intermediária............. 99

Ilustração 67 - Esquema de setas representativo da operação de divisão n ÷ 4 = _____ ......... 99

Ilustração 68 - Modelo representativo da operação de divisão .............................................. 100

Ilustração 69 - 1ª tarefa: esquema de setas representativo da operação de divisão ................ 101

Ilustração 70 - 1ª tarefa: operação de divisão na reta numérica ............................................. 101

Ilustração 71 - 1ª tarefa: esquema de setas da operação 16 ÷ 4 = 4........................................ 101

Ilustração 72 - 2ª tarefa: esquema de setas representativo da operação 23 ÷ 4 = _____ ........ 102

Ilustração 73 - 2ª tarefa: operação de divisão com resto, na reta numérica ............................ 102

Ilustração 74 - 2ª tarefa: esquema representativo da operação 23 ÷ 4 = 5 (resto 3) ............... 103

Ilustração 75 - 3ª tarefa: decomposição do dividendo ............................................................ 103

Ilustração 76 - 3ª tarefa: representação do algoritmo: 4 centenas ÷ 4 = 1 centena ................. 104

Ilustração 77 - 3ª tarefa: representação do algoritmo: 8 dezenas ÷ 4 = 2 dezenas ................. 104

Ilustração 78 - 3ª tarefa: representação do algoritmo: 4 unidades ÷ 4 = 1 unidade ................ 104

Ilustração 79 - 4ª tarefa: representação do algoritmo: 132 ÷ 4 =___ ...................................... 105

Ilustração 80 - 4ª tarefa: representação do algoritmo: 1 centena ÷ 4 = ____ centena ............ 105

Ilustração 81 - 4ª tarefa: representação do algoritmo: 1 centena ÷ 4 = 0 centena .................. 105

Ilustração 82 - 4ª tarefa: representação do algoritmo: 13 dezenas ÷ 4 = ____ dezenas ......... 106

Ilustração 83 - 4ª tarefa: representação do algoritmo: 13 dezenas ÷ 4 = 3 dezenas (resto 1

dezena) .................................................................................................................................... 106

Ilustração 84 - 4ª tarefa: representação do algoritmo de 12 unidades ÷ 4 = 3 unidades ......... 106

Ilustração 85 - 5ª tarefa: representação na reta numérica 4 x 5 = 4 + 4 + 4 + 4 + 4 ↔ 4 x 5 =

20 ............................................................................................................................................ 107

Ilustração 86 - Comprimentos de palmos diferentes .............................................................. 107

Ilustração 87 - Carta para Dona Baratinha ............................................................................. 108

Quadro 2 - Síntese da resolução da história virtual ................................................................ 112

LISTA DE SIGLAS

AOE - Atividade Orientadora de Ensino

GEPAPe - Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Atividade Pedagógica

GPEMAHC - Grupo de Pesquisa em Educação Matemática: uma abordagem Histórico-

Cultural

SAEB - Sistema de Avaliação da Educação Básica

TEDMAT - Teoria do Ensino Desenvolvimental na Educação Matemática

UNESC - Universidade do Extremo Sul Catarinense

UNISUL - Universidade do Sul de Santa Catarina

USP - Universidade de São Paulo

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 14

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 16

2 PROPOSIÇÃO DAVYDOVIANA PARA O CONCEITO DE DIVISÃO NO

CONTEXTO DAS SEIS AÇÕES DE ESTUDO .................................................................. 33

3 POSSIBILIDADES DE OBJETIVAÇÃO DO PRESSUPOSTO E FINALIDADE DA

PESQUISA .............................................................................................................................. 84

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 115

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 119

14

APRESENTAÇÃO

Diante do contexto atual da educação em nosso país, das reformas e tentativas de

superação, almejamos, com a presente pesquisa, contribuir para as reflexões sobre o modo de

organização de ensino concernente à indissociabilidade entre conteúdo e método, no contexto

da atividade de estudo, com base na obra de Davýdov. O pressuposto é de que a proposição

davydoviana possa contribuir para repensarmos a Educação Matemática brasileira e o modo

de organização de ensino.

De acordo com Davídov (1988, p. 27, tradução nossa), a totalidade da “atividade

espiritual das pessoas está determinada pela prática social [...]”. No contexto histórico e

social, a atividade essencial do homem consiste no trabalho, que assegura as transformações

humanas e sociais. Na concepção davydoviana, a atividade profissional é precedida pela

atividade de estudo, responsável por desenvolver as premissas necessárias para a realização da

atividade de trabalho e, principalmente, o desenvolvimento das capacidades mentais dos

estudantes. Estes, quando em atividade de estudo, reproduzem os conhecimentos elaborados

historicamente pela humanidade. A atividade de estudo consiste em “um dos tipos de

atividade reprodutiva das crianças [...]” (DAVÍDOV, 1988, p. 159, tradução nossa). Decorre,

pois, da necessidade de investigações que apontem possibilidades de desenvolvimento da

atividade de estudo em suas máximas possibilidades.

A educação escolar, de acordo com Davídov (1987, p. 147, tradução nossa),

“pode e deve mudar o tipo geral e os ritmos gerais de desenvolvimento psíquico das crianças,

nos diferentes níveis de ensino”. Para tanto, faz-se necessário repensar tanto o conteúdo

quanto os métodos de ensino adotados (DAVÝDOV, 1982). É nessa direção que transitamos

na investigação que gerou a presente dissertação. Davýdov, organizou o ensino dos conceitos

matemáticos, com base em seis ações de estudo, que se tornaram referência para o

aprofundamento teórico, no contexto da atividade de estudo, voltada para o ensino do

conceito de divisão. Para tanto, elegemos os princípios da Teoria Histórico-Cultural para a

sustentação da análise empreendida.

A opção por essa proposição, denominada de Ensino Desenvolvimental, decorre

da possibilidade anunciada por seus autores em desenvolver o pensamento dos estudantes no

plano teórico, por meio da apropriação dos conhecimentos científicos. A fim de refletirmos

sobre tal proposição, no contexto da organização do ensino brasileiro, estabelecemos um

diálogo com a Atividade Orientadora de Ensino (AOE) (MOURA et al., 2010a, 2010b)

articulada com a base teórica de Davýdov. Para tanto, desenvolvemos um problema

15

desencadeador, para o ensino do conceito de divisão, que contemple o pressuposto teórico da

AOE e da Teoria do Ensino Desenvolvimental. Tal possibilidade ocorre por entendermos que

o problema desencadeador de aprendizagem, peculiar à AOE, tem aproximações com as

tarefas de estudo propostas pela Teoria do Ensino Desenvolvimental (MORAES, 2008).

Ambas contemplam as condições necessárias para o estudante alcançar o objetivo da

atividade de ensino: o desenvolvimento do pensamento teórico.

Nesse sentido, adotamos como princípio a inter-relação entre o desenvolvimento

do pensamento dos estudantes e o processo de ensino e aprendizagem. O ensino não só resulta

em desenvolvimento, como também depende dele para continuar seu curso progressivamente

(DAVÍDOV, 1988). Sendo assim, admitimos que as proposições, davydoviana e gepapeana,

contribuem para repensarmos a Educação Matemática escolar brasileira nessa direção.

Para atingir os propósitos estabelecidos, organizamos a dissertação em três

capítulos. No primeiro capítulo, a Introdução, apresentamos o processo de constituição do

objeto de estudo, bem como a caminhada acadêmica e profissional que propiciou a

delimitação do objeto e problema da pesquisa. Nele, realizamos uma reflexão sobre o

contexto pedagógico brasileiro, o modo de organização do ensino e algumas considerações

acerca da finalidade a que se propõe a educação escolar, em nosso país.

No segundo capítulo, Proposição davydoviana para o conceito de divisão no

contexto das seis ações de estudo, revelamos a relação universal do conceito de divisão, no

contexto das seis ações de estudo davydovianas, por meio de tarefas particulares extraídas dos

livros didáticos e livros de orientação ao professor, organizados por Davýdov e colaboradores,

na Rússia.

No terceiro capítulo, intitulado Possibilidades de objetivação do pressuposto e

finalidade da pesquisa, refletimos sobre as relações entre a AOE e o modo de organização

davydoviano com base em um problema desencadeador. Trata-se da explicitação de uma

possibilidade de objetivação do movimento conceitual matemático proposto por Davýdov, na

resolução de um problema desencadeador, tendo como referência uma história virtual que traz

em seu teor de significação, o conceito de divisão.

As sínteses foram apresentadas no docorrer de todo o texto. Para finalizar,

tecemos algumas considerações.

16

1 INTRODUÇÃO

O conteúdo e os métodos de ensino primário, vigentes, se orientam

predominantemente à formação, nos estudantes dos

primeiros anos, das bases da consciência e do pensamento

empíricos, caminho importante, mas não o mais efetivo na

atualidade, para o desenvolvimento psíquico das crianças

(DAVÍDOV, 1988, p. 99, tradução nossa).

Iniciei1 a atividade docente logo após a conclusão da Licenciatura em Matemática.

Em sala de aula, os problemas decorrentes das dificuldades de aprendizagem dos conceitos

matemáticos básicos eram notórios. Tais dificuldades incidiam, inclusive, em relação às

operações fundamentais2, como multiplicação e divisão. Isso obstaculizava o desenrolar do

processo de ensino e aprendizagem, visto que a apropriação de conceitos básicos e a atividade

de estudo estavam comprometidas. Ao conversar com outros professores constatei que tal

condição era generalizada. Com o passar dos anos, a partir de novas experiências, pude

verificar que essa precariedade se caracterizava como algo fossilizado no contexto escolar. E

tais situações vivenciadas eram reveladoras da ausência de ações efetivas, voltadas para a

organização do ensino e do tipo de conhecimento ensinado, que objetivassem o

desenvolvimento integral dos estudantes.

Ainda nesse período, em conversa com professores, alguns defendiam a

necessidade de uma reforma educacional. Contudo, não concordava com essa compreensão,

visto que reformas pressupunham a existência de algo pronto, que requeria apenas alguns

ajustes, algumas mudanças que considero insuficientes. A educação atual carece de muito

mais que isso, uma vez que, conforme assegura Mészáros (2008, p. 25, grifos do autor):

As mudanças sob tais limitações apriorísticas e prejulgadas, são admissíveis apenas

com o único e legítimo objetivo de corrigir algum detalhe defeituoso da ordem

estabelecida, de forma que sejam mantidas intactas as determinações estruturais

fundamentais da sociedade como um todo, em conformidade com as exigências

inalteráveis da lógica global de um determinado sistema de reprodução.

1 Quando a referência for a minha vida pessoal, adotarei a primeira pessoa do singular. Porém, ao se tratar da

pesquisa, escreveremos na primeira pessoa do plural, dado o caráter coletivo do contexto ao qual se insere a

presente investigação. 2 Considero como operações fundamentais: adição, subtração, multiplicação, divisão, potenciação, radiciação e

logaritmação (CARAÇA, 2002, p. 16). No momento, refiro-me apenas às quatro primeiras.

17

A política neoliberal, que se instalou nas sociedades e se sustenta nas relações de

poder, reflete-se na escola. Esta apresenta princípios mantenedores e um caráter adaptativo

aos jovens em relação às condições sociais vigentes, próprias da sociedade capitalista. E não

será por meio de reformas educacionais que tal situação poderá ser transformada. Desde a fase

inicial do capitalismo, até os dias atuais, a “natureza da educação [...] está vinculada ao

destino do trabalho” (MÉSZÁROS, 2008, p. 15).

O trabalho, nas palavras de Konder (2008, p. 29), é a “atividade pela qual o

homem domina as forças naturais [...]” e “humaniza a natureza”. Na fase inicial desse

processo, houve uma profunda transformação, em especial com sua divisão social. Segundo o

referido autor, alguns homens apresentavam maiores condições materiais do que outros, que

permitia àqueles a exploração pelo trabalho destes. Com isso, a capacidade de pensar e agir se

limitava aos interesses dominantes, que apresentavam certo poder sobre a classe trabalhadora.

Konder (2008, p. 30, grifo do autor) assegura que:

As condições criadas pela divisão do trabalho e pela propriedade privada

introduziram um ‘estranhamento’ entre o trabalhador e o trabalho, uma vez que o

produto do trabalho, antes mesmo de o trabalho se realizar, pertence a outra pessoa

que não o trabalhador. Por isso, em lugar de realizar-se no seu trabalho, o ser

humano se aliena nele; em lugar de reconhecer-se em suas próprias criações, o ser

humano se sente ameaçado por elas; em lugar de libertar-se, acaba enrolado em

novas opressões.

Tal mecanismo gerador da alienação, elemento mantenedor do sistema capitalista,

permanece inalterado até os dias atuais. Facci (2004) afirma que, com o advento da

globalização e o avanço tecnológico ocorrido na última década, as relações do homem com o

trabalho sofreram novas transformações. Com a substituição humana por máquinas, grande

parte da classe trabalhadora passou a conviver com índices alarmantes de desemprego,

desvalorização e o “agravamento da exploração do trabalho” (KONDER, 2008, p. 33).

Atualmente, a ordem capitalista segue um roteiro em que a produtividade e a lucratividade são

palavras de ordem.

Equivocadamente, a sociedade atual propaga o progresso, o avanço do

conhecimento, da inovação, com base no desenvolvimento científico e tecnológico, sem

intentar ao fato de que tal desenvolvimento não tem contribuído para a formação omnilateral

do ser humano. Ao contrário, tem ampliado a exclusão, da grande massa da população, do

acesso aos bens socialmente produzidos pela humanidade. Engels, em um artigo publicado

ainda no século XIX, em uma revista parisiense, explica que a escravidão humana ocorrida no

sistema feudal foi apenas substituída pela escravidão das coisas no sistema capitalista

18

(SUCHODOLSKI, 1976). Enquanto no sistema feudal a dominação era do homem sobre o

próprio homem, no sistema capitalista a dominação do homem se dá pela formação

ideológica. Estas conduzem à aceitação do capitalismo, por meio do estímulo ao consumo, à

busca pela competência para o mercado de trabalho e à concorrência, em detrimento dos

valores humanos e o direito ao acesso ao conhecimento, à liberdade de pensar e de ser homem

integral na sociedade.

Diante disso, Suchodolski (1976) assevera que a visão a ser incorporada é a

negação da totalidade, da universalidade e a ênfase na individualização do conhecimento, cujo

esforço objetiva sanar as necessidades particulares de cada um. O autor acrescenta que é dada

ênfase à concorrência e à busca desenfreada pela competência e eficiência, o que justifica

alguns sobressaírem-se mais que outros, pois “[...] a concorrência que se agrava

constantemente como consequência necessária da propriedade privada deve conduzir a

contradições cada vez mais profundas, à opressão e exploração cada vez maiores”

(SUCHODOLSKI, 1976, p. 37).

Essa competitividade gera a transferência de responsabilidades, em que o sujeito

assume o encargo por seu sucesso ou fracasso profissional (FACCI, 2004). E o pior, “serve

para eximir o governo e a sociedade de responsabilidade diante da ausência de projetos

coletivos que visem a possibilitar condições de emprego e de renda ao cidadão” (MORETTI;

MOURA, 2010, p. 352). Essa concepção de mundo repercute na educação que tende a

orientar “mudanças que conduzem a uma crescente desqualificação da escola pública [...]”

(FACCI, 2004, p. 9).

A escola tornou-se local de apropriação de conhecimentos prático-utilitários, com

vistas à preparação dos estudantes para o mercado de trabalho. Todavia, vale dizer que:

O acesso ao conhecimento matemático sistematizado tem sido imprescindível para a

própria transformação da vida cotidiana. Alijar os indivíduos desse acesso é alijá-los

das condições básicas para o usufruto dos avanços tecnológicos que modificam a

própria estrutura da vida dessas pessoas e que permitem o acesso aos demais

produtos das objetivações humanas. Em outras palavras, o próprio conhecimento

que cada indivíduo elabora para sua vida cotidiana não dá conta de responder às

necessidades de sua própria vida cotidiana. Esse indivíduo precisa constantemente

estar reelaborando esse conhecimento porque as exigências são cada vez mais

colocadas. Portanto, a própria vida cotidiana necessita de interferências do não-

cotidiano (GIARDINETTO, 1999, p. 7).

Além disso, o desenvolvimento de conteúdos prático-utilitários, dirigidos para o

mercado de trabalho, impossibilita a “apropriação de um conhecimento num plano mais

elevado, mais elaborado do que aquele no cotidiano” (GIARDINETTO, 1999, p. 67), pois não

19

contempla o caráter universal, teórico, que potencializa a aplicação dos conceitos em qualquer

situação particular (ROSA, 2012). Deste modo, o acesso ao conhecimento sistematizado,

historicamente produzido, torna-se um direito negado aos estudantes.

Giardinetto (1999) ressalta que a maioria das concepções que se formou a partir

do século XX, tem como pressuposto que o homem deve se adaptar ao sistema capitalista

vigente. Ou seja, no que diz respeito ao processo pedagógico, a proposta é desenvolver nos

estudantes conhecimentos de cunho utilitarista. Em outras palavras, “o indivíduo é obrigado a

adquirir um conhecimento que é restrito às respostas necessárias para a superação de suas

necessidades [...]” imediatas, em um determinado contexto social (GIARDINETTO, 1999, p.

11, grifo do autor).

Os conhecimentos científicos, universais, são substituídos por aqueles singulares,

empíricos, considerados úteis para o desenvolvimento de atividades laborais, com ênfase nos

saberes cotidianos. “Trata-se de um conhecimento essencialmente prático-utilitário, pois

nasce da necessidade da resposta imediata de superação dos problemas próprios da vida

cotidiana” (GIARDINETTO, 1999, p. 4). Isso fortalece o sistema capitalista e sedimenta entre

os estudantes a conivência com o discurso neoliberal (FACCI, 2004).

Deste modo, tais conhecimentos se afastam do objetivo que deveria ser

fundamental na escolarização, o desenvolvimento integral do ser humano. Sendo assim, a

escola não considera os estudantes como sujeitos pertencentes a “um determinado contexto

social, pois é por meio dela que esse indivíduo tem a possibilidade de se apropriar de um

conhecimento que não lhe é possível apropriar ao plano da vida cotidiana” (GIARDINETTO,

1999, p. 8).

Essas reflexões sobre as relações entre o sistema de produção e a educação

levaram-me a constatar que a superação de tais problemas consiste em um desafio muito

complexo, que ultrapassa os muros escolares. Entendi que a desordem vigente na escola, na

verdade, contribui para manter a “ordem” social. Nesse sentido, as reformas não são

suficientes para transformar significativamente a realidade - não basta reformar, é necessário

transformar. Diante disso, surgem os seguintes questionamentos: Como participar

efetivamente dessa transformação? Por onde começar? Qual o real papel do professor nesse

processo? É possível contribuir para superar a crise educacional instaurada, no sentido da

transformação em detrimento das reformas? Como proceder?

O que pretendemos é uma educação de novo tipo, comprometida com a formação

integral do ser humano, que desenvolva suas funções superiores, que lhe permita pensar e

realizar análises de seu papel humano, político e social. Almejamos uma educação formadora

20

do homem, em vez de uma educação de cunho utilitarista, considerada como valor de troca.

Não queremos dizer, com isso, que o conhecimento não deva capacitar também para o

desempenho de atividade profissional. A escola deve capacitar para o trabalho no sentido de

ocupar-se em desenvolver o ser humano completo, voltar-se para o desenvolvimento da

própria humanização do homem (MORETTI; MOURA, 2010). E isso somente será possível

por meio do conhecimento científico, teórico.

Nesse sentido, a finalidade a que nos propomos, na presente investigação,

consiste na possibilidade de desenvolvimento do pensamento teórico, por meio da apropriação

dos conceitos científicos. No entanto isso não é garantia de transformação social, mas é

condição sine qua non, uma vez que procura explicar não somente a aparência superficial das

coisas, mas sua essência, por meio do caráter universal dos conceitos.

Foi, portanto, na necessidade de contemplar o caráter universal dos conceitos

científicos, na educação escolar, que identifiquei a relevância de pesquisas voltadas para o

desenvolvimento de conceitos matemáticos em seu teor teórico. Isso porque encontramos

amparo em Davýdov, Rosa (2012), Hobold (2014) e Silveira (2015) ao afirmarem que a

condição atual da educação escolar brasileira, cujo objetivo consiste na manutenção do

sistema capitalista e no desenvolvimento de conhecimentos empíricos, não condiz com o

estágio atual de desenvolvimento da sociedade. Por prevalecer os conhecimentos prático-

utilitários, substima-se que tal conhecimento não contemple a formação integral humana, o

desenvolvimento do sujeito como ser social, pois utiliza unicamente as possibilidades já

formadas e presentes na criança (DAVÍDOV, 1988).3 De outro modo, faz-se necessária a

formação de uma sociedade de novo tipo, que oportunize o acesso ao conhecimento teórico,

sistematizado, para todos os sujeitos (DAVÝDOV, 1982), capaz de desenvolver as

capacidades cognitivas mais elevadas atingidas pelo ser humano.

É nesse contexto que a investigação se insere: como uma possibilidade de

contribuir para o desenvolvimento de conceitos científicos, particularmente, o conceito de

divisão. Essas reflexões surgiram durante as aulas na Pós-graduação (Lato Sensu) e se

consolidaram durante o Mestrado. Desde a Especialização, o objeto de investigação consistiu

no modo davydoviano de organização de ensino. No entanto, como professora de Matemática,

presenciava continuamente os obstáculos teóricos dos estudantes em relação ao conceito de

divisão. Cientes da vasta gama de conceitos matemáticos e da necessidade de delimitação do

tema de pesquisa, elegemos como objeto de estudo a relação universal do conceito de divisão

3 No decorrer do texto será utilizada a grafia Davýdov. Porém, ao se tratar de referência, será mantida a escrita

conforme apresentada na obra, quais sejam: Davídov, Davýdov, Davidov e Давыдов.

21

objetivada nas tarefas particulares, no contexto das seis ações de estudo, que caracterizam a

proposta de Davýdov para o ensino de Matemática.

Davýdov (1930-1998), estudioso da psicologia pedagógica soviética, pertenceu à

terceira geração de pesquisadores da escola de Vigotski. Comungava da concepção

psicológica vigotskiana, cuja fundamentação é o Materialismo Histórico e Dialético. Mesmo

vivendo em épocas distintas, ambos trouxeram contribuições para pensarmos o processo de

aprendizagem e desenvolvimento. Por conseguinte, estabeleceram os princípios norteadores

para a construção de uma nova concepção de ensino e aprendizagem. Para Vigotski (2000) a

aprendizagem gera o desenvolvimento. E Davýdov (1982) complementa: a aprendizagem de

conceitos empíricos promove o desenvolvimento do pensamento empírico, enquanto os

científicos resultam no correspondente pensamento teórico. Segundo Davídov4 (1988, p. 59,

tradução nossa), “[...] o desenvolvimento espontâneo das crianças se opõe ao papel

determinante da educação e do desenvolvimento”, no que se refere ao pensamento teórico.

Portanto, este autor considera fundamental a busca pela apropriação5, por parte

dos estudantes, dos conhecimentos científicos produzidos pela humanidade, para o

desenvolvimento do pensamento teórico (DAVÝDOV, 1982). Ao considerar tal pressuposto,

Davýdov defende um ensino que leve os estudantes a pensarem dialeticamente (LIBÂNEO;

FREITAS, 2013).

Com base na relação entre aprendizagem e desenvolvimento, almejamos a

possibilidade, do presente estudo, contribuir para a reflexão sobre a organização do ensino

nessa perspectiva. Pretendemos, pois, analisar a proposição de ensino que tem como princípio

basilar a apropriação do conhecimento científico para a formação do ser humano em sua

plenitude. A proposição davydoviana

[...] foca a relação entre o modo pelo qual o professor organiza o ensino e o

desenvolvimento das funções mentais dos estudantes. Um de seus pressupostos

básicos é que o ensino é forma privilegiada para promoção do desenvolvimento do

pensamento e da personalidade dos estudantes, por meio de mudanças qualitativas

em sua atividade mental, em sua forma de pensamento (PERES; FREITAS, 2014, p.

12).

Davýdov (ДАВЫДОВ) e colaboradores, tais como Gorbov (ГОРБОВ), Mikulina

(МИКУЛИНА) e Savieliev (САВЕЛЬЕВА), desenvolveram, ao longo de vinte e cinco anos,

4 Para garantir as ideias davydovianas, optamos, em grande parte desse trabalho, pela apresentação de citações

diretas de suas obras originalmente escritas em espanhol. As traduções foram realizadas por nós. 5 “O processo de apropriação leva o indivíduo à reprodução, em sua própria atividade, das capacidades humanas

formadas historicamente” (DAVÍDOV, 1988, p. 56).

22

uma proposta de educação, no contexto do Ensino Desenvolvimental, segundo os princípios

elaborados por Vigotski e Leontiev. A terminologia Ensino Desenvolvimental advém da

relação entre aprendizagem e desenvolvimento, e atribui ao ensino, como seu papel principal.

Tal desenvolvimento no estudante se dá por meio da atividade de estudo, que possibilita a

formação da capacidade de pensar dos estudantes.

O professor, em sua atividade de ensino, proporciona o início do desenvolvimento

da atividade de estudo dos estudantes, por meio de um processo de reflexão. Ele os orientam,

considerando-os sujeitos e objetos “de sua própria transformação” (AQUINO, 2015, p. 5).

Para tanto, as tarefas de estudo focam um problema de forma a centralizar vários aspectos das

contradições, que são discutidas coletivamente (DAVYDOV; SLOBODCHIKOV;

TSUKERMAN, 2014). Nesse processo, os estudantes expõem e defendem suas opiniões até

que, obtenham outro significado para o objeto em análise. Desse modo, de acordo com os

autores em referência, a atividade assegura o desenvolvimento da reflexão, da iniciativa, da

cooperação, da formação de opiniões e, fundamentalmente, do desenvolvimento cognitivo do

estudante, como base necessária para a formação da capacidade de aprender.

Para esse processo, Davýdov propõe que a organização do ensino ocorra por meio

de seis ações de estudo, de modo que o caráter universal dos conceitos seja contemplado em

todas elas, quais sejam:

1. Transformação dos dados da tarefa de estudo com a finalidade de revelar a

relação universal do objeto estudado;

2. Modelação da relação universal na forma objetal, gráfica e literal;

3. Transformação do modelo da relação universal para o estudo de suas

propriedades em ‘forma pura’;

4. Resolução de um sistema de tarefas particulares que podem ser resolvidas por

um procedimento geral;

5. Controle da realização das ações anteriores;

6. Avaliação da apropriação do procedimento universal como resultado da solução

da tarefa de estudo dada (DAVÍDOV, 1988, p. 181, tradução nossa, grifo do

autor).

Cada ação de estudo é desenvolvida por um sistema de tarefas particulares, que

requerem operações para a sua execução. O objetivo proposto pela atividade de estudo, no

Ensino Desenvolvimental, é atingir a apropriação do conhecimento científico mais elaborado,

com vistas ao desenvolvimento do pensamento teórico. A atividade de estudo não é, portanto,

“uma finalidade em si mesma; é apenas uma condição necessária para alcançar o

desenvolvimento mental e cognitivo-afetivo dos alunos” (AQUINO, 2015, p. 4). O que

almejamos com isso é possibilitar o rompimento com os mecanismos que limitam o ser

humano para a aquisição apenas de conhecimento útil ao mercado de trabalho, aquele que

23

contribui para reforçar a estrutura da sociedade capitalista, mas garantir a apropriação de

conhecimento elaborado e sistematizado como possibilidade para a transformação humana

(GIARDINETTO, 1999). “Nessa perspectiva, a atividade humana é tomada como unidade

básica para a compreensão dos processos de desenvolvimento humano presentes na educação

escolar [...]” (MOURA et al., 2010b, p. 9).

Aspiramos, pois, o direito à educação e ao conhecimento científico socialmente

produzido pela humanidade, porque não é produto de um só homem ou de um determinado

grupo. É, fundamentalmente, “patrimônio de todos, o que justifica a sua inserção no currículo

de todas as instituições escolares” (MOURA; SFORNI; ARAÚJO, 2011, p. 42). Outra

justificativa para tal necessidade é que sua apropriação se constitui em uma possibilidade do

ser humano superar a ideologia política, econômica e social vigente. Quando o homem se

apropria das relações reais, autênticas, desenvolve-se integral e humanamente, transpondo as

relações aparentes, fenomênicas da sociedade (MOURA et al., 2010a).

O desenvolvimento do homem se dá em um processo lento, cujos resultados não

ocorrem de forma imediata, pois, como diz Vigotski (2000), os fenômenos sociais, assim

como o pensamento humano, se constituem ao longo da história e atinjem níveis diferentes de

desenvolvimento e de complexidade. Esse aprimoramento atingirá seu ápice por meio da

formação do pensamento em nível teórico.

Contudo, o que mais tem preocupado é a necessidade de enfrentamento de um dos

desafios da educação, quiçá o maior deles: o desenvolvimento do pensamento teórico dos

estudantes pela via da apropriação dos conceitos científicos. Vale ressaltar que não nos

referimos a qualquer conhecimento, mas àquele “que consideramos serem as possibilidades

mais humanizadoras que existem no interior das contraditórias forças que têm atuado sobre a

realidade escolar” (DUARTE, 2001, p. 4). Refere-se, pois, ao saber sistematizado, científico,

isto é, o que de mais desenvolvido produziu a humanidade. Todavia, o direito a esse saber tem

se limitado a poucos.

Gentili (2009, p. 1.070-1.071) assevera que:

Todos têm o mesmo direito à educação, mas nem todos exercem da mesma forma

seu direito à escola, motivo pelo qual os resultados do processo de escolarização são

tão desiguais como são desiguais as condições de vida de grupos, classes, estratos ou

castas que compõem a sociedade ou, em termos mais precisos, o mercado.

24

Esse direito deve contemplar todos os seres humanos, indistintamente. No

entanto, as condições hoje oferecidas aos estudantes, principalmente, das escolas públicas,

não possibilitam o exercício da democracia e tampouco o acesso ao conhecimento científico.

A ciência de tal concepção, por parte de professores e estudantes, é de suma

importância para a compreensão de que “o conteúdo tem uma história ligada ao

desenvolvimento social [...] (MOURA, 2001, p. 149)” e possibilita, segundo o autor (2001, p.

149), “outra dimensão para a didática do professor”. Portanto, faz-se necessário pensá-la para

que, na qualidade de educadores, nos posicionemos e reflitamos sobre qual o nosso papel na

sociedade. Além disso, empreendermos as lutas no sentido de transpor as políticas neoliberais

que primam por posicionamentos humanos espontaneístas e competitivos.

Consideramos, pois, relevante refletir sobre as considerações trazidas por Souza

(2008, p. 11), ao afirmar que “a questão de saber por que a escola ensina o que ensina é

fundamental para o entendimento da finalidade cultural das instituições educativas e do tipo

de homens e mulheres que uma dada sociedade em determinado tempo deseja formar”. Ou

seja, a educação e o ensino atual estão orientados para formar nas crianças determinado tipo

de atividade e sua correspondente capacidade (DAVÍDOV, 1988).

Se o papel da escola é de socializar saberes elaborados, cumpre nos questionar

sobre qual conhecimento está sendo desenvolvido e, por que este tipo e não outro.

[...] a questão sobre as potencialidades de desenvolvimento de um ou outro sistema

de educação e ensino se pode analisar do seguinte modo: o sistema historicamente

formado e já estabelecido garante a apropriação, pelas crianças, de determinado

conjunto de capacidades, que correspondem às exigências da sociedade. Os meios e

procedimentos de organização da atividade reprodutiva se tornam tradicionais e

cotidianos. O papel desenvolvimental deste sistema torna-se oculto. Mas, se a

sociedade dada deve formar nas crianças um novo conjunto de capacidades, torna-se

indispensável criar um sistema de educação e ensino que organize o funcionamento

eficaz de novos tipos de atividade reprodutiva (DAVÍDOV, 1988, p. 59, tradução

nossa).

É importante ponderar que “nem toda educação, nem toda escola, nem toda

prática pedagógica está, necessariamente, a serviço da reprodução do sistema capitalista”

(SILVA, 2012, p. 202), mas principalmente aquelas que se limitam ao desenvolvimento do

pensamento empírico. Mas, com base na perspectiva dialética-materialista, a realidade não é

eterna, ao contrário, ela está em constante movimento de transformação e, portanto, é

provisória (LONGAREZI; FRANCO, 2013a). Assim, consideramos que há, ainda, outras

possibilidades que envolvem sujeitos comprometidos com a educação, pois “nenhum

educador é neutro em relação à prática social do educando” (DUARTE, 2001, p. 57). Isso

25

ocorre mesmo quando reina o empirismo que, nos dias atuais, ainda “é ressaltado na área da

matemática nos primeiros anos da escolarização básica” (CATANANTE; ARAUJO, 2014, p.

46). As autoras em referência conclamam para a necessidade de se consolidar “uma proposta

de educação Matemática fundamentada na perspectiva Histórico-Cultural” (2014, p. 46). Essa

perspectiva teórica fundamenta os estudos e investigações dos grupos de pesquisa aos quais

integro: Grupo de Pesquisa em Educação Matemática: uma abordagem Histórico-Cultural

(GPEMAHC)6 e Teoria do Ensino Desenvolvimental na Educação Matemática (TEDMAT).7

Esses dois grupos constituem a unidade de relacionamento catarinense do Grupo

de Estudos e Pesquisa sobre Atividade Pedagógica (GEPAPe)8, promovem estudos e debates

teóricos com vistas à compreensão do complexo sistema educacional, que se encontra

intrinsecamente ligado às esferas econômicas, políticas e sociais. Os encontros são comuns e

ocorrem quinzenalmente. Os integrantes da unidade vêm desenvolvendo estudos sobre a

organização do ensino, com base na Teoria Histórico-Cultural, de conceitos matemáticos

como: número (ROSA, 2012), adição e subtração (ROSA; DAMAZIO; ALVES, 2013),

multiplicação (MADEIRA, 2012; HOBOLD, 2014), divisão (CRESTANI, 2013), equação

(DORIGON, 2013), resolução de problemas (MATOS, 2013), sistema de numeração

(SILVEIRA, 2012, 2015), números inteiros (BÚRIGO, 2015) dentre outros. Tais conceitos

constituem de extrema relevância para o ensino brasileiro, pois entendemos que a

transformação educacional que desejamos somente será possível por meio da apropriação

teórica dos conceitos.

Essa constatação decorreu das reflexões realizadas no grupo

(GPEMAHC/TEDMAT) e também na atividade docente. Dentre elas, em uma escola da rede

pública do Estado de Santa Catarina, onde lecionei em classe do 7º, 8º e 9º anos. Na ocasião,

persistiam as fragilidades decorrentes “da complexidade da realidade social que envolve a

educação e a trama de desafios da sala de aula” (MORAES, 2009, p. 325). A indiferença e

falta de atenção nas aulas, por parte dos estudantes, eram constantes. De minha parte, não

entendia se era a falta de atenção que provocava a não aprendizagem ou esta era consequência

de tal desatenção.

Eidt, Tuleski e Franco (2014) dizem que a formação da atenção nos estudantes

percorre um longo caminho até tornar-se efetivamente atenção voluntária. Em todas as etapas,

a formação da atenção na criança é totalmente dependente do modo que “o meio social

6 Líder: Prof. Dr. Ademir Damazio (UNESC). 7 Líder: Profa. Dra. Josélia Euzébio da Rosa (UNISUL). 8 Líder: Prof. Dr. Manoel Oriosvaldo de Moura, Prof. Ori (USP).

26

disponibiliza os instrumentos e signos, estabelecendo com ela relações que produzam saltos

qualitativos em seu desenvolvimento psíquico” (EIDT; TULESKI; FRANCO, 2014, p. 83).

As autoras advertem que a não aprendizagem decorrente da falta de atenção precisa ser

compreendida como

um fenômeno produzido, antes de tudo, pelo estágio atual da sociedade capitalista.

Na contramão da exclusão, significa possibilitar a criação de formas educativas que

desenvolvam as funções superiores, ou mesmo, avaliar os métodos educativos que

estão sendo empregados, os quais têm posto à margem um grande contingente de

estudantes, que ficam impedidos de apropriar-se do que há de mais elevado em

termos de conhecimento desenvolvido pelo gênero humano (EIDT; TULESKI;

FRANCO, 2014, p. 94).

A falta de atenção é um dos obstáculos a ser superado, por meio do

desenvolvimento do conhecimento científico, que deve iniciar desde os primeiros anos do

Ensino Fundamental. Uma condição para tal, segundo Davídov (1988), é envolver os

estudantes em atividade de estudo. Daí a urgência em repensarmos o modo de organização de

ensino. Isso porque os resultados obtidos tanto na minha prática docente quanto de colegas do

grupo, no que se refere à Matemática, corroboram com a constatação de Longarezi e Puentes

(2013, p. 10) em relação à educação brasileira atual: “Aprende-se pouco, aprende-se mal,

aquilo que se aprende é esquecido com facilidade e tudo isso interfere minimamente no

desenvolvimento integral da personalidade dos estudantes”.

Os questionamentos que nos acompanhavam eram: Como ensinar conceitos

matemáticos mais elaborados se os fundamentais não tinham sido apropriados pelos

estudantes? Ou ainda, como ensinar conceitos teóricos se as poucas apropriações dos

estudantes tinham características empíricas? Sobre isso, Giardinetto (1999, p. 50) alerta que

“o indivíduo, ao não ultrapassar os raciocínios mais imediatos, não só não aprende o processo

de pensamento mais complexo, implícito na atividade escolar, como não se apropria do

conteúdo que daí advém”. Enquanto o desenvolvimento do conhecimento não ultrapassar o

nível empírico, imediato, não será possível a apropriação dos conceitos desde os básicos até

os mais complexos, com teor teórico (DAVÍDOV, 1988).

Embora as dificuldades conceituais sejam recorrentes no processo de ensino e

aprendizagem do conceito de divisão, poucas são as pesquisas sobre essa temática. Soares

(2007), que pesquisou o ensino e aprendizagem de conceitos matemáticos com foco na

divisão de números naturais, afirma que, devido às dificuldades na compreensão dos

conceitos matemáticos, os estudantes memorizam “e vão acumulando dúvidas e dificuldades

ao longo de sua vida escolar” (SOARES, 2007, p. 13). A autora apresenta indicativos, a partir

27

dos dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) de 2003, de que os conceitos

aprendidos nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, dentre eles o de divisão, são

considerados insuficientes para a continuidade do processo de aprendizagem da Matemática.

Segundo a autora, sobre a divisão, os estudantes consideram-na como um conceito difícil de

ser aprendido. Entre as operações aritméticas fundamentais, a ênfase no processo de ensino e

aprendizagem recai na realização do algoritmo em detrimento de seu significado, fator que

impede a apropriação conceitual (SOARES, 2007).

Além disso, a disciplina de Matemática tem sido reverenciada pelo aspecto

prático-utilitário “[...] que enfatiza a operação, como se esta área do conhecimento fosse um

produto pronto e acabado [...]” (CATANANTE; ARAUJO, 2014, p. 40), dissociada do

movimento conceitual teórico. Tal episódio é decorrente, em partes, pela insuficiente

formação dos professores com sérias consequências que refletem diretamente no processo de

ensino e aprendizagem.

Lemos (2014, p. 117) analisou a atuação de alguns professores que ensinam

Matemática. Constatou que “[...] há, por decorrência das condições de formação do professor

e de um reincidente despreparo para lidar com as situações do contexto escolar, uma

‘tendência’ para a valorização da ‘prática’ em detrimento da ‘teoria’” (LEMOS, 2014, p. 117,

grifos do autor). Nesse contexto de dicotomização entre teoria e prática, com evidência para a

“prática”, enfatizam-se os conceitos empíricos. Existe uma convicção entre alguns

professores, pesquisados por Lemos (2014), de que o desenvolvimento do ensino de modo

espontâneo, com foco nas situações do cotidiano, contribui no processo de aprendizagem dos

conceitos matemáticos. Dentre os professores entrevistados por Lemos (2014, p. 121), há,

também, aqueles que “são favoráveis à memorização, com o objetivo de facilitar a

aprendizagem dos cálculos”. No tocante ao ensino da tabuada, por exemplo, utiliza-se o

recurso da memorização pela falta de um método de ensino que centre no desenvolvimento do

pensamento conceitual (LEMOS, 2014).

Em relação à tabuada e seu conceito base, a multiplicação, duas investigações

apresentam contribuições relevantes para a superação do empirismo no ensino. Madeira

(2012) e Hobold (2014) abordam a multiplicação e a tabuada, respectivamente, com base na

proposição davydoviana. Essas duas pesquisas integram um projeto mais amplo, desenvolvido

na unidade gepapeana catarinense. É nesse contexto profícuo de reflexões que se insere a

nossa pesquisa de Especialização (CRESTANI, 2013) e a presente dissertação.

O ingresso no curso de Mestrado ocorreu, portanto, pela necessidade de

aprofundamento teórico. Na Especialização, investigamos a introdução do conceito de

28

divisão, na proposição davydoviana. No entanto, faltava investigar a sistematização desse

conceito. Fez-se necessária a continuidade do movimento que se iniciou com a introdução do

conceito de divisão, realizado naquele curso, até culminar com sua sistematização e

operacionalização, no Mestrado.

Davýdov e colaboradores realizaram uma longa investigação teórica e prática com

professores e alunos (LIBÂNEO; FREITAS, 2013). Davýdov coordenou a parte relacionada à

Matemática. Seu grupo publicou os resultados em livros didáticos e de orientações ao

professor, artigos, capítulos de livros e livros.

O material didático 9 constitui a fonte de dados da presente pesquisa, em especial o

livro didático de Matemática, desenvolvido por Davýdov e colaboradores, para o 2º, 3º e o 4º

ano do Ensino Fundamental10 (ДАВЫДОВ, et al., 2012; ДАВЫДОВ, et al., 2009;

ДАВЫДОВ, et al., 2011), e o livro de orientação ao professor para utilização dos referidos

livros didáticos (ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2003; ГОРБОВ; МИКУЛИНА;

САВЕЛЬЕВА, 2004; ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2009), todos publicados

originalmente, em língua russa. Este material, elaborado por Davýdov e colaboradores, foi

utilizado em experimentos com estudantes, por mais de vinte e cinco anos, na Rússia. A

finalidade era de desenvolver conceitos matemáticos em nível teórico, num período em que,

na educação russa predominava um tipo de conhecimento, ao qual Davýdov denominou de

tradicional e insuficiente para a época (DAVÝDOV, 1982).

A análise desse material deu origem ao segundo capítulo da presente dissertação.

Vale lembrar que o objeto de estudo não consiste nas tarefas davydovianas em si, mas na

relação universal do conceito de divisão objetivada nas tarefas particulares, propostas por

Davýdov para o ensino de Matemática, no contexto das seis ações de estudo. Partimos da

hipótese de que as ações de estudo, referentes ao conceito de divisão, são interconectadas pela

relação geneticamente inicial, universal do conceito. Pois, de acordo com Libâneo e Freitas

(2013, p. 332-333),

O objetivo primordial do ensino-aprendizagem, na concepção de Davydov, é a

formação do pensamento teórico-científico do aluno. Para cumpri-lo, ao tomar um

determinado objeto de conhecimento como conteúdo do ensino/aprendizagem, o

professor deve investigar seu aspecto ou relação nuclear, na qual aparecem as

relações fundamentais de sua gênese e transformação histórica, expressando seu

princípio geral. A partir desse princípio geral, o professor estrutura e organiza a

atividade de estudo do aluno, de modo que ele realize abstrações e generalizações

9 O material encontra-se disponível no Laboratório de Estudo em Educação Matemática Professor Dr. Ademir

Damazio da UNESC e na Biblioteca Professor Eurico Back, da mesma instituição. 10 O segundo, terceiro e quarto anos do Ensino Fundamental russo correspondem ao mesmo dos anos do Ensino

Fundamental brasileiro.

29

conceituais, sendo capaz de utilizá-las na análise e solução de problemas específicos

da realidade envolvendo o objeto.

A relação nuclear, mencionada na citação anterior, consiste na relação universal

que caracteriza o conceito. “Nos conhecimentos teóricos se fixa o elo da relação universal,

realmente existente, do sistema integral com suas diferentes manifestações, o elo do universal

com o singular” (DAVÍDOV, 1988, p. 154, tradução nossa).

O sistema integral, na presente investigação, consiste nas seis ações de estudo

para o ensino do conceito de divisão. As diferentes manifestações da relação universal

ocorrem nas tarefas particulares. Porém, o problema que se apresentou foi: Qual é a relação

universal do conceito de divisão e sua manifestação nas tarefas particulares correspondentes

às seis ações de estudo? Para responder a essa questão, nosso objetivo foi: investigar as

manifestações da relação universal do conceito de divisão nas tarefas particulares no âmbito

das seis ações de estudo.

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, com respaldo nos pressupostos da Teoria

Histórico-Cultural, mais voltada aos Fundamentos: Matemáticos (CARAÇA, 2002; COSTA,

1866); Lógicos, Psicológicos e Didáticos (VIGOTSKI, 2000; DAVÝDOV, 1982; DAVÍDOV;

SLOBÓDCHIKOV, 1991; DAVÍDOV, 1987; DAVÍDOV, 1988; LEONTIEV, 1959;

DAVYDOV; SLOBODCHIKOV; TSUKERMAN, 2014; MOURA, 1992, 2001; MOURA et

al., 2010b; REPKIN, 2014); e Filosóficos (KOPNIN, 1960; STERNIN, 1960).

No desenvolvimento da pesquisa, adotamos os seguintes procedimentos de

investigação: estudo das seis ações davydovianas e dos Fundamentos Matemáticos do

conceito de divisão; análise das tarefas davydovianas para identificação dos elementos que

compõem a relação genética do referido conceito e revelação de sua conexão interna; seleção

das tarefas que compõem o sistema correspondente às seis ações de estudo; discussão teórica

com base nos fundamentos da Teoria do Ensino Desenvolvimental. E, por fim, realizamos

uma reflexão sobre as possibilidades de objetivação do pressuposto e da finalidade da

pesquisa.

Particularmente, no presente estudo, compete-nos revelar a relação universal, que

não está dada explicitamente em cada tarefa, isto é, não se apresenta aparentemente na

realidade imediata. Para a concretização desse intento, adotamos como unidades de análise os

pares: geral-particular, universal-singular. O geral consiste na interconexão das grandezas de

mesma natureza, a qual possibilita atingir a representação geral do objeto, ou seja, seu modelo

algébrico. A partir dessa revelação, de caráter geral, o particular se configura como o

elemento mediador do processo. No conceito de divisão, o particular se expressa na medida

30

intermediária, válida para a multiplicação e divisão (multiplicando e divisor,

respectivamente). Em continuidade, num processo de idas e vindas, permeado por abstrações,

o universal se revela. Este se constitui das muitas representações da relação essencial do

conceito (objetal, gráfica e literal), que culminará com sua aplicação nas diferentes

singularidades.

O empenho foi no sentido de atingir a totalidade do sistema integral, expresso nas

tarefas particulares, referentes às seis ações de estudo para o ensino do conceito de divisão.

Porém, não como uma soma de tarefas particulares isoladas, mas como um todo articulado e

relacionado dialeticamente entre si. Só assim, foi possível chegarmos à essência do objeto, na

relação universal.

Na execução desses procedimentos, não perdemos de vista o pressuposto de que

todos os conceitos se inserem em um sistema conceitual mais amplo, pois cada conceito em

particular “pressupõe a existência de um determinado sistema de conceitos, fora do qual ele

não pode existir” (VIGOTSKI, 2000, p. 359). Ou seja, estão inter-relacionados como uma

rede conceitual, na qual todos são relevantes. No entanto, em virtude da delimitação da

pesquisa, o foco incide para o conceito de divisão. Porém vale dizer que, somente o ensino

desse conceito, nessa perspectiva, não proporciona o desenvolvimento do pensamento teórico

matemático. Faz-se necessário repensar o sistema educacional como um todo, desde a

educação infantil.

Na unidade de relacionamento catarinense, estamos realizando apenas estudos

referentes a uma disciplina, a Matemática (ROSA, 2012; MADEIRA, 2012; ALVES, 2013;

CRESTANI, 2013; DORIGON, 2013; MATOS, 2013; SILVEIRA, 2012; SOUZA, 2012;

ROSA; DAMAZIO; ALVES, 2013; ROSA; DAMAZIO; CRESTANI, 2014; ROSA;

DAMAZIO; SILVEIRA, 2014; HOBOLD, 2014; SOUSA, 2014; SILVEIRA, 2015;

BÚRIGO, 2015). Os pressupostos da Teoria Histórico-Cultural orientam as pesquisas e o

método de análise é o Materialismo Histórico e Dialético.

Partindo do “reconhecimento do homem como sujeito histórico determinado e ao

mesmo tempo determinante das condições que o circunscrevem” (SILVA, 2012, p. 187),

temos que, pela tomada de consciência e a capacidade de pensar obtidas pela apropriação do

conhecimento, o sujeito, gradual e paulatinamente, tornar-se-á capaz de determinar suas

próprias condições de existência. Tais possibilidades se concretizam por meio de “um

processo dialético de superação por incorporação” (DUARTE, 2001, p. 60).

Nesse processo de superação por incorporação questionamo-nos: Como, então,

ensinar os conceitos matemáticos de modo a desenvolver nos estudantes brasileiros a

31

capacidade de pensar matematicamente? Como a obra davydoviana pode ser incorporada, por

superação, no contexto das reflexões brasileiras? Vislumbramos uma possibilidade de

resposta no contexto da AOE (Moura e colaboradores) em diálogo com a obra davydoviana,

com fundamentos na Teoria Histórico-Cultural.

[...] a atividade orientadora de ensino insere-se numa atividade mais geral que é a

atividade de ensino cuja necessidade que a motiva é ensinar e para isso é necessário

organizar o ensino de modo a favorecer a aprendizagem dos alunos – o que é a

necessidade da atividade orientadora de ensino. Assim, a atividade orientadora de

ensino transforma-se em uma das ações da atividade de ensino (MORETTI, 2007, p.

99-100, grifo da autora).

A AOE parte do princípio de que, para a apropriação do conhecimento teórico, é

necessário que estudantes e professores estejam em atividade. Tal orientação converge com os

princípios teóricos preconizados pela Teoria do Ensino Desenvolvimental, uma vez que

ambas estão alicerçadas na Teoria de Leontiev.

No processo de ensinar, o professor deve estar em atividade de ensino, assim

como os estudantes em atividade de aprendizagem, para que a sua necessidade de ensinar se

converta em necessidade de aprender do estudante (MOURA et al., 2010a). Estar em

atividade significa dizer que professor e estudantes estão em “unidade formadora” (MOURA

et al., 2010a, p. 220).

Nesse âmbito teórico, outro pressuposto é de que a situação desencadeadora de

aprendizagem é um dos elementos que compõem a estrutura da AOE. Trata-se de “um recurso

didático que tem por objetivo colocar o sujeito que aprende diante da necessidade do conceito

a ser ensinado” (MORETTI, 2007, p. 106).

Nesse contexto, no entender de Moura et al. (2010a, p. 223), “as situações

desencadeadoras de aprendizagem podem ser materializadas por meio de diferentes recursos

metodológicos”. Por isso, no terceiro capítulo da presente dissertação, materializamos uma

situação desencadeadora por meio de uma história virtual e a resolvemos, matematicamente.

Para tanto, procuramos em seu desenvolvimento atender aos princípios propostos por Moura e

Davýdov. Além disso, elaboramos uma síntese reflexiva sobre as possibilidades de

objetivação da finalidade da pesquisa no sentido de promover o desenvolvimento do

pensamento teórico, por meio da apropriação científica dos conceitos, no contexto

educacional brasileiro. A seguir, apresentamos uma síntese (Ilustração 1), em forma de

esquema, sobre os elementos principais que compõem a pesquisa.

32

Ilustração 1 – Esquema síntese da pesquisa

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

33

2 PROPOSIÇÃO DAVYDOVIANA PARA O ENSINO DO CONCEITO DE DIVISÃO

NO CONTEXTO DAS SEIS AÇÕES DE ESTUDO

“Nenhum trabalho fecundo será possível se não se tem presente a

existência do universal e do singular nos objetos que nos

rodeiam. Os homens em sua atividade prática tem que

contar com estes dois aspectos da realidade [...]”

(STERNIN, 1960, p. 295).

No presente capítulo, apresentamos os fundamentos da Teoria do Ensino

Desenvolvimental e sua objetivação, nas tarefas particulares referentes ao ensino do conceito

de divisão, retiradas dos livros didáticos do segundo, terceiro e quarto anos do Ensino

Fundamental I (ДАВЫДОВ, et al., 2012; ДАВЫДОВ, et al., 2009; ДАВЫДОВ, et al.,

2011). As tarefas, elaboradas por Davýdov, serão apresentadas a seguir, de forma articulada

com as seis ações de estudo. Tais fundamentos incidem na organização davydoviana do

ensino que promova o desenvolvimento do pensamento teórico, que possibilita o reflexo

consciente da realidade, nas suas propriedades, ligações e relações objetivas, incluindo os [...]

objetos inacessíveis, à percepção sensível imediata” (LEONTIEV, 1959, p. 90).

A escola é o ambiente apropriado para o desenvolvimento dessas capacidades

cognitivas. É o local “para aprender cultura e internalizar os meios cognitivos de compreender

e transformar o mundo” (LIBÂNEO, 2004, p. 5). Entretanto, para que a educação escolar

cumpra sua parte em tal transformação, é necessária uma organização do ensino de modo a

contemplar a aprendizagem dos conceitos científicos.

Ao entrar na escola, a criança inicia a formação de uma importante atividade, a de

estudo (LEONTIEV, 1959), que tem seu início nos primeiros anos do Ensino Fundamental. A

maneira de se relacionar com as pessoas e com os conteúdos se modifica. Ela tem acesso a

conhecimentos que até então desconhecia e, consequentemente, ocupar outro lugar no mundo

das relações sociais, que requer-lhe algumas novas responsabilidades (LEONTIEV, 1959).

A atividade de estudo sucede a do jogo e antecede a atividade socialmente útil do

adolescente e a coexistência da atividade de estudo e trabalho do jovem (DAVÍDOV, 1988).

As atividades surgem a partir de novas necessidades, que são “[...] o motor do

desenvolvimento das capacidades humanas [...]” (MOURA, 2007, p. 46).

No período compreendido entre, aproximadamente, 6 e 10 anos, o envolvimento

do estudante com os conceitos científicos, promove o surgimento da necessidade de aprender

34

(DAVÍDOV, 1987). Isso ocorre porque “[...] a necessidade da atividade de estudo estimula as

crianças a assimilarem os conhecimentos teóricos [...]” (DAVÍDOV, 1988, p. 178, tradução

nossa).

Ao entrar na escola, de acordo com Davídov (1988, p. 158, tradução nossa), a

criança passa a ter acesso aos “rudimentos das formas mais desenvolvidas da consciência

social, [...] a ciência, a arte, a moral, o direito, os que estão ligados com a consciência e o

pensamento teórico das pessoas”. Para a apropriação dessas produções humanas, que

formarão nelas a consciência social e espiritual, é fundamental que as crianças estejam em

atividade de estudo (DAVÍDOV, 1988). Isso requer que a escola “se organize pela atividade

para que a relação ensino-aprendizagem convirja em desenvolvimento” (LONGAREZI;

FRANCO, 2013a, p. 105).

Porém, a atividade de estudo não surge naturalmente na criança. Sua origem e

desenvolvimento dependem das relações sociais e do lugar que ela ocupa nesse contexto, bem

como dos conteúdos e métodos de ensino. No presente capítulo, apresentamos as tarefas

davydovianas para o ensino do conceito de divisão nos primeiros anos de escolarização, tal

como estão propostas nos livros didáticos. Durante a exposição, revelamos: o conteúdo

contemplado a partir dos fundamentos da Matemática; o método de ensino sugerido nos livros

de orientação ao professor; e os fundamentos da Teoria do Ensino Desenvolvimental. Tal

teoria teve como principal representante Davýdov. Para ele, o papel primordial da escola é

ensinar os estudantes a pensarem teoricamente por meio do ensino (DAVÝDOV, 1982).

Trata-se de um dos desdobramentos da Teoria da Atividade elaborada por Leontiev. A Teoria

do Ensino Desenvolvimental considera que a

relação entre o homem e o mundo objetivo se dá pela atividade, não de forma

mecânica como pura reação, mas de forma ativa: atua sobre o homem e o mundo

objetivo transformando não apenas os objetos, mas também a si próprio, numa dupla

relação de constituição (LONGAREZI; FRANCO, 2013b, p. 82).

Nessa perspectiva teórica, a atividade consiste na transformação, pelo homem, da

realidade na qual faz parte (DAVÍDOV; SLOBÓDCHIKOV, 1991). É, portanto,

transformadora da natureza e das condições de vida do homem, o que dá origem às funções

psíquicas humanas. Por meio dela, ocorre a interiorização “da atividade externa

transformada em atividade interna, [...] mediante a atividade do homem nas suas relações com

outros homens e com a natureza” (LONGAREZI; FRANCO, 2013b, p. 83).

35

Duarte (1996) afirma que o ponto de partida para qualquer ação investigativa é a

prática social. Os conceitos desenvolvidos historicamente manifestam-se objetivamente na

atividade humana, que produz novos conceitos. Eles são objetos produzidos racionalmente,

apropriados nas atividades humanas das gerações precedentes, e que serão transformados

pelas gerações futuras (DUARTE, 2008). Os conceitos, por conseguinte, são reflexos do

material, existem para satisfazer as necessidades humanas e sociais, imediatas ou não. Dessa

forma, é na atividade produtiva e no âmbito escolar de estudo que os indivíduos reproduzem e

socializam os conceitos (DAVÝDOV, 1982). O desenvolvimento do pensamento é, pois,

resultado da atividade social humana e da apropriação da cultura, a qual desenvolve no

homem sua humanização (LONGAREZI; FRANCO, 2013a).

A Matemática, por sua vez, “[...] insere-se no conjunto dos elementos culturais

que precisam ser socializados, de modo a permitir a integração dos sujeitos e possibilitar-lhes

o desenvolvimento pleno como indivíduos [...]” (MOURA, 2007, p. 45). Na acepção desse

autor:

A matemática, como produto das necessidades humanas, insere-se no conjunto dos

elementos culturais que precisam ser socializados, de modo a permitir a integração

dos sujeitos e possibilitar-lhes o desenvolvimento pleno como indivíduos, que, na

posse de instrumentos simbólicos, estão potencializados e capacitados para permitir

o desenvolvimento coletivo (MOURA, 2007, p. 44).

Nessa concepção desenvolvimental, Davýdov elaborou um modo de organização

de ensino. Para tanto, manteve os princípios básicos da Teoria da atividade de Leontiev e de

formação de conceitos de Vigotski, para orientar o processo de generalização, abstração,

formação dos conceitos científicos com vistas à formação do pensamento teórico dos

estudantes.

A Teoria de Ensino Desenvolvimental fundamenta-se no princípio de que o

desenvolvimento intelectual do indivíduo é “um processo que tem uma natureza histórico-

cultural concreta [...]” (DAVÍDOV; MÁRKOVA, 1987, tradução nossa), e que são

determinados pela organização do ensino capaz de transmitir a “experiência social ao

indivíduo” (DAVÍDOV; MÁRKOVA, 1987, p. 180, tradução nossa).

A estrutura da atividade de estudo é composta por tarefas de estudo, referentes aos

conceitos ou sistemas conceituais. Cada tarefa é composta por seis ações de estudo, que são

desenvolvidas por meio de um sistema de tarefas particulares.

A tarefa de estudo, foco da presente investigação, incide naquela relacionada ao

conceito de divisão. Cumpre considerar que o processo de formação do referido conceito não

36

é revelado explicitamente nas tarefas particulares. Para revelá-lo, fez-se necessário reproduzi-

lo, em um processo contínuo e gradativo de superação das manifestações externas de cada

uma delas, no contexto das seis ações de estudo. O conteúdo do conceito é revelado por meio

de ações com teor investigativo, em que o estudante se apropria do movimento conceitual, da

relação essencial do conceito (DAVÝDOV, 1982).

O êxito da tarefa de estudo, suas correspondentes ações e tarefas particulares que

compõem a atividade de estudo depende de uma correta organização do ensino para sua plena

efetivação (DAVÍDOV; SLOBÓDCHIKOV, 1991). A atividade de estudo “é um processo de

resolução de tarefas” (REPKIN, 2014, p. 92), com o intuito de suprir uma necessidade.

Davídov (1988) orienta que, nela, sejam reproduzidas as relações essenciais, universais, dos

conceitos elaborados historicamente, pois são elas que formam, nos estudantes, a capacidade

cognitiva de refletir, analisar e pensar as diferentes situações singulares, abarcadas pelo

sistema conceitual estudado.

Os estudantes reproduzem o lógico histórico de formação do conceito desde o

plano objetal, a partir das grandezas, passa pelas representações gráficas, até atingir o estágio

mais atual de elaboração (SILVEIRA, 2015). Portanto, o conceito não é apresentado em sua

forma pronta, mas é reproduzido pelos estudantes, sob a orientação do professor. O autor

sintetiza seu método de ensino, conforme segue:

Ao iniciar a aprendizagem de qualquer disciplina científica, os estudantes, com a

ajuda do professor, analisam o conteúdo do material didático, separam nele a relação

universal, constatando, simultaneamente, que se manifesta em muitas outras relações

singulares existentes no material dado. Fixando, por meio de signos, a relação

universal, os estudantes realizam a abstração substancial do objeto estudado.

Continuando a análise do material, revelam a vinculação regular desta relação inicial

com suas diferentes manifestações e, assim, obtêm a generalização substancial do

objeto estudado. Logo as crianças utilizam a abstração e a generalização substanciais

para a dedução sucessiva (também com a ajuda do professor) de outras abstrações

mais particulares e para sua união no objeto integral (concreto) estudado. Quando os

estudantes começam a utilizar a abstração e a generalização substanciais como

meios para deduzir e unir outras abstrações, eles convertem as estruturas mentais

iniciais em conceito, que fixa certa ‘célula’ do objeto estudado. Esta célula serve

posteriormente aos estudantes como princípio geral para orientar-se em toda a

diversidade do material fático, que devem assimilar em forma conceitual pela

ascensão do abstrato ao concreto (DAVÍDOV, 1988, p. 175, tradução nossa).

O movimento de formação do conceito matemático, no contexto da tarefa de

estudo, parte da relação entre as grandezas contínuas e discretas. Para cada conceito, há uma

relação diferente entre as grandezas, que lhe dá origem. A partir desta relação geneticamente

inicial, universal, são desenvolvidas diversas tarefas singulares.

As escolas que se dedicarem a formação da atividade de estudo, “[...] poderão

37

exercer uma influência substancial tanto sobre o desenvolvimento psíquico geral das crianças

como sobre o desenvolvimento de suas capacidades especiais” (DAVÍDOV, 1988, p. 9,

tradução nossa). Para tanto, os conceitos não são apresentados prontos, aos estudantes, mas de

modo tal que reproduzem o percurso de formação. O conteúdo do Ensino Desenvolvimental é

o conhecimento teórico e, por meio dele, é que são organizados os métodos de ensino,

expressos nas ações de natureza teórica, inicialmente realizadas na forma de experimento

objetal até atingir o plano mental. Os estudantes são orientados para a participação ativa desse

processo de transformação, de representação da relação essencial do conceito (DAVÍDOV,

1988).

Ainda, sobre o Ensino Desenvolvimental, Davýdov considera três aspectos

decisivos para pensarmos a organização do ensino com base na atividade de estudo:

Em primeiro lugar, a atividade de estudo plena, como atividade principal das

crianças de menor idade, pode ser a base de seu desenvolvimento omnilateral. Em

segundo lugar, as atitudes e hábitos perfeitos de leitura compreensiva e expressiva,

de escrita e cálculo corretos, se formam nas crianças que possuem determinados

conhecimentos teóricos. Em terceiro lugar, a atitude consciente das crianças em

relação ao estudo se apóia em sua necessidade, desejo e capacidade de aprender, os

quais surgem no processo de realização real da atividade de estudo (DAVÍDOV,

1988, p. 171, tradução nossa).

O desenvolvimento omnilateral da criança consiste “em sair dos limites do seu

meio imediato que, no caso, constituiria [...] um obstáculo a uma expressão eventualmente

mais completa da riqueza das suas propriedades e aptidões verdadeiramente humanas”

(LEONTIEV, 1959, p. 184). Tal desenvolvimento depende diretamente do conteúdo e dos

métodos de ensino que orientam a atividade de estudo (DAVÝDOV, 1982), cuja origem

ocorre não da mera contemplação de conhecimentos expostos pelo professor, mas durante o

desenvolvimento da ação investigativa. Esta inicia pela análise das várias características

sensoriais dos movimentos do objeto, com o propósito de revelar sua base essencial teórica

(DAVÍDOV, 1988). Vale alertar que, em Davýdov, o experimento objetal, ponto de partida,

não é o mesmo que empírico. O que define se é empírico ou teórico é o tipo de abstração,

generalização do conceito que ocorre desde o experimento objetal. Se for a partir dos

princípios da lógica formal, será empírico; por outro lado, se for fundamentado na lógica

dialética, será teórico (DAVÝDOV, 1982). Mas o que é a lógica formal? E no que se

diferencia da lógica dialética?

A lógica possibilita a compreensão do movimento de formação de um

conhecimento. Ela é formal se considera que o conhecimento concreto é resultado da

38

percepção imediata do objeto ou conceito e o abstrato consiste na separação dos traços

comuns e similares (KOPNIN, 1960). Tal separação ocorre mediante a comparação. O

conteúdo do conceito consiste, pois, da reunião dos traços de vários objetos comparados.

Entretanto, Davýdov (1982, p. 54, tradução nossa) adverte que “comparar e confrontar objetos

análogos ou representações sobre os mesmos é método necessário, mas insuficiente para a

formação de conceitos”. Este tipo de procedimento de análise desenvolve o conhecimento

empírico, pois neste “a propriedade geral e as propriedades particulares dos objetos são

colocadas em um mesmo plano” (ROSA, 2012, p. 50). Tal conhecimento, desenvolve nos

estudantes um tipo de pensamento correspondente: o empírico, cuja generalização

[...] se baseia na observação e comparação das propriedades externas dos objetos

(caráter visual tradicional), enquanto que a generalização teórica se baseia na ação e

na análise objetal transformadora que estabelece relações essenciais no objeto

íntegro, sua forma genética inicial (universal) (DAVÍDOV, MÁRKOVA, 1987,

tradução nossa).

A generalização empírica volta-se aos aspectos particulares e externos do objeto,

enquanto a generalização teórica parte da relação do geral em direção ao particular. A

formação do pensamento empírico é voltada para “uma relação cotidiana, utilitária para as

coisas e, por isso, é alheio à avaliação e compreensão teóricas da realidade” (DAVÍDOV,

1988, p. 5, tradução nossa). Para o desenvolvimento desse tipo de pensamento, não precisa

necessariamente ir à escola, visto que o conhecimento cotidiano pode ser desenvolvido em

qualquer espaço (DAVÍDOV, 1988).

A lógica dialética ocupa-se dos problemas do movimento cognoscitivo do homem

em direção ao conhecimento verdadeiro. Trata-se de uma ciência filosófica que consiste em

uma “teoria acerca das leis objetivas, universais e necessárias da natureza, da sociedade e todo

o conjunto de conhecimento de que dispõe a humanidade” (DAVÍDOV, 1988, p. 18, tradução

nossa). A apropriação deste conhecimento, desenvolve o correspondente pensamento: o

teórico, que “busca a relação entre as coisas, os objetos no interior de um sistema. Também se

baseia na percepção dos objetos, mas busca neles, mais do que é externo, visível, busca as

relações entre suas propriedades” (PANOSSIAN, 2014, p. 58). Foi a partir dos fundamentos

da lógica dialética que Davýdov elaborou a estrutura da tarefa de estudo para o

desenvolvimento de cada conceito ou sistema conceitual. Para tanto, inicia-se pelo geral, ou

seja, pela relação entre as grandezas (DAVÝDOV, 1982). A terceira tarefa, foco da presente

investigação, corresponde ao sistema conceitual no qual se insere a divisão e multiplicação.

39

Cada tarefa, ou seja, cada sistema conceitual é organizado na forma de seis ações de estudo, já

apresentadas no capítulo anterior:

1. Revelação dos dados que constituirão a relação universal;

2. Modelação da relação universal nas formas objetal, gráfica e literal;

3. Transformação do modelo da relação universal para o estudo de suas

propriedades;

4. Resolução de um sistema de tarefas singulares, a partir da relação universal;

5. Controle da realização das ações;

6. Avaliação da aprendizagem do procedimento universal (DAVÍDOV, 1988, p.

181).

Reafirmamos que as ações são desenvolvidas por meio de tarefas particulares. É

possível encontrar em uma mesma delas elementos de mais de uma ação de estudo. As tarefas

particulares consistem em situações singulares do movimento de formação do conceito

teórico, mediado pela abstração da relação essencial, universal, entre as grandezas (geral).

Durante a sua execução, reproduz-se o processo de desenvolvimento e formação do conceito,

enquanto sistema integral, em nível de concreto ponto de chegada. Somente nesse processo

revela-se a interconexão entre os objetos singulares (DAVÍDOV, 1988).

Portanto, abstrato e concreto “são dois momentos na separação do próprio objeto,

da própria realidade refletida na consciência e, graças a isso, são momentos derivados da

atividade mental” (DAVÝDOV, 1982, p. 340-341, tradução nossa). No processo de formação

do pensamento teórico, o concreto também se constitui em dois momentos: como ponto de

partida, na percepção e na representação sensível do conceito que, no caso da Matemática,

consiste nas relações estabelecidas entre as grandezas e, também, como resultado mental, uma

síntese possível por meio das abstrações realizadas (KOPNIN, 1960). Isso significa que na

essência, o pensamento teórico

se eleva da sensação e da percepção, que dão um conhecimento sensível-concreto do

objeto às determinações abstratas, em que se refletem os aspectos essenciais do

objeto. O conhecimento, sobre as bases das abstrações, volta ao concreto, mas já

como uma síntese de inúmeras determinações, da multiplicidade e diversidade de

aspectos dos objetos (KOPNIN, 1960, p. 320, tradução nossa).

Esse duplo movimento, de redução do concreto ao abstrato e posterior ascensão

ao concreto, é contemplado na proposição davydoviana, conforme apresentamos na

sequência.

Para tanto, organizamos o texto a partir das seis ações de estudo, cada qual

objetivada em uma ou mais tarefas particulares. Estas foram retiradas do livro didático do

40

segundo, terceiro e quarto anos do Ensino Fundamental I, organizado por Davýdov e

colaboradores. Como mencionamos, inicialmente, o conceito de divisão forma, juntamente

com o conceito de multiplicação, um sistema conceitual mais amplo, o qual faz parte da

terceira tarefa de estudos. Isso ocorre porque tais operações são interconectadas, ou seja,

apresentam uma interdependência entre si. Nos livros didáticos davydovianos, ambas são

desenvolvidas simultaneamente. O ponto de partida se dá na multiplicação11, por meio da

constituição das unidades de medidas básicas, intermediárias e o total delas, e se estende para

a divisão. Porém, não de forma isolada, mas articulada, em um processo de constituição

mútua. No entanto, não será possível expressar tal relação de modo integral, em virtude da

delimitação do objeto, com foco no conceito de divisão. Mas importa considerar que, para

Davýdov, as duas operações formam uma unidade.

PRIMEIRA AÇÃO DE ESTUDO: revelação dos dados que constituem a relação universal

A primeira ação consiste na revelação pelos estudantes, com a orientação do

professor, dos dados que constituirão a relação essencial, universal, do conceito. Na

especificidade do conceito de divisão, os dados que compõem a relação universal são:

unidade de medida básica, unidade de medida intermediária e quantidade de vezes que ambas

se repetem. São esses elementos que constituem o foco da análise. Trata-se da transformação

das unidades, durante o experimento objetal. A prática objetal que, historicamente se iniciou

com o trabalho e propiciou o desenvolvimento humano, é reproduzida nessa ação. São

considerados nesse processo “não somente as propriedades externas dos objetos, mas também

as conexões internas que permitem modificar suas propriedades e fazê-los passar de um

estado a outro” (DAVÍDOV, 1988, p. 116, tradução nossa).

Durante a realização da transformação objetal, as significações conceituais da

multiplicação e divisão são reveladas. A partir de uma unidade de medida (básica) derivam

outras (medida intermediária, total de medida básica e total de medidas intermediárias), de

acordo com a ilustração 2, que constituem os dados que compõem a relação universal

(ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2003).

11 Ao leitor interessado em aprofundar seus estudos sobre o conceito de multiplicação, indicamos a leitura das

dissertações de Madeira (2012) e Hobold (2014).

41

Ilustração 2 – Elementos que compõem a relação essencial do conceito de divisão

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

A unidade de medida intermediária constituiu-se, historicamente, a partir da

unidade de medida básica, ou seja, da contagem um a um. No processo histórico e social de

contagem, em um dado momento, fez-se necessário determinar grandes quantidades. Com

isso, o homem tomou consciência de que tal procedimento numérico era insuficiente, não

supria as necessidades que se tornavam cada vez mais complexas. Tendo em vista, as várias

situações sociais que ele vivenciava, era necessário o desenvolvimento de um modo de

contagem que fosse mais eficiente e adequado. Daí surgiu a contagem por agrupamentos, que

no contexto desta dissertação, trata-se da unidade de medida intermediária. Vale dizer que a

invenção dos agrupamentos possibilitou ao homem a criação das diferentes bases numéricas

decimal, quinária, binária, dentre outras (SILVEIRA, 2015).12

A unidade de medida intermediária consiste em agrupamentos formados por

unidades de medida básicas. A complexificação da necessidade humana de medir gerou a

sistematização da medida intermediária, bem como culminou com a padronização do sistema

de medidas, que se tornou universal.

Além disso, a formação do sistema conceitual formado pela multiplicação e

divisão só foi possível com a criação da unidade de medida intermediária (multiplicando e

divisor, respectivamente). Do contrário, o homem ainda estaria realizando a contagem um a

um e, consequentemente, não teria atingido o alto nível de elaboração conceitual e os avanços

científicos alcançados até nossos dias.

Essa primeira ação expressa a necessidade de realizar a contagem das medidas de

forma mais rápida, o que gera a necessidade da formação da unidade de medida intermediária.

Esta e os outros elementos da relação essencial do conceito de divisão se apresentam no

12 Ao leitor interessado em aprofundar seus estudos sobre o conceito de Sistema de Numeração proposto por

Davýdov, indicamos a leitura da dissertação de Silveira (2015).

42

âmbito da conexão universal de todos os conceitos matemáticos escolares, isto é, a partir da

relação entre grandezas (DAVÍDOV, 1987). Durante o experimento objetal estabelecem-se

relações de comprimento com comprimento, área com área, volume com volume, entre

outras. Nesse momento inicial, decorre o concreto ponto de partida, revestido de elementos

sensíveis, conteúdos iniciais que, por meio de sucessivas abstrações (gráfica e literal),

atingirão o concreto ponto de chegada (DAVÍDOV, 1988).

Nesse estágio inicial, encontram-se todos os atributos observáveis da realidade. O

papel da análise é explicar a relação interna que possibilita tal aparência externa. Davídov

(1988, p. 116, tradução nossa) ressalta que não é possível “revelar estas relações enquanto não

se realize a transformação prática dos objetos nem sem ela, já que somente nesse processo tais

relações se revelam”. Para tanto, o estudante exerce uma função semelhante à do cientista,

pela ação investigativa, o que possibilita a superação do pensamento imediato da realidade

por um do tipo eminentemente teórico (DAVÝDOV, 1982).

Segundo Leontiev (1959), nesse estágio da cognição é importante que se tome

consciência das interações objetivas. De acordo com o referido autor (1959, p. 200):

[...] se se quer construir na criança uma nova ação intelectual, [...], é preciso

apresentar-lhe inicialmente como uma ação exterior, é preciso exteriorizá-la. A ação

interior, constitui-se, portanto, primeiro, sob a forma de uma ação exterior

desenvolvida. Posteriormente, após uma transformação progressiva – generalização,

redução específica dos seus encadeamentos, modificação do nível em que se efetua –

ela interioriza-se, isto é transforma-se em ação interior, desenrolando-se

inteiramente no espírito da criança.

A revelação das interações objetivas, da relação essencial, ocorre pela “separação

e fixação somente das condições decisivas, verdadeiramente indispensáveis de reprodução de

uma e outra forma de movimento dos objetos” (DAVÍDOV, 1988, p. 116, tradução nossa).

Tal movimento decorre como já dito, da relação entre as unidades de medida básica,

intermediária e o total de ambas, modelada de início na forma objetal, depois gráfica e, por

fim, literal. Na primeira tarefa (tarefa 1), apresentamos a transformação dos dados que irão

compor a relação universal do conceito.

TAREFA 1: transformação dos dados: unidade básica, intermediária e o total de ambas

O professor apresenta dois recipientes de mesma forma e tamanho, um com

líquido (volume K) e outro vazio (Ilustração 3). Eles estão sobre duas mesas, distantes uma da

43

outra. A tarefa consiste em transferir o líquido de um recipiente ao outro, sem retirá-los do

lugar (ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2009).

Ilustração 3 – 1ª tarefa, transferência de líquidos

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2012).

Dada a condição da tarefa, de permanência dos recipientes no local de origem,

será necessário um terceiro recipiente para efetuar a transferência do líquido. O professor

propõe um recipiente relativamente pequeno (recipiente com volume A). Inicia-se a

transferência, bem como a problematização sobre o quão trabalhoso e demorado será o

processo de transferência. Os estudantes são orientados para a necessidade de se utilizar outro

recipiente (volume C), conforme a ilustração 4:

Ilustração 4 – 1ª tarefa, unidade de medida básica e unidade de medida intermediária

(volumes A e C)

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2012).

O recipiente de volume A denomina-se unidade de medida básica e o de volume

C, unidade de medida intermediária. Estes recipientes são de mesma forma que aqueles

apresentados inicialmente na tarefa, porém menores e com volumes diferentes um do outro

(ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2009).

A necessidade de realizar a transferência do líquido de modo mais rápido, instiga

os estudantes a refletirem sobre qual dos dois recipientes propiciará uma maior agilidade ao

44

processo. Davídov e Slobódchikov (1991) ponderam que, sem a formação de uma

necessidade, não é possível que os estudantes entrem em atividade de estudo. A tarefa revela

uma necessidade e a possibilidade de supri-la. O professor orienta para a seguinte conclusão:

para uma transferência mais rápida, é necessário realizar a medição por meio da unidade de

medida intermediária. Essa terminologia está relacionada ao seu tamanho médio se

comparada a menor (básica) e a maior (volume total de líquido a ser transferido).

No entanto, qual o valor da medida intermediária? Essa questão é levantada para

que as crianças reflitam sobre a transformação da unidade de medida que antes era a básica e,

a partir de agora, passa ser a intermediária. A sugestão é que se determine o seu valor a partir

daquela dada inicialmente. Constata-se que a unidade de medida intermediária corresponde a

quatro vezes a unidade de medida básica (Ilustração 5).

Ilustração 5 – 1ª tarefa, relação quantitativa entre unidade de medida básica e intermediária

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2012).

Portanto, os dados revelados são: quantidade do volume menor (unidade de

medida básica); do intermediário (unidade de medida intermediária); e do maior (total de

medidas básicas e intermediárias). Esses valores são desconhecidos e não estão

explicitamente na tarefa. O seu cálculo requer determinada relação entre os dados. Mas este

não é o foco da primeira ação, pois centra-se na revelação dos dados e a transformação: a

unidade de medida que, inicialmente era básica, passou a ser intermediária e a quantidade de

vezes que ambas se repetem na medição. Estes dados compõem a relação universal do

conceito de divisão. O foco, aqui, não é a determinação do total, mas da transferência de

líquido. Ele surgirá após a revelação e modelação da relação essencial, na segunda ação de

estudo. A relação objetal que se estabeleceu na presente ação, entre as unidades de medida,

possibilita a resolução da tarefa no plano teórico.

Trata-se da gênese do conceito científico de divisão, em interconexão com o de

multiplicação a partir das transformações dos dados realizados no plano objetal, mas que

45

refletem as relações internas. Vale dizer que a necessidade gerada na tarefa, de utilizar uma

unidade de medida maior que a unidade de medida básica, é válida não somente para a

divisão, mas também para a multiplicação. Ao considerar que a operação de divisão é inversa

à multiplicação e que a unidade de medida intermediária é, respectivamente, divisor e

multiplicando, na divisão e na multiplicação, a necessidade de contar as medidas por

agrupamentos é válida para as duas operações. E que necessidade é essa? De contar as

medidas de forma mais rápida: de três em três, de quatro em quatro e, assim, por diante. Disso

decorre que, se não houver a unidade de medida intermediária a contagem será um a um. A

sua transformação para a forma de agrupamento foi um importante salto no pensamento

humano.

O pensamento resultante dessa transformação supera os “limites das

representações sensoriais” (DAVÍDOV; MÁRKOVA, 1987, p. 179, tradução nossa). Na

tarefa, o conceito de divisão emerge por meio de uma situação desencadeadora que coloca os

estudantes em ação investigativa. O conceito de divisão não é apresentado por meio de

definições prontas, mas é revelado durante a realização das tarefas. Deste modo, as

significações conceituais produzidas historicamente são reproduzidas pelos estudantes com a

orientação do professor (CRESTANI, 2013).

De posse dos dados da tarefa, que emergiram durante o experimento objetal de

transferência de líquidos, a próxima etapa, segunda ação de estudo, consiste na revelação e

modelação da relação universal para o conceito em referência, neste caso, o de divisão.

Na segunda ação de estudo, a relação entre os dados, correspondente ao conceito

de divisão, será modelada e abstraída por meio de um sistema de símbolos, tais como a reta

numérica, esquema de setas e letras. Estes constituem os elementos mediadores entre a ação

objetal e a mental.

SEGUNDA AÇÃO DE ESTUDO: modelação da relação universal na forma objetal,

gráfica e literal.

A modelação da relação universal na forma objetal, gráfica e literal ocorre na

segunda ação de estudo. Aqui se revela a articulação entre os dados levantados na primeira

ação, concernente ao conceito de divisão. Trata-se da relação geneticamente inicial, essencial,

universal, do conceito em referência, modelada nas formas objetal, gráfica e literal. “O caráter

externo é o ponto de partida, mas é superado por abstrações e generalizações teóricas [...]”

(HOBOLD, 2014, p. 182).

46

São diferentes representações da relação universal: inicialmente, na forma objetal,

enquanto concreto sensorial, ponto de partida; posteriormente, nas formas gráfica e literal,

como objetivação idealizada, abstração (Ilustração 6). É o movimento de redução do concreto

ao abstrato até a terceira ação de estudo. Em seguida, na quarta ação, a partir do abstrato, esse

movimento ascende ao concreto novamente. É a fase das aplicações da relação universal nas

diferentes situações que se fizerem necessárias. A passagem do experimento objetal para o

gráfico e, deste, para o literal possibilita analisar a origem e desenvolvimento do objeto.

Ilustração 6 – Modelo objetal, gráfico e literal

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

Esse conjunto de abstrações sucessivas (objetal, gráfica e literal) compõe a

abstração substancial. A abstração literal possibilita a generalização algébrica, substancial,

pois “fixa as características internas do objeto, não observáveis de maneira direta”

(DAVÍDOV, 1988, p. 183, tradução nossa).

O pensamento desenvolvido, a partir desse movimento de abstração e

generalização, é denominado, por Davýdov (1982), de teórico. Está internamente conectado

com a realidade imediata, a partir do modelo objetal. A modelação literal é expressão da

reprodução, em nível teórico, da realidade objetiva (DAVÝDOV, 1982). O elo entre a

representação das duas modelações consiste na representação da modelação gráfica.

Contudo, é importante destacar que nem toda representação pode ser considerada

modelo. Somente aquela referente à relação geneticamente inicial, essencial, universal

(DAVÍDOV; SLOBÓDCHIKOV, 1991). Davýdov (1982) recorre a Shtoff (1966, p. 19) para

47

fundamentar sua proposição sobre modelo. Segundo Shtoff (apud DAVÝDOV, 1982, p. 313),

o modelo consiste em “um sistema concebido mentalmente ou realizado em forma material”,

que, ao refletir ou reproduzir a relação essencial do conceito, pode substituí-lo, propiciando a

aquisição de informação nova sobre ele. De acordo com o autor, os modelos podem ser

objetais e mentais. As correspondentes transformações podem dar-se no plano objetal e

mental, respectivamente. Ambos referem-se ao conhecimento teórico. São, pois, “fruto de

uma complexa atividade cognoscitiva, que inclui, sobretudo, a elaboração mental do material

sensório inicial” (DAVÝDOV, 1982, p. 315, tradução nossa).

Os modelos gráficos estão indissoluvelmente ligados à compreensão teórica de

sua estrutura. Expressam a unidade entre o modelo objetal e o literal. A modelação realizada a

partir de sucessivas abstrações oportuniza a reprodução da regularidade, da “lei que rege o vir

a ser desse todo” (DAVÝDOV, 1982, p. 354, tradução nossa). Em outras palavras, o processo

de modelação da relação universal, ao atingir sua máxima abstração (literal) possibilita, na

quarta ação de estudo, a reprodução de todas as situações singulares que tenham como origem

a relação geneticamente inicial em questão.

Os modelos são uma forma peculiar de abstração, na qual as relações essenciais do

objeto estão fixadas em ligações e relações visualmente perceptíveis e representadas

de elementos objetais ou semióticos. Trata-se de uma peculiar unidade do singular e

do universal, na qual em primeiro plano se apresenta o universal, o essencial

(DAVÍDOV, 1988, p. 134, tradução nossa).

A modelação, as três formas de representações da relação universal, é o meio de

abstração e idealização da relação essencial do conceito: é meio de transferência ao plano

mental (DAVÝDOV, 1982). O modelo constitui “um elo internamente imprescindível no

processo de aprendizagem dos conhecimentos teóricos e dos procedimentos universais de

ação” (DAVÍDOV, 1988, p. 182, tradução nossa).

Em síntese, no Ensino Desenvolvimental, os elementos que constituem a relação

universal são introduzidos na primeira ação. Na segunda, tal relação é modelada, portanto,

ocorre nas primeiras ações, isso porque o modelo serve de instrumento para análise das

propriedades do conceito (terceira ação) e a orientação pela relação universal na solução de

tarefas singulares (quarta ação). Assim, o movimento se dá do universal ao singular

(STERNIN, 1960). Porém, vale reafirmar que a revelação da relação universal ocorre durante

o experimento objetal, conforme se evidencia na tarefa 2.

48

TAREFA 2: modelação da relação essencial nas formas objetal e gráfica

TAREFA 2(a): A tarefa é composta por três itens. No primeiro, são dispostos M objetos em

colunas compostas por três deles cada (Ilustração 7). Como saber quantas colunas há ao todo?

(ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2003).

Ilustração 7 – 2ª tarefa, figura parcialmente oculta e esquema de setas

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2009).

A ilustração indica que os estudantes completarão o esquema e indicarão a

operação aritmética a ser utilizada para a determinação do resultado, ou seja, a quantidade de

colunas ao todo. Em seguida, o professor explica que, para determinar o total, é necessário

contar de 3 em 3, pois a medida intermediária adotada consiste em três unidades de medidas

básicas. Os estudantes registram os dados extraídos da análise da figura (representação

objetal) e do próprio enunciado no esquema, que constitui a representação gráfica (Ilustração

7). Cada seta do esquema representa uma medida: a seta horizontal representa o total de

unidades básicas que, neste caso, será representado por M. Ao lado da seta inclinada à

esquerda é inserido o número representativo da medida intermediária, 3 (Ilustração 8). E ao

lado da seta inclinada à direita, completa-se com o valor correspondente à quantidade de

medidas intermediárias que compõe o todo. Cada valor no esquema consiste na representação

dos elementos que constituem as operações de multiplicação e divisão. O total de unidades

básicas é, simultaneamente, produto e dividendo. A medida intermediária é o primeiro fator,

na multiplicação, e divisor, na divisão. O terceiro elemento consiste no segundo fator da

multiplicação e o quociente, da divisão.

Ilustração 8 – 2ª tarefa, figura parcialmente oculta e dados no esquema de setas

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2009).

49

Constata-se, a partir da análise do esquema (Ilustração 8), que o valor

desconhecido consiste na quantidade de colunas. A determinação da quantidade de vezes que

a unidade de medida intermediária (divisor) cabe no todo (dividendo) é possível por meio do

conceito de divisão, cuja expressão representativa, neste caso, é: M ÷ 3 = ?

TAREFA 2(b): O professor atribui um valor para M (M = 21) e sugere um novo registro,

tanto no esquema quanto na operação aritmética (Ilustração 9).

Ilustração 9 – 2ª tarefa, figura parcialmente oculta e esquema correspondente para M = 21

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

A questão norteadora refere-se à quantidade de colunas que compõe a figura

parcialmente oculta. Em outras palavras: quantas vezes a unidade de medida intermediária

(composta por três unidades básicas) cabe no todo (21 unidades básicas)? Ou,

matematicamente: 21 ÷ 3 =___. A resolução ocorre na reta numérica (Ilustração 10), contexto

geométrico, que possibilita a determinação de quantas medidas intermediárias cabe no total de

medidas básicas. Tal como o esquema, a reta numérica reproduz teoricamente a representação

da relação essencial do conceito de divisão.

Ilustração 10 - 2ª tarefa, resolução de 21 ÷ 3 =___ na reta numérica

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

50

Na reta numérica (Ilustração 10), são formados agrupamentos compostos por três

unidades cada (unidade intermediária), representados pelos arcos. Conclui-se que nas 21

unidades básicas, foram formados sete agrupamentos.

Isso ocorre porque a operação referente ao conceito de divisão permite determinar

a quantidade de medidas intermediárias (divisor) que cabe no total de unidades básicas

(dividendo). Costa (1866, p. 43) afirma que “o dividendo é sempre igual ao produto do divisor

pelo quociente”. E completa: “multiplicar dois números inteiros é repetir um tantas vezes

quantas as unidades do outro [...], logo, a divisão de dois números inteiros tem por objeto

achar quantas vezes o dividendo contém o divisor” (COSTA, 1866, p. 43).

Ao analisar a representação objetal (Ilustração 7), importa refletir sobre o modo

que ela é apresentada aos estudantes em comparação com a escola, denominada por Davýdov

de tradicional. Na tarefa, os objetos não são apresentados diretamente, são apenas

parcialmente visualizados. Em seguida, o valor do dividendo é representado por uma letra

(M). Essa condição gera a necessidade de reflexão sobre como atingir a representação total.

Trata-se da ação investigativa. A relação essencial do conceito, depois de revelada, é

gradativamente elevada ao plano mental. Mas antes, é necessário atuar no plano objetal, uma

vez que este consiste no “reflexo da realidade objetiva nas formas da atividade subjetiva do

homem social (em suas imagens internas, móveis e metas), que reproduz esse mundo

objetivo” (DAVÝDOV, 1982, p. 286, tradução nossa).

Para Davídov (1987), a escola tradicional é aquela que desenvolve o pensamento

empírico dos estudantes. Tem como orientação o desenvolvimento, nos estudantes, de

habilidades e conhecimentos utilitário-empíricos com base em alguns princípios. Um deles é o

princípio do caráter consciente. Neste, o ponto de partida está dado diretamente aos órgãos

dos sentidos por meio de imagens ou a própria situação representada. O foco da análise incide

nos traços externos, por isso há uma relação direta entre a imagem e a abstração verbal, entre

a imagem real e a ideal.

Os estudantes não participam da reprodução da relação essencial do conceito, já as

recebem pronta. Não são colocados em ação investigativa, uma vez que a imagem apresenta-

se prontamente. Basta que a visualize para comparar, classificar e chegar a uma definição sem

que, para isso, se realizem as interações e relações entre os elementos que constituem o

conceito.

Contrapondo-se a isso, Davídov (1987) apresenta o princípio da atividade, no qual

as ações que possibilitam a reprodução da relação essencial do conceito, em seu estágio atual,

são desenvolvidas. Trata-se da unidade entre os planos objetal e mental mediados por um

51

sistema de símbolos. Tal metodologia reproduz o movimento de formação do conceito, o

caminho que os pesquisadores percorreram desde a sua origem, mas sem repetir as etapas

primitivas do mesmo. Ou seja, desde o experimento objetal, o foco são os elementos que

constituem a relação essencial do conceito em seu estágio atual. Esse processo consiste na

reprodução da atividade humana, no âmbito da atividade de estudo para que o sujeito participe

“ativamente do conhecimento produzido historicamente” (MOURA; SFORNI; ARAÚJO,

2011, p. 50).

A “ciência contemporânea se baseia fundamentalmente não na observação, mas

no experimento, e este é [...] um método de atividade intrinsecamente relacionada com o

trabalho produtivo” (DAVÝDOV, 1982, p. 311, tradução nossa). Por conseguinte, na

formação do pensamento teórico, o indivíduo é colocado em atividade investigativa

diferentemente da atividade contemplativa e naturalista, de caráter empírico (DAVÝDOV,

1982).

Desse modo, a origem do conceito de divisão, em Davýdov, ocorre no

procedimento de reprodução da relação essencial, universal, composta pelas unidades básicas

e intermediárias e o total de ambas. Inicialmente, tal como ocorreu historicamente, essa

reprodução acontece por meio do experimento objetal, mas em nível teórico, pela da análise

dos dados que constituem a relação essencial do conceito. Além disso, não permanece no

plano objetal, pois este não dá conta de elevar ao mental a relação essencial. Se assim fosse,

desenvolveríamos apenas o conhecimento empírico no qual há uma relação direta entre o

plano objetal e o mental. Há, pois, elementos mediadores que possibilitam abstrações teóricas

e a passagem do plano objetal ao mental, tal como a reta numérica e o esquema de setas.

A representação objetal da relação entre grandezas (volume com volume,

comprimento com comprimento, ...), geradora do conceito de divisão, gradativamente é

reproduzida na reta e no esquema. Cada representação objetal é válida para uma grandeza

específica. A reta e o esquema, por sua vez, expressam de modo mais amplo a interconexão

válida para qualquer grandeza, na qual se revela a essência do conceito de divisão. Ou seja, a

relação entre grandezas particulares, com medidas singulares, é substituída pela relação válida

para qualquer grandeza, na reta numérica e no esquema, portanto, universal.

A passagem da modelação objetal para a modelação gráfica (reta e esquema)

representa uma importante etapa do processo de abstração da relação essencial do conceito.

Após a realização dessas duas modelações, Davýdov propõe a literal. Este sistema de

modelação que se inicia no plano objetal, depois, por meio de abstrações sucessivas, ocorre na

52

reta, no esquema e, finalmente, algebricamente, possibilita a reprodução da relação universal

no plano mental (ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2003).

Nesse movimento, alguns elementos são extintos e dão lugar a outros. O que

permanece é apenas o essencial. Nesse sentido, concordamos com Martins (2011) quando diz

que transformar é conferir outra forma, por superação, dos limites da anterior. Daí, podemos

inferir que a relação universal é aquela que, mesmo diante das transformações constantes (de

objetal para gráfica e de gráfica para literal), mantém sua propriedade essencial, estável, em

todas as fases do processo de transmutação (DAVÝDOV, 1982).

Davídov (1988, p. 135, tradução nossa) lembra que a “ação prática, sendo

sensório-objetal, reúne em si elementos de um conteúdo contraposto por suas

particularidades: o externo e o interno, o existente e o mediatizado, o singular e o universal”,

que se encontra em unidade entre si. A ação prática não é isolada, ela está em unidade com a

ação mental, pois aquela se manifesta e se transforma por meio das abstrações que ocorrem no

nível mental. Tal movimento decorre da inter-relação entre as grandezas a partir das

significações aritméticas, geométricas e algébricas.

De outro modo, no processo de formação do pensamento empírico, o movimento

ocorre diretamente do plano objetal para a representação mental. Na formação do

conhecimento empírico, a essência incide sobre a observação direta do objeto, que reflete

apenas suas propriedades externas que, em um processo de comparação e classificação,

atingem o conceito, pela análise das representações visuais (DAVÍDOV; MÁRKOVA, 1987).

Sem a presença de elementos mediadores entre os planos objetal e mental, trata-se de uma

ligação direta. Ou seja, não se contempla a modelação por meio de símbolos cujos “[...]

efeitos repercutem na memória, na atenção, na percepção, no pensamento e na vontade. [...] o

desenvolvimento psicológico e cultural da criança é fortemente afetado” por estas operações e

pelas interações sociais (PRESTES; TUNES; NASCIMENTO, 2013, p. 60).

Há uma diferença substancial entre conceito empírico e teórico no que diz respeito

à abstração. No teórico, se reproduz a essência do conceito, sua conexão geneticamente

inicial, por meio da transformação do objeto que “reflete suas relações e enlaces internos.

Durante a reprodução do objeto em forma de conhecimento teórico, o pensamento sai dos

limites das representações sensoriais” (DAVÍDOV; MÁRKOVA, 1987, p. 179, tradução

nossa). O empírico classifica e separa por meio da comparação as propriedades externas do

objeto e sua representação (DAVÍDOV, 1988).

Logo, a essência do objeto, no pensamento empírico, revela-se a partir da

percepção imediata, sem uma análise das propriedades internas, nos limites das características

53

externas sensorialmente perceptíveis. O movimento ocorre diretamente da percepção para a

representação geral (imagem mental elaborada a partir da observação sensorial). Não há

explicações sobre o movimento interno de constituição do conceito. Nessa concepção, a

gênese interna do conceito não é considerada assim como também suas transformações

mútuas (DAVÝDOV, 1982).

Vale salientar a importância de compreender a gênese teórica do conceito, seu

processo de formação, pois ela permite a compreensão dialética não como algo pronto e

acabado, mas em movimento constante de transformação. É importante frisar que os conceitos

foram produzidos pela humanidade ao longo da história. Na proposição davydoviana, estes

são reproduzidos ativamente pelo estudante, em suas formas mais elaboradas, como síntese da

produção social humana. O caráter ativo desse processo “constitui a condição essencial”

(DAVÍDOV; MÁRKOVA, 1987, p. 189, tradução nossa) para o surgimento de novas

estruturas de formação no desenvolvimento intelectual dos estudantes desde os primeiros anos

de escolarização.

Segundo Davýdov (1982), a essência de um objeto está na sua origem e

construção, instigadas por uma necessidade. Em relação ao conceito de divisão, cabe

questionar qual a causa histórica que originou a necessidade de dividir? Sabe-se que foi para

definir quantas vezes uma determinada medida (de mesma grandeza) cabe em outra. Mas com

qual finalidade?

Caraça (2002) afirma que na vida diária há, frequentemente, a necessidade de

medir e contar. Desde os primórdios, quando o homem passou a viver em sociedade, surgiram

necessidades de medição das terras para determinar a quantidade de sementes a serem

plantadas, para definir o valor da medida da área de terras a serem vendidas ou compradas e

para efetuar o pagamento de impostos. O ato de medir se faz pela relação entre grandezas:

comprimento com comprimento, área com área, volume com volume, etc.

Ao realizar a relação entre duas grandezas, de acordo com Caraça (2002),

perguntamos quantas vezes uma delas cabe em outra. No entanto, a resposta que obtemos é

insuficiente para suprir a necessidade que a vida social nos impõe. Faz-se necessária a

utilização de unidades de medidas de grandeza padronizadas e, também, de um valor

numérico que expresse o resultado. No entender de Caraça (2002, p. 30), há, “portanto, no

problema da medida, três fases e três aspectos distintos – escolha da unidade; comparação

com a unidade; expressão do resultado dessa comparação por um número”.

A origem do conceito de divisão, por sua vez, resulta da relação entre grandezas,

na qual se quer determinar quantas vezes o divisor cabe no dividendo. O resultado dessa

54

relação é o quociente, cuja expressão é dada aritmeticamente. Eis aqui a apresentação da

essência do conceito de divisão, da relação universal. Como esclarece Davýdov (1982, p. 301,

tradução nossa), a “operação de construir e transformar o objeto mental equivale ao ato de

compreender, explicá-lo e revelar sua essência”. Trata-se do procedimento que pode ser

utilizado para a realização de qualquer operação de divisão, serve de base orientadora da ação

(GALPERIN; ZAPORÓZHETS; ELKONIN, 1987), independentemente dos valores

atribuídos e das grandezas consideradas, conforme demonstrado no segundo item da tarefa em

análise.

Tarefa 2(c): O professor propõe aos estudantes, como base no item anterior, que determinem

a quantidade de colunas, considerando M = 17. Os estudantes completam no esquema os

dados da tarefa: 17 unidades de medidas básicas (dividendo), distribuídas em colunas

compostas por três unidades básicas (divisor), como mostra a ilustração 11 (ГОРБОВ;

МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2003).

Ilustração 11 - 2ª tarefa, representação gráfica (esquema)

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

É importante ressaltar que, independentemente dos valores considerados, a relação

é a mesma, por isso, universal. No primeiro item da tarefa, o dividendo era M, no segundo, 21

e, neste último, 17. Vale dizer que, durante a realização das tarefas particulares, foi

introduzido o esquema de setas (Ilustração 11). Este é o modelo gráfico, contexto da relação

universal, portanto válido para subsidiar a interpretação de qualquer tarefa ou situação

singular, pertencente ao sistema conceitual de multiplicação e divisão. O esquema,

representação geométrica da relação genética do conceito de divisão, o modelo gráfico, opera

como instrumento para captar a essência, a qual possibilita a representação ideal no plano

mental, dispensando, nesse estágio, o modelo objetal. O esquema representa a operação 17 ÷

3, que será resolvida com auxílio da reta numérica, afim de determinar a quantidade de vezes

que a medida intermediária cabe no total de unidades de medida básica. No entanto, a

55

presente situação apresenta um elemento novo: a introdução da operacionalização da divisão

com resto.

Na reta numérica (Ilustração 12), o todo é formado por 17 unidades de medidas

básicas (arco tracejado) e a medida intermediária (divisor), composta por três unidades

básicas, será agrupada em arcos (ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2003).

Ilustração 12 - 2ª tarefa, representação gráfica (reta numérica)

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

A ilustração 12, evidencia que a unidade de medida intermediária cabe inteira,

cinco vezes no total de unidades de medida básica e restam duas unidades sem serem

agrupadas. A resolução, na reta numérica, propicia a identificação que o resto na divisão

“deve ser menor que o divisor” (COSTA, 1866, p. 43), visto que se fosse igual ou maior que a

medida intermediária seria possível formar mais agrupamentos. Os colaboradores de Davýdov

(ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2003) sugerem que o professor explique que, em

divisões com resto, deve-se colocar a quantidade de medidas intermediárias que cabem na

grandeza e, ao lado, entre parênteses, a quantidade de medidas básicas restantes: 17 ÷ 3 = 5

(resto 2). Isso se explicita na representação gráfica (reta e esquema) da operação (Ilustração

13):

Ilustração 13 - 2ª tarefa, representação gráfica (esquema)

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

56

A divisão com resto é denominada de divisão não exata ou inexata. “Em qualquer

divisão inexata o dividendo é igual ao produto do divisor pelo quociente, mais o resto”

(COSTA, 1866, p. 43). Após a realização da divisão, o professor completa no quadro13: 17 =

(3 x 5) + 2. Também enfatiza que a medida intermediária pode não caber exatamente o

número inteiro de vezes no total de medidas básicas. Nesse caso, determina-se o total que

couber inteiro. Além disso, anuncia que o aprofundamento da operação de divisão com resto

será desenvolvido nos próximos anos. Nesse momento, apenas realizar-se-á esse tipo de

divisão com resto, para determinar o número de medidas intermediárias que cabem na

grandeza a ser medida (total de unidades básicas). Em seguida, mediremos a quantidade de

unidades de medidas básicas restantes, que denomina-se resto (ГОРБОВ; МИКУЛИНА;

САВЕЛЬЕВА, 2003).

Para finalizar, o professor elabora, com os estudantes, uma síntese no quadro do

movimento realizado a partir do experimento objetal (Ilustração 14).

Ilustração 14 – 2ª tarefa, representação gráfica (esquema e reta)

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2009).

O professor explica aos estudantes (Ilustração 14), que o resultado da operação 22

÷ 5 = 4 (resto 2), assim como de outras, não é exclusividade da mesma. Ocorrem resultados

semelhantes para operações diferentes, como, por exemplo, 26 ÷ 6 = 4 (resto 2). É importante

ressaltar a importância da relação do conceito de divisão com seu inverso, independentemente

de ser exata ou com resto (ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2003).

13 Essas relações foram desenvolvidas nas tarefas anteriores, no contexto da multiplicação. Para conhecê-las,

sugerimos a leitura de Hobold (2014).

57

A ilustração 14 apresenta a operação de divisão e de multiplicação representados

aritmética e geometricamente (esquema e reta), que na reta numérica, possuem a mesma

relação interna, indicadora de que são operações inversas14 entre si. O esquema e a reta

numérica expressam a unidade dos contrários entre as operações. Na reta numérica, por

exemplo, elas apresentam a mesma relação interna, podendo, inclusive, estabelecer

movimentos inversos, orientados pelos arcos. Isso porque, na multiplicação, temos as partes e

queremos determinar o todo, o que necessita, da adoção do zero como ponto de partida. Na

divisão, conhecemos o todo e uma das partes, que propiciam a adoção do todo como ponto de

partida, com movimento em direção ao zero. Em ambas, a relação interna mantém-se

inalterada. Tal movimento, revelador da unidade dos contrários, também caracteriza as

operações fundamentais da Matemática e suas respectivas inversas como, também, no

confronto entre as unidades contínuas e discretas. Segundo Caraça (2002, p. 65), “há um

princípio universal de luta, de tensão de contrários, que a todo o momento rompe o equilíbrio

para criar um equilíbrio novo”.

Nas tarefas particulares, permanece a unidade entre as grandezas contínuas e

discretas. As representações da relação essencial do conceito se expressam na grandeza

contínua, reta numérica, como também na grandeza discreta expressa em figuras ou no

próprio esquema.

Vale dizer que a passagem do modelo objetal para o literal (algébrico) é mediado

pela modelação gráfica (reta numérica e esquemas). Isso ocorre porque, segundo Davýdov

(1982), existem meios específicos para se representar um objeto de conhecimento, tanto no

plano material quanto mental. Atingir a representação, no plano mental, da relação essencial

por meio de símbolos significa reproduzir teoricamente o objeto de estudo (DAVÝDOV,

1982). Como apresentamos na próxima tarefa.

TAREFA 3: início da modelação literal

O professor sugere que os estudantes estabeleçam relações entre o desenho e o

esquema apresentados na ilustração 15 (ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2003).

14 Ao leitor interessado no estudo da relação de inversibilidade entre multiplicação e divisão, sugerimos a leitura

de Rosa, Damazio e Crestani (2013).

58

Ilustração 15 – 3ª tarefa, esquema abstrato

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2009).

O professor orienta as reflexões em direção à seguinte síntese (ГОРБОВ;

МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2003): as representações (Ilustração 15), ainda que

aparentemente diferentes, são constituídas pelos mesmos elementos, C é a medida

intermediária (divisor), m é a quantidade de vezes que C se repete (quociente) e A é o total de

unidades básicas (dividendo). As representações indicam que A corresponde m vezes de C.

Em outras palavras, o inteiro (A) é composto de m partes iguais C ou o inteiro (A) é dividido

em m partes iguais C. A medida C cabe na grandeza A m vezes.

Trata-se de uma tarefa que sintetiza o movimento de modelação realizado até o

momento, porém na forma literal que, de acordo com Davýdov (1982), possibilita o

desenvolvimento do pensamento teórico. Essa etapa é relevante, uma vez que os símbolos que

representam o objeto em sua forma universal são produtos da atividade humana. Quando o

indivíduo faz uso de símbolos, a fim de atingir a essência de algo, para ele constitui-se uma

idealização do caminho percorrido pelo objeto ao longo da história, construído por muitos

povos, produzido e reproduzido por inúmeras civilizações (DAVÝDOV, 1982). A forma que

o objeto adquire é de uma síntese dos esforços acumulados por muitos homens. Ou seja, o

indivíduo reproduz idealmente a síntese das produções historicamente constituídas do objeto

(DUARTE, 2001).

No entanto, faz-se necessário enfatizar que, a dicotomização entre pensamento

empírico e teórico, é decorrente das contradições sociais vigentes. A constituição das

produções históricas conduziu ao desenvolvimento do trabalho (DAVÝDOV, 1982). No

entanto, os homens, em sua maioria, por motivos de ordem socioeconômica, não puderam

acompanhar tal desenvolvimento, resultando em uma divisão desigual do trabalho. De um

lado, estava uma minoria, que desenvolvia atividade de caráter teórico e, de outro, a maioria,

desenvolvia trabalhos braçais (DAVÝDOV, 1982). Em decorrência, esses últimos são

orientados para o desenvolvimento de um tipo de pensamento elementar, voltado para o

mercado de trabalho. “Este tipo de orientação no ser efetivo externo se converteu na base do

59

pensamento empírico da massa de trabalhadores-executantes das operações laborais e sociais”

(DAVÝDOV, 1982, p. 317, tradução nossa).

Todavia, o conhecimento científico-teórico, como uma herança da humanidade,

segundo os pressupostos da Teoria do Ensino Desenvolvimental, deve ser acessível a todos

desde os primeiros anos escolares. É condição que, o conceito de divisão, assim como os

demais, enquanto síntese da produção social humana, seja ensinado nas escolas, em suas

formas mais elaboradas, no nível teórico mais avançado, por meio da interconexão entre o

geral, universal, particular e singular. O singular refere-se às diferentes situações-problema. O

geral para todos os conceitos matemáticos consiste nas relações entre grandezas, desprovida

de seu valor aritmético e o particular, a unidade de medida intermediária, conforme contempla

a tarefa a seguir:

TAREFA 4: modelação gráfica e literal

a) A tarefa consiste na representação, no esquema de setas, dos dados apresentados na

ilustração 16 (ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2003):

Ilustração 16 - 4ª tarefa, representação gráfica

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2009).

Na tarefa (Ilustração 16), consta o valor da unidade de medida intermediária,

divisor (6 kg) e a quantidade de vezes que ela cabe no todo, quociente (10 vezes). O valor

desconhecido, o todo, incide no total de unidades de medida básica (dividendo), expressa pela

grandeza massa. A unidade de medida está explicitada somente em um dos dados (6). Isso

porque o valor 10 não se refere à grandeza, mas à quantidade de vezes que repete os 6

quilogramas. É importante essa reflexão para que se compreenda a função de cada elemento

que compõe a relação essencial do conceito. A representação no esquema (Ilustração 17), a

ser realizada pelos estudantes com o auxílio do professor, será assim expressa:

60

Ilustração 17 – 4ª tarefa, representação da multiplicação no esquema

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

No esquema (Ilustração 17), há as duas partes que compõem o todo. E necessita

que se determine o total de unidades de medida básica. No entanto, não será possível o

cálculo por meio da divisão, visto que o quociente (quantidade de vezes que a unidade de

medida intermediária se repete) está explícito na tarefa. O valor a ser calculado refere-se ao

todo (total de unidades básicas, produto na multiplicação ou dividendo na divisão). Temos

que: a unidade intermediária (6) se repete por 10 vezes: 6 x 10 = ___, conforme a

representação gráfica, no esquema de setas a seguir (Ilustração 18):

Ilustração 18 – 4ª tarefa, resultado da operação de multiplicação no esquema

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

b) Na continuidade da tarefa, os estudantes são orientados a construírem o esquema com base

em um novo desenho, conforme ilustração 19 (ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА,

2003).

Ilustração 19 – 4ª tarefa, representação da operação de divisão

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2009).

O esquema constitui-se por um inteiro dividido em partes. O valor 42 representa o

produto (na multiplicação) ou o dividendo (na divisão). A proposta é que se determine a

quantidade de vezes que o divisor (7) se repete. Para tanto, será necessário realizar a operação

61

inversa do item anterior, a de divisão: 42 ÷ 7 (Ilustração 20). Trata-se, pois, da medição do

segmento com valor sete metros no maior, com 42 metros de comprimento. O resultado da

comparação entre ambos é expresso por um número, ou seja, por uma representação

aritmética.

A ilustração 19 mostra o esquema composto por segmentos de reta. Este consiste

em “uma grandeza geométrica; a comparação de dois segmentos de reta é uma operação do

campo geométrico, a expressão numérica da medição significa a tradução dessa operação

geométrica por meio de um instrumento do campo numérico” (CARAÇA, 2002, p. 51). O

resultado da comparação dos segmentos, ou seja, da quantidade de vezes que o segmento

composto por sete unidades básicas cabe no segmento composto de 42 unidades básicas, é

expresso numericamente.

Ilustração 20 - 4ª tarefa, representação da divisão no esquema

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

O esquema indica que 7 m cabe 6 vezes em 42 m: 42 ÷ 7 = 6. Vale ressaltar que

as grandezas consideradas na tarefa em análise são distintas. No primeiro item, tratava-se da

massa e agora se refere ao comprimento, porém, ambas contínuas.

c) Para finalizar a tarefa o professor propõe a reflexão dos modelos gráfico e literal da divisão,

conforme ilustração 21.

Ilustração 21 - 4ª tarefa, modelo gráfico e literal

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2009).

62

Finalmente a relação universal atinge o nível máximo de abstração: m = b ÷ p.

Esta é expressão do experimento objetal ponto de partida, mas em nível teórico. Durante o

movimento de redução alguns elementos foram abstraídos, tais como os objetos, suas

respectivas grandezas, os esquemas, a reta numérica, entre outros. Porém, permaneceu o

essencial, os dados que constituem a relação universal do conceito de divisão, pois, na

ilustração 21, b representa o total de unidades básicas (dividendo), p, a unidade de medida

intermediária (divisor) e m, a quantidade de vezes que p se repete, o quociente. Isso porque,

para determinarmos o total de partes que se repete, é necessário dividir o todo (dividendo)

pelo valor da medida intermediária (divisor).

No contexto do movimento entre multiplicação e divisão, concluímos a

modelação da relação universal do conceito de divisão. Trata-se da abstração substancial, da

relação essencial, geneticamente inicial, universal, do conceito de divisão resultante do

processo de redução do concreto ponto de partida, enquanto experimento objetal.

O modelo da relação universal reflete as leis do conceito, “proporciona um

conhecimento mais profundo do singular, já que manifesta o que há de essencial, [...]”

(STERNIN, 1960, p. 261, tradução nossa). É neste ponto que se revelam a diferença e a

superioridade do conceito teórico em relação ao empírico. Este não considera a categoria

universal, admite somente a existência de objetos singulares pela via das sensações

(STERNIN, 1960). Para a formação do pensamento teórico, consideramos a unidade entre

singular e universal como um dos princípios que caracterizam o conhecimento dialético e

consiste em “abordar de modo histórico e concreto os fenômenos [...]” (STERNIN, 1960, p.

274, tradução nossa).

A partir desse movimento é que as tarefas davydovianas foram organizadas, de

modo que “os alunos passem paulatinamente do trabalho com figuras à descrição das ações

com ajuda exclusiva das fórmulas expressas por letras” (DAVÍDOV, 1988, p. 215, tradução

nossa). O modelo universal, literal, expressa as “características internas do objeto”

(DAVÍDOV, 1988, p. 183, tradução nossa), cuja transformação ocorre na terceira ação de

estudo, apresentada a seguir.

TERCEIRA AÇÃO DE ESTUDO: transformação do modelo da relação universal para o

estudo de suas propriedades

Na terceira ação ocorre a transformação do modelo para possibilitar o estudo, na

quarta ação, das propriedades do objeto (Ilustração 22). Na especificidade deste, ocorre a

63

transformação do modelo referente à relação universal do conceito de divisão. Em outras

palavras, as propriedades conceituais são reveladas por meio das relações e conexões mútuas

realizadas pelos estudantes, sob a orientação do professor (DAVÝDOV, 1982). Tais

propriedades referem-se ao movimento interno, essencial, do conceito (DAVÍDOV, 1988).

Ilustração 22 - Transformação do modelo

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

Pelo estudo das propriedades, criamos a base para a formação de um

procedimento, válido para a realização das tarefas que serão apresentadas na quarta ação,

inclusive para sistematização do algoritmo. Davídov (1988, p, 213, tradução nossa) ressalta

que a ação tem importância substancial no processo de aprendizagem “dos conhecimentos

teóricos, pois permite aos alunos compreenderem a especificidade da orientação em um plano

ideal peculiar [...]”. O autor explica que:

Nas dependências reveladas pela teoria, uma coisa aparece como forma de expressão

de outra dentro de um certo todo. Este trânsito de uma coisa a outra, a anulação da

especificidade de uma coisa ao transformar-se em outro ser, ou seja, sua conexão

interna, aparece como matéria do pensamento teórico e científico (DAVÝDOV,

1982, p. 307, tradução nossa).

O estudo das propriedades consiste nas transformações decorrentes da relação

essencial do conceito, as múltiplas transformações que ocorrem no modelo representativo da

relação universal, conforme a tarefa a seguir.

64

TAREFA 5: transformação da relação universal em três modelos distintos

a) A tarefa é composta por três itens. No primeiro, a partir das informações (Ilustração 23), o

professor propõe aos estudantes que completem o esquema de setas e determinem o valor

desconhecido, com base na relação universal do conceito, modelada na ação anterior.

Ilustração 23 - 5ª tarefa, representação dos dados no esquema de setas

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2009).

Segundo a ilustração 23, o número 8 representa a unidade de medida

intermediária e 6, a quantidade de vezes que 8 se repete. O valor desconhecido é o todo (total

de unidades de medida básica). Portanto, a operação a ser realizada é a multiplicação. Os

estudantes completam o esquema, segundo a ilustração 24 (ГОРБОВ; МИКУЛИНА;

САВЕЛЬЕВА, 2003).

Ilustração 24 - 5ª tarefa, representação da operação de multiplicação 8 x 6 no esquema

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

b) Na sequência os estudantes são orientados a completar o esquema de setas (Ilustração 25) e

determinar o valor desconhecido (ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2003).

Ilustração 25 - 5ª tarefa, representação no esquema setas dos dados contidos na reta

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2009).

65

Com base nas informações apresentadas na ilustração 25, o valor 5 representa a

unidade de medida intermediária (divisor) e 35, o total de unidades de medida básica

(dividendo). Temos, pois, o dividendo e o divisor e, como valor desconhecido, o quociente.

Ilustração 26 - 5ª tarefa, representação gráfica da operação de divisão

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

A síntese a ser elaborada é que 5 multiplicado por 7 resultará em 35. Ou ainda, 5

cabe 7 vezes em 35, conforme a ilustração 27.

Ilustração 27 - 5ª tarefa, representação gráfica da operação de divisão

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

c) O terceiro item (Ilustração 28) é semelhante aos anteriores, porém com valores distintos

(ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2003).

Ilustração 28 - 5ª tarefa, representação dos dados no esquema

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2009).

São dados: o valor da unidade de medida básica e a quantidade de vezes que a

unidade de medida intermediária cabe no total. A determinação recai sobre o valor da unidade

de medida intermediária (Ilustração 29).

66

Ilustração 29 - 5ª tarefa, representação gráfica da operação de divisão

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

O professor explica que, para determinar um dos fatores, divide-se o dividendo

pelo outro fator conhecido, 45 ÷ 5. O resultado é 9, como mostra o esquema (Ilustração 30):

Ilustração 30 – 5ª tarefa, representação gráfica da operação de divisão

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

Em cada uma das situações anteriores (itens a, b e c), o valor desconhecido refere-

se a um elemento distinto da relação universal: na primeira é o total de unidades básicas

(produto); na segunda, o total de unidades intermediárias (quociente) e na terceira, o valor da

própria medida intermediária. Em decorrência, a relação universal pode ser transformada em

três modelos distintos, conforme a ilustração 31 na sequência:

Ilustração 31 - 5ª tarefa, quadro-síntese da transformação do modelo

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2009).

67

A transformação do modelo da relação essencial em três outros distintos (b = p x

b, p = b ÷ m e m = b ÷ p) possibilita o estudo das propriedades do conceito de divisão

consoante apresentado na próxima tarefa de estudo.

TAREFA 6: estudo da propriedade distributiva, a partir da relação universal

O professor realizará o experimento com líquido (Ilustração 32) e as crianças

registrarão no esquema de setas. Ele apresenta os recipientes com volumes A e B de líquido e

explica que eles foram medidos com dois recipientes menores, o copo e a xícara (ГОРБОВ;

МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2003):

Ilustração 32 - 6ª tarefa, representação objetal dos dados da tarefa

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2009).

Para subsidiar o registro do movimento da tarefa, no esquema de setas, o

professor informa quantos copos (medidas básicas) couberam em cada volume (A e B) e

também a quantidade de vezes que a medida básica (copo) cabe na xícara (medida

intermediária), conforme ilustração 33 (ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2003).

Ilustração 33 - 6ª tarefa, representação no esquema, da divisão da soma pelo número

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2009).

Em seguida, todo o líquido dos recipientes (volumes A e B) é colocado no

recipiente T. O professor propõe que os estudantes determinem a quantidade de xícaras

68

(medidas intermediárias) que compõe o volume de medida T. Para tanto, ele sugere a

interpretação na nova situação em um único esquema (Ilustração 34).

Ilustração 34 - 6ª tarefa, representação no esquema da divisão da soma pelo número

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2009).

A partir dos dois esquemas iniciais, é possível determinar os quocientes parciais

que compõem o recipiente T, enquanto o terceiro possibilita a execução da operação por outro

procedimento, como mostra a ilustração 35.

Ilustração 35 - 6ª tarefa, representação da transformação do modelo gráfico

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2009).

A possibilidade de resolução, por dois procedimentos distintos, ocorre a partir da

propriedade distributiva da divisão. Isso nos leva a busca de respaldo que encontramos em

Costa (1866, p. 59) ao elucidar que “para dividir uma soma por um número, divide-se por esse

número cada parcela da soma, e adicionam-se os quocientes parciais”, tal como acontece na

ilustração 35.

Vale ressalvar que o ponto de partida da tarefa foi o experimento objetal por meio

da grandeza volume. Isso porque não se trata de um movimento linear, porém marcado por

idas e vindas. A experiência sensorial aqui empregada não se dá estaticamente, mas no

movimento de conexão dos elementos que constituem a relação universal e que possibilita o

estudo das propriedades do conceito. Na próxima ação, ocorre a análise dessas propriedades

nas manifestações singulares da relação universal.

69

QUARTA AÇÃO DE ESTUDO: construção de um sistema de tarefas singulares a partir da

relação universal

Na quarta ação, construímos um sistema de tarefas singulares a partir da relação

universal revelada na primeira ação de estudo, modelada na segunda e transformada na

terceira (Ilustração 36). Nela, acontece a análise das propriedades da relação universal em

suas manifestações singulares (DAVÍDOV, 1988). Na proposição davydoviana, neste estágio,

os estudantes analisam, com a orientação do professor, os dados da tarefa particular, captam a

conexão essencial e a aplicam na resolução. Ou seja, por meio das propriedades reveladas da

relação essencial, os estudantes deduzem as condições e os procedimentos de solução das

diversas situações (DAVÝDOV, 1982). Em outras palavras, da relação universal, é possível

extrair relações particulares para resolver uma situação singular.

Ilustração 36 - Quarta ação de estudo

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

Nesse estágio, o conceito teórico constitui o “procedimento para deduzir os

fenômenos particulares e singulares de sua base universal. Graças a isso, o conteúdo do

conceito teórico são os processos de desenvolvimento dos sistemas integrais” (DAVÍDOV,

1988, p. 152).

Nessa ação, ocorre a passagem do universal para o particular e singular, uma vez

que o procedimento universal pode ser aplicado na resolução das diversas tarefas. É nesse

estágio que ocorre a sistematização da padronização das medidas. Passa-se a singularizar as

ações por meio de representações numéricas e suas respectivas unidades de medida (metro

seus múltiplos e submúltiplos). A conexão entre universal e suas manifestações singulares

ocorrem pelo procedimento de ascensão do abstrato ao concreto, pois na formação teórica dos

conceitos a transição do universal ao singular “se realiza não só concretizando o conteúdo das

abstrações iniciais, mas também substituindo os símbolos expressos por letras pelos símbolos

numéricos concretos” (DAVÍDOV, 1988, p. 215, tradução nossa). A esse respeito Sternin

(1960, p. 273, tradução nossa), explica que:

70

Depois de haver alcançado o universal, o essencial, o conhecimento aspira a fixar os

traços específicos, as propriedades de grupos singulares de fenômenos dentro deste

universal, ou seja, aspira chegar ao individual e ao particular. O verdadeiro e pleno

conhecimento consiste tanto em captar os traços essenciais, gerais [universais], dos

objetos como em penetrar nas formas concretas com que o universal se manifesta.

O processo de redução do concreto ao abstrato inicia-se, desde a primeira ação,

pela revelação e modelação da essência. Posteriormente, ocorre o movimento de ascensão do

abstrato ao concreto, por meio da confrontação de tarefas singulares. Ou seja, o pensamento

se move em “sentido inverso, a saber, em direção ao particular e ao singular” (STERNIN,

1960, p. 274, tradução nossa). Desse modo, ocorre um “microciclo de ascensão do abstrato ao

concreto como via de aprendizagem dos conhecimentos teóricos” (DAVÍDOV, 1988, p. 179,

tradução nossa).

Nesse segundo movimento, que culmina na quarta ação de estudo, os estudantes

atingem o nível mais elevado de aprendizagem do conteúdo da abstração inicial, “revelam a

vinculação regular desta relação inicial com suas diferentes manifestações e assim obtêm a

generalização substancial do objeto estudado” (DAVÍDOV, 1988, p. 175, tradução nossa).

[...] o verdadeiro conhecimento da essência da vida exige também que se estude o

elemento singular em que realmente se manifesta este aspecto universal, exige a

diferenciação do conceito obtido e requerido, por sua vez, que o pensamento se

mova em um sentido inverso, ou seja, em direção ao particular e ao singular

(STERNIN, 1960, p. 274, tradução nossa).

O movimento sugerido por Davýdov, nas quatro primeiras ações de estudo, reflete

o princípio fundamental da dialética materialista, no movimento que perpassa o geral,

universal, particular e singular, reconhecendo que “o conhecimento do singular e do particular

enriquece nosso conhecimento do universal e converte este de universal abstrato, em um

universal pleno de diferenças e de movimento” (STERNIN, 1960, p. 275, tradução nossa). A

compreensão teórica do conceito requer a aprendizagem de sua relação universal. Como

esclarece Smirnov:

Dominar um conceito supõe não só conhecer os traços dos objetos e fenômenos [...],

mas sim também saber usar o conceito na prática, saber operar com ele. E isso quer

dizer que a apropriação do conceito implica não só o caminho de baixo para cima,

desde os casos singulares e parciais até sua generalização, mas também o caminho

inverso, de cima para baixo, do geral ao particular e singular [...] (SMIRNOV et al.,

1956 apud DAVÝDOV, 1982, p. 27, tradução nossa).

O movimento que ocorre do geral, universal, particular e singular propicia a

aprendizagem dos conceitos. Esse é um dos aspectos que diferenciam a proposição

71

davydoviana daquelas que se fundamentam nos princípios do ensino tradicional. O resultado

da tarefa não consiste apenas na transformação do objeto de estudo, mas, também, do próprio

estudante “como sujeito” (REPKIN, 2014, p. 92). O foco da presente investigação incide na

transformação do objeto, tal como ocorre na próxima tarefa, por meio da construção das

unidades de medidas, a partir da relação essencial (Ilustração 37).

TAREFA 7: sistematização das unidades de medida de comprimento a partir da relação

universal

A tarefa requer no cálculo do valor desconhecido, conforme o esquema da

ilustração 37 (ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2004).

Ilustração 37 - 7ª tarefa, representação gráfica da conversão de medidas

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2009).

Na ilustração, consta um segmento cujo comprimento mede B (o todo). No

esquema de setas há o registro da medida do segmento (70 milímetros). É necessário

determinar o valor da medida intermediária para depois proceder ao cálculo do valor

desconhecido. Trata-se da relação em que um centímetros corresponde a 10 milímetros, que

se constitui como medida intermediária. O professor questiona: quantas medidas

intermediárias (10 mm) cabem no comprimento B? O resultado é obtido por meio da operação

de divisão: 70 ÷ 10 = 7 (Ilustração 38), cujo procedimento já fora vivenciado pelos

estudantes.

Ilustração 38 - 7ª tarefa, representação gráfica da operação de divisão

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

72

Nos esquemas aparecem todos os elementos da relação universal, porém no

contexto de uma situação singular: unidade de medida básica (1 centímetro), unidade de

medida intermediária (10 milímetros), total de unidades básicas (7 centímetros) e total de

unidades básicas (70 milímetros).

Na sequência, o professor orienta para que os estudantes verifiquem o resultado,

por meio da medição do segmento com a régua. Para finalizar, após a realização de outras

tarefas similares, procede-se à síntese, como demonstra o quadro da ilustração 39 (ГОРБОВ;

МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2004).

Ilustração 39 - 7ª tarefa, quadro da correlação entre unidades de comprimento

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2009).

Há, pois, o trânsito da relação universal para a explicação das manifestações

singulares, na especificidade da tarefa em análise, a expressão aritmética da medida B. Esta

surge a partir de uma unidade de medida particular, o metro e seus submúltiplos. Em outras

palavras, com base na relação universal, deduzimos as condições e métodos de medição da

grandeza comprimento. Ou seja, da relação geneticamente inicial, germinam as relações

particulares que possibilitam a resolução de situações singulares. Trata-se da concretização da

abstração inicial, da manifestação da relação universal.

Nesse movimento, revela-se o vínculo regular da relação inicial com suas

diferentes manifestações, isto é, atinge-se à generalização substancial do conceito.

Diferentemente do processo de generalização empírica, a generalização substancial tem por

base a relação interna. Desse modo, o singular e o particular enriquecem o universal abstrato,

convertem-no em um universal pleno de diferenças e de movimento.

Em síntese, a abstração substancial da relação universal culmina na terceira ação

de estudo, enquanto a generalização substancial é finalizada na quarta ação. Desse duplo

processo resulta o conceito teórico.

Na proposição davydoviana as tarefas correspondentes a cada conceito não são

separadas, mas interconectadas, nem se aborda um conceito para depois o outro. Em vez

disso, um contribui para o desenvolvimento do outro de tal modo que fica difícil a

73

identificação das tarefas correspondentes a cada conceito específico. Nesse sistema

conceitual, as tarefas do conceito de divisão aparecem, conforme Горбов et al. (2004), desde

o primeiro ano e a sistematização do algoritmo só ocorre no quarto ano, após o

desenvolvimento da relação universal do sistema de numeração, válida para qualquer base

numérica. As tarefas referentes ao sistema de numeração contemplam o procedimento de

composição e decomposição numérica. É nesse estágio que o algoritmo da divisão é

sistematizado, tal como apresentamos na sequência.

TAREFA 8: sistematização do algoritmo a partir da relação universal

O professor apresenta a resolução da operação 648 ÷ 2 = 324 por meio da

decomposição do dividendo e o resultado no algoritmo (Ilustração 40). Na sequência solicita

aos estudantes que expliquem os dois registros (ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА,

2004).

Ilustração 40 - 8ª tarefa, operação da divisão pelo método da decomposição numérica

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2011).

A proposta é estabelecer relação entre o método da decomposição e o algoritmo.

Tal conexão possibilita a explicitação da operacionalização teórica do algoritmo,

fundamentada na lógica de constituição do sistema de numeração.

O algoritmo é constituído pelos elementos da relação universal do conceito de

divisão, conforme segue (Ilustração 41):

74

Ilustração 41 - 8ª tarefa, explicitação dos elementos da relação universal no algoritmo da

divisão

Total de unidades básicas Unidade de medida intermediária

Quantidade de vezes que a unidade

de medida intermediária se repete

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

Assim, o algoritmo é constituído pelos elementos que compõem a relação

universal do conceito de divisão. Trata-se dos mesmos elementos revelados na primeira ação

de estudo e modelados na segunda.

O essencial se conserva em todas as etapas, até atingir o algoritmo da divisão

(Ilustração 42).

Ilustração 42 - 4ª tarefa, modelo literal no algoritmo

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

O algoritmo expresso algebricamente (Ilustração 42) é constituído do dividendo

(b), divisor (p), o quociente (m) e o resto (r).

TAREFA 9: a divisão no algoritmo

O professor explica no quadro a resolução da seguinte operação: 948 ÷ 4 = ___,

de acordo com a ilustração 43 (ДАВЫДОВ et al., 2011).

Ilustração 43 - 9ª tarefa, operação da divisão no algoritmo

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2011).

75

A fala do professor consiste no seguinte (Ilustração 43): 9 centenas divididas por

4 resultam em 2 centenas. Das 9 centenas, subtraímos 8 e restará 1. Em seguida, prossegue

com a divisão da dezena (Ilustração 44).

Ilustração 44 - 9ª tarefa, operação da divisão no algoritmo

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2011).

Na continuidade da resolução, 1 centena (100) e 4 dezenas (40) são 14 dezenas

(140). Este é o segundo dividendo parcial: 14 dezenas divididas por 4, resultarão em 3

dezenas. Das 14 dezenas, subtraímos 12 e restarão duas dezenas. Seguimos para a terceira

divisão parcial, a divisão da unidade (Ilustração 45).

Ilustração 45 - 9ª tarefa, operação de divisão no algoritmo

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2011).

De acordo com a ilustração 45, são 2 dezenas (20) e 8 unidades, portanto, 28

unidades. Assim, 28 unidades divididas por quatro resultarão em 7 unidades exatas, ou seja,

não haverá resto. O resultado total da divisão é 237 ou 2 centenas, 3 dezenas e 7 unidades. A

verificação do resultado ocorre por meio da relação revelada durante a terceira ação de estudo,

a multiplicação.

É importante ressaltar que a sistematização do algoritmo da divisão acontece, na

proposição davydoviana, após o estudo da relação universal do sistema de numeração, válida

para qualquer base numérica (SILVEIRA, 2015). Portanto, o método da decomposição

numérica não é novidade nessa etapa.

76

Em suma, o algoritmo da divisão é introduzido a partir da interconexão de duas

relações universais (divisão e sistema de numeração). Por conseguinte, surge como síntese de

múltiplas determinações: eis o concreto ponto de chegada, da proposição davydoviana. Ao

contrário do que, comumente, ocorre no ensino brasileiro, em que o algoritmo é o ponto de

partida para o ensino do conceito de divisão. Partimos do pressuposto de que o movimento

conceitual proposto por Davýdov pode contribuir para repensarmos essa realidade.

As demais ações, de controle e avaliação, ocorrem durante o desenvolvimento das

quatro primeiras ações correspondentes à tarefa de estudo, conforme analisamos na sequência.

QUINTA AÇÃO DE ESTUDO: controle da realização das ações

Na ação de controle, são apresentadas tarefas com algumas incoerências quanto à

relação universal do conceito. Tal ação satisfaz a necessidade do professor e dos próprios

estudantes de terem o controle sobre a efetivação ou não da aprendizagem. Segundo Davídov

(1988, p. 184, tradução nossa):

O controle consiste em determinar a correspondência de outras ações de estudo as

condições e exigências da tarefa de estudo. Permite ao estudante, mudar a

composição operacional das ações, revelar sua relação com umas ou outras

peculiaridades dos dados da tarefa a resolver e do resultado obtido.

Nessa ação os estudantes refletem sobre as limitações apresentadas nas tarefas e

determinam a causa das divergências a fim de eliminá-las. Nesse caso, o professor poderá

propor algum resultado incorreto e questionar os estudantes sobre o procedimento realizado e

as possibilidades de superação do equívoco. Tal ação permite que os estudantes possam

refletir sobre o procedimento correto de realização da tarefa, segundo tarefa a seguir.

TAREFA 10: controle do registro dos elementos que constituem a relação universal no

esquema

O professor apresenta o esquema de setas e a figura quadriculada (Ilustração 46),

e sugere que os estudantes determinem o valor desconhecido. A tarefa tem como finalidade,

verificar se os estudantes constatam que os dados estão registrados incorretamente no

esquema (ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2003).

77

Ilustração 46 - 10ª tarefa, esquema e figura quadriculada

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2009).

Na malha quadriculada apresentada, há colunas compostas por 4 unidades cada.

Há 7 colunas completas, sobra uma com apenas 3 unidades. Portanto, a constatação dos

estudantes deverá ser no sentido de que a representação no esquema não é expressão da

malha.

O professor incita-os a proporem outra possibilidade de resolução. E, então, o

esquema será retificado como mostra a ilustração 47 (ГОРБОВ; МИКУЛИНА;

САВЕЛЬЕВА, 2003).

Ilustração 47 - 10ª tarefa, esquema e figura quadriculada

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

Na sequência, faz-se registro do total de unidades da malha no esquema

(Ilustração 48).

Ilustração 48 - 10ª tarefa, esquema e figura quadriculada

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

78

Em seguida, conferimos o resultado por meio da operação inversa, a

multiplicação: (4 x 7) + 3 = 31.

A partir do terceiro ano, na experiência investigativa vivenciada por Davýdov e

colaboradores, os próprios estudantes analisavam os resultados, em conformidade com o

modelo, sem se apoiar na opinião do professor. Tornavam-se autônomos para avaliarem e

definirem as causas das divergências, desenvolvendo, assim, o autocontrole (DAVÍDOV,

1979). “Neste caso o estudante vê como os possíveis resultados estão vinculados com as

particularidades das ações e elege os vínculos corretos. Então reduzem ao mínimo os erros na

execução prática das tarefas [...]” (DAVÍDOV, 1979, p. 95, tradução nossa).

Na próxima tarefa, também, ocorre o controle da relação entre elementos que

constituem a conexão universal, porém agora com auxílio da régua.

TAREFA 11: controle da relação entre quociente e resto com a unidade de medida

intermediária e o total de unidades básicas

São apresentadas algumas divisões não exatas com seus respectivos quocientes

(Ilustração 49). No entanto, as operações estão incompletas, é necessário determinar o resto

em cada uma das operações. O professor sugere a realização dos cálculos por meio da régua.

O quociente de algumas operações está errado. A tarefa visa a identificação se os estudantes

detectam os erros e sabem corrigi-los. Por fim, o professor propõe que eles expliquem por que

o resto na divisão é sempre menor que o divisor (ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА,

2003).

Ilustração 49 - 11ª tarefa, verificação do resto da operação de divisão

Fonte: Elaboração da autora (2014), com base em Давыдов et al. (2009).

Na operação 8 ÷ 3, na reta numérica (Ilustração 50), formarão 2 agrupamentos

compostos por 3 unidades e restarão 2 unidades básicas sem serem agrupadas.

79

Ilustração 50 - 11ª tarefa, divisão na régua

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

Na operação seguinte, 11 ÷ 4 (Ilustração 51) constatamos que a medida

intermediária (4) cabe duas vezes no todo e restam 3 unidades básicas sem serem agrupadas.

Então, 11 ÷ 4 = 2 (resto 3).

Ilustração 51 - 11ª tarefa, divisão na régua

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

No resultado do terceiro item da tarefa, 15 ÷ 2, há um equívoco proposital,

característico da ação de controle. Os estudantes deverão constatar que a medida intermediária

(2) cabe mais de seis vezes no todo (15), conforme ilustração 52:

Ilustração 52 - 11ª tarefa, divisão na régua

Fonte: Elaboração da autora (2014).

Ou seja, a medida intermediária cabe sete vezes e resta apenas uma unidade básica

(Ilustração 53).

80

Ilustração 53 - 11ª tarefa, divisão na régua

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

Para finalizar este item, os estudantes procedem à correção do registro: 15 ÷ 2 = 7

(resto 1). De modo análogo, a resolução da tarefa é concluída.

Na ação de controle, é importante que o professor crie condições para modificar a

própria forma de controle para que os estudantes desenvolvam a habilidade de representar os

possíveis resultados das ações no plano mental (DAVÍDOV, 1979). Nesse processo de ensino

e aprendizagem, aos estudantes cabe a compreensão do sentido das tarefas de estudo e a

reprodução ativa e consciente das correspondentes ações. Ao professor cabe a função de

organizar sistematicamente as tarefas de estudo e as correspondentes ações, incluindo a de

avaliação, tal como apresentamos a seguir.

SEXTA AÇÃO DE ESTUDO: avaliação da aprendizagem do procedimento universal

Na ação de avaliação, verificamos a aprendizagem ou não, por parte do estudante,

do conceito referente à tarefa de estudo (DAVÍDOV; SLOBÓDCHIKOV, 1991). Além disso,

o professor avalia se o estudante está preparado para resolver uma nova tarefa, que exige

outro procedimento de resolução no contexto de um sistema conceitual mais amplo. Esta ação

permite avaliar se o resultado das ações de estudo corresponde ou não ao objetivo final da

tarefa de estudo proposto inicialmente. Constatamos a efetivação da aprendizagem do

conceito no qual

[...] se refletem os traços gerais e essenciais de um conjunto mais ou menos amplo

de objetos. O conceito é o resultado da abstração do singular e do particular, do

descobrimento do universal no singular e da fixação deste último em nosso

pensamento (STERNIN, 1960, p. 272, tradução nossa).

Por meio da avaliação percebemos a insuficiência do procedimento universal da

ação realizada pelo estudante. A avaliação permite a orientação para a busca de um novo

procedimento universal de solução da tarefa de estudo e não apenas “a obtenção de um ou

outro resultado parcial de sua solução” (DAVÍDOV, 1988, p. 216, tradução nossa).

81

Inicialmente os estudantes fixam o conteúdo no modelo gráfico e literal, suas propriedades e

depois os aplica nas múltiplas tarefas particulares. Para Davídov (1979, p. 97, tradução

nossa), uma “avaliação correta está intimamente vinculada com o controle”. Ambas ocorrem

conjuntamente (Ilustração 54). Ao analisar o nível de aprendizagem dos estudantes, o

professor avalia o nível de desenvolvimento que os estudantes atingiram. E em caso de não

aprendizagem, busca as causas para que possa orientar adequadamente o estudante, de modo a

eliminar os erros e estimulá-lo a estudar até atingir um resultado almejado.

No início da escolarização, na proposição davydoviana, é o professor quem realiza

a avaliação, assim como também organiza a ação de controle. Entretanto, à medida que se

forma nos estudantes o autocontrole, a ação de avaliação também é assumida por eles. O

autocontrole e a autoavaliação permitem o desenvolvimento do “senso crítico e a

responsabilidade perante a tarefa, assim como o compromisso social com o estudo”

(AQUINO, 2015, p. 4).

Os estudantes adquirem a capacidade de determinar se houve a aprendizagem do

método universal de resolução (DAVÍDOV, 1979). O autor assegura que uma avaliação com

foco na nota não é capaz de indicar a aprendizagem ou não do conhecimento e,

principalmente, não possibilita o reconhecimento das causas da não aprendizagem. Para o

método baseado na atividade de estudo, a avaliação cumpre o papel de constatar a não

aprendizagem, orientação na superação dos erros e a aprendizagem efetiva. A avaliação tem,

portanto, o papel de exame qualitativo dos conteúdos teóricos desenvolvidos nas ações

anteriores (DAVÍDOV, 1979).

A avaliação tem a função de intermediar o trabalho na atividade de estudo, ao

finalizá-la, para confirmar a aprendizagem do estudante. No entanto, caso a avaliação resulte

negativamente, cabe ao professor criar meios que possibilitem aos estudantes o domínio das

possíveis variações presentes nas tarefas (DAVÍDOV, 1979). Dessa forma, a avaliação ocorre

durante todo o processo, nas diferentes tarefas desenvolvidas no decorrer das ações anteriores,

em conjunto com a ação de controle. Como mostra a ilustração 54 a seguir.

82

Ilustração 54 - Ação de controle e avaliação

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

Síntese

No presente capítulo, apresentamos o movimento conceitual proposto por

Davýdov para o ensino do conceito de divisão, a partir do desenvolvimento das tarefas

particulares, no contexto das seis ações de estudo. Nesse percurso, evidenciamos as

manifestações da relação universal. Ressaltamos que as tarefas aqui apresentadas são uma

pequena amostra da totalidade do sistema de tarefas correspondentes a cada ação. Para o

acesso a outras tarefas sobre o conceito de divisão, sugerimos a leitura do relatório de

pesquisa por nós desenvolvida antes da dissertação (CRESTANI, 2013).

Ao finalizar o capítulo retomamos a finalidade proposta inicialmente: o

desenvolvimento do pensamento teórico pela via da apropriação dos conceitos científicos. Tal

finalidade, no contexto brasileiro, fez-nos refletir a cerca de sua efetivação, no que concerne

ao conceito de divisão e as seis ações de estudo, apresentadas neste capítulo. Diante disso,

questionamo-nos: Como pensar a proposição davydoviana para o conceito de divisão a fim de

desenvolver nos estudantes atuais o pensamento teórico? Tal questionamento direcionou-nos

na produção do terceiro capítulo, em que vislumbramos na Atividade Orientadora de Ensino,

uma possibilidade de efetivação da finalidade almejada. A tentativa foi de articular a

proposição davydoviana com a Atividade Orientadora de Ensino, a fim de organizar o ensino

de modo a desenvolver nos estudantes brasileiros, a apropriação teórica do conceito de

divisão. Trata-se de um texto dirigido à formação de professores.

Para concluir o presente capítulo, apresentamos, na sequência, um quadro-síntese

83

das seis ações de estudo (Quadro 1). Este norteará o movimento conceitual da resolução

referente à Situação Desencadeadora de Ensino a ser explicitada no próximo capítulo.

Quadro 1 – Síntese das seis ações de estudo

QUADRO-SÍNTESE DAS SEIS AÇÕES DE ESTUDO

Primeira Revelação dos elementos que constituem a relação universal.

Segunda

Modelação da relação universal por meio:

das grandezas (Modelação objetal);

da reta numérica e esquemas (Modelação gráfica);

das letras (Modelação literal ou algébrica).

Terceira Transformação do modelo nas suas diversas possibilidades de apresentação.

Quarta Aplicação da relação universal.

Quinta Controle sobre o funcionamento correto da interconexão entre os elementos da relação universal.

Sexta Análise da efetivação do processo de ensino e aprendizagem.

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

84

3 POSSIBILIDADES DE OBJETIVAÇÃO DO PRESSUPOSTO E FINALIDADE DA

PESQUISA15

[...] a estruturação moderna das disciplinas escolares (inclusive, para os

primeiros anos) deve propiciar a formação, nos estudantes, de

um nível mais alto de consciência e de pensamento que aquele

ao qual se orienta a organização até agora vigente no processo

de estudo na escola. Propomos que o nível requerido é o da

consciência e do pensamento teóricos modernos [...]

(DAVÍDOV, 1988, p. 99).

Inicialmente, definimos como finalidade de investigação refletir sobre o modo de

organização davydoviano de ensino, para o desenvolvimento do pensamento teórico dos

estudantes, por meio da apropriação científica dos conceitos, mais especificamente do

conceito de divisão. A proposição davydoviana é que tal apropriação e desenvolvimento

ocorram durante a atividade de estudo. No capítulo anterior, evidenciamos as principais

tarefas particulares concernentes à divisão apresentadas na proposição de Davýdov e

colaboradores (ГОРБОВ; МИКУЛИНА; САВЕЛЬЕВА, 2003; ГОРБОВ; МИКУЛИНА;

САВЕЛЬЕВА, 2004; ДАВЫДОВ, et al. 2009; ДАВЫДОВ, et al., 2011). Constatamos, a

partir da revelação da relação essencial do conceito de divisão e da interconexão da relação

essencial com as seis ações de estudo, que a proposição davydoviana contempla o conceito

teórico de divisão. Pois segue o movimento que parte do geral para o particular sob a

mediação dos elementos gráficos como o esquema de setas, a reta, os arcos, o esquema de

segmentos, dentre outros. Além disso, o processo de redução do concreto ao abstrato e de

ascensão do abstrato ao concreto é contemplado nesse movimento do pensamento em direção

ao conhecimento.

Após o estudo das tarefas particulares, em articulação com as seis ações de estudo

davydovianas, uma questão prática, em sintonia com o pressuposto e finalidade de pesquisa,

impulsionou a escrita deste terceiro capítulo: como a obra davydoviana pode contribuir com

as reflexões sobre a Educação Matemática brasileira, a fim de promover o desenvolvimento

do pensamento teórico por meio da apropriação dos conceitos científicos?

15 A elaboração do presente capítulo ocorreu durante o desenvolvimento da atividade de Ensino e

aprendizagem, de estágio docente em uma turma de estudantes do curso de Pedagogia (UNISUL). Na ocasião,

desenvolvemos a história virtual “A produção de laços de Dona Baratinha” com as estudantes, a fim de colocá-

las em atividade de estudo. O experimento realizado possibilitou-nos refletir sobre a proposição davydoviana e

sua articulação com a AOE.

85

Assim como Davídov (1988), preocupamo-nos com a possibilidade de formação

do pensamento teórico, porém no contexto educacional brasileiro, uma vez que, nos

conteúdos e métodos de ensino adotados atualmente em nosso país, há certo predomínio dos

princípios da lógica formal tradicional de formação de conceito, que possibilita o

desenvolvimento do pensamento empírico (ROSA, 2012; HOBOLD, 2014; BRUNELLI,

2012). Semelhante realidade foi detectada por Davýdov (1982), por volta da década de 1970,

ao analisar os conteúdos e métodos de ensino predominantes na educação soviética.

Faz-se necessário, portanto, refletir sobre os princípios da lógica dialética e

“expressá-los na ‘tecnologia’ de desenvolvimento do material didático, nos procedimentos de

formação dos conceitos nos estudantes, nos meios para organizar a atividade do pensamento

daqueles” (DAVÍDOV, 1988, p. 108, grifo do autor).

Vale lembrar que o ensino que desenvolve o pensamento teórico é o que coloca os

estudantes em atividade de estudo (DAVÝDOV, 1982). Partindo dessa premissa, e

considerando a realidade escolar brasileira (ROSA, 2012; HOBOLD, 2014; BRUNELLI,

2012), a urgência incide na organização do ensino, a fim de colocar os estudantes em

atividade de estudo e proporcionar o desenvolvimento da capacidade de pensar teoricamente.

Para Davýdov (1982), o desenvolvimento psíquico dos estudantes também é

promovido no processo de ensino, por meio da apropriação dos conceitos teóricos. Essa

finalidade deve começar, necessariamente, nos primeiros anos escolares. Nesse período, a

atividade principal do estudante, conforme já mencionamos, é a de estudo e todas as outras

(jogo, profissional, dentre outras) são consideradas secundárias nesse estágio de

desenvolvimento humano.

Na busca por alcançar a efetivação desse intento, no contexto das reflexões

teóricas desenvolvidas por pesquisadores brasileiros, estabelecemos um diálogo com a AOE,

pensada inicialmente pelo professor Manoel Oriosvaldo de Moura. A sua fundamentação

teórica é a mesma da proposição davydoviana, a Teoria Histórico-Cultural.

A Teoria Psicológica da Atividade, inicialmente elaborada por Leontiev, integra a

base teórica que fundamenta a AOE. Ambas mantem em sua estrutura: “uma necessidade

(apropriação da cultura), um motivo real (apropriação do conhecimento historicamente

acumulado), objetivos (ensinar e aprender)” (MOURA et al., 2010a, p. 217), que impulsionam

a constituição e execução de ações e operações. Essa estrutura norteia o modo de organização

do ensino, a fim de possibilitar “o desenvolvimento do pensamento teórico dos estudantes”

(NASCIMENTO, 2014, p. 277).

86

O conceito de atividade está vinculado ao conceito de trabalho, que traz

implicações para a educação, particularmente, com relação à formação humanizadora do

homem. No entanto, não “é possível compreender a atividade humana sem sua relação com a

consciência, pois essas duas categorias formam uma unidade dialética” (RIGON; ASBAHR;

MORETTI, 2010, p. 20). A consciência é uma faculdade exclusivamente humana, produto das

relações do homem singular com a sociedade nos seus aspectos culturais e históricos. A sua

formação constitui a possibilidade humana de realizar análises e sínteses da realidade objetiva

e ser capaz de transformá-la (RIGON; ASBAHR; MORETTI, 2010).

Entretanto, a formação da consciência não ocorre naturalmente, mas por meio da

apropriação da cultura que se dá na atividade teórica e prática. Para Davídov (1988, p. 64),

“as formas da cultura são a expressão lógica, universal, da história da consciência humana”.

No contexto escolar, tal premissa contribui para a compreensão de que o desenvolvimento

psíquico dos estudantes primeiro se constitui externamente até atingir o nível interno. “A

aquisição de conhecimentos torna-se um processo que provoca igualmente a formação na

criança de ações interiores cognitivas, isto é, de ações e de operações intelectuais”

(LEONTIEV, 1959, p. 196).

A condição para iniciar uma atividade se dá por meio da formação de uma

necessidade. Nesse sentido, a AOE tem como ponto de partida, na organização do ensino, o

desenvolvimento de uma necessidade como expressão social da humanidade que levou à

elaboração de determinado conceito ou sistema conceitual. Tal necessidade trata-se, pois, da

essência da situação desencadeadora da aprendizagem. Esta deve

[...] contemplar a gênese do conceito, ou seja, a sua essência; ela deve explicitar a

necessidade que levou a humanidade à construção do referido conceito, como foram

aparecendo os problemas e as necessidades humanas em determinada atividade e

como os homens foram elaborando as soluções ou sínteses no seu movimento

lógico-histórico (MOURA et al., 2010b, p. 103-104).

Nesse sentido, no contexto da AOE, professor e estudantes são sujeitos, em

atividade, mediados por seu conteúdo principal, o conhecimento teórico. Este é desenvolvido

a partir de situações desencadeadoras de aprendizagem, que podem ser objetivadas por meio

de diferentes recursos metodológicos (MOURA et al., 2010a).

Desses recursos, elegemos a história virtual, para refletirmos sobre o modo de

organização de ensino do conceito de divisão articulado com a proposição davydoviana. A

história virtual consiste em uma narrativa que apresenta em seu enredo um problema

desencadeador, dirigido a um grupo de estudantes, que busca solucioná-lo coletivamente

87

(MOURA et al., 2010a). A necessidade que se apresenta na história virtual tem por objetivo

fazer com que os estudantes, em atividade na busca pela solução do problema, percorram um

caminho de formação do conceito semelhante àquele “vivenciado historicamente pela

humanidade” (MOURA et al., 2010b, p. 105).

Na AOE, a aprendizagem dos conceitos não se configura como uma transmissão

de conhecimentos, em que o ensino ocorre apenas pela memorização de procedimentos de

cálculo na especificidade da Matemática, mas consiste em apropriar-se, dialeticamente, da

lógica interna do conteúdo dos conceitos e o envolvimento dos sujeitos participantes. Neste

caso, a apropriação não consiste “na adaptação passiva do indivíduo às condições existentes

da vida social. Constitui o resultado da atividade reprodutiva da criança, que assimila

procedimentos históricos elaborados [...]” (DAVÍDOV, 1988, p. 73). Fazem parte desse

processo “o conteúdo de aprendizagem, o sujeito que aprende, o professor que ensina e, o

mais importante, a constituição de um modo geral de apropriação da cultura e do

desenvolvimento do humano genérico” (MOURA et al., 2010b, p. 94).

A partir dessas reflexões realizadas no contexto brasileiro (pesquisadores

GEPAPe) e daquelas desenvolvidas por Davýdov, apresentadas no segundo capítulo da

presente dissertação, elaboramos e desenvolvemos matematicamente uma história virtual. O

conceito norteador é o de divisão, inter-relacionado com outros conceitos matemáticos,

principalmente, o de multiplicação, uma vez que ambos conformam um sistema conceitual

cuja relação interna, de origem, é a mesma.

Além disso, refletimos sobre alguns elementos teóricos que fundamentam o

movimento conceitual, tais como a relação entre o abstrato e o concreto e o movimento entre

geral, particular e singular. Estes “[...] refletem o mundo objetivo e caracterizam alguns

aspectos essenciais do conhecimento; são como passos para o conhecimento da realidade”

(STERNIN, 1960, p. 257).

Para a resolução do problema que se explicita na história virtual, fundamentamo-

nos nas tarefas davydovianas, desenvolvidas nos livros didáticos do terceiro e quarto anos do

Ensino Fundamental (ДАВЫДОВ, et al., 2009; ДАВЫДОВ, et al., 2011). Trata-se, portanto,

da objetivação do movimento conceitual proposto nas tarefas davydovianas no

desenvolvimento de uma história virtual, elaborada por nós, conforme segue:

88

Ilustração 55 – História virtual: “A produção de laços de Dona Baratinha”

A PRODUÇÃO DE LAÇOS DE DONA BARATINHA

Dona Baratinha era muito conhecida na cidade pelas lindas fitas que usava em seus

cabelos. Sempre que ia passear, Dona Baratinha se enfeitava com um grande laço no alto da

cabeça, chamando a atenção de todos que ela encontrava pelo caminho. Eram laços de cores

rosas, azuis, amarelos, vermelhos e verdes. A bicharada se encantava com tamanha beleza.

Certo dia, Dona Baratinha recebeu em sua casa a visita de Dona Baratilde, que vinha

lhe fazer um pedido:

– Amiga Dona Barata, será que poderias fazer um grande laço para enfeitar meus lindos

cabelos?! Assim como a senhora, também preciso arrumar um pretendente!

Dia a dia foram aparecendo outras amigas, deixando Dona Baratinha baratinada. A

maioria delas tinha uma preferência: laços rosas. Eram tantos os pedidos desta cor que ficou

preocupada se teria fita suficiente para confeccioná-los.

– E agora, o que fazer? Não sei nem por onde começar! – pensou Dona Baratinha.

Foi aí que se lembrou da mãe, Dona Baratânia. Ela tinha em seu baú um grande rolo de

fita rosa, com muitos palmos de comprimento, que daria para fazer vários laços.

Para a produção de cada laço, de tamanhos iguais, seriam necessários alguns palmos de

fita. Dona Baratinha pensou: - Preciso saber se, com a quantidade de fita que disponho,

conseguirei fazer todos os laços rosas encomendados.

Porém, Dona Baratinha, sempre que começava a contar palmo a palmo, ficava tonta,

cansada e desistia, pois o rolo de fita era muito comprido.

Depois de muito pensar, ela concluiu que precisava encontrar um meio de realizar a

contagem de forma mais rápida para não ficar tão tonta. Mas, sozinha, não conseguia encontrar

uma solução.

Por isso, Dona Baratinha, que adorava ir à escola da aldeia, decidiu ir até lá solicitar

ajuda aos estudantes. Levou o rolo de fita para que eles determinassem a quantidade de laços

que poderiam ser confeccionados. Porém, eles não conseguiram ajudá-la, apresentaram vários

comprimentos de palmos diferentes, várias quantidades de laços, deixando-a mais baratinada

ainda.

Porque isso aconteceu? Você poderia escrever uma carta aos estudantes ensinando-os a

resolverem o problema da Dona Baratinha, para que eles possam ajudá-la a confeccionar todas

as encomendas? Além disso, poderia explicar-lhes por que não chegaram a um único resultado?

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

89

A expectativa é de que a necessidade apresentada na história virtual, vivenciada

pela personagem principal, Dona Baratinha, seja compartilhada pelo coletivo, por meio da

orientação do professor. Cabe a ele criar as condições “de organizar e incorporar

sistematicamente tarefas de estudo e as correspondentes ações de estudo [...]” (DAVÍDOV,

1979, p. 96). A atividade do professor consiste, pois, na organização do ensino de modo a

articular teoria e prática (MOURA et al., 2010a).

A necessidade apresentada na história virtual consiste na reprodução da mesma

que ocorreu histórica e socialmente no que concerne ao controle de quantidades. Neste

processo de apropriação das formas culturais, os estudantes realizam “uma atividade que de

uma ou outra forma corresponde à atividade humana historicamente objetivada e incorporada”

(DAVÍDOV, 1988, p. 73, tradução nossa) na própria cultura. Dentre os problemas que o

homem vivenciou, desde os primórdios, havia “a necessidade de controlar as variações de

dimensões com as quais se defronta[va] ao delimitar seu espaço físico para morar e produzir”

(LANNER DE MOURA, 1995, p. 54).

Refletir sobre a formação do sistema conceitual de divisão e multiplicação a partir

no movimento histórico possibilita-nos compreender o quão este sistema conceitual foi

fundamental para o desenvolvimento do pensamento humano, para a formação de outros

conceitos e para o desenvolvimento da sociedade, pois a “história da matemática, no período

de seu surgimento, é praticamente inseparável de toda a história da humanidade” (LANNER

DE MOURA, 1995, p. 53). As aquisições da cultura, elaborada ao longo da história,

tornaram-se possíveis quando o homem foi capaz de superar essas necessidades que, a

princípio, eram simples, mas que abriram o campo da capacidade humana para outras

importantes produções, nas quais ainda hoje usufruímos, tal como, por exemplo, o conceito de

divisão.

Nesse sentido, no contexto da história virtual em análise, a necessidade que se

configura consiste em realizar a contagem das grandezas discretas e a medição das grandezas

contínuas, de modo mais rápido, principalmente, quando se trata de grandes valores, para os

quais a contagem um a um torna-se insuficiente ou extremamente trabalhosa.

Além disso, a atividade lúdica, peculiar à história virtual, faz parte desse processo.

É por meio dela que a criança desenvolve “uma série de neoformações psicológicas. Trata-se,

sobretudo, da imaginação e da função simbólica da consciência” (DAVÍDOV, 1988, p. 81). A

história virtual apresenta em seu contexto elementos de caráter imaginativo que, por meio

destes, desenvolve nos estudantes a capacidade de criar o novo em diferentes esferas da

atividade e em distintos níveis de significação.

90

O problema desencadeador refere-se à determinação do total de laços rosas que

poderão ser produzidos com a fita que há em um rolo, cujas medidas de comprimento são

desconhecidas. A personagem adota uma unidade de medida de comprimento, o palmo. Com

ele, tenta medir o rolo de fita, contando um a um. Este procedimento torna-se insuficiente

porque há no rolo uma grande quantidade de palmos de fita e a contagem um a um gera

dificuldades, o que torna insuficiente tal procedimento. A sugestão é que tal necessidade seja

vivenciada pelos estudantes a partir da medição de um longo rolo de fita por meio de palmos.

Ao reproduzir com eles a medição, a partir do próprio corpo, problematiza-se “para a criança

o controle de variações de tamanho, dando-lhe a possibilidade de significar culturalmente as

suas ações de medir. Esta significação [...] é que está na origem do processo histórico de

medir” (LANNER DE MOURA, 1995, p. 54).

Assim, durante a medição, o professor pode refletir sobre o quão trabalhoso será

aquele processo. E, possivelmente, terá que ser reiniciado algumas vezes. Nesse momento,

surge, então, a necessidade de utilização de outra unidade de medida para agilizar o cálculo

que, por sua vez, possibilite a medição por agrupamentos. Desse modo, a contagem que,

inicialmente, era realizada unidade por unidade básica (palmo), será superada por meio de

agrupamentos (unidade de medida intermediária), que passa a ser a referência.

Nessa perspectiva, para a continuidade das reflexões referentes à resolução do

problema vivenciado por Dona Baratinha, a orientação é que os estudantes considerem um

pedaço de fita, composto por alguns palmos de comprimento e, com ele, façam a medição.

No decorrer da resolução do problema desencadeador é importante, também,

refletir sobre as fragilidades dessa unidade de medida (palmo), por consequência dos

diferentes resultados que serão obtidos no coletivo de uma sala de aula. Tais limitações

possibilitam a reflexão das fragilidades vivenciadas pelas civilizações primitivas, decorrentes

do uso do próprio corpo como unidade no processo de medição (LANNER DE MOURA,

1995; IFRAH, 1997; CARAÇA, 2002). Foi a partir das dificuldades de comunicação

enfrentadas pelos povos, ao utilizarem palmos, pés, cúbitos, polegadas, dentre outras

referências de comparação, que surgiu a padronização das unidades de medida. No caso da

grandeza comprimento, convencionou-se o metro, seus múltiplos e submúltiplos.

Assim, a partir de um problema gerador de conflitos, provocado por uma

necessidade, o homem novamente se pôs a pensar numa solução para tais discrepâncias em

relação ao resultado da medição. Como afirma Davídov (1988, p. 28), a “atividade do sujeito

sempre está ligada a certa necessidade. Sendo expressão da carência de algo que experimenta

o sujeito, a necessidade provoca sua tendência à busca”. Toda atividade é decorrente de uma

91

necessidade, imposta pela vida social do homem, o que o leva ao desenvolvimento do ímpeto

pela busca por soluções. A atividade oportunizou à humanidade atingir o alto nível de

elaboração e produção conceitual como o que temos contemporaneamente. São movimentos

cíclicos em que, numa dada situação inicial, o homem observa em seu entorno e constata o

nível caótico em que se encontra. Na busca pela superação dos problemas que o afligem, ele

desenvolve abstrações que o possibilitam sair do nível caótico (concreto ponto de partida),

para seguir em direção ao concreto ponto de chegada.

Desse modo, o concreto se manifesta duas vezes: “como ponto de partida da

contemplação e da representação, reelaboradas no conceito, e como resultado mental da

reunião das abstrações” (DAVÍDOV, 1988, p. 150). O movimento do concreto sensorial ao

abstrato, e deste ao concreto síntese, consiste no movimento do pensamento teórico que

[...] é um tipo inteiramente ‘soberano’ de pensar, transformador dos dados sensoriais

primários mediante operações específicas de análise e abstração (diferente do modo

comparativo, inerente ao pensamento empírico). O pensamento do homem

contemporâneo, como tal, é o que se realiza pela via da análise e abstração

(DAVÝDOV, 1982, p. 237, tradução nossa, grifo do autor).

É esse tipo de pensamento que possibilita o desenvolvimento da capacidade de

análise, abstração e realização de sínteses.

No primeiro movimento, de redução do concreto ao abstrato, no contexto da

história virtual em análise, após o experimento objetal de comparação entre o comprimento do

palmo e do rolo de fita, consideraremos que a medida total é o valor do comprimento A e que

a unidade básica (comprimento do palmo) mede B (Ilustração 56). Nesse momento, a

proposição é que se proceda à reflexão sobre a relação entre as duas medidas, em seu caráter

geral, por meio dos termos: maior que, menor que, igual (ROSA, 2012). O professor poderá

questionar os estudantes: qual comprimento é maior, de medida A, o de medida B ou são

iguais?

Ilustração 56 – Relação entre a grandeza comprimento

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

92

A representação refere-se ao estágio inicial da resolução da história virtual, em

seu caráter geral e caótico, uma vez que ainda não há um valor aritmético determinado tanto

para a medida do comprimento do palmo quanto para do rolo de fita. Tal orientação decorre

da necessidade de desenvolver as relações entre grandezas, inicialmente por meio das

significações algébricas (ROSA, 2012). Esse processo culminará com a revelação do modelo

universal do conceito, com base no processo de redução do concreto caótico ao abstrato,

mediado por elementos geométricos (retas, arcos e esquemas) e algébricos.

Para que os estudantes possam relacionar a medida A com a medida B, a

representação objetal é abstraída e os comprimentos passam a ser representados por meio de

elementos geométricos (segmentos de reta e pontos), conforme a ilustração 57:

Ilustração 57 – Relação entre a grandeza comprimento

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

De acordo com a ilustração anterior (57), o comprimento com medida A é maior

que o comprimento com medida B ou B é menor que A. Em outras palavras, a partir da

relação entre as duas medidas referentes à grandeza comprimento portanto, uma grandeza

contínua, expressa nos segmentos de reta é possível constatar que o comprimento de medida

A, é maior que o comprimento de medida B. Mas, quantas vezes B cabe em A? Para

determinar o valor desconhecido, faz-se um processo de medição pelo qual se determina

quantas vezes a medida de uma grandeza cabe em outra de mesma natureza.

No rolo de fita rosa, cujo comprimento mede A, cabem alguns palmos. Entretanto,

não sabemos exatamente a quantidade, pois, conforme a ilustração 56, não está explícito o

início e o fim do rolo. O segmento que representa o valor A (Ilustração 57) não indica a real

proporção com a unidade de medida B. Nesse caso, no comprimento da fita (medida A), cabe

uma vez, duas vezes, ..., L, L + 1, L + 2, ..., o comprimento do palmo (medida B), como

mostra a ilustração 58:

93

Ilustração 58 – Quantidade de palmos

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

Cada arco, no registro do processo de medição (Ilustração 58), representa uma

unidade de medida básica. Nessa construção, escolhe-se, aleatoriamente, um ponto na reta

para representar a ausência de palmos. A partir deste, cada um deles é registrado com um arco

à sua direita. O primeiro palmo registra-se com o número um. O número dois surge a partir da

ideia de adição (1 + 1) e, assim, sucessivamente. Desse modo, para qualquer número (L)

haverá sempre seu sucessor: L, L + 1, L + 2... Ou seja, uma unidade de medida básica somada

à outra unidade de medida básica resultará em duas unidades de medidas básicas. E uma

unidade de medida básica somada a duas unidades de medidas básicas resultarão em três

unidades e, assim, consecutivamente.

Dessa forma, o conceito de número é revelado como o resultado da relação entre

duas grandezas contínuas. O objeto dado visualmente, na ilustração da história virtual, assume

um papel importante, pois não se limita apenas àquilo que se apresenta diretamente aos olhos.

Não é possível determinar o comprimento do rolo de fita a partir da análise da imagem

(Ilustração 56), pois não é visível o início e o fim do mesmo, suas extremidades estão

enroladas. Disso decorre que o caráter visual é insuficiente para a resolução do problema

desencadeador. Faz-se necessária a atividade do pensar. Se tivéssemos apresentado o

comprimento exato da fita com medida A, seria uma resolução empírica, visto que a resposta

já estaria dada. Aos estudantes restaria apenas a contagem dos palmos, um a um, o que

constituiria uma situação de caráter particular.

A dificuldade vivenciada por Dona Baratinha está na impossibilidade de medir

palmo a palmo, porque o rolo de fita (medida A) é muito comprido, tornando o cálculo

inadequado para as condições objetivas apresentadas. É nessa limitação que surge a

necessidade de se utilizar outra unidade de medida, maior que a anterior (básica ou medida B),

que permita a medição com maior agilidade e rapidez. Para tanto, a sugestão incide na

introdução da unidade de medida intermediária constituída a partir do comprimento de cada

laço C, conforme a ilustração 59.

94

Ilustração 59 – Relação entre A, B e C

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

Na história virtual, a quantidade de vezes que B cabe em A não está determinada,

portanto, representaremos pela letra n. Desse modo, B é a unidade de medida básica; A é a

medida de todo o rolo de fita, n é o total de medidas básicas que cabem no todo. N é, portanto,

a quantidade de vezes que B cabe em A: A ÷ B = n (Ilustração 60).

Ilustração 60 – Introdução da primeira seta no esquema

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

Como dito reiteradas vezes, a unidade básica (B) é muito pequena para a medição.

Portanto, é necessária a introdução de uma unidade intermediária, formada a partir da unidade

básica. Intermediária porque seu tamanho fica entre a unidade básica e o todo a ser medido.

Representaremos o valor genérico da unidade de medida intermediária por p. A

unidade de medida básica (B) cabe p vezes em C (unidade de medida intermediária): C ÷ B =

p. Este consiste na quantidade de palmos de fita necessária para produção de um laço

(Ilustração 61).

95

Ilustração 61 – Introdução da segunda seta no esquema

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

Dona Baratinha quer saber quantos laços serão confeccionados com a quantidade

de palmos de fita de que dispõe. Para tanto, é preciso determinar quantas vezes p cabe em n.

Representaremos o resultado dessa operação pela letra m (Ilustração 62):

Ilustração 62 – Introdução da terceira seta no esquema

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

É importante ressaltar que as letras posicionadas nas extremidades do esquema

correspondem às medidas A, B e C. As demais (n, p e m) referem-se ao resultado da

comparação entre as referentes medidas. Como o valor aritmético ainda é desconhecido

utilizamos as letras representativas da relação comparativa.

A operação de divisão consiste, então, na quantidade de vezes (m) que a medida

intermediária (p) cabe no todo (n), ou seja, quantas vezes o divisor (p) cabe no dividendo (n):

n ÷ p = m. Com essa representação, concluímos o processo de redução do concreto ao

abstrato. Atingimos a abstração da relação essencial, universal, do conceito de divisão.

As abstrações realizadas até o momento desempenharam o papel de revelar a

relação essencial do conceito de divisão para que o compreendêssemos profundamente além

da aparência externa dos objetos em análise (rolo de fita e palmo). A partir dessa revelação,

atingimos, por meio das abstrações, a relação universal do conceito, sua expressão literal ou

algébrica. Como escreve Kopnin (1960, p. 313), “o abstrato na lógica dialética não somente

reflete o que há de similar entre os fenômenos, mas sua essência, sua sujeição a leis e sua

natureza universal”. O universal, pois, se revela na abstração.

96

A partir da revelação do modelo, novas relações podem ser estabelecidas entre os

comprimentos. Isso significa que, o modelo universal é transformado a fim de revelar suas

propriedades internas. Por exemplo, no contexto da história virtual em reflexão, os elementos

que compunham a relação essencial eram o comprimento de rolo de fita (dividendo) e

também do laço (divisor), cuja quantidade deste se constitui no valor desconhecido

(quociente). Se numa dada situação, houver o comprimento total do rolo de fita (dividendo) e

a quantidade de encomendas (quociente), a incógnita a determinar recairá sobre o

comprimento do laço (divisor). Conclui-se, com isso, que, ao se conhecer o todo e uma parte,

a determinação necessária diz respeito à segunda parte, ou seja, o quociente (Ilustração 63).

Entretanto, quando o valor do todo e da segunda parte forem conhecidos, o cálculo voltar-se-à

para a primeira parte, ou seja, o divisor (n ÷ m = ?).

Ilustração 63 – Transformação do modelo no esquema de setas

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

Da relação geneticamente inicial, universal, é possível outras variações. Por

exemplo, se tivermos o comprimento de cada laço (divisor) e a quantidade de laços

produzidos por Dona Baratinha (quociente), teremos as duas partes conhecidas e o todo

(dividendo) desconhecido (Ilustração 63). A operação a ser realizada é a multiplicação, em

que o comprimento do laço corresponderá ao multiplicando; a quantidade de laços

produzidos, o multiplicador e o comprimento do rolo de fita, o produto (p . m = ?). Ou pela

propriedade comutativa da multiplicação, m . p = ? (Ilustração 64).

Ilustração 64 – Propriedade comutativa da multiplicação

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

97

As transformações realizadas no modelo objetivam a revelação das propriedades

da relação essencial do conceito, no plano algébrico, válida para todo e qualquer situação

singular. Tais propriedades expressam as “características internas” do conceito (DAVÍDOV,

1988, p. 183).

Em síntese, o ponto de partida foi o plano objetal, a relação quantitativa entre o

comprimento do palmo e do rolo de fita. Trata-se do estágio inicial do processo de

apropriação do conhecimento, marcadamente pelos elementos sensoriais relacionados às

grandezas e realizações das abstrações necessárias. No entanto, vale o alerta que esse ponto de

partida não é empírico, pois o valor desconhecido não está dado diretamente. Ao contrário,

nesse estágio explicita-se a necessidade de revelar a relação interna dos elementos envolvidos.

Mas, os órgãos dos sentidos são fundamentais nessa primeira etapa, concreto

ponto de partida, que reflete objetivamente os fenômenos e os objetos como uma unidade,

“como um todo composto de diferentes aspectos, qualidades e relações” (KOPNIN, 1960, p.

298). Diz respeito ao processo inicial de apropriação do conhecimento, que começa pela

sensação e a percepção sensível. Importa considerar que a “percepção é somente o ponto de

partida do conhecimento, este não pode terminar nela [...]” (KOPNIN, 1960, p. 303), pois não

é capaz de captar a essência dos objetos e fenômenos.

A modelação acontece após a revelação, no plano objetal, da relação essencial do

conceito de divisão, que consiste na quantidade de vezes que a medida intermediária p cabe

no todo n. Ou seja, a partir das relações entre as grandezas, o concreto sensorial conduziu a

abstrações e possibilitou a revelação da relação essencial, universal do conceito. Procedemos

à representação do modelo universal em níveis mais abstratos que o plano objetal: modelo

gráfico (esquema de setas e de segmento) e literal (por meio de letras).

Todas as representações tinham como ponto de partida a relação entre as

grandezas em seu caráter geral. Em outras palavras, os diferentes modelos são válidos para

qualquer situação singular. Porém, não são válidos apenas para a grandeza comprimento, mas

para qualquer outra, inclusive as discretas.

No contexto da história virtual, o comprimento do rolo de fita consiste em uma

grandeza contínua. Costa (1866, p. 9) afirma que grandeza é “tudo quanto é suscetível de

aumento ou diminuição”, isto é, passível de medição ou contagem. Há dois tipos: discretas ou

contínuas. As grandezas contínuas “são as que podem aumentar ou diminuir por graus tão

pequenos quanto se queira [...]” (COSTA, 1866, p. 9). As discretas, ao contrário, são aquelas

que “não podem aumentar ou diminuir por graus tão pequenos [...]” (COSTA, 1866, p. 9).

Elas variam de unidades em unidades inteiras.

98

São, pois, as grandezas discretas que expressam a ideia de número inteiro, de

quantidades inteiras. Os números são formados a partir da relação de grandezas de mesma

espécie. Podemos ter uma, duas, três pessoas, mas não podemos ter uma pessoa e meia, ou a

terça parte dela, cada uma constitui um ser único, indivisível. De outro modo, o comprimento

de sua altura consiste em uma grandeza contínua. É possível que uma pessoa tenha um metro

de altura, que outra tenha um metro e meio e, assim, por diante. Como diz Lanner de Moura

(1995, p. 48), a “possibilidade da divisão ilimitada de uma grandeza sem que esta perca seu

caráter essencial lhe dá o caráter de uma grandeza contínua”. Ao medir comprimentos,

volumes, massas, obteremos não somente resultados inteiros, mas também valores decimais,

pois a unidade de medida para grandeza contínua possui múltiplos e submúltiplos.

Assim, a unidade é grandeza tomada como medida de comparação de outra de

mesma espécie. Na proposição davydoviana, para o ensino dos conceitos de divisão e

multiplicação, são contempladas as seguintes unidades medida: básica e intermediária. Além

disso, considera-se o total de medidas que compõe cada uma delas. Para medir a unidade

intermediária determina-se a quantidade de unidades básicas que nela cabem, desde que se

admita que ambas se referem à mesma grandeza.

A partir dessa compreensão, em continuidade à resolução da história virtual,

iniciaremos o movimento de ascensão do abstrato ao concreto, visto que a “abstração constitui

um degrau, uma via que leva ao conhecimento concreto e multilateral” (KOPNIN, 1960, p.

308). Para tanto, atribuiremos um valor à unidade de medida intermediária. Tal procedimento

representa o início da passagem do geral para o particular. Esta será mediada pela abstração

revelada anteriormente. Isso porque o particular não “é uma simples combinação dos

caracteres universais e particulares, mas o resultado do estudo do fenômeno, quando o

pensamento se move do universal ao particular, destacando os traços essenciais e

determinantes do particular” (STERNIN, 1960, p. 275).

A manifestação do particular expressa, no contexto dos conceitos de multiplicação

e divisão a partir da delimitação do valor aritmético da unidade de medida intermediária, o

divisor. A necessidade de realizar a medição por meio de agrupamentos (três em três, quatro

em quatro, cinco em cinco...) expressa a adoção de um valor para a unidade de medida

intermediária. Este é o elemento fundamental tanto para o conceito de multiplicação quanto

de divisão, que juntos, formam um sistema conceitual indissociável.

De acordo com Sternin (1965), o particular é o elemento de ligação entre o

singular e o universal que, na especificidade da relação em análise, é a unidade de medida

intermediária (divisor). Supomos que em valor seja 4. Assim, para a confecção de cada laço,

99

serão necessários 4 palmos de fita. A partir da unidade de medida básica (palmo), cuja medida

é representada pelo comprimento B, comporemos a unidade de medida intermediária (divisor)

constituída por 4 palmos (Ilustração 65).

Ilustração 65 – Constituição da particularidade

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

A cada 4 palmos, é possível produzir um laço. Ou seja, a unidade de medida

básica (B) cabe 4 vezes na medida intermediária (C). Ou ainda: C ÷ B = 4 (Ilustração 66).

Ilustração 66 – Esquema parcial, representativo da unidade de medida intermediária

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

Para determinar quantos laços poderão ser produzidos ao todo, com a quantidade

de fita disponível, será necessário calcular quantas vezes a medida intermediária 4 cabe no

todo n, conforme o esquema de setas a seguir (Ilustração 67):

Ilustração 67 – Esquema de setas representativo da operação de divisão n ÷ 4 = _____

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

100

Esse procedimento, de determinar quantas vezes o divisor (4) cabe no dividendo

(n) consiste na operação de divisão, cujo resultado é o quociente, o qual será representado

pela letra m (Ilustração 68).

Ilustração 68 – Modelo representativo da operação de divisão

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

Esses elementos que compõem a relação essencial do conceito de divisão

(unidade de medida básica, a unidade de medida intermediária e o total de ambas)

representam, aqui, uma relação particular, na qual o valor da unidade de medida intermediária

é 4.

A partir da revelação da relação particular e sua representação expressa

geométrica e algebricamente, iniciaremos as reflexões no plano aritmético. É nesse estágio

que se dá a generalização conceitual, em que o modelo universal revelado pode ser aplicado

nas diversas possibilidades singulares. Atinge-se o concreto ponto de chegada. Esse

movimento constitui a passagem do objeto em sua representação particular em direção ao

singular. A partir da relação universal do conceito de divisão, por intermédio da

particularidade, procederemos à generalização da relação universal do conceito de divisão

para situações singulares. Eis o processo de concretização da abstração.

O movimento de ascensão do abstrato ao concreto consiste em momentos de

“separação do próprio objeto, da própria realidade, refletida na consciência e por isso são

derivados do processo da atividade mental” (DAVÍDOV, 1988, p. 144, tradução nossa). Tal

atividade, que se inicia no plano objetal, atinge as abstrações por meio de um sistema de

símbolos constituído por esquemas, retas e arcos, que possibilita atingir o plano mental. A

relação essencial do conceito, revelada objetalmente, eleva-se ao plano mental por meio das

abstrações. A atividade que, inicialmente, necessitava dos atributos observáveis, é superada

por incorporação dos mesmos. Isso significa dizer que no modelo universal, expresso

geométrica e algebricamente, estão incorporados os elementos da relação objetal inicial.

Porém, supera a representação objetal, ao ter validade não só para aquela situação específica,

101

mas com possibilidade de aplicação em qualquer outra singularidade concreta, como a que

apresentaremos na sequência.

TAREFA 1: Suponhamos que o rolo de fita de Dona Baratinha contenha 16 unidades básicas

de comprimento, ou seja, 16 palmos, conforme o esquema apresentado na ilustração 69:

Ilustração 69 – 1ª tarefa, esquema de setas representativo da operação de divisão

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

Como determinar a quantidade de laços com esse comprimento de fita,

considerando que, para a produção de cada um, são necessários 4 palmos? De acordo com o

esquema anterior, o total de medidas básicas (dividendo) consiste em 16 unidades, e o valor

da medida intermediária (divisor) é 4. A quantidade de vezes que 4 cabe em 16 constitui o

quociente. Para determiná-lo, a reta numérica (Ilustração 70) é o elemento mediador.

Ilustração 70 – 1ª tarefa, operação de divisão na reta numérica

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

Na reta, formamos agrupamentos compostos por 4 unidades cada até atingir as 16

unidades. A quantidade de agrupamentos formados indica o resultado da operação da divisão:

o divisor cabe 4 vezes no dividendo (Ilustração 71).

Ilustração 71 – 1ª tarefa, esquema de setas da operação 16 ÷ 4 = 4

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

102

Ao atingir a singularidade do conceito de divisão, os elementos que constituem a

relação essencial são representados aritmeticamente: 16 ÷ 4 = 4. Ou seja, com 16 palmos de

fita serão produzidos 4 laços.

Outras hipóteses de singularidades podem ser objeto de reflexão. Inclusive o

professor poderá organizar os estudantes em grupos e, para cada qual, disponibilizar pedaços

de fita de comprimentos diferentes para que eles realizem diferentes medições. Haverá, assim,

distintas singularidades. Dentre estas, poderão ocorrer sobras de pedaços de fita insuficientes

para fazer um laço.

TAREFA 2: Por exemplo, se o comprimento total de fita consistir em 23 palmos, sendo 4

palmos para a produção de um laço, temos (Ilustração 72):

Ilustração 72 – 2ª tarefa, esquema de setas representativo da operação 23 ÷ 4 = _____

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

O registro dos dados no esquema possibilita a identificação da operação a ser

realizada. Como o valor desconhecido refere-se à quantidade de vezes que a unidade de

medida intermediária se repete, trata-se da operação de divisão. O dividendo é 23 e o divisor,

4. Qual o valor do quociente? Será determinado por meio da reta numérica (Ilustração 73).

Ilustração 73 – 2ª tarefa, operação de divisão com resto, na reta numérica

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

Com cada agrupamento, composto por 4 unidades, é possível produzir um laço. A

partir do todo (23) podemos confeccionar 5 laços de mesma medida e sobram 3 unidades de

103

medida básica (resto da divisão). A representação da operação no esquema consiste no

seguinte (Ilustração 74):

Ilustração 74 – 2ª tarefa, esquema representativo da operação 23 ÷ 4 = 5 (resto 3)

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

E se o resto da divisão for 4? Isso significa que existe um novo agrupamento e não

haverá resto. Disso decorre que o valor do resto, na operação da divisão, tem que ser,

necessariamente, menor do que o valor divisor (medida intermediária).

TAREFA 3: Suponhamos que o rolo meça 484 palmos. Como calcular a quantidade de laços

a serem produzidos? Nesse caso, em virtude do elevado valor do dividendo, a utilização da

reta numérica para realização da operação torna-se inviável. Faz-se necessária a

operacionalização no algoritmo. Mas, sua sistematização requer a devida reflexão sobre sua

estrutura interna relacionada ao valor posicional numérico. Por exemplo, na operação 484 ÷ 4

=___, o dividendo (484) é composto por 4 centenas, 8 dezenas e 4 unidades (Ilustração 75).

Ilustração 75 – 3ª tarefa, decomposição do dividendo

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

Uma centena é constituída por 100 unidades ou 10 dezenas. Assim, em 4 centenas

há 400 unidades ou 40 dezenas. Em 1 dezena há 10 unidades, portanto, em 8 dezenas há 80

unidades. Para realizar a divisão utilizaremos dividendos parciais: 4 centenas, 8 dezenas, 4

unidades. Iniciaremos com a divisão da centena: 4 centenas ÷ 4 = 1 centena (Ilustração 76).

104

Ilustração 76 – 3ª tarefa, representação do algoritmo: 4 centenas ÷ 4 = 1 centena

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

O próximo dividendo parcial serão as 8 dezenas, que, divididas por 4, resultarão

em 2 dezenas (Ilustração 77).

Ilustração 77 – 3ª tarefa, representação do algoritmo: 8 dezenas ÷ 4 = 2 dezenas

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

O último dividendo parcial são as 4 unidades, que, divididas por 4, resultam em 1

unidade (Ilustração 78).

Ilustração 78 – 3ª tarefa, representação do algoritmo: 4 unidades ÷ 4 = 1 unidade

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

Desse modo, a operação 484 ÷ 4 = ___ resulta em: 1 centena, 2 dezenas, 1

unidade (121). Os dividendos parciais, por serem maiores ou iguais ao divisor, possibilitaram

a divisão parcial.

A síntese dessa tarefa consiste em: como o dividendo apresenta valores

correspondentes à centena, dezena e unidade, no quociente haverá resultados referentes à

centena, dezena e unidade. Mas, se houver dividendos parciais menores que o divisor? Como

proceder?

105

TAREFA 4: Vamos exemplificar por meio da seguinte operação: 132 ÷ 4 (Ilustração 79).

Ilustração 79 – 4ª tarefa, representação do algoritmo: 132 ÷ 4 =___

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

Ressaltamos que a operacionalização da divisão deve ser relacionada com cada

valor posicional numérico correspondente ao dividendo parcial, conforme apresentamos na

ilustração 79. Iniciamos pela centena: 1 centena dividida por 4 unidades resulta em quantas

centenas?

Ilustração 80 – 4ª tarefa, representação do algoritmo: 1 centena ÷ 4 = ____ centena

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

A centena é constituída por 100 unidades, ao dividi-la por 4 não resultará

nenhuma centena, tendo em vista que a divisão de 100 unidades por 4 resultará em 25

unidades, ou seja, 2 dezenas e 5 unidades. Disso, podemos inferir que uma centena dividida

por 4 não resulta em nenhuma centena. Qual número representa nenhuma unidade? O zero

(Ilustração 81).

Ilustração 81 – 4ª tarefa, representação do algoritmo: 1 centena ÷ 4 = 0 centena

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

106

Como não é possível obter nenhuma centena inteira no quociente,

transformaremos a centena do dividendo em 10 dezenas que, somadas às 3 já existentes,

teremos um novo dividendo parcial: 13 dezenas (Ilustração 82).

Ilustração 82 – 4ª tarefa, representação do algoritmo: 13 dezenas ÷ 4 = ____ dezenas

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

As 13 dezenas divididas por 4 resultam em quantas? São 3 dezenas e sobra uma

(resto), conforme ilustração 83.

Ilustração 83 – 4ª tarefa, representação do algoritmo: 13 dezenas ÷ 4 = 3 dezenas (resto 1

dezena)

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

O resto parcial (uma dezena) é transformado em 10 unidades que serão somadas

às 2 unidades existentes. Temos um novo dividendo parcial: 12 unidades, que, divididas por

4, resultam em 3 unidades (Ilustração 84).

Ilustração 84 – 4ª tarefa, representação do algoritmo de 12 unidades ÷ 4 = 3 unidades

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

107

Além das hipóteses apresentadas até o momento, outras podem ser levantadas a

fim de ampliar o movimento conceitual em análise, a partir, por exemplo, do seguinte

questionamento:

TAREFA 5: Se Dona Baratinha receber cinco encomendas de laços, de 4 palmos cada,

quantos palmos de fita serão necessários? Qual operação será realizada? Primeiramente, faz-

se necessário retomar a ideia de unidade de medida intermediária que, de acordo com as

tarefas anteriores, consiste no comprimento de medida C, correspondente à quantidade de

palmos necessários para a confecção de um laço. Como foram encomendados 5 laços,

significa que a unidade de medida intermediária se repetirá por 5 vezes, segundo

procedimento realizado na reta numérica (Ilustração 85).

Ilustração 85 – 5ª tarefa, representação na reta numérica 4 x 5 = 4 + 4 + 4 + 4 + 4 ↔ 4 x 5 =

20

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

Os agrupamentos foram iniciados, na reta numérica, a partir do 0. O resultado, ou

produto, corresponde ao ponto de chegada do último arco (quinto). Deste modo, para a

produção de 5 laços serão necessários 20 palmos de fita.

No contexto da história virtual, da produção de laços da Dona Baratinha, os

estudantes não conseguiram ajudá-la. Isso aconteceu devido à utilização de uma unidade de

medida não padronizada, o palmo. Os estudantes tinham comprimentos de palmos diferentes

uns dos outros, por isso apresentaram tamanhos de laços distintos, pois cada ser é singular,

conforme ilustração 86.

Ilustração 86 – Comprimentos de palmos diferentes

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

108

Essa problemática é semelhante àquela vivenciada pelos povos primitivos

(IFRAH, 1997). Historicamente, as medições eram realizadas com partes do próprio corpo

humano. Nesse estágio, unidade de medida e instrumento de medição coincidiam. Além disso,

a medida da unidade variava de pessoa para pessoa. Isso desencadeou problemas que

exigiram a padronização de unidades de medida. Para tanto, a solução foi a adoção de uma

unidade de medida padronizada, como o quilograma para medir a massa, o metro para o

comprimento, entre outros. Para cada unidade de medida foram criados seus múltiplos e

submúltiplos. Lanner de Moura (1995, p. 45) enfatiza que a

criação de um sistema universal de medida não foi obra do acaso. Em fins do século

XVIII, com o avanço do comércio e da indústria, na Europa, tornava-se necessário

que se afirmasse uma linguagem universal de medida destinada a harmonizar a

produção e as trocas. Foi na França que se iniciou o movimento pela uniformização

dos padrões de medida.

Deste modo, compete a nós a utilização de unidades contemporâneas, visto que o

sistema métrico chegou, ao Brasil, em 1938 (LANNER DE MOURA, 1995). A adoção do

sistema métrico, em sua estrutura decimal, possibilita a comunicação do resultado da medição

universalmente. Tal como propomos na carta a seguir em resposta aos estudantes que

tentaram ajudar Dona Baratinha.

Ilustração 87 – Carta para Dona Baratinha (continua)

Caros estudantes,

Ao ler o relato da experiência que vocês vivenciaram no problema da produção de

laços apresentado por Dona Baratinha, ficamos interessadas em lhes ajudar, pois não é nada

fácil ensinar uma baratinha a fazer medições e cálculos.

Primeiramente, alertamos-lhes que a adoção do palmo como unidade de medida, para

medir comprimentos, inspira cuidados, pois cada ser apresenta palmos com comprimentos

diferentes. Para resolverem o problema de Dona Baratinha, sugerimos que vocês utilizem o

metro como unidade de medida.

Imaginemos que o comprimento do palmo de Dona Baratinha meça aproximadamente

10 cm. Para evitar equívocos, utilizaremos o centímetro, unidade de medida já padronizada

historicamente pela humanidade como submúltiplo do metro. No entanto, se não for 10 cm,

basta substituí-lo pela medida correta do comprimento do palmo da personagem, pois o

109

raciocínio matemático será o mesmo. Vale lembrar que, para a confecção de cada laço, são

necessários quatro palmos. Assim, em vez de utilizar o palmo como instrumento de medida,

vamos utilizar a régua, mas também poderia ser o metro, fita métrica, trena, entre outros.

Na régua, foi representada a unidade de medida equivalente ao que supomos para o

comprimento do palmo (10 cm). Esta se repetiu por 4 vezes, totalizando 40 cm, que será o

comprimento de fita necessário para a produção de cada laço, conforme os esquemas a

seguir:

Para a produção de cada laço, na hipótese de que o comprimento do palmo seja 10 cm,

serão necessários 40 cm de fita. Suponhamos, também, que a medida do rolo de fita seja 1

metro e 20 centímetros. Primeiramente, transformaremos 1 metro em centímetros, para

adotarmos a mesma unidade de medida na realização do cálculo. Mas quantos centímetros

compõem um metro?

É importante esclarecer que, de acordo com a padronização realizada historicamente, a

unidade de medida intermediária do metro é um decímetro, equivalente a 10 cm. Esta se

repete por 10 vezes. Com base nessas informações, já é possível responder ao

questionamento anterior, conforme o esquema de setas:

Por meio do esquema de setas, representamos a unidade de medida intermediária, 10

cm. Em 1 decímetro cabem 10 centímetros. Em 1 metro cabem 10 decímetros. A medida

intermediária 10 se repete por 10 vezes, totalizando, assim, 100 cm. Deste modo, em um

110

metro há 100, que equivale a 10 dm. No segmento de reta a seguir, apresentamos a relação

entre o metro, decímetro e centímetro, na forma de um sistema de medidas:

Como supomos anteriormente, o rolo de fita mede 1 metro e 20 centímetros. 1 metro

corresponde a 100 centímetros. O dividendo é, portanto, 120 centímetros (100 + 20). A

unidade de medida intermediária, agora, refere-se ao comprimento de cada laço, 40 cm

(divisor), conforme o esquema de setas da ilustração 90.

Para determinar o quociente, realizaremos o procedimento na reta numérica. O

esquema de setas consiste na operação 120 ÷ 40 = ____. A quantidade de vezes que 40 cm

cabem em 120 cm corresponde ao quociente: o número de laços que poderão ser produzidos

com 120 centímetros de fita.

O quociente 3 corresponde ao número de agrupamentos, constituídos por 40 unidades

básicas, conforme indicam os arcos apresentados na reta anterior. Desse modo, o ponto de

interrogação no esquema de setas é substituído pelo número 3:

111

No entanto, para a operacionalização com números maiores, sugerimos a adoção do

algoritmo, conforme segue:

O primeiro dividendo parcial, 1 centena, dividida por 40 unidades, resultará em

nenhuma centena. 1 centena é transformada em 10 dezenas, que, somadas a 2 dezenas,

constituirão o segundo dividendo parcial, 12 dezenas. 12 dezenas divididas por 40 unidades

resultarão em 0 dezenas. 12 dezenas são transformadas na ordem imediatamente inferior, 120

unidades. 120 unidades divididas por 40 unidades resultarão em 3 unidades, não sobrando

resto.

Enfim, estudantes, vocês não chegaram a resultados únicos porque adotaram

comprimentos de palmos diferentes como unidade de medida. Quanto à solicitação de Dona

Baratinha, se o rolo de fita medir 120 cm de comprimento e a medida do palmo for 10 cm,

poderão ser confeccionados 3 laços. Porém, se essas medidas forem diferentes, basta seguir o

mesmo raciocínio que adotamos no decorrer desta carta-resposta.

112

Caso as explicações da carta sejam insuficientes, estamos enviando, também, algumas

tarefas16 que podem lhes auxiliar nessa compreensão. Sempre que precisarem, contem

conosco! Um grande abraço!

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

SÍNTESE

No contexto das reflexões gepapeanas, “a situação desencadeadora de

aprendizagem equivale às tarefas de estudos” davydovianas (MORAES, 2008, p. 99). Desse

modo, durante a resolução do problema desencadeador, apresentado na história virtual “A

produção de laços de Dona Baratinha”, seguimos o movimento conceitual proposto por

Davýdov para o desenvolvimento da tarefa de estudo por meio das seis ações e suas

correspondentes tarefas particulares, conforme o quadro 2.

Quadro 2 – Síntese da resolução da história virtual (continua)

SÍNTESE DO MOVIMENTO CONCEITUAL PERCORRIDO NA RESOLUÇÃO DO

PROBLEMA DESENCADEADOR APRESENTADO NA HISTÓRIA VIRTUAL

AÇÃO SÍNTESE DE CADA AÇÃO NO DECORRER DA RESOLUÇÃO DO

PROBLEMA DESENCADEADOR APRESENTADO NA HISTÓRIA VIRTUAL

“A PRODUÇÃO DE LAÇOS DE DONA BARATINHA”

Primeira

Inicialmente revelamos os elementos que constituem a relação universal, no plano

objetal, representado por meio da fita e do palmo, o concreto ponto de partida que

consistiu na relação entre as grandezas presentes nos objetos em análise. Enquanto

necessidade, que possibilita a reprodução da gênese do conceito de divisão, propusemos

a determinação da quantidade de laços a serem produzidos com um rolo de fita. Durante

as reflexões sobre o problema desencadeador revelamos os elementos que compõem a

relação universal: a unidade de medida básica (comprimento de cada palmo), unidade de

medida intermediária (comprimento de cada laço) e o total de ambas (comprimento do

rolo de fitas), porém no plano geral. A partir da contagem da quantidade de palmos é

que introduzimos a necessidade dos agrupamentos e, assim, inserimos a unidade de

medida intermediária.

Segunda

A partir da relação entre os comprimentos, por meio dos três elementos revelados na

ação anterior, propusemos a realização de abstrações da relação essencial entre estes.

Trata-se da modelação da relação universal do conceito de divisão nas formas objetal,

gráfica e literal, por meio das significações aritméticas, algébricas e geométricas. A

interconexão dos elementos que constituem a relação universal é revelada nas seguintes

modelações:

objetal, por meio dos comprimentos do palmo, de cada laço e do rolo de fita;

gráfica, por meio de segmentos, arcos, esquema de setas e reta numérica;

literal ou algébrica, por meio de letras e símbolos.

16 Trata-se das tarefas de 1 a 5 apresentadas no presente capítulo.

113

(continuação)

SÍNTESE DO MOVIMENTO CONCEITUAL PERCORRIDO NA RESOLUÇÃO DO

PROBLEMA DESENCADEADOR APRESENTADO NA HISTÓRIA VIRTUAL

AÇÃO SÍNTESE DE CADA AÇÃO NO DECORRER DA RESOLUÇÃO DO

PROBLEMA DESENCADEADOR APRESENTADO NA HISTÓRIA VIRTUAL

“A PRODUÇÃO DE LAÇOS DE DONA BARATINHA”

Terceira

A relação universal é transformada em três modelos distintos, que possibilitam a

determinação de qualquer elemento desconhecido dessa relação. Assim, quando o todo e

uma das partes eram conhecidos, a operação realizada foi a divisão e, inversamente,

quando havia as duas partes, a determinação recaía sobre o todo, por meio da

multiplicação.

Com a transformação do modelo da relação universal, concluímos o movimento de

redução do concreto ao abstrato na dimensão do geral.

Quarta

Nessa ação, procedemos ao movimento de ascensão do abstrato ao concreto por meio

das particularidades e singularidades. Trata-se da aplicação da relação universal.

Iniciamos esse processo com a delimitação de uma situação particular, na qual

determinamos um valor aritmético para unidade de medida intermediária (4). A partir

dela, procedemos às situações singulares, tanto por meio da multiplicação quanto da

divisão. Por exemplo, ao supormos que o comprimento do rolo de fita era 1 metro e 20

centímetros, geramos a necessidade de transformar a unidade de medida (metro em

centímetros). As transformações das unidades de medidas consistem nas singularidades

que resultam da expressão aritmética do valor desconhecidos. Essas transformações

particulares e singulares foram sustentadas nos três modelos apresentados na ação

anterior e constituem o concreto ponto de chegada, síntese das múltiplas determinações

(MARX, 1985). O concreto ponto de chegada foi o mesmo que gerou o início da

resolução (os comprimentos do palmo, dos laços e do rolo de fitas). Porém, o ponto de

partida, foi de caráter geral e o de chegada refere-se a uma das infinitas possibilidades

de expressão particular e singular do mesmo.

Quinta A ação de controle sobre o processo de ensino e aprendizagem poderá ser realizada em

todas as tarefas particulares apresentadas no decorrer deste trabalho, por meio da

simulação de hipóteses equivocadas. Se os estudantes constatarem o equívoco,

prossegue-se com as demais tarefas; caso isso não ocorra, faz-se necessário retomá-las.

Sexta Concomitantemente à ação do controle, o professor realiza a avaliação do processo de

ensino e aprendizagem.

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

O ponto de partida foi a relação entre as grandezas com possibilidades de

revelação dos elementos que compõem a relação universal do conceito de divisão. Trata-se da

unidade de medida básica, unidade de medida intermediária e do total de ambas em

interconexão. A unidade de medida intermediária é elemento essencial do conceito de divisão

e de multiplicação. Ela consiste nos agrupamentos que se expressam na multiplicação, como o

multiplicando, e na divisão como divisor.

Contudo, a inter-relação dos conceitos, nessa perspectiva, vai além da

multiplicação e divisão. A essência dos agrupamentos, enquanto constituição conceitual,

também pode ser verificada na proposição davydoviana para o ensino do sistema de

114

numeração (SILVEIRA, 2015). Por exemplo, no sistema de numeração quaternário, a base é

quatro, os agrupamentos serão formados de quatro em quatro unidades. Já no decimal, os

agrupamentos são formados por 10 unidades. Ao atingir a décima unidade ocorre a formação

de uma nova ordem. Como explica Silveira (2015, p. 50), a “base numérica determina o valor

máximo que cada ordem poderá conter, pois, cada vez que esse valor for atingido, formará

uma nova ordem”.

Na resolução da história virtual consideramos a base numérica decimal. No

processo de sistematização da operacionalização do conceito de divisão, na decomposição do

dividendo em outros parciais e, também, na padronização das medidas, o sistema adotado por

Davýdov também foi o decimal. Entretanto, o ensino do sistema de numeração, que antecede

a sistematização da operação do conceito de divisão, na referida proposição, decorre da

reflexão sobre a composição das diversas bases numéricas decorrentes dos diferentes

agrupamentos, tal como nos conceitos de divisão e multiplicação.

Além disso, no processo de sistematização da operação de divisão, o valor

posicional do número foi considerado para a reflexão sobre os dividendos parciais, o que deu

significação numérica ao algoritmo. Não se trata de um simples procedimento memorizável,

cujos passos são seguidos, sem nenhuma ou pouca explicitação do conceito em

operacionalização, qual seja, o de número. Ao contrário, nossa pretensão, ao produzirmos a

história virtual e ao desenvolvê-la matematicamente, é de que esta se constitua em subsídio

para as reflexões sobre a organização do ensino do conceito de divisão com teor teórico.

115

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sem dúvida alguma a experiência vital da criança deve ser utilizada

no ensino, mas somente pela via de sua reestruturação

qualitativa dentro da forma especial e nova para o

estudante, do conhecimento científico teórico. Com

frequência não se considera esta circunstância durante o

ensino dos estudantes de menor idade, o que pode

considerar-se uma consequência característica da

aplicação da teoria do pensamento empírico [...]

(DAVÍDOV, 1988, p. 111, tradução nossa).

A epígrafe acima consiste em uma afirmação de caráter essencial, se

considerarmos o modo que o ensino brasileiro, de forma geral, está organizado (ROSA, 2012;

HOBOLD, 2014). Os estudos desenvolvidos na unidade de relacionamento catarinense do

GEPAPe (SILVEIRA, 2015; GALDINO, 2016) permitem-nos afirmar que há discrepâncias

no que tange ao conteúdo e ao método desenvolvidos atualmente nas escolas de nosso país e

no modo de organização de ensino que almejamos. Por entendermos que toda pesquisa

científica deve trazer contribuições para os diversos âmbitos da sociedade, a expectativa é de

que este trabalho contribua ao menos para aqueles que fazem parte do espaço educacional

refletirem sobre a organização do ensino e o conteúdo correspondente a ele.

É recorrente a afirmação de que, no processo de ensino e aprendizagem, deve-se

partir dos conhecimentos que as crianças já têm. Considera-se, pois, que o ponto de partida

seja o conhecimento empírico para, então, introduzir os conhecimentos teóricos (DAVÝDOV,

1982). Assim, desde o processo inicial de constituição deste trabalho já trazíamos indagações

de mesmo teor desses que seguem: Como ensinar conceitos científicos? Como ensinar os

conceitos matemáticos de modo a desenvolver nos estudantes a capacidade de pensar

teoricamente?

Nesse sentido, direcionamos nosso olhar para a proposição davydoviana. Nesta,

elegemos como objeto de estudo a relação universal do conceito de divisão e sua objetivação

nas tarefas particulares elaboradas por Davýdov e colaboradores. Tais tarefas foram extraídas

do livro didático davydoviano do segundo, terceiro e quarto anos do Ensino Fundamental.

Concomitantemente, analisamos as seis ações de estudo que compõem a tarefa de estudo.

Uma questão configurou-se como central na presente investigação: “Qual é a

relação universal do conceito de divisão e sua manifestação nas tarefas particulares

correspondentes às seis ações de estudo?”

116

Nessa direção, para responder a tal indagação, estabelecemos como objetivo

analisar como a relação essencial do conceito de divisão se manifesta nas tarefas particulares

correspondentes às seis ações de estudo davydovianas. Durante a análise das tarefas

particulares tal relação foi revelada. Esta é constituída pelos seguintes elementos: unidade de

medida básica, unidade de medida intermediária e o total de ambas. A relação essencial do

conceito de divisão consiste, pois, na determinação da quantidade de vezes que o divisor

(unidade de medida intermediária) cabe no dividendo (total de unidades de medida básica e

intermediária). Além disso, investigamos a objetivação da relação essencial nas seis ações de

estudo, conforme apresentamos no segundo capítulo.

Sustentamos as reflexões com base nos fundamentos do Materialismo Histórico e

Dialético e da abordagem Histórico-Cultural para confirmar a hipótese de investigação: “as

tarefas davydovianas, referentes à divisão, são interconectadas pela relação universal do

conceito, no contexto das seis ações de estudo”. A relação essencial da divisão, revelada na

primeira ação, no plano objetal, manifesta-se em todas as ações seguintes. Tais manifestações

passam por sucessivas abstrações, modificando, assim, sua representação, inicialmente no

plano objetal, em seguida, na forma gráfica e, finalmente, atinge o modelo literal do conceito.

Para investigar a manifestação da relação essencial do conceito de divisão,

adotamos como unidade de análise o movimento conceitual entre geral, particular e singular

orientado pela relação universal.

Esse movimento conceitual tem como ponto de partida a relação entre as

grandezas discretas e contínuas, cujas medidas do ponto de vista aritmético são

desconhecidas, ou seja, de modo geral. A partir dessa relação, ocorrem abstrações que

possibilitam a manifestação de novas sínteses. A delimitação da unidade de medida

intermediária, como expressão do particular, revela-se nesse movimento. Esta unidade é o

elemento central de formação do conceito de multiplicação e divisão.

O modelo algébrico é a abstração máxima do processo de redução do concreto

ponto de partida. Por outro lado, no concreto ponto de chegada ocorre a generalização

conceitual, por meio da qual a relação essencial pode ser aplicada nas diversas singularidades.

Dentre elas, a sistematização das medidas padronizadas.

A reflexão sobre a unidade de análise possibilitou-nos constatar que o ponto de

partida para o desenvolvimento do conceito de divisão, na proposição davydoviana, ocorre no

plano teórico, na relação entre as grandezas discretas e contínuas. Porém, vale ressaltar que o

ponto de partida é o plano objetal, o experimento objetal, os elementos sensoriais visualmente

dados. Trata-se de uma atividade, a princípio, externa, a ser desenvolvida no coletivo que, na

117

sequência, é mediada por “diferentes meios materiais [...]” (DAVÍDOV, 1988, p. 56). Esses

meios, não empíricos, são aqueles que fazem a mediação entre o plano objetal e mental, tais

como a reta numérica, esquema de seta e os arcos. A relação universal está presente em todas

as modelações, desde o plano objetal, gráfico ao literal, o que implica na interconexão das

significações aritméticas, geométricas e algébricas.

A finalidade da pesquisa consistiu na possibilidade de desenvolvimento do

pensamento teórico por meio da apropriação científica dos conceitos, mas consciente de que

um único conceito matemático é insuficiente para a formação do pensar teórico. É necessário

um sistema conceitual mais amplo, que envolva outras áreas do conhecimento e de condições

objetivas para tal, visto que, como já dito, há muitos fatores educacionais que impedem ou

reduzem a possibilidade de se atingir esse intento, como as condições sociais, econômicas,

físicas, familiares, dentre outras. No entanto, em consideração aos limites atinentes à

pesquisa, que teve como foco principal o conceito de divisão e sua sistematização,

apresentamos reflexões que poderão subsidiar a elaboração de um projeto educacional com o

propósito de atingir a finalidade proposta.

Cabe enfatizar que Davýdov desenvolveu sua obra no contexto russo, no

momento histórico em que a educação escolar primava pelo desenvolvimento de

conhecimentos empíricos, tal como ocorre em nosso país atualmente (ROSA, 2012). E que,

mesmo assim, foi capaz de reverter esse quadro e propiciar aos estudantes, que se utilizaram

do ensino organizado por ele e seu grupo, a apropriação de conhecimento científico e

desenvolvimento do pensamento teórico (DAVÝDOV, 1982; DAVÍDOV 1988). Disso

decorre que, de acordo com o autor em referência, ao modificar os métodos de ensino e os

conteúdos, pode-se realizar possíveis transformações no processo de ensino e aprendizagem.

Considerando a semelhança entre o atual modo de organização de ensino

brasileiro com aquele desenvolvido na Rússia no momento em que Davýdov produziu sua

obra, vislumbramos a possibilidade de repensarmos a educação brasileira a partir das

reflexões davydovianas. A AOE se constitui num contexto profícuo para esse intento. Isso

porque, assim como na Teoria desenvolvimental, na AOE a necessidade, que é gerada na

situação desencadeadora de aprendizagem, implica em colocar os estudantes em atividade de

estudo, na busca por soluções que se objetivam nos conceitos matemáticos em nível teórico.

Dentre os recursos propostos pela AOE elaboramos e desenvolvemos

matematicamente uma história virtual. O conceito norteador é o de divisão, inter-relacionado

com outros conceitos matemáticos, principalmente, o de multiplicação, uma vez que ambos

conformam um sistema conceitual cuja relação interna, de origem, é a mesma. Além disso,

118

refletimos sobre alguns elementos teóricos que fundamentam o movimento conceitual, tais

como a relação entre o abstrato e o concreto e o movimento entre geral, particular e singular.

Trata-se, portanto, da objetivação do movimento conceitual proposto nas tarefas

davydovianas no desenvolvimento de uma história virtual.

Finalizamos a dissertação com a convicção de que a pesquisa não se encerra na

ação de defendê-la. Outras questões ficam em aberto, como, por exemplo, a objetivação do

movimento lógico-histórico no contexto das seis ações referentes ao conceito de divisão. A

única certeza que temos é da necessidade de continuidade, de modo a fazermos parte do

projeto de transformação que por ora almejamos.

119

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