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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA A EXTRADIÇÃO POR RECIPROCIDADE NO BRASIL Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí. ACADÊMICA: CAROLINA AYRES DA SILVA São José (SC), novembro de 2007.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A EXTRADIÇÃO POR RECIPROCIDADE NO BRASIL

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí. ACADÊMICA: CAROLINA AYRES DA SILVA

São José (SC), novembro de 2007.

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A EXTRADIÇÃO POR RECIPROCIDADE NO BRASIL

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação do Professor Dr. André Lipp Pinto Basto Lupi

ACADÊMICA: CAROLINA AYRES DA SILVA

São José (SC), novembro de 2007.

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A EXTRADIÇÃO POR RECIPROCIDADE NO BRASIL

CAROLINA AYRES DA SILVA

A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. São José, 19 setembro de 2007.

Banca Examinadora:

_______________________________________________________ Prof. Dr. André Lipp Basto Pinto Lupi

_______________________________________________________ Prof. Rodrigo Mioto - Membro

_______________________________________________________ Prof. Rafael Muniz - Membro

Dedico esta pesquisa monográfica aos meus pais, Pedro e Izamar, a minha irmã Isabela e ao meu avô Gelson (in memorian).

Agradecimentos

Agradeço aos meus pais, por terem acreditado na educação que me deram e terem

permitido que eu viesse morar em uma cidade tão distante; pelo amor e respeito que sempre

me passaram; pelos incentivos; pelas broncas; pela confiança e garra que me ajudaram a obter

e pela compreensão.

À minha irmã por estar sempre presente e ter me ajudado nesta pesquisa de forma

significativa.

À minha família toda, por ter confiado e acreditado em mim e, em especial minha

tia Simone.

À família Bartz, que na ausência dos meus pais nos deram tanto conforto e

carinho.

A todos os meus amigos de Florianópolis e de Boa Vista que sempre estiveram

presentes.

Ao meu orientador André Lupi pelas horas de atenção e dedicação, pelo grande

incentivo e pela brilhante orientação.

Enfim a todos que direta ou indiretamente ajudaram para que este trabalho fosse

concretizado.

SUMÁRIO

RESUMO..............................................................................................................................VIII

ABSTRACT ............................................................................................................................IX

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10

1. CONCEITOS/NOÇÕES GERAIS DE EXTRADIÇÃO ............................................... 12

1.2 PRINCÍPIOS ......................................................................................................................15

1.2.1 Princípio aut dedere aut judicare.....................................................................................15

1.2.2 Princípio non bis in idem ................................................................................................16

1.2.3 Princípio da identidade ...................................................................................................17

1.2.4 Princípio da especialidade ..............................................................................................17

2. PROCEDIMENTO .............................................................................................................18

2.1 Fase Administrativa: o pedido .........................................................................................19

2.2 Fase Judicial .....................................................................................................................21

2.3 Fase Administrativa: a entrega .........................................................................................23

3. EXTRADIÇÃO POR TRATADOS ................................................................................26

4. EXTRADIÇÃO POR RECIPROCIDADE ....................................................................30

5. REQUISITOS PARA EXTRADITAR ...............................................................................33

5.1 IMPEDIMENTOS À EXTRADIÇÃO .............................................................................33

5.1.1 Nacionalidade do Extraditando .....................................................................................34

5.1.2 Se o fato que motivar o pedido de extradição não for considerado crime no

Brasil.......................................................................................................................................35

5.1.3 Competência do Estado Nacional para julgado o extraditando ....................................36

5.1.4 Duração da pena ............................................................................................................36

5.1.5 Quando o extraditando estiver respondendo a processo penal, já houver sido absolvido

ou condenado pelo mesmo fato no Brasil...............................................................................37

5.1.6 Extinção da punibilidade ..............................................................................................37

5.1.7 Crimes políticos, de imprensa, religioso e militar ........................................................38

5.1.8 Quando o extraditando tiver que responder perante tribunal ou juízo de

exceção ..................................................................................................................................39

5.2 CONDIÇÕES PARA EXTRADIÇÃO ...........................................................................39

5.3 QUESTÕES DIVERSAS ................................................................................................40

5.3.1 Casos de comutação de pena de morta e prisão perpétua .............................................41

5.3.2 Se o súdito estrangeiro tiver cônjuge ou/e filhos brasileiros ........................................41

5.3.5 Detração da pena ..........................................................................................................42

6. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL...................................................................................44

6.1 Nacionalidade ..................................................................................................................44

6.2 Dupla Punibilidade ..........................................................................................................47

6.3 Pena igual ou inferior a um ano .......................................................................................49

6.4 Non Bis in Idem ...............................................................…............................................52

6.5 Extinção da punibilidade pela prescrição .......................................................................54

6.6 Crime Político ................................................................................................................56

6.7 Questão diversa ...............................................................................................................59

CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................62

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................64

Resumo A extradição é um procedimento de cooperação judiciária, com envolvimento do

Poder Executivo, para entrega de pessoas acusadas ou condenadas à justiça de um Estado interessado em exercer seu poder punitivo sobre tais indivíduos. Em tempos recentes, o procedimento recobra maior relevância, sobretudo em crimes de repercussão internacional, tais como o tráfico internacional de entorpecentes e o terrorismo. Contudo, a técnica da extradição requer o exame cuidadoso de suas condições, a fim de também tutelar os direitos humanos do extraditando. A extradição pode ser efetivada através de tratado, no entanto a ausência deste poderá ser suprida pela promessa de reciprocidade, que é o foco principal do presente trabalho. O presente estudo analisa a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para identificar se existem padrões mais rigorosos para aplicação dos critérios previstos no Estatuto do Estrangeiro em caso de extradições passivas fundadas em reciprocidade. Para isso, apresenta-se algumas noções gerais sobre extradição por reciprocidade e os requisitos para extradição contidos no Estatuto do Estrangeiro. Num momento posterior, passa-se ao exame de casos concretos para verificar se a hipótese de haver maior rigor no julgamento dos pedidos fundados em reciprocidade é uma tendência que se confirma na jurisprudência recente do STF. Palavras-chave: Extradição; Reciprocidade; Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Abstract The extradition is a juridical cooperation proceeding, which involves the Executive

Power, to deliver a defendant or convict person to the justice of the requested State that is interested in punish him or her. Recently, the proceedings are increasing its significance, especially in felonies with international repercussion like international drug trafficking and terrorism. Nevertheless, the extradition requires careful examination of its conditions, with the purpose of tutoring human rights. The extradition can be brought into effect by treaty, however, its absence can be overcome by the promise of reciprocity in cases which is the main focus in this work. This present reflection studies the jurisprudences of the Federal Supreme Court of Brazil to identify if there are more severe standards in the extraditions cases established on bases of reciprocity. So, it is some common notions of extradition of reciprocity and the requisites of extradition in accordance with the Foreign Statute. After that, are analyzed cases with the requests ground on the reciprocity, which is a tendency confirmed by the jurisprudence of the Federal Supreme Court of Brazil.

Introdução

Este trabalho tem por objetivo apresentar uma análise da jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal relativa às extradições requeridas ao Brasil com fundamento em

promessa de reciprocidade.

Cumpre lembrar, em primeiro lugar, que a extradição é a entrega de um criminoso,

solicitada formalmente por um país a outro. Através de assistência mútua, um Estado

coopera com o outro visando o combate ao crime e a devida punição do delinqüente.

O motivo de lidar com esse tema está ligado às incertezas encontradas nas decisões

proferidas pelo Egrégio Tribunal quando a extradição for solicitada na ausência de tratados

bilaterais, esta por sua vez ocorre quando o Estado Requerente promete reciprocidade em

casos futuros.

Contudo, uma revisão crítica dos métodos oferecidos pela promessa de

reciprocidade demonstra a ampliação das imprecisões verificadas, uma vez que inexistindo

tratado, tem suas normas determinadas pelo Estatuto do Estrangeiro, que impõe

genericamente condições e requisitos à extradição.

Tratando-se de tratado de extradição, tem-se que as condições para o deferimento

do pedido serão descritas nele e prevalecem inclusive sobre as leis internas, por conta do

princípio da especialidade.

A hipótese aqui levantada é a de que os requisitos usados para avaliar a

possibilidade de extradição são aplicados de forma mais rigorosa pelo STF quando o

pedido tem fundamento na promessa de reciprocidade. Deste modo, o objetivo geral deste

trabalho é analisar cada requisito imposto pelo Estatuto do Estrangeiro, verificando

paralelamente os tratados já firmados com outros Estados. Assim sendo, três são as tarefas

propostas para esse fim: a) descrever de forma sistemática sobre extradição; b) diferenciar

extradição baseada em tratados e promessa de reciprocidade; c) analisar os casos concretos

de extradição por reciprocidade.

A execução dessas tarefas resultou na divisão do texto em três capítulos. O primeiro

está dedicado a prestar esclarecimentos sobre as definições e noções gerais de extradição, a

importância de que se revestem para a possibilidade de empreender a análise proposta e

para a definição do alcance da tese formulada. Neste capítulo também é explanado sobre

princípios que norteiam a extradição e por fim a extradição baseada em tratados.

O capítulo que segue (II) apresenta a extradição fundada em promessa de

reciprocidade, para então serem analisados os requisitos e condições presentes no Estatuto

do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80).

Isto feito, parte-se para o terceiro e último capítulo que traz a exposição dos casos

concretos de extradição por reciprocidade e os problemas enfrentados, que induzem a

pensar na existência de medidas mais severas que possam controlar tal cooperação

internacional.

1º Capítulo

1.1 Conceitos/ Noções Gerais de Extradição

Extradição é a entrega de um indivíduo condenado ou que seja réu em processo

penal ainda não concretizado, mas com mandado de prisão contra si contendo provas do

ilícito cometido, solicitada formalmente por um país (responsável por promover o

julgamento e punição do infrator) a outro (no qual se encontra o extraditando).1

Trata-se de uma relação entre os poderes executivos com envolvimento do

judiciário das partes em questão, tanto do requerente quanto do requerido, de forma que,

através de assistência mútua, um coopere com o outro visando o combate ao crime e a

devida punição do delinqüente. Conforme Russomano:

No caso da extradição, não é a lei penal de um país que estende a sua ação além das fronteiras do mesmo. O crime, que ela procurar reprimir, foi perpetrado dentro das raias do Estado e, precisamente por isso, é que esse Estado solicita, do outro, a extradição do delinqüente, porque em seu território foi infringida a sua lei penal. Na extradição, há, simplesmente, o auxílio que um Estado presta a outro, para impedir que o respeito à sua soberania sirva de manto à impunidade. A ação repressiva do Estado deprecado, cooperando com ele na luta contra o crime, intervém para que o criminoso regresse ao território, onde impere a lei que ele ofendeu.2

Fala-se em cooperação internacional porque o indivíduo infrator, sabendo da

existência de uma medida repressora contra seu ato de criminalidade no Estado de origem,

ou Estado que anteriormente residia, empreende fuga para outro país, com objetivo de

eximir-se da responsabilidade de arcar com a punição devida, ou até mesmo dar

continuidade aos seus atos delitivos em outros Estados (mesmo porque os cidadãos ali

presentes não tomariam conhecimento dos antecedentes criminais de tal delinqüente).

Daí a necessidade de cooperação entre os Governos, primeiro porque se existe

crime, tem que haver punição, segundo para evitar que o infrator continue delinqüindo em

outros países.

As convenções, após a Revolução Francesa, buscaram desenvolver um esforço

coletivo em favor da repressão do crime, deixando de prevalecer os interesses meramente

1 Cf. REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 197. 2 RUSSOMANO, Gilda. A extradição no direito internacional e no direito brasileiro. 3ª ed., São Paulo: RT, 1981, p. 34.

políticos e religiosos do Estado, bem como as tendências xenofóbicas e militares,

transformando-se numa forma de cooperação internacional na supressão da criminalidade.3

A extradição pode ser passiva ou ativa. No Brasil, será passiva quando solicitada

por outro Estado ao Brasil e será regida pelo Estatuto do Estrangeiro, Lei nº 6.815/80,

artigos 76 a 94 e Decreto nº 86.715/81, art. 110, parágrafo único. Será ativa, quando

solicitada pelo Brasil requerendo um condenado pela justiça brasileira a outro país, regida

pelo art. 20, do Decreto-Lei nº 394/1938.4 O presente trabalho versará apenas sobre

extradição passiva.

Difere a extradição da expulsão por esta ser medida de defesa interna, ato

espontâneo e voluntário, aplicada geralmente quando o estrangeiro representa alguma

ameaça a segurança dos demais cidadãos do Estado em que estava habitando e, passa a ser

considerado nocivo.5 Já a extradição decorre de crime cometido em outro Estado que não o

Brasil e, para ser concedida, é essencial que haja processo penal tramitando contra o

indivíduo, ou condenação dele.

Uma vez extraditado e tendo cumprido a pena no país requerente, nada impede que

o súdito estrangeiro retorne ao Brasil, salvo se depois de entregue empreender fuga e

retornar a território brasileiro, quando terá que ser preso e entregue novamente.6 Se

3 Quanto aos dados históricos: cf. LISBOA, Carolina Cardoso Guimarães. A relação extradicional no direito brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 100 e 101. 4 Sobre a extradição ativa na prática recente do Brasil: “Artur de Brito Gueiros Souza observa que: ‘…após o empenho político denotado na captura do famoso criminoso Paulo César Farias (P.C Farias), os casos de extradições requeridas pelo Brasil intensificaram-se’ (1998, p. 29). Os registros do Ministério confirmaram o que precede: entre 1993 e janeiro de 2000, o Governo brasileiro apresentou 75 pedidos de extradição (prisão preventiva e extensão), em comparação apenas vinte entre 1985 e 1992. (...) O episódio de P.C. Farias merece especial referência. Além de haver impulsionado os pedidos nacionais de extradição, envolveu engenhoso trabalho diplomático, cujo resultado foi a negociação, em curtíssimo espaço de tempo, de solução político-jurídica singular – segundo o Home Office, caso único do Reino Unido até maio de 2000 – para viabilizar o atendimento do pedido do governo brasileiro” (KLEEBANK, Susan. Cooperação Judiciária por via diplomática – avaliação e propostas de atualização do quadro normativo. Brasília: Instituto Rio Branco: Fundação Alexandre Gusmão, 2004, p. 101). 5 Art. 65, da Lei nº 6.815/80: “É passível de expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranqüilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais”. Vale ressaltar que a expulsão é formalizada através de Decreto de competência exclusiva do Presidente da República, a quem cabe resolver sobre a conveniência e a oportunidade da expulsão e de sua revogação (art. 66 do mesmo diploma legal). No mesmo sentido, explica a doutrinadora Gilda Russomano: “(...) ato unilateral, espontâneo e voluntário, pelo qual um Estado, agindo em nome de seu exclusivo interesse, impele para fora de suas fronteiras os indivíduos que constituam ameaça à segurança, sem a preocupação de saber se eles são procurados como delinqüentes ou já condenados, no território de outro Estado” (op cit., p. 2). 6 Art. 93 da Lei nº 6.815/80: “O extraditando que, depois de entregue ao Estado requerente, escapar à ação da Justiça e homiziar-se no Brasil, ou por ele transitar, será detido mediante pedido feito diretamente por via diplomática e de novo entregue sem outras formalidades”.

expulso não poderá retornar, sob pena de reclusão de 1 a 4 anos. É o que dispõe o art. 338,

do Código Penal Brasileiro.7

A extradição difere da deportação por esta ser uma medida tomada quanto à entrada

irregular de estrangeiro e/ou permanência deste no Brasil.8

Para alguns doutrinadores existem diferentes classificações de extradição: a

extradição instrutória, que se destina a fazer com que o criminoso seja processado pelo ato

cometido, e a executória, objetivando fazer com que o indivíduo cumpra a pena que já foi

imposta pelo Estado requerente.9

Há também extradição de fato e de direito, a primeira consiste na entrega informal do

criminoso, sem observar o procedimento jurídico, é a entrega sumária que um Estado faz a

outro, já a segunda é baseada nas leis internacionais.10

Tem ainda que se falar em reextradição, que é a entrega do extraditando a um terceiro

Estado, em virtude de um delito que foi cometido antes do pedido solicitado pelo Estado

requerente (o primeiro a solicitar o pedido extradicional). Vale ressaltar que esta entrega só

vai ser deferida se o Brasil assim permitir.11

1.2 Princípios que norteiam a extradição

São quatro os princípios que norteiam a extradição: princípio aut dedere aut judicare;

princípio non bis in idem; princípio da identidade (dupla incriminação) e princípio da

especialidade. Eles são o objeto das explicações que seguem.

1.2.1 Princípio aut dedere aut judicare (ou entregar ou julgar)

Tal princípio é aplicado quando o Estado requerido, por força de sua lei interna, não

puder atender o pedido extradicional solicitado pelo Estado requerente. Deste modo,

assume o dever de processar (e condenar) o extraditando pela sua própria justiça. 7 Art. 338 do Código Penal Brasileiro: “Reingressar no território nacional o estrangeiro que dele foi expulso: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, sem prejuízo de nova expulsão após o cumprimento da pena”. 8 Sobre deportação, os arts. 57 a 64 da Lei nº 6.815/80. 9 Cf. MELLO, Celso de Albuquerque. Curso de Direito Internacional. 15ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 1022. 10 Cf. RUSSOMANO, Gilda. op. cit., p. 9, 10 e 11. 11 Cf. LISBOA, Carolina. op. cit., p. 227 e 229. Vide jurisprudência do STF: “Extradição. Questão de ordem que se resolve no sentido de receber a petição como reextradição e não como pedido de extensão da extradição. Consentimento do Brasil e a intervenção do STF. A deliberação de consentir a reextradição ao a outro Estado que a reclame sujeita-se ao controle judicial deste Tribunal (Lei 6. 815/80, art. 91, inc. IV). Procedimento. Na verdade, a reextradição é uma nova extradição. Por isso, tem incidência o procedimento ordinário, no que lhe for aplicável” (Pet 2.562,QO, Rel. Min. Nelson Jobim, j – 11/4/02, DJ – 10/2/06).

A recusa normalmente é feita quando se tratar de nacional brasileiro, visando

obviamente à proteção dele, impedindo que seja julgado por tribunais estrangeiros,

conforme artigo 7º do Código Penal Brasileiro.12

A respeito, Arthur Gueiros afirma:

Deve-se, ainda, mencionar que inextradibilidade de brasileiro nunca importou – como de fato não importa – na impunidade do cidadão que transgrediu uma lei penal fora do território nacional. Isto porque tal princípio encontra-se imbricado com outro, qual seja, o que determina que nenhum crime possa ficar impune.13

Ainda, o entendimento de Appio Acquarone:

A teoria rege que, no caso de indeferimento de extradição baseado na nacionalidade da pessoa reclamada, esta deverá ser julgada pela Justiça de seu próprio país, com base nas peças instrutórias do processo a serem fornecidas pela Parte requerente, haja vista que o delito que deu origem ao pedido de extradição teria ocorrido no território desta. (...) Na prática, porém, três fatores de dificuldade para funcionamento ótimo da regra em questão merecem especial consideração. No primeiro, de caráter formal, a coleta de provas e informações pormenorizadas pode tornar-se acentuadamente dificultosa, especialmente se se afigurarem dúvidas ou discordâncias, por parte do Estado requerido, no que toca aos detalhes da instrução processual. (...) pode dar lugar ainda a grave inconveniente, qual seja o de deixar impune o indivíduo que, já condenado em país estrangeiro, se refugia no próprio país (...), outra inconveniência seria a de eventual dualidade de processo pelo mesmo delito, se tiver sido cometido.14

No entanto, quando se tratar de cidadão brasileiro que por algum motivo perdeu a

nacionalidade, e tiver cometido crime em Estado estrangeiro, vindo a refugiar-se

posteriormente no Brasil, não deverá ser recusada pelo Estado nacional a extradição dele,

se solicitada e de acordo com os moldes legais. Este delinqüente será tratado como

qualquer outro estrangeiro que foi solicitado pela justiça do governo requerente.15

12 “No entanto, deve-se mencionar que o Brasil, quando usa a opção de não extraditar seu cidadãos, na forma que lhe é facultada pelo Código de Bustamante, assume, moralmente o compromisso de processar o criminoso. A essa obrigação soma-se ainda, e sobretudo, a obrigação de natureza jurídica, emanante do mesmo Código Bustamante, que condiciona aquela faculdade ao julgamento do criminoso pelos tribunais de seu próprio país ‘O brasileiro não extraditado deve responder perante a justiça brasileira pelo crime cometido no estrangeiro, nos termos do disposto no inciso II do artigo 7º, do Código Penal brasileiro e observadas as condições estabelecidas nas alíneas do parágrafo 2º do mesmo artigo. A sistemática funda-se na necessidade de evitar a impunidade do nacional que delinqüiu alhures, pois, se ele não pode ser extraditado, em virtude de sua qualidade de brasileiro, imprescindível se faz o processo e julgamento no Brasil, para que o delito não permaneça sem punição’” (LISBOA, Carolina. op. cit., p. 152 e 153). 13 GUEIROS, Arthur de Brito. As Novas Tendências do Direito Extradicional. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 150. 14 ACQUARONE, Cláudio Appio. Tratados de extradição: construção, atualidade e projeção do relacionamento bilateral brasileiro. Brasília: Instituto Rio Branco: Fundação Alexandre de Gusmão, 2003, p. 154 e 155. 15 Cf. RUSSOMANO, Gilda, op. cit, p. 110 e 111.

1.2.2 Princípio non bis in idem

Se o indivíduo estiver respondendo a processo penal no Brasil pelo mesmo fato que

fundar o pedido de extradição ou for absolvido pelo mesmo caso, esta não será deferida

(art. 77, V, da Lei nº 6.815/80).

De acordo com o artigo 88 da referida Lei, se a extradição for negada não se

admitirá novo pedido baseado no mesmo fato. Desta forma, evita-se que o cidadão seja

processado ou julgado duas vezes pelo mesmo fato, non bis in idem.16

No entanto, se o delito for diverso do qual motivou o pedido extradicional e, o

estrangeiro restar condenado à pena privativa de liberdade, a entrega dele ao Estado

requerente será adiada até o final do processo penal (art. 89 da referida Lei), salvo se for

conveniente ao interesse nacional.17

1.2.3 Princípio da identidade

O inciso II do artigo 77 da Lei nº 6.815/80 dispõe que não será concedida

extradição se o fato motivador do pedido não for considerado crime no Brasil. Desta forma

é respeitado Princípio da Identidade (Dupla Incriminação), que determina que o fato

gerador do pedido de extradição constitua crime em ambas as legislações.18

Para corroborar, o seguinte julgado:

O delito de exportação ilícita de jogo está tipificado como contravenção no artigo 50 do Decreto-Lei 3.688/1941. Logo, na linha da jurisprudência deste Corte, a extensão, nesse ponto, não deve ser concedida, porquanto o artigo 77, II, da Lei n.

16 “Extraditando condenado pela Justiça brasileira pelos mesmo fatos: se, pelos mesmos fatos em que se fundar o pedido extradicional, o extraditando tiver sido condenado, a extradição será indeferida. É o que ocorre, no caso, relativamente ao delito de tentativa de importação de 592 kg de cocaína, em que o extraditando já foi condenado à pena de 9 (nove) anos de reclusão” (Ext 936, Rel. Min. Carlos Velloso, j – 24/2/05, DJ – 18/3/05). 17 “Inexistência de tratado entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Federal da Alemanha. 3. Processamento do pedido de acordo com a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980. Requisitos formais atendidos. 4. Extradição fundada em ordem de prisão preventiva expedida pelo Tribunal de Primeira Instância de Stuttgart, Alemanha, por fraude qualificada. 5. Dupla tipicidade: correspondência do ato delituoso nas leis brasileira e alemã. 6. Inocorrência de prescrição. 7. Extraditando processado no Brasil, por motivo diverso do pleito extradicional, por infração penal punível com pena privativa de liberdade. 8. Poderá o Presidente da República, atendendo a razões de conveniência ao interesse nacional, ordenar a imediata efetivação da extradição, apesar do processo penal instaurado, ou, até mesmo, se tiver ocorrido condenação (art. 67 e art. 89, in fine, Lei nº 6.815/80). 9. Bens apreendidos pela Polícia Federal em poder do extraditando, quando de sua prisão preventiva, deverão ser entregues ao Estado requerente. 10. Ressalvada, entretanto, a reserva de quantia suficiente para que se satisfaçam os créditos pretendidos nos autos. Artigo 92 da Lei 6.815/80. 11. Delegação de competência ao Juízo da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte para decidir sobre os pedidos de pagamento das dívidas do extraditando no Brasil. 12.Extradição deferida. 13. Decisão unânime” (Ext 893, Rel. Min. Gilmar Mendes, j – 17/12/04, DJ – 15/4/04). 18Cf. ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Direito Internacional Público. 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 93.

6.815/80 veda a extradição quando o fato não é crime no Brasil ou no Estado requerente (cf. as Extradições 820, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 3-5-02, e 716, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 20-2098). De igual modo, é de ser negado o pedido de extensão quanto ao delito de exposição ilícita e material de jogo, por ausência do requisito da dupla tipicidade. Ainda que se admita a correlação do tipo com a figura descrita no artigo 50 da LCP, o pedido não pode ser deferido pelos mesmos fundamentos adotados para negar-se a pretensão relativa à exploração ilícita de jogo (...) (Ext 787 – extensão, Rel. Min. Eros Grau, j – 23/3/06, DJ – 28/4/06).

Tratou-se neste caso de pedido de extensão da extradição fundado nos crimes de

exploração ilícita de jogos e exposição ilícita de material de jogo, fatos estes que não

configuram crimes no Brasil. Assim, não pode ser concedido o pedido extradicional, por

expressa vedação do artigo 77, II, do Estatuto do Estrangeiro, sendo evidente o respeito ao

princípio da dupla incriminação ao não conceder a extradição.

1.2.4 Princípio da especialidade

De acordo com este princípio, o súdito não pode ser processado por delito distinto

do qual fundamentou o pedido de extradição, mas nada impede que o extraditando seja

julgado por fatos diferentes.19 Visa coibir o pedido fundado em versões não verdadeiras, e

evitar extradições fraudulentas, de má-fé.

Arthur Gueiros afirma:

Este postulado do direito de extradição visa proporcionar maior segurança às relações entre os Estados envolvidos na repressão internacional ao crime e, apesar de não ter um parâmetro preciso no direito positivo brasileiro, pode ser deduzido na cláusula expressa no artigo 91, inciso I, da Lei n. 6.815/80. (...) Dessa maneira, desejando o Estado requerente processar o extraditando por fatos anteriores ao pedido mas só descobertos após a sua entrega, deve – em respeito ao princípio em questão – formular ao Estado requerido o competente pedido de extensão de extradição.20

O artigo 91, I, do Estatuto do Estrangeiro consagra esse princípio: “Não será

efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compromisso: I – de não ser o

19 “Extradição. Passiva. Mandado de detenção internacional. Ordem de prisão preventiva do Estado requerente. Defesa. Alegação de ilegalidade: Extraditando que já teria sido extraditado da Espanha para Portugal. Ação penal por fatos anteriores. Princípio da especialidade. Não aplicação ao caso, em que o extraditando fugiu para o Brasil. Inteligência do art. 7º da Lei n. 65/2003, da União Européia. Inoponibilidade, ademais, ao Estado brasileiro. Princípio da conteciosidade limitada. Pronunciando-se sobre pedido de extradição, não cabe ao Supremo Tribunal Federal examinar o mérito da condenação ou da ordem de prisão preventiva, nem emitir juízo sobre vícios que porventura tenham maculado o processo no Estado requerente, sobretudo a respeito do princípio da especialidade, quando, versando extradição entre o Estado requerente e outro Estado, o princípio lhe é inoponível e, segundo as circunstâncias do caso, não teria aplicação” (Ext. 982, Rel. Min. Cezar Peluso, j – 30/3/06, DJ – 25/8/06). 20 Cf. GUEIROS, Arthur de Brito. op. cit., p. 24 e 25. O pedido de extensão da extradição recebe a mesma numeração do pedido de extradição principal, no entanto neste são questionados delitos que não foram feitos no pedido principal, note-se que os delitos apenas não foram apresentados no pedido de extradição, mas ocorreram de fato – ação penal não ocorrida por fatos anteriores. Um exemplo de pedido de extensão da extradição é o julgado Ext. Extensão n. 787, já mencionado no princípio da dupla identidade.

extraditando preso nem processado por fatos anteriores ao pedido”. No entanto, há

exceções, quais sejam: quando há um novo pedido de extradição em razão de outro fato

que não conste na inicial do primeiro pedido extradicional; pelo comportamento voluntário

do extraditando, quando, por exemplo, o extraditando deixar o Estado requerido e após a

extradição retornar a este; quando o indivíduo não deixar o território dentro do prazo

estipulado pela lei para sair dele; quando o súdito concordar em ser julgado por outros

crimes e o Estado requerido consentir.21

2. Procedimento

Como mencionado, a extradição passiva, no Brasil, é regulada pela Lei n°

6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro), artigos 76 a 94 e pelo Decreto n° 86.715/1981, artigo

110, parágrafo único e pelo Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, artigos 207 a

214.

O processo extraditório brasileiro possui três fases: duas administrativas e uma

judicial. Como explica Grinover:

Na maioria dos Estados modernos, após uma fase administrativa prévia – destinada ao juízo de admissibilidade formal e, eventualmente, a um juízo político de oportunidade e conveniência –, abre-se a fase jurisdicional perante o tribunal do Estado requerido, que analisa as condições de admissibilidade e o mérito do pedido de extradição formulado pelo Estado requerente. Se depois a autoridade governamental fica vinculada, ou não, a decisão judiciária favorável a extradição, é outra questão. Mas houve um processo que culminou com a decisão sobre o pedido de extradição e, em caso favorável, com a entrega do extraditando.22

Primeiramente a parte burocrática, em que são verificados documentos; traduções;

se caso o pedido estiver devidamente instruído haverá o envolvimento do judiciário, onde

os Ministros analisam os fatos motivadores, a duração da pena. Feito isto e se o voto for a

favor da extradição o extraditando será entregue ao Estado que o solicitou.

21 Cf. LISBOA, Carolina. op. cit., p. 206 e 207. No mesmo sentido, o art. 6º, §1º, do Tratado de extradição firmado entre Brasil e Colômbia: “Uma pessoa que tenha sido extraditada sob a égide deste tratado não será detida, processada e julgada por qualquer crime pelo qual tenha sido concedida a extradição, e nem será extraditada para um terceiro Estado por qualquer crime, a não ser em qualquer das seguintes circunstâncias: a) quando essa pessoa tiver deixado o território da parte requerente após a extradição e para lá tiver retornado voluntariamente; b) quando essa pessoa não tiver deixado o território da parte requerente no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias após ter sido liberada para fazê-lo; e c) quando a parte requerida assim o consentir. O pedido de consentimento deverá ser apresentado, juntamente com os documentos mencionados no artigo 7º e com o registro de qualquer declaração feita pelo extraditando com relação ao crime que se trate”. 22 GRINOVER, Ada Pellegrini. In: BAPTISTA, Luiz Olavo e FONSECA, José Franco. O direito internacional no terceiro milênio: estudos em homenagem ao professor Vicente Marotta Rangel. São Paulo: LTr, 1998, p. 837.

2.1 Fase administrativa – o pedido

Fala-se em fase administrativa porque são resolvidas questões burocráticas, sendo

analisados de pronto os documentos apresentados pelo Estado requerente, para

posteriormente resolver a questão extradicional.

Para existir a extradição é necessário que haja um pedido. A solicitação é requerida

normalmente por via diplomática pelo Estado requerente ao Brasil. Na falta deste agente, o

pedido é feito de governo a governo, sendo de competência do Chefe do Governo

brasileiro decidir sobre o recebimento do pedido de extradição e o seu encaminhamento ao

Supremo Tribunal Federal (art. 80, caput do Estatuto do Estrangeiro).

Desta forma, o Estado não pode agir espontaneamente, oferecendo-se à devolução do

extraditando sem qualquer provocação ou solicitação do Estado interessado.

O pedido de extradição é feito com base em medidas assecuratórias, que

comprovem que o súdito estrangeiro é realmente réu em processo penal no país requerente.

Por isso faz-se necessário que tal pedido venha acompanhado de cópia autenticada ou

certidão da sentença condenatória, ou de decisão que decretar a prisão preventiva,

proferida por juiz ou autoridade competente. Este documento conterá indicações precisas

sobre o local, data, natureza e circunstâncias do fato criminoso, identidade do extraditando

e cópia dos textos legais sobre o crime, a pena a ser aplicada e sua prescrição.

Não havendo tratado que disponha em contrário, os documentos citados têm que

estar na versão oficialmente traduzidos para o idioma português.23

Assim, percebe-se que para haver a extradição no país solicitante é necessário um

procedimento judicial, em curso ou já concluído, não sendo suficientes meras acusações.

A jurisprudência do STF é no sentido de que, não instruído regularmente o pedido

de extradição, este deve ser indeferido, cabendo ao Estado requerente o ônus de carrear

para os autos do pedido de extradição os documentos necessários ao seu julgamento.24

Somadas a essas comprovações de delito cometido no Governo requerente, há a

necessidade deste provar que o indivíduo procurado encontra-se realmente no Brasil.

23 Cf. art. 80, caput, e § 2º do Estatuto do Estrangeiro, bem como art. 83, §1º do mesmo diploma legal. Ainda, o julgado do STF: “A jurisprudência da Casa é no sentido de que, não instruído regularmente o pedido de extradição, este deve ser indeferido, cabendo ao Estado requerente o ônus de carrear para os autos do pedido de extradição os documentos necessários ao seu julgamento” (Ext. 967, Min. Carlos Velloso, decisão monocrática, j – 20/9/05, DJ – 28/9/05). 24 “EXTRADIÇÃO. DILIGÊNCIA. TRADUÇÃO INIDÔNEA. FALTA DE NORMA SOBRE PRESCRIÇÃO. DILIGÊNCIA RECLAMANDO TRADUÇÃO IDÔNEA DE DOCUMENTOS E PRODUÇÃO DE NORMAS RELATIVAS À PRESCRIÇÃO DO DELITO IMPUTADO AO EXTRADITANDO. NÃO CUMPRIMENTO. PEDIDO INDEFERIDO” (Ext. 422, Rel. Min. Francisco Rezek, j – 8/585, DJ – 21/6/85).

O artigo 82 do Estatuto do Estrangeiro diz que, em caso de urgência e, se solicitada

em termos hábeis, a prisão do extraditando poderá ser ordenada.25

Efetivada a prisão, o Estado requerente deverá formalizar o pedido, se antes não o

fez, no prazo de 90 dias.26 Passado esse prazo, o infrator será posto em liberdade, não

sendo admitido novo pedido pelo mesmo fato sem que haja pedido formal de extradição.27

De acordo com o art. 84, parágrafo único, do mesmo diploma legal, a prisão

perdurará até o julgamento da extradição pelo STF, não sendo admitidas a liberdade

vigiada, a prisão domiciliar nem a prisão-albergue.28

Para o Supremo Tribunal Federal, o pedido de extradição não terá andamento sem

que o extraditando seja preso e colocado à sua disposição.29 Neste sentido:

A prisão preventiva decretada pelo Ministro-Relator em sede extradicional tem por finalidade específica submeter o extraditando ao controle jurisdicional do Supremo Tribunal Federal até o julgamento final da extradição (art. 84, parágrafo único, da Lei nº 6.815/80). 2. Concedida a extradição, a prisão do extraditando tem por objetivo viabilizar a sua remoção do território nacional pelo Estado-requerente (art. 86, da Lei nº 6.815/80). Como se vê, é necessária a manutenção da prisão do extraditando. Isso se explica por uma razão muito simples. Quando a extradição é julgada mas ainda não executada, não se pode permitir a liberdade do extraditando, uma vez que isso maximizaria os riscos de evasão – e, portanto, de tornar impossível a execução da extradição. A manutenção da prisão provisória é, pois, necessária para que se viabilize por inteiro a extradição (HC 85.983, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j – 1/8/05, DJ – 10/8/05).

Na prática a prisão não é efetuada somente em casos urgentes e serve na realidade

como medida assecuratória, porque uma vez que o súdito estrangeiro toma ciência que está

sendo procurado pela justiça do Estado requerente, aumenta-se o risco de evasão do

território brasileiro, portanto tornando-se impossível a execução da extradição.

Compete ao Departamento de Polícia Federal, por determinação do Ministro da

Justiça efetivar a prisão do extraditando, de acordo com o artigo 110, I, do Estatuto do

Estrangeiro.

25 Cf. art. 82, da Lei nº 6.815/80. 26 Em alguns tratados de extradição que o Brasil firma com outros Estados este prazo é diferente. Veja-se o estipulado no tratado bilateral com a Itália, por exemplo: Art. 13, §4º: “Se o pedido de extradição e os documentos indicados no art. 11, parágrafo 1º não chegarem à parte requerida, até 40 dias a partir da data da comunicação prevista no parágrafo terceiro, a prisão preventiva ou as demais medidas coercitivas perderão eficácia. A revogação não impedirá uma nova prisão ou a nova aplicação de medidas coercitivas, nem a extradição, se o pedido de extradição chegar após o vencimento do prazo acima mencionado” (grifei). No mesmo sentido os acordos firmados com Colômbia, França, Venezuela, dentre outros. 27 Cf. art. 82, § 1º e 2º do Estatuto do Estrangeiro. 28 “A prisão do extraditando perdurará até o julgamento final do STF, não sendo admitidas a liberdade vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão-albergue. Inviável o deferimento do writ para que o extraditando possa trabalhar regularmente durante o dia, somente se recolhendo à prisão durante o horário noturno” (HC 63.763, Rel. Min. Néri da Silveira, j – 5/3/86, DJ – 4/3/88). 29 RISTF, Art. 208: “Não terá andamento o pedido extradicional sem que o extraditando seja preso e colocado a disposição do Tribunal”.

2.2 Fase Judicial

O exame judiciário do processo extradicional garante a observância dos direitos do

homem e as garantias de cooperação entre os Estados através do due process of law.

Cabe ao Supremo Tribunal Federal apreciar, examinar, discutir e decidir sobre a

legalidade ou não da extradição. Não há a análise da materialidade do delito.30 Sobre o

assunto, explica a Professora Taciana Barreto:

Para que o pedido seja formulado é necessário que o crime tenha sido praticado no país requerente da extradição. É o princípio da lex loci delicti commisi. Justifica-se a extradição, principalmente, pelo fato de ser mais fácil obter provas no lugar do crime. Por isso, não cabe ao Estado requerido recusar o pedido extradicional, embora tenha o direito de faze-lo, se entender, após exame, ser a extradição injusta ou irregular. Neste aspecto, cumpre mencionar o sistema de contenciosidade limitada, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, no Brasil, a autoridade judicial limita-se a verificar a regularidade extrínseca do pedido extradicional, não adentrando no mérito da ação promovida no exterior. Portanto, a defesa do extraditando só poderá argüir as questões relativas a sua identidade, a defeito de forma dos documentos apresentados pelo requerente ou a ilegalidade do pedido.31

Ao receber o pedido de extradição, o relator (sorteado) designará dia e hora para o

interrogatório do extraditando. O advogado deverá apresentar defesa prévia no prazo de 10

(dez) dias, caso o indivíduo não tenha advogado constituído, o relator nomear-lhe-á um.32

A constituição de defensor independe de instrumento de mandato, se o acusado o

indicar por ocasião do interrogatório.

Aplica-se ao processo de extradição o disposto no artigo 266 do Código de Processo Penal – a constituição de defensor independente de instrumento de mandato, se o acusado o indicar por ocasião do interrogatório. (...) Atende à exigência legal a

30 “Apenas excepcionalmente, caberá ao Supremo Tribunal Federal a análise de determinadas matérias que dizem respeito ao mérito, como a ocorrência de prescrição penal, configuração vacância do princípio da dupla incriminação ou da configuração eventualmente política do delito imputado ao extraditando. O exame judicial restringe-se à verificação da legalidade da extradição, a procedência do pedido e, em caso de mais de um Estado requerente, a determinação de qual deles terá preferência em ver atendido seu pedido.” (LISBOA, Carolina. op.cit., p. 146). No mesmo sentido o julgado da Suprema Corte: “Precedentes: RTJ 134/56-58 – RTJ 177/485-488. PROCESSO EXTRADICIONAL E SISTEMA DE CONTENCIOSIDADE LIMITADA: INADMISSIBILIDADE DE DISCUSSÃO SOBRE A PROVA PENAL PRODUZIDA PERANTE O TRIBUNAL DO ESTADO REQUERENTE. – A ação de extradição passiva não confere, ao Supremo Tribunal Federal, qualquer poder de indagação sobre o mérito da pretensão deduzida pelo Estado requerente ou sobre o contexto probatório em que a postulação extradicional se apóia. (...) A análise, pelo Supremo Tribunal Federal, de aspectos materiais concernentes à própria substância do ilícito penal revela-se possível, ainda que em bases excepcionais, desde que se mostre indispensável à solução de controvérsia pertinente (a) à ocorrência de prescrição penal, (b) à observância do princípio da dupla tipicidade ou (c) à configuração eventualmente política tanto do delito atribuído ao extraditando quanto das razões que levaram o Estado estrangeiro a requerer a extradição de determinada pessoa ao Governo brasileiro” (Ext 953, Rel. Min. Celso de Mello, j – 28/9/05, DJ – 11/11/05). 31 BARRETO, Meira Ticiana. MEDIDAS DE EXCLUSÃO DE ESTRANGEIROS NO ORDENAMENTO BRASILEIRO. Disponível em: <http://www.jfpb.gov.br/esmafe/pdf_esmafe/Medidas%20de%20exclus%C3%A3o%20de%20estrangeiros%20no%20ordenamento%20brasileiro.pdf>. Acesso em 20 de outubro de 2007. 32 Cf. art. 85 e parágrafos seguintes, da Lei nº 6.815/80.

circunstância de se ter, no processo, ordem de prisão emanada de autoridade competente e decisão reveladora do desprovimento do recurso.33

Não caberá recurso da decisão proferida quanto ao pedido de extradição. Para

corroborar, o entendimento da doutrinadora Gilda Russomano:

A inflexibilidade da sentença final do processo, além de não admitir recurso, a não ser embargos declaratórios, se estende a seus efeitos: mesmo que a extradição seja negada por mera insuficiência de documentação, o Estado requerente não poderá renovar o pedido com base nos mesmos fatos.34

Assim sendo, não caberá recurso para o Estado requerente tampouco para a defesa do

extraditando da decisão sobre a extradição.

2.3 Fase administrativa – a entrega

Concedido o pedido, será o fato comunicado à missão diplomática do Estado

requerente, através do Ministério das Relações Exteriores para que, no prazo de 60

(sessenta) dias, contados desta comunicação, retire o extraditando do território nacional.

Não havendo a retirada no prazo supramencionado, o indivíduo será posto em liberdade,

sem prejuízo de responder a processo de expulsão, se o motivo da extradição o

recomendar.35

A entrega do extraditando nada mais é que o procedimento de devolução do

indivíduo infrator ao Estado solicitante, para que lá cumpra a pena devida.

Concedido o pedido e após todo o trâmite do processo extradicional, o súdito

estrangeiro será entregue ao Estado requerente. A entrega do extraditando será adiada

quando:

a) o extraditando estiver sendo processado, ou tiver sido condenado pela Justiça brasileira

por crime punível com pena privativa de liberdade. Entretanto a extradição será executada

somente depois da conclusão de tal processo no Brasil, salvo se o Governo autorizar.36

b) a entrega trouxer risco para a vida do extraditando, devido a enfermidade grave

comprovada por laudo médico oficial, deste modo ficará postergada até o desaparecimento

daquele risco. 37

33 Ext 951, Rel. Min. Marco Aurélio, j – 1/7/05, DJ – 9/9/05. Além dos embargos de declaração em extradição, o STF admite o recurso de habeas corpus. Cf. SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. As novas tendências do direito extradicional. RT: São Paulo, 1998, p. 119. 34 RUSSOMANO, Gilda. op. cit., p. 141. No mesmo sentido o art. 88 do Estatuto do Estrangeiro: “Negada a extradição, não se admitirá novo pedido baseado no mesmo fato”. 35 Cf. art. 86 e 87 da Lei nº 6.815/80. 36 Art. 90 da Lei nº 6.815/80: “O Governo poderá entregar o extraditando ainda que responda a processo ou esteja condenado por contravenção”.

A entrega não será efetivada sem que o Estado requerente assuma o compromisso

de:

a) não ser o extraditando preso nem processado por fatos anteriores ao pedido de

extradição;

b) de computar o tempo de prisão que, no Brasil foi imposta por força de extradição;

c) de comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte;

d) de não ser o extraditando entregue, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que

o reclame; e

e) de não considerar qualquer motivo político para agravar a pena. 38

De acordo com o art. 92 do Estatuto do Estrangeiro, o extraditando será entregue,

respeitados os direitos de terceiros, juntamente com todos os seus pertences. Os objetos e

instrumentos do crime encontrados em seu poder poderão ser entregues independentemente

da entrega dele.39

Se após efetuada a entrega do extraditando ao Estado requerente, este empreender

fuga, retornando ao território nacional, ou por ele transitar, será detido novamente

mediante pedido feito por via diplomática ou, diretamente, de Governo a Governo. Nestes

casos, o extraditando será entregue, sem outras formalidades.40

Compete ao Departamento de Polícia Federal, por determinação do Ministro da

Justiça proceder à entrega do extraditando ao Estado ao qual houver sido concedida a

extradição, de acordo com o artigo 110, II do Estatuto do Estrangeiro.

O trânsito de pessoas extraditadas por Estados estrangeiros, e a respectiva guarda

no território nacional, poderá ser permitido, mediante documentos que comprovem a

concessão da medida. É o que dispõe o art. 94 da Lei n. 6.815/80.41

37 Cf. art. 89 da referida Lei, para ambos os casos. 38 Cf. art. 91 e incisos do mesmo diploma legal. Tais condições serão tratadas individualmente no próximo capítulo. 39“A respeito da entrega de bens relacionados com o pedido de extradição, todos os entendimentos bilaterais formados pelo Brasil, à exceção daquele com o Paraguai, dedicam artigo exclusivo ao tema. (...) Em todo o conjunto restante, estipula-se que os bens – interpretados no acordo com a Bolívia como objetos, valores e documentos – que se relacionarem com o delito, e, no momento da prisão da pessoa reclamada tiverem sido encontrados em seu poder, serão entregues ao Estado requerente” (ACQUARONE, Appio. op. cit.¸ p. 92). 40 Cf. art. 93 da Lei nº 6.815/80. 41 “Com a Itália, a Austrália, e a Espanha inclui-se parágrafo que torna desnecessária a solicitação do trânsito de extraditados quando se fizer por via aérea sem a previsão de aterrissagem em território do Estado de passagem, ressalvado, no caso do acordo com os espanhóis, tratando-se de aeronave militar. Com Portugal, mesmo sem pouso previsto em solo de uma das Partes, é necessário comunicação específica” (ACQUARONE, Appio. op.cit., p. 94).

Quanto às despesas da extradição, o Estatuto do Estrangeiro é omisso, mas alguns

tratados bilaterais trazem expressamente certas determinações. Para ilustrar, o tratado

firmado entre Brasil e Austrália, em seu artigo 16:

Parágrafo 1º: A parte requerida tomará todas as providências necessárias e arcará com todas as despesas relativas a quaisquer procedimentos derivados de um pedido de extradição e representação e representará, em outros aspectos, os interesses da parte requerente; Parágrafo 2º: A parte requerida arcará com as despesas realizadas em seu território para a prisão da pessoa cuja extradição for pretendida, bem como sua manutenção sob custódia até sua entrega à pessoa designada pela parte requerente; Parágrafo 3º: A parte requerente arcará com as despesas decorrentes da retirada da pessoa do território da parte requerida.42

Nada mais justo que o Estado requerente arcar com certas despesas, uma vez que o

Estado requerido também contribui financeiramente ao localizar o extraditando, prender e

manter o mesmo preso em regime integralmente fechado, bem como todas as demais

custas ao movimentar seus Poderes Executivo e Judiciário.

O fundamento jurídico do pedido de extradição há de ser um tratado ou promessa

de reciprocidade para tratamento de casos análogos entre os dois países no qual se

estabeleça determinados pressupostos para ser efetivada a entrega da pessoa reclamada.43

3. Extradição por tratados

Os tratados de extradição são acordos celebrados entre os governos, através dos

quais são estabelecidas regras para a entrega recíproca dos infratores que tenham praticado

o delito no território de um dos Estados em questão e se refugiado dentro das fronteiras do

outro.

No Brasil, o primeiro tratado de extradição foi assinado entre 1826 e 1836, com

França, Inglaterra, Alemanha e Portugal. A Circular de 1847 inaugurou no Brasil Império a

regulamentação da extradição sob o regime administrativo.44

42 Cf. Art. 372 do Código de Bustamante. 43 Cf. SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 2ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 230. 44 Cf. RUSSOMANO, Gilda. op. cit p. 116 e 117. Sobre a Carta Circular, ilustra Aquarone: “A circular de 1847 faz surgir, como quer Valladão, o direito brasileiro sobre a extradição, e estabelece os alicerces para a análise das solicitações a serem encaminhadas por governos estrangeiros. Em suas instruções aos agentes diplomáticos e consulares do Império, discrimina os requisitos de territorialidade do delito; arrola os crimes justificativos – roubo, assassínio, moeda falsa, falsificação, e alguns outros; exige que as leis brasileiras justifiquem a prisão e a acusação; consagra a via diplomática; disciplina o concurso de pedidos; estabelece recusa da extradição de nacionais e dos criminosos políticos; e dispõe sobre pagamento das despesas decorrentes. É o chão sobre o qual vai construir-se o edifício da bilateralidade no campo extradicional do Segundo Reinado, até ser demolido pela República” (ACQUARONE, Appio Cláudio. op. cit., p. 43 e 44).

O dever moral de repreender os delitos graves e de ensejar a correta administração

penal só pode transformar em dever jurídico por força do tratado de extradição, que tem a

finalidade de regulamentar a extradição obrigatória. 45

Na colisão entre legislação interna e tratado de extradição, este prevalece.46

Para ilustrar, o seguinte julgado:

Conflito entre a lei e o tratado. Na colisão entre a lei e o tratado, prevalece este, porque contém normas específicas. O prazo de 60 dias fixado no Tratado de Extradição Brasil – Estados Unidos, cláusula VII, conta-se do dia da prisão preventiva ao em que foi apresentado o pedido formal da extradição. A detenção anterior, para outros fins, não é computada (HC 58.727, Rel. Min. Soares Muñoz, julgamento em 18-3-81, DJ – 3-4-81) A existência de Tratado, regulando a extradição, quando em conflito com a lei, sobre ela prevalece, porque contém normas específicas (RTJ 70/333 – RT 554/434).47

As normas desses acordos determinam os procedimentos, a competência, e em

alguns, inclusive, são indicadas precisamente as infrações passíveis de extradição. É o caso

do tratado firmado entre Brasil e Bélgica.48

45 Cf. RUSSOMANO, Gilda. op. cit., p. 42. 46 “No Brasil, um conflito entre normas contratuais e disposição interna se resolve pela aplicação do tratado, não só porque as regras do tratado são especiais em relação às da lei, como, também, porque os tribunais estão obrigados a emprestar a eficácia aos tratados regularmente concluídos. Neste sentido, tem decidido o Supremo Tribunal Federal: ‘a existência de Tratado, regulando a extradição, quando em conflito com a lei, sobre ela prevalece porque contém normas específicas’. Ainda é predominante o entendimento de que o pedido de extradição deve se apoiar em um tratado, e, por isso, a crescente solidariedade internacional na luta contra o crime tem multiplicado esses acordos interestatais para a entrega de criminosos” (LISBOA, Carolina. op. cit., p. 124). Quanto a hierarquia de tratados, explica André Lupi: “(...)depois do Recurso Extraordinário 80.004, a jurisprudência firmou-se no sentido da paridade hierárquica entre a legislação ordinária e os tratados (...). Contudo, a equiparação dos tratados à legislação ordinária admite algumas exceções. Assim, o artigo 98 do Código Tributário Nacional determina que os tratados prevalecem sobre a legislação ordinária. Também em matéria de extradição, o STF preferiu aplicar um tratado em detrimento da legislação posterior. Em ambos os casos, a distinção entre tratado-contrato e tratados-lei foi útil para conferir à primeira categoria o caráter de especialidade pelo qual passaram a merecer primazia sobre as leis internas, em aplicação do critério lex specialis

derogat generali” (LUPI, André L. P. B. A aplicação dos tratados de direitos humanos no Brasil a partir da Emenda Constitucional n. 45. Revista dos Tribunais (São Paulo), São Paulo, v. 847, p. 11-24, 2006). 47 HC 73.552, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, j – 8/2/96, DJ – 14/2/96. 48 Art. 2º: “Os seguintes crimes ou delitos autorizam a extradição, quando, segundo a lei do Estado requerido, a infração for punível com pena de um ano no mínimo, de prisão: 1º) Crimes contra a vida, inclusive homicídio simples, o assassínio, o parricídio, o infanticídio, o envenenamento, e o aborto voluntário; 2º) Lesões ou ferimentos voluntários, quando deles resultar morte ou enfermidade duradoura, incapacidade permanente de trabalho ou mutilação de um dos membros ou órgãos do corpo; 3º) Estupro, atentado ao pudor cometido com violência, conjunção carnal mediante fraude; Atentado ao pudor cometido com ou sem violência na pessoa de menores de ambos os sexos, até a idade determinada pela legislação penal dos dois Estados; Atentado aos bons costumes, por meio de incitamento, facilidades ou ajuda à corrupção ou devassidão de menores de ambos os sexos, para satisfação de paixões alheias. 4º) Atentado à liberdade individual ou seqüestro arbitrário, rapto de menores, supressão ou substituição de crianças; 5º) Bigamia; 6º) Atos atentatórios à segurança da circulação nas estradas de ferro, destruição total ou parcial de construções, de aparelhos telegráficos ou telefônicos, destruição ou deterioração de monumentos, objetos de arte, livros de registro, documentos públicos e outros objetos destinados à utilidade pública, destruição ou deterioração de gêneros, mercadorias e outras propriedades móveis e oposição à execução de obras públicas; 7º) Incêndio voluntário; 8º) Roubo, furto, abuso de confiança, receptação e extorsão; 9º) Estelionato; 10º) Peculato, furto, abuso de confiança, receptação e extorsão; 11º) Falso testemunho, falsa perícia, falso juramento e suborno de testemunhas; 12º) Infração das leis que suprimem a escravidão, o tráfico de escravos, de mulheres e crianças; 13º) Crimes e delitos contra fé pública, inclusive

Em atenção a este tratado especificamente houve um parecer dos Consultores

Jurídicos do Itamaraty, devido a denúncia dos antigos tratados (enquadrando-se o tratado

Brasil- Bélgica de 1957), na tentativa de retirar o sistema-lista do presente tratado, que é a

enumeração dos fatos delituosos autorizadores da extradição.49 Mesmo com todas as

justificativas plausíveis, o Governo da Bélgica não admitiu a possibilidade de adotar o

sistema de grau de penalidade como base para a extradição.

O Brasil firma tratados de extradição com os seguintes Estados, além do acordo

específico do Mercosul:50

País Data da Assinatura Decreto Argentina 15 de novembro de 1961 Decreto nº 62.979. Austrália 22 de agosto de 1994 Decreto nº 2.010, de

25/9/1996. Bélgica 6 de maio de 1953 Decreto nº 41.909, de

29/6/1957. Bolívia 25 de fevereiro de 1938 Decreto nº 9.920, de 8/7/1942. Chile 8 de novembro de 1935 Decreto nº 1.888, de

17/8/1937. Colômbia 28 de dezembro de 1938 Decreto nº 6.330, de

25/9/1940. Coréia do Sul 1º de setembro de 1995 Decreto nº 4.152 de 7/3/2002. Equador 4 de março de 1937 Decreto nº 2.950, de 8/8/1938. Espanha 2 de fevereiro de 1988 Decreto nº 99.340, de

22/6/1990. Estados Unidos 13 de janeiro de 1961 Decreto nº 55.750, de

11/2/1965. França 28 de maio de 1996 Decreto nº 5.258, de

27/10/2004. Itália 17 de outubro de 1989 Decreto nº 863, de 9/7/1993. Lituânia 28 de setembro de 1937 Decreto nº 4528, de

16/8/1939. México 28 de dezembro de 1933 Decreto nº 2.535, de

22/3/1938. Paraguai 24 de fevereiro de 1922 Decreto nº 16.925, de

27/5/1925. Peru 13 de fevereiro de 1919 Decreto nº 15.506, de

31/5/1922.

falsificação ou a alteração de moeda ou de papel-moeda, de notas e outros papéis de crédito com curso legal, de ações e outros títulos emitidos pelo Estado, por corporações, por particulares; a falsificação ou alteração de selos do correio, estampilhas, timbres ou selos do Estado e das repartições públicas; o uso fraudulento dos ditos objetos falsificados ou adulterados ou a respectiva introdução, emissão ou circulação com intenção dolosa; o uso fraudulento ou abuso de selos, timbres, marcas autênticas; Falsificação de escrituras públicas ou particulares, falsificação de documentos oficiais ou de quaisquer títulos de comércio; uso fraudulento desses documentos, falsificados ou adulterados, subtração de documentos. 14º); Desamparo ou abandono de crianças, quando daí resultar lesão corporal grave ou morte; 15º) Lenocínio ou explosão habitual de prostituição ou da devassidão de outrem; 16º) Falência fraudulenta e fraude cometida em falências; 17º) Propostas para cometer um crime ou nele participar, ou aceitação dessas propostas. Na enumeração acima estão compreendidas, não só a autoria direta e a co-autoria, mas também a cumplicidade e a tentativa, desde que, porém esta última seja punível pelas leis dos dois Estados contratantes”. 49 Cf. Pareceres dos Consultores Jurídicos do Itamaraty, vol. V, Senado Federal: Brasília, 2001, p. 64. 50 Disponível em: <www.mj.gov.br>. Acesso em 30 de junho de 2007.

Portugal 7 de maio de 1991 Decreto nº 1.325, de 2/12/1994.

Reino Unido 18 de julho de 1995 Decreto nº 2.347, de 10/10/1997.

Suíça 23 de julho de 1932 Decreto nº 23.997, de 13/3/1934.

Uruguai 27 de dezembro de 1916 Decreto nº 13.414, de 15/1/1919.

Venezuela 7 de dezembro de 1938 Decreto nº 5.362, de 12/3/1940.

Mercosul 10 de dezembro de 1998 Decreto nº 4.975, de 30/1/2004.

Após uma noção sobre extradição, explanados os princípios norteadores e o

procedimento extradicional, necessário se faz separar as duas formas passíveis de

extradição, quais sejam: tratado bilateral e promessa de reciprocidade.

Explicada a primeira forma, quando ocorre e demonstrados quais os países que

firmam acordos com o Brasil, passa-se a analisar a segunda forma de extradição, qual seja,

aquela promessa de reciprocidade.

2º Capítulo 4. Extradição por reciprocidade

Segundo Piombo,51 que analisou legislações de diversos países, pode-se dizer que

duas são, em geral, as bases jurídicas da extradição: o tratado e a promessa de

reciprocidade.

No Brasil, as condições para o deferimento do pedido descritas no tratado (visto no

capítulo anterior) prevalecem inclusive sobre as leis internas, por conta do princípio da

especialidade.

A ausência de tratado bilateral sobre extradição entre os governos pode ser

superada pela promessa de reciprocidade entre os países, não impedindo a formulação e o

eventual atendimento do pleito extradicional, desde que o Estado requerente prometa

reciprocidade de tratamento ao Brasil, mediante expediente (Nota Verbal)52 formalmente

transmitida pelas partes competentes.

Sobre extradição por reciprocidade, afirma Gilda Russomano:

Têm elas a mesma natureza jurídica dos tratados, mas dos mesmos se separam por dois motivos fundamentais: em primeiro lugar, pelo seu campo de aplicação, que é muito mais restrito; em segundo lugar, pelo fato de poderem ser, a qualquer momento, denunciadas por um dos governos interessados.53

Assim, uma vez firmado compromisso pelo Estado estrangeiro no sentido da

reciprocidade de tratamento para casos análogos, configura-se seu expresso

reconhecimento da obrigação de deferir ao Brasil pedidos idênticos. Em outras palavras, o

país requerente se compromete, no futuro, como Estado requerido, a conceder a extradição

quando se apresente um caso análogo.

Daí a admissibilidade dessa promessa como fundamento de pedido de extradição

passiva, nos exatos termos do art. 76, in fine, da Lei nº 6.815/80.

Desde 1847, embora tenha havido um período em que, por omissão da Lei nº 39 de

1892 sobre o tema, muitos pedidos com este fundamento tenham sido negados entre 1906 e

51 PIOMBO, Horácio Daniel. In: ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS, Comissión de Jurisconsultos. Séptimo Curso de Derecho Internacional, 1980. 52 “Uma das duas fórmulas das Notas Diplomáticas, a Nota Verbal é a mais freqüentemente usada e incide sobre questões correntes de menor importância ou de trâmite comum. Normalmente é redigida na terceira pessoa, sendo endereçada pela missão diplomática aos serviços centrais do Ministério de Negócios Estrangeiros do Estado receptor, ou vice-versa”. Disponível em: <http://notasverbais.blogspot.com/2003/09/primeira-entrada-nota-verbal.html>. Acesso em 11 de setembro de 2007. 53 RUSSOMANO, Gilda. A extradição no direito internacional e no direito brasileiro. 3ª ed., São Paulo: RT, 1981, p. 48.

1911, desde a Lei nº 2.416 de 1911, a possibilidade de extradição por reciprocidade vem

sendo mantida no território nacional.54

O sistema brasileiro prefere a promessa genérica destinada a albergar casos futuros,

enquanto outros países, como a Argentina, preferem declarações feitas caso a caso. A

oferta de reciprocidade, segundo estudo feito por Horácio Daniel Piombo, pode dimanar do

juiz da causa, das autoridades políticas ou das autoridades diplomáticas encarregadas que

administram o pedido de entrega. Para este mesmo doutrinador, a reciprocidade tem como

fontes o costume e a exigência de leis internas, sendo exteriorizada mediante declarações

unilaterais – decreto presidencial, resolução ministerial ou judicial, tendo como conteúdo

um caso singular ou declarações bilaterais.55

A promessa de reciprocidade também pode ser usada com caráter suplementar a

tratado porventura existente, quando o promitente garante a extradição em condições não

previstas no tratado. Mesmo os Estados que possuem tratados com o Brasil podem requerer

extradição apoiando-se em promessa de reciprocidade, quando ela for suplementar ao

acordo.56 Todavia, qualquer país não signatário de tratado de extradição pode requerê-la

com base na promessa de reciprocidade.

A extradição por reciprocidade é atribuição do Poder Executivo, uma vez que a fase

administrativa não exige referendo legislativo e pode ser recusada sumariamente, baseada

na discrição governamental. Já na extradição baseada em tratado bilateral, o Executivo não

pode, liminarmente, recusar-se a concedê-la, deve remeter o pedido ao Supremo Tribunal

Federal para que sejam apreciados os aspectos de legalidade e procedência. Sobre a recusa

da extradição, esclarece Lisboa:

E, neste caso, embora não seja tradição brasileira, a recusa poderá ser sumária. Todavia, se o Estado requerente invocar a existência de reciprocidade oferecida pelo Brasil, este, então, não poderá frustrar o exame do pedido que, se legal e procedente, imporá o atendimento, como resultante da palavra empenhada. (...) Desse modo, ao remeter ao Supremo Tribunal Federal os documentos justificadores da extradição, o

54 Cf. VELOSO, Kleber Oliveira. Brasil: o viés extraditório. Goiânia: Edição do Autor, 2004, p. 373-380. No relato de Acquarone: “As declarações de reciprocidade, via de deferimento de solicitações de extradição na ausência de acordo específico, amplamente utilizadas no período imperial, foram, por constituírem-se em fast

track para o intercâmbio extradicional, alvo preferencial do juízo republicano. Só em seu relacionamento extradicional com o Governo francês, o Império concedeu a extradição, por intermédio de declarações de reciprocidade, no período de 1847 a 1886, de 15 condenados pelas leis francesas. Nem o fracasso das negociações entabuladas em 1857, 1868 e 1874 para a adoção de acordo regulador da extradição entre o Brasil e a França abalaram o freqüente intercâmbio bilateral na entrega dos indivíduos acusados ou condenados” (ACQUARONE, Appio Cláudio. Tratados de extradição: construção, atualidade e projeção do relacionamento bilateral brasileiro. Brasília: Instituto Rio Branco; Fundação Alexandre de Gusmão, 2003, p. 51). 55 PIOMBO, Horácio Daniel. op. cit., p. 220 e 221. 56 Vide, nesse sentido, GUEIROS, Artur. O princípio da especialidade na extradição necessita ser homologado no STF? – Uma análise do “caso Jorgina”. Boletim dos Procuradores da República, ano 1, n. 5, p. 7-9, set. 98.

Poder Executivo já denuncia, com sua iniciativa, a aceitação do pedido formulado, que é de sua alçada exclusiva.57

O súdito estrangeiro tem direito à garantia da ampla defesa, ao contraditório, à

igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do

magistrado processante. Mesmo que o extraditando concorde em ser extraditado, as

formalidades inerentes ao processo extradicional não poderão ser dispensadas, uma vez

que as mesmas são garantias instituídas em favor do extraditando. Para ilustrar, o seguinte

julgado:

Extradição passiva de caráter instrutório – Suposta prática do delito de tráfico internacional de entorpecentes – Inexistência de tratado de extradição entre o Brasil e a República Federal da Alemanha – Promessa de reciprocidade – fundamento jurídico suficiente – concordância do extraditando – dado juridicamente irrelevante – necessidade de respeito aos direitos básicos do súdito estrangeiro – observância, na espécie, dos critérios da dupla tipicidade e da dupla punibilidade – atendimento, no caso, dos pressupostos e requisitos necessários ao acolhimento do pleito extradicional – Extradição deferida (grifei) (Ext 953, Rel. Min. Celso de Mello, j -28/09/2005, DJ 11/11/2005).

Via de regra, todos os tratados de extradição tratam sobre concurso de pedidos de

extradição. Na ausência destes, faz-se necessário respeitar o imposto no artigo 79 do

Estatuto do Estrangeiro:

Quando mais de um Estado requerer a extradição da mesma pessoa, pelo mesmo fato, terá preferência o pedido daquele em cujo território a infração foi cometida. §1º: Tratando-se de crimes diversos, terão preferência, sucessivamente: I – o Estado requerente em cujo território haja sido cometido o crime mais grave, segundo a lei brasileira; II – o que em primeiro lugar houver pedido a entrega do extraditando, se os pedidos forem simultâneos; III – o Estado de origem, ou, na sua falta, o domiciliar do extraditando, se os pedidos forem simultâneos; §2º: Nos casos não-previstos decidirá sobre a preferência o Governo Brasileiro.58

De acordo com o Ministério da Justiça os pedidos mais freqüentes de extradição por

reciprocidade ao Brasil são feitos pela Alemanha, seguidos da Holanda e Áustria. 59

57 LISBOA, Carolina Cardoso Guimarães. A relação extradicional no direito brasileiro, Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 127. 58 No mesmo sentido o art. 11, do Tratado de Extradição firmado entre Brasil e Argentina. 59 Interessante observar o acordo firmado entre Brasil e Alemanha quanto à promessa de reciprocidade: “De acordo com dados da DAI, por sugestão da Legislação alemã no Rio de Janeiro, o Governo Brasileiro concordou em 1915/1926 em manter o regime de extradições entre os dois países com base no princípio de reciprocidade e inspirado nos preceitos do Tratado bilateral de 17.9.1877 (denunciado em 14.3.1913). Tal entendimento foi confirmado por meio de notas diplomáticas trocadas entre o embaixador alemão no Brasil, Hubert Knipping, em 25.11.1925, e o então Chanceler Félix Pacheco, em 1º.4.1926. O texto brasileiro é breve – acusa o recebimento da Nota Verbal alemã e assinala o seguinte: ‘Em resposta, cabe-me levar ao conhecimento de Vossa Excelência que tanto a assistência mútua judiciária em processos criminais, como a extradição e prisão preventiva podem ser mantidas desde que haja promessa de reciprocidade” (KLEEBANK, Susan. Cooperação Judiciária por via diplomática – avaliação e propostas de atualização do quadro normativo. Brasília: Instituto Rio Branco; Fundação Alexandre Gusmão, 2004, p. 121).

Após explanação sobre extradição, explicadas as modalidades de tratado e promessa

de reciprocidade, passa-se a analisar os requisitos exigidos para extraditar, que via de

regra, são aplicados a ambas.

5. Requisitos exigidos para extraditar

A legislação aplicável aos casos em que o país estrangeiro solicita a extradição

fundada em promessa de reciprocidade60 que faz ao Brasil, tem como parâmetros de

avaliação pelo STF os impedimentos à extradição previstos no artigo 77 do Estatuto do

Estrangeiro, e as condições para extradição elencadas no artigo 78 da mesma Lei.

5.1 Impedimentos à extradição

De acordo com o artigo supramencionado, os impedimentos são os seguintes:

a) Não ser o extraditando nacional, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se

após o fato que motivar o pedido;

b) O fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado

requerente;

c) O Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao

extraditando;

d) A lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a um ano;

e) O extraditando estiver respondendo a processo penal, já houver sido condenado ou

absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido;

f) Estiver extinta a punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado

requerente;

g) O fato constituir crime político;

h) O extraditando houver de responder, no Estado requerente, perante tribunal ou juízo de

exceção.

Passa-se a analisar cada item determinado no artigo 77 da referida Lei.

5.1.1 Nacionalidade do extraditando

A nacionalidade define quem pode participar de certos direitos exclusivos no

Estado, como os direitos políticos, e quem pode por ele ser protegido (proteção

diplomática). De acordo com o Direito Internacional, os Estados são livres para estabelecer

60 Quando houver alguma omissão no tratado de extradição, estes requisitos são aplicados.

quem são seus nacionais, desde que a legislação esteja de acordo com as regras

internacionais. Tais normas exigem um vínculo efetivo da pessoa com o Estado para que

ela possa ser considerada nacional daquele (vide o caso Nottebohm61). Este vínculo pode

ser o jus sanguini ou o jus soli. Pode também haver combinação entre eles, o que, aliás,

ocorre no Brasil (art. 12, da Constituição Federal).

A nacionalidade pode ser originária ou não, é o caso da naturalização, uma vez

adquirida, torna-se impedimento à extradição. A naturalização pode ser voluntária ou

involuntária, quando decorrente de aplicação da lei estrangeira.

Não se consolidou ainda, no Direito Internacional, uma norma sobre a extradição

de nacionais. A proibição é mais conhecida em países do sistema romano-germânico.62 Há

um movimento tendente a eliminar os óbices à extradição, inclusive o da nacionalidade,

quando os crimes têm repercussão internacional.

A Carta Magna, em seu art. 5º, LI é clara ao afirmar que nenhum brasileiro será

extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da

naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas

afins, na forma da lei.63

De igual modo, o inciso I do artigo 77 do Estatuto do Estrangeiro afirma que não será

concedida extradição quando se tratar de brasileiro nato.64

61 COUR INTERNATIONALE DE JUSTICE. Affaire Nottebohm. 1955. p. 23. O caso envolveu comerciante alemão que se naturalizou cidadão do Lichtenstein para evitar as sanções decretadas pela Guatemala aos bens dos alemães durante a Segunda Grande Guerra. A Corte julgou que, embora perante o Lichtenstein Nottebohm pudesse invocar seus direitos de nacional, esta lei só teria efeito para terceiros Estados se houvesse algum vínculo efetivo entre o Estado e o sujeito (nascimento ou parentesco, domicílio, residência ou negócios habituais no país). Como não encontrou este vínculo, decretou a inadmissibilidade do exercício da proteção diplomática pelo Estado reclamante, com a conseqüente extinção do feito. 62 Cf. DÜKER, Arnd. The Extradition of Nationals: Comments on the Extradition Request for Alberto Fujimori. German Law Journal, n. 11, 1 November 2003. Disponível em: <http://www.germanlawjournal.com>. Acesso em 20 de julho de 2007. 63 A Constituição Federal Brasileira de 1988 faz esta proteção ao cidadão brasileiro, para que não seja julgado por Tribunal estrangeiro, evitando-se que haja algum ato desumano em território alienígena. No entanto, faz uma ressalva quando se tratar de brasileiro naturalizado quando cometer crime antes da naturalização, neste caso terá que pagar pelo delito cometido. Outra ressalva, também em relação a naturalização ocorre quando o indivíduo trafica entorpecentes, daí não há proteção dele independente do momento da naturalização (se antes ou depois do crime). 64 “Três hipóteses podem ocorrer a esse respeito e merecem estudo detalhado: a)O extraditando é nacional do Estado requerente – hipótese em que não envolve nenhuma dificuldade, pois inexiste divergência doutrinária a respeito da concessão do pedido, se outro motivo a isso impedir. b)O extraditando é nacional de um terceiro Estado – Não há também nenhuma divergência neste particular entre os juristas, embora alguns sustentem que, por uma questão de cortesia internacional, o Estado requerido deve comunicar a solicitação extradicional ao Estado cuja nacionalidade pertence o extraditando. c) O extraditando é nacional do Estado requerido. Em sua quase totalidade, os Estados negam a concessão de extradição de seus nacionais. A doutrina no entanto não é pacífica a respeito. (ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Direito Internacional Público. 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 92 e 93).

Se o indivíduo for nacional do Estado requerente ou de um terceiro Estado, nada

impede que seja concedida a extradição.

A não concessão da extradição não significa que o infrator ficará impune. No caso de

cidadão nato, não será enviado ao país solicitante para que responda a processo penal lá,

mas responderá no Brasil por crime cometido no exterior.65

5.1.2 Se o fato que motivar o pedido de extradição não for considerado crime no Brasil A este inciso pode-se adaptar o Princípio da Dupla Incriminação (Princípio da

Identidade), que determina a não extradição quando o Estado de refúgio não considerar

crime o qual fundamentou o pedido. Desta forma é respeitado o requisito essencial da

dupla punibilidade e dupla tipicidade.66

No entanto, como este princípio já foi analisado no capítulo anterior, mais

precisamente no item 1.4.3, remete-se a leitura a este.

5.1.3 Competência do Estado nacional para julgar o extraditando

Quando o Estado requerido for competente para julgar o cidadão solicitado, devido

ao fato gerador do pedido de extradição ter sido cometido no território brasileiro, sendo

então o território nacional competente para processar ou julgá-lo; ou quando o Estado

nacional negar a extradição do indivíduo quando se tratar de nacional brasileiro, remetendo

65 Cf. art. 7º, II, b do Código Penal Brasileiro: “Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: os crimes praticados por brasileiros”. É o que dispõe o princípio aut dedere auto judicare (ou entregar ou julgar) analisado no capítulo anterior, mais precisamente no item 1.2.1. 66 “EXTRADIÇÃO PASSIVA DE CARÁTER INSTRUTÓRIO – SUPOSTA PRÁTICA DO DELITO DE

TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES – INEXISTÊNCIA DE TRATADO DE

EXTRADIÇÃO ENTRE O BRASIL E A REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA – PROMESSA DE

RECIPROCIDADE – FUNDAMENTO JURÍDICO SUFICIENTE – CONCORDÂNCIA DO

EXTRADITANDO – DADO JURIDICAMENTE IRRELEVANTE – NECESSIDADE DE RESPEITO AOS

DIREITOS BÁSICOS DO SÚDITO ESTRANGEIRO – OBSERVÂNCIA, NA ESPÉCIE, DOS CRITÉRIOS

DA DUPLA TIPICIDADE E DA DUPLA PUNIBILIDADE – ATENDIMENTO, NO CASO, DOS

PRESSUPOSTOS E REQUISITOS NECESSÁRIOS AO ACOLHIMENTO DO PLEITO EXTRADICIONAL – EXTRADIÇÃO DEFERIDA. INEXISTÊNCIA DE TRATADO DE EXTRADIÇÃO E OFERECIMENTO DE PROMESSA DE RECIPROCIDADE POR PARTE DO ESTADO REQUERENTE. (...) O postulado da dupla tipicidade – por constituir requisito essencial ao atendimento do pedido de extradição – impõe que o ilícito penal atribuído ao extraditando seja juridicamente qualificado como crime tanto no Brasil quanto no Estado requerente. O que realmente importa, na aferição do postulado da dupla tipicidade, é a presença dos elementos estruturantes do tipo penal (‘essentialia delicti’), tais como definidos nos preceitos primários de incriminação constantes da legislação brasileira e vigentes no ordenamento positivo do Estado requerente, independentemente da designação formal por eles atribuída aos fatos delituosos”(grifei) (Ext 953, Rel. Min. Celso de Mello, j – 28/9/05, DJ – 11/11/05).

assim ao princípio aut dedere aut judicare (já analisado no capítulo anterior, no item

1.4.1).

5.1.4 Duração da pena

Via de regra, apenas os crimes de maior gravidade dão lugar à extradição, tendo que

ser considerados puníveis de acordo com a legislação dos dois Estados, excluídas as

simples infrações.

Há em todos os tratados firmados pelo Brasil, bem como no Estatuto do Estrangeiro

(art. 77, IV) a exigência de duração mínima da pena aplicada ao indivíduo para que a

extradição seja efetivada, qual seja, a superior a um ano.67

No caso de existirem várias simples infrações cometidas pelo extraditando, não há a

possibilidade da soma dessas penas, para que haja o deferimento da extradição.68

Para elucidar, o julgado do Supremo Tribunal Federal:

Extradição. Condenação à pena de um ano pela prática dos delitos de abuso de confiança, falsificação e uso de cheques falsificados. Superveniência de tratados de extradição que estabelece impedimento à concessão do pedido, quando o restante da pena a ser executada é inferior a determinado período. Na linha da jurisprudência desta egrégia Corte, o tratado de extradição, superveniente ao pedido, é imediatamente aplicável, seja em benefício, seja em prejuízo do extraditando. (...) Incidência, no caso, do dispositivo que veda a extradição, quando a duração do restante da pena a ser cumprida for inferior a nove meses. Aplicada a detração penal em razão do tempo em que esteve preso aguardado o desfecho do processo de extradição, o restante da pena a ser cumprida pelo extraditando seria inferior a seis meses. O instituto da extradição deve ficar adstrito a fatos justificadores de penalidades mais gravosas, em razão das formalidades, morosidade e despesas que naturalmente decorrem de um processo que tal. Extradição indeferida. (Ext 937, Rel. Min. Carlos Britto, j – 3/3/05, DJ – 1/7/05).

5.1.5 Quando o extraditando estiver respondendo a processo penal, já houver sido

absolvido ou condenado pelo mesmo fato no Brasil

O inciso V, do artigo 77 do Estatuto do Estrangeiro visa evitar que o cidadão seja

processado duas vezes pelo mesmo fato, recaindo no princípio non bis in idem. Entretanto,

tal princípio também já foi analisado no capítulo anterior, mais precisamente no item 1.4.2,

desta forma, remete-se à leitura a esse.

67 É o caso dos acordos firmados com Bolívia, Estados Unidos, Paraguai, dentro outros. 68 Gilda Russomano, em estudo ao caso específico: “Se a extradição for solicitada em razão de vários processos, mas todos eles com pena inferior ao limite fixado, poderão ser somadas as penas aplicáveis para o fim de ser concedida a medida? A resposta, segundo Bento de Faria, deve ser negativa, pois cada delito será apreciado separadamente e o ‘agrupamento de penalidades não seria legítimo para fraudar a intenção da lei’” (op. cit., p. 162 e 163). Para a doutrinadora a extradição poderá ser concedida, mesmo quando a pena mínima for inferior a doze meses, desde que seja aplicado ao delinqüente pena igual ou superior a um ano. (idem, p. 83).

5.1.6 Extinção da punibilidade

Não será concedida a extradição quando a punibilidade estiver extinta em

decorrência de qualquer causa legal. Não haverá a punibilidade do cidadão se houver a

prescrição da pena, seja segundo a lei brasileira ou do governo requerente (art. 77, VI, do

Estatuto do Estrangeiro), por contrariar o critério da dupla punibilidade (já mencionado).

5.1.7 Crimes Político, de imprensa, religioso e militar

Não são passíveis de extradição os crimes políticos (art. 5º, LI, da Constituição

Federal do Brasil/88 e art. 77, VII, Lei n. 6.815/80), nem os crimes políticos conexos (o

crime comum é absorvido pelo crime político),69salvo se a infração penal for cometida

contra Chefe de Governo ou membro de sua família, tratando-se de homicídio (ou

tentativa).

Além do mais a própria Constituição Federal/88 em seu artigo 5º, LII proíbe a

extradição quando se tratar de crime político ou de opinião.70

Ressalta-se que os delitos anarquistas ou terroristas71 não são considerados crimes

políticos, e sim anti-sociais, por visarem atingir a organização social de um Estado.

Também não podem ser considerados crimes políticos os atentados a autoridades,

sabotagem, seqüestro de pessoas, propaganda de guerra ou de processos violentos para

subverter a ordem política ou social.72

69“Por outro lado, inversamente ao que ocorre com os delinqüentes comuns, os criminosos políticos – se são elementos perigosos para o regime de sua pátria – não o são, via de regra, relativamente à ordem social do país que lhes deu refúgio. A essa observação, poderíamos acrescentar a de que, em geral, o criminoso político procura refugiar-se em Estados no quais vigoram sistemas políticos que se aproximem de suas convicções pessoais ou, pelo menos, em países neutros e indiferentes à sua posição política. Não seria plausível – a não ser em casos de extrema necessidade – que o refugiado político fosse pedir abrigo a governo hostil à sua posição ideológica, o que poderia criar-lhe situações insustentáveis perante as autoridades locais. (...) Encarando-se a questão por outro prisma, poder-se-ia, até mesmo, concluir que, ao conceder a extradição do criminoso político, o pais requerido estaria influindo na política interna do país requerente, o que seria injustificável em face dos princípios genéricos do Direito das Gentes” (RUSSOMANO, Gilda. op. cit., p. 86 e 87). 70 Art. 5º, LI, da Carta Magna: “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”. 71 Sobre terrorismo e delito político, explica Paulo Emílio Vauthier: “En suma, para no poder contar con el beneplácito de institutos que aseguran la disidencia política, el terrorismo no es un ilícito político, tampoco relacionao a un crime político. Este corresponde el correponde a una mudanza batante significativa de los documentos legales ya existentes y los invocados por la própria convención, como la Declaración de Lima y la Pauta para la Cooperación Interamericana contra Actos y Actividades Terroristas (...) Los individuos o grupos que perpetuán antentados terroristas no cometen acto político, sino crimen comun, y deben ser punidos o extraditados, sin derecho a asilo o a la condición de refugiado” (MACEDO de, Paulo Emílio Vauthier Borges. La aplicación en Brasil de la Convención Interamericana de Combate al Terrorismo). 72 “A maioria dos autores, porém, defende: a) que, na hipótese de infrações políticas, a criminalidade é apenas relativa, ao contrário do que sucede com os delitos ordinários, cuja criminalidade é absoluta, e que, por isso, no primeiro caso, um país pode punir um fato que, em outro país, pode ser admitido como prova de civismo, variando o critério de Estado a Estado, de acordo com as respectivas instituições ou os respectivos costumes políticos; b) que a extradição por crimes políticos pode assumir o caráter de verdadeira ingerência do Estado requerido, nos negócios internos do Estado requerente; c) que, em matéria política, a justiça do Estado contra o

Os crimes militares eram passíveis de extradição nos séculos XVIII e XIX, por ser

uma época marcada por guerras e grandes exércitos nacionais, mas com o passar do tempo

esta possibilidade não foi mais aceita pelos Estados, isto porque pouco interessava a

organização das forças armadas de um governo para outro. Os crimes militares eram: a

covardia, deserção, desrespeito às ordens superiores, abandono de um posto, dentre

outros.73

Os crimes contra religião (desde que não sejam vinculado a delito fiscal) e de

imprensa estão vinculados e equiparados a crimes de opinião, não sendo passíveis de

extradição.74

5.1.8 Extraditando tiver que responder perante tribunal ou juízo de exceção

O Estado requerido é responsável pela pessoa que se encontra em seu território, em

respeito às garantias processuais em seus próprios tribunais e garantias processuais no

procedimento do Estado requerente, sob pena de ter que recusar a cooperação

internacional.75 Quando o extraditando for submetido a julgamento perante tribunal de

exceção, o Estado requerido, como guardião dos direitos e garantias individuais deste, deve

negar a extradição, buscando resguardar a imparcialidade no julgamento por um órgão

judicial independente e livre.76

5.2 Condições para extradição

O art. 78 da referida Lei esclarece que para a extradição ser deferida é preciso que:

I – o crime tenha sido cometido no território do Estado requerente ou serem aplicáveis ao

extraditando as leis penais desse Estado, pois em geral a extradição é concebida por atos

qual foi dirigida a agressão nem sempre oferece garantias de imparcialidade. (...) Os delitos cometidos por anarquistas e terroristas, na execução de suas idéias, não são considerados propriamente como políticos, mas como anti-sociais, por isto que não visam um governo determinado, e sim a organização social comum aos Estados civilizados” (grifei) (ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 1991, p. 95 e 96). 73 “São delitos militares: a deserção, a covardia, o despeito às ordens superiores, o abandono de um posto, etc. (...) Eles possuem uma criminalidade relativa, porque no Estado de refúgio eles não poderão repetir o crime, uma vez que não são mais militares. (...) A nossa legislação atual de extradição não o inclui nos crimes não passiveis de extradição. Entretanto, o Brasil tem proposto e aceito nas conferências interamericanas a não extradição ‘quando o delito que motivar a extradição for exclusivamente militar’” (MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 14ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 988). 74 “Como, muitas vezes, os delitos de opinião possuem finalidade ou motivos políticos, o direito nacional os equiparou aos crimes políticos. Dessa forma, é possível entender-se que os delitos de imprensa deverão impedir a extradição quando possuírem caráter político” (RUSSOMANO, Gilda. op. cit.¸p. 100 e 101). 75 Cf. PELLEGRINI, Ada. op. cit.¸ p. 848 e 849 76 Cf. LISBOA, Carolina. op. cit., p. 184.

criminosos praticados fora do Estado requerido, mas dentro da jurisdição territorial do

requerente.77

II – existir sentença final de privação de liberdade do extraditando, ou tendo a prisão do

mesmo autorizada por juiz, tribunal ou autoridade competente do Estado requerente, salvo

em caso de urgência. Daí a prisão preventiva poderá ser ordenada desde que pedida em

termos hábeis.78

5.3 Questões diversas

Além das causas já enumeradas, a jurisprudência construiu ainda outro requisito

para extraditar, presentes também em alguns tratados:79 trata-se dos casos de comutação de

pena de morte ou prisão perpétua.

A cooperação internacional na repressão penal aos delitos comuns não exonera o

Brasil de respeitar os direitos fundamentais do súdito estrangeiro, em especial os direitos

humanos.80

5.3.1 Casos de comutação de pena de morte e prisão perpétua

Como a legislação brasileira não admite pena de morte, tampouco prisão perpétua,

obviamente não extraditará o súdito estrangeiro para que cumpra alguma destas

penalidades. O Brasil só concedera a extradição sob a condição da penalidade em questão,

77 Para alguns doutrinadores, o Estado requerido poderá conceder a extradição ainda que o crime tenha sido cometido em seu próprio território, quando nos casos de falsificação de moeda de outro Estado ou contra atos de leis fiscais deste, por exemplo. ACCIOLY, Hildebrando, Manual de Direito Internacional Público, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 1991, p. 98). 78 “Não se concederá extradição, se a medida é requerida simplesmente para o efeito de a Justiça do país requerente interrogar o extraditando em processo preliminarmente de instrução, no qual não se proferiu, ainda, nenhuma sentença ou decisão que se inclua nas hipóteses do artigo 78, II, do Estatuto” (LISBOA, Carolina. op.

cit.,186). 79 O capítulo V do tratado de extradição entre Brasil e Itália, trata especificamente do assunto com o Título “Dos Limites à Extradição”. 80 “Os direitos humanos exigem atividade jurisdicional capaz de assegurar julgamento honesto através de juiz independente e imparcial, exigência maior para aqueles Países que insistem em retrocesso injustificável na aplicação de pena de morte (decapitação, enforcamento, fuzilamento, tiro na nuca, injeção letal, câmara de gás, cadeira elétrica, garrote, fogueira, lapidação, entre outras), de prisão perpétua (ad aeternumm, sem qualquer preocupação com a pessoa do sentenciado ou sua eventual recuperação) ou penas cruéis (amputação de membros ou partes destes: inclusive com uso de técnica anestésica, chicote, palmatória, vara, cobaias humanas, tortura entre outras), penas incompatíveis com a atual evolução ética da sociedade que as vem reverberando de forma permanente e de constante desaprovação” (GAGLIARDI, PEDRO Luiz Ricardo. O poder judiciário e os direitos humanos. Revista da EMERJ, V.1, nº, Edição Especial, 1998, p. 73).

ser imediatamente substituída por outra inferior, que corresponde, no caso à luz da

legislação nacional à pena máxima no Brasil, ou seja, 30 anos.81

O Supremo Tribunal Federal, em recente revisão da jurisprudência, firmou a orientação de que o Estado requerente deve emitir prévio compromisso em comutar a pena de prisão perpétua, prevista pela legislação argentina, para a pena privativa de liberdade com o prazo máximo de trinta anos. Esse entendimento baseia-se na garantia individual fundamental prevista no art. 5º, XLVII, b, da Constituição Federal do Brasil (Ext 985, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j – 6/4/06, DJ – 18/8/06).

Neste caso houve cometimento de homicídio qualificado, crime este que é punido no

Estado requerente com pena de prisão perpétua, por isso o governo solicitante através de

prévio requerimento se comprometeu em comutar a pena, uma vez que a decisão do STF é

unânime ao afirmar a não concessão da extradição enquanto o Estado requerente não

prometer tal comutação.

5.3.2 Se o súdito estrangeiro tiver cônjuge ou/e filhos brasileiros

Embora seja freqüente argumento de defesa, o fato do súdito estrangeiro ser casado

ou viver em união estável com pessoa de nacionalidade brasileira e/ou ter filhos brasileiros,

bem como possuir residência no Brasil e ter vivido por longos anos neste território não

impede a concessão da extradição, respeitando a cooperação internacional na repressão aos

atos de criminalidade.

De acordo com a Súmula 421 do STF, o fato do súdito estrangeiro ser casado ou

viver em união estável com pessoa de nacionalidade brasileira, ainda que com esta possua

filho brasileiro, bem como possuir residência no Brasil e ter vivido por longos anos, não

impede a concessão da extradição, respeitando o tema da cooperação internacional na

repressão aos atos de criminalidade. Para elucidar, o seguinte julgado:

Não impede a extradição o fato de o súdito estrangeiro ser casado ou viver em união estável com pessoa de nacionalidade brasileira, ainda que com esta possua filho brasileiro. A Súmula 421/STF revela-se compatível com a vigente Constituição da República, pois, em tema de cooperação internacional na repressão a atos de criminalidade comum, a existência de vínculos conjugais e/ou familiares com

81

“Mais específico é o tratamento denegatório dado aos indivíduos requisitados para cumprimento de pena de morte. Em todos os tratados bilaterais de que o Brasil é parte, é motivo de indeferimento de pedido de extradição a imposição de pena capital à infração cometida pelo indivíduo reclamado, ou de deferimento condicionado, sob garantia a ser apresentada pelo Estado requerente, e aceita pelo requerido, de comutação em prisão ou de não aplicação” (ACQUARONE, Appio. op. cit., p. 88). No mesmo sentido, o entendimento de Carolina Lisboa: “Não se efetivará a entrega do extraditando sem que o Estado requerente assuma o compromisso de comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte, ressalvados, quanto à última, os casos em que a Lei brasileira permita a sua aplicação. (...) A proibição da aplicação de pena com caráter perpétuo é um direito individual garantido no Brasil pela Constituição da República aos que se encontrarem sob jurisdição brasileira, e, dessa forma, tais indivíduos não podem ver-se condenados a uma pena dessa espécie” (LISBOA, Carolina. op. cit., p. 213 e 221).

pessoas de nacionalidade brasileira não se qualifica como causa obstativa de extradição. Precedentes (Ext 839, Rel. Min. Celso de Mello, j – 13/11/03, DJ – 19/3/04).

Neste caso a defesa do extraditando foi enfática ao alegar que o súdito residia há

muito tempo no Brasil e aqui constituiu família, casou-se com brasileira e teve filhos com a

mesma, no entanto de nada adiantou tais argumentos vez que a Sumula do egrégio STF é

clara ao afirmar que tais fatos são irrelevantes e não impedem a concessão da extradição.

5.3.5 Detração da pena

Além dos casos supramencionados, há que se falar em detração da pena, que nada

mais é que o compromisso que o Estado requerente deve assumir de computar o tempo de

prisão que foi imposta ao súdito estrangeiro para fins de extradição no Brasil.82

Preenchidos todas as condições de admissibilidade previstas pelo Estatuto do Estrangeiro, defere-se o pedido de extradição. Ressalva para que seja detraído o tempo de permanência no Brasil em razão deste pedido extradicional (Ext 924, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j – 1/12/05, DJ – 16/12/05).

Vale ressaltar que a detração somente ocorrerá quando se tratar do fato motivador

do pedido extradicional. Não será aplicada quando o extraditando tiver cumprindo pena no

Brasil por crime que aqui cometeu.83

Após ter sido explicado sobre extradição por tratados (no primeiro capítulo), foi

analisada a extradição fundada em promessa de reciprocidade, sua incidência e seu

procedimento, que respeita os requisitos impostas pelo Estatuto do Estrangeiro.

Posteriormente estes requisitos foram estudadas individualmente, bem como certas

condições.

Tais requisitos e condições, presentes no Estatuto, são aplicáveis a todos os pedidos

de extradição. É preciso, portanto, verificar sua aplicação concreta em casos fundados em

reciprocidade, para examinar se existe variação de rigor quando o pedido não tem fulcro

em norma convencional. Desta forma, passa-se analisar cada requisito existente na Lei n.

6.815/80. 82“A exigência visa a impedir o prolongamento da prisão por tempo superior ao da condenação, ou seja, a finalidade do legislador foi evitar que, na prática, a prisão no Brasil, para fins do processo de extradição, resulte em prorrogação da pena imposta pelo Estado requerente” (LISBOA, Carolina. op. cit., p. 212). 83 “Consigno por fim, que a pena que o extraditando está cumprindo no Brasil por tráfico de entorpecentes, não poderá ser computada como tempo de prisão imposto por força da extradição, pois se cuida de espécie distintas, não se aplicando o que dispõe o art. 91, II, da Lei n. 6.815/80” (Ext 495, Rel. Min. Paulo Brossard, j – 19/12/90, DJ – 3/3/90). Cf. Art. 91, II, do Estatuto do Estrangeiro: “ Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compromisso: II – de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força de extradição”.

3º Capítulo 6. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL Como visto o artigo 77 da Lei 6.815/80, bem como o art. 5º, incisos LI e LII, da

Constituição Federal brasileira, tratam sobre os impedimentos à extradição, desta forma,

passa-se a analisar cada inciso do referente artigo, em casos que envolvem pedidos

fundados em promessas de reciprocidade, ilustrando com excertos de decisões judiciais.

6.1 Nacionalidade

Verificada no capítulo anterior, sabe-se agora que a nacionalidade pode ser originária

ou adquirida. A primeira quando o indivíduo nasce em solo nacional e a segunda quando

existem possibilidades de se equiparar a este, obtendo conseqüentemente os mesmos os

direitos e garantias, é o que dispõe o art. 12 da Carta Magna. No entanto, o mesmo diploma

legal faz uma ressalva, em seu art. 5º, LI, ao afirmar que nenhum brasileiro será

extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da

naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas

afins, na forma da lei.

O seguinte julgado trata sobre os crimes de tráfico e formação de quadrilha,

cometidos entre janeiro de 2001 e junho de 2003 por cidadão naturalizado brasileiro de

nacionalidade originária libanesa. O fato delitivo de “transportar cocaína desde a América

do Sul para a Europa e vendê-la lucrativamente” (trecho do mandado de detenção expedido

pelo Tribunal da comarca de Dusseldorf) abrange exclusivamente os delitos de tráfico de

entorpecentes e associação para o tráfico.84

O pedido de extradição foi solicitado pela Alemanha, que prometeu reciprocidade

em casos análogos através de nota verbal, uma vez que não possui tratado de extradição

com o Brasil. A seguir a ementa do julgado.

EXTRADIÇÃO. REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA. QUESTÃO DE ORDEM. PROMESSA DE RECIPROCIDADE. PEDIDO DE EXTRADIÇÃO DE PESSOA NATURALIZADA BRASILEIRA. Pedido de extradição, formulado com base em promessa de reciprocidade, de cidadão brasileiro naturalizado, por fatos relacionados a tráfico de drogas anteriores à entrega do certificado de naturalização. Inviabilidade da extradição, por impossibilidade de cumprimento

84 Note-se que foi cometido crime de tráfico de entorpecentes por cidadão naturalizado brasileiro. O art. 5º, LII da Constituição Federal Brasileira permite a extradição quando se tratar de crime de tráfico de drogas, não fazendo distinção do momento da naturalização, se antes ou depois do cometimento do delito.

da promessa de reciprocidade, uma vez que, no país requerente, a vedação de extradição de seus nacionais não admite exceções como as previstas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (art. 5º, LI). Questão de ordem resolvida pela extinção da extradição, sem julgamento de mérito. Determinada a remessa de cópia dos autos ao Ministério Público, para as finalidades cabíveis, verificando-se a possibilidade de aplicação extraterritorial da lei penal brasileira.85

A defesa alegou, entre outras coisas, a naturalização do extraditando e a

inviabilidade do compromisso de reciprocidade firmado, pois seria impossível o Estado

requerente fazer o mesmo, face à sua respectiva Constituição Federal.

Solicitadas informações pelo relator do processo, Min. Joaquim Barbosa, esclareceu-

se que a aquisição da nacionalidade brasileira pelo extraditando foi formalizada em 03 de

dezembro de 2003, com a entrega do certificado que concluiu o processo de naturalização

nos termos do art. 119 da Lei 6.815/1980.86 Percebeu-se que o pedido de extradição afirma

que os crimes foram cometidos entre janeiro de 2001 a junho de 2003, ou seja antes da

naturalização.87

A partir do momento que o relator fez importantes levantamentos sobre a

possibilidade do cumprimento da promessa de reciprocidade feita pelo Estado requerente,

iniciou-se um grande debate entre os Ministros julgadores. Para melhor entendimento,

trechos do voto do Ministro Relator:

Noto inicialmente que o pedido de extradição formalizado pelo Governo da Alemanha assegura, em face da ausência de tratado bilateral, reciprocidade para casos semelhantes, ressalvada a extradição de nacionais alemães. Essa ressalva, sem maiores dúvidas, deve-se à previsão expressa na Constituição alemã de que é vedada extradição de seus nacionais. O caso mais similar ao ora em exame que encontrei foi a Ext 541 (rel. para o acórdão min. Sepúlveda Pertence), “é curial que a validade e

conseqüente eficácia da promessa de reciprocidade feita ao Estado requerido

pressupõe que, invertidos os papéis, o ordenamento do Estado requerente lhe

possibilite honrá-la: ou seja, que, de seu turno, que lhe permita conceder amanhã,

ao Estado requerido, extradição similar à que, hoje, lhe solicita”. Entendeu-se, então, que o Supremo Tribunal Federal poderia perquirir a validade da promessa de reciprocidade. Neste caso, a observação não se aplica, pois a promessa de reciprocidade do Governo alemão inegavelmente corresponde ao disposto na Constituição daquele Estado (conforme disposto no art. 16, § 2º). Acredito que a promessa de reciprocidade não é de ser considerada em termos abstratos. Isto é: é irrelevante o fato de o Estado brasileiro ressalvar em sua Constituição hipóteses de extradição de seus nacionais e o Estado alemão não a autorizar genericamente. Esse mero descompasso de tratamento normativo, se

85 Ext. 1010-7/2006, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j – 24/5/06. No mesmo sentido: Ext. 1003, Rel. Min. Joaquim Barbosa; Ext. 960, Rel. Min. Marco Aurélio; HC 83.450-7, Rel. Min. Marco Aurélio. 86 Art. 119: “Publicada no Diário Oficial a portaria de naturalização, será ela arquivada no órgão competente do Ministério da Justiça, que emitirá certificado relativo a cada naturalizando, o qual será solenemente entregue, na forma fixada em Regulamento, pelo juiz federal da cidade onde tenha domicílio o interessado. (Renumerado e alterado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)”. Note-se que no presente caso os crimes foram cometidos por brasileiro naturalizado antes desta acontecer, assim de acordo com a Carta Magna, art. 5º, LI, estaria passível de ocorrer a extradição. 87 Mais uma vez remete-se ao art. 5º, LI da Constituição Federal Brasileira anteriormente comentado.

considerado para avaliação da reciprocidade, impossibilitaria qualquer espécie de extradição.

Após longa discussão, os Ministros do STF indeferiram o pedido extradicional, vez

que a Constituição Alemã, em seu art. 16, estabelece que “nenhum alemão pode ser

extraditado ao estrangeiro”, não fazendo distinção entre o nato e o naturalizado como

ocorre com a Constituição nacional. Para fundamentar seu argumento, o STF procura

determinar a interpretação dada ao artigo da Constituição alemã pelos próprios tribunais

alemães. Segundo a decisão, tais considerações determinam a ausência de condições

jurídicas para o governo alemão assegurar o cumprimento da promessa de reciprocidade.

O acórdão é deveras relevante para definir o alcance da norma excepcional do

inciso LI, ao suscitar as seguintes questões: 1) Pode o brasileiro naturalizado ser

extraditado por crimes anteriores à naturalização?; 2) A incidência do acusado no crime de

tráfico internacional de entorpecentes não autorizaria a extradição, mesmo de brasileiro?

Os Ministros entenderam que é possível extraditar quando os crimes são anteriores

à entrega, pela Justiça Federal, do certificado de naturalização, fixado como marco para

aplicação da norma excepcional, uma vez que o indivíduo ainda não era considerado

brasileiro de fato, sendo ainda estrangeiro e passível sim de extradição. A existência de um

tratado bilateral que especificasse o marco entre o cometimento do crime e o momento da

naturalização evitaria tamanha discussão entre os julgadores e facilitaria o julgamento dos

processos extradicionais.88

Quanto à segunda questão, mantêm posição anterior, de que a norma no inciso LI

não é, nesse tocante, auto-aplicável e pende de regulamentação para ser aplicada. Em

outras palavras, não haverá extradição por crime de tráfico internacional de entorpecentes

antes de lei que regulamente essa hipótese, inclusive porque ela altera o sistema de exame

da extradição no Brasil, já que requer “comprovado envolvimento” no crime.

Neste caso houve uma análise adicional empreendida pelo STF, requereu-se a

aferição das condições de cumprimento da promessa, a partir do exame do Direito interno

do país requerente. Ora, se houvesse um tratado bilateral entre os países em questão, com

88 Um exemplo é o tratado de extradição firmado entre Brasil e Bolívia que, no art. 1º traz: As Altas Partes Contratantes obrigam-se, nas condições estabelecidas pelo presente Tratado e de acordo com as formalidades legais vigentes em cada um dos dois países, à entrega recíproca dos indivíduos que, processados ou condenados pelas autoridades judiciárias de uma delas, se encontrarem no território da outra. Quando o indivíduo for nacional do Estado requerido, este não será obrigado a entregá-lo. (...) 2º) A naturalização do inculpado, posterior ao fato delituoso que tenha servido de base a um pedido de extradição, não constituirá obstáculo a esta. (grifei).

certeza facilitaria o deferimento da extradição, isto porque expressaria exatamente a

diferença de um cidadão nato do naturalizado.

6.2 Dupla Punibilidade

O fato motivador do pedido extradicional deve ser considerado crime e encontrar

punição em ambos os Estados em questão, isto é a dupla punibilidade.

O presente caso tem como fato criminoso desfalque grave ou maior (nomenclatura do

Estado requerente) e exportação de moeda nacional. Tal pedido veio acompanhado de

cópia de decisão do Tribunal de 1ª Instância de Helsinque/Finlândia, decretando a prisão

do súdito estrangeiro, devidamente traduzido para o idioma português, desta forma

respeitadas as condições impostas no artigo 78 e 80, § 2º do Estatuto do Estrangeiro.89

O delito de desfalque maior ou grave, encontrou tipificação penal na legislação

brasileira ao crime de peculato90, posto que o extraditando aplicou seguidos golpes no

Banco em que trabalhava, obtendo indevidamente alguns milhões de marcos finlandeses,

entre julho e dezembro de 1987. No entanto, o crime de exportação de moeda não teve o

mesmo respaldo.

A ementa do julgado:

EXTRADIÇÃO. FORMALIDADES ATENDIDAS, INCLUSIVE COM PROMESSA DE RECIPROCIDADE, POIS ESTA SE ENCONTRA EXPRESSA DE MANEIRA PRECISA. REPÚBLICA DA FINLÂNDIA. PEDIDO FORMULADO POR DOIS CRIMES, PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO DA FINLÂNDIA, UM DOS QUAIS, O DE EXPORTAÇÃO DE MOEDA NACIONAL (NO CASO O DAQUELE PAÍS), NÃO SE ENCONTRA PREVISTO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. EXTRADIÇÃO CONCEDIDA APENAS EM RELAÇÃO AO ILICÍTO CRIMINAL TAMBÉM CAPITULADO NA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA.91

Breve foi o julgado que, teve como decisão o deferimento parcial o pedido

extradicional, por não estarem todos os crimes tipificados na legislação brasileira.

89 Art. 78 da Lei n. 6.815/80: São condições para concessão da extradição: I – ter sido o crime cometido no território do Estado requerente ou serem aplicáveis ao extraditando as leis penais desse Estado; e II – existir sentença final de privação de liberdade, ou estar a prisão do extraditando autorizada por juiz, tribunal ou autoridade competente do Estado requerente, salvo disposição do art. 82. Art. 80, parágrafo 2º: Não havendo tratado que disponha em contrário, os documentos indicados neste artigo serão acompanhados de versão oficialmente feita para o idioma português no Estado requerente. 90 Art. 312 do Código Penal Brasileiro: Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, ou valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio. Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. 91 Ext. 470-1/1988, solicitada pela Finlândia, Rel. Min. Aldir Passarinho, j – 26/9/88, DJ – 16/9/88. No mesmo sentido: Ext. 350-0/1978, Rel. Min. Cunha Peixoto.

A defesa alegou imperfeição formal do pedido por estar vaga e descomprometida a

declaração de reciprocidade, vez que o Estado requerente apenas fez menção a

reciprocidade ao afirmar que: “A Finlândia está disposta, de maneira recíproca, a extraditar

o(s) suspeito(s) de crime para o Brasil, dentro dos limites permitidos pela lei”; sustenta

ainda que “embora a lei penal finlandesa considere ilícita a saída de suas fronteiras de sua

própria moeda, e este seja um dos fundamentos para o pedido de extradição, no Brasil não

é crime tal conduta”, pleiteou então o deferimento parcial do pedido, apenas para o crime

de desfalque, por ser o único que encontra tipo no Código Penal Brasileiro.

A douta Procuradoria Geral da República e os Ministros do STF acreditaram que o

compromisso firmado pelo Estado requerente estava suficientemente claro e não vago;

opinaram pelo deferimento parcial do pedido extradicional, excluindo-se de seu âmbito o

delito de exportação de moeda nacional, vez que este crime não tem tipificação no direito

penal brasileiro. Sustentaram que a documentação apresentada pelo Estado requerente se

encontra em ordem, de acordo com as normas exigidas; que o compromisso de

reciprocidade estava externado de forma suficiente para ser configurado; e também que

não houve prescrição quanto à legislação brasileira tampouco quanto à finlandesa.

No pedido, o Estado requerente juntou artigos da legislação penal finlandesa

referente aos crimes atribuídos ao extraditando, para comprovar que o crime de exportação

de moeda nacional caracterizava grave delito e que não haveria possibilidade de prescrição

em seu território. No entanto, o Estatuto do Estrangeiro é claro ao afirmar que se o fato

motivador do pedido de extradição não for considerado crime no Brasil, esta não será

concedida.

Desta forma, restou prejudicado o Estado requerente, uma vez que o objetivo da

fuga para outro país é justamente eximir-se das penalidades impostas em seu território

nacional. Viável tratado de extradição para determinar imputação de forma genérica, em

outras palavras, se o crime cometido no estrangeiro encontrar qualquer semelhança em

algum delito brasileiro, basta para o pedido estar concreto e passível de extradição,

independente de encontrar tipificação na legislação brasileira. É o caso do tratado firmado

entre Brasil e Coréia do Sul, em seu art. 2º, § 3º:

Para os fins do presente Artigo, ao ser verificada se uma conduta representa um crime contra a legislação da Parte Requerida: a) não fará qualquer diferença se as legislações das Partes Contratantes enquadram a conduta caracterizada como crime na mesma categoria criminal ou se denominam o crime com a mesma terminologia; b) a totalidade da conduta citada contra a pessoa cuja extradição estiver sendo solicitada deverá ser levada em consideração e não fará qualquer diferença se, de

acordo com as legislações das Partes Contratantes, os elementos constitutivos do crime diferirem entre si.

6.3 Pena igual ou inferior a um ano

Há uma exigência de duração mínima da pena aplicada (superior a um ano) ao

extraditando para que a extradição seja efetivada, de acordo com o art. 77, IV do Estatuto do

Estrangeiro, excluídas assim as simples infrações.

Solicitado pela Alemanha, este pedido de extradição teve como documentos probatórios

da culpabilidade do extraditando duas sentenças prolatadas pelo cometimento dos crimes de

coação sexual e embriaguez no trânsito c/c resistência a autoridades policiais com lesão

corporal c/c ofensa moral, cada um com pena de prisão de 8 (oito) meses, e um mandado de

prisão pelo delito de fraude. O Estado requerente através de Nota Verbal prometeu

reciprocidade para casos análogos e assumiu o compromisso de computar o período que

permanecesse preso no Brasil.

A ementa do julgado:

EXTRADIÇÃO – IMPUTAÇÃO DE PRÁTICAS CRIMINOSAS DIVERSAS -

CONDENAÇÕES – EXAME. Os óbices de que cogita o artigo 77 da Lei nº 6.815/80

são apreciados tomando-se um a um os tipos penais imputados e cada qual das penas impostas. 2. EXTRADIÇÃO – SIMETRIA DAS LEGISLAÇÕES – EFEITOS. O fato

motivador do pedido de extradição há de ser considerado crime no Brasil e no país requerente. Se do rol dos delitos apontados constam alguns que não atendem a exigência legal – inciso II do artigo 77 da Lei nº 6.815/80 – cabe o deferimento do

pedido com restrição. 3. EXTRADIÇÃO – PENA – PISO. Fixando a lei brasileira para o crime pena igual ou inferior a um ano, não há como conceder a extradição – inciso IV do artigo 77 da Lei nº 6.815/80. 4. EXTRADIÇÃO – PENA DE PRISÃO – TRANSFORMAÇÃO EM PENA DE MULTA – EFEITO. Uma vez transformada a pena de prisão em pena de multa, deixa de existir base para o deferimento da extradição - inteligência do inciso IV do artigo 77 da Lei nº 6.815/80. 5. CRIME DE RESISTÊNCIA – EMBRIAGUEZ. O estado de embriaguez

obstaculiza a conclusão sobre o elemento subjetivo do tipo, que e o dolo, no que, na espécie, pressupõe a capacidade de discernimento e, portanto, a compreensão da postura adotada. 6. EXTRADIÇÃO – ESTELIONATO – AUSÊNCIA DE

ESPECIFICIDADE NA LEGISLAÇÃO ALIENÍGENA – IRRELEVÂNCIA – O fato

de a legislação do país requerente não conter a espécie “disposição de coisa alheia como própria”, apenas disciplinando o gênero revelado pela obtenção, para si ou para outrem, de vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio – artigo 171 – caput e inciso I do

par-2 do Código Penal, não é de molde a conduzir ao indeferimento do pedido de extradição. Contemplasse a legislação pátria apenas a definição básica, nem por isso seria dado dizer da ausência de enquadramento da ação como penalmente punível. 7. ESTELIONATO – CONFIGURAÇÃO. Ao assumir o locatário de imóvel postura

relativa ao status de proprietário, anunciando-o a locação e, em um mesmo dia,

locando-o a diversas pessoas, das quais haja recebido valores, a alcançar, também, a venda de móveis que guarneciam o imóvel, retirados adredemente, prática o crime de estelionato. 8. EXTRADIÇÃO – PRISÃO PREVENTIVA NO BRASIL – CÔMPUTO NA EXECUÇÃO DA PENA. A teor do disposto no inciso II do artigo 91 da Lei nº 6.815/80, o tempo em que o extraditando permaneceu preso preventivamente no Brasil, aguardando o julgamento do pedido de extradição, deve ser considerado na execução da pena no país requerente.92

Em sua extensa alegação, a defesa alegou que o extraditando não fugiu da

Alemanha, pois as penalidades impostas estavam suspensas condicionalmente, fato que o

não obrigava o mesmo a ficar no território alemão; que o súdito residia no Brasil e

desejava permanecer aqui; que o delito de coação sexual/resistência, não corresponde ao

estupro no Brasil93, vez que houve consentimento da vítima e a resistência foi apenas

verbal, além da pena imposta ter sido de 8 (oito) meses; quanto à condenação por

embriaguez no trânsito de via pública e resistência a autoridades policiais com lesão

corporal e ofensa moral, alegou que a pequena gravidade dos fatos teria ensejado a punição

com a pena privativa de liberdade de somente 8 (oito) meses, substituída por multa, não

sendo passível de extradição e mais, argumentou que no Brasil embriaguez no trânsito não

consubstanciava crime, tão-somente contravenção penal (art. 34 da Lei de Contravenções

Penais); nos crimes de suspeita de fraude alegou mero ilícito civil, pois o ato de dispor de

coisa alheia como própria revelaria tipo autônomo, não se confundindo com art. 171 do

Código Penal Brasileiro. Peticionou requerendo primeiramente liberdade provisória do

extraditando, posteriormente transformação da prisão em domiciliar, sendo os dois

indeferidos.

A douta Procuradoria Geral da República, em suma, foi pelo deferimento do pedido,

por estarem os delitos comprovados e com gravidade suficiente para ensejar a extradição.

Os Ministros do STF, após longa explanação, foram pelo deferimento parcial do

pedido extradicional. Primeiramente porque a legislação nacional não contempla o crime

de “estupro menos grave”, não existindo semelhança ao crime de estupro na legislação

pátria, além do que neste caso houve claro consentimento da vítima.94 Referente a este

delito, a condenação imposta foi de 8 (oito) meses de prisão, e o extraditando ainda tinha

pena a cumprir, no entanto como se encontrava preso no Brasil por causa do presente

92 Ext. 555/1992, solicitada pela Alemanha, Rel. Min. Marco Aurélio, j – 25/11/92, DJ – 12/2/93. 93 Art. 213 do Código Penal Brasileiro: “Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos”. 94 “Consta da sentença que a vítima, ao sentir que alguém batia à janela e estando somente com um traje íntimo inferior, apenas vestiu um chambre, atendendo o extraditando a uma hora e trinta minutos da madrugada e, a seguir, fez-lhe um café. Há notícia não só da falta de resistência da vítima como também da ausência de agressão por parte do extraditando”. Trecho do acórdão proferido pelo Min. Rel. Marco Aurélio.

processo extradicional, há tempos – período superior ao remanescente da pena – este teria

que ser computado no Estado requerente (compromisso que já havia sido cumprido

expressamente no pedido)95, desta forma deixou de existir pena a ser cumprida no Estado

requerente. Foi indeferida a extradição por estar prescrita a punibilidade.96

Quanto à condenação por embriaguez no trânsito e resistência a autoridades

policiais com lesão corporal e ofensa moral pela resistência contra estes, a penalidade

imposta foi também de 8 (oito) meses de prisão. Da mesma forma que o delito anterior,

restou indeferido por já estar prescrita a punibilidade.

Quanto aos mandados de prisão pelo crime de fraude, improcedente a alegação da

defesa em afirmar que se tratava de mero ilícito civil, isto porque encontrou semelhança ao

crime de estelionato no Brasil, assim somente quanto a este delito houve deferimento do

pedido extradicional.

Como não há tratado bilateral, a legislação a ser respeitada é a do Estatuto do

Estrangeiro, que determina que a pena seja superior a um ano, por esta razão alguns crimes

não foram passíveis de extradição. A existência de tratado poderia trazer prazos diferentes,

ou de forma genérica, como ocorre no acordo firmado entre Brasil e Reino Unido, em seu

art. 3º, § 1º:

Não será concedida a extradição de uma pessoa se a autoridade competente do Estado Requerido entender: e) que, consideradas todas as circunstâncias, seria injusto ou opressivo extraditar a pessoa procurada: i) em decorrência do pequeno potencial ofensivo do crime de que a pessoa está sendo acusada, ou pelo qual foi condenada.

6.4 Non Bis in Idem

Este princípio, analisado no primeiro capítulo, visa evitar que o inculpado seja

punido duas vezes pelo mesmo fato delitivo.

Houve o cometimento do crime de tráfico ilícito de entorpecentes cometido entre

julho e agosto de 1988 por nacional grego. O Estado requerente solicitou a extradição do

indivíduo, juntando todos os documentos formalizadores do pedido, devidamente

traduzidos para o português.

O súdito estrangeiro foi preso e no seu interrogatório declarou que realmente

transportou alguns quilos de cocaína do Brasil para Itália, mas que não obteve sucesso,

95 Detração da pena. Art. 91, II, da Lei n. 6.815/80: “Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compromisso: II – de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força de extradição”. 96 Os crimes que tinham sentença condenatória foram cometidos no início de 1990, e o pedido extradicional se deu no final de 1992, ocorrendo a prescrição bienal, de acordo com o art. 109, II do Código Penal Brasileiro.

uma vez que chegando ao local de destino (este último) foi preso e condenado à pena de 8

(oito) anos, tendo cumprido 6 (seis) anos e fora beneficiado pelo indulto.

A ementa do julgado:

CONSTITUCIONAL. PENAL. EXTRADIÇÃO: GRÉCIA. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. EXTRADITANDO CONDENADO NUM TERCEIRO ESTADO PELO MESMO DELITO: APLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ART. 77, V, LEI 6.815/80. I. - Extradição requerida pelo Governo da Grécia, com base no art. 8ª do Cód. Penal grego, que dispõe que os crimes cometidos no exterior, pelos seus nacionais, são sempre punidos pelas leis gregas, independentemente das leis do lugar onde foi praticado o ato. Acontece que, pelo mesmo delito, cuja prática iniciou-se no Brasil, foi o extraditando julgado pela Justiça italiana, tendo cumprido a pena de prisão a que foi condenado. II. - A lei brasileira não admite seja o indivíduo processado criminalmente por delito pelo qual foi condenado, consagrando a regra, que vem do direito romano, do non bis in idem: não se pune duas vezes a um acusado pelo mesmo crime. III. - Caso em que a extradição deve ser indeferida, porque ocorrente situação configuradora de double jeopardy, vale dizer, de duplo risco de condenação, no Estado requerente, pelo mesmo fato pelo qual foi condenado pela Justiça italiana: Extradição 688/Itália, Rel. Min. Celso de Mello. Aplicabilidade, por analogia, do disposto no art. 77, V, da Lei 6.815/80. IV. - Extradição indeferida. 97

O Ministério Público, por intermédio do Ministério das Relações Exteriores,

solicitou informações ao Governo da Itália, que confirmou o alegado pelo extraditando no

interrogatório judicial, explicou que houve sentença condenatória e a pena imposta foi de 9

(nove) anos de prisão e pagamento de 15 (quinze) milhões de liras italianas de multa por

tráfico e falta de pagamento de taxas alfandegárias. Tal penalidade foi totalmente cumprida

de 2/9/88 a 26/9/94, quando expulso do Estado de acordo com legislação vigente.98 O

Governo italiano informou ainda que negou pedido de extradição formulado pelo Governo

grego, porque se baseava no mesmo crime que o estrangeiro já havia cumprido em seu

território.

A Grécia justificou seu pedido amparado no art. 8º de seu Código Penal vigente à

época: “os crimes cometidos no exterior que são sempre punidos pelas leis gregas (...)

independente das leis do lugar onde foi praticado o ato (...)”, no entanto a lei brasileira

veda tal possibilidade, conforme dispõe o inciso V, do art. 77 do Estatuto do Estrangeiro.

Deste modo, a douta Procuradoria Geral da República opinou pelo indeferimento

da extradição por já ter sido o súdito estrangeiro processado pelo mesmo fato no Estado da

Itália. No mesmo sentido os Ministros do STF que, após analisarem ofício enviado pela

97 Ext. 871/2003, solicitada pela Grécia, Rel. Min. Carlos Velloso, j – 17/12/03, DJ – 12/3/04. 98 De acordo com o art. 7º da Lei n. 39 de 28/2/90 (Legislação Italiana) que previa a “expulsão do estrangeiro detido cumprindo pena resídua não superior a três anos de prisão”.

Embaixada da Itália em conformidade com a Interpol, tiveram plena certeza do

cumprimento da pena. O voto do Min. Relator Carlos Velloso:

O pedido de extradição tem fundamento no mesmo fato criminoso que levou a Justiça Italiana a processar e condenar o ora extraditando a oito anos de prisão, pena que foi cumprida: cumpriu seis anos e foi indultado. (...) Importa, pois, constituir, a fim de que tenha aplicação, o princípio do non bis in idem. (...) Ora, tem-se, no caso sob julgamento, situação configuradora de ‘double jeopardy’, vale dizer, de duplo perigo ou duplo risco de condenação, na Grécia, pelo mesmo fato pelo qual foi condenado pela Justiça Italiana.

Por mais que o Estado requerente tenha juntado cópia de sua legislação afirmando

que os infratores, mesmo tendo cometido delitos em estados estrangeiros, são sempre

punidos pelas leis gregas, os julgadores respeitaram o princípio do bis in idem e evitaram a

injustiça do indivíduo ser punido duas vezes pelo mesmo ato criminoso.

A Lei n. 6.815/80, neste ponto, está em total acordo com os tratados de extradição

que o Brasil firma, portanto a existência de um acordo bilateral apenas enfatizaria tal

vedação à extradição.99

6.5 Extinção da punibilidade pela prescrição A extradição não será concedida quando a punibilidade estiver extinta em

decorrência de qualquer causa legal, não haverá a punibilidade do cidadão se houver a

prescrição penal, segundo a Lei brasileira ou do Estado requerente (art. 77, VI, do Estatuto

do Estrangeiro).

O seguinte julgado tem como fatos motivadores do pedido os crimes de desvio,

fraude, deslealdade e retenção/desvio de retribuições. Trata-se de pedido de extradição

instrutória100, por meio de Nota Verbal nº 356/06 formulado pela Alemanha de seu

nacional.

EMENTA: Extradição. 2. Inexistência de tratado entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Federal da Alemanha. 3. Promessa de Reciprocidade. 4. Processamento do pedido de acordo com a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980. Requisitos formais atendidos. 5. Extradição fundada em ordem de prisão preventiva expedida pelo Tribunal da Comarca de Geilenkirchen, pelos crimes de desvio, fraude, deslealdade e retenção e desvio de retribuições. 6. Dupla tipicidade: correspondência do ato delituoso nas leis brasileira e alemã. 7. Ocorrência de prescrição na conduta descrita no item III (caso 60 - desvio)

99 Para ilustrar, o tratado de extradição firmado entre Brasil e Portugal em seu art. 3º, § 1º: Não terá lugar a extradição nos seguintes casos: c) ter a pessoa reclamada sido definitivamente julgada na Parte requerida ou num terceiro Estado pelos fatos que fundamentam o pedido de extradição e ter sido absolvida, ou, no caso de condenação, ter cumprido a pena”. 100 Fala-se em extradição instrutória porque não há ainda sentença condenatória contra o extraditando, apenas mandado de prisão contra o extraditando expedido pelo Tribunal da Comarca onde o crime foi cometido.

relatado no mandado de prisão expedido pela justiça alemã. 8. Extradição deferida em parte.101

O Ministério Público requereu diligências pra que o Estado requerente juntasse cópia

da legislação alemã sobre prescrição, feito isto, o posicionamento foi de conceder

parcialmente o pedido, isto porque foi verificada a prescrição de um dos crimes.

A defesa, sucintamente, solicitou o indeferimento da extradição.

O extraditando foi acusado de praticar 64 ações ilícitas entre 27/10/99 e 11/9/03. Em

31 casos, no período de 27/10/99 a 8/9/00 agiu com intenção de proporcionar a si

vantagem pecuniária; de ter danificado patrimônio alheio; ter enganado terceiros por meio

de fatos inexistentes ou alteração/dissimulação de fatos existentes, a título profissional.

Tais delitos encontraram tipificação no Brasil correspondente ao crime de estelionato,102

cujo prazo prescricional é de 12 (doze) anos.103

Em 28 casos, cometidos antes de iniciar sua fuga para o Brasil, ou seja, entre os anos

de 2001 e 2002, o extraditando a título profissional abusou da autorização concedida pela

lei e decidiu sobre patrimônios alheios, crimes tipificados como deslealdade no Código

Penal Alemão, que encontraram correspondência ao delito de apropriação indébita na

legislação brasileira,104 cujo prazo prescricional também é de 12 (doze) anos.105

Foi acusado também de ter se apropriado ilegalmente (para uso próprio) de bem

móvel, delito tipificado na legislação do Estado requerente como desvio (art. 246, I)

prevendo pena de até 3 (três) anos de reclusão. Tal crime corresponderia ao (antigo) art.

188, III, da Lei de Falências, que tinha o prazo prescricional fixado em 2 (dois) anos, de

acordo com o (extinto) art. 199 do mesmo diploma legal. De acordo com o Código Penal

Alemão, art. 78, c, o lapso prescricional é de 5 (cinco) anos, que não ocorreu, porém de

acordo com a legislação brasileira houve a prescrição bienal, vez que o crime de falências/

101 Ext. 1027-1/2006, solicitada pela Alemanha, Rel. Min. Gilmar Mendes, j – 15/12/06, DJ – 23/2/07. 102 Fraude, delito incurso no art. 263, I, do Código Alemão, prevê pena de até 5 (cinco) anos de reclusão. Encontra correspondência ao crime de estelionato, art. 171 do Código Penal Brasileiro, com pena de até 5 (cinco) anos de reclusão. 103 A prescrição ocorreu em 12 (doze) anos, porque de acordo com o art. 109, III do Código Penal Brasileiro, os crimes que tem a pena superior a 4 (quatro) anos e não excede a 8 (oito) anos prescrevem em 12 (doze) anos, como é o caso do crime de estelionato. 104 O crime de deslealdade está incurso no art. 266, I do Código Penal Alemão e prevê pena de até 5 (cinco) anos de reclusão. Já o crime de apropriação indébita (o qual corresponde aquele primeiro), incurso no art. 168 do Código Penal Brasileiro, prevê pena de até 4 (quatro) anos de reclusão. 105 O embasamento é o mesmo do caso anterior, qual seja, art. 109, III, do Código Penal, prevendo a prescrição em 12 (doze) anos, quando a pena é de 4 (quatro) a 8 (oito) anos.

desvio de bens, previa este lapso prescricional quando ainda vigente. Desta forma,

indeferida a extradição quanto a este crime.106

Por último, constatou-se que em outros quatro casos reteve, na sua função de

patrão, contribuições dos assalariados ao organismo responsável de cobrança e cotizações

sociais (art. 266, a, I da legislação alemã), delitos estes correspondentes ao crime de

apropriação indébita previdenciária, incurso no art. 168-A, do Código Penal. Neste caso

também, não houve prescrição, pois de acordo com a legislação brasileira, art. 109, III, a

prescrição ocorre em 12 (doze) anos.107

A extradição foi concedida em parte, não sendo deferida quanto ao crime de desvio

de bens por ter sido contatada a prescrição bienal.

Como ocorreu na vedação mencionada anteriormente, a Lei n. 6.815/80, está em

total acordo com os tratados de extradição que o Brasil firma, assim não faria diferença a

existência de tratado.108

6.6 Crime político

A Constituição Federal Brasileira no art. 5º, LII afirma que: não será concedida

extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião.

Trata-se de pedido de extradição solicitado pela Alemanha destinado ao cumprimento

de ordem de prisão expedida por cometimento dos delitos de prejuízo a economia externa

do país, e de transmissão de segredo de estado a uma autoridade estrangeira (traição), fato

que teria fragilizado a segurança externa do governo requerente. O Estado requerente além

de provas testemunhais juntou cópia de sua legislação interna que comprovasse a

classificação dos crimes, o primeiro incurso nos arts. 94, § 1º e 93, § 1º do Código Penal

Alemão, e o segundo no art. 34, § 1º da Lei relativa à Economia Externa.

Extraditando acusado de transmitir ao Iraque segredo de estado do Governo requerente (República Federal da Alemanha), utilizável em projeto de desenvolvimento de armamento nuclear. Crime político puro, cujo conceito compreende não só o cometido contra a segurança interna, como o praticado contra a segurança externa do Estado, a caracterizarem, ambas as hipóteses, a excludente

106 Note-se que os Ministros do STF analisaram uma lei que não estava mais vigente, porém era o crime que correspondia à legislação brasileira. 107 O crime de apropriação indébita previdenciária prevê pena de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. Assim, de acordo com o já mencionado art. 109, III, os crimes que não excedam a 8 (oito) anos, prescrevem em 12 (doze) anos. 108 Um exemplo é o acordo firmado entre Brasil e Itália, no art. 3º, § 1º: “A extradição não será concedida: b) se, na ocasião do recebimento do pedido, segundo a lei de uma das Partes, houver ocorrido prescrição do crime ou da pena”.

de concessão de extradição, prevista no art. 77, VII e §§ 1º a 3º, da Lei nº 6.815-80 e no art. 5º, LII da Constituição. Pedido indeferido, por unanimidade.109

A petição confeccionada pelo Estado requerente foi bastante extensa, e uma das

alegações principais era que o extraditando como funcionário (perito na área técnica de

fibra de carbono) da empresa de pesquisa e tecnologia alemã (MAN-Technologie AG),

sabendo da necessidade de manter em sigilo absoluto desenhos de importância essencial

para as máquinas ultracentrifugadoras de gás, transmitiu ao Iraque tais informações. Esta

transmissão foi primordial para que este governo conseguisse produzir urânio para o seu

armamento nuclear.

O Estado requerente sustentou também que o Iraque até o início da Guerra do

Golfo se empenhou em desenvolver meios para destruição total de outros países, e o

objetivo da informação obtida era ampliar a produção de urânio para o devido armamento.

A Alemanha juntou legislação que tipificasse os crimes e também depoimentos de

testemunhas que comprovassem os fatos expostos no pedido.

Preso, o extraditando foi interrogado e afirmou que já havia sido condenado pelos

mesmos delitos (apresentados no pedido extradicional) às penas de 11 (onze) meses e

multa. A defesa por sua vez alegou que se tratava de crime puramente político; falta de

sucedâneo nas leis brasileiras de ambas as figuras penais que foram imputadas; a

prescrição dos crimes (que ocorrera há dois anos); ausência de provas quanto aos ilícitos;

ofensa ao princípio da coisa julgada (vez que a penalidade já havia sido cumprida).

A Procuradoria Geral da República rebateu todas as alegações da defesa, pedindo a

concessão da extradição, em suma, por não constituir crime político, tampouco faltarem

informações quanto aos crimes, nem ofensa ao princípio da coisa julgada, uma vez que este

pedido foi motivado em outro fato que não o já cumprido pelo extraditando.

O STF solicitou que fossem realizadas algumas diligências quanto à nova

documentação anexada ao processo pela Alemanha e, após o cumprimento dessas verificou

que não houve alteração no posicionamento da Procuradoria que manteve seu

entendimento pelo deferimento da extradição.

O Ministro Relator constatou que não houve prescrição dos crimes e que o pedido

estava devidamente instruído, no entanto chegou ao ponto alto do debate, qual seja a

excludente de crime político, uma vez que a defesa do extraditando sustentava a

109 Ext. 700/1998, Rel. Min. Octávio Gallotti, j – 4/3/98, DJ – 5/11/99.

indenidade legal e constitucional dos atos praticados contra a segurança externa do Estado,

e a Procuradoria negava esta afirmação.

Em um trecho de seu voto, o Min. Relator Octávio Galloti sustenta que:

Não há, portanto, aqui, uma ação do gênero daquelas que, ameaçando a segurança jurídica do Estado, lesam simultaneamente algum outro bem jurídico, como a vida, a liberdade ou o patrimônio, e tem sido, por esse motivo, desclassificadas da categoria política pelo Supremo Tribunal.(...) Argumenta o douto parecer com o intuito de proveito financeiro, assacado ao extraditando. Acerca dessa apregoada circunstância, não há, porém, uma única palavra, na motivação no mandado de prisão. Só na nota verbal que o veiculou – mas não é ela o meio idôneo de emendá-lo ou complementá-lo – há uma vaga gratuita referência ao intuito de lucro ao agente.

O Estado requerente informou que outros delitos, além dos de natureza política,

seriam capazes de acarretar sua competência, porém não indicou quais crimes. Assim, após

vasta pesquisa chegou a conclusão que os crimes imputados ao extraditando eram de

natureza políticas sim. Os demais Ministros acompanharam o voto do relator, indeferindo o

pedido de extradição, alguns com promessa de reservar um estudo mais dirigido a essa

matéria para uma futura oportunidade.

A existência de um tratado de extradição, neste caso, faria com que os crimes que

realmente causassem prejuízo ao Estado requerente fossem passíveis de punição, bem

como caracterizariam um delito verdadeiramente político, evitando repressão as opiniões e

ao posicionamento dos cidadãos. Por exemplo, o tratado de extradição firmado entre Brasil

e Coréia do Sul, em seu art. 3º:

Art. 3º, §1º: A extradição não será concedida em quaisquer das seguintes circunstâncias:g) quando o crime constituir um crime político ou fato correlato. A referência a crime político não incluirá os seguinte delitos: i) o atentado contra a vida de um Chefe de Estado ou Chefe de Governo ou membro de sua família; ii) crime em relação ao qual as Partes Contratantes tenham a obrigação de estabelecer competência ou extraditar em função de um acordo internacional multilateral do qual ambas sejam Partes, e iii) crime envolvendo genocídio, terrorismo, assassinato ou seqüestro, e iv) quando a Parte Requerida tiver razões bem fundamentadas para supor que o pedido de extradição foi apresentado com a finalidade de perseguir ou punir a pessoa procurada em função de sua raça, religião, nacionalidade ou opinião política, ou que a posição da pessoa possa ser prejudicada por qualquer dessas razões. § 3º: A alegação da pessoa procurada de que o pedido de sua extradição tem propósito ou motivação política não impedirá a entrega da pessoa, se o crime que deu origem ao pedido de extradição representar, fundamentalmente, uma infração de Direito Penal comum. Neste caso, a entrega da pessoa a ser extraditada dependerá de um compromisso assumido pela Parte Requerente de que o propósito ou motivação política não contribuirá no sentido de tornar a pena mais grave.

6.7 Questão diversa O julgado seguinte trata sobre questões importantes que não estão estabelecidas no

Estatuto do Estrangeiro, mas aparecem com freqüência nos recentes casos de solicitação de

extradição por reciprocidade. Meramente ilustrativo, é o único caso de deferimento total do

pedido extradicional.

O seguinte caso trata sobre pedido de extradição de súdito estrangeiro que não era

nacional do Estado requerente, mas que cometeu crime neste território. A defesa alega o

fato de ter o extraditando filhos e casa no Brasil e, também sobre cumprimento de pena no

Brasil sobre crime diverso do pedido extradicional.

Trata-se de pedido de extradição solicitado pela Holanda, por crime de tráfico de

drogas cometido no Estado requerente, por súdito colombiano (note-se que não é nacional

da Holanda).

A ementa do julgado:

Governo dos Países Baixos. Extradição requerida com base no princípio da reciprocidade. Colombiano condenado na Holanda pelo crime de tráfico ilícito de entorpecente (arts. 2º e 10 da Lei do Ópio), verificado no período de 28 de março a 25 de abril de 1990. Extraditando que, em nosso País cumpre pena pela prática de outro crime, da mesma natureza, verificado em 04 de junho de 1994, descabendo a alegação de competência concorrente. Irrelevância da alegação de possuir mãe e filhos brasileiros. Irrelevância, por igual, da circunstância de haver promovido, indevidamente, perante ofício de registro de pessoas naturais, no Brasil, o registro de seu nascimento, no exterior. Extradição deferida.110

O pedido foi feito por meio de nota verbal, baseado na promessa de reciprocidade,

devidamente traduzido para a língua portuguesa e com a cópia da condenação sofrida

naquele Estado, cuja pena foi de 12 anos de reclusão. A prisão preventiva para fins de

extradição foi decretada e o mandado cumprido na cidade de Manaus/AM (por se tratar de

presídio de segurança máxima), onde o extraditando já se encontrava preso, cumprindo a

pena de 14 anos e 8 meses de reclusão pela prática do crime de tráfico de entorpecentes,

previsto nos arts. 12, 14 e 18, da Lei n. 6.368/76, condenado pela Justiça de Tocantins.

A defesa alegou que o pedido de extradição foi instaurado com base em prova

obtida irregularmente, isto porque o processo que sofrera na Holanda havia sido arquivado,

não tendo o extraditando tomado conhecimento de julgamento contra si; que o extraditando

foi condenado em Tocantins pelo mesmo crime, assim, prevaleceria a competência da

Justiça brasileira para julgá-lo; a inexistência de tratado de extradição e de promessa de

110 Ext. 672/1996, solicitada pela Holanda, Rel. Min. Ilmar Galvão, j – 28/3/96, DJ – 17/5/96.

reciprocidade entre o Brasil e o Estado requerente; que o extraditando residia há muito

tempo no Brasil, sendo filho de brasileira, e possuía filhos brasileiros, razão pela qual teria

que ser considerado nacional do Brasil, motivos esses suficientes para o indeferimento do

pedido.

A Procuradoria Geral da República e os Ministros do STF opinaram pela concessão

do pedido extradicional, porque o entendimento do Tribunal é que o tratado bilateral não é

a única base possível do pedido de extradição, tendo igual virtude a promessa de

reciprocidade, desde que seja receptiva a ordem jurídica do Estado requerido, como é o

caso.

O fato do extraditando ter mãe e prole brasileiras, bem como de ter fixado residência

no Brasil há muitos anos não justificariam por si só sua nacionalidade brasileira, conforme

jurisprudência pacífica do STF111, ademais não havia registro algum de pedido de opção de

nacionalidade formulado pelo extraditando.

Quanto ao alegado bis in idem, condenação dupla pelo mesmo ilícito, tem-se que a

figura penal era a mesma: tráfico de entorpecentes, porém fatos diferentes. Isto porque a

solicitação da extradição foi baseada em fatos ocorridos em 1990, e no Brasil a condenação

foi dada no ano de 1994. Assim o entendimento foi que o extraditando cumprisse a pena

que sofreu no Brasil, e somente depois da conclusão do processo ou do cumprimento da

pena fosse efetuada a extradição, ressalvada a hipótese do art. 67 do Estatuto do

Estrangeiro.112

Em conclusão, percebe-se que há uma certa rigorosidade quando o pedido de

extradição é baseado em promessa de reciprocidade, mesmo porque geralmente os tratados

bilaterais já delimitam quais as condições passíveis de extradição.

No primeiro caso, por exemplo, o STF resolveu verificar, como já outrora o fez, as

condições do cumprimento da promessa e, isso remeteu à análise do Direito alemão. Esta

investigação foi primordial para analisar se a promessa de reciprocidade seria ou não

cumprida, uma vez que a legislação interna (alemã) não faz distinção entre nato e

naturalizado, assim o entendimento foi que não seria passível cumprir reciprocidade se

acontecesse caso análogo no Brasil. 111 Súmula 402 do STF. 112 Art. 67, da Lei n. 6.815/80: “Desde que conveniente ao interesse nacional, a expulsão do estrangeiro poderá efetivar-se, ainda que haja processo ou tenha ocorrido condenação”.

Note-se que a maioria dos casos aqui expostos foi solicitada pelo governo da

Alemanha, corroborando o que foi dito nos capítulos anteriores, que este é o Estado que

mais solicita extradição baseada em promessa de reciprocidade ao Brasil.

Neste sentido, vê-se que prevalece o caráter protetivo da norma impeditiva da

extradição sobre o movimento de cooperação judiciária.

Considerações Finais

No que tange a cooperação internacional no combate a criminalidade, pode-se afirmar

que a extradição é um meio muito eficaz, isto porque através de um ato formal os Estados se

comprometem a entregar infratores fugitivos que têm uma penalidade a ser cumprida.

Viu-se que a extradição pode ser fundada em tratado ou promessa de reciprocidade e,

quando baseada em reciprocidade, o exame das condições de cumprimento da promessa

precede a análise de todos os demais requisitos inerentes ao pedido, respeitada a Lei 6.815/80.

Explanados os princípios norteadores da extradição, as causas impeditivas e condições

para seu deferimento (de acordo com a Constituição Federal Brasileira e o Estatuto do

Estrangeiro), bem como os casos concretos, percebeu-se que a ausência de tratados bilaterais

entre os Estados faz realmente com que os critérios utilizados para haver extradição sejam

mais rígidos e sejam analisados com mais cautela pelo Supremo Tribunal Federal.

Em estudo dos casos de extradição por reciprocidade limitados às condições expostas,

em especial quando se tratar da Alemanha como Estado requerente, percebeu-se que a

existência de um tratado de extradição seria de fundamental importância para cooperação

internacional. Principalmente quanto aos critérios (impeditivos encontrados no art. 77 do

Estatuto do Estrangeiro) de nacionalidade, dupla punibilidade e crimes políticos. Um exemplo

do primeiro impedimento é a Ext. 1010-7/2006 solicitada pela Alemanha, referente ao crime

de tráfico ilícito de entorpecentes, que prometeu reciprocidade em caso análogo, no entanto os

Ministros do STF indeferiram o pedido extradicional, vez que a Constituição Alemã, em seu

art. 16, estabelece que “nenhum alemão pode ser extraditado ao estrangeiro”, não fazendo

distinção entre o nato e o naturalizado como ocorre com a Constituição nacional, deste modo,

impossível cumprimento da promessa de reciprocidade. Note-se que para chegar a esta

conclusão os julgadores analisaram o Direito interno alemão, fato que poderia ter sido evitado

se existisse um tratado bilateral que expressasse exatamente a diferença entre cidadão nato e

naturalizado. O STF nos casos de tráfico ilícito de entorpecentes, interpreta a Constituição de

outro Estado sem mesmo dar chance deste se manifestar acerca de tal interpretação e, o fato

do Estado requerente prometer reciprocidade demonstra, mesmo que implicitamente, que está

disposto a extraditar e não se tornar inconstitucional (como declaram os Ministros do STF).

Exemplo do segundo fato impeditivo é a Ext. 470/1988, que teve o pedido de

extradição deferido parcialmente, “excluindo-se de seu âmbito o delito de exportação de

moeda nacional, vez que este crime não tem tipificação no direito penal brasileiro”. Ora, fácil

para o delinqüente cometer crime em seu território nacional e fugir para outro país sabendo

que neste não haverá pena a ser imposta. Mais uma vez seria viável tratado de extradição para

determinar imputação de forma genérica, basta para o pedido estar concreto e passível de

extradição, independente de encontrar tipificação na legislação brasileira. A exemplo o tratado

com a Coréia.

Quanto ao terceiro caso impeditivo, tem-se como exemplo a Ext. 700/1998, solicitada

pela Alemanha, referente ao crime de traição. Os Ministros do STF depois de extensa

pesquisa chegaram a conclusão que se tratava de um crime político, contrariando o parecer da

Procuradoria da República e, indeferiram o pedido extradicional. Neste caso também, se

existisse um tratado de extradição que especificasse a natureza de um crime político, evitaria-

se que os crimes que realmente causassem prejuízo ao Estado requerente ficassem impunes.

Em conclusão, percebe-se que os casos de extradição por reciprocidade são analisados

com mais cautela pelo Supremo Tribunal Federal. Tal afirmação induz a pensar na

necessidade de ampliação dos tratados hoje firmados pelo País.

Referências Bibliográficas

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