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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ JULIANO BITENCOURT PINTER ANÁLISE CRÍTICA DO HABEAS CORPUS N. 84.078-MG: A (in)constitucionalidade da execução provisória São José-SC 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

JULIANO BITENCOURT PINTER

ANÁLISE CRÍTICA DO HABEAS CORPUS N. 84.078-MG: A (in)constitucionalidade da execução provisória

São José-SC

2009

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JULIANO BITENCOURT PINTER

ANÁLISE CRÍTICA DO HABEAS CORPUS N. 84.078-MG: A (in)constitucionalidade da execução provisória

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI , como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos

Santos

São José-SC 2009

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JULIANO BITENCOURT PINTER

ANÁLISE CRÍTICA DO HABEAS CORPUS N. 84.078-MG: A (in)constitucionalidade da execução provisória

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e aprovada pelo

Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Penal

São José-SC, 17 de novembro de 2009.

Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos Santos UNIVALI – Campus de São José

Orientador

Prof. MSc. Daniel Lena Neto Universidade Federal de Santa Catarina

Membro

Prof. MSc. Marciane Zimmermann Ferreira UNIVALI – Campus de São José

Membro

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Dedico este trabalho especialmente aos meus amigos e familiares pelo

incessante estímulo.

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AGRADECIMENTOS

A realização deste trabalho só foi possível graças à colaboração direta e indireta de

muitas pessoas e, por isso, merece esse registro. Exponho minha gratidão a todas elas e de

forma particular:

Ao Professor Mestre Rodrigo Mioto dos Santos, que me orientou e, graças as suas

valiosas lições, foi possível concluir este trabalho monográfico.

Meu agradecimento especial a minha namorada, aos meus amigos e meus familiares

que tanta paciência tiveram nesta jornada e, nas horas necessárias, mantiveram meu estímulo

em alta.

A todos, muito obrigado.

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“A razão traduz a lógica do

pensamento, mas é na ousadia

intelectual que me conforto.”

Douglas Dellazari

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a

coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer

responsabilidade acerca do mesmo.

São José, novembro de 2009.

Juliano Bitencourt Pinter

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RESUMO

O desígnio deste trabalho monográfico se inclina a verificar se, de fato, a execução provisória – também conhecida como execução antecipada da pena – viola, ou não, o princípio da presunção de inocência, garantido a todos, sem exceção, que até então era amplamente adotada no Brasil. De início, busca-se expor os principais argumentos adotados pela doutrina e jurisprudência para justificar a aceitação e eliminação da execução provisória em nosso ordenamento jurídico. Em um segundo momento, caracteriza-se o princípio chave para a resolução do conflito exposto, qual seja a presunção de inocência, desde o seu surgimento – no período iluminista – até os dias de hoje, demonstrando de que maneira se tornou uma opção pela proteção do indivíduo em detrimento do poder de persecução penal exercida pelo Estado, volvendo-se no princípio reitor do processo penal. Por derradeiro, faz-se um debate abrangendo os votos de todos os ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus n. 84.078-MG, no qual o pretório excelso pacificou o entendimento sobre a matéria. Palavra-chave: execução provisória da pena; princípio da presunção de inocência; análise do Habeas Corpus n. 84.078-MG.

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ABSTRACT

The design of this monograph is inclined to see if, in fact, provisional enforcement - also known as early enforcement of the sentence - infringe, or not, the presumption of innocence guaranteed all, without exception, which until then was widely adopted in Brazil. Initially, we seek to expose the main arguments adopted by the doctrine and case to justify the acceptance and disposal of provisional enforcement in our legal system. In a second moment characterized the key principle for resolving the conflict exposed which is the presumption of innocence, since its inception - in the Enlightenment - to the present day, showing how they became an option for the protection of the individual over the power of pursuit prosecution brought by the state, turning on the guiding principle of the process criminal. For last, it is a debate covering the votes of all ministers of the Supreme Court in the trial of Habeas Corpus n. 84,078-MG, where the Notable Praetorian pacified the understanding of the matter.

Keyword: provisional enforcement of the sentence; the presumption of innocence; analysis of Habeas Corpus n. 84.078-MG.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10

1 EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA: DELIMITAÇÕES INICIAIS ............................. 13

1.1 A CARACTERIZAÇÃO DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA ....................... 14

1.2 OS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA ...... 17

1.2.1 Mandados Expressos de Criminalização .................................................................. 17

1.2.2 Do Afastamento dos Direitos Fundamentais ............................................................ 21

1.2.3 Coisa Julgada ou Caso Julgado? .............................................................................. 23

1.2.4 As Repercussões da Não Aplicação da Execução Provisória .................................. 25

1.2.5 Da Matéria Tratada em Sede de Recurso Extraordinário e Recurso Especial ......... 27

1.2.6 Do Efeito Recursal dos Recursos Extraordinário e Especiaa e a Sua Morosidade .. 28

1.2.7 Proposta Legislativa ................................................................................................. 30

1.3 OS ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA ...... 31

1.3.1 Da Incompatibilidade da Execução Provisória com a Presunção de Inocência ....... 31

1.3.2 Da Necessidade do Trânsito em Julgado Previsto na Lei de Execuções Penais ...... 34

1.3.3 Da Incompatibilidade da Execução Provisória com a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos .............................................................................................................. 37

1.3.4 Da Não Recepção dos Recursos Extraordinários e Especiais pelo Constituição Federal de 1988 ................................................................................................................. 38

1.3.5 Da Política Criminal Adotada e Sua Inobservância ao Princípio da Dignidade Humana ............................................................................................................................. 39

2 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ............................................................... 41

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NO MUNDO ........ 41

2.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NO BRASIL ......... 46

2.3 CARACTERIZAÇÃO E DELIMITAÇÃO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ....... 48

3 ANÁLISE DOS VOTOS DOS MINISTROS NO HC 84078: SOBRE O (DES)ACERTO DA DECISÃO .......................................................................................................................... 56

3.1 ANÁLISE CRÍTICA DO VOTO DO MINISTRO EROS GRAU (RELATOR) ........... 56

3.2 ANÁLISE CRÍTICA DOS DEMAIS VOTOS ............................................................... 64

CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 72

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 74

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INTRODUÇÃO

Esta monografia terá como um de seus escopos a avaliação dos votos exarados no

Habeas Corpus n. 84.078-MG, ajuizado perante o Supremo Tribunal Federal em março de

2004. O Habeas Corpus trata sobre a possibilidade de proceder-se à execução da pena antes

do trânsito em julgado da ação penal condenatória.

Sempre foi amplamente aceito em nosso ordenamento jurídico a execução provisória

da pena, o que, na mesma proporção, ocasionava imensa perturbação entre os doutrinadores e

até mesmo por alguns aplicadores do direito. A jurisprudência do Pretório Excelso, anterior ao

Habeas Corpus n. 84.078-MG, frise-se, poucas vezes entendeu pela inconstitucionalidade da

execução provisória, o que, por via de consequência, influenciava os tribunais de instancias

inferiores. Existem julgados em todos os graus de jurisdição, resolvendo a questão da mesma

forma que o Supremo Tribunal Federal solucionava, permitindo a existência da execução

antecipada da pena, sem a violação do princípio da presunção de inocência.

Diante deste panorama, o qual era atacado por ampla parcela da doutrina e poucos

julgadores, o Supremo Tribunal Federal resolveu levar ao plenário o julgamento do Habeas

Corpus sobredito, para reanalise e possível mudança de posicionamento. Interposto, como já

foi dito, em março, pouco tempo depois – em 26 de abril de 2004 – houve decisão

monocrática, em sede de liminar, do relator então Relator Min. Nelson Jobim, no sentido de

indeferir o pedido o Habeas Corpus. Ato contínuo, depois de pedido de reconsideração da

defesa, referido Ministro decidiu pelo deferimento da liminar até o julgamento final do

pedido. Prosseguindo o julgamento, no dia 24 de novembro de 2004, a Turma por maioria de

votos decidiu remeter o presente pedido de habeas corpus a julgamento do Tribunal Pleno.

Depois de afastado os fundamentos da prisão preventiva, o encarceramento do paciente

ganhou contornos de execução provisória, razão pela qual a turma deliberou sobre este tema.

O julgamento resultou em sete votos no sentido de que não é possível a coexistência da

execução provisória com o princípio da presunção de inocência, e quatro votos contrários.

O primeiro capítulo versa sobre a questão da execução provisória em si. Em um

primeiro momento, a meta será analisar a execução provisória da pena em sua essência,

impondo suas principais características, generalidades, conceitos, argumentos favoráveis,

argumentos contrários. Assim, quanto aos argumentos favoráveis, arbordar-se-á as seguintes

questões: a) a possibilidade de executar-se a pena antecipadamente dos crimes tidos como

expressos comandos de criminalização emanados da Constituição Federal; b) a possibilidade

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de executar-se a pena antecipadamente pela possibilidade de afastar-se o direito fundamental

da presunção de inocência, a exemplo das decisões que possibilitam a existência da

interceptação telefônica e quebra de sigilo bancário em nosso ordenamento, mesmo violando

a privacidade e intimidade da pessoa, também garantidas pela Constituição Federal; c) a

possibilidade de executar-se a pena antecipadamente pela interpretação do termo “coisa

julgada” em diferentes graus de aplicabilidade, havendo o “caso julgado” e a “coisa julgada”;

d) a possibilidade de executar-se a pena antecipadamente pela repercussão negativa que, caso

não pudesse, causaria na sociedade; e) a possibilidade de executar-se a pena antecipadamente

em razão da matéria tratada em sede de recurso extraordinário e recurso especial, eis que

tratará somente de atos formais, pois o mérito já teria sido julgado nas instancias ordinárias; f)

a possibilidade de executar-se a pena antecipadamente pelo fato dos recursos extraordinários e

especiais padecerem de efeito suspensivo; e g) a possibilidade de executar-se a pena

antecipadamente em razão da morosidade que causaria a prescrição de grande parte dos

processos penais.

Quanto aos aspectos desfavoráveis à execução provisória, demonstrar-se-ão os

seguintes pontos: a) a impossibilidade de executar-se a pena antecipadamente pela

incompatibilidade da execução provisória com a presunção de inocência; b) a impossibilidade

de executar-se a pena antecipadamente pela necessidade do transito em julgado previsto na lei

de execuções penais para haver a execução da pena; c) a impossibilidade de executar-se a

pena antecipadamente pela incompatibilidade da execução provisória com a convenção

americana sobre direitos humanos ratificada pelo Brasil, que, também, prevê a presunção de

inocência até o transito em julgado da ação penal; d) a impossibilidade de executar-se a pena

antecipadamente pela não recepção dos recursos extraordinários e especiais pelo Constituição

Federal de 1988; e) a impossibilidade de executar-se a pena antecipadamente por observância

ao princípio da dignidade humana; e f) a política criminal repressiva adotada no país.

Tal análise mostra-se de suma importância para a formação de uma convicção e,

posterior, posicionamento acerca do problema já exposto, de tal forma, que possibilite o

entendimento do assunto, além de sua repercussão, em nosso ordenamento, dependendo de

sua análise.

Já no segundo capítulo, será feita uma abordagem detalhada acerca do princípio da

presunção de inocência com o fim precípuo de dar base para a análise do Habeas Corpus em

apreço, e chegar-se a uma conclusão lógica. De início, demonstrar-se-á como surgiu referido

princípio, revelando seus pontos altos e baixos no decorrer da história, inclusive, no Brasil.

Posteriormente, se fará uma análise aprofundada das ramificações do princípio sobredito

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demonstrando de que maneira e em que fase processual atuam.

Por sua vez, o terceiro capítulo abordará os votos proferidos pelos ministros do

Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus n. 84.078, da relatoria do Ministro Eros Graus,

julgado pelo pleno da Suprema Corte no dia 5 de fevereiro de 2009. Tal análise mostra-se

necessária para se verificar de que maneira os posicionamentos salientados no primeiro

capítulo se relacionam com as definições com as definições elencadas sobre a presunção de

inocência no segundo capítulo.

Ressalte-se, por derradeiro, que o presente trabalho será realizado seguindo o método

indutivo dedutivo. Portanto, partir-se-á da explicação dos posicionamentos possíveis para a

execução provisória e do princípio constitucional da presunção de inocência para que, ao

final, conclua-se se a execução provisória é (in)compatível com o Estado Democrático de

Direito.

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1 EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA: DELIMITAÇÕES INICIAI S

Em tempos atuais, não é preciso pensar muito para afirmar que o maior problema

existente, em matéria de processo penal, é a morosidade judicial decorrente da alta demanda1,

e a insegurança gerada por isto, a qual, vale ressaltar, provém única e exclusivamente da

ineficiência de nosso sistema Judiciário.

Esse fato se apresenta não apenas no plano do conhecimento e da solução exarada pelo

juízo criminal, mas também, na fase de execução da sentença prolatada por este.

Nesse aspecto, vale frisar que nosso sistema social, cada vez mais complexo e com

tamanha diversidade de delitos, exige respostas imediatas. Por via de consequência, nossos

juristas pensam, a todo instante, em criar um processo capaz de efetivar a tutela jurisdicional

prestada pelo Estado de forma ágio e coerente, respeitando, todavia, as normas

constitucionais.

Anote-se, apenas para registro, que não faz muito tempo, em virtude da emenda

constitucional n. 45, foi acrescentado no rol de garantias fundamentais, o direito a prestação

jurisdicional célere2. A bem da verdade, tal garantia já estava, há muito tempo, implícita no

conceito de devido processo legal3.

A verdade é que a sociedade, em busca de segurança social, clama para que o acusado,

alvo da sentença penal condenatória, mesmo que pendente recurso, não aguarde o longo

trâmite processual em liberdade. Tal anseio resultou na criação da chamada execução

provisória da pena4.

A execução provisória da pena, neste ano em especial, trouxe um verdadeiro bulício

entre os juristas do país no que tange a sua aplicação em sanções privativas de liberdade

exaradas em sentenças ou acórdãos condenatórios.

1 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Presidido pelo Ministro Gilmar Mendes. Desenvolvido pelo Poder Judiciário, 2007. Apresenta números acerca do Poder Judiciário. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/relatorios/justica_em_numeros_2007.pdf>. Acesso em: 2 abr. 2009. 2 Art. 5º, LXXVIII, da CRFB/88: A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 2 abr. 2009). 3 Art. 5º, XXXV, da CRFB/88: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. (BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 2 abr. 2009). 4 Também conhecida como execução antecipada da pena ou execução imediata da pena.

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Em razão disso, neste capítulo, trataremos sobre a execução provisória da pena em sua

essência, impondo suas principais características, generalidades, conceitos, argumentos

favoráveis, argumentos contrários.

Tal análise mostra-se de suma importância para a formação de uma convicção e,

posterior posicionamento acerca do problema já exposto, de tal forma, que possibilite o

entendimento do assunto, além de sua repercussão, em nosso ordenamento, dependendo de

sua análise.

1.1 A CARACTERIZAÇÃO DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA

A execução antecipada da pena privativa de liberdade vem, há muitos anos, sendo

aplicada de forma vultosa na esfera do direito penal, inclusive, pelos principais Tribunais de

nosso país5, os quais, até então, preconizavam a possibilidade de sua aplicação de forma

ampla e inconteste.

A execução provisória da sentença condenatória penal traduz-se na idéia de que certas

decisões poderão emanar seus efeitos assim que forem proferidas. Ou seja, ao menos por ora,

seus efeitos serão aplicados ao acusado mesmo antes do trânsito em julgado da sentença ou

acórdão condenatórios. Neste caso, satisfeitas algumas peculiaridades, torna-se possível o

enclausuramento do apenado, a princípio, sem qualquer afronta a nossa Constituição da

República Federativa do Brasil.

Essa é a explicação proferida por Guilherme Madeira Dezem:

Com execução provisória traduz-se a idéia de que determinadas decisões podem produzir eficácia antes do trânsito em julgado de determinada decisão. Assim, satisfeitas algumas situações é possível, sem qualquer violação constitucional, que se antecipem os efeitos do julgado. 6

A execução provisória, ao contrário da execução definitiva7, ocorrerá quando se tratar

de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo, ou seja,

em sede de recurso extraordinário e recurso especial.

5 Leiam-se STF e STJ. Vide acórdãos: a) STJ: HC 96575, HC 98005, HC 100654; b) STF: RHC 84846, HC 83978. 6 DEZEM, Guilherme Madeira. Presunção de Inocência: efeito suspensivo dos recursos extraordinário e especial e execução provisória. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 16, n. 70, p. 269, jan. 2008. 7 A execução definitiva ocorrerá quando houver o trânsito em julgado da sentença condenatória penal.

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Em outras palavras, ter-se-á execução provisória, quando por iniciativa do Estado,

com base em uma sentença condenatória provisória, iniciar-se a efetivação dos efeitos dessa

emanados, visando a garantia da ordem social.

Na maioria dos Estados a execução provisória vem prevista na legislação interna dos

respectivos Tribunais de Justiça. Com nosso Estado não é diferente, o Tribunal de Justiça de

Santa Catarina estabelece as normas referentes à execução provisórias nos arts. 321, 322, e

323, do Código de Normas.

Eis a sua transcrição:

Art. 321. É possível, em matéria criminal, determinar a extração, por cópia, dos atos processuais necessários à formação do PROCESSO DE EXECUÇÃO CRIMINAL PROVISÓRIO - "PEC PROVISÓRIO", antes da remessa dos respectivos autos de processo-crime ao Tribunal de Justiça, em grau de recurso, com trânsito em julgado para a acusação, viabilizando execução provisória. Art. 322. O PEC PROVISÓRIO será formado com peças previstas para o PEC, sendo obrigatória a inserção de certidão referente ao recurso da defesa e o trânsito em julgado para a acusação. Art. 323. Após o julgamento do recurso interposto e mantida a condenação, o PEC PROVISÓRIO será convertido em definitivo, acrescentando-se os documentos necessários e realizadas as devidas anotações na autuação e registros. 8

E, até a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, tal regimento vinha sendo

aplicado de forma ampla, como se vê:

PENAL E PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - RÉU CONDENADO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA POR ROUBO CIRCUNSTANCIADO - INÍCIO DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA EM REGIME SEMI-ABERTO - PROGRESSÃO PARA O REGIME ABERTO - PROVIMENTO DO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA INCLUIR NA CONDENAÇÃO OS DELITOS DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA E POSSE DE ARMA DE FOGO - PENA MAJORADA - FIXAÇÃO DO REGIME FECHADO - EXPEDIDO MANDADO DE PRISÃO PELO JUÍZO A QUO - LEGALIDADE - PRISÃO DE NATUREZA PENAL – POSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO - AUSÊNCIA DE EFEITO SUSPENSIVO - ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO E INOCÊNCIA AFASTADA - CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO - ORDEM DENEGADA. Ao contrário da prisão provisória, que é baseada meramente em indícios de autoria, a prisão penal ou carcerária é fundada na certeza jurídica advinda da condenação que esgotou as vias ordinárias de impugnação. Tratando-se de prisão penal, afigura-se despicienda a discussão acerca de eventual ausência dos pressupostos do art. 312 do Código de Processo Penal ou carência de fundamentação da negativa de recorrer em liberdade, porquanto elementos típicos das prisões provisórias. A ausência de efeito suspensivo aos recursos especial e extraordinário legitima a privação de liberdade dos condenados, afastando a possibilidade de lesão ao princípio constitucional da presunção de inocência. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n. 2008.008574-1, da comarca de Santo Amaro da Imperatriz (Vara Única), em que são impetrantes os advogados Dr. Cláudio Gastão da Rosa Filho e Dra. Flávia Cardoso Meneghetti, e

8 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Código de Normas. Disponível em: <http://cgj.tj.sc.gov.br/consultas/liberada/cncgj.pdf>. Acesso em: 17 abr. de 2009.

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paciente Willian de Abreu: ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, denegar a ordem. 9 (negrejamos).

Outro:

Habeas Corpus - Paciente condenado em crime de concussão - Sentença sub judice em Recurso de Agravo de indeferimento de Recurso Especial e Recurso Extraordinário - Audiência de sursis designada - Paciente candidato a Vereador - Liminar concedida suspendendo a realização da audiência - Recursos interpostos que não tem efeito suspensivo - Inexistência de ato ilegal - Falta de constrangimento ilegal - Ordem denegada. "É legítima a execução provisória do julgado condenatório na pendência de recursos sem efeito suspensivo, extraordinário e especial, a teor do que dispõe o art. 27, § 2º, da Lei nº 8.038/90, sem que haja ofensa ao artigo 5º, LVII, da Constituição e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)" (STF. HC. Rel. Min. Maurício Corrêa, RT 753/441). Vistos, relatados e discutidos estes autos Habeas Corpus n. 00.018812-3, da comarca de Blumenau, em que são impetrantesRonei Danielli e Luiz Carlos Nemetz, sendo paciente Deusdith de Souza. ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal , por votação unânime, denegar a ordem.10 (negrejamos).

E ainda:

HABEAS CORPUS PREVENTIVO - PACIENTE CONDENADO AO CUMPRIMENTO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE - PENDÊNCIA DE RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO - RECLAMO DESPROVIDO DE EFEITO SUSPENSIVO - EXECUÇÃO PROVISÓRIA ADMITIDA - CONSTRANGIMENTO ILEGAL INOCORRENTE - ORDEM DENEGADA. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n. 2008.028536-5, da comarca de Papanduva (Vara Única), em que é impetrante Cézar Augusto Bussularo dos Santos, e paciente Zoni Lemes: ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, denegar a ordem. 11 (negrejamos).

Todavia, após o advento da nova orientação emanada pelo Supremo Tribunal Federal,

com o julgamento do Habeas Corpus n. 84.078, nosso Tribunal passou a acatá-las, como se

vê:

HABEAS CORPUS - TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (CP, ART. 121, §2º, I E IV C/C ART. 14, II) - PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (LEI N. 10.826/03, ART. 14) - SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA - VIOLAÇÃO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE - CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE - PACIENTE SEGREGADO DURANTE TODO O PROCESSO - MANUTENÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA PRISÃO CAUTELAR(CPP, ART. 312) - PRECEDENTES

9 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Habeas Corpus n. 2008.008574-1, da 1ª Câmara Criminal. Paciente: Willian de Abreu. Des. Rel. Amaral e Silva. Florianópolis, 19 mar. 2008. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 17 abr. 2009. 10 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Habeas Corpus n. 2000.018812-3, da 1ª Câmara Criminal. Paciente: Deusdith de Souza. Des. Rel. Solon d´Eça Neves. Florianópolis, 10 out. 2000. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 17 abr. 2009. 11 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Habeas Corpus n. 2008.028536-5, da 1ª Câmara Criminal. Paciente: Zoni Lemes. Des. Rel. Solon d´Eça Neves. Florianópolis, 18 ago. 2008. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 17 abr. 2009.

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DO STF - ORDEM DENEGADA. [...] A respeito do assunto, colhe-se da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal o qual faz a ressalva de que, permanecendo os requisitos autorizadores da prisão preventiva, admite-se a permanência do réu em cárcere a título cautelar, após a sentença condenatória, in verbis: [...] 3. Disso resulta que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. [...]12 (negrejamos).

Feita essa análise acerca da execução provisória da pena, passemos aos argumentos

prós e contras.

1.2 OS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA

Por se tratar de um tema delicado, responsável pelo surgimento de inúmeras

discussões jurisprudenciais e doutrinárias, obviamente, tal assunto trará dúvidas acerca de sua

aceitação e aplicação em nosso ordenamento jurídico, em especial, sob a ótica constitucional,

que norteia, além de tantas outras matérias, o Direito Processual Penal.

Nesse aspecto, é de se esperar que haja, ao menos, dois posicionamentos a serem

seguidos pelos juristas do país, os quais, vale ressaltar, travam um embate ferrenho sobre sua

aceitação.

Dito isso, passemos ao posicionamento daqueles que defendem o uso da execução

provisória da pena.

1.2.1 Mandados Expressos de Criminalização

De início, para facilitar a compreensão, deve-se fazer menção a uma nova ideologia

sócio-jurídica denominada de mandados constitucionais expressos de criminalização, a qual

vem, ao longo do tempo, ganhando força entre o público especializado, de tal forma, que

torna imprescindível o seu entendimento para dar alicerce a um dos fundamentos favoráveis a

Execução Provisória da Pena.

12 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Habeas Corpus n. 2009.010521-1, da 2ª Câmara Criminal. Paciente: Ralf Jonatas Bento. Des. Rel. Salete Silva Sommariva. Florianópolis, 17 abr. 2009. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 24 abr. 2009.

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Tal ideologia surge, especificamente, contrariando aquela idéia enraizada em nossos

doutrinadores, a qual diz respeito ao uso dos direitos e garantias fundamentais individuais e

coletivos13 como forma de impor limites à intervenção do Estado na esfera penal de maneira a

resguardar os interesses do acusado.

Nesse sentido, o processo penal não seria:

[...] um instrumento de arbítrio do Estado. Ele representa, antes, um poderoso meio de contenção da persecução penal. Ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu, que jamais presume culpado, até que sobrevenha irrecorrível sentença condenatória, o processo penal revela-se instrumento que inibe a opressão judicial e que, condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao órgão acusador o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao acusado, que jamais necessita demonstrar sua inocência, o direito de defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos probatórios apresentados pelo Ministério Público. 14

Por outro lado, os Mandados constitucionais expressos de criminalização nada mais

são que o conjunto de disposições constitucionais que taxam como crimes certas ações. Tem-

se, então, que tais mandados de criminalização são matérias que nossa Constituição elenca,

devendo, por obrigação, o legislador atuar a respeito. Eles podem ser explícitos – previstos

expressamente no texto da Constituição – ou implícitos – quando surgem em razão de

princípios estabelecimentos pela Constituição.

É o ensinamento de Ronaldo Pereira Muniz:

Os mandados de criminalização são temas que a Constituição Federal elenca os quais o legislador ordinário não tem a faculdade de atuar, mas a obrigação. Os mandados de criminalização podem ser explícitos ou implícitos, quando estão previstos textualmente na Constituição ou então quando decorrentes dos princípios e garantias trazidas pela mesma, nesta ordem. 15

Por estas disposições encontrarem-se elencadas na parte de direitos e garantias

individuais e coletivos, tal premissa permite a conclusão de que sejam certas condutas

criminalizadas pelo legislador infraconstitucional equiparadas a um direito fundamental

coletivo.

Bem a propósito, manifesta-se o Ilustríssimo Procurador da República Luiz Carlos dos

Santos Gonçalves:

13 Art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil. 14 BALDAN, Édson Luís. Direitos fundamentais na Constituição Federal: Estado democrático de direito e os fins do processo penal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 128. 15 MUNIZ, Ronaldo Pereira. Crimes Decorrentes de Preconceito – Lei nº 7.716/89: Análise dos Princípios e dos Mandados de Criminalização. Disponível em: <http://www.ajuris.org.br/website/content/ajuris/geral/pagina.php?cdPagina=MTkw>. Acesso em: 30 abr. 2008.

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Não é possível analisar o extenso rol de garantias penais e processuais penais constantes na Constituição olvidando os comandos de criminalização, vez que estes lhe servem de contrapartida. Eles impõem ao Estado deveres de proteção de direitos fundamentais mediante sanções penais. 16

Da atenta análise de tal entendimento, segundo os doutrinadores, surge a possibilidade

concreta de afirmar-se que os mandados de criminalização contidos em nossa Constituição

Federal correspondem a um aspecto diferenciado dos direitos e garantias fundamentais, que,

por via de consequência, merece o mesmo tratamento inerente a disposições de ordem

constitucional.

Nesse aspecto, tem-se, em tese, a prática de racismo17; a prática de tortura, o tráfico

ilícito de entorpecentes, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos18; a ação de

grupos armados, civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de

Direito19; elencados na Constituição como delitos, não permitindo, todavia, o desleixo do

legislado acerca do assunto. De resto, sobraria ao legislador o exercício de sua função

precípua, ou seja, deliberar sobre a matéria, fazendo com que a proteção pelo direito penal

não se afaste.

Sob essa ótica, percebe-se que tais mandados de criminalização atuam na Constituição

Federal em pé de igualdade a qualquer direito fundamental, como, por exemplo, aquele que

garante a presunção da inocência durante a instrução processual. Ou seja, a Constituição

Federal, em suas disposições, impõe, de forma absoluta, que é direito fundamental de todos a

criminalização de determinadas ações.

Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, inclusive, entende que alguns mandados de

criminalização estão inseridos no rol das cláusulas pétreas, como se vê:

Quatro dos mandados de criminalização inserem-se entre as cláusulas pétreas. Eles são relativos: i) a tortura; ii) ao racismo; iii) a discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais e, iv) a punição severa da conduta de promover auso, violência ou exploração sexual contra crianças e adolescentes. Trata-se de crimes

16 GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Mandados Expressos de Criminalização e a Proteção de Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira de 1988. Belo Horizonte: Forum, 2009, p. 18-19. 17 Art. 5º, XLII da Constituição da República Federativa do Brasil: a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei. (BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 30 abr. 2009). 18 Art. 5º, XLIII da Constituição da República Federativa do Brasil: a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. (BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 30 abr. 2009). 19 Art. 5º XLIV da Constituição da República Federativa do Brasil: constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. (BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 30 abr. 2009).

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que ofendem frontalmente a dignidade da pessoa humana. Retirar a proteção penal em face dessas condutas abjetas implicaria em diminuir a esfera de proteção acarretando diminuição de garantias individuais fundamentais. 20

Nessa hipótese, tem-se que a questão até então explanada, exsurge com razoável

importância na medida em que contrapomos o princípio da presunção de inocência e a

perspectiva da aplicação da execução provisória da pena ao acusado com possibilidade de

recorrer.

Aos passos do princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais, o qual

afirma que a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe

conceda, não podendo o interprete optar por uma em detrimento total do valor de outras21,

torna-se possível examinar que os mandados de criminalização refletem nas questões

processuais penais relativas aos delitos tidos como constitucionais.

Nessa perspectiva doutrinária, ao submeter-se, então, o princípio da presunção de

inocência em contraposição com a execução provisória de crimes previstos na Constituição

Federal, passar-se-ia a ter um embate entre princípios constitucionais e não mais, como tende

a se pacificar os julgados de agora em diante, a superioridade hierárquica daquele princípio

em relação à execução provisória. Ao coibir-se, então, a execução provisória de crimes

acobertados pelos mandados de criminalização, estar-se-ia afrontando, explicitamente, nossa

Constituição Federal.

Isso é claro, devido proteção social “insuficiente”, a qual também está apta a

caracterizar atos inconstitucionais. De forma esclarecedora, surge o voto do Ministro Gilmar

Mendes em recente julgado:

[...] quanto à proibição de proteção insuficiente, a doutrina vem apontando para uma espécie de garantismo positivo, ao contrário do garantismo negativo (que se consubstancia na proteção contra os excessos do Estado) já consagrado pelo princípio da proporcionalidade. A proibição de proteção insuficiente adquire importância na aplicação dos direitos fundamentais de proteção, ou seja, na perspectiva do dever de proteção, que se consubstancia naqueles casos em que o Estado não pode abrir mão da proteção do direito penal para garantir a proteção de um direito fundamental. 22 (grifei)

20 GONÇALVES, op. cit., p. 210. 21 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002, p. 108. 22 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 418.376, do Tribunal Pleno. Recorrente: José Adélio Franco Lemos. Recorrido: Ministério Público do Mato Grosso do Sul. Min. Rel. Marco Aurélio. Brasília, 9 fev. 2006. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 4 mai. 2009.

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Considerando tal afirmativa, necessário se faz a leitura do princípio da presunção de

inocência sob a ótica do princípio da proporcionalidade, o qual tem o condão de proteger o

indivíduo dos excessos do Estado, bem como protegê-lo das omissões praticadas por este.

Assim, são as ponderações elaboradas pelo Professor Lênio Luiz Streck:

Trata-se de entender, assim, que a proporcionalidade possui uma dupla face: de proteção positiva e de proteções por omissões estatais. Ou seja, a inconstitucionalidade pode ser decorrente de excesso do Estado, caso em que determinado ato é desarrazoado, resultando desproporcional o resultado do sopesamento (Abwägung) entre fins e meios; de outro, a inconstitucionalidade pode advir de proteção insuficiente de um direito fundamental-social, como ocorre quando o Estado abre mão do uso de determinadas sanções penais ou administrativas para proteger determinados bens jurídicos. Este duplo viés do princípio da proporcionalidade decorre da necessária vinculação de todos os atos estatais à materialidade da Constituição, e que tem como consequência a sensível diminuição da discricionariedade (liberdade de conformação) do legislador. 23

No mesmo sentido, é o posicionamento de Ingo Wolfgang Sarlet, o qual ensina que:

A noção de proporcionalidade não se esgota na proibição do excesso, já que abrange (...), um dever de proteção por parte do Estado, inclusive quanto a agressões contra direitos fundamentais provenientes de terceiros, de tal sorte que se está diante de dimensões que reclamam maior densificação, notadamente do que diz com os desdobramentos da assim chamada proibição de insuficiência no campo jurídico penal e, por conseguinte, na esfera da política criminal, onde encontramos um elenco significativo de exemplos a serem explorados. 24

Dessa forma, sob essa ótica, entende parte da doutrina que não há óbice algum na

aplicação da execução provisória da pena em nosso ordenamento, ao menos no que concerne

aos crimes previstos nos mandados expressos de criminalização da própria Constituição

Federal, já que esta autorizaria tal procedimento.

1.2.2 Do Afastamento dos Direitos Fundamentais

Outro ponto abordado amplamente na doutrina simpatizante de tal modalidade de

execução penal diz respeito aos casos em que os direitos fundamentais são deixados de lado

em decorrência de um bem jurídico de maior relevância.

23 STRECK, Lênio Luiz. A Dupla Face do Princípio da Proporcionalidade: Da proibição de excesso (Übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais constitucionais. Ajuris , Porto Alegre, n. 97, ano XXXII p.180, mar. 2005. 24 SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e Proporcionalidade: O direito penal e os direitos fundamentais entre a proibição de excesso e de insuficiência. Ajuris , Porto Alegre, n. 98, ano XXXII, p. 107.

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A presunção de inocência, a exemplo de vários direitos fundamentais, segundo parte

dos juristas, não é aplicada de forma ampla e absoluta, tornando possível o seu afastamento

em virtude da aplicação de outras diretrizes provenientes da Constituição Federal.

Nesse sentido:

Havendo antinomia de um modo geral, inclusive as denominadas de avaliação, o que importa destacar é que sempre se recorre, expressa ou tacitamente, mediante interpretação sistemática, a uma aplicação hierarquizada de princípios, normas e valores. 25

Exemplo disso são as medidas de exceções emanadas pelos mais diversos Tribunais

do país26, as quais possibilitam a existência da interceptação telefônica e quebra de sigilo

bancário. Nesses casos, as garantias fundamentais da privacidade e da intimidade saem de

foco sob o pretexto de dar-se efetividade a investigação e a aplicação penal – vide art. 1, § 4º,

da Lei Complementar n. 105/2001.

Nessa perspectiva, em tese, teríamos como causa de inobservância da presunção de

inocência, a própria possibilidade de um indivíduo ser investigado pela autoridade competente

em procedimento próprio, ser denunciado e figurar como réu em ação penal.

Ainda a título de exemplo, têm-se as diversas situações em que a prisão cautelar priva

o indivíduo de sua liberdade, quando existem indícios de autoria e materialidade, além dos

pressupostos taxados no art. 312 do Código de Processo Penal27.

Entendem os seguidores dessa corrente que se é possível privar a liberdade daquele

contra o qual existem indícios de autoria, nada mais justo que possibilitar a execução

provisória daquele que já conta com decisão condenatória em seu desfavor. Não é possível

tratar de maneira mais severa o acusado preso sob o regime de prisão preventiva do que

aquele alvo de sentença condenatória.

Bem a respeito manifesta-se a Procuradoria Regional da República da 3ª região:

No próprio ordenamento brasileiro, a presunção de inocência não é absoluta. Uma pessoa pode, por exemplo, ao ser investigada, ter sua prisão preventiva decretada tendo, como um dos requisitos, o indício de autoria, de acordo com o Código Penal. Se é possível privar de liberdade aquele contra o qual, entre outros requisitos, pairam indícios de autoria, proibir a execução provisória implica tratar mais

25 FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 100. 26 Vide acórdãos: a) STJ: HC 76686, HC 88575; b) STF: RHC 88371/SP, RHC 85575/SP, HC 83515/RS 27 Art. 312 do Código de Processo Penal: A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 14 abr. 2009).

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severamente o preso em regime de prisão preventiva do que aquele contra o qual já houve decisão condenatória.28

Entende parte da doutrina que ao fazer-se uma leitura ao pé da letra do princípio da

presunção de inocência, não restaria possibilidade alguma de prisão cautelar antes do trânsito

em julgado da sentença condenatória. Justamente em razão disso, surge o entendimento de

que não estamos diante de uma presunção absoluta, e sim, de um preceito passível de

derrogação.

Esse é o entendimento de Júlio Fabbrini Mirabete:

[...] ao contrário do que já se tem afirmado, não foram revogados pela norma constitucional citada os dispositivos legais que permitem a prisão provisória, decorrentes de flagrante, pronúncia, sentença condenatória recorrível e decreto de custódia preventiva, ou outros atos coercitivos (busca e apreensão, seqüestro, exame de insanidade mental etc). 29

No entanto, analisa essa doutrina que, se assim raciocinarmos, jamais estaremos diante

de uma sentença condenatória efetivamente “transitada em julgada” no sentido estrito da

expressão. Isso se deve a possibilidade de anulação – habeas corpus – ou de revisão – revisão

criminal – da sentença penal condenatória. Como poderíamos, então, considerar a hipótese de

que a execução provisória é inconstitucional se, em tese, toda condenação é provisória?

É o que entende Sérgio Oliveira Medici:

[...] o “trânsito em julgado” em sentido absoluto, “diante da possibilidade de sua anulação ou de rescisão por meio de habeas corpus ou de revisão criminal. Daí a inevitável conclusão de que, em sentido amplo, a execução da penal é sempre provisória. 30

Passemos a outro argumento.

1.2.3 Coisa Julgada ou Caso Julgado?

De outro vértice, tem-se que, com o trânsito em julgado da sentença condenatória que

atribuir a pena privativa de liberdade ao acusado, deverá o juiz ordenar a expedição de guia de

28 BRASIL. Procuradoria Regional da República da 3ª Região. Condenado em 2ª instância recorrer em liberdade contraria tendência mundial. Disponível em: <http://www.prr3.mpf.gov.br/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=167>. Acesso em: 15 abr. 2009. 29 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 22. 30 MEDICI, Sérgio Oliveira. A execução penal antecipada. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais , São Paulo, n. 10, p. 8, nov. 1993.

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recolhimento para a execução provisória da pena. Nesse aspecto, há ainda a situação imposta

pela interpretação do termo “coisa julgada” em diferentes graus de aplicabilidade. Vejamos.

No âmbito do processo penal, existem duas interpretações da expressão supra

mencionada. São elas “caso julgado” e “coisa julgada”.

Segundo Eduardo Espínola Filho:

O que diferencia o caso julgado, ou seja, a sentença com trânsito em julgado, da coisa julgada, é se mister, para ter-se esta, que, contra a decisão, não caiba mais recurso de espécie alguma, ordinário ou extraordinário; ao passo que há caso julgado, passa em julgado a sentença, quando pode ser executada, se bem seja ainda suscetível de impugnação por meio de recurso de caráter extraordinário, sem efeito suspensivo, por já se terem esgotado, ou não mais se poderem usar, os recursos ordinários admitidos.31

E ainda:

Nenhuma razão tem Câmara Leal (Comentários ao CPP, vol. 4, 1943, pág. 241), ao declarar: transita em julgado a sentença: a) se foram esgotados todos os recursos que a lei faculta contra a mesma; b) se nenhum recurso é admissível contra ela; c) se decorrer o prazo legal para interposição do recurso, sem que o mesmo fosse interposto”. Com essa compreensão, sentença nenhuma haveria, condenatória, que passasse em julgado, pois o Código de processo penal, catalogando como recurso a revisão criminal, estatui, no art. 622, a possibilidade de ser requerida em qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após. Invés, o que diferença o caso julgado, ou, seja, a sentença com trânsito em julgado, da coisa julgada, é ser mister, para ter-se esta, que, contra a decisão, não caiba mais recurso de espécie alguma, ordinário ou extraordinário; ao passo que há caso julgado, passa em julgado a sentença, quando pode ser executada, se bem que ainda susceptível de impugnação por meio de recurso de caráter extraordinário, sem efeito suspensivo, por já se terem esgotado, ou não mais se poderem usar, os recursos ordinários admitidos.32

Desse ponto de vista, segundo Eduardo Espínola Filho, não há óbice constitucional

algum em executar antecipadamente a pena imposta, seja em sentença ou acórdão, já que o

caso se enquadraria ao “caso julgado”.

Bem a respeito já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Habeas

Corpus n. 2.611, asseverando, outra vez, a possibilidade da dupla interpretação da coisa

julgada:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO PARA O MINISTERIO PUBLICO, PENDENTE DE RECURSOS EXCEPCIONAIS. INTELIGENCIA DO ART. 105 DA LEP. GUIA DE RECOLHIMENTO PARA EFEITO DE SUBMISSÃO A EXAME CRIMINOLOGICO. DIREITO DO PACIENTE, MESMO SENDO "PRESO PROVISORIO". WRIT CONCEDIDO. I - o paciente foi condenado (e com ele mais 13 "bicheiros"), em regime fechado, como incurso no parágrafo único do art. 288 do cp. Somente ele apelou. Interpôs, depois, recursos especial e extraordinário, que

31 FILHO, Eduardo Espínola. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1959, p. 296. 32 Idem.

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estão sendo processados. Ao argumento de que já havia cumprido mais de um sexto da pena e essa não tinha como ser majorada, requereu ao impetrado fosse expedida carta de guia para submeter-se ao exame criminológico. Seu requerimento foi, dentre outros motivos, indeferido ao fundamento de que ainda e "preso provisório". Logo, não tem direito a guia de recolhimento. II - a lep, que se aplica também ao "preso provisório" por força do parágrafo único de seu art. 2., fala no art. 105 em expedição de guia de recolhimento quando houver transitado em julgado a sentença condenatória. Tal dispositivo tem de ser interpretado em harmonia com todo o sistema jurídico. Refere-se, evidentemente, a "sentença transitada em julgado", ou seja, ao "caso julgado" e não a "coisa julgada". Basta a existência do "caso julgado", como aconteceu in casu. E a lição de Eduardo Espinola Filho. Ninguém pode ficar prejudicado por utilizar-se de recursos permitidos legalmente. E direito assegurado na própria Constituição Federal. III - "writ" concedido para que seja expedida a carta guia. 33

Nessa perspectiva, tem-se que o trânsito em julgado deveria ser interpretado em

comum acordo com as demais normas constitucionais e conjunto com seus graus de

abrangência.

Entende essa doutrina, que interpretar a presunção de inocência de maneira

inafastável, implicaria que ninguém mais seria preso, não na perspectiva popular, mas sim na

técnico-jurídico, uma vez que, como já dito, toda decisão judicial condenatória é passível de

mudança, seja por habeas corpus ou revisão criminal, que são amplamente admitidos pela

jurisprudência.

Assim, segundo parte da doutrina, entende-se que o princípio da presunção de

inocência não é inabalável, importando dizer que ele não é incompatível com prisão anterior

ao trânsito em julgado da decisão condenatória, como nos casos em que estão presentes os

requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.

1.2.4 As Repercussões da Não Aplicação da Execução Provisória

Outro ponto amplamente abordado pelos especialistas, diz respeito às repercussões da

mais recente orientação do Supremo Tribunal Federal, a qual, segundo eles, poderá agravar, e

muito, o quadro da segurança pública no Brasil.

Por evidência, dita corrente, considera a nova aplicação da norma um gerador da

criminalidade no país, passando a sensação de impunidade àqueles beneficiados por tal

desiderato, além, é claro, de enfraquecer o sistema judicial e o combate ao crime.

33 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 2611, da 6ª Turma. Paciente: Waldemir Garcia. Min. Rel. Adhemar Maciel. Brasília, 27 jun. 1994. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 4 mai. 2009.

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26

Diz André Luís Woloszyn:

Como o tema é polêmico, a partir dessa orientação surgiram diversas correntes filosóficas para discutir a questão e dividir opiniões. Inobstante esse princípio ser considerado a maior garantia para os cidadãos em um Estado democrático de Direito, o que não se discute, uma corrente considera a orientação um incentivo à criminalidade ao gerar sensação de impunidade, contribuir para o enfraquecimento das autoridades judiciária e policial, dificultar as ações de combate ao crime e, além disso, aumentar consideravelmente a carga de trabalho do Judiciário.34

Por outro lado, fala-se que somente aqueles dignos de serem estereotipados pelo

adjetivo “colarinho branco” serão beneficiados por essa nova orientação, já que dispõem de

recursos financeiros capazes de adquirirem os trabalhos de advogados competentes, ao

contrário daqueles que se contentam com advogados dativos, que, apesar de serem

capacitados para tanto, muitas vezes não se prestam a tamanho trabalho em virtude da baixa

remuneração.

Nesse sentido, é o ensinamento de André Luís Woloszyn:

[...] serão beneficiados apenas réus condenados por crimes de colarinho branco e integrantes do crime organizado, pois, com a profusão de recursos disponíveis e a quantidade de processos a serem julgados, alguns desses crimes decerto prescreverão, deixando impunes seus autores. Em suma, "bandido rico não vai para a cadeia”. 35

Dita corrente, tenta demonstrar com isso, que para tal anseio ser atingindo com êxito e

sucesso, se faz necessária a criação de pilares capazes de dar alicerce a esse tipo de decisão

judicial, a qual, apesar de parecer política-juridicamente correta, não condiz com a realidade

fática do país em que vivemos, o que impõem insuperável dúvida acerca de sua efetividade,

conforme se vê:

O princípio da presunção de inocência é uma garantia que deve ser respeitada, pois é legítimo e necessário. Todavia, seu embasamento deve ser precedido de uma avaliação de maior profundidade, como a análise do contexto social. É nesse contexto que a decisão do STF, a exemplo de outras do gênero, não atende aos anseios da sociedade brasileira e poderá contribuir para uma maior sensação de insegurança nas comunidades. 36

E assim finaliza:

De que adianta o Brasil ser considerado pioneiro na defesa dos direitos de criminosos - na vanguarda dos países onde "não existe tamanha proteção aos réus",

34 WOLOSZYN, André Luís. A decisão do STF que fez valer a presunção de inocência é benéfica à sociedade brasileira?: NÂO. A Folha de São Paulo, São Paulo, p. 56. 3 jul. 2009. 35 Idem. 36 Idem.

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afirmação feita como alerta por um dos ministros do STF, se convivemos com índices alarmantes de violência e criminalidade?37

Passemos a outro argumento.

1.2.5 Da Matéria Tratada em Sede de Recurso Extraordinário e Recurso Especial

Há que ser mencionado, por outro lado, um fator importantíssimo acerca dos Recursos

Extraordinários e Especiais.

Dito fato refere-se à essência de ambos os recursos, no que diz respeito à matéria por

eles impugnada. Neles serão discutidas, basicamente, matérias de ordem processual, ou seja, o

aspecto jurídico da decisão penal, deixando de fora o lado probatório.

Há ainda os que consideram a decisão um equivoco do STF pois o mérito do fato imputado ao acusado é decidido na primeira e na segunda instâncias do Judiciário. Já as decisões do Supremo, em recurso extraordinário, não analisam mérito, mas apenas se houve vício procedimental que possa anular o processo por contrariar dispositivo constitucional. 38

Bem a respeito, manifesta-se Aury Lopes Jr.:

Os recursos especial e extraordinário são meios de impugnação de natureza extraordinária, na medida em que – respectivamente – o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) não reexaminam todo o julgamento, senão que se limitam ao aspecto jurídico da decisão impugnada, ou seja, à discussão das questões de direito expressamente previstas em lei, São, por isso, recursos de fundamentação vinculada, posto que a matéria discutida fica limita àqueles expressamente previstos na Constituição. Quanto à discussão em torno da prova, ou seja, de questões de fato, em ambos os recursos isso está vedado.” 39

Entendimento esse, inclusive, sumulado pelos Tribunais pátrios:

Súmula nº. 279 do STF: para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário. 40 Súmula nº. 7 do STJ: a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. 41

37 Idem. 38 Idem. 39 JÚNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, v. II, p. 526-527. 40 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_201_300>. Acesso em: 19/04/2009. 41 BRASIL. Superior Tribunal Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&livre=%40docn&&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=370>. Acesso em: 19/04/2009.

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Nesse aspecto, tem-se que as decisões do Supremo Tribunal Federal, em recurso

extraordinário, e do Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial, não analisam o mérito

da questão, mas sim, possíveis vícios procedimentais que possa, eventualmente, anular o

processo, já que o mérito do fato típico apontado ao acusado é decidido nas instâncias iniciais

do Judiciário.

1.2.6 Do Efeito Recursal dos Recursos Extraordinário e Especial e a Sua Morosidade

Há aqueles que promulgam a execução provisória pelo simples fato do Recurso

Extraordinário e do Recurso Especial, não terem efeito suspensivo, sendo recebidos, tão

somente, no efeito devolutivo, como se vê:

A interposição de recurso extraordinário não suspende a execução da sentença condenatória. Confirmado o julgamento condenatório, cessam os efeitos da Lei n. 5.941, de 22.11.73, que permite que o réu apele em liberdade, preenchidos certos requisitos. Assim, confirmada a condenação em grau de apelação, a interposição de recurso extraordinário não impede a execução da pena privativa de liberdade (STF, RT 534/451). 42

E ainda:

Por expressa disposição da lei o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, devendo ser a pena aplicada no acórdão executada assim que não couber mais recurso ordinário da decisão. É o que também dispõe o art. 27, § 2º, da Lei nº 8.038, de 28-5-90 ao prever que o recurso extraordinário só é recebido no efeito devolutivo. Por isso, após o oferecimento das razões no traslado, os originais baixarão para a instância onde deve prosseguir-se na ação penal ou executada a pena. O mesmo ocorre com o recurso especial. 43

Por ultimo, mas não menos importante, o argumento que diz respeito à morosidade em

que é julgado o processo penal, possibilitando, inclusive, a prescrição, em razão do amplo

leque de recursos que a defesa dispõe para retardar o trânsito em julgado da ação. No caso, se

daria a prescrição intercorrente.

Nesse sentido:

Além da já indesejada morosidade, deficiência crônica do sistema processual brasileiro, a própria punibilidade dos delitos é colocada sob ameaça sem a execução provisória. A condenação criminal recorrível é considerada marco interruptivo da

42 JESUS, Damásio de. Código de Processo Penal Anotado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 522. 43 MIRABETE, op. cit., 11 ed., 2004, p. 1666.

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prescrição (art. 117, IV, do Código Penal). O próximo marco é o início da execução da pena (art. 117, V, do Código Penal). Na pendência do recurso especial ou extraordinário, é grande o risco da ocorrência da prescrição entre a condenação recorrível e o início da execução da pena, caso seja impedido que esta se faça provisoriamente. No caso de crimes com penas não superiores há dois anos, para os quais a prescrição ocorre em quatro anos, a perspectiva da prescrição é bastante concreta. 44

Quanto à prescrição intercorrente, aparentemente, o problema foi solucionado com o

advento da Lei nº. 11.596/07, a qual determinou como ato interruptivo da prescrição, além da

sentença, o acórdão condenatório recorrível. Nesses casos, tanto o acórdão do Tribunal de

Justiça quanto o do Tribunal Regional Federal irão interromper o prazo prescricional,

fazendo-o fluir do zero. Dessa forma, para que ocorra a prescrição intercorrente seria

necessário que o STJ ou o STF atrasassem muito seus julgamentos, o que entendem que irá

acontecer com a enxurrada de recursos, entre outros, que serão impetrados em suas

secretarias.

Nesse aspecto, cumpre destacar que o princípio o princípio da prestação jurisdicional

célere, além de ser um direito fundamental do condenado, passa, também, a ter importância

para quem está às margens do processo penal – sociedade –, já que possivelmente estaremos

deixando impunes aqueles beneficiados pela prescrição punitiva estatal, aumentando, a já

elevada, sensação de impunidade exalada pela sociedade.

O princípio da prestação jurisdicional célere, sempre foi demasiadamente aclamado

como direito fundamental do acusado, como se vê:

BECCARIA, a seu tempo, já afirmava com acerto que o processo deve ser conduzido sem protelações. Demonstrava a preocupação com a (de)mora judicial, afirmando que, quanto mais rápida for a aplicação da pena e mais perto estiver do delito, mais justa e útil sela será. Mais justa porque poupará o acusado do cruel tormento da incerteza, da própria demora do processo enquanto pena. 45

Entende dita corrente, que passaremos a ter um acusado suplicando pela demora

estatal no que tange a prestação jurisdicional, já que possivelmente, ao trânsito em julgado,

estará livre, graças à prescrição da pretensão punitiva do Estado.

Assim entende a Procuradoria Regional da República da 3ª região:

Os estudos demonstram que a demora no trâmite judicial, aliada aos curtos prazos prescricionais, pode tornar impossível a resposta do Estado a ações criminosas. E que a questão torna-se mais grave quando se trata dos chamados crimes do colarinho

44 TEIXEIRA, Luís Antônio; MORO, Sérgio Fernando; BASTOS, Marcus Vinicius Reis. Princípio da Presunção de Inocência e a Execução da Sentença Condenatória sob Recurso Excepcional: Crimes Hediondos. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/revista/SerieCadernos/Vol25/tema08.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2009. 45 JÚNIOR, op. cit., v. I, p. 135.

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branco, cujos agentes têm acesso a todas as instâncias da Justiça. [...] Os trabalhos do MPF apontam que negar efetividade às decisões condenatórias significa um enfraquecimento do próprio sistema Judiciário, concentrando carga indevida de poder decisório nas cortes superiores, algo que não é previsto na Constituição Brasileira. 46

Há quem sustente a aplicação da previsão do art. 557 do Código de Processo Civil, por

analogia ao processo penal47, o qual estabelece que o relator possa indeferir recurso que

confronte a jurisprudência dos tribunais superiores, evitando a onda de recursos

extraordinários e especiais naqueles tribunais, de tal forma, a barrar aqueles que só querem

protelar o processo, objetivando a prescrição.

Todavia, nesses casos, poderá a defesa ingressar com agravo de instrumento,

retardando o feito.

Sob essa perspectiva, então, entende-se que nosso processo penal carece de medidas

nesse ponto específico, as quais poderiam evitar a ocorrência da prescrição punitiva estatal,

resultando a temerosa impunidade, dando maior estímulo à criminalidade.

1.2.7 Proposta Legislativa

Anote-se, por fim, somente a título de curiosidade, que o Deputado do Rio de Janeiro

Marcelo Zaturansky Nogueira Itagiba – também Delegado da Polícia Federal –, pretende

aprovar um projeto de lei cujo teor autoriza a execução provisória.

A justificação dada pelo deputado diz respeito, basicamente, a questão da prescrição

punitiva do Estado e ao descrédito que recairá sobre o sistema Judiciário como um todo, e a

faz nas seguintes palavras:

Os recursos devem, para isso, acomodar-se às formas e oportunidades previstas em lei, para não tumultuar o processo e frustrar o objetivo da tutela jurisdicional em manobras caprichosas e de má-fé. No entanto, o direito processual brasileiro se esmerou em prever tantos recursos ao acusado que o tempo necessário para o enfrentamento de todos eles chega ao ponto de levar a extinção da pretensão punitiva do Estado em decorrência do incremento do prazo prescricional. 48

46 BRASIL. Procuradoria Regional da República da 3ª Região. Condenado em 2ª instância recorrer em liberdade contraria tendência mundial. Disponível em: <http://www.prr3.mpf.gov.br/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=167>. Acesso em: 15 abr. 2009. 47 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 22.637, da 6ª Turma. Paciente: Alexandre Julio da Silva Viana. Min. Rel. Vicente Leal. Brasília, 19 set. 2002. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 15 mai. 2009. 48 ITAGIBA. Marcelo. Projeto de Lei n. __, de 2009: Altera a Lei nº 7.210, de 1984, Lei de Execução Penal, para permitir a execução da decisão condenatória de segundo grau de jurisdição que aplicar pena privativa de

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E ainda:

Julgados como esse, no STF e no STJ, no entanto, têm gerado severas críticas dos defensores da antecipação da execução da pena às ditas Cortes Superiores brasileiras [...]. Isso não pode continuar, sob pena de descrédito do próprio Poder Judiciário, mormente da primeira e segunda instâncias, razão pelas qual o Congresso Nacional deve sinalizar no sentido oposto do referido entendimento, retirando toda referência a “trânsito em julgado da sentença penal condenatória” da LEP a fim de propiciar a execução da sentença penal condenatória após decisão definitiva de segunda instância.49

Dito isso, passemos aos argumentos contrários a execução provisória da pena.

1.3 OS ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA

Como dito anteriormente, um assunto polêmico gera múltiplas vertentes, ao menos no

que diz respeito ao seu entendimento. E assim sendo, neste subcapítulo serão expostas aquelas

cuja essência expressa a sua inconformidade com a aplicação da execução provisória,

demonstrando todos os pontos desfavoráveis, devidamente aclarados, desde sua base teórica

até as consequências irradiadas de sua aplicação.

1.3.1 Da Incompatibilidade da Execução Provisória com a Presunção de Inocência

Pode-se dizer que o argumento base deste posicionamento é o estado de inocência

garantido a todos pela Carta Magna. Entendem seus seguidores que tal premissa alicerça toda

essa corrente de modo firme e coerente, tornando-a apta para a sua aceitação, o que, de fato,

realmente ocorreu com o julgamento do habeas corpus objeto deste trabalho monográfico.

Pois bem, na soleira da persecução penal, segundo a doutrina, surge em favor do

acusado o muro da inocência, intransponível até o trânsito em julgado da sentença

liberdade da qual não caiba recurso com efeito suspensivo. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/632861.pdf>. Acesso em 21 abr. 2009. 49 ITAGIBA. Marcelo. Projeto de Lei n. __, de 2009: Altera a Lei nº 7.210, de 1984, Lei de Execução Penal, para permitir a execução da decisão condenatória de segundo grau de jurisdição que aplicar pena privativa de liberdade da qual não caiba recurso com efeito suspensivo. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/632861.pdf>. Acesso em 21 abr. 2009.

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condenatória. Nesse aspecto, caberá ao Ministério Público – ou o particular, nos casos de ação

penal privada –, utilizando seu leque probatório, trazer por terra referido muro constitucional.

Apenas dessa forma é que ocorrerá a efetiva condenação do acusado e, por conseguinte, a

execução da pena.

Em verdade, esse muro da inocência se impõe como impedimento à culpa, sem

processo, sem prova suficiente e sem condenação transitada em julgado.

A corrente contrária insiste em dizer que o estado de inocência, elencado no art. 5º,

LVII, da Constituição Federal possui caráter relativo, o que possibilitaria a execução

provisória. Aqueles que não vislumbram a possibilidade da execução provisória comungam,

em parte, com o dito acima, uma vez que reconhecem o caráter relativo do estado de

inocência, todavia, entendem que a mesmo deve ser desconstituído de modo legítimo – com a

utilização de provas – e perdurar até o trânsito em julgado.

Eis o ensinamento de Alexandre de Moraes:

A Constituição Federal estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, consagrando a presunção de inocência, um dos princípios basilares do Estado de Direito como garantia processual penal, visando a tutela da liberdade pessoal. Dessa forma, há necessidade o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal. A presunção de inocência é uma presunção JURIS TANTUM, que exige para ser afastada a existência de um mínimo necessário de provas produzidas por meio de um devido processo legal e com a garantia da ampla defesa. Essa garantia já era prevista no art. 9o, da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada em 26.08.1789 ("Todo acusado se presume inocente até ser declarado culpado"). 50

E complementa:

O princípio da presunção de inocência consubstancia-se, portanto no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença judicial com trânsito em julgado, ao término do devido processo legal (DUE PROCESS OF LAW), em que o acusado pôde utilizar-se de todos os meios de provas pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório).51

Nesse esteio, não se vislumbra a possibilidade de manejar a execução provisória, já

que para proceder-se a execução da pena, se faz necessário o trânsito em julgado, sob pena de

estar-se ferindo o princípio reitor de nosso sistema processual penal, elencado na Constituição

Federal.

Esse é o entendimento de Beneti:

50 MORAES, op. cit., p. 339. 51 Idem.

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Questão de grande relevância, ante os efeitos concretos, vem sendo a da impropriamente denominada 'execução provisória', instituto, diversamente do que se passa no cível, inexistente no sistema processual penal e, mais, de absoluta incongruência nesse sistema, porque não há como admitir, sem infringência a direitos fundamentais do acusado, principalmente a presunção de inocência e a garantia da aplicação jurisdicional da pena com observância do devido processo legal, que suporte ele, o acusado, a execução penal enquanto não declarada judicialmente a certeza de que cometeu ele a infração penal, o que só ocorre com o trânsito em julgado da sentença condenatória.52 (negrejamos).

Mesmo antes de ter sido alterado o entendimento assentado pelo Supremo, alguns

ministros já salientavam que a execução provisória afrontava o princípio da presunção de

inocência:

EXECUÇÃO - PENDÊNCIA DE RECURSOS. Enquanto pendente a apreciação de recurso, mesmo com eficácia simplesmente devolutiva, descabe a execução da pena. Prevalece o princípio constitucional da não-culpabilidade.53

O Ministro Cezar Peluso também asseverou:

Parece-me óbvio que essa disposição constitucional não é, como não o é norma constitucional alguma, mera recomendação, nem tomada teórica de posição do constituinte a respeito da natureza da condição processual do réu; ela tem não menos óbvio sentido prático. Embora alguns vejam, em tal norma, uma suposta presunção de inocência, parece-me lícito abstrair indagação a esse respeito, no sentido de saber se hospeda, ou não, presunção de inocência. Há autores, sobretudo na Itália, que a propósito de regra análoga sustentam não conter presunção alguma, nem de inocência, nem de culpabilidade, senão e apenas enunciado normativo de garantia contra possibilidade de a lei ou decisão judicial impor ao réu, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, qualquer sanção ou consequência jurídica gravosa que dependa dessa condição constitucional, ou seja, do trânsito em julgado de sentença condenatória. Em outras palavras, independente de saber se contém, ou não, alcance de presunção - pode-se até dizer que a presunção de inocência é só uma das decorrências ou consectários dessa garantia, projetando-se como tal, por exemplo, na distribuição dos ônus da prova no processo, o certo é que essa cláusula garante ao réu, em causa criminal, não sofrer, até o trânsito em julgado da sentença, nenhuma sanção ou consequência jurídica danosa, cuja justificação normativa dependa do trânsito em julgado de sentença condenatória, que é o juízo definitivo de culpabilidade. 54

Se nossa Constituição Federal estabelece que ninguém será considerado culpado até o

trânsito em julgado de sentença condenatória penal, dita corrente entende que não há falar em

executar o julgado ainda pendente de recurso especial ou extraordinário, já que neste caso, o

Estado estaria prestando uma antecipada e provisória atuação punitiva.

52 BENETI, Sidnei Agostinho. Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 88-89. 53 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 87.108, da 1ª Turma. Paciente: José Celso Minosso. Min. Rel. Marco Aurélio. Brasília, 13 fev. 2007. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 mai. 2009. 54 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautela em Habeas Corpus n. 86.274, da 2ª Turma. Paciente: Mário Colares Pantoja. Min. Rel. Cezar Peluso. Brasília, 23 set. 2005. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 29 mai. 2009.

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Em outras palavras, a instauração do processo de execução da pena imposta, em

especial se privativa de liberdade, terá legitimidade somente a partir do momento em que se

puder considerar culpado o acusado, ou seja, quando tornar-se definitiva a sua condenação.

1.3.2 Da Necessidade do Trânsito em Julgado Previsto na Lei de Execuções Penais

Outro ponto amplamente abordado pela doutrina especializada baseia-se nos ditames

do art. 105, da Lei 7.210/8455 – Lei de Execução Penal –, e do art. 674, do Código de

Processo Penal56, os quais, em sua essência, estabelecem que o Juiz somente ordenará a

expedição de guia de recolhimento do Acusado para a execução após o trânsito em julgado da

sentença que aplicar pena privativa de liberdade.

Nesse sentido:

O artigo 105 da LEP é taxativo: transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento. O artigo 105 seguiu na mesma linha do artigo 674 do código de processo penal. O “legislador” ainda reitera o entendimento de forma taxativa no artigo 160: Transitada em julgado a sentença condenatório, o juiz lerá ao condenado, em audiência, advertindo-o das consequências de nova infração penal e do descumprimento das condições impostas. 57

Entende referida doutrina, que todo o sistema de execução penal verte no mesmo

sentido, ou seja, exige como regra o trânsito em julgado da sentença condenatória para que

então possa falar-se em cumprimento da pena. Cabe salientar, que o art. 105 da Lei de

Execuções Penais, sobrepõe-se temporal e materialmente ao art. 637 do Código de Processo

Penal, o qual estabelece que não há efeito suspensivo no recurso extraordinário.

Asseveram, ainda, que a constituição não está presente em nosso ordenamento jurídico

apenas como um conjunto de axiomas e princípios que, eventualmente, possam intervir em

julgamentos de maneira tendenciosa – no bom sentido da palavra –, e sim, como norma

máxima, a qual estabelece diretrizes da atuação estatal, importando ressaltar, que uma vez

55 Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução. (BRASIL. Lei de Execução Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em: 25 jun. 2009). 56 Transitando em julgado a sentença que impuser pena privativa de liberdade, se o réu já estiver preso, ou vier a ser preso, o juiz ordenará a expedição de carta de guia para o cumprimento da pena. (BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 26 jun. 2009). 57 CARVALHO, Salo de. Crítica à Execução Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 433-434.

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presentes, devem ser respeitadas e aplicadas mesmo que em contrariedade com leis

infraconstitucionais, como se vê:

Resta, à evidência, que a Constituição Federal disciplina não somente os postulados que regem a liberdade individual como também acolhe preceitos (que se transformaram em verdadeiros dogmas constitucionais) que são normas diretoras da atuação estatal, conduzindo a política pública criminal e penitenciária sob a égide de princípios pautados pelo respeito aos direitos do indivíduo sob a custódia do Estado. Essa princípiologia é a base do sistema de execução penal, servindo de diretriz aos aplicadores da lei. Tais princípios, no âmbito do direito da execução criminal, devem ser considerados como proposições de “valor geral”, que operam como condicionantes e orientadores de sua compreensão, especialmente, no que respeita à sua aplicação. 58

Salo de Carvalho, fazendo referência a Canotilho e Vital Moreira, ainda transcreve:

[...] hoje está definitivamente superada a idéia da Constituição como um simples concentrado de princípios políticos, cuja eficácia era a de simples directivas que o legislador ia concretizando de forma mais ou menos discricionária. É inquestionável, segundo os autores, a jurisdicionalidade, vinculatividade e atualidade das normas constitucionais. A constituição é, pois, um complexo normativo ao qual deve ser assinalada a função da verdade lei superior do Estado, que todos os seus órgãos vinculam. 59

Sob a perspectiva dessa corrente, temos, pois, o princípio da presunção de inocência

como uma regra, a qual o Judiciário deve a todo tempo observar e assegurar a sua aplicação,

já que o princípio pré-falado encontra-se presente na Constituição Federal, a qual, pela sua

condição, está em patamar superior, servindo de parâmetro para as demais leis.

Entendem, então, que seria inaceitável a permanência da execução provisória da pena

em nosso ordenamento jurídico, já que não está amparada pela norma máxima.

Por outro lado, há quem diga que a qualidade do processo penal presente em um

estado democrático de direito, exsurge de acordo com a observância e cumprimento das

normas estabelecidas, o que tornaria o sistema penal mais eficaz.

Esse é o ensinamento de Aury Lopes Jr.:

No Brasil a presunção de inocência está expressamente consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição, sendo o princípio reitor do processo penal e, em última análise, podemos verificar a qualidade de um sistema processual através do seu nível de observância (eficácia). A presunção de inocência é um princípio reitor do processo penal constitucional e democrático, podendo-se perfeitamente avalias o grau de civilidade do processo a partir do seu nível de eficácia. Parafraseando GOLDSCHMIDT, se o processo penal é o termômetro dos elementos autoritários ou democráticos de uma Constituição, a presunção de inocência é o ponto de maior tensão entre eles. 60

58 CARVALHO, op. cit., p. 434. 59 CARVALHO, op. cit., p. 435. 60 JÚNIOR, op. cit., v. II, p. 47.

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Portanto, referido posicionamento entende que, para que haja o perfeito equilíbrio do

meio social em que vivemos se faz necessária à observância de princípios constitucionais –

principalmente o da presunção de inocência – como forma de garantir a eficácia do processo

penal, evitando cometer injustiças e possibilitando a evolução da sociedade.

Aury Lopes Jr. assevera, inclusive, que, por ser um princípio fundamental de

civilidade, é imprescindível a sua aplicação, mesmo que para isso tenha-se que deixar de

punir alguém culpável, como forma de garantir os interesses dos inocentes:

É um princípio de civilidade, fruto de uma opção protetora do indivíduo, ainda que para isso tenha-se que pagar o preço da impunidade de algum culpável, pois sem dúvida o maior interesse é que todos os inocentes, sem exceção, estejam protegidos. 61

De outro vértice, grande parte da doutrina critica a execução provisória da pena sob a

perspectiva da ilegalidade das prisões cautelares no ordenamento jurídico – ao menos nas

oportunidades em que são utilizados de maneira exorbitante e desnecessária –, razão pela

qual, em decorrência da presunção de inocência, deveriam ser utilizadas somente em último

caso – o que não condiz com a realidade da execução provisória –.

Aury Lopes Jr. valendo-se da lavra de Ferrajoli e Carnelutti assevera:

Com razão, FERRAJOLI afirma que a prisão cautelar é uma pena processual, em que primeiro se castiga e depois se processa, atuando com caráter de prevenção geral e especial e retribuição, Ademais, diz o autor, se fosse verdade que elas não tem natureza punitiva, deveriam ser cumpridas em instituições penais especiais, com suficientes comodidades (uma boa residência) e não como é hoje, em que o preso cautelar está em situação pior do que a do preso definitivo.62

E ainda: Na lição de CARNELUTTI, “as exigências do processo penal são de tal natureza que induzem a colocar o imputado em uma situação absolutamente análoga ao de condenado”. É necessário algo mais para advertir que a prisão do imputado, junto com sua submissão, tem, sem embargo, um elevado custo? O custo se paga, desgraçadamente em moeda justiça, quando o imputado, em lugar de culpado, é inocente, e já sofreu, como inocente, uma medida análoga a pena; [...]. 63

Alicerçada nesse fundamento, de que, assim agindo, estar-se-ia submetendo o acusado

as mesmas condições do condenado, entende parte da doutrina que estaríamos diante de uma

verdadeira afronta a Constituição Federal.

Passemos ao próximo argumento.

61 Idem. 62 JÚNIOR, op. cit., v. II, p. 59. 63 Idem.

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1.3.3 Da Incompatibilidade da Execução Provisória com a Convenção Americana Sobre

Direitos Humanos

A doutrina salienta, ainda, que a execução provisória, além de contrariar o texto

constitucional, se opõe a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – por meio do

Decreto Legislativo n. 27, de 26 de maio de 1992, o Congresso Nacional aprovou o referido

tratado e o Governo Brasileiro em 25 de setembro de 1992 depositou a Carta de Adesão a esta

Convenção, determinando seu integral cumprimento pelo Decreto n. 678, de 06 de novembro

de 1992.

O referido tratado, também conhecido como Pacto de São José da Costa Rica, em seu

art. 8º, II64, estabelece, novamente, o princípio da presunção de inocência ou do estado de

inocência.

Por oportuno, convém enaltecer, que aludido preceito legal, tem valor de norma

constitucional em nosso ordenamento, como dispõe o art. 5º, § 2º, da Constituição Federal65.

Deste modo, o princípio da presunção de inocência passou a ser assegurado em nosso

ordenamento jurídico, por duas normas: o art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, e o art.

8, II, do Pacto de São José da Costa Rica.

Nesse sentido:

[...] as duas redações se completam, expressando os dois aspectos fundamentais da garantia. [...] diante da duplicidade de textos que proclamam a garantia, pode-se concluir que estão agora reconhecidos, ampla e completamente, todos os seus aspectos, não sendo possível negar-lhe aplicação mediante argumentos relacionados à interpretação meramente literal. 66

Conforme assevera Antônio Magalhães Gomes Filho, não é possível ignorar um

princípio garantindo tanto na Constituição Federal quanto no Pacto de São José da Costa

Rica, e tornar possível a execução provisória.

64 Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. (BRASIL. Convenção Americana de Direitos Humanos. Disponível em: <www.planalto.gov.br/CCIVIL/decreto/1990-1994/anexo/and678-92.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2009). 65 Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. (BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 15 jun. 2009). 66 FILHO, Antônio Magalhães Gomes. O Princípio da Presunção de Inocência na Constituição de 1988 e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Revista do Advogado, São Paulo, n. 42, p.31, abr. 1994.

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Passemos ao próximo ponto.

1.3.4 Da Não Recepção dos Recursos Extraordinários e Especiais pelo Constituição Federal

de 1988

De outro tanto, os doutrinadores seguidores desta corrente sustentam, ainda, que o fato

da lei não ter dado aos recursos especiais e extraordinários o efeito suspensivo, não possibilita

a execução provisória da pena, em razão da sua não recepção pela Constituição de 1988.

Aury Lopes Jr. além indicar a falha contida no art. 637 do Código de Processo Penal,

demonstra, de forma sucinta, três erros presentes na Lei 8.038/90, sendo eles:

1º pretendeu disciplinar, com igual tratamento, para o processo civil e para o processo penal, os recursos especial e extraordinário, desprezando a especificidade da complexa fenomenologia do processo penal, que em nada se assemelha ao processo civil; 2º ainda que sancionada após a Constituição de 1988, dela se olvidou (ou pouco caso fez), desconsiderando a existência da presunção de inocência e da “ampla” defesa, consagrando uma prisão obrigatória e sem o caráter cautelar exigido como requisito de legitimidade; 3º tratou como “efeito recursal devolutivo” (art. 27, § 2º, da Lei 8.038) uma situação processual que vai para muito além dessa frágil categoria do processo civil, absolutamente inadequada (por excessiva redução da complexidade) para disciplinar o direito de recorrer em liberdade no processo penal.67

Referido jurista salienta, inclusive, que a questão de fundo inerente a expressão

“recorrer em liberdade”, ultrapassa a esfera da discussão civilista no que tange a questão

“efeito recursal”:

É elementar que a problemática em torno do direito de recorrer em liberdade está para muito além da categoria “efeito recursal”, tipicamente civilista e inadequada para o processo penal, situando-se noutra dimensão: a da eficácia do direito fundamental da ampla defesa e da presunção de inocência. 68

Nesse aspecto, tem-se que, para que ocorra a prisão decorrente da sentença proferida

em segundo grau, seria necessário que a prisão fosse fundamentada com base no art. 312 do

Código de Processo Penal.

67 JÚNIOR, op. cit., v. II, p. 134. 68 Idem.

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O jurista salienta ainda que “tratar a questão como mera “ausência de efeito

suspensivo” é, processual e constitucionalmente, um absurdo, pois é completamente

inadmissível uma pena antecipada”. 69

1.3.5 Da Política Criminal Adotada e Sua Inobservância ao Princípio da Dignidade Humana

Eugênio Pacelli de Oliveira faz outra importante avaliação sobre a utilização da

execução provisória em nosso ordenamento, o qual vale ser destacado neste trabalho

monográfico. Dita avaliação refere-se à postura adotada pelos tribunais brasileiros. Ele aduz

que é tão óbvio a infringência da presunção de inocência pela execução provisória, que a

única explicação plausível para a sua manutenção em nosso ordenamento seria a política

criminal adota pelos tribunais, como se vê:

[...] se a fundamentação de uma decisão que expressamente rejeita a aplicação de uma norma constitucional (o princípio da presunção de inocência) baseia-se em legislação ordinária, é porque estamos diante não de uma questão jurídica, mas de uma opção clara de política criminal e de política judiciária. 70

Outro ponto relevante exposto por esta corrente diz respeito à inobservância de outro

princípio constitucional, qual seja o princípio da dignidade humana. Dita infringência ocorre

na medida em que a pessoa mantida em cárcere pela ação estatal deixa, ao menos em parte, de

ter seus direito observados. Em outras palavras, aquele sob o qual recai sentença condenatória

não transitada em julgada, ou seja, pendente de recurso, não lhe é garantido a presunção de

inocência, o que fere a sua dignidade. Nesse aspecto já se manifestou o Superior Tribunal de

Justiça:

De acordo com a Carta Política, a liberdade é regra, só excepcionada quando, em processo regular, sob o exercício de ampla defesa e contraditório, frutos do devido processo legal, advém juízo condenatório definitivo, transitado em julgado. Admitir a execução da pena apenas como efeito de decisão condenatória recorrível ofende o princípio do favor libertatis e atenta contra a dignidade da pessoa humana - pilar sobre o qual assenta a República Federativa do Brasil - ao desconsiderar os princípios constitucionais que a concretizam. 71

69 JÚNIOR, op. cit., v. II, p. 135. 70 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 477. 71 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 25.043, da 6ª Turma. Paciente: Reginaldo Alves de Queiroz. Min. Rel. Paulo Medina. Brasília, 29 nov. 2005. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 30 mai. 2009.

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A corrente sobre análise faz menção a discrepância ocasionada pela execução

provisória em julgados ainda não transitados em julgado, já que, posteriormente, não há como

devolver ao segregado o tempo decorrido em que este sob cárcere.

José Barcelos de Souza ainda salienta:

Ora, a lei não adota nem nunca adotou essa modalidade de execução, pois nosso legislador jamais perpetrou tamanha barbaridade, incompatível com o Direito Processual Penal (imagine-se a execução de uma pena de morte na pendência de recurso!), em que pese a uma opinião doutrinária, completamente equivocada como se verá, de que havia sido autorizada por dispositivo, não mais vigente, do código de Processo Penal. 72

Dito isso, passemos a análise do princípio da presunção de inocência que nos dará

alicerce para posterior firmamento de posição em relação a possibilidade de ser aplicada, ou

não, a execução provisória da pena.

72 SOUZA, José Barcelos de. Execução provisória da pena [Jurisprudência comentada]. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 9, n. 35, p.297, jul. 2001.

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2 O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Neste capítulo far-se-á um estudo sobre o princípio da presunção de inocência

elencado na Constituição da República Federativa do Brasil. A presunção de inocência é uma

das mais importantes garantias constitucionais, pois ela exerce a função de carro chefe dos

demais princípios constitucionais que tornam o acusado um sujeito de direitos dentro da

relação processual. Este princípio está na Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, mais precisamente em seu art. 5º, inciso LVII: "ninguém será considerado culpado até o

trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Além desta, encontra previsão no art. 8º,

I, do Pacto de São José da Costa Rica, tratado esse, ratificado pelo Brasil.

O Estado criou mecanismos regulamentares para sua atuação que propiciam à criação

de limites a liberdade daquele indivíduo que desenvolve comportamento criminoso no intuito

de manter o equilíbrio entre os membros da comunidade. A materialização desta ação estatal,

todavia, deve ser compatibilizada com os preceitos fundamentais que tutelam o

direito de liberdade. Dessa forma, o Estado não pode atuar senão dentro dos limites fixados

pelas normas legislativas.

O princípio da presunção de inocência trata de regular o conflito existente entre o jus

puniendi do Estado, que é o seu titular absoluto, e o jus libertatis do cidadão, reputado o

maior de todos os bens jurídicos inerentes ao cidadão.

Resumidamente, a presunção de inocência surge como um juízo antecipado e

provisório – até o trânsito em julgado –, que para deixar de existir é necessário prova em

contrário. Dito isso, passemos a uma análise aprofundada deste princípio histórico.

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NO MUNDO

O princípio da presunção de inocência apresenta-se pela primeira vez no Direito

Romano (escritos de Trajano), todavia, foi gravemente atacada na Idade Média. Ensina Aury

Lopes Jr. que, nessa época, a dúvida gerada pela insuficiência de provas equivalia a uma

semi-prova, que comportava um juízo de semi-culpabilidade e semi-condenação a uma pena

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leve. 73 Na Magna Carta de 1215 – elaborada na Inglaterra –, também há menção a presunção

de inocência, quando institui que ninguém poderia ser preso, tão menos, sofrer qualquer tipo

de pena ou castigo enquanto não julgado em harmonia com a lei.

Todavia, com o passar das gerações, esse conceito tomou maiores proporções. A

presunção de inocência tomou maior importância durante o período Iluminista ocorrido na

Europa, o qual consagrou inúmeros filósofos que, em suas obras, propunham inúmeras

reformas no contexto sócio-jurídico adotado pelos países daquele continente.

Os iluministas entendiam que as leis naturais que regulam as relações entre os

homens, consideravam estes todos iguais. Todavia, as desigualdades existentes eram incitadas

pela própria sociedade e, para corrigi-las, era necessário mudar a sociedade:

A análise do princípio da inocência é importante, cuja origem materializou-se nas idéias iluministas, principalmente de Montesquieu, em sua clássica obra O Espírito das Leis, e que hoje se constitui em pedra basilar do Direito Moderno. Em épocas remotas, notadamente no século XVII, o principio da inocência, mereceu a defesa de inúmeros filósofos e teóricos do passado, tais como: Jean-Jacques Rousseau, John Locke, Aristóteles, Santo Tomás de Aquino, e Tomas Hobbes, cujas idéias de serem iguais os homens, possuindo os mesmos direitos naturais exerceram grande influência na declaração da independência e nas Constituições dos Estados americanos. 74

Eles – iluministas – tomaram por base a obra de Cesare de Beccaria, nominada de Dei

Delliti e Delle Pene, publicada em 1764, na qual o retro autor busca reagir contra o

desequilíbrio do poder imposto pelo absolutismo:

A obra de Beccaria funda-se no contratualismo, afirmando que cada homem cedeu uma parcela de sua liberdade para que fosse depositada em um lugar comum. Somente a necessidade extrema faz com que o homem abra mão de parte de sua liberdade, para possibilitar a vida segura e ordenada dentro da sociedade. Essas parcelas de liberdade precisam ser defendidas contra os ataques particulares, matriz que fundamenta o direito de punir do soberano. Nesse sentido, para Beccaria, a pena deve resultar da necessidade absoluta de proteção da liberdade, para não ser tirânica. 75

Durante esse período, diante dessa nova ideologia, surgiu a necessidade de abolir-se o

sistema inquisitorial adotado na época cunhando preceitos capazes de frear o descontrolado

poder de punir do Estado. As palavras de Paulo Rangel elucidam bem esse contexto:

O princípio da presunção de inocência tem seu marco principal no final do século XVIII, em pleno Iluminismo, quando, na Europa Continental, surgiu a necessidade

73 JÚNIOR, op. cit., v. I, p. 177-178. 74 BRAGA, Etelvina Lobo. Vida Pregressa como Causa de Inelegibilidade. Manaus, 2008, p. 16. Disponível em: <http://www.tre-am.gov.br/eje_/arq/monografias/Monografia_Dra_Etelvina_Lobo_Braga.pdf>. Acesso em: 17 out. 2009. 75 CAMARGO, Monica Ovinski. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: O Conflito entre Punir e Libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 27.

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de se insurgir contra o sistema processual penal inquisitório, de base romano-canônica, que vigia desde o século XII. Nesse período e sistema o acusado era desprovido de toda e qualquer garantia. Surgiu a necessidade de se proteger o cidadão do arbítrio do Estado que, a qualquer preço, queria sua condenação, presumindo-o, como regra, culpado. 76

Ainda sob influência Iluminista, “nasce o diploma marco dos direitos e garantias

fundamentais do homem: a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789”. 77

Nesse diploma, fica estabelecido em seu art. 9º que: “Todo acusado é considerado inocente

até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à

guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei” . 78

Monica Ovinski de Camargo salienta a importância do diploma supra mencionado nas

seguintes palavras:

[...] a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, doravante DDHC, representa um dos mais importantes documentos históricos de conquista dos direitos individuais perante o arbítrio do poder real. A simples análise de seu conteúdo, traduzido em seu preâmbulo na afirmação de: ‘[...]’ direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem...’, demonstra todo o apego da época ao ideário Iluminista, que defendeu os direitos individuais do homem, classificados como naturais e absolutos, produtos da razão humana.79

Com a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão houve uma reformulação na

base de concepção do Estado, que, agora, parte em constante observância aos direitos

individuais como limites de atuação. A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão

estabeleceu a primeira orientação sobre a presunção de inocência, num total de três. A

segunda delas surgiu no debate entre as escolas penais italianas, a qual acabou por estabelecer

o art. 27.2 da Constituição Italiana80. Necessário se faz um breve esclarecimento acerca do

debate pelo fato de a Itália ser um dos maiores berços do direito processual penal, o qual

serve, inclusive, de referência para o Brasil.

Inicialmente na Itália, em decorrência do Iluminismo, surgiu a Escola Clássica, a qual

primava por um processo penal igualitário e democrático. Essa posição sócio-jurídica fica

clara nas palavras de Francesco Carrara, citado por Monica Ovinski Camargo, como se vê:

76 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 23. 77 Idem. 78 Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html>. Acesso em: 15 jul. 2009. 79 CAMARGO, op. cit., p. 26. 80 L’imputato non è considerato colpevole sino alla condanna definitiva. (O réu não é considerado culpado até a condenação definitiva – tradução nossa). (FILHO, Antônio Magalhães Gomes. Presunção de Inocência e Prisão Cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 25).

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[...] é evidente que os institutos processuais devem ser adequados a um duplo serviço: tutela do direito que têm os bons à punição da culpa, e tutela do direito que tem o processado a não ser submetido à punição sem culpa, ou além da justa medida da sua culpa. 81

Luigi Ferrajoli assevera, inclusive, que o princípio da presunção de inocência foi

“elevado por Francesco Carrara a ‘postulado’ fundamental da ciência processual e a

pressuposto de todas as outras garantias do processo”. 82

Todavia, a partir daí, afirma Luigi Ferrajoli, começou uma série de ataques a Escola

Clássica:

O princípio da presunção de inocência foi objeto de um ataque concêntrico do final do século xix em diante, em sintonia com o regresso autoritário da cultura penalista relembrada com freqüência. O alvo, obviamente, nunca foi o princípio de submissão a jurisdição, no sentido lato de necessidade do juízo como condição da condenação, mas as suas implicações mais estritamente garantistas em matéria de liberdade do imputado e de formação da prova.83

No decorrer do século XIX, surgiram inúmeras e profundas mudanças estruturais na

sociedade moderna, as quais exigiram uma atuação mais proeminente do Estado, em especial

na economia. A postura adotada pelo Estado acabou por resultar em intervenções mais ativas

em todos os setores da sociedade, inclusive no jurídico:

O resultado dessa circunstância política e econômica foi a exigência de um Estado forte também nos meandros internos, que primasse pelo desenvolvimento econômico e pelo comando da sociedade, interferindo positivamente para promover o controle dos seu conflitos, instalando a ordem e a paz social. A idéia da autonomia individual cedeu diante da supremacia do coletivo. O indivíduo não era mais valorizado isoladamente, mas no contexto dos interesses do grupo ao qual pertencia. O Estado liberal que afirmou a autonomia individual foi sucedido por um modelo mais adequado ao momento histórico, que, guarda dos direitos sociais, a partir da postura intervencionista na sociedade, sob os lineamentos socioliberais. 84

Com esse novo pensamento posto em prática movido pela comoção social no intuito

de conter os conflitos e diminuir as atividades criminosas, as soluções criadas pela Escola

Clássica – dentre as quais a presunção de inocência é a mais evidente – foram consideradas

inadequadas para aquele momento, não apresentando sintonia com a realidade social.

Vejamos:

As soluções preparadas pelo classicismo foram declaradas inaptas para resolver os problemas relacionados com o crime, mormente seu método racional abstrato, julgado desconexo com a premente realidade social. O direito penal humanizado

81 CAMARGO, op. cit.,, p. 33. 82 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradução de Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 507. 83 Idem. 84 CAMARGO, op. cit., p. 37.

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suplantou os excessos de poder, aumentou os direitos dos indivíduos, contudo não conseguiu conter o aumento das condutas prejudiciais aos recentes objetivos do Estado. Como não podia deixar de ser, os rumos encetados pelo Direito Penal e Processual Penal tiveram origem externa, marcadamente política. 85

A partir de então, ganha maior notoriedade a Escola Positiva. Para os positivistas o

que impingia os delinquentes a cometer delitos, era um verdadeiro determinismo, proveniente

de uma ordem biopsicológica que o impulsionava a cometer delitos. Portanto, não havia como

os impedir de cometer determinados delitos se os criminosos já estavam pré-determinados a

cometê-los.

Luigi Ferrajoli, irresignado com a interpretação engendrada pelos positivistas, citas os

dois autores precursores desta escola:

O primeiro ataque foi propiciado pela Escola Positiva Italiana: Raffaele Garofalo e Enrico Ferri, em coerência com suas opções substancialistas, consideraram “vazia”, “absurda”, e “ilógica” a fórmula da presunção de inocência, o primeiro exigindo a prisão preventiva obrigatória e generalizada para os crimes mais graves e o segundo aderindo a modelos de justiça sumária e substancial além das provas de culpabilidade. 86

Enrico Ferri, representante da escola positiva, expõe ainda o seu medo em aplicar o

princípio da presunção de inocência nos casos em que dito princípio protegia um criminoso

em primeiro grau de jurisdição, no qual se encontrava uma forma atávica de delinquência. O

ativismo expressa um tipo de criminoso que reteve uma herança genética dos seus

ascendentes mais remotos, que o tornava um doente e delinqüente nato, sem chances de

correção. 87

Em momento posterior, surge a última escola penal italiana, qual seja a Técnico-

Jurídica. Para esta escola, o processo penal tratava-se de um instrumento capaz de provar a

culpabilidade do indivíduo, sem margens de erro.

O principal representante desta escola foi Vincenzo Manzini, o qual repeliu por

completo o princípio da presunção de inocência:

Mas o golpe decisivo foi desferido em princípio pela autoridade de Vincenzo Mazini, que estigmatizou a fórmula como um “estranho absurdo excogitado pelo empirismo francês” e a julgou “grosseiramente paradoxal e irracional” baseada em uma cadeia de petições de princípio: a apriorística valorização dos institutos positivos da custódia preventiva e do segredo instrutório que por ela seriam contraditados, a insensata equiparação instituída entre os indícios que justificam a imputação e a prova da culpabilidade, a assunção de que a experiência demonstraria que a maior parte dos imputados são na realidade culpados. Reforçado por esses

85 CAMARGO, op. cit., p. 37-38. 86 FERRAJOLI, op. cit., p. 507. 87 ARAGÃO, Antônio Moniz Sodré de. As Três Escolas Penais: clássica, antropológica e crítica – estudo comparativo. São Paulo: Freitas Bastos, 1963, p.176.

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avais, o código Rocco de 1930 repeliu “por completo a absurda presunção de inocência, que alguns pretendiam reconhecer ao imputado”, liquidando-a como “uma extravagância derivada daqueles conceitos antiquados, germinados pelos princípios da Revolução Francesa, os quais levam as garantias individuais aos mais exagerados e incoerentes excessos”. 88

Manzini ainda afirmou que “a crença de que o indivíduo tem a seu favor uma

presunção de inocência, até que a sentença condenatória se afirme como irrevogável, era uma

idéia paradoxal e irracional”. 89 Para ele, “[...] se se presume inocência do acusado, não teria

sentido processá-lo ou submete-lo à prisão preventiva.” 90

A terceira orientação sobre a presunção de inocência surge com a Declaração

Universal de Direitos Humanos. Diferentemente da Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão que instituiu a presunção de inocência como uma regra de tratamento, e das escolas

italianas que debatiam se a presunção de inocência deveria servir de instrumento de defesa do

acusado ou da sociedade, a Declaração Universal de Direitos Humanos restringe a presunção

de inocência somente no campo probatório, já que fica a cargo da acusação a produção de

todas as provas para a condenação do acusado:

O exame da presunção de inocência oriunda da DUDH restringe-se ao campo probatório, já que impõe à acusação a tarefa da produção completa das provas acerca da culpabilidade do indivíduo. Além de eximir o acusado da obrigação de produzir provas sobre a veracidade da acusação, implica em sua absolvição incondicional, caso a sua culpa não tenha sido totalmente provada, o que permitiu margem de dúvida para o juiz (in dúbio pro reo). 91

Findadas as considerações acerca dos aspectos históricos mundiais da presunção de

inocência, passa-se a analisá-la no contexto histórico do Brasil.

2.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NO BRASIL

A Constituição Brasileira de 1824 já trazia elementos do princípio da presunção de

inocência, a qual estipulava que ninguém poderia ser preso sem culpa formada, exceto nos

casos declarados na Lei. Todavia, é com a adesão a Declaração Universal dos Direitos

Humanos que este princípio toma maior relevância no contexto sócio-jurídico do país. Esta

88 FERRAJOLI, op. cit., p. 507. 89 CAMARGO, op. cit., p. 46. 90 FILHO, Antônio Magalhães Gomes. Presunção de Inocência e Prisão Cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 16-17. 91 CAMARGO, op. cit., p. 58.

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tem enorme valor jurídico e moral, pois foi assinada por 48 países, com grandes diferenças

culturais, demonstrando um verdadeiro consenso jurídico entre as nações de estabelecer os

direitos inerentes ao homem:

[...] o fato de ter sido assinada por 48 países distantes não apenas geograficamente, como também cultural, econômica e socialmente, revela que há uma conversão de interesses no seu conteúdo, um consenso jurídico sobre a importância de afirmar e tutelar efetivamente seus preceitos. Nisso reside sua maior força jurídica, marco histórico inigualável, em ter reunido países e povos tão diferentes, com objetivos por vezes opostos, em torno da concordância em tutela e promover a observância de 30 artigos, que dizem respeito ao ser humano, seja ocidental ou oriental, rico ou pobre, branco ou negro. 92

Importante se faz ressaltar que, quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos

foi aprovada, o Brasil recém havia promulgado um Código de Processo Penal essencialmente

repressivo, fato que gerou inúmeros desencontros legais: “Quando o Código de Processo

Penal entrou em vigor em janeiro de 1942, os brasileiros viviam um período político presidido

pelo autoritarismo de Getúlio Vargas, historicamente denominado de Estado Novo.” 93

A exemplo dos demais regimes totalitários, Getúlio Vargas utilizou-se do direito para

legitimar a nova ordem por ele imposta, promulgando o repressivo Código de Processo Penal

de 1942. Assemelhando-se novamente a Itália, à época regida pelo regime fascista de

Mussolini que contava com Alfredo Rocco para a elaboração de leis repressivas, o Brasil,

governado por Vargas, contava com a participação de Francisco Campos para a tarefa de

elaboração de leis:

Avizinhando-se ao regime italiano fascista de Mussolini, que tinha na figura de Alfredo Rocco o homem de confiança para elaborar o edifício de leis fascistíssimas, leis de organização do Estado repressivo, o regime ditatorial varguista também tinha seu homem de confiança, versado nas letras jurídicas, para projetas todos os documentos jurídicos imprescindíveis para a perfeita e legal instalação de um regime autoritário: Francisco Campos. 94

Monica Ovinski Camargo salienta o descaso do Código de Processo Penal da época

para com a presunção de inocência:

A rejeição da presunção de inocência na codificação brasileira pode ser explicada na observância dos preceitos gerais insculpidos na legislação processual penal, no CPP de 1942. Este código se prestou a uma maior defesa da sociedade e, em face disso, a aceitação da presunção de inocência ficou prejudicada. 95

92 CAMARGO, op cit., p. 131. 93 CAMARGO, op. cit., p. 100. 94 CAMARGO, op. cit., p. 106. 95 CAMARGO, op. cit., p. 114.

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O que a autora diz fica evidente ao analisar-se o antigo art. 312 do CPP que assim

prelecionava: “A prisão preventiva será decretada nos crimes a que for cominada pena de

reclusão por tempo, no máximo, igual ou superior a dez anos”. Diferentemente de hoje, que a

prisão preventiva será decretada apenas como garantia da ordem pública, da ordem

econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal,

quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Ainda a título de

ilustração, eis a ementa de um julgado do STF da época:

PRISÃO PREVENTIVA COMPULSORIA. PARA A MESMA SÓ SE EXIGE A PROVA DA MATERIALIDADE DO FATO CRIMINOSO E INDICIOS DE SUA AUTORIA. PRISÃO PREVENTIVA COMPULSORIA. ELEMENTOS OBJETIVOS PARA A SUA DECRETAÇÃO. ARTIGO 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DIR. PROCESSUAL PENAL. 96

Posteriormente, com o advento do regime militar iniciado em 1964, a situação só

piorou. A partir deste marco temporal, surge um notório desequilíbrio entre o jus puniendi do

Estado e o jus libertatis do acusado, o qual é simbolizado, principalmente, pelos atos

institucionais criados pelo regime militar. A principal restrição à presunção de inocência vem

evidenciada no Ato Institucional n. 5, o qual estabeleceu que ficasse vedado o direito a habeas

corpus em casos de crimes políticos, crimes contra a segurança nacional, a ordem econômica

e social e a economia popular. 97

A presunção de inocência tomou a forma que hoje tem, com a promulgação da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a qual assim passou a estipular que

ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, e

será mais bem abordada no ponto subsequente.

2.3 CARACTERIZAÇÃO E DELIMITAÇÃO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Inocência refere-se à liberdade no processo penal no sentido de não punir o acusado

antes da sentença penal condenatória. Em outras palavras, todos os são inocentes até que uma

sentença penal condenatória transitada em julgado altere seu estado de inocente. Assim

96 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso em Habeas Corpus n. 35.046, Tribunal Pleno. Paciente: Waldomiro Barbosa. Min. Rel. Candido Motta. Brasília, 26 jun. 1957. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 19 jul. 2009. 97 Art. 10: Fica suspensa a garantia de Habeas Corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. (BRASIL. Ato Institucional n. 5. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/AIT/ait-05-68.htm>. Acesso em: 27 jul. 2009).

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somente a jurisdição prestada pelo Estado pode modificar a situação de inocência do

Acusado.

A presunção de inocência exprime no processo penal o direito do acusado de ter

preservado seu estado de inocência, como subsequente garantia do estado de liberdade, até

provimento jurisdicional condenatório transitado em julgado.

Rogéio Lauria Tucci salienta que:

Consiste ele na asseguração, ao imputado, do direito de ser considerado inocente até que sentença penal condenatória venha a transitar formalmente em julgado, sobrevindo, então, a coisa julgada de autoridade relativa. 98

A presunção de inocência é a garantia deste estado até advir tal sentença, acautelando

os interesses do acusado no processo penal. A partir daí, é possível constatar-se que o aludido

princípio, além de garantir a inocência ao acusado, garante também que seus direitos serão

respeitados, protegendo-o de qualquer punição antes da sentença definitiva. No estado

democrático o direito de liberdade do acusado só será restringido durante procedimento

persecutório mediante o devido processo legal.

Na esteira deste pensamento, Eugênio Pacelli de Oliveira sustenta:

Em outras palavras, o estado de inocência99 (e não presunção) proíbe a antecipação dos resultados finais do processo, isto é, a prisão, quando não fundada em razões de extrema necessidade, ligadas à tutela da efetividade do processo e/ou da própria realização da jurisdição penal. 100

As garantias básicas do processo penal revestem o acusado com um escudo

protegendo-o do poder arbitrário do Estado, ou seja, o processo penal é um instrumento que

delimita o poder de ação do Estado.

Nesse sentido Aury Lopes Jr. preleciona:

Se é verdade que os cidadãos estão ameaçados pelos delitos, também o estão pelas penas arbitrárias, fazendo com que a presunção de inocência não seja apenas uma garantia de liberdade e de verdade, senão também uma garantia de segurança (ou de defesa social), enquanto segurança oferecida pelo Estado de Direito e que se expressa na confiança dos cidadãos na Justiça.101

A presunção de inocência exsurge como uma proteção frente ao livre arbítrio estatal.

Aury Lopes Jr., salienta que “o medo que a Justiça inspira nos cidadãos é signo inconfundível

de perda da legitimidade política da jurisdição, e, ao mesmo tempo, de sua involução 98 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 379. 99 Existe, na verdade, um estado de inocência, estabelecido pelo mandamento constitucional, ou seja, é uma relação de fato que não dá margens a critérios interpretativos (o que seria se fosse uma mera presunção). 100 OLIVEIRA, op. cit., 11. ed., 2009, p. 37. 101 JÚNIOR, op. cit., v. I, p. 179.

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irracional e autoritária”. 102

Ferrajoli coaduna com tal entendimento:

Toda vez que um imputado inocente tem razão de temer um juiz, quer dizer que isto está fora da lógica do Estado de direito: o medo e mesmo só a desconfiança ou a não segurança do inocente assinalam a falência da função mesma da jurisdição penal e a ruptura dos valores políticos que a legitimam. 103

No decorrer dos tempos, a presunção de inocência passou a ser adotada como

princípio reitor da estrutura processual penal, indicando a opção do legislador que elegeu a

proteção dos direitos individuais como fator primordial no processo penal. Segundo Alberto

Binder, ao estipular que ninguém será considerado culpado sem uma sentença condenatória

penal transitada em julgada, o princípio em tela impôs alguns algumas determinações:

1. Que somente a sentença tem essa faculdade. 2. Que no momento da sentença existem somente duas possibilidades: culpado ou inocente. Não existe terceira possibilidade. 3. Que a “culpabilidade” deve ser juridicamente provada. 4. Que essa construção implica a aquisição de um grau de certeza. 5. Que o acusado não tem que provar a sua inocência. 6. Que o acusado não pode ser tratado como um culpado. 7. Que não podem existir mitos de culpa, isto é, partes da culpa que não necessitam ser provadas. 104

A culpa do acusado deve ser demonstrada de forma cabal no decorrer do processo

penal para alicerçar uma condenação, de maneira a não permitir que paire dúvidas. Alberto

Binder afirma que “a construção (ou a declaração) da culpabilidade exige precisão, e esta

precisão é expressa pelo conceito de certeza” 105.

Preleciona Aury Lopes Jr. que a presunção de inocência:

a) Predetermina a adoção da verdade processual, relativa, mas dotada de um bom nível de certeza prática, eis que obtida segundo determinadas condições. b) Como consequência, a obtenção de tal verdade determina um tipo de processo, orientado pelo sistema acusatório, que impõe a estrutura dialética e mantém o juiz em estado de alheamento (rechaço a figura do juiz inquisidor – com poderes investigatórios/instrutórios – e consagração do juiz de garantias ou garantidor). c) Dentro do processo, se traduz em regras para o julgamento orientando a decisão sobre os fatos (carga da prova). d) Traduz-se, por último, em regras de tratamento do acusado, posto que a intervenção do processo penal se dá sobre um inocente.106

Ao atribuir o status de inocente ao acusado durante o processo penal, o princípio em

tela apresentou algumas ramificações. Uma delas é o in dúbio pro reo. Constantemente são

submetidos ao processo penal tanto pessoas culpadas como inocentes. Assim, caso ao final do

102 Idem. 103 FERRAJOLI, op. cit., p. 506. 104 BINDER, Alberto M.. Introdução ao Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 87. 105 BINDER, op. cit., p. 89. 106 JÚNIOR, op. cit., v. I, p. 179-180.

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processo, reste dúvida quanto à culpabilidade do indivíduo, é preferível a absolvição de um

culpado à condenação de um inocente.

Cesare Beccaria há seu tempo, já afirmava:

Um homem não pode ser considerado culpado antes da sentença do juiz; e a sociedade apenas lhe pode retirar a proteção pública depois que seja decidido que ele tenha violado as normas em que tal proteção lhe foi dada. Apenas o direito da força pode, portanto, dar autoridade a um juiz para infligir uma pena a um cidadão quando ainda se está em dúvida se ele é inocente ou culpado. 107

Por isso, uma acusação com dúvida não pode ensejar uma condenação. Diante da

incerteza sobre a culpabilidade do agente, não há outra opção ao Estado, a não ser absolver

aquele de qualquer imputação. A respeito do assunto, Valdir Sznick, manifesta-se:

O princípio da presunção de inocência – na sua primeira significação – é endereçada ao juiz e à formação da prova. [...] O juiz tem no indiciado não um culpado (como na época medieval), nem um réu que deva confessar (ainda que sob tortura) mas um suspeito, alguém que tem contra si indicações de ter cometido um crime; mas apenas indicações, suspeitas, que deverão ser provadas. Enquanto não se provar essas indicações é ele inocente. Aí está em toda a sua pureza e amplitude o entendimento da máxima – não é um simples indiciamento, uma simples imputação do cometimento de crime que já torna um cidadão em culpado. Não. É ele inocente até prova em contrário. Essa a norma que prevalece em um país democrático, onde impera a liberdade do cidadão acima de tudo e, abaixo, apenas, do império da lei. 108

Como anteriormente salientado por Binder, cabe a acusação demonstrar a ocorrência

do delito, demonstrando que o acusado é o autor do fato delituoso. Caso não seja comprovada

a ocorrência do ilícito, ou não existia prova extreme de dúvidas para alicerçar a sentença

condenatória, será o juiz obrigado a absolver o acusado, não lhe podendo imputar a culpa por

presunção.

Paulo Rangel afirma categoricamente que:

A constituição não presume a inocência, mas declara que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 5º, LVII). Em outras palavras, uma coisa é a certeza da culpa, outra, bem diferente, é a presunção da culpa. Ou, se preferirem, a certeza da inocência ou a presunção da inocência. 109

Não existe “pessoa mais presumida” e “pessoa menos presumida”, ou seja, pelo

princípio constitucional todos são presumidamente inocentes, qualquer que seja o fato que nos

é atribuído. O texto constitucional em seu art. 5º, LVII, não afirma presumir uma inocência,

mas sim garantir que ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado da sentença

penal condenatória. O princípio em questão refere-se a um estado de inocência ou de não-

107 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 37. 108 SZNICK, Valdir. Liberdade, Prisão Cautelar e Temporária. São Paulo: Leud, 1994, p. 53. 109 RANGEL, op. cit., p. 23-24.

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culpabilidade.

Aury Lopes, sobre o assunto, se manifesta nesse sentido:

[...] por aplicação elementar do princípio consitucional da isonomia e do ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus, não existem pessoas “mais presumidas” inocentes e pessoas “menos presumidas”. Todos somos presumidamente inocentes, qualquer seja o fato que nos é atribuído. 110

Fazendo uso das palavras de Adauto Suannes, ainda afirma:

Nada justifica que alguém, simplesmente pela hediondez do fato que se lhe imputa, deixe de merecer o tratamento que sua dignidade de pessoa humana exige. Nem mesmo sua condenação definitiva o excluirá do rol dos seres humanos, ainda que em termos práticos isso nem sempre se mostre assim. Qualquer distinção, portanto, que se pretenda fazer em razão da natureza do crime imputado a alguém inocente contraria o princípio da isonomia, pois a Constituição Federal não distingue entre mais inocente e menos inocente. O que deve contar não é o interesse da sociedade, que tem na Constituição Federal, que prioriza o ser humano, o devido tratamento, mas o respeito à dignidade do ser humano, qualquer seja o crime que lhe é imputado. 111

Aury Lopes Jr. analisando o princípio da presunção de inocência sob a perspectiva do

julgador sustenta que:

[...] a presunção de inocência deve(ria) ser um princípio da maior relevância, principalmente no tratamento processual que o juiz deve dar ao acusado. Isso obriga o juiz não só a manter uma posição ‘negativa’ (não o considerando culpado), mas sim a ter uma postura positiva (tratando-o efetivamente como inocente). 112

Cumpre ressaltar que parte da doutrina busca distinguir as expressões “presunção de

inocência” e “presunção de não culpabilidade” e as demais denominações para este princípio.

Todavia, a presunção de inocência é expressão genérica que não corresponde a um significado

único. A presunção de inocência exprime o direito do acusado de ter preservado seu estado de

inocência, até provimento jurisdicional condenatório transitado em julgado.

Nesse sentido, Alberto Binder preleciona que:

Foi dito que este princípio implica um “status de inocência”, uma “presunção de inocência” ou um “direito de ser tratado como inocente”. Creio que, definitivamente, todas essas posturas são perfeitamente conciliáveis e não diferem de seus efeitos práticos. 113

O processo penal inicia-se quando há indícios ou provas suficientes de materialidade e

autoria. A partir daí, surge uma dúvida sobre a existência do ilícito. A dúvida somente será

dirimida com o processo penal, onde a acusação deverá trazer para o processo elementos que 110 JÚNIOR, op. cit., v. I, p. 181. 111 Idem. 112 JÚNIOR, op. cit., p. 179. 113 BINDER, op. cit., p. 85.

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contribua para o desenvolvimento da convicção do juiz.

Nesse sentido:

Com efeito, o processo tem inicio com fundamento em uma dúvida, e todos os atos processuais em que participam as partes e o juiz objetivam dissipá-la, trazendo elementos que contribuam para a formação da convicção do juiz, para que este possa expressar sua certeza na sentença, seja absolvendo ou condenando o acusado. 114

Nesse aspecto, o in dubio pro reo exsurge como uma técnica de julgamento, com o

escopo de resolver aqueles casos em que o magistrado não sana suas dúvidas sobre a realidade

dos fatos para poder alicerçar um decreto condenatório. Este princípio atua a favor da

liberdade do acusado, uma vez que a dúvida leva o acusado à absolvição, como se vê:

O processo penal como um todo é preparado para o momento ápice de afirmação da certeza dos fatos na sentença, uma e soberana, que versa ou sobre a culpa ou sobre a inocência do acusado, mas como proceder quando a dúvida que movimentou a máquina processual não foi esclarecida, mesmo com os francos esforços da acusação e da defesa? A história do Processo Penal mostra que duas soluções foram tecnicamente criadas para resolver os casos de incerteza fática: deixar o assunto sem decisão, aguardando que novos elementos sejam apresentados para desfazer essa incerteza ou, em uma segunda fórmula, determinando diretamente o sentido da sentença nos casos de incerteza. [...] A regra do in dubio pro reo estabelece que em casos de dúvida a sentença deve sempre favorecer o acusado e se consubstancia diretamente como regra de solução técnica, estruturada sob forma de um princípio geral de direito. 115

Ressalte-se que a presunção de inocência mostra-se presente durante toda a instrução

processual, ao contrário do in dubio pro reo, que aparece tão somente por ocasião do

julgamento, quando houver uma situação de dúvida. Enquanto a presunção de inocência atua

a todo o momento, o in dúbio pro reo somente opera em situação de dúvida.

Luigi Ferrajoli, por outro lado, salienta que a discussão em torno da presunção de

inocência não se restringe à submissão do acusado a jurisdição do Estado, mas também no

campo probatório e da liberdade. E a faz nos seguintes termos:

O alvo, obviamente, nunca foi o princípio da submissão à jurisdição, no sentido lato de necessidade do juízo como condição da condenação, mas as suas implicações mais estritamente garantista em matéria de liberdade do imputado e de formação da prova. 116

O in dubio pro reo encontra respaldo no art. 386, VII, do Código de Processo Penal117,

que impõe o ônus da prova para o acusador. Afinal, se o acusado é considerado inocente até o

114 CAMARGO, op. cit., p. 135. 115 CAMARGO, op. cit., p. 136. 116 FERRAJOLI, op. cit., p. 507. 117 Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: [...] VII – não existir prova suficiente para a condenação. (BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 24 ago. 2009).

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trânsito em julgado, não faria sentido este ter que provar sua inocência.

Após a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a presunção de inocência

passou a cunhar também a regra probatória, destinando à acusação a tarefa de provar a

existência do delito e a culpabilidade do acusado:

A DUDH, enquanto documento político internacional, previu muitas garantias referentes ao justo processo e, ao contemplar a presunção de inocência, assim se manifestou no art. 11.1: “Todo o homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada, de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.” A nova redação cunhada para a presunção de inocência não poderia deixar de agregar uma nova interpretação, que teve margem de desdobramento em alguns países, notadamente nos que empregam o sistema da common law. Como se refere à prova da culpabilidade, a interpretação da presunção de inocência adivinha da DUDH teve o condão de atuar dentro do Processo, já que impôs para a acusação a tarefa de provas a culpabilidade do acusado.

Quando o imputado é presumidamente inocente não lhe cabe provar nada. Existindo

uma presunção está deve “[...] ser destruída pelo acusador, sem que o acusado (e muito menos

o juiz) tenha qualquer dever de contribuir nessa desconstrução.” 118

Quem desempenha a função de titularidade da ação penal, hodiernamente, em regra, é

o Ministério Público, deixando assim o Juiz equidistante do conflito de interesses. Nesse

sentido: “[...] a primeira (e principal) alegação feita é a que consta na denúncia e aponta para a

autoria e a materialidade; logo, incumbe ao MP o ônus total e intransferível de provar a

existência do delito.” 119, ou seja, “[...] isso significa que incumbe ao acusador provas a

presença de todos os elementos que integram a tipicidade, a ilicitude, e a culpabilidade e,

logicamente, a inexistência das causas de justificação.” 120

Nesse aspecto, quando o Ministério Público, imputa a alguém um determinado delito,

deve provar todos os seus elementos, afastando a presunção de inocência. Afinal, se a

inocência é a todos assegurada, quem postula em contrário, deve provar sua pretensão.

Diante do exposto, constata-se que a presunção de inocência possui um tríplice

significado, quais sejam: a regra de tratamento, a regra probatória, e o de modelo de Processo

Penal.

A regra de tratamento, como pilar do processo penal, surgiu, basicamente, com a

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e instituiu o dever de tratar o acusado como

inocente até a sentença final condenatória, incluindo sérias limitações a todas as medidas

118 JÚNIOR, Aury Lopes. Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 189. 119 JÚNIOR, Aury Lopes. Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 190. 120 Idem.

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cautelares, como prisão preventiva sem prazo determinado e antecipação da pena. O Estado,

pela primeira vez, se viu diante de limitações no exercício do jus puniendi, sob a alegação de

preservação dos direitos individuais.

O modelo de processo penal, baseado na presunção de inocência, se estabeleceu com o

debate das escolas penais italianas. A discussão gerada pelos membros de cada escola cingia-

se ao fundamento do processo penal, se a presunção de inocência deveria ser utilizada como

tutela da inocência ou como meio de defesa da sociedade em relação aos marginais, deixando

de lado o conteúdo propriamente dito da presunção de inocência, ou seja, suas consequências

para o processo penal. Portanto, a presunção de inocência surge, também, como um princípio

norteador do processo penal, o qual busca sempre garantir os direitos do imputado frente à

atuação punitiva estatal.

A regra probatória, por sua vez, surgiu com a Declaração Universal dos Direitos

Humanos, a qual repassou o ônus probatório a acusação, sendo esta responsável pela

produção completa de provas sobre a culpabilidade do agente. Por outro lado, instituiu o in

dubio pro reo, o qual estabelece que, caso as provas angariadas não fossem extremes de

dúvida acerca do fato ilícito, deverá o juiz proceder na absolvição do acusado. Portanto, a

presunção de inocência exsurge como uma regra probatória, eis que, no caso de haver receio

acerca da culpabilidade do agente, deverá ele ser afastado de qualquer imputação,

absolvendo-o.

Nesse sentido:

a) É um princípio fundante, em torno do qual é construído todo o processo penal liberal, estabelecendo essencialmente garantias para o imputado frente à atuação punitiva estatal. b) É um postulado que está diretamente relacionado ao tratamento do imputado durante o processo penal, segundo o qual haveria de partir-se da idéia de que ele é inocente e, portanto, deve reduzir-se ao máximo as medidas que restrinjam seus direitos durante o processo (incluindo-se, é claro, a fase pré-processual). c) Finalmente, a presunção de inocência é uma regra diretamente referida ao juízo do fato que a sentença penal faz. É sua incidência no âmbito probatório, vinculado à exigência de que a prova completa da culpabilidade do fato é uma carga da acusação, impondo-se a absolvição do imputado se a culpabilidade não ficar suficientemente demonstrada. 121

Feitas essas ponderações acerca da presunção de inocência e já tendo por base as teses

favoráveis e contrárias sobre a execução provisória, passemos então a análise dos votos do

HC 84.078 do Supremo Tribunal Federal, o qual, apesar de ter momentaneamente

sedimentado a matéria, causou e continua causando amplo debate.

121 JÚNIOR, op. cit., v. I, p. 180.

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3 ANÁLISE DOS VOTOS DOS MINISTROS NO HC 84078: SOBRE O

(DES)ACERTO DA DECISÃO

Neste capítulo abordar-se-ão os votos proferidos pelos ministros do Supremo Tribunal

Federal no Habeas corpus n. 84.078, da relatoria do Ministro Eros Graus, julgado pelo pleno

da Suprema Corte no dia 5 de fevereiro de 2009.

Ressalta-se, desde logo, que, com exceção do voto do Ministro Relator, os demais

serão citados e analisados a partir das imagens obtidas daquela sessão plenária, hospedada no

site da TV Justiça. Esse método foi adotado em face do estreito período decorrente entre a

data do julgamento e a apresentação deste trabalho monográfico, razão pela qual, mesmo após

dispendiosos esforços, não foram obtidos os votos restantes, restando, como fonte de

pesquisa, os vídeos daquela sessão plenária.

Após termos, no primeiro capítulo, exposto o problema núcleo deste trabalho

monográfico, demonstrando os mais variados posicionamentos e suas respectivas

justificativas, e, no segundo capítulo, termos tornado inteligível o princípio constitucional da

presunção de inocência, demonstrado aspectos históricos e hodiernos, disposições gerais,

além de sua esfera de abrangência, teremos, como base para o terceiro capítulo, os votos dos

ministros que decidiram o Habeas Corpus sob análise.

Tal análise mostra-se de suma importância para verificar-se de que maneira foram

tratados os posicionamentos salientados no primeiro capítulo com as definições elencadas

sobre a presunção de inocência no segundo capítulo.

3.1 ANÁLISE CRÍTICA DO VOTO DO MINISTRO EROS GRAU (RELATOR)

De início, cumpre fazer-se uma síntese sobre a origem deste Habeas Corpus, no

intuito de melhor posicionar o leitor acerca do assunto.

O paciente foi condenado a três anos e seis meses de reclusão – em razão da tese de

homicídio qualificado – pela prática do crime tipificado no artigo 121, § 2º, I e V, c/c o artigo

14, II, todos do Código Penal. Posteriormente, em novo Júri, designado a partir do

provimento da apelação do Ministério Público, o paciente foi condenado a sete anos e seis

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meses de reclusão, em regime integralmente fechado, sendo, em decisão proferida pelo

Tribunal de Justiça de Minas Gerais, convertido para inicialmente fechado. Na sequência, a

defesa interpôs recursos extraordinário e especial, sendo este último admitido pelo Tribunal

Estadual.

Não satisfeito, o Ministério Público requereu a prisão preventiva antes da admissão do

recurso especial, pois o paciente estaria se desfazendo de seus vultosos bens, demonstrando o

seu intento em furtar-se da aplicação da lei penal.

Acolhendo o pedido, a prisão preventiva foi decretada sendo expedido competente

mandado de prisão em desfavor do Réu. O referido Habeas Corpus tem por base o

constrangimento ilegal exercido pelo Superior Tribunal de Justiça cuja ementa assim

expressa:

HABEAS CORPUS. PENAL. ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DE CONDENAÇÃO DE PRIMEIRO GRAU. EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO. LEGITIMIDADE. INOCORRÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, DADA A INEXISTÊNCIA EM REGRA, DE EFEITO SUSPENSIVO AOS RECURSOS DE NATUREZA EXTRAORDINÁRIA. É assente a diretriz pretoriana no sentido de que o princípio constitucional da não-culpabilidade não inibe a constrição do status libertatis do réu com condenação confirmada em segundo grau, porquanto os recursos especial e extraordinário são, em regra, desprovidos de efeito suspensivo. Precedentes do STF e do STJ. Ordem denegada. 122

O impetrante alegou que não havia alicerce para manter a prisão preventiva fundada

na garantia da aplicação da lei penal, não se referindo, todavia, à execução prematura da

sentença condenatória. A tese de defesa baseou-se no fato de estar o paciente mudando de

atividade jurídica, razão pela qual, em busca de recursos para o novo ramo em que se

aventurava, expôs a venda os bens que possuía.

Requereu, assim, a concessão de liminar para sustar os efeitos do decreto de prisão

preventiva, com a expedição de salvo-conduto. O Ministério Público Federal opinou pela

denegação da ordem.

Pois bem, o referido Habeas Corpus foi concedido liminarmente pelo Ministro Nelson

Jobim, por ter considerado a circunstância de o paciente ter alienado determinados bens a fim

de adquirir equipamentos e insumos necessários ao desenvolvimento de nova atividade

econômica.

122 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 19.676, da 5ª Turma. Paciente: Omar Coelho Vítor. Min. Rel. José Arnaldo da Fonseca. Brasília, 2 de mar. 2004. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 set. 2009.

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Assim, “afastado o fundamento da prisão preventiva, o encarceramento do paciente

após o julgamento do recurso de apelação ganha contornos de execução antecipada da pena” 123.

Inicialmente o Min. Eros Grau, após problematizar acerca do disposto no art. 637 do

CPP124 confrontando-o com o disposto no art. 105 da LEP125 e, sobretudo, com o princípio da

presunção de inocência, faz a seguinte ponderação:

O artigo 637 do Código de Processo Penal --- decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1.941 --- estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença” 6. A Lei de Execução Penal --- Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1.984 --- condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 105), ocorrendo o mesmo com a execução da pena restritiva de direitos (artigo 147). Dispõe ainda, em seu artigo 164, que a certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado valerá como título executivo judicial. 7. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu artigo 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 126

Conclui, portanto, que “os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de

adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao

disposto no artigo 637 do CPP” 127.

Em perfeita consonância com o princípio da presunção da inocência e realocando a

jurisprudência em sintonia com o que esta já vinha decidindo em matéria de execução

provisória das penas restritivas de direitos, o Min. Eros Grau, conclui que:

[...] se é vedada a execução da pena restritiva de direito antes do trânsito em julgado da sentença, com maior razão há de ser coibida a execução da pena privativa de liberdade --- indubitavelmente mais grave --- enquanto não sobrevier título condenatório definitivo.128

Salienta, ademais, que, agindo de modo diverso, estar-se-ia aplicando tratamento

diverso aos iguais, afrontando o princípio da isonomia:

Entendimento diverso importaria franca afronta ao disposto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição, além de implicar a aplicação de tratamento desigual a situações iguais, o que acarreta violação do princípio da isonomia. Note-se bem que é à

123 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC84078voto.pdf>. Acesso em: 20 set. 2009. 124 Art. 637. O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença. (BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 set. 2009). 125 Vide nota n. 55. 126 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC84078voto.pdf>. Acesso em: 20 set. 2009. 127 Idem. 128 Idem.

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isonomia na aplicação do direito, a expressão originária da isonomia, que me refiro. É inadmissível que esta Corte aplique o direito de modo desigual a situações paralelas. 129

Ao debruçar-se sobre a extensa jurisprudência referente a este assunto, verifica-se, de

fato, que a Suprema Corte por diversas vezes expunha o posicionamento de que a execução

provisória da pena restritiva de direito não coaduna com o sistema constitucional penal que

enaltece o princípio da presunção de inocência até o trânsito em julgado como o nosso. Nesse

sentido:

AÇÃO PENAL. Sentença condenatória. Pena privativa de liberdade. Substituição por pena restritiva de direito. Decisão impugnada mediante agravo de instrumento, pendente de julgamento. Execução provisória. Inadmissibilidade. Ilegalidade caracterizada. Ofensa ao art. 5º, LVII, da CF e ao art. 147 da LEP. HC deferido. Precedentes. Pena restritiva de direitos só pode ser executada após o trânsito em julgado da sentença que a impôs. 130 “HABEAS CORPUS. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. EXECUÇÃO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. O artigo 147 da Lei de Execução Penal é claro ao condicionar a execução da pena restritiva de direitos ao trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes. Ordem concedida. 131

O Ministro Relator, atendo-se à relação execução provisória vs. presunção de

inocência, salienta não ser possível qualquer conclusão adversa daquela que não coadune com

a proibição da execução antes do trânsito em julgado, salvo se for negado préstimo a

Constituição da República Federativa do Brasil. Em suas palavras:

Aliás a nada se prestaria a Constituição se esta Corte admitisse que alguém viesse a ser considerado culpado --- e ser culpado equivale a suportar execução imediata de pena --- anteriormente ao trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Quem lê o texto constitucional em juízo perfeito sabe que a Constituição assegura que nem a lei, nem qualquer decisão judicial imponham ao réu alguma sanção antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Não me parece possível, salvo se for negado préstimo à Constituição, qualquer conclusão adversa ao que dispõe o inciso LVII do seu artigo 5o. Apenas um desafeto da Constituição --- lembro-me aqui de uma expressão de GERALDO ATALIBA, exemplo de dignidade, jurista maior, maior, muito maior do que pequenos arremedos de jurista poderiam supor --- apenas um desafeto da Constituição admitiria que ela permite seja alguém considerado culpado anteriormente ao trânsito em julgado de sentença penal condenatória.132

129 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC84078voto.pdf>. Acesso em: 20 set. 2009. 130 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 88.431, da 1ª Turma. Paciente: Atila Reys Silva. Min. Rel. Cezar Peluso. Brasília, 23 mai. 2006. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 set. 2009. 131 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 86.498, da 2ª Turma. Pacientes: Vitor Bozolan Mendes e José Geraldo Nonino. Min. Rel. Eros Grau. Brasília, 18 abr. 2006. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 set. 2009. 132 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC84078voto.pdf>. Acesso em: 20 set. 2009.

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E acentua que: “Apenas um desafeto da Constituição admitiria que alguém fique

sujeito a execução antecipada da pena de que se trate. Apenas um desafeto da

Constituição”133.

Na continuação do desenvolvimento de seu voto, o Ministro Relator Eros Grau expõe

que a única possibilidade admitida de restrição da liberdade do acusado seria a título cautelar,

ou seja, nos casos de prisão em flagrante, de prisão temporária ou de prisão preventiva:

A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. Lembro, a propósito, o que afirma ROGÉRIO LAURIA TUCCI, meu colega de docência na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco: “o acusado, como tal, somente poderá ter sua prisão provisória decretada quando esta assuma natureza cautelar, ou seja, nos casos de prisão em flagrante, de prisão temporária, ou de prisão preventiva”. 134

Na sequência do voto, atendo-se a ampla defesa, segue um interessante exame acerca

desta e o seu grau de abrangência no processo penal:

A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por que não haveria de ser assim? Se é ampla, abrange todas e não apenas algumas dessas fases. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 135

O exame supracitado muito se assemelha, ou até mesmo deriva daquele trazido no

segundo capítulo, qual seja a diferenciação da presunção de inocência e o in dubio pro reo.

Aquela se mostra presente durante toda a instrução processual, ao contrário do in dubio pro

reo, que aparece tão somente no julgamento, quando houver uma situação de dúvida.

Enquanto a presunção de inocência atua a todo o momento, o in dúbio pro reo somente opera

em situação de dúvida.

Em seu raciocínio, o Ministro Eros Grau afirma que:

Se tomarmos sob exame os textos normativos construídos no período compreendido pelos anos oitenta e noventa do século passado, discerniremos nítida oposição entre o que se convencionou chamar de “garantismo”, na década de 80 [em 1.984, precisamente --- com a reforma penal --- e em 1.988, na Constituição do Brasil] e a produção, na década de 90, de preceitos penais e processuais penais marcados, na dicção de ALEXANDRE WUNDERLICH7, “pelo repressivo insano e pelo excesso de criações punitivas”. 136

133 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC84078voto.pdf>. Acesso em: 20 set. 2009. 134 Idem. 135 Idem. 136 Idem.

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Justamente por essa razão, pelo período repressivo que aportava no país, que foi

aprovada a Lei n. 8.038/90, instituindo e regulamentando os recursos extraordinário e

especial, os quais seriam recebidos, tão somente, no efeito devolutivo, não conferindo a estes

o efeito suspensivo:

Esse quadro foi alterado no advento da Lei n. 8.038/90, que instituiu normas procedimentais atinentes aos processos que tramitam perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, ao estabelecer que os recursos extraordinário e especial “serão recebidos no efeito devolutivo”. A supressão do efeito suspensivo desses recursos é expressiva de uma política criminal vigorosamente repressiva, instalada na instituição da prisão temporária pela Lei n. 7.960/89 e, logo em seguida, na edição da Lei n. 8.072/90, a “lei dos crimes hediondos”, alterada em 1.994 e em 1.998. 137

A lei que regulamentou o recurso extraordinário e especial, como bem salientado pelo

Ministro, e, inclusive citado no primeiro capítulo, deixa clara a posição política criminal até

então adotada no país.

Todavia, segundo o Ministro Eros Grau, não foi esse o modelo de execução penal

admitido na reforma penal de 1984, nem na Constituição Federal de 1988, pois ambos

incorporam o princípio da presunção de inocência:

O modelo de execução penal consagrado na reforma penal de 1.984 confere concreção ao chamado princípio da presunção de inocência, admitindo o cumprimento da pena apenas após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. A Constituição de 1.988 dispõe regra expressa sobre esta matéria. Aqui, como observou o Ministro Cezar Peluso em voto na Reclamação 2.311, não é relevante indagarmos se a Constituição consagra, ou não, presunção de inocência. O que conta, diz ainda o Ministro Cezar Peluso, é o “enunciado normativo de garantia contra a possibilidade de a lei ou decisão judicial impor ao réu, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, qualquer sanção ou consequência jurídica gravosa que dependa dessa condição constitucional, ou seja, do trânsito em julgado da sentença condenatória”. 138

Como bem salientado acima, irrelevante é o debate acerca de executar-se ou não a

pena antes do trânsito em julgado, pois o que vigora é o ato normativo da Constituição

Federal que, em seu art. 5º, LVII, consagrou o princípio da presunção de inocência,

asseverando que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença

penal condenatória, e, por isso, não será tratado como tal.

Em argumento sucessivo, o Ministro fundamenta, de forma detalhada, sob quais

pilares foi elaborada a lei que regulamenta os recursos extraordinário e especial e a lei dos

crimes hediondos, salientando a pressão pública por um processo penal mais rígido.

137 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC84078voto.pdf>. Acesso em: 22 set. 2009. 138 Idem.

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A produção legislativa penal e processual penal dos anos 90 é francamente reacionária, na medida em que cede aos anseios populares, buscando punições severas e imediatas --- a malta relegando a plano secundário a garantia constitucional da ampla defesa e seus consectários. Em certos momentos a violência integra-se ao cotidiano da nossa sociedade. E isso de modo a negar a tese do homem cordial que habitaria a individualidade dos brasileiros. Nesses momentos a imprensa lincha, em tribunal de exceção erigido sobre a premissa de que todos são culpados até prova em contrário, exatamente o inverso do que a Constituição assevera. É bom que estejamos bem atentos, nesta Corte, em especial nos momentos de desvario, nos quais as massas despontam na busca, atônita, de uma ética --- qualquer ética --- o que irremediavelmente nos conduz ao “olho por olho, dente por dente”. Isso nos incumbe impedir, no exercício da prudência do direito, para que prevaleça contra qualquer outra, momentânea, incendiária, ocasional, a força normativa da Constituição. Sobretudo nos momentos de exaltação. Para isso fomos feitos, para tanto aqui estamos. 139

Na sequência, faz menção a preservação do princípio da dignidade da pessoa humana,

eis que o princípio objeto deste trabalho veda, inclusive, qualquer forma de identificação do

suspeito, indiciado ou acusado a condição de culpado:

Não será certamente demasiada, no entanto, a lembrança do quanto observa o Professor ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, meu colega também na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco: “[a] vedação a qualquer forma de identificação do suspeito, indiciado ou acusado à condição de culpado constitui, sem dúvida, o aspecto mais saliente da disposição constitucional do art. 5º, inc. LVII, na medida em que reafirma a dignidade da pessoa humana como premissa fundamental da atividade repressiva do Estado. Embora não se possa esperar que a simples enunciação formal do preceito traduza modificação imediata e substancial no comportamento da sociedade – e mesmo dos atores jurídicos – em face daqueles que se vêem envolvidos com o aparato Judiciário-criminal, não é possível desconhecer que a Constituição instituiu uma verdadeira garantia de tratamento do acusado como inocente até o trânsito em julgado de sentença condenatória”. 140

E torna a expressar, alicerçado por alguns doutrinadores, os dois únicos meios de

privação da liberdade, quais sejam a prisão definitiva e provisória, sendo que aquele

pressupõe o trânsito em julgado da ação penal condenatória, e esta a existência dos elementos

elencados no art. 312 do Código de Processo Penal:

E, mais, diz ainda ele em outro texto: “... não é legítima a prisão anterior à condenação transitada em julgado, senão por exigências cautelares indeclináveis de natureza instrumental e final, e depois de efetiva apreciação judicial, que deve vir expressa através de decisão motivada”. A admissão da execução provisória no sistema processual penal expressa absoluta incongruência, qual anota SIDNEI AGOSTINHO BENETI, “porque não há como admitir, sem infringência a direitos fundamentais do acusado, principalmente a presunção de inocência e a garantia da aplicação jurisdicional da pena com observância do devido processo legal, que suporte ele, o acusado, a execução penal enquanto não declarada judicialmente a certeza de que cometeu ele a infração penal, o que só ocorre com o trânsito em julgado da sentença condenatória”. E diz FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO: “se não há trânsito em julgado, a sentença penal não pode ser executada (art. 105 da Lei de Execução Penal); a interposição do recurso extraordinário ou

139 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC84078voto.pdf>. Acesso em: 22 set. 2009. 140 Idem.

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especial impede, até final julgamento, o trânsito em julgado; não há título a justificar prisão do réu anteriormente a esse julgamento”. “A prisão --- prossegue --- ou é definitiva ou provisória. Aquela pressupõe sentença condenatória trânsita em julgado; esta pode ser efetivada antes, mas nos casos previstos em lei e desde que necessária (...)”. 141

Outro importante ponto abordado no voto refere-se ao fato de os tribunais superiores

serem inundados de recursos e demais recursos típicos do nosso processo penal:

A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e recursos extraordinários, e subsequentes embargos e agravos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis aí o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento desta Corte não pode ser lograda a esse preço. 142

Bem por isso, deve-se melhor estruturar o aparato Judiciário para evitar a morosidade

em decorrência das manobras defensivas. Dessa forma, além de evitar a tão falada prescrição

do delito, estar-se-á evitando eventuais reduções das garantias constitucionais.

De outro vértice, o Ministro Eros Grau rebate as teses de que, ao impossibilitar a

execução antes do trânsito em julgado da ação penal, estar-se-ia abrindo portas para inúmeros

recursos desprovidos de qualquer base legal, levantando nulidades inexistentes e etc. Sua

resposta a tais argumentos se dá nos seguintes termos:

Ora --- digo eu agora --- a prevalecerem essas razões contra o texto da Constituição melhor será abandonarmos o recinto e sairmos por aí, cada qual com o seu porrete, arrebentando a espinha e a cabeça de quem nos contrariar. Cada qual com o seu porrete! Não recuso significação ao argumento, mas ele não será relevante, no plano normativo, anteriormente a uma possível reforma processual, evidentemente adequada ao que dispuser a Constituição. Antes disso, se prevalecer, melhor recuperarmos nossos porretes... 143

E salienta que:

Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direito. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade. É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual. 144

Por fim, o Ministro Eros Grau faz referência ao Recurso Extraordinário n. 482.006, da

relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, o qual se cinge a constitucionalidade de preceito

141 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC84078voto.pdf>. Acesso em: 22 set. 2009. 142 Idem. 143 Idem. 144 Idem.

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de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados

de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime

funcional:

Devo manifestar, por fim, certeza e absoluta segurança em que esta Corte prestará o devido acatamento à Constituição. E faço referência, a propósito, não apenas a decisões atinentes à afirmação da liberdade, mas a outra, bem recente, de 7 de novembro de 2.007. Desejo aludir ao RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional [art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52]. Decidiu-se então, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque --- disse o relator --- “a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição”. Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1.988. Afirmação unânime, como se vê, da impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade, anteriormente ao seu trânsito em julgado, a decisão com caráter de sanção. Ora, a Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade certamente não o negará quando se trate da garantia da liberdade. Não poderá ser senão assim, salvo a hipótese de entender-se que a Constituição está plenamente a serviço da defesa da propriedade, mas nem tanto da liberdade... Afinal de contas a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 145

Como bem salientado pelo Ministro Eros Grau, se naquela ocasião, o recurso

extraordinário foi julgado, à unanimidade, em não admitir a redução da remuneração dos

servidores públicos afastados de suas funções por responderem processo penal em razão de

uma suposta prática de crime funcional, por respeito ao princípio da presunção de inocência,

certamente não o desrespeitaria quando se tratasse em retirar a liberdade de alguém.

3.2 ANÁLISE CRÍTICA DOS DEMAIS VOTOS

Como já anunciado, o julgamento pelo pleno, causou prolongados debates por ser um

tema extremamente tormentoso. A desinteligência retro mencionada teve de um lado, além do

Ministro Relator Eros Grau, os ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto,

Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio, que votaram pela concessão do HC

145 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC84078voto.pdf>. Acesso em: 22 set. 2009.

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n. 84.078. Do outro lado do tablado, foram vencidos os ministros Menezes Direito, Cármen

Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, que votaram pela denegação da ordem.

Muito embora tenha prevalecido a tese de que a execução provisória do paciente antes

da sentença condenatória transitada em julgada era ilegal, respeitando aquilo elencado no art.

5º, LVII, da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o

trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, se insurgiram de maneira enérgica os

ministros que votaram contrários à ordem de habeas corpus.

Dando início às teses antagônicas a concessão da ordem, manifestou-se o Ministro

Menezes Direito sustentando que não lhe parece cabível auferir ao princípio da presunção de

inocência o alcance que a parte contrária pretende conferir-lhe, e alicerça seu posicionamento

sob as razões a seguir expostas.

De pronto, referido Ministro se atém ao fato de que o esgotamento da matéria penal de

fato acontece nas instâncias ordinárias. Em suas palavras:

Nesses recursos – leia-se extraordinário e especial – o que está em discussão é a tese jurídica e não a matéria de fato. O esgotamento do exame da matéria de fato se da nas instâncias ordinárias e é nelas que o julgamento se conclui reservada as instâncias extraordinária e especial o acesso restrito e exatamente para não prorrogar indefinidamente os processos e retardar por isso a execução dos julgados. 146

Tese esta, também adotada pela Ministra Carmem Lúcia que segue exatamente na

linha do voto do Ministro Menezes Direito, deixando claro que não vislumbra incongruência

entre a execução provisória e nossa Carta Magna.

Este pensamento, todavia, cai por terra ao considerar-se um levantamento147 realizado

pelo Ministro Ricardo Lewandowski, do qual se extrai que um terço dos julgamentos do

âmbito dos habeas corpus e 27% (vinte e sete por cento) dos recursos extraordinários são

revistos. Ou seja, mesmo após transcorrer todas as instâncias processuais ordinárias e a

especial, ainda há considerável possibilidade de rever-se o julgado.

O Ministro Joaquim Barbosa, em seu voto, deixou clara a sua preocupação relacionada

às consequências de mudar-se o entendimento que era sedimentado pelo Supremo Tribunal

Federal. Inicialmente, salienta o fato de que, caso seja vedada à execução provisória, estar-se-

ia depreciando os julgamentos realizados pelas instâncias ordinárias:

146 SESSÃO Plenária STF 05/02/2009. Produzido pela TV Justiça. Coordenado pelo Supremo Tribunal Federal. Brasília, 5 fev. 2009. Bloco n. 1, 38min34seg. Disponível em: <http://videos.tvjustica.jus.br/#>. Acesso em: 20 set. 2009. 147 SESSÃO Plenária STF 05/02/2009. Produzido pela TV Justiça. Coordenado pelo Supremo Tribunal Federal. Brasília, 5 fev. 2009. Bloco n. 2, 28min15seg. Disponível em: <http://videos.tvjustica.jus.br/#>. Acesso em: 20 set. 2009.

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Considero que as decisões proferidas pelo juiz de primeiro e segundo grau de jurisdição no sentido de condenação do réu, como no caso presente, devem ser respeitadas e levadas a sério, pois os órgãos Judiciários prolatores de decisões de mérito são presumidamente idôneos para o ofício que lhes compete exercer. Isso significa que não se deve fazer letra morta das decisões proferidas pelas instâncias ordinárias do poder Judiciário. Do contrário melhor seria que todas as ações fossem processadas e julgadas pelo Supremo Tribunal Federal, já que somente com a decisão irrecorrível desta Corte se poderá como já se anuncia dar consequência a decisão condenatória. 148

Nesse ponto, frisa-se, não obrou com acerto o Ministro, pois se sabe que a imensa

maioria dos processos tem o seu trânsito em julgado nas instâncias ordinárias. Tal fato se deve

aos inúmeros requisitos que devem ser preenchidos para que se possa acessar as instâncias

extraordinária e especial – e naquele, em razão da emenda constitucional n. 45, ainda é

necessária a repercussão geral. Veja-se, então, que o sistema Judiciário, com o passar das

instâncias, vai afunilando as possibilidades de manejo de recursos para, dessa forma, peneirar

quais os processos seguirão às instâncias superiores.

Os ministros Joaquim Barbosa, Menezes Direito e Ellen Gracie sustentaram, também,

que a Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, do qual

o Brasil é signatário – não assegura direito irrestrito de recorrer em liberdade, muito menos

até a quarta instância, como ocorre no Brasil. Nas palavras desse Ministro:

O pacto de San José da Costa Rica que instituiu a convenção americana sobre direitos humanos não impede em tema de proteção ao status libertatis do réu, art. 7 n. 2, que se ordene a privação antecipada da liberdade do indiciado, do acusado ou do condenado, desde que esse ato de constituição pessoal se ajuste as hipóteses previstas no ordenamento doméstico de cada Estado signatário desse documento internacional. 149

De fato, assim estabelece o artigo mencionado pelo Ministro Menezes Direito,

todavia, o Brasil não prevê a hipótese de execução provisória, pelo contrário, estabelece que

ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da ação penal condenatória, não

podendo, por esta razão, sofrer os efeitos antecipados desta.

Afirmaram, ainda, que país nenhum possui tantas vias recursais quanto o Brasil. O

Ministro Menezes Direito citou que países conhecidamente liberais como os Estados Unidos,

o Canadá e a França admitem o início imediato do cumprimento de sentença condenatória

após o segundo grau:

148 SESSÃO Plenária STF 05/02/2009. Produzido pela TV Justiça. Coordenado pelo Supremo Tribunal Federal. Brasília, 5 fev. 2009. Bloco n. 3, 25min40seg. Disponível em: <http://videos.tvjustica.jus.br/#>. Acesso em: 20 set. 2009. 149 SESSÃO Plenária STF 05/02/2009. Produzido pela TV Justiça. Coordenado pelo Supremo Tribunal Federal. Brasília, 5 fev. 2009. Bloco n. 2, 43min40seg. Disponível em: <http://videos.tvjustica.jus.br/#>. Acesso em: 20 set. 2009.

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Não se trata, ao meu sentir, de um viés autoritário. A prisão na pendência de recurso é admitia em sistemas de países reconhecidamente liberais, como por exemplo Estados Unidos [...] o Canadá [...] a França [...]. Nos Estados Unidos o sistema é bem claro ao admitir o imediato inicio do cumprimento da pena, sendo certo que a interposição de recurso de revisão de que decorreria possibilidade de alteração não é suficiente para obstar seu imediato cumprimento. 150

Ora, os Estados Unidos não nos parece um país liberal, sendo irrelevante lembrar que

lá é possibilitada a pena de morte. Imaginem a execução provisória de uma pena de morte.

Ademais, pouco importa se os demais países possibilitam ou não a execução provisória, pois,

ressalta-se novamente, há séculos atrás, não havia país algum no mundo que previsse a

presunção de inocência ou qualquer outra garantia individual – esta circunstância é mais bem

tratada no segundo capítulo. O fato é que, mesmo que não haja país algum que vede a

execução provisória, alguém tem que dar o primeiro passo – passo este em direção a melhor

democracia –, a história do direito retrata muito bem essa qualidade evolutiva.

Na sequência dos debates, o ministro Joaquim Barbosa questionou a eficácia do

sistema penal brasileiro:

Se tivermos que aguardar o julgamento de Recursos Especiais e Recursos Extraordinários, o processo jamais chegará ao fim [...] No processo penal, o réu dispõe de recursos de impugnação que não existem no processo civil [...] O Brasil é um país com uma generosa teoria de Habeas Corpus [...] O leque de opções de defesa que o ordenamento jurídico brasileiro oferece ao réu é imenso, inigualável”, afirmou. “Não existe em nenhum país no mundo que ofereça tamanha proteção. Portanto, se resolvermos politicamente – porque esta é uma decisão política que cabe à Corte Suprema decidir – que o réu só deve cumprir a pena, esgotados todos os recursos, ou seja, até o Recurso Extraordinário julgado por esta Corte, nós temos que assumir politicamente o ônus por essa decisão.151

A afirmativa de que o processo jamais chegará ao fim, o que, em outras palavras,

significa dizer que ninguém será preso, não convém com a realidade. Se verdade fosse, não

estaríamos presenciando a crise carcerária que assola o país, como foi muito bem salientado

pelo Ministro Cezar Peluso: “Ministro – referindo-se ao Ministro Joaquim Barbosa –, se isso

fosse verdade não estaríamos vivendo uma crise carcerária. Está saindo gente pelas janelas

dos cárceres” 152.

150 SESSÃO Plenária STF 05/02/2009. Produzido pela TV Justiça. Coordenado pelo Supremo Tribunal Federal. Brasília, 5 fev. 2009. Bloco n. 1, 47min48seg. Disponível em: <http://videos.tvjustica.jus.br/#>. Acesso em: 20 set. 2009. 151 SESSÃO Plenária STF 05/02/2009. Produzido pela TV Justiça. Coordenado pelo Supremo Tribunal Federal. Brasília, 5 fev. 2009. Bloco n. 2, 30min21seg. Disponível em: <http://videos.tvjustica.jus.br/#>. Acesso em: 20 set. 2009. 152 SESSÃO Plenária STF 05/02/2009. Produzido pela TV Justiça. Coordenado pelo Supremo Tribunal Federal. Brasília, 5 fev. 2009. Bloco n. 2, 30min40seg. Disponível em: <http://videos.tvjustica.jus.br/#>. Acesso em: 20 set. 2009.

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Quanto à afirmativa de que há excesso de proteção do acusado, tal questionamento é

muito bem rechaçado pelo Ministro Celso de Melo, ao afirmar que: “Esse é o circulo de

proteção em torno da liberdade individual que a Constituição estabeleceu” 153. Ademais, se o

sistema processual estabeleceu um leque de variados formas de protelar o processo, deve o

processo penal ser reformado – o que não está em discussão no Habeas Corpus sob análise –

e não rechaçar a aplicação do princípio base do sistema penal, previsto na Constituição

Federal.

Quanto à aventada tese de que, com a vedação da execução provisória, a sociedade

ficará desprotegida, o Ministro Celso de Melo rebate nos seguintes termos: “Os interesses da

coletividade não ficaram comprometidos porque os institutos de tutela cautelar penal estão

presentes na legislação processual penal brasileira” 154.

O argumento de que o Supremo Tribunal Federal não tem condições de julgar em

tempo hábil o recurso extraordinário e, em razão disso, os criminosos que desfrutem de uma

defesa competente ficarão em liberdade, violando, outros princípios constitucionais tais como

os da efetividade e razoabilidade do processo, encabeçado principalmente pelo Ministro

Joaquim Barbosa, não convence. Isso porque, como bem ressaltado pelo Ministro Cezar

Peluso, não se pode reduzir a esfera de alcance de um princípio dessa classe:

Essa garantia constitucional histórica e dogmaticamente é uma das mais importantes das ordens jurídicas constitucionais possa ser reduzida na sua eficácia normativa a casos periféricos de medidas gravosas de natureza puramente material. 155

Nesse ponto, especificamente, o Ministro Cezar Peluso refere-se ao julgado trazido no

voto do Ministro Relator Eros Grau, o qual da conta de que a turma, à unanimidade, julgou

inconstitucional a lei estadual do estado de Minas Gerais que possibilitava a redução da

remuneração de funcionários públicos que se vissem na parte passiva de processo penal

tratando de crimes funcionais. Ou seja, neste caso a Corte Suprema reconheceu que não se

poderiam reduzir os vencimentos destes funcionários públicos antes do trânsito em julgado da

ação penal, ao passo de que, contraditoriamente, reconhece a possibilidade de executar-se

provisoriamente a pena privativa de liberdade. Com acerto se insurgiu o Ministro Cezar

153 SESSÃO Plenária STF 05/02/2009. Produzido pela TV Justiça. Coordenado pelo Supremo Tribunal Federal. Brasília, 5 fev. 2009. Bloco n. 2, 36min59seg. Disponível em: <http://videos.tvjustica.jus.br/#>. Acesso em: 20 set. 2009. 154 SESSÃO Plenária STF 05/02/2009. Produzido pela TV Justiça. Coordenado pelo Supremo Tribunal Federal. Brasília, 5 fev. 2009. Bloco n. 2, 36min36seg. Disponível em: <http://videos.tvjustica.jus.br/#>. Acesso em: 20 set. 2009. 155 SESSÃO Plenária STF 05/02/2009. Produzido pela TV Justiça. Coordenado pelo Supremo Tribunal Federal. Brasília, 5 fev. 2009. Bloco n. 2, 24min45seg. Disponível em: <http://videos.tvjustica.jus.br/#>. Acesso em: 20 set. 2009.

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Peluso nesse ponto específico, pois não se pode amputar a eficácia deste princípio tão

consolidado nos mais variados ordenamentos, sob pena de estar-se regredindo historicamente

as eras totalitárias.

Concernente a redação estabelecida pelo art. 27, § 2º, da Lei 8.038/90156, a qual

estabelece que os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo,

todos os Ministros favoráveis a execução provisória mencionaram tal fato. Referente a esta

matéria poder-se-ia citar ainda a súmula 267 do STJ157 e o art. 637 do Código de Processo

Penal158.

Notadamente, tais normas não se compatibilizam com o sistema adotado pela nossa

Constituição Federal, acima de tudo pela incongruência com o princípio constitucional sob

análise. Ademais, há outras razões expostas pelos ministros contrários a execução provisória.

Salientam, quanto à lei que regulamenta os recursos excepcionais, que referida norma pelas

peculiaridades que lhe são inerentes não estão aptas a atuar no processo penal, fato este

compartilhado pela doutrina:

[...] tratou como “efeito recursal devolutivo” (art. 27, § 2º, da Lei n. 8.038) uma situação processual que vai para muito além dessa frágil categoria do processo civil, absolutamente inadequada (por excessiva redução da complexidade) para disciplinar o direito de recorrer em liberdade no processo penal. [...] Pensamos que a problemática em torno do direito de recorrer em liberdade está para muito além da categoria “efeito recursal”, tipicamente civilista e inadequada para o processo penal, situando-se noutra dimensão: a de eficácia do direito fundamental da ampla defesa e da presunção de inocência. 159 (os grifos constam no original)

O art. 637 do Código de Processo Penal, por evidência, é ultrapassado temporal e

materialmente pela lei de execuções penais, a qual possibilitou a execução da pena,

unicamente, depois de transitada em julgada a sentença penal condenatória, fato este já

vergastado por ocasião da exposição do voto do Ministro Relator Eros Grau. Pela mesma

linha de raciocínio se encaminha a súmula 267 do STJ.

O Ministro Celso de Melo, apoiado pelo Ministro Cezar Peluso, faz importante

questionamento acerca do entendimento da Suprema Corte ao acatar o que a lei de execuções

penais preceitua em seu art. 147, in verbis:

156 BRASIL. Lei n. 8.038/90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8038.htm>. Acesso em: 23 set. 2009. 157 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 267. A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=@docn&&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=135>. Acesso em: 23 set. 2009. 158 Vide nota n. 124 159 JÚNIOR, op. cit., v. II, p. 551-552.

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Art. 147. Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o Juiz da execução, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, promoverá a execução, podendo, para tanto, requisitar, quando necessário, a colaboração de entidades públicas ou solicitá-la a particulares. 160

Ou seja, o Supremo Tribunal Federal vem aceitando que não há como impor ao

acusado o cumprimento da pena restritiva de direito antes do trânsito em julgado, todavia,

contrario senso, aceitava a execução provisória de uma pena privativa de liberdade, o que

retrata uma verdadeira incoerência jurídica.

O Ministro Cezar Peluso, no desenrolar dos debates, fez uma importante reflexão,

valendo-se, inclusive, dos ensinamentos de Beccaria: “O que ganha a humanidade com a

condenação de um inocente? O que ganha?” 161

Referido Ministro salienta ainda que, mesmo que fosse um único caso em que fosse

punido um inocente, tal fato não legitimaria ou bastaria para possibilitar a execução provisória

no país. Tal referência reflete bem a importância deste princípio, esculpido há séculos, no

ordenamento jurídico, não havendo razão para amputar sua eficácia. Ressalta-se, novamente,

que o índice seria muito maior – e não apenas um único caso como citado a título de

argumentação pelo Ministro Cezar Peluso –, pois, como evidenciado anteriormente, um terço

dos julgamentos no âmbito dos habeas corpus e 27% (vinte e sete por cento) dos recursos

extraordinários são revistos.

O princípio da presunção de inocência tem esse valor por uma razão precípua, a qual

cumpre destacar nas palavras do Ministro Cezar Peluso:

[...] nós não admitimos que se possa impor uma pena de caráter pecuniário, mas admitimos que se possa impor uma medida absolutamente irreversível! Irreversível! Que é a privação da liberdade. Não há nada nem ninguém nesse mundo que consiga após o reconhecimento definitivo da inocência daquele que foi objeto da restrição ou da perda da liberdade no curso do processo penal que o reponha no estado anterior, nada!162

Veja-se, então, que a presunção de inocência é uma ferramenta de proteção do

inocente, e não um óbice a execução da pena do acusado. Isso por que: “[...] é um princípio

160 Brasil. Lei de Execuções Penais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em: 24 set. 2009. 161 SESSÃO Plenária STF 05/02/2009. Produzido pela TV Justiça. Coordenado pelo Supremo Tribunal Federal. Brasília, 5 fev. 2009. Bloco n. 2, 28min03seg. Disponível em: <http://videos.tvjustica.jus.br/#>. Acesso em: 20 set. 2009. 162 SESSÃO Plenária STF 05/02/2009. Produzido pela TV Justiça. Coordenado pelo Supremo Tribunal Federal. Brasília, 5 fev. 2009. Bloco n. 2, 19min40seg. Disponível em: <http://videos.tvjustica.jus.br/#>. Acesso em: 20 set. 2009.

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fundamental de civilidade, fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos

inocentes, ainda que para isso tenha-se que pagar o preço da impunidade algum culpável.” 163

Outro raciocínio abordado foi aquele produzido pelo Ministro Celso de Melo,

compartilhado também pelo Ministro Ricardo Lewandowski, o qual faz menção à recente

alteração legislativa do art. 594 do Código de Processo Penal. Nessa modificação, deixou-se

de ser necessário o recolhimento à prisão para poder apelar, o que, em outras palavras,

significa dizer que o legislador, sensível aos argumentos supramencionados, entendeu por

bem retirar a regra do recolhimento prisional do acusado, em virtude da presunção de

inocência.

Por derradeiro, cumpre ressaltar o argumento do Ministro Cezar Peluso, o qual parecer

responder os temores apresentados pelos ministros favoráveis a execução provisória:

[...] quando para os efeitos que constituem objeto das justas preocupações dos votos já proferidos, bastam as causas de prisão preventiva. Ou seja não se trata de tentar criar uma construção para proteger uma sociedade sem defesa, o código de processo penal tem defesa suficiente para sociedade. [...] Isto é, não vamos deixar a sociedade sem instrumentos de autodefesa [...]. 164

Aludido argumento é partilhado pelo Ministro Ayres Brito:

Diz a constituição, “[...] ou por ordem escrita e fundamenta de autoridade judiciária competente”, independentemente da fase da persecução penal do Estado. Pode ser inquérito ou processo. Independente disso, o juiz, desde que por ordem escrita e fundamentada e seja ele o juiz natural, ele pode sim decretar a prisão. 165

Por conta desses argumentos apresentados, não há como possibilitar a execução

provisória em nosso ordenamento jurídico, eis que as razões apresentadas pelos ministros a

favor daquela não subsistem ante aqueles apresentados pelos ministros que votaram

contrariamente a possibilidade da execução provisória.

163 JÚNIOR, op. cit., v. I, p. 178-179. 164 SESSÃO Plenária STF 05/02/2009. Produzido pela TV Justiça. Coordenado pelo Supremo Tribunal Federal. Brasília, 5 fev. 2009. Bloco n. 2, 28min46seg. Disponível em: <http://videos.tvjustica.jus.br/#>. Acesso em: 20 set. 2009. 165 SESSÃO Plenária STF 05/02/2009. Produzido pela TV Justiça. Coordenado pelo Supremo Tribunal Federal. Brasília, 5 fev. 2009. Bloco n. 3, 41min11seg. Disponível em: <http://videos.tvjustica.jus.br/#>. Acesso em: 20 set. 2009.

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CONCLUSÃO

Ante todo o exposto durante o desenvolvimento do presente trabalho é possível

concluir, diga-se de início, que a execução provisória, até então amplamente adotada nos

tribunais do país, não condiz com nosso ordenamento jurídico, posto que, além de não

observar os fundamentos basilares e idealizadores da Constituição Federal de 1988, viola o

princípio reitor do processo penal, qual seja o da presunção de inocência.

Observou-se que a sociedade, em busca de segurança social, vocifera para que aquele

que figura no pólo passivo da ação penal vá de imediato para a prisão, a fim de retirá-lo do

convívio social. Por tal razão, o poder judiciário, com o escopo de serenar o clamor social,

acabou por criar a execução provisória da pena. Tal fato, por si só, ao contrário do

entendimento popular, demonstra a fragilidade do poder judiciário que, diante da inquietação

social, cede à pressão e cria ferramentas desleais para manter o acusado sob custódia.

De outro tanto, constatou-se que o princípio da presunção de inocência é uma das

mais, senão a mais, importante garantia estabelecida na Constituição Federal vigente, pois

aludido princípio exerce a função de carro chefe dos demais princípios constitucionais, o que,

não poderia ser diferente, torna o acusado um sujeito de direitos dentro da relação processual.

Pode-se concluir que, após o Estado dar existência a mecanismos para sua atuação que

propiciaram à criação de limites a liberdade daquele indivíduo que desenvolve

comportamento diverso daquele estabelecido pelas leis, foram criados preceitos fundamentais

e irrenunciáveis que tutelam do direito da liberdade do indivíduo, inclusive, do acusado,

obrigando o Estado a agir nos limites fixados pelas normas legislativas elaboradas com base

nesses princípios fundamentais, nos quais se encaixa a presunção de inocência. Em verdade, a

presunção de inocência regulamenta o conflito existente entre o jus puniendi do Estado e o jus

libertatis do cidadão. Em outras palavras, isso significa dizer que a presunção de inocência

surge como um juízo antecipado de inocência que só desaparece se for provado o contrário.

Por outro lado, ao inclinar os estudos para a execução provisória da pena, pode-se

concluir que a mesma exprime a idéia de que os efeitos da sentença ou acórdão condenatório

surtirão, mesmo antes do trânsito em julgado, o que, importa dizer, vai na contramão daquilo

estabelecido na Constituição Federal de 1988.

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Sem prejuízo de posicionamento diverso, com o presente estudo buscou-se trazer uma

pequena contribuição à análise de um dos princípios constitucionais mais importante aplicado

ao processo penal e com reflexo em outras áreas.

Diante deste estudo, conclui-se que o direito contemporâneo considera a inocência de

todos como regra e essa inocência perdura para todos, inclusive, para os acusados até que

provenha a condenação definitiva. Isso se deve ao fato de que durante todo o processo, o

acusado tem todos os seus direitos e garantias fundamentais assegurador por lei. O processo

tem de caminhar dentro do devido processo legal e, mesmo após trânsito em julgado, o

condenado somente será apenado dentro do que a lei estabelece.

Pode-se afirmar então que a presunção de inocência é parte vital do Estado

Democrático de Direito, onde, por princípio, todos são iguais perante a lei e, por tal, não pode

haver precipitação no momento de decidir o futuro do réu, pois, assim como o ser humano é

passível de erros, a ponto de praticar um delito, também poderá sê-lo no julgamento.

Em última análise, conclui-se pela impossibilidade de sustentar-se a presunção de

culpa – como acontece na execução provisória –, pois, em princípio, não há culpa, uma vez

que a culpa é exceção. Por isso, a presunção de inocência sobrevive, enquanto não

comprovada legalmente a culpa do agente, que ocorre com o transito em julgado da ação

penal condenatória. Ao permitir o contrário, estar-se-ia tratando o indivíduo como inimigo do

Estado, o que retrata uma política criminal típica de regimes totalitários.

Desta forma, a solução para o problema inicialmente apresentado, não é outra senão

aquela já adotada pelo Supremo Tribunal Federal, ou seja, a extirpação da execução

provisória do ordenamento jurídico, posto que, diante do intenso estudo sobre este instituto e

o princípio da presunção de inocência, constatou-se que aquela não subsiste a este.

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