85
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLI TERRENOS DE MARINHA E SEUS ACRESCIDOS: dificuldades práticas e jurídicas Tijucas 2008

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

  • Upload
    ngotram

  • View
    213

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

ADILSON MACHIAVELLI

TERRENOS DE MARINHA E SEUS ACRESCIDOS:

dificuldades práticas e jurídicas

Tijucas

2008

Page 2: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

ADILSON MACHIAVELLI

TERRENOS DE MARINHA E SEUS ACRESCIDOS:

dificuldades práticas e jurídicas

Monografia apresentada como requisito parcial para a

obtenção do título de Bacharel em Direito, pela

Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências

Sociais e Jurídicas, campus de Tijucas.

Orientador: Prof. MSc. Alexandre Botelho

Tijucas

2008

Page 3: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

ADILSON MACHIAVELLI

TERRENOS DE MARINHA E SEUS ACRESCIDOS:

dificuldades práticas e jurídicas

Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em Direito e

aprovada pelo Curso de Direito do Centro de Ciências Sociais e Jurídicas, Campus de Tijucas.

Área de Concentração/Linha de Pesquisa: Direito Público/Direito Administrativo

Tijucas, 23 de junho de 2008.

Prof. MSc. Alexandre Botelho

Orientador

Prof. MSc. Marcos Alberto Carvalho de Freitas

Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica

Page 4: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

Este trabalho não poderia deixar de ser dedicado a você, Loirí, por

tudo o que representou, e representa, na minha vida.

Também dedico à Aline, motivo de orgulho sincero, à Dona Helita,

pessoa incrível, a frente de seu tempo e à memória de Seu Pópo,

alguns conheciam por Alduino, de quem espero ter herdado um pouco

do caráter.

Page 5: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

Expresso sinceros agradecimentos:

À toda a minha família, pelo apoio, pelo carinho, pela compreensão e pela confiança que

depositaram em mim.

Ao Professor Orientador, Prof. MSc. Alexandre Botelho, norte seguro na orientação deste

trabalho.

Aos Professores do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, Campus de Tijucas,

que muito contribuíram para a minha formação jurídica.

Aos colegas de classe, tanto do 9º como do 10º períodos, pelos momentos que passamos

juntos, pelas experiências trocadas e pelo apoio.

A todas as pessoas que trabalham na biblioteca e na secretaria do Campus de Tijucas e na

biblioteca do Campus de Balneário Camboriú da UNIVALI, pela presteza e dedicação.

Ao prefeito de Itapema, Prof. Sabino, pela confiança depositada e pelo apoio quando

necessário.

A todo o pessoal da Fundação Ambiental Área Costeira de Itapema – FAACI, pela dedicação,

companheirismo, respeito, compreensão, amizade, colaboração....

A todos, enfim, que de alguma forma colaboraram com críticas e sugestões para a realização

deste trabalho.

Page 6: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

Qualquer um que escreve tem o privilégio de julgar os vivos e os

mortos, porém nós próprios somos julgados por outros, que o serão

por sua vez, e de século em século todas as sentenças são reformadas.

Voltaire

Page 7: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca

do mesmo.

Tijucas, 23 de junho de 2008.

Adilson Machiavelli

Graduando

Page 8: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

RESUMO

Os Terrenos de Marinha e seus acrescidos são bens da União cuja origem remonta à época do Brasil colônia. Foram instituídos como garantia de um espaço livre para a defesa e para serviços públicos e particulares, adquirindo, posteriormente, importância como fonte de rendas para a União. Atualmente encontram-se regidos, basicamente, pela CRFB/1988, pelo Decreto-Lei n. 9.760/1946, pela Lei n. 9.636/1988 e o pelo Decreto n. 3.725/2001. O regime patrimonial a que estão sujeitos é, em regra, o de bens dominicais da União, regidos pelo instituto da enfiteuse, podendo ainda, constituírem-se em bens de uso comum do povo, ou bens de uso especial. A delimitação destes terrenos apresenta elevada carga de incerteza, fruto da necessidade de se estabelecer a Linha de Preamar Média de 1831, atribuindo-se a Secretaria do Patrimônio da União – SPU a obrigação de identificar, demarcar, cadastrar, registrar, fiscalizar, regularizar as ocupações e promover a utilização destes bens imóveis da União. Decisões judiciais têm reconhecido o direito de interessados diretos participarem do processo administrativo de demarcação destes terrenos, bem como a inocorrência de Terrenos de Marinha ao longo de Rio Estadual por não recepção, na íntegra, do Decreto-Lei 9.760/1946 pela Constituição de 1946 e subseqüentes. Atualmente, viceja entendimento de que, excetuados aqueles definidos aos longos dos rios e lagoas, deve-se manter o instituto Terrenos de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais função arrecadadora, mas sim de preservação e/ou recuperação ambiental, compatível com uma função sócio-ambiental condizente com um bem de expressão constitucional.

Palavras-chave: Terrenos de Marinha Linha de Preamar Média Rio Estadual

Page 9: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

ABSTRACT

The tide lands and those added to them are property of the Union whose origin dates back to the colony Brazil times. Were imposed as a warranty of a free space for the protection to private and public services, acquiring then importance as a source of income for the Union. Currently they are ruled, basically, by The Brazil Federal Constitution of 1988, by Decree-law no. 9.760/1946, by Law no. 9.636/1988 and by the Decree no 3.725/2001. The scheme assets that are subject is as a rule, the Union of property domain, conducted by the emphyteusis institute can be, yet, constitute themselves into common use of the people or assets of special use. The demarcation of these lands presents high burden of uncertainty because of the need to establish the line big tide average of 1831 year, giving up the Registry of the Patrimony of the Union - RPU be required to identify, demarcate, register, monitor, regulate the occupations and promote the use of such property of the Union. Court decisions have recognized the right of direct interested participation of the concerned administrative demarcation process these lands. and the not occurrence of tide lands across the state rivers, because a not receiving, in full, of Decree-law no. 9.760/1946 by the Constitution of 1946 and subsequent. Currently, shine understanding that defined, exception that defined across the rivers and lakes, must had the institute of tide lands and those added to them should assets as of the Union, giving them no longer collection function, but to preserve and/or environmental recovery, consistent with a socio-environmental function agree with a assets from constitutional level.

Key-words Tide Lands Line Big Tide Average State River

Page 10: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

LISTA DE ABREVIATURAS

A. Autor

abr. Abril

ago. Agosto

ac. Acórdão

art., arts. artigo, artigos

cap., caps. capítulo, capítulos

Des. Desembargador

dez. Dezembro

doc., docs. documento, documentos

Dr., Dra. Doutor, Doutora

ed. Edição

etc. et cetera (e assim por diante)

fev. Fevereiro

fl., fls. folha; folhas

Internet rede mundial de computadores interconectados

j. julgado em

Jan. Janeiro

kms Quilômetros

m Metro

m. mês, meses

mar. Março

Min. Ministro

Page 11: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

MSc. Mestre, Mestra

n. Número

N. do A. Nota do Autor

nov. Novembro

obs. Observação

org. Organizador

p., pp. página, páginas

Prof., Profa. Professor, Professora

r. Respeitável

REsp. Recurso Especial

set. Setembro

vol., vols. volume, volumes

% por cento

§ Parágrafo

Page 12: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

LISTA DE SIGLAS

ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

CC/2002 Código Civil (2002)

CPC Código de Processo Civil

CRFB/1988 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

DHN Diretoria de Hidrografia e Navegação do Comando da Marinha

DJU Diário da Justiça da União

DOU Diário Oficial da União

DSG Diretoria do Serviço Geográfico do Exército

FAACI Fundação Ambiental Área Costeira de Itapema

GEADE Gerência de Área de Cadastramento e Demarcação

IBGE Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INMETRO Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial

IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

IPTU Imposto sobre propriedade Predial e Territorial Urbana

ITR Imposto sobre propriedade Territorial Rural

LPM/1831 Linha de Preamar Média do ano de 1831

MPOG Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

OAB Ordem dos Advogados do Brasil

ON Orientação Normativa

PEC Proposta de Emenda à Constituição

SPU Secretaria do Patrimônio da União

STF Supremo Tribunal Federal

Page 13: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

STJ Superior Tribunal de Justiça

TRF4 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Porto Alegre/RS

UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí

Page 14: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS

Lista de categorias1 que o Autor considera estratégicas à compreensão do seu trabalho, com

seus respectivos conceitos operacionais2.

Aforamento

Enfiteuse ou Aforamento é o instituto civil que permite ao proprietário atribuir a outrem o domínio útil do imóvel, pagando a pessoa que o adquire, e assim se constitui enfiteuta, ao senhorio direto uma pensão ou foro anual, certo e invariável (CC de 1916, art. 678). Consiste, pois, na transferência do domínio útil do imóvel público para a posse, uso e gozo perpétuos da pessoa que irá utiliza-lo daí por diante. Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 325.

Bem Dominical

É o que compõe não só o patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios, bem como o das pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado a estrutura de direito privado, como objeto do direito pessoal ou real dessas pessoas de direito público interno. Pode abranger coisas móveis ou imóveis, como título de dívida pública, estrada de ferro, terra devoluta, terreno de marinha, mar territorial, oficina e fazenda do Estado, queda d’água, jazida e minério, arsenal das Forças Armadas etc. Cf. DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. vol.1, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 470-471.

Carta Régia

Documento que era firmado pelo rei de Portugal e dirigido a algum súdito em importante missão, dando-lhe instruções, delegando-lhe competência para a prática de certos atos etc. Cf. DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. vol.1, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 611.

Constituição

Lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos. Cf. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 36.

1 Denomina-se “categoria” a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia. Cf. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. 8. ed. Florianópolis: OAB Editora, 2003, p. 31. 2 Denomina-se “Conceito Operacional” a definição ou sentindo estabelecido para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas ao longo do presente trabalho. Cf. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito, p. 43.

Page 15: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

Decreto-Lei

Assim se dizia do ato emanado do Poder Executivo, quando, no seu fundo e na sua forma, se equiparava às próprias leis, emanadas do Poder Legislativo. Peculiar aos regimes de exceção, tendo sido empregado entre nós durante o Estado novo e o Movimento de 1964, foi abolido pela CF/88. Cf. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 419.

Linha de Preamar Média

Linha imaginária que corresponde à altura da preamar média, ou média das marés altas, definida para uma determinada região litorânea mediante observações levadas a cabo em período determinado.

Rio Estadual

Corrente de água natural que deságua em outro curso de água, num lago ou no mar, tendo todo o seu curso, desde a nascente até a foz, em território de um só Estado e sob domínio legal deste.

Rio Federal

Curso de água natural que deságua em outro curso de água, num lago ou no mar, tendo o seu curso em terrenos de domínio da União, ou que banhe mais de um Estado, sirva de limites com outros países, ou se estenda a território estrangeiro ou dele provenha (definição construída com base na CRFB/1988, art. 20, III).

Terrenos Acrescidos de Marinha

São os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha. (definição legal – Decreto-Lei 9.760/1946, art. 3º).

Terrenos Marginais

São os que banhados pelas correntes navegáveis, fora do alcance das marés, vão até a distância de 15 (quinze) metros, medidos horizontalmente para a parte da terra, contados dêsde a linha média das enchentes ordinárias (definição legal – Decreto-Lei 9.760/1946, art. 4º).

Terrenos de Marinha

São terrenos situados na costa marítima, e nas margens de rios e lagoas até onde se faça sentir a influência das marés, bem como os que contornam ilhas situadas em zona sob influência das marés, em faixas com 33 (trinta e três metros) de largura, medidos horizontalmente, a partir da Linha de Preamar Média de 1831, em direção a terra. (Conceito elaborado a partir da definição legal – Decreto-Lei 9.760/1946).

Page 16: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................................................... 7

ABSTRACT .............................................................................................................................. 8

LISTA DE ABREVIATURAS................................................................................................. 9

LISTA DE SIGLAS................................................................................................................ 11

LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS............................ 13

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 17

2 TERRENOS DE MARINHA.............................................................................................. 22

2.1 CONCEITO........................................................................................................................ 22

2.2 INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 22

2.3 DESLOCAMENTO HISTÓRICO ..................................................................................... 23

2.3.1 Situação Atual .................................................................................................................31

2.4 TERRENOS ACRESCIDOS DE MARINHA ................................................................... 34

3 UTILIZAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA.......................................................... 37

3.1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 37

3.2 REGIME PATRIMONIAL ................................................................................................ 37

3.3 FORMAS DE UTILIZAÇÃO ............................................................................................ 40

3.3.1 Tendências do regime de Aforamento.............................................................................47

4 DOS PROBLEMAS DE ORDEM PRÁTICA .................................................................. 50

4.1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 50

4.2 DEMARCAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA....................................................... 50

4.3 A LINHA DE PREAMAR MÉDIA................................................................................... 54

4.4 A DELIMITAÇÃO DE TERRENOS DE MARINHA EM RIOS E LAGOAS ................ 61

4.4.1 Delimitação em lagoas.....................................................................................................61

4.4.2 Delimitação em rios.........................................................................................................63

5 DOS PROBLEMAS DE ORDEM JURÍDICA ................................................................. 66

5.1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 66

5.2 DEMARCAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA....................................................... 66

5.3 EXISTÊNCIA DE TERRENOS DE MARINHA AO LONGO DE RIO ESTADUAL.... 69

Page 17: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 73

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 79

Page 18: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto3 os Terrenos de Marinha e seus acrescidos, ou seja,

das faixas de terras específicas ocorrentes ao longo de todo o litoral brasileiro, delimitadas

com base na Linha de Preamar Média de 1831. Devido ao amplo espectro destes institutos, o

trabalho será focado no deslocamento histórico, formas de utilização e, notadamente, com

relação às dificuldades práticas e jurídicas para a delimitação dos mesmos.

A importância do estudo deste tema reside na relevância que tais terrenos apresentam

sob enfoques diversos: são bens que apresentam elevada valoração econômica que lhes atribui

a indústria imobiliária; constituem-se em significativa fonte de recursos para a administração

pública federal; possuem alta significância como instrumentos de preservação ambiental na

orla brasileira; são de difícil delimitação prática. Tais características, normalmente

antagônicas entre si, tornam os Terrenos de Marinha e seus acrescidos objetos principais de

crescente número de ações judiciais.

Ressalte-se que, além de ser requisito imprescindível à conclusão do curso de Direito

na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, o presente relatório monográfico também vem

colaborar para o conhecimento de um tema que, longe de ser novidade no campo jurídico,

apresenta sérias lacunas na doutrina pátria, apesar da enorme dimensão social-prática de que

estão imbuídos, repletos de nuances a serem destacadas pelos intérpretes jurídicos.

O presente tema, na atualidade, encontra-se praticamente restrito aos tribunais e a

artigos publicados em periódicos nacionais ou páginas da internet, com raríssimas obras

consolidadas que os tenham como mote principal. A falta de ampla bibliografia destoa da

relevância atual do tema, que abrange a porção mais densamente povoada do Brasil, seu

litoral, e que carrega elevada carga de incerteza dada às dificuldades de determinação da

Linha de Preamar Média de 1831, condição fundamental para a demarcação dos Terrenos de

3 Nesta Introdução cumpre-se o previsto em PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 170-181.

Page 19: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

18

Marinha e dos Terrenos Acrescidos de Marinha. Tais dificuldades acabam por prejudicar o

correto exercício do direito de propriedade de muitas pessoas junto à faixa litorânea.

A escolha do tema é fruto do interesse pessoal do pesquisador em conhecer de um

tema de inegável importância para cidades litorâneas, quer por sua dimensão junto a indústria

imobiliária, quer por sua dimensão junto ao meio ambiente, assim como para instigar novas

contribuições na compreensão dos fenômenos jurídicos-políticos, especialmente no âmbito de

atuação do Direito Constitucional, Administrativo e Ambiental.

Em vista do parâmetro delineado, constitui-se como objetivo geral deste trabalho

identificar as principais dificuldades práticas e jurídicas para a delimitação dos Terrenos de

Marinha e dos Terrenos Acrescidos de Marinha ao longo da costa litorânea e, especialmente,

ao longo de Rio Estadual que sofra influência de marés.

O objetivo institucional da presente Monografia é a obtenção do Título de Bacharel

em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Jurídicas, Políticas e

Sociais, Campus de Tijucas.

Como objetivo específico, pretende-se verificar, do ponto de vista jurídico, se existem

Terrenos de Marinha e seus acrescidos ao longo de Rio Estadual.

A análise do objeto do presente estudo não está acentada sobre diretrizes teóricas

específicas ou artigos pré-selecionados. A reflexão realizada sobre o tema escolhido está

norteada pela dificuldade de se entender como um bem pertencente a um Estado, no caso um

rio que neste tem nascente e foz, pode gerar um bem para a União, caso dos Terrenos de

Marinha e seus acrescidos ao longo deste rio. Sob a luz desta dúvida, pretende-se investigar os

deslocamentos percebidos pelo objeto central da pesquisa, especialmente na literatura jurídica

contemporânea, colmatando seu significado na atualidade.

Não é o propósito deste trabalho adentrar nos procedimentos da União no tocante a

gestão dos Terrenos de Marinha e seus acrescidos ou de como eles são, de fato, utilizados. Por

certo não se estabelecerá um ponto final em referida discussão. Pretende-se, tão-somente,

aclarar o pensamento existente sobre o tema, circunscrevendo-o às dificuldades de ordem

prática e de ordem jurídica que condicionam a demarcação destes bens.

Para o desenvolvimento da presente pesquisa foram formulados os seguintes

questionamentos:

Page 20: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

19

a) É possível, no presente, definir-se a Linha de Preamar Média de 1831 com

segurança, tanto ao longo da costa litorânea, como ao longo dos rios e lagoas que sofrem

influência das marés?

b) Há, do ponto de vista estritamente jurídico, Terrenos de Marinha e Terrenos

Acrescidos de Marinha, que são bens da União, ao longo daqueles rios e lagoas que são,

constitucionalmente, definidos como bens dos Estados?

Já as hipóteses consideradas foram as seguintes:

a) Sim, é possível a determinação, com elevado grau de precisão, da Linha de Preamar

Média de 1831 tanto para a costa litorânea, como para rios e lagoas que sofram influência das

marés.

b) Não, não é possível a determinação com o necessário grau de acuidade da Linha de

Preamar Média de 1831.

c) Sim, o ordenamento jurídico pátrio abarca a ocorrência de Terrenos de Marinha e

seus acrescidos ao longo de rios e lagoas definidos como bens estaduais.

d) Não, tal hipótese, não é, constitucional e/ou legalmente, amparada.

Finalmente, buscou-se nortear as hipóteses formuladas com as seguintes variáveis:

a) O Congresso Nacional, através de lei, altere o ano base da Linha de Preamar Média

que define os Terrenos de Marinha e seus acrescidos, trazendo-o para o presente ou para

passado próximo;

b) O Congresso Nacional, através de lei, retire do Decreto-Lei n. 9.760/1946, o

dispositivo que estabelece a existência de Terrenos de Marinha e seus acrescidos aos longos

de rios e lagoas que sofram influência de marés;

c) O Congresso Nacional, através de uma Emenda Constitucional, retire dos rol de

bens da União (art. 20 da CRFB/1988) os Terrenos de Marinha e seus acrescidos.

O relatório final da pesquisa foi estruturado em quatro capítulos, podendo-se,

inclusive, delineá-los como quatro molduras distintas, mas conexas: a primeira, atinente aos

deslocamentos históricos e situação atual dos Terrenos de Marinha e Terrenos Acrescidos de

Marinha; a segundo versa sobre o regime patrimonial e formas de utilização destes terrenos; a

terceira atacou as dificuldades práticas para a demarcação espacial de tais terrenos; e, por

Page 21: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

20

derradeiro, a quarta sopesou as dificuldades jurídicas que cercam o instituto dos Terrenos de

Marinha e seus acrescidos, dentro dos limites propostos de atuação da pesquisa.

Quanto à metodologia empregada, registra-se que, na fase de investigação foi

utilizado o método dedutivo, e o relatório dos resultados expresso na presente monografia é

composto na base lógica dedutiva4, já que se parte de uma formulação geral do problema,

buscando-se posições científicas que os sustentem ou neguem, para que, ao final, seja

apontada a prevalência, ou não, das hipóteses elencadas.

Nas diversas fases da pesquisa, foram acionadas as técnicas do referente, da

categoria, do conceito operacional e da pesquisa bibliográfica5.

É conveniente ressaltar, enfim, que, seguindo as diretrizes metodológicas do Curso de

Direito da Universidade do Vale do Itajaí, as categorias fundamentais, são grafadas, sempre,

com a letra inicial maiúscula e seus conceitos operacionais apresentados em Lista de

Categorias e seus Conceitos Operacionais, ao início do trabalho.

Os acordos semânticos que procuram resguardar a linha lógica do relatório da pesquisa

e respectivas categorias, por opção metodológica, estão apresentados na Lista de Categorias

e seus Conceitos Operacionais, conforme sugestão apresentada por Cesar Luiz Pasold, muito

embora algumas delas tenham seus conceitos mais aprofundados no corpo da pesquisa.

Ressalte-se que a estrutura metodológica e as técnicas aplicadas neste relatório estão

em conformidade com as propostas apresentadas no Caderno de Ensino: formação

continuada. Ano 2, número 4, assim como nas obras de Cezar Luiz Pasold, Prática da

pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito e Valdir Francisco

Colzani, Guia para redação do trabalho científico.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais

são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos

estudos e das reflexões sobre os Terrenos de Marinha e seus acrescidos, notadamente quanto a

sua utilidade como meio de garantia da preservação ambiental na orla brasileira.

4 Sobre os “Métodos” e “Técnicas” nas diversas fases da pesquisa científica, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 99-125. 5 Quanto às “Técnicas” mencionadas, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 61-71, 31- 41, 45- 58, e 99-125, nesta ordem.

Page 22: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

21

Com este itinerário, espera-se alcançar o intuito que ensejou a preferência por este

estudo: demonstrar que, apesar das dificuldades na sua delimitação, Terrenos de Marinha e

Terrenos Acrescidos de Marinha constituem-se em institutos importante dentro do

ordenamento jurídico pátrio ao longo de uma região do País alvo de intensa cobiça por parte

da indústria imobiliária, a costa.

Page 23: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

2 TERRENOS DE MARINHA

2.1 CONCEITO

Na elaboração das categorias básicas e conceitos operacionais assumidos neste

trabalho cunhou-se, a partir da definição legal de Terrenos de Marinha contida no Decreto-Lei

9.760/19466, o seguinte conceito: Terrenos de Marinha: São terrenos situados na costa

marítima, e nas margens de rios e lagoas até onde se faça sentir a influência das marés, bem

como os que contornam ilhas situadas em zona sob influência das marés, em faixas com 33

(trinta e três metros) de largura, medidos horizontalmente, a partir da Linha de Preamar Média

de 1831, em direção a terra.

Com o intuito de trazer um pouco de luz sobre este instituto, apresenta-se, na

seqüência, considerações acerca de seu deslocamento histórico, bem como sobre os Terrenos

Acrescidos de Marinha e a sua situação atual.

2.2 INTRODUÇÃO

Parcela considerável do patrimônio imobiliário da União encontra-se localizada nos

terrenos que, em regra, se limitam com as praias brasileiras. Tais áreas são conhecidas como

Terrenos de Marinha e correspondem à faixa de 33 metros, medidos horizontalmente,

contados da Linha de Preamar Média do ano de 1831 em direção a terra.

A expressão "medidos horizontalmente" visa a evitar que nos locais em que existam

aclives mais acentuados, a faixa destes terrenos, por efeito trigonométrico, ficasse reduzida a

menos de 33 metros em planta, se a medição se efetuasse segundo a inclinação da área.

Trata-se de um instituto peculiar do direito brasileiro que tem sido citado, com alguma

freqüência, na mídia nacional, em razão de inconformismos ou processos judiciais nos quais

6 BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946. Dispõe sôbre os bens imóveis da União e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del9760compilado.htm>. Acesso em: 20 abr. 2008.

Page 24: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

23

são o objeto principal, em razão dos valores atribuídos ao foro anual e taxa de ocupação

devidos pelos detentores de sua posse ou em razão de propostas de alterações normativas em

trâmite no Congresso Nacional, tanto no nível constitucional, como infraconstitucional.

Com relação aos processos judiciais, buscas nas páginas da internet dos tribunais de

justiça tendo Terrenos de Marinha como argumento de pesquisa, indicam que tais processos

versam, basicamente, sobre três assuntos: a) cobrança de foro anual e da taxa de ocupação a

serem pagos pelos detentores do domínio útil destas áreas; b) inocorrência de Terrenos de

Marinha e/ou inconformidades na sua delimitação; e c) demandas ambientais decorrentes da

utilização destas áreas sem o devido licenciamento ambiental.

A par destas questões há, ainda, discussões freqüentes sobre a utilidade de manutenção

desta figura jurídica havendo, inclusive, Proposta de Emenda à Constituição7 (n. 57, de

6/6/2007) de autoria do Senador Almeida Lima que propõe a extinção dos Terrenos de

Marinha e de seus acrescidos do rol de bens da união. Proposta de Emenda à Constituição8 de

igual teor (n. 40, de 5/5/1999) de autoria do Senador Paulo Hartung foi arquivada ao final da

52ª Legislatura (final de 2006).

Trata-se de um instituto com longa história dentro do ordenamento jurídico pátrio,

cuja origem remonta à época do Brasil colônia. Um entendimento minimamente adequado

acerca dos Terrenos de Marinha exige que se faça um pequeno escorço histórico do

surgimento e evolução deste instituto dentro do ordenamento jurídico pátrio.

2.3 DESLOCAMENTO HISTÓRICO

Com o descobrimento do Brasil, o Estado português, respaldado no tratado de

Tordesilhas, incorporou as novas terras ao seu patrimônio. Localmente, a organização política

dos nativos não era suficiente para opor resistência a esta incorporação, ao menos nos

7 BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição nº 53, de 2007. Revoga o inciso VII do art. 20 da Constituição e o § 3º do art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para extinguir o instituto do terreno de marinha e seus acrescidos e para dispor sobre a propriedade desses imóveis. Senador Almeida Lima. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=81429>. Acesso em: 20 abr. 2008. 8 BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição nº 40, de 1999. Revoga o Inciso VII do Artigo 20 da Constituição Federal e o § 3º do Artigo 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, extinguindo os terrenos de marinha e seus acrescidos e dispondo sobre a sua destinação. Senador Paulo Hartung. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=40377>. Acesso em: 20 abr. 2008.

Page 25: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

24

momentos iniciais da apropriação e colonização. Desta forma, as terras descobertas passaram

ao domínio da Coroa9.

Com a independência, as terras foram naturalmente transferidas ao Estado brasileiro10.

Por evidente, não foram incluídas nesta transferência as terras que haviam sido anteriormente

transferidas pela coroa à família real, à Igreja, e a particulares.

Os Terrenos de Marinha surgem com a idéia original de segurança e serviço, expressa

de maneira bastante clara no primeiro documento conhecido sobre o tema, a Ordem Régia de

21 de outubro de 1710, que já vedava que as terras dadas em sesmarias11 compreendessem as

marinhas, as quais deveriam estar "desimpedidas para qualquer serviço da Coroa e de defesa

da terra". Enfim, é uma área nobre que se reservou ao domínio público12.

Em sua obra de 200313, Paulo Affonso Leme Machado também esclarece, de forma

clara e sucinta, esta concepção inicial, e ressalta a importância atribuída aos Terrenos de

Marinha, desde a época do Brasil colônia, até os dias atuais, nos seguintes termos:

A Carta Régia de 21.10.1710 determinava que “as sesmarias nunca deveriam compreender a marinha, que sempre deve estar desimpedida para qualquer incidente do meu serviço e defesa da terra”. A preocupação com a defesa do litoral e das zonas adjacentes foi uma das preocupações que levou a Coroa Portuguesa a reservar as “marinhas”. Essa era a idéia mater nos diversos

9 Portugal e Espanha, pioneiros europeus da expansão ultramarina, recorreram à autoridade do Papa para legitimar a posse de suas descobertas. Uma bula papal de 1493 estabeleceu um meridiano que passava a 100 léguas a oeste de Cabo Verde como divisor dos domínios de Portugal (à leste) e Espanha (à oeste). Neste limite o Brasil estaria sob domínio espanhol. No ano seguinte, 1494, foi negociada uma nova divisão, dando origem ao Tratado de Tordesilha, que estabeleceu como divisor do mundo ocidental um meridiano localizado a 370 léguas a oeste de Cabo Verde, ampliando o domínio português, incluindo, assim, parte do que viria a ser o Brasil. Esta divisão do mundo foi contestada por potências européias (Holanda, França, Inglaterra) o que forçou Portugal e Espanha a adotarem uma atitude efetiva em relação às terras descobertas. A colonização, desta forma, viabilizou a posse efetiva. Fonte: REFORMAS Pombalinas, Primeiras Contestações ao Sistema Colonial e Fixação de Limites entre Portugal e Espanha. Disponível em: <http://www.culturabrasil.org/contestacoes.htm>. Acesso em: 16 mar. 2008. 10 BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946. Art. 1º - Incluem-se entre os bens imóveis da União:...j) os que foram do domínio da Coroa. 11 Sesmaria: Terreno inculto ou abandonado que os reis de Portugal concediam a sesmeiros, para que o cultivassem. Cf. FERREIRA, Aurelio Buarque de Hollanda. Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. 11. ed. Rio de Janeiro: Nacional, 1987, p. 1108. (1301 p.). 12 MENEZES, Roberto Santana de. Regime patrimonial dos terrenos de marinha. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, ano. 9, n. 485, 5 nov. 2004. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5855>. Acesso em: 12 ago. 2007. 13 Em homenagem ao leitor, vale esclarecer que, em edições mais recentes de sua obra (p.ex. 13ª edição, de 2005), Paulo Affonso Leme Machado revisa completamente o Título II, eliminando os capítulos II – Atividades Relacionadas com o Meio Ambiente e III – Bens Ambientais na Constituição Federal de 1988, substituindo-os pelo capítulo II – Constituição Federal e Meio Ambiente, não tratando mais dos Terrenos de Marinha.

Page 26: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

25

países que instituíam essa limitação ao direito de propriedade. Essa diretriz permaneceu, mas acrescida da idéia do livre acesso ao mar e da proteção do meio ambiente litorâneo14.

Esta ordem real, de lavra do Rei D. João V, foi baixada durante a chamada Guerra dos

Mascates, conflagração entre Olinda e Recife, importantes cidades litorâneas, ocorrida entre

1710 e 171115.

Apesar deste evento histórico importante, Diógenes Gasparini ao comentar sobre a

origem do instituto Terrenos de Marinha dentro do ordenamento jurídico pátrio, salienta que

esta se deu na cidade do Rio de Janeiro:

Ao que tudo indica, os terrenos de marinha – ou simplesmente marinhas -, como instituto do Direito, tiveram sua origem na cidade do Rio de Janeiro. Realmente, os primeiros atos públicos que deles cuidaram, datados do século XVII, fazem referências a fatos ocorridos nessa cidade. Por outro lado, juristas e historiadores, ao se referirem a essa espécie de bem público, ligam-na à antiga Rio de Janeiro16.

Uma importante obra sobre esse instituto jurídico e sua dimensão, é o livro de Rosita

de Souza Santos17, específico sobre o tema. Para a autora, a expresão “terra de marinha” ou

“terreno de marinha” foi estabelecido quando o País ainda era colônia.

Mariana Almeida Passos de Freitas também destaca que o primeiro documento

brasileiro conhecido que registra o termo “marinha” é a Ordem Régia, de 21 de outubro de

1710. Após essa data, ainda segundo a autora, diversos atos fazem referência a ele, tais como:

a Carta Régia, de 7 de maio de 1725, que mandava o Governador do Rio de Janeiro informar

sobre a conveniência de medir marinha entre o mar e as edificações; o Decreto, de 21 de

janeiro de 1809, que mandava aforar os terrenos das praias da Gamboa e Saco dos Alferes; o

Aviso, de 18 de novembro de 1818 que declarava que “15 braças da linha da água do mar e

14 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.132-133. 15 CABRAL, Gabriela. Guerra dos mascates. Disponível em <http://www.brasilescola.com/historiab/guerra-dos-mascates.htm>. Acesso em: 20 abr. 2008. 16 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 861. 17 SANTOS, Rosita de Souza. Terras de marinha. Rio de Janeiro: Forense, 1985. 324 p.

Page 27: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

26

pela sua borda são reservadas para servidão pública, e que tudo que toca a água do mar e

acresce sobre ela é da nação” 18.

A primeira lei que tratou expressamente sobre Terrenos de Marinha, de acordo com

Mariana Freitas, foi a Lei Orçamentária de 15 de novembro de 1831. Até então o assunto

estava reservado apenas à seara administrativa. Desta maneira, até essa data, os aforamentos

dos Terrenos de Marinha eram aproveitados apenas pelos que tinham conhecimento dos

editais publicados que, desde então, já não alcançavam a totalidade da população19. Dizia o

art. 51 da mencionada Lei Orçamentária:

Art. 51 O governo fica autorizado a arrecadar no anno financeiro de 1º de julho de 1832 ao ultimo de junho de 1833, as rendas que fôrem decretadas para o anno de 1831-1832, com as seguintes alterações:

14ª Serão postos à disposição das Câmaras Municipaes os terrenos de Marinha, que estas reclamarem do Ministro da Fazenda, ou dos Presidentes das Provincias, para logradouros publicos; e o mesmo Ministro da Côrte, e nas Provincias os Presidentes em Conselho, poderão aforar a particulares aquelles de tais terrenos que julgarem conveniente, e segundo o maior interesse da Fazenda, estipulando também, segundo fôr justo, o fôro daquelles dos mesmos terrenos, onde já se tenham edificado sem concessão, ou que, tendo já sido concedidos condicionalmente, são obrigados a elle desde a época da concessão, no que se procederá à arrecadação. O Ministro da Fazenda no seu relatorio da sessão de 1832, mencionará tudo o que ocorrer sobre este objecto20.

A observação do texto transcrito revela uma característica que parece própria dos atos

normativos da época em que foi editado. Em um mesmo tópico a lei contém diversas

decisões, conforme ficou bem explicado por Rosita de Souza Santos:

Deste momento em diante, como parece ter sido usual na época, quando em uma mesma lei, e em um mesmo inciso, se tomavam variadas medidas e se faziam diversas determinações, os terrenos de marinha alcançaram espaço em um corpo de lei; passaram ao controle do Ministério da Fazenda, porque sua renda foi incluída na receita pública; foram postos à disposição das Câmaras Municipais para logradouros públicos; foi permitido ao Ministro da Corte, e aos Presidentes nas Províncias, proceder o aforamento deles a

18 FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. Curitiba: Juruá, 2005. p. 166-167. 19 FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. p. 167. 20 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 4904, de 2005. Dispõe sobre a linha da preamar na fixação dos terrenos de marinha e dá outras providências. Deputado Alceu Collares. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/285125.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2008.

Page 28: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

27

particulares; foi deixado a essas autoridades o julgamento do que fosse o ser mais conveniente segundo o maior interesse da fazenda, a determinação do foro segundo for justo, controle, fiscalização e regularização das situações que fossem encontradas em tais terras, e afinal, a arrecadação dos foros21.

A destacar que ainda hoje os Terrenos de Marinha são medidos tendo como parâmetro

a Linha de Preamar Média de 1831, por força do disposto no Decreto-Lei n. 9.760/194622. A

causa provável do estabelecimento do ano de 1831 seria a Lei Orçamentária acima citada.

A partir desta lei orçamentária, os Terrenos de Marinha passaram figurar nas leis

orçamentárias como elemento gerador de renda através de foros e laudêmios. Ao que parece,

a importância adquirida como fonte de renda para o Estado tornou-se mais importante que sua

utilidade como área reservada para a defesa e para serviços públicos.

Percebe-se ainda da leitura da lei que, embora fosse permitido aos Presidentes das

Províncias aforar Terrenos de Marinha a particulares, bem como estabelecer o foro, “segundo

for justo”, a titularidade permanecia com o Império (poder central) e as rendas, estabelecidas

pelas Províncias, também permaneciam sobre controle do poder central, sob incumbência do

Ministério da Fazenda.

A primeira definição legal de “Terreno de Marinha” e, portanto, sua demarcação, está

contida na instrução do Ministério da Fazenda de 14 de novembro de 1832, baixada para dar

cumprimento a Lei Orçamentária de 1831, que em seu art. 4o previa:

Art. 4º Hão de considerar-se terrenos de marinha todos os que, banhados pela águas do mar, ou rios navegáveis, vão até à distancia de 15 braças craveiras da parte da terra, contadas estas desde os pontos a que chega o preamar médio23.

A Instrução também detalha os procedimentos para demarcação dos terrenos

prevendo, inclusive a participação de representantes das Províncias e dos municípios, além de

outros interessados, como posseiros e concessionários24.

21 SANTOS, Rosita de Souza. Terras de marinha. p.12. 22 BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946. Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831. 23 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 4904, de 2005. 24 FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. p. 168.

Page 29: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

28

A razão para o estabelecimento da faixa reservada em 15 braças nunca foi plenamente

justificada. Tal situação permitiu que fossem elaboradas explicações as mais diversas,

algumas mesmo folclóricas, tais como atribuí-la ao alcance de balas de canhão. Obéde Pereira

de Lima e Roberval Felippe Pereira de Lima, em nota de rodapé na primeira página de um

trabalho apresentado no XXI Congresso Brasileiro de Cartografia (2003), fornecem aquela

que, talvez, seja a razão mais plausível para este valor. Segundo estes autores, a extensão seria

“... suficiente para que um contingente militar com o efetivo de uma companhia, disposta com

a testada de nove (9) soldados pudesse deslocar-se livremente na faixa litorânea

estabelecida”25.

As informações que se seguem, ainda a respeito ao deslocamento histórico do instituto

Terrenos de Marinha, quando não devidamente referenciadas, devem ser atribuídas a Mariana

Freitas26. Opta-se por tal procedimento para não tornar o texto enfadonho com a repetição

constante da fonte.

O Decreto n. 4.105, de 22 de fevereiro de 1868, promoveu a primeira consolidação dos

ordenamentos existentes sobre Terrenos de Marinha e os definiu, em caráter de lei, nos

mesmos termos da mencionada instrução n. 348. A diferença fundamental é que a partir deste

momento a extensão lateral da área passou a ser definida na unidade métrica (33 metros),

como correspondente às 15 braças originais27.

A Lei n. 25, de 30 de dezembro de 1891, também lei orçamentária, registrou no

exercício de 1892 a receita de alta quantia oriunda de diversas arrecadações, dentre as quais

os foros de Terrenos de Marinha, bem como os laudêmios decorrentes de sua venda. Tornado

assim evidente o valor desses terrenos como fontes de receita, os mesmos passaram a ser

objeto de disputa. Houve, inclusive, tentativas de se transferir para as Províncias, e depois

para os Estados, o domínio sobre os Terrenos de Marinha.

25 LIMA, Obéde Pereira de; LIMA, Roberval Felippe Pereira de. Localização geodésica da linha da preamar média de 1831 - LPM/1831, com vistas à demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos. Disponível em: <http://www.cartografia.org.br/xxi_cbc/024-G05.pdf>. Acesso em: 19 jan. 2008. 26 FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. pp. 168-171. 27 A criação do sistema métrico decimal surge em plena Revolução Francesa. O depósito do metro-padrão nos Arquivos da República (Paris), em 22 de junho de 1799, marca esta criação. A definição foi estabelecida como a décima-milionésima (1/10.000.000) parte da distância entre o Pólo Norte e o Equador pelo meridiano que passa por Paris. Hoje o metro é definido como a distância percorrida pela luz no vácuo durante o intervalo de tempo de 1/299.792.458 de segundo. (BRASIL. Inmetro. Sistema Internacional de Unidades - SI. 8. ed. Rio de Janeiro, 2003. 116 p). No Brasil, o sistema métrico francês foi oficialmente implantado pela Lei 1.157 de 26 de junho de 1862. Uma braça craveira equivalia a 2,2 metros.

Page 30: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

29

Reivindicando a propriedade dos Terrenos de Marinha, os Estados do Espírito Santo e

Bahia ingressaram com ação no Supremo Tribunal Federal, denominada Ação Originária n. 8.

Tal ação tinha como objeto definir a marinha como terra devoluta vez que o art. 64 da

Constituição de 1891 definia as terras devolutas como pertencentes aos Estados. O principal

objetivo desses Estados era, em verdade, estabelecer o domínio pleno dessas terras em favor

próprio. Todavia, esse não foi o entendimento da Corte Suprema que, favorável ao domínio da

União, prolatou decisão em 31 de janeiro de 1905 deixando claro que os Terrenos de Marinha

não se confundem com terras devolutas.

Nas contra razões apresentadas à Ação Ordinária supra, Epitácio Pessoa, segundo

Roberto Menezes, assim destacou a importância que a República atribuía aos Terrenos de

Marinha:

A República, revelem-nos a insistência, precisa imprescindivelmente dos terrenos de marinha, para dar cumprimento às extraordinárias responsabilidades que lhe incumbem quanto à defesa e polícia costeira, à segurança do país, à regularização do comércio e da navegação, aos ajustes e convênios daí decorrentes, à conservação, melhoramento e fiscalização sanitária dos portos, à construção de alfândegas, entrepostos, faróis e obras de defesa contra possíveis agressões estrangeiras, à higiene internacional, à polícia sanitária, etc, etc28.

Já no século XX tem-se o Decreto 5.390, de 10 de dezembro de 1904, que determinou

a anulação de aforamentos ou arrendamentos feitos pelos Municípios e o Decreto n. 6.617, de

29 de agosto de 1907, que proibiu construção, aterro e qualquer outra obra sobre os Terrenos

de Marinha, exigindo também o Aforamento prévio. Apesar das tais restrições, a

Administração Pública dos Estados e Municípios situados junto à orla não tomou as devidas

providências no sentido de prover efetividade ao que prescreviam as normas federais.

Em 31 de dezembro de 1915 entrou em vigor a nova Lei Orçamentária, n. 3.070,

relevante no histórico dos Terrenos de Marinha, pois confirmou a competência da diretoria do

Patrimônio da União e das Delegacias Fiscais dos Estados para delimitação das zonas urbanas

e rurais. Adicionalmente, determinou que a Diretoria do Patrimônio compelisse os ocupantes

dos Terrenos de Marinha e acrescidos a legitimarem sua posse no prazo de três meses. Em

1916 foi promulgado o Código Civil que, nos artigos 65 a 68, dispunha acerca dos bens

públicos sem, contudo mencionar explicitamente os Terrenos de Marinha.

28 MENEZES, Roberto Santana de. Regime patrimonial dos terrenos de marinha. Jus Navigandi. p. 1.

Page 31: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

30

Durante as décadas de 20 e 30 do século XX, as normas mais relevantes elaboradas

acerca do tema foram: o Decreto n. 14.595, de 31 de dezembro de 1920, que estabeleceu a

cobrança da taxa de ocupação dos Terrenos de Marinha nos valores de 6% e 4% sobre o valor

venal da área ocupada; o Decreto n. 6.871, de 15 de setembro de 1934, que converteu a

Diretoria do Patrimônio no Serviço de Patrimônio da União (SPU); e o Decreto-Lei n. 710, de

17 de setembro de 1938, que, entre outras determinações, reconhecia como bens de domínio

da Nação os Terrenos de Marinha. Ademais, transferia à União a arrecadação dos foros e

laudêmios relativos aos Terrenos de Marinha existentes no então Distrito Federal. Também

estabelecia a forma de cobrança de laudêmio e obrigava os ocupantes de imóveis da União a

apresentar títulos e documentos comprovando seu direito de propriedade.

A década de 40 de século XX foi, seguramente, a mais profícua no estabelecimento de

normas sobre Terrenos de Marinha e Terrenos Marginais a rios navegáveis, destacando-se: o

Decreto-Lei n. 2.490, de 16.8.1940, que aperfeiçoou e organizou as situações previstas no

Decreto-Lei anterior (710/1938), regulando o processo para a concessão do Aforamento e o

do Decreto-Lei n. 4.120, de 21 de fevereiro de 1942, através do qual o tema Aforamento foi,

novamente, objeto de alteração da legislação, trazendo o seguinte texto:

Art. 1º - A concessão de novos aforamentos de terrenos de marinha e de seus acrescidos só será feita a critério do Governo, para fins úteis, restritos e determinados, expressamente declarados pelo requerente. Parágrafo único – Se, no fim de três anos, o enfiteuta não tiver realizado o aproveitamento do terreno, conforme se obrigara, o aforamento concedido ficará automaticamente extinto;

Este mesmo decreto trouxe ainda uma alteração bastante significativa no tocante à

demarcação da Linha de Preamar Média. Pela primeira vez um texto legal estabelece que deve

ser levado em consideração o preamar máximo atual. Diz seu artigo 3º:

Art. 3º A origem da faixa de 33 metros dos terrenos de marinha será a linha do preamar máximo atual, determinada, normalmente pela análise harmônica de longo período. Na falta de observações de longo período, a demarcação dessa linha será feita pela análise de curto período. § 1º Para os efeitos deste artigo, a análise de longo período deve basear-se em observações contínuas durante 370 dias. Para a análise de curto período, o tempo de observação, será no mínimo, de 30 dias consecutivos29.

29 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 4904, de 2005.

Page 32: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

31

Ainda na década de 40 tem-se: o Decreto-Lei n. 5.666, de 15 de julho de 1943, que

determinou que os aforamentos somente poderiam ser concedidos em concorrência pública,

por iniciativa do Governo ou de particulares. Além disso, proibiu a concessão de aforamentos

de áreas de marinha aos particulares para a divisão em lotes e transferência a terceiros. Tal

proibição resistiu pouco mais de 2 anos; o Decreto-Lei n. 7.937, de 5 de setembro de 1945,

permitiu, já no seu artigo 1º, a concessão de Aforamento de quaisquer áreas de Terrenos de

Marinha, para a divisão em lotes e posterior transferência a terceiros, desde que os lotes a

transferir viessem a ser aproveitados com construções.

Finalmente, nesta mesma década, publicou-se o Decreto-Lei n. 9.760, de 5 de

setembro de 1946, em vigor até os dias de hoje, com alterações, evidentemente. Este decreto

dispõe sobre os bens imóveis da União – entre os quais inclui, no artigo 1º, alínea a, os

Terrenos de Marinha e seus acrescidos – e dá outras providências.

Em 1988, os Terrenos de Marinha e seus acrescidos alcançam a condição de preceito

constitucional. As constituições anteriores simplesmente não previam a matéria. O artigo 20,

inciso VII, da CRFB/1988 assim dispõe:

Art. 20. São bens da União: (...) VII – os terrenos de marinha e seus acrescidos;

Já sob a nova Constituição, novos dispositivos legais complementaram a legislação

concernente aos Terrenos de Marinha, destacando-se: a) Lei n. 9.636, de 15 de maio de 1998,

que dispôs sobre a regularização, administração, Aforamento e alienação de bens imóveis de

domínio da União; b) Decreto n. 3.725, de 10 de janeiro de 2001, que regulamentou essa lei; e

c) Instrução Normativa da SPU, n. 2, de 12 de março de 2001, que dispôs sobre a demarcação

dos Terrenos de Marinha.

2.3.1 Situação Atual

Apresentado o histórico referente aos Terrenos de Marinha verifica-se que,

atualmente, estes são regidos, basicamente, pelos seguintes instrumentos jurídicos:

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; Decreto-Lei n. 9.760/1946; Lei n.

9.636/1988 e o Decreto n. 3.725/2001. O Decreto-Lei e a Lei citados sofreram diversas

alterações em seus textos originais. Entre as normas alteradoras recentes, destaque para Lei n.

Page 33: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

32

11.481, de 31 de maio de 2007, que prevê medidas de regularização fundiária de interesse

social em imóveis da União30.

O grande número de instrumentos normativos acerca dos Terrenos de Marinha

demonstra sua relevância para o ordenamento jurídico pátrio. O curioso é que, segundo

Mariana Almeida Passos de Freitas31 “... mesmo tendo sido criado pela Coroa portuguesa, o

instituto dos terrenos de marinha não existia no direito português.”.

Vale destacar, para que não restem quaisquer dúvidas, que Terrenos de Marinha não

são terrenos da Marinha. Eles não pertencem à Marinha do Brasil, ou Comando da Marinha,

órgão subordinado ao Ministério da Defesa, mas sim à União, que exerce o controle

patrimonial sobre os mesmos através da Secretaria do Patrimônio da União – SPU, órgão

vinculado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG. Celso Ribeiro

Bastos assim comentou, referindo-se aos Terrenos de Marinha,

[...] estes são bens da União e não do Ministério da Marinha. Consistem naqueles terrenos debruçados à faixa litorânea. Um exemplo típico são os lotes que se situam defronte ao mar, os quais não são objeto de propriedade do particular, mas sim regem-se pelo instituto da enfiteuse.32

Os Terrenos de Marinha também não podem ser confundidos com terras devolutas,

como já aconteceu. A Ação Originária n. 8 intentada pelos Estados do Espírito Santo e da

Bahia, já comentada, serve de exemplo. As terras devolutas são aquelas que não foram

incorporadas a nenhum patrimônio particular ou foram incorporadas ao patrimônio público,

mas sem destinação para uso público. Bandeira de Mello esclarece da seguinte forma a

origem e o que são as ditas terras devolutas.

São as terras públicas não aplicadas ao uso comum nem ao uso especial. Sua origem é a seguinte. Com a descoberta do País, todo o território passou a integrar o domínio da Coroa portuguesa. Destas terras, largos tratos foram trespassados aos colonizadores, mediante as chamadas concessões de

30 BRASIL. Lei nº 11.481, de 31 de maio de 2007. Dá nova redação a dispositivos das Leis nos 9.636, de 15 de maio de 1998, 8.666, de 21 de junho de 1993, 11.124, de 16 de junho de 2005, 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, 9.514, de 20 de novembro de 1997, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e dos Decretos-Leis nos

9.760, de 5 de setembro de 1946, 271, de 28 de fevereiro de 1967, 1.876, de 15 de julho de 1981, e 2.398, de 21 de dezembro de 1987; prevê medidas voltadas à regularização fundiária de interesse social em imóveis da União; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11481.htm>. Acesso em: 21 abr. 2008. 31 FREITAS, Mariana Almeida Passos de. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos, p.146. 32 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva 1999. p. 303.

Page 34: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

33

sesmarias e cartas de data, com obrigação de medi-las, demarcá-las e cultivá-las (quando então lhes adviria a confirmação, o que, aliás, raras vezes sucedeu, sob pena de “comisso”, isto é, de reverso delas à Coroa, caso fossem descumpridas as sobreditas obrigações. Tanto as terras que jamais foram trespassadas como as que caíram em comisso, se não ingressaram no domínio privado por algum título legítimo e não receberam destinação pública, constituem as terras devolutas. Com a independência do País, passaram a integrar o domínio imobiliário do Estado brasileiro. Pode-se definir as terras devolutas como sendo as que, dada a origem pública da propriedade fundiária no Brasil, pertencem ao Estado – sem estarem aplicadas a qualquer uso público – porque nem foram trespassadas do Poder Público aos particulares ou, se o foram, caíram em comisso, nem se integraram no domínio privado por algum título reconhecido como legítimo33.

Ainda, pelo histórico feito a partir da legislação apresentada, verifica-se que os

Terrenos de Marinha tinham como funções principais a garantia de um espaço como servidão

pública destinada ao embarque e desembarque de coisas públicas e privadas, a garantia de um

espaço para a defesa da cidade e, finalmente, um meio de obtenção de renda para a Coroa,

para o Império e para a União Federal34.

Entretanto, a condição hoje atribuída a este bem da União, quase que unicamente

como fonte de receita, destoa da sua condição de bem com expressão constitucional. A esse

respeito comenta Paulo Affonso Leme Machado: “Os terrenos de marinha ganharam a

valorização constitucional não para que depois fossem privatizados, esquecendo-se sua

conotação de “bens de uso comum do povo””35, tendo ressaltado:

Atualmente, de um lado, com o avanço das ciências da natureza e, de outro lado, com o povoamento intenso e desordenado do litoral, as áreas de “terrenos de marinha” necessitam desempenhar funções públicas de proteção da natureza. Essas funções constituem dever do Poder Público, máxime na zona costeira (art. 225, § 1º e 4º, da CF). Portanto, o aforamento que se fazia desses terrenos, com a intervenção do antigo SPU (Serviço do Patrimônio da União) deixou de ter justificativa e não tem agasalho da própria Constituição Federal.36

Consoante a idéia de que os Terrenos de Marinha apresentam hoje importância distinta

daquela que justificou sua origem, Armando Gonçalves Madeira e Ziegler de Souza, segundo

33 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 13 ed. São Paulo: Malheiros, pp. 757-758. 34 FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. p. 171. 35 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. p. 133. 36 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. p.133.

Page 35: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

34

Mariana Freitas, também destacam a importância presente destas áreas para a preservação

ambiental, dispondo: “[...] hoje, ganha relevo o interesse ecológico, uma vez que a maior

parte desses terrenos constitui área de preservação permanente: Mata Atlântica, mangues,

morros, dunas [...]”37.

2.4 TERRENOS ACRESCIDOS DE MARINHA

Segundo o artigo 20, VII, da CRFB/1988, são bens da União não só os Terrenos de

Marinha, mas também “os seus acrescidos”38. O artigo 3º do Decreto-Lei n. 9.760, de 1946,

traz a definição destes terrenos acrescidos, com a seguinte redação: “São terrenos acrescidos

de marinha os que se tiverem formado natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos

rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha”39.

Os acrescidos são, portanto, extensões naturais ou artificiais dos Terrenos de Marinha,

que em nada os modificam visto que, apesar de deslocarem a Linha de Preamar Média atual,

os acrescidos não alteram a Linha de Preamar Média de 1831.

As primeiras referências a tais terrenos encontram-se no Aviso, de 18 de novembro de

1818, que declarava que “15 braças da linha da água do mar e pela sua borda são reservadas

para servidão pública, e que tudo que toca a água do mar e acresce sobre ela é da nação”. O

Decreto-Lei n. 4.105, de 1868, também já os definia.

Destarte, e em função de seu caráter de “seguimento aos terrenos de marinha”, as

colocações efetuadas a respeito dos Terrenos de Marinha alcançam, quando presentes, os

Terrenos Acrescidos de Marinha, como alcançam, em regra, as disposições sobre os principais

com relação aos seus acessórios.

Apesar desta aparente condição tranqüila de acessórios aos Terrenos de Marinha, a

doutrina nem sempre distingue-os adequadamente. Veja-se a este respeito a definição de

Bandeira de Mello:

37 FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. p. 166. 38 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 20. São bens da União: (...) VII – os terrenos de marinha e seus acrescidos Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 21 abr. 2008. 39 BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946.

Page 36: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

35

Terrenos acrescidos - são os que, por aluvião ou por avulsão, se incorporam aos terrenos de marinha ou aos terrenos marginais, aquém do ponto a que chega o preamar médio ou do ponto médio das enchentes ordinárias, respectivamente, bem como a parte do álveo que se descobrir por afastamento das águas (art. 16 do Código de Águas). São bens dominicais se não estiverem destinados ao uso comum e sua propriedade assiste à entidade pública titular do terreno a que aderiram, salvo se, por algum título legítimo, estiverem em propriedade privada (§ 1º do art. 16)40.

Verifica-se nesta definição que o autor trata, inicialmente, de terrenos acrescidos aos

Terrenos de Marinha ou aos Terrenos Marginais. Ao final, refere-se a ambos como bens

dominicais e sua propriedade pode ser tanto de entidade pública (não se restringe a União),

como constituir propriedade privada, muito embora o texto legal, Decreto-Lei n. 9.760/1946,

assim não preveja.

Ao tratar dos terrenos acrescidos, Maria Sylvia Zanella di Pietro, mesmo

transcrevendo o disposto no artigo 3º do Decreto-Lei n. 9.760/1946 (transcrito alhures)

informa que eles se formam tanto para o lado do mar, em acréscimo aos Terrenos de Marinha,

como também se formam para o lado do rio, em acréscimo aos “terrenos reservados”41. A

autora vai mais além, afirmando:

Os segundos podem pertencer ao particular ou constituir patrimônio público. Pelo artigo 538 do Código Civil de 1916, “os acréscimos formados por depósitos e aterros naturais ou pelo desvio das águas, ainda que estes sejam navegáveis, pertencem aos donos dos terrenos marginais”. O artigo 1.250 do novo Código Civil altera um pouco a redação, ao estabelecer que “os acréscimos formados, sucessivamente e ininterruptamente, por depósitos e aterros naturais ao longo das margens das correntes, ou pelo desvio das águas destas, pertencem aos donos dos terrenos marginais, sem indenização”42.

Os segundos, a que se refere a autora, são os terrenos acrescidos aos terrenos

reservados. Percebe-se que ela admite claramente a possibilidade destes pertencerem ao

particular. Entretanto, o artigo 3º do Decreto-Lei 9.760/1946, transcrito pela autora, refere-se

aos Terrenos Acrescidos de Marinha, bens pertencentes à União. Ao que parece a autora

entende que o Código Civil, de alguma forma, altera a disposição expressa no Decreto-Lei

9.760/1946 ou, ainda, o que é mais provável, que ela está se referindo a terrenos acrescidos

40 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. p. 761. 41 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 678. 42 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 678.

Page 37: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

36

que não em seguimento a Terrenos de Marinha. Qualquer uma das possibilidades não está

devidamente aclarada no texto.

As citações colhidas dos autores supramencionados, servem para demonstrar que há

certa confusão entre Terrenos Acrescidos de Marinha, quando ao longo de rios e lagoas, e

Terrenos Marginais. Aqueles se formam em seguimento aos Terrenos de Marinha, já estes,

“são os que banhados pelas correntes navegáveis, fora do alcance das marés, vão até a

distância de 15 (quinze) metros, medidos horizontalmente para a parte da terra, contados

dêsde a linha média das enchentes ordinárias”43. Ambos, de acordo com o Decreto-Lei nº

9.760/1946, são bens da União.

Destarte, terrenos acrescidos, quer por aluvião ou por avulsão, em margens de rios e

lagoas que sofram a influência de mares ou em margens de rios navegáveis, somente não

pertencem a União se houver o entendimento que, por alguma razão de ordem jurídica, as

disposições expressas no Decreto-Lei nº 9.760/1946 sobre a presença de Terrenos de Marinha

e/ou Terrenos Marginais ao longo de rios e lagoas não mais se sustentam, total ou

parcialmente.

A quase que total ausência dos Terrenos Acrescidos de Marinha em literatura

especializada, e a pouca clareza no trato de tais terrenos em doutrinadores do porte de Celso

Mello e Maria di Pietro, fornecem uma pequena amostra das dificuldades no estabelecimento

dos Terrenos de Marinha e seus acrescidos ao longo de rios e lagoas, assunto que voltará a ser

tratado mais adiante.

Concluída esta breve explanação sobre o deslocamento histórico dos Terrenos de

Marinha e sua situação atual, bem como sobre os Terrenos Acrescidos de Marinha, expõe-se,

na seqüência, algumas considerações sobre a utilização destes bens.

43 BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946. Art. 4º.

Page 38: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

3 UTILIZAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA

3.1 INTRODUÇÃO

Os Terrenos de Marinha e seus acrescidos se prestam a fins bastante diversificados.

Podem constituir bens de uso comum do povo ou ser utilizados pelo poder público,

diretamente pela União, sua proprietária, ou pelos Estados ou Municípios, mediante cessão

daquela. Podem, ainda, ser utilizados por particulares, mediante cessão ou aforamento.

O regime patrimonial a que estão sujeitos tais terrenos é, em regra, o de bens

dominicais da União, aplicando-se aos mesmos o instituto da enfiteuse, conforme previsão do

§ 3º do art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CRFB/198844.

3.2 REGIME PATRIMONIAL

O Código Civil Brasileiro de 2002 (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002), ao tratar

dos bens públicos, artigos 98 e seguintes (Livro II –DOS BENS-; Título Único –DAS

DIFERENTES CLASSES DE BENS-; Capítulo III –DOS BENS PÚBLICOS-), classifica-os

em bens de uso comum do povo, tais como os rios, as ruas e as praças (art. 99, I); bens de uso

especial, tais como os prédios públicos (art. 99, II); e os bens dominicais (art. 99, III), que são

propriedades públicas sem destinação específica.45

44 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. ADCT, Art. 49. (...) § 3º - A enfiteuse continuará sendo aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurança, a partir da orla marítima. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 21 abr. 2008. 45 BRASIL. Lei nº 10.406, de 20 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Art. 99. São bens públicos: I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 20 abr. 2008

Page 39: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

38

Por expressa determinação dos arts. 100 e 101 do CC/2002, apenas quando dominicais

os bens públicos são passíveis de alienação46.

Mário Masagão assim esclarece o que são bens dominicais:

Os bens dominicais constituem propriedade das pessoas jurídicas a que pertencem, e em cujo patrimônio se acham. Tal propriedade só encontra, quanto ao seu exercício, as restrições estabelecidas pelo direito público em razão da natureza das pessoas que são titulares dela47.

As restrições a que o autor se refere obedecerão, evidentemente, ao destino que o

poder público pretende ao bem. Por exemplo: se a intenção é a alienação, deverão ser

observadas as exigências da lei (art. 101, CC/2002), tais como: existência de lei autorizadora,

processo de licitação e avaliação do bem.

Ao tratar também do assunto, Diógenes Gasparini cita vários sinônimos para bens

dominicais, tais como: bens disponíveis; bens do patrimônio disponível; bens patrimoniais

disponíveis; bens do patrimônio fiscal; bens patrimoniais do Estado e bens do domínio

privado do Estado48. Este autor define-os da seguinte forma:

Os bens dominicais são os destituídos de qualquer destinação, prontos para ser utilizados ou alienados ou, ainda, ter seu uso trespassado a quem por eles se interesse. Pertencem à União, aos Estados-Membros, aos Municípios, ao Distrito Federal, às autarquias e fundações públicas. Tais entidades exercem sobre esses bens poderes de dono, de proprietário. Apesar disso, a alienação e o trespasse do uso podem exigir o cumprimento, previamente, de certos requisitos, como avaliação, concorrência e licitação [...]49.

A despeito das restrições, ou requisitos, estabelecidos aos bens dominicais, estes têm

diferenças jurídicas claras em relação aos de uso comum do povo e aos especiais,

principalmente por serem regidos pelo direito privado, conforme esclarece Diogo de

Figueiredo Moreira Neto:

46 BRASIL. Lei nº 10.406, de 20 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar. Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 20 abr. 2008. 47 MASAGÃO, Mário. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. p.133. 48 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. p. 811. 49 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. p. 811.

Page 40: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

39

Este terceiro tipo, dos dominicais, enseja ao Estado uma possibilidade legal de disposição mais ampla que em relação aos anteriores, quase semelhante à aberta pelo regime privado. Na verdade, os poderes do Estado sobre tais bens são estabelecidos pelo Direito Público, através de prescrições constitucionais e administrativas, apropriadas para cada nível federativo, somente se valendo da normatividade civil em caráter complementar ou suplementar, no que compatível50.

Perceba-se que o autor deixa claro que é “quase semelhante” ao regime do direito

privado, esclarecendo que este atua de forma complementar ou suplementar as prescrições

constitucionais e administrativas.

Ao tratar do tema bens dominicais, Maria Sylvia Zanella di Pietro aponta quais seriam,

tradicionalmente, as principais características dessa classe de bens, na qual estariam incluídos

os Terrenos de Marinha.

1. comportam uma função patrimonial ou financeira, porque se destinam a assegurar rendas ao Estado, em oposição aos demais bens públicos, que são afetados a uma destinação de interesse geral; a conseqüência disso é que a gestão dos bens dominicais não era considerada serviço público, mas uma atividade privada da Administração; 2. submetem-se a um regime jurídico de direito privado, pois a administração Pública age, em relação a eles, como um proprietário privado51.

Aqui a autora retoma uma situação específica aos Terrenos de Marinha, já comentada

no tópico anterior, qual seja a de que os bens dominicais são utilizados pelo Estado

principalmente como fonte de rendas.

Com pequenas variações nos pormenores, mas concorde na essência, a doutrina,

tradicionalmente, trata os Terrenos de Marinha e os seus acrescidos como bens dominicais.

Entretanto, na faixa de 33 metros a partir da Linha de Preamar Média de 1831 podem

ser encontradas áreas livres, ocupadas por particulares, praias ou mesmo edificações públicas,

tais como um farol ou um forte.

50 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p. 233. 51 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 642.

Page 41: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

40

Destarte, os Terrenos de Marinha podem ser incluídos em cada uma das três espécies

de bens públicos: a) quando vagos ou ocupados por particulares, constituem-se em bens

dominicais; b) quando apresentam praias, esta porção da área classifica-se como bem de uso

comum do povo, por determinação expressa de lei, artigo 10 da Lei 7.661, de 16 de maio de

198852; c) finalmente, se estes terrenos estão ocupados por alguma edificação pública,

qualquer que seja, constituirão bens de uso especial. A regra, entretanto, é que constituam

bens dominicais.

Algo que distingue os Terrenos de Marinha dos demais bens imóveis da União quanto

ao regime patrimonial aplicado é que, quando situados na orla, na faixa de segurança, eles não

são suscetíveis de alienação total. Esta vedação aplica-se ainda que não estejam afetados ao

serviço público, nem constituam bem de uso comum do povo. Quando for conveniente que

deles terceiros façam uso, existe a obrigatoriedade, por expressa disposição constitucional, de

fazê-lo sob o regime da enfiteuse53 (ou Aforamento).

3.3 FORMAS DE UTILIZAÇÃO

As formas de uso dos Terrenos de Marinha e seus acrescidos estão vinculadas à sua

classificação patrimonial. Eles podem estar afetados ao serviço público, constituírem bens de

uso comum do povo ou fazer parte do patrimônio disponível da União como bens dominicais.

Nesta condição, e somente nesta, o domínio útil dos Terrenos de Marinha pode ser

trespassado ao particular, mediante Aforamento.

Atualmente, em função de disposição expressa no § 3º do art. 49 do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias da CRFB/1988, é possível apenas a transferência

52 BRASIL. Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988. Institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e dá outras providências. Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L7661.htm>. Acesso em: 20 abr. 2008. 53 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. ADCT, Art. 49. A lei disporá sobre o instituto da enfiteuse em imóveis urbanos, sendo facultada aos foreiros, no caso de sua extinção, a remição dos aforamentos mediante aquisição do domínio direto, na conformidade do que dispuserem os respectivos contratos. (...) § 3º - A enfiteuse continuará sendo aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurança, a partir da orla marítima. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 21 abr. 2008.

Page 42: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

41

para terceiros da fração “domínio útil” também denominada “direito real de uso”, por meio da

enfiteuse, pela qual permanece com a União o “domínio direto”, ou seja, fica a União na

condição de “nu proprietário”54.

O regime de Aforamento, regrado pela enfiteuse, aplicado aos Terrenos de Marinha,

está previsto pela CRFB/1988, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, art. 49, §

3º que determinou: “A Enfiteuse continuará sendo aplicada aos terrenos de marinha e seus

acrescidos, situados na faixa de segurança, a partir da orla marítima”.

Embora não exista uma definição precisa do que vem a ser esta faixa de segurança,

Roberto Menezes entende que se trata de uma faixa de cem metros, na costa, por interpretação

do art. 100 do Decreto-Lei nº 9.760/194655. É o que diz este artigo:

Art. 100. A aplicação do regime de aforamento a terras da União, quando autorizada na forma dêste Decreto-lei, compete ao S. P. U., sujeita, porém, a prévia audiência: a) dos Ministérios da Guerra, por intermédio dos Comandos das Regiões Militares; da Marinha, por intermédio das Capitanias dos Portos; da Aeronáutica, por intermédio dos Comandos das Zonas Aéreas, quando se tratar de terrenos situados dentro da faixa de fronteiras, da faixa de 100 (cem) metros ao longo da costa marítima ou de uma circunferência de 1.320 (mil trezentos e vinte) metros de raio em tôrno das fortificações e estabelecimentos militares56;

Anteriormente à regra constitucional, os Terrenos de Marinha, como os demais bens

da União, submetiam-se a quaisquer dos regimes (locação, Aforamento ou cessão) previstos

no Decreto-Lei 9.760/1946, que em seu artigo 64 dispõe:

Art. 64. Os bens imóveis da União não utilizados em serviço público poderão, qualquer que seja a sua natureza, ser alugados, aforados ou cedidos. § 1º A locação se fará quando houver conveniência em tornar o imóvel produtivo, conservando porém, a União, sua plena propriedade, considerada arrendamento mediante condições especiais, quando objetivada a exploração de frutos ou prestação de serviços. § 2º O aforamento se dará quando coexistirem a conveniência de radicar-se o indivíduo ao solo e a de manter-se o vínculo da propriedade pública. § 3º A cessão se fará quando interessar à União concretizar, com a permissão

54 MENEZES, Roberto Santana de. Regime patrimonial dos terrenos de marinha. Jus Navigandi. p. 5. 55 MENEZES, Roberto Santana de. Regime patrimonial dos terrenos de marinha. Jus Navigandi. p. 7. 56 BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946.

Page 43: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

42

da utilização gratuita de imóvel seu, auxílio ou colaboração que entenda prestar.

Pelo atual regramento constitucional cabe aos Terrenos de Marinha, na faixa de

segurança, somente a enfiteuse, instituto disciplinado pelo Decreto-Lei n. 9.760/1946, e suas

alterações posteriores, especificadamente nos artigos 99 a 124. Com respeito a este instituto

esclarece Mariana Almeida Passos de Freitas:

O regime dos terrenos de marinha pauta-se pelas normas da enfiteuse, que na verdade tem significado semelhante a “aforamento”, com a diferença de que esse último é instituto de direito administrativo (quando trata dos bens públicos) e aquele, de direito civil (tratando mais especificamente de bens privados)57.

Verifica-se que enfiteuse é o instituto originado do direito privado que disciplina a

utilização dos Terrenos de Marinha conforme prescrito no art. 49, § 3º do ADCT da

CRFB/1988. Desta forma, quando o Aforamento (ou enfiteuse) diz respeito a estas terras da

União, rege-se pelas normas do Decreto-Lei n. 9.760 de 5 de setembro de 1946.

No caso concreto, as duas áreas do direito (público e privado) coexistem, conforme

manifestação de Rosita de Souza Santos:

[...] assim, quando a União defere a proposta de se constituir um aforamento, ela está praticando um ato administrativo, mas quando ela contrata a negociação do domínio útil com o pretendente ao aforamento, transformando-o em foreiro, ela é parte em um contrato regido pelo Código Civil58.

Portanto, naquilo que se refere a Terrenos de Marinha, por serem bens públicos, a

concessão do Aforamento resulta de ato administrativo.

O significado etimológico da palavra “enfiteuse” é “plantio da terra”59. No início era

uma maneira de conceder uma fonte de renda a pessoa que desejasse trabalhar a terra. Isto se

57 FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. p. 154. 58 SANTOS, Rosita de Souza. Terras de marinha. p. 66. 59 FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. p. 155.

Page 44: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

43

comprova por preceito do Código Civil de 1916 que, no seu artigo 680 limitava seu alcance às

terras não cultivadas e a terrenos urbanos não edificados60.

Na verdade, essa concessão de terra servia, na época, como estímulo à agricultura, o

que certamente não ocorre hoje em dia. É interessante notar que a enfiteuse existe apenas no

direito brasileiro, português e italiano61.

Na seara do direito privado, o conceito de enfiteuse era dado pelo próprio Código

Civil de 1916, no seu artigo 678. Entretanto, tal artigo não encontra correspondência no

Código Civil de 2002, que excluiu todo o capítulo dedicado à enfiteuse existente no Código

Civil pretérito. A causa mais provável para essa exclusão é o pouco uso de tal instituto.

Entretanto, ela ainda vigora no tratamento jurídico dos Terrenos de Marinha, conforme

previsto no artigo 2.038, § 2º, do atual Código Civil:

Art. 2.038. Fica proibida a constituição de enfiteuse e subenfiteuse, subordinado-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei n.º 3.071, de 1.º de janeiro de 1916, e leis posteriores. (...) § 2.º A enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos regula-se por lei especial.62

A lei especial a que se refere o § 2.º na verdade são duas: o Decreto-Lei n. 9.760/1946

e a Lei n. 9.636/1998.

A propósito da definição de enfiteuse, cabe mostrar a visão de Whashington de Barros

Monteiro, para quem “enfiteuse é a relação jurídica por via da qual o senhorio direto (o

proprietário), autoriza outra pessoa (o enfiteuta) a usar, gozar, e dispor da coisa, com certas

restrições, inclusive pagamento de retribuição anual, chamada pensão”63.

Assim, a utilização de Terreno de Marinha por particular se faz sob o regime de

Aforamento ou enfiteuse, pelo qual fica a União com o domínio direto e transfere ao enfiteuta

60 BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil. Art. 680. Só podem ser objeto de enfiteuse terras não cultivadas ou terrenos que se destinem a edificação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L3071.htm>. Acesso em: 18 jun. 2008. 61 FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. p. 155. 62 BRASIL. Lei nº 10.406, de 20 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Art. 2.038. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 20 abr. 2008. 63 MONTEIRO, Whashington de Barros. Curso de direito civil. . 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 200.

Page 45: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

44

o domínio útil mediante pagamento de importância anual, denominada foro ou pensão. Por aí

se verifica que sobre o mesmo bem incidem dois tipos de domínio, conforme esclarece Hely

Lopes Meirelles:

Domínio útil consiste no direito de usufruir o imóvel do modo mais completo possível e de transmiti-lo a outrem, por ato entre vivos ou de última vontade (testamento). Domínio direto, também chamado domínio eminente, é o direito à substância mesma do imóvel, sem as suas utilidades64.

Na enfiteuse, o proprietário do bem denomina-se senhorio e o beneficiário, enfiteuta

ou foreiro. O primeiro tem o domínio direto. O segundo, o domínio útil. Celso Mello ressalta

que “O enfeiteuta dispõe dos mais amplos poderes sobre o bem: pode usá-lo, gozá-lo e dispor

dos frutos, produtos e rendas, mas não pode mudar-lhe a substância ou deteriorá-lo”65.

Ainda segundo Celso Mello66, enfiteuse e Aforamento são expressões equivalentes e

que somente se confere sobre imóveis, acrescentando que trata-se de um direito real

transferível, onerosa ou gratuitamente.

Esclarece Meirelles: “Foro, cânon ou pensão é a contribuição anual e fixa que o

foreiro ou enfiteuta paga ao senhorio direto, em caráter perpétuo, para o exercício de seus

direitos sobre o domínio útil do imóvel”67.

No caso dos Terrenos de Marinha, o foro é estabelecido pelo artigo 101 do Decreto-

Lei n. 9.760/1946, que assim dispõe: “Os terrenos aforados pela União ficam sujeitos ao foro

de 0,6% (seis décimos por cento) do valor do respectivo domínio pleno, que será anualmente

atualizado”.

Além do foro, outra taxa a que está sujeito o enfiteuta é o laudêmio. Esta taxa incide

quando o particular aliena os seus direitos sobre os imóveis da União. No caso dos Terrenos

de Marinha, a União tem direito de opção ou preferência na aquisição do domínio útil pelo

prazo de trinta dias. O foreiro que pretenda a alienação deve requerer certidão autorizativa de

64 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 503. 65 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. p. 770. 66 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. p. 769. 67 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 503.

Page 46: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

45

transferência junto a Gerência Regional da SPU em seu Estado, Se não for exercido o direito

de preferência, e as taxas de foro estiverem em dia, será emitida a certidão e incidirá laudêmio

quando o imóvel for alienado, “correspondente a importância equivalente a 5% do valor do

terreno e das benfeitorias existentes.”68.

Sobre o tema esclarece Hely Lopes Meirelles:

Laudêmio é a importância que o foreiro ou enfiteuta paga ao senhorio direto quando ele, senhorio, renuncia seu direito de reaver esse domínio útil, nas mesmas condições em que o terceiro o adquire. Sempre que houver pretendente à aquisição do domínio útil, o foreiro é obrigado a comunicar a existência desse pretendente e as condições da alienação, para que o senhorio direto – no caso, o Estado – exerça seu direito de opção dentro de trinta dias, ou renuncie a ele, concordando com a transferência a outrem, caso em que terá direito ao laudêmio (CC de 1916, art. 683) na base legal ou contratual (CC de 1916, art. 686)69.

O foro e o laudêmio são créditos fiscais cujo não pagamento pode gerar ação executiva

por parte da União (execução fiscal), conforme estabelecido no artigo 201 do Decreto-Lei n.

9.760/1946: "São consideradas dívida ativa da União, para efeito de cobrança executiva, as

provenientes de aluguéis, taxas, foros, laudêmios e outras contribuições concernentes de

utilização de bens imóveis da União”.

É de se esclarecer que tanto o foro, como o laudêmio, são taxas e, embora tributos, de

natureza distinta dos impostos com os quais não se confundem. Desta maneira, se o Terreno

de Marinha estiver localizado em perímetro urbano, além das taxas citadas o imóvel está

sujeito ao imposto predial e territorial urbano – IPTU.

A Lei n. 9.636, de 15 de maio de 1998, veda expressamente a ocupação de imóvel da

União a partir de 27 de abril de 200670. Os ocupantes de Terrenos de Marinha que não estão

68 BRASIL. MPOG. Os Terrenos de Marinha e as atividades imobiliárias da SPU - Informações de interesse do cidadão. Disponível em: <http://www.spu.planejamento.gov.br/conteudo/apresentacao/terrenos.htm>. Acesso em 11 fev. 2008. 69 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 503. 70 BRASIL. Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União, altera dispositivos dos Decretos-Leis nos 9.760, de 5 de setembro de 1946, e 2.398, de 21 de dezembro de 1987, regulamenta o § 2o do art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providências. Art. 9o É vedada a inscrição de ocupações que: I - ocorreram após 27 de abril de 2006; (...). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9636.htm>. Acesso em: 21 abr. 2008.

Page 47: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

46

devidamente regularizados como foreiros, sujeitam-se ao pagamento de taxa de ocupação

equivalente a 2% ou 5% do valor do terreno ao ano. Corresponde a 2% do valor de avaliação

atualizada do imóvel, para as ocupações já inscritas e para aquelas cuja inscrição tenha sido

requerida até 30/9/1988. Corresponde a 5% do valor de avaliação atualizada do imóvel e das

benfeitorias para as ocupações requeridas ou promovidas a partir de 1º/10/1988.71

A administração dos Terrenos de Marinha é de competência da Secretaria do

Patrimônio da União - SPU, a quem cabe administrar o patrimônio imobiliário da União, e

que exerce suas atividades em âmbito regional através das Delegacias Regionais em cada

Estado72.

Atualmente a SPU está vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e

Gestão, mas já esteve subordinado ao Ministério da Fazenda. Espera-se que esta alteração

reflita também em uma alteração na função atribuída aos Terrenos de Marinha, que de fonte

de receita passem a exercer um papel mais importante de ordenamento do território,

notadamente como espaços de preservação ambiental.

A esperança desta mudança, onde a noção da função social e ambiental da propriedade

também se faça presente na propriedade pública, adquire maior relevância quando o Governo

Federal assim se manifesta:

A SPU superou o mito que opõe a função arrecadadora à função sócio-ambiental do patrimônio, acreditando na possibilidade de harmonia entre ambas, uma vez que decorrentes do mesmo propósito: a identificação da melhor vocação de cada imóvel, seja de regularização fundiária, moradia popular, instalação de empreendimentos turísticos, portuários, culturais, etc73.

Cabe, ainda, ressaltar a intenção do legislador moderno em promover a extinção do

instituto da enfiteuse. Esta intenção se manifesta de maneira indireta, pela exclusão completa,

71 BRASIL. MPOG-SPU. Manual de regularização fundiária em terras da união. São Paulo: Instituto Polis, 2006. p. B:49. 72 BRASIL. MPOG. Os Terrenos de Marinha e as atividades imobiliárias da SPU - Informações de interesse do cidadão. Disponível em: <http://www.spu.planejamento.gov.br/conteudo/apresentacao/terrenos.htm>. Acesso em 11 fev. 2008. 73 BRASIL. MPOG-SPU. Manual de regularização fundiária em terras da união. São Paulo: Instituto Polis, 2006. p. E:77.

Page 48: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

47

no Código Civil de 2002, do existente capítulo sobre o tema no Código Civil de 1916, ou de

maneira direta, pela expressão clara disposta do artigo 2.038, caput, do CC/200274. Contudo,

como observado no parágrafo 2.º deste artigo, a enfiteuse é mantida para os Terrenos de

Marinha. Ou seja, extinta na seara do direito privado, a enfiteuse continuará existindo para ser

utilizada pelo poder público. É essa também a interpretação de Sílvio de Salvo Venosa:

[...] o legislador utiliza-se apenas dos princípios fundamentais do instituto de direito civil, tanto que, se extinta a enfiteuse no campo privado, a instituição pública subsistirá por sua própria legislação. Subsidiariamente, é verdade, chamam-se à colação os princípios do direito privado75.

Por fim, cabe dizer que enfiteuse sempre foi entendida como direito real sobre coisa

imóvel alheia e é perpétua. No caso dos Terrenos de Marinha, por serem bens públicos, no

regime de Aforamento, o direito real sobre coisa alheia é constitutivo. Assim, depende de

prévia inscrição no Registro de Imóveis76.

3.3.1 Tendências do regime de Aforamento

Como brevemente comentado acima, o instituto da enfiteuse no direito civil está

fadado ao desaparecimento. Tanto a CRFB/1988, como o CC/2002, encaminham para esta

extinção. Tal afirmação comprova-se, primeiramente, pelo disposto no artigo 49 do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias, que reza:

Art. 49. A lei disporá sobre o instituto da enfiteuse em imóveis urbanos, sendo facultada aos foreiros, no caso de sua extinção, a remição dos aforamentos mediante aquisição do domínio direto, na conformidade do que dispuserem os respectivos contratos.

No mesmo sentido, na leitura do artigo 2.038 do CC/2002, já transcrito alhures,

verifica-se a proibição de novas enfiteuses ou subenfiteuses. Ressalva o artigo que as

74 BRASIL. Lei nº 10.406, de 20 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Art. 2.038. Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916, e leis posteriores. (...) § 2o A enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos regula-se por lei especial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 20 abr. 2008. 75 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: vol. 1:parte geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 390. 76 FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. p. 157.

Page 49: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

48

existentes, até sua extinção, regem-se pelas disposições do Código Civil de 1916 e leis

posteriores. Sobre isso se manifesta Maria Helena Diniz: “[...] a animosidade contra a

enfiteuse não é recente e muitos Códigos a aboliram, por não se coadunar com o princípio da

função social da propriedade.”77

Ademais, concorde com a orientação de expurgar do ordenamento jurídico pátrio o

instituto da enfiteuse, o Código Civil de 2002, quando trata dos direitos reais, artigo 1.225,

não mais a relaciona entre estes direitos, apesar de parte da doutrina pátria ainda assim se

referir.

No entanto, o regime de Aforamento dos Terrenos de Marinha permanece. O

parágrafo 3º do artigo 49 do ADCT da CRFB/1988 prevê: “a enfiteuse continuará sendo

aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurança, a partir da

orla marítima”. Ademais, o parágrafo 2º do artigo 2.038 do CC/2002, estabelece que a

enfiteuse dos Terrenos de Marinha e acrescidos será regulada por lei especial. Esta lei

especial, na verdade são duas: o Decreto-Lei n. 9.760/1946 e a Lei n. 9.636/1998.

O Decreto-Lei 9.760/1946, trata do Aforamento em seu Capítulo IV, Do Aforamento,

do Título II, Da Utilização dos Bens Imóveis da União, artigos 99 a 124, estando subdividido

em 5 seções. As últimas alterações de texto desta lei, que alcançam o instituto do Aforamento,

devem-se à lei 11.481/200778. Com respeito à Lei 9.636/1998, o Aforamento é tratado na

Seção IV, Do Aforamento, do Capítulo I, Da Regularização e Utilização Ordenada, artigos 12

a 16.

A extinção do instituto da enfiteuse do ordenamento civil pátrio traz à baila a

conveniência do Aforamento nos Terrenos de Marinha. Neste sentido, tramita no Congresso

Nacional proposta de emenda à Constituição (PEC-603/1998) que propõe a extinção do

77 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 350. 78 BRASIL. Lei nº 11.481, de 31 de maio de 2007. Dá nova redação a dispositivos das Leis nos 9.636, de 15 de maio de 1998, 8.666, de 21 de junho de 1993, 11.124, de 16 de junho de 2005, 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, 9.514, de 20 de novembro de 1997, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e dos Decretos-Leis nos

9.760, de 5 de setembro de 1946, 271, de 28 de fevereiro de 1967, 1.876, de 15 de julho de 1981, e 2.398, de 21 de dezembro de 1987; prevê medidas voltadas à regularização fundiária de interesse social em imóveis da União; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11481.htm>. Acesso em: 21 abr. 2008.

Page 50: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

49

regime enfitêutico dos Terrenos de Marinha, com a supressão do parágrafo 3º do art. 49 do

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias79.

O último ato atinente a PEC-603/1998 registrado pela Câmara dos Deputados está

datado de 20/12/06 e informa que o parecer da relatora, Deputada Telma de Souza, foi

aprovado com substituto. Pela proposta aprovada, não haveria a extinção do instituto da

enfiteuse, mas sim, a possibilidade deste continuar a ser aplicado aos Terrenos de Marinha e

seus acrescidos, sendo também admitidas outras formas de concessão de direitos sobre os

mesmos, nos termos da lei80.

As mudanças apontadas pela SPU no sentido de que o patrimônio da União deve ser

utilizado com estrita observância de sua função sócio-ambiental são indicativos importantes

quando avaliam-se as mudanças pretendidas na legislação. Se a intenção é de fato dar a estes

bens, notadamente aos Terrenos de Marinha, importância ambiental elevada, as mudanças

propostas devem ser sempre analisadas no sentido de garantir a propriedade da União sobre

tais terrenos como fator facilitador das ações de preservação e/ou recuperação ambiental.

Tecidas estas breves considerações sobre o regime patrimonial e as formas de

utilização dos Terrenos de Marinha, bem como sobre as tendências do regime do Aforamento,

serão discutidos, na seqüência, problemas de ordem prática relacionados a tais bens.

79 BRASIL. Câmara dos Deputados. PEC-603/1998. Revoga o § 3º do art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. (Excluindo a aplicação da enfiteuse/aforamento aos terrenos de marinha situados na faixa de segurança, na orla marítima, alterando a Constituição Federal de 1988). Deputada Laura Carneiro. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/proposicoes>. Acesso em: 21 abr. 2008. 80 BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição nº 603, de 1998. Parecer. Relatora: Deputada Telma de Souza. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/431993.pdf>. Acesso em: 21 de abr. 2008.

Page 51: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

4 DOS PROBLEMAS DE ORDEM PRÁTICA

4.1 INTRODUÇÃO

Tratando-se de um instituto bastante antigo no ordenamento jurídico pátrio, seria

normal crer na existência de certa harmonia no seu entendimento. Entretanto, os Terrenos de

Marinha e seus acrescidos apresentam sérias dificuldades para sua delimitação, tanto de

ordem prática como de ordem jurídica.

Em algumas situações, o texto legal é claro, de fácil entendimento e perfeitamente

inserido dentro do ordenamento jurídico. Entretanto, ao se aplicar a norma ao caso concreto,

surgem dificuldades quase que intransponíveis, quando não totalmente. É o caso típico da

demarcação dos Terrenos de Marinha limítrofes ao mar.

Noutras situações, também a par de um ordenamento aparentemente claro, a aplicação

da norma revela que muitas situações não foram devidamente previstas, tornando a missão,

que se mostrava tranqüila, extremamente espinhosa. É o caso do estabelecimento dos

Terrenos de Marinha ao longo de rios ou lagoas que sofrem a influência de marés.

Tratar-se-á, neste capítulo das dificuldades práticas na demarcação dos Terrenos de

Marinha e seus acrescidos, deixando para o seguinte os problemas de ordem jurídica. Talvez

esta não seja a ordem adequada, mas alguma haveria de ter.

4.2 DEMARCAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA

A demarcação dos Terrenos de Marinha e seus acrescidos é questão de extrema

complexidade e encontra sua principal norma disciplinadora no Decreto-Lei n. 9.760/194681.

Este diploma legal atribuiu ao então Serviço de Patrimônio da União, hoje Secretaria do

Patrimônio da União - SPU, competência para determinar a posição da Linha de Preamar

81 BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946. Dispõe sôbre os bens imóveis da União e dá outras providências.

Page 52: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

51

Média do ano de 1831, condição necessária, e fundamental, para os trabalhos de demarcação

de tais terrenos.

Admite o próprio texto legal, possivelmente antevendo as dificuldades de execução da

tarefa, aproximações razoáveis na fixação da Linha de Preamar Média de 1831, bem como a

participação dos interessados. É o que se entende pelo disposto nos artigos 9º, 10 e 11 do

Decreto-Lei n. 9.760/1946:

Art. 9º - É da competência do Serviço do Patrimônio da União (SPU) a determinação da posição das linhas do preamar médio do ano de 1831 e da média das enchentes ordinárias. Art. 10 - A determinação será feita à vista de documentos e plantas de autenticidade irrecusável, relativos àquele ano, ou quando não obtidos, à época que do mesmo se aproxime. Art. 11 - Para a realização do trabalho, o SPU convidará os interessados certos e incertos, pessoalmente ou por edital, para que no prazo de 60 (sessenta) dias ofereçam a estudo, se assim lhes convier, plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcado82.

Segundo essa norma, a SPU demarcaria a Linha de Preamar Média de 1831 com base

em documentos da época ou de período próximo a ela, de autenticidade irrecusável. Este

cuidado mostra que, até então, os Terrenos de Marinha não se encontravam devidamente

demarcados. Tal trabalho ainda está por ser finalizado, conforme admite a própria Secretaria:

Parte da linha de preamar média do ano de 1831 ainda não se encontra demarcada no litoral brasileiro, resultando dessa circunstância muitas ocorrências de títulos outorgados por terceiros com superposição de áreas, atingindo eventualmente área de domínio da União83.

Assim, a partir de 1946, a SPU deveria ter iniciado os trabalhos objetivando descobrir

e demarcar a posição da Linha de Preamar Média de 1831 – certamente, tarefa nada simples,

pois se tratava do levantamento topográfico de todo o litoral brasileiro, o qual “compreende

uma faixa de 8.698 km de extensão e largura variável, contemplando um conjunto de

ecossistemas contíguos [...]”84.

82 BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946. 83 BRASIL. MPOG. Os Terrenos de Marinha e as atividades imobiliárias da SPU - Informações de interesse do cidadão. Disponível em: <http://www.spu.planejamento.gov.br/conteudo/apresentacao/terrenos.htm>. Acesso em 11 fev. 2008. 84 PROJETO ORLA: fundamentos para a gestão integrada / Ministério do Meio Ambiente, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Brasília: MMA, 2006. p. 24.

Page 53: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

52

Os procedimentos adotados pela SPU estão detalhados em Orientação Normativa

(ON-GEADE n. 002 de 12 de março de 2001) daquela Secretaria. Nela foram estabelecidos os

critérios técnicos para o trabalho, inclusive prevendo a utilização de dados oriundos de fontes

diversas: do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN); da Diretoria de

Hidrografia e Navegação do Comando da Marinha (DHN - que dispõe de um banco de dados

oceanográficos); mapoteca do Itamarati; IBGE; museus; Diretoria do Serviço Geográfico do

Exército (DSG); Ministério da Defesa; empresas de aerolevantamentos; Biblioteca Nacional;

bibliotecas regionais e locais; associações culturais; câmaras de vereadores; prefeituras;

igrejas; cartórios, bem como depoimentos de moradores e/ou pescadores antigos,

perfeitamente identificados, colhidos no local e analisados85.

Para Obéde Lima e Roberval Lima, os critérios utilizados pela SPU na demarcação

dos Terrenos de Marinha estão baseados em conceitos que levam ao estabelecimento de uma

Linha de Preamar Média de 1831 presumida, porque aquele órgão não teria conhecimentos

sobre como localizar nos dias atuais a linha real de 1831. Tal situação, estabelecimento de

linha presumida, feriria frontalmente, segundo os autores, a definição contida na legislação

em vigor86.

Com o propósito de dar celeridade aos trabalhos de demarcação, a Lei 9.636/1998,

previu a possibilidade de formação de convênios e contratos com a participação do

conveniado ou contratado nas receitas decorrentes do cadastramento. Tal possibilidade vem

expressa já no art. 1º da citada Lei que informa que a União, através da SPU, para cumprir sua

função poderá “firmar convênios com os Estados e Municípios em cujos territórios se

localizem e, observados os procedimentos licitatórios previstos em lei, celebrar contratos com

a iniciativa privada.”87

85 BRASIL. MPOG-SPU. ON-GEADE-002 Orientação normativa que disciplina a demarcação de terrenos de marinha e seus acrescidos. 12/03/01. Disponível em: < http://www.spu.planejamento.gov.br/arquivos_down/spu/orientacao_normativa/ON_geade_002.PDF>. Acesso em: 21 abr. 2008. p. 13. 86 LIMA, Obéde Pereira de; LIMA, Roberval Felippe Pereira de. Localização geodésica da linha da preamar média de 1831 - LPM/1831, com vistas à demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos. Disponível em: <http://www.cartografia.org.br/xxi_cbc/024-G05.pdf>. Acesso em: 19 jan. 2008. 2ª p. (obs. O texto não é paginado no original). 87 BRASIL. Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União, altera dispositivos dos Decretos-Leis nos 9.760, de 5 de setembro de 1946, e 2.398, de 21 de dezembro de 1987, regulamenta o § 2o do art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providências. Art. 1o É o Poder Executivo autorizado, por intermédio da Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, a executar ações de

Page 54: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

53

Com o fito de cumprir com sua obrigação, a SPU, entre outras ações, editou uma

cartilha em linguagem apropriada ao grande público sobre o processo de cadastramento,

demarcação e regularização dos Terrenos de Marinha, com o evidente propósito de esclarecer

e, conseqüentemente, reduzir apreensões que a aceleração dos trabalhos poderia trazer aos

possuidores antes tranqüilos, em posse mansa e pacífica88.

O Decreto-Lei n. 9.760/1946, em seu artigo 11, citado alhures, já indicava a

possibilidade de controvérsias envolvendo pessoas que habitavam terrenos passíveis de serem

identificados como de marinha. Esta identificação acabaria por gerar nova situação jurídica

para esses moradores, que até então se consideravam plenos proprietários do imóvel, gerando

demandas judiciais. O capítulo seguinte desta monografia demonstrará que tal possibilidade

realmente se concretizou.

Também orientada no sentido de permitir a correta identificação e demarcação dos

Terrenos de Marinha, a Lei n. 9.636/1998, estabeleceu em seu artigo 2.º e parágrafo único

que:

Art. 2o Concluído, na forma da legislação vigente, o processo de identificação e demarcação das terras de domínio da União, a SPU lavrará, em livro próprio, com força de escritura pública, o termo competente, incorporando a área ao patrimônio da União. Parágrafo único. O termo a que se refere este artigo, mediante certidão de inteiro teor, acompanhado de plantas e outros documentos técnicos que permitam a correta caracterização do imóvel, será registrado no Cartório de Registro de Imóveis competente89.

Cabe, portanto, a SPU “identificar, demarcar, cadastrar, registrar, fiscalizar,

regularizar as ocupações e promover a utilização ordenada dos bens imóveis de domínio da

União.”90. Por fim, concluído o processo de identificação e demarcação dessas terras, a SPU

identificação, demarcação, cadastramento, registro e fiscalização dos bens imóveis da União, bem como a regularização das ocupações nesses imóveis, inclusive de assentamentos informais de baixa renda, podendo, para tanto, firmar convênios com os Estados, Distrito Federal e Municípios em cujos territórios se localizem e, observados os procedimentos licitatórios previstos em lei, celebrar contratos com a iniciativa privada. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9636.htm>. Acesso em: 21 abr. 2008. 88 BRASIL. MPOG-SPU. Cartilha SPU: Tudo o que você precisa saber sobre laudêmio, taxa de ocupação e foro. Disponível em: <http://www.spu.planejamento.gov.br/publicacoes/cartilha_laudemio.htm>. Acesso em: 21 abr. 2008. 89 BRASIL. Lei 9.636 de 15 de maio de 1998 90 BRASIL. Lei 9.636 de 15 de maio de 1998. Art. 1.º.

Page 55: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

54

lavrará em livro próprio, com força de escritura pública, o termo competente, incorporando a

área ao patrimônio da União91.

Somente depois de cumpridas essas determinações é que, em tese, poderia ser

regularizada a situação dos habitantes de tais terrenos. Cumpridas as condições para

regularização, notadamente o pagamente das taxas devidas, o habitante pode permanecer no

local como ocupante ou, então, ser constituída a enfiteuse (ou Aforamento), caso em que

haverá a possibilidade legal da exigência de taxa de ocupação ou foro e laudêmio por parte da

União. Nesse momento a União passa a ser senhorio e o habitante no terreno, foreiro.

4.3 A LINHA DE PREAMAR MÉDIA

Para que uma área seja considerada Terreno de Marinha ou Terreno Acrescido de

Marinha, bem público dominical da União, deve haver, primeiramente, a delimitação da

Linha de Preamar Média de 1831. Em seguida, a demarcação do terreno pela SPU, atendendo

a todas as exigências mencionadas no Decreto-Lei 9.760/1946, após será o imóvel inscrito no

Registro de Imóveis.

Considerando que a raiz de todo o problema de demarcação dos Terrenos de Marinha

reside na delimitação da Linha de Preamar Média de 1831, faz-se necessário, primeiramente,

que se tenha clara ciência do que é, afinal, essa linha. Para sua definição recorre-se a De

Plácido e Silva:

PREAMAR: derivado do castelhano pleamar, contração de plena mar (pleno mar ou mar cheio), entende-se o fim da enchente de maré ou do crescimento do mar, bem assim o tempo de duração da maré cheia. É, portanto, indicativo do auge da maré cheia ou enchente do mar, cujo limite é dito de linha da preamar. Conforme as águas atinjam ponto mais ou menos elevado da praia, cobrindo-a, a preamar diz-se máxima, média ou mínima. A máxima é aquela em que as águas se elevam ou sobem ao ponto mais alto, quando no auge da maré cheia. A preamar máxima, pois, é a que se anota nas grandes e maiores cheias, em que as águas alcançam o ponto de maior elevação. A preamar mínima, ao contrário da máxima, é assinalada pela menor elevação das águas, verificada nas pequenas marés.

91 BRASIL. Lei 9.636 de 15 de maio de 1998. Art. 2.º.

Page 56: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

55

A preamar média indica-se a evidência do ponto médio entre as marés cheias máximas (preamar máxima) e as marés cheias mínimas (preamar mínima)92.

Para que o entendimento seja mais completo, também se faz necessário que o conceito

de marés esteja claro. Argeo Magliocca apresenta o seguinte conceito para maré:

Oscilações verticais periódicas das massas líquidas, existentes na superfície da Terra, e da atmosfera. É resultante das forças de atração da Lua e do Sol (ambos em movimento) sobre a Terra em rotação e translação. O termo maré usa-se para indicar as marés oceânicas; no caso da atmosfera diz-se marés atmosféricas. Costuma-se chamar de maré o conseqüente movimento horizontal da água ao longo da costa, porém, é preferível dizer-se corrente de maré, reservando-se o termo maré para os movimentos verticais.93

Ressalte-se, ainda, que linha de costa não se confunde com Linha de Preamar Média.

Carlos Roberto Soares e Rodolfo José Ângulo esclarecem o que é linha de costa,

diferenciando-a da Linha de Preamar Média, nos seguintes termos:

A linha de costa é o limite entre a costa e o litoral, cuja materialização espacial se dá através da presença de falésias (popularmente barrancos ou combros), no limite entre as dunas vegetadas e a praia, no limite máximo atingido pelas ondas nos costões rochosos, ou em qualquer outra feição geomorfológica que indique o limite máximo atingido pela ação do mar ou outro corpo d’água, que separe a costa do litoral. Essa linha não coincide com a linha de preamar-médio de 183194.

Devidamente conceituada a Linha de Preamar Média, surge a dificuldade, quase que

instransponível, de delimitá-la em relação ao ano de 1831. A delimitação nos dias atuais é

trabalhosa, mas factível, bastando para tanto que se tenham os equipamentos e meios

adequados, notadamente marégrafos. Entretanto, a legislação exige que se delimite aquela que

ocorria em 1831. E é justamente da solução desse complexo desafio que depende a correta

delimitação dos Terrenos de Marinha, ou seja, dos 33 metros contados da posição da linha do

preamar-médio de 1831.

O problema é tão complexo que, mesmo transcorridos mais de 60 anos de vigência do

Decreto-Lei 9.760/1946, a Linha de Preamar Média de 1831 ainda não está claramente

92 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atualizadores: Nagib Slaib Filho e Gláucia Carvalho. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 1072. 93 MAGLIOCCA, Argeo. Glossário de oceanografia. São Paulo: Nova Stella-EDUSP, 1987. p. 190. 94 SOARES, Carlos Roberto e ANGULO, Rodolfo José. Sobre a delimitação da linha de preamar-médio de 1831, que define os terrenos de marinha. Revista do Direito Ambiental, São Paulo, nº. 20, 2002. p. 263.

Page 57: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

56

demarcada em todo o litoral brasileiro. Esta situação, segundo Diógenes Gasparini95, levou o

Judiciário, os particulares e os órgãos públicos, mesmo a SPU, a aceitar critérios outros para

sua determinação, como é o caso da linha do jundu, vegetação existente nas proximidades das

praias, como marco substituto da Linha de Preamar Média de 1831. Sobre o assunto comenta

ainda Gasparini:

O critério, a nosso ver, embora resolva na prática os problemas decorrentes da falta da demarcação oficial da faixa dos trinta e três metros, ressente-se de legalidade. A aceitação, pelo Judiciário e pela SPU, não o torna legal. Por ele, não se atende ao prescrito no art. 2º do Decreto-Lei n. 9.760/46, que exige sejam os trinta e três metros contados da linha da preamar média de 1831, e desconhece-se, por conseguinte, que os requisitos legais para a sua determinação são os registrados no art. 10. Estes são os únicos válidos.96

Acrescente-se, a par da ilegalidade apontada para a utilização de linha do jundu, que

tal expediente conduz a uma demarcação que somente ao acaso pode corresponder ao preceito

legal. Como esclareceram Soares e Ângulo acima, a linha de costa não coincide com a Linha

de Preamar Média. O que a linha de jundu pode identificar é, exatamente, a linha de costa. E

mais, a linha de costa atual, que pode ser, e geralmente é, destoante da linha de costa de 1831.

Portanto, a utilização da linha do jundu implica em: a) ilegalidade, segundo a avaliação

abalizada de Diógenes Gasparini, acima exposta e b) mera estimativa da Linha de Preamar

Média de 1831.

Nos termos do Decreto-Lei n. 9.760/1946, devem ser usadas como base “plantas de

autenticidade irrecusável relativas àquele ano ou, quando não obtidas, à época que do mesmo

se aproxime”97. É evidente a enorme dificuldade de localização de tais plantas, se é que

existam ou existiram, tendo em vista o longo tempo decorrido. A dificuldade em obter-se tais

plantas de autenticidade irrecusável, datadas desse ano, é comentada por Carlos Roberto

Soares e Rodolfo José Angulo:

No caso da Baía de Paranaguá (Estado do Paraná), mapas antigos com datas mais próximas de 1831 podem ser encontrados em Soares & Lana (1994). Entretanto, mesmo que nesses mapas estivesse delimitada a linha de preamar a pequena escala, geralmente em torno de 1:250.000, não permite marcar os 33 metros mencionados no decreto-lei, o que corresponderia na prática, em

95 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. p. 865. 96 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. p. 865. 97 BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946. Art. 10.

Page 58: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

57

termos cartográficos, a aproximadamente 0,13 mm (aproximadamente ¼ da largura de uma linha de lápis fino)98.

Associado a este fator tem-se outro, que é a falta de equipamentos adequados para a

aferição atual da Linha de Preamar Média. Ora, se é difícil estabelecer a linha de preamar

média atual, imagine-se estabelecer aquela de 1831. Sobre tais dificuldades também

comentam Carlos Roberto Soares e Rodolfo José Angulo:

Considerando-se a extensão da costa brasileira e a rede geodésica existente, pode-se afirmar que na maior parte da costa não há possibilidade de delimitar a linha de preamar-média atual. Fora este aspecto, a dinâmica dos ambientes costeiros, especialmente as praias, faz com que a linha de preamar possa mudar, até mesmo diariamente. Cabe ressaltar que a linha de preamar-média geralmente não coincide com nenhuma feição física da costa, que possa ser facilmente identificada, tal como a linha da costa. Para conhecer o nível da preamar-média do ano de 1831 deveria ser encontrado um registro maregráfico desse ano, além da necessidade deste estar referenciado a um marco ou nível de referência. Este registro parece não existir para a costa brasileira. Uma possibilidade, para se obter um dado aproximado seria, da mesma forma que se faz uma previsão astronômica de maré para qualquer local situado na costa, calcular a altura da preamar-médio astronômica de 1831. Porém, permaneceria o problema da localização, pois não há menção no decreto-lei a um local ou a um nível qualquer de referência99.

Percebe-se, pela exposição dos autores que, mesmo utilizando-se de previsão

astronômica, o que se pode obter é um valor aproximado da Linha de Preamar Média de 1831.

Por mais próximo ao real que fosse este valor, ainda assim, restaria o problema de fixá-lo

adequadamente ao terreno em razão da falta de um local ou nível de referência. Resumindo:

obtido o valor para a altura da Linha de Preamar Média de 1831 ainda restaria o grande

problema de espacializar esta linha, de fixá-la no terreno em sua posição correta.

Na busca de auxiliar na resolução de problema de tal magnitude, Obéde Pereira de

Lima e Roberval Felippe Pereira de Lima, utilizando-se de instrumentos da Hidrologia,

Geodésia, Informática, Topografia e Cartografia, realizaram estudos para delimitar a atual

Linha de Preamar Média em dois setores distintos da cidade de São Francisco do Sul/SC.

Após, processaram os dados, efetuando análise harmônica e a retrovisão da Linha de Preamar

Média para o ano de 1831. Para que pudessem fazer esta retrovisão ao ano de 1831, os autores

98 SOARES, Carlos Roberto e ANGULO, Rodolfo José. Sobre a delimitação da linha de preamar-médio de 1831, que define os terrenos de marinha. p. 265. 99 SOARES, Carlos Roberto e ANGULO, Rodolfo José. Sobre a delimitação da linha de preamar-médio de 1831, que define os terrenos de marinha. p. 264.

Page 59: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

58

consideram que o nível médio do mar vem subindo a uma taxa da ordem de 38 cm por século

na área em estudo100.

Dispostos em base cartográfica, os resultados da pesquisa dos autores supra-citados,

mostraram que a Linha de Preamar Média de 1831 “real” está localizada a uma distância

lateral da ordem de cem (100) metros, mar adentro, com relação a Linha de Preamar Media de

1831 presumida pela SPU. Ou seja, pela linha estabelecida pelos autores citados, todos os

Terrenos de Marinha, nos dois locais estudados em São Francisco do Sul, estariam submersos,

não havendo, por óbvio, nenhuma ocupação sobre eles101. Já para a SPU, que posiciona a

linha junto à costa, todos os Terrenos de Marinha, nos mesmos locais, encontram-se em

espaço subaéreo, com ocupações.

Obéde Lima e Roberval Lima ressaltam que:

A exatidão e a precisão na medida da localização geodésica da LPM/1831 e das demais linhas que servem de limites na definição dos elementos da terminologia de praias estão intimamente associadas com o ângulo de declividade da costa, do estirâncio102 e da zona frontal. Desse modo, a altura da preamar média e o ângulo de inclinação do plano onde esta altura toca no continente são os elementos fundamentais para a localização planimétrica da isoípsa103 resultante104.

100 LIMA, Obéde Pereira de e LIMA, Roberval Felippe Pereira de. Localização geodésica da linha da preamar média de 1831 - LPM/1831, com vistas à demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos. Disponível em: <http://www.cartografia.org.br/xxi_cbc/024-G05.pdf>. Acesso em: 19 jan. 2008. 101 LIMA, Obéde Pereira de e LIMA, Roberval Felippe Pereira de. Localização geodésica da linha da preamar média de 1831 - LPM/1831, com vistas à demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos. pp. 8-10. (não numeradas no original). 102 Estirâncio ou estrão: Faixa do litoral entre a mais alta e a mais baixa maré, sendo, por conseguinte, a zona

lavada do litoral. Cf. GUERRA, Antônio Teixeira e GUERRA, Antonio José Teixeira. Novo dicionário geológico-geomorfológico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 249. Definição não constante no texto original. 103 Isoípsa: Linha que liga os pontos de igual altitude, situados acima do nível do mar. O mesmo que curva de

nível. Cf. GUERRA, Antônio Teixeira e GUERRA, Antonio José Teixeira. Novo dicionário geológico-geomorfológico. p. 358. Definição não constante no texto original. 104 LIMA, Obéde Pereira de e LIMA, Roberval Felippe Pereira de. Localização geodésica da linha da preamar média de 1831 - LPM/1831, com vistas à demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos. p. 6 (não numeradas no original).

Page 60: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

59

Vale recordar aqui que Carlos Soares e Rodolfo Angulo salientaram o fato de que a

costa brasileira é extremamente dinâmica, especialmente as praias, o que faz com que a linha

de preamar possa mudar, até mesmo diariamente105.

Um exemplo bastante significativo desta dinâmica da costa brasileira está presente no

Estudo de Impacto Ambiental realizado pela Ambiens Consultoria e Projetos Ambientais por

solicitação do Município de Itapema/SC com vistas à implantação da Avenida Beira Mar na

praia de Meia Praia106.

Tal estudo identifica a praia de Meia Praia como disposta em uma baía bem protegida

com relação ao regime sul-brasileiro de ondas oceânicas. Esta proteção deriva de sua

orientação e da dimensão de seus costões rochosos. A combinação destes fatores determina

que as ondas que tem maior acesso à baía são aquelas provenientes de nordeste, com

características de alturas pequenas e baixos períodos. As ondas de maior energia da costa

catarinense, oriundas de sul-sudeste, são quase que totalmente bloqueadas pela configuração

geográfica local.107

Mesmo com toda esta proteção que a praia de Meia Praia possui ela é extremamente

dinâmica. A Figura 1, mostrada adiante, registra dois perfis topográficos com diferenças

marcantes entre eles, levantados no mesmo local, na porção central da praia. O primeiro

efetuado na data de 4/8/2006 e o segundo, em 29/8/2006.

No curto intervalo de tempo de 25 dias identificou-se o acréscimo de 1,98 m3/m de

sedimentos na parte subaérea do perfil, enquanto que na parte submersa foi identificada uma

acresção natural de 9,58 m3/m. Este volume expressivo de material, acumulado naturalmente

ao local, promoveu uma incrível mudança na linha de praia de 8,28m (oito metros e vinte e

oito centímetros) positivos. Isto é, a linha da praia avançou 8,28 metros em direção ao mar em

apenas 25 dias. A declividade da face praial que era de 2°07’ (dois graus e sete minutos), em

4/8/2006, reduziu-se para 2° (dois graus) em 29/8/2006108.

105 SOARES, Carlos Roberto e ANGULO, Rodolfo José. Sobre a delimitação da linha de preamar-médio de 1831, que define os terrenos de marinha. p. 264. 106 AMBIENS CONSULTORIA E PROJETOS AMBIENTAIS (Itapema). Estudo de Impacto Ambiental - EIA Implantação da Avenida Beira-Mar: Município de Itapema/SC. Florianópolis, 2006. pp. 318. 107 A AMBIENS CONSULTORIA E PROJETOS AMBIENTAIS (Itapema). Estudo de Impacto Ambiental - EIA Implantação da Avenida Beira-Mar. pp. 170-177. 108 AMBIENS CONSULTORIA E PROJETOS AMBIENTAIS (Itapema). Estudo de Impacto Ambiental - EIA Implantação da Avenida Beira-Mar. pp. 90-94.

Page 61: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

60

Figura 1. Perfis em datas diferentes da porção central da praia de Meia Praia (Itapema/SC) mostrando variação de volume de sedimentos, aumento tanto na porção subaérea, como na porção submersa, e avanço em direção ao mar da linha de costa (fora de escala). Fonte: AMBIENS CONSULTORIA E PROJETOS AMBIENTAIS (Itapema). Estudo de Impacto Ambiental - EIA Implantação da Avenida Beira-Mar: Município de Itapema. Florianópolis, 2006. p. 92.

Evidentemente que alterações tão significativas na face praial fatalmente conduzirão a

alterações na Linha de Preamar Média, pela razão simples de que a configuração da face

praial condiciona o alcance da maré cheia. Se o perfil é menos inclinado, a preamar avança

mais em direção ao continente. Se a linha de praia avança em direção ao mar, a Linha de

Preamar Média tende a recuar em relação ao continente.

Tal grau de variabilidade depõe contra o esforço elaborado por Obéde Lima e

Roberval Lima para a definição da Linha de Preamar Média de 1831. Verifica-se que, por

melhor que tenha sido o programa computacional utilizado, o grande potencial de variação

dos ângulos de declividade da costa, do estirâncio e da zona frontal, dificilmente é avaliado

adequadamente. Ademais, o resultado alcançado por estes autores para retrovisão a 1831 está

Page 62: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

61

fundado na premissa de que houve uma variação positiva do nível do mar da ordem de 38 cm

por século, algo ainda a ser cabalmente demonstrado. Desta maneira, a localização da Linha

de Preamar Média de 1831 obtida pelos autores ainda não pode ser afirmada como real.

4.4 A DELIMITAÇÃO DE TERRENOS DE MARINHA EM RIOS E LAGOAS

Durante a pesquisa bibliográfica para elaboração da presente monografia não

encontrou-se nenhuma obra, artigo ou jurisprudência que tratasse das dificuldades práticas

para a delimitação dos Terrenos de Marinha e seus acrescidos em rios e lagoas que sofram

influência de mares. As poucas considerações a respeito deste tema, notadamente

jurisprudências e artigos publicados em revistas e na internet, somente tecem considerações a

respeito da existência legal dos mesmos, a ser discutida no capítulo seguinte.

Evidentemente que todas as dificuldades apresentadas para a delimitação da Linha de

Preamar Média de 1831 ao longo da costa alcançam a delimitação dos Terrenos de Marinha

ao longo dos rios e lagoas. Entretanto, existem algumas peculariedades que são próprias

destes ambientes, e que serão aqui desenvolvidas, sem a menor pretensão de esgotá-las.

4.4.1 Delimitação em lagoas

A primeira questão que merece ser colocada é que a utilização do termo lagoa no

Decreto-Lei n. 9.760/1946, fez-se de maneira equivocada. O que pretendia o legislador era

referir-se a lagunas, já que estas, e não aquelas, sofrem com a influência das marés. A razão

para tal equívoco é que a confusão na utilização dos termos lagoas e lagunas é extremamente

comum no Brasil, a tal ponto que as lagunas mais conhecidas no País recebem o nome de

lagoa, citando-se como exemplos: Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul; Lagoa Rodrigo de

Freitas e Lagoa de Araruama, no Rio de Janeiro e Lagoa do Imaruí e Lagoa da Conceição em

Santa Catarina. Para ajudar a esclarecer a questão vejamos como alguns autores conceituam

lagunas e, a seguir, conceitos para lagoas e lagos:

Laguna: Águas rasas, relativamente quietas, separadas do mar por uma barreira (restinga, etc.). Recebe, ao mesmo tempo, as águas doces e sedimentos dos rios e águas salgadas do mar, quando das ingressões de marés. Pode haver também solução de continuidade na barreira que a separa

Page 63: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

62

do mar109. Laguna: são corpos de água rasa e salobra ou salgada, separadas do mar aberto por bancos arenosos ou ilhas-barreiras, porém mantendo comunicação através de barras (canais de comunicação)110. Laguna: Depressão contendo água salobra ou salgada, localizada na borda litorânea. A separação das águas da laguna das do mar pode-se fazer por um obstáculo mais ou menos efetivo, mas não é rara a existência de canais, pondo em comunicação as duas águas. Na maioria das vezes, usa-se o termo lagoa (vide) ao invés de laguna111. Lagoa: Depressão de formas variadas – principalmente tendendo a circulares – de profundidades pequenas e cheia de água doce ou salgada. As lagoas podem ser definidas como lagos de pequena extensão e profundidade112. Lago: são corpos de água parada constituídos em geral de água doce, embora existam lagos de água salgada, como acontece nas regiões de baixa pluviosidade. Embora a distinção não seja muito clara, o termo “lagoa” tem sido mais comumente utilizado no Brasil para designar corpos de água parada de dimensões menores que os lagos113.

O elemento comum nas definições de laguna é a interação entre as águas destas com a

água do mar. Há uma comunicação entre laguna e mar. Já com relação aos lagos (e lagoas),

não há esta interação. Não há a comunicação. Eis, pois, a diferença fundamental entre eles.

As lagunas caracterizam ambientes de sedimentação de transição entre o ambiente

continental e o ambiente marinho114. Por esta razão apresentam dinâmicas evolutivas bastante

distintas e dependentes das bacias hidrográficas que atuam sobre elas. Lagunas como a da

Conceição, na Ilha de Santa Catarina, por não ser receptáculo de nenhuma bacia hidrográfica

importante, tendem a ser mais estáveis e, portanto, seus contornos não apresentariam

diferenças significativas em relação àqueles de 1831. A determinação dos Terrenos de

Marinha e seus acrescidos, neste caso, abstraindo questões de ordem jurídica, ficaria adstrito à

problemática da definição da Linha de Preamar Média de 1831.

109 LEIZ, Viktor e LEONARDOS, Othon Henry. Glossário geológico. 3. ed. São Paulo: Nacional, 1982, p. 114. 110 SUGUIO, Kenitiro. Rochas sedimentares: propriedades, gênese, importância econômica. São Paulo: Edgard Blücher, 1980. p. 359. 111 GUERRA, Antônio Teixeira e GUERRA, Antonio José Teixeira. Novo dicionário geológico-geomorfológico. p. 381. 112 GUERRA, Antônio Teixeira e GUERRA, Antonio José Teixeira. Novo dicionário geológico-geomorfológico. p. 373. 113 SUGUIO, Kenitiro. Rochas sedimentares: propriedades, gênese, importância econômica. p. 344. 114 MENDES, Josué Camargo. Elementos de estratigrafia. São Paulo: T.A.Queiroz – EDUSP, 1984. pp.138 e 243-256; SUGUIO, Kenitiro. Rochas sedimentares: propriedades, gênese, importância econômica. pp. 307 e 359-362.

Page 64: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

63

De outro lado, existem lagunas que recebem grande influência de bacias hidrográficas,

como é o caso da Lagoa (laguna) dos Patos, no Rio Grande do Sul. Na porção noroeste desta

laguna ocorre o estuário do Guaíba, onde deságuam os rios Jacuí, Gravataí, Caí e dos Sinos.

Outro importante rio que chega à laguna é o Camaquã, além de rios menores115.

Este afluxo elevado de drenagens traz uma elevada carga de sedimentos e como as

lagunas, por definição, são ambientes rasos, tal carga, promove alterações aceleradas nas suas

margens, notadamente nas áreas de deságüe. Nestes casos, a par da dificuldade do

estabelecimento da Linha de Preamar Média de 1831, há, ainda, a dificuldade de

determinação da configuração original da laguna no ano de 1831.

4.4.2 Delimitação em rios

Com relação à ocorrência de Terrenos de Marinha ao longo dos rios que sofrem

influência das marés, a situação assemelha-se àquela descrita para as lagunas. Ou seja:

existem rios que, em virtude do substrato geológico, estão encaixados em leitos que raramente

sofrem variações. Nestes casos a grande dificuldade prática reside unicamente no

estabelecimento da Linha de Preamar Média de 1831.

Porém, assim como para as lagunas, existem aqueles rios, que devido a características

próprias, notadamente do substrato geológico, apresentam grandes variações nas disposições

de seus leitos.

O Rio Perequê, na divisa entre os municípios de Itapema e Porto Belo, Estado de

Santa Catarina, é caso exemplar. Apesar de sua pequena extensão, não superior a 15 km, tem

sua porção final, a que sofre influência das marés, em uma planície de sedimentação que lhe

empresta características meandrantes. Ter características meandrantes, ou seja, com alta

sinuosidade, significa uma taxa de migração lateral relativamente elevada116.

Esta alta taxa de migração lateral fica bastante evidenciada quando se observa a carta-

imagem do Rio Perequê mostrada na Figura 2, elaborada a partir da Carta Náutica da Enseada

de Porto Belo de 1945, na escala 1:27.000, sobre a qual foi disposta a configuração do Rio

Perequê constante na Folha Camboriú do IBGE, na escala 1:50.000, do ano de 1986. A

115 MENDES, Josué Camargo. Elementos de estratigrafia. p. 248. 116 MENDES, Josué Camargo. Elementos de estratigrafia. p. 141.

Page 65: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

64

imagem é bastante clara ao mostrar que a posição do rio em 1986 (delimitado em azul e

acompanhado de linhas diagonais em vermelho), é bastante diferente da posição do rio em

1945 (azul acinzentado), notadamente em relação à sua foz. A desembocadura do Rio

Perequê, em 1945, encontrava-se a cerca de 700 metros em direção sudeste com relação a sua

posição em 1986 (posição atual).

Na carta-imagem da Figura 2, o Rio Perequê atual (1986) está marcado com linhas

diagonais em vermelho, que delimitam uma faixa de 33 metros ao longo de suas margens.

Para uma representação mais próxima àquela prescrita pela legislação (Decreto-Lei nº

9.760/1946) o Rio Perequê da Carta Náutica (azul acinzentado) é que deveria estar

acompanhado por uma faixa de 33 metros, como representação dos Terrenos de Marinha,

visto que esta Carta representa uma realidade mais próxima ao ano de 1831.

Figura 2. Carta-imagem do Rio Perequê, divisa Itapema-Porto Belo(SC), elaborada a partir da Carta Náutica da Enseada de Porto Belo, de 1945, escala 1:27.000, sobre a qual foi adicionada a configuração do Rio Perequê (ressaltado com linhas diagonais em vermelho) constante da Folha Camboriú do IBGE, de 1986, escala 1:50.000.

Page 66: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

65

Por expressa disposição legal, já comentada, a Linha de Preamar Média a ser utilizada

para a demarcação dos Terrenos de Marinha é aquela de 1831. Mudando o rio o seu curso, a

delimitação destes terrenos deverá considerar a posição deste rio naquele ano.

Retornando a atenção para a carta-imagem da Figura 2 percebe-se que, ao mudar o rio

o seu curso, surgem questões práticas imprevistas na legislação, qual seja, a de existir

Terrenos de Marinha dissociados do rio que lhe serve de parâmetro para o estabelecimento.

Na prática, configuram-se duas situações estranhas: a) a existência de Terrenos de Marinha

dissociados, afastados, do rio que os estabelece (ou estabeleceu); b) a existência de rio que

sofre influência de marés sem que haja Terrenos de Marinha em suas margens.

As duas situações retratadas destoam completamente dos objetivos que criaram o

instituto Terrenos de Marinha: a garantia de um espaço para defesa ao longo da costa e dos

rios e lagoas (lagunas), bem como de um espaço para serviços de embarque e desembarque de

coisas públicas ou particulares.

A perda de sua função primeira faz com que muitos propaguem a idéia da extinção dos

Terrenos de Marinha. Entretanto, este instituto pode cumprir um papel muito mais importante

na atualidade, qual seja, e de servir como área de preservação ambiental em uma região do

País (o litoral) objeto de intensa especulação imobiliária.

Especificamente com respeito aos Terrenos de Marinha ao longo dos rios que sofram

influência de marés, sua extinção não traria maiores conseqüências com relação a preservação

ambiental, já que margens de rios são consideradas Áreas de Preservação Permanente em uma

faixa mínima de 30 metros, segundo disposto no artigo 2º, alínea a, da Lei nº. 4.771/65117.

Verificados alguns dos problemas de ordem prática para a delimitação dos Terrenos de

Marinha e seus acrescidos, tanto ao longo da consta, como junto às lagunas (lagoas) e rios que

sofrem influência das marés, analisar-se-ão, a seguir, alguns problemas de ordem jurídica que

cercam estes institutos.

117 BRASIL. Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L4771.htm>. Acesso em: 20 abr. 2008.

Page 67: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

5 DOS PROBLEMAS DE ORDEM JURÍDICA

5.1 INTRODUÇÃO

No transcurso deste trabalho restou claro que, a par de disposições legais de fácil

entendimento e perfeitamente inseridas no ordenamento jurídico pátrio, há dispositivos

relacionados aos Terrenos de Marinha e seus acrescidos que conduzem a um emaranhado de

dificuldades de ordem prática.

Tal situação não difere, em essência, quando se observa, em uma rápida pesquisa nos

sítios da internet dos Tribunais de Justiça Federais o número, e o cerne, das demandas

judiciais que têm como objeto principal estes terrenos. Ou seja, mesmo que o dispositivo seja

claro e objetivo, pode conduzir a demandas judiciais.

Comentou-se, também, que os processos judiciais que versam sobre Terrenos de

Marinha e seus acrescidos discutem, basicamente, três assuntos: a) cobrança de foro anual e

da taxa de ocupação a serem pagos pelos detentores do domínio útil destas áreas (foreiros ou

ocupantes); b) inocorrência de Terrenos de Marinha e/ou inconformidades na sua delimitação;

e c) demandas ambientais decorrentes da utilização destas áreas sem o devido licenciamento

ambiental.

As demandas relacionadas estritamente aos itens a) e c) supra mencionados, em regra,

não contestam a existência dos Terrenos de Marinha, aceitando-os. Por tal razão, não serão

tratados neste trabalho. Os problemas debatidos em juízo, foco deste trabalho, são aqueles

que, em essência, questionam a existência de tais terrenos em determinada localização e, em

existindo, se a sua delimitação atendeu às prescrições legais.

5.2 DEMARCAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA

Sendo um problema de ordem eminentemente fática, natural seria que a delimitação

dos Terrenos de Marinha suscitasse questionamentos ao Judiciário. Entretanto, o que se

observa é que os questionamentos são mais decorrentes do procedimento legal adotado para a

Page 68: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

67

demarcação de que, propriamente, a demarcação em sí. Por outro lado, ao ser argüida a forma

pela qual se deu a demarcação, pode-se estar apenas querendo ganhar tempo para o posterior

questionamento da demarcação propriamente dita.

Neste sentido, de questionar procedimentos adotados durante o processo de

demarcação, um item importante é o referente à falta de citação adequada aos interessados

diretos para que, querendo, se manifestem no processo administrativo de demarcação.

O art. 11 do Decreto-Lei n. 9.760/1946 determina que devam ser convidados os

interessados “certos e incertos, pessoalmente ou por edital”, para que apresentem

documentação concernente a seu direito sobre o imóvel, isso em obediência aos princípios do

contraditório e da ampla defesa. Diz o citado artigo:

Art. 11 - Para a realização do trabalho, o SPU convidará os interessados certos e incertos, pessoalmente ou por edital, para que no prazo de 60 (sessenta) dias ofereçam a estudo, se assim lhes convier, plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcado.

Os interessados diretos teriam, portanto, oportunidade de tomar conhecimento do

procedimento administrativo em andamento e poderiam, a fim de resguardar direitos que

julgassem ter, apresentar plantas, documentos e esclarecimentos adequados e necessários ao

bom andamento do procedimento.

Observa-se, entretanto, que muitos interessados diretos somente tomam ciência da

demarcação efetuada após a sua conclusão. Em alguns casos, quando acionados para

pagamentos de foros ou taxas de ocupação atrasados. A razão para tal é que, geralmente, a

SPU tem promovido a convocação por edital, tanto para os interessados diretos, como

indiretos.

Pessoas nesta situação, interessados diretos convocados por edital, recorrem ao

Judiciário para que seja revisto o procedimento demarcatório. O Superior Tribunal de Justiça

já se posicionou, entendendo que de fato, a convocação pessoal dos interessados diretos é

necessária. Veja-se a ementa da seguinte decisão que envolve a demarcação dos Terrenos de

Marinha no Município de Joinville, Estado de Santa Catarina.

RECURSO ESPECIAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 458 E 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. TERRENO DE MARINHA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE FIXAÇÃO DA LINHA DE

Page 69: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

68

PREAMAR DE 1831. CONVOCAÇÃO DOS INTERESSADOS MEDIANTE EDITAL. ART. 11 DO DECRETO-LEI N. 9.760/46. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO NO QUE TOCA À QUALIFICAÇÃO DO IMÓVEL COMO TERRENO DE MARINHA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 07/STJ. A função teleológica da decisão judicial é a de compor, precipuamente, litígios. Não é peça acadêmica ou doutrinária, tampouco destina-se a responder a argumentos, à guisa de quesitos, como se laudo pericial fora. Contenta-se o sistema com a solução da controvérsia observada a res in iudicium deducta. A interpretação do artigo 11 do Decreto-lei n. 9.760/46, em consonância com os princípios do contraditório e ampla defesa, leva à conclusão de que o legislador determinou que, quando certos os interessados no procedimento demarcatório de terras de marinha, na delimitação da Linha Preamar Média de 1831, sua convocação ´deverá ser pessoal, ao contrário do que ocorre quanto aos interessados incertos, convocados por edital. Como bem ponderou o r. Juízo de primeiro grau, “não se pode permitir que através de edital sejam convocados quaisquer interessados para a determinação da posição das linhas de preamar médio, pois é consabido que após a demarcação, a propriedade passa ao domínio público e os antigos proprietários passam à condição de ocupantes irregulares, sendo instados a regularizar sua situação e a pagar o foro pela utilização do bem.” In casu, a Administração, ao convocar por edital a recorrente, proprietária com título registrado no Cartório de Imóveis, sem ao menos incluir seu nome no instrumento convocatório, não lhe concedeu oportunidade de defesa e sequer lhe deu ciência do procedimento administrativo que culminou na perda de sua propriedade. Nulidade do procedimento administrativo, por não ter sido a exigência legal de convocação pessoal da recorrente, interessada certa na demarcação, para que, em conformidade com o disposto no Decreto-lei n. 9.760/46, pudesse oferecer esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcado, ou quaisquer impugnações à demarcação. Ausência de prequestionamento da questão relativa à qualificação do imóvel da recorrente como terreno de marinha (Súmulas ns. 282 e 357/STF). Ainda que assim não fosse, referida questão escapa do âmbito de cognição do recurso especial, pois envolve reexame de matéria fático-probatória, o que encontra óbice no enunciado da Súmula n. 07 deste Sodalício. Recurso especial provido118.

Percebe-se, da ementa apresentada, duas situações distintas: a primeira é a do

inconformismo com a identificação de uma propriedade que se julgava particular como sendo

bem da União. O STJ não entrou no mérito desta questão, qual seja: a da qualificação do

imóvel, por não ter sido previamente questionada e por demandar reexame de matéria fático-

probatória, que não cabe em recurso especial. A segunda é a busca de uma tutela jurídica,

amparada na garantia constitucional do devido processo legal, não observada, no caso, pela

118 BRASIL, STJ, Recurso Especial 545.524 – SC (2003/0092927-3), 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, j. 23.09.2003, DJU 13.10.2003.

Page 70: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

69

falta de convocação pessoal. Esta tutela é, exatamente, a que permite ganhar-se o tempo e os

meios adequados para, em um novo procedimento administrativo demarcatório, intentar

assegurar aquilo que de fato se julga justo, qual seja, de que a área objeto da demanda não

compõe o patrimônio dominical da União, não é Terreno de Marinha.

O questionamento sobre o fato de uma determinada área ser ou não Terreno de

Marinha depende da disposição geográfica desta área. Quando localizada na faixa litorânea,

questiona-se, unicamente, se a Linha de Preamar Média de 1831 encontra-se corretamente

e/ou se foi corretamente demarcada, uma vez que é inegável a existência de tais terrenos no

ambiente litorâneo, aquele entendido como de frente ou próximo ao mar. Já se a área em

questão está disposta junto a um Rio Estadual, que sofra influência da maré, o questionamento

envolve a própria existência dos Terrenos de Marinha. Tratar-se-á desta questão na seqüência.

5.3 EXISTÊNCIA DE TERRENOS DE MARINHA AO LONGO DE RIO ESTADUAL

Rio Estadual é entendido como aquele que tem todo o seu curso em território de um só

Estado, desde sua nascente até a foz. Esta é a interpretação que se obtém da análise dos

artigos 20, III e 26, I da CRFB/1988, a seguir transcritos:

Art. 20. São bens da União: III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; [...] Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados: I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;119

Assim, verifica-se que um rio será de domínio de um Estado por exclusão, se não

atender umas das seguintes situações: a) estar em domínio da União; b) banhar mais de um

Estado; c) servir de limites com outros países; d) estender-se a território estrangeiro; e) provir

de território estrangeiro. Atendendo uma dessas determinações o rio será Federal120.

119 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 120 VALENTE, Manoel Adam Lacayo. O domínio público dos terrenos fluviais na Constituição Federal de 1988. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 37 n. 147, jul./set. 2000. p.242.

Page 71: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

70

A matéria foi objeto de um parecer datado de 25/8/1982, assinado por Paulo César

Cataldo, então Consultor-Geral da República. A conclusão do parecer foi a seguinte:

Em conclusão, desde que não estejam situados totalmente em terrenos do domínio da União, não banhem mais de um Estado nem constituam limite com outros países, os rios que tenham nascente e foz localizadas nos limites geográficos do mesmo Estado ou Território incluem-se entre os bens dessas unidades federadas, ainda que deságüem no oceano121.

Analisando a existência, ou não, de Terrenos de Marinha ao longo das margens de um

Rio Estadual, Manoel Valente assim se manifesta:

Por último, cabe arrematar que os terrenos de marinha, independentemente de sua localização geográfica no território nacional, pertencem, na sua totalidade, à União. Dessa forma, a propriedade dessas áreas, em rios estaduais, inscreve-se no patrimônio federal122.

A Justiça Federal, de outro lado, entendendo que a Constituição de 1946, bem como as

subseqüentes, não recepcionaram a conceituação de Terrenos de Marinha do Decreto-Lei

9.760/1946 no que toca àqueles situados nas margens dos rios e lagoas até onde se faça sentir

a influência das marés, tem decidido no sentido de que não existem Terrenos de Marinha e

Terrenos Acrescidos de Marinha ao longo de Rio Estadual. Veja-se a decisão em apelação

cível, por unanimidade, da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Porto

Alegre, Estado do Rio Grande do Sul:

ADMINISTRATIVO. TAXA DE OCUPAÇÃO. TERRENO E ACRESCIDOS DE MARINHA. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. PRECEDENTES DA CORTE. 1. Possuindo o Rio Tramandaí nascente e foz no Estado do Rio Grande do Sul, não fazendo limite com outro Estado e nem se estendendo até outro território, pertence ele ao Estado, por força da Constituição Federal. 2. A definição do domínio dos Estados não está condicionada a considerações outras que não aquelas expressamente previstas, não sendo possível alterá-lo por fatores desvinculados da previsão legislativa, como o de que os rios que tenham nascente e foz dentro de um determinado Estado sejam atribuídos ao domínio da União, pelo simples fato de desaguar no oceano. 3. Foz de um rio que deságua no mar nada mais é do que foz do próprio rio,

121 PARECER Nº P-23. Dúvida sobre a inclusão, entre os bens dos Estados e dos Territórios, dos rios que não ultrapassam os respectivos limites geográficos, desaguando no oceano. Paulo César Cataldo. DOU, 23 set. 1982. pp. 17927-17933. 122 VALENTE, Manoel Adam Lacayo. O domínio público dos terrenos fluviais na Constituição Federal de 1988. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 37 n. 147, jul./set. 2000. p. 245

Page 72: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

71

e não do oceano. 4. A Constituição de 1946, bem como as subseqüentes, não recepcionaram a impropriedade do decreto-lei 9.760/46, no que conceituou como terreno de marinha aqueles situados nas margens dos rios e lagoas até onde se faça sentir a influência das marés, resultando certo que nenhum texto constitucional tratou de estabelecer tal fenômeno determinante do domínio. 5. Se houve acréscimos às margens do Rio Tramandaí, sendo ele um rio estadual, passam eles também ao seu domínio, e a União não pode considerar-se dona das margens que não lhe pertencem, pelo simples fato de haver assentado a barra do rio. 6. O domínio dos Estados constitui conquista destes frente à descentralização do poder após a República, o que foi primeiramente previsto por exclusão e, depois, de forma expressa. 7. O que a Constituição fixa em dispositivo auto-aplicável, sem ressalvas nem remessa à lei regulamentadora, não pode ser ampliado nem restringido, muito menos por um decreto-lei. 8. Entendimento embasado em Parecer do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, aprovado pelo Consultor-Geral da República, após manifestação do Secretário do Meio Ambiente, do Diretor-Geral do Serviço do Patrimônio da União, da Consultoria do Ministério do Interior e do Procurador do Ministério da Fazenda, que afastam a tese consubstanciada na sentença. 9. Mantida a sentença de procedência da ação que declarou a nulidade dos atos administrativos que impliquem inscrição, lançamento e cobrança, relativos à taxa de ocupação sobre o imóvel descrito na inicial. 10. Precedentes da Corte. 11. Remessa Oficial e apelação improvidos123.

A União opôs embargos de declaração, que foram rejeitados. Interpôs, também,

recurso especial junto ao Superior Tribunal de Justiça e a este foi negado seguimento, com a

fundamentação de que: “Não se conhece de recurso especial quando a decisão atacada

baseou-se, como fundamento central, em matéria de cunho eminentemente constitucional”124.

A decisão é bastante clara no sentido de que as margens dos rios estaduais pertencem

ao Estado em que se encontra o rio, não sendo possível, portanto, a existência de bens da

União nestas mesmas margens. Veja-se que consta do acórdão supracitado a informação “10.

Precedentes da Corte” a indicar que não se trata de decisão única.

123 BRASIL, TRF4, Apelação Cível nº 2004.71.00.035996-6/RS, 3ª Turma, Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, j. 26.06.2006, DJU 06.09.2006. 124 BRASIL, STJ, Recurso Especial 963.910 – RS (2007/0148241-9), Rel. Min. José Delgado, decisão 16.08.2007, DJU 31.08.2007.

Page 73: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

72

A Secretaria do Patrimônio da União parece ter entendimento no mesmo sentido,

quando informa que são imóveis da União: “Terrenos de marinha e seus acrescidos; os

terrenos às margens de rios federais; ilhas etc”125.

Considerando-se as dificuldades de ordem prática para a delimitação dos Terrenos de

Marinha e dos Terrenos Acrescidos Marinha ao longo dos rios, como demonstrado alhures, e

o entendimento da Justiça Federal da não existência deste terrenos ao longo de Rio Estadual,

o melhor caminho a seguir seria o de adequar a legislação para retirar a expressão “e nas

margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés” constante no artigo

2º, a) do Decreto Lei 9.760/1946126, promovendo-se as adequações necessárias.

Tal supressão não traria maiores prejuízos à causa ambiental que se pretende para os

Terrenos de Marinha e seus acrescidos, vez que as margens dos rios continuariam a contar

com a proteção que lhes empresta o Código Florestal127. Por outro lado, tiraria da SPU a

inglória tarefa de tentar delimitar tais terrenos, seguindo todos os procedimentos e cuidados

necessários para, após, ver seu trabalho desconsiderado por uma decisão judicial.

As duas jurisprudências apresentadas são claras o suficiente para demonstrar as

dificuldades jurídicas que cercam a delimitação dos Terrenos de Marinha e seus acrescidos ou

a existência de tais terrenos em determinada localização, conforme proposta deste trabalho.

Certamente que existem outras demandas judiciais que envolvem tais institutos, mas que

fugiam ao escopo da presente monografia, razão pela qual não foram pesquisadas e passa-se,

a seguir, para as considerações finais do trabalho.

125 BRASIL. MPOG-SPU. Cartilha SPU: Tudo o que você precisa saber sobre laudêmio, taxa de ocupação e foro. p. 6. 126 BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946. Dispõe sôbre os bens imóveis da União e dá outras providências. Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés. 127 BRASIL. Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal. Art. 2º Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: a) ao longo dos rios ou qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: 1) de 30 (trinta) metros [...].

Page 74: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os Terrenos de Marinha e seus acrescidos são bens da União que estão listados no

artigo 20, inciso VII, da CRFB/1988. Correspondem a uma faixa com 33 metros de largura,

medidos horizontalmente, em direção a terra, contados da linha de preamar média de 1831.

Encontram-se localizados em áreas, normalmente, limítrofes com as praias brasileiras, o que

os tornam valiosos para a indústria imobiliária, assim como para a União, que os tem como

fonte de recursos, através de foros, taxas de ocupação e laudêmios.

O primeiro documento conhecido que faz menção a estes terrenos remonta à época do

Brasil colônia. É a Carta Régia, de 21/10/1710, de lavra de D. João V. Já a primeira lei que

tratou expressamente sobre Terrenos de Marinha foi a Lei Orçamentária de 15 de novembro

de 1831. A partir desta lei, o que era para ser um instrumento que garantisse um espaço livre

para a defesa e para serviços públicos e particulares, tais como o embarque e desembarque de

pessoas e mercadorias, passou a adquirir importância como fonte de renda, desvirtuando sua

origem primária e destoando da sua condição atual de bem com expressão constitucional.

Atualmente, os Terrenos de Marinha e seus acrescidos são regidos, basicamente, pela

CRFB/1988, pelo Decreto-Lei n. 9.760/1946, pela Lei n. 9.636/1988 e o pelo Decreto n.

3.725/2001.

O regime patrimonial a que estão sujeitos tais terrenos é, em regra, o de bens

dominicais da União. Podem, ainda, constituírem-se em bens de uso comum do povo, na

porção que apresentam praias, ou bens de uso especial, quando ocupados por alguma

edificação pública. Mesmo quando bens dominicais, os Terrenos de Marinha e seus

acrescidos, se situados na faixa de segurança, não são suscetíveis de alienação total, por

expressa disposição constitucional, aplicando-se aos mesmos o instituto da enfiteuse (ADCT,

art. 49, § 3º).

A utilização de Terrenos de Marinha e seus acrescidos por particulares faz-se por ato

administrativo, sob o regime da enfiteuse ou Aforamento, pelo qual fica a União com o

domínio direto e transfere ao enfiteuta o domínio útil mediante pagamento de foro

correspondente a 0,6% (seis décimos por cento) do valor do respectivo domínio pleno,

Page 75: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

74

anualmente atualizado. Caso o foreiro pretenda a alienação de seu domínio, incidirá o

laudêmio, correspondente a 5% do valor do terreno e benfeitorias existentes.

Os ocupantes de Terrenos de Marinha que não estão devidamente regularizados como

foreiros, sujeitam-se ao pagamento de taxa anual de ocupação equivalente a 2%, para as

ocupações já inscritas e para aquelas cuja inscrição tenha sido requerida até 30/9/1988, ou

5%, para as ocupações requeridas ou promovidas a partir de 1º/10/1988, com base no valor de

avaliação atualizada do imóvel e das benfeitorias existentes.

O foro e o laudêmio são créditos fiscais cujo não pagamento pode gerar ação executiva

por parte da União (execução fiscal), e que, embora tributos, são de natureza distinta dos

impostos, com os quais não se confundem. Desta maneira, os Terrenos de Marinha e seus

acrescidos estão sujeitos, ainda, ao imposto predial e territorial urbano – IPTU ou ao imposto

territorial rural – ITR, a depender de sua localização.

O instituto da enfiteuse no direito civil está fadado ao desaparecimento. Tanto a

CRFB/1988 como o CC/2002 encaminham para esta extinção. No entanto, o regime de

Aforamento dos Terrenos de Marinha e seus acrescidos permanece. O parágrafo 2º do artigo

2.038 do CC/2002 estabelece que a enfiteuse dos Terrenos de Marinha e acrescidos será

regulada por lei especial. Esta lei especial, na verdade são duas: o Decreto-Lei n. 9.760/1946 e

a Lei n. 9.636/1998.

Em que pese sua origem remota no ordenamento jurídico pátrio, e a importância

decorrente de sua localização, os Terrenos de Marinha e os Terrenos Acrescidos de Marinha

apresentam uma elevada carga de incerteza quanto a sua determinação, fruto da necessidade

de se estabelecer a Linha de Preamar Média de 1831 para que eles possam ser definidos. Esta

incerteza atinge grau ainda mais elevado quando se trata de estabelecê-los ao longo de rios ou

lagoas que sofrem a influência de marés.

A competência para determinar a posição da Linha de Preamar Média do ano de 1831

ao longo dos 8.698 km de extensão da costa brasileira, sem contar as reentrâncias e os rios e

lagoas que sofram influência das marés, é da Secretaria do Patrimônio da União – SPU. Tal

determinação é condição necessária, e fundamental, para a delimitação dos Terrenos de

Marinha e seus acrescidos, podendo se valer, a SPU, de documentos da época ou de período

próximo a ela, de autenticidade irrecusável, de depoimentos de moradores e/ou pescadores

antigos, da participação dos interessados diretos ou indiretos, bem como formar convênios ou

Page 76: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

75

contratos com Estados, Municípios e particulares. Após identificar, demarcar, cadastrar e

registrar, junto ao cartório de registro de imóveis competente, cabe ainda a SPU fiscalizar,

regularizar as ocupações e promover a utilização ordenada destes bens imóveis da União.

A correta demarcação da Linha de Preamar Média de 1831 é um problema tão

complexo que ela ainda não está totalmente estabelecida em todo o litoral brasileiro. Esta

situação levou o Judiciário, os particulares e a SPU a aceitar critérios outros para sua

determinação, como é o caso da linha do jundu, vegetação existente nas proximidades das

praias, como marco substituto da Linha de Preamar Média de 1831. Tal expediente, além de

ilegal, pois desconforme com a norma (Decreto-Lei 9.760/1946), não conduz a demarcação da

linha necessária. A linha de jundu pode identificar é a linha de costa, mas esta não se

confunde com a Linha de Preamar Média. Ademais, a linha de jundu é feição de costa atual e

a Linha de Preamar Média a ser demarcada é aquela de 1831.

A utilização de expedientes outros, como a previsão astronômica das marés de 1831

ou a determinação da Linha de Preamar Média atual e a sua retrovisão a 1831, embora mais

aceitáveis, encontram também óbices de difícil solução, tais como: a falta de um marco de

referência para a espacialização da linha calculada; o desconhecimento da real configuração

da costa em 1831; a assunção de valores para a variação do nível médio do mar de difícil

comprovação; e, finalmente, a condição extremamente dinâmica da costa brasileira,

especialmente as praias, o que faz com que a linha de preamar possa mudar até mesmo

diariamente.

A delimitação da Linha de Preamar Média de 1831 para a demarcação dos Terrenos de

Marinha e seus acrescidos ao longo dos rios e lagoas que sofram influência das marés, além

de todas as dificuldades acima citadas, soma-se, ainda, as dinâmicas evolutivas bastante

acentuadas destes ambientes, notadamente em lagoas, ou mais propriamente lagunas, que

recebem grande influência de bacias hidrográficas importantes, como o caso da Lagoa dos

Patos, no Estado do Rio Grande do Sul, ou em rios altamente meandrantes, como no caso do

Rio Perequê, na divisa de Porto Belo e Itapema, Estado de Santa Catarina.

Este conjunto de incertezas, aliado à falta de documentação de autenticidade

irrecusável relativa a Linha de Preamar Média de 1831, fornece a resposta adequada para o

questionamento levantado no início deste trabalho, qual seja: “a) É possível, no presente,

definir-se a Linha de Preamar Média de 1831 com segurança, tanto ao longo da costa

litorânea, como ao longo dos rios e lagoas que sofrem influência das marés?”A resposta

Page 77: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

76

adequada é a da hipótese b) Não, não é possível a determinação com o necessário grau de

acuidade da Linha de Preamar Média de 1831.

A utilização da Linha de Preamar Média de 1831 para a delimitação de Terrenos de

Marinha e seus acrescidos ao longo de rios que apresentam mudanças na posição de sua calha

ao longo do tempo (rios meandrantes, a exemplo do Rio Perequê), traz a possibilidade da

demarcação de tais terrenos em um local que hoje não mais se limita com o rio e, de outra

parte, que ao longo deste rio que sofre influência das marés, não ocorram Terrenos de

Marinha e/ou Terrenos Acrescidos de Marinha. Tais possibilidades destoam completamente

dos objetivos que criaram o instituto Terrenos de Marinha: a garantia de um espaço para

defesa ao longo da costa e dos rios e lagoas, bem como para serviços de embarque e

desembarque de pessoas ou coisas, públicas ou particulares.

As dificuldades na delimitação da Linha de Preamar Média de 1831, os procedimentos

adotados pela SPU para sua delimitação, a cobrança de foro anual ou taxa de ocupação em

valores atualizados, são fatores que acabam por gerar insatisfações aos diretamente atingidos,

que buscam a Justiça Federal com o intuito de resguardar direitos que julgam ter. Dentre os

diversos pedidos dirigidos ao Judiciário que tem como mote central os Terrenos de Marinha e

seus acrescidos, há os que questionam a existência de fato de tais terrenos em determinada

localização ou, em existindo, se a sua delimitação atendeu às prescrições legais.

Com relação ao atendimento às prescrições legais, questiona-se, principalmente, a

falta de citação adequada dos interessados diretos para que, querendo, se manifestem no

processo administrativo de demarcação, momento em que teriam a oportunidade de apresentar

plantas, documentos e esclarecimentos adequados e necessários ao bom andamento do

procedimento, a fim de resguardar direitos que julgassem ter. O Superior Tribunal de Justiça

já se posicionou no sentido de que a convocação pessoal dos interessados diretos é essencial e

os procedimentos que não observaram esta condição são declarados nulos, devendo ser

refeitos.

Os questionamentos sobre o fato de uma determinada área ser ou não Terreno de

Marinha depende da disposição geográfica desta área. Quando localizada na faixa litorânea,

questiona-se, unicamente, se a Linha de Preamar Média de 1831 encontra-se corretamente

e/ou se foi corretamente demarcada, uma vez que é inegável a existência de tais terrenos no

ambiente litorâneo.

Page 78: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

77

Entretanto, se a área em questão está disposta junto a um Rio Estadual, entendido

como aquele que tem nascente, curso e foz inteiramente no território do Estado, o

questionamento envolve a própria existência dos Terrenos de Marinha. A Justiça Federal tem

entendido que a Constituição Federal de 1946, bem como as subseqüentes, não recepcionaram

o Decreto-Lei 9.760/1946 quanto a conceituação de Terrenos de Marinha e seus acrescidos

situados nas margens dos rios e lagoas até onde se faça sentir a influência das marés. Com

fundamento neste entendimento, tem decido no sentido da não existência de Terrenos de

Marinha e Terrenos Acrescidos de Marinha ao longo de Rio Estadual, concluindo que as

margens destes rios pertencem ao Estado em que o mesmo se encontra, não sendo possível,

portanto, a existência de bens da União nestas mesmas margens.

Este entendimento da Justiça Federal fornece a resposta ao segundo questionamento

expresso na introdução deste trabalho, qual seja: “b) Há, do ponto de vista estritamente

jurídico, Terrenos de Marinha e Terrenos Acrescidos de Marinha, que são bens da União, ao

longo daqueles rios e lagoas que são, constitucionalmente, definidos como bens dos Estados?”

De acordo com o entendimento da Justiça Federal, ao qual se expressa inteira concordância, a

resposta adequada é a hipótese d) Não, tal hipótese, não é, constitucionalmente amparada.

Destarte, considerando-se as imensas dificuldades de ordem prática para a delimitação

da Linha de Preamar Média de 1831, acrescidas das dificuldades inerentes à demarcação dos

Terrenos de Marinha e acrescidos ao longo de rios e lagoas que sofram influência das marés, e

o entendimento da Justiça Federal da não existência destes terrenos ao longo de Rio Estadual,

o melhor caminho a seguir seria o de adequar a legislação para retirar a expressão “e nas

margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés” constante no artigo

2º, a) do Decreto Lei 9.760/1946, promovendo-se as adequações necessárias. Não há lógica na

geração de um bem para a União a partir de um bem Estadual. O Rio Estadual e as suas

margens pertencem ao Estado no qual está inserido.

Tal supressão não traria maiores prejuízos à causa ambiental que se pretende para os

Terrenos de Marinha e seus acrescidos, vez que as margens dos rios continuariam a contar

com a proteção que lhes empresta o Código Florestal. Por outro lado, tiraria da SPU a inglória

tarefa de tentar delimitar tais terrenos, seguindo todos os procedimentos e cuidados

necessários para, após, ver seu trabalho desconsiderado por uma decisão judicial. Impediria,

também, a identificação de Terrenos de Marinha e seus acrescidos em áreas afastadas dos rios

Page 79: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

78

que lhes justificam a origem, bem como a existência de rios, ou trechos destes, que sofram

influência de mares sem que acha a delimitação de tais terrenos em suas margens.

Apresentadas e comentadas as principais dificuldades de ordem prática e jurídica para

a delimitação dos Terrenos de Marinha e dos Terrenos Acrescidos de Marinha, quer ao longo

da costa litorânea, quer ao longo de rios e lagoas que sofram influência de marés, ressaltando-

se a condição do Rio Estadual, é de se concluir que o presente trabalho atingiu plenamente seu

objetivo geral.

Com relação as variáveis expostas na introdução deste trabalho, elas não se

concretizaram, ainda, e espera-se que, ao menos aquela que prevê a retirada dos Terrenos de

Marinha do rol de bens constitucionais da União, nunca se verifique, apenas que se altere

fundamentalmente a função destes terrenos.

As mudanças apontadas pela SPU no sentido de que o patrimônio da União deve ser

utilizado com estrita observância de sua função sócio-ambiental são indicativos importantes

quando se avaliam as mudanças pretendidas na legislação. Se a intenção é de fato dar a estes

bens, notadamente aos Terrenos de Marinha e seus acrescidos, importância ambiental elevada,

as mudanças propostas devem ser sempre analisadas no sentido de garantir a propriedade da

União sobre tais terrenos no ambiente litorâneo, como fator facilitador das ações de

preservação e/ou recuperação ambiental.

Em conclusão, que os Terrenos de Marinha e os Terrenos Acrescidos de Marinha

deixem de representar meras fontes de arrecadação de recursos para a União e constituam-se

em um importante instrumento de preservação ambiental em uma região do País (o litoral)

objeto de intensa especulação imobiliária.

Page 80: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMBIENS CONSULTORIA E PROJETOS AMBIENTAIS (Itapema). Estudo de Impacto

Ambiental - EIA Implantação da Avenida Beira-Mar: Município de Itapema/SC.

Florianópolis, 2006.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

BRASIL. Câmara dos Deputados. PEC-603/1998. Revoga o § 3º do art. 49 do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias. (Excluindo a aplicação da enfiteuse/aforamento aos

terrenos de marinha situados na faixa de segurança, na orla marítima, alterando a Constituição

Federal de 1988). Deputada Laura Carneiro. Disponível em:

<http://www2.camara.gov.br/proposicoes>. Acesso em: 21 abr. 2008.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 4904, de 2005. Dispõe sobre a linha da

preamar na fixação dos terrenos de marinha e dá outras providências. Deputado Alceu

Collares. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/285125.pdf>. Acesso em:

10 mar. 2008.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição nº 603, de 1998.

Parecer. Relatora: Deputada Telma de Souza. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/431993.pdf>. Acesso em: 21 de abr. 2008.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 21 abr.

2008.

BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946. Dispõe sôbre os bens imóveis da

União e dá outras providências. Disponível em:

<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del9760compilado.htm>. Acesso em: 20

abr. 2008.

BRASIL. Inmetro. Sistema Internacional de Unidades - SI. 8. ed. Rio de Janeiro, 2003.

Page 81: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

80

BRASIL. Lei nº 10.406, de 20 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 20 abr. 2008.

BRASIL. Lei nº 11.481, de 31 de maio de 2007. Dá nova redação a dispositivos das Leis nos

9.636, de 15 de maio de 1998, 8.666, de 21 de junho de 1993, 11.124, de 16 de junho de 2005,

10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, 9.514, de 20 de novembro de 1997, e 6.015,

de 31 de dezembro de 1973, e dos Decretos-Leis nos 9.760, de 5 de setembro de 1946, 271, de

28 de fevereiro de 1967, 1.876, de 15 de julho de 1981, e 2.398, de 21 de dezembro de 1987;

prevê medidas voltadas à regularização fundiária de interesse social em imóveis da União; e

dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-

2010/2007/Lei/L11481.htm>. Acesso em: 21 abr. 2008.

BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L3071.htm>. Acesso em: 18 jun. 2008.

BRASIL. Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L4771.htm>. Acesso em: 20 abr.

2008.

BRASIL. Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988. Institui o Plano Nacional de Gerenciamento

Costeiro e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/

ccivil_03/Leis/L7661.htm>. Acesso em: 20 abr. 2008.

BRASIL. Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a regularização, administração,

aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União, altera dispositivos dos

Decretos-Leis nos 9.760, de 5 de setembro de 1946, e 2.398, de 21 de dezembro de 1987,

regulamenta o § 2o do art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras

providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9636.htm>.

Acesso em: 21 abr. 2008.

BRASIL. MPOG. Os Terrenos de Marinha e as atividades imobiliárias da SPU -

Informações de interesse do cidadão. Disponível em:

<http://www.spu.planejamento.gov.br/conteudo/apresentacao/terrenos.htm>. Acesso em 11

fev. 2008.

BRASIL. MPOG-SPU. Cartilha SPU: Tudo o que você precisa saber sobre laudêmio, taxa

de ocupação e foro. Disponível em:

Page 82: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

81

<http://www.spu.planejamento.gov.br/publicacoes/cartilha_laudemio.htm>. Acesso em: 21

abr. 2008.

BRASIL. MPOG-SPU. Manual de regularização fundiária em terras da união. São Paulo:

Instituto Polis, 2006.

BRASIL. MPOG-SPU. ON-GEADE-002 Orientação normativa que disciplina a

demarcação de terrenos de marinha e seus acrescidos. 12/03/01. Disponível em: <

http://www.spu.planejamento.gov.br/arquivos_down/spu/orientacao_normativa/ON_geade_0

02.PDF>. Acesso em: 21 abr. 2008.

BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição nº 40, de 1999. Revoga o

Inciso VII do Artigo 20 da Constituição Federal e o § 3º do Artigo 49 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias, extinguindo os terrenos de marinha e seus acrescidos e dispondo

sobre a sua destinação. Senador Paulo Hartung. Disponível em:

<http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=40377>. Acesso

em: 20 abr. 2008.

BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição nº 53, de 2007. Revoga o

inciso VII do art. 20 da Constituição e o § 3º do art. 49 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias, para extinguir o instituto do terreno de marinha e seus acrescidos

e para dispor sobre a propriedade desses imóveis. Senador Almeida Lima. Disponível em:

<http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=81429>. Acesso

em: 20 abr. 2008.

BRASIL. STJ, Recurso Especial 545.524 – SC (2003/0092927-3), 2ª Turma, Rel. Min.

Franciulli Netto, j. 23.09.2003, DJU 13.10.2003.

BRASIL, STJ, Recurso Especial 963.910 – RS (2007/0148241-9), Rel. Min. José Delgado,

decisão 16.08.2007, DJU 31.08.2007.

BRASIL, TRF4, Apelação Cível nº 2004.71.00.035996-6/RS, 3ª Turma, Rel. Des. Federal

Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, j. 26.06.2006, DJU 06.09.2006.

CABRAL, Gabriela. Guerra dos mascates. Disponível em

<http://www.brasilescola.com/historiab/guerra-dos-mascates.htm>. Acesso em: 20 abr. 2008.

Page 83: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

82

COLZANI, Valdir Francisco. Guia para redação do trabalho científico. Curitiba: Juruá,

2001.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. vol.1, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

FERREIRA, Aurelio Buarque de Hollanda. Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua

Portuguesa. 11. ed. Rio de Janeiro: Nacional, 1987.

FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos

jurídicos. Curitiba: Juruá, 2005.

GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

GUERRA, Antônio Teixeira e GUERRA, Antonio José Teixeira. Novo dicionário geológico-

geomorfológico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

LEIZ, Viktor e LEONARDOS, Othon Henry. Glossário geológico. 3 ed. São Paulo:

Nacional, 1982.

LIMA, Obéde Pereira de e LIMA, Roberval Felippe Pereira de. Localização geodésica da

linha da preamar média de 1831 - LPM/1831, com vistas à demarcação dos terrenos de

marinha e seus acrescidos. Disponível em: <http://www.cartografia.org.br/xxi_cbc/024-

G05.pdf>. Acesso em: 19 jan. 2008.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 11 ed. São Paulo:

Malheiros, 2003.

MADEIRA, Armando Gonçalves e SOUZA, Ziegler. Terreno de marinha: um bem público a

ser preservado. Direito Administrativo, Contabilidade e Administração Pública, n. 1, jan.

2001.

MAGLIOCCA, Argeo. Glossário de oceanografia. São Paulo: Nova Stella-EDUSP, 1987.

MASAGÃO, Mário. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais. 1974.

Page 84: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

83

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros,

2003.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros,

2006.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 13 ed. São Paulo:

Malheiros.

MENDES, Josué Camargo. Elementos de estratigrafia. São Paulo: T.A.Queiroz – EDUSP,

1984.

MENEZES, Roberto Santana de. Regime patrimonial dos terrenos de marinha. Jus

Navigandi, Teresina, ano 9, ano. 9, n. 485, 5 nov. 2004. Disponível em

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5855>. Acesso em: 12 ago. 2007.

MONTEIRO, Whashington de Barros. Curso de direito civil. 23. ed. São Paulo: Saraiva,

1984.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 4.ed. Rio de

Janeiro: Forense Universitária, 2002.

PARECER Nº P-23. Dúvida sobre a inclusão, entre os bens dos Estados e dos Territórios, dos

rios que não ultrapassam os respectivos limites geográficos, desaguando no oceano. Paulo

César Cataldo. DOU, 23 set. 1982. pp. 17927-17933.

PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao

pesquisador do Direito. 8. ed. Florianópolis: OAB Editora, 2003.

PROJETO ORLA: fundamentos para a gestão integrada / Ministério do Meio Ambiente,

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Brasília: MMA, 2006.

REFORMAS Pombalinas, Primeiras Contestações ao Sistema Colonial e Fixação de Limites

entre Portugal e Espanha. Disponível em: <http://www.culturabrasil.org/contestacoes.htm>.

Acesso em: 16 mar. 2008.

SANTOS, Rosita de Souza. Terras de marinha. Rio de Janeiro: Forense, 1985.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

Page 85: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ADILSON MACHIAVELLIsiaibib01.univali.br/pdf/Adilson Machiavelli.pdf · de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais

84

SOARES, Carlos Roberto e ANGULO, Rodolfo José. Sobre a delimitação da linha de

preamar-médio de 1831, que define os terrenos de marinha. Revista do Direito Ambiental,

São Paulo, nº. 20, 2002. pp. 261-267.

SUGUIO, Kenitiro. Rochas sedimentares: propriedades, gênese, importância econômica. São

Paulo: Edgard Blücher, 1980.

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ. Elaboração de trabalhos acadêmico-científicos.

Itajaí: Univali, 2003. (Cadernos de Ensino – Formação Continuada). Ano 2, n. 4.

VALENTE, Manoel Adam Lacayo. O domínio público dos terrenos fluviais na Constituição

Federal de 1988. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 37 n. 147, jul./set. 2000. pp.

241-247.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: vol. 1:parte geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

VOLTAIRE. Dicionário filosófico: texto integral. São Paulo: Martin Claret, 2006. (verbete

democracia, p. 149).