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UNIVERSIDADE E LIGAS CAMPONESAS NA PARAÍBA – EM BUSCA DA
ECOLOGIA DE SABERES
Idayana Aguiar de Meira Lima1
Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
Wanessa Prudêncio Ribeiro2
Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
Profº. Ms. Romero Antônio de Moura Leite3
Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
Resumo
Com a implantação do curso de Pedagogia do Campo no centro de educação da UFPB,
tornou-se necessário levantar questões sobre as lutas no campo (Ligas Camponesas),
fato de suma importância para o desenvolvimento da diversidade cultural e da educação,
onde a universidade exerce um papel de mediadora desse conhecimento, que é tanto
pedagógico como educativo. Nosso objetivo foi analisar a quantidade de trabalhos em
toda universidade a respeito das Ligas Camponesas, visto que foi um fato marcante em
nossa história e para isso foi realizado um levantamento documental de pesquisas,
dissertações, teses e atividades de extensão na UFPB.
Palavras-chave: Diversidade Cultural. Ligas Camponesas. Educação.
1 Aluna do Curso de Pedagogia da UFPB.
2 Aluna do Curso de Pedagogia da UFPB. 3 Mestre em Educação pela UFPB. Professor do Departamento de Fundamentação da Educação da UFPB.
Introdução
Parece-nos que a sociedade tem reconhecido que o campo não está parado, está
vivo e cheio de inquietações, pois a o que nos consta ainda falta um projeto para o
campo e a educação. Segundo Arroyo (2008) o foco de nosso olhar não pode ser
somente a escola, o programa, o currículo, a metodologia, a titulação dos professores.
Como educadores temos de olhar e entender como nesse movimento social vêm se
formando, educando um novo homem, uma nova mulher, criança, jovem e adulto.
Temos que ampliar nossa percepção de mundo para o surgimento de novas
possibilidades de conhecimento, ensino e aprendizagem, percebendo a escola, o que está
brotando, o que há de educativo no conjunto de ações, gestos e lutas do movimento
social do campo. Apesar do processo crescente em que a tecnologia e a globalização
avançam ainda em nossa história domina a imagem de que a escola do campo tem que
ser a escolinha rural das primeiras letras, pois a globalização tem exercido uma
expressão de hierarquia entre os centros e a periferia no contexto mundial. A educação
rural tem que ser colocada na luta pelos direitos, como direito do saber, do
conhecimento, à cultura produzida socialmente. O reconhecimento da diversidade
epistemológica do mundo sugere que a diversidade é também cultural e, em última
instância, traduzindo-se em múltiplas concepções de ser e estar no mundo (SANTOS
2004).
Um pouco dessa história
A primeira das Ligas surgiu no Engenho Galiléia, em Pernambuco, fundada em
1954 sob a denominação da Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de
Pernambuco. A experiência espalhou-se por outros estados nordestinos. Na Paraíba, a
mais conhecida e combativa das Ligas Camponesas existentes foi a de Sapé, fundada
por João Pedro Teixeira, como Associação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas
de Sapé e contava com mais de sete mil sócios. As Ligas Camponesas foram criadas
inicialmente como associações e tinham objetivos definidos: prestar assistência social e
defender direitos de arrendatários, assalariados e pequenos proprietários rurais. Eram
voltadas para iniciativas de ajuda mútua. Passaram a atuar no início da década de 60
como ferramentas de organização do movimento agrário, isso porque a sindicalização
no campo era praticamente inexistente. A ousadia despertou a ira dos latifundiários da
época a ponto de, em 1962, terem sido acusados de mandar matar João Pedro Teixeira.
Ele foi casado com Elizabeth Teixeira, (figura 1) com quem teve 11 filhos. A luta de
Elizabeth Teixeira dentro das Ligas Camponesas, junto ao seu esposo, João Pedro
Teixeira, o fundador das Ligas e entre os camponeses de Sapé, na Paraíba é uma história
de luta, junto ao povo do campo que, mesmo com a morte de João Pedro Teixeira, a fez
continuar.
FIGURA 1
Dois anos depois, o golpe militar de 1964 proibiu o funcionamento das Ligas
Camponesas e interveio nos sindicatos dos trabalhadores rurais. Depois disso, os
camponeses foram torturados, mortos e alguns desaparecidos (figura 2). Os dois
soldados acusados de assassinar João Pedro Teixeira foram libertados. O paraibano João
Pedro Teixeira, fundador da primeira Liga Camponesa na Paraíba, é considerado um
mártir da luta pela terra no Nordeste do país, a exemplo do acreano Chico Mendes, que
se notabilizou na defesa do seringal e do meio ambiente na região amazônica.
FIGURA 2
As Ligas Camponesas escreveram uma das páginas mais importantes de nossa
história, uma história de lutas de trabalhadores que se organizaram sob a bandeira da
defesa dos direitos humanos. O lado triste dessa história foi o sangue com que foi
derramado, sangue de humanos humildes, excluídos pela crueldade dos que exploravam
e ainda exploram esses trabalhadores. As Ligas surgiram para o combate da exploração
a que estavam submetidos os trabalhadores do campo, vítimas de um sofrimento
imposto e patrocinado, sobretudo, por usineiros e senhores de engenho do setor
canavieiro da Paraíba e de todo o Nordeste. Os trabalhadores queriam apenas estender a
legislação trabalhista aos trabalhadores das usinas e dos engenhos. Era ter o direito de
plantar e colher na terra que ele arrendava. Era ter o direito de pagar o foro em dinheiro
e não através do cambão, também conhecido como „canga‟, ou seja, o pagamento do
aluguel da terra com dias de trabalho gratuito. As terras não passavam do entorno do
próprio casebre, não mais do que uma pequena faixa ao redor da casinha de taipa onde o
camponês e a família moravam, onde tinham que trabalhar até quatro dias, por semana,
para o proprietário da terra.
O negócio era tão sério e tão humilhante que o ex-Deputado Assis Lemos,
ícone da luta e da história das Ligas Camponesas na Paraíba e no Nordeste,
escreveu uma vez que o cambão também era sinônimo de “sujeição”,
“obrigação”, “condição” ou “diária” (Informativo Memorial das Ligas
Camponesas, 2010).
Outro detalhe importante da condição de escravo que configurava as relações de
produção no setor canavieiro, e que também motivou o aparecimento das Ligas, era o
salário sob a forma de Vale do Barracão. O barracão era uma bodega, que pertencia ao
proprietário da terra e fornecia a quantidade de gêneros alimentícios suficiente apenas
para manter o camponês vivo e pronto para continuar adubando com o seu suor a
fortuna e o poder dos usineiros. Mercadoria vendida por preços aviltantes, sempre acima
da capacidade de pagar, que o patrão consentia ao camponês, fazendo com que o
trabalhador vivesse eternamente endividado e dependente do barracão e se houvesse a
intenção de ir embora, era preso, torturado e muitas vezes morto nas mãos da polícia ou
dos capangas da usina.
O camponês de ontem e o sem-terra de hoje são protagonistas da mesma
história de exploração, dominação e opressão que o Brasil precisa acabar,
para que assim possa haver progresso, igualdade, fraternidade e justiça
entre todas as pessoas (Informativo Memorial das Ligas Camponesas, 2010).
A Ong – Memorial das Ligas Camponesas, localizada em Sapé na Paraíba tem a
finalidade de resgatar essa história, levando às novas gerações uma oportunidade de se
inserir num cenário antes escondido, mas que consistiu em uma dura realidade de nossa
cidade, de nosso país. (Figura 3)
FIGURA 3
É conhecendo o passado que faremos justiça aos que morreram pela luta por
liberdade, igualdade e justiça, dos que derramaram o sangue pela
democracia (Informativo Memorial das Ligas Camponesas, 2010).
Respeito a novas formas de conhecimento
A pluralidade externa tem admitido que existam outras formas de saberes,
alternativos a ciência moderna, ou a estas se articulam gerando novas fontes de
conhecimento. Mas apesar dessa nova perspectiva, ainda ouvimos falar em
metamorfoses de hierarquia entre os saberes, onde as nomeclaturas enfatizam essa
diferença como; científico e não científico, monocultural/multicultural;
moderno/tradicional; global/local; desenvolvido/subdesenvolvido; avançado/atrasado,
etc. Na realidade o que existe são conhecimentos contextuais e parciais, pois não há
verdades puras, absolutas ou completas, e sim uma diversidade de conhecimentos. O
espaço atribuído a universidade, como campo privilegiado de conhecimento e de
produção, tem nos levado a alguns questionamentos e problematizações, com o
crescimento dos projetos na extensão que são vinculados a sociedade, abre-se um leque
de possibilidades para a defesa de uma diversidade cultural, que nos remete a ecologia
de saberes, uma revolução epistemológica que consiste na promoção do diálogo entre o
saber científico ou humanístico, que a universidade produz, e saberes leigos, populares,
tradicionais, urbanos e camponeses.
A ciência moderna não é a única explicação possível da realidade e não há
sequer qualquer razão científica para a considerar melhor que as
explicações alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou
da poesia. A razão por que privilegiamos hoje uma forma de conhecimento
assente na previsão e no controle dos fenômenos nada tem de científico. É
um juízo de valor (Santos 2003, pág. 83).
O homem precisa superar essa visão de que a cultura do campo é estática,
parada, voltada para a manutenção de valores arcaicos, o movimento social do campo
mostra como incomoda pelo que traz de dinâmico e avançado e, portanto a ecologia de
saberes é a base de criação de comunidades epistêmicas mais amplas que convertam a
universidade em espaço público de interreconhecimento onde os cidadãos e os grupos
sociais podem intervir sem ser exclusivamente aprendizes.
Ao longo dos séculos, as constelações de saberes foram desenvolvendo formas
de articulação entre si e hoje, mais do que nunca, importa construir um modo
verdadeiramente dialógico de engajamento permanente, envolvendo as estruturas do
saber moderno/científico/ocidental às formações nativas/locais/tradicionais de
conhecimento. O desafio é, pois, de luta contra uma monocultura do saber, não apenas
na teoria, mas como uma prática constante do processo de estudo, de pesquisa em ação.
Em suma, pode-se afirmar que a diversidade epistêmica do mundo é potencialmente
infinita, pois todos os conhecimentos são contextuais e parciais. Segundo Masolo, o que
os positivistas, fechados como estão num universo determinista, reducionista e dualista
consideram irracionalismo é, de fato, uma racionalidade mais ampla, aquilo que alguns
autores designam de poliracionalidades.
Que os sujeitos da Educação do Campo sejam sujeitos do campo: os
agricultores, camponeses, assentados, ribeirinhos, lavradores, bóias-frias e roceiros.
Neste sentido, esses grupos sociais necessitam de uma política educacional própria que
atenda e garanta o desenvolvimento cultural e socioeconômico, de maneira a fortalecer
e organizar suas relações sociais legitimando assim, suas identidades e culturas. Uma
educação que viabilize a importância de permanência na terra, valorizando o local e
suas produções; analisando suas dimensões sociais e políticas.
A Educação do Campo precisa contribuir com as mediações do território da
agricultura familiar, aprofundando suas concepções num discurso coletivo que contribua
para desconstrução da relação hierárquica que há entre campo e cidade, propiciando
assim, que haja a concretização de uma complementaridade entre campo e cidade para o
desenvolvimento socioeconômico de uma determinada localidade. Deste modo a
Educação do Campo contribui para a formulação de um pensamento contra
hegemônico, o qual visa a formação de sujeitos capazes de transformação. A Educação
do Campo corrobora com as idéias da Reforma Agrária, da agricultura camponesa e as
da agroecologia popular; quando assume uma postura que luta em contraposição à visão
capitalista de enxergar o campo como local de mão de obra barata a serviço do mercado.
A luta dos Movimentos Sociais Por Uma Educação do Campo não requer somente o
direito à educação, mas o direito de acesso no e do campo. Que de acordo com Caldart
(2002) é definida por: No: o povo tem direito a ser educado no lugar onde vive; Do: o
povo tem o direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com a sua participação,
vinculada à sua cultura e às suas necessidades humanas e sociais. Com vista nisto, não
se trata de uma discussão meramente da comunidade ou de um determinado meio, a
grande questão é de acesso às políticas públicas, pois somente assim, o problema terá
um destaque maior, universalizando a educação como direito de todos os povos do
campo. É claro que a política educacional descrita pelos movimentos sociais está muito
mais utópica do que uma política de possíveis condições de concretização. Pelo fato do
desenvolvimento de suas atividades estarem imersos em relações sociais conflitantes e
excludentes.
Segundo Arroyo (2008) há uma variedade de experiências, com significados
muito diferentes, e o que importa é tentarmos entender estes significados, não para
simplesmente aceitar tudo, mas para juntos nos colocar a seguinte questão: dessas
experiências, quais delas ou que aspectos delas serão constitutivos de uma educação
básica do campo?
O movimento social é mais exigente porque nos coloca no campo dos direitos,
nos leva a indagar a educação com saúde, cooperação, justiça e cidadania. Esse
movimento não é só do homem, ele é de todos: mulheres, homens, crianças, jovens
integrados, acordando e lutando, reconhecendo a história concreta da cada educando, do
coletivo, da diversidade dos gêneros, das raças, das idades. Segundo o 1º artigo (2006)
da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) diz o seguinte: “A educação
abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência
humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”, acrescentando que: “A
educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”.
Segundo Santos (2008) na diversidade do conhecimento e a crença em saberes
não científicos não envolve a descrença em saberes científicos, consiste por uma lado
em explorar práticas científicas alternativas tornadas visíveis pela epistemologia plural
de práticas científicas, e por outro lado, em valorizar a interdependência entre saberes
(científicos e não científicos).
Objetivo
Refletir sobre questões do campo, pois apesar da criação de um curso na
universidade, espaço privilegiado do conhecimento científico vinculado a sociedade, o
debate sobre esse assunto ainda está muito aquém do esperado.
Descrição Metodológica
Foi realizado um levantamento documental de pesquisas, dissertações, teses e
atividades de extensão na UFPB. O tempo utilizado para a conclusão dessa pesquisa foi
de 5 meses, tendo o primeiro mês para observação, os meses de Junho e Julho para
aprofundamento teórico e levantamento dos dados, sob a supervisão do professor
responsável e nos meses seguintes a elaboração do trabalho.
Cronograma
MESES/2010
ATIVIDADES MAIO JUNHO JULHO AGOSTO SETEMBR
Observação
Leitura de textos, artigos
e pesquisas
Levantamento
bibliográfico
Conversas informais com
professores
Elaboração da pesquisa
Resultados
Nesse levantamento bibliográfico, foi concluído que o debate sobre os
movimentos sociais, mais especificamente as Ligas Camponesas, fato marcante em
nossa história, tem se discutido de forma precária na comunidade acadêmica,
principalmente quando se tem um curso voltado para os assuntos e a luta do campo.
Gráfico de Porcentagens por Cursos
Gráfico 1
20%
15%
32,50%
2,50%
7,50%
22,50%
cursosPedagogia
Geografia
Sociologia
História
Economia
Diversos
Conclusão
Trazer para a comunidade universitária a possibilidade da pluralidade de saberes
é um passo importante para se repensar uma educação realmente preocupada com
questões políticas e sociais dos movimentos do campo. O que falta são encontros,
palestras, debates sobre o assunto para que procuremos entender quais são as matrizes
dessa nova Educação Básica do Campo, que já está acontecendo. Em outros termos: O
que está faltando é descobrirmos aqueles núcleos, ou aqueles pilares, ou aquelas
matrizes, que terminarão sendo as vigas mestras que vão construir um projeto de
educação básica. Esta é uma das tarefas centrais neste momento: captar a escola, a
educação que está brotando, captar o que há de educativo no conjunto de ações, gestos,
lutas do movimento social do campo.
REFERÊNCIAS
ARROYO, Miguel Gonzalez. A Educação Básica e o Movimento Social do Campo.
In.______. Por uma educação do campo. Petrópolis: Ed. Vozes, 2008.
BANDEIRA, Lourdes, MIELE, Neide e GODOY, Rosa (Orgs.). Eu marcharei na tua
luta. A vida de Elizabeth Teixeira. João Pessoa: Ed. Universitária -
UFPB/Manufactura, 1997.
CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. São Paulo:
Expressão Popular, 2004, p. 315405.
CANDEIAS, Cezar Nonato B. Pedagogia do Movimento Camponês na Paraíba: Das
Ligas Camponesas aos assentamentos rurais (TESE). Universidade Federal da
Paraíba, 2008.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Ed. Paz e terra, 1975.
Informativo Memorial das Ligas Camponesas. Sapé, Maio/ Junho de 2010. Ed. 1,
Ano I.
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 2006.
SANTOS, Boaventura de S. A ecologia de saberes. In.______. A gramática do tempo:
por uma nova cultura política. 2. Ed. – São Paulo: Cortez, 2008, p. 137-165.
SANTOS, Boaventura de S. Universidade no Século XXI: para uma reforma
democrática e emancipatória da universidade. São Paulo: Cortez, 2004.