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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO O ESTELIONATO NA MODALIDADE DE EMISSÃO DE CHEQUES SEM FUNDO: UMA ANÁLISE À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA RENILDO FREIRE CORTES Itajaí, maio 2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

O ESTELIONATO NA MODALIDADE DE EMISSÃO DE CHEQUES SEM FUNDO: UMA ANÁLISE À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA

RENILDO FREIRE CORTES

Itajaí, maio 2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

O ESTELIONATO NA MODALIDADE DE EMISSÃO DE CHEQUES SEM FUNDO: UMA ANÁLISE Á LUZ DA JURISPRUDÊNCIA

RENILDO FREIRE CORTES

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito

parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Ademir Manuel Furtado

Itajaí, maio de 2007

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AGRADECIMENTO

A Deus, pela força espiritual;

A minha esposa, pelo carinho despendido ao longo desses anos;

A todos aqueles, que de uma forma ou de outra, me ajudaram a seguir o caminho certo;

Ao meu orientador, Profº Ademir Manuel Furtado, por ter contribuindo nessa caminhada final.

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, pelas palavras de sabedoria nos momentos difíceis, alicerce da nossa família;

A minha esposa pelo carinho e compreensão, nesta jornada.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a

coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e

qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, maio de 2007.

Renildo Freire Cortes Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Renildo Freire Cortes, sob o título O

Estelionato na modalidade de emissão de cheque sem fundo: uma análise à luz da

jurisprudência, foi submetida em [Data] à banca examinadora composta pelos seguintes

professores: [Nome dos Professores ] ([Função]), e aprovada com a nota [Nota] ([nota

Extenso]).

Itajaí, maio de 2007.

Ademir Manuel Furtado Orientador e Presidente da Banca

MSc. Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CP/1940 Código Penal Brasileiro de 1940

CF Constituição Federal

CPP Código de Processo Penal

ART Artigo

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Ardil

É fraude no sentido imaterial, intelectualizada, dirigindo-se à inteligência da vítima

e objetivando excitar nela uma paixão, emoção ou convicção pela criação de uma

motivação ilusória. Uma boa conversa, uma simulação de doença, sem nenhum

outro disfarce ou aparato, além da cara-de pau”1.

Artifício Significa fraude no sentido material. Segundo Manzini2: “toda simulação ou

dissimulação idônea para induzir uma pessoa em erro, de modo a que esta tenha

imediata percepção de uma falsa aparência material, positiva ou negativa”.

Crime Unissubsistente

É aquele crime que se realiza com apenas um ato, ou seja, a conduta é uma e

indivisível.

Crime Plurissubsistente

É aquele que é constituído de vários atos, que integram a conduta, ou seja,

existem fases que podem ser separadas, fracionando-se o crime3.

Erro

É uma falsa representação da realidade e a ele se equipara a ignorância, que é o

total desconhecimento a respeito dessa realidade4.

1 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal parte especial. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 505. 628 p. 2 MANZINI, Vicenzo. Trattato di diritto penale italiano. 3 ed. Padova: 1947. vol. IX, p. 597. 3 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 133.

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Estelionato

Ato de obter, para si ou para outrem, vantagem patrimonial ilícita, em prejuízo

alheio, induzindo ou mantendo em erro alguém mediante artifício, ardil ou

qualquer outro meio fraudulento5.

4 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.169. 5 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.169.

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SUMÁRIO

RESUMO .............................................................................................. XI

INTRODUÇÃO....................................................................................... 12

CAPÍTULO 1 .................................................................................... 14

DAS ESPÉCIES DE FRAUDES NO CÓDIGO PENAL......................13 1.1 DUPLICATA SIMULADA................................................................................14 1.2 ABUSO DE INCAPAZES................................................................................16 1.3 INDUZIMENTO A ESPECULAÇÃO ...............................................................19 1.4 FRAUDE NO COMÉRCIO ..............................................................................21 1.5 OUTRAS FRAUDES.......................................................................................22 1.5.1 FRAUDES E ABUSOS NA FUNDAÇÃO OU ADMINISTRAÇÃO DE

SOCIEDADE POR AÇÕES...................................................................................24 1.5.2 FRAUDE SOBRE AS CONDIÇÕES ECONÔMICAS DE SOCIEDADE POR

AÇÕES .................................................................................................................27 1.5.3 EMISSÃO IRREGULAR DE CONHECIMENTO DE DEPÓSITO OU

WARRANT............................................................................................................33 1.5.4 FRAUDE À EXECUÇÃO ..............................................................................35 CAPÍTULO2........................................................................................38 DO ESTELIONATO E SUAS MODALIDADES.....................................................38 2.1.1ELEMENTO SUBJETIVO: DOLO.................................................................45 2.1.2 FRUDE PENAL E FRAUDE CIVIL...............................................................46 2.1.3 SUJEITOS NO CRIME DE ESTELIONATO.................................................49 2.1.4 A BOA-FÉ E A FRAUDE BILATERAL........................................................51 2.1.5 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA...................................................................54 2.1.6 ARREPENDIMENTO POSTERIOR..............................................................55 2.1.7 DISTINÇÃO E CONCURSO.........................................................................56 2.2 ESTELIONATO PRIVILEGIADO.....................................................................57 2.2.1DISPOSIÇÃO DE COISA ALHEIA COMO PRÓPRIA..................................59 2.2.3 ALIENAÇÃO OU ONERAÇÃO FRUADULENTA DE COISA PRÓPRIA....60 2.2.4 DEFRAUDAÇÃO DO PENHOR ..................................................................62 2.2.5 FRAUDE NA ENTREGA DE COISA............................................................63 2.2.6 FRAUDE PARA RECEBIMENTO DE INDENIZAÇÃO OU VALOR DE SEGURO................................................................................................................64 CAPÍTULO 3.......................................................................................65 3.1 NOÇÕES GERAIS A RESPEITO DAS FONTES DO DIREITO......................65 3.2 CONCEITO DE CRIME....................................................................................67 3.3 NOÇÕES A RESPEITO DA AÇÃO PENAL....................................................68 3.4 DA FRAUDE NO PAGAMENTO POR MEIO DA EMISSÃO DE CHEQUE SEM FUNDOS.......................................................................................................71

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CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................86 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS..............................................................89

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RESUMO

O tema do presente trabalho vinculou-se ao Estelionato, na

modalidade de emissão de cheque sem fundo. Quanto ao problema da pesquisa,

o cheque constitui um importante título no comércio, para a toda a sociedade,

tendo em vista a facilidade de negociação que possibilita ao portador da cártula.

Fundamental se faz manter seu crédito perante a comunidade, fornecendo, a

quem o recebe, a garantia da entrega do valor monetário por ele representado.

Empreende-se esta pesquisa por intermédio do exame da bibliografia e da

jurisprudência, servindo-se do método indutivo. Percebe-se, como resultado, a

segurança dada a quem recebe o cheque, de que fará jus ao seu crédito,

fortalecendo as relações comerciais. Se o fato de o portador de cártula emitir

cheque, ciente da impossibilidade de sua quitação, pela instituição financeira,

independente de um futuro pagamento, já caracterizasse o crime de estelionato,

desestimularia as pessoas de praticar tal conduta, no entanto, o posicionamento

da jurisprudência acaba por estimular a prática deste tipo penal, ao

descaracterizar este tipo penal, se o cheque for quitado antes do oferecimento da

denúncia. Por sua vez, o dano à fé pública e à segurança que as relações do

comércio devem merecer é mais prolongado, senão irreversível. Se, em

determinada localidade, há o hábito de se emitirem cheques a descoberto, ainda

que todos os emitentes reparem o dano causado pela recusa do pagamento por

insuficiência de fundos, não se poderá negar que a fé e a confiança que o público

local depositavam neste instrumento de pagamento serão duradouramente

afetadas.

Palavras-chave: Estelionato, cheque e garantia.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia terá como objeto o estudo a respeito

do Estelionato e suas modalidades, em especial a espécie de emissão de cheque

sem fundos.

O seu objetivo institucional é produzir Monografia para

obtenção do Título de Bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí-

UNIVALI.

Como objetivo geral buscar-se-á a compreensão e o

aprofundamento do tema - O Estelionato e suas Modalidades, em especial a

emissão de cheques sem fundo, frente a orientação jurisprudencial, em especial

às súmulas do Supremo Tribunal Federal.

Os objetivos específicos serão: categorizar o conceito de

estelionato e identificar suas modalidades, em especial a modalidade de emissão

de cheque sem fundo.

Para tanto, principiar–se-á, no Capítulo 1, tratando das

várias espécies de fraudes tipificadas no ordenamento penal brasileiro.

No Capítulo 2, tratar-se-á de apresentar o conceito de

estelionato, suas principais características, as modalidades de estelionato e os

requisitos necessários à caracterização do tipo penal.

No Capítulo 3, tratando das noções gerais sobre as fontes

do direito, o conceito de crime, bem como a cerca da ação penal. Na seqüência

do estelionato, na modalidade de emissão de cheques sem fundo, frente aos

entendimentos pacificados de nossos Tribunais, em especial às súmulas do

Supremo Tribunal Federal.

O presente Relatório de Pesquisa se encerrar-se-á com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

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destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre o tema.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

Se o fato de o portador de cártula emitir cheque, ciente da impossibilidade de sua quitação, pela instituição financeira, independente de um futuro pagamento, já caracterizasse o crime de estelionato, desestimularia as pessoas de praticar tal conduta.

Frente ao posicionamento, atualmente, pacificado na jurisprudência, que a quitação do cheque emitido sem provisões de fundos, antes do oferecimento da denúncia, desnatura o crime de estelionato, estaria estimulando os indivíduos a praticarem tal ato.

Quanto à Metodologia empregar-se-á, registra-se que, na

Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de

Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, conforme Pasold6, cionar-

se-ão as Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da

Pesquisa Bibliográfica.

6 PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 7. ed. Florianópolis: OAB/SC, 2002, p. 103-125 e 243 p.

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CAPÍTULO 1

DAS ESPÉCIES DE FRAUDES NO CÓDIGO PENAL

1.1 DUPLICATA SIMULADA

Do latim medieval duplicata (littera), letra dobrada.

A duplicata mercantil é título de crédito que constitui o

instrumento de prova do contrato de compra e venda. Geralmente é título de

crédito assinado pelo comprador em que há promessa de pagamento da quantia

correspondente à fatura de mercadorias vendidas a prazo.

O artigo 172 do Código Penal dispõe:

Art. 172. Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrerá aquele que falsificar ou adulterar a escritura do Livro de Registro de Duplicatas.

A moldura desta figura é a que maior número de alterações

experimentou no ordenamento jurídico brasileiro. A redação atual deste artigo

deve-se à Lei 8.137/90, que ampliou a abrangência do conteúdo daquele

dispositivo, que disciplina a emissão de fatura, duplicata ou nota de venda, além

de voltar a majorar a sanção correspondente.

A exemplo da Jurisprudência7, pode-se verificar:

STF: “Duplicata simulada – Venda inexistente – Artigo 172 do Código Penal – Alcance. A Lei 8.137, de 28 de dezembro de 1990, não expungiu do cenário jurídico, como fato glosado do campo penal, a emissão de fatura, duplicata ou nota que não corresponda a uma venda ou prestação de serviços efetivamente

7 JSTF 206/337. TACRSP

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realizados, conduta que se mostra tão punível quanto aquelas que encerrem simulação relativamente à qualidade ou quantidade dos produtos comercializados.

O bem jurídico protegido é o patrimônio, isto é, as relações

econômicas provenientes do comércio, garantindo, assim, a autenticidade dos

institutos comerciais. Trata-se de crime de perigo para o patrimônio, apresentado

por meio de uma falsidade documental.

Nesse desiderato, é o entendimento de Mirabete8: “Protege-

se o patrimônio, pelo perigo de dano, em caráter prioritário, mas não há dúvida de

que se tutela, também, a boa-fé de que devem estar revestidos os títulos

comerciais, equiparados a documentos públicos”.

O sujeito ativo, em regra, é o diretor, o gerente ou

administrador de empresa, associações ou sociedades que praticarem a ação

tipificada. É quem expede ou aceita duplicata fictícia ou falsa, as quais não

correspondem à efetiva compra e venda.

Não podem ser sujeitos ativos desse tipo penal, o

endossatário e o avalista, a menos que ajam de comum acordo com o sujeito

ativo.

O recebedor da duplicata, isto é, quem desconta, aceita-a

como caução, e também o sacado de boa-fé, que corre o risco de ser protestado,

representam o sujeito passivo. Havendo co-autoria entre emitente e aceitante, o

sujeito passivo será quem fez o desconto, e não o sacado.

A ação típica é emitir a duplicata, significa expedir ou

colocar em circulação fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à

mercadoria vendida ou ao serviço prestado.

8 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direitopenal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 328.

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Não é necessária a participação do sacado, para que o

crime se aperfeiçoe, uma vez que, após a sua emissão, o emitente poderá

endossá-la, antes mesmo do aceite, transferindo, assim, sua propriedade.

O elemento subjetivo é o dolo, constituído da vontade

consciente dirigida à emissão de duplicada simulada, fatura ou nota de venda que

não corresponde à mercadoria vendida ou ao serviço prestado. O crime pode ser

praticado com dolo eventual, mas não há forma culposa.

No momento em que o título é colocado em circulação,

consuma-se o crime de emissão de duplicada simulada, independente de

eventual prejuízo do sacado ou de terceiro. Por se tratar de crime formal,

consuma-se com a simples emissão do título. O crime não se exclui com o

ressarcimento posterior de eventual prejuízo.

Na falsificação ou adulteração do Livro de Registro de

Duplicatas, de acordo com Mirabete9 o sujeito passivo é o Estado, violado em sua

fé pública. Consuma-se o crime com a falsificação ou adulteração, cabendo a

forma tentada.

Na classificação doutrinária10, trata-se de crime comum, por

não exigir condição especial do sujeito ativo; formal, posto que não exige

resultado naturalístico; comissivo; doloso; de forma livre, instantâneo,

unissubjetivo, e, também, plurissubsistente. As penas aplicadas,

cumulativamente, são reclusão, de dois a quatro anos e multa, são as mesmas

previstas para a figura tipificada no parágrafo único.

1.2 ABUSO DE INCAPAZES

O delito consiste em tirar indevido proveito de necessidade,

paixão ou inexperiência de menor, ou da alienação ou debilidade mental de

outrem, afetando seu patrimônio. 9 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direitopenal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 331. 10 FRAGOSO, Heleno. Lições de direito penal: parte especial. 14 ed. Rio de Janeiro. 1993. p. 96.

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O abuso de incapazes foi introduzido na legislação pelo

Código Penal francês de 1810, influenciando assim, outras legislações européias,

incluindo-o entre os crimes contra o patrimônio.

O legislador brasileiro de 1940, ao tipificar o abuso de

incapazes, inspirou-se no Código Penal Rocco, de 1930.

O Código Penal define o que representa o abuso de

incapazes em seu artigo 173:

Abusar, em proveito próprio ou alheio, de necessidade, paixão ou inexperiência de menor, ou da alienação ou debilidade mental de outrem, induzindo qualquer deles à prática de ato suscetível de produzir efeito jurídico, em prejuízo próprio ou de terceiro.

Sujeito ativo é quem abusa de menor ou alienado ou débil

mental, podendo ser qualquer pessoa, independentemente de ostentar alguma

condição ou qualidade especial.

Sujeito passivo somente pode ser o menor, ou seja, aquele

com idade inferior a dezoito anos. O alienado, que de acordo com a lei, e o

entendimento da doutrina11 é o louco, aquela pessoa privada de razão em virtude

de perturbação psíquica. E os débeis mentais, que em geral, são aqueles

indivíduos portadores de retardamento mental ou de parada no desenvolvimento

das funções psíquicas. Incluindo nessa categoria, os idiotas, imbecis e os débeis

mentais propriamente ditos.

A ação tipificada é abusar, ou seja, prevalecer-se da

inexperiência, paixão ou necessidade do menor, ou de sua condição de alienado

ou débil mental, para induzi-lo, pela persuasão ou pela fraude, à prática de ato

que produza efeito jurídico. O sujeito passivo torna-se mais vulnerável e

desprotegido, carente de amparo e de proteção legal.

11 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1942. p. 264.

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A caracterização do crime de abuso de incapazes se

verifica na jurisprudência TARS. RT 607/370-I: “Configura abuso de incapazes o

induzimento de débil mental à prática de atos que podem afetar seu patrimônio e

o de terceiro, com proveito para o réu ou para outrem”.

O ordenamento jurídico preocupa-se com as pessoas que

não dispõem de conhecimento, maturidade e discernimento para autodeterminar-

se na vida social, limitando suas responsabilidades e a validade de seus atos.

Em razão da absoluta incapacidade da vítima, o ato torna-

se nulo juridicamente. Para que o crime se consume é irrelevante que o sujeito

ativo obtenha o proveito pretendido. De modo geral os crimes patrimoniais são

materiais, neste caso é crime formal, não precisando verificar-se o proveito,

apenas a orientação da conduta do agente.

Nesse sentido Magalhães Noronha12 lembra:

Se certo homem, inimigo de uma família, abusa das paixões de menor, a ela pertencente, induzindo-o a praticar ato que lhe pode acarretar a ruína, sem que com isso obtenha lucro, não deixa de praticar o crime em análise. O delito é patrimonial, porque o patrimônio é que foi a objetividade jurídica atingida.

Proveito e prejuízo, duas coisas básicas distintas, não

havendo a necessidade de ambos terem a mesma natureza, podendo um ter

cunho moral e o outro econômico, sem qualquer relevância típica. Neste caso o

proveito deve ser próprio ou alheio e o prejuízo, próprio ou de terceiro.

O dolo, elemento subjetivo especial do tipo constitutivo, pelo

fim específico de obter proveito para si ou para outrem indevidamente é a

composição do tipo subjetivo. O dolo é representado pela vontade consciente,

onde o agente tenha conhecimento da incapacidade da vítima.

12NORONHA, Edgar Magalhães. Direito Penal: parte especial. 15 ed. São Paulo: Saraiva. 1979, p. 461.

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O preceito primário criminaliza a conduta de abusar em

proveito próprio ou alheio, ou seja, abusar com a finalidade de obter vantagem,

para si ou para outrem.

O crime é consumado no momento e no lugar em que o

incapaz pratica o ato a que foi induzido pelo sujeito ativo, desde que suscetível de

produzir efeitos jurídicos. Por se tratar de uma espécie de crime formal, do qual

independe o resultado, é admissível a tentativa, a qual se configura por

circunstâncias alheias à vontade do agente.

A doutrina classifica como crime comum, formal, comissivo,

doloso, de forma livre, instantâneo, unissubjetivo e plurissubsistente.

As penas são de reclusão, de dois a seis anos, e multa,

cominadas e cumulativas.

1.3 INDUZIMENTO A ESPECULAÇÃO

A maioria dos diplomas legais não trata deste crime de

forma autônoma. Quando o fazem, integra-se ao crime de estelionato.

O bem jurídico protegido é o patrimônio considerado latu

sensu, mas cada figura penal destaca determinada particularidade da segurança

patrimonial que merece maior atenção do legislador. Neste caso, na lição de

Noronha13 trata-se do patrimônio pertencente às pessoas simples, ignorantes ou

inexperientes contra a burla, a fraude ou ardil, simbolizados por jogos e apostas e,

ainda, pela especulação com títulos ou mercadorias. O legislador procura evitar a

exposição a perigo o patrimônio destas vítimas.

O artigo 174 do Código Penal dita:

13 NORONHA, Edgar Magalhães. Direito Penal: parte especial. 15 ed. São Paulo: Saraiva. 1979, p. 461.

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Abusar, em proveito próprio ou alheio, da inexperiência ou da simplicidade ou inferioridade de outrem, induzindo-o à prática de jogo ou aposta, ou à especulação com títulos ou mercadorias, sabendo ou devendo saber que a operação é ruinosa.

Mirabete14 esclarece “induzimento à especulação é crime

comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa que saiba das condições da

vítima”, não necessita nenhuma condição especial, basta que abuse da

inexperiência, simplicidade ou inferioridade mental da vítima. Portanto, o sujeito

ativo é quem induz a vítima a esse tipo penal.

Qualquer pessoa desde que, maior ou menor, inexperiente,

simples ou mentalmente inferior, serve como sujeito passivo. O mais comum é

que tal exploração ocorra com menores, mulheres incultas e homens rústicos,

enfim, pessoas simples, não acostumadas às malícias desta atividade.

A ação típica é abusar, com o sentido de prevalecer-se,

aproveitar-se da inexperiência, de alguém, para induzi-lo a prática de jogo, aposta

ou à especulação com títulos ou mercadorias. Devendo a ação ser em proveito

próprio ou alheio.

De acordo com os nossos Tribunais:

TJSP: Delito caracterizado. Réus que induzem a vítima à prática de jogo carteado abusando de sua inexperiência. Pessoa simplória e que, ainda de lucro fácil, perdeu suas economias para aqueles. Condenação mantida. Inteligência do art. 174 do Código Penal15.

O dolo consiste em ter a vontade de abusar da vítima,

induzindo-a à prática do ato, tendo o agente conhecimento das condições de

inferioridade mental do ofendido, ou ainda, dúvida a esse respeito, o que

caracteriza o dolo eventual. Exige-se o elemento subjetivo do tipo, onde o agente

atue em proveito próprio ou de terceiro.

14 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direitopenal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 335. 15 RT 371/138-9 - TJSP

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O crime consuma-se quando a vítima pratica o ato,

independente de proveito do agente ou de terceiro. A tentativa é admissível já que

o processo executório pode ser fracionado e o ofendido não chega a praticar o ato

potencialmente ruinoso.

1.4 FRAUDE NO COMÉRCIO

No antigo direito penal esta infração foi desconhecida como

crime autônomo, e sim um conceito mais abrangente de falsidade.

De acordo com o Código Penal, a fraude no comércio é

enganar, no exercício de atividade comercial, o adquirente ou consumidor. É

crime próprio, pois só aquele que se dedica à atividade comercial pode cometê-lo,

dificultando a identificação do sujeito ativo do crime.

O sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, desde que

determinada e seja adquirente ou consumidor, adquirindo a coisa ou mercadoria

com um dos vícios mencionados no tipo penal do artigo 175 do Código Penal, o

qual dispõe:

Art. 175. Enganar, no exercício de atividade comercial, o adquirente ou consumidor:

I – vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada;

II – entregando uma mercadoria por outra;

§ 1º - Alterar em obra que lhe é encomendada qualidade ou peso de metal ou substituir, no mesmo caso, pedra verdadeira por falsa ou por outra de menor valor; vender pedra falsa por verdadeira; vender, como precioso, metal de outra qualidade.

Há duas formas de iludir, enganar adquirente ou

consumidor, no exercício de atividade comercial, que é vendendo a mercadoria

como perfeita, estando, no entanto, deteriorada ou falsificada, ou entregando uma

mercadoria por outra, referindo-se o engano a qualidade, quantidade ou

procedência.

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22

O dolo, direto ou eventual, é representado, como especifica

Mirabete16 pela vontade consciente de vender produto falsificado ou deteriorado,

entregar uma mercadoria por outra, ou alterar ou substituir metal ou pedra

preciosa, no exercício de atividade comercial.

Para entrar na figura do artigo 175, há a necessidade de

existir a fraude, como vender mercadoria falsificada como verdadeira. A

Jurisprudência caracteriza:

TACRSP: A ação de vender mercadoria falsificada não entra na figura traçada do artigo 175, I, do CP. Não é, pois, ação típica. O tipo exige que se venda mercadoria falsificada como verdadeira. Aí é que está a fraude, o engano, dado estrutural, essencial do delito de que se cogita, sob o nomen juris de “fraude no comércio 17“.

É indispensável que o sujeito ativo tenha consciência de

que esta enganando o adquirente ou consumidor e que conheça as diferentes

qualidades ou propriedades de cada produto.

Consuma-se o crime quando ocorre a tradição, a

transferência da posse do objeto material. É admissível a tentativa, ou seja, o ato

não se deu por circunstâncias alheias à vontade do agente.

1.5 OUTRAS FRAUDES

Neste caso, o bem jurídico protegido é a inviolabilidade do

patrimônio de proprietários de hotéis, restaurantes ou meios de transportes,

contra a lesão fraudulenta a que são expostos nesse ramo de atividade.

Vejamos a definição de outras fraudes no Código Penal, de

acordo com o art. 175: “Tomar refeição em restaurante, alojar-se em hotel ou

16 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 339. 17 TR 546/351 – TACRSP.

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23

utilizar-se de meio de transportes sem dispor de recurso para efetuar o

pagamento”.

O sujeito ativo é quem pratica qualquer das ações proibidas

pelo artigo em exame, independente de qualidade ou condição especial. Trata-se

de crime comum.

Em relação ao sujeito passivo, este pode ser pessoa física

ou jurídica, desde que lesado no patrimônio pela conduta do agente, bem como

aquele que é iludido pelo agente.

Nas três hipóteses descritas no artigo, com ensina

Mirabete18 “é condição indispensável que o agente não disponha de recursos para

efetuar o pagamento, consistindo a fraude no fato de o agente silenciar quanto à

impossibilidade de pagamento”.

A jurisprudência caracteriza:

TJSP: Estelionato. Delito caracterizado. Fraude contra hoteleiro. Acusado que se hospeda em hotel, sem ter possibilidade de pagar as diárias. Condenação mantida. Pena, porém reduzida. Revisão deferida. Inteligência do art. 176 do Código Penal. No delito do art. 176 do Código Penal, o engano consiste em o delinqüente silenciar sobre a impossibilidade de pagamento. Esse silêncio fraudulento importa dissimulação do verdadeiro estado financeiro do agente 19.

O dolo é o elemento subjetivo dessa infração, que pode ser

direto ou eventual, constituído pela vontade consciente de praticar qualquer das

ações relacionadas no tipo penal. O erro exclui o tipo, mas o agente pode atuar

com dolo eventual, assumindo o risco de efetuar despesas superiores a seu

numerário.

O crime se consuma com a prática de qualquer das

condutas incriminadas. A relevância jurídica de qualquer das condutas surge

somente com o não pagamento das despesas efetuadas. Trata-se de crime 18 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 341. 19 RT 404/124 - TJSP

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material. Em tese, admite-se a tentativa. De acordo com as circunstâncias do fato,

a lei possibilita a concessão do perdão judicial.

Se for efetuado o pagamento das despesas através de

cheque e este estiver sem fundos, o agente estará cometendo o crime de

estelionato, de acordo com o art. 176 do Código Penal. Vejamos:

TJGB: O fato de ser emitido cheque sem fundos em pagamento de consumação feita em hotel ou de uso de meio de transporte, não desclassifica a infração para o delito previsto no art. 176, cujo parágrafo único exige representação do lesado20.

TACRSP: Aquele que, após consumir refeição, se retira do estabelecimento sem pagar a conta terá cometido mero ilícito civil, ou o crime do art. 176 do CP, se agir com dolo preordenado, a que deve se referir a denúncia, jamais, porém, a infração do art. 171 se o recebimento da vantagem não foi precedido de qualquer ardil21.

1.5.1 FRAUDES E ABUSOS NA FUNDAÇÃO OU ADMINISTRAÇÃO DE

SOCIEDADE POR AÇÕES

O patrimônio continua sendo o bem jurídico protegido, dos

investidores em sociedades abertas. A proteção é contra a organização e a

administração fraudulenta e abusiva das sociedades por ações.

O sujeito ativo do crime previsto no artigo 177 do Código

Penal é o fundador, ou seja, aquele que promove a constituição da sociedade por

ações, sendo possível à co-autoria.

Veja-se a definição do caput do art. 177 do Código Penal:

“Promover a fundação de sociedade por ações, fazendo, em prospecto ou em

comunicação ao público ou à assembléia, afirmação falsa sobre a constituição da

sociedade, ou ocultando fraudulentamente fato a ela relativo”.

20 RT 452/437 - TJGB 21 RT 569/338 - TACRSP

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Qualquer pessoa, que subscreva, como acionista, pode ser

o sujeito passivo, desde que seja vítima da afirmação falsa sobre a constituição

da sociedade ou de ocultação fraudulenta de fato relativo à sociedade.

O crime só ocorrerá, segundo Mirabete22 na fase de

formação da sociedade por ações, visando a atrair capitais e interessados no

empreendimento. Embora o caput criminalize uma conduta, a de promover, prevê

duas formas de executá-la: a primeira é fazer afirmação falsa, aquela que não

corresponde à realidade, e a outra é ocultar fato fraudulento, ou seja, ocultam

informações reais, verdadeiras e relevantes da sociedade, enganando os

possíveis investidores.

Para a adequação típica do fato, é necessário que a

informação refira-se a fato relevante com potencialidade lesiva. Segundo a

exigência contida no caput, esta informação deve ser promovida em prospecto, ou

em comunicação dirigida ao público ou à assembléia.

Tanto a sociedade anônima, quanto a em comandita por

ações, representam sociedades constituídas por ações. Assim, ambas satisfazem

o elemento normativo do tipo. Na primeira, o capital é dividido em ações, onde se

limita a responsabilidade do sócio ao preço de emissão das ações subscritas ou

adquiridas, já na segunda, o capital é dividido por ações, respondendo apenas

pelo valor das ações, cada acionista, tendo neste caso, responsabilidade

subsidiária, ilimitada e solidária pelas obrigações sociais, os diretores ou gerentes

da sociedade.

As infrações praticadas contra sociedades por ações

constituem crimes contra a economia da sociedade. A subsidiariedade da figura

descrita no caput, somente tipificará esse crime, se o fato não constituir crime

contra a economia popular.

22 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direitopenal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 343.

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Magalhães Noronha23 define uma solução:

Em se tratando de sociedade por ações, parece-nos necessário o exame de que o fato tenha lesado ou posto em perigo as pequenas economias de um grande, extenso e indefinido número de pessoas. Assim, se o fato é enquadrável no art. 177 do Código e em dispositivos da Lei 1.521, de 1951, que substituiu o Decreto-lei 869, de 1938, mas se a lesão real ou potencial atinge apenas a uma ou duas dezenas de pessoas ricas ou magnatas que subscreveram todo o capital social, cremos que muito mal o delito poderia ser considerado contra a economia do povo. Ao contrário, se a subscrição fosse feita por avultado e extenso número de pessoas que, com seus minguados recursos, subscreveram uma ou outra ação, a ofensa patrimonial seja dirigida contra a economia popular. Numa hipótese, temos pequeno grupo de pessoas prejudicadas, noutra é, a bem dizer, o povo, tal o número de lesados que sofre com o dano.

A vontade consciente de promover a fundação de

sociedade por ações, fazendo falsas afirmações sobre a constituição da

sociedade ou escondendo fato fraudulento e relevante, constitui o dolo, direto ou

eventual. Não há previsão expressa de crime culposo.

O crime é consumado conforme o doutrinador24 quando o

agente faz afirmação ou a omissão falsa, mesmo que nenhuma ação seja

subscrita. Trata-se de crime formal, que independe de resultado lesivo, basta sua

potencialidade.

A tentativa, embora admissível na forma comissiva, é de

difícil ocorrência.

A doutrina25 classifica como crime próprio, aquele que exige

sujeito ativo qualificado ou especial. Subsidiário, pois não pode constituir crime

contra a economia popular. É crime formal, de perigo, doloso, comissivo ou

23 NORONHA, Edgar Magalhães. Direito Penal. Parte Especial. 15 ed. São Paulo: Saraiva. 1979, p. 462 e 483. 24 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 343. 25 NORONHA, Edgar Magalhães. Direito Penal. Parte Especial. 15 ed. São Paulo: Saraiva. 1979, p. 462 e 483.

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omissivo, instantâneo, unissubjetivo e ainda plurissubsistente que representa

vários atos que integram a mesma ação.

1.5.2 FRAUDE SOBRE AS CONDIÇÕES ECONÔMICAS DE SOCIEDADE POR

AÇÕES

O § 1º, inciso I, do Código Penal, trata da fraude sobre as

condições econômicas de sociedade por ações. Refere-se a abusos e fraudes

inerentes ao funcionamento desta dessas sociedades. Cita-se:

§ 1º Incorrem na mesma pena, se o fato não constitui crime contra a economia popular:

I – o diretor, o gerente ou o fiscal de sociedade por ações, que, em prospecto, relatório, parecer, balanço ou comunicação ao público ou às assembléia, faz afirmação falsa sobre as condições econômicas da sociedade, ou oculta fraudulentamente, no todo ou em parte, fato a elas relativo.

De acordo com a Lei das Sociedades Anônimas (Lei

6.404/47), os membros da diretoria e do conselho de administração, são

considerados administradores. No entanto, esta lei não contemplou matéria penal,

assim, são considerados sujeitos ativos do artigo 177, somente o diretor, o

gerente e o fiscal. Outros membros, somente porão ser alcançados por meio do

concurso de pessoas, quer sob a figura da co-autoria, ou da participação em

sentido estrito.

Neste caso, como se trata de crime próprio, o sujeito ativo

pode ser somente o diretor, gerente, fiscal ou liquidante.

O diretor, por ser um dos principais acionistas, é eleito pelo

conselho de administração ou pela assembléia geral. O gerente, nem sempre é

acionista da empresa, podendo ser apenas um funcionário contratado para tal fim,

com determinados poderes de decisão. O fiscal é membro do conselho fiscal, sua

função é sempre definida através de estatuto da empresa, e o liquidante, pessoa

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nomeada pelo conselho ou pela assembléia geral, cuja função é proceder a

dissolução da companhia.

O patrimônio alheio, daqueles que investem em sociedades

abertas, é o bem jurídico tutelado, isto é, a lei visa à proteção do patrimônio dos

acionistas contra a administração fraudulenta das sociedades por ações.

A conduta é fazer afirmações falsas ou ocultar fraudes, ao

público ou à assembléia, relativa às condições econômicas da sociedade já

constituída, isto é, no que diz respeito ao seu funcionamento.

De acordo com o Código Penal, prospecto refere-se ao

aumento de capital mediante subscrição pública. Relatório, como o próprio nome,

diz, são documentos inerentes à administração. O parecer é elaborado pelo fiscal,

para entregar aos acionistas, e à assembléia geral. Por fim, balanço é a

demonstração do ativo e passivo da sociedade, conhecido por demonstrações

financeiras, de acordo com a redação da Lei das Sociedades Anônimas. Para

configurar o crime, a falsa afirmação e a ocultação fraudulenta devem recair sobre

o balanço patrimonial.

A consumação do crime independe do prejuízo efetivo,

basta a expedição do prospecto, ou apresentação do balanço, relatório ou

parecer, e ainda, comunicação falsa ao público ou à assembléia.

A tentativa é de difícil ocorrência, embora tecnicamente

admissível, por apresentar grande dificuldade na sua comprovação.

O Código Penal, neste mesmo artigo 177, refere-se também

aos crimes de falsa cotação de ações ou título de sociedade, com o objetivo de

criar mecanismos fictícios, com o intuito de valorar os títulos da sociedade, ou

ainda baixar a sua cotação.

O inciso II, do § 1º, do artigo 177 do Código Penal define:

§ 1º - Incorrem na mesma pena, se o fato não constitui crime contra a economia popular:

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II – o diretor, o gerente ou o fiscal que promove, por qualquer artifício, falsa cotação das ações ou de outros títulos da sociedade.

O sujeito ativo do crime é sempre o referido na lei, enquanto

que o sujeito passivo será a pessoa dos sócios ou de terceiros que possam,

eventualmente, sofrer dano patrimonial em decorrência da ação delituosa.

A conduta típica é promover falsa cotação de ações ou de

outros títulos da sociedade. Cotação falsa refere-se à informação de valores não

correspondentes aos de mercado, com o propósito de aumentar ou diminuir o

valor das ações. Portanto, este crime somente pode ser praticado quando a

empresa possui títulos que tenham cotação regular no mercado de ações.

O crime consuma-se no momento em que o sujeito ativo

obtém a falsa cotação, independente de qualquer dano, por tratar-se de crime

formal. Quanto à tentativa, é admissível, uma vez que o emprego de artifício

fraudulento idôneo constitui início da execução.

O inciso III do art. 177 tipifica o abuso de diretor ou gerente

que toma empréstimo à sociedade ou usa, em proveito próprio ou de terceiro, dos

bens ou haveres sociais sem prévia autorização da assembléia geral.

Por tratar-se de crime próprio, o sujeito ativo, informe

Mirabete26 pode ser apenas o diretor da sociedade, o gerente ou o liquidante, os

demais membros somente responderão se forem alcançados pelo instituto do

concurso de pessoas.

O sujeito passivo podem ser os acionistas, que sofrerão

uma perda patrimonial, ou a própria sociedade como um todo.

As condutas tipificadas são tomar por empréstimo ou usar

dos bens ou haveres sociais. Necessário que o bem usado, indevidamente, seja

26 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 343.

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devolvido e que esse uso seja irregular, isto é, alheio aos interesses sociais. Esta

conduta deve ocorrer em proveito próprio ou alheio, e desautorizado pela lei,

sendo irrelevante o prejuízo para a sociedade de acionistas, por tratar-se de crime

formal.

Contudo, se estará diante de crime de apropriação indébita,

de acordo com o artigo 168, § 3º do Código Penal, se o sujeito ativo dispuser da

coisa animo domini.

Cabe a tentativa, ante a possibilidade de interrupção do iter

criminis. Vê-se que, na figura de tomar por empréstimo, a tradição do objeto

material pode ser impedida por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Enquanto que o crime consuma-se com o empréstimo ou uso de bens e haveres

da sociedade, não sendo exigido o dano material propriamente dito.

A exemplo da Jurisprudência27:

Sociedade comercial – Fraudes e abusos na fundação ou administração – Delito configurado em tese – Interventor de cooperativa agrícola que se utiliza, em proveito próprio e de terceiros, de dinheiro pertencente à sociedade, sem prévia autorização da assembléia geral – Pretendida ausência de justa causa para a ação penal – Inocorrência, bem como de inépcia da denúncia – Não é inepta a denúncia cuja descrição dos fatos é suficiente para permitir o exercício da defesa. A qualificação jurídica do fato é suscetível de modificação pelo juiz. Indemonstradas, pois, seja a inépcia da denúncia, seja a falta de justa causa, mantém-se a decisão denegatória de hábeas corpus.

Em relação à sociedade por ações, outra fraude no Código

Penal é a compra e venda de ações da sociedade, sem a permissão da lei. Esta

definida no inciso IV, do art. 177, § 1º:

Art. 177. O diretor ou o gerente que compra ou vende, por conta da sociedade, ações por ela emitidas, salvo quando a lei o permite.

IV - o diretor ou o gerente que compra ou vende, por conta da

27 STF, HC, Rel. Min. Décio Miranda, RT, 533/424.

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sociedade, ações por ela emitidas, salvo quando a lei o permite.

Também se refere a crime próprio, como os demais incisos,

portanto, o sujeito ativo pode ser o gerente, o diretor ou o liquidante. A própria

sociedade e seus acionistas, individualmente, que sofrem uma perda patrimonial,

serão os sujeitos passivos.

As condutas proibidas estão representadas pelos verbos

comprar e vender que consistem em adquirir por meio oneroso e alienar ou ceder

por preço determinado, as ações da sociedade, abrangendo todas as formas de

transações capazes de produzir efeitos econômicos de compra e venda.

Neste caso, o ordenamento jurídico pode determinar em

situações expressas essa operação, ficando afastada a antijuridicidade e a

tipicidade, quando existir o elemento normativo “salvo quando a lei o permite”.

Nelson Hungria28, destaca:

A ratio da incriminação é, no caso de negociação das ações da própria sociedade, impedir a redução clandestina do capital social, em prejuízo da empresa ou da garantia oferecida aos credores, ou evitar especulações no sentido da alta ou baixa fictícia das ações, ou o ensejo a outras possíveis fraudes.

A tentativa é admissível, sendo o crime consumado com a

compra e venda, por conta da sociedade, das próprias ações, independente do

resultado econômico.

O segundo dispositivo, que proscreve condutas que

representam abusos com as ações da própria sociedade, está elencado no inciso

V, do § 1º do artigo 177, do Código Penal, o qual incrimina aceitar em garantia

(penhor ou caução), as ações da própria sociedade. proscreve

Para a configuração desse crime, é necessário que a

sociedade tenha crédito de acionistas ou de terceiros, e que, como garantia, o

sujeito ativo aceite as ações.

28 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 5 ed. Rio de Janeiro:Forense. 1980. p. 290.

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Garantia de crédito social não é a mesma coisa que

garantia de gestão, esta permitida por lei, por ser caução prestada por diretores.

Representa ainda fraude ou dano contra as sociedades por

ações, a distribuição de lucros ou dividendos fictícios, em que o sujeito ativo, por

falta de balanço, distribui dividendos que não correspondem a lucros efetivos,

ocasionando lesão ao patrimônio da sociedade.

Em qualquer sociedade comercial, o lucro é apurado

mediante balanço, e é através deste que podem ser distribuídos dividendos e

lucros, sob pena de induzir em erro o comércio em geral, o sistema financeiro e o

próprio mercado mobiliário.

O inciso VII representa o crime de aprovação fraudulenta de

conta ou parecer, possuindo duas modalidades de condutas puníveis. A primeira

diz respeito a interposta pessoa que se apresenta para votar como “testa-de-

ferro”, é quando os administradores ou fiscais cedem suas ações, para que

possam votar na assembléia pela votação das contas ou parecer. Já a segunda

modalidade é representada pelo acionista conluiado, ou seja, aquele de má-fé,

aliciado ou subordinado, onde os sujeitos ativos limitam-se a corromper acionistas

detentores de voto, para que votem segundo seus interesses.

De acordo com Cezar Bittencourt29, o acionista conluiado e

o testa-de-ferro, serão co-autores, abrangidos pelo disposto no artigo 29 do

Código Penal.

A sociedade por ações pode liquidar-se judicial ou

extrajudicialmente. O liquidante, nessa atividade, pode cometer crime.

Respondem, ainda, de acordo com o Código Penal

brasileiro, os representantes de sociedade anônima estrangeira autorizada a

29BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 850.

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funcionar no Brasil, que pratica os atos mencionados nos incisos I e II, ou dá falsa

informação ao governo, de acordo com o § 1º, inciso IX, do Código Penal.

O § 2º cuida do crime praticado pelo acionista que negocia

seu voto. A conduta incriminada está representada pelo verbo negociar, o qual diz

respeito a comprar, vender, comerciar, receber ou dar em pagamento o voto nas

deliberações da assembléia geral, com a finalidade de obter vantagem para si ou

para outrem. Este crime pode ser praticado tanto pelo vendedor como pelo

comprador.

A Lei das Sociedades Anônimas autoriza o acordo de

acionistas, que tem finalidade e natureza política e existe em função dos

acionistas em geral e não para beneficiar um ou outro em particular.

1.5.3 EMISSÃO IRREGULAR DE CONHECIMENTO DE DEPÓSITO OU

WARRANT

Warrant representa um título de garantia que se emite sobre

mercadorias depositadas em armazéns gerais, conforme conhecimento de

depósito. Enquanto o conhecimento é o título que formaliza a transferência da

mercadoria em depósito, o warrant atua como instrumento às cauções que se

fazem sobre o conhecimento ou sobre a mercadoria.

O artigo 178, do Código Penal, trata de crimes praticados

através da emissão irregular do warrant, assim descrito: “Emitir conhecimento de

depósito ou warrant, em desacordo com disposição legal”.

Segundo Mirabete30 embora, em regra, o crime definido

neste artigo seja praticado pelo depositário da mercadoria, também pode ser

praticado por qualquer pessoa, em nome da empresa de armazéns gerais. É

30 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 351.

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possível a co-autoria entre depositário e depositante ou terceiro, desde que ciente

da irregularidade.

O sujeito passivo será, normalmente, o portador ou

endossatário do título, que sofrerá o prejuízo em razão de delito.

Segundo o Decreto n. 1.102, de 1903, armazéns gerais são

empresas que têm por finalidade guardar, conservar e emitir títulos que as

representem, não importando a origem ou o destino.

Depósito é a relação contratual entre o armazém geral e o

depositante da mercadoria. O depositário tem a obrigação de conservar os

produtos que lhes são entregues em nome de outrem. O conhecimento de

depósito ou warrant é o título referente.

As funções são distintas entre o warrant e o conhecimento

de depósito. O primeiro é título pignoratício, atribuindo ao seu portador o direito

real de penhor da mercadoria nele especificada, enquanto que o segundo, por

sua vez, é o título de propriedade da mercadoria. O proprietário credor é aquele

que possui os dois títulos.

A tipicidade consiste em emitir, ou seja, por em circulação

estes títulos em desacordo com disposições legais, sendo criminosa a emissão

quando violada as disposições da lei.

Ambos são títulos que circulam mediante endosso,

garantindo ao possuidor a propriedade da mercadoria nele mencionada. A

emissão irregular deve-se à ilegalidade da empresa; à falta de autorização para

emissão; à não existência da mercadoria em depósito; à falta de requisitos

formais, etc., podendo o fato constituir crime meio para outro delito, sendo por ele

absorvido.

A caracterização do crime esta mostrada através da

jurisprudência:

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TJSP: Emissão irregular de conhecimento de depósito ou

warrant. Empregados categorizados de Cia. De Armazéns Gerais

que emitem warrant de mercadoria ali não existente em depósito.

Incêndio no armazém também arquitetado para impossibilitar a

sua verificação. Condenação mantida. Inteligência dos artigos

178 e 250 do Código Penal. Planejando e executando

estelionato, consistente na emissão irregular de um

conhecimento de depósito warrant, inexistindo a respectiva

mercadoria no armazém, incidem os acusados no delito previsto

no art. 178 do Código Penal31.

O dolo direto ou eventual é à vontade de emitir os títulos,

tendo o agente ciência de sua irregularidade. É crime formal e de perigo,

consumando-se com a circulação destes, independente da produção de

prejuízo32. Trata-se de crime de consumação antecipada. Segundo a doutrina, a

tentativa é impossível.

1.5.4 FRAUDE À EXECUÇÃO

Fraudar execução significa tornar irrealizável a execução de

sentença judicial, pela inexistência, real ou simulada de bens.

Este delito penal tem seus antecedentes antes da era

cristiana, desde a Lei das XII tábuas, que permitia postular a insolvência do

devedor, quando insatisfeito o credor. Concedia-se ao credor o direito de

custódia, podendo, neste período, levar o devedor ao mercado; não havendo

pretendentes, poderia matá-lo ou vender como escravo.

O Código Penal dispõe, de acordo com seu artigo 179:

“Fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou

simulando do alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou

simulando dívida”.

31 RT 501/265 – TJSP. 32 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 352.

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36

O legislador brasileiro de 1940 incluiu a fraude contra a

execução no Título que trata dos crimes contra o patrimônio, por ser ele o bem

jurídico protegido nesse tipo penal, especificamente contra fraudes de devedores

que, na tentativa de inviabilizar a ação judicial de seus credores, procuram evitar

a execução forçada.

Assegura Mirabete33 que se tutela o patrimônio do credor,

diretamente, e, indiretamente, o respeito à administração da justiça.

O sujeito ativo é o devedor demandado judicialmente,

podendo, também, ser o comerciante, o terceiro que pratique a ação ilícita,

subtraindo a coisa à execução, desviando-a. Este crime admite o concurso de

outras pessoas.

Sujeito passivo será o credor que aciona judicialmente o

devedor ardiloso, que se vê esvaziado pela fraude praticada pelo sujeito ativo.

O crime consiste em fraudar a execução, por meio de uma

das condutas relacionadas no tipo penal. Significa tornar impossível a execução

judicial pela inexistência de bens sobre os quais possa recair a penhora.

O agente, para fraudar a execução, aliena seus bens.

Alienação34 é todo ato de transferir o domínio de bens a terceiros, abrangendo

inclusive a própria cessão de direito. Como o direito penal não admite presunções

de nenhuma natureza, também a finalidade fraudadora da alienação deve ser

comprovada.

Desvio de bens é todo comportamento ou conduta que

implique a inviabilização da penhora, pela ausência de bens pertencentes ao

agente, o qual pode simular transferência, remessa para o exterior, etc. 33 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 353. 34 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 354.

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37

Danificar significa avariar o patrimônio, diminuir-lhe o valor,

causando-lhe deterioração. Simular dívida significa que o agente assumiu

obrigação inexistente, admitindo a execução de crédito fictício.

A fraude à execução é crime de que só cogita a lei penal na

pendência de uma lide civil, que só tem lugar após a citação do devedor para o

processo de execução, que é o processo instaurado para exigir cumprimento

compulsório de um título judicial ou extrajudicial.

Fraude à execução e não fraude processual, conforme o

entendimento jurisprudêncial:

TACSP: Tipifica o delito de fraude à execução, e não o de fraude processual, substituir coisa penhorada por outra, possivelmente de menor valor, vez que, tratando-se de coisa penhorada, sua integridade física ou qualitativa não objetiva influir no convencimento das partes, peritos ou juiz, mas sim, diminuir seu patrimônio, tornando impossível a execução da dívida35.

A vontade de praticar uma das condutas enumeradas na lei

representa o dolo, direto ou eventual, desde que ciente o agente da existência de

execução pendente, sendo seu interesse frustrá-la e prejudicar os credores,

constituindo o elemento subjetivo especial do injusto.

Quando a execução fraudada se torna inviável pela

insolvência do agente, o crime é consumado. Em se tratando de crime material,

qualquer das ações praticadas pelo agente será atípica, se continuar solvente.

A tentativa para Mirabete36 é admissível, quando for o

agente impedido de consumar qualquer das ações tipificadas.

35 RJDTACRIM 22/206 - TACSP 36 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 354.

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38

Ação penal privada no crime de fraude à execução, de

acordo com a jurisprudência vigente:

TJSP: Tal conduta tipificaria em tese o delito do art. 179 do CP – fraude à execução – que, por sua especialidade, exclui a incidência de qualquer outro tipo penal. Sendo tal crime perseguível mediante ação privada, forçoso reconhecer a falta de justa causa para a instauração de inquérito policial uma vez extinta a punibilidade pela decadência do direito de queixa37.

Este crime é apurado mediante ação penal privada,

devendo ser proposta no prazo de seis meses do conhecimento do fato, sob pena

de decadência.

Verificadas as espécies de fraudes existentes no CP,

passa-se a uma análise do estelionato e de suas diversas modalidades.

37 RT 453/418-9 – TJSP.

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39

CAPÍTULO 2

DO ESTELIONATO E SUAS MODALIDADES

2.1 DO ESTELIONATO

A palavra estelionato segundo Mirabete38 vem do latim

istellio, onis, stellionatus, fraude, engano. Continua o autor que o étimo provém da

denominação de uma espécie de lagarto que muda as cores do próprio corpo

conforme o meio ambiente, para, assim, dissimulado, não ser percebido pelos

inimigos predadores.

O estelionato é um delito contra o patrimônio, cuja natureza

marcante, conforme Noronha39

não é a violência, ou ameaça, e sim a fraude ou o engano. A fraude, elemento constitutivo do estelionato é o meio empregado pelo agente para alcançar seu objetivo, que é a lesão ao patrimônio alheio, com a conseqüente obtenção de vantagem ilícita. É crime material e de dano, que se perfaz com a efetiva lesão ao bem jurídico protegido.

A origem do termo auxilia a compreender o significado do

delito em epígrafe, assim definido por Noronha40: “Há estelionato quando o agente

emprega meio fraudulento, induzindo ou mantendo alguém em erro e, assim,

conseguindo, para si ou para outrem, vantagem ilícita, com dano patrimonial

alheio”.

O artigo 171 do CP descreve o tipo que caracteriza o

estelionato:

38 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 304. 39 NORONHA, Edgar Magalhães. Digesto penal. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 358. 40 NORONHA, Edgar Magalhães. Digesto penal. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 358.

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Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.

Aqui o verbo induzir significa “fazer cair em erro”, mas

significa também “aconselhar”.

O sujeito ativo do crime de estelionato é qualquer pessoa

que pratica a conduta típica. É possível ainda a co-autoria ou a participação.

Aquele que contribui na formação e circulação de cheque falsificado, a partir de

folha em branco proveniente de talonário alheio, que se apurou constituir produto

de furto, ou entregando este ao parceiro, que mais tarde passou ao lesado, ou

preencheu e assinou a pedido do comparsa, age com dolo eventual, pois

consente na previsível vantagem econômica indevida em prejuízo da vítima, com

o uso de documento indevido, por isso, é co-réu de estelionato.

Noronha41 pontua que

Pratica estelionato não só aquele que preenche e assina cheque, pertencente a outro titular da conta, mas todos os que, em co-autoria, mediante esse meio fraudulento, obtêm vantagens ilícitas, adquirindo mercadorias, recebendo troco, mantendo em erro os fornecedores, que vêm a sofrer prejuízos.

Para configurar a co-autoria, precisa existir um acordo de

vontade entre os participantes, no sentido de uma participação ciente e

consciente na obtenção do resultado visado pela prática do ato ilícito. A mera

condução do réu ao local onde ocorreu o ilícito não configura crime.

O sujeito passivo do estelionato é a pessoa que sofre a

lesão patrimonial. Geralmente é a mesma que foi enganada, sendo possível, em

alguns casos, terceira pessoa sofrer prejuízo. Portanto, existe a possibilidade de

uma entidade estatal sofrer a lesão patrimonial, ou ainda, a empresa privada,

quando o empregado sofre o golpe, mas quem suporta o prejuízo da ação é o

empregador. O bem jurídico protegido é o patrimônio, assim, sujeito passivo é

quem sofre a lesão patrimonial.

41 NORONHA, Edgar Magalhães. Digesto penal. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 359.

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41

Necessariamente, o sujeito passivo para Mirabete42 deve

ser pessoa determinada, sendo elemento indispensável à admissão da figura

prevista no artigo 171 do Código Penal. Tratando-se de pessoas indeterminadas,

pode configurar-se crime contra a economia popular ou contra as relações de

consumo.

A existência de fraude é indispensável para a tipificação do

crime de estelionato, que é enganar ou manter alguém em erro, Mas, para a

vítima ser enganada, no entendimento de Mirabete43 é necessário que esta tenha

capacidade de discernimento, autodeterminação, caso contrário, não poderá ser

sujeito passivo desse crime.

Pode-se verificar que, no estelionato, há dupla relação

causal: a primeira, quando a vítima é enganada mediante fraude, sendo esta a

causa e o engano o efeito; a segunda relação é o erro, como causa e a obtenção

de vantagem ilícita e o prejuízo como efeito. É indispensável que a vantagem

obtida, além de ilícita, decorra de erro produzido pelo agente, isto é, aquela seja

conseqüência deste. A vantagem ilícita deve sempre corresponder um prejuízo

alheio.

Caracteriza-se o estelionato pela presença de seus

elementos constitutivos, a saber: o artifício fraudulento, o induzimento, por meio

dele, das vítimas em erro, o prejuízo por estas sofrido, o correspondente

locupletamento ilícito dos agentes e o dolo.

Desta forma se posiciona Mirabete44

Existe o crime, portanto, quando o agente emprega qualquer meio fraudulento, induzindo alguém em erro ou mantendo-o nessa situação e conseguindo, assim, uma vantagem indevida

42 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte especial. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 305. 43 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte especial. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 306. 44 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte especial. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 303.

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para si ou para outrem, com lesão patrimonial alheia. Sem fraude antecedente, que provoca ou mantém em erro a vítima, levando-o à entrega da vantagem, não se há de falar crime de estelionato.

Desta forma, pode-se dizer que só fica configurado o delito

de estelionato, quando os ardis, as manobras fraudulentas, os artifícios, possam

embair a média argúcia, a prudência normal, aquele mínimo da sagacidade usada

pela pessoa comum.

A ação física no delito de estelionato consiste na obtenção

de vantagem ilícita, para o próprio sujeito ativo ou em benefício de terceiro, com o

conseqüente prejuízo para o sujeito passivo.

Artifício é, na definição de Manzini45: “toda simulação ou

dissimulação idônea para induzir uma pessoa em erro, de modo a que esta tenha

imediata percepção de uma falsa aparência material, positiva ou negativa”.

Heleno Fragoso tem a definição da palavra ardil, do artigo

17146 como sendo “a trama sentimental ou lógica, o estratagema astucioso”.

Já o erro, na lição de Mirabete47 “pode ser conceituado

como a manifestação viciada da vontade. É a falsa representação ou

desconhecimento da realidade”. O erro no delito em estudo precede à obtenção

da vantagem ilícita, pois é pelo vício de vontade do sujeito passivo que o agente

consegue obter o mencionado proveito.

Vantagem ilícita é todo e qualquer lucro ou benefício

contrário à ordem jurídica, isto é, não permitido por lei. À vantagem ilícita deve

corresponder, simultaneamente, um prejuízo alheio.

O dolo é o elemento subjetivo geral do estelionato, que é a

vontade livre e consciente de ludibriar alguém, por qualquer meio fraudulento,

para obter vantagem indevida, em prejuízo de outrem.

45 MANZINI, Vicenzo. Trattato di diritto penale italiano. 3 ed. Padova: 1947. vol. IX, p. 597. 46 FRAGOSO, Heleno. Lições de direito penal: parte especial. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 97. 47 MANZINI, Vicenzo. Trattato di diritto penale italiano. 3 ed. Padova: 1947. vol. IX, p. 597.

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Na definição de Nelson Hungria48: ”Não existe o crime sem

a vontade conscientemente dirigida à astúcia mala que provoca ou mantém o erro

alheio e à correlativa locupletação ilícita em detrimento de outrem”.

Na primeira figura, “induzir em erro”, o dolo deve anteceder

o emprego do meio fraudulento e a produção dos resultados, que é a vantagem

ilícita e prejuízo alheio. Já a figura “manter em erro”, o dolo é concomitante ao

referido erro. O dolo consiste na manutenção do erro.

De início, o elemento subjetivo consiste no dolo genérico,

que segundo Mirabete49 “é a vontade livre e consciente de praticar o fato punido

pela lei como crime”. O sujeito ativo, agindo de modo consciente, emprega

artifício, ardil ou qualquer meio fraudulento, para induzir ou manter a vítima em

erro, obtendo com essa conduta, a vantagem ilícita com o conseqüente prejuízo

para o sujeito passivo. Exige-se o dolo genérico. O dolo específico também é

requerido para caracterização pela ocorrência do animus lucro faciendi causae.

Assim dispõe a Jurisprudência: “No estelionato, o dolo

necessariamente antecede a obtenção da vantagem indevida, de tal modo que se

o dolo, só incidiu depois daquela obtenção, é juridicamente impossível cogitar-se

do delito”50.

A Jurisprudência menciona outros exemplos:

Sabe-se à saciedade que no estelionato o dolo é a essência da infração e antecede a ação criminosa. Não havendo prova inquestionável de que o acusado tenha agido com dolo preordenado, característico do estelionato, temerária é a sua condenação, o que não afasta, contudo, que na esfera do Direito Civil seu comportamento contamine de anulabilidade o ato jurídico praticado, obrigando-o a indenizar os danos experimentais 51.

ESTELIONATO - AUSÊNCIA DE DOLO E DOS ELEMENTOS 48 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 5 ed. Rio de Janeiro:Forense. 1980. p.

225/226. 49 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 142. 50 JUTACRIM 73/58. 51 JUTACRIM 85/356.

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CONFIGURADORES DO TIPO - ABSOLVIÇÃO Não pratica o crime de estelionato o compromitente vendedor que vem a vender imóvel a terceiro, retendo o que recebera do primeiro adquirente, compromissário comprador, por ausência de dolo preordenado justificado na pendência relativa ao preço. Encontrando-se os elementos do tipo ausentes ou, quando não, conduta postada na zona limítrofe entre a fraude penal e a exclusivamente civil, a justificar a incidência do princípio in dubio pro reo52.

De acordo com a classificação doutrinária, o estelionato

trata-se de um crime comum, material, doloso, instantâneo, de forma livre,

comissivo, de dano, unissubjetivo e plurissubsistente. Portanto, não necessita de

qualquer qualidade, consiste em dano material, não admite modalidade culposa,

sendo o resultado imediato, podendo ser praticado livremente por uma conduta

positiva, desde que lesionado um bem jurídico tutelado, podendo ainda, ser

praticado por apenas um sujeito ativo por vários atos integrantes de uma conduta.

Este crime consuma-se, em sua forma fundamental, no

momento e no lugar em que o agente obtém o proveito a que corresponde o

prejuízo alheio. Trata-se de crime material e não formal, não bastando o dano

patrimonial ao ofendido, necessário se faz que a ação resulte em benefício ilícito.

A vantagem ilícita deve corresponder um prejuízo alheio,

numa relação de causa e efeito. Para a consumação há necessariamente que

existir o binômio proveito ilícito – prejuízo alheio.

Quando o estelionato se pratica por meio de cheque

falsificado, a consumação ocorre no momento em que o título é colocado em

circulação, independente da restituição dos bens, objeto do ato ilícito.

Tratando-se de crime material, o qual admite o

fracionamento, é admissível a tentativa, uma vez que o iter criminis pode ser

interrompido, por causas alheias à vontade do agente.

52 TACRIM-SP - Ac. unân. da 12ª Câm. julg. Acesso em 3 de fev. de 2003 - Ap. 1.324.249/1-Capital - Rel. Juiz Ivan Sartori; in ADCOAS 8217514

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45

O § 2º do artigo 171, prevê seis modalidades especiais de

estelionato:

a) disposição de coisa alheia como própria, que é o

emprego de fraude na qual o sujeito passivo acredita que a coisa que lhe é

oferecida pertence ao estelionatário, há a incursão da vítima em erro, com a

vantagem indevida do agente, e o prejuízo de alguém;

b) alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria:

neste caso, muda o objeto material, em vez de ser coisa alheia, trata-se de coisa

própria, impedida, por alguma razão de ser alienada;

c) defraudação de penhor, consistente na ação de defraudar

garantia pignoratícia mediante alienação (venda, troca, doação ou desvio,

consumo, destruição, abandono, etc.) sem consentimento do credor. Significa

lesar, privar ou tomar um bem de outrem;

d) fraude na entrega de coisa, onde a tipificação é trocar,

alterar ou adulterar a coisa, tendo por objeto a substância, qualidade ou

quantidade, nas quais o sujeito ativo alterou;

e) fraude para o recebimento de indenização ou valor do

seguro, onde a prática da conduta típica (destruir ou ocultar a coisa ou lesar o

próprio corpo) tem por objeto a obtenção de receber a indenização do valor do

bem segurado. Trata-se de crime formal, não se exigindo para a consumação a

obtenção da vantagem ilícita;

f) fraude no pagamento por meio de cheque, que é emitir e

frustrar o pagamento. Consiste na emissão e circulação do cheque sem suficiente

provisão de fundos.

O erro, artifício ou ardil devem preexistir à obtenção da

vantagem ilícita. A pena cominada é a de reclusão, de um a cinco anos, e multa.

Na hipótese do § 3º a pena será majorada em um terço; na figura do privilegiado,

por ter reclusão substituída por detenção, diminuída de um a dois terços ou

substituição por multa.

2.1.1 ELEMENTO SUBJETIVO: DOLO

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Cumpre, na análise do elemento subjetivo do delito, estudar

se a figura do estelionato reclama o dolo ou a culpa. Em outras palavras: se o

agente, para a prática do delito, deve desejar a conduta delituosa com

consciência de que seu comportamento é contrário ao direito ou se basta a

vontade de agir, sem intenção quanto ao resultado, praticando a ação

inadvertidamente. Não se pode admitir a responsabilidade sem um momento

psicológico (isso serve para todos os delitos), isto é, sem culpa em sentido amplo.

Prevalece, em matéria de direito repressivo, o princípio de

que não existe crime sem culpa - nullum crimem sine culpa - O delito de

estelionato só pode ser punido a título de culpa. A denominada fraude culposa é

fato atípico.

De início, o elemento subjetivo consiste no dolo genérico,

que é a vontade livre e consciente de praticar o fato punido pela lei como crime. O

sujeito ativo, agindo de modo consciente, emprega artifício, ardil ou qualquer meio

fraudulento, para induzir ou manter a vítima em erro, obtendo, com essa conduta,

a vantagem ilícita com o conseqüente prejuízo para o sujeito passivo. Exige-se o

dolo genérico. O dolo específico também é requerido para caracterização pela

ocorrência do animus lucro faciendi causae.

Veja-se, sobre o tema:

No estelionato, o dolo necessariamente antecede a obtenção da vantagem indevida, de tal modo que se, o dolo, só incidiu depois daquela obtenção, é juridicamente impossível cogitar-se do delito53.

Sabe-se à saciedade que no estelionato o dolo é a essência da infração e antecede a ação criminosa. Não havendo prova inquestionável de que o acusado tenha agido com dolo preordenado, característico do estelionato, temerária é a sua condenação, o que não afasta, contudo, que na esfera do Direito Civil seu comportamento contamine de anulabilidade o ato jurídico praticado, obrigando-o a indenizar os danos

53 JUTACRIM 73/58.

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experimentados54.

O que se pune no estelionato é a censurabilidade do ato, face à parte subjetiva do delito, vale dizer, o dolo do agente, que ciente e consciente, visou a prática criminosa, contribuindo para o resultado doloso e enganoso da vítima, se o dolo foi subseqüente à prática do ato, diante da justiça penal a ação é atípica55.

Não há falar no delito de estelionato, quando se vislumbra, desde logo, na espécie, apenas o dolus bonus, característico dos negócios civis56.

ESTELIONATO - AUSÊNCIA DE DOLO E DOS ELEMENTOS CONFIGURADORES DO TIPO - ABSOLVIÇÃO. Não pratica o crime de estelionato o compromitente vendedor que vem a vender imóvel a terceiro, retendo o que recebera do primeiro adquirente, compromissário comprador, por ausência de dolo preordenado justificado na pendência relativa ao preço. Encontrando-se os elementos do tipo ausentes ou, quando não, conduta postada na zona limítrofe entre a fraude penal e a exclusivamente civil, a justificar a incidência do princípio in dubio pro reo57.

ESTELIONATO - AUSÊNCIA DE VANTAGEM ILÍCITA – NÃO CARACTERIZAÇÃO. Para configurar o delito de estelionato é indispensável a concorrência de fraude e da lesão patrimonial, ausente esta última inexiste o crime58.

ESTELIONATO - CONFIGURAÇÃO - REQUISITOS NECESSÁRIOS. Configura estelionato se presentes os requisitos necessários à caracterização do conceito analítico de crime, frente ao conjunto probatório coligido nos autos, sendo reconhecida a rigorosa aplicação da pena cominada, frente aos elementos subjetivos e circunstâncias da conduta delituosa59.

ESTELIONATO - CONSUMAÇÃO - MOMENTO. Consumação, no estelionato se dá quando a vítima é desfalcada do seu patrimônio60.

54 JUTACRIM 85/356 55 RT 527/381. 56 RT 517/324. 57 Ap. 1.324.249/ 1- Capital - Rel. Juiz Ivan Sartori; in ADCOAS 8217514). 58 TRF-1ª R.- Ac. Das Sés. Plena publ. No DJ de 26-10-955 - Ação Penal 94.01.18509-3-MG -Rel. Juiz Jirair Aram Meguerian - in ADCOAS 8148486). 59 TRF-2.ª R. - Ac. unân. 3415 da 2.ª T. publ. no DJ de 22-8-2003, p. 258 - Ap. 1998.51.01.064354-1-Rio de Janeiro/RJ -Rel. Des. Paulo Espirito Santo - in ADCOAS 8220822). 60 TRF-1ª R. - Ac. unân. da 3ª T. - publ. no DJ de 10-9-92 - HC 92.01.18684-3-DF - Rel. Juiz Tourinho Neto.

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2.1.2 FRAUDE PENAL E FRAUDE CIVIL

A questão de distinguir o estelionato do mero ilícito civil

impunível é tormentosa. Há vários critérios sugeridos para se fazer a distinção

entre as duas fraudes. Afirma-se que existe a fraude penal quando há o propósito,

ab initio, do agente de não prestar o equivalente econômico; há um dano social e

não puramente individual; há a violação do mínimo ético; há um perigo social,

mediato ou indireto; uma violação da ordem jurídica que, por sua intensidade ou

gravidade, tem como única sanção adequada a pena; há fraude capaz de iludir o

diligente pai de família; há evidente perversidade e impostura; uma

impossibilidade de reparar o dano, com o intuito de um lucro ilícito e não do lucro

do negócio.

Segundo Hungria61:

Tirante a hipótese de ardil grosseiro, a que a vítima se tenha rendido por indesculpável inadvertência ou omissão de sua habitual prudência, o inadimplemento preordenado ou preconcebido é talvez o menos incerto dos sinais orientadores na fixação de uma linha divisória nesse terreno contestado da

fraude.

Na verdade, não há diferença de natureza ontológica, entre

a fraude civil e a penal. Não há a fraude penal e a civil, a fraude é uma só.

Distinção sobre o assunto é supérflua, arbitrária e fonte de danosíssimas

confusões. O que importa verificar é se, em determinado fato, se configuram

todos os requisitos do estelionato, caso em que o fato é sempre punível, sejam

quais forem as relações, a modalidade e a contingência que o cercam. Vale aqui

reproduzir:

ESTELIONATO. VENDA À VISTA DE COISAS COMPRADAS A PRAZO. DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DA FRAUDE. Caracteriza o crime de estelionato, pela fraude pré-existente, a compra de bens a prazo e sua venda incontinenti. Esta ação

61 HUNGRIA, Nelson, FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. v. 7. p. 192.

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deixa patente a intenção preordenada do agente em enganar a vítima. A elaboração de uma negociação, como se fosse um contrato civil, quando se sabe que ele não será adimplindo, é simples meio, como qualquer outro, de ilaqueação da boa-fé alheia. Até porque não existe distinção entre a fraude civil e a fraude penal. É a situação do caso em testilha. O apelante comprou, em muitas ocasiões, de várias empresas, suas vítimas, inúmeras mercadorias, dando cheques para desconto futuro. E as repassou para outros compradores antes do vencimento daqueles. Estes cheques não foram pagos ou por falta de fundos ou por determinação do emitente, frustrando o pagamento ou por conta encerrada. Induvidosa a ocorrência das fraudes e dos crimes previstos no artigo 171, caput, e § 2º, VI, do Código Penal62.

ESTELIONATO. FRAUDE CIVIL E PENAL. INDIFERENÇA. Não existe diferença entre a fraude civil e a fraude penal. Só há uma fraude. Trata-se de uma questão de qualidade ou grau, determinado pelas circunstâncias da situação concreta. Elas que determinam, se o ato do agente não passou de apenas um mau negócio ou se neles estão presentes os requisitos do estelionato, caso em que o fato será punível penalmente. Na hipótese em julgamento, as ações do apelante mostrou que ele cometeu o delito do art. 171, caput, do Código Penal. DECISÃO: Apelo defensivo desprovido. Unânime63.

ESTELIONATO CONSUMADO. Agente que vende automóvel para a vítima, causando-lhe prejuízo, ocultando o fato de já o haver vendido anteriormente a outrem, comete estelionato. FRAUDE CIVIL. FRAUDE PENAL. DIFERENCIAÇÃO. Na fraude penal, o desiderato do agente é o lucro ilícito, enquanto na fraude civil, o escopo é o negócio. Recurso desprovido em decisão unânime64.

Tem-se entendido que há fraude penal quando o escopo do

agente é o lucro ilícito, e não o do negócio. Portanto, a fraude penal pode

manifestar-se na simples operação civil, não passando esta, na realidade, de

engodo fraudulento que envolve e espolia a vítima. É comum, nas transações

civis ou comerciais, certa malícia entre as partes, sempre querendo levar

vantagem, seja por meio da ocultação de defeitos ou inconveniências da coisa.

Mesmo em tais hipóteses, o que se tem é o dolo civil, que poderá dar lugar à

anulação do negócio, por vício de consentimento, com as conseqüentes perdas e

danos, e não o dolo configurador do estelionato. Contudo, Nelson Hungria formula

62 Ap. 70011185980 - TJRS - Rel. Sylvio Baptista Neto. Data da decisão em 30/06/2005. 63 Ap. 70002798593 - TJRS - Rel. Sylvio Baptista Neto. Dara da decisão em 31/08/2004. 64 Ap. 70005043104 - TJRS - Rel. Mario Rocha Lopes Filho. Data da decisão em 28/05/2004.

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o melhor critério: “há quase sempre fraude penal quando, relativamente idôneo o

meio iludente, se descobre, na investigação retrospectiva do fato, a idéia

preconcebida, o propósito ab initio da frustração do equivalente econômico” 65.

2.1.3 SUJEITOS NO CRIME DE ESTELIONATO

O sujeito ativo do crime de estelionato é qualquer pessoa

que pratica a conduta típica. É possível ainda a co-autoria ou a participação.

Aquele que contribui na formação e circulação de cheque falsificado, a partir de

folha em branco, proveniente de talonário alheio, que se apurou constituir produto

de furto, ou entregando esta ao parceiro, que mais tarde passou ao lesado, ou

preencheu e assinou a pedido do comparsa, age assim, com dolo eventual, pois

consente na previsível vantagem econômica indevida em prejuízo da vítima, com

o uso de documento indevido, por isso, é co-réu de estelionato.

Assim, pratica estelionato não só aquele que preenche e

assina cheque pertencente a outro titular da conta, mas todos os que, em co-

autoria, mediante esse meio fraudulento, obtêm vantagens ilícitas, adquirindo

mercadorias, recebendo troco, mantendo em erro os fornecedores, que vêm a

sofrer prejuízos.

A exemplo da Jurisprudência Catarinense:

ESTELIONATO - FRAUDE NO PAGAMENTO POR MEIO DE CHEQUE - CIRCUNSTÂNCIA SEQUER MENCIONADA NA DENÚNCIA - PAGAMENTO EFETUADO POR TERCEIRO, ENTIDADE SINDICAL A QUE PERTENCE A VÍTIMA, PARA SUPRIR-LHE OS PREJUÍZOS - DESCARACTERIZAÇÃO DO TIPO PENAL - FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL - HABEAS CORPUS IMPETRADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO CONCEDIDO. A só circunstância da existência de cheque sem fundo por si só não caracteriza a figura delituosa prevista no art. 171, § 2o., inciso VI, do Código Penal, impondo-se que fique caracterizada também a fraude, o ardil, a trama posta em prática pelo agente para induzir a vítima a aceitar a cártula como ordem de pagamento à vista. Se o cheque é pago por entidade sindical a que pertence a vítima, antes do oferecimento da denúncia, e em obediência ao estabelecido em

65 HUNGRIA, Nelson, FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. v. 7. p. 191.

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assembléia da corporação para ressarcir os danos de seus associados, descaracterizada está a figura delituosa do estelionato praticado através da modalidade de cheque emitido sem a necessária provisão de fundos em poder do sacado66.

ESTELIONATO EM SUA FORMA FUNDAMENTAL - AUTORIA E MATERIALIDADE INCONTESTES - RENEGOCIAÇÃO DAS DÍVIDAS - CHEQUES PRÉ-DATADOS - CONTA CORRENTE JÁ ENCERRADAS - DE CONTA CORRENTE JÁ ENCERRADA - OBTENÇÃO INDEVIDA DE VANTAGEM - PREJUÍZO ALHEIO - DOCUMENTO FIDEDIGNO DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA - FATO QUE SE MOSTRA CORRIQUEIRO NA VIDA DO AGENTE DIANTE DOS NEGÓCIOS DA EMPRESA - PEDIDO DE CONCORDATA IMEDIATAMENTE POSTERIOR AO GOLPE UTILIZADO - DOLO EVIDENCIADO - AFIRMAÇÃO DE QUE OS CHEQUES FORAM DADOS EM GARANTIA QUE NÃO TEM O ATRIBUTO DE DESCARACTERIZAR O CRIME - RESPONSABILIDADE PENAL EVIDENCIADA ANTE OS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA (CONTA CORRENTE ENCERRADA E/OU UTILIZAÇÃO DOS CHEQUES TÃO-SOMENTE COMO MEIO PARA O EXAURIMENTO DA FRAUDE APLICADA) - CONDENAÇÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO “Se o acusado emitiu o cheque com a conta já encerrada, conseguindo desta forma burlar a boa-fé da vítima e obter, com esse ardil, vantagem ilícita em prejuízo do lesado, configurado resultou o crime de estelionato na sua forma fundamental, ainda que tenha sido o cheque entregue para desconto futuro e não como pagamento à vista” (Ap. Crim. n. 2001.017157-0, de Ituporanga, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz). No momento em que o agente se utiliza dos cheques tão-somente como meio para a perfeita produção do engodo empregado contra as vítimas, e exaurimento do ardil, não se há que falar se a conta corrente estava ou não encerrada, ou, mesmo, se o cheque era ou não pré-datado, pois o que caracteriza sobremaneira a conduta do estelionato, em sua forma fundamental, é toda cilada confeccionada antecipadamente como estratagema para a obtenção da vantagem ilícita67.

Para configurar a co-autoria, precisa existir um acordo de

vontade entre os participantes, no sentido de uma participação ciente e

consciente na obtenção do resultado visado pela prática do ato ilícito. A mera

condução do réu ao local onde ocorreu o ilícito não configura crime.

A decisão cuja ementa se transcreve não deixa dúvidas:

CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO - ESTELIONATO - FORMA

66 Habeas corpus 10.532. Relator: Des. Anselmo Cerello. Data da Decisão: 31/07/1992. 67 Ap. 2003.014909-0. Relator: Des. Solon d'Eça Neves. Data da Decisão: 31/08/2004.

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FUNDAMENTAL - CONCURSO DE AGENTES - CONTINUIDADE DELITIVA - APELANTE QUE, COM A AJUDA DO CO-RÉU, MEDIANTE O EMPREGO DE FRAUDE, VENDE OBJETOS FALSIFICADOS ÀS VÍTIMAS, COMO SE FOSSEM AUTÊNTICOS, OBTENDO COM ISSO VANTAGEM ILÍCITA EM PREJUÍZO ALHEIO - PERÍCIA QUE CONCLUIU QUE A FALSIFICAÇÃO DOS RELÓGIOS VENDIDOS, EMBORA GROSSEIRA, TINHA A CAPACIDADE DE INDUZIR PESSOAS LEIGAS A ADQUIRI-LOS COMO VERDADEIRA - RESPONSABILIDADE CRIMINAL QUE NÃO PODE SER AFASTADA - DOLO EVIDENCIADO - ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO TIPO PRESENTES - INFRAÇÃO PERFEITAMENTE CARACTERIZADA - CONDENAÇÃO MANTIDA - RECURSO DEFENSIVO NÃO PROVIDO68.

O sujeito passivo do estelionato é a pessoa que sofre a

lesão patrimonial; geralmente é a mesma que foi enganada, sendo possível, em

alguns casos, terceira pessoa sofrer prejuízo. Portanto, existe a possibilidade de

uma entidade estatal sofrer a lesão patrimonial, ou ainda, a empresa rivada,

quando o empregado sofre o golpe, mas quem suporta o prejuízo da ação é o

empregador. O bem jurídico protegido é o patrimônio, assim, sujeito passivo é

quem sofre a lesão patrimonial.

Necessariamente, o sujeito passivo deve ser pessoa

determinada, sendo elemento indispensável à admissão da figura prevista no

artigo 171 do Código Penal. Tratando-se de pessoas indeterminadas, pode

configurar-se crime contra a economia popular ou contra as relações de consumo.

2.2 A BOA-FÉ E A FRAUDE BILATERAL

A boa-fé é a justa ou fundada credulidade, que tanto pode

existir nas transações lícitas quanto nas ilícitas. A boa-fé da vítima de estelionato,

que era requisito do código toscano, e que constava também do código Zanardelli

e de nossos Códigos Penais de 1830 e 1890, foi abandonada, na definição de

delito, por todos os códigos modernos. O artigo 171 do nosso Código Penal não

menciona a boa-fé, muito menos a má-fé, para a caracterização do estelionato.

68 Apelação 99.016597-3. Relator: Des. Jorge Mussi. Data da Decisão: 30/11/1999.

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A exemplo da jurisprudência:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. POSSE E PROPRIEDADE BENS MÓVEIS. SUPOSTO DELITO DE ESTELIONATO ANTERIOR. AGRAVANTE ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DE DEPOSITÁRIO. AGRAVO PROVIDO69.

Não há estelionato sem fraude. Portanto, o autor dessa ação

delituosa sempre emprega a fraude como meio de execução da infração penal.

No conto-do-vigário, além disso, a torpeza empregada pelo autor encontra em

muitos casos uma ação idêntica ou de maior expressão na contra-ação da vítima.

A doutrina70 chamou esse interagir de torpeza bilateral ou torpeza simultânea.

Nesses casos, a própria vítima é também movida por um propósito imoral ou

ilícito. O exemplo clássico é o antigo conto do vigário, conhecido por guitarra, em

que a vítima compra do autor uma máquina de fazer dinheiro. Vejamos um

exemplo citado por Nelson Hungria71:

Um indivíduo, inculcando-se assassino profissional, ardilosamente obtém de outro certa quantia para matar um inimigo, sem que jamais tivesse o propósito de executar o crime... o simulado falsário capta dinheiro de outrem, a pretexto de futura entrega de cédulas falsas ou em troca de máquina para fabricá-las, vindo a verificar que aquelas não existem ou esta não passa de um truque (conto da guitarra).

Veja-se que, no primeiro exemplo, também está agindo de

má-fé aquele que contratou o assassino profissional, por almejar um proveito

ilícito (produzir a morte de alguém). Da mesma forma, aquele que compra uma

máquina de fazer dinheiro, tem por finalidade a obtenção de proveito ilícito. Desse

modo, em ambos os exemplos, as vítimas foram enganadas, sofrendo prejuízo,

apesar de tratar-se de negócio ilícito.

69 Agravo 70014273296. TJRS. Rel. Dorval Bráulio Marques. Data da decisão. 29/06/2006. 70 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. v. 7. p. 192. 71 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. v. 7. p. 192.

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Discute-se a respeito da existência do crime de estelionato,

quando se revela uma fraude bilateral. Em muitos casos, em especial nos

denominados contos-do-vigário, há má-fé também por parte da vítima, que

pretende, evidentemente sem a menor possibilidade, obter uma vantagem

indevida. No conto do legado, o ofendido recebe um pacote que supõe ser de

cédulas, mas é papel picado (paco) para entregar a uma instituição de caridade,

deixando dinheiro seu com o agente como garantia da entrega, com o intuito de

se apropriar da “doação”; no conto do bilhete premiado, a vítima adquire um

bilhete de loteria supondo estar ele premiado por lhe ter sido apresentada uma

lista falsa dos resultados da extração, pretendendo iludir o vendedor; no conto da

fábrica, o lesado, supondo que vai aproveitar-se da situação difícil de um

empresário, emprega numerário em uma indústria inexistente.

Em face dessa característica, grandes juristas, dentre os

quais Nelson Hungria, advoga a tese de que na existência de torpeza bilateral a

ação do autor não constitui crime, argumentando:

a) A lei não deve amparar a má-fé;

b) Há impossibilidade de reparação do dano no Direito Civil,

por ser nulo o ato ou por ser ilícito seu objeto;

c) É impossível a repetição de indébito para quem deu coisa

com fim ilícito.

Não obstante, a maioria dos juristas e a atual jurisprudência

entendem esse caso de forma contrária. Tal pensamento pode ser resumido nas

palavras do jurista italiano Vicenzo Manzini 72 :

O direito penal reprime os fatos delituosos pela criminosidade que revelam em quem os comete, e não em consideração das qualidades morais deste ou daquele sujeito passivo. Qualquer que seja a moralidade da vítima, não fica excluída a criminosidade do agente, e, assim, subsistem sempre as razões que determinam a intervenção da lei penal.

72 MANZINI, Vicenzo. Trattato di diritto penale italiano. 3 ed. Padova: 1947. vol. IX, p. 599.

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Há também a posição de Magalhães Noronha73: “existe

estelionato, não importando a má-fé do ofendido penal”, sendo majoritária, e

considerada correta pelo também jurista Fernando Capez74, pois:

a) o autor revela maior temibilidade, pois, ilude a vítima e lhe causa prejuízo; b) não existe compensação de condutas no direito penal, devendo punir-se o sujeito ativo e, se for o caso, também a vítima; c) a boa-fé do lesado não constitui elemento do tipo do crime de estelionato; d) o dolo do agente não pode ser eliminado apenas porque houve má-fé, pois a consciência e vontade finalística de quem realiza a conduta independe da intenção da vítima.

Os mesmos argumentos incidem nos jogos de azar,

conforme se pode concluir da decisão do Supremo tribunal Federal, no sentido de

que “no jogo do azar a fraude, eliminando o fator sorte, tira ao sujeito passivo toda

a possibilidade de ganho” 75.

2.1.5 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Trata-se de crime material. Consuma-se o estelionato com a

obtenção da vantagem ilícita indevida, em prejuízo alheio, ou seja, quando o

agente aufere o proveito econômico, causando dano à vítima. Assim, esses

resultados devem ocorrer simultaneamente, com a obtenção de proveito pelo

estelionatário e o prejuízo da vítima.

A competência para esse crime é do local em que o agente

obteve a vantagem ilícita. No tocante à falsificação de cheques para a prática de

estelionato, o STF editou a Súmula 48: “Compete ao juízo do local da obtenção

da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato cometido mediante

falsificação de cheque”. Consuma-se o crime no momento em que o agente

aufere a vantagem econômica indevida e não mo momento do emprego da

fraude.

73 NORONHA, Edgar Magalhães. Direito penal. v. 2 15 ed. São Paulo: Saraiva. p. 375. 74 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, parte especial. 6 ed. Saraiva. v. 2. 2006. p. 514. 75 RTJ, 85/1050.

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A tentativa é admissível, portanto, há tentativa se o agente

não logra obter a vantagem indevida por circunstâncias alheias à sua vontade.

Como no exemplo de um indivíduo que, diz ser um técnico em informática, vai à

residência da vítima, a pretexto de consertar o computador, dizendo que terá de

levá-lo consigo, porém, no momento em que dele se apodera, é surpreendido

pelo verdadeiro profissional. Na hipótese, houve a tentativa, pois o agente não

chegou a obter a vantagem ilícita em prejuízo do sujeito passivo.

Há a necessidade ainda de verificar se o meio empregado

era realmente apto a ludibriar a vítima. É a hipótese em que alguém tenta iludir a

balconista de uma loja, com um cheque adulterado, mas mediante consulta ao

terminal de computador, esta vem a certificar-se da fraude. Como o meio

empregado foi eficaz, houve a tentativa, tendo sido frustrado o ato por

circunstâncias alheias à vontade do autor. Tal não ocorre se o meio empregado

for totalmente ineficaz.

2.1.6 ARREPENDIMENTO POSTERIOR

A reparação do dano, antes do recebimento da denúncia,

não afasta o crime de estelionato, sendo pacífico nos tribunais brasileiros esse

entendimento, constituindo a hipótese causa geral de diminuição da pena, de

acordo com o artigo 16 do Código Penal, verdadeiro arrependimento posterior.

Portanto, quando se tratar da figura fundamental do crime de

estelionato, que é o caput do artigo 171, não se aplica a súmula 554 do STF, que

prevê a extinção da punibilidade do agente, na hipótese de pagamento de cheque

emitido sem provisão de fundos, antes do recebimento da denúncia, pois a

mesma somente se refere à modalidade prevista no § 2º, VI do art. 171 (fraude no

pagamento por meio de cheque). Assim, ainda que o agente repare o dano antes

do oferecimento da denúncia, para o Ministério Público haverá justa causa para a

propositura da ação penal, uma vez que o crime de estelionato ocorreu,

favorecendo ao agente, apenas uma pena mais branda, em face do

arrependimento. Aplica-se nesses casos o artigo 16 do Código Penal

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(arrependimento posterior), bem como o artigo 65, III, d (circunstância atenuante

genérica).

2.1.7 DISTINÇÃO ENTRE ESTELIONATO E OUTRAS FRAUDES E

CONCURSO

Mirabete76 salienta que o importante é não confundir o

estelionato com o furto ou com a fraude, assim estabelecendo a distinção:

No estelionato, há a entrega da coisa espontaneamente pela vítima, enquanto que no furto há a subtração. Assim, tratando-se de fraude que se dirige ao amortecimento da vigilância da res e não ao engodo do lesado para dele alcançar vantagem indevida, impõe-se o reconhecimento do furto qualificado.

Na hipótese em que o agente pratica crime de roubo ou furto

e depois vende o produto do crime a terceiro de boa-fé, questiona-se se ele deve

também responder pelo crime de estelionato. Mirabete77 diz que o estelionato

constitui post factum impunível, pois se argumenta que no apoderamento da coisa

alheia encontra-se ínsito o propósito de obtenção de proveito pelo agente.

Já para Magalhães Noronha78 “há concurso material entre o

crime de furto e o estelionato; existem dois crimes autônomos: o furto

(consumado com a posse da coisa) e o estelionato (consistente na venda da res

furtiva)” .

A diferença entre o estelionato e a extorsão reside no estado

de ânimo da vítima e no modo de atuar do agente. Na extorsão, mesmo que a

vítima não queira entregar a coisa, a entrega. Já no estelionato a vítima entrega a

coisa de boa vontade, por estar iludida, fazendo a vontade do agente.

76 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 309. 77 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 309. 78 NORONHA, Edgar Magalhães. Direito penal. Parte Especial. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 1979. p. 224.

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Na apropriação indébita não há o dolus ab initio, mas um

dolus subsequens, a malícia do agente sobrevém à posse ou detenção da res,

diferenciando assim do estelionato.

A jurisprudência79 especifica:

No conflito aparente de normas que ocorre na prática de fato que constitui, em tese, ao mesmo tempo os crimes de estelionato e de sonegação fiscal se resolve pelo Principio da Especialidade, de modo que se aplica a legislação específica sobre delitos tributários praticados contra a Fazenda pública.

2.2 ESTELIONATO PRIVILEGIADO

De acordo com o art. 171, § 1º, se o criminoso é primário e é

de pequeno valor o prejuízo, o juiz deve aplicar a pena conforme o disposto no

art. 155, § 2º, do Código Penal, pois a lei se refere ao pequeno desfalque

patrimonial sofrido pelo ofendido, considerado pela jurisprudência aquele valor

que não chega a atingir um salário mínimo.

Tratando-se de delito instantâneo, que se consuma com a

lesão patrimonial, no entendimento de Mirabete80 é no momento da consumação

que se deve averiguar o prejuízo para o efeito de aplicar-se ou não a minorante.

Entretanto, nos casos em que há composição, os Tribunais têm admitido a

minorante quando a reparação ocorre antes do julgamento.

Damásio de Jesus81 exemplifica:

Suponha-se que o sujeito aplique o estelionato na vítima, obtendo a importância de R$ 500,00. Posteriormente, vem a reparar o dano, devolvendo à vítima tal quantia. Suponha-se outro caso, em que o objeto material do delito, de alto valor, seja apreendido pela Polícia e devolvido ao ofendido. Em ambas as hipóteses, a vítima não sofreu nenhum prejuízo patrimonial em decorrência da conduta do sujeito, a não ser eventuais prejuízos decorrentes da

79 RSTJ 32/75. 80 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 310. 81 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Parte Especial. 2 v. 27 ed. São Paulo:Saraiva. 2005. p.438.

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prática do fato, como perda de tempo em busca de esclarecimento sobre o crime, idas à Delegacia de Polícia etc. Se considerarmos que o valor do prejuízo deve ser apreciado ao tempo da consumação do crime, o sujeito merecerá a forma privilegiada. Se, entretanto, considerarmos o prejuízo efetivo, em face da reparação ou restituição do objeto material, haverá o privilégio.

O artigo 171, § 1º, do Código Penal define forma privilegiada

de estelionato em que o pequeno valor do prejuízo funciona como circunstância

legal especial ou específica, integrando o tipo. Assim, o valor do prejuízo deve ser

apreciado no momento consumativo, por ser um delito instantâneo. De acordo

com a jurisprudência, o ressarcimento é dado aleatório e posterior, que não pode

retroagir para operar uma desclassificação no tipo, já perfeito quando da

consumação, para não permitir o estímulo à criminosidade. Além disso, toda

tentativa de estelionato seria privilegiada.

Diz a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. (EC 22/99). ESTELIONATO. PEQUENO PREJUÍZO E PEQUENO VALOR. AVALIAÇÃO. REINCIDÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. I - As situações, em termos de momento de avaliação, entre o pequeno valor no furto privilegiado e pequeno prejuízo no estelionato privilegiado se identificam. As proibições inseridas nos tipos objetiva a proteção do patrimônio como bem jurídico. No furto, em relação a bens móveis (pequeno valor da res) e, no estelionato, em relação a bens móveis e imóveis (pequeno prejuízo). II - O "pequeno prejuízo", que pode ser, em regra, até um salário-mínimo, é o verificado por ocasião da realização do crime e, na conatus (tentativa), é aquele que adviria da pretendida consumação. Tudo isto, sob pena de se transformar toda tentativa de estelionato em tentativa de estelionato privilegiado. III - A reincidência impede a aplicação do § 1º do art. 171 do C. Penal. IV - O princípio da insignificância diz com a afetação ínfima, irrisória, do bem jurídico, sendo causa de exclusão da tipicidade penal. Nem todo estelionato-privilegiado permite a incidência do referido princípio, pois pequeno prejuízo não implica, necessariamente, em prejuízo irrisório. Writ indeferido” 82.

ESTELIONATO. art. 171 "caput" do cp. ressarcimento do prejuízo antes do oferecimento da denuncia. extinção da punibilidade. Inocorrência. 1. o ressarcimento do prejuízo antes do oferecimento da denuncia não extingue a punibilidade do crime

82 H.C. 9199/MG – STJ. Rel. Ministro Feliz Fischer. Data da decisão 17/06/1999.

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de estelionato previsto no art. 171, "caput" do código penal. a orientação contida na sumula 554 do stf e restrita ao estelionato na modalidade de emissão de cheques sem suficiente provisão de fundo, prevista no CP, art. 171, parag. 2., vi. 2. o concurso material de crimes não impede o reconhecimento do estelionato privilegiado (cp, art. 171, parag. 2.), devendo o valor do prejuízo, para efeito da concessão do beneficio, ser aferido separadamente em cada uma das infrações, que são autônomas e praticadas contra vitimas diferentes. argumente-se, ainda, que o privilegio foi instituído em beneficio do réu, não podendo ser interpretado em seu desfavor. logo, não existindo norma legal que vede a consideração do prejuízo em separado, assim deve ser feito.3. a redução prevista no art. 16 do código penal (arrependimento posterior) deve incidir também sobre a pena de multa, ainda que esta seja a única aplicada. 4. recurso provido para condenar o recorrido, extinguindo-se, em seguida, a punibilidade, em face da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva” 83.

2.2.1 DISPOSIÇÃO DE COISA ALHEIA COMO PRÓPRIA

O artigo 171, § 2º, do Código penal define subtipos de

estelionato, sendo o primeiro deles a disposição de coisa alheia como própria. O

sujeito passivo, nesse caso, é o adquirente enganado e não o proprietário da

coisa.

É elemento subjetivo do tipo o dolo específico, sendo

imprescindível que o agente saiba ser a coisa alheia (elemento normativo).

A consumação se dá com a aferição da vantagem, ou seja,

com o recebimento do preço, da coisa permutada, do aluguel, da quitação ou do

empréstimo. Assim é que, apesar das divergências, tem-se entendido que o

registro, no caso de imóvel, e a tradição, no caso de móvel, são dispensáveis

para a caracterização do ilícito.

Diferentemente, o registro, sob outro ângulo, é

imprescindível. O agente que vende pela segunda vez imóvel, não tendo o

primeiro comprador negligentemente efetuado a transcrição do domínio, não

pratica estelionato, porque ausente o elemento normativo, “alheia”.

83 RE 109426 / RS. 1996/0061774-0. Rel. Ministro Edson Vidigal. Data da decisão 14/10/1997.

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A venda de coisa alienada fiduciariamente em garantia

configura esse subtipo por expressa previsão legal (art. 66, §8.º da Lei 4.728/65,

com redação alterada pelo Decreto-lei 911/69).

Lembrar que se o agente tem a posse ou a detenção

anterior da coisa alheia de que dispôs, resta configurada a apropriação indébita, e

não o estelionato, por disposição de coisa alheia como própria. Assim é o

entendimento Jurisprudencial:

HÁBEAS-CORPUS. PARCIAL CONHECIMENTO. Se alguns dos fundamentos constantes nesta impetração já foram objeto de análise em anterior habeas-corpus, o exame aqui deve-se limitar aos restantes. ESTELIONATO (DISPOSIÇÃO DE COISA ALHEIA COMO PRÓPRIA). SEQÜESTRO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. LESÕES CORPORAIS. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. DENEGAÇÃO Consoante a Súmula 52 do Superior Tribunal de Justiça84.

HABEAS-CORPUS. ESTELIONATO (DISPOSIÇÃO DE COISA ALHEIA COMO PRÓPRIA). PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO.SEQÜESTRO. LESÕES CORPORAIS. ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. Embora o decreto preventivo não tenha sido juntado, isso não conduz ao desconhecimento da impetração, desde que a análise do alegado constrangimento legal possa ser feita com base nos outros documentos acostados85.

ESTELIONATO. DISPOSIÇÃO DE COISA ALHEIA COMO PRÓPRIA. ENTREGA À VÍTIMA DE DOCUMENTO DE TRANFERÊNCIA DE VEÍCULO EM GARANTIA DE DÍVIDA. VÍTIMA CIENTE DE QUE O VEÍCULO PERTENCIA A TERCEIRO E DE QUE A TRADIÇÃO NÃO SE OPERARIA. CONDUTA QUE NÃO SE AJUSTA À FIGURA DA VENDA DE COISA ALHEIA COMO PRÓPRIA (ART. 171, § 2°, I, DO CP). ABSOLVIÇÃO. Apelações providas86.

2.2.3 ALIENAÇÃO OU ONERAÇÃO FRAUDULENTA DE COISA PRÓPRIA

Define-se o crime de alienação ou oneração fraudulenta de

coisa própria no artigo 171, § 2º, inciso II, do Código Penal. Este dispositivo

84 H.C. 70013618434. Rel. Marco Antonio Ribeiro de Oliveira. Data da decisão 08/02/2006. 85 H.C. 70013102645. Rel. Marco Antonio Ribeiro de Oliveira. Data da decisão 26/10/2005. 86 Ap. 70010194272. Rel. Marcos Antônio Bandeira Scapini. Data da decisão 23/12/2004.

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incrimina o sujeito que vende, permuta, dá em pagamento ou dá em garantia

coisa própria inalienável, gravada, litigiosa ou, sendo imóvel, prometida a terceiro

em prestações.

O sujeito ativo é só o dono da coisa e o sujeito passivo é o

que recebe a coisa, desconhecendo ser ela inalienável, gravada, litigiosa ou

prometida a terceiro em prestações. O objeto material pode ser móvel ou imóvel,

mas o tipo, quando prevê a promessa a terceiro, se reduz somente aos imóveis.

O rol é também taxativo, de modo que não inclui a locação,

prevista no inciso I, nem a promessa de compra e venda, nem a cessão de

direitos, que podem restar enquadrados no caput. A penhora é instituto

processual e não o ônus a que se refere à lei. O fato, entretanto, poderá constituir,

conforme as circunstâncias, o crime de fraude à execução (art. 179 do CP). Para

que a coisa seja litigiosa, necessário que sobre ela recaia querela judicial. Por

último, a coisa que o agente prometeu vender a terceiro em prestações também

pode ser objeto do crime.

Delmanto87 faz a distinção, no sentido de que a penhora

feita pelo oficial e reduzida a termo pode dar ensejo a esse tipo penal, já que a

penhora processual não pode ser classificada entre as garantias ou ônus que

constituem o gravame de que trata o §2º do art. 171.

No tipo que sob exame, o agente ilude a vítima sobre a

condição da coisa alienada ou onerada, silenciando sobre quaisquer das

circunstâncias referidas. Esse silêncio é condição essencial para a configuração

do crime.

Exige-se o elemento subjetivo do tipo, que, assim como no

caput, é o dolo específico. A consumação, assim como no caput, dá-se com a

aferição da vantagem ilícita, em prejuízo alheio.

87 DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1988. p.

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A exemplo da Jurisprudência do Rio Grande do Sul:

APELACAO. ONERACAO FRAUDULENTA DE COISA PROPRIA. COMETE O DELITO PREVISTO NO ART-171, INC-II, CP, O AGENTE QUE, JA TENDO PROMETIDO VENDER IMOVEL, OFERECE O BEM A PENHORA, EM ACOES DE EXECUCAO CIVEL, SEM O CONHECIMENTO DO PROMITENTE-COMPRADOR, COM RELACAO A CONSTRICAO JUDICIAL, E DO EXEQUENTE, COM RELACAO AO CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. APELO IMPROVIDO88.

2.2.4 DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR

Este delito, previsto no inciso III, consiste em defraudar,

mediante alienação não consentida pelo credor, ou por outro modo, a garantia

pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado. O tipo trata do penhor,

de modo que somente estão compreendidos os bens móveis e os mobilizáveis.

O núcleo do tipo está no verbo defraudar, que significa privar

com dolo, seja por intermédio da alienação (venda, permuta, doação etc), seja por

qualquer outro modo (destruição, ocultação, desvio, abandono etc). A

defraudação pode ser total ou parcial. O que é importante é a falta de

consentimento do credor pignoratício, que constitui elemento normativo do tipo.

O elemento subjetivo é o dolo específico, que envolve o

conhecimento de que o objeto material constitui garantia pignoratícia e a vontade

de defraudar.

Colhe-se da Jurisprudência:

ESTELIONATO. DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR. PROVA. DÚVIDA ACERCA DO DOLO. ABSOLVIÇÃO. Se a prova deixa dúvida acerca da quantidade de arroz colhida pelo réu não é possível condená-lo por defraudação de penhor, pois o dolo é fundamental nesse tipo delitivo. Absolvição que se impõe, por insuficiência probatória. Recurso de apelação provido89.

88 Ap. 70000426262. Rel. Tupinambá Pinto Azevedo. Data da decisão 10/10/2001. 89 Ap. 70007330830. Rel. Genacéia da Silva Alberton. Data da decisão 10/12/2003.

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APELAÇÃO. DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR. Tratando-se de crime material, tipo derivado de estelionato, não basta a simples defraudação da garantia pignoratícia, sendo exigível, para ocorrência do delito, o prejuízo patrimonial do credor. Hipótese em que há dúvida sobre o montante dos bens dados em garantia, perquirindo-se acerca da suficiência dos bens remanescentes para garantir o pagamento do financiamento. Apelos providos. Por maioria90.

2.2.5 FRAUDE NA ENTREGA DE COISA

Este crime está consubstanciado no verbo defraudar, isto é,

espoliar, desfalcar, adulterar, privar fraudulentamente. O inciso IV do artigo 171

contempla o ato de defraudar quantidade, qualidade ou substância de coisa que

deve entregar a alguém.

O sujeito ativo é quem tem o dever de entregar a coisa e o

passivo o que deve recebê-la. Deve haver, portanto, uma relação obrigacional

entre eles (elemento normativo). Tal obrigação pode decorrer de lei, contrato ou

ordem judicial. Pode ser a coisa móvel ou imóvel.

Precisa estar presente o dolo específico.

Heleno Fragoso91 chama atenção para o fato de que o

agente precisa querer iludir o destinatário a respeito da quantidade, da qualidade

ou da substância da coisa, não bastando o simples e aberto propósito de não

cumprir o contrato, pois seria mero ilícito civil.

Consuma-se com a entrega da coisa defraudada. Acontece

a tentativa quando o destinatário recusa-se a receber o objeto defraudado, ao

descobrir o engano.

90 Ap. 70003650777. Rel. Roque Miguel Fank. Data da decisão 02/10/2002. 91 FRANGOSO, Heleno. Lições de direito penal: parte especial. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993.

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2.2.6 FRAUDE PARA RECEBIMENTO DE INDENIZAÇÃO OU VALOR DE SEGURO

Este delito consiste na destruição total ou parcial, bem como

a ocultação de coisa própria, a lesão do próprio corpo ou da saúde, ou, ainda, o

agravamento das conseqüências da lesão ou doença, com o intuito de se ver

indenizado. Conforme o inciso V do art. 171 do Código Penal.

A lei penal pune a conduta do segurado que,

propositadamente, produz o risco previsto no contrato com o fim de obter,

indevidamente, o prêmio do seguro, prejudicando as empresas privadas que

exploram as operações de seguros contra acidente pessoais, incêndios,

marítimos, etc. O pressuposto básico do crime é a existência de contrato de

seguro válido e vigente ao tempo da ação.

O sujeito ativo é o proprietário da coisa que a destrói, total

ou parcialmente. Nada impede que terceiro pratique a conduta a mando do

proprietário, sendo que ambos responderão pelo crime de estelionato do inciso V.

Caso a lesão ou o dano sejam praticados à revelia do beneficiário, haverá apenas

crime de lesão corporal ou dano.

O elemento subjetivo é o dolo, ou seja, a vontade livre e

consciente de praticar uma das ações típicas com a finalidade de obter a

indenização ou valor do seguro. É possível a tentativa, por ser um crime

plurissubsistente. É crime formal, consuma-se com a ação física do agente, sendo

desnecessário que receba a indenização. A exemplo da Jurisprudência:

“APELAÇÃO CRIMINAL DEFENSIVA. ESTELIONATO MEDIANTE FRAUDE PARA

RECEBIMENTO DE VALOR DE SEGURO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. ABSOLVIÇÃO QUE

SE IMPÕE. Recurso defensivo provido. Recurso ministerial prejudicado” 92.

Se a prática da conduta típica resultar risco para a

incolumidade pública, responderá o agente apenas pelo subtipo do crime de

estelionato do inciso v. do Código Penal.

92 Ap. 70011901576. Rel. João Batista Marques Tovo. Data da decisão 06/07/2006.

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CAPÍTULO 3

3.1 NOÇÕES GERAIS A RESPEITO DAS FONTES DO DIREITO

A lei é a única fonte formal direta do Direito Penal e do

Direito Processual Penal, pois é por meio desta regra jurídica que o Estado impõe

sua vontade. Nesse sentido, Damásio de Jesus93 “identifica como fonte imediata a

lei, como fontes mediatas os costumes e os princípios gerais do Direito, relegando

tratados, doutrina e jurisprudência ao papel de formas de procedimento

interpretativo”.

Uma das tarefas essenciais do Estado é regular a conduta

dos cidadãos, por meio de normas objetivas, sem as quais a vida em sociedade

será praticamente impossível. Para regulamentar a convivência entre as pessoas

e as relações destas com o Estado, são estabelecidas regras, impondo aos seus

destinatários determinados deveres, genéricos e concretos, aos quais

correspondem os respectivos direitos ou poderes das demais pessoas ou do

Estado.

Esse conjunto de normas nada mais é do que o direito

objetivo, que realiza a vontade do Estado, quanto à regulamentação das relações

sociais entre indivíduos e entre estes e os organismos do próprio Estado. Resulta

daí um comportamento lícito, autorizado pelas normas jurídicas, constituindo o

direito subjetivo, que serve como poder que se outorga a um sujeito, para

satisfação de seus interesses tutelados por uma norma de direito objetivo. Assim,

pode-se afirmar, a exemplo de Washington de Barros Monteiro94 “que o direito

objetivo é o conjunto das regras jurídicas; direito subjetivo é o meio de satisfazer

interesses humanos (hominum causa omne jus constitutum sit). O segundo deriva

do primeiro”.

93 JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p 11/12. 94 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: parte geral. 36 ed São Paulo: Saraiva, 1999. p. 04.

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3.2 CONCEITO DE CRIME

O crime é um ente jurídico, e, portanto, deve enquadrar-se

na teoria geral do direito. Pode-se afirmar, de acordo com Mirabete95 que o crime

não é um ato jurídico, uma vez que uma de suas características não é a finalidade

do agente de obter as conseqüências jurídicas do fato, o que ocorre com aquele.

Como o crime é apenas uma conduta humana de efeitos jurídicos involuntários e

um ato que contrasta com a ordem jurídica, pode-se situá-lo entre os fatos

jurídicos.

No crime de estelionato, ao invés da clandestinidade ou da

violência à coisa ou à pessoa, como saliente Mirabete96 o agente utiliza-se da

astúcia, da mistificação, do engodo, do embuste, da trapaça, da fraude, para obter

uma vantagem ilícita. São condutas praticadas pelo homem civilizado, que se

aproveita das relações complexas da vida moderna para enganar o próximo,

utilizando a malícia humana que não encontra freios que a impeçam de levar ao

engano os incautos.

O crime existe quando o agente emprega qualquer meio

fraudulento, induzindo alguém em erro ou mantendo-o nessa situação e

conseguindo, assim, uma vantagem indevida para si ou para outrem, com lesão

patrimonial alheia. O crime de estelionato somente fica caracterizado com a

fraude antecedente, ou seja, aquela que provoca ou mantém em erro a vítima.

Portanto, a fraude é crime meio para a prática do crime fim que é o estelionato.

Tem-se entendido que há fraude penal quando o escopo do

agente é o lucro ilícito e não do negócio. Isto porque a fraude penal pode

manifestar-se na simples operação civil, não passando esta, na realidade, de

engodo fraudulento que envolve e espolia a vítima.

95 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte especial. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 305. 96 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte especial. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 305.

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Caracteriza-se o estelionato pela presença de seus

elementos constitutivos, a saber: o artifício fraudulento, o ardil, o induzimento, por

meio dele, das vítimas em erro, o prejuízo por estas sofrido, o correspondente

locupletamento ilícito dos agentes e o dolo.

Leciona Fernando Capez 97

Seja qual for o meio empregado, só há estelionato quando existir aptidão para iludir o ofendido. (...) Desde que o meio fraudulento empregado pelo agente seja apto a burlar a boa-fé da vítima, pouco importa que a fraude seja grosseira ou inteligente, pois o mundo do estelionatário comporta gente de variada densidade intelectual. No entanto, quando totalmente inapta a iludir, mesmo o mais ingênuo dos mortais, o fato será atípico.

Artifício existe quando o agente utiliza-se de um aparato que

modifica, ao menos aparentemente, o aspecto material da coisa, figurando entre

esses meios o documento falso ou outra falsificação qualquer, o disfarce, a

modificação por aparelhos mecânicos ou elétricos, filmes, efeitos de luz, etc. A

simples astúcia, sutileza, conversa enganosa, de aspecto meramente intelectual

representa o ardil. Tem-se entendido que a simples mentira, se hábil a enganar

configura o ardil.

Por se tratar de crime material, o estelionato consuma-se

com a obtenção da vantagem ilícita indevida, em prejuízo alheio, ou seja, quando

o agente aufere o proveito econômico, causando dano à vítima. Assim, esses

resultados devem ocorrer simultaneamente, com a obtenção de proveito pelo

estelionatário e o prejuízo da vítima. Para Mirabete98 “o crime existe quando o

agente emprega meio fraudulento, induzindo em erro ou mantendo alguém nessa

situação e conseguindo vantagem indevida”.

3.3 NOÇÕES A RESPEITO DA AÇÃO PENAL

97 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 509. 98 MIRABETE, JULIO FABBRINI. Manual de direito penal: parte geral. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 303.

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Praticado um fato definido como infração penal, surge para o

Estado o jus puniendi, que só pode ser concretizado através do processo. É na

ação penal que deve ser deduzida em juízo a pretensão punitiva do Estado, a fim

de ser aplicada a sanção penal adequada.

Mirabete99 leciona que:

O direito subjetivo de punir, entretanto, não é ilimitado, vincula-se o Estado ao direito objetivo, tanto na imputação, circunscrita aos fatos típicos, como nas penas a serem aplicadas. Além disso, para exercitar o direito de punir é necessário que haja processo e julgamento, já que não pode o Estado impor, arbitrariamente, a sanção.

É necessário que o Estado disponha de um mínimo de

elementos probatórios, para que se proponha a ação penal, indicando a

ocorrência de uma infração penal e de sua autoria. O meio mais comum para a

colheita desses elementos é o inquérito policial, que tem por objeto a apuração de

fato que configure infração penal e respectiva autoria, para servir de base à ação

penal ou às providências cautelares.

Na doutrina processual tem-se considerado que o instituto

da ação deve ser estruturado, no que lhe é básico e essencial, na teoria geral do

processo. A ação é um direito subjetivo processual, que surge em razão da

existência de um litígio, seja ele civil ou penal. Ante a pretensão insatisfeita de

que o litígio provém, aquele cuja exigência ficou desatendida propõe a ação, a fim

de que o Estado, no exercício da jurisdição, faça justiça, compondo, segundo o

direito objetivo, o conflito intersubjetivo de interesses em que a lide se

consubstancia.

O jus puniendi, ou poder de punir, que é de natureza

administrativa, mas de coação indireta, diante da limitação da autodefesa estatal,

obriga o Estado-Administração a comparecer perante o Estado-Juiz, propondo a

ação penal para que seja ele realizado. A ação é, pois, um direito de natureza

99 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 371.

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pública, que pertence ao indivíduo, como pessoa, e ao próprio Estado, enquanto

administração, perante os órgãos destinados a tal fim.

Segundo o processualista Julio Fabbrini Mirabete100:

a ação penal é a "atuação correspondente ao direito à jurisdição que se exercita perante os órgãos da Justiça Criminal", ou "o direito de pedir ao Estado-Juiz a aplicação do Direito Penal Objetivo", ou, ainda, o direito de invocar-se o Poder Judiciário para aplicar o direito penal objetivo.

Por ser praticamente indispensável que os delitos não

fiquem impunes (nec delict meneant impunita), no momento em que ocorre a

infração penal, é necessário que o Estado promova o jus puniendi, sem que se

conceda aos órgãos encarregados da persecução penal poderes discricionários

para apreciar a conveniência ou oportunidade de apresentar sua pretensão

punitiva ao Estado-Juiz. O princípio da obrigatoriedade (ou da legalidade) que

vigora no direito brasileiro, obriga a autoridade policial a instaurar inquérito policial

e ao órgão do Ministério Público a promover a ação penal, quando da ocorrência

da prática de crime que se apure mediante ação penal pública.

Nesse sentido manifesta-se César Roberto Bitencourt101 :

A ação penal constitui apenas uma fase da persecução penal, que pode iniciar com as investigações policiais (inquérito policial), sindicância administrativa, etc. Essas investigações preliminares são meramente preparatórias de uma futura ação penal. A ação penal propriamente somente nascerá em juízo, com o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público.

O órgão do Ministério Público, diante dos elementos

apresentados pelo inquérito policial, ou pelas peças que recebeu, bem como da

prova da existência de fato que caracteriza crime, em tese, e indícios da autoria,

forma a opinio delicti. Formada sua convicção, promove a ação penal pública, 100 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 8 ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 104. 101 BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 850.

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com o oferecimento da denúncia, denominação que se dá à petição inicial dessa

ação pelo artigo 24 do Código de Processo Penal.

A denúncia é uma exposição, por escrito, de fatos que

constituem, em tese, um ilícito penal, ou seja, de fato subsumível em um tipo

penal, com a manifestação expressa da vontade de que se aplique a lei penal a

quem é presumivelmente o seu autor e a indicação das provas em que se alicerça

a pretensão punitiva.

3.4 DA FRAUDE NO PAGAMENTO POR MEIO DE CHEQUE

Um dos delitos de ocorrência mais comum na vida moderna

é o de fraude no pagamento por meio de cheque, definido no artigo 171, § 2º,

inciso VI, do Código Penal. Comete o delito quem “emite cheque, sem suficiente

provisão de fundo em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento”. O cheque

constitui uma ordem de pagamento à vista: uma vez emitido o título em favor do

beneficiário, a instituição bancária tem o dever de realizar o pagamento do valor

nele inscrito, caso o emitente disponha de suficiente provisão de fundos.

Se o agente emitir um cheque na certeza de que tem fundo

disponível para o devido pagamento pelo banco, quando na realidade não há

qualquer numerário depositado na agência bancária, não se pode falar em ilícito

criminal, ante a ausência de má-fé. No máximo, o portador da cártula poderá

propor uma ação de execução civil contra o emitente, para reaver o valor do título

devolvido pela instituição, pois o cheque representa um título executivo

extrajudicial. O que a lei penal pune é o pagamento fraudulento.

Súmula 246 do Supremo Tribunal Federal: “Comprovado

não ter havido fraude, não se configura o crime de emissão de cheque sem

fundos”.

Sendo a conduta atípica, não há crime quando o cidadão

emite cheque pré-datado sem provisão de fundos. Esse é o entendimento que

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impera atualmente no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de

Justiça:

PENAL. CHEQUE SEM FUNDOS. GARANTIA DE DIVIDA. Se o cheque é pré-datado, emitido em garantia de divida, não se configura ilícito criminal, nem o do art-171, par-2. do Cod. Penal, nem o do "caput" do mesmo artigo, a teor da jurisprudência sumulada do Supremo Tribunal Federal (súmula 246) 102.

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. EMISSÃO DE CHEQUE PRÉ-DATADO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL. 1. Em que pese o pedido do recorrente se restringir a revogação da prisão preventiva por ausência dos requisitos que autorizam a segregação cautelar, percebe-se, conforme pacífica jurisprudência desta Corte, que a emissão de cheque pré-datado descaracteriza a cártula de um título de pagamento à vista, transformando-a numa garantia de dívida. Atipicidade da conduta. 2. Recurso conhecido para conceder, de ofício a ordem, para trancar a ação penal103.

Emitir cheques sem suficiente provisão de fundos: o agente

preenche, assina e põe o cheque em circulação (entrega-o a alguém) sem possuir

a quantia respectiva em sua conta bancária.

Frustrar o pagamento do cheque: o agente possui a quantia

no banco por ocasião da emissão do cheque, mas, antes de o beneficiário

conseguir recebê-la, aquele saca o dinheiro ou apresenta uma contra-ordem de

pagamento.

Mirabete104 assinala que “a existência do crime em

discussão depende da má-fé do agente, não só porque se trata de tipo especial

de estelionato, como porque a essa conclusão leva a rubrica do dispositivo ao

registrar o termo fraude”.

102 STF. RHC 60540 / PE. Relator(a): Min. Aldir Passarinho. 103 STJ. RHC 16880/PB. Ministro Hélio Quaglia Barbosa. 104 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 323.

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Se, antes da emissão do cheque, o agente realiza atos que

frustrem o seu pagamento, por exemplo, o encerramento da conta corrente ou a

anterior sustação do título, com base em falsa notícia de que fora furtado, e, após

utilizar esses artifícios emite as cártulas em prejuízo alheio, se está diante de uma

hipótese de estelionato na forma simples, pois a fraude foi anterior à emissão do

título.

Segundo Julio Fabbrini Mirabete105:

Quando a conduta típica é a de frustrar indevidamente o pagamento, o cheque é emitido quando há provisão de fundos em poder do sacado, mas o agente ou os retira, ou apresenta contra-ordem de pagamento, ou emite novo cheque que sabe será cobrado antes do pagamento ao sujeito passivo a quem quer lesar.

Examinando os chamados cheques especiais, Mirabete106

se posiciona afirmando que o sistema é equiparado ao dos cheques a descoberto.

Não se imputava ao emitente o crime do § 2º, inciso VI, quando o correntista

ultrapassava o valor de seu limite de crédito, respondendo ele apenas pelo

estelionato comum. Com o advento da nova lei do cheque n. 7.357/85,

consideram fundos disponíveis, além dos créditos e saldos. Devendo o agente, no

caso de emitir cheque em quantia superior à do crédito, responder pelo crime de

emissão de cheque sem fundos. Tudo isso está assentado hoje, no sentido de

que a existência do crime em discussão depende da má-fé do agente, não por se

tratar de tipo especial de estelionato, mas porque registra a fraude.

É necessário que o agente tenha agido de má-fé, quando da

emissão do cheque e que ela tenha gerado algum prejuízo patrimonial para a

vítima, sendo assim, não há crime a emissão de cheque sem fundos para

pagamento de dívida de jogo proibido.

105 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 323. 106 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 323.

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De acordo com a Jurisprudência paulista 107 “não se

configura estelionato na emissão de cheque sem fundos para pagamento de

dívida de jogo por ser esta incobrável nos termos do art. 814, do Código Civil e

por não haver prejuízo ao patrimônio da vítima”.

Sendo o cheque uma ordem de pagamento à vista, qualquer

atitude que lhe retire esta característica afasta a incidência do crime - ex.:

emissão de cheque pós-datado ou do cheque dado como garantia de dívida.

É necessário que a emissão do cheque tenha sido a causa

do prejuízo da vítima e do locupletamento do agente, por isso, não há crime na

emissão de cheques sem fundos para pagamento de dívida anterior já vencida e

não paga, pois, nesse caso, o prejuízo da vítima é anterior ao cheque e não

decorrência deste.

Nesse sentido Fernando Capez 108 afirma que, na realidade,

o agente não obtém qualquer vantagem e a vítima não sofre novo prejuízo, tendo

esta, novo documento que garanta o seu crédito, pois o cheque recebido para

pagamento de alugueres atrasados, poderá ser executado judicialmente.

O agente que falsifica cheques (ou documentos em geral)

como artifício para ludibriar a vítima, responde pelo estelionato, a falsificação do

documento fica absorvida por este crime, por tratar-se de crime meio e ante o

Princípio da Consunção.

No dizer de Damásio de Jesus109:

Nestes casos, a norma incriminadora que descreve o meio necessário, a normal fase de preparação ou execução de outro crime, ou a conduta anterior ou posterior, é excluída pela norma a este relativa. Lex consumens derogat legi consumptæ.

107 RT 413/276, 506/389, 532/404; JTACrSP 45/359; RF 263/313. 108 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 526. 109JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 99.

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É necessário que a conduta do agente tenha atingido

pessoa determinada; condutas que visem vítimas indeterminadas (ex.:

adulteração de bombas de gasolina ou balanças) caracterizam “crime contra a

economia popular” (Lei n. 1.521/51).

A consumação do delito acontece com a recusa do sacado

em efetuar o pagamento do cheque, por ausência de fundos ou em decorrência

de contra-ordem de pagamento. A existência de fundos disponíveis é verificada

no momento da apresentação do cheque para pagamento. Assim, o crime se

consuma no momento e no local em que o banco sacado recusa o pagamento.

Neste momento é que ocorre o prejuízo, tratando-se de crime material.

Súmula 521 do Supremo Tribunal Federal: o foro

competente para o processo e julgamento dos crimes de estelionato, sob a

modalidade de emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos, é o do local

onde se deu a recusa do pagamento pelo sacado.

Fernando Capez 110 ensina que o beneficiário do cheque

deve apresentá-lo na praça, nos prazos previstos no artigo 33 da Lei do Cheque:

30 dias (mesmo lugar); 60 dias (outro lugar). Se o fizer após, a emissão do

cheque será considerada promessa de pagamento. Segundo o artigo 4º, § 1º,

desta lei, a existência de fundos disponíveis é verificada no momento da

apresentação do cheque para pagamento.

Se o agente se arrepende e deposita o valor respectivo no

banco, antes da apresentação da cártula, haverá arrependimento eficaz e o fato

tornar-se-á atípico. Se ele se arrepender depois da consumação, isto é, após a

recusa por parte do banco e ressarcir a vítima antes do oferecimento da denúncia,

a pena será reduzida de um a dois terços. Já o arrependimento posterior, se após

o oferecimento da denúncia, mas antes da sentença de 1ª instância, implica o

reconhecimento da atenuante genérica prevista no artigo 65, III, “c”.

110 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 529.

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Leciona Mirabete111:

O critério para a redução da pena, em decorrência do reconhecimento do arrependimento posterior, deve fundamentar-se na presteza do ressarcimento do dano, isto é, quanto mais rápido por feito tal ressarcimento, tanto maior será a redução. Quanto mais lento o ressarcimento, menor a redução.

Sem que ocorram todos os pressupostos do artigo 16 do Código Penal, não se aplica a redução da pena que, entre outros, exige-se que a restituição da coisa se faça, voluntariamente, até o recebimento da denúncia ou da queixa. Se a reparação for posterior e anteceder o julgamento, constituir-se-á simples circunstância atenuante genérica (art. 65, III, b, última parte).

Súmula 48 do Superior Tribunal de Justiça: “compete ao

juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de

estelionato cometido mediante falsificação de cheque”.

É admissível a tentativa, já que o iter criminis pode ser

interrompido por circunstâncias alheias à vontade do agente. Mesmo havendo

divergência doutrinária a respeito do momento em que se consuma o delito, o

Supremo Tribunal Federal passou a admitir a tese de que o pagamento do

cheque, antes do oferecimento da denúncia, descaracteriza o crime, por afastar a

justa causa da ação penal.

Sumula 554 do Supremo Tribunal Federal: “O pagamento de

cheque emitido sem suficiente provisão de fundos, após o recebimento da

denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal”.

A reparação do dano antes do recebimento da denúncia não

afasta o crime de estelionato, sendo pacífico nos tribunais esse entendimento.

Portanto, quando se tratar da figura fundamental do crime de estelionato, que é o

caput do artigo 171, não se aplica a súmula 554 do Supremo Tribunal Federal,

111 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.165.

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que prevê a extinção da punibilidade do agente, na hipótese de pagamento de

cheque emitido sem provisão de fundos, antes do recebimento da denúncia, pois

ela somente se refere à modalidade prevista no § 2º, VI do art. 171 (fraude no

pagamento por meio de cheque). Assim, ainda que o agente repare o dano antes

do oferecimento da denúncia, para o Ministério Público, haverá justa causa para a

propositura da ação penal, uma vez que o crime de estelionato ocorreu,

favorecendo ao agente, apenas uma pena mais branda em face do

arrependimento.

É da jurisprudência112:

Não se aplica a todas as hipóteses de emissão de cheques sem fundos o entendimento de que a sua descaracterização ou transformação, de ordem de pagamento à vista, para simples promessa, não conduz à tipicidade do estelionato. A proteção penal do cheque autêntico está no tipo do art. 171, § 2o., VI do CP. O cheque pode ser instrumento hábil a consumação de outros estelionatos, desde que o sujeito ativo seja impelido pela vontade livre e consciente de, induzindo ou mantendo alguém em erro, obter, mediante fraude, vantagem ilícita, causando prejuízo patrimonial ao sujeito passivo. É o estelionato no seu tipo fundamental. É crime contra o patrimônio.

Nesse sentido, Fernando Capez113 argumenta que:

a reparação do dano, pelo pagamento do cheque, até o recebimento da denúncia, deveria levar à diminuição de pena variável entre um terço e dois terços, e não à extinção da punibilidade. Reexaminando a questão do pagamento do cheque sem fundos, o Pretório Excelso manteve seu entendimento anterior à Lei 7.209/84: “no caso de pagamento antes do recebimento da denúncia, não há arrependimento posterior. Há sim afastamento da justa causa para a propositura da ação penal.

O objeto jurídico diretamente protegido é o patrimônio do

tomador ou beneficiário do cheque. De forma secundária, é tutelada a fé pública

112 TACRIM-SP - Rev. - Rel. Fábio de Araújo - RJD 1/223 - JUTACRIM 97/505. 113 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6 ed. São Paulo:Saraiva, 2006, p. 530.

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desse título de crédito. Esta tutela, nos termos da legislação vigente, tem-se

mostrado insuficiente, diante da colocação do dispositivo entre os crimes contra o

patrimônio, permitindo uma interpretação jurisprudencial que avilta o título.

Parece inegável que, pela posição topográfica que ocupa no

texto legal, a primeira conclusão a que se chega é a de que a "fraude no

pagamento por meio de cheque" é um subtipo do crime de estelionato (caput do

art. 171 do Código Penal) e, como tal, deste extrai seus princípios básicos, quais

sejam, a fraude (consistente em induzir a erro a vítima, fazendo-a supor que o

cheque possui fundo disponível no banco sacado), e o resultado dúplice,

caracterizado pelo proveito ilícito do agente e pelo prejuízo patrimonial da vítima.

Destarte, não basta a emissão de um cheque (conceituado

como ordem de pagamento à vista, com as características que lhe dá o art. 1º da

Lei 7.357/85) que, ao ser apresentado ao sacado, tem o seu pagamento recusado

por este em virtude da não provisão de fundos. Impõe-se, além destes dados de

natureza objetiva, perquirir e comprovar se, ao emitir a cártula, sabia o emitente

que ela não possuía o necessário lastro financeiro no banco sacado e que, com

tal agir, estava auferindo vantagem ilícita em prejuízo do beneficiário daquela

ordem de pagamento.

Todavia, a imperfeita redação do citado preceito sumular, e

também do tipo legal, tem dado azo a uma prática judiciária em que a presunção

de culpabilidade (lato sensu) do acusado prevalece sobre a presunção de

inocência, exigindo-se daquele a prova de que não agiu fraudulentamente, e, por

conseguinte, isentando a acusação de provar elemento constitutivo do tipo penal

em apreço, vale dizer, o seu elemento subjetivo característico, o animus lucri

faciendi.

Não há como negar que a simples colocação em giro de um

cheque, que não poderá ser pago por não dispor de lastro financeiro junto ao

banco sacado, antes de afetar o patrimônio do beneficiário, afeta, abstratamente,

a segurança das relações do comércio e a confiança que o público deve depositar

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neste título de crédito, concebido como instrumento de pagamento com valor

assemelhado à moeda corrente.

Irrefutável que o dano patrimonial é fato contingente e

remediável. Basta pensar na possibilidade, quase sempre verificada em concreto,

do ressarcimento, por parte do emitente, do prejuízo sofrido pelo tomador do

cheque com a sua devolução pelo banco sacado.

Por sua vez, esclarece Mirabete114 que o dano à fé pública e

à segurança que as relações do comércio devem merecer é mais prolongado,

senão irreversível. Se, em determinada localidade, há o hábito de se emitirem

cheques a descoberto, ainda que todos os emitentes reparem o dano causado

pela recusa do pagamento por insuficiência de fundos, não se poderá negar que a

fé e a confiança que o público local depositavam neste instrumento de pagamento

serão duradouramente afetadas.

Não se pode negar que o delito é uma criação do Direito,

que o define, traça os seus contornos e estabelece as conseqüências de sua

realização. O delito, perante o direito privado, é como um fato jurídico ao incluí-lo

entre os chamados atos ilícitos. Assim, quem pratica um delito não está

contrariando a lei, que prevê o tipo proibitivo, e sim, amolda-se a ela ao realizar o

modo de conduta por ela previsto. Contraria sim a norma de proibição que o tipo

legal encerra.

A essência da antijuridicidade deve ser vista como violação

de um comportamento, do dever de atuar ou omitir estabelecido por uma norma

jurídica. Surge com a contradição entre a ação e o mandamento da norma a

antijuridicidade formal. No entanto, esta vem a confundir-se com a própria

tipicidade, porquanto a contradição entre o comportamento humano e a lei penal

exaure-se no primeiro elemento do crime, que é o fato típico.

114 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p.321.

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A lesão produzida pelo comportamento humano, que fere o

interesse jurídico protegido, constitui a antijuridicidade material, que nestas

circunstâncias, precisa, além da contradição da conduta praticada com a previsão

da norma, a necessidade do bem jurídico protegido sofrer a ofensa ou a ameaça

potencializada pelo comportamento desajustado. A lesão do bem jurídico supõe

um dano para a comunidade que justifica a caracterização do delito como

“comportamento social danoso”.

Neste norte Mirabete115 esclarece:

A antijuridicidade, como elemento na análise conceitual do crime, assume, portanto, o significado de ausência de causas excludentes de ilicitude. A antijuridicadde é um juízo de desvalor que recai sobre a conduta típica, no sentido de que assim o considera o ordenamento jurídico.

A dogmática clássica compreende o delito, no que respeita à

culpabilidade, de forma objetiva e de forma subjetiva limitando o conceito de

antijuridicidade à valoração do estado causado pelo fato. No entanto, a evolução

dos estudos da teoria do delito, ao contrário, comprovou que a antijuridicidade do

fato não se esgota na desaprovação do resultado, mas que “a forma de produção”

desse resultado juridicamente desaprovado também deve ser incluída no juízo de

desvalor.

O ordenamento jurídico valora os dois aspectos, tanto o

desvalor da ação, com uma função seletiva, destacando determinadas condutas

como intoleráveis para o Direito Penal, como o desvalor do resultado que torna

relevante, para o mesmo direito, aquelas ações que produzem lesões aos bens

jurídicos tutelados. Assim, o injusto penal estará plenamente constituído quando

ao desvalor da ação acrescentar-se o desvalor do resultado.

Ao tratar do tema, Luiz Regis Prado116 assinala:

115 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.173. 116 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: RT. 2000, p. 222.

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Para a fundamentação completa do injusto, faz-se necessária a coincidência entre desvalor da ação e o desvalor do resultado, visto que a conduta humana só pode ser objeto de consideração do Direito Penal na totalidade de seus elementos objetivos e subjetivos.

Há no cheque uma ordem dada pelo emitente para que seja

paga uma determinada quantia a alguém, nomeado ou não no título. Essa ordem

é dada a uma instituição financeira, na qual o emitente mantenha conta com

fundos suficientes para fazer frente ao pagamento da quantia especificada. O

destino dessa ordem é o banco sacado, para ali ser apresentada com vistas, em

regra, ao seu cumprimento.

O fato de alguém, na data aprazada, não fazer o depósito

necessário para que a sua conta corrente fosse suficientemente abastecida, e

pudesse, conseqüentemente, cobrir o cheque que seria depositado, por si só, já

indica conduta dolosa, no sentido de prejudicar o terceiro mantido em erro,

mediante a fraude, que consistiu, especificamente, em emitir um cheque,

prometendo pagá-lo em determinada época e, neste momento, não honrar o

compromisso assumido. Evidentemente que deverá estar provado que o agente

agiu com dolo, desde aquele momento inicial da emissão do cheque. Caso

contrário, inexiste justa causa para a persecução penal, visto que tanto faz tenha

a quitação da cártula sido efetuada por terceiro, ou diretamente pelo próprio

emitente, pois, de toda a maneira, se terá como extinta a punibilidade do delito de

estelionato, na modalidade de emissão de cheque sem fundos.

Assim se posiciona a Jurisprudência117:

Não se aplica a todas as hipóteses de emissão de cheques sem fundos o entendimento de que a sua descaracterização ou transformação, de ordem de pagamento à vista, para simples promessa, não conduz à tipicidade do estelionato. A proteção penal do cheque autêntico está no tipo do art. 171, § 2o., VI do CP. O cheque pode ser instrumento hábil a consumação de outros

117 TACRIM-SP - Rev. - Rel. Fábio de Araújo - RJD 1/223 - JUTACRIM 97/505.

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estelionatos, desde que o sujeito ativo seja impelido pela vontade livre e consciente de, induzindo ou mantendo alguém em erro, obter, mediante fraude, vantagem ilícita, causando prejuízo patrimonial ao sujeito passivo. É o estelionato no seu tipo fundamental. É crime contra o patrimônio.

O direito penal, como ramo do direito público, visa proteger

os bens jurídicos fundamentais para a vida em sociedade, como a vida, o

patrimônio, a honra, estabelecendo sanções penais para as ações humanas que

atinjam esses bens. Observa-se, portanto, que a função específica do direito

penal é a proteção da sociedade.

Muitas pessoas, cientes do temor que o signatário da lâmina

de cheque tem ao saber que poderá ser apenado por ter perpetrado o crime de

estelionato, utilizam a elaboração do Boletim de Ocorrência, ou o requerimento de

instauração de Inquérito Policial, como meio coercitivo para obter o pagamento do

numerário devido.

O Direito Penal passa a ser utilizado como meio para

compelir o devedor ao pagamento. Fácil é essa constatação no caso do cheque

pós-datado, pois, não raro, já se passaram meses entre a data em que o cheque

deveria ter sido descontado e a data em que se requer a medida penal.

O cheque é considerado uma das modalidades de título de

crédito, sendo classificado como de modelo vinculado, ou seja, a lei estabelece

quais os requisitos necessários para que possam ser assim considerados.

Ele representa, como característica essencial, título de

crédito de pagamento à vista, sendo que, qualquer cláusula inserta na lâmina que

tente retirar essa característica, é tida como não escrita, ineficaz (artigo 32, da Lei

nº 7.357/85).

O cheque é um título de crédito, ou seja, um documento que

formaliza um direito de crédito. Uma das características essenciais do título de

crédito é a possibilidade de realizar, de pronto, o valor que representa quando do

vencimento. Para exemplificar o que foi dito, imagine-se o caso de uma nota

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promissória. Estando o documento devidamente preenchido, obedecendo aos

requisitos legais, constitui uma ordem de pagamento. Logo, havendo o

vencimento, o devedor estará obrigado ao pagamento do valor constante da nota

promissória assim que ela lhe for apresentada para pagamento.

Sendo também o cheque um título de crédito, as mesmas

características relativas à nota promissória, apresentadas acima, também se lhe

aplicam. Assim, o cheque é considerado como uma ordem de pagamento. Mas,

de acordo com o disposto na Lei de Cheques, trata-se de uma ordem de

pagamento à vista. Ressalte-se que isso não significa que o comerciante seja

obrigado a aceitar cheques. Todo título de crédito pressupõe uma relação de

confiança, de forma que o vendedor tem o direito de se negar ao recebimento de

um cheque.

Embora não imune a crítica, tem-se por tranqüilo o

entendimento jurisprudencial de que o pagamento do cheque, antes do

recebimento da denúncia, exclui a justa causa para ação penal, entretanto, o

Supremo Tribunal Federal, condiciona este aspecto à inexistência de fraude na

operação (Revista dos Tribunais 615/386). Vejamos alguns exemplos:

EMENTA: ESTELIONATO. FRAUDE NO PAGAMENTO POR MEIO DE CHEQUE. INTELIGÊNCIA DO ART. 171, § 2O, INC. VI, DO CP. ÔNUS DA PROVA. PECULIARIDADE. DEMORA NA APRESENTAÇÃO DO CHEQUE. RECURSO PROVIDO. ABSOLVIÇÃO DECRETADA ” 118 .

EMENTA: Estelionato. Emissão de cheque sem a suficiente provisão de fundos. Pagamento anterior ao recebimento da denúncia. Pedido de aplicação da Súmula 554 do STF. Inaplicabilidade. Recurso desprovido” 119.

118 Ap. Crim. 96.006907-0 – TJSC - Rel. Juiz Cesar Abreu. 31/03/1998. 119 Ap. Crim. 29.839. TJSC – Rel. Des. Tycho Brahe. 31/08/1993.

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EMENTA: ESTELIONATO - FRAUDE NO PAGAMENTO POR MEIO DE CHEQUE - CIRCUNSTÂNCIA SEQUER MENCIONADA NA DENÚNCIA - PAGAMENTO EFETUADO POR TERCEIRO, ENTIDADE SINDICAL A QUE PERTENCE A VÍTIMA, PARA SUPRIR-LHE OS PREJUÍZOS - DESCARACTERIZAÇÃO DO TIPO PENAL - FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL - HABEAS CORPUS IMPETRADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO CONCEDIDO. A só circunstância da existência de cheque sem fundo por si só não caracteriza a figura delituosa prevista no art. 171, § 2o, inciso VI, do Código Penal, impondo-se que fique caracterizada também a fraude, o ardil, a trama posta em prática pelo agente para induzir a vítima a aceitar a cártula como ordem de pagamento à vista. Se o cheque é pago por entidade sindical a que pertence a vítima, antes do oferecimento da denúncia, e em obediência ao estabelecido em assembléia da corporação para ressarcir os danos de seus associados, descaracterizada está a figura delituosa do estelionato praticado através da modalidade de cheque emitido sem a necessária provisão de fundos em poder do sacado120.

Assim, a alegada ausência de dolo, quando o agente efetua

o pagamento antes da denúncia, não merece prosperar, haja vista que se não

houvesse a vontade de lesar a vítima, tentaria procurá-la para ressarcir o prejuízo

antes da formação do inquérito policial, ou, ainda, antes de seu comparecimento à

delegacia para fazer a queixa.

O Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo vem decidindo

que a entrega de cheque sem suficiência de fundos não tipifica o crime de

estelionato, porque não altera a situação patrimonial de qualquer das partes, uma

vez que há a quitação do débito. Não ocorrendo desfalque patrimonial decorrente

da emissão dos cheques com insuficiência de fundos.

Sendo o estelionato um delito patrimonial, tão-só se aperfeiçoa quando ocorre prejuízo para a vítima do engodo. Entregue um

120 HP. 10.532 – TJSC – Rel. Des. Anselmo Cerello – 31/07/1992.

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cheque ‘pro solvendo’ em razão de uma obrigação anterior, pelo fato de não ser honrado, a situação patrimonial das partes não se altera; e, assim, o delito de fraude no pagamento por meio de

cheque não se tipifica121. Para efeito de caracterização do estelionato, pela emissão

do cheque desprovido de fundos na conta bancária, não basta a aferição do logro,

mas é inquestionável que se precise o prejuízo emergente da vítima, em relação

ao procedimento ardiloso de quem emite a cártula.

A fraude, contudo, consiste muitas vezes não só na simples

emissão dos cheques, mas também na criação de uma relação de confiança com

as vítimas, configurando ardil. O ânimo prévio de obter vantagem ilícita com o

negócio resta, muitas vezes, evidenciado na análise conjunta de todas as provas

relativas aos fatos narrados. É certo que as decisões dos Tribunais em favor do

agente, em face de quitação do débito antes da denúncia, incentiva a ocorrência

do crime de emissão de cheques sem a provisão de fundos.

O fato de não efetuar depósito para que a conta corrente

fique suficientemente abastecida, e, conseqüentemente, “cobrir” o cheque que

será depositado, por si só, já indica conduta dolosa, no sentido de prejudicar o

terceiro mantido em erro, mediante a fraude, que consistiu, especificamente, em

emitir um cheque, prometendo pagá-lo e, neste momento (sabedor que era da

obrigação assumida, em confiança), não honrar o compromisso assumido.

Evidentemente, que deverá estar provado que o agente agiu com dolo, desde

aquele momento inicial da emissão do cheque.

121 TACRIM-SP – AC – Rel. Gonzaga Franceschini – JUTACRIM 91/403.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

É tempo de formular conclusões, de forma sintética, sobre

assuntos expostos na abordagem do tema proposto.

No primeiro capítulo, demonstraram-se as várias espécies

de fraudes, tipificadas no Código Penal Brasileiro.

Foi feita uma análise individualizada de cada fraude, a

conduta que o indivíduo precisa praticar para ser enquadrado, no fato típico

descrito pela lei, bem como o bem jurídico a ser tutelado, em cada espécie de

fraude.

No segundo capítulo, identificou-se o conceito de

estelionato, suas principais características, as modalidades de estelionato e os

requisitos necessários à caracterização do tipo penal, para, posteriormente,

adentrar na seara dos sujeitos passivos e ativos.

Ainda nessa senda, verificou-se o estelionato na forma

privilegiada e as modalidades especiais.

No Capítulo 3, tratou-se das noções gerais sobre as fontes

do direito, o conceito de crime, bem como a cerca da ação penal. Na seqüência

do estelionato, na modalidade de emissão de cheques sem fundo, frente aos

entendimentos pacificados de nossos Tribunais, em especial às súmulas do

Supremo Tribunal Federal.

Adiante serão transcritos os problemas e as hipóteses

apresentadas e realizada as análises de cada uma delas, com base no resultado

da pesquisa elaborada nos três capítulos desta Monografia.

Primeiro Problema - Se a simples emissão de cheque, ciente da impossibilidade de pagamento, já caracteriza o estelionato na modalidade de emissão de cheque sem fundo?

Hipótese: Se o fato de o portador de cártula emitir cheque,

ciente da impossibilidade de sua quitação, pela instituição financeira,

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independente de um futuro pagamento, já caracterizasse o crime de estelionato,

desestimularia as pessoas de praticar tal conduta.

Analise da hipótese: A hipótese não restou confirmada, pois

para a caracterização do crime de estelionato, na modalidade de emissão de

cheque se fundo, o agente precisa praticar a conduta com o objetivo de obter um

ganho ilícito para si em detrimento do patrimônio do sujeito passivo, somente

assim estará caracterizado o crime de emissão de cheque sem fundo.

Segundo Problema: Qual o entendimento da jurisprudência para a caracterização do crime de estelionato na modalidade de emissão de cheque sem fundo?

Frente ao posicionamento, atualmente, pacificado na

jurisprudência, que a quitação do cheque emitido sem provisões de fundos, antes

do oferecimento da denúncia, desnatura o crime de estelionato, estaria

estimulando os indivíduos a praticarem tal ato.

Analise da Hipótese: Em analise a jurisprudência, constata-

se que o atual entendimento estimula a pratica do crime, uma vez que existe a

possibilidade de evitar a denúncia frente ao seu pagamento, possibilitando que

pessoas de índole duvidosa utilizem-se desta brecha, para a constante prática do

crime de estelionato, na modalidade de emissão de cheques sem fundos.

A presente Monografia venceu a sua intenção investigatória,

analisou cientificamente as hipóteses previstas para os problemas acima

indicados. Mas o tema é merecedor de mais pesquisa, para se constatar a

O estelionato e as demais fraudes tratadas no Código

Penal, são vícios sociais, que causam graves prejuízos à boa-fé e a segurança

dos negócios jurídicos, motivo pelo qual devem ser reprimidas na forma da lei.

O fraudador é um membro da sociedade, atua segundo

impulsos e contingências que são comuns a todos. Portanto, seus atos são de

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interesse geral, ainda que provoquem repulsa ou rejeição. É possível verificar,

ainda, que quando os problemas são abordados pelas autoridades, estas se

limitam a aplicar supostas soluções, que tem resultados temporários e não raro,

ocasionam agravamento dos problemas preexistentes.

Dos crimes de estelionato e outras fraudes, o bem jurídico

tutelado é a proteção do patrimônio, e o dolo, direto ou eventual, consiste em ter a

vontade consciente de agir, na eminência de tirar proveito para si ou para outrem,

desse patrimônio alheio.

O crime ou delito, dentro da sistemática penal será sempre

ação ou omissão, típica, antijurídica e culpável, como conceito analítico, que

lesiona ou põe em perigo de lesão a um bem juridicamente tutelado, dentro do

conceito material, caracterizando uma contradição com a lei penal, no conceito

nominal.

Direito e Justiça caminham juntos, lei e direito é que se

separam com freqüência.

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REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

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__________________. Comentários ao código penal. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal: parte especial. 27 ed. São Paulo: Saraiva. 2005. _________________________. Direito penal - parte geral. 21 ed. São Paulo: Saraiva. 2003. JUTACRIM 73/58. JUTACRIM 85/356. JSTF 206/337. TACRSP MACHADO, Agapito. Estelionato e impunidade. Jus Navigandi. Acesso em: 24/11/2006. MANZINI, Vicenzo. Trattato di diritto penale italiano. 3 ed. Padova: 1947. vol. IX, MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2004.

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____________________. Processo penal. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2004. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. _____________________. Código penal interpretado. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2001. ____________________. Processo penal. 8 ed. São Paulo:Atlas, 1998. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: parte geral. 36 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. NORONHA, Edgar Magalhães. Digesto penal. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 1972. ________________________. Direito penal: parte especial. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 1979. PRADO, Luiz Regis. Comentários ao código penal: doutrina: jurisprudência selecionada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. _________________. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral. São Paulo: RT. 2000. RJDTACRIM 22/206 - TACSP RT 371/138-9 – TJSP. RT 404/124 – TJSP. RT 452/437 – TJGB RT 453/418-9 - TJSP TR 546/351 – TACRSP. RT 569/338 – TACRSP STF, HC, rel. Min. Décio Miranda, RT, 533/424. TACRIM-SP - Ac. unân. da 12.ª Câm. julg. em 3-2-2003 - Ap. 1.324.249/1-Capital - Rel. Juiz Ivan Sartori; in ADCOAS 8217514. RECURSOS: Agravo de Instrumento 70014273296. TJRS. Rel. Dorval Bráulio Marques. Data da decisão. 29/06/2006. Apelação Criminal 1.324.249/ 1- Capital - Rel. Juiz Ivan Sartori; in ADCOAS 8217514.

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Apelação Criminal 70011185980 - TJRS - Rel. Sylvio Baptista Neto. Data da decisão em 30/06/2005. Apelação Criminal 70002798593 - TJRS - Rel. Sylvio Baptista Neto. Dara da decisão em 31/08/2004. Apelação Criminal 70005043104 - TJRS - Rel. Mario Rocha Lopes Filho. Data da decisão em 28/05/2004. Apelação Criminal 2003.014909-0. Relator: Des. Solon d'Eça Neves. Data da Decisão: 31/08/2004. Apelação Criminal 99.016597-3. Relator: Des. Jorge Mussi. Data da Decisão: 30/11/1999. Apelação Criminal 70010194272. Rel.Marcos Antônio Bandeira Scapini. Data da decisão 23/12/2004. Apelação Criminal 70000426262. Rel. Tupinambá Pinto Azevedo. Data da decisão 10/10/2001. Apelação Criminal 70007330830. Rel. Genacéia da Silva Alberton. Data da decisão 10/12/2003. Apelação Criminal 70003650777. Rel. Roque Miguel Fank. Data da decisão 02/10/2002. Apelação Criminal 70011901576. Rel. João Batista Marques Tovo. Data da decisão 06/07/2006. Apelação Criminal 70011851235. Rel. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira. Data do Julgamento 17/08/2005. Apelação Criminal 70007776503. Rel. Aymoré Roque Pottes de Mello. Data do Julgamento 28/04/2005. Apelação Criminal 70006202204. Rel. Mario Rocha Lopes Filho. Data do Julgamento 29/07/2004. Apelação Criminal 70014880777: Rel. Dês. Sylvio Baptista Neto. Data da Decisão: 22/11/2004. Habeas Corpus 9199/MG; 1999/0036160-1 Relator Ministro Feliz Fischer. Quinta Turma. Data do Julgamento 17/06/1999 Data da Publicação/Fonte DJ 16.08.1999. Habeas Corpus 10.532. Relator: Des. Anselmo Cerello. Data da Decisão: 31/07/1992.

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Habeas Corpus 9199/MG – STJ. Rel. Ministro Feliz Fischer. Data da decisão 17/06/1999. Habeas Corpus 70013618434. Rel. Marco Antonio Ribeiro de Oliveira. Data da decisão 08/02/2006. Hábeas Corpus 70013102645. Rel. Marco Antonio Ribeiro de Oliveira. Data da decisão 26/10/2005. Hábeas Corpus 7267/SP 1998/0009567-5. Rel. Ministro Anselmo Santiago. Julgamento em 05/05/1998. Data da Publicação 25/05/1998. Hábeas Corpus 7620/RJ, Recurso Ordinário em HC 1998/0033745-8. Min. Fernando Gonçalves. Sexta Turma. Publicação/Fonte DJ 25.05.1998 p. 154 JUTACRIM 73/58. JUTACRIM 85/356 Recurso Especial 109426/RS. 1996/0061774-0. Rel. Ministro Edson Vidigal. Data da decisão 14/10/1997. RSTJ 32/75. RSTJ, 85/1050. RT 527/381. RT 517/324 TRF-1ª R.- Ac. Das Sés. Plena publ. No DJ de 26-10-955 - Ação Penal 94.01.18509-3-MG -Rel. Juiz Jirair Aram Meguerian - in ADCOAS 8148486). TRF-1ª R. - Ac. unân. da 3ª T. - publ. no DJ de 10-9-92 - HC 92.01.18684-3-DF - Rel. Juiz Tourinho Neto. TRF-2.ª R. - Ac. unân. 3415 da 2.ª T. publ. no DJ de 22-8-2003, p. 258 - Ap. 1998.51.01.064354-1-Rio de Janeiro/RJ -Rel. Des. Paulo Espirito Santo - in ADCOAS 8220822).