Upload
trinhduong
View
219
Download
2
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
UNIVERSIT LUMIRE LYON 2
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
DOCTORAT SCIENCES DE LEDUCATION
LUCIANA BACKES
A CONFIGURAO DO ESPAO DE CONVIVNCIA DIGITAL VIRTUAL:
A CULTURA EMERGENTE NO PROCESSO DE FORMAO DO EDUCADOR
SO LEOPOLDO
2011
1
Luciana Backes
A CONFIGURAO DO ESPAO DE CONVIVNCIA DIGITAL VIRTUAL:
A cultura emergente no processo de formao do educador
Tese apresentada como requisito parcial para obteno do ttulo de Doutor em Educao pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e Doctorat en Sciences de lducation pela Universit Lumire Lyon 2.
Orientadora: Profa. Dra. Eliane SchlemmerOrientador: Prof. Dr. Jean-Claude RgnierCoorientadora: Profa. Dra. Nadja Maria Acioly-Rgnier
So Leopoldo
2011
Catalogao na publicao: Bibliotecrio Flvio Nunes - CRB 10/1298
B126c Backes, Luciana.A configurao do espao de convivncia digital virtual : a cultura
emergente no processo de formao do educador / Luciana Backes. 2011.362 f. ; il. ; 30 cm.
Tese (doutorado) Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Ps-Graduao em Educao; Universit Lumire Lyon 2, Doctorat Sciences de Leducation, 2011.
"Orientadora: Profa. Dra. Eliane Schlemmer, orientador: Prof. Dr. Jean-Claude Rgnier ; coorientadora: Profa. Dra. Nadja Maria Acioly-Rgnier. "
1. Professores Formao. 2. Comunicaes digitais Aspectos sociais. 3. Educao Inovaes tecnolgicas. 4. Realidade virtual na educao. I. Ttulo.
CDD 371.334CDU 37:004
2
LUCIANA BACKES
A CONFIGURAO DO ESPAO DE CONVIVNCIA DIGITAL VIRTUAL:
A CULTURA EMERGENTE NO PROCESSO DE FORMAO DO EDUCADOR
Tese apresentada como requisito parcial para obteno do ttulo de Doutor em Educao pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e Doctorat en Sciences de lducation pela Universit Lumire Lyon 2.
Orientadora: Profa. Dra. Eliane SchlemmerOrientador: Prof. Dr. Jean-Claude RgnierCoorientadora: Profa. Dra. Nadja Maria Acioly-Rgnier
Aprovado em___________________________________________________________
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Eliane Schlemmer Universidade do Vale do Rio dos Sinos Brasil
Prof. Dr. Jean-Claude Rgnier Universit Lumire Lyon 2 Frana
Profa. Dra. Nadja Maria Acioly-Rgnier IUFM - Universit Lyon1 Frana
3
Profa. Dra. Vani Moreira Kenski Universidade de So Paulo Brasil
Prof. Dr. Danilo Romeu Streck Universidade do Vale do Rio dos Sinos Brasil
Prof. Dr. Jacques Pain Universit Paris Ouest Nanterre - Paris X Frana
Prof. Dr. Alex Sandro Gomes Universidade Federal de Pernambuco Brasil
4
AGRADECIMENTOS
Eu dedico esta tese ao AMOR que ultrapassa a existncia humana e perdura na
eternidade, ou talvez no infinito. O AMOR que pode ser conceitualizado por meio da
Religio, da Cultura, da Literatura, da Cincia e at mesmo da Biologia do Amor de
Humberto Maturana. No entanto, este AMOR ultrapassa conceitos e se materializa por meio
dos seres humanos que, ao viver e conviver, estabelecem vnculos que nos fazem ser
exatamente quem somos.
Ento, dedico esta tese a Olivia Erna Gerhardt, minha querida v, que me mostrou a
existencialidade eterna do AMOR, registrada em todo o meu ser.
Penso que o AMOR no se agradece... O AMOR se constri e se reconstri pelo
desejo de estarmos juntos, de compartilharmos nossas ideias, nossos sonhos e nossa vida com
um outro que consideramos importante. No posso agradecer o AMOR que me dedicaram
neste momento, mas posso agradecer a existncia de algumas pessoas com quem compartilhei
ideias, sonhos e minha vida, sobretudo porque so nicas e importantes para mim.
A Joo Frederico e Geni Backes, meus pais, que na sua grandiosidade me mostraram o
que o AMOR incondicional.
A Jean-Pascal Pirodon, meu sol, um AMOR que me faz brotar, crescer e ser cada dia
melhor.
A Renato Backes, meu irmo, que me ensina a cada dia o AMOR em cuidar do outro.
A Helena Backes que transforma o seu viver em um grande AMOR.
A Daniela Dal Molin e Jacqueline Glaser, irms que a vida gentilmente me deu, o
melhor presente.
A minha grande famlia, tios, tias, padrinhos, madrinhas, afilhados, afilhadas, primos e
primas, um AMOR que, na sua dinmica, sempre transformado em alegria e realizao.
A famlia Pirodon, em especial a Rene Pirodon, por me acolher com AMOR
inigualvel.
Aos amigos: Iara, derson, Paulo, Marly, Daniela, Cristina, Katti, Valdir, Nbia,
Elisa, Vanessa e Pascal, Jacqueline e Franois, Carla, Ivone, Carlos, Frank e Annick,
Monique e Bertrand, incansveis nas diferentes caminhadas da vida.
A Eliane Schlemmer, companheira para alm da orientao, companheira de partilha
de sonhos possveis de serem atingidos e na construo de novos horizontes. Um
companheirismo que nasceu na aceitao, no respeito e na admirao.
5
A Jean-Claude, orientador que contribuiu para a realizao de um grande sonho e que
me convida a sonhar ainda mais.
A Nadja, coorientadora de sonhos e de realidade, parceira para todas as horas e para
qualquer tipo de caminhada. O longe que est sempre perto.
Aos professores Vanie Moreira Kenski, Jacques Pain, Alex Sandro Gomes e Danilo
Romeu Streck, pela oportunidade de partilhar a minha representao e a disponibilidade de
refletir a partir dessa partilha.
Aos professores do Programa de Ps-Graduao em Educao da UNISINOS, em
nome da professora Edla Eggert, e aos professores do Doctorat em Sciences de lEducation -
lUniversit Lumire Lyon 2, em nome do professor Andr D. Robert.
Aos colegas do Doutorado em Educao e Sciences de lEducation, to diferentes na
sua maneira de ser, mas igualmente prximos na maneira de conviver.
Aos professores do IUFM, que me receberam de portas abertas num ato nico de fora
e de coragem.
Aos estudantes contexto Brasil e Frana, que aceitaram dar a mo quando eu a ofereci
e que fizeram da minha pergunta a sua pergunta.
Essas pessoas me possibilitaram pensar no AMOR por meio do maior mandamento do
cristianismo: Amar ao prximo como a ti mesmo. Tambm pensar o AMOR que se constri
de diferentes maneiras, de gerao em gerao, acompanhando toda a histria da humanidade.
Ou, ainda, pensar no AMOR nas palavras de Carlos Drummond de Andrade:
Que pode uma criatura seno, entre criaturas, amar?amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?sempre, e at de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso, sozinho, em rotao universal, seno
rodar tambm, e amar?amar o que o mar traz praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha, sal, ou preciso de amor, ou simples nsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,o que entrega ou adorao expectante,
e amar o inspito, o spero, um vaso sem flor, um cho de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
6
Este o nosso destino: amor sem conta,distribudo pelas coisas prfidas ou nulas,
doao ilimitada a uma completa ingratido,e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossaamar a gua implcita, e o beijo tcito, e a sede infinita.
7
Tudo aquilo que, como seres humanos, temos em comum, uma tradio biolgica que comeou com a origem da vida e se prolonga at hoje, nas variadas histrias dos seres humanos deste planeta. Por causa de nossa herana biolgica comum temos os fundamentos de um mundo comum, e no nos parece estranho que para todos os seres humanos o cu seja azul e que o sol nasa a cada dia. De nossas heranas lingusticas diferentes surgem todas as diferenas de mundos culturais, que como homens podemos viver e que, dentro dos limites biolgicos, podem ser to diversas quanto se queira.
Todo conhecer humano pertence a um desses mundos e sempre vivido numa tradio cultural. A explicao dos fenmenos cognitivos que apresentamos neste livro se localiza na tradio da cincia e se valida por meio de seus critrios. No entanto uma explicao singular, pois mostra que ao pretender conhecer o conhecer encontramo-nos nitidamente com nosso prprio ser.
(MATURANA; VARELA, 2002, p. 265).
8
RESUMO
O objeto de investigao desta tese consiste no estudo da cultura que emerge nos espaos digitais virtuais em processos de formao do educador. As reflexes abordadas intencionam compreender como se constitui a convivncia de natureza digital virtual, identificar os aspectos dessa convivncia que podem contribuir para construir uma nova cultura e apreender os elementos do processo formativo e da prtica pedaggica que implicam na cultura emergente nos espaos digitais virtuais. A compreenso dessa problemtica construda a partir de uma fundamentao terica, que inclui: a Biologia do Conhecer, de Maturana e Varela; a Biologia do Amor, de Maturana; e a Biologia-Cultural, de Maturana e Yez. Esta fundamentao complementada por tericos contemporneos que abordam questes referentes tecnologia digital virtual, sobretudo a de mundos digitais virtuais em 3D (MDV3D), e processos de ensinar e aprender em espaos de natureza digital virtual. A empiria resulta do desenvolvimento de processos formativos, em espaos configurados pelo hibridismo tecnolgico digital, no contexto Brasil e Frana, a fim de estabelecer o dilogo entre as teorias e o viver e conviver de estudantes desses dois pases. A pesquisa se desenvolve por meio do mtodo cientfico proposto por Maturana e Varela e a partir dos dados coletados nos processos de interao durante a formao dos educadores. A anlise desses dados de natureza qualitativa e quantitativa, submetida a uma anlise de contedo. Esta anlise ocorre em trs momentos. O primeiro momento configura-se na anlise qualitativa dos dados, por meio da identificao das unidades de anlise. Na sequncia, num segundo momento, os dados analisados qualitativamente so submetidos ao software CHICpara a anlise estatstica implicativa. Por fim, realiza-se novamente uma anlise qualitativa, configurando o terceiro momento do processo de anlise de dados. Esta anlise complexa dos dados possibilita identificar, nos processos de interao, acoplamentos estruturais de trs domnios: acoplamento estrutural, acoplamento estrutural tecnolgico e acoplamento estrutural de natureza digital virtual. Tambm possvel identificar a dialeticidade entre a configurao do espao digital virtual de convivncia (por meio da autonomia, autoria e congruncia TDV) e a convivncia de natureza digital virtual (no emocionar, por meio da perturbao e recurso), para a construo da cultura emergente (no respeito mtuo, legitimidade do outro e com elementos da cultura na educao) dos estudantes em processo formativo. Considerando-se o aspecto dialtico na construo da cultura emergente, conclumos que o processo formativo precisa se efetivar em prticas pedaggicas que contemplem a problematizao e a contextualizao dos conhecimentos por meio de relaes dialgicas, onde todos so coensinantes e coaprendentes. Nesse processo formativo, os seres humanos, e-habitantes, so conscientes de suas aes e autores de suas escolhas.
Palavras-chave: Formao educadora. Hibridismo tecnolgico. Mundo Digital Virtual em 3D - MDV3D. Convivncia de natureza digital virtual. Cultura emergente nos espaos digitais virtuais.
9
RSUM
L'objet de cette thse est d'tudier la construction de la culture mergente dans les espaces virtuels numriques ainsi que les processus de formation des enseignants. Les discussions ont t orientes de manire comprendre comment les tres humains coexistent dans la nature numrique virtuelle, quels aspects de la nature numrique virtuelle contribuent construire une nouvelle culture et quels sont les lments du processus de formation et de pratique pdagogique impliqus dans la construction de la culture mergente dans les espaces numriques virtuels. Pour la comprhension du problme, nous nous sommes appuys sur les thories de la biologie de la cognition de Maturana et Varela, de la biologie de l'Amour de Maturana et de la Biologie-culturelle de Maturana et Yez. Ces thories ont t compltes par des thories contemporaines qui traitent de questions lies la technologie numrique virtuelle, notamment des mondes numriques virtuels en 3D et des processus d'enseignement et d'apprentissage dans les espaces de la nature numrique virtuelle. Les processus de formation propres cette recherche ont t dvelopps dans des espaces hybrides, configurs par plusieurs technologies numriques, dans un contexte commun au Brsil et la France, afin d'tablir un dialogue entre la thorie et la faon de vivre des tudiants. La recherche s'est dveloppe partir des mthodes scientifiques proposes par Maturana et Varela, sur la base des donnes recueillies dans l'tude des processus d'interactions, processus identifis pendant la formation des enseignants. L'analyse des donnes est une analyse de contenu de natures qualitative et quantitative. Ces donnes ont ensuite t analyses en trois tapes. La premire est une analyse qualitative qui consiste identifier les facteurs significatifs, la seconde est l'analyse quantitative des ces facteurs travers une analyse statistiques implicative (software CHIC), et la troisime consiste reprendre l'analyse qualitative avec l'clairage apport par les rsultats de l'analyse statistique. Cette analyse complexe des donnes a permis l'identification des processus d'interaction dans des couplages structurels de trois domaines :couplage structurel, couplage structurel technologique et couplage structurel de la nature numrique virtuelle. Les espaces numriques virtuels sont configurs par l'autonomie des acteurs, leur statut d'auteur et la congruence avec la technologie numrique virtuelle. La coexistence dans la nature numrique virtuelle trouve sa source dans l'motion, la perturbation et la rcurrence des diffrentes actions. La dialectique entre cette configuration et cette coexistence permet la construction, par les tudiants en processus de formation, de la culture mergente, dans le respect mutuel, la lgitimit et la notion de culture dans l'ducation. La formation des tudiants contribue renforcer la construction de la culture mergente lorsqu'on utilise une pratique pdagogique qui problmatise et contextualise les connaissances, dans laquelle les relations se font par le dialogue et o tous sont co-enseignants et co-apprenants. Dans ce contexte, les tres humains sont conscients de leurs actions et auteurs de leurs choix.
Mots-cls: Formation des enseignants. Espaces hybrides technologies numriques. Monde numrique virtuel en 3 dimensions. Coexistent dans la nature numrique virtuelle. Culture mergente dans les espaces numriques virtuels.
10
ABSTRACT
The object of this thesis research is the study of culture that emerges from virtual digital spaces during teacher educational processes. The considerations about that intend to understand how the co-living based on virtual digital nature is constituted, to identify aspects of this digital virtual nature of co-living that may contribute to build a new culture and to apprehend elements from the educational process and pedagogical practice that imply emergent culture from digital virtual spaces. The comprehension of this problematic is built on a theoretical basis, which includes: Biology of Knowledge, by Maturana and Varela; Biology of Love, by Maturana; Cultural-Biology, by Maturana and Yez. This basis is complemented by contemporary theorists who approach questions related to digital virtual technology, especially about digital virtual worlds in 3D (MDV3D), and teaching and learning processes in spaces of digital virtual nature. The data results from the development of educational processes, in spaces designed by digital technological hybridism, on a Brazil France context, in order to establish a dialog among theories and living and co-living of students from these countries. The research is developed using a scientific method, proposed by Maturana and Varela, and the collected data from the interaction processes during teaching education. The data analysis is from a qualitative and quantitative nature, submitted to a content analysis. This analysis occurs in three moments. The first moment is based on qualitative analysis of data, by the identification of the units of the analysis. In the sequence, on a second moment, the data that were analyzed qualitatively are submitted to CHIC software to do an implicative statistical analysis and, at the end, it is done a qualitative analysis again, designing the third moment of the data analysis process. This complex data analysis makes possible to identify, in interactional processes, structural couplings that are from three fields: structural coupling, structural technological coupling and structural coupling of digital virtual nature. It is also possible to identify dialectical characteristics between the design of co-living digital virtual space (through autonomy, authorship and congruence TDV) and co-living form virtual digital nature (by feeling emotions throughout perturbation and recursion), to build an emergent culture (with mutual respect, legitimacy of the other self and elements from culture in education) from the students during educational process. Considering the dialectical aspect on an emergent culture building, it is possible to conclude that the educational process needs to be done using pedagogical practices that takes into perspective the proposition of problems and contextualization of knowledge using dialogical relationships, where everybody is co-teacher and co-learner.
Keywords: Teacher education. Technological hybridism. Digital virtual world 3 MDV3D. Co-living from digital virtual nature. Emergent culture from digital virtual spaces.
11
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 Configurao do problema de pesquisa 48Figura 2 Viver e conviver dos seres humanos 56Figura 3 Representao do acoplamento estrutural 67Figura 4 Construo inicial no AWSINOS contexto Brasil 69Figura 5 Transformaes na construo contextos Brasil e Frana 69Figura 6 Construo final no AWSINOS contextos Brasil e Frana 70Figura 7 Configurao do espao de convivncia 78Figura 8 Espaos de convivncia no contexto educacional 79Figura 9 Encruzamento cultural na educao 87Figura 10 Tecnologias digitais virtuais 92Figura 11 Interface do Second Life 97Figura 12 Interface do OpenSimulator 98Figura 13 Interface do Eduverse Active Worlds 98Figura 14 Espao de interao no MDV3D - AWEDU 99Figura 15 Vista panormica do AWSINOS 102Figura 16 Alegoria da caverna de Plato 102Figura 17 Construo final no AWSINOS contexto Brasil 103Figura 18 Representao final dos processos formativos contexto Brasil e Frana 104Figura 19 Criao do avatar a partir do modelo padro no AWEDU 106Figura 20 Movimento da malha de polganos para modificar o avatar 107Figura 21 Avatar Luci Bebb, personalizao possibilitada pelo Second Life 108Figura 22 Contexto da cultura emergente 122Figura 23 Configurao da convivncia e da cultura emergente no contexto da escola 130Figura 24 AWSINOS e o blog Analyse du travail et polyvalence 142Figura 25 AWSINOS e o site Alegoria da Caverna - Plato 142Figura 26 AWSINOS e o AVA-UNISINOS 142Figura 27 Representao das concepes epistemolgicas 146Figura 28 Representao no MDV3D do caso 4: Liceo Profesionel 147Figura 29 Mapa conceitual referente ao delineamento da pesquisa 153Figura 30 Construo do Grupo 2 (23/03/2011) 163Figura 31 Construo do Grupo 2 (05/08/2011) 163Figura 32 Representao da comunicao no chat do Eduverse 164Figura 33 Comentrios realizados sobre as aprendizagens 166Figura 34 Dirio 2: registros equivalentes ao comentrio 166Figura 35 Estudo de caso 2: registro dos comentrios 167Figura 36 Interface do CHIC para definies estatsticas 183Figura 37 Esquema para anlise das unidades 184Figura 38 Representao da estrutura da pesquisa 185Figura 39 Grafo implicativo do questionrio contexto Brasil 189Figura 40 rvore coesitiva do questionrio contexto Brasil 191Figura 41 rvore de similaridade do questionrio contexto Brasil 192Figura 42 Grafo implicativo do questionrio contexto Frana 193Figura 43 Grafo implicativo do questionrio contexto Frana 193Figura 44 rvore coesitiva do questionrio contexto Frana 195Figura 45 rvore de similaridade do questionrio contexto Frana 196Figura 46 Grafo implicativo do contexto Brasil considerando todas as representaes: Formao 1 199
12
Figura 47 Grafo implicativo do contexto Brasil considerando todas as representaes: Formao 2 201Figura 48 Grafo implicativo do contexto Frana considerando todas as representaes 203Figura 49 Grafo implicativo do contexto Brasil representaes Dirio: Formao 1 205Figura 50 Grafo implicativo do contexto Brasil representaes Dirio: Formao 2 206Figura 51 Grafo implicativo do contexto Frana representaes Dirio 207Figura 52 Grafo implicativo do contexto Brasil representaes Frum: Formao 1 208Figura 53 Grafo implicativo do contexto Brasil representaes Frum: Formao 2 209Figura 54 Grafo implicativo do contexto Frana representaes Frum 210Figura 55 Grafo implicativo do contexto Brasil representaes Chat: Formao 1 212Figura 56 Grafo implicativo do contexto Brasil representaes Chat: Formao 2 213Figura 57 Grafo implicativo do contexto Frana representaes Chat 214Figura 58 Grafo implicativo do contexto Brasil representaes Autoavaliao: Formao 1
215Figura 59 Grafo implicativo do contexto Brasil representaes Autoavaliao: Formao 2
216Figura 60 Grafo implicativo do contexto Frana representaes Autoavaliao 217Figura 61 Arco amarelo construdo por um participante Grupo 1 contexto Frana 221Figura 62 Parede de vidro construda por outro participante Grupo 1 contexto Frana 222Figura 63 Construo final Grupo 1 contexto Frana 222Figura 64 Projeto de aprendizagem baseado em problema: Empirismo 232Figura 65 Projeto de aprendizagem baseado em problema: Inatismo 234Figura 66 Viso panormica final 241Figura 67 Viso panormica final 241Figura 68 Viso panormica final 241Figura 69 Viso panormica final 243Figura 70 Projeto de aprendizagem baseado em problema: Construtivismo 243Figura 71 Estudo de caso 1: Maison multiculturelle 244
13
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Ensino X Aprendizagem 144Tabela 2 Cdigos, unidades de anlise e caracterizaes 176Tabela 3 Demonstrao da anlise qualitativa conforme unidades de anlise 179Tabela 4 Construo da varivel do tipo modal 181Tabela 5 Valores encontrados em cada unidade de anlise por participante da pesquisa 181Tabela 6 Valores na escala [0;1] por participante de pesquisa Formao 1 182Tabela 7 Legenda referente ao grau de conhecimento e utilizao das TD 188
14
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Ind06, Frum contexto Brasil 218Quadro 2 Ind04, Estudo de caso 1 contexto Frana 218Quadro 3 Ind01, Dirio contexto Brasil 219Quadro 4 Ind02, Dirio contexto Brasil 220Quadro 5 Ind05, Estudo de caso 1 contexto Frana 220Quadro 6 Ind02, Frum contexto Brasil 220Quadro 7 Ind04, Dirio contexto Frana 221Quadro 8 Ind03, Dirio contexto Brasil 224Quadro 9 Ind04, Frum contexto Brasil 224Quadro 10 Ind07, Dirio contexto Frana 225Quadro 11 Participantes da pesquisa, Frum contexto Brasil 227Quadro 12 Participantes da pesquisa, Chat contexto Brasil 228Quadro 13 Participantes da pesquisa, Chat contexto Brasil 229Quadro 14 Participantes da pesquisa, Chat contexto Frana 230Quadro 15 Participantes da pesquisa, Chat contexto Frana 233Quadro 16 Participantes da pesquisa, frum Estudo de Caso 1 - contexto Frana 235Quadro 17 Participantes da pesquisa, frum Estudo de Caso 1 - contexto Frana 235Quadro 18 Participantes da pesquisa, frum Estudo de Caso 1 - contexto Frana 236Quadro 19 Participantes da pesquisa, frum Estudo de Caso 1 - contexto Frana 236Quadro 20 Participantes da pesquisa, Chat contexto Brasil 236Quadro 21 Participantes da pesquisa, Chat contexto Frana 237Quadro 22 Participantes da pesquisa, Chat contexto Frana 239Quadro 23 Participantes da pesquisa, chat - contexto Brasil 240
15
SUMRIO
1 INTRODUO ................................................................................................................... 17
PARTE I A PERSPECTIVA ONTOLGICA DA PESQUISA ..................................... 23
1 ORIGEM DO ESTUDO ...................................................................................................... 27 1.1 (RE)SIGNIFICAO DO VIVER NA FORMAO DO EDUCADOR: CONTEXTO BRASIL .................................................................................................................................... 27 1.2 (RE)SIGNIFICAO DO VIVER NA FORMAO DO EDUCADOR: CONTEXTO FRANA .................................................................................................................................. 34 1.3 REVISO DA LITERATURA .......................................................................................... 39
2 PARA ALM DA ORIGEM .............................................................................................. 46 2.1 PROBLEMA E QUESTES DA PESQUISA ................................................................... 46 2.2 OBJETIVOS ....................................................................................................................... 49 2.3 DIFERENCIAES E AVANOS DAS PESQUISAS EXISTENTES .......................... 49
PARTE II A EPISTEMOLOGIA DA PESQUISA .......................................................... 51
1 VIVER E CONVIVER ........................................................................................................ 55 1.1 SER VIVO: A ORIGEM DO SER HUMANO .................................................................. 56 1.2 AUTORIA: O DESENVOLVIMENTO DO SER HUMANO .......................................... 61 1.3 INTERAO/COOPERAO: A FORMAO DE SISTEMAS SOCIAIS ................. 63 1.4 ACOPLAMENTO ESTRUTURAL: O CONVIVER ........................................................ 66 1.5 A NATUREZA DO ESPAO ............................................................................................ 72 1.6 CONFIGURAO DO ESPAO DE CONVIVNCIA .................................................. 76 1.7 CONSTRUO DA CULTURA NA CONVIVNCIA ................................................... 79
2 HIBRIDISMO TECNOLGICO DIGITAL E A CONSTRUO DE MUNDOS DIGITAIS VIRTUAIS EM 3D (MDV3D) ............................................................................ 91 2.1 HIBRIDISMO TECNOLGICO DIGITAL: TDV INTEGRADAS ................................. 93 2.2 MDV3D E AVATARES: O E-HABITAR ......................................................................... 99 2.2.1 A construo do MDV3D ................................................................................................ 99 2.2.2 O ser humano na representao do avatar ..................................................................... 104 2.2.3 E-habitar: A convivncia entre avatares em congruncia com o MDV3D ................... 109 2.3 APRENDIZAGEM EM METAVERSO .......................................................................... 111 2.4 OS SERES HUMANOS E AS TDV: ADAPTAO NO VIVER E CONVIVER ........ 117
3 ECOLOGIA DIGITAL VIRTUAL E A CULTURA EMERGENTE .......................... 122 3.1 CONFIGURAO DO ESPAO DIGITAL VIRTUAL DE CONVIVNCIA ............ 124 3.2 CONFIGURAO DO ESPAO DE CONVIVNCIA DE NATUREZA DIGITAL VIRTUAL ............................................................................................................................... 126 3.3 A CULTURA EMERGENTE NOS ESPAOS DIGITAIS VIRTUAIS ......................... 130
4 FORMAO E CAPACITAO DO EDUCADOR ................................................... 137 4.1 CONSTRUO DE UM NOVO SABER NA FORMAO DOCENTE ..................... 138 4.2 DESENVOLVIMENTO DE PRTICAS PEDAGGICAS EM EDUCAO DIGITAL ................................................................................................................................................ 140
16
4.2 MEDIAO NOS ESPAOS DE CONVIVNCIA DE NATUREZA DIGITAL VIRTUAL ............................................................................................................................... 148
PARTE III O PERCURSO METODOLGICO ........................................................... 152
1 METODOLOGIA DE PESQUISA .................................................................................. 152 1.2 OS PARTICIPANTES DA PESQUISA: OBSERVADOR E OBSERVADOS .............. 159 1.3 CARACTERSTICAS DOS ESPAOS DIGITAIS VIRTUAIS DE CONVIVNCIA . 161 1.4 A CONVIVNCIA DE NATUREZA DIGITAL VIRTUAL: ATIVIDADES................ 167 1.4.1 Atividade 1 (contexto Brasil): Aprendizagem em mundos virtuais .............................. 167 1.4.2 Atividade 2 (contexto Brasil): Prtica pedaggica em mundos virtuais ....................... 169 1.4.3 Atividade (contexto Frana): Analyse du travail et polyvalence .................................. 169 1.5 ABORDAGEM NA ANLISE DOS DADOS: AGIR E COMPREENDER .................. 174 1.6 ORGANIZAO DOS DADOS EMPRICOS PARA A ANLISE QUALITATIVA E QUANTITATIVA .................................................................................................................. 176
2 ANLISE DOS DADOS: O SIGNIFICADO DO VIVER E CONVIVER PARA O CONHECER ......................................................................................................................... 185 2.1 PARTICIPANTES DA PESQUISA: OBSERVAES .................................................. 187 2.2 CONSIDERAES SOBRE A ANLISE ESTATSTICA IMPLICATIVA ................ 198 2.2.1 Anlise estatstica implicativa: geral ............................................................................. 198 2.2.2 Anlise estatstica implicativa: espao digital virtual ................................................... 204 2.3 REFLEXES SOBRE AS QUESTES DE PESQUISA EM RELAO AOS DADOS COLETADOS ........................................................................................................................ 217
CONCLUSO ....................................................................................................................... 246
REFERNCIAS ................................................................................................................... 256
ANEXO A Caracterizao dos participantes sobre tecnologias digitais (TD) ........... 264
ANEXO B Questionnaire devaluation des connaissances et de pratique sur les technologies numriques (TN) ............................................................................................. 266
ANEXO C Atividade Complementar - Contexto Brasil .............................................. 268
ANEXO D Travail Dirig - Contexto Frana ............................................................... 272
ANEXO E Tabelas da Anlise Quantitativa ................................................................... 273
ANEXO F Termo de consentimento ................................................................................ 337
17
1 INTRODUO
No cenrio mundial a Educao apresenta um quadro paradoxal caracterizado, por um
lado, pelos ndices alarmantes que retratam a problemtica do analfabetismo, em que se busca
a superao por meio de estratgias de aes promovidas por rgos, tais como a Organizao
das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO), e, por outro lado,
projetos ousados, tais como os desenvolvidos pelo Massachusetts Institute of Technology
(MIT), envolvendo tecnologias emergentes. Neste cenrio, foi possvel evidenciarmos
progressos notveis em diferentes pases no que se refere ao acesso e incluso de mais
crianas na escola na ltima dcada, assim como universidades do mundo inteiro que
comeam a configurar espaos de ensino e de aprendizagem em metaversos (MDV3D1
Segundo os dados apresentados pelo Relatrio de Monitoramento Global de Educao
para Todos 2011 UNESCO, 171 milhes de pessoas poderiam sair da pobreza caso os
estudantes de pases de baixa renda obtivessem na escola as habilidades bsicas de
alfabetizao envolvendo a escrita e a leitura, o que corresponderia a uma queda de 12% no
nmero de pessoas que vivem com uma renda inferior a U$1,25 por dia. No entanto, o
relatrio adverte que os esforos internacionais empreendidos desde o incio da dcada esto
comeando a enfraquecer e que o ritmo do progresso obtido inicialmente est diminuindo.
Assim, o relatrio sugere que os governos precisam urgentemente intensificar seus esforos
para alcanar at 2015 os objetivos propostos na Conferncia Mundial de Educao, realizada
em Dacar, no Senegal.
, uma
das tecnologias utilizada para a realizao desta pesquisa e que integra o contexto do
hibridismo tecnolgico digital).
Neste sentido, o paradoxo se instaura:
[...] ao lado de toda essa situao crtica mundial, existem tambm sociedades em que a modernidade est cada dia mais presente, cujos cenrios esto cada vez mais distanciados daqueles carentes de maior bem-estar. No momento em que estamos interessados em esboar o perfil de uma viso educacional comprometida com os novos tempos, esses cenrios necessitam ser visualizados, mas sem perder a conscincia das disparidades nacionais e internacionais cada vez mais vivas e presentes e suas possveis consequncias em relao segurana econmica, poltica e social dos pases (MORAES, 2004, p.114).
1 O que possvel identificar em eventos como Virtual World Best Practices in Educaciton (VWBPE) e Research conference in the Second Life World (SLACTIONS), onde podemos identificar a participao de diferentes universidades do mundo inteiro que desenvolvem pesquisas em MDV3D.
18
A modernidade, de maneira igualmente paradoxal, vem desencadeando um processo
de grandes transformaes na humanidade. Tal processo condicionado por inmeros
fatores entre eles, os avanos cientficos que multiplicam informaes, distribuem o
conhecimento, influenciam sistemas polticos, econmicos e sociais, presentes e futuros
(MORAES, 2004, p. 115).
Palavras e expresses como globalizao, terceirizao, qualidade, produtividade e
reduo de custos fazem parte de um cotidiano que inclui e exclui os seres humanos nos
diferentes grupos que se misturam para constituir a chamada aldeia global. Assim, cada vez
mais, percebemos a plasticidade das diferentes fronteiras (geogrficas, polticas, econmicas e
culturais).
Neste contexto, as tecnologias digitais virtuais (TDV) assumem um carter dual, s
vezes acusadas de excluir grande parte da populao, especialmente dos pases de terceiro
mundo, outras vezes utilizadas para resolver problemas do cenrio poltico mundial. Aes
como o Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo), cujo objetivo consiste em
promover o uso pedaggico da informtica na rede pblica de educao bsica, desenvolvido
no Brasil, oportuniza s escolas acesso a computadores, recursos digitais e contedos
educacionais. Em contrapartida, estados, Distrito Federal e municpios devem garantir a
estrutura adequada para receber os laboratrios e capacitar os educadores para uso das
mquinas e tecnologias.
Outro programa a ser destacado o Programa Um Computador por Aluno
(PROUCA), que tem por objetivo ser um projeto educacional utilizando tecnologia, incluso
digital e adensamento da cadeia produtiva comercial no Brasil. O programa desenvolvido
em algumas escolas brasileiras, sendo que cada uma recebe os laptops para alunos e
professores, infraestrutura para acesso internet, capacitao de gestores e professores no uso
da tecnologia. Ambos os programas citados so desenvolvidos pelo Ministrio da Educao
do Governo Federal em parcerias com universidades, institutos e empresas.
Apesar de algumas aes serem desenvolvidas, nem todas so consideradas positivas,
apropriadas ou bem-implantadas. Em alguns momentos, percebem-se aes cuja centralidade
est nas TDV em detrimento de aes de formao do ser humano que as utilizam. Assim,
seria ingenuidade pensar as TDV como nicas causadoras de uma catstrofe mundial, ou
pensar essas mesmas tecnologias como a salvao dos seres humanos. Ento, prudente
pensar as tecnologias como possibilitadoras de determinadas aes e limitadoras para outras.
Nesta perspectiva crtica possvel estabelecer relao entre tecnologia e educao de
maneira que a educao possa contribuir para o desenvolvimento de tecnologias e a
19
tecnologia possa contribuir para o desenvolvimento dos processos de ensino e de
aprendizagem na perspectiva da emancipao humana, ou seja, contribuir para a realizao do
objetivo da educao.
Ao longo da histria, a tecnologia e a educao sempre percorreram caminhos
prximos, principalmente com o desenvolvimento da imprensa, e, consequentemente, com a
publicao e utilizao dos livros. Os livros representam o prolongamento do tempo ao
registrar os conhecimentos historicamente construdos, assim como o prolongamento
geogrfico na medida em que so publicados em vrios pases, modificando as relaes na
escola em referncia ao processo cumulativo e de socializao do saber.
Atualmente, vivemos a insero das mdias digitais no contexto social e tambm
educativo: As mudanas tcnicas provocadas por essas tecnologias requerem e produzem
novas formas de representao, dando origem a novos modos de conhecimentos (MORAES,
2004, p. 123). Num primeiro momento, a TDV tinha a finalidade de processar dados. Com
isso, seus objetivos consistiam em armazenar e relacionar grandes quantidades de
informaes, o que resultou na possibilidade de construir inmeros bancos de dados que
relacionam diferentes informaes, de uma maneira que a capacidade humana no pode
realizar. Num segundo momento, as tecnologias contriburam no desenvolvimento de
estratgias empresariais diretamente operadas por usurios que controlam os seus efeitos
sobre o seu prprio trabalho e usufruem diretamente de seus benefcios. Neste caso, foi
possvel desenvolver diferentes sistemas que possibilitam um melhor gerenciamento das
atividades. Assim, nos desenvolvemos para o terceiro momento, em que utilizamos as
tecnologias em rede, aprimorando os processos de interao, num tempo intemporal2 e num
espao de fluxo3. Com o desenvolvimento dos MDV3D, os processos de interao so
marcados pelas diferentes possibilidades de representao da percepo dos seres humanos
por meio da telepresena e da presena digital virtual possibilitada pela sua imerso no
MDV3D atravs de um avatar4
2 Para Castells (2003, p. 556), o tempo intemporal a intemporalidade dominante de nossa sociedade ocorre quando as caractersticas de um dado contexto, ou seja, o paradigma informacional e a sociedade em rede, causam confuso sistmica na ordem sequencial dos fenmenos sucedidos naquele contexto.
, ao utilizarem a linguagem textual, oral, gestual e grfica.
3 O espao de fluxo a organizao material das prticas sociais de tempo compartilhado que funcionam por meio de fluxos. Por fluxos, entendo as sequncias intencionais, repetitivas e programveis de intercmbio e interao entre posies fisicamente desarticuladas, mantidas por atores sociais nas estruturas econmicas, polticas e simblicas da sociedade (CASTELLS, 2003, p. 501).4 O termo avatar explorado no subcaptulo 2.2 ao tratar do e-habitar nos MDV3D, quando discutido o hibridismo tecnolgico digital no captulo 2, da parte II A Epistemologia da Pesquisa.
20
As TDV foram modificando os processos de ensinar e de aprender desenvolvidos no
contexto educativo, ao mesmo tempo em que a educao atribuiu significados s TDV e ainda
contribuiu para o desenvolvimento de novas tecnologias. Atualmente, desenvolvemos
processos formativos de educadores em MDV3D em pases como Brasil e Frana,
investigando outra maneira de construir do conhecimento.
O que queremos observar que cada tipo de tecnologia intelectual, seja oral, escrita e informacional, com as quais vivemos simultaneamente, coloca uma nfase particular em determinadas dimenses cognitivas e em determinados valores, dos quais decorrem manifestaes culturais especficas (MORAES, 2004, p. 123).
Assim, podemos configurar novas maneiras de realizar as aes por meio de outros
instrumentos, em um contexto social determinado, constituindo diferentes modos de viver,
desenvolvendo novos hbitos e atribuindo significados s aes realizadas. Neste sentido,
alteramos, recursivamente, os modos de fazer e de pensar da humanidade.
A mente humana, ou seja, o equipamento cognitivo do indivduo, influenciada pela cultura, pela coletividade que fornece a lngua, pelos sistemas de classificao, pelos conceitos, pelas analogias, pelas metforas e pelas imagens. Portanto, qualqueralterao nas tcnicas de armazenamento, na transformao da transmisso das representaes da informao e do saber provoca mudanas no meio ecolgico no qual as representaes se propagam, provocando mudanas culturais e mudanas no saber (MORAES, 2004, p. 124).
Neste cenrio se constituiu esta tese, desenvolvendo processos de formao de
educadores em espaos digitais virtuais, caracterizados pelo hibridismo tecnolgico digital, no
contexto Brasil e no contexto Frana. Algumas consideraes importantes:
A temtica formao de educadores, no contexto do hibridismo tecnolgico digital,
vem ao encontro dos movimentos que a sociedade vem realizando na contemporaneidade. A
TDV faz parte da vida dos seres humanos como um fato dado; importante neste momento
utiliz-la de maneira crtica e consciente, para no reproduzirmos os erros do passado.
O hibridismo tecnolgico digital pode contribuir para uma melhor adaptao dos seres
humanos s TDV, bem como contribuir para minimizar alguns limites de utilizao. Pensar
no MDV3D como uma das TDV que compem o hibridismo um elemento novo para o
contexto educacional, que resulta em conhecimento de ponta aos educadores e pode ser tornar
uma inovao, quando utilizado por meio de prticas pedaggicas congruentes.
Os contextos Brasil e Frana contribuem para pensarmos o processo formativo em
diferentes territrios, desenvolvidos num mesmo espao digital virtual, por meio do
compartilhamento na construo do MDV3D, que at ento no era uma prtica normalmente
utilizada. Os processos de interao entre esses dois contextos no se efetivaram em relao
21
aos contedos (cada proposta tinha objetivos tericos diferentes), ao tempo (desenvolvidos
em pocas diferentes) e s tecnologias digitais (AVA, Web 2.0, [blog, comunicador
instantneo e redes sociais] e Web 3D). O processo de interao entre os dois contextos se deu
por meio das representaes grficas j existentes (realizadas por estudantes contexto Brasil),
o que pode ser considerado como uma congruncia em relao aos MDV3D, que tm como
caracterstica a representao grfica.
A pesquisa se efetivou por meio de trs processos formativos desenvolvidos pela
educadora-pesquisadora, sendo o processo formativo no contexto Frana desenvolvido em
parceria com a educadora responsvel pela formao naquele pas. Este fato se deu
principalmente em funo da dificuldade de fluncia na lngua francesa. O desenvolvimento
dos processos formativos, contexto Brasil e Frana, permite: a) melhor compreenso do fato
vivido, ao ler, analisar e interpretar as interaes realizadas pelos estudantes; b) maior
envolvimento nos processos de ensinar e de aprender dos educadores em formao, por meio
da prtica pedaggica que contemplou a problemtica da pesquisa.
Todos os processos de interao realizados nos espaos digitais virtuais foram
registrados e analisados para a reflexo que se organiza em trs partes:
A primeira parte, intitulada A Perspectiva Ontolgica da Pesquisa, est relacionada
ao fenmeno a explicar, ou seja, como surge este fenmeno, quem est observando e
descrevendo o fenmeno, quais os objetivos e a pergunta que instiga a tese. Este primeiro
momento composto por dois captulos em que abordada a origem do estudo, na
perspectiva ontognica da pesquisadora, e como se pretende desenvolver o estudo,
problemtica, objetivos e pretenses.
A segunda parte, intitulada A Epistemologia da Pesquisa, est relacionada ao quadro
terico que fundamenta as reflexes e compreenses em relao ao fenmeno investigado.
Assim, busca as compreenses tericas que auxiliam na construo de respostas que podem
satisfazer a pergunta que instiga a tese. Esta segunda parte aborda o quadro terico composto,
fundamentalmente, pela teoria desenvolvida na Biologia do Conhecer, Biologia do Amor e
Biologia-Cultural, bem como de demais referncias que implicam na utilizao de TDV na
educao. Para tanto, so apresentados quatro captulos que tratam sobre o viver e o conviver
dos seres humanos, hibridismo tecnolgico digital (metaverso, ambiente virtual de
aprendizagem, blog e comunicador instantneo), a ecologia que emerge neste viver e conviver
de natureza digital virtual e a formao do educador na contemporaneidade.
A terceira e ltima parte, intitulada O Percurso Metodolgico, busca articular o
fenmeno investigado com o quadro terico, descrevendo os passos dessa articulao bem
22
como as reflexes oriundas da pergunta que provoca a investigao. Para tanto, so
apresentados dois captulos que tratam das questes metodolgicas da pesquisa, descrevendo
como a pesquisa desenvolvida e apresentando as anlises dos dados, em que so registradas
as reflexes provenientes da anlise qualitativa, quantitativa e, novamente, qualitativa dos
dados.
A partir desse conjunto de trs partes, a concluso apresenta as reflexes que ajudam a
compreender como os educadores em formao, no contexto do hibridismo tecnolgico
digital, constituem uma convivncia de natureza digital virtual para a emerso de uma cultura.
Esta compreenso inserida num contexto particular, que se constitui por determinados seres
humanos e na perspectiva de uma determinada educadora-pesquisadora, o que, certamente,
no possibilita que a mesma possa ser apropriada ou vlida aos demais contextos e seres
humanos. Porm, esta compreenso pode representar um caminho para os educadores-
pesquisadores construrem outras compreenses referentes aos demais contextos e seres
humanos.
Construir uma tese implica em responsabilidade na construo de novos
conhecimentos que fazem o viver e o conviver da humanidade. Esta responsabilidade
inquietante na busca de uma clareza literria, numa coerncia epistemolgica e na
interpretao que os demais seres humanos faro deste conhecimento. Esta inquietao
convertida em ousadia na medida em que o conhecimento pode emancipar os seres humanos
na construo de um viver digno.
23
PARTE I A PERSPECTIVA ONTOLGICA DA PESQUISA
Onde est a origem de uma pesquisa? Como se define uma pesquisa (problema,
questes e objetivos)? O que j se sabe sobre o tema pesquisado? O que se deseja ainda saber?
Como fazer para saber o que no se sabe? So as questes que impulsionam a humanidade a
saber mais, a ampliar e construir novos conhecimentos que so acumulados ao longo da
histria e que possibilitam nos desenvolvermos enquanto seres humanos e seres sociais. Para
Almeida e Bax (2003), as regras que regulam e definem as combinaes entre os conceitos e
as experincias, em um domnio do conhecimento, se constitui em ontologia.
A ontologia consiste no estudo do ser como tal, a sua existncia em relao aos
conhecimentos construdos pela humanidade e como articulamos tudo isso com a realidade a
qual pertencemos. Ento, [...] procurando evidenciar que aquilo que dizemos que somos
ns, observadores, que estamos dizendo, e cuja validade no pode ser justificada a priori, pois
no se encontra nem antes nem fora do que fazemos ao validar nossas afirmaes de natureza
ontolgica (GRACIANO; MAGRO, 2002, p. 24). Assim, a origem desse estudo se d por
meio da representao da perspectiva do pesquisador ontognico, que configura convivncias
em diferentes espaos de natureza fsica, que atribui significado aos processos formativos
desenvolvidos em espaos de natureza digital virtual e que define cada um desses espaos ao
mesmo tempo em que definido pelo prprio contexto espacial. Observao, reproduo,
reflexo, transformao, crtica, entre outras palavras, acompanham a trajetria histrica na
possibilidade de construir outros caminhos.
Portanto, lidamos na dialeticidade entre o individual e o social; h uma definio
individual e uma validao social, ou seja, [...] um captulo da histria no qual os homens e
as ideias vivem, porque somos mais pontos de acumulao das redes sociais, nas quais
habitamos, que vontades ou gnios individuais (VARELA, 1997, p. 36). As pesquisas
existentes sobre os processos formativos em espaos digitais virtuais, em algum momento
revelam certa sinergia, ultrapassando os limites do tempo e encontrando-se em um espao que
ainda nos abstrato. Ento o campo de viso delimitado para descobrir o que emerge deste
viver e conviver.
Os seres humanos so caracterizados pela sua capacidade de transformao, fazendo
com que a humanidade se constitua de maneira diferente, desenvolvendo regras e normas que
acompanham as tendncias de determinado tempo e espao. Atualmente, nos encontramos em
um momento em que a humanidade constri o seu conhecimento atribuindo
24
[...] uma progressiva mutao do pensamento que termina com a longa denominao do espao social do cartesianismo e que se abre conscincia aguda de que o homem e a vida so as condies de possibilidade de significado e dos mundos em que vivemos. Que conhecer, fazer e viver no so coisas separveis, e que a realidade e a nossa identidade so parceiros de uma dana construtiva (VARELA, 1997, p. 60).
Neste contexto, que busca romper os paradigmas dominantes, se constri o problema e
as questes de pesquisa que orientam os objetivos da investigao. No entanto, eles no so
fixos e determinados, na medida em que a pesquisa emprica avana e que o quadro terico
aprofundado, problema, questes e objetivos so revisados, (re)significados e reformulados,
redirecionando mais uma vez a pesquisa emprica e o quadro terico. Entramos numa nova
poca de fluidez e flexibilidade que traz implcita a necessidade de uma reflexo a respeito da
maneira de como os homens fazem os mundos onde vivem, j que no os encontram prontos
como uma referncia permanente (VARELA, 1997, p. 60).
Ento, por meio da compreenso de como os seres humanos constroem o mundo em
que vivem, esta investigao tem a inteno de avanar em relao s pesquisas j
desenvolvidas at agora, na perspectiva de refletir e propor algumas alternativas para a
formao de educadores em espaos digitais virtuais, que se configuram no hibridismo
tecnolgico digital, a fim de transformar o mundo em que vivemos no mundo que queremos.
Como se constitui o mundo que queremos no contexto ontolgico dessa pesquisa? Como
podemos caracterizar o plano ontolgico quando criamos um mundo em espaos de natureza
digital virtual?
A humanidade vive um momento histrico e rico, grandes conhecimentos podem ser
construdos no encontro das geraes analgicas e digitais ou no encontro de comunidades
indgenas e comunidades virtuais. As (re)significaes das noes de espao, tempo e a
identidade do ser humano contemporneo contribuem para a fluidez e a permeabilidade das
bordas (territoriais, culturais, sociais, econmicas...). Ao distinguirmos algo no mundo,
definimos bordas que configuram a forma pela qual percebemos a realidade. As definies
das bordas se do num processo de distino em relao ao que est no contexto, sobretudo
nas interaes e relaes com o outro:
[...] por isso que, no cosmos que surge com o nosso operar, tudo ocorre em interaes locais que nos mostram uma arquitetura dinmica que ocorre como um presente cambiante que somente se nos mostra compreensvel desde a inveno do tempo que nos torna possvel a inveno da memria como um aspecto desse presente cambiante no no-tempo (MATURANA; YEZ, 2009, p. 304).
25
No entanto, as bordas, com as (re)significaes do tempo e do espao, cada vez mais
se tornam imperceptveis por meio da capacidade de plasticidade que os seres humanos esto
desenvolvendo tambm com a utilizao das TDV.
La plasticit dun systme sexprime dans la complexit du paysage de ses comportements propres. Le systme changeant au cours de son histoire, un certain chemin est suivi dans ce paysage, mais ce chemin modifie ce paysage (VARELA, 1989, p. 233).
Paradoxalmente aproximamos e distanciamos mundos que sempre coexistiram.
Assim, somos seres humanos que estamos em constante ao, enquanto autores do
mundo que criamos e nos responsabilizando pelo viver e conviver, estabelecendo relaes
permanentes que nos possibilitam conhecer outros mundos. Este conhecer ocorre nos
processos de interao com o outro, sendo este outro algum legtimo com quem se pode
aprender.
Nesta dinmica nos constitumos enquanto seres humanos que somos e que pertencem
a um sistema social. As mudanas sofridas em cada indivduo redundam em mudanas nas
articulaes da rede que formamos com outros indivduos, de maneira que essas
transformaes abrem e fecham possibilidades de articulao na composio ou
decomposio dos prprios sistemas sociais. Os sistemas sociais so feitos por seres humanos
que os constroem na mesma relao em que so construdos por eles. Assim, cada sistema
social nico e particular, pois cada indivduo que o constitui estabelece suas relaes e
interaes a partir da sua ontogenia. Isto traz uma dinmica de transformaes,
principalmente quando estruturados em um espao de natureza digital virtual.
A possibilidade de aproximar pessoas que so constitudas por ontogenias
completamente diferentes, ou ainda, a possibilidade dos seres humanos serem representados
por meio de avatares, que materializam as representaes dos seres humanos no MDV3D de
maneiras metafricas e que sero interpretados por outros avatares nos processos de interao,
certamente constitui um sistema social totalmente diferente, uma inovao para a
humanidade. Dessa forma, [...] a inovao surge como uma rede de conversaes que
entrelaa relaes e operaes que ocorrem em domnios disjuntos dando origem a um novo
domnio relacional e operacional que se revela surpreendente e desejvel ao mesmo tempo
(MATURANA; YEZ, 2009, p. 313).
Os processos de relaes e interaes estabelecidos nos diferentes espaos de natureza
digital virtual so realizados por autores que fazem surgir o seu mundo para serem acoplados
com o mundo do outro, por meio de coerncias operacionais recursivas que trazem as
26
intenes de quem as representa, mas que no so controlveis nem previsveis. Neste
sentido, novas formas de viver e conviver emergem, influenciando e sendo construdas
constantemente pelas novas geraes.
Para Soares (2010), essas transformaes apontam para a percepo de que o caminho
do conhecimento no est definido por mecanismos universais perfeitamente sincronizados,
mas, sim, por fenmenos que se auto-eco-organizam para produzir autonomia, equilbrio,
pluralidades e desordem.
Constitumos e somos constitudos por mltiplas realidades, que podem ser de
diferentes segmentos e de diferentes dimenses. Algumas vezes estas realidades se
encontram, se cruzam, se misturam; outras vezes elas so paralelas, distantes e
imperceptveis. Mas em todos os momentos estes diferentes mundos se constroem de maneira
relacional e articulada. Mesmo que um ser humano no estabelea relaes em um MDV3D,
por exemplo, ele poder configurar convivncias com outros seres humanos que podem se
construir em um MDV3D. Assim, de maneira indireta, pela rede de relaes dinmicas que
estabelecemos, ele estar presente no MDV3D e o MDV3D estar presente na sua construo
ontognica.
Este movimento, que resulta na transformao contnua da humanidade, ocorre devido
ao carter inacabado do ser humano, que se autoproduz em relao aos demais seres humanos
e em congruncia com o meio; dimenso criativa a cada momento em que assume a postura
de autor do mundo em que vive; e, sobretudo, capacidade de mudanas intencionais, quando
capaz de refletir sobre suas aes, sendo autnomo para realizar suas escolhas.
27
1 ORIGEM DO ESTUDO
Como tudo comea? Como tudo termina? Ser que existe um incio e um fim? Talvez
no fluxo do viver e conviver podemos identificar os sinais de perturbao que possam indicar
um possvel incio que nos leva a um possvel fim ou a outro incio. Quando iniciaram as
reflexes sobre o viver e conviver nos processos de ensinar e de aprender na minha
ontogenia? Quando o viver e conviver em espaos digitais virtuais passaram a ser
perceptveis? Sou capaz de identificar alguns sinais, hoje presentes na minha estrutura,
representados a seguir, que resultam em perturbaes no meu viver e conviver enquanto
profissional da educao e que me fazem investigar, refletir e avanar em relao a essas
perturbaes.
1.1 (RE)SIGNIFICAO DO VIVER NA FORMAO DO EDUCADOR: CONTEXTO BRASIL
Ao pensar no processo de formao do educador na sociedade contempornea,
fundamental reconstruir a ontogenia do educador como estudante (sujeito da aprendizagem),
inserido num determinado paradigma e contexto educativo. O educador que somos hoje se
constitui na coordenao de coordenaes5
Diante destas constataes passo a relatar alguns sinais que identifico como
perturbadores na minha histria como estudante e como educadora, sendo que em ambos os
casos me situo enquanto sujeito da aprendizagem. Um sujeito de aprendizagem que viveu em
diferentes tempos e espaos, constituindo relaes entre diversas formas de convivncia e
culturas, conhecendo melhor a si e aos outros.
de nossas aes em constante e contnuo processo
de autoproduo e construo durante a nossa histria. As aes se efetivam por meio das
representaes que construmos com os seres humanos com quem convivemos (passado), do
ser humano que queremos ser, de um vir a ser educador, e do ser humano presente, os quais
esto em congruncia num determinado tempo e espao. Este educador (sujeito da
aprendizagem), alm da sua construo individual, se constitui na construo coletiva, com os
seus educadores, com os seus colegas (outros sujeitos de aprendizagem) e com os estudantes.
5 Para Maturana (2002, p.39), a coordenao de coordenaes est relacionada ao resultado da recurso nas aes, que implica no na ao em si, mas no sentido que esta ao d vida dos seres humanos. A linguagem consiste num exemplo de coordenao de coordenaes, [] os smbolos so justamente algo criado pelo que aponta fora de si mesmo. So coisas que orientam o outro, no para si, mas para uma outra coisa.
28
As lembranas abordadas so reveladoras do significado para o viver, bem como da
escolha sobre o que ser relatado, concordando com Maturana e Varela (2002) quando
escrevem que todo viver um conhecer e todo conhecer um viver.
As minhas lembranas perturbadoras iniciam com o primeiro dia de aula numa escola
na poca especfica para pr-escola, atualmente educao infantil. Esta escola era novidade
para a pequena cidade de Lajeado, localizada no interior do estado do Rio Grande do Sul. Na
ocasio, meu pai me levou at o porto e disse-me para procurar a professora, e foi o que eu
fiz. Fui muito bem acolhida, o que me possibilita hoje conceituar a pr-escola como um
espao ldico e afetivo. Nos anos de 1976 e 1977 frequentei, respectivamente, o jardim e o
pr. As aulas da pr-escola envolviam atividades de msica, teatro, artes plsticas e muitas
brincadeiras. Meu desenvolvimento era acompanhado por um parecer descritivo realizado
bimestralmente, composto por atributos comportamentais. Este cenrio fazia parte de uma
escola particular da Rede Sinodal6
Ao ingressar no ensino fundamental, o cenrio mudou de figura e de cor, passando a
incorporar outros elementos, tais como: o livro didtico, as horas cvicas envolvendo teatros e
danas e os momentos de meditao, tanto na escola quanto na igreja. Este ltimo aspecto
dava-se no contexto de uma escola da Congregao do Imaculado Corao de Maria
. Neste perodo eu tambm frequentava outros ambientes
escolares, ao acompanhar meu pai nas escolas em que trabalhava. Ele era vice-diretor da
Escola Premem, um lugar muito interessante, de arquitetura moderna. Ele tambm lecionava
na Escola Normal Madre Brbara, onde fiz a minha trajetria escolar, lugar grande e srio aos
meus olhos.
7
6 Escolas vinculadas Igreja Evanglica de Confisso Luterana do Brasil - IECLB.
. As
atividades propostas tinham uma nica resposta correta e eram estruturadas a partir do
preenchimento de questionrios, de exerccios de completar frases, de resoluo de problemas
e clculos diversos. Lembro-me de um tema de casa, na 2 srie do ensino fundamental, que
consistia em escrever os nmeros de 1 a 100. Achando o tema muito fcil, decidi escrever os
nmeros de 1 a 100, mas de 10 em 10, ao perceber que eram poucos nmeros, decidi que
deveria escrever de 5 em 5. Apesar da complexidade do processo de construo e da reflexo
que envolveu a criao dessas diferentes hipteses, o tema foi considerado errado e tive de
refaz-lo. Assim como esta atividade, precisei refazer tantas outras sempre que procurava
interpret-las e solucion-las da minha perspectiva. A avaliao dava-se por meio de provas,
7 Escolas vinculadas s Irms do Imaculado Corao de Maria, pertencentes Igreja Catlica Apostlica Romana.
29
finalizando com o conceito, sem nenhum parecer descritivo sobre o processo de
desenvolvimento ou sobre a aprendizagem ocorrida.
Algumas lembranas interessantes me vm mente: a cartilha Ler a jato, com seus
bonitos desenhos; a poesia A bailarina, no livro texto da 2 srie do meu irmo mais velho
(mesmo sem saber ler decorei-a e imitava sua leitura) e a poesia O leilo de jardim, no meu
livro texto de 3 srie, ambas de autoria de Ceclia Meireles; alm de todas as brincadeiras
realizadas na hora do recreio (poste, elstico, cantigas de roda, alerta, escravos de J,).
Nesta ocasio, tive a oportunidade de ter uma colega que veio de Quito, capital do
Equador. Aos olhos de uma criana de 11 anos, ns tnhamos somente trs diferenas bsicas:
a lngua (ela falava espanhol), a forma de se vestir (ela usava cores bastante fortes e vibrantes)
e os traos da origem indgena, pouco comum na Regio do Vale do Taquari, que tem sua
colonizao marcada por descendentes alemes e italianos. Foi meu primeiro contato com
uma cultura peculiar, diferente das culturas que constituam a regio onde eu vivia.
Aps tantas reprodues, com algumas poucas novidades, era chegado o momento de
definir o caminho a seguir no segundo grau, atual ensino mdio: preparao para o vestibular
ou magistrio (seguindo a carreira do meu pai)? Mesmo querendo no reproduzir mais nada,
minha opo foi o magistrio. A valorizao do livro didtico era intensa, mesmo
apresentando pouco significado para os estudantes. Lembro da professora de biologia que ao
falar sobre clula utilizava o ovo como exemplo. Na ocasio no entendi a analogia, afinal,
ovo j era ovo e no precisava ser clula, e por que o atributo clula se era s um ovo?
Perguntar isto para a professora era um absurdo, pois toda vez que interpretava algo
constatava que minha perspectiva era diferente da perspectiva do educador e
consequentemente estava errada. As aulas mais interessantes eram as de geografia e as de
sociologia, nas quais o professor no usava livro didtico, uma ao ousada em 1986 para um
pas que modificava sua forma de regime (Ditadura Militar 1964 a 1985 para Democracia).
Ele falava a aula toda, e ns anotvamos o que entendamos. A prova era composta por cinco
perguntas e as respostas precisavam ser, necessariamente, a nossa compreenso sobre as
informaes trabalhadas, portanto, a significao do conhecimento construdo na interao, a
partir das relaes estabelecidas entre a nova informao e o que j conhecamos
anteriormente. Este professor era meu pai.
Nas aulas de didtica o discurso era para moderar nas figurinhas dos lbuns
produzidos sobre as diferentes reas: portugus, matemtica e estudos sociais. No entanto,
esses lbuns eram verdadeiras alegorias, sempre muito valorizados pelos educadores, apesar
do discurso que apresentava clara contradio. O planejamento de uma aula envolvia um
30
objetivo comportamental, contedos, atividades, avaliao e a culminncia. O curioso que a
culminncia no era resultado da compreenso dos sujeitos da aprendizagem, mas, sim, o
resultado da compreenso da educadora sobre o ensino aplicado. Muitas informaes
importantes eram trabalhadas em aula, mas de pouqussima significao para os estudantes.
Mais tarde, olhando os livros didticos percebi que havia estudado a Epistemologia Gentica
de Jean Piaget e respondido todo um questionrio sobre a temtica.
Com esta formao, a estudante torna-se educadora no estgio, e emerge a partir disso
mais um contexto a ser aprendido: a cultura da escola que recebe a estagiria, os estudantes
que possuem pensamentos prprios e nenhum livro didtico a ser utilizado. Descobri que a
escola estava em transformao e que no havia mais espao para a cultura vivida at ento.
As escolas mais inovadoras, no final dos anos 80 e incio dos anos 90, comeavam a
perceber que as prticas utilizadas no atendiam s necessidades dos estudantes, pois os
ndices de repetncia eram altos. Assim, os educadores passaram a ser o foco no contexto
educacional. Foram intensificadas as ofertas de processos formativos sobre propostas
pedaggicas diferenciadas, fundamentadas, principalmente, na Psicognese da Lngua Escrita,
de Emlia Ferreiro, e na Epistemologia Gentica, de Jean Piaget. Na ocasio, foram
consolidados os estudos desenvolvidos pelo Grupo de Estudos sobre o Ensino da Matemtica
de Porto Alegre (GEEMPA) e pelo Colgio de Aplicao da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Nesse contexto, algumas metodologias desenvolvidas passaram a
ser reconhecidas nas escolas, tais como centros de interesses, plano de unidades e projetos de
ensino. A tecnologia digital tambm comeava a fazer parte do cotidiano das escolas por meio
do uso da Linguagem e Filosofia Logo8
Assim, nas relaes do contexto educativo, ficava evidente, para mim, que ao no
possuir elementos na minha histria para dar conta das necessidades desse contexto eu
precisaria buscar este saber na formao. Ento, como educadora, busquei a graduao do
Curso de Pedagogia na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Pela primeira
vez sa do meu espao geogrfico e cultural para buscar uma formao. O momento, perodo
. Todas essas tendncias passavam pela significao
de cada educador e eram representadas pelas suas prticas pedaggicas diferenciadas. Uma
grande questo emergia desse movimento: como ser diferente sem ter vivido esta nova forma
de aprender?
8 Segundo Backes (2007) Logo no s uma linguagem de programao, mas tambm uma filosofia que surgiu das interaes entre o matemtico Seymour Papert com o bilogo Jean Piaget e dos estudos sobre o problema da inteligncia artificial. Em informtica, Logo uma linguagem de programao interpretada, voltada principalmente para crianas e adolescentes e uma filosofia construtivista. Seymour Papert cofundador do Media Lab no Massachusetts Institute of Technology (MIT).
31
de 1993 a 1996, parecia configurar um movimento de fortalecimento terico e
epistemolgico. Por estar inserida no contexto jesutico9
Em meio a tantas dvidas e poucas certezas, o contexto social configurou novos
contornos, a tecnologia digital se constituiu como valor na sociedade capitalista, passando a
ser elemento de status. Com a intensidade deste movimento surgiu a necessidade de criar
novos espaos formativos, de natureza digital virtual, utilizando a modalidade a distncia.
Nesse sentido, o curso de especializao em Informtica na Educao, realizado na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), contribuiu para que fosse possvel me
familiarizar com as tecnologias digitais virtuais no contexto dos processos de ensino e de
aprendizagem, a identificar suas possibilidades no que diz respeito comunicao, a
interao, a criatividade, a recursos multimdia e hipertextuais, bem como as suas limitaes
no que tange acessibilidade e fragilidade tcnica de um pas de terceiro mundo. Com a
especializao, a minha histria de construo do conhecimento por meio de TDV deu um
salto qualitativo, pois at ento no havia realizado uma reflexo mais significativa sobre
como ensinar e como aprender utilizando essas tecnologias.
, a filosofia ganhava nfase no
processo formativo, principalmente, no que se referia ao pensamento dialtico. As teorias
desenvolvidas por Jean Piaget, Lev Semionovitch Vygotsky e Paulo Freire eram estudadas
com intensidade em quase todas as disciplinas. Estava evidenciado que o sistema tradicional
de ensino no atendia as necessidades do ser humano e as necessidades da nova sociedade que
se configurava a passos largos. Enfim, era preciso (re)significar o contexto educativo e a
pergunta que emergia era: o que exatamente preciso (re)significar?
Iniciam-se grandes movimentos no contexto educativo; a contradio, a diferena e o
dilogo parecem ter um papel especial a fim de dar movimentos necessrios construo do
conhecimento. Paradigmas emergentes caracterizam o cenrio atual, a crtica e a reflexo so
fontes de saberes no que se refere academia. No entanto, ainda no conseguimos resolver o
problema do desinteresse dos estudantes pela escola, da reprovao, da evaso e do baixo
desempenho dos alunos em escolas brasileiras, assim como o da desvalorizao do seu papel
social.
A formao em nvel de mestrado, bem como a participao no Grupo de Pesquisa
Educao Digital GP e-du UNISINOS/CNPq10
9 Os jesutas so os membros da Companhia de Jesus, uma ordem religiosa da Igreja Catlica, fundada por Santo Incio de Loyola. A misso atual o servio da f e a promoo da justia que esta f exige.
, aconteceu neste contexto de reflexo sobre a
educao, o processo formativo do educador e a prtica pedaggica, no mbito da educao
10 Grupo de pesquisa que ser detalhado na reviso da literatura.
32
digital, em tempos de sociedade em rede11
Nesse ambiente desenvolvi a minha dissertao de mestrado, na qual propus atividades
de formao aos educadores, utilizando as TDV (MDV3D, AVA e comunicador instantneo)
no contexto da aprendizagem, com o intuito de investigar o processo de autonomia dos
estudantes (educadores em formao), instigando-os a construir conhecimentos e ser autores
de suas prticas pedaggicas. Os dados empricos coletados no decorrer das interaes
promovidas no processo formativo evidenciaram que a autonomia um processo em
desenvolvimento e se constitui em trs momentos: autonomia individual, autopoiese e a
autonomia social. Nesta evidncia, preciso ressaltar duas consideraes: primeiro, a
autonomia desenvolvida ou inibida na ao do estudante (educador em formao) conforme
sua histria de interao (educacional, social e cultural); segundo, os trs momentos
relacionam-se de maneira dialtica, conforme o grupo de estudantes que interage, as
perturbaes em questo e o desenvolvimento ontognico de cada um dos envolvidos. A
dialtica aprofundada quando inserida no contexto terico da mediao, explorada no
subcaptulo 4.4, nos processos de formao e capacitao do educador no captulo 4, parte II
A Epistemologia da Pesquisa.
, a fim de melhor compreender essa realidade e
refletir sobre as dificuldades existentes na busca pela superao.
No momento em que se promove a autonomia dos estudantes, estamos possibilitando
o desenvolvimento da sua condio de ser autor do seu processo formativo. Assim, o
desenvolvimento do processo de autoria na formao do educador, por meio da utilizao de
TDV, promove o ato de ativar, criar e impulsionar a construo do conhecimento e saberes
docentes para, ento, a construo de uma prtica pedaggica prpria e significativa para os
estudantes. Assim, a autoria tambm um processo que se desenvolve e se manifesta por
meio de trs formas: a pr-autoria, autoria transformadora e a autoria criadora. Estas trs
manifestaes encontram-se relacionadas entre si de forma dialtica e recursiva, e no de
forma linear e hierrquica, pois o processo de autoria prprio de cada ser vivo, assim como
o processo de autonomia, ambos esto relacionadas rede de conversao e histria de
interaes, que se d no coletivo por estar vinculada aceitao, ao reconhecimento do outro
e ao respeito mtuo.
11 Redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades e a difuso da lgica de redes modifica de forma substancial a operao e os resultados dos processos produtivos e de experincia, poder e cultura. Embora a forma de organizao social em redes tenha existido em outros tempos e espaos, o novo paradima da tecnologia da informao fornece a base material para sua expanso penetrante em toda a sua estrutura social(CASTELLS, 2003, p. 565).
33
Esta investigao se desenvolveu a partir do uso da tecnologia de Metaverso, que
possibilita a criao de mundos digitais virtuais on-line, com representao em 3D (MDV3D).
A palavra metaverso um composto das palavras "meta" e "universo". Segundo
Schlemmer e Backes (2008a), a ideia de metaverso surgiu no mbito de uma variedade de
nomes no gnero de fico cyberpunk, tais como descritos pelos autores Rudy Rucker (1981)
e William Gibson (1984). Entretanto, o termo metaverso, em si, foi criado pelo escritor
Neal Stephenson (1992), em um romance ps-moderno, de fico cientfica, intitulado Snow
Crash, no qual foi utilizado para designar um mundo virtual ficcional. Segundo o autor,
metaverso tem carter real, bem como a sua utilidade, pois se trata de uma ampliao do
espao real do mundo fsico dentro de um espao virtual na internet. Conforme Schlemmer e
Backes (2008b, p. 522),
O Metaverso ento, um termo que se constitui no ciberespao e se materializa por meio da criao de Mundos Digitais Virtuais em 3D MDV3D, no qual diferentes espaos para o viver e conviver so representados em 3D, propiciando o surgimento dos mundos paralelos contemporneos.
Ao desenvolver a dissertao de Mestrado foi possvel evidenciar a configurao dos
espaos de convivncia entre estudantes (sujeito da aprendizagem) e os educadores, em vrias
situaes de aprendizagem e espaos formativos. A coordenao de coordenaes, segundo
Maturana (2002), ocorreu em diferentes instncias: estudantes-estudantes, estudantes-
educadores, educadores-educadores, educadores (em formao)-educadores dos educadores.
Tambm ocorreu em espaos como: metaverso, AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem),
comunicador instantneo, aulas da graduao, encontros da ps-graduao e grupo de
pesquisa. Estudantes, educadores e pesquisadores assumem diferentes lugares (quem ensina
tambm aprende e quem aprende tambm ensina) e assumem diferentes posies (um dia
estudante, outro educador e depois pesquisador). Esta coordenao de coordenaes de aes
possibilitou evidenciar a complexidade das relaes e interaes no contexto educativo.
As evidncias foram sistematizadas na coleta de dados realizadas no mestrado por
meio do desenvolvimento de duas atividades complementares12
12 Definida pela Resoluo CNE/CP 02/2002 da UNISINOS como outras formas de atividades acadmico-cientfico-realizao de um conjunto de atividades articuladas com os objetivos que os cursos propem, com o perfil do profissional a ser formado e com os interesses e necessidades dos estudantes. Os cursos de licenciatura integralizaram nos seus currculos 200 horas dessas atividades.
ofertadas para estudantes dos
34
cursos de licenciatura13 e Pedagogia. A complexidade se constituiu na configurao dos
espaos de convivncia entre estudantes e educadores e, nesta configurao, emergiram outras
construes, prprias do espao digital virtual, que podem caracterizar a convivncia digital
virtual. Esta convivncia contribui para a construo da cultura que se d por meio da
formao. Para Maturana (2004, p. 261), cultura :
Sustento que aquilo que conotamos na vida cotidiana, quando falamos de cultura ou de assuntos culturais, uma rede fechada de conversaes que constitui e define uma maneira de convivncia humana como uma rede de coordenaes de emoes e aes. Esta se realiza como uma configurao especial de entrelaamentos do atuar com o emocionar da gente que vive essa cultura.
O viver e conviver, na cultura, algo natural e nos causa poucos estranhamentos,
porque muitas aes esto internalizadas. Assim como a formao contribui para a construo
da cultura, essa formao passa a ser reconstruda pelos contornos da cultura digital virtual.
nesse contexto, a partir de algumas certezas temporrias e muitas dvidas provisrias que
surgiram durante o processo de desenvolvimento da dissertao de mestrado, as quais se
constituram em novos elementos a serem investigados, que dou continuidade, agora em nvel
de doutorado, a esta pesquisa, enfocando a discusso da cultura que emerge nesses processos
formativos.
1.2 (RE)SIGNIFICAO DO VIVER NA FORMAO DO EDUCADOR: CONTEXTO FRANA
Em toda a minha histria de formao, no Brasil, a Frana representou o bero do
socialismo. Alguns tericos importantes, com os quais tive contato literrio, so de
nacionalidade francesa: Ren Descartes (1596-1650), Jean-Jacque Rousseau (1712-1778) e
outros mais contemporneos como Jacques Lacan (1901-1981), Michel Foucault (1926-
1984), Pierre-Flix Guattari (1930-1992), Gilles Deleuze (1925-1995), Claude Lvi-Strauss
(1908-2009) e Pierre Lvy (1956), sendo este ltimo com maior aproximao terica por
abordar temticas relacionadas s tecnologias digitais virtuais. Neste sentido, na minha
compreenso, a Frana era um pas de primeiro mundo muito importante e que poderia ser
considerada uma referncia, apesar de ser distante da minha realidade.
A primeira vez que estive na Frana foi em 2003 e a minha percepo mudou o que
era visto atravs dos olhos de outros, passou a ser visto pelos meus prprios olhos. Na minha
13 As atividades complementares foram ofertadas a todos os cursos de licenciatura e participaram estudantes dos cursos de Filosofia, Letras e Biologia (no primeiro momento). No segundo mometo participaram docentes do UNILNGUAS, setor que promove e coordena os cursos de educao continuada para o ensino de idiomas.
35
percepo, a Frana continuou sendo o bero do socialismo, pois vi manifestaes
organizadas e politizadas, em que todos estavam envolvidos com o objetivo do bem comum.
Encontrei um povo educado, mas que conhecia pouco sobre o Brasil, ou seja, o Brasil era
futebol e carnaval. Nesta ocasio conheci tambm a Frana da moda e da esttica. As cidades
visitadas eram Paris, Nice e Cannes.
Mais tarde, em 2006, conheci o professor Jean-Claude Rgnier (francs) em terras
brasileiras. Nesta ocasio, descobri que os franceses so um povo curioso, abertos a conhecer
novas culturas e a valorizar tudo que originrio de cada tempo e espao. Neste momento
comeamos as primeiras interaes tericas por meio das anlises dos dados obtidos no meu
mestrado e o convite para a professora Nadja Maria Acioly-Rgnier (brasileira), considerada
uma franco-brasileira ou uma brasileira franca, para compor a minha banca de dissertao.
Em 2008, com o incio do doutorado em Educao na UNISINOS, Brasil, foram
retomados os contatos com os professores Jean-Claude e Nadja, a fim de iniciar,
concomitantemente, o processo de cotutela com a Universit Lumire Lyon 2, Frana, no
doutorado em Sciences de lducation. Contrato efetivado, em 2009 foi o momento de ir pela
segunda vez a Frana (cidade de Lyon), durante o perodo de um ms, a fim de realizar curso
de francs, as aproximaes necessrias para a minha formao e o desenvolvimento da
minha pesquisa de doutorado. Encontrei algo que at ento no tinha despertado em mim um
grande interesse: o Institut Universitaire de Formation des Matres (IUFM). Um espao muito
interessante que aos meus olhos desenvolvia uma formao envolvendo diversidade de
conhecimentos e que alternava formao e estgios, ou seja, a relao entre teoria e prtica.
Na ocasio, percebi que algo no estava bem, mas no sabia exatamente o que era.
Mais uma vez o povo francs se destacou pela sua cultura e educao. No entanto algo
mudou, o Brasil do futebol e do carnaval cresceu e se tornou o Brasil do Lula. Como o tempo
de permanncia foi maior que o anterior e o convvio com os franceses foi intensificado,
percebi que aos olhos dos franceses, pela minha aparncia fsica (origem germnica) eu
jamais poderia ser uma brasileira. Fiquei um pouco perturbada, os franceses no sabem como
foi colonizado o Brasil e em alguns momentos acreditavam que a lngua oficial do Brasil era o
espanhol.
Chegou, ento, o grande momento, em 2010 iniciou-se o perodo da cotutela, e a
pessoa certa, no lugar certo e na hora certa embarcou para dar continuidade ao seu processo
formativo, viver e conviver na Frana durante onze meses, os quais se transformaram em um
36
ano e sete meses14
Chegar Frana e ser vista como uma brasileira eu no consegui, mas penso que
consegui dizer para alguns franceses que o Brasil imenso e de uma diversidade jamais vista
em outro lugar. Uma diversidade que nem mesmo muitos dos brasileiros conhecem. Na
Frana, eu conheci um Brasil que eu no imaginava que existia atravs dos diferentes
brasileiros com quem eu convivi. Em setembro de 2010, a revista Le Monde Hors-Srie
lanou um nmero intitulado Brsil: Um gant simpose, me mostrando mais uma vez outro
Brasil, ou seja, o Brasil atravs dos olhos franceses.
. Resumir este perodo impossvel, contar o que foi mais significativo a
difcil tarefa que me cabe agora.
Mas como a Frana atravs dos olhos de uma brasileira? Penso que se faz necessrio
ser mais especfica: uma brasileira, do sul do pas e de origem germnica. Neste contexto
identitrio, escolho falar de uma Frana Social, Frana Educacional e uma Frana
Cultural.
Na Frana Social destaco a imensa simpatia do povo francs a cada vez que falava
sobre o Brasil e sobre os brasileiros; o engajamento de cidados em cada movimento social
organizado que presenciei, como, por exemplo, as manifestaes contra a nova lei de
aposentadoria em 2010; a qualidade do transporte pblico, bem como a sua acessibilidade; as
hortas comunitrias feitas pelos cidados de cada localidade. No entanto, na Frana Social
tambm percebi problemas polticos referentes s diretrizes do atual governo federal e aos
interesses do povo francs; dificuldades com o sistema de sade, que basicamente pblico; e
o problema de imigrao, que s vezes confundido pelos cidados franceses como problema
de delinquncia.
Na Frana Educacional destaco a igualdade em relao ao nvel de conhecimento e
conscientizao dos cidados; a equivalncia de qualidade entre a educao pblica e privada
(educadores de ambos os sistemas de ensino se unem para organizar manifestaes em prol de
reivindicaes para a educao); acesso s informaes e aos conhecimentos de maneira fcil
e gratuita. Alguns problemas srios foram percebidos tambm neste contexto: o fim do IUFM,
o que inicialmente eu identifiquei como algo que no estava bem. A Frana, no ano de 2010,
implementou a reforma Darcos, o que significou um momento crtico e tenso no contexto da
formao de educadores. Esta reforma consiste na realizao de concurso para professores
que tenham formao BAC+5 (equivalente ao mestrado stricto sensu no Brasil), que
atribuiu o nome da reforma de "mastrisation". Assim, a formao de professores deixa de
14 Financiamento da Bolsa do Colgio Doutoral Franco-Brasileiro CAPES.
37
estar fundamentada na perspectiva da alternncia entre prtica (40% atividades de estgio) e
teoria (60% de cursos), proposta pelos Instituts Universitaires de Formation des Matres -
IUFM.
Alm das alteraes em relao formao do educador, marco ainda no superado
para os franceses que acreditavam que o processo formativo proposto no IUFM era referncia,
tambm foi identificado, na observao dos exames preparatrios para o concurso, o
aprofundamento terico dos estudantes com pouca relao prtico-profissional e a crtica em
relao s TDV, que resulta em distanciamento e incompreenso em relao s mesmas. O
olhar brasileiro aproxima-se do olhar francs, em relao a Frana, concordando com Poyet
(2011) ao abordar a tenso existente na utilizao das TDV no contexto da educao.
Ainsi, les jeunes se construisent progressivement une culture numrique avec un vocabulaire spcifique, une orthographe approximative et de nouveaux savoir-faire. linverse, en France, la culture scolaire, en sappuyant sur des rapports hirarchiques (entre enseignants et lves) et des repres spatio-temporals fixes (units de temps et de lieu), peut parate contraignante pour des adolescents, dautant quelle fait appel la persvrance, la continuit, la rigueur et lcoute plus qu laction ou au divertissement du moment (p. 29).
Apesar das crticas em relao as TDV, a resistncia na sua utilizao e do evidente
distanciamento entre as culturas: digital e escolar, o Ministrio da Educao Nacional francs
prope um Certificats Informatique et Internet C2i15
Nos contextos educacionais em que transitei (lUniversit Lumire Lyon 2 e IUFM)
foi possvel observar algumas particularidades, das quais seleciono: a participao em
seminrios em que havia somente um estudante francs, os demais eram todos de outras
nacionalidades; a observao de uma aula em que o educador ocupou todo o seu perodo para
ler o artigo sobre a pesquisa que havia finalizado, destacando o rigor cientfico; a participao
de uma aula do curso Unit d'Enseignement Transversal, com 80 estudantes matriculados,
havendo somente espao para escuta; entre outras particularidades.
, que consiste num atestado das
competncias para a utilizao de ferramentas informticas e de rede. Este atestado dividido
em 2 nveis: C2i niveau 1 (destinado aos estudantes de licenciatura e escola tcnica
profissionalizante) e C2i niveau 2 (destinado aos estudantes de mestrado, ou seja 5 anos de
estudo aps o BAC com provas especficas para cada rea do conhecimento) a partir de
2002. Este atestado considerado importante para ser inserido n