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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
NÚBIA SILVIA GUIMARÃES
O TRABALHO COM LITERATURA E O DESENVOLVIMENTO CULTURAL
DE ADULTOS E CRIANÇAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
CAMPINAS
2017
NÚBIA SILVIA GUIMARÃES
O TRABALHO COM LITERATURA E O DESENVOLVIMENTO CULTURAL
DE ADULTOS E CRIANÇAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL.
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Educação, na área de concentração Educação.
Supervisor/Orientador: Profª Drª Ana Luíza Bustamante Smolka O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA NÚBIA SILVIA GUIMARÃES E ORIENTADA PELA PROFª DRª ANA LUÍZA BUSTAMANTE SMOLKA.
CAMPINAS
2017
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO
TESE DE DOUTORADO
O TRABALHO COM LITERATURA E O DESENVOLVIMENTO CULTURAL DE ADULTOS E CRIANÇAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL.
Autora: NÚBIA SILVIA GUIMARÀES
A ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros da Comissão Examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica da aluna.
2017
COMISSÃO JULGADORA:
Prof.ª Dr.ª Ana Luíza Bustamante Smolka Prof.ª Dr.ª Patrícia Corsino Prof.ª Dr.ª Myrtes Dias da Cunha Prof.ª Dr.ª Maria Nazaré da Cruz Prof.ª Dr.ª Gabriela Guarnieri De Campos Tebet
AGRADECER
Gesto tão simples e tão difícil ... (Trans)formar ... Constituir-se...
Apropriar-se...
A constituição se faz também neste momento de elaboração.
Portanto, é essencial registrar as emoções, as sensações, as vivências
traduzidas nas minhas palavras ... Muito obrigada...
À querida Ana, meu sincero agradecimento, por acolher-me neste
grupo de pesquisa de forma tão calorosa, por afetar-me com seu encantamento
e sensibilidade com as questões teóricas, mas, também, pela emoção com que
compreende o espaço e as relações na escola... Grande parceira, conduziu-
me sabiamente nas escolhas certas, desafiando-me diante das tantas
possibilidades de realização deste trabalho! Muito obrigada! Foi uma grande
honra (con)viver com você nestes anos!
À professora Luci Banks Leite, pelo carinho e acolhida generosa
desde a entrevista de seleção e pelos anos que se seguiram! Obrigada por
compartilhar comigo seu saber sempre com sorrisos e abraços afetuosos.
Às professoras Ana Lúcia Horta Nogueira e Lavínia Magiolino, pelas
preciosas considerações nas discussões no grupo de pesquisa. Suas
contribuições também foram fundamentais para a condução e finalização da
pesquisa.
Aos queridos amigos e amigas do GPPL, pelas discussões férteis e
inspiradoras de todos os encontros: à Bia, à Mozilene, à Ermelinda, à Heloíza,
ao Edu, à Ana Flávia, à Maria de Fátima, à Mariana, à Gisele, à Dani Donadon,
à Matilde, à Adriana, à Juliana, à Ana Stela, à Maria Paulínia, à Lila, à Lívia.
Vocês foram essenciais em todos os momentos vividos na Unicamp. Dentre as
amigas e amigos deste grupo, agradeço, especialmente, à Débora pela
disponibilidade tanto para as discussões teóricas quanto para as acolhidas
generosas; à Dani Pampanini, por estar sempre por perto em todos os
momentos; à Dalvane, pela tranquilidade que sempre acalma; à Ana Paula,
querida, por tudo que vivemos juntas; e ao Lauro, pelas lindas poesias que
enchem o coração de alegria e afeto. Levarei comigo o que aprendi com vocês
por toda a vida!
Às professoras Myrtes Dias da Cunha, Patrícia Corsino, Gabriela
Tebet, pelas valiosas sugestões na banca de qualificação e por aceitarem
participar de mais esta etapa na banca de defesa. Os diferentes olhares
cuidadosos para o meu trabalho enriqueceram a sua finalização.
Aos meus pais, Cristóvão e Maria das Dores, por me encherem de
amor, especialmente neste período tão especial da minha vida, e
compreenderem sempre com respeito as minhas ausências tão constantes.
Às minhas filhas, Ana Victória e Luíza, por sempre viverem com
maturidade essa fase da nossa vida, suportando com muito respeito minhas
constantes ausências e por sempre me fortalecerem com seus cuidados
amorosos.
Aos meus irmãos, José, Dani e Flávio, pelo amor e carinho que
sempre tiveram comigo e, especialmente, ao Flávio, que me apoiou em todo
esse tempo, ajudando na rotina diária para que tudo corresse bem.
À minha tia Maria Madalena, com quem, mais uma vez, pude contar
para a realização deste trabalho.
Às profissionais Laís e Lucássia, que aceitaram o desafio em
participar da pesquisa, dedicaram tempo e abriram-se para explorarmos juntas
um campo de possibilidades, assumindo comigo a identidade deste trabalho.
Às crianças do berçário e GI da EMEI Pampulha e às crianças do G
III “E” da EMEI Tibery (Anexo) – e suas famílias por autorizarem a participação
na pesquisa. Seus olhares, modos e gestos de se envolver com/na literatura
estabeleceram conosco uma relação de muito encantamento.
Aos meus colegas de trabalho da Escola de Educação Básica da
Universidade Federal de Uberlândia, especialmente da Educação Infantil, por
concederem a licença capacitação tão necessária para a realização desta
pesquisa. Agradeço, especialmente, minha amiga Luciana Muniz, companheira
que muito me inspirou e colaborou na fase inicial desta trajetória.
Agradeço imensamente ao meu amigo Tiago pelas fortes reflexões
deste tempo e pelo carinho que alimenta e afeta. E às minhas queridas amigas
Letícia e Cleris por cuidarem de mim com amor, me acolherem em cada fase
desta caminhada, especialmente me fortalecendo e encorajando nos
momentos de cansaço. A cada um e a cada uma que esteve comigo nesta
trajetória tão especial e importante da minha vida! Muito obrigada!
“Sou feita de retalhos. Pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela
minha e que vou costurando na alma. Nem sempre bonitos, nem sempre
felizes, mas me acrescentam e me fazem ser quem eu sou.
Em cada encontro, em cada contato, vou ficando maior... Em cada retalho, uma
vida, uma lição, um carinho, uma saudade... que me tornam mais pessoa, mais
humano, mais completo.
E penso que é assim mesmo que a vida se faz: de pedaços de outras gentes
que vão se tornando parte da gente também. E a melhor parte é que nunca
estaremos prontos, finalizados... haverá sempre um retalho novo para adicionar
à alma.
Portanto, obrigado a cada um de vocês, que fazem parte da minha vida e que
me permitem engrandecer minha história com os retalhos deixados em mim.
Que eu também possa deixar pedacinhos de mim pelos caminhos e que eles
possam ser parte das suas histórias.
E que assim, de retalho em retalho, possamos nos tornar, um dia, um imenso
bordado de 'nós'.”
Cora Coralina
RESUMO
Esta pesquisa teve como objetivo problematizar e investigar as possibilidades de trabalho pedagógico com a literatura no âmbito da Educação Infantil. Assumindo os pressupostos de uma perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento humano, e com base, principalmente, nas contribuições de Vigotski (conceitos de desenvolvimento cultural, significação, vivência, novas formações) e Bakhtin (conceitos de alteridade, dialogia, polifonia, exotopia), buscamos investigar os processos constitutivos do desenvolvimento cultural de adultos e crianças em sua inter-relação com o texto literário. O trabalho empírico envolveu a participação da pesquisadora no processo formativo de duas professoras em atuação em uma rede municipal de ensino no estado de Minas Gerais, assim como a (con)vivência da pesquisadora com as referidas professoras e crianças - uma turma de Agrupamento 1, com crianças de 1 e 2 anos; e outra turma de Agrupamento 3, com crianças de 4 e 5 anos - em duas creches públicas. Compartilhando com a pesquisadora o planejamento das atividades diárias, aprofundando o estudo teórico sobre linguagem e desenvolvimento humano, e analisando em conjunto o desenrolar do trabalho realizado, as professoras puderam objetivar o seu fazer cotidiano. O processo de formação articulado às formas de atuação pedagógica constitui-se em um foco relevante da pesquisa, enquanto as análises interpretativas das situações vivenciadas, baseadas na leitura de indícios (Ginzburg), iluminam e dão visibilidade aos gestos mínimos constitutivos do desenvolvimento cultural de professoras e crianças na vivência com a arte literária. Foi possível apreender o trabalho com a literatura na dimensão da arte e da atividade estética, explicitando o potencial criador e (trans)formador desta atividade no desenvolvimento humano. Palavras-chave: Educação Infantil. Desenvolvimento Humano. Literatura. Formação docente. Prática pedagógica.
ABSTRACT
This thesis aims to discuss and to research the possibilities of pedagogical work with literature in th realm of Early Childhood Education. According to the Historical-Cultural approach on the human development, and underpinned by Vigotski‟s contributions (concepts of cultural development, signification, experience, new formations) and Bakhtin (concepts of alterity, dialogism, polyphony, exotopia), we have researched the constitutive process of the cultural development of adults and children in their interrelation with the literary text. The empirical work involved the researcher participation in the formative process of two teachers in a municipal education system in the Minas Gerais state, as well the experience/living of the researcher with the mentioned teachers and children – a group of Agrupamento 1, with 1-2 years-old children, and another group, called Agrupamento 3, with 4-5 years-old children – in two public kindergartens. The teachers got to establish goals and make their routine by sharing with the researcher the planning of the daily activities, deepening the theoretical study about language and human development, and analyzing, together, the work that was made. The fomative process, combined with the pedagogical acting ways, is a relevant focus in this research, and the interpretative analyzis of the experienced situations, based on the reading of indications (Ginzburg), emphasizes and gives notoriety to the minimum constitutive gestures of the cultural development of the teachers and the children during the experience/living in the literary art. Thus, it was possible to apprehend the work with literature in the art and the aesthetic dimensions, explaining the creative and (trans)formative potential of this activity in the human development.
Keywords: Early Childhood Education. Human Development. Literature. Teachers‟ Formation. Teaching Practice.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES Imagem 01 – Capa do livro “O grande rabanete”.................................... 75
Imagem 02 – Capa do livro “Bruxa, Bruxa, venha à minha festa”........... 76
Imagem 03 – Criação de um diálogo – Lara, Bruxinha e o Espantalho 123
Imagem 04 – Participação marcada pelos/nos gestos............................ 124
Imagem 05 – Um convite à educadora.................................................... 125
Imagem 06 – Personagem Cobra - A imagem que provoca.................... 126
Imagem 07 – Crianças e o Lobo Mau...................................................... 129
Imagem 08 – A virada de página............................................................. 130
Imagem 09 – Hipótese confirmada – Chapeuzinho Vermelho................ 131
Imagem 10 – Como brincar com um fantoche 1 – o gesto do adulto...... 134
Imagem 11 – Como brincar com um fantoche 2 - aceite da criança....... 134
Imagem 12 – Como brincar com um fantoche 3 – o fazer junto.............. 135
Imagem 13 – Como brincar com um fantoche 4 – apropriação............... 136
Imagem 14 – Gesto que convoca............................................................ 145
Imagem 15 – Um convite à dramatização................................................ 147
Imagem 16 – História dramatizada.......................................................... 150
Imagem 17 – Capa do livro Muitos Animais............................................. 157
Imagem 18 – Ficha Catalográfica............................................................ 174
Imagem 19 – Dedicatória......................................................................... 175
Imagem 20 – Uma floresta....................................................................... 176
Imagem 21 – Animais.............................................................................. 177
Imagem 22 – Simba, o Leão.................................................................... 177
Imagem 23 – A casinha dos animais....................................................... 178
LISTA DE QUADROS Quadro 01 – Grupo GIII E – Prof.ª Lucássia – Escola Municipal do Bairro Tibery – Ano 2015.......................................................................................
59
Quadro 02 – Turma Agrupamento Berçário Prof.ª Laís – Escola de Educação Infantil do Bairro Pampulha – Ano 2015.....................................
65
SUMÁRIO
1 MARCAS DE UM PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO CULTURAL: A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA..................
14
1.1 A literatura no contexto da Educação Infantil: referenciais, diretrizes, PPPs das escolas/municípios e os projetos das escolas...
30
2 O MOVIMENTO DIALÉTICO DA PESQUISA: (RE)CONSTRUINDO OS CAMINHOS METODOLÓGICOS.........................................................
44
2.1 Um Curso de Especialização: encontros e desejos........................ 47
2.1.1 Das experiências no/com o curso: as professoras como pesquisadoras colaboradoras na pesquisa................................................
54
2.1.2 Os encontros....................................................................................... 55
2.1.3 Lucássia sua escola e as crianças do G III “E”................................... 57
2.1.4 A Escola Municipal de Educação Infantil do Bairro Tibery................. 60
2.1.5 Laís, sua escola e as crianças do berçário e GI................................. 63
2.1.6 A Escola Municipal de Educação Infantil do Bairro Pampulha........... 66
2.2 Projetos de Literatura desenvolvidos nas duas escolas: emergência de possibilidades.................................................................
69
2.3 Os objetos de estudo das profissionais: o encontro com a pesquisadora e o encanto com as crianças...........................................
71
3 DESENVOLVIMENTO CULTURAL NA OBRA DE VIGOTSKY: INTER-RELAÇÕES COM A ARTE LITERÁRIA.....................................................
79
3.1 Anotações sobre o Desenvolvimento Cultural................................ 84
3.2 O problema do meio e o conceito de vivência................................. 89
3.3 As novas formações no processo de desenvolvimento................. 94
3.4 Interfaces do Desenvolvimento com a Literatura Infantil: possibilidades da arte literária................................................................
101
4 A LITERATURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: MODOS DE PARTICIPAÇÃO DE ADULTOS E CRIANÇAS.........................................
113
4.1 Bruxa, Bruxa! Venha à minha festa: o convite à participação das crianças.....................................................................................................
115
4.2 “O grande rabanete”: relações dialéticas nos modos de participação da professora e das crianças............................................
139
4.2.1 Relações estabelecidas: modos de atuação desencadeados............ 141
4.2.2 “Eu sou o ratinho”: desejos e identificações com a história e com personagens................................................................................................
144
4.2.3 Ler, contar, dramatizar: modos distintos coadunam-se em uma história encantada.......................................................................................
149
4.3 “Muitos Animais”: a produção de um conto com as crianças .....................................................................................................................
153
4.3.1 Linguagem dialógica: explicitando um processo mediado................. 161
4.3.2 A experiência e o processo criativo: elementos da realidade............. 170
4.3.3 A composição da ilustração: criações singulares............................... 172
4.4 Distanciar-se, (re)construir-se: retomando algumas questões do processo formativo....................................................................................
179
4.4.1 Laís e arte literária: reflexões e desejos ampliados............................ 180
4.4.2 Lucássia e a arte literária: a linguagem em ação e constituição em sala de aula..................................................................................................
185
CONSIDERAÇÕES SOBRE A PESQUISA E O TRABALHO COM A LITERATURA: MARCAS DO PROCESSO VIVIDO ..................................
189
REFERÊNCIAS........................................................................................... 195
ANEXO I – CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL – PANORAMA GERAL DO CURSO....................
203
ANEXO II – MAPAS BAIRROS – PAMPULHA E TIBERY......................... 204
ANEXO III – MAPA EMEI TIBERY – SEDE E ANEXO............................... 205
ANEXO IV – DESCRIÇÃO DOS TRABALHOS PRODUZIDOS PELAS PROFISSIONAIS.........................................................................................
206
ANEXO V – EPISÓDIOS GRAVADOS NA ESCOLA EMEI TIBERY/PROFESSORA LUCÁSSIA..........................................................
212
ANEXO VI – EPISÓDIO GRAVADO NA ESCOLA EMEI TIBERY............. 218
ANEXO VII – EPISÓDIOS GRAVADOS NA ESCOLA EMEI PAMPULHA – Turma Berçário e GI – Educadora Laís.................................................
231
ANEXO VIII – EPISÓDIO GRAVADO NA ESCOLA EMEI PAMPULHA.... 238
ANEXO IX – LIVRO “MUITOS ANIMAIS”.................................................. 253
14
1 MARCAS DE UM PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO CULTURAL: A
CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA
Arte e vida não são a mesma coisa, mas devem tornar-se algo singular em mim, na unidade da minha responsabilidade (BAKHTIN, 2011, XXXIV).
Em minha experiência de quase vinte anos no espaço escolar,
venho me deparando, encantando-me, e, também, às vezes, indignando-me
com diversas formas de organização do ensino concretizadas no trabalho
pedagógico das escolas. No momento de minha opção pela profissão de
professora, fui tomada por um sentimento de encantamento com as
possibilidades de atuação desse profissional frente às crianças, naquele
momento, principalmente em relação à aquisição da leitura e da escrita.
Entretanto, no decorrer de meu processo formativo, tanto na graduação, quanto
no mestrado, em que estive nas escolas acompanhando seu cotidiano, fui
percebendo as dificuldades encontradas nos espaços escolares no tocante ao
trabalho pedagógico e, consequentemente, à aprendizagem das crianças.
As salas de aula e as escolas nas quais fui me formando professora
estavam aquém de serem consideradas espaços atraentes que conquistavam
as crianças, provocando nelas o desejo de estarem ali. Ademais, estavam
distantes de exercerem um papel que realmente fizesse sentido na vida das
crianças.
Muitos questionamentos acompanhavam-me e faziam-me refletir
sobre o papel que a escola deveria desempenhar na vida dos pequenos. Para
mim, a escola não pode ser apenas um lugar onde as crianças possam passar
o tempo. Por ser um lugar legitimado socialmente para atender crianças e
jovens, precisa estar ciente de sua tarefa e aproveitar melhor a oportunidade
de desenvolvê-las de forma integral, tal como versam os Projetos Políticos
Pedagógicos, as Propostas Curriculares e as Diretrizes para o ensino. Ao longo
de minha experiência no espaço escolar, perguntava-me, a partir das propostas
com as quais me deparava, o que, de fato, significava proporcionar o
desenvolvimento integral das crianças e como elas percebiam esse lugar.
Sentiam-se partícipes do processo educativo, ou apenas recebiam os
“conteúdos” que estavam listados no currículo?
15
A realidade mostrava-me que as crianças estavam na escola, isso
era fato. Mas me chamava a atenção a forma como se estabeleciam as
relações de ensino e aprendizagem e, ainda, o modo como os conhecimentos
eram abordados por adultos e crianças. Por meio das e nas leituras,
discussões e inquietações que já trazia, comecei a questionar-me sobre a
forma como o sujeito (trans)forma-se nas relações que estabelece com o outro,
e, mais tarde, com e na leitura. Os diálogos estabelecidos com as obras e
autores lidos foram sendo (trans)formados e (trans)formando meu jeito de
compreender o mundo e as pessoas.
Os contatos com textos que buscavam explicar as relações e
interações do desenvolvimento humano, principalmente os trabalhos de
Vigotski (1896-1934)1, faziam muito sentido para mim, a ponto de despertar
questionamentos que foram me conduzindo em minha formação acadêmica e
profissional. Os primeiros deles levaram a uma pesquisa de graduação que se
desdobrou na pesquisa de mestrado.
Perguntava-me, a partir das interlocuções que estabelecia com as
leituras que ia fazendo: até que ponto as crianças são objetos de
disciplinarização pela escola e pelos professores? Como as vozes das crianças
poderiam ser ouvidas de forma a contribuir em sua aprendizagem e
desenvolvimento? De que forma seria possível dar voz às crianças na escola e
no conhecimento ali difundido e compartilhado? Como se aprende dentro da
escola com relações tão autoritárias? Qual é o vínculo estabelecido entre os/as
professores/as e suas crianças e como essa relação interfere na
aprendizagem?
Ao ingressar no curso de Pedagogia, já passava por uma
experiência profissional em uma escola pública do município de
Uberlândia/MG, como funcionária da secretaria. Por se tratar de uma escola
pequena, muitas vezes, chegavam até mim queixas dos docentes sobre as
crianças, tanto nos aspectos da aprendizagem, quanto do comportamento. Via,
frequentemente, nessas queixas, mesmo sendo aluna iniciante da graduação,
um tratamento que tornava as crianças “invisíveis”. Elas tinham sob sua
responsabilidade atender às expectativas produzidas pelas/os professoras/es
1 Nesta tese, iremos utilizar a grafia “Vigotski” quando nos referirmos ao autor diretamente,
respeitando as outras grafias de acordo com as obras citadas e as referências utilizadas.
16
acerca da forma de ensinar e aprender. As queixas “eles conversam demais”
eram constantes, e eu me perguntava: como podem aprender sem dialogar uns
com os outros e até mesmo com a professora?
Vinham à tona lembranças de minha experiência como aluna de
escola primária. A forma de tratamento recebida, a rigidez, a invisibilidade que
sentia estando entre quase trintas pessoas. Estranha sensação! Aprender com
o outro, mas sozinho?! Inquietações que me faziam dialogar com as leituras
empreendidas no curso de graduação. O encontro com dois grandes autores
marcou muito minha formação.
O sujeito “assujeitado”, vigiado, produzido no “panóptico” das
“escolas prisões”, que não conseguem fugir ao que o sistema coloca para ser
ensinado e aprendido, conhecido em algumas leituras iniciais de Michel
Foucault, incomodava-me. Recusava-me a aceitar que estava me formando
professora para ser (re)produzida e (re)produzir sujeitos dentro de um sistema
já organizado para isso. Tinha de haver uma saída, eu não poderia fazer parte
desse processo de alienação e subjugação dos sujeitos, crianças com as quais
me iria defrontar em breve. Muitos diálogos, reflexões, estudos e contrapontos
sobre esse mesmo sujeito foram possíveis nas leituras do próprio Foucault
(1989, 1996) e, também, em Certeau (1994).
Durante minha pesquisa de mestrado2, em que busquei investigar a
constituição da relação professor-criança e as implicações dessa relação na
constituição dos sujeitos, principalmente frente ao comportamento disciplinado
ou indisciplinado, tive contato com “práticas educativas” que se justificavam e
iam se tornando “normatizadas” no contexto da escola e da sala de aula. Eram
práticas que me causaram espanto e despertaram tantas outras reflexões.
Dentre as formas de a professora manter a “ordem” na sala de aula ao
estabelecer regras de comportamento, bem como as formas construídas de
punições para aquelas crianças que saíam do padrão de comportamento
estabelecido, em meio às estratégias e táticas3 construídas na convivência no
cotidiano escolar, o “castigo” de levar a criança para fazer cópias de páginas de
2 PAIVA, N. S. G. A (In) Disciplina na Escola e o processo de constituição de sujeitos no
cotidiano da sala de aula. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2005. Sob a orientação da Prof.ª Titular Drª Myrtes Dias da Cunha. 3 Conceitos desenvolvidos pelo historiador Michel de Certeau na obra “A Invenção do
Cotidiano: artes de fazer. 1994”, e que foram fundamentais na análise das ações dos sujeitos em minha pesquisa de mestrado.
17
livros didáticos na biblioteca foi a que mais me causou espanto e despertou
tantos outros questionamentos.
Como podemos tornar a leitura atraente para as crianças se as
educamos por meio de castigo por “mau comportamento”? De que forma
despertar o interesse das crianças pela leitura se utilizamos os livros com tal
finalidade? Como aproximar as crianças do espaço da biblioteca escolar, que
poderia ser considerado um aliado complementar da sala de aula, se elas são
levadas para lá para serem punidas? Como a proposta de promover o
desenvolvimento dessas crianças no que se refere à aprendizagem pode ser
efetivada diante de ações como essas? Como tornar o espaço escolar atraente
para as crianças? Nasciam, ali, indagações que me acompanhariam em meu
desenvolvimento profissional e teriam um papel decisivo em meus modos de
me tornar professora.
Finalizei o mestrado e, diante de tantas contradições e
questionamentos, formei-me professora. E agora? Conseguiria desenvolver
uma prática diferente daquelas que julgava “inadequadas”?
Iniciei minha atuação profissional na Educação Infantil em uma
Escola de Educação Básica4 vinculada a uma Universidade Federal da minha
cidade com uma turma de crianças de cinco anos5. Ao longo de minha
formação e desde que iniciei minha carreira profissional, ancorada em
referenciais teóricos que colocavam a criança como um sujeito ativo diante do
conhecimento que precisa construir e que aprende por meio das relações e
(inter)ações que são ali estabelecidas, enxerguei e busquei possibilidades de
atuação que pudessem transformar o espaço escolar em um lugar atraente e
instigante. Uma situação que provocasse nas crianças o desejo de estarem ali,
que as levassem a se sentir parte e corresponsáveis pelas atividades
desenvolvidas e que despertassem o interesse pelos processos pedagógicos
ali vivenciados, tentando construir, para mim, um sentido de ser professora que
ultrapassasse as experiências anteriores já vividas.
4 Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia. Cargo de Professora do
Ensino Básico Técnico e Tecnológico. Iniciei minha carreira como professora nessa escola no ano de 2005. 5 A Educação Infantil na Escola de Educação Básica/Universidade Federal de Uberlândia é
composta por primeiro período (crianças de 3,5 a 4 anos) e segundo período (crianças de 5 anos).
18
Minha forma de olhar para as crianças com as quais eu estava
atuando fazia-me enxergá-las como sujeitos dotados de expectativas, de
histórias e de formas de compreender o mundo também importantes para as
relações pedagógicas. Desse modo, meu trabalho atrelado à proposta
pedagógica da escola trazia para a sala de aula o encantamento, meu e das
crianças, por aquilo que ali construíamos; colocava-me diante delas como
alguém que também aprendia, alguém que descobria junto com elas os
conhecimentos presentes na proposta curricular. Fazíamos, juntas, o nosso dia
a dia.
Por meio de canções, peças teatrais, projetos de pesquisa,
brincadeiras e jogos, íamos para a escola para vivenciar todas as
possibilidades de descobertas. Preparar a terra, plantar e acompanhar o
crescimento de pés de girassol, feijão, cenoura, estabelecendo as relações
entre as formas de vida e de seu desenvolvimento, bem como suas
características, como altura, formas e cores, registrando tudo isso por meio de
observações sistemáticas em diários de campo. Eram ações condizentes com
a minha forma de conceber o ensino e minha relação com as crianças.
Fazer experiências simulando voos, visitar museus, bibliotecas,
zoológicos, aquários, acompanhar o desenvolvimento de uma lagarta em sala
de aula em todas as suas fases, assistir a filmes e documentários, construir
brinquedos e jogos eram atividades que faziam parte da nossa rotina.
Carregava comigo uma preocupação e uma convicção: a escola pode e precisa
ser atraente para as crianças.
Dentre todas as atividades que marcavam o meu trabalho, a
literatura era algo diário e permanente e colocava-me diante de um
encantamento que me chamava a atenção pela forma como as crianças
recebiam tal momento. Em um ano escolar específico (2010), trabalhei com
uma turma de crianças de cinco anos – segundo período – e fui surpreendida
após contar uma história e dialogar com as crianças sobre esse momento, com
o convite delas para que produzíssemos um teatro.
Eu, prontamente aceitando o convite, oportunizei que as crianças
dessem uma direção ao nosso trabalho. Minha função foi organizar o processo,
auxiliando nas escolhas de personagens, nos momentos de ensaios, nos
materiais de construção de cenários, nos registros diversos explorando o
19
desenho, a escrita, as artes visuais, o contato com outras versões da história,
dentre outras. Para minha surpresa, seguiram-se três meses de trabalho com
desdobramentos em várias atividades, a maioria delas sugeridas pelas
crianças.
Em momentos livres ou dirigidos, a repercussão do teatro aparecia.
Dentre os elementos imaginativos e criativos que surgiram no grupo, estavam a
organização do cenário, do próprio local onde se dariam os ensaios, a
produção de convites e ingressos a serem distribuídos para os convidados a
assistirem à peça. A escrita de nomes dos personagens nas cadeiras,
identificando-as, cartazes, textos, enfim, ocorreu um movimento que me
surpreendeu e provocou-me.
Muitas questões acompanhavam-me durante o processo. Como uma
história pode desencadear tantos desdobramentos em um grupo de crianças?
Quais processos de desenvolvimento estavam sendo desencadeados nos
momentos de criação? O encantamento pela história e por sua encenação
vinha de onde? O que o provocava?
Vivemos intensamente esse processo, entretanto, se não consegui
aprofundar essas questões que me inquietavam naquele momento, elas
despertaram em mim uma atenção especial para a inter-relação entre a
literatura infantil, o trabalho pedagógico na escola e o desenvolvimento das
crianças. A partir desse ano, comecei a prestar mais atenção nos momentos de
“Contação de Histórias”6 e a envolver-me mais em projetos e trabalhos com a
linguagem literária.
A escola em que trabalho possui uma característica diferenciada por
se tratar de um colégio de aplicação7, bem como pelas atribuições do cargo
aos docentes. A atuação da escola no tripé ensino, pesquisa e extensão foi um
diferencial para minha atuação, uma vez que coloca para todos a
responsabilidade em pensar os projetos, o currículo, os espaços e, também,
6 O Projeto Contação de Histórias faz parte do currículo da Educação Infantil da Escola de
Educação Básica da Universidade Federal em questão e passa por todas as turmas. Acontece semanalmente e consiste em contar diferentes histórias para as crianças de modos diversos. 7 Colégios de Aplicação são escolas de Educação Básica vinculadas a Universidades
Brasileiras. São escolas públicas que contam com um diferencial no que se refere à formação de seus docentes, autonomia na construção da proposta curricular, bem como na dedicação da equipe ao trabalho ali desenvolvido, por se tratar de um cargo de dedicação exclusiva.
20
outras questões considerando a gestão democrática, colocando-nos como
agentes responsáveis pelo trabalho ali desenvolvido.
A biblioteca da escola possui uma sala específica para as crianças
menores – Educação Infantil e Alfabetização Inicial –, propondo um trabalho
diferenciado. Embora a relação que a biblioteca propunha na interação com os
livros estivesse distante do que eu considerava interessante para essa faixa
etária, ficava feliz de, pelo menos, elas terem a oportunidade de contar na
grade curricular com a ida semanal à biblioteca.
Entretanto, todas as vezes em que levava minhas crianças àquele
lugar voltava para a sala muito incomodada. A sala era um espaço grande com
mesas e sem livros, tinha um armário com um aparelho de DVD e uma TV, e,
nas paredes, alguns desenhos estereotipados feitos por adultos. Havia uma
pessoa responsável por esse espaço que contava uma história escolhida por
ela e, em seguida, propunha o registro de alguma forma específica. Esse
registro variava entre fazer um desenho ou uma dobradura, e as crianças
tinham de manter silêncio sentadas a mesas semelhantes às da sala de aula.
Diante de meu incômodo com essa situação, propus uma mudança
nesse formato de trabalho, apresentando um projeto, juntamente com outra
colega da minha área, à direção da biblioteca – uma vez que essa direção
pertencia à rede de bibliotecas, e não à escola – e à direção. O projeto foi
aprovado nas duas instâncias, dando-nos autonomia para adequar o espaço da
forma como nele propusemos. Transformamos aquele lugar, tornando-o
realmente próximo ao que considerávamos atraente às crianças.
Trocamos o mobiliário por prateleiras coloridas onde colocamos os
livros expostos de forma que as crianças pudessem ver sua capa. Levamos
tatames onde elas se sentavam ou deitavam sobre as almofadas enquanto
liam. Deixamos apenas duas mesas como opção para aquelas crianças que
por elas se interessassem.
Pude perceber a transformação no interesse das crianças pelos
livros com essas mudanças. A pessoa responsável pelo espaço efetuava os
empréstimos, antes inexistentes e, agora, semanais. A partir de então, a rotina
consistiu em contar uma história, deixar que as crianças explorassem os livros
e, finalmente, efetuar a escolha do livro que seria levado para casa. Embora o
resultado do projeto tenha sido empolgante, lidávamos com a “pobreza” do
21
acervo, pois os livros que o compunham vinham de doações e seleções que
fizemos em nossas salas.
Ademais, a equipe da biblioteca não colocava acervo na sala
disponibilizada para as crianças menores com a justificativa de que os livros
que ali estavam não eram registrados no sistema. Atualmente, essa continua
sendo a luta, melhorar o acervo da biblioteca infantil. A biblioteca da Escola de
Educação Básica (Eseba) pertence ao Sistema de Bibliotecas (SISBI) da
Universidade Federal de Uberlândia. Esse sistema centraliza todas as
atividades de aquisição e processamento técnico, entretanto, mesmo não
pertencendo especificamente à direção da Eseba, a equipe é aberta ao diálogo
e parcerias para melhor atender ao trabalho proposto pelos docentes e,
principalmente, pelos alunos.
Percebendo esses processos de encantamento das crianças com os
livros e as histórias, propus um projeto vinculado à Pró-reitoria de Graduação –
Prograd – que destinava bolsas a estudantes da graduação para
acompanharem o cotidiano da Escola de Educação Básica. O principal objetivo
do projeto era desenvolver o gosto e o hábito de leitura com as crianças, assim
como observar as interações estabelecidas entre elas e as obras literárias. A
proposta visava a contribuir, também, com a formação dos estudantes da
graduação e ampliar o trabalho com a literatura infantil em meu grupo de
crianças do primeiro período no ano de 2013.
Essa foi a ação decisiva que marcou minha carreira docente e que
originou a presente pesquisa. O projeto consistia em desenvolver, ao longo do
ano letivo, ações teórico-práticas envolvendo a literatura infantil de diversas
formas, o que possibilitou ouvir histórias todos os dias, contadas por mim, pelas
crianças, pelas famílias, pelas estagiárias bolsistas, resgatando poesias,
parlendas e trava-línguas do universo cultural de nossas crianças.
(Re)interpretando as histórias ouvidas e brincando com seus personagens, por
meio de fantoches disponibilizados por mim ou confeccionados com as
crianças; (re)significando e recriando as histórias ouvidas por meio de diálogos,
desenhos, pinturas, jogos teatrais e brincadeiras. Muitas dessas atividades
foram provocadas e propostas pelos pequenos. E a criação de um livro de
história marcou o fim do projeto com uma história incrível criada pelo grupo.
22
Na Eseba, todas as salas de aula da Educação Infantil possuem
uma pequena biblioteca constituída por livros doados pelas famílias. Assim, os
livros desse acervo passaram a ser objetos escolhidos em momentos livres,
mesmo entre os brinquedos. O ato de contar história para o colega passou a
ser rotina constante em diversos momentos, cenas que me deixavam
emocionada ao perceber crianças de quatro anos, ou menos, “lendo” e se
constituindo nas experiências significadas com o outro por meio da literatura
infantil.
Sem a oportunidade, ainda, naquele momento, de aprofundar
teoricamente minhas inquietações sobre como a literatura provoca/afeta as
crianças e como esse processo pode promover desenvolvimento, minhas
indagações ainda me acompanhavam. Que poder é esse que a literatura
infantil exerce sobre as crianças, de tal forma a convidá-las para a leitura?
Como as crianças percebem as histórias lidas? Como a literatura afeta as
crianças? Esse afetar promove desenvolvimento? Qual é o teor dessas inter-
relações?
A compreensão de que o sujeito se desenvolve a partir das
(inter)ações históricas e sociais que estabelece com o outro fez surgir novos
questionamentos. Sendo a (inter)ação social e histórica, fundamental no
desenvolvimento da criança, em sua aprendizagem e em seu desenvolvimento,
é preciso estar atento ao que se está ensinando e em como se está ensinando.
Não há como optar por uma abordagem teórica sem levar em conta esses
elementos da prática pedagógica.
Entender que as crianças na escola aprendem por meio da
significação e vivências ali desencadeadas implica questionarmo-nos
constantemente sobre o que estamos oferecendo a elas. Em que e como
minha atuação pedagógica e da minha escola está contribuindo para que as
crianças sejam sujeitos “ativos”8 e criativos no processo de seu próprio
desenvolvimento? Como posso atuar, tendo em vista a perspectiva teórica que
assumo? Em que minha opção teórica sobre o desenvolvimento humano
interfere em minha proposta e atuação pedagógica?
8 A ideia de sujeito ativo não pretende retirar do adulto sua atribuição como mediador do
processo de ensino-aprendizagem, mas reafirmar a importância de a criança compreender o processo e as vivências que tem na escola. Isso se dará apenas se houver espaço para que ela se expresse de diferentes formas.
23
Todos esses questionamentos foram fazendo parte dos meus modos
de ser professora, sendo traduzidos em ações que tentavam considerar as
crianças nas trocas que ali ocorriam. Mesmo ainda sem ter estudos mais
aprofundados sobre a função da linguagem, já percebia que esse elemento é
fundamental em todo o processo ensino-aprendizagem. Portanto, os estudos
que se seguiram foram consolidando uma forma de entender os sujeitos na
escola e foram sendo traduzidos em ações teórico-práticas de minha atuação
profissional.
O ingresso no programa de pós-graduação no curso de doutorado
tornou possível aprofundar os conceitos acerca do desenvolvimento cultural de
adultos e crianças a partir da perspectiva histórico-cultural, que considera o
papel fundamental das vivências9 e da interação social nesse processo. A partir
dessa perspectiva, compreende-se que o sujeito apropria-se dos
conhecimentos produzidos e os tornam próprios a partir de sua relação com o
outro. Sendo assim, assume-se essa compreensão como princípio norteador
para a pesquisa, compreendendo a escola e suas relações como espaço de
situações sociais de desenvolvimento.
Olhar para a Educação Infantil, suas especificidades e
possibilidades no trabalho com as crianças compõe um investimento de grande
valor para nós nos meandros acadêmicos, profissionais e pessoais.
Primeiramente, por acreditar numa educação que acolha as crianças em suas
reais necessidades, que provoque, potencialize, contribua para a formação de
sujeitos de forma segura e tranquila, e, segundo, por sentir-nos
corresponsáveis, nesta pesquisa e na atuação profissional, em problematizar
questões importantes na prática educativa entendendo-a como processo
emancipatório e não coercitivo.
Nossa compreensão sobre os modos de ensinar e aprender na
escola de Educação Infantil perpassa uma concepção que entende a
importância de todos os sujeitos na construção das relações de ensino e
aprendizagem. Os profissionais/docentes compreendidos como sujeitos mais
9 Ao longo desta tese faremos menções a esse conceito que será melhor aprofundado no capítulo 3, ora
no singular “vivência” para referir-nos a um sentido de uma experiência impactante, fundamental, e no plural “vivências” para retratar sucessões de situações que compõe as experiências humanas. Entretanto, na maior parte do texto o sentido atribuído aos dois conceitos refere-se ao termo Perejivânie buscando preservar a ideia que Vigotski construí com esse conceito.
24
experientes da relação educativa carregam consigo a atribuição de organizar,
planejar e desenvolver a proposta pedagógica. Entretanto, não são os únicos
detentores do conhecimento e do saber, eles também aprendem com o
trabalho que realizam e, principalmente, com as crianças. Da mesma forma
ocorre com os pequenos, que possuem um modo próprio de compreender e
estar no mundo. Trazem consigo hipóteses sobre seu funcionamento que
precisam ser levadas em conta e consideradas na organização do trabalho
pedagógico. As relações educativas acontecem, sob nosso ponto de vista, de
um modo dialético, e este é o grande desafio para as escolas e os
profissionais, organizar uma proposta que oportunize e potencialize os saberes
de cada um – professoras/es e crianças, ampliando as possibilidades de
conhecimento de todos.
Atuamos nessa etapa da educação básica há 12 (doze) anos e já
acompanhamos alguns processos e estudos vividos nesse campo da
educação. As disputas e tensões acerca dos discursos e proposições políticas
não são nada banais. Há que se considerar o processo de desenvolvimento
histórico vivido pela Educação Infantil no Brasil em seus avanços e retrocessos
e o jogo de interesse político que se instaura nesse desenrolar.
A regulamentação desse nível de ensino é considerada ainda
recente pelos estudiosos, conquistada, incialmente, na Constituição de 1988, e,
em seguida, na Lei de Diretrizes e Bases de 1996, datando como uma
conquista legal de apenas vinte e um anos, portanto. Trata-se de tempo ainda
insuficiente, a nosso ver, para superar os desafios colocados para os
envolvidos nesse campo.
Vale destacar que o sistema de atendimento às crianças de 0 a 5
anos ainda se apresenta deficiente, pois há muitas crianças fora da escola, o
que pode ser constatado nos índices de atendimento e nas grandes listas de
espera por vagas nas escolas públicas de Educação Infantil10. De acordo com
os números divulgados pela pesquisa do IBGE-Pnad em 2015, das 10,3
10
De acordo com informações obtidas no site do Ministério da Educação MEC - http://portal.mec.gov.br/docman/junho-2014-pdf/15774-ept-relatorio-06062014/file (acesso em: 24/05/2017), o número de matrículas tem crescido significativamente. Entretanto, ainda se sabe que não há uma real informação acerca dessa demanda, uma vez que as porcentagens demonstram apenas o número de matrículas, e não uma comparação entre a demanda e o seu atendimento. No caso da Prefeitura Municipal de Uberlândia, é possível perceber a deficiência no atendimento ao observarmos o tamanho da lista de espera por vagas.
25
milhões de crianças brasileiras com menos de 4 anos, 25,6% (2,6 milhões)
estavam matriculadas em creche ou escola. Já a taxa de frequência de
crianças de 4 a 5 anos é maior, chegando a 84,3.11
Na prefeitura Municipal de Uberlândia, o ingresso das crianças
nessas escolas ocorre por meio de uma espécie de seleção. Todos os anos,
são abertas inscrições para ingresso e/ou transferência na rede. As famílias
que têm interesse em colocar sua criança na escola municipal de Educação
Infantil devem fazer a inscrição pelo sistema disponibilizado pela Secretaria
Municipal de Educação, no período específico, preenchendo as informações
solicitadas e aguardando o resultado.
Outra dificuldade que cabe destacar é a consolidação de estudos e
avanços nas próprias escolas no que se refere à formação docente, à
organização curricular e ao trabalho pedagógico. Ainda nos esbarramos com
questões complexas, dentre elas, ousamos citar a dificuldade da cultura política
fortalecer-se como “políticas de Estado”, e não como “políticas de governo”
(OLIVEIRA, 2011).
O problema encontra-se, sob esse ponto de vista, no sentido de que,
cada vez que se elegem novos governos, em qualquer âmbito, no caso da
Educação Infantil, principalmente no âmbito municipal, mas também Federal,
mudam-se os programas que estavam em vigência. Daí decorrem implicações
concernentes à formação docente, às práticas pedagógicas, à ampliação de
número de vagas etc. Enfim, esse tipo de situação provoca estagnações,
desajustes, confusões e retrocessos em ações teóricas e práticas frente ao
trabalho com as crianças nas escolas de Educação Infantil, trazendo grandes
desafios para todos os profissionais.
Pode-se dizer que a atenção das políticas diretamente mais voltadas
para o atendimento às crianças de 0 a 5 anos, no nível da Educação Infantil,
bem como as conquistas mais efetivas nessa etapa da educação são bastante
recentes. É importante situar que as instituições que atendiam as crianças 0 a
6 anos que foram fundadas do final do século XIX até a década de 80 no
século XX surgiram, inicialmente, em decorrência da entrada das mulheres no
mercado de trabalho, assumindo, desse modo, um caráter assistencialista e
11
http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2017-03/apenas-25-das-criancas-com-menos-de-4-anos-frequentam-creche-ou-escola. Acesso em: 25/05/2017.
26
higienista. Inclusive seu processo de expansão foi fruto de uma construção
social e histórica de muitas lutas das mulheres e de organizações sociais
(KULHMAN, 2000).
A noção de criança e infância tal como concebemos hoje, de um
sujeito de direitos, dotado de expectativas e de possibilidades específicas em
cada fase de seu desenvolvimento, foi construída de acordo com os contextos
sociais e históricos. Portanto, também traz consigo uma complexidade que
ainda não foi superada e coexiste entre políticas, práticas e proposições para a
infância. De um sujeito que não era percebido, considerado ou reconhecido, a
um sujeito que deveria ser corrigido, moldado, preparado, até o
reconhecimento da criança como sujeito histórico, protagonista e cidadão de
direitos, passaram-se muitos séculos.
Cabe destacar que os fatores favoráveis desse modo de tratar a
infância são visíveis, entretanto é importante reconhecer os desafios que se
colocam diante da realidade brasileira, quais sejam, a expansão do
atendimento na faixa de 0 a 3 anos (creche) e a melhoria da qualidade em todo
o segmento de 0 a 5 anos, bem como a formação docente.
Destacamos, aqui, a referência legal a essa regulamentação na
expectativa de situar a discussão sobre esse atendimento que, embora seja
garantido pelas leis e normas de funcionamento, ainda se encontra em fase de
muitas lutas, debates, ampliações e, por que não dizer, também de
retrocessos12.
Diante de avanços, conquistas, grandes e pequenas mudanças, vão
coexistindo conceitos por muitas vezes duais e dicotômicos que perpassam
estudos, pesquisas, políticas e, também, práticas no cotidiano escolar infantil.
Dentre eles, destacam-se a educação pré-escolar e a assistência, a educação
e o cuidado, concepções sobre ensinar e aprender, adulto e criança, que, ainda
12
Aqui nos referimos ao processo de elaboração da BNCC (Base Nacional Curricular Comum) para que todos os sistemas educacionais (federal, estaduais e municipais) pudessem ter elementos curriculares comuns que tornassem a educação escolar um instrumento para maior igualdade e justiça social. Em que pesem as diferentes opiniões a respeito dessa discussão, apontamos como retrocesso o total desrespeito ao trabalho desenvolvido pelos assessores e redatores da primeira e segunda versão da BNCC, situação ocorrida após Michel Temer assumir a presidência da República e substituir as equipes de sua assessoria no Ministério da Educação. O retrocesso, sob nosso ponto de vista, ocorre principalmente pelo fato de que a elaboração do documento vinha sendo construída de forma dialogada com profissionais e estudiosos da infância e por meio de consulta pública. No processo de destituição da equipe de gestão de Dilma Rousseff, quase todo o trabalho anterior foi desconsiderado.
27
nos dias de hoje, representam obstáculos para mudanças nas concepções de
atendimento às crianças pequenas. Trata-se de desafios colocados perante a
concretização das políticas nacionais e locais para a infância e nas práticas
pedagógicas desenvolvidas nas escolas de Educação Infantil.
Ainda que estejamos vivendo um tempo de muitas incertezas
políticas13, acreditamos que, além do investimento em ampliação de
atendimento, que também é fundamental, se considerarmos a legislação e o
número de crianças atendidas, há que se preocupar também com a construção
de um atendimento de qualidade para as crianças. As duas escolas em que
desenvolvemos o trabalho de campo pertencem ao município de
Uberlândia/MG. Uma delas atende crianças14 de 0 a 3 anos (EMEI Tibery –
Anexo) e a outra, crianças de 0 a 5 anos (EMEI Pampulha).
Destacamos que é preciso e necessário retomar constantemente, na
Educação Infantil, investimentos traduzidos em estudos e pesquisas
articulando conceitos no que se refere à concepção de Educação Infantil, à
gestão nacional, à gestão local, tudo isso articulado com as práticas
pedagógicas. De acordo com Kuhlmann (2005), a história das instituições
escolares é a interação de tempos, influência e temas, devendo, portanto, ser
considerada no processo de elaboração de propostas e nos modos de se
pensar a infância. Só assim podemos ter mais chances de sucesso na
compreensão desses elementos.
As redes, sejam elas públicas ou privadas, e seus profissionais têm
como orientação legal a sugestão para que elaborem suas propostas
pedagógicas. Para isso, contam com materiais de apoio os seguintes
documentos: os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
(1998), as Diretrizes Curriculares Nacionais (2009), o Plano Nacional de
Educação – PNE (2001). Além disso, dispõem de autonomia para respaldar
13
Acusações e envolvimento de políticos em escândalos que têm efeitos nas políticas e programas em todas as áreas, inclusive nas educacionais. 14
Vygotski (2012b), ao discutir o problema da idade, diz que não se pode defini-la apenas pela cronologia, mas se devem levar em conta as situações sociais de desenvolvimento, pois são elas que marcam os processos. Ao organizar uma periodização da idade infantil, faz a seguinte distinção: Pós-natal (0 a 2 meses), Primeiro ano (2 meses a 1 ano), Infância temprana (1 aos 3 anos), Idade pré-escolar (3 aos 7 anos), Idade escolar (8 aos 12 anos), Puberdade (14 aos 18 anos), Idade adulta (18 anos – início da idade adulta). Nesta tese, trabalhamos com crianças que consideramos pertencentes ao grupo da Infância temprana. Ressaltamos que essa organização do autor não é fechada ou demarcada de forma rígida, pois depende das situações sociais de desenvolvimento em que as crianças estão inseridas.
28
suas proposições em discussões e teorias de estudiosos de diversos campos
do conhecimento com os quais mais se identifiquem.
Os currículos e proposições para a Educação Infantil são
construídos com base em uma gama de fundamentações. Foge aos limites
deste trabalho tecer uma discussão mais aprofundada acerca da história das
ideias pedagógicas15 que acabam por influenciar os modos de elaboração
dessas propostas, principalmente por corrermos o risco de desviar o foco de
nossa pesquisa. Entretanto, é interessante situar que muitas áreas do
conhecimento, seja a Pedagogia, a Filosofia, a Antropologia, a Sociologia, a
História ou a Psicologia, propuseram-se a pesquisar e a discutir a infância, a
criança e seu desenvolvimento, influenciando na consolidação da própria
pedagogia, entusiasmando e inspirando práticas pedagógicas e modos de
conceber essa criança.
Distintas são as teorias, concepções e, consequentemente, os
modos de conceber a infância em cada área. Inclusive, no interior de cada uma
delas, há diversas correntes e posicionamentos, por vezes até contraditórios,
sobre os quais não será possível aprofundar-se neste trabalho. Importa
destacar, dentre outras contribuições dessas diferentes áreas, a construção de
um novo olhar para a criança, para seu modo de estar no mundo e dele se
apropriar, como um sujeito de direitos que aprende e se desenvolve por meio
da cultura e que precisa estar ativo em seu processo de interação com o
mundo.
As apropriações de estudos e teorias sobre a criança e seu
desenvolvimento de forma aligeirada, sem o conhecimento devido,
principalmente da epistemologia genética ou da perspectiva histórico cultural,
acarretaram muitas confusões e dificuldades no processo de compreensão e
fortalecimento das construções de propostas curriculares.
Eis um grande desafio para nós que atuamos na Educação Infantil,
bem como para formadores, tanto das universidades como das redes e
sistemas de ensino, no que diz respeito à formação continuada: repensar as
políticas de atendimento às crianças, principalmente no campo da formação
docente. Em que pesem a história de instauração e desenvolvimento das
15
Para um aprofundamento nessa questão, ver: SAVIANI (2008); GADOTTI (2003).
29
instituições de Educação Infantil, a configuração histórica e cultural dos modos
de atuação nesses espaços, bem como os desafios que se colocam para
estudiosos e profissionais que ali atuam, ainda acreditamos em possibilidades
de uma educação que respeite adultos as crianças e potencialize seus
processos de desenvolvimento. Nesse sentido, sempre é importante
questionarmo-nos sobre qual é a verdadeira essência do trabalho na Educação
Infantil e termos mais clareza acerca dos nossos objetivos para com as
crianças.
Muitas vezes, esforçamo-nos para propor um trabalho que
consideramos de boa qualidade e que faça a diferença na vida dos pequenos.
Contudo, não se pode negar a história vivida e a constituição de um modo de
conceber as relações de ensino-aprendizagem e a organização escolar. Ou
seja, o movimento dialético de constituição do trabalho pedagógico perpassa
questões advindas da história, da cultura, marcadas por processos políticos de
implementação de propostas nem sempre coerentes com nosso modo de
compreender nosso trabalho.
Consideramos a possibilidade de construir um conceito de currículo,
de espaço e de relações de ensinar e aprender para a Educação Infantil que
rompa com o sentido de norma, de transmissão de conhecimento e que deixe
sobrepor a escola de Educação Infantil como espaço das vivências culturais e,
por assim ser, que se preocupe com a construção dessas vivências. Que
caminhe em direção da construção de um currículo cultural (ÁLVAREZ, 1997).
Ou seja, ciente de suas atribuições, a escola, por meio de seus
profissionais pode oferecer às crianças a oportunidade de experimentarem
juntos a criação, a oportunidade de aprender com o outro. Que permita o
constante repensar no contexto da Educação Infantil, principalmente no tocante
a três questões: a elaboração de diretrizes traduzidas em eixos de trabalho
com as crianças, mas que, como o próprio nome diz, são eixos, e não
formatações a serem reproduzidas; o papel do professor como mediador; e o
papel da criança como coprodutora do seu processo de ensino-aprendizagem.
Considerando as amplas direções e propostas que podemos
construir a partir desses princípios, destacamos como recorte desta pesquisa o
trabalho com a Literatura no cotidiano da Educação Infantil, mais
30
especificamente o desenvolvimento cultural de adultos e crianças na inter-
relação com esse elemento produzido com e na cultura.
1.1 A literatura no contexto da Educação Infantil: referenciais, diretrizes,
PPPs16 das escolas/municípios e os projetos das escolas
Desenvolvemos nosso modo de compreender a escola e o cotidiano
da Educação Infantil construindo uma prática que valoriza a arte em todas as
suas manifestações culturais. A arte literária é uma das linguagens presentes
na cultura, que permeia a vida e pode, também, permear os espaços escolares.
Entretanto, muitas vezes os profissionais e as escolas não sabem como lidar
com ela e qual o melhor caminho para explorá-la. Em vários momentos,
flagramos práticas com a literatura infantil nas escolas em dois grandes
equívocos: ou a utilizando como suporte pedagógico, com fins pedagogizantes
e/ou moralizantes, ou, simplesmente, não dando a ela o devido espaço e a
devida atenção, por vezes deixando os livros trancados em armários com a
justificativa de que podem estragar.
A partir de nosso estudo, é possível afirmar que não há, na
legislação, nas orientações/diretrizes e nem mesmo nas proposições
curriculares em âmbitos municipais, clareza acerca do trabalho com a literatura
no contexto educacional das escolas de Educação Infantil. Os livros chegam
até as escolas, há sugestões, menções acerca da importância de valorização
desse trabalho. No entanto, essas sugestões tornam-se insuficientes
considerando a falta de perceptibilidade desse campo, de modo geral
traduzido, principalmente, no despreparo dos profissionais que se esbarram
com a tarefa de “trabalhar com a literatura” nas escolas.
Contudo, este trabalho fica submetido às experiências que esse
profissional viveu ou não com esse elemento cultural. Desse modo, cada
instituição propõe e desenvolve seu trabalho de acordo com suas
possibilidades. Vão “lutando” como podem, muitas vezes, fazendo um trabalho
que, como diria Vigotski (2010), seria um (des)serviço à formação estética da
criança e ao que a arte literária poderia desencadear. Entretanto, novos rumos
16
PPPs - Projeto Político Pedagógico.
31
podemos construir nessa trajetória. Um fator que já consideramos muito
positivo é o fato de as creches e pré-escolas públicas terem sido incluídas no
Plano Nacional do Livro Didático juntamente com o Programa Nacional de
Biblioteca na Escola.
Durante a pesquisa, pudemos constatar que os livros chegam às
unidades. As duas instituições colaboradoras das pesquisas recebem os livros
do programa, o que verificamos ser um projeto que incluiu praticamente todas
as escolas públicas. Embora seja uma ação que não garanta a
relação/experiência das crianças com a literatura, principalmente por falta de
formação dos profissionais, já é possível considerar um avanço ter livros na
escola. A questão que se coloca a partir daí passa a ser, então: como se pode
desenvolver um trabalho com a literatura que preserve ou considere o papel e
a função da arte na vida das crianças e dos profissionais? Ou seja, de que
modo acolher/incluir a arte literária no currículo, como elemento cultural
produzido historicamente na/pela humanidade preservando e potencializando
seus elementos estéticos?
Desenvolver um trabalho com a arte nessa perspectiva implica,
segundo Ostetto (2007, p. 3), “considerar especificidades de um campo de
conhecimento que não se define pela norma, pois não há regras fixas no modo
de produção da arte, suas linguagens são territórios sem fronteiras.”. Nesse
sentido, é necessário rever nosso modo de compreender a escola, as relações
e o currículo, passando a compreendê-los como elementos vivos e dinâmicos,
pois, para a criança, a arte interessa enquanto processo vivido e marcado na
experiência e no corpo inteiro.
A autora discute a relação entre a arte, tida como (transgressão?),
linguagem por meio de outros processos, e o currículo na Educação Infantil
(normatização?), e propõe-se a pensar nas possibilidades de um trabalho com
a arte no currículo escolar para a Educação Infantil que potencialize as
crianças para a criação, a interpretação, a constituição e o desenvolvimento de
formas de ver o mundo, construídas a partir dos processos de significação de
cada sujeito, únicos, irrepetíveis. Nesse sentido, problematiza as funções da
arte na vida da criança, trazendo críticas e reflexões acerca de algumas
práticas desenvolvidas nas escolas de Educação Infantil no que se refere à
arte.
32
Para nós, a discussão da autora é importante por considerarmos a
Literatura Infantil como uma dimensão da linguagem artística. Portanto, as
críticas feitas pela autora sobre o trabalho com a arte na Educação Infantil
ajudam-nos a pensar modos de conceber também a arte literária. Assim, é
possível pensar que a literatura, na perspectiva da
Arte, na educação, não se resume a momentos e atividades isolados. E, se estamos pretendendo a educação do “ser poético”, implicado na totalidade do olhar, da escuta, do movimento, que se expressa mobilizando todos os sentidos, será importante vermos tais ações como educação estética (mais do que o ensino de arte) que se realiza no dia a dia. Afirmamos, dessa maneira, um princípio que deve atravessar todo o cotidiano, pois tem a ver com atitude e, como disse a atelierista italiana, Vea Vecchi, a dimensão estética de uma proposta educativa “[...] pressupõe um olhar que descobre, que admira e se emociona. É o contrário da indiferença, da negligência e do conformismo” (VECCHI, 2006, p.16, tradução nossa). Trata-se, enfim, de um olhar que dá atenção ao mundo. A presença da arte na Educação Infantil será tanto mais importante, quanto puder contribuir para ampliar o olhar da criança sobre o mundo, a natureza e a cultura, diversificando e enriquecendo suas experiências sensíveis – estéticas, por isso, vitais (OSTETTO, 2007, p. 5).
O professor deve colocar-se como um interlocutor privilegiado que
dá suporte às crianças em suas criações, não abrindo mão do seu papel de
permitir e propiciar a circulação de diferentes significados, de socialização de
bens culturais, sem confundir o respeito com o gosto e a preferência que cada
criança traz de casa, ou o medo de ser impositivo e autoritário com sua função
de mediador e responsável pela ampliação do conhecimento acerca do acervo
cultural produzido pela humanidade. Afirma a autora
Aprende-se a gostar, a ver e ouvir, assim como a combinar materiais, a inventar formas, por isso um dos papéis do professor é abrir canais para o olhar e a escuta sensíveis, disponibilizando repertórios (imagéticos, musicais, literários, cênicos, fílmicos), não apenas para a realização de uma atividade, mas, inclusive, cuidando do visual das salas e dos demais espaços da instituição (OSTETTO, 2007, p. 6).
Desse modo, é imprescindível que o trabalho de professores e
professoras incumba-se a compreender que
33
Alimentar o universo imaginário das crianças, provocando o desejo que faz mover a busca, implica tempo de espera. Não se dá instantaneamente. O tempo linear, que passa controlado pelo adulto, na rotina do trabalho educacional-pedagógico, em regra, não foi e nem está pensado e planejado para acolher a arte, que obedece à espécie de tempo-espera. É preciso tempo para deixar as coisas acontecerem (OSTETTO, 2007, p. 7).
A autora destaca a importância de os educadores, e nós
acrescentamos também os cursos de formação, investirem em
alimentar sua expressão e conectar-se com ela, precisa reconquistar o seu poder imaginativo, se pretende e deseja garantir a criação, a expressão das crianças. A educação do educador é essencial e, no que diz respeito à arte, passa necessariamente pelo reencontro do espaço lúdico dentro de si, pela redescoberta das suas linguagens (perdidas, esquecidas, onde estão?), do seu modo de dizer e expressar o mundo (OSTETTO, 2007, p. 12).
Consideramos o presente estudo fundamental para voltar o olhar
para a literatura infantil com foco nas possibilidades e potencialidades das suas
inter-relações com adultos e crianças de 0 a 3 anos. Partimos da hipótese de
que a literatura pode servir de palco criativo para o desenvolvimento dos
sujeitos no cotidiano escolar. Para sustentar nossa hipótese, assumimos, assim
como Vigotski (1925/1986, p. 110) apud Van Der Veer e Valsiner (2014, p. 44)
o seguinte questionamento:
Como em uma fábula ou conto (em que um pointe que é disjuntivo em relações às linhas de sentimentos anteriores pode levar a pessoa „catastroficamente‟ a um novo sentimento complexo), o mesmo também se aplicava ao domínio das reações comuns, em que algumas reações de baixa intensidade absoluta podiam, de repente, levar a um estado de coisas no qual todo o complexo de reações fica dominado por elas e adquire uma nova qualidade como resultado (grifos dos autores).
Dessa forma, partimos da hipótese, ancorada na perspectiva
vigotskiana, de que ocorrem mudanças qualitativas nos processos de
desenvolvimento cultural vivido por adultos e crianças em suas vivências com a
literatura. E vale destacar, ainda, a preocupação de Vigotsky com a arte e suas
interfaces com o desenvolvimento quando ele busca criar princípios para
34
explicar a natureza dessas reações nos sujeitos para além dos conceitos
estímulo-resposta. Afirma o autor que
Aqui, precisamos considerar a reação de um lado completamente diferente, estudá-la em um novo aspecto, não no papel de uma resposta a um estímulo, mas em um novo papel – o de desviar, inibir, ampliar, direcionar e regular a dinâmica de outras reações (VYGOTSKY, 1926d, p. 105 apud VAN DER VEER e VALSINER, 2014, p. 45).
Ficamos mais convencidas sobre a importância de compreender
esses processos nas crianças quando encontramos a consideração de
Vigotsky de que a arte poderia proporcionar o „gatilho‟ para a síntese da visão
de mundo revisada de uma pessoa quando ela experimenta a catarse em seu
encontro com a arte. Esta pesquisa abarca, portanto, questões relacionadas ao
trabalho com a literatura e à psicologia do desenvolvimento na perspectiva
histórico-cultural.
Nesse campo, há inúmeros trabalhos que apontam, alertam e
confirmam a importância da literatura para a vida, para a escola e para as
crianças. É fundamental citarmos, aqui, Lajolo (1982), que indaga sobre o que
é literatura, passeando por sua escrita poética entre as origens da palavra e os
domínios dessa definição, destacando que “mais que um significado
determinado, o que é próprio da literatura é encenar a própria linguagem” (p.
92).
Lajolo e Zilberman (1988) traçam um panorama sobre a Literatura
Infantil inserida no contexto da história da Literatura Brasileira, apresentando o
processo de desenvolvimento dessa história no Brasil. Complementando essa
abordagem, Coelho (1991a) busca rastrear a gênese e a evolução da Literatura
Infantil situando os dados histórico-culturais que atuaram ou atuam na criação
literária destinada a adultos e crianças e que influenciam na escolha e no
tratamento de seus temas, assuntos, problemáticas, linguagem, estilo etc.
Coelho (1991b) apresenta um estudo trazendo compreensão teórica
acerca da natureza da literatura infantil, situando a inter-relação da “criação
literária como uma manifestação individual que está vinculada ao meio e
momento histórico em que surge e que se caracteriza, em última análise, como
35
um fenômeno de cultura.” (p. 7). A autora fundamenta sua proposta em duas
ideias básicas, que compartilhamos:
1. Literatura é um fenômeno de linguagem17 plasmado por uma experiência vital/cultural direta ou indiretamente ligada a determinado contexto social. 2. Literatura é arte e, como tal, as relações de aprendizagem e vivência, que se estabelecem entre ela e o indivíduo, são fundamentais para que esta alcance sua formação integral [...] Em relação a essa formação, pode-se afirmar que a literatura é a mais importante das artes, pois sua matéria é a palavra, o pensamento, as ideias, a imaginação, - exatamente aquilo que distingue ou define a especificidade do humano (COELHO, 1991, p. 8).
A autora destaca a relação da literatura com a leitura e chama a
atenção para esse aspecto quando se vincula essa arte com a proposta ou a
preocupação com a formação do leitor. Nesse sentido, destacamos trabalhos
mais recentes com foco na presença da Literatura na Educação Infantil, onde
se percebe a clara relação estabelecida entre esses âmbitos, leitura, literatura
e formação do leitor.
É o caso dos trabalhos de Souza (2004), em que são discutidas
várias dimensões do trabalho com a literatura na escola apontando para a
formação do leitor. Souza et al. (2015) e Souza (2016a e b) discutem, nos
vários textos que compõem a coletânea, a importância da literatura no trabalho
com as crianças na escola de Educação Infantil desde os bebês, e também a
formação de professores nessa mesma perspectiva, visando ao alcance de
práticas mais apropriadas para se trabalhar com a literatura nessa fase da vida
das crianças.
Além disso, é importante citar as campanhas de incentivo à leitura
em seus âmbitos federal, estaduais e municipais, bem como os projetos
institucionais desenvolvidos nas escolas onde realizamos a pesquisa de
campo. No que se refere ao âmbito federal em parceria com os Estados, tem-
se o Programa Nacional Biblioteca na Escola – PNBE18, que distribui livros de
17
Grifos da autora. 18
Este programa teve seu início no ano de 1997. Em 2009, foi publicada no Diário Oficial da União a Resolução Nº 7, DE 20 DE MARÇO DE 2009 em substituição a outras resoluções anteriores (Resoluções CD/FNDE nº 5, de 03/04/2007, e nº 20, de 16/05/2008). A resolução de nº 7 regulamenta o modo de funcionamento do programa. Link de acesso à resolução: http://www.fnde.gov.br/fnde/legislacao/resolucoes/item/3292 Atualmente, este programa tem
36
literatura regularmente a fim de suprir as bibliotecas das escolas com obras
literárias. De acordo com informações extraídas do site oficial do Ministério da
Educação (BRASIL, 2016)19, esse programa é desenvolvido desde 1997 e tem
o objetivo de promover o acesso à cultura e o incentivo à leitura nas crianças e
professores por meio da distribuição de acervos de obras de literatura, de
pesquisa e de referência. O processo de atendimento é feito de forma
alternada: ou são contempladas as escolas de Educação Infantil, de Ensino
Fundamental (anos iniciais) e de Educação de Jovens e Adultos, ou são
atendidas as escolas de Ensino Fundamental (anos finais) e de Ensino Médio.
Em cada ano, um grupo é priorizado, alternando-se essa distribuição
anualmente.
Dentre as ações desse programa, estão o PNBE literário, que avalia
e distribui as obras literárias cujos acervos são compostos por textos em prosa
(novelas, contos, crônica, memórias, biografias e teatro, textos em verso
poemas, cantigas, parlendas, adivinhas), por livros de imagens e livros de
história em quadrinhos. Estão também as ações PNBE Periódicos e o PNDE
Professor, ambos com a finalidade de oferecer ao docente obras de caráter
mais formativo, com conteúdo didático e metodológico com o intuito de apoiar a
prática pedagógica dos professores.
No âmbito estadual, está divulgado no site da Secretaria do Estado
de Minas Gerais o Programa Direito ao livro20, à leitura e à criação autoral, que
acontece por meio de diversos projetos e campanhas de incentivo à leitura. A
partir de um diagnóstico da realidade das escolas estaduais, o objetivo desse
programa é fomentar as bibliotecas para tornarem-se espaços de aprendizado
e de leitura. Segundo consta do site, o programa incluirá, também,
investimentos na rede física e no aumento do acervo nas escolas que já
dispõem de uma biblioteca e a criação desse espaço nas unidades que ainda
não o possui. Embora não tenhamos as informações mais precisas acerca da
sofrido alterações com as políticas da atual secretaria do governo, entretanto ainda não foram divulgadas pelo Ministério da Educação mudanças oficiais. http://portal.mec.gov.br/programa-nacional-biblioteca-da-escola. Acesso em: 02/08/2017. 19
Portal do MEC: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12368:programa-nacional-biblioteca-da-escola&catid=309:programa-nacional-biblioteca-da-escola&Itemid=574 acesso em 07/10/2016. 20
Fonte: https://www.educacao.mg.gov.br/component/gmg/page/16995-direito-ao-livro-a-leitura-e-a-criacao-autoral. Acesso em 09/02/2017.
37
implementação dessa política, de acordo com o site há muitos eventos
atendendo editais e concursos, bem como relatos de atividades voltadas para o
trabalho com a aquisição de livros e com o incentivo à leitura na escola.
Ainda que haja escolas de Educação Infantil vinculadas às redes
estaduais e federais, sabe-se que a Lei de Diretrizes de Bases 9394/96 delega
ao município a responsabilidade pelo atendimento a essa etapa da educação
básica. Portanto, a Educação Infantil não está diretamente ligada à rede
estadual de ensino. Consequentemente, não parece estar vinculada ao
programa estadual ora mencionado.
Durante nosso trabalho de campo, constatamos que, de fato, nas
duas escolas de Educação Infantil com as quais estivemos envolvidas por
quase um ano, os livros chegam. De acordo com as experiências
compartilhadas nas escolas, foi possível perceber que se trata de obras de boa
qualidade e que, no caso dessas duas escolas, chegam até às crianças, em
cada uma delas, de um modo distinto. No entanto, faltam espaços mais
acessíveis destinados ao encontro entre as crianças e os livros.
Nessa mesma esfera, no município de Uberlândia, por meio da
análise das diretrizes municipais e da divulgação das ações da secretaria de
educação, não encontramos diretamente no âmbito da coordenação dessa
secretaria nenhuma ação referente a campanhas, programas ou projetos que
se destinam a realizar um trabalho com a literatura. Os programas relacionados
à instância federal e estadual alcançam as escolas de Educação Infantil quanto
ao envio dos livros a essas instituições. Deduzimos, dessa forma, que as
campanhas nacionais de incentivo à leitura não chegam às escolas de
Educação Infantil via políticas diretas que tenham essa finalidade. Entretanto,
tivemos acesso ao Projeto Político-Pedagógico (PPP) das duas escolas onde
realizamos a pesquisa e encontramos nesses documentos menções e
propostas que demonstram uma preocupação com a presença da literatura no
trabalho com as crianças.
Ressaltamos que o trabalho pedagógico é organizado pelos
profissionais que ali estão, sendo eles responsáveis por planejar e pensar as
práticas ali desenvolvidas. Nesse sentido, é necessário fortalecer a formação
docente diante da possibilidade de construção de práticas que respeitem a
criança e potencializem seu desenvolvimento. Constitui-se, nessa medida,
38
nosso entendimento de que o trabalho coletivo pode sinalizar um caminho para
essa tarefa. A instituição que recebe os pequenos, creches ou pré-escolas, foi
ganhando espaço na sociedade como o lugar onde se poderia potencializar a
aprendizagem e o desenvolvimento das crianças, socializando os
conhecimentos historicamente produzidos. Parte-se do pressuposto de que,
estando na escola, irão aprender.
Mas sabemos que não é tão simples assim. Há tensões e conflitos
entre as políticas, o financiamento, o currículo proposto e a efetivação de um
trabalho que, de fato, seja significativo na vida dos pequenos. Prova disso são
todos os programas sociais que rogam por todas as crianças na escola, bem
como a criação dos direitos infantis (UNICEF, 2007), sendo destaque dentre
eles o de que “Todas as crianças têm direito a ter educação”.
Compreendemos a escola de Educação Infantil como espaço e
tempo de promoção do desenvolvimento cultural de adultos e crianças, na
medida em que pode potencializar as expressões, promover a imaginação e
permitir a criação de modos de ser e estar na escola e nas relações
estabelecidas com o conhecimento. Este é o grande desafio.
Queremos explicitar aqui, também, o que buscaremos defender em
toda esta tese acerca da importância do trabalho com a literatura e a criação de
espaços nas escolas de Educação Infantil para a presença constante desse
elemento da cultura no cotidiano escolar. Alertamos, assim como já o fez
Vigotski (2010), que não se trata de “usar” a arte literária com objetivos pré-
definidos, tais como estudo de valores morais ou de questões sociais, ou,
ainda, como meio de ampliar o conhecimento dos alunos acerca de algum
tema específico. Muito menos reduzir esse trabalho à promoção de um
sentimento imediato de prazer e alegria que possa suscitar na criança.
Segundo o autor, a experiência com a arte, e, aqui, destacamos, com a arte
literária, é percebida, sentida, por meio de um trabalho difícil e cansativo do
psiquismo que se desenvolve por meio de uma atividade construtiva
sumamente complexa, ou seja, o expectador ou ouvinte vive com as
impressões externas que lhes são apresentadas pela obra de arte, mas ele
mesmo constrói e cria o objeto estético para o qual se voltam suas posteriores
reações.
39
Por essa razão, defendemos que a literatura, no contexto da
Educação Infantil, é alento, potência e arte, ou seja, pode assumir um papel
muito expressivo no processo educativo e no desenvolvimento de adultos e
crianças. Para explicitar nosso modo de compreender o desenvolvimento
infantil nas interfaces com a literatura, consideramos fundamental aprofundar
nossa discussão acerca desses elementos. Fazemos isso a partir das
produções de Vygotski (1896-1934), autor que compreende a arte como
elemento da vida, fundamental para a potencialização do sujeito em vários
aspectos de seu desenvolvimento cultural.
Nesse viés, Vigotski (1997) ressalta que o desenvolvimento é
eminentemente cultural e está relacionado às interações da criança com o meio
que a circunscreve. Estudos que consideram as interações como fatores
fundamentais no processo de desenvolvimento da criança (GALVÃO, 2000;
DANTAS, 1982; WALLON, 1995) defendem a elaboração do conhecimento
como um processo vivido pelo indivíduo durante toda a sua vida, não estando
pronto ao nascer nem sendo moldado passivamente pelas pressões do meio,
considerando a fundamental importância do mediador nas relações
estabelecidas.
Portanto, o sujeito constrói hipóteses para as experiências que vive
tanto na escola como em outros ambientes que frequenta, vai se
desenvolvendo por meio da interação que estabelece com outras pessoas ou
objetos. Nessa interação, fatores internos – características biológicas – e
externos – o meio em que vive – inter-relacionam-se continuamente, sendo
(res)significados pelo sujeito. De acordo com essa perspectiva, a criança é
vista como exploradora, investigadora, que desempenha um papel ativo na
construção e significação do mundo e de seu próprio desenvolvimento. O
adulto, nesse processo, assume o papel de mediador do conhecimento, e não
o papel central de transmissor, tal como defendido em outras concepções. Vale
destacar, ainda, que esse processo de desenvolvimento ocorre na dimensão
individual a partir das experiências sociais.
Pino (2000), autor que se dedicou a compreender e explicitar a
teoria de Vigotski desenvolvendo pesquisas e evidenciando as “marcas do
humano”, faz importantes discussões a esse respeito e ajuda-nos a entender
como ocorre esse processo à luz da teoria histórico-cultural.
40
[...] Quanto ao termo cultural, trata-se de um conceito entendido e utilizado pelos autores de formas diferentes, o que exige que seja devidamente conceitualizado no contexto próprio em que é utilizado por Vigotski. Especificar bem este termo [é fundamental para precisar o outro, uma vez que a existência social humana pressupõe a passagem da ordem natural para a ordem cultural. Discutir a natureza do social e a maneira como ele se torna constitutivo de um ser cultural é, sem dúvida alguma, um detalhe muito importante da obra de Vigotski, o qual merece uma atenção especial (PINO, 2000, p. 47).
Isso quer dizer que o sujeito vai sendo formado no decorrer de sua
vida ao longo da interação social ou cultural. Consideram-se social e cultural
espaços e grupos como: a família, a escola, os amigos, os lugares que
frequenta, e todas as vivências ocorridas em cada um. Ou seja, à medida que
vive e relaciona-se com as pessoas, vai se constituindo, ao mesmo tempo em
que também participa do processo do outro. Essa relação ocorre por meio da
“trama de significações” (SMOLKA, 2004), que vai sendo constituída nas e por
meio das interações.
A partir desse modo de compreender os processos vividos por
professoras21 e crianças na escola, vimos a literatura infantil como elemento
importante do cotidiano escolar que muito pode contribuir com as situações
vivenciadas na escola, principalmente com o desenvolvimento cultural ali
desencadeado.Com base nessa perspectiva teórica, inter-relacionada com
nossa trajetória acadêmico-profissional, desenvolvemos a pesquisa que
compõe esta tese.
O trabalho de campo foi realizado com a parceria de duas
profissionais a partir de um curso de especialização em docência na Educação
Infantil e de suas atuações nos cargos que ocupavam em duas escolas da rede
municipal de Uberlândia/MG. A pesquisa contou, portanto, com dois eixos de
atuação da pesquisadora. O primeiro foi composto por estudos, orientações e
planejamentos coletivos em encontros sistemáticos com as duas profissionais a
fim de aprofundar os temas em estudo e proposições para o trabalho
pedagógico. O segundo eixo consistiu no acompanhamento do trabalho dessas
profissionais no cotidiano das escolas em que atuavam. Nossa intenção foi
21
Usaremos o termo “professoras”, pois todas as pessoas envolvidas na pesquisa são do sexo feminino.
41
acompanhar o desenvolvimento de adultos e crianças no processo educativo
no que se refere às inter-relações com a literatura.
Sendo assim, o que problematizamos diante dessa realidade e do
aporte teórico que escolhemos para fundamentar esta pesquisa coloca-se com
as seguintes questões: Como profissionais22 de Educação Infantil
desenvolvem seu trabalho com a literatura e desenvolvem-se
profissionalmente nesse processo? E, ainda, como o trabalho que
realizam com a literatura afeta as crianças promovendo seu
desenvolvimento cultural?
A partir da definição no acompanhamento das duas profissionais, a
faixa etária com a qual trabalhavam passou a ser o foco da investigação, mais
especificamente dois grupos: um grupo de Berçário e GI – 0 a 2 anos, e GIII23 –
3 anos – e as vivências com a literatura nas situações ali desencadeadas. Vale
ressaltar que essa etapa da Educação Básica, mais especificamente a faixa
etária que escolhemos (0 a 3 anos), é um campo ainda carente de
investigações. As duas profissionais atuam, cada uma, em uma Escola de
Educação Infantil (EMEI) na rede municipal de Uberlândia, e a composição das
cenas acompanhadas nas escolas ocorreu a partir dos estudos e de
planejamentos coletivos em nosso grupo, que tinha encontros quinzenais.
Dessa forma, o trabalho de campo24 foi sendo (re)configurado de
acordo com a necessidade e o desenvolvimento da pesquisa, não apontando
uma única estratégia para construir o material para análise. Durante a
22
A pesquisa contou com a colaboração de duas profissionais da Educação que possuem a mesma formação, entretanto, por terem sido admitidas na rede municipal de ensino em diferentes processos seletivos, ocupam cargos diferentes e funções específicas nas escolas que atuam. Lucássia Elias Ferreira ocupa o cargo de professora regente de sala. Laís Amaral Marques ocupa o cargo de educadora. Há distinção entre os cargos e as funções exercidas por cada uma. A Prefeitura Municipal de Uberlândia (PMU) faz distinção entre esses cargos por gestão de questões financeiras, uma vez que o cargo de Educador Infantil não pertence à carreira do magistério e, portanto, tem um custo menor aos cofres do município. Mas, no caso dessas duas colegas e do trabalho aqui apresentado, trata-se de uma condição bem semelhante nas atividades com as crianças e na colaboração na pesquisa, uma vez que os dados com elas construídos pautaram-se não na atribuição de seus cargos e funções, mas no planejamento, intervenção no grupo em que atuavam na escola e escrita de relatório monográfico. Detalharemos tais distinções na apresentação dos sujeitos e campo da pesquisa. Escolhemos, portanto, a denominação “profissionais” nos momentos que nos referirmos às duas colaboradoras da pesquisa de forma geral. Essas duas profissionais autorizaram a pesquisadora a utilizar seus nomes verdadeiros no trabalho da pesquisa. Por esta razão decidimos também utilizar os nomes verdadeiros das crianças e das escolas pois acreditamos que essa opção atribui a identidade da pesquisa a todos os envolvidos. 23
GI – Agrupamento Um – GIII – Agrupamento III. 24
Apresentaremos o percurso do trabalho de campo de forma mais completa no capítulo 2.
42
realização da pesquisa, registramos em áudio os encontros coletivos onde
aconteciam os estudos e planejamentos entre a pesquisadora e as duas
profissionais. Acompanhamos a implementação das propostas planejadas
pelas docentes no cotidiano das escolas, e essas ações foram registradas em
vídeo. Os vídeos relevantes para as análises foram transcritos de acordo com a
necessidade da composição do presente relatório. Analisamos, também, os
Trabalhos de Conclusão de Curso das duas profissionais e um momento de
encontro específico em que problematizamos a prática pedagógica de cada
uma delas a fim de compreender seus processos de desenvolvimento.
A escola de Educação Infantil, por meio das (inter)ações ali vividas,
mostrou-se como espaço vivo, rico, latente de possibilidades e potencialidades
para adultos e crianças no que se refere ao seu processo de desenvolvimento
cultural. Ao mesmo tempo em que se luta pela ampliação do atendimento
nessa etapa da Educação Básica, também se organizam formas de trabalho
dialéticas que se manifestam na inter-relação com a cultura literária e o
processo vivido pelos sujeitos dos grupos. Vale, aqui, destacar a discussão de
Abrantes (2011) sobre a escola enquanto lócus de contradições que também
fazem parte de um processo histórico e cultural da própria forma de
organização da sociedade capitalista. Entretanto, destaca o autor que, sendo
parte da sociedade e compondo as contradições a ela inerentes, a escola
também pode ser espaço de resistência, de luta e, portanto, de emancipação
humana.
Apresentamos, nesta tese, um modo de compreender o
desenvolvimento humano a partir de uma perspectiva histórica e cultural,
compreendendo a escola e suas inter-relações como espaço de
(trans)formação de adultos e crianças. Analisamos esse processo a partir das
relações estabelecidas entre adultos e crianças na escola com arte literária.
Na tentativa de traduzir a significação do processo vivido,
organizamos o texto de modo a discutir, na introdução (item 1), o
desenvolvimento cultural da pesquisadora e explicitar a emergência do
problema da pesquisa. No capítulo 2, apresentamos os caminhos
metodológicos construídos, bem como as vivências do campo empírico com a
literatura, o modo como organizamos a investigação, as professoras, as
43
crianças e escolas. Contamos essa história de modo a registrar caminhos e
potências de cada sujeito.
No capítulo 3, construímos um arcabouço teórico a fim de explicitar a
Literatura como instrumento técnico-semiótico e, por isso mesmo, mediador de
processos de desenvolvimento cultural, tendo, na teoria histórico-cultural,
sustentando essa tese em conceitos de Vigotski, quais sejam, vivências,
desenvolvimento cultural, signo e significação, novas formações; e, em Bakhtin,
conceitos como alteridade, dialogia, polifonia, inconclusibilidade, exotopia.
Seguimos, no capítulo 4, apresentando as análises que condensam
processos vividos ao longo da pesquisa e que auxiliam na compreensão de
indícios que ajudam a discutir o desenvolvimento cultural de adultos e crianças
na escola na inter-relação com a arte literária. Nesse capítulo, descrevemos o
processo vivido pelas profissionais, bem como as interfaces do trabalho que
propuseram, repercutido no desenvolvimento cultural das crianças.
No item 5 apresentamos algumas considerações sobre o que foi
possível aprender considerando o trabalho com a literatura na dimensão da
arte, tomando-a como possibilidade vivida/experienciada, entendendo que essa
atividade é um processo que transforma e pode dar origem a novas
necessidades e modos de ser e estar na escola.
Retomamos, no início deste capítulo, a epígrafe com o trecho que
tomamos emprestado de Michael Bakhtin para iniciar o presente texto
ressaltando a unidade de um trabalho e a formação de uma pesquisadora que
busca, de forma singular, assumir a “responsabilidade” em problematizar e
discutir questões fundamentais do trabalho com a literatura para e com as
crianças, fundamentada na arte literária e no cotidiano da escola, entendendo-a
como elemento da vida.
44
2 O MOVIMENTO DIALÉTICO DA PESQUISA: (RE)CONSTRUINDO OS
CAMINHOS METODOLÓGICOS
[...] não se pode observar uma onda sem ter em conta os aspectos complexos que concernem para sua formação e aqueles outros, igualmente complexos, a que essa mesma onda dá lugar. Esses aspectos variam continuamente, pelo que uma onda é sempre diferente de uma outra onda; mas também é verdade que cada onda é igual a uma outra onda, mesmo que não seja aquela que lhe é imediatamente contígua e sucessiva [...] (CALVINO, 1983).
Os princípios da dialética marxista fundamentam nosso modo de
compreender os fenômenos que compõem a constituição humana. Assim como
Palomar deparou-se com a complexidade que envolvia estudar uma onda na
praia, uma vez que essa composição implicava diversos outros aspectos da
natureza na constante constituição de uma onda, também percebemos a
natureza da empreitada a que nos propusemos. Compreender e explicar os
processos desencadeados no desenvolvimento cultural de adultos e
crianças em sua inter-relação com a literatura na Educação Infantil, mais
especificamente em uma turma de berçário e GI (agrupamento 1) e outra
turma de GIII (agrupamento 3), coloca-se para nós como um grande
desafio. Os elementos amalgamados nesse processo são de natureza social e
dialética, e explicitá-los para compreendê-los exige, do pesquisador,
perspicácia e sabedoria que deem conta de reconstruir essa tarefa. Esperamos
conseguir transmitir, por meio do texto escrito, ao menos parte do
encantamento e da complexidade que envolveram todo o processo vivido.
Os caminhos pelos quais a pesquisa foi se delineando redefiniam
formas e ações metodológicas. E, mesmo no processo de escrita da tese, a
intenção de reconstruir os dados da pesquisa para interpretá-los implicou
procedimentos metodológicos que fizeram muita diferença na forma de
organizar o material empírico. Vigotski (2012), sobre o aspecto metodológico,
alerta que o objeto e o método de investigação possuem uma relação muito
estreita e que, portanto, o método deve ser adequado ao problema que se
estuda. Para tanto, é necessário conhecer as peculiaridades do objeto que se
quer apreciar a fim de se construir um método que responda a suas
especificidades. Sobre o desenvolvimento cultural da criança, que Vigotski
45
concebe também como um processo de modificação da conduta, é
imprescindível que se estabeleçam métodos adequados e muito peculiares. E
este texto buscou apresentar nosso esforço nesta direção.
Embora o autor não nos aponte claramente algumas desxas
possibilidades em termos práticos, defende alguns princípios que buscamos
considerar no desenvolvimento desta pesquisa. O autor apresenta a ideia de
pesquisa centrada na possibilidade de explicar os processos pertinentes ao
problema estudado de forma histórica, ou seja, a partir dos princípios da
dialética marxista. “Estudar algo historicamente significa estudá-lo em
movimento. Esta é a exigência fundamental do método dialético” (VYGOTSKY,
2012, p. 67). No nosso caso, trata-se de acompanhar o processo de formação
em curso das duas profissionais e a repercussão de seu trabalho com a arte
literária no desenvolvimento das crianças.
A partir dessa consideração do autor, entendemos que ir para a
escola, acompanhar e participar de seus processos e interações seria a melhor
opção, pois é no chão da escola que se dão as (inter)ações entre crianças e
profissionais que têm em mãos oportunidades interessantes de atuação. Dessa
forma, seria de grande aprendizado conseguir explicitar as relações que ali se
apresentam entre adultos, crianças e a literatura.
Veremos, aqui, os modos como essas relações foram acontecendo.
Durante o período de organização e desenvolvimento deste trabalho,
chegamos a nos indagar sobre os motivos que nos levavam a realizar nossa
pesquisa na escola de Educação Infantil e, ainda, sobre as razões por
escolhermos a literatura e não outro elemento da rotina escolar como foco de
nossa investigação. Ocorre que consideramos a escola como um espaço
socialmente legitimado para adultos e crianças conviverem e compartilharem,
entre si, saberes e vivências. Entretanto vale ressaltar que o espaço escolar é
constituído na figura dos grupos que ali atuam. Profissionais e crianças dão
vida à escola, e é essa dimensão do espaço escolar que ganhou relevância na
construção desta pesquisa.
A partir de nossa atuação profissional e na proposição desta
pesquisa, nos perguntávamos: a literatura infantil aparece no trabalho das
escolas de Educação Infantil? Como aparece? Como se dão essas
(inter)relações na escola? Sabemos que há, ainda, muitas conquistas a serem
46
feitas, mas muitas também já avançaram25. Portanto, escolher a escola de
Educação Infantil como espaço-tempo de pesquisa, de reflexão, debate,
discussão e proposição, foi-nos essencial. À medida que desenvolvemos
pesquisas, problematizamos o papel da escola, colocamos em perspectiva seu
currículo e os modos de trabalho com a literatura na creche e na pré-escola,
acreditamos que podemos contribuir para ampliar as potencialidades de
desenvolvimento de adultos e crianças que ali (con)vivem.
Mesmo percebendo as dificuldades da escola em desenvolver um
trabalho que realmente instigue as crianças e ultrapasse um modo de ensinar e
aprender hierarquizado, consideramos fundamental colocar em perspectiva
essa instituição, apontando para suas possibilidades. Rompendo com um
sistema fechado e ultrapassado que diminui as crianças e impõe uma rotina
entediante e que pouco acrescenta em seu desenvolvimento cultural,
objetivando a construção de processos e interações que, de fato, contribuirão
para que se “desenvolvam de forma integral”. Nesse sentido, esta pesquisa
busca compreender os processos de desenvolvimento cultural de
professoras e crianças no trabalho com a literatura no contexto da
Educação Infantil.
Conforme acompanhamos e registramos as situações vivenciadas
no cotidiano da escola, fomos reelaborando os objetivos da investigação, quais
sejam:
● Acompanhar e observar como professoras/profissionais da
Educação Infantil em uma rede pública de ensino trabalham com a literatura
infantil com suas crianças, que materiais, recursos e conhecimentos elas têm
para o desenvolvimento desse trabalho, e como ele se desdobra em seu
próprio desenvolvimento;
● Investigar os possíveis efeitos do trabalho com literatura infantil
nas crianças e nas professoras por meio de planejamento e acompanhamento
dessas mesmas atividades nas escolas;
● Compreender e aprofundar os sentidos de desenvolvimento
cultural tal como apresentado na obra de Vigotski em sua abrangência e
25
Embora estejamos vivendo um tempo de muitos retrocessos políticos e grandes ataques às conquistas sociais, principalmente na área da educação.
47
complexidade de acordo com o trabalho desenvolvido pelas professoras
envolvidas com a pesquisa;
● Compreender o estatuto da imaginação no desenvolvimento
humano pelas vivências de professoras e crianças na escola e pelo trabalho
registrado com a literatura na Educação Infantil.
A partir desses objetivos, o trabalho de campo foi se delineando e
tomando rumos interessantes de construção de aprendizado mútuo. Os
princípios da pesquisa qualitativa em ciências humanas (FREITAS; SOUZA e
KRAMER, 2007), que considera o rigor científico, entretanto marcado por
procedimentos que deem conta da realidade pesquisada de forma dialética,
ancoraram todas as fases deste trabalho. Esta pesquisa “tem o materialismo
histórico-dialético como pano de fundo e expressa, em seus métodos, o
arcabouço conceitual e as marcas de sua vinculação dialética, conciliada com a
matriz do dialogismo.” (idem, p. 9).
Buscamos compreender os sentidos do trabalho com a arte literária
com crianças pequenas a fim de ampliar, então, as possibilidades de
discussões nessa dimensão.
2.1 Um Curso de Especialização: encontros e desejos
A ideia inicial para a realização da pesquisa de campo era buscar na
rede municipal de Uberlândia/MG escolas de Educação Infantil que tivessem
uma forte atuação no trabalho com Literatura. Como professora de Educação
Infantil na cidade, tínhamos notícias, por meio de cursos e oficinas ministrados
na rede, de que algumas instituições faziam um trabalho interessante nessa
perspectiva.
Inicialmente, pensamos em fazer uma consulta na Secretaria
Municipal de Educação a fim de buscar informações sobre essas escolas e
estabelecer um contato com elas. Partíamos da hipótese de que esse órgão
teria as informações sobre o trabalho pedagógico realizado e poderia, portanto,
48
fazer-nos essa indicação26. Chegamos a planejar um questionário a ser
aplicado em todas as escolas de Educação Infantil do município como
instrumento de sondagem. Por meio dele, pensávamos que poderíamos ter as
informações que precisávamos para encontrar escolas de Educação Infantil da
rede municipal que trabalhassem com Literatura. Nosso interesse era
descobrir, a princípio, quais escolas tinham acesso a livros de literatura infantil,
quais os acervos possuíam e como atuavam com as crianças ao explorar a arte
literária. Tinha-se como escopo observar professoras e crianças em (inter)ação
com a literatura.
Entretanto, os caminhos da pesquisa foram se delineando de outra
forma, e a escolha das escolas acabou seguindo outro critério, hoje percebido
como extremamente rico e diferenciado para a pesquisadora e para os
desdobramentos da pesquisa. No processo de aprovação do projeto de
pesquisa pelo comitê de ética e nos delineamentos dos modos de aproximação
da rede pública, surgiu outra possibilidade que não estava anteriormente
prevista.
Paralelamente ao curso de doutorado, no decorrer do ano de 2015,
ministramos uma disciplina em um curso de especialização27 em Docência na
Educação Infantil oferecido pela Universidade Federal de Uberlândia. Esse
curso era destinado justamente a profissionais, educadoras, supervisoras, vice-
diretoras, diretoras e professoras que estavam atuando na Educação Infantil.
Tratava-se da disciplina Currículo, proposta pedagógica, planejamento e
organização do espaço, do tempo e das rotinas em creches e pré-escolas.
Como atividade do curso, também ficamos responsáveis por orientar os
trabalhos de conclusão de curso de cinco (5) alunas.
Essas alunas tinham interesse em aprofundar os estudos e construir
o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre os temas Literatura infantil e
Linguagem. Dessa forma, já estávamos envolvidas com professoras que
atuavam na Educação Infantil na rede municipal de Uberlândia, e, ao tomar
conhecimento de seus interesses de pesquisa para a construção do Trabalho
26
Essa nossa hipótese foi negada durante o trabalho de campo realizado posteriormente, quando as diretoras responsáveis pelas escolas esclareceram que a Secretaria Municipal de Educação nem tomava conhecimento das propostas pedagógicas ali desenvolvidas. 27
Tabela com quadro geral do curso de especialização em Docência na Educação Infantil em anexo (Anexo I).
49
de Conclusão de Curso, consideramos a possibilidade de convidá-las a serem
nossas parceiras na presente investigação.
Assim, definiram-se também as escolas e a faixa etária com a qual
desenvolveríamos o trabalho de campo. Foi o contexto de experiência do/no
curso de especialização, e o fato de as professoras cursistas serem também
professoras da rede, interessadas em estudar, interessadas em conhecer mais
sobre linguagem e literatura, que propiciou esse jogo de posições e essa
condição de pesquisa. Dessa maneira, reconfiguraram-se dialeticamente nosso
objeto, os objetivos e redefiniram-se os métodos da pesquisa. Dentre os
objetivos anunciados anteriormente, somou-se a proposta de também
acompanhar e compreender o envolvimento e as experiências (BENJAMIN,
2002) das colaboradoras da pesquisa, uma vez que as profissionais iriam
estudar, planejar e intervir na realidade em que atuavam a partir de temas de
seus interesses, linguagem e literatura. E esses temas também eram de
interesse da pesquisadora.
Já fazíamos encontros periódicos com as cursistas, discutindo
questões de métodos e propostas de intervenções que teriam de realizar nas
escolas. Em um desses encontros, fizemos o convite para a participação como
colaboradoras na presente pesquisa, e obtivemos o aceite meio desconfiado, a
princípio, de todas elas. Entretanto, antes mesmo de iniciarmos o trabalho de
parceria, três das cinco cursistas deixaram o curso de especialização por
motivos diversos. Duas foram reprovadas em uma disciplina, o que já as
eliminava, e uma delas deixou o curso por questões pessoais.
Dessa forma, continuamos o trabalho com duas profissionais. Em
anexo (I), podem-se encontrar as informações gerais sobre o curso de
especialização e situar o objetivo geral de formação, bem como o eixo em que
se enquadra o Trabalho de Conclusão de Curso, e, consequentemente, onde
se constitui a parceria entre as profissionais e a pesquisadora.
A partir desse contexto geral, um curso de formação profissional,
que prevê elaborações teórico-práticas de âmbito da formação mais ampliada
das profissionais, surgiu a ideia de acompanhar as dimensões sociais
desencadeadas nas dimensões individuais nesse processo formativo. As
dimensões sociais e individuais podem ser compreendidas estabelecendo
relações entre o curso de especialização, a formação profissional específica de
50
cada uma delas e o reflexo, o impacto disso na escola, na sala de aula e no
trabalho com as crianças. Há que se considerar, também, o retorno disso para
as dimensões coletivas dos nossos encontros e para as reelaborações
marcadas, constituídas nesse processo e no desenvolvimento das propostas
de intervenção que aconteceram nas escolas no segundo semestre de 2015.
Vale ressaltar que o mais importante no processo vivido não foi o
curso de especialização em si, ele se tornou um elemento inicial de encontro,
mas se destaca o trabalho coletivo construído entre as colaboradoras da
pesquisa e a pesquisadora no decorrer de todo o processo. Tratou-se,
portanto, de uma pesquisa colaborativa.
A fim de alcançar os objetivos traçados para a pesquisa, o trabalho
de campo constituiu-se a partir de princípios da pesquisa qualitativa, pautado
numa metodologia dialética, entendendo-a como uma maneira de pensar
elaborada em função da necessidade de reconhecermos a constante
emergência do novo na realidade humana (KONDER, 2008, p. 38). Assim,
articulamos o trabalho de campo buscando construir um diálogo de modo a
articular três frentes: o processo formativo das profissionais; o
desdobramento deste trabalho na sala de aula e nas propostas trazidas
para e com as crianças; e, por fim, como o trabalho com a literatura
infantil afeta as crianças e seus modos de participação.
Para reconhecer as totalidades em que a realidade está efetivamente articulada (em vez de inventar totalidades e procurar enquadrar nelas a realidade) o pensamento dialético é obrigado a um paciente trabalho: é obrigado a identificar, com esforço, gradualmente, as contradições concretas e as mediações específicas que constituem o “tecido” de cada totalidade, que dão „vida‟ a cada totalidade (KONDER, 2008, p. 44).
Os princípios teórico-metodológicos que se afirmaram nas práticas
de condução da pesquisa sustentaram uma forma de se organizar esse
processo. Portanto, foram registrados por meio de:
a. Encontros regulares para estudos e orientação do trabalho de
conclusão de curso;
51
b. Planejamento entre a pesquisadora e as profissionais de acordo
com a necessidade de cada uma;
c. Acompanhamento da rotina e do desenvolvimento da proposta de
intervenção no trabalho dessas profissionais na escola, buscando capturar os
modos de participação das crianças com a literatura;
d. Gravação em vídeo das vivências na escola;
e. Análise conjunta de situações vivenciadas inspirada na proposta
de autoconfrontação cruzada (CLOT, 2010);28
f. Registro em diário de campo e produção de notas de campo29;
g. Construção de instrumentos de análise a fim de reconstruir as
fases da pesquisa e explicitar o problema de estudo;
h. Análise dos Trabalhos de Conclusão de Curso como forma
materializada de elaboração de pensamento e registro do próprio
desenvolvimento das professoras – A escrita como ferramenta
desencadeadora de processos de desenvolvimento;
i. Construção de categorias de análises a partir dos dados
(re)construídos.
Os instrumentos técnicos semióticos que subsidiaram todas as
ações foram o gravador para os registros em áudio; diário de campo da
pesquisadora para acompanhamento e registros das situações; e câmera para
registro em vídeo. Registramos vários momentos da rotina das crianças,
entretanto utilizaremos para análise apenas os que estão diretamente
relacionados com as vivências com a literatura infantil.
Destacamos que o registro em vídeo permite ao pesquisador
historiar as situações vividas no cotidiano a partir da possibilidade de retomar
“a posteriori” os acontecimentos, cruzando esses registros com as percepções
e anotações feitas em diário de campo. Nesse processo, é possível captar e
apontar as nuances das (inter)ações ali presentes, o que muito pode contribuir
com a construção do conhecimento sobre o objeto estudado.
28
Detalhes sobre esta metodologia serão apresentados a seguir. 29
A produção de notas de campo aqui mencionada é inspirada em estudos com orientação etnográfica. MERSON, Robert M.; FRETZ, Rachel I. & SHAW, Linda L. Notas de Campo na Pesquisa Etnográfica. In: Revista Tendências: Caderno de Ciências Sociais. Nº 7, 2013 ISSN: 1677-9460.
52
Oportunizamos, também, junto às colaboradoras da pesquisa,
inspirada na técnica da autoconfrontação cruzada embasada na psicologia do
trabalho de Yves Clot (2010), um momento em que as profissionais pudessem
se ver atuando com as crianças e dialogassem sobre essa atuação. Essa ideia
surgiu principalmente em virtude das queixas das duas colegas acerca da
participação das crianças nas propostas a elas apresentadas. As duas não
conseguiam perceber que, ao oportunizar que as crianças se movimentassem
mais na sala, interagissem de forma mais livre nos espaços e dialogassem
mais entre si em momentos coletivos, estavam contribuindo para o seu
desenvolvimento. As profissionais percebiam esses momentos como “bagunça”
ou “dispersão”, por isso tivemos a ideia de contrapor a elas as imagens desses
momentos a fim de suscitar novas elaborações e percepções. Segundo o autor,
Faz-se a prova do poder de um tal fenômeno justamente quando se pratica uma autoconfrontação cruzada, isto é, quando se retoma a análise em comum da mesma gravação em vídeo com um outro especialista do domínio, um colega de trabalho com o mesmo nível de especialização, por exemplo. [...] A atividade de comentário ou de verbalização dos dados registrados, que difere a depender de se se realiza para o psicólogo ou para os pares, dá um acesso diferente ao real da atividade do sujeito (CLOT, 2010, p. 167).
A proposta é confrontar os sujeitos a imagens sobre si mesmos ao
lado de um outro colega, possibilitando o diálogo entre eles acerca da situação
vivida. Assim, “a verbalização é uma atividade do sujeito por direito próprio, e
não apenas um meio de acender a outra atividade. Por isso, podemos falar de
co-análise do trabalho” (idem, p. 168).
Ele visa se apropriar, para modificá-las, de suas respectivas mobilizações a propósito de seu trabalho e, em função disso, ver sua própria atividade “com os olhos” de outra atividade. Ele vivencia, decifra e por vezes desenvolve suas emoções por meio das emoções de outrem. É assim que ele encontra, sem forçosamente procurá-lo, alguma coisa de novo em si mesmo. (CLOT, 2010, p. 169-170)
Embora não tenhamos seguido todos os trâmites da proposta do
autor, a ideia de realizar essa atividade surgiu como forma de problematizar,
entre as profissionais envolvidas na pesquisa, as ações e o trabalho com a
53
literatura, uma vez que, em alguns encontros, expressavam o desconforto por
promover atividades que deixassem as crianças mais livres, alegando que “a
atividade tinha virado uma bagunça”.
Deixamos que as profissionais escolhessem as cenas a que
gostariam de assistir. Isso se tornou muito interessante, pois essa escolha foi
baseada em sentimentos e percepções que tiveram sobre si mesmas e sobre a
participação das crianças no momento do desenvolvimento das atividades
propostas por elas.
Embora não tivesse havido uma combinação prévia acerca das
cenas a serem assistidas, de modo que todas as filmagens ficaram disponíveis
para a possível escolha das profissionais, destaca-se o fato de que essas duas
cenas também haviam sido observadas pela pesquisadora como marcantes no
desenvolvimento dessas colegas, e demonstram situações fundamentais na
rotina das crianças. Essa liberdade de escolha das cenas faz parte da proposta
de Clot, entretanto realmente houve uma coincidência de interesses entre as
profissionais e a pesquisadora.
No caso da professora Lucássia, a cena escolhida foi o momento em
que contou a história “O grande Rabanete”, de Tatiana Belinki. Essa cena
demonstra como a professora experimentou contar a história de outro modo,
diferente daquele a que já estava acostumada. Convidou as crianças para
dramatizarem a história enquanto ela mesma também ia, ao conduzir a
narrativa, participando como personagem. Essa novidade gerou grande euforia
nas crianças e até mesmo na professora. Para nós, sua ação demonstrou um
desejo de experimentar outro modo de desenvolver seu trabalho,
oportunizando que as crianças participassem da cena. Por isso, esse episódio
é tão rico e apresenta-se como fundamental para nossa pesquisa.
Já a cena “Bruxa, bruxa, venha à minha festa” selecionada pela
educadora Laís, está relacionada com todo o processo vivido pela educadora
no processo formativo, pois condensa a intervenção proposta na escola e no
trabalho com as crianças. Nesse episódio, a educadora culmina a intervenção
planejada ao longo do ano, qual seja, levar a biblioteca móvel para a turma do
berçário, contar para elas uma história e oportunizar que explorem livros de
literatura.
54
Sendo assim, buscamos compreender e evidenciar as inter-relações
entre a literatura e o desenvolvimento cultural de adultos e crianças, aliando-se
a pesquisa às práticas pedagógicas que contemplam a linguagem literária no
espaço escolar por duas profissionais envolvidas em um processo formativo,
mais especificamente em uma turma de berçário - crianças de 0 a 2 anos, e
uma turma de GIII (crianças de 3a 4 anos).
2.1.1 Das experiências no/com o curso: as professoras como pesquisadoras
colaboradoras na pesquisa
No primeiro semestre de 2015, já fazíamos, desde fevereiro,
encontros mensais para orientação dos Trabalhos de Conclusão de Curso. A
partir da ideia de convidar as cursistas, organizamos, na orientação do mês de
abril, um momento que oportunizasse o convite para a participação na
pesquisa. Ao fim da orientação sobre metodologias e elaboração do tema de
estudo de cada uma, contamos sobre nossa pesquisa e fizemos o convite,
explicando que a parceria seria no sentido de a pesquisadora acompanhar os
processos vividos por cada uma delas.
As primeiras dúvidas com relação à parceria estavam
fundamentadas em dois medos: o de se expor e de terem “mais trabalho para
fazer”, uma vez que a rotina com o curso de especialização e com a própria
dinâmica na escola já lhes impunha muitas demandas. Diante dessas
inquietações, a pesquisadora esclareceu que toda a pesquisa ocorreria no
apoio e no acompanhamento ao que elas já iriam fazer: preparar uma
intervenção em seus grupos de atuação com base nos temas que já tinham
definido e, ao fim dessa intervenção, produzir um relatório final contando sobre
o processo vivido. Não pretendíamos trazer-lhes mais demandas, e, sim,
sermos parceiras no planejamento e orientações dos Trabalhos de Conclusão
de Curso que já estavam previstos.
Vale ressaltar que a relação estabelecida entre a pesquisadora e as
alunas orientandas do curso de especialização, convidadas a participar da
pesquisa, constituiu-se, principalmente, pelo papel social em que nos
encontrávamos. O fato de nós três compartilharmos a posição profissional de
atuação na Educação Infantil e estabelecer-se entre nós o desejo em
55
aprofundar os estudos acerca da infância e do desenvolvimento infantil tornou-
se uma relação interessante.
Tranquilizadas sobre a questão de que a participação na pesquisa
não lhes traria mais “trabalho”, pois esclarecemos que a parceria seria no
sentido do acompanhamento do que elas já fariam e não traria nenhuma
demanda a mais, o aceite foi seguido por um pequeno presente dado pela
pesquisadora30. A partir desse dia, combinamos que todos os encontros
coletivos seriam contemplados com algo relacionado à arte, que nos
despertasse a sensibilidade e nos acalentasse diante de nossas demandas.
Nesse dia, inclusive, o presente foi teatralizado pela pesquisadora, que
buscava tornar os encontros mais atraentes e sensíveis para aspectos da arte.
Depois de três encontros seguidos, continuamos o trabalho de orientação dos
TCCs e de construção da pesquisa com apenas duas profissionais: Lucássia e
Laís, uma vez que as outras três professoras não continuaram no curso por
motivos já apresentados.
Destacamos, aqui, a discussão de Kramer (2002) sobre os cuidados
e a importância de se garantir a identidade dos sujeitos na pesquisa. No nosso
caso, a parceria foi estabelecida de forma a construir uma pesquisa
colaborativa em que a identificação das duas profissionais contribuiu muito
para reconhecer os processos vividos por todas nós.
Destacamos a confiança estabelecida como um fator fundamental
nessa decisão. A parceria edificou-se com o mesmo propósito, compreender as
crianças e seus modos de se relacionar com a linguagem literária, ao mesmo
tempo em que aprendíamos e experimentávamos modos de ser professora e
de trabalhar com a literatura em escolas de Educação Infantil. Sendo assim,
identificar-se significa assumir a autoria do trabalho realizado.
2.1.2 Os encontros
Os estudos com orientações e planejamentos realizados entre a
pesquisadora e as profissionais fora da escola totalizaram 19 (dezenove)
30
O livro “Escola Mágica”. Trata-se de um livro “mágico” que uso sempre em minha escola e que traz muito encantamento com as crianças. Elas ficam fascinadas. Com as profissionais não foi diferente. Ficaram fascinadas com minha forma de apresentá-lo e com o presente recebido.
56
encontros coletivos, sendo 18 (dezoito) anteriores à finalização do Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC) e 1 (um) posterior ao encerramento de todas as
etapas, inclusive ao dia da apresentação do trabalho à banca avaliadora do
curso de especialização, que também foi registrado em áudio pela
pesquisadora. O objetivo desse último encontro foi registrar as impressões e os
sentidos atribuídos pelas duas profissionais ao processo vivido. Todos esses
momentos foram registrados em áudio a fim de reconstruir as inter-relações
estabelecidas pelas colaboradoras em todo o processo, buscando
compreender modos de perceberem a si mesmas e suas atuações na escola,
bem como a forma como concebiam o seu próprio processo de
desenvolvimento.
Além desses dezenove encontros, tivemos mais 3 (três) com a
professora Lucássia, a pedido dela mesma, pois necessitava de apoio no
planejamento das atividades a serem desenvolvidas na escola. A educadora
Laís solicitou apenas um encontro fora daqueles do grupo, pois considerava
mais interessante os encontros coletivos, quando trocávamos experiências e
compartilhávamos as situações.
Os estudos entre a pesquisadora e as profissionais Lucássia e Laís
eram organizados em três momentos: estudo teórico de textos específicos,
dentre eles, textos que discutiam metodologia de pesquisa, formas de
organização do trabalho na escola e desenvolvimento infantil a partir da
concepção vigotskiana; socialização dos planejamentos e ações vividas na
escola; e, por fim, apreciação de alguma referência artística levada por uma de
nós. Poderia ser um texto, uma poesia, uma história ou uma imagem que nos
chamasse a atenção e despertasse, em nós, alguma provocação.
Esse formato de organização mostrou-se muito rico, uma vez que
dali tirávamos encaminhamentos para as ações a serem realizadas na escola,
bem como fundamentávamos as escolhas e as experiências para sala de aula
feitas por cada uma das profissionais. Os modos de acompanhamento de todas
as etapas do trabalho com as profissionais foram se organizando de acordo
com o desenrolar da pesquisa e das necessidades de cada uma de nós.
A aproximação da pesquisadora com as escolas ocorreu por meio
do contato e da negociação estabelecidos primeiramente por intermédio das
profissionais parceiras. Diante das intervenções que fariam e da negociação
57
com as equipes da direção, e, ainda, da parceria firmada com a pesquisadora,
solicitaram formalmente nossa participação no cotidiano das escolas. Tivemos
os aceites das duas escolas mediante a autorização da Secretaria Municipal de
Educação. Todo esse processo só pôde fluir após a liberação do parecer do
Comitê de ética em pesquisa, que aconteceu em agosto de 2015.
Sobre os aceites das escolas e das famílias das crianças que
participariam da pesquisa, consideramos importante relatar aspectos dos
modos como se deu essa construção. Mediante a acolhida das escolas, a
definição das turmas e a possibilidade de nossa entrada a campo,
aproveitamos momentos de reuniões promovidas pelas escolas com as
famílias para apresentar a proposta da pesquisa e solicitar a assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dos responsáveis pelos menores
(TCLE). Isso se deu entre o final de agosto e início de setembro de 2015.
2.1.3 Lucássia sua escola e as crianças do G III “E”
Lucássia nasceu em 1986 e começou a atuar na área de Educação
em 2008. É formada em Pedagogia e concluiu a pós-graduação em docência
na Educação Infantil no ano de 2016, período de construção dos dados desta
pesquisa. Ao longo de 8 (oito) anos de docência, atuou no Ensino Fundamental
inicial em uma escola privada e na Educação Infantil desde o primeiro ano de
ingresso na docência. Atualmente, dedica-se integralmente ao trabalho como
docente da Educação Infantil na rede municipal de Uberlândia. Quando tem
oportunidade, faz dobra de turno, substituindo alguma colega algumas vezes
durante o ano. Inclusive, durante o último mês da pesquisa em campo, a
professora optou por assumir aulas no contraturno na mesma escola em que
era lotada.
A professora atua na Escola Municipal de Educação Infantil do
Bairro Tibery (Anexo). Em 2015, ano do desenvolvimento da pesquisa e da
construção dos dados, atuou como professora RI31 – regente I – em uma turma
31
Para cumprimento da Lei nº 11.738 de 16 de Julho de 2008 que institui o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica e discorre sobre a jornada de trabalho do docente – esta lei estabelece o limite máximo de 2/3 da carga horaria do docente a ser direcionada ao desempenho das atividades de interação com os educandos – a Prefeitura Municipal de Uberlândia cria a Instrução Normativa nº 001 de 2014. Esta instrução regulamenta o cumprimento do
58
de GIII, agrupamento de crianças que iniciavam o ano letivo com 3 (três) anos
de idade completos. É uma professora envolvida com seu trabalho e
demonstrou muito interesse em buscar uma formação continuada que
respondesse a seus conflitos e indagações da prática pedagógica.
Dentre as questões que a incomodavam na docência em 2015,
destacava-se o fato de trabalhar em um espaço físico muito precário, pois a
escola em que atuava funciona em uma casa adaptada para tal. A falta de
espaço para atender melhor às necessidades das crianças, inclusive no que se
refere ao trabalho com o movimento, foi o que mais teve destaque entre suas
queixas acerca de seu trabalho. Essas reclamações eram constantes em
momentos de diálogos e encontros coletivos, inclusive aparecendo nos
momentos de planejamento. Entretanto, na medida em que a pesquisa foi se
desenvolvendo, as queixas foram diminuindo de proporção, e o foco de
atenção da professora centrando-se mais em sua problemática de pesquisa.
O grupo em que atuava Lucássia era constituído por 18 (dezoito)
crianças – 10 (dez) meninos e 8 (oito) meninas –, a professora e uma
educadora. Era heterogêneo, com crianças falantes, espertas e muito
envolvidas com a escola. Todas elas eram naturais da cidade de
Uberlândia/MG e residentes na zona urbana, em sua maioria no mesmo bairro
em que se localiza a escola, na zona leste da cidade.
Embora não tenhamos encontrado nos registros de matrícula das
crianças informações sobre o perfil socioeconômico de suas famílias, foi
possível inferir que tal perfil varia entre as classes média-baixa e baixa. Dentre
o grupo de crianças, uma delas chamava mais a atenção da professora
Lucássia, que se dizia muito preocupada. Era o caso de Miguel, que
demonstrava, segundo a avaliação da professora, pouco aproveitamento e
compreensão das atividades propostas na escola.
Miguel tinha a fala pouco desenvolvida e um comportamento que
demonstrava não compreender os comandos dados pela professora.
módulo I e II e dispõe sobre o modo de exercício da lei para com o outro 1/3 da jornada de trabalho do docente. Foi publicada no Diário oficial do município sob o nº 4501 no dia 09 de outubro de 2014 e estabelece critérios para o cumprimento do Módulo I e II e do dia de formação continuada na rede municipal de Uberlândia. A distribuição das aulas nesses módulos é organizada com base no Plano Curricular da Educação Infantil do município que distribui os eixos de trabalho entre os docentes Regente I e Regente II de modo a cumprir a citada lei.
59
Dispersava-se com facilidade e não correspondia ao que era proposto nas
atividades em sala. Durante a pesquisa, Miguel foi alvo de muitas reflexões e
discussões nos encontros coletivos, e também teve uma atenção especial nas
intervenções da professora. Outra criança que marcou o trabalho de Lucássia
durante a pesquisa foi Ana Clara, uma menina muito tímida que se recusava a
expressar-se no grupo maior, muitas vezes dependendo da total mediação da
professora em seu processo expressivo. Com o passar das intervenções
propostas, foi possível perceber um grande avanço nos modos de se relacionar
com os colegas e com a professora por parte desta criança.
Abaixo, é possível perceber as idades, bem como algumas
informações mais específicas de cada uma delas. A maioria das crianças
completou 4 anos próximo ou durante a realização da pesquisa. Esse
agrupamento atendeu as crianças com 3 anos completos no início do ano e
que completavam 4 a partir de maio/2015.
Quadro 01 – Grupo GIII E Prof.ª Lucássia – Escola Municipal do Bairro Tibery – Ano 2015
TURMA AGRUPAMENTO GIII – E -
NOME SEXO DATA NASC. RAÇA IDADE NO INÍCIO
PESQUISA
CAMPO/SETEMBRO/2015
1 Ana Cecília F 31/10/20011 Branca 3 anos e 11 meses
2 Ana Clara F 10/06/2011 Branca 4 anos e 3 meses
3 Bruna F 14/07/2011 Branca 4 anos e 2 meses
4 Bryan M 01/07/2011 Parda 4 anos e 2 meses
5 Cauã M 28/12/2011 Branca 3 anos e 9 meses
6 Daniel M 21/05/2011 Branca 4 anos e 4 meses
7 Gabriel M 08/12/2011 Negra 3 anos e 9 meses
8 Isabella F 29/06/2011 Branca 4 anos e 3 meses
9 Isabelly F 10/11/2011 Branca 3 anos e 10 meses
10 João Pedro M 06/10/2011 Branca 3 anos e 11 meses
11 João Victor M 24/10/2011 Branca 3 anos e 11 meses
12 Léo M 01/06/2011 Branca 4 anos e 3 meses
13 Maria Júlia F 02/06/2011 Branca 4 anos e 3 meses
14 Maryanne F 17/06/2011 Parda 4 anos e 3 meses
15 Miguel M 07/02/2012 Parda 3 anos e 7 meses
16 Paulo Renato M 09/02/2012 Parda 3 anos e 7 meses
17 Raul M 29/09/2011 Branca 3 anos e 11 meses
18 Sara F 02/08/2011 Negra 4 anos e 1 mês
60
Fonte: Elaborado pela pesquisadora.
As crianças demonstravam gostar da escola e das atividades
propostas por meio da participação e da expressão de suas ideias quando lhes
era possibilitado que isso acontecesse. Os momentos em que a professora
explorava os livros de histórias levados para casa foram, para nossa pesquisa,
os que mais demonstraram o gosto das crianças pelas atividades escolares.
Poder falar sobre o que aconteceu em seu grupo familiar com a proposta da
leitura de um livro, compartilhar com seus colegas as impressões que tiveram
acerca da história lida e, ainda, ocupar o lugar de “Contador de história” em
sala para seus colegas foi algo muito significativo e marcante, como veremos
no decorrer das discussões apresentadas nesta tese. Embora no grupo
houvesse algumas crianças tímidas, esse era o momento mais esperado,
inclusive para os pequenos com mais resistência a se expressar.
As relações estabelecidas entre a professora e as crianças
passaram por um processo de (trans)formação à medida que a docente foi
estudando e compreendendo o papel da linguagem no processo constitutivo
dos sujeitos. Tais relações serão mais bem problematizadas e discutidas
adiante, entretanto apresentar esse comentário aqui se torna importante na
medida em que, ao serem (trans)formadas as relações, transformam-se,
também, os sujeitos que se (inter)relacionam na dialética das relações
educativas. Professora, crianças e pesquisadora (re)descobrindo-se e
descobrindo novos modos de ser criança e ser professora na escola e na sala
de aula.
2.1.4 A Escola Municipal de Educação Infantil do Bairro Tibery
A Escola de Educação Infantil do Bairro Tibery foi fundada em 1983,
sendo fruto de lutas dos moradores e mantida pela associação dos moradores
do bairro Tibery (Anexo II) até o ano de 1985, quando passou a ser de
responsabilidade do município e mantida pela Secretaria de Trabalho e Ação
Social. Apenas no ano de 1995, a creche foi municipalizada e passou a fazer
parte do orçamento da PMU, passando para a Secretaria Municipal de
61
Educação apenas no ano de 2002. Entretanto, desde sua fundação, sempre
teve seu atendimento instalado em casas alugadas e adaptadas.
A escola é composta por duas unidades, a sede e o anexo. De
acordo com informações obtidas no Projeto Político-Pedagógico da Escola, em
2015, ano de desenvolvimento desta pesquisa, a
Escola Municipal de Educação Infantil do Bairro Tibery, sede e anexo, contou com onze professoras RI, sete professoras RII, três professoras eventuais e uma professora AEE, quarenta e três educadores infantis, treze ASAs (Agentes de Serviços Administrativos), quatro supervisoras, um assistente administrativo, e uma diretora. Atendendo diariamente 196 crianças, de 01 a 03 anos de idade no período integral e parcial manhã e tarde. (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO EMEI TIBERY, 2016).
Os horários de atendimento da escola são:
- Período manhã: das 7h00min às 11h25min;
- Período da tarde: das 13h00min às 17h25min;
- Período integral: das 7h00min às 17h00min.
A pesquisa foi desenvolvida na unidade do Anexo, criada para
atender as demandas do bairro que não eram supridas pela sede (ver
localização das duas unidades no Anexo III). As duas unidades funcionam em
casas adaptadas. A entrada da escola é feita pelo que seria a garagem da
casa. Logo na entrada, à esquerda, funciona a secretaria da escola, numa sala
de aproximadamente 6m². Nesse mesmo espaço, funciona a sala da direção,
supervisão e secretaria escolar.
Entrando na “casa”, onde seriam quartos são adaptadas 4 (quatro)
salas de aula, um hall onde ficam armários com materiais como livros, tintas,
papéis, brinquedos etc. Na parte externa, mas junto ao prédio principal, há um
espaço coberto onde funciona o refeitório e mais uma sala. Nessa sala de
menos de 9m², eram atendidas as crianças do GIII da turma da professora
Lucássia. No corpo da casa, na parte interna, havia um banheiro de uso de
todas as turmas e, em uma das salas internas, outro banheiro, de uso da turma
de tempo integral. Na parte externa, junto ao refeitório, há uma cozinha e um
62
banheiro de uso dos funcionários. Ao fundo, há outro banheiro e uma
lavanderia, ainda junto ao corpo da casa.
Fora do corpo da casa, havia um espaço multiuso coberto onde
eram desenvolvidas atividades com as crianças em formato de rodízio. Esse
espaço é chamado de brinquedoteca/biblioteca. No mesmo lugar, funcionava a
sala de professores, local para planejamento com a supervisora, lanche das
docentes e, ao fundo, um lugar adaptado como almoxarifado. Era
principalmente ali que as profissionais se encontravam em momentos de
lanche e módulo. Na parte externa, ao fundo da casa, era o espaço destinado à
recreação, entretanto era uma área toda cimentada e totalmente exposta ao
sol.
A garagem, a parte frontal da casa, o espaço de recreação e o
espaço ao lado da sala de professores eram utilizados pelas docentes
seguindo um rodízio para que as crianças não ficassem apenas dentro de sala
de aula, uma vez que tais áreas eram muito pequenas, inviabilizando
atividades que tivessem mais movimentos. A sala onde a professora Lucássia
atendia suas crianças não tinha mais que 9m². Ao ficarem sentadas umas ao
lado das outras, as crianças ocupavam duas paredes inteiras, e suas perninhas
tinham de ficar esticadas, pois não era possível nem sentar com elas cruzadas
como “perninhas de índio”.
Em atividades que promovessem mais movimento, tais como a
brincadeira do macaquinho, que elas adoravam, ao se jogarem no chão, não
sobrava nenhum espaço entre elas. Essa era uma constante queixa da
professora Lucássia. Ela dizia que o espaço físico dificultava as possibilidades
de propostas a serem desenvolvidas e justificava, muitas vezes, que era
necessário conter o movimento das crianças em virtude do pouco espaço que
tinham para se movimentar.
No ano de 2014, todos os funcionários da escola, pais e moradores
do bairro fizeram um movimento cobrando do prefeito da cidade a construção
de um prédio que atendesse a clientela dessas escolas. Entretanto, como já
existe uma escola construída no bairro, essa reivindicação não foi atendida. A
construção dos dados da pesquisa aconteceu acompanhando a turma do GIII
em diferentes situações e espaços da escola.
63
Nosso contato com a escola ocorreu por intermédio da colaboradora
Lucássia. Entretanto, as filmagens só puderam ter início mediante a
apresentação do parecer do comitê de ética em pesquisa e da autorização da
Secretaria Municipal de Educação, além da permissão da diretora da escola.
Ademais, pretendíamos acompanhar a proposta de intervenção da educadora,
que ainda estava em fase de elaboração.
Iniciamos as filmagens no mês de setembro de 2015, e as aulas
acompanhadas e registradas em vídeo totalizaram 16 encontros. A escola
possui um blog32 em que divulgam trabalhos e atividades desenvolvidas com
as crianças e as famílias na escola.
2.1.5 Laís, sua escola e as crianças do berçário e GI
A educadora Laís nasceu em 1991, é formada em Pedagogia, e
concluiu o curso de pós-graduação em docência na Educação Infantil no ano
de 2016, também no período de construção desta pesquisa. Atua na área da
Educação Infantil desde 2012, e é educadora efetiva na parte da manhã na
Escola de Educação Infantil do Bairro Pampulha. Sua função consistia, no ano
de 2015, em apoiar o trabalho da professora regente em uma turma de berçário
e G1 – 4 meses a dois anos.
O cargo de educador infantil existe na prefeitura municipal de
Uberlândia desde 200433. Trata-se de um cargo administrativo que não
pertence à carreira do magistério, entretanto foi criado para auxiliar o trabalho
do/a professor/a com atividades pedagógicas e de cuidados com as crianças
em creches e pré-escolas.
32
http://emeitibery.blogspot.com.br/?view=timeslide 33
Sabemos das discussões em torno da diferenciação entre os cargos dos profissionais que atuam com as crianças. No caso do Município de Uberlândia, em que as equipes são formadas por uma professora regente por turma e educadoras, há tensões e conflitos frente às atribuições de cada uma delas, principalmente pelos modos como se constroem as relações de trabalho. Sabe-se que essa diferenciação entre os cargos existe por questões políticas e administrativas, principalmente por interesses da administração pública em diminuir os gastos financeiros. Ressalta-se a necessidade de pesquisas que discutam e problematizem esse formato de gestão pública da educação das crianças, bem como as relações estabelecidas entre os profissionais, problematizando cargos que auxiliam na docência, mas que não pertencem à carreira do magistério.
64
No ano de 2015, Laís atuou em uma turma de berçário e GI34
composta por 18 (dezoito) crianças que ficavam na escola em período integral,
e, também, no turno da tarde, como cuidadora acompanhando uma criança
com deficiência. Laís mostrou-se uma profissional bastante envolvida com o
seu trabalho. Auxiliava a professora regente em todas as propostas
desenvolvidas, inclusive contribuindo na confecção de cartazes e registros do
grupo, fossem para exposição na própria escola ou para apreciação das
famílias.
Do total de crianças do grupo, 13 (treze) são meninos e 6 (seis) são
meninas. Esse grupo também era composto por uma professora regente, e
mais duas educadoras além de Laís no período da manhã. No período da
tarde, as crianças ficavam sob a responsabilidade de outras 4 (quatro)
educadoras. Entretanto, os dados referentes a esta pesquisa foram construídos
com esse grupo no período da manhã.
O grupo de crianças apresentava características bem diversas, pois
se tratava de duas turmas, o berçário, que era composto por 5 (cinco) crianças,
todas nascidas em 2014; o Agrupamento I (G I), composto por 8 (oito) crianças
nascidas em 2013; e 5 (cinco) nascidas no início de 2014. Do total de 18
crianças no grupo, apenas 1 (uma) não andava, locomovendo-se
engatinhando. No entanto, todas elas já apresentavam bastante autonomia
para se locomover e interagir entre si.
Com relação à fala, as crianças do berçário, e, até mesmo, a maioria
da turma do GI, ainda estavam desenvolvendo essa linguagem, comunicando-
se principalmente por meio de gestos e balbucios, apresentando grandes
possibilidades de comunicação entre si e as profissionais. Todas elas eram
naturais da cidade de Uberlândia/MG, com exceção de apenas uma criança,
nascida em outra cidade do estado de Minas Gerais. Todas também são
residentes na zona urbana, em sua maioria no mesmo bairro em que se
localiza a escola, na zona sul da cidade. Assim como na outra escola, algumas
informações sobre as crianças foram colhidas em suas fichas de matrícula.
As escolas não dispunham de dados sobre o perfil socioeconômico
das famílias das crianças e, aqui, também foi possível inferir que tal perfil varia
34
São duas turmas – Berçário e GI –, mas em um mesmo grupo de crianças.
65
entre as classes média-baixa e baixa. Dentre o grupo de crianças, uma delas,
Tiago, chamava mais a atenção da equipe no que se referia ao modo de estar
na escola.
Tiago estava sempre com muito sono, ficando grande parte do
tempo dormindo ou cochilando, levando a professora a solicitar investigação da
família. Entretanto, no dia da atividade que compõe um dos episódios que
apresentaremos na análise, surpreendeu-nos com seu envolvimento e
disposição na proposta. Nesse grupo, havia uma criança com deficiência física,
contudo essa característica não comprometia sua participação nas atividades.
A rotina era bem dinâmica, e as crianças deslumbravam-se com todas as
propostas apresentadas pela professora regente e acompanhada pelas
educadoras. Cantar fazendo gestos, experimentar os movimentos, correndo,
pulando, gritando, reconhecer objetos, ouvir histórias eram elementos
constantes da rotina desse grupo. Atividades que eram muito significativas para
os pequenos que viviam tudo com muito entusiasmo.
A seguir, apresentamos um quadro com informações específicas a
fim de visualizar mais algumas características deste grupo.
Quadro 02 – Turma Agrupamento Berçário
Prof.ª Laís – Escola de Educação Infantil do Bairro Pampulha – Ano 2015
TURMA AGRUPAMENTO BERÇÁRIO
NOME SEXO DATA NASC. RAÇA IDADE NO INÍCIO DA
PESQUISA DE
CAMPO/SETEMBRO/2015
1 Arthur M 02/10/2014 Branca 11 meses
2 Artur Kemuel M 08/08/2014 Negra 1 ano e 1 mês
3 Eduardo M 07/07/2014 Branca 1 ano e 2 meses
4 João Maciel M 03/06/2014 Parda 1 ano e 3 meses
5 Júlia F 12/06/2014 Branca 1 ano e 3 meses
AGRUPAMENTO I – GI
6 Benjamin M 27/08/2013 Negra 2 anos e 1 mês
7 Bruna F 18/05/2013 Branca 2 anos e 4 meses
8 Denik M 12/02/2014 Negra 1 ano e 7 meses
9 Higor (Gêmeo com
Sophia)
M 04/09/2013 Branca 2 anos
10 Isadora F 01/09/2013 Parda 2 anos
66
11 Lara F 26/05/2013 Branca 2 anos e 4 meses
12 Pietro M 19/03/2014 Branca 1 ano e 6 meses
13 Samuel Henrique M 26/02/2014 Parda 1 ano e 7 meses
14 Sophia F 04/09/2013 Branca 2 anos
15 Tarsila F 17/02/2014 Branca 1 ano e 7 meses
16 Thiago Felipe M 16/09/2013 Branca 2 anos
17 Miguel M 25/07/2013 Branca 2 anos e 2 meses
18 Pietro M 31/07/2014 Branca 1 ano 2 meses
Fonte: elaborado pela autora.
Como é possível perceber nas apresentações e descrições acerca
dos dois grupos, podemos afirmar que as crianças apresentam características
diversas no que se refere à idade, à situação socioeconômica, ao
desenvolvimento motor e afetivo-emocional, e ao gênero, sendo a escola, para
elas, um espaço de convivência e de múltiplas aprendizagens.
2.1.6 A Escola Municipal de Educação Infantil do Bairro Pampulha
A Escola Municipal de Educação Infantil do Bairro Pampulha foi
criada em 1982, fruto de lutas coletivas dos moradores desse bairro. Por meio
da organização da associação de moradores, a creche foi construída em
sistema de mutirão na comunidade local. Nas informações retiradas do Projeto
Político-Pedagógico da Escola, foi possível perceber que a comunidade do
Bairro Pampulha atuou ativamente na estruturação dessa unidade desde seu
início. E essa informação também foi confirmada pela diretora e pela
coordenadora escolar, que ressaltaram a participação e parceria das famílias
nas propostas e projetos desenvolvidos pela escola. Depois de muitas
mudanças e lutas por uma sede própria, o prédio atual foi inaugurado em
janeiro de 2001, com uma construção mais moderna, de alvenaria, com
recursos da Prefeitura Municipal de Uberlândia.
Em 2003 o prédio passou por reformas tendo a ampliação e criação de mais três salas de aula e um lactário independente da cozinha central. Hoje a EMEI Pampulha atende 208 crianças das quais 68 ficam em período integral e 108 em período parcial. São admitidas, nesta unidade de ensino, crianças de 4 meses a 5 anos de idade, respeitando-se as normas legais vigentes. O
67
atendimento às crianças, na Escola Municipal de Educação Infantil Pampulha, é realizado de forma integral e parcial (meio período). As turmas são organizadas por agrupamento respeitando a faixa etária determinada pela Secretaria Municipal de Educação. Atualmente as turmas estão organizadas da seguinte forma: Berçário (menores de um ano) Grupo I (01 ano), Grupo II (2 anos), Grupo III (3 anos), 1º período (04 anos), 2º período (05 anos) (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO – EMEI PAMPULHA 2015).
De acordo com informações da escola, há uma lista de espera que
conta, atualmente, com 267 inscritos, com procura constante todos os dias, o
que demonstra a necessidade real de se inaugurar um anexo dessa unidade. A
Educação Básica oferecida por essa Unidade de Ensino compreende a
Educação Infantil para crianças de um ano a cinco anos de idade e funciona da
seguinte forma:
- Período manhã: das 07h00min às 11h25min – GIII, 1º período e 2º
período;
- Período da tarde: das 13h00min às 17h25min – GII, 1º período e 2º
período;
- Período integral: das 07h00min às 17h25min – berçário GI, GII,
GIII, 1º período e 2º período.
A escola conta com 54 (cinquenta e quatro) funcionários, distribuídos
entre os trabalhos nos dois turnos – manhã e tarde –, aos quais se somam 10
(dez) professoras regentes I e II, 22 (vinte e duas/dois) educadoras/es, 8 (oito)
Auxiliares de Serviços Gerais, 2 (duas) professoras readaptadas, 2 (duas)
supervisoras, 2 (duas) professoras eventuais, 1 (uma) professora responsável
pela biblioteca, 1 (uma) professora de Educação Física, 3 (três) funcionários da
secretaria, e 1 (uma) diretora escolar.
A escola tem sede própria e foi construída para essa finalidade,
portanto apresenta-se com uma infraestrutura mais apropriada para atender as
crianças. Na entrada, na parte frontal, há um espaço de terra com um pequeno
parque de areia, um escorregador e uma casinha de madeira para as crianças
brincarem. Há, na frente, um solário onde as professoras contam histórias, dão
a fruta ou propõem alguma brincadeira.
68
Entrando por um corredor, à direita, fica a secretaria escolar,
seguida pela sala da direção e da supervisão. A sala da supervisora é dividida
com estantes onde ficam os livros de literatura da escola. Todos estão
catalogados e disponíveis para empréstimos para pais, crianças e profissionais.
Nessa pequena sala, também ficam duas mesas, uma de uso da supervisora e
outra com um computador para uso dos/das profissionais da escola.
Ao lado dessa sala, fica o grupo do segundo período e, em seguida,
a cantina. Do lado esquerdo, ficam os banheiros masculino e feminino, todos
adaptados aos tamanhos das crianças. Há também dois banheiros de uso dos
funcionários, uma sala de professores, um almoxarifado, e mais 05 salas de
aula. O acesso a essas salas é feito pelo espaço do refeitório, que fica no
centro do prédio.
Ao fundo da escola, há um quiosque coberto, dois escorregadores e
um outro brinquedo grande de plástico. Há, também nessa área, uma casinha
pequena feita em alvenaria onde as crianças podem entrar e brincar, e um
outro espaço também feito em alvenaria, estilo caramanchão, que é
denominado pelas profissionais como “o espaço do conto”. Esse lugar pode ser
coberto por plantas e utilizado para diversas atividades, tais como ouvir
histórias, brincar, comer frutas, dentre outras. Era justamente nesse local que a
profissional Laís havia proposto construir a biblioteca da escola.
A sala do berçário e GI, onde foram construídos os dados desta
pesquisa, é ampla com mais ou menos 20m². A sala é organizada com 13
colchões para o descanso e 5 berços. Há um armário para guardar materiais
das profissionais, uma mesa pequena e cabides nas paredes para colocar as
bolsas das crianças. Anexo a essa sala há o espaço do banho com grandes
banheiras com chuveiro e, ainda, um lactário de preparo das mamadeiras e
frutas dos bebês.
Nosso contato com a escola ocorreu por intermédio da colaboradora
Laís. Entretanto, as filmagens só puderem ter início mediante a apresentação
do parecer do comitê de ética em pesquisa e da autorização da Secretaria
Municipal de Educação. Além disso, pretendíamos acompanhar a proposta de
intervenção da educadora, que ainda estava em fase de elaboração. Esse
processo demorou em torno de um mês após o nosso primeiro contato na
69
escola. Iniciamos as filmagens no mês de setembro de 2015, totalizando 17
(dezessete) encontros acompanhados e registrados em vídeo.
A convivência nas escolas nos trouxe muito aprendizado e foi
fundamental acompanhar outros espaços, como a secretaria escolar, a sala de
professores, o refeitório, os espaços de recreação com as crianças, como
parque e pátio, a fim de construir um olhar ampliado sobres as rotinas e os
modos de interações ali estabelecidos. A dedicação na construção desse olhar
ampliado permitiu compreender melhor a forma de planejamento das
profissionais, suas rotinas e elaborações para atender ao planejamento e às
necessidades das crianças. Consideramos interessante ressaltar que se tratou
de uma colaboração que pode tornar a pesquisa mais integrada aos processos
vividos pelos sujeitos da escola.
Nossa parceria com as duas profissionais foi estabelecida por meio
do acompanhamento de todo o percurso de elaboração de seus TCCs, na
construção do tema a ser investigado, na elaboração e no desenvolvimento da
intervenção em seus espaços de atuação e na produção do trabalho de
conclusão de curso, inclusive no seu processo de defesa. Além disso, nossa
pesquisa propôs-se a construir uma análise acerca das implicações desse
processo no desenvolvimento cultural das crianças, mais especificamente no
que se refere ao trabalho com a literatura infantil.
2.2 Projetos de Literatura desenvolvidos nas duas escolas: emergência de
possibilidades
As duas unidades já desenvolviam projetos voltados para a literatura
e demonstravam preocupação com esse elemento na prática pedagógica.
Embora não tenhamos encontrado nas diretrizes municipais nenhuma
referência ao trabalho com a literatura nessa rede, segundo as colaboradoras
da pesquisa, existe orientação para que esse trabalho aconteça nos Projetos
Políticos-Pedagógicos das escolas. Entretanto, cada escola organiza-se de
uma forma específica de acordo com sua gestão e sua realidade. E, ainda,
dentro da escola, cada professora também se organiza para desenvolver o
projeto em seu grupo de acordo com suas possibilidades e desejos.
Acompanhamos algumas situações de desenvolvimento desses projetos
70
repercutidos em toda a escola, mas nos detivemos mais profundamente aos
seus desdobramentos em sala de aula, na atuação das profissionais
colaboradoras da pesquisa e nas relações com as crianças.
Na Escola Municipal do Bairro Pampulha, era desenvolvido o
“Projeto Centopeia”, cujo objetivo era favorecer, com as crianças o
desenvolvimento das capacidades linguísticas e criadoras, fomentando nelas o
gosto pela leitura e estreitando as relações entre pais e filhos. Dentre os
objetivos específicos, propunha levar as crianças a ampliar o vocabulário,
identificar os elementos da história, estimular o discurso oral, incentivá-las a
recontar as histórias lidas pelos pais e apresentar a elas outras possibilidades e
vivências.
O projeto era desenvolvido enviando, para leitura em casa, livros de
histórias escolhidos pelas crianças ou pelas docentes. O livro era enviado
dentro de uma sacolinha destinada ao projeto juntamente com um caderno de
registro. A proposta era propiciar a leitura com as famílias, estimulando e
entendendo esse momento como enriquecedor no processo da criança.
Solicitava-se que, após a leitura, o responsável redigisse um breve
comentário a respeito da história contada e que a criança produzisse um
registro acerca de suas impressões sobre a história por meio de desenhos,
recortes e colagens etc. No dia marcado pela professora, a criança traria a
sacolinha para a escola, e a história lida era socializada durante a rodinha de
conversa. Sugeria-se que os pais que tivessem disponibilidade viessem à
escola para contar a história lida, entretanto isso não ocorreu. O projeto ainda
previa que, a cada quinze registros feitos pela turma, a sala receberia uma
parte do corpo de uma centopeia de brinquedo para que, gradativamente,
fossem montando esse bichinho a fim de culminar o projeto com a construção
de todo o seu corpo.
Na turma do berçário e GI, na qual acompanhamos a rotina de
trabalho dos meses de setembro a dezembro de 2015, o projeto não estava
acontecendo. A professora regente justificou tal questão com a falta de sacolas
destinadas ao berçário, dizendo que tivera de “ceder” a sacola do berçário para
a turma de 1º (primeiro período), pois esse grupo necessitava de duas sacolas.
Essas sacolas eram providenciadas pela coordenação, que
distribuía uma para cada turma. Entretanto, segundo a professora, ao ceder a
71
sacola do berçário para a turma de 1º período, não houve como desenvolver o
projeto. Nossa reação frente a essa justificativa dada pela professora foi de
espanto, pois o fato de não se ter uma sacola específica, a nosso ver, não
poderia ser impedimento para que a proposta fosse viabilizada. Por isso,
oferecemos à professora uma sacola alternativa a fim de viabilizar o
desenvolvimento do projeto e oportunizar em nossa pesquisa mais esse rico
elemento: acompanhar crianças de 0 a 2 anos experimentando levar livros para
casa. A professora regente aceitou nossa oferta, e o projeto desenvolveu-se
nesse formato, nos meses de novembro e dezembro. E temos registros desses
ricos momentos em vídeo.
O trabalho da educadora Laís com a literatura não tem uma relação
direta com este projeto, no entanto consideramos importante relatar aqui a
preocupação da escola em trabalhar com a literatura infantil e a riqueza das
situações produzidas com as crianças do grupo do Berçário e GI na interação
com os livros de história.
Na Escola Municipal do Bairro Tibery, embora com outra
denominação, “Projeto Conta e Reconta”, a proposta de trabalho com o projeto
de literatura em sala de aula seguia o mesmo formato. Entretanto, nessa
escola, na turma da professora Lucássia, o projeto acontecia todos os dias
regularmente. Inclusive, os registros que temos das interações das crianças
com a literatura no trabalho com a professora aconteceram sempre nos
momentos de exploração das histórias levadas para casa com as crianças,
como desdobramento das ações propostas neste projeto. Foram os momentos
de leitura de histórias, exploração dos livros, proposição de contação de
histórias pelas crianças e para as crianças, construção de um livro pelo grupo,
que compuseram todos os registros de nossas observações com a linguagem e
a literatura nesse grupo.
2.3 Os objetos de estudo das profissionais: o encontro com a
pesquisadora e o encanto com as crianças
O encontro de objetos de estudos entre as profissionais e a
pesquisadora ocorreu a partir dos temas de interesse de propostas de
72
intervenção das profissionais nas escolas em que atuavam. Esses temas
vinham ao encontro de nossa problemática de pesquisa.
Elas sabiam que o campo de estudo da pesquisadora constituía-se
na linguagem35 e na literatura, e, ao mesmo tempo, compreendiam o nosso
papel como orientadora do trabalho de TCC. Sendo assim, o encontro
desenvolveu-se no interesse comum de construir conhecimentos sobre a
linguagem e as possibilidades do trabalho com a literatura, bem como na
mesma preocupação em propiciar processos e acompanhar o desenvolvimento
cultural das crianças na escola.
Do encontro desses desejos, ocupando os papéis sociais de
professoras e pesquisadoras no campo da Educação Infantil, constitui-se uma
relação de respeito e parceria. Sendo assim, a análise do presente estudo
tentará abarcar a trama pela qual se desencadeou o processo formativo das
duas profissionais, bem como os modos de significar o trabalho realizado.
O interesse desta pesquisa pauta-se na possibilidade de explicitar
processos de desenvolvimento cultural humano desencadeados nas inter-
relações com a literatura infantil na escola. No caso das profissionais, os
modos de atuação no trabalho com a literatura na Educação Infantil e a
repercussão desse fazer no próprio trabalho docente, bem como no
desenvolvimento cultural das crianças. E, no caso da pesquisadora, a
possibilidade de orientar e participar desse processo, construindo
conhecimentos que tanto reverberaram na construção desta pesquisa, como
também nos modos de ser professora.
Apresentamos as ações desenvolvidas pelas docentes na escola no
segundo semestre de 2015, e explicitamos com destaque em negrito os
elementos dessas ações, compostos em episódios que serão foco de nossa
análise nesta tese. Os temas de estudo de cada uma delas, os objetivos e as
intenções com a intervenção desenvolvida nas escolas encontram-se nos
anexos (ANEXO IV) deste texto. Todo o processo vivido pode também ser
visualizado na leitura dos trabalhos monográficos produzidos pelas autoras.
35
Participávamos do Grupo de Pesquisa Pensamento e Linguagem (GPPL) na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.
73
O tema de estudo e intervenção de Lucássia foi O papel da
linguagem oral no desenvolvimento das crianças. As ações desenvolvidas pela
professora durante a construção de sua pesquisa foram:
Estudos teóricos sobre a Linguagem – aprofundando a
compreensão acerca dos modos de concebê-la na sua relação com as
crianças;
Implementação de ações teórico-práticas no dia a dia da escola e
da sala de aula;
▪ Mudança de postura – “olhar” sobre as capacidades das crianças;
▪ Reorganização do horário da entrada – as crianças passaram a ser
recebidas com a sala organizada em “cantos” com brinquedos e jogos
promovendo maior possibilidade de (inter)ação entre elas;
▪ Ouvir as crianças e a elas dar voz por meio das rodas de
conversa: nessas rodas, aconteciam as contações de histórias e
exploração dos livros de literatura levados para casa no “Projeto Conta e
Reconta”;
▪ Construção de cartaz coletivo sobre o tema de estudo do grupo,
que era o meio ambiente;
▪ Elaboração de texto coletivo com o tema meio ambiente – com
ilustrações feitas pelo grupo;
▪ Visita ao zoológico da cidade;
▪ Exploração de livros de literatura por meio do Projeto Conta e
Reconta;
▪ Produção coletiva do livro “Muitos animais” a partir das
experiências partilhadas entre os grupos: pesquisa sobre o meio
ambiente, construção de cartaz com essas descobertas. A criação do
livro envolveu: a construção do texto, a produção das ilustrações e a sua
organização.
Apresentamos em anexo (ANEXO V) tabela com o total de situações
acompanhadas na EMEI Tibery e vividas em campo nessa escola, bem como
trazemos em destaque os episódios que serão apontados na análise desse
trabalho. A partir da retomada do material construído em campo – registros em
74
áudio de todos os encontros, registros em vídeo das atividades desenvolvidas,
registros no diário de campo e das notas de campo produzidas –, o processo
de escolha e seleção dos episódios que compõem esta análise seguiu dois
critérios concomitantes:
1) Vivências com a literatura infantil nos grupos e apontadas pelas
professoras como marcantes no desenvolvimento do trabalho de intervenção –
inclusive discutidas por elas nos relatórios finais do curso de especialização –
Trabalho monográfico;
2) Cenas que a pesquisadora considerou interessante no processo
da pesquisa possibilitando explicitar os processos de desenvolvimento cultural
de adultos e crianças ali desencadeados, pois apresentavam relações
históricas com outros momentos ali vividos.
A partir desse modo de tratar o material empírico, selecionamos para
apresentar na análise de nossa pesquisa situações vividas na EMEI Tibery:
▪ O episódio que denominamos “O Grande rabanete” – situação
em que a professora contou a história “O grande rabanete” de Tatiane
Belinky.
Imagem 01 – Capa do livro “O grande rabanete”
Fonte: Alfabetização CEFAPRO.
▪ A construção do livro “Muitos Animais”, pelo grupo, crianças,
professora e educadora
75
Apresentamos a transcrição do episódio no ANEXO VI, e, no
capítulo 4, apresentamos as análises dos dois processos.
O tema de estudo e intervenção da profissional Laís foi A
organização da biblioteca escolar e suas contribuições para a formação do
leitor. As ações desenvolvidas pela professora durante a construção de sua
pesquisa foram:
● Estudos teóricos sobre a organização de uma biblioteca escolar e
sua contribuição para a formação do leitor – aprofundando a compreensão
acerca dos modos de concebê-la na sua relação com as crianças;
● Diálogo com a equipe da escola sobre a necessidade de se criar
um espaço destinado à biblioteca – pesquisa sobre a indicação deste lugar;
● Criação/utilização de um “carrinho” para servir de biblioteca móvel;
● Confecção de fantoches com as crianças para compor a biblioteca
móvel;
● Implementação da biblioteca móvel na escola;
● Contação de histórias em sala de aula – destaque para a
História “Bruxa, bruxa, venha à minha festa” de Arden Druce, Editora
Brinque Book.
Imagem 02 – Capa do livro “Bruxa, Bruxa, venha à minha festa”
Fonte: Blog Educando com Simplicidade.
76
Essas ações foram fundamentadas, principalmente na discussão de
Vigotski (2010) sobre o processo de imaginação e criação na infância,
ressaltando o processo criativo com a imaginação a partir das relações feitas
com as experiências vividas.
Em anexo (ANEXO VII), pode-se visualizar o total de atividades
vividas em campo na Escola Municipal do Bairro Pampulha e o destaque ao
episódio (ANEXO VIII) que será apontado na análise deste trabalho.
A partir dessas temáticas iniciais, o trabalho de campo foi
organizado por meio de dois modos de participação: os encontros com as
profissionais e as participações no cotidiano da escola. Os momentos
coletivos com as profissionais eram quinzenais ou de acordo com a
necessidade de cada uma. Nessas ocasiões, debatíamos conceitos teóricos
sobre linguagem, literatura e desenvolvimento infantil a partir da perspectiva
histórico-cultural. Também planejávamos as possibilidades das intervenções e
discutíamos sobre o trabalho que estava sendo desenvolvido na escola. Todos
os encontros foram registrados em áudio e retomados na construção das
análises apresentadas nesta tese.
O processo vivido com a intervenção desenvolvida pelas
colaboradoras da pesquisa culminou em um relatório monográfico (TCC) –
exigência do curso de formação do qual participavam. Esses materiais
demonstram os caminhos percorridos pelas duas profissionais, seus estudos e
propostas desenvolvidas, e os resultados e análises a que chegaram.
Ressaltamos, ainda, que a escolha dos episódios para a análise
pautou-se principalmente em dois critérios: 1) que eles condensassem modos
de contar histórias e de inter-relação da literatura com o desenvolvimento
cultural de adultos e crianças na escola e na sala de aula; 2) numa escolha
significativa para todas as colaboradoras envolvidas na pesquisa. Analisamos,
então, dois episódios: “O grande rabanete”, construído com a professora
Lucássia na EMEI Tibery, e o episódio “Bruxa, Bruxa, venha à minha festa”,
construído com a educadora Laís com o grupo da EMEI Pampulha. Os diálogos
produzidos entre as duas profissionais ao se verem no vídeo e os relatórios de
conclusão de curso de cada uma foram, também, elementos importantes da
77
análise, pois puderam auxiliar a pesquisadora a explicitar e compreender os
processos vividos.
Para se ter uma ideia mais completa acerca do trabalho de campo
desenvolvido, organizamos quadros gerais mostrando todos os dias em que a
pesquisadora esteve na escola, e, no caso do acompanhamento das situações
do cotidiano, desmembramos esses dias em episódios que demonstram as
interações estabelecidas com a literatura.
O modo de transcrever as filmagens ocorreu da seguinte forma:
assistimos a todas as gravações feitas, explorando o material como um todo e
organizando os momentos em episódios. Essa maneira de trabalhar com os
vídeos mostrou-se muito produtiva, pois possibilitou ter uma ampla visão e
esclarecer, para nós, os processos vividos na escola, deixando mais evidente
os modos de compreensão do nosso objeto de estudo, qual seja, explicitar e
explicar processos de desenvolvimento cultural a partir das inter-relações
vividas com a literatura infantil. Sendo assim, depois da construção dos
quadros gerais e da escolha do material a ser transcrito, transcrevemos os dois
episódios que comporiam as análises e também a atividade em que as
profissionais se veem nos vídeos.
Vale esclarecer que as profissionais assistiram aos dois episódios
que foram transcritos, “O grande Rabanete” e “Bruxa, bruxa, venha à minha
festa”. Dessa forma, acreditamos que teríamos mais elementos para a
construção argumentativa da tese, uma vez que esse conjunto de momentos
dialogados, revistos e interpretados nos dá pistas, indícios, na perspectiva
indiciária (GINSZBURG, 1990), de processos de desenvolvimento de todos os
sujeitos envolvidos na pesquisa.
As transcrições foram feitas assistindo aos vídeos no computador e
já registrando em documento escrito no editor de textos Microsoft Word os
acontecimentos. Ficamos atentas aos gestos, às falas, às expressões, ao
movimento dialético das/nas inter-relações, enfim, à linguagem vivida na
situação. Esses elementos compõem nossa tentativa em sermos fiéis aos
sentidos produzidos pelas duas profissionais e pelas crianças ao se
perceberem e se verem em sua atuação conforme aparecia no vídeo.
A princípio, não havia uma decisão em trabalhar com imagens
produzidas em campo. Entretanto, no decorrer do processo de construção da
78
tese, consideramos que partes das análises ficariam mais enriquecidas quando
exploradas a partir dos momentos registrados com/na experiência visual.
Em se tratando de registro de imagens, durante a pesquisa,
trabalhamos unicamente com o registro em vídeo. Mas qual não foi nossa
surpresa, durante o trabalho com o material empírico, ao perceber que o
próprio equipamento estava configurado para disparar imagens (fotografias) de
tempos em tempos. As imagens produzidas automaticamente pelo
equipamento oportunizaram à pesquisadora dar visibilidade a momentos de
grandes interações no trabalho das professoras com as crianças, o que gerou,
em nós, o desejo de capturar outros momentos mais específicos que
considerávamos ricos nessa possibilidade. Dessa maneira, ao assistirmos aos
vídeos e decidirmos pelos episódios a serem apresentados na discussão
analítica, fomos “capturando” momentos que possibilitavam interpretações mais
aprofundadas acerca de indícios dos possíveis processos de desenvolvimento
ali desencadeados.
A diferença nesse modo de trabalhar com as imagens consiste,
principalmente, na forma de construção dessa representação para as análises.
Não foram as imagens que conduziram o processo de análise, mas exatamente
o contrário, foram as análises que conduziram às produções das imagens que
contribuiriam na construção dos argumentos analíticos. Sendo assim, essa
construção desencadeou um novo olhar para as imagens produzidas em
campo, possibilitando enriquecer a discussão teórica no trabalho.
79
3 DESENVOLVIMENTO CULTURAL NA OBRA DE VIGOTSKY: INTER-RELAÇÕES COM A ARTE LITERÁRIA
A história do desenvolvimento dos signos nos leva, no entanto, a uma lei muito mais geral que regula o desenvolvimento da conduta [...] Seu significado essencial consiste em que a criança, ao longo de seu desenvolvimento, começa a aplicar à sua pessoa as mesmas formas de comportamento que a princípio outros aplicavam com respeito a ela. A própria criança assimila as formas sociais da conduta e as transfere a si mesma. Se aplicamos o dito à esfera que nos interessa caberia dizer que esta lei se manifesta como certa sobretudo no emprego dos signos36 (VYGOTSKI, 2012, p. 146).
Iniciar este texto tendo como epígrafe este pequeno trecho em que
Vigotski anuncia-nos sobre o signo foi um caminho que buscamos traçar para
construir uma linha de raciocínio que nos permitisse compreender a
complexidade em que se constitui o desenvolvimento cultural de adultos e
crianças a partir das elaborações do autor e relacioná-la com nosso estudo no
que se refere à literatura infantil e suas interfaces nesse processo. Vigotski
contribuiu muito com a Psicologia do Desenvolvimento e, por que não dizer,
também com a Pedagogia, ao elaborar sua teoria considerando e construindo
princípios fundamentais que nos ajudam a compreender e explicar o
desenvolvimento a partir deles e, portanto, a repensar algumas formas de
organização do ensino.
Anuncia-se, aqui, neste pequeno excerto, que o desenvolvimento
cultural dos sujeitos passa pela significação, ou seja, pela mediação dos signos
produzidos pela humanidade ao longo da história. É nesse aspecto que é
necessário retomar a teoria do autor bem como construir nosso argumento
teórico sobre as complexas possibilidades desencadeadas pela literatura
infantil no processo de desenvolvimento cultural de adultos e crianças.
A compreensão de que o homem é um ser histórico e cultural, ou
seja, constituído na/pela história e pela cultura foi um marco importante para
nossos estudos ao longo de nossa trajetória acadêmica, profissional e pessoal.
Essa forma de compreender o desenvolvimento humano possibilitou-nos
avançar em muitas direções, dentre elas a de olhar para os espaços e para as
situações oferecidas para as crianças na escola a fim de perceber que têm
36
Todas as traduções do espanhol foram feitas pela autora.
80
relação com o desenvolvimento que ali se desencadeia. Portanto, é necessário,
aqui, expor e organizar essa construção teórica.
Para que possamos olhar nessa direção, precisamos retomar os
conceitos trazidos por Vigotski, e, a partir deles, explicitar o que é e como se dá
esse processo de desenvolvimento a partir dessa perspectiva, na inter-relação
com a literatura infantil em adultos e crianças na escola. As bases teóricas aqui
apresentadas buscam suporte nos trabalhos de Vigotsky (1991, 2000, 2005,
2010, 2012) e em autores que pesquisaram e construíram suas análises a
partir dessa perspectiva, desdobrando e aprofundando elementos importantes
da própria teoria vigotskiana acerca dos processos de desenvolvimento
humano, bem como das relações entre essa vertente teórica e o trabalho na
área de Educação e nas escolas.
Vigotski foi um homem engajado no seu tempo, vivendo a época das
revoluções na Rússia, na antiga URSS, e participando de um amplo processo
de transformação na sociedade em que vivia. Segundo Valsiner (1993), “sua
obra centrou-se, consistentemente, na ideia da emergência de novas formas na
psyché humana sob orientação social” (p. 7), a partir da ideia dialética de que
nosso mundo real está em constante movimento e transformação. Com base
nos princípios do materialismo histórico-dialético, Vigotski construiu toda uma
base explicativa acerca dos processos de desenvolvimento humano. Sua
perspectiva teórica é bastante articulada, bem fundamentada e
contemporânea, e, cada vez mais, ampliam-se os estudos nesse campo.
Contudo, a partir da revisão da literatura apresentada neste trabalho, foi
possível perceber que há poucos que se dedicam à área da literatura e
Educação Infantil que nela se fundamentam.
Para iniciar a discussão, buscamos os estudos de Vygotski (2012a e
b) sobre o desenvolvimento humano apresentados nos tomos III e IV
organizados a fim de discutir esses processos. O autor retoma e discute teorias
importantes de sua época que visavam a explicar o desenvolvimento humano,
bem como a periodização da idade infantil, analisando-as detalhadamente,
construindo e elaborando conceitos complexos que fundamentam nossa
pesquisa e participam da nossa argumentação.
Afirma, a partir de suas investigações, que os estudos teóricos e
práticos do desenvolvimento infantil tropeçavam em uma de suas maiores
81
dificuldades quando apresentavam uma solução, por ele considerada como
errônea, ao problema do meio e seu papel na dinâmica da idade. Cita, por
exemplo, a consideração do entorno como algo externo na relação com a
criança como uma circunstância ou como um conjunto de condições objetivas,
independentes, sem relação com o desenvolvimento, que, pelo simples fato de
sua existência, exerceria influência sobre a criança (p. 264).
Segundo o autor, essa forma de compreender o meio social e o
desenvolvimento acaba restringindo-se a uma concepção evolucionista oriunda
da Biologia e da ideia de evolução das espécies. Contrapondo essa ideia,
Vygotski (2012a) considera que, para compreender os processos de
desenvolvimento e suas relações com o meio, é preciso tomar como base que
A relação que se estabelece entre a criança e o entorno que a rodeia, sobretudo o social, é totalmente peculiar, específica, única e irrepetível para esta idade. Denominamos esta relação como situação social do desenvolvimento em dita idade. A situação social de desenvolvimento é o ponto de partida para todas as transformações dinâmicas que se produzem no desenvolvimento durante o período de cada idade. Determina plenamente e por inteiro as formas e a trajetória que permitem à criança adquirir novas propriedades da personalidade, já que a realidade social é a verdadeira fonte do desenvolvimento, a possibilidade de que o social se transforme em individual. Por tanto, a primeira questão que devemos resolver, ao estudar a dinâmica de alguma idade, é clarear a situação social do desenvolvimento (p. 264).
Essa definição do autor foi fundamental para compreendermos o
problema de nosso estudo, uma vez que responde à nossa forma de
compreender o nosso trabalho na escola bem como os modos de buscar
provocar/potencializar o desenvolvimento das crianças. Sendo assim,
considera-se que os processos vividos e significados compõem as relações
estabelecidas entre adultos e crianças de 0 a 3 anos e a pesquisadora em dois
grupos (Maternal/GI e GIII), bem como as vivências com a literatura infantil, no
processo formativo de duas profissionais e em duas escolas de Educação
Infantil da rede municipal de Uberlândia.
A partir dessa compreensão acerca das relações estabelecidas entre
os processos vividos/sociais e históricos e o desenvolvimento individual potente
ou potencializado, destacam-se alguns conceitos a serem discutidos neste
82
capítulo que fundamentam as análises da presente pesquisa: os conceitos de
vivência37, desenvolvimento cultural da criança, novas formações, significação
na relação deles com/da literatura infantil.
A perspectiva teórica apresentada por Vigotski considera o
desenvolvimento um processo dialético constituído pelo aspecto material e
psíquico, social e individual na formação da personalidade.
Ambos planos de desenvolvimento – o natural e o cultural – coincidem e se amalgamam um com o outro. As mudanças que têm lugar em ambos planos se intercomunicam e constituem na realidade um processo único de formação biológico-social da personalidade da criança. Na medida em que o desenvolvimento orgânico se produz em um meio cultural, passa a ser um processo biológico historicamente condicionado. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento cultural adquire um caráter muito peculiar que não pode comparar-se com nenhum outro tipo de desenvolvimento, já que se produz simultânea e conjuntamente com o processo de maturação orgânica e posto que seu portador é o organismo infantil que passa pela transformação em vias de crescimento e maturação. O desenvolvimento da linguagem infantil pode servir de exemplo afortunado dessa fusão dos dois planos de desenvolvimento: o natural e o cultural (VIGOTSKI, 2012a., p. 36).
Sendo assim, com essas premissas, é possível discutir o
desenvolvimento humano a partir dos processos de (re)apropriação das formas
culturais da atividade humana, em um processo mediado por diversos fatores
demarcados na ontogênese, na filogênese e na sociogênese, presentes nos
processos de significação com/na microgênese.
De acordo com o autor, a gênese do desenvolvimento é social, o
que permite considerar que ocorre em uma situação social, que pode ser
evidenciada por meio da identificação dos mecanismos pelos quais o plano
intersubjetivo permite constituir o plano intrasubjetivo. Esse movimento ocorre
do plano social ao individual, inicialmente como respostas naturais e,
37 Trazemos o conceito “perejivânie” traduzido como “vivência”. Esse conceito de difícil tradução para o português tem sido foco de estudos e debates entre os estudiosos da teoria vigotskiana. Apesar de todos os esforços para preservar a ideia que Vigotski construiu com esse conceito, ainda é difícil discuti-lo e abordá-lo sem prejuízos ao seu real significado. Por isso, estamos considerando-o como uma unidade da situação social e como resultante dos processos vividos pelos sujeitos, neste trabalho, em suas interfaces com arte literária.
83
posteriormente, tornando-se funções próprias do sujeito, por meio de
processos interpsíquicos partilhados com o outro (VYGOTSKY, 1991).
A partir das interações sociais, vividas na mediação e na experiência
partilhada, ocorrem os processos de internalização e, consequentemente, de
desenvolvimento. Entende-se que o desenvolvimento é descontínuo, marcado
pela (inter)ação do sujeito por meio das relações sociais estabelecidas. No
desenvolvimento, há funções consolidadas/autônomas e funções emergentes.
As funções psicológicas que emergem e consolidam-se no plano interativo
(intersubjetivo) tornam-se internalizadas, isto é, transformam-se para constituir
o funcionamento interno (intrasubjetivo). O que aparece como característica
individual da personalidade do sujeito é marcadamente social.
Vigotski e seus colaboradores tentaram reunir, em um mesmo
princípio explicativo, tanto os mecanismos cerebrais subjacentes ao
funcionamento psicológico, como o desenvolvimento do indivíduo e da espécie
humana ao longo de um processo sócio-histórico. A partir de um rigor científico
com que reconstruiu toda a teoria sobre o desenvolvimento humano até sua
época, criou uma lei geral, ou seja, princípios que passaram a gerir seu modo
de compreender e explicar todos os processos a ele relacionados.
Podemos formular a lei genética geral do desenvolvimento cultural do seguinte modo: toda função no desenvolvimento cultural da criança aparece em cena duas vezes, em dois planos; primeiro no plano social e depois no psicológico, a princípio entre os homens como categoria Inter-psíquica e logo no interior da criança como categoria intrapsíquica (VYGOTSKI, 2012a, p.150).
A intenção de Vigotski foi formular princípios explicativos que
fizessem sentido numa perspectiva dialética do desenvolvimento humano.
Esses princípios passaram a gerir seu modo de compreender e explicar todos
os processos a ele relacionados como processos dialéticos, revolucionários, e
servem para nortear toda a sua teoria, e, para nós, também o modo como
explicitamos as relações de adultos e crianças com a arte literária como signo
produzido histórica e culturalmente.
Dentre os elementos apontados, a lei geral a que se refere o autor
considera que o desenvolvimento parte do social em direção ao individual, ou
seja, do cultural/social para o individual/pessoal. Nessa direção, é importante
84
destacar o processo pelo qual o desenvolvimento cultural ocorre, uma vez que
essa compreensão envolve ampliar o olhar para as formas complexas em que
se desencadeiam. Ou seja, é necessário colocar uma lente especial sobre os
modos de participação dos sujeitos nas relações de ensino-aprendizagem, bem
como para o movimento em que criam e também modificam a própria situação
vivida.
Subsidiamos, portanto, nossa forma de compreender o
desenvolvimento infantil a partir do conceito de desenvolvimento cultural
apresentado por Vigotski, uma vez que esse conceito faz muito sentido para
nossa discussão acerca dos processos de inter-relação entre a literatura e o
desenvolvimento cultural de adultos e crianças na escola.
3.1 Anotações sobre o Desenvolvimento Cultural
Retomando, neste momento, nosso objeto de pesquisa, os
processos de desenvolvimento cultural desencadeados em adultos e crianças
na (inter)relação com a literatura, faz-se necessário aprofundar teoricamente os
modos de conceber e explicar essas dimensões, assim como explicitar, de
forma mais detalhada, os elementos teóricos que subsidiam nossa discussão
considerando que as relações se estabelecem do aspecto social para o
individual.
Em Vygotski (2012a), encontramos fundamentos interessantes para
nosso trabalho, pois o autor constrói todo um arcabouço argumentativo sobre o
desenvolvimento humano. Considerando os processos históricos vividos pela
humanidade, afirma que a história do desenvolvimento dos signos leva-nos a
uma lei geral que regula o desenvolvimento da conduta. Retoma, nesse
momento de sua construção teórica, o papel dos signos no processo de
desenvolvimento humano. Segundo ele, o signo é sempre um meio de relação
social, um meio de relação com os demais, para depois configurar-se como um
meio de relação consigo mesmo. A criança começa, ao longo do seu
desenvolvimento, a aplicar à sua pessoa as mesmas formas de comportamento
que, no princípio, outros aplicavam com respeito a ela (VYGOTSKI, 2012a, p.
146).
85
Esse processo é mediado por instrumentos e signos, passando pela
significação.
Em um nível mais superior do desenvolvimento aparecem as relações mediadas dos homens, cujo traço fundamental é o signo graças ao qual se estabelece a comunicação. Por esta razão se entende que a forma superior de comunicação mediada pelo signo, é o produto das formas naturais da comunicação direta; estas últimas, no entanto, se diferenciam essencialmente desta forma de comunicação (VYGOTSKI, 2012, p.148).
Ainda explicando o desenvolvimento cultural, Vigotski (2000)
acrescenta que
Neste sentido, todo o desenvolvimento cultural passa por 3 estágios: em si, para outros, para si (veja o gesto indicativo – inicialmente apenas um movimento de agarrar mal sucedido, direcionado para um objeto e que marca a ação; depois a mãe entende-o como indicação; depois a criança começa a indicar) (p. 24).
Ou seja, para compreender o desenvolvimento cultural de adultos e
crianças, precisamos atentar-nos para os modos de agir e viver com os outros
e com os elementos da cultura. Esses modos podem desencadear processos
complexos dialéticos que se retroalimentam da perspectiva social para a
individual. Tais processos transformam a própria ação, criando novas
possibilidades de manifestação dessa ação em várias dimensões, sejam elas
intelectuais, afetivo-emocionais e sociais, ampliando as próprias capacidades
do sujeito.
Cabe, então, ressaltar, mais uma vez, que estamos inferindo sobre a
literatura infantil como elemento cultural produzido na/pela humanidade, e, de
acordo com as relações sociais, pode atuar como mediadora dos processos de
desenvolvimento. Entretanto, a mediação pode estar tanto no signo cultural do
próprio livro ou obra literária quanto no trabalho da/na escola e de seus
profissionais com esse elemento cultural. Destacamos, assim, uma das teses
que Vigotski apontou como fundante de todo o processo
A base estrutural das formas culturais do comportamento é a atividade mediadora, a utilização de signos externos como
86
meio para o desenvolvimento ulterior da conduta. Portanto, na separação ou especificação de partes destas funções para estudo, o emprego do signo tem primordial importância em todo o desenvolvimento cultural (VYGOTSKI, 2012a, p.153).
Vigotski insistia em dizer que “as funções psicológicas são um
produto da atividade cerebral”, e esse processo, segundo ele, só pode ser
compreendido à luz da teoria marxista da história da sociedade humana (COLE
e SCRIBNER, 1991). Essa compreensão implica considerar que a criança
apropria-se, inicialmente, por meio da imitação, de uma ação que é cultural e,
em seguida, torna própria essa ação.
De acordo com Pino (apud SMOLKA, 2000), o que é internalizado
das relações sociais não são as relações materiais, mas a significação que elas
têm para as pessoas, uma significação que emerge na própria relação. Assim,
para Vigotski, o desenvolvimento ocorre por meio de dimensões de ordem
complexa, e, para explicitá-lo, é necessário compreender e estabelecer a
relação entre desenvolvimento e aprendizado.
A partir dessa compreensão, o processo de desenvolvimento cultural
humano é permeado, segundo Vigotski (1991), pelos conceitos de zonas de
desenvolvimento. Elas são compreendidas a partir do nível de desenvolvimento
real, que são as ações ou capacidades que o sujeito consegue realizar de
forma independente, sem a ajuda de outra pessoa, e, também, pelo nível de
desenvolvimento proximal ou iminente38, que é a capacidade que o sujeito
apresenta de desempenhar tarefas com a ajuda de “adultos ou de
companheiros mais capazes”.
De acordo com o autor, o real estado de desenvolvimento de uma
criança só pode ser determinado se forem revelados os seus dois níveis: o
nível de desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento iminente. Ou seja,
devem-se levar em conta as capacidades de realização de uma atividade de
forma autônoma e, também, as capacidades de realização com a ajuda de
38
Os primeiros trabalhos de Vigotski que chegaram ao Brasil foram traduzidos da língua russa para o inglês, e, posteriormente, do inglês para o português. Os estudos atuais de Zóia Prestes (PRESTES, 2012) acerca da teoria histórico-cultural tecem várias considerações acerca das traduções de alguns termos das obras de Vigotski. A partir da análise da autora, estamos aderindo à sua discussão sobre o conceito de zona de desenvolvimento iminente.
87
outra pessoa, pois o que é considerado nível de desenvolvimento iminente hoje
poderá converter-se em nível de desenvolvimento real em um futuro próximo.
Essa forma de explicar o desenvolvimento remete Vigotski (1991) a
discutir e problematizar o papel das relações de ensino-aprendizagem na/da
escola frente ao processo vivido pela criança. Nesse âmbito, o autor destaca
que o conceito
zona de desenvolvimento proximal39 pode, portanto, tornar-se um conceito poderoso nas pesquisas do desenvolvimento, conceito este que pode aumentar de forma acentuada a eficiência e a utilidade da aplicação de métodos diagnósticos do desenvolvimento mental a problemas educacionais (VIGOTSKI, 1991).
Nesse processo, destaca-se novamente o papel da mediação. Todo
o processo de aprendizagem e de desenvolvimento desencadeia-se no que
Vigotski define como zona de desenvolvimento iminente, que é a potência, o
campo das possibilidades. Esse campo é o lugar central que, segundo o autor,
deveria ser o foco de atenção do/no processo de ensino-aprendizagem
determinado por meio da solução de problemas sob a orientação de um
companheiro mais experiente. Sendo assim,
O aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daquelas que as cercam. As crianças podem imitar uma variedade de ações que vão desde muito além dos limites de suas próprias capacidades. Numa atividade coletiva ou sob a orientação de adultos, usando a imitação, as crianças são capazes de fazer muito mais coisas. Esse fato, que parece ter pouco significado em si mesmo, é de fundamental importância na medida em que demanda uma alteração radical de toda a doutrina que trata da relação entre aprendizado e desenvolvimento em crianças (VIGOTSKI 1991:99-100).
A alteração radical a que se refere o autor diz respeito,
principalmente, à forma de se considerar o próprio conhecimento das crianças
e aos modos de relações estabelecidas no processo educativo. Esse conceito,
compreendido dessa forma, implica modificar, inclusive, a interpretação que se
faz sobre o que a criança já aprendeu e o processo colaborativo no percurso da
39
Conservamos o termo “proximal” por tratar-se de uma citação.
88
aprendizagem. Ou seja, avaliar o que a criança aprendeu pelos conhecimentos
que ela demonstra resolvendo as questões sozinhas não é o mais importante.
O foco do processo educativo ou das relações de ensino e
aprendizagem deve ir além dessa dimensão. Deve-se observar, também, o que
as crianças conseguem fazer em colaboração e oportunizar momentos em que
a cooperação aconteça entre todos os pares. Isso muda radicalmente as
relações de ensino estabelecidas na escola, pois a colaboração ou cooperação
passam a ser elemento primordial em todo o processo.
Organizar o processo educativo a partir desse modo de
compreender o desenvolvimento implica considerar o conceito de mediação. A
mediação tida nesse processo está relacionada a duas dimensões: a dimensão
externa dos instrumentos e signos construídos historicamente pela
humanidade, e a dimensão interna, onde os signos adquirem a capacidade de
transformar dialética e qualitativamente as funções psíquicas dos sujeitos.
Esse processo é discutido por Smolka (2004) a partir dos
pressupostos vigotskianos. A autora traz uma importante contribuição acerca
do signo, do sentido e da significação, problematizando a natureza social do
desenvolvimento mental e a centralidade do signo nesse processo. De acordo
com a autora,
A significação, como produção de signos e sentidos, é uma chave para se pensar a conversão das relações sociais em funções mentais: „Eu me relaciono comigo mesmo (e narro para mim) como as pessoas se relacionam comigo (e narram para mim)‟. Como sujeito, „Eu sou uma relação social comigo mesmo‟ (Vygotsky, 1989, p. 67). O drama emerge justamente do fato de que essa relação social consigo mesmo implica a trama de muitas experiências, muitas imagens, muitas histórias, muitos outros em muitas e diversas posições sociais; implica, em termos bakhtinianos, muitas vozes, muitas perspectivas, diferentes valores, interesses, sentimentos, motivos também diversos... (SMOLKA, 2004, p. 45).
O conceito de significação também é fundamental para nossa
pesquisa, pois nos ajuda a compreender as formas de se organizar para o
trabalho docente das colaboradoras, por meio de suas ações em sala de aula.
Na medida em que buscam estudar, intervir na realidade em que atuam,
propondo um trabalho diferenciado em seus grupos, (re)organizam-se e
(re)significam o próprio fazer docente.
89
Para estabelecer um diálogo teórico mais aprofundado, buscam-se,
ainda, em estudiosos da obra de Vigotski, fundamentações e análises acerca
dos conceitos abordados. Dentre eles, destacam-se Toassa (2010), Pino
(2010), Smolka (1995, 2000, 2005) e Meshcheryakov (2010). Esses autores
debruçaram-se em análises fundamentais e inéditas acerca dos conceitos aqui
elencados, quais sejam, os de “vivência” e de “novas formações”.
Por dificuldades na divulgação e tradução de suas obras, ainda hoje,
há muitas das ideias de Vigotski inexploradas. Para nós, os conceitos de
vivência e de novas formações no processo de desenvolvimento do sujeito são
algumas delas, que nos trazem possibilidades consistentes de compreensão e
análise do cotidiano escolar da Educação Infantil.
3.2 O problema do meio e o conceito de vivência
No desenvolvimento de sua obra, Vygotsky (1996) questionava
muito as teorias que tentavam explicar o desenvolvimento humano, alegando
que serem insuficientes para trazer as respostas satisfatórias que dessem
conta da complexidade desse processo. Por ser um pesquisador extremamente
criterioso, defendia o rigor nas pesquisas em Psicologia, apontando, na
metodologia científica, o caminho para a construção do que ele chamava de
Nova Psicologia. Dentre as teorias por ele estudadas de forma rigorosa,
destacam-se as teorias40 da Gestalt, Psicanálise e o Behaviorismo, além das
ideias do pesquisador suíço Jean Piaget (1896-1980). Essas teorias e autores
são citados e comentados nos trabalhos de Vigotski, tendo ele escrito prefácios
para algumas das suas traduções ao idioma russo.
Dessa forma, mesmo sendo importantes para a história da
constituição da Psicologia como ciência, reconhecidas e respeitadas por
Vigotski, elas não superavam, segundo o autor, a perspectiva dualista de
homem e não conseguiam explicar de forma rigorosa o desenvolvimento das
funções psicológicas superiores. Para Vigotski, era necessário construir uma
Psicologia que, de fato, explicasse as formas de desenvolvimento humano, ou
40
Não é objetivo do presente texto aprofundar as discussões nas referidas abordagens teóricas, e, sim, contextualizar a perspectiva teórica proposta por Vigotski dentro do desenvolvimento da Psicologia.
90
seja, as funções psicológicas superiores. Afirmava que qualquer teoria
científica psicológica precisava explicar a questão da consciência.
O que Vygotsky procurou foi uma abordagem abrangente que possibilitasse a descrição e a explicação das funções psicológicas superiores, em termos aceitáveis para as ciências naturais. Para Vygotsky, essa explicação tinha o significado de uma grande tarefa. Ela deveria incluir a identificação dos mecanismos cerebrais subjacentes a uma determinada função; a explicação detalhada da sua história ao longo do desenvolvimento, como o objetivo de estabelecer as relações entre formas simples e complexas daquilo que aparentava ser o mesmo comportamento; e de forma importante, deveria incluir a especificação do contexto social em que se deu o desenvolvimento do comportamento. As metas de Vygotsky eram extremamente ambiciosas, talvez até de forma não razoável. Ele não as atingiu (como aliás, estava bem ciente). No entanto, conseguiu, de fato, fornecer-nos uma análise arguta e presciente da psicologia moderna (COLE e SCRIBNER, 1991, p. 6).
Com o objetivo de explicar de forma consistente, assumindo os
princípios de uma filosofia materialista histórico-dialética, o desenvolvimento
das funções psicológicas superiores dos seres humanos, destacando a
diferença deles com os animais, Vigotski iniciou várias frentes de investigação,
as quais tiveram continuidade por seus colaboradores em virtude de sua morte
muito precoce, em 1934. Vários conceitos foram por ele criados a fim de
explicar o desenvolvimento humano a partir da interação social e cultural. São
conceitos que nos oferecem possibilidades de compreensão e atuação na área
educacional.
Para Vigotski, as experiências de aprendizagem entre os sujeitos
geram a consolidação e a autonomização de formas de ação, abrindo zonas de
desenvolvimento iminente, as quais constituem a gênese da própria atividade,
ou seja, a aprendizagem impulsiona e precede o desenvolvimento.
O autor concebe o desenvolvimento a partir da premissa de
movimento dialético, e, embora tenha dedicado parte de seus estudos ao
problema da idade, entende que os estágios de desenvolvimento possuem
certa sequência no tempo, mas não são estáticos, eles dependem das
condições concretas nas quais ocorre o desenvolvimento. Os limites de idade
alteram-se com a mudança das condições histórico-sociais, ou seja,
dependendo das condições concretas, os sujeitos podem demonstrar
91
capacidade além ou aquém de sua idade cronológica, pois não é apenas a
idade cronológica que determina o desenvolvimento, mas, sim, as relações
estabelecidas com/no meio social e histórico. Elkonin (1998, p. 81),
pesquisador muito próximo a Vigotski e estudioso do desenvolvimento humano
que deu continuidade a estudos na perspectiva histórico-cultural,
principalmente com relação ao campo de estudo sobre a idade escolar, levanta
a conjectura de que “[...] os processos do desenvolvimento psíquico que se
operam em certos períodos da infância aparecerão e mudarão na história”.
Nesse sentido, para explicar as condições de desenvolvimento, é
necessário, segundo Vigotski (2000), considerar a perspectiva de que “tudo o
que é interno nas funções superiores ter sido externo: isto é, ter sido para os
outros, aquilo que agora é para si. Isto é o centro de todo o problema do interno
e do externo” (p. 24), levando-se em conta que os processos vividos pelas
crianças na escola passam pelas condições concretas na “trama das relações”
significadas pelos sujeitos (SMOLKA, 2004, p. 45).
A partir dos apontamentos de Vigotski no texto “A questão do meio
na pedologia”, bem como dos diálogos e desdobramentos de sua concepção
teórica desenvolvidos por autores como Toassa e Souza (2010), Pino (2010) e
Meshcheryakov (2010), pode-se inferir que as novas formações no processo de
desenvolvimento ocorrerão em decorrência das interações vivenciadas pela
criança.
Segundo o autor,
o meio desempenha, com relação ao desenvolvimento das propriedades específicas superiores do homem e das formas de ação, o papel de fonte de desenvolvimento, ou seja, a interação com o meio é justamente a fonte a partir da qual essas propriedades surgem na criança (VIGOTSKI, 2010, p. 697).
Portanto, corroboramos as ideias de Vigotski (idem) de que é preciso
que ocorra a interação com as formas mais desenvolvidas de ações no meio
em que a criança vive para que ela possa desenvolver, por exemplo, o
caminhar/andar, o falar, dentre outros, pois, segundo o autor, do contrário, o
desenvolvimento não irá ocorrer a contento.
92
A partir dessa premissa, é fundamental ter atenção ao “meio” em
que as crianças estão inseridas. Entretanto, a compreensão que tínhamos
acerca da importância das interações para o desenvolvimento das crianças e
do papel do meio nesse processo ampliou-se bastante a partir do conceito de
vivência apontado por Vigotski (2010). Pensar esse conceito permite angariar
para os debates reflexões e, ainda, para os questionamentos que fazemos
acerca do trabalho com a Literatura na Educação Infantil, em sua constituição
no cotidiano escolar, para além das interações, pois parece dar conta de
aspectos mais ampliados do processo vivido.
Buscando entender melhor esse conceito na obra de Vigotski,
Toassa e Souza (2010) investigaram e apresentaram a elaboração teórica nas
obras do autor bem como as contribuições metodológicas desse conceito para
a análise das relações indivíduo-meio no desenvolvimento humano. Para as
autoras, quando se analisa toda a etimologia da palavra em alemão e em
russo, e, ainda, a presença e o uso do termo nos trabalhos de Vigotski, é
possível entender o conceito como “um tipo de apreensão do real que não é
mera interpretação, não é mera emoção, mas integra vários aspectos da
vida psíquica”. Portanto, o termo “vivência” também é um processo básico da
vida humana, é acontecimento profundo na existência da pessoa real ou do
personagem na arte (idem, p. 759).
De acordo com as autoras,
As vivências, nos primeiros livros do autor (1916/1999, 1925/2001, 1926/2001), revestem-se de um caráter irracional, marcado por sentimentos e sensações que demandam compreensão após vivenciados. Traduzindo o engolfamento do receptor pela obra de arte (1925/2001), possibilitam que o sujeito mais participe, reaja, do que julgue, com a criação de uma espécie de campo psicológico entre receptor e obra, que contém a ambos e alcança a sua triunfal dimensão catártica no conflito entre forma e conteúdo (TOASSA e SOUZA, 2010, p. 761).
O conceito de vivência está intimamente inter-relacionado ao
desenvolvimento cultural dos sujeitos nos aspectos filogenéticos e
ontogenéticos, pois,
No decorrer da ontogênese, as vivências adquirem o papel de unidade dinâmica da vida consciente. Passa a articular-se em
93
dois núcleos: interno (que, como podemos deduzir, abrange corpo, representações e ideias; fantasias, lembranças e outros processos mentais singulares ligados ao eu que não estão presentes na realidade objetiva), e externo (principalmente as percepções de objetos) (TOASSA e SOUZA, 2010, p. 768).
Nesse processo, a linguagem ocupa um lugar central, pois se
constitui como o laço que possibilita estabelecer as relações entre os
conceitos.
A linguagem é o laço que relaciona os conceitos de tomada de consciência (no sentido da relação de compreensão que estabelecemos com algo) e vivência. Expliquemos: a generalização das vivências na linguagem é central para a tomada de consciência, ou seja, o fato de se tornarem objeto da linguagem é um aspecto novo emergente no desenvolvimento, e que exerce uma transformação significativa nas relações sociais, pois a criança torna-se consciente não apenas dos objetos e das outras pessoas, mas também de si mesma. Atribui sentido e adquire conceitos sobre seus afetos peculiares, e, na perspectiva histórico-cultural, esse é o principal fundamento do processo de tomada de consciência (TOASSA, 2010, p. 7).
Segundo Toassa, (idem) o sentido do termo “perejivânie” para
Vigotski abriria uma ferramenta metodológica fundamental na análise do
desenvolvimento de adultos e crianças.
Outro autor que também discute o conceito de vivência em Vigotski
e ajuda-nos a aprofundar a compreensão sobre ele é Meshcheryakov (2010).
Conforme esse autor, é possível abarcar tal conceito de forma concreta por
meio da observação e análise do comportamento, pois,
De todo modo, a vivência pode ser expressa no “mundo exterior”, em vários níveis de comportamento – através de reações espontâneas e impetuosas; uma confissão, longas conversações pessoais com um amigo, algumas ações (por exemplo: escrever uma carta, fazer caridade, ir ao teatro, ao estádio, a um encontro, a uma loja e assim por diante), organização e planejamento de uma atividade de longo prazo, que muda completamente a representação e o estilo de vida (ibidem, p.715).
Associando tal aspecto do desenvolvimento com as possibilidades
desencadeadas nas inter-relações entre as crianças e a literatura infantil,
94
anunciamos nossa inquietação para esse processo vivido na escola de
Educação Infantil considerando o meio. Aqui, privilegiando-se as vivências a
partir da/com a Literatura Infantil como palco de observação, análise e
elaboração teórica, a fim de dar corpo à empreitada a que nos propusemos
enfrentar, desenvolver uma pesquisa que contribua para apontar os elementos
do desenvolvimento infantil anunciados nas vivências com a literatura infantil.
Entender tais conceitos torna-se fundamental na medida em que, para nós, o
cotidiano escolar da Educação Infantil pode ser considerado o “meio”, tais
como as definições apontadas por Vigotski (2000, 2010) e, ainda, que o
desenvolvimento humano ocorre em situações sociais.
A partir da perspectiva de que o meio, a partir do conceito de
vivência, pode auxiliar-nos a discutir e a compreender as inter-relações entre a
literatura e o desenvolvimento infantil, nosso objeto de estudo, indagamo-nos e
focamos nossa atenção para o trabalho de duas profissionais com a literatura
na escola e para as inter-relações estabelecidas, considerando a como parte
da cultura da humanidade.
A partir dessa percepção, focamos nossa atenção nos modos como
as crianças estão participando com/da literatura na escola, nos elementos
desencadeados pela interação com as histórias, na forma como as histórias
repercutem nas percepções e criações de adultos e crianças. “O impacto, a
apreensão” (MESHCHERYAKOV, 2010), ou seja, as “vivências” de adultos e
crianças com as obras literárias será o foco de nosso estudo, buscando a
compreensão desse complexo processo de significação nas inter-relações
estabelecidas com a Literatura Infantil.
3.3 As novas formações no processo de desenvolvimento
A partir do conceito de “vivência”, avançamos para outro elemento
que muito interessa à nossa compreensão, as “novas formações”. Para
Vygotski (2012b), os aspectos que demarcam o desenvolvimento humano são
o surgimento de formações qualitativamente novas na personalidade do sujeito,
ou seja, uma nova estrutura da personalidade e de sua atividade abre espaço
para transformações psíquicas e sociais que se produzem pela primeira vez em
cada período. De acordo com o autor, o desenvolvimento é marcado pela
95
alternância de períodos ao longo da vida dos sujeitos: os estáveis e os de
crises. Esses períodos podem ser compreendidos em fases marcadas pelas
novas formações constituídas e reorganizadas no decorrer do processo de
desenvolvimento. E todo o processo ocorre tendo um caráter revolucionário.
Nos períodos estáveis, podem ocorrer mudanças microscópicas de
maneira lenta e gradual da personalidade que vão se acumulando até certo
limite, manifestando-se, mais tarde, como uma formação qualitativamente nova
de uma idade. Já os períodos de crise41 podem ser períodos que marcam a
passagem de uma idade a outra, geralmente de forma a provocar mudanças
que parecem bruscas e marcantes. Essas mudanças trazem rupturas no
psiquismo da criança que, a partir das crises, alteram por completo sua
personalidade. São momentos de avanço e criação. O caráter dos períodos
críticos deve ser buscado nas condições materiais concretas do contexto da
criança, e não em suas disposições internas (VYGOTSKI, 2012b). As crises
consistem na descoberta do novo e no redimensionamento de estruturas da
personalidade que desencadeiam formações globais e dinâmicas inseridas na
dimensão histórica e social.
Nesse sentido, o desenvolvimento é um processo que leva em conta
o aspecto material e psíquico, social e individual na formação da
personalidade, mas que estabelece como critério para distinguir os períodos de
desenvolvimento as novas formações, ou seja, um novo tipo de estrutura que
vai compor a personalidade. Apenas quando mudam pela primeira vez é que
se definem os estágios de desenvolvimento. A fim de situar essa discussão e
tomando todos os cuidados possíveis para permanecer fiel à compreensão de
Vigotski acerca do caráter dialético e revolucionário do desenvolvimento,
apontamos o modo como o autor compreende esses estágios.
A partir de suas investigações, Vigotski propõe, ainda que
provisoriamente, uma periodização das fases do desenvolvimento composta
pelas seguintes idades: crise pós-natal; primeiro ano de vida; crise do 1º ano;
primeira infância; crise dos três anos; idade pré-escolar; crise dos sete anos;
41
O modo como Vigotski compreende os períodos de crise nos processos de desenvolvimento
das crianças difere de seus contemporâneos radicalmente, pois enfatiza os aspectos potentes
destas fases bem como as transformações marcantes na personalidade dos sujeitos, enquanto
outros estudiosos focam suas análises nos aspectos negativos das crises.
96
idade escolar; crise dos 13 anos; puberdade e crise dos 17 anos. Faremos a
explanação de cada estágio do desenvolvimento analisado por Vigotski até a
crise dos sete anos, apoiando-nos nos manuscritos produzidos nos últimos
anos de sua vida (1932 a 1934) e na transcrição de conferências proferidas
entre 1933 e 1934, que compõem a obra “Problemas de la Psicología Infantil”
(VYGOTSKI, 2012b).
O autor compreende os estágios com base nas novas formações de
cada período. O período pós-natal (0 a 2 meses) é considerado uma etapa
crítica de transição entre o desenvolvimento intra e extrauterino. A nova
formação central e básica desse período é o que Vigotski denomina início da
vida psíquica individual: uma vida psíquica primitiva, específica desse período,
que não se conserva como tal nos períodos posteriores, mas se integra como
instância subordinada às formações nervosas e psíquicas de nível superior. A
vida psíquica individual do bebê fundamenta-se na separação do bebê do
organismo da mãe, convertendo sua existência em individual, e caracteriza-se
pela fusão de sensações e afeto, indistinção de objetos sociais e físicos,
passividade, com pouca ou nenhuma capacidade de socializar-se.
Já o estágio do primeiro ano inicia-se entre o final do primeiro mês e
início do terceiro, quando se verifica uma transformação no estado psíquico e
social da criança em função de mudanças no ciclo de sono e alimentação.
Surgem, na criança, as primeiras reações propriamente sociais, como o sorriso
quando escuta a voz humana, ou o choro quando escuta outra criança chorar.
É possível identificar três estágios durante o primeiro ano, referentes à relação
da criança com o meio social: os períodos de passividade, de interesse
receptivo e de interesse ativo. Esses períodos marcam a passagem gradual da
passividade à atividade. Segundo o autor, o afeto é o processo central
responsável pela unidade entre as funções sensoriais e motoras, perceptivas e
ativas que caracterizam esse período. Com a primeira utilização de
instrumentos e o emprego de palavras para expressar desejos, inicia-se,
também, certa atividade intelectual.
Começa uma fase completamente nova, um novo período, que
marca a crise do primeiro ano. As reações do bebê às ações do adulto
demonstram que a situação social em que se encontra faz com que todo seu
comportamento esteja imerso no social. “O adulto é o centro de qualquer
97
situação no primeiro ano” (VYGOTSKI, 2012b, p. 236). De acordo com a
discussão de Pasqualini (2009), autora que coloca em perspectiva a
periodização a partir de Vigotski, Leontiev e Elkonin, o início e o fim da crise do
primeiro ano de vida são marcados pelo início e o fim do que o autor denomina
linguagem autônoma infantil42. Ocorre quando se forma na criança o que
Vigotski (2012b) denomina linguagem autêntica, quando a linguagem
autônoma gradativamente vai se transformando e encerra-se o período crítico,
iniciando-se a primeira infância.
Na primeira infância, entre um ano e meio e três anos e meio, duas
características novas se sobressaem, são a percepção generalizada dos
objetos – ou percepção semântica – e o desenvolvimento da fala. A
fala/linguagem representa a linha central de desenvolvimento dessa idade,
pois, graças a ela, a criança concebe com o meio social relações distintas
daquelas que estabelecia até então. Entretanto, esses dois elementos do
desenvolvimento estão estreitamente vinculados entre si nesse período, e a
relação da criança com o meio é marcada pela dependência do campo visual
direto. Ocorre uma unidade entre a percepção afetiva e a ação, sendo uma
completamente unida com a outra. A criança age frente à realidade.
Pensar, nessa fase, significa recordar, ou seja, apoiar-se em sua
experiência anterior. Nesse caso, o que caracteriza a situação social da criança
é a dependência da situação. O desenvolvimento é marcado pela possibilidade
de a percepção tornar-se verbal e de constituírem-se generalizações no campo
da linguagem, ampliando, na criança, a percepção dos objetos para além de
suas propriedades físicas, também em seu sentido social.
A percepção é a função básica dessa idade, possui um caráter
afetivo em que toda ela é apaixonada. Encontra-se, segundo Vygotski (2012b),
em condições sumamente propícias para o seu desenvolvimento, pois é função
predominante da consciência. As crianças, nessa fase, atuam nas situações
com base em todas as funções de forma integrada, sincrética; memória,
42
A linguagem autônoma infantil não coincide com a linguagem adulta nem quanto aos aspectos articulatório e fonético nem no que se refere à coesão e à atribuição de significado. Uma de suas peculiaridades é que as crianças utilizam uma única palavra para se referir a todo um conjunto de coisas que os adultos designam com palavras diferentes. As palavras utilizadas pelas crianças se estruturam de modo diferente, carregam, em geral, características específicas que se relacionam ou com o objeto nomeado ou com a linguagem adulta (VYGOTSKI, 2012b, p. 253).
98
atenção, percepção e pensamento aparecem convocados em uma mesma
ação.
A partir da discussão sobre o desenvolvimento da linguagem e da
percepção, o autor aponta que a nova formação central dessa idade é o
surgimento da consciência. Para Vygotski (idem), dizer que o homem atua
conscientemente é o mesmo que dizer que suas ações são impregnadas de
sentido. O autor define essa questão como consciência sistêmica e semântica
como o centro a partir do qual se estrutura e constitui-se a relação da criança
com a situação exterior.
Em seguida, há a crise dos três anos. Apesar de o autor considerar
sua teorização a respeito dessa crise com um caráter inicial, analisa-a
considerando que os elementos da crise agrupam-se em torno de uma nova
formação, considerando a zona de desenvolvimento iminente. Explica a crise
por um conjunto de sintomas, quais sejam: a) negativismo; b) teimosia; c)
rebeldia e d) insubordinação43. Todos esses sintomas, para Vygotski (2012b),
“giram em torno do „eu‟ e das pessoas que o rodeiam” (p. 287), manifestando a
crescente independência e atividade da criança e demonstrando que suas
relações com as pessoas à sua volta ou com sua própria personalidade já não
são as mesmas de antes. Modifica-se a relação da criança com seus próprios
afetos, e ela já é capaz de agir contra seus próprios desejos. A crise é produto
da reestruturação das relações sociais recíprocas entre a personalidade da
criança e as pessoas em seu entorno.
Um aspecto importante para a área da Educação acerca dessa fase
do desenvolvimento infantil consiste em que pode haver “complicações da crise
dos três anos”, que, segundo Vygotski (2012b), podem, inclusive, levar ao
desenvolvimento de condições patológicas. Entretanto, o autor não discute ou
aponta formas consideradas adequadas para lidar com os sintomas da crise
43
O negativismo refere-se ao fato de a conduta da criança opor-se a tudo o que lhe propõem os adultos – ressaltando-se que não se trata de uma reação ao conteúdo específico das solicitações ou proposições, mas ao fato mesmo de tal solicitação ter sido feita pelo adulto. A teimosia refere-se à atitude da criança de insistir em ser atendida em suas exigências, destacando-se que tal insistência não se deve ao desejo intenso da criança de obter algo, mas ao fato de querer ser atendida em algo que ela disse ou exigiu anteriormente (tendência voltada a si mesma, e não ao outro – o adulto, como no caso do negativismo). A rebeldia é uma atitude de protesto generalizado, dirigido não a pessoas (como no caso do negativismo), mas às normas. Por fim, a insubordinação refere-se à aspiração da criança de ser independente e querer fazer tudo por si mesma. Além desses, são descritos pelo autor outros sintomas secundários, a saber: protesto violento, despotismo e ciúmes (PASQUALINI, 2009).
99
dos três anos. Apenas alerta que, nessa fase, as crianças podem ser difíceis
de educar e reafirma a importância de os adultos compreenderem sobre o
desenvolvimento infantil para intervirem de forma mais adequada.
A idade pré-escolar é o período seguinte à crise dos três anos. No
entanto, não há um capítulo dedicado a esse estágio do desenvolvimento. Na
obra em que o autor discute a temática e que apresentamos nossas
considerações aqui, o capítulo seguinte à discussão sobre a crise dos três anos
refere-se à crise dos sete anos. Para o autor, a principal característica dessa
crise é a perda da espontaneidade infantil. Segundo Vygostski (2012b), a
criança pré-escolar é espontânea porque nela não se diferenciam
suficientemente a vida interior e a exterior – as vivências da criança, seus
desejos e a sua manifestação ainda não são totalmente diferenciados.
De acordo com a compreensão do autor, pode-se afirmar que “a
perda da espontaneidade significa que incorporamos à nossa conduta o fator
intelectual que se insere entre a vivência e o ato direto” (p. 291). Com a crise
dos sete anos, a criança passa a ser capaz de julgar a si mesma e a valorar
sua posição no contexto social, ou seja, consolidam-se, nesse período, as
vivências da criança atribuídas de sentido. E tornam-se possíveis, a partir
dessa consolidação, novas relações da criança consigo mesma. A linguagem
verbal, agora mais desenvolvida, significa a produção de generalizações mais
consistentes.
Para o autor, esse é o princípio básico das condições concretas de
desenvolvimento. Os períodos de crise não são imediatamente perceptíveis em
seu início e fim, o peculiar torna-se perceptível à medida que vão ocorrendo as
(re)elaborações e (re)estruturações de processos psíquicos. Vejamos como se
apresenta a compreensão do autor acerca dos períodos estáveis e dos
períodos de crise:
Nas idades críticas, o desenvolvimento da criança geralmente ocorre acompanhado de conflitos mais ou menos agudos com as pessoas de seu entorno. Em sua vida interna a criança pode sofrer dolorosas vivências e conflitos íntimos. Claro está que nem sempre é assim. Os períodos críticos são distintos em distintas crianças. Inclusive em crianças muito parecidas pelo tipo de seu desenvolvimento e posição social o curso da crise apresenta muito mais diferenças que nos períodos estáveis (VYGOTSKI, 2012b, p.198).
100
Embora Vigotski apresente e explique as formas do processo de
desenvolvimento reconhecendo, nele, estágios44, defende que a análise deve
ocorrer na essência do processo, e não em seus traços externos. Para ele, a
atenção deve estar nas mudanças, nas atividades da criança, porque sua
personalidade muda como um todo integral em sua estrutura interna no
percurso do desenvolvimento.
Segundo o autor, o termo “novas formações” pode ser assim
compreendido:
Entendemos por formações novas o novo tipo de estrutura da personalidade e de sua atividade, as mudanças psíquicas e sociais que se produzem pela primeira vez em cada idade e determinam, no aspecto mais importante e fundamental, a consciência da criança, sua relação com o meio, e sua vida interna e externa, todo o curso de seu desenvolvimento no período dado (VYGOTSKI, 2012b, p.196).
Foi com base nessa definição que o autor alargou sua teoria sobre o
desenvolvimento e propôs a elucidação das questões relacionadas aos
estágios do desenvolvimento. De acordo com Meshcheryakov (2010),
desenvolvimento é o processo no qual a personalidade ou indivíduo é formado, pelo aparecimento de novas qualidades a cada passo do caminho, novas formações, especificamente humanas, que são preparadas por todo o prévio trajeto desenvolvimental (p. 708).
Discorrendo um pouco mais sobre a relação entre o conceito de
vivência e novas formações, considera-se importante trazer outra relação onde 44
Como forma de explicar a periodização das idades no processo de desenvolvimento, Vigotski apresenta o seguinte modo. Crisis postnatal. Primer año (dos meses – un año). Crisis de un año. Infancia temprana (un año – tres años). Crisis de tres años. Edad preescolar (tres años – siete años). Crisis de siete años. Edad escolar (ocho años – doce años). Crisis de trece años. Pubertad (catorce años – dieciocho años). Crisis de los diecisiete años. Não especificaremos, no texto, cada uma dessas fases para não desviar o foco de nosso estudo. Um maior detalhamento desse modo de compreender esse processo pode ser verificado em Vygotski (2012b).
101
o conceito aparece na obra de Vigotski, justamente ligado à arte, perspectiva
que associamos à Literatura Infantil.
3.4 Interfaces do Desenvolvimento com a Literatura Infantil:
possibilidades da arte literária
Ainda segundo Mescheryakov (idem), na monografia sobre Hamlet,
Vigotski enfoca as relações mútuas entre o sujeito-mundo, de forma similar à
fenomenologia45, abolindo-se, no plano analítico, o limite entre sujeito e objeto,
afirmando que esse campo tem propriedades híbridas que abarcam os
aspectos internos e externos numa unidade (p. 763). Sendo assim, a ideia de
vivência46, para Vigotski, tal como aparece em “A Tragédia do Hamlet”
(1916/1999), designa uma apreensão e reconstituição ativa da obra pelo leitor-
crítico, cuja fagulha inicial é o forte impacto nele produzido pela leitura” (p.
761).
Vigotski interessou-se pela compreensão da arte e de seus efeitos
imbricados no desenvolvimento humano já em seus primeiros trabalhos. Seus
estudos (1970, 1999) discorrendo sobre a relação entre a arte e a vida
trouxeram grandes contribuições para análises e possibilidades de construção
de um princípio explicativo relacionado ao desenvolvimento cultural da criança
em sua relação com a arte literária.
Segundo Vigotski, a obra de arte é um conjunto de signos estéticos,
dirigidos a excitar emoções nos homens. Esses signos envolvem, portanto,
processos de criação e processos de percepção. A intenção de Vigotski, a
partir das análises construídas, foi compreender e recriar as correspondentes
emoções sobre as bases das análises desses signos. Em outros termos, a
tarefa de Vigotski (1970) consistiu em demonstrar que
45
Termo criado no séc. XVIII pelo filósofo J.H. Lambert (1728-1777), designando o estudo puramente descritivo do *fenômeno tal qual este se apresenta à nossa experiência (JAPIASSU, 2001). 46
Nos trabalhos em que Vigotski (1970, 2009, 2010) discute a arte e suas inter-relações com o desenvolvimento cultural, não há um padrão dos termos que utiliza para se referir à experiência com essa linguagem de forma mais específica. Experiência estética, sentido estético, vivência estética, emoção estética, percepção estética, impressão estética são alguns dos termos que o autor utiliza. Assumiremos, neste trabalho, nos momentos de experiência com a arte literária vividas ao longo do processo de construção da tese, o termo vivência estética por se aproximar mais de nossas discussões sobre o desenvolvimento cultural.
102
nós não só interpretamos distintamente as obras de arte, mas também as vivemos de modo diferente [...] a subjetividade na compreensão, o significado que nós aportamos na experiência com a obra de arte, os processos de significação não coincidem entre quem passa pela mesma situação (p. 62).
Ao estudar a arte, Vigotski (1970, 1999, 2010) percebeu questões
fundamentais da Psicologia que o encaminharam para a pesquisa sobre a
compreensão das construções da criação artística e para a compreensão da
função específica da arte, criando, assim, um novo ramo para a obra artística, a
compreensão sócio-histórica da mente humana e uma Psicologia histórica.
Assim, buscou compreender a função da arte na vida da sociedade
e na vida do homem, como entes sócio-históricos. Segundo o autor, uma das
funções que a arte exerce é a de provocar atitude criadora nos indivíduos por
meio das vivências. Ou seja, o sujeito cria, a partir da sua vivência com a arte,
novas possibilidades de elaborações.
A arte ocupa um lugar de signo externo, e, após ser convertida em
signo interno, pode ser mediadora de processos de desenvolvimento cultural.
Segundo Leontiev (1970), a intenção de Vigotski em suas pesquisas sobre a
obra de arte foi tentar recriar, mediante as peculiaridades da obra de arte, a
estrutura daquela reação, ou a atividade interna que a obra de arte provoca (p.
8). A partir desse modo de compreender a obra de arte, nosso desejo, neste
trabalho, é compreender os meandros dos processos de desenvolvimento de
adultos e crianças na escola a partir do trabalho com a literatura infantil
Vigotski dedicou-se ferrenhamente a compreender a gênese do
desenvolvimento humano debruçando-se, inclusive, na discussão sobre o
papel da escola nesse processo. Em sua obra Psicologia Pedagógica (2010),
traz uma discussão sobre a escola e a educação estética, oferecendo-nos
elementos interessantes sobre a arte e os afetos que provoca nos sujeitos. No
capítulo “Educação Estética”, chama a atenção para as formas de trabalho das
escolas com a literatura, que, a seu ver, pouco ou nada contribuem para a
formação da criança e para a construção de um interesse por esse ramo da
arte.
O autor critica algumas obras literárias e também o trabalho feito
pelas escolas quando têm por objetivo levar a criança a tirar exemplos morais e
103
lições edificantes dos textos lidos. Ele chama esse tipo de trabalho como falsa
literatura infantil. Afirma que as crianças têm capacidades de tirar impressões
sérias da arte que ultrapassam, e muito, uma regra moral. E, ainda, afirma que
não podemos estar certos sobre os tipos de efeitos morais que uma ou outra
obra irá exercer. Os exemplos citados por Vigotski demonstram que a escola,
muitas vezes, ignora o fato da diversidade de possíveis interpretações e
conclusões morais sobre uma história, tentando enquadrar a vivência estética
em um conhecido dogma moral. Ademais, argumenta que extrair regras morais
de uma obra de arte entra em contradição radical com a natureza da emoção
estética.
Para o autor, a “arte não pode ser reduzida a um sentimento
imediato de prazer e alegria que elas suscitam na criança e não pode ser vista
apenas como fonte de prazer” (p. 331). A obra de arte é percebida por meio de
um trabalho difícil e cansativo do psiquismo, e os momentos de percepção
sensorial são apenas os impulsos primários necessários para despertar uma
atividade mais complexa, e, em si, carecem de qualquer sentido estético. A
vivência estética baseia-se em um modelo absolutamente preciso de reação
comum, que pressupõe a existência de três momentos: uma estimulação, uma
elaboração e uma resposta.47
Dessa forma, o autor define a obra de arte como
Um sistema especialmente organizado de impressões externas ou interferências sensoriais sobre o organismo. Entretanto, essas inferências sensoriais estão organizadas e construídas de tal modo que estimulam no organismo um tipo de reação diferente do que habitualmente ocorre, e essa atividade específica, vinculada aos estímulos estéticos, é o que constitui a natureza da vivência estética (VIGOTSKI, 2010, p. 333).
Com base nessa definição acerca da obra de arte, Vigotski
apresenta uma compreensão muito fecunda em nosso trabalho, pois afirma
que, na vivência do sujeito com a arte, nesta relação
47
Essa consideração de Vigotski foi feita em um de seus primeiros trabalhos, capítulo “Educação estética” (VIGOTSKI, 2010). A mesma convida-nos e provoca reflexões na medida em que aprofundamos os estudos nessa perspectiva ampliamos os modos de compreender a fala do autor por meio de outros conceitos, alguns já discutido tais como vivência e significação.
104
se desenvolve uma atividade construtora sumamente complexa que é realizada pelo ouvinte ou espectador e consiste em que viva com as impressões externas apresentadas. Nesse sentido, o próprio receptor constrói e cria o objeto estético para o qual já
se voltam todas as suas posteriores reações (idem).
Ou seja, Vigotski, revela-nos o papel ativo de quem vivencia a obra
de arte. A arte provoca no sujeito uma elaboração criadora do próprio objeto.
Isso significa que, ao percebermos uma obra de arte, sempre a recriamos de
forma nova, e essa (re)criação é única e irrepetível. Estabelece-se, dessa
forma, um caráter ativo de quem está experimentando, apreciando, ouvindo a
obra de arte. O desafio do pesquisador interessado em compreender esses
processos é perceber a unidade entre os aspectos desencadeados nessa
criação por meio da observação, do diálogo e da captura das expressões e
movimentos dos sujeitos e dos modos de participação de adultos e crianças
com/na arte literária. Todos esses elementos dão pistas acerca dessa criação e
nos permitem avançar em nossas análises.
Essa compreensão é fundamental para nosso trabalho, pois ancora
nossos modos de perceber processos de inter-relação entre a literatura e o
desenvolvimento cultural de adultos e das crianças na medida em que “o que
deve servir de regra não é o adornamento da vida, mas a elaboração criadora
da realidade, dos objetos e seus próprios movimentos, que aclara e promove
vivências cotidianas ao nível das vivências criadoras” (VIGOSTSKI, 2010, p.
352).
Embora Vigotski (1972) construa a concepção discutida acima
acerca das vivências dos sujeitos com a obra de arte, afirma que a experiência
com a arte pela criança segue critérios diferentes da experiência do adulto.
Trazer essa discussão em nosso trabalho é importante na medida em que foi a
partir dela que nossa pesquisa foi construída com crianças de 0 a 3 anos. Dizer
que a experiência da criança com a arte ocorre de modo diferente não significa
menosprezá-la. Aliás, o autor destaca duas circunstâncias que lhe chamam a
atenção na vivência da arte pela criança: “primeiro, a presença precoce de uma
disposição especial que a arte exige e que prova a existência de: primeiro, uma
afinidade psicológica entre a arte e os jogos da criança48” e, segundo, uma
48
Trata-se, aqui, dos jogos simbólicos (VIGOTSKY, 1991).
105
relação estreita entre a arte infantil e o jogo, o que explica, segundo Vigotski, o
papel e o valor da arte na vida infantil (p. 314-315).
O autor afirma:
Cremos profundamente certa a suposição de que este tipo particular de arte infantil se aproxima muito ao jogo e nos explica perfeitamente o papel e o valor da arte na vida infantil. „Aqui, são muitos todavia os que não têm compreendido a estreita relação que existe entre os versos infantis e os jogos‟ (idem).
Dessa forma, Vigotski aponta-nos um caminho de análise
interessante quando associa os modos de se relacionar com a arte pela criança
com os jogos simbólicos. Aqui, embora os escritos do autor não se aprofundem
a respeito dessa relação, arriscamo-nos a fazer essa associação com a
discussão apresentada pelo autor no texto “O papel do brinquedo no
desenvolvimento” (1991). Em que pese a questão da tradução do inglês para o
português, como o termo “brinquedo”, ressaltamos que o sentido atribuído pelo
autor é do jogo simbólico. Dessa forma, ao relacionar a discussão do autor
sobre a vivência da arte na infância e sobre o papel do jogo simbólico nessa
fase da vida dos pequenos, encontramos essa associação vinculada à análise
do autor sobre o papel do jogo simbólico na infância.
Para Vigotski (1991), o brinquedo, e, aqui, ressaltamos mais uma
vez, o jogo simbólico, preenche necessidades da criança. De acordo com o
autor, a criança possui necessidades de ordem psicológica que nem sempre
podem ser satisfeitas de forma imediata, e, nessa fase, os pequenos não têm,
ainda, a capacidade de projetar sua satisfação para o futuro. É nesse momento
que o jogo simbólico ocupa um lugar especial no desenvolvimento. Por meio
dele, elas conseguem criar um mundo imaginário capaz de propiciar a
satisfação dessas necessidades. Segundo Vigotski (idem),
Para resolver essa tensão, a criança em idade pré-escolar envolve-se num mundo ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser realizados, e esse mundo é o que chamamos brinquedo [brincadeira]49. A imaginação é um processo psicológico novo para a criança; representa uma forma especificamente humana de atividade consciente, não
49
O significado deste termo já foi discutido por outros autores e há consenso de que a tradução mais fiel seria “brincadeira”.
106
está presente na consciência de crianças muito pequenas e está totalmente ausente em animais. Como todas as funções da consciência, ela surge originalmente da ação. [...] podemos dizer que a imaginação, nos adolescentes e nas crianças em idade pré-escolar, é o brinquedo em ação. (p. 106)
Essa discussão abre, para nossa pesquisa, um leque de
possibilidades e compreensões com/sobre as/das “vivências” das crianças com
as obras literárias. Toassa e Souza (2010), ainda, apontam que, no
desenvolvimento do conceito de vivência, os estudos de Vigotski foram
incorporando ideias que ampliaram o próprio sentido do termo, passando a ter
uma abrangência mais completa, podendo ser entendido “como unidade
sistêmica da consciência/personalidade; unidades da relação interna
consciência-meio” (p. 764).
Segundo as autoras, a personalidade, em seus traços diferenciais e
caracteriológicos, são, mais do que tudo, as conexões caracteriológicas. “É o
resultado do que surgiu e se desenvolveu na ontogênese em um sistema
determinado de conexões neurais: de ações, representações, percepções”
(idem). Dessa forma, consideramos o conceito de vivência, e diríamos vivência
com arte literária, mediada e mediadora, como fundamental para nosso
trabalho, uma vez que são esses os aspectos ou elementos que avaliamos
serem importantes no processo de constituição de nossa pesquisa.
Nessa perspectiva, “as vivências são um conceito-coringa que
delimita a nossa relação com o mundo desde o nascimento, relação que se
complexifica com a estruturação dos sistemas psicológicos terciários (como
consciência e personalidade)” (ibidem, 765). Esse conceito inter-relacionado à
arte literária e suas composições no desenvolvimento humano ajuda-nos nesta
empreitada.
Pretendemos compreender os processos desencadeados com/nas
vivências de adultos e crianças com a literatura, explicando as multiplicidades
de possibilidades nas situações sociais aqui desencadeadas. Assim, momentos
de escuta de histórias em diferentes formatos, seja na biblioteca, no cantinho
de leitura em sala de aula, em momentos coletivos de contação/audição de
histórias, em dramatizações feitas pelas próprias crianças, com a mediação ou
não das professoras, poderão ser interpretadas a partir dos conceitos de meio,
vivência e novas formações.
107
Sendo assim, entendemos que a literatura, ao estar inserida no
contexto cotidiano escolar de forma sistemática50, pode ser problematizada e
debatida por meio dos conceitos apresentados/discutidos neste trabalho. A
partir dessa exposição, perguntamo-nos: como se dão as (inter)ações de
adultos e crianças na escola com a literatura? Como crianças de 0 a 3 anos
estão experimentando as (inter)ações estabelecidas com a literatura? De que
forma essas “vivências” estão repercutindo no desenvolvimento cultural de
adultos e das crianças?
Parte-se da definição do conceito de vivência como algo que
atravessa a vida dos sujeitos, que só pode ser adquirido quando se vive, pois é
no processo de viver que algo acontece, assim como discutido e
problematizado por Toassa e Souza (2010) e também por Meshcheryakov
(2010). Portanto, a vivência é única – singular do sujeito –, eu significo a
situação vivida e ela passa a agir sobre mim e eu sobre o meio – aquilo que é
vivido, é imbuído de sentido pelo sujeito.
Aqui, vale ressaltar as relações estabelecidas entre o conceito de
vivência e os conceitos de sentido, signo e significação discutidos por Smolka
(2004). A autora apresenta uma discussão densa acerca desses conceitos e
aponta que a significação pode ser concebida
como característica ou atributo específico da condição humana; como emergente das relações materiais de produção, constituindo a própria condição de humanização; como processo, modo de produção, como acontecimento, resultante da dinâmica das relações (p. 43).
Entretanto, ressalta a autora, esse processo vai sendo produzido
também com/na linguagem, sendo significado por ela num movimento dialógico
e dialético a partir das “relações concretas e dos modos de vida dos homens
em interação” (idem, p. 44).
A partir dessas premissas, entendemos que a relação das crianças
com as obras literárias, aqui entendidas como parte das experiências das
crianças na escola, pode trazer, a nós, elementos para problematizar, colocar
em perspectiva as vivências e as possibilidades de desenvolvimento cultural,
50
O termo “sistemático” refere-se à frequência de tais atividades na escola, ou seja, a literatura garantida no currículo, e não apenas um elemento que aparece esporadicamente nas práticas pedagógicas como meio de distração ou passatempo das crianças.
108
no cotidiano das escolas de Educação Infantil nos diversos momentos em que
a literatura esteve presente. Entendemos que “o desenvolvimento cultural na
perspectiva vigotskiana implica dentre outros aspectos para as crianças de 0 a
3 anos, na aquisição de maiores capacidades de pensar verbalmente, o que
torna os sujeitos mais ativos em seu meio” (TOASSA e SOUZA, 2010, p. 768).
Segundo Zilberman, (2010, p. 25), “[...] o texto é incompreensível,
pois ele nunca exaure seu objeto, cujo significado se efetua quando o leitor ali
deposita seu conhecimento e experiência”. Ainda para a autora,
A literatura se alimenta do vasto campo das possibilidades humanas, que ela socializa tanto aos que podem alcançá-las por outros meios quanto aos que estão privados dessa chance. Competia à escola colaborar para a concretização dessa utopia da arte; não poderia fazê-lo, porém, sem levar em conta o tipo de diálogo que se estabelece entre o público e as obras. Por sua vez, propiciar a prática do diálogo e refletir sobre os modos como ele se efetiva talvez sejam atividades mais que suficientes para legitimar a presença da literatura na sala de aula (ZILBERMAN, 2010, p. 35).
Entende-se, portanto, que
[...] a literatura infantil é, antes de tudo, literatura; ou melhor, é arte: fenômeno de criatividade que representa o mundo, o homem, a vida, através da palavra. Funde os sonhos e a vida prática, o imaginário e real, os ideais, e sua possível/impossível realização (COELHO, 1986, p. 27).
Dessa forma, percebemos que, ao conceber a literatura como arte
que pode estar presente nas vivências das situações sociais entre adultos e
crianças na escola, ampliamos muito as possibilidades de análise, relacionando
a vivência estética51 com os demais conceitos discutidos até aqui. Considera-
se, portanto, o quanto a literatura pode potencializar e ampliar a constituição e
o desenvolvimento cultural dos sujeitos na escola.
51 Estética (gr. aisthetikós, de aisthanesthai: perceber, sentir) I. Um dos ramos tradicionais do ensino da filosofia. O termo "estética" foi criado por Baumgarten (séc. XVIII) para designar o estudo da sensação, "a ciência do belo", referindo-se à empina do gosto subjetivo, àquilo que agrada aos sentidos, mas elaborando uma ontologia do belo. Contemporaneamente, a estética, tendo renunciado em princípio a todo cânone, é caracterizada por uma abundância de correntes, cada uma constituindo suas teorias particulares (JAPIASSU, 2006). Embora saibamos dos limites desta definição, um estudo mais aprofundado deste conceito foge ao escopo do presente texto.
109
As discussões apresentadas até agora nos permitem indagar mais
uma vez sobre os processos vivenciados por adultos e crianças com a
Literatura Infantil nas escolas. O que nos interessa é a forma como se dão o
envolvimento e o desenvolvimento, os modos de se apropriar com e das obras
literárias. As experiências que os sujeitos têm nesse contexto, crianças e
adultos,
pelo diálogo, pela partilha e pelo conflito, as várias alternativas de interpretação dos textos literários é, sem dúvida, uma condição essencial ao alargamento da compreensão do mundo pela criança – compreensão essa que traz consigo o alargamento e seu domínio linguístico (SILVA, 2010, p. 79).
Dessas experiências problematizamos as condições e contradições
das situações concretas de desenvolvimento, tendo no contexto escolar os
momentos do trabalho com a literatura como provocativos, potencializadores e
fontes de seu desenvolvimento.
Ao discutir a questão semiótica ou da utilização dos signos, Vigotski
está interessado em demonstrar que o desenvolvimento do sujeito acontece de
modo muito peculiar – uma vez “interagindo” com algum elemento da cultura, a
criança (trans)forma-se, é transformada e também transforma as relações
estabelecidas neste contexto, pois ocorre um movimento revolucionário.
Conforme Pino (2005),
falar em desenvolvimento cultural da criança é falar da construção de uma história pessoal no interior da história social dos homens, da qual aquela é parte integrante. É um processo que, se não passa pelas mesmas etapas por que passou o da humanização de homo sapiens, passa por etapas equivalentes. Com efeito, a criança deverá transpor as fronteiras da sensorialidade – necessária para estar em contato permanente com a realidade material do mundo – para chegar ao plano da representação simbólica – via de acesso a essa outra forma de existência da realidade que é a forma simbólica, campo sem fronteiras da cultura (p. 159).
Ressaltamos que, nesse aspecto da construção de representação
simbólica, a arte literária tem muito a contribuir com o processo de
desenvolvimento cultural da criança, pois, por sua característica, provoca
sensações do campo de ordem simbólica. O convívio e, muitas vezes, a
identificação com personagens, seus medos, desafios, conquistas,
110
potencializam sobremaneira o processo de imagens que auxiliam a imaginação
e a criatividade, promovendo o desenvolvimento desses campos, pois, embora
os elementos da história pertençam ao campo da imaginação, o vivido está
diretamente vinculado ao real. Todas as sensações e vivências da criança são
reais, levando-a a experimentar, de fato, os elementos da história. E, uma vez
experimentados, é possível dizer que houve transformações no campo do
desenvolvimento cultural dos sujeitos.
A partir dessa discussão acerca dos conceitos de signo, meio,
vivência e de novas formações, colocamo-nos com o propósito de
compreender e explicar os processos construídos e vividos por adultos e
crianças na escola no trabalho com a literatura observando como as histórias
infantis estão fazendo parte do processo de (re)apropriação, pelas crianças, de
aspectos culturais presentes na escola e na sociedade.
Para tanto, tivemos como fonte de análise o trabalho desenvolvido
por duas profissionais que participaram de um curso de formação e
propuseram ações teórico-práticas envolvendo a literatura infantil com suas
crianças nas escolas em que atuavam. Desse trabalho, observamos o cotidiano
e as vivências de adultos e crianças com as obras literárias. Segundo Toassa e
Souza (2010), “as vivências são unidades da relação entre a personalidade/
consciência e o meio; da relação interior da criança com um ou outro
acontecimento externo, ou as circunstâncias particulares que a envolvem” (p.
769).
Assim como proposto por Vigotski, a ênfase é posta, então, nas
tensões que o corpo – significativo – condensa: as marcas da cultura, da
história, do outro, no corpo, no sujeito; mas, também, a singularidade do sujeito
na elaboração de uma síntese. Sendo assim, os conceitos até aqui discutidos
ajudam-nos a colocar em perspectiva as “vivências” que adultos e crianças
estão constituindo com a literatura infantil, entendendo que esse elemento da
cultura pode trazer implicações no processo de desenvolvimento delas. Dessa
forma, na vivência, nós sempre lidamos com a união indivisível das
particularidades da personalidade e das particularidades da situação
representada por ela.
111
A partir das elaborações e discussões aqui apresentadas, e
considerando as vivências estabelecidas entre os sujeitos e a literatura infantil,
perguntamo-nos, assim como Vigotski (2000):
como o coletivo cria nesta ou aquela criança as funções superiores? Antes era pressuposto: a função existe no indivíduo em forma pronta, semi-pronta, ou embrionária – no coletivo ela exercita-se, desenvolve-se, torna-se mais complexa, eleva-se, enriquece-se, freia-se, oprime-se, etc. Agora: função primeiro constrói-se no coletivo em forma de relação entre as crianças, – depois constitui-se como função psicológica da personalidade (p. 29).
Para construir essa análise, será necessário levar em consideração
todos os conceitos aqui apresentados, bem como as características principais
do desenvolvimento infantil, tal como nos aponta Meshcheryakov (2010) a
partir dos pressupostos vigotskianos.
1) a integralidade (caráter holístico) do processo de desenvolvimento, a unidade de diferentes aspectos e linhas de desenvolvimento (a existência de uma regularidade comum vinculada à unidade intersistêmica); 2) no desenvolvimento, há não só mudanças quantitativas, mas também qualitativas; 3) há desníveis de desenvolvimento global, ou seja, mudanças de tempo ou velocidade; 4) heterocronia e desproporcionalidade do desenvolvimento de diferentes linhas (por exemplo: diferentes partes do corpo, tanto glândulas endócrinas quanto funções psicológicas desenvolvem-se em diferentes velocidades, no seu próprio ritmo, trajetórias, e tempos diferentes); 5) o aparecimento de neoformações, talvez acompanhada por regressão, involução de conquistas prévias; 6) o desenvolvimento é caracterizado por mudanças estruturais, que são relacionadas à diferenciação de estruturas prévias e de velocidades de desenvolvimento das diversas partes de todo o sistema; 7) a existência dos períodos ótimos do desenvolvimento de diferentes partes do corpo e da personalidade (idem, p. 707).
Em todos esses aspectos, a relação entre o meio e a criança fica
sempre no centro, e não unicamente o meio, nem unicamente a criança, em
separado (VIGOTSKI, 2010). Nesse processo, a linguagem será o elo que nos
propiciará ampliar o olhar, compreender e explicar, pois “a linguagem é o laço
que relaciona os conceitos de tomada de consciência (no sentido da relação de
compreensão que estabelecemos com algo) e vivência. (TOASSA e SOUZA,
2010, p.770).
112
As relações estabelecidas com a literatura, bem como os processos
desencadeados com/nos adultos e nas crianças frente a esse elemento da
cultura, são, para nós, fonte de grande atenção, pois se entende que, a partir
dessa análise, será possível compreender e explicar processos importantes do
desenvolvimento cultural infantil ali presentes, bem como (re)pensar práticas de
trabalho no cotidiano escolar que têm, na literatura, fonte de inspiração
cotidiana.
113
4 A LITERATURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: MODOS DE PARTICIPAÇÃO
DE ADULTOS E CRIANÇAS
Não são as coisas que saltam das páginas em direção à criança que as vai imaginando - a própria criança penetra nas coisas durante o contemplar, como nuvem que se impregna do esplendor colorido desse mundo pictórico (BENJAMIN, 2002, p. 69).
A construção dos dados mostrou-se, para nós, como oportunidade
de acompanhar vivências de adultos e crianças com a literatura infantil. Nossa
intenção com o trabalho de campo foi construir um conhecimento que
explicitasse, por meio dos modos de participação de adultos e crianças ao
contar e ouvir histórias, as provocações e as potências que o trabalho com a
literatura pode desencadear. Assim, poderíamos compreender e explicar as
nuances desses processos no que se refere ao desenvolvimento cultural de
adultos e crianças na escola.
Ao trazer o conceito de vivência referimo-nos não só ao
acontecimento de contar e ouvir histórias, mas às relações estabelecidas por
adultos e crianças com a arte literária. Essa relação pode ser compreendida a
partir dos modos de participação, dos sentidos construídos com e nesta
experiência. Revela-se e traduz-se como algo intermediário entre a
personalidade e o meio.
Assim, para nós, as experiências construídas nos episódios
analisados podem demonstrar um processo de (re)apropriações de adultos e,
também, das crianças, que estabelecem com a literatura uma relação que
“designa uma apreensão e reconstituição ativa da obra pelo leitor-crítico, cuja
fagulha inicial é o forte impacto nele produzido pela leitura” (idem).
Dessa forma, a construção dos episódios para esta análise inicial
baseou-se, principalmente, na tentativa de eleger situações que condensassem
vários elementos da história vivida pelos sujeitos envolvidos na pesquisa.
Momentos do trabalho das profissionais com a literatura, em que elas
experimentavam novos modos de atuação planejados no processo formativo,
um trabalho que repercutia nos modos de participação das crianças com/na
arte literária.
114
Estabelecemos uma relação dialógica com as colaboradoras e com
todos os elementos da pesquisa durante todo o trabalho (BAKHTIN, 2011). O
princípio dessa relação baseia-se na apreensão e, também, na construção das
interações de forma dialogada por meio de um processo criador e criativo de
nosso trabalho.
A (com)vivência na escola permitiu construir experiências
importantes para todos os envolvidos. As vídeo-gravações possibilitaram
capturar o processo vivido e oportunizaram sua retomada em outro momento,
quando foi possível (re)memorar as situações e reconstruir todo o processo.
Entretanto, só se apresentam passíveis de análise diante do
cruzamento das informações construídas ao longo da pesquisa de campo.
Retomamos, aqui, algumas fases desse processo: encontros de estudo e
planejamento entre a pesquisadora e as profissionais ao longo de todo o ano
de 2015 e início de 2016; participação da pesquisadora no cotidiano da escola
no segundo semestre de 2015, acompanhando o desenvolvimento das
propostas planejadas; leitura e orientação da pesquisadora acerca dos
relatórios monográficos produzidos pelas duas profissionais sobre o trabalho
realizado. Nos planejamentos coletivos entre a pesquisadora e as duas
profissionais, discutíamos as possibilidades de intervenção e fazíamos os
estudos teóricos sobre linguagem, desenvolvimento infantil e sobre o trabalho
com a literatura. Na organização prévia dos elementos que seriam
apresentados às crianças, os estudos feitos eram retomados.
Acreditamos que os registros produzidos pela pesquisadora em
diários de campo, em áudio, em vídeo e os materiais produzidos pelas
professoras no decorrer de todo o trabalho, tais como os relatórios
monográficos, as transcrições do encontro onde assistimos às cenas do
cotidiano e, também, a transcrição dos dois episódios vividos na escola
possibilitaram, portanto, a retomada dos sentidos construídos por nós na
pesquisa, por expressarem os modos de participação de todos os sujeitos.
Esses materiais condensam fragmentos da história de desenvolvimento cultural
das colaboradoras da pesquisa, da pesquisadora e permitem capturar
elementos desses mesmos processos vividos pelas crianças. Sendo assim,
consideramos possível apresentar e discutir elementos importantes sobre o
115
desenvolvimento cultual de adultos e crianças na escola a partir da inter-
relação com a literatura.
Sobre a construção de episódios de análise, Pedrosa (2005)
argumenta que
A postura metodológica decorrente é de que o dado é construído, não existe independente do observador: é este que o elege ao status de dado, como fruto de sua reflexão, de sua sensibilidade, e em última análise, de sua interação com os fatos observados. [...] É a explicitação dos critérios, que possibilita esse compartilhamento e, consequentemente, essa construção (p. 432).
Dessa maneira, salientamos que nosso esforço é dar visibilidade aos
processos vividos por adultos e crianças na escola com a literatura infantil,
considerando-os como construções históricas repercutidas nos modos de
participação individuais de adultos e crianças. Assim, acreditamos que teremos
elementos para problematizar e discutir o desenvolvimento cultural de
professoras e crianças nessa relação.
4.1 Bruxa, Bruxa! Venha à minha festa: o convite à participação das
crianças
Esse episódio ocorreu no dia 22 de outubro de 2015. Foi conduzido
do início ao fim pela educadora Laís com o suporte da professora regente do
grupo e das outras duas educadoras. A pesquisadora participou desse
momento por meio do planejamento anterior à atividade e como observadora
participante, produzindo o registro fílmico da situação e interagindo com as
crianças.
A história contada foi “Bruxa, bruxa, venha à minha festa”, de Arden
Druce, editora Brinque Book, edição de 1995, ilustrada por Pat Ludlow. Segue
o texto da história:
116
_ Bruxa, Bruxa, por favor, venha a minha festa. _ Obrigada, irei sim, se você convidar o Gato. _ Gato, Gato, por favor, venha a minha festa.
_ Obrigado, irei sim, se você convidar o Espantalho. _ Espantalho, Espantalho, por favor, venha a minha festa.
_ Obrigado, irei sim, se você convidar a Coruja. _ Coruja, Coruja, por favor, venha a minha festa. _ Obrigada, irei sim, se você convidar a Árvore.
_ Árvore, Árvore, por favor, venha a minha festa. _ Obrigada, irei sim, se você convidar o Duende.
_ Duende, Duende, por favor, venha a minha festa. _ Obrigado, irei sim, se você convidar o Dragão.
_ Dragão, Dragão, por favor, venha a minha festa. _ Obrigado, irei sim, se você convidar o Pirata. _ Pirata, Pirata, por favor, venha a minha festa.
_ Obrigado, irei sim, se você convidar o Tubarão. _ Tubarão, Tubarão, por favor, venha a minha festa.
_ Obrigado, irei sim, se você convidar a Cobra. _ Cobra, Cobra, por favor, venha a minha festa.
_ Obrigada, irei sim, se você convidar o Unicórnio. _ Unicórnio, Unicórnio, por favor, venha a minha festa.
_ Obrigado, irei sim, se você convidar o Fantasma. _ Fantasma, Fantasma, por favor, venha a minha festa.
_ Obrigado, irei sim, se você convidar o Babuíno. _ Babuíno, Babuíno, por favor, venha a minha festa.
_ Obrigado, irei sim, se você convidar o Lobo. _ Lobo, Lobo, por favor, venha a minha festa.
_ Obrigado, irei sim, se você convidar a Chapeuzinho Vermelho. _ Chapeuzinho Vermelho, Chapeuzinho Vermelho, por favor, venha
a minha festa. _ Obrigada, irei sim, se você convidar as Crianças.
_ Crianças, Crianças, por favor, venham a minha festa. _ Obrigado, iremos sim, se você convidar a Bruxa.
Texto extraído do livro “Bruxa, Bruxa, venha à minha festa”
Para contar a história, a educadora preparou anteriormente, junto às
crianças, alguns elementos, como fantoches, que elas puderam personalizar
com pintura em tecido e nomear, um tapete especial e almofadas, um carrinho
que já pertencia à escola, mas que foi todo remodelado e denominado pela
educadora de “Biblioteca Ambulante”. Da confecção dos fantoches, surgiram os
personagens que potencializariam um dos modos de participação das crianças,
ir à festa da bruxa: bruxa, gatinho, pintinho, vovô, vovó, menininha, boi,
cachorrinho etc.
117
Em momento anterior à história, as crianças pintaram e vestiram as
roupas nos fantoches, enquanto que o acabamento com caracteres tais como
cabelo, boca e olhos foram desenhados ou colados pela educadora. Quando
as crianças viram os fantoches no momento da história, tiveram a oportunidade
de reconhecer, neles, as marcas de suas expressões.
A escolha do livro pela educadora também foi pensada considerando
o grupo no qual a intervenção seria feita. As crianças já tinham o contato com a
personagem “Bruxa” regularmente em sua rotina. A professora regente, em
uma de suas atuações no trabalho pedagógico, trazia a “Bruxinha Mafalda” de
um modo muito peculiar. Criava e recriava essa personagem como um
elemento surpresa muito importante diante das crianças, caracterizando-a com
roupas, cabelos e um diálogo especial com cada um do grupo por meio de
músicas e cumprimentos carinhosos. Essa foi a motivação da educadora para
a escolha do livro, e esse modo de propor a atividade demonstrou que
considerar as crianças como partícipes do processo, no caso deste episódio,
da composição de personagens que iriam viver uma história e do contato que
já tinham com a personagem principal, fez toda a diferença na significação do
processo vivido pela educadora e pelas crianças.
Além disso, cabe destacar que o livro escolhido pela educadora
possui uma ilustração muito peculiar. A princípio, considerei que as crianças
ficariam assustadas com as imagens, pois parecem aterrorizantes, entretanto
isso não ocorreu. Destaca-se, no modo como as crianças interagiram com os
personagens representados no livro, a discussão de Araújo (2016) quando trata
sobre a criança e a leitura de imagens. A autora afirma que o leitor é um sujeito
ativo na ação interpretativa. Ler imagem torna-se um ato de criação poética da
criança em que ela atua de modo pessoal, atribuindo sentido ao objeto em
questão. Ou seja, atribui e constrói um significado próprio.
Assim, as formas descritas por Reily (2003) apud Araújo (2016)
ajudam-nos a interpretar as ações das crianças. Tocar as figuras, apontar,
mostrar detalhes importantes, seguir os movimentos, imitar os gestos dos
personagens, tudo isso aproxima a criança do livro. Benjamin (2002) também
compreende a relação das crianças com as imagens dos livros de modo a
afirmar que “ela habita as imagens [...] a criança penetra nestas imagens com
118
palavras [e gestos]52 criativos [...] nessas imagens, aprende ao mesmo tempo a
linguagem oral e a escrita: os hieróglifos” (p. 66).
Assim, a forma como essa atividade foi planejada demonstra modos
de compreender o desenvolvimento infantil pela educadora. Ela evidencia que
a organização do espaço para contar uma história precisa ser muito bem
pensada e preparada para envolver as crianças. Por isso, dispôs a sala de
forma a ampliá-la, sem muitos outros estímulos além dos que já seriam
oferecidos na atividade.
Apresentamos algumas possibilidades de análise do episódio
considerando as discussões apontadas por Vygotski (2012b), em que
apresenta as especificidades do processo de desenvolvimento cultural em
crianças de 0 a 3 anos, e, também, na discussão do autor sobre como a arte
pode transformar os sujeitos. A transformação que nos arriscamos aqui a
ressaltar refere-se ao desenvolvimento. Todo o episódio é rico de situações
que demonstram como o cotidiano da escola, mais especificamente o trabalho
com a literatura, é potente no que se refere a esse processo para adultos e
crianças.
Vale salientar que as situações podem ser mais ricas quando os
profissionais estiverem cientes de seu papel e da potencialidade da mediação
provocada. É por isso que destacamos, nos modos de contar história da
educadora, o processo anterior vivido nos estudos e planejamentos da
intervenção realizada. Percebemos que, por meio do estudo e aprofundamento
das discussões sobre crianças dessa faixa etária e do trabalho com a literatura,
é que foi possível para ela planejar e desenvolver esta proposta.
As crianças estão em pleno processo de descoberta de mundo,
experimentando novas situações. Vygotski (2012b) ressalta a importância de
se considerarem as relações da criança com e no seu meio para
compreendermos o processo de desenvolvimento. Ou seja, no caso deste
episódio, os modos de participação de crianças de 0 a 2 anos com a literatura
podem dar-nos pistas importantes de como estão percebendo e apropriando-se
dos conhecimentos ali compartilhados, e de como estão sendo afetadas com e
pela história.
52
Acréscimo da pesquisadora.
119
O autor está, portanto, assinalando que, para compreender o
desenvolvimento da criança, e aqui ressaltamos que esse desenvolvimento é
cultural, é necessário atentarmo-nos para as vivências repercutidas nas formas
de relações estabelecidas com o meio. Com base nessa concepção,
buscamos, no episódio colocado em perspectiva, uma situação que
consideramos ser oportuna para discutir tal questão.
Nesse sentido, o aporte teórico auxilia-nos a compreender os
processos vividos na escola na inter-relação com a literatura, e nosso esforço
baseia-se, principalmente, na tentativa de estabelecer uma íntima relação entre
a teoria e a situação empírica vivida no campo da pesquisa. Esse processo
inter-relacionado convoca-nos para a produção de uma análise interpretativa e,
ainda, para a produção de um novo conhecimento no que tocante às inter-
relações entre a literatura e o desenvolvimento cultural de adultos e crianças.
Nos momentos que antecedem a contação da história, as
profissionais organizam as crianças para a chegada da educadora Laís e da
“Biblioteca Ambulante”. Vejamos:
A cena se inicia já se sabendo que a educadora Laís foi buscar a
biblioteca móvel, mas para as crianças isso era tratado como uma
surpresa. As profissionais (educadoras e professora) organizam as
crianças para esse momento. Insistem para que todas aguardem a
“tia Laís” sentadas no chão. A professora regente diz batendo palmas
e pegando João Maciel colocando-o sentado.
Professora Regente Edilene: _ Surpresa! Surpresa! Vamos sentar,
vamos!
Educadora Andréa: _ Júlia, senta Júlia, senta que vai ter surpresa! -
e começa a cantar uma música - _ Olha a hora é agora vamos ouvir
história!
Professora Regente Edilene depois de colocar outra criança
sentada diz: _ O Tiago sentou e chorou!
A professora Edilene fica nesse movimento de contenção das
crianças, bate palmas, apaga as luzes e até bate na porta para
chamar a atenção das crianças e mantê-las sentadas.
Professora Regente Edilene: _ Aqui ô Tiago! A tia Laís Tiago trouxe
uma surpresa prá nós. Ô!! Já apagou a luz.
Esse movimento de atrair a atenção das crianças para a história por
meio de chamadas tais como “Oh! Oh!”, bater palmas e colocar as crianças
sentadas, apresentou-se, incialmente, para nós, como uma tentativa de
120
controle das profissionais sobre as crianças. Essa nossa impressão provocou-
nos um estranhamento ancorado em nossa compreensão teórica que entende
o comportamento das crianças de se levantar e ir em direção ao carrinho de
livros e em direção à educadora que contaria a história como compatível com
suas necessidades. Ou seja, a forma de aprendizagem e desenvolvimento das
crianças nessa faixa etária está diretamente relacionada à percepção afetiva e,
consequentemente, ao movimento em direção ao objetivo de sua atenção.
Segundo Vigotsky (2012),
Para a criança de idade temprana a tomada de consciência não equivale a perceber e elaborar o percebido com a ajuda da atenção, da memória e do pensamento. Ditas funções não estão ainda diferenciadas, atuam na consciência totalmente sujeitas à percepção em tanto e em quanto participam do processo da percepção (p. 344).
Assim, a organização das profissionais para que as crianças
ouvissem a história naquele grupo pode ser compreendida sob dois prismas
contraditórios. Primeiro, as necessidades das crianças, e, segundo, as
situações concretas possíveis vividas naquela situação.
A escola, e mais especificamente a sala, no caso deste grupo, é
organizada com 19 crianças com idade entre 10 (dez) meses a 2 (dois e quatro
meses) anos. Neste grupo, são apenas quatro adultos responsáveis por mediar
as relações das crianças com as propostas ali desencadeadas. Sendo assim,
caso as crianças não conseguissem minimamente perceber a situação
proposta, ou seja, a chegada da biblioteca móvel e o que ela significava, talvez
não conseguissem estabelecer aproximações e nem mesmo percepções sobre
a história a ser contada/ouvida.
Assim que a educadora inicia a contação da história “Bruxa, bruxa,
venha à minha festa” e que as crianças compreendem e se envolvem com/na
história, foi possível perceber mais flexibilidade na forma de lidar com os
movimentos das crianças. A maioria delas estabeleceu uma relação de atenção
com a história ouvida e, muitas vezes, algumas iam em direção à educadora e
ao livro, demonstrando suas necessidades de ir ao encontro do objeto de sua
atenção.
121
A educadora utiliza como estratégia para contar a história e envolver
as crianças ler o livro com as páginas viradas para os pequenos, mostrar as
imagens e fazer questionamentos a elas. Indaga sobre quem são aqueles
personagens e dialoga sobre os convites que seriam feitos para ir à festa da
bruxa. Esse modo de contar a história provoca, convida, potencializa ações e
reações dialéticas no encontro entre a educadora, a história, os personagens e
as crianças.
Neste trecho, fazemos o destaque para a provocação despertada
nas crianças, principalmente na atitude de Lara, que entra na história e
acrescenta um elemento próprio, tentando criar um encontro entre a “Bruxa” e
o “Gatinho”. Vejamos como se deu esse momento. A educadora Laís estava
lendo a história fazendo indagações às crianças:
Educadora Laís: _ Cadê o gatinho? Ela procura o fantoche do gatinho e, como não encontra, convida as crianças para ajudarem a encontrá-lo. Educadora Laís: _ Vamos achar o gatinho aqui? As crianças que estão mais próximas – Lara – Bruna – Higor – Tarcila – Eduardo – Dénick - olham em direção aos fantoches tentado encontrar o gatinho. A professora Edilene reforça o convite, chamando as crianças a ajudarem a encontrar o gatinho. E ainda diz: Professora Edilene: _Olha o nariz da bruxa! Ao que Laís concluiu quando Eduardo pega o gatinho entre os fantoches: Educadora Laís: _ Aqui, tá com o “Dudu” [Eduardo] A professora Edilene ressalta: _ O Dudu achou, tia Laís! Laís pega o gatinho na mão de Eduardo e diz mostrando-o para as outras crianças: Educadora Laís: _ A bruxa convidou o gatinho para ir à festa! Criança Bruna pega outro fantoche e diz: _ Aqui! Laís diz a ela: _ Esse é o pintinho, não é Bruna - Laís levanta o gatinho mostrando para as crianças e diz - _ Ô o gatinho! Como que o gatinho faz??
A forma como Laís faz a pergunta é um convite às crianças para
imitarem o gatinho! As crianças respondem: _ Miaaauu! – pelo vídeo, não é
possível identificar quais crianças imitaram o gatinho, mas todas estavam
envolvidas na atividade e com a atenção nos fantoches. Lara, que estava com
a bruxinha na mão, levanta o brinquedo e o leva em direção ao gatinho que
estava na mão da educadora, tentando provocar um diálogo “bruxa” com o
“gatinho” que está na mão de Laís. Ela diz alguma coisa chegando a bruxinha
mais perto do gatinho:
122
Lara: _ ô a ? [inaudível] dele! A Educadora entrega o fantoche do gatinho para Higor dizendo: Educadora Laís: _ Segura o gatinho! Higor pega o gatinho e Laís continua contando a história.
Pode-se perceber, neste trecho, que o convite da educadora para
um elemento da história, encontrar o personagem “Gatinho”, que foi convidado
para a festa, provoca movimento de percepção que se desdobra em
observação, atenção e, ainda, na proposta de Lara em provocar, criar uma
aproximação entre o gatinho, que estava na mão da educadora, e a bruxinha,
que estava em sua mão. Segundo Vygotski (2012b), as ações das crianças
nessa fase possuem relação com seu campo visual-direto. Ocorre uma unidade
das funções sensoriais e motoras, em que a percepção é seguida pela ação. A
criança deseja tocar tudo o que vê, sendo que a unidade que impulsiona a
criança no processo de percepção e ação passa pela relação afetiva
estabelecida com as situações e/ou objetos.
O gesto de Lara em estabelecer uma possível interação entre a
“Bruxinha” e o “Gatinho” demonstra, segundo Vygotski (idem), que
A unidade de momentos receptivo-afetivos nos dá a conhecer o terceiro momento que caracteriza a consciência da criança na infância temprana – é para atuar na situação – nos enfrentamos a um sistema de consciência muito peculiar onde a percepção está diretamente unida à ação. Por conseguinte, se queremos caracterizar o sistema da consciência desde o ponto de vista de suas funções principais e conjuntas na idade temprana, devemos reconhecer que se trata da unidade da percepção afetiva, do afeto com a ação (p. 344).
O modo de contar a história pela educadora, utilizando os fantoches
como personagens e fazendo questionamentos, provoca Lara para criar uma
situação entre o “Gatinho” e a “Bruxinha”. Isso ocorreu em outro momento da
contação de história, quando, ao chegar o personagem “Espantalho”,
convidado para a festa, Lara sentiu-se convocada a provocar um diálogo entre
os dois:
Educadora Laís: _ Que coisa feeeia! Olha o nariz dele parece uma
cenoura!
123
Lara, que está com o fantoche da bruxa na mão, faz com que a bruxinha fale com o espantalho, personagem do livro: Lara: _ Oiii!! – Ela diz passando a “bruxinha” na imagem do espantalho, como que se quisesse fazer os dois personagens conversar. Laís, ao ver essa cena, diz para Lara: Educadora Laís: _ A bruxa tá falando oi pro espantalho? Lara, em resposta, repete o movimento, passando a “bruxa” no espantalho novamente em sinal afirmativo.
Imagem 03 – Criação de um diálogo – Lara, Bruxinha e o Espantalho.
Fonte: Material da pesquisadora - Imagem retirada do vídeo – 6m34s.
A provocação feita pela imagem do “Espantalho”, o convite da
educadora à interação com o livro, faz também com que Júlia, criança em pé à
direita na foto (um ano e meio), Dénick (um ano e 7 meses), em pé à esquerda
que caminha em direção ao livro, e Lara, de dois anos e 4 meses (de costas ao
lado de Júlia), estabeleçam um movimento de percepção e ação em direção ao
livro.
Vygotski (2012) aponta os elementos centrais que marcam os
modos de agir de crianças de 0 a 3 anos. Segundo o autor, nessa fase da vida
dos pequenos, não é possível, ainda, separar todas as funções psicológicas,
pois elas se encontram, integradas atuando de forma ainda não diferenciada.
Destaca que a primeira função psicológica predominante desse período da vida
é a percepção. Entretanto, ressalta que essa função está unida à ação.
E mais, essa percepção é mediada pelo afeto. Nessa idade, pensar
significa orientar-se nas relações afetivas. Diante dessa constatação, o autor
aponta, ainda, duas peculiaridades da percepção infantil nessa faixa etária (de
124
um a três anos), a percepção apaixonada e a percepção como função
predominante da consciência.
Pudemos flagrar algumas cenas dos modos de participação das
crianças na e com a história, provocadas pelo convite da educadora:
Imagem 04 – Participação marcada pelos/nos gestos
Fonte: Material da pesquisadora - Imagem retirada do vídeo - 7m20s.
Chamadas a desvendar ou identificar quem é aquele personagem (o
espantalho) que aparece como convidado da “Coruja”, as crianças, atentas à
história, demonstram curiosidade por essa descoberta. Nota-se, na imagem
acima, da esquerda para a direita, Pietro (um ano e meio); seguindo, ao lado,
João Maciel (1 ano e 3 meses); Miguel (2 anos e 2 meses), com o corpo
elevado; Isadora (2 anos), no meio da imagem mais ao fundo, girando o corpo
em direção à cena; e Tarcila (1 ano e 7 meses), mais à frente, com uma
chupeta na boca; Dénick (1 ano e 7 meses), com a cabeça abaixada,
explorando os fantoches que estão no chão; e, ainda, Lara (2 anos e 4 meses),
que aparece de costas de frente com Dénick e à direita de Tarcila, todos
atentos à história contada.
O convite produz uma resposta nos gestos e modos de participação
das crianças na vivência com e na história. Projetando ou erguendo o corpo
para frente para alcançar a imagem explorada no livro, tentando estabelecer
125
diálogos entre os personagens do livro com os fantoches, emitindo balbucios
que demonstram interesse pelo enredo que ali se passa.
Outra situação que destacamos foi o gesto de João Miguel (2 anos),
criança de pé à esquerda na imagem abaixo. Atento ao que se passava à
frente, convida a educadora Andréa a voltar sua atenção para história.
Imagem 05 – Um convite à educadora
Fonte: Material da pesquisadora - Imagem retirada do vídeo - 7m30s.
Ele chama a atenção da educadora encostando a mão em seu
braço, apontando e mostrando a ela a história que se passa à frente. Nesse
caso, a criança assume o lugar de quem convida o outro a participar da
situação compartilhada, demonstrando o envolvimento com o enredo.
Na imagem a seguir, tendo Laís virado a página do livro, a reação
das crianças com a personagem “Cobra” é de excitação. Bruna (2 anos e 4
meses) fica eufórica e parece ter a sensação de que a cobra estivesse
realmente ali naquele espaço. Ela coloca a mãozinha sobre a imagem e
expressa alarme e certa aversão, balançando-a rapidamente como se quisesse
afastar a cobra de perto de si. Além disso, emite balbucios e gritinhos ao
mesmo tempo em que balança o corpo e as mãos, demonstrando estabelecer
com a personagem cobra certo medo e aversão, por, talvez, já ter um
conhecimento prévio sobre as características desse animal.
126
Imagem 06 – Personagem Cobra - A imagem que provoca
Fonte: Material da pesquisadora - Imagem retirada do vídeo - 9m27s.
É fundamental atentarmo-nos para a importância da percepção no
desenvolvimento de outras funções psíquicas das crianças. Percepção e ação
encontram-se como uma unidade nessa fase da vida, e isso pode ser visto nos
gestos dos pequenos logo na chegada da biblioteca ambulante e no convite da
educadora para ouvirem a história. O modo de a educadora convidar as
crianças provocou a reação de ida em direção a ela e ao carrinho de livros.
Outro elemento fundamental que é preciso destacar neste episódio é
a linguagem construída nas interações e marcada, principalmente, pelo modo
de diálogo entre a educadora e o grupo de crianças no desenrolar da história. A
fala que convida, indaga e convoca à participação. A voz da educadora
contando a história, a fala das crianças que aceitam o convite, às vezes
imitando com balbucios o que a educadora diz, e o gesto em direção à cena e
ao enredo da história. A professora, que completa as frases, a fala que
responde e corresponde às provocações feitas pela educadora e pela história.
A criança que observa, envolve-se e desenvolve modos de dar resposta às
mensagens vindas dos elementos da história e das indagações feitas pela
educadora. Todos esses elementos da linguagem marcam os modos de se
relacionar ali estabelecidos e potencializam diálogos.
O trecho em destaque na cena a seguir demonstra como o gesto da
criança é interpretado pelo adulto e como o adulto direciona a criança para
elementos da história.
127
Educadora Laís: _ Quem que é esse aqui?
A professora Edilene se dirige novamente a Miguel, perguntando
a ele quem é aquele lá. Lara pede para ver a imagem, e Laís vira o
livro para ela. Ela arrisca uma tentativa:
Lara: _ Palhaço!?
Bruna ergue o corpo para colocar a mão na imagem do pirata no
livro. Ao fundo, Miguel diz que é o pirata. [Fica a impressão de
que a professora Edilene fala baixinho para ele]. A professora
comemora a participação de Miguel. Miguel está de pé com uma
almofada na mão e repete a palavra:
Miguel: _ Pirata!
Educadora Laís: _É isso Miguel! É um pirata!
Conforme demonstra o registro acerca dos gestos da professora
Edilene em direção à Miguel (2 anos e 2 meses), nesse momento, parece que
a professora contou a ele que a imagem que aparecia na história era do
personagem “Pirata”. Ao que ele, a partir da fala da professora, contrapõe
participando da situação respondendo à pergunta de Laís sobre quem é o
personagem. Nesse sentido, indagamo-nos: como podemos compreender o
gesto da professora? Como tal gesto afeta Miguel em direção ao movimento de
ouvir e contar histórias que ali se passa?
Segundo Vygotski (2012b), a imitação pelas crianças das ações dos
adultos possui um papel fundamental no processo de desenvolvimento cultural
delas. É por meio dela que têm a possibilidade de (re)construir modos de ações
culturais experimentados nas relações sociais. Essa imitação nunca é uma
imitação pura e simples, mas é uma criação ativa do ato ou gesto imitado. Isso
significa que não há como negar as informações oferecidas pelo adulto às
crianças no cotidiano, e, para o autor, “quando nos encontramos em uma
situação exterior, os objetos dominam a criança, porém quando a criança se
mostra ativa em uma situação dada, isto está relacionado com a intervenção de
outros, com invocação dos adultos” (VYGOTSKI, 2012, p. 348).
Portanto, neste caso, mesmo que a professora tenha “contado” à
Miguel quem era o personagem que aparecia no livro, quando ele diz ou repete
“Pirata”, esse gesto seria essencial no processo de desenvolvimento cultural da
criança, pois é o adulto quem a ajuda a interpretar as situações vividas. É ele
quem convida, orienta, indaga e, a partir disso, pode levar a criança a
estabelecer relações, compreender e incorporar aquele aprendizado.
128
Outro momento da contação de história pode ilustrar essa questão.
A situação abaixo demonstra o processo de desenvolvimento da memória inter-
relacionado com a percepção de Bruna (2 anos e 4 meses). Trata-se de uma
circunstância em que aparece um personagem já conhecido das crianças, uma
vez que já tinham ouvido histórias em que ele era protagonista. Vejamos o
trecho em que aparece essa situação:
Educadora Laís: _ E o macaco? Olha aqui o olho dele! Aí quem
será que o macaco vai chamar pra festa da bruxa?
Lara responde pegando um fantoche entre os outros fantoches que
estão por perto. Ela diz, erguendo o fantoche da bruxinha. Ela esteve
com o fantoche da bruxinha desde o início da história, mas já havia
pegado outros:
Lara: _ Esse aqui, ó!
Educadora Laís: _ Essa é a bruxa! Quem que ela vai chamar pra
festa? [vira a página e mostra a imagem do lobo, continua] Quem
que é esse aqui?
Algumas crianças expressam balbucios (não é possível identificar as
palavras que estão dizendo), mas é possível perceber que estão
respondendo à pergunta de Laís. No vídeo, ainda aparecem Sophia,
Tarcila, Bruna e Lara em volta da história com os fantoches na mão.
Julia, com um livro brincando na almofada, e Tiago, de pé, olhando
para o livro. Uma criança responde:
Lara: _ o cachooo! [o cachorro]
Educadora Laís: _ O lobo mauuu!!
Ouve-se uma voz de bebê que diz:
Criança: _ O ma mau!!
Bruna: _ o obo da apeuzinho vemeo...[inaudível] [O lobo da
Chapeuzinho Vermelho...]
Educadora Laís: _ O lobo mauuu Lá da Chapeuzinho Vermelho!
129
Imagem 07 - Crianças e o Lobo Mau
Fonte: Material da pesquisadora - 10m37s.
Na imagem acima, da esquerda para a direita, Tarsila (1 ano e 7
meses), criança com a chupeta; Bruna (2 anos e 4 meses), com o corpo mais
elevado, apontando a mão para o livro; Sophia (2 anos), atenta à imagem;
Tiago (2 anos), abaixa-se e projeta o corpo em direção ao livro para ver melhor
a imagem; e Lara (2 anos e 4 meses), que olha atentamente para a educadora
que conta a história. Nessa cena, vemos as relações estabelecidas por Bruna,
quando descobre que o personagem convidado pelo macaco para ir à festa da
bruxa é o Lobo Mau. Percebe e lembra, por já ter ouvido esse conto em outro
momento, que a Chapeuzinho Vermelho esteve presente juntamente com o
Lobo Mau em algum enredo e consegue estabelecer a relação de que ele [o
Lobo Mau] só irá à festa se convidassem a Chapeuzinho Vermelho. A
expressão de Bruna parece iluminar-se quando ela percebe essa descoberta.
130
Imagem 08 – A virada de página
Fonte: Material da pesquisadora – vídeo 10m32s.
Teria o Lobo chamado a Chapeuzinho Vermelho para a festa? Ao
descobrir que o “Lobo Mau” havia sido convidado, Bruna estabelece,
imediatamente, com a ajuda da educadora, a relação entre o “Lobo”,
personagem dessa história, com o Lobo Mau da história da Chapeuzinho
Vermelho. Nesse momento, a educadora provoca a imaginação das crianças
questionando sobre quem achavam que o Lobo iria convidar para a festa. A
indagação convida Bruna a projetar o corpo para frente e querer virar
rapidamente a página do livro a fim de descobrir se sua hipótese estava
correta. É possível ver também Tiago apontar o dedinho em direção ao lobo,
parecendo identificar esse personagem e estabelecer algum tipo de relação.
Esse gesto demonstra o envolvimento que o livro provoca nas
crianças e a potência dos diálogos produzidos. Mesmo sem ter a fala
totalmente desenvolvida, os gestos e balbucios emitidos desencadeiam outros
processos interessantes na relação com e na história.
Vejamos a transcrição dessa parte do episódio a fim de melhor
acompanhar nossa análise:
Educadora Laís: _ Aí o lobo ... Quem será que o lobo vai chamar?
Quem será?
A educadora pergunta antes de virar a página e aguarda olhando em
direção a Bruna, que está muito atenta à história. Bruna responde:
Bruna: _ o apeuzinho vemeo! [o Chapeuzinho Vermelho]
131
Educadora Laís: _ A Chapeuzinho Vermelho? Será que é Bruna? Bruna: _ va vê a apeuzinho vemeo! [Vamos ver a Chapeuzinho Vermelho] Bruna balança a cabeça em sinal afirmativo e estica o bracinho na intenção de virar logo a página e descobrir. Tiago também está muito interessado em descobrir quem será o convidado do lobo. Estica o bracinho para colocar o dedo na imagem. Educadora Laís: _ Vamos ver? Laís vira a página, faz novamente outra pergunta e Bruna responde: Educadora Laís: _ Ó! Quem que ele chamou ó? Tiago, que estava muito atento, até se levanta para ver melhor. Bruna percebe que tinha razão. Fica olhando atentamente a página observando os detalhes da imagem e responde. Bruna: _ a apeuzinho vemeo! [ A Chapeuzinho Vermelho!] Ouve-se ao fundo a voz da Professora Edilene batendo palmas e vibrando por Bruna ter acertado. Professora Edilene: _ Acertou, Bruna! Educadora Laís: _ É! A chapeuzinho Vermelho!
Imagem 09 – Hipótese confirmada – Chapeuzinho Vermelho
Fonte: Material da pesquisadora – vídeo 10m46s.
Nesse trecho da história, vale retomar dois apontamentos feitos por
Vigotsky (1970, 1999, 2010), o primeiro deles sobre como a arte, e aqui
ressaltamos a arte literária, articula-se à vida dos sujeitos. De acordo com o
autor, uma das funções que essa linguagem exerce é a de provocar atitude
criadora. Percebemos, nesse trecho do episódio, que as crianças, mesmo se
tratando de faixa etária de 0 a 2 anos, não se colocam em situação de
passividade diante de sua vivência com o texto literário, mas criam, a partir
dela, novas possibilidades de elaboração.
132
Quando as duas crianças, Bruna e Tiago, projetam o corpo, esticam
o braço em direção ao livro e Bruna diz: “ _ va vê a apeuzinho vemeo! [Vamos
ver a Chapeuzinho Vermelho], balança a cabeça em sinal afirmativo e estica o
bracinho na intenção de virar logo a página e descobrir”, é possível entender
que esses gestos são criativos e potencializam o próprio desenvolvimento das
crianças, que percebem a história, estabelecem com ela uma percepção
afetiva, uma vez que esses personagens lhes eram conhecidos de outras
contações de histórias. Ainda, ampliam suas próprias capacidades imaginativas
desencadeando outros processos.
O segundo apontamento feito pelo autor a que nos referimos é a
potencialidade da imaginação e da criação a partir das experiências vividas.
Vigotsky (2010) discute sobre o quanto as experiências enriquecem as
capacidades imaginativas e criativas dos sujeitos. Embora possua um modo
específico de compreender esse aspecto do desenvolvimento nessa faixa
etária, pode-se destacar que o fato de esse grupo de crianças já ter
experimentado situações de histórias pelo menos com três personagens, quais
sejam, a Bruxa, o Lobo Mau e a Chapeuzinho Vermelho, foi fundamental na
construção das relações estabelecidas. O modo como a educadora conduz a
contação da história, novamente, convoca e convida as crianças a entrarem no
mundo imaginativo.
A leitura do livro, ou seja, a contação da história, termina no
momento em que a personagem Chapeuzinho Vermelho diz que só irá à festa
se as crianças forem convidadas. A partir do final da história, a educadora
propõe uma mudança de foco na atividade; agora, a proposta é cada criança
pegar um fantoche e dele se apropriar para ir à festa da Bruxa. O livro fica no
chão e algumas crianças dele se aproximam para explorá-lo um pouco mais.
Laís vai pegando as marionetes, colocando nas mãozinhas das crianças e
sugerindo que o levem à festa. Segue o trecho da situação:
Educadora Laís: _ Crianças! Crianças! Venham à minha festa! Professora Edilene: _ Olha lá! Bruna quem ela convidou! Todo mundo!! Educadora Laís:_ Aí ela chamou todo mundo para ir na festa da
bruxa! Vamos por ô.
133
Laís diz isso já pegando os fantoches para colocar nas mãos das crianças. As crianças vão participando, olhando os fantoches e colocando-os nas mãozinhas. Bruna: _ Aqui o gatinho! – Diz, passando o dedo na imagem do gatinho no livro. Educadora Laís: _ É! O gatinho foi na festa da bruxa! O... quem que é esse aqui? O cachorrinho foi na festa da bruxa! Coloca o fantoche do cachorrinho na mão de Tiago. De porquinho na mão da Sophia. Educadora Laís: _ É! O porquinho foi na festa da bruxa! O palhaço! Cadê a roupa desse? Aqui o palhaço! Aqui, Tarcila! Vamos levar o palhaço na festa da bruxa! Laís vai colocando os fantoches nas mãozinhas das crianças e elas começam a brincar com eles.
Desse modo, por meio dos fantoches e da proposta para que
incorporassem os personagens, a educadora ajuda as crianças a criarem um
modo de participação ativa na festa que se passaria na história. Algumas ainda
não sabiam como brincar com esse elemento cultural e aprendem, com a ajuda
da educadora, como colocá-lo na mão e com ele estabelecer algum gesto
criativo. A educadora, por sua vez, vai ajudando individualmente cada criança:
ela diz o nome do fantoche, coloca na mão de cada um e faz gestos ajudando-
as sugerindo que levem o personagem à festa.
Estamos, neste texto, apontando algumas possibilidades de análise
acerca dos modos de a educadora contar história e dos modos de participação
dos pequenos nesse processo. A confecção dos fantoches com a participação
de todas as crianças aproximou-as dos personagens da história contada, e o
convite da educadora ao colocar um fantoche na mão de cada uma, sugerindo
que levassem esses personagens à festa da Bruxa, foi um diferencial gerador
da participação criativa no grupo.
As crianças foram aceitando o convite da educadora, colocando os
fantoches nas mãos e brincando com eles. Com uma criança, esse movimento
ocorreu de modo interessante, de tal forma que vale aqui trazer para a
discussão. Quando a educadora Laís convida João Miguel (2 anos) para
brincar com o fantoche, a princípio ele recusa, aparentemente por medo do
desconhecido ou por não entender do que se tratava. Entretanto, ao ver a
educadora, sujeito mais experiente, brincar com o fantoche, consegue
estabelecer com esse elemento cultural uma aproximação. Ela coloca o
134
fantoche em sua própria mão e brinca com ele, mostrando os efeitos da
brincadeira.
Imagem 10 – Como brincar com um fantoche 1 – o gesto do adulto
Fonte: Material da pesquisadora – vídeo - 12m49s.
Vejamos como se deu esse momento:
Educadora Laís: _ Cadê? Cadê o vovô?! Vamos pôr na mão do João Miguel? Vamos pôr na mão do João Miguel? João Miguel, entretanto, afasta a mãozinha, parecendo ter medo do fantoche. Laís coloca o fantoche em sua própria mão para que João Miguel veja como se brinca. Ela coloca o fantoche na mão e diz: Educadora Laís: _ Assim ó! Hô hô hô Hô hô hô! João Miguel sorri e permite que ela coloque o fantoche em sua mão.
Imagem 11 – Como brincar com um fantoche 2 - aceite da criança
Fonte: Material da pesquisadora – vídeo - 12m58s.
135
Logo depois de aceitar que a educadora colocasse o fantoche em
sua mão, João Miguel fica com o personagem, mas não sabe bem ainda como
brincar. A educadora sai para colocar o fantoche em outra criança, e João fica
um pouco sem reação. Após a situação lúdica com o fantoche ao convite da
Educadora Laís, João Miguel conhece uma nova experiência ao convite da
Educadora Andreia, que estava do seu lado e acompanhava toda a cena. A
educadora mostra para João Miguel como brincar com o fantoche, pega sua
mão e faz uma voz de “Vovô” em direção ao coleguinha Arthur, que estava do
lado. Ela faz, junto com ele, a voz e o encoraja a brincar com o colega da
mesma forma. João Miguel sorri e dá continuidade à brincadeira. Dessa vez,
faz junto com a educadora o convite para brincar ao coleguinha Arthur. Diverte-
se com a possibilidade de brincar com um fantoche com a ajuda de um adulto.
Imagem 12 – Como brincar com um fantoche 3 – o fazer junto
Fonte: Material da pesquisadora – vídeo - 13m12s.
Por último, a educadora Andréia solta a mão de João Miguel e o
encoraja a continuar a brincadeira com Arthur usando o fantoche sem a sua
ajuda. Ao que a criança responde positivamente e continua brincando com o
coleguinha, provocando, ali, um desdobramento muito importante para nossa
análise. Por não saber como brincar com o fantoche, João Miguel ficou, a
princípio, com certo receio, mas ao receber as informações sobre como poderia
usar o fantoche e a ajuda da educadora para aprender a brincadeira, sentiu-se
136
encorajado a experimentar essa nova situação. Assim que compreendeu como
brincar, percebeu que também podia fazer isso com seu coleguinha Arthur (11
meses), criança menor que ele.
Imagem 13 – Como brincar com um fantoche 4 – apropriação
Fonte: Material da pesquisadora – vídeo - 13m25s.
Os adultos, nesse caso, as duas educadoras, mostram, ensinam
para João Miguel como brincar com o fantoche, e, em seguida, mostram
também que ele pode criar outras situações com seu colega Arthur. O convite
aceito a partir da provocação da educadora Andrea desencadeia, em João
Miguel, múltiplas possibilidades de criação. Ele parece apropriar-se da
brincadeira criando outros modos de participar e interagir com seu colega
menor.
Toda essa cena acontece a partir da contação de história e da
estratégia indicada pela educadora Laís. Ao propor que as crianças convidadas
para a festa da Bruxa dela participassem levando personagens na figura dos
fantoches, cria um modo de contar história que envolve as crianças e provoca
desdobramentos que podem afetar seu desenvolvimento. Ao sugerir que João
Miguel pegasse o fantoche para leva-lo à festa da Bruxa, percebeu seu medo e
sua resistência, talvez porque ainda não tivesse brincado com esse elemento.
Ela, então, mostra a ele, com sua mão, como se brinca, e, em seguida, faz-lhe
137
o convite, que é aceito, permitindo que a outra educadora demonstrasse como
brincar.
A situação acontece, inicialmente, por meio da imitação. Sobre essa
ação, Vygotski (2012b) aponta ser fundamental no processo de
desenvolvimento infantil, entretanto esclarece que,
Ao falar da imitação não nos referimos a uma imitação mecânica, automática, sem sentido, e sim a uma imitação racional, baseada na compreensão da operação intelectual que se imita. Significa dizer, por uma parte restringimos o significado do termo, o referimos unicamente à esfera de operações mais ou menos diretamente relacionadas com a atividade racional da criança e, por outra, ampliamos o significado do termo empregando a palavra „imitação‟, aplicando a toda atividade que a criança não realiza por si mesma, e sim em colaboração com um adulto ou outras crianças. Tudo quanto uma criança não é capaz de realizar por si mesma, porém pode aprender sob a direção ou a colaboração do adulto ou com a ajuda de perguntas orientativas, é incluído por nós na área da imitação (p. 268).
A compreensão desse processo, para nós, é fundamental na medida
em que (re)configura nosso olhar sobre o papel da escola e da mediação
provocada pela ação dos adultos ali presentes. No caso da cena com João
Miguel, a situação desenvolve-se a partir da mediação intencional da
educadora, que convoca as crianças a participarem da história. A criança,
primeiro, recebe o convite, participa, experimenta o lugar do fantoche com a
ajuda de duas pessoas adultas, e, em seguida, convida o bebê, coleguinha
Arthur Marques para entrar no jogo, e passa a ocupar o lugar de quem ensina,
de quem convida ao mesmo tempo que também experimenta e aprende a
brincar com o fantoche. Segundo Vygotski (2012),
Isso quer dizer que quando esclarecemos a possibilidade de a criança realizar a prova em colaboração, estabelecemos ao mesmo tempo a área de suas funções intelectuais no processo de maturação que darão seus frutos no próximo estágio do desenvolvimento; desse modo chegamos a precisar o nível real de seu desenvolvimento intelectual. Portanto, ao investigar o que pode fazer a criança por si mesma, investigamos o desenvolvimento do dia anterior, porém quando investigamos o que pode fazer em colaboração determinamos seu desenvolvimento de amanhã. A esfera dos processos imaturos, porém em via de maturação, configura a zona de
138
desenvolvimento próximo da criança (VIGOTSKY, 2012 p. 269).
Significa dizer que a provocação feita pela educadora desencadeou
a possibilidade de João Miguel criar uma nova situação, experimentando o
lugar de quem provoca. Essa cena permite-nos entender que “aquilo que hoje
pode realizar em colaboração com o adulto e sob sua direção, poderá realizá-lo
por si mesmo no dia de amanhã” (idem). A aprendizagem apoia-se nas ações
que estão se desenvolvendo, por isso, a escola, e, aqui, enfatizamos, no caso
da Educação Infantil, o trabalho com a literatura pode provocar, interferir na
zona de desenvolvimento iminente das crianças.
A vivência com a literatura infantil é entendida, principalmente, a
partir do conceito de signo que atravessa, possui uma função, ocupa um lugar
nos aspectos da arte, em que provoca no seu encontro com o sujeito,
transformações de ordem complexa. O processo vivido por adultos e crianças
na escola com a literatura infantil implica considerar, assim como Smolka
(1997) o fez, o pressuposto de que “os processos psicológicos emergem
relacionados aos modos de vida dos indivíduos em interação”. Isso significa
considerar a natureza social/semiótica como parte da atividade mental e do
processo de ensinar-aprender.
As situações vividas na EMEI Pampulha pelas crianças do berçário e
GI com a literatura tiveram outros desdobramentos, os quais não serão
possíveis esmiuçar nesta análise. O Projeto “Centopeia”, já apresentado no
capítulo 1, juntamente com o projeto Biblioteca “Ambulante”, proposto pela
educadora Laís, oportunizou que os pequenos levassem livros para casa para
que suas famílias lessem com eles. O retorno desse trabalho era compartilhado
com o grupo e demonstrou modos de participação e (inter)ação das crianças e
de suas famílias com a literatura que muito contribuem com nosso modo de
compreender a arte literária e confirma nossa tese acerca das possibilidades
de desenvolvimento cultural de adultos e crianças nesse processo.
Acompanhar crianças de 0 a 2 anos experimentando pegar livro
emprestado na biblioteca, construindo compreensões singulares acerca da
leitura, da escrita permeada nos livros de história demonstra que há muitas
139
potencialidades e possibilidades a serem valorizadas e experimentadas pelos
grupos na Educação Infantil.
4.2 “O grande rabanete”, uma história já contada: relações dialéticas nos
modos de participação da professora e das crianças
O episódio “O Grande Rabanete” (ANEXO VI) ocorreu no dia 26 de
outubro de 2015. Foi conduzido do início ao fim pela professora Lucássia com
a participação de todo o grupo de crianças e também da educadora. A
pesquisadora participou desse momento como observadora participante,
produzindo o registro fílmico da situação e interagindo com as crianças. Todo o
episódio foi transcrito e os trechos apresentados compõem momentos
interessantes na análise. A história contada foi “O Grande Rabanete”, de
Tatiana Belinky, ilustrado por Claudius Ceccon, Editora Moderna. Segue o
texto:
140
Texto extraído do livro “O grande rabanete”, de Tatiana Belinky
Esta obra é composta com o texto literário cumulativo, as frases
parecem simples, o que não quer dizer que sejam pobres, e utilizam recursos
como a repetição. Por exemplo, o rabanete cresceu-cresceu e ficou grandão-
grandão. O texto é simples e as imagens ilustrativas ajudam o leitor a construir
o enredo da trama.
A professora levou apenas o livro e, ao começar, ao ler a história
para o grupo, teve a ideia de ir convidando as crianças a participarem da trama
por meio de uma dramatização. Ela nos contou, posteriormente, que não havia
NUM DIA BEM ENSOLARADO O VOVÔ SAIU PARA A HORTA E PLANTOU UM RABANETE.
O RABANETE CRESCEU-CRESCEU E FICOU GRANDÃO GRANDÃO.
O VOVÔ QUIS ARRANCAR O RABANETE PRA COMER NO ALMOÇO.
ENTÃO ELE FOI PARA A HORTA E COMEÇOU A PUXAR O RABENETE.
PUXA QUE PUXA E NADA DO RABANETE SAIR DA TERRA.
ENTÃO O VOVÔ CHAMOU A VOVÓ PRA AJUDAR A PUXAR O RABANETE.
A VOVÓ SEGUROU NO VOVÔ, O VOVÔ SEGUROU NO RABANETE.
PUXA QUE PUXA E NADA DO RABANETE SAIR DA TERRA.
ENTÃO A VOVÔ CHAMOU A NETA PRA AJUDAR A PUXAR O RABANETE.
A NETA SEGUROU NA VÓ, A VÓ NO VÔ, O VÔ NO RABANETE.
PUXA QUE PUXA E NADA DO RABANETE SAIR DA TERRA.
ENTÃO A NETA CHAMOU O TOTÓ PRA AJUDAR A PUXAR O RABANETE.
O TOTÓ SEGUROU NA NETA, A NETA NA VÓ, A VÓ NO VÔ, O VÔ NO RABANETE.
PUXA QUE PUXA E NADA DO RABANETE SAIR DA TERRA.
ENTÃO O TOTÓ CHAMOU O GATO PRA AJUDAR A PUXAR O RABANETE.
O GATO SEGUROU NO TOTÓ, O TOTÓ NA NETA, A NETA NA VÓ, A VÓ NO VÔ, O VÔ NO RABANETE.
PUXA QUE PUXA E NADA DO RABANETE SAIR DA TERRA.
ENTÃO O GATO CHAMOU O RATO PRA AJUDAR A PUXAR O RABANETE.
O RATO SEGUROU NO GATO, O GATO NO TOTÓ, O TOTÓ NA NETA, A NETA NA VÓ, A VÓ NO VÔ, O VÔ NO RABANETE.
E PLOP! ARRANCARAM O RABANETE DA TERRA
EU SOU O MAIS FORTE! – DISSE O RATO.
ENTÃO TODOS SENTARAM E JUNTOS COMERAM O RABANETE, QUE ERA TÃO GRANDE QUE DEU PRA TODOS, E AINDA SOBROU UM POUCO PRA MINHOCA QUE
PASSAVA POR ALI.
E VOCÊ ACHA QUE O RATO ERA MESMO O MAIS FORTE?
141
planejado esse formato e que a ideia surgiu lá mesmo, na hora em que
começou a se organizar. Algumas crianças já conheciam a história e, ao verem
a capa do livro, lembraram-na, rememoraram-na e recontaram-na.
Os indícios de desenvolvimento são marcados na e pela linguagem,
pelos gestos e modos de participação da professora e das crianças,
principalmente pela apropriação e negociação de papéis a serem
experimentados. Daremos destaque na análise a alguns elementos que o
exercício partilhado da imaginação com a história suscitou, quais sejam, as
relações estabelecidas com as experiências de vida, as identificações com
personagens e os modos de participação dos sujeitos com/na história.
4.2.1 Relações estabelecidas: modos de atuação desencadeados
Ao ver o livro, algumas crianças lembram-se de já conhecer a
história, e uma delas começa instantaneamente a contar o enredo para a
professora e para o grupo.
Professora Lucássia: _ Mas aí a tia Lucássia trouxe um outro livro! Miguel faz um gesto de aprovação e observando o livro na mão da professora diz: Miguel: Xovê!! [Deixa eu ver] Professora Lucássia: _ E eu acho que vocês já conhecem! Isabelly fica empolgada e começa a falar sobre a história: Isabelly: _ Do ratinho que cai! Todo mundo cai! O gato! O que... O popotama... e o ratinho! ... e a ratinha... Professora Lucássia: _ E o que que acontece? Isabelly: _ Caiu to... a aranha ... falo vô cota essa... o meu tlem [Caiu todo mundo... a aranha falou vou cortar o meu trem] Lucássia faz ar de admiração e pergunta: Professora Lucássia: _ Será? Uma criança repete: _ Será? Isabelly: _ Ela cota. [Ela corta] Professora Lucássia: _Não sei! Vamos descobrir? Algumas crianças, inclusive Isabelly: Vamos!
Esse diálogo provocado pela professora demonstra, por meio das
perguntas “E o que que acontece?”, “Será?” e “Vamos descobrir?”, como
Lucássia percebe a linguagem no processo de interação com a história e com
aquele momento a ser compartilhado. Fazer perguntas às crianças
desencadeia processos de interesse e envolvimento com o que vai acontecer e
142
coloca o diálogo como centro da relação. Esse movimento parece desencadear
processos de generalizações, memórias e muitos outros elementos que se
tornam signos mediadores juntamente com a própria ação da professora. Além
disso, provoca modos de conduzir a história ainda não experimentados pela
professora.
Um fato muito interessante aconteceu quando a professora começou
a contar a história. Vejamos como se deu o início da narrativa
A professora vai fazendo gestos e as crianças acham engraçado. Professora Lucássia: _ Então ele foi pra horta e começou a puxar o rabanete!! Hum! Hum! Humm!! Ao contar essa parte, a professora começa a fazer os gestos como se estivesse arrancando uma raiz/rabanete da terra. Quando ela começa a fazer esse gesto, as crianças começam a imitá-la, fazendo o mesmo movimento. Esticando os braços e fazendo força retirando algo da terra. Elas riem bastante com essa “brincadeira”. A professora continua a história. Todas as crianças estão muito atentas. Professora Lucássia: _ Ai! Ele fez muita força!
Smolka e Nogueira (2002), ao problematizarem e discutirem a
questão da mediação e da significação a partir da perspectiva vigotskiana,
afirmam que
A criação e o uso de signos se dá, inescapavelmente, na relação com o outro, nas práticas sociais. Os signos emergem como meio e modo de comunicação e simultaneamente, de generalização, para o outro e para si. Emergem em meio a movimentos, olhares, sons partilhados, que passam a ser acordados como gestos significativos pelos sujeitos na relação, e se convencionalizam, se estabilizam na história dessas relações (p. 80).
O fazer perguntas às crianças conduziu a história desde seu início
colocando a linguagem em ação, convidando e provocando o suspense, a
expectativa, resgatando memórias, potencializando a imaginação e
convocando a participação das crianças naquele momento. A situação a seguir
demonstra a provocação de relações da experiência de leitura com aspectos
da vida cotidiana das crianças.
143
Professora Lucássia: _ Quem já comeu rabanete? Algumas crianças respondem: _ Euuu!! João Victor: _ Eu não!! Professora Lucássia: _ Não!! Ana Cecília: _ Eu tomei xarope de rabanete! Professora Lucássia: _Cê tomou xarooope de rabanete?? - Ela pergunta com uma expressão de surpresa! Ana Cecília: _ uhumm! João Victor: _ Eu não... Professora Lucássia: _ E é gostoso? Que sabor que ele tem? Ana Cecília: _ De rabanete!
As relações estabelecidas por Ana Cecília com a história e com os
processos vividos ocorreram a partir da provocação da professora. Quando ela
pergunta “Quem já comeu rabanete?”, provoca a criança a buscar nas
memórias de processos vividos sua experiência com aquele elemento. Assim,
a criança recorda-se e compartilha com a professora e com o grupo “Eu tomei
xarope de rabanete!”, experimentando e exercitando sua memória, sua
imaginação e a linguagem.
Antes mesmo de a história começar a ser contada, muitos processos
no modo de participação de todos no grupo foram desencadeados. Reconhecer
os papéis, recontar a história, estabelecer relações daquele elemento com a
vida cotidiana são marcas presentes no diálogo.
Professora Lucássia: Tia Lucássia trouxe, oh a história do grande rabanete! Olha só! Quem que tá na capa desse livro? Leo: _ O vovô, a vovó, a netinha ... o gatinho, o cachorro. Professora Lucássia retoma a fala de Léo e vai explorando a capa do livro e os nomes dos personagens que aparecem ali. As crianças vão repetindo, principalmente Maria Júlia e Léo: Professora Lucássia: _ O vovô, a vovó, a netinha ... o gatinho, Maria Júlia: _ A vovó, a netinha, o gatinho e o cachorro! Maria Júlia não percebe os demais personagens, mas a professora continua: Professora Lucássia: _ O cachorro... Léo complementa a fala da professora: _O gatinho, o ratinho e o rabanete! Professora Lucássia: _ O cachorro... o ratinho e o grande rabanete olha lá! Tem todos esses personagens na capa. Será que todos eles participam da história? Maria Júlia: _ hahan! Outras crianças respondem:_ Sim!
Os lugares são compartilhados, a professora fala, as crianças
complementam, antecipam, respondem. O modo como a professora contou a
144
história permitiu que as crianças ocupassem o lugar de quem também conhece
algo que possa socializar, que possa enriquecer a história, criar hipóteses,
arriscar respostas, estabelecer relações. Enfim, ocupar um lugar naquele
enredo e compartilhar experiências torna-se oportuno naquela situação e
contribui para que os sujeitos experimentem o lugar do saber, do desejo, de
quem fala, escuta e compartilha. Nesse processo, elementos de identificação e
desejos surgem como modo de participar das crianças.
4.2.2 “Eu sou o ratinho”: desejos e identificações com a história e com personagens
A professora começa a contar a história lendo o livro, entretanto,
logo no início, ela mesma representa o papel de um dos personagens, que é o
vovô. Ao perceberem o movimento da professora, as crianças também fazem a
representação do vovô, tentando arrancar o rabanete. Vejamos como se deu o
início da narração:
Professora Lucássia: _ Ai! Ele fez muita força! Isabelly:_ Ele caiu!! Professora Lucássia: _ E puxa, que puxa, que puxa e nada!! Nada do rabanete sa.. cair da terra. De repente o vovô puxou com tanta força, que... hummmm!! Ele caiu pra trás! A professora caiu pra trás encenando o que poderia ter acontecido com o vovô. Algumas crianças imitam também esse gesto como se fossem todas o mesmo personagem: João Pedro, Léo. Algumas fazem o gesto de puxar o rabanete com as mãos e caem para trás. Elas riem muito.
145
Imagem 14 – Gesto que convoca
Fonte: Material da pesquisadora.
Nesta imagem, é possível perceber a trama que começa a se
estabelecer entre as crianças e a professora. Ela dramatiza a situação, e o seu
gesto de dramatizar convida as crianças, mesmo sem que isso seja dito ou
combinado verbalmente. Observando a imagem da esquerda para direita,
vemos João Pedro (3 anos e 11 meses), Cauã (3 anos e 9 meses), Maria Júlia
(4 anos e 3 meses), Raul (3 anos e 11 meses) e Daniel (4 anos e 4 meses)
encenando o momento em que o vovô faz muita força para arrancar o
rabanete. Até esse momento, a professora não havia manifestado o modo
como contaria a história. Inferimos que foi a resposta das crianças ao seu gesto
que a convocou a conduzir a história por meio da dramatização, pois, na
sequência, ela já convida a educadora Léa para ocupar o lugar de vovô na
história.
Vigotski (2009) dedica um texto à problematização sobre a criação
teatral, ou a dramatização na idade escolar, e sua discussão ajuda-nos a
compreender e explicar os modos como as crianças desse grupo manifestaram
seu interesse pela história e responderam à provocação da professora. Para o
autor, essa linguagem é a que está mais próxima da criação literária infantil,
juntamente com a criação verbal.
Embora sua discussão esteja relacionada a crianças um pouco mais
velhas, pudemos perceber que, mesmo entre as crianças de 3 a 4 anos, a
criação teatral já está presente. Ao ver a professora dramatizando os gestos
146
que o personagem “Vovô” poderia ter feito na história, as crianças começaram,
imediatamente, a fazer a mesma coisa. Tentaram arrancar o rabanete assim
como ele, fizeram força, caretas, manifestando dificuldade, expressaram
gemidos, todos os gestos com muito entusiasmo, demonstrando uma
capacidade criativa para e com a história. A professora, por outro lado, deu
sequência à sua ação inicial de contar a história por meio da dramatização sem
que tivesse planejado tal atividade.
Professora Lucássia: _ E aí olha só! Então o vovô chamou quem para ajudar? Crianças: _ A vovó! Professora Lucássia: _ A vovó! E a vovó segurou no vovô! Vem cá vovô! Vem cá vovô! A professora chama a educadora Léa pegando-a pelo braço para entrar na história. Léa parecia não estar esperando e acha engraçado. [...]
Nota-se que, a princípio, a professora não anuncia a forma como vai
conduzir a narrativa, mas foi o próprio movimento dela e a resposta das
crianças que a convidam a contar a história desse modo. Conforme discutimos
no capítulo 3, o modo como as crianças interagem com a literatura está
diretamente relacionado aos jogos de faz de conta infantis, ou seja, à
brincadeira. Smolka, ao comentar o texto do autor sobre a criação teatral,
assegura que,
no faz de conta, no palco, o corpo condensa a vivência das mais diversas imagens; incorpora propriedade de objetos, movimentos, pessoas. O corpo é um lugar de exercícios e realização das ações imaginativas. A imaginação toma corpo 53no palco, realiza-se no corpo em cena. A ênfase é posta no processo de criação, que é, ao mesmo tempo, realização da atividade prenhe de sentido, repleta de significação (2002, p. 98)
53
Grifo da autora.
147
Imagem 15 – Um convite à dramatização
Fonte: Material da pesquisadora.
Ao iniciar a história, as crianças são convidadas e convidam à
participação, identificam-se com personagens, imitam e insistem em exercer
um papel. Léo e mais algumas crianças, ao perceber o modo como a
professora vai contar a história, envolvendo alguns do grupo como
personagem, fica ansioso e demonstra muito querer ocupar um lugar na
história, o lugar do ratinho. Vejamos dois momentos em que esse desejo torna-
se mais explícito nas verbalizações das crianças:
Algumas crianças demostram se lembrar de partes da história. Léo, Isabelly, Maria Júlia... A professora continua a história... Professora Lucássia: _ Será que é porque ele conseguiu ajudar todo mundo a puxar o rabanete? Léo: _ Aham! Por isso que ele tá com uma roupa de superman! Professora Lucássia: _ Então vamo ver! Olha lá o rabanete ô! Algumas crianças dizem: _ Eu sou o ratinhoo! João Victor: _ Eu que sou o ratinho! Léo: _ Eu também sou! [...] Brian: _ Eu vou ser o rato! Eu vou ser o rato! João Pedro: _ Eu vou ser o vovô!
A insistência de Léo e de Brian para ocupar o lugar do ratinho
persiste por toda a história. Personagem que, a princípio, passa uma ideia de
ser um super-herói, demonstra a identificação dos dois com o que esse
personagem representa. Eles já conheciam a história e sabiam que a entrada
148
do ratinho possibilitaria resolver o problema de arrancar o rabanete da terra,
ajudando a todos nessa tarefa. Além disso, na ilustração do livro, o ratinho traz
na camisa azul a letra “S” escrita em vermelho, que representa o símbolo do
personagem fictício de história em quadrinho “Superman”, o super-herói que
salva tantas pessoas e passa a ideia de força e poder. Esses elementos
despertaram em muitas crianças, principalmente em Léo e Brian, um forte
desejo de ocupar esse lugar. Elas disputam e solicitam o tempo todo no
decorrer da história essa oportunidade.
Lucássia, por sua vez, havia adotado um critério de escolha das
crianças que não fora revelado por ela naquela ocasião. Ele só pôde ser
compreendido pela pesquisadora ao assistir ao vídeo com a professora e a
colega Laís, quando revelou seu desconforto por não convidar Léo para ocupar
o lugar de ratinho em virtude do critério adotado. Esse critério baseava-se em
dar destaque àquelas crianças que eram mais tímidas e que pouco se
manifestavam nas rotinas da escola, concedendo a oportunidade de
experimentar o lugar de um personagem na e da história.
Sendo assim, é possível compreender o modo como a professora
conduziu a história por meio de como ela significa aquela oportunidade. Ela
estava experimentando algo diferente do que vinha acostumada a fazer em seu
grupo. Foi o movimento provocado no seu modo inicial de encenar o gesto do
vovô em arrancar o rabanete que a convocou a incluir as crianças na
dramatização. Entendeu que esse fazer poderia contemplar as crianças que
eram alvo de sua atenção por serem mais quietas e tímidas. O diálogo
estabelecido com a colega Laís durante a “auto-confrontação” demonstra o
modo de significar da professora.
Segue-se a cena, as crianças vão pedindo para serem os personagens e Lucássia escolhe o Cauã para ser o cachorro. Nesse momento da cena, ela explica para Laís, os motivos que a levaram a escolher as crianças, o que a mobilizou... Ela diz: Lucássia: _ Só que aí, eu queria chamar, tirando a Maria Júlia, eu queria chamar as crianças que participam menos! As que ficam mais caladinhas... que ficam mais quietas... [...] Lucássia: _ Nossa, nessa hora eu fiquei ansiosa, pensando e agora como é que eu vou fazer porque eu tenho poucos personagens. E aí? Não vai dar pra todo mundo, eles vão... Laís complementa a fala de Lucássia... _ Não vai dar pra todo
149
mundo né?! (Transcrição auto-confrontação, 01/12/2015). Material da pesquisadora.
O cotidiano e nossas ações nem sempre permitem que tomemos
decisões que nos deixam confortáveis. Muitas vezes, não conseguimos ter
ideias que acolham as crianças e a nós mesmos durante a situação, mas só
depois é que pensamos como poderíamos ter resolvido de modo mais
tranquilo. Nesse caso, ela poderia ter acrescentado mais personagens na
história, ou contado a história novamente, são hipóteses que talvez
minimizassem seu desconforto. Entretanto, todas as crianças participaram,
pois, cada vez que os personagens da história vivida/compartilhada puxavam o
rabanete, as crianças que assistiam/participavam também faziam os gestos e
brincavam como se fossem elas a ocupar esse lugar.
4.2.3 Ler, contar, dramatizar: modos distintos coadunam-se em uma história
encantada
As crianças envolvem-se com a história, ficam eufóricas, atentas,
compartilham lembranças que trazem de situações vividas fora da escola,
memórias que se convertem em relações estabelecidas, seus personagens e
outros elementos. Ao decidir contar a história por meio da leitura do livro e do
envolvimento de si própria e das crianças com a dramatização, a professora
provoca situações de muito encantamento para todos no grupo, inclusive para
si mesma, e desencadeia processos interessantes.
Professora Lucássia: _ Aí ó! A vovó, segurou no vovô, que segurou a netinha, que segurou o cachorro e... os quatro ó.... fazendo força! Humm! Humm! E puxa! Que puxa! E nada do rabanete sair! Então de repente ó! Uuuuuuuu! Ai! Mas nada desse rabanete sair da terra. Olha lá que confusão! As personagens das histórias simulam a força feita pra arrancar o rabanete, e todas as crianças do grupo também fazem o mesmo movimento. Puxam que puxam e aí caem para trás. A diversão é geral. Riem e se divertem caindo para trás! E a professora continua a história.
É possível sugerir que, no processo vivido pelo grupo, crianças e
adultos experimentaram elementos fundamentais do processo de
150
desenvolvimento. Imitar gestos, lembrar-se de algo conhecido desencadeado
pela vivência na história, criar modos de participar com o corpo, com a voz,
com o sabor, com as emoções, imaginar situações e fatos que possam ter
ocorrido na história e estabelecer relações, identificar-se com personagens e
ocupar o lugar do vovô, da vovó, da netinha, do cachorro, do gatinho e do
ratinho, o grande super-herói. Foi um processo experimentado por todas as
crianças, não apenas por aqueles que a professora convidou para ir à frente e
elegeu naquele momento. Mesmo sem terem ido ao centro da sala ao convite
da professora, todas participaram ao seu modo, representando as ações de
cada personagem entusiasmadas com a possibilidade de viver essa história.
Imagem 16 – História dramatizada
.
Fonte: Material da pesquisadora.
A participação das crianças e também da professora que conduzia a
atividade ocorreu especialmente por meio da dramatização. A vivência literária
mediante a criação teatral ocorre, segundo Vigotski (2009), por duas razões:
Em primeiro lugar, o drama baseado na ação – na ação realizada pela criança – é mais íntimo, mais ativo e relaciona de maneira direta a criação artística com a vivência pessoal. [...] o outro motivo que aproxima a criança da forma dramática é a relação desta com a brincadeira. Dada a raiz de toda criação infantil o drama está diretamente relacionado à brincadeira, mais do que qualquer outro tipo de criação. Por isso, é mais sincrético, ou seja, contém em si elementos dos mais variados tipos de criação (p. 97;99).
151
A narrativa foi sendo construída pelo grupo sob a condução da
professora Lucássia, associando a leitura do livro e a dramatização.
Possibilitou formas diversas de apropriação de papéis sociais por meio dos
gestos, sorrisos e vozes, fomentando processos imaginativos diversos.
O episódio “O Grande Rabanete” provocou o diálogo também acerca
de outra possibilidade de contar história no processo de desenvolvimento da
professora e das crianças. O modo experimentado por Lucássia teve um
sentido para ela. Um sentido que pode ser observado no desdobramento em
suas discussões sobre o trabalho com as crianças tanto em nossos encontros
quanto nas suas próprias análises. A forma de organizar o grupo e de contar
histórias sofreu uma alteração importante. A professora permitiu-se explorar a
dramatização envolvendo os pequenos, o que, segundo ela, gerou para si
mesma um desconcerto.
Esse “desconcerto” foi tema de discussão de outros encontros
coletivos. Inclusive, o vídeo gravado dessa situação foi assistido pela
professora no momento de se ver e colocar em perspectiva seus próprios
modos de atuação. A professora considerava difícil organizar o grupo de forma
que provocasse uma maior participação das crianças no trabalho pedagógico.
Dizia que era difícil conduzir as falas, fazer com que todos ouvissem a todos e
que participassem das atividades se não permanecessem em silêncio e
quietos. Sentia a necessidade de manter o controle das crianças no que se
referia ao comportamento e à fala.
No dia em que contou a história “O Grande Rabanete”, quis
experimentar um modo diferente, convidando as crianças a participar do
processo. Essa experiência trouxe para a professora a sensação de que o
grupo não participou direito, que a história tinha se tornado uma “bagunça”.
Ver-se atuando na história provocou na professora outra percepção sobre seu
trabalho e sobre os modos de participação das crianças. Esse trecho do
diálogo de Lucássia com Laís demonstra como foi importante confrontar-se
com seu próprio fazer:
Termina o vídeo a que estávamos assistindo e a pesquisadora pergunta: Pesquisadora: _ E aí?
152
As duas riem... Laís: _ Muito legal! Lucássia responde: _ Foi muito bom! Agora eu vi que foi legal! Pesquisadora: _ Viu, eu falei! Continua o diálogo entre elas: Lucássia: _ Agora eu vi! Mas nesse momento eu pensei assim, gente, esses meninos estão aprontando uma bagunça... A Núbia aqui e saindo essa bagunça... Meu Deus! Laís: _ Nossa Senhora, que vergonha e a Núbia com essa câmera! Laís: _ E eu vendo o seu eu não achei que estava bagunçado em momento nenhum! Lucássia: _ Mas é porque a gente no calor do do ... da emoção...
A mudança na forma de contar história experimentada nesse dia por
Lucássia foi fruto de seus estudos sobre a linguagem e de seu papel como
professora no desenvolvimento infantil. Ao compreender melhor a temática em
questão, repensou seus modos de atuação com as crianças e viu, no trabalho
com a literatura, uma possibilidade de experimentar o novo.
É possível anunciar o desenvolvimento da professora considerando
que ela não havia planejado contar a história por meio da dramatização
envolvendo as crianças. Essa decisão foi tomada/mobilizada no momento por
meio da interação verbal e não verbal entre ela e seu grupo.
Laís pergunta se ela já tinha lido a história, e Lucássia responde que já, e que a maioria deles já conhecia a história. Lucássia ainda explica para Laís: Lucássia: _ E o que vai acontecer agora, eu escolhi, foi assim, repentinamente, eu não tinha pensado nisso! Porque eu fui chamando eles pra fazer, sabe?! Os personagens, mas foi (faz um estalo com os dedos)... saiu na hora... foi puff!! (Transcrição autoconfrontação, 01/12/2017).
O modo como as crianças responderam ao gesto inicial da
professora com a história parece tê-la provocado e convocado a esse fazer.
Em nossas análises, podemos compreender esse gesto da professora ao
experimentar outro modo de contar história como uma incorporação da teoria
que ela vinha estudando acerca da linguagem e dos processos de
desenvolvimento infantil. As possibilidades advindas do trabalho com a
literatura, nossos estudos, discussões e planejamentos em que sempre
dialogávamos acerca dos objetivos a serem explorados com as crianças
153
naquelas atividades pareciam ser incorporadas à ação da professora.
Entretanto, apenas depois de assistir ao momento em que contou a história
convenceu-se de que havia sido envolvente e significativo para as crianças.
Vale retomar, aqui, o comentário de Smolka (2009) sobre a obra de
Vigotski em que o autor discute os processos criativos como atividades
especificamente humanas. A autora comenta determinado trecho do trabalho
do autor em que ele se refere à necessidade de a atividade pedagógica ampliar
a experiência da criança a fim de criar bases sólidas para as atividades de
criação, destacando que,
no que se refere às práticas pedagógicas, no entanto, trata-se do incansável trabalho de inventar e planejar, a cada dia, como viabilizar, de maneira mais efetiva, o acesso das crianças ao conhecimento produzido e sua participação na produção histórico-cultural. Podemos aqui pensar na própria atividade pedagógica como atividade criadora. Esse modo de conceber traz significativas implicações sociais e políticas, e tem repercussões importantes, em particular no âmbito da educação pública e nas situações de maior precariedade nas condições de vida (p. 23).
Ressalta-se, a partir da constatação da professora Lucássia a se ver
no vídeo, a importância da metodologia adotada no trabalho de pesquisa. Os
estudos, planejamentos e ações coletivas provocaram percepções e
(trans)formações nos modos de compreender as crianças e na prática
pedagógica da professora. Mas foi o amálgama desses elementos com a
possibilidade de se ver atuando com as crianças nesse episódio que fez a
professora perceber que seu trabalho havia sido expressivo para os pequenos.
4.3 “Muitos Animais”: a produção de um conto com as crianças54
Trazer a produção do livro Muitos Animais considerando-o como
materialização de um processo criativo foi, inicialmente, motivo de dúvidas para
nós. Questionávamo-nos se, realmente, tratava-se de uma atividade que
poderia ser definida e considerada como experiência de criação. Revisitamos
54
A análise que apresentaremos e as relações que estabelecemos da criação das crianças com o desenvolvimento não estão vinculadas a aspectos normativos de classificação em obras artísticas. Mas se refere ao processo vivido na e pela linguagem e às condições da produção criativa.
154
os textos que ancoram esta tese, especialmente aqueles que tratam da arte e
dos processos criativos (VIGOTSKI, 1970, 2009, 2010), e encontramos
elementos que nos encorajaram. Esses elementos atrelam-se a toda a
discussão sobre as relações entre imaginação, criação e processos de
desenvolvimento discutidos pelo autor nessas obras, bem como sua
compreensão acerca do papel da arte na vida do sujeito, e poderão ser mais
bem aprofundados no decorrer da análise.
No mês de outubro, durante os diálogos produzidos com a
professora Lucássia desde que comecei a acompanhar seu grupo,
conversámos bastante sobre os modos de organizar o trabalho na escola.
Lucássia apresentava preocupação por não conseguir oportunizar uma prática
que, segundo ela, de fato trouxesse as crianças para o centro da proposta
pedagógica. Justificava-se dizendo que a padronização da escola e da própria
rede impunha-lhe um modo de tratar os pequenos que dificultava esse modo
de proceder. Queixava-se, também, que o espaço físico da sua escola
dificultava um trabalho dessa natureza, pois as salas eram muito pequenas,
não havia espaço externo adequado, sendo necessário controlar muito o
comportamento das crianças e ser mais diretiva.
Nesses diálogos, Lucássia solicitava-me que compartilhasse com ela
os modos como conseguíamos fazer isso na escola onde atuo, a Eseba, uma
vez que já havíamos trocado algumas experiências durante a disciplina do
curso de especialização e em nossos encontros coletivos também contávamos
sobre a participação das crianças na organização e
proposição/desenvolvimento das atividades.
Conversamos um pouco sobre isso e sugeri uma leitura55 a ela em
que a questão do lugar da criança nas relações de ensino/aprendizagem era
problematizada. Nesse dia, Lucássia disse que não sabia conduzir uma prática
pedagógica com a participação das crianças, e solicitou minha ajuda tanto no
que se referia ao planejamento como no desenvolvimento de algumas
atividades. Eu, por outro lado, já havia feito o convite para que ela
experimentasse construir a produção de um livro com as crianças,
considerando que, além de experimentar/conhecer/ler/ouvir várias obras, é
55
Texto: SAVIANI, Dermeval. O lugar da criança no processo de aprendizagem. In: Escola e Democracia. Campinas, 2008.
155
fundamental criar as próprias histórias com o grupo, e eu gostaria de
acompanhar esse processo. Oportunizar situações em que eles/elas fossem
os/as autores/as. A professora aceitou meu convite contanto que eu a ajudasse
nesse processo criativo. Acordamos que assim seria a parceria, planejaríamos
juntas e, também juntas, conduziríamos as atividades na sala com o grupo. A
partir desses diálogos, combinamos que produziríamos o livro assim que ela
considerasse oportuno.
Todo o processo vivido pela professora, pela pesquisadora e pelas
crianças na produção do livro pode ser compreendido com a contribuição dos
conceitos polifonia e dialogia de Michael Bakhtin (2011), e também pelo modo
como Vigotski concebe o desenvolvimento da imaginação e da criação na
infância. Conforme já afirmamos ao longo deste texto, discutir processos de
desenvolvimento implica considerar que as funções psicológicas superiores
são compostas a partir das relações sociais e históricas vividas. Nesse sentido,
a linguagem é um elemento-chave que compõe, ao mesmo tempo em que
constitui e é constituída, nas inter-relações entre os sujeitos.
O caráter polifônico refere-se à compreensão de que os discursos
são impregnados de diversas outras vozes partilhando sentidos de caráter
coletivo. Já a dialogia implica a experiência com a linguagem dialogada entre
os sujeitos – pesquisadora, professora, crianças, outros textos – no sentido de
construir processos coletivos e individuais, desencadeados pela
experiência/vivência/interação com a literatura e com a produção de algo novo,
no caso o livro Muitos Animais.
No dia 12 de novembro, fizemos um passeio ao Parque do Sabiá56,
como uma das atividades propostas pela professora Lucássia dentro do projeto
sobre o meio ambiente. O passeio foi muito divertido e produtivo, as crianças
gostaram bastante. Chegamos de volta à escola em torno das 16h00min, e
Lucássia considerou que seria oportuno aproveitar o horário seguinte à
chegada para produzir a história que comporia o livro do grupo.
Ela estava preocupada com o prazo para a organização do livro,
pois, depois de criado o enredo, ainda havia toda a parte de materialização,
56
Parque patrimônio da cidade de Uberlândia inaugurado em 07/11/1982, onde há bosques, zoológico, lagos, espaços para atividades físicas, quiosques, piscinas e outros espaços de lazer para a comunidade.
156
ilustração e organização do material, além da atividade de encerramento das
aulas com a mostra pedagógica, no dia 08/12/2015. Aceitamos o convite da
professora e partimos, então, para esse momento.
Lucássia organizou as crianças em uma roda, explicou que, naquela
ocasião, íamos criar a história – ela já havia feito o convite a elas em outro
momento – e pediu que a pesquisadora conduzisse o diálogo. Essa troca de
lugar, em que a pesquisadora ocuparia o “lugar da professora” e a professora
acompanharia com suas intervenções, com a câmera na mão, já havia sido
combinada anteriormente quando fizemos o planejamento.
Em toda nossa experiência como docente, sempre damos voz às
crianças, entretanto dar voz a elas implica, também, um maior movimento e
maior “barulho”, pois todas querem falar ao mesmo tempo e se manifestar,
inclusive com o corpo em direção ao diálogo. Nesse momento, precisamos
conseguir organizar e acolher todas as falas. Para a pesquisadora, esse
processo já era incorporado em sua prática, já no grupo da professora Lucássia
“GIII E” não havia o hábito de atividades como essa, exceto em algumas que
ocorreram poucas semanas antes. De certa forma, isso dificultou um pouco a
condução da atividade em virtude do desconforto da professora, que achava
que as crianças não estavam participando.
Combinamos que a professora Lucássia iria ficar com a câmera
filmadora registrando o momento, já que a pesquisadora iria conduzir o diálogo
com o grupo. O uso do tripé não se mostrou produtivo considerando o espaço
muito apertado da sala, o que dificultava capturar todo o grupo de uma vez só e
as falas das crianças. O registro em vídeo ficou um pouco prejudicado, porque
a professora Lucássia parava de filmar sempre que sentia necessidade de
chamar a atenção das crianças e fazer alguma intervenção. Conseguiu
registrar 12 (doze) pequenos vídeos de, no máximo, 5 minutos, onde foi
possível acompanhar o processo criativo do grupo.
Iniciamos o diálogo explicando para as crianças que construiríamos
uma história com a participação de cada uma delas. Desse modo, a produção
coletiva do livro aconteceu a partir das experiências partilhadas no grupo: a
criação do texto, a produção das ilustrações e a sua organização. Como
materialização do trabalho, teve-se o livro impresso e uma exposição no dia de
encerramento do ano letivo com entrega da obra para as crianças e suas
157
famílias. Para acompanhar melhor o processo vivido, seguem a capa do livro
de uma das crianças e o texto final da história.
Imagem 17 – Capa do livro Muitos Animais Fonte: Material da pesquisadora - Livro de Léo – Livro Completo No Anexo (IX).
158
ERA UMA VEZ UMA FLORESTA QUE TINHA MUITOS ANIMAIS
UM DIA APARECEU UMA ONÇA E COMEU MUITO CAPIM E FICOU
GORDA.
TINHA MUITOS CAVALOS, MUITAS ONÇAS, JACARÉ E O LOBO MAU.
TINHA TAMBÉM CORUJA E PEIXE.
O PEIXE AFUNDOU NO MAR E APARECEU O JACARÉ.
O SAPO COMEU UMA MOSCA.
A CORUJINHA ESTAVA DORMINDO NA ÁRVORE.
APARECEU SIMBA, O LEÃO E COMEU O JACARÉ E O SAPO.
QUANDO O LEÃO APARECEU TODOS OS ANIMAIS FUGIRAM
ASSUSTADOS!
ATÉ OS PASSARINHOS!
CADA UM FOI PARA SUA CASINHA.
Texto do livro produzido pelo grupo GIII “E”
Fonte: Acervo da pesquisadora.
Consideramos importante apresentar a análise do processo criativo
com a produção do livro, pois oportuniza levantar questões acerca do
desenvolvimento cultural das crianças, da professora, da pesquisadora e
apontar elementos fundamentais nesse percurso que podem provocar diálogos
em nossa área e demonstrar a importância desse tipo de trabalho na escola de
Educação Infantil.
Acompanhar crianças de três a quatro anos criando uma história e
um livro foi algo encantador. Perguntávamo-nos: seria o momento de criação
da história, fonte e espaço de desenvolvimento? Como se dariam as interações
verbais e não verbais marcadas nos/pelos enunciados? Como conduzir a
criação da história tendo em vista a idade das crianças? Como a elas dar voz e
espaço fazendo com que se sentissem autoras da história criada? Todos esses
questionamentos seguiram-nos durante a preparação e o desenvolvimento da
159
atividade, e mesmo depois, quando retomamos o registro feito e buscávamos
compreender as nuances do vivido.
O distanciar-me, no sentido exotópico (BAKHTIN, 2003) da
experiência vivida em campo, olhar para minha própria atuação nos momentos
de transcrição dos vídeos e observar-me na condução da construção do livro
em parceria com a professora Lucássia, permitiu-me tantas outras reflexões
acerca da minha condição de professora e das possibilidades de mediação que
possuímos com as crianças na escola. Entendemos que o processo criativo
ocorre, assim como Vigotsky (2010) o compreende, por meio de uma livre
combinação dos elementos da realidade. Essa livre combinação na produção
do livro ocorreu de forma mediada e dirigida pela pesquisadora e pela
professora.
Retomamos os modos apontados pelo autor para compreender o
processo criativo. Vigotski apresenta quatro formas que participam dessa
dinâmica: na primeira delas, afirma que “a atividade criadora da imaginação
depende diretamente da riqueza e da diversidade da experiência anterior da
pessoa, porque essa experiência constitui o material com que se criam as
construções da fantasia” (p. 22).
A segunda forma corresponde a uma combinação complexa, com
elementos modificados e reelaborados que possibilita
formar imagens, criar mentalmente cenas e cenários, imaginar, tomando por base a experiência alheia. Isso se torna possível pela linguagem. Tanto a narrativa de uma pessoa quanto o efeito dessa narrativa no outro mobilizam e produzem imagens. Tanto a ficção – contos de fadas, por exemplo quanto a história – os acontecimentos vividos e narrados implicam a atividade criadora da imaginação (SMOLKA, 2009, p. 23).
A imaginação pode ser ampliada, constituída e orientada também
por meio da apropriação da experiência do outro. Portanto, compartilhar ideias,
pensamentos e modos de construir uma história adquire um valor interessante.
Sobre isso Vigotski, afirma que
A imaginação adquire uma função muito importante no comportamento e no desenvolvimento humanos. Ela transforma-se em meio de ampliação da experiência de um indivíduo porque, tendo por base a narração ou a descrição de
160
outrem, ele pode imaginar o que não viu, o que não vivenciou diretamente em sua experiência pessoal (VIGOTSKI, 2009, p. 25).
Destaca-se, aqui, a importância das trocas, diálogos entre as
crianças no grupo, a fim de partilhar situações e conhecimentos. Nessa
perspectiva, a imaginação ocupa uma função fundamental no processo de
desenvolvimento do sujeito, pois se transforma em meio de ampliação da
experiência e “é uma condição totalmente necessária para quase toda
atividade mental humana” (idem).
Para o autor, a terceira forma de relação entre a atividade de
imaginação e a realidade é de caráter emocional. As emoções57 compõem,
selecionam, articulam-se às imagens que, por sua vez, transformam as
emoções. Ou seja, ocorre uma dupla expressão dos sentimentos, uma interna,
que se reflete na seleção de ideias, imagens e impressões, e outra externa,
corporal, que diz respeito ao modo como essa emoção se expressa no corpo
fisicamente. Tanto o sentimento quanto o pensamento movem a criação
humana.
Por fim, o autor entende que a construção imaginada, da fantasia,
pode ser algo completamente novo, que, ao ser encarnada ou adquirir uma
concretude material, torna-se real no mundo e passa a influir sobre outras
coisas. Ou seja, essa imaginação torna-se realidade. Como exemplo, o autor
cita qualquer dispositivo técnico, tais como máquinas ou instrumentos, que ele
denomina imaginação cristalizada ou encarnada.
A proposta de Lucássia na produção do livro era justificada por seu
desejo em viver essa prática. Ela considerava que esse trabalho era muito
complexo e nunca havia experimentado algo nessa perspectiva em seu grupo.
Dar voz às crianças era algo um pouco difícil para a professora, e, por esse
motivo, convidou a pesquisadora para conduzir o processo, considerando que
gostaria de oportunizar que as crianças ampliassem suas capacidades
criativas, mas não se sentia preparada para isso.
Muitos elementos poderiam ser analisados no processo criativo do
livro, entretanto elegemos três aspectos para apresentar nesta apreciação a fim 57
Para uma compreensão mais aprofundada acerca das emoções na obra de Vigotski, ver Magiolino (2010).
161
de ressaltar a relevância de trabalhos desta natureza para os adultos e
crianças na escola. São esses elementos a mediação, feita tanto pelos signos
culturais como os livros e histórias conhecidas, os passeios, os diálogos
produzidos, quanto às intervenções/gestos feitos pela professora e pela
pesquisadora durante a criação do texto e da ilustração do livro; a polifonia e a
dialogia, presentes nas vozes tanto no processo quanto no resultado final, o
texto do grupo atravessado por outros textos construindo uma intertextualidade
marcada por muitas vozes; e a experiência e os elementos da realidade
presentes no processo criativo, demonstrando as possibilidades que podem
provocar.
4.3.1 Linguagem dialógica: explicitando um processo mediado
Retomando a discussão apresentada no capítulo três sobre a
dinâmica do desenvolvimento a partir da perspectiva histórico-cultural, na qual
ancoramos este trabalho, ressalta-se que ele ocorre por meio da mediação, da
significação e da apropriação da cultura pelo sujeito em um processo
constituído do aspecto social para o individual. A mediação, aqui, é entendida
como os gestos que constituem o processo pelo qual se desencadeiam
situações que atravessam e provocam o vivido.
Partimos do princípio de que a mediação ocorre tanto por elementos
que podem ser considerados como instrumentos técnicos e semióticos (PINO,
2000) presentes na cultura e que possuem um caráter específico para cada
sujeito, quanto por ações partilhadas ou conduzidas por adultos ou sujeitos
mais experientes. No caso da produção do livro, destacamos e colocamos em
perspectiva alguns aspectos que indicam a mediação.
A proposição da professora para a construção do livro,
principalmente a intervenção feita para que as crianças ampliassem suas
capacidades criativas, a nosso ver, demonstram elementos fundamentais. Para
compreendermos como se deu esse processo, vejamos o trecho do registro
feito pela pesquisadora. A proposta de escrita do livro foi baseada na
provocação feita às crianças para que criassem uma história. A partir do
convite da pesquisadora, Daniel (4 anos e 4 meses) inicia a história assim:
162
Era uma vez uma onça que comeu a Chapeuzinho Vermelho,
aí apareceu o Lobo Mal… Léo (4 anos e 3 meses) continua a
história dizendo que o Lobo ajudou a onça.
A pesquisadora está escrevendo o que Léo sugeriu para a
continuidade da história. Léo seguiu a fala de Daniel, que trazia
um lobo e que esse personagem comeria a Chapeuzinho
Vermelho.
Pesquisadora: _ Que trágica essa história. É isso? Aí o lobo
apareceu e ... ele ajudou a onça?
Ouve-se a voz da professora Lucássia: _ Pera aí só um
pouquinho! Cauã fica no seu lugar.
Léo: _ Não! Ele comeu o queixo e a cabeça e o olhos! [fala e
faz os gestos mostrando os olhos]
Professora Lucássia: _ Nossa, mas olha só... vamos fazer
uma história feliz?!
Ao passarmos a palavra para outra criança, ela continuava a história
nessa direção. A onça comia a Chapeuzinho Vermelho com a ajuda do lobo.
Lucássia ficou incomodada com o modo como as crianças estavam
participando. Elas se divertiam em criar essa história e não conseguiam dar
continuidade com outro desfecho. A pesquisadora, por outro lado, ficou
também insegura com a condução da atividade nessa direção, e não conseguia
dirigir o grupo em outro caminho criativo.
Quando a professora Lucássia diz “_ Nossa, mas olha só... vamos
fazer uma história feliz?!”, demonstra um modo de compreender as falas das
crianças que não condiz com o modo como os pequenos estavam
interpretando o enredo que estavam construindo. Seu incômodo parece estar
relacionado a uma forma distinta de percepção acerca da história iniciada.
Quando Léo responde ao questionamento feito pela pesquisadora se o lobo
havia ajudado a onça a comer a Chapeuzinho Vermelho, com a frase “_ Não!
Ele comeu o queixo e a cabeça e o olhos!”, parece divertir-se com a ideia de
ver a Chapeuzinho sendo comida pelo lobo com a ajuda da onça. Uma reação
totalmente oposta à da professora e da pesquisadora ao ouvir o enredo iniciado
pelas crianças.
Nesse sentido, vale a pena salientar que os modos como adultos e
crianças entendem e vivem a "violência" são completamente distintos. A
interpretação das crianças, segundo Vigotski (2010), ocorre atravessada por
um pensamento sincrético que aglutina imagens e argumentos, produzindo um
163
aglomerado singular. Suas histórias são atravessadas por memórias e imagens
de tantos outros contos que falam nos bichos que comem uns aos outros sem
que essa ideia passe por uma visão moralista. Entretanto, para os adultos, que
já têm uma história marcada pelas condições concretas de vida, talvez com
experiências difíceis no que se refere à morte58, por exemplo, essa
interpretação perpassa outras posições, refletindo, inclusive, uma recusa e uma
dificuldade em lidar com as ideias propostas pelas crianças em um momento
como esse.
Cabe, aqui, destacar como as emoções e os afetos estão
intrinsecamente articulados à imaginação e atravessam essas relações.
Entendemos as emoções colocadas no plano das relações e interações entre o
sujeito e o mundo a partir de uma visão sistêmica de ser, organismo, sujeito,
homem. Magiolino (2010) elabora um estudo profundo acerca das emoções a
partir da teoria vigotskiana e auxilia-nos a compreender que as emoções têm
uma dimensão ética e uma dimensão estética, uma dimensão psicológica, uma
dimensão cultural e histórica (pessoal e social) e, sobretudo, uma dimensão
semiótica. As emoções atravessam, portanto, as demais funções na vida e
constituição dos sujeitos.
As falas das crianças no início da criação da história consistiam em
um enredo entre três personagens, a Onça, a Chapeuzinho e o Lobo, sendo
que a Onça e o Lobo comiam a Chapeuzinho. Por mais que insistíssemos em
explorar também outras possibilidades de enredo, era este que as crianças
queriam manter. O desconforto da professora e da pesquisadora com a história
iniciada pelo grupo pode ser traduzido no drama das relações verbais e não
verbais.
As falas complementam-se, os olhares cruzam-se, e a professora
chegou a uma percepção de que era preciso intervir de outro modo naquele
momento para conseguir dar continuidade à construção da narrativa.
Interrompeu a filmagem e disse às crianças que essa história estava muito
violenta, e convidou-os a recomeçar a criação por meio da fala “_ Nossa. mas
olha só... vamos fazer uma história feliz?!”. Perguntou às crianças se poderia
58
Dois dias antes da construção da narrativa com o grupo, a equipe da escola havia sofrido a perda de uma professora de forma cruel. Ela fora assassinada pelo ex-namorado com nove tiros. Esse fato havia abalado toda a cidade e a equipe da escola, e, especialmente, de forma singular a professora Lucássia.
164
começar a história para que eles dessem continuidade. O grupo aceitou e.
assim. recomeçamos a história.
Colocamo-nos na atividade de criação como leitora e escriba para e
com as crianças, oportunizando, conduzindo e organizando os diálogos
estabelecidos. Destaca-se, aqui, a importância do trabalho coletivo e da
mediação da professora. Planejamos a atividade juntas, eu trazia comigo um
modo de conceber as relações de ensino-aprendizagem, tinha uma proposta, e
a professora conhecia seu grupo. Assim, Lucássia deu início à história e
convidou as crianças a recomeçarem o conto. Recomeçou a história assim:
Lucássia: _ Era uma vez uma floresta que tinha muitos animais…
A partir dessa introdução, conforme iam compondo a história, a
pesquisadora ia registrando, exercendo o papel de escriba. As crianças
sugeriam as partes que iam sendo compostas com as demais, e a
pesquisadora retomava a leitura da história toda, desde o início, para que as
crianças fossem tendo a ideia de início e possibilidades de continuidade.
Sobre a imaginação e a criação literária, Vigotski (2009) aponta uma
discussão que nos ajuda a compreender o momento da criação do livro vivido
pelo grupo e a intervenção da professora. Para o autor, a criação não surge do
nada. Está relacionada, como destacamos, com a experiência anterior, com a
combinação e reelaboração de imagens, com a apropriação da experiência do
outro, possui um caráter emocional e pode, ainda, transformar-se em algo
completamente novo na vida do sujeito. Desse modo, ao adquirir uma
“concretude material, essa imaginação „cristalizada‟, que se fez objeto começa
a existir realmente no mundo e a influir sobre outras coisas” (p. 29). Vigotski
traz, também, um destaque na constituição desse processo à escola e ao papel
do professor.
Considerando que a imaginação é uma função vital necessária e que
não se trata de uma capacidade inata do ser humano, mas que é constituída
histórica e culturalmente, é fundamental prestar atenção nos processos vividos
na escola e nos modos e proposições ali ofertadas aos pequenos.
165
A conclusão pedagógica a que se pode chegar com base nisso consiste na afirmação da necessidade de ampliar a experiência da criança, caso queira criar bases suficientemente sólidas para a sua atividade de criação. Quanto mais a criança viu, ouviu e vivenciou, mais ela sabe e assimilou; quanto maior a quantidade de elementos da realidade de que ela dispõe em sua experiência – sendo as demais circunstâncias as mesmas –, mais significativa e produtiva será a atividade de sua imaginação (p. 23).
O ato de criar está relacionado a um amplo e complexo processo
desencadeado a partir de suas experiências de ver, ouvir, sentir em um
processo de acumulação e reelaboração de elementos e impressões. Por um
lado, no processo criativo associam e dissociam essas impressões,
modificando suas próprias percepções e marcas, em que alguns elementos
movem-se, outros se modificam e vivem, e outros, ainda, morrem em um
complexo movimento reelaborado sob a influência de fatores psíquicos
internos, ou seja, por meio de dissociação.
Por dissociação o autor compreende o realce de alguns traços
percebidos e vividos e a rejeição de outros no processo criativo. Em
consequência, compõe-se a associação, ou seja, a união dos elementos
dissociados e modificados em que ocorre uma combinação de imagens
individuais organizados em um sistema complexo. O círculo completo da
atividade da imaginação criadora é concluído quando se encarna ou se
cristaliza em imagens externas. Vigotski admite a importância dos processos
de dissociação e associação na reorganização e constituição da imaginação
criadora e ressalta a relevância de outros aspectos, tais como a relação com os
afetos, a não adaptação ao mundo circundante, o caráter produtivo da
atividade e a importância do contexto histórico-cultural.
A partir dessa compreensão, destaca-se, aqui, o modo como a
professora Lucássia propôs a intervenção. Admitimos que o caráter da
imaginação criadora discutida por Vigotski, principalmente no que se refere ao
processo criativo das crianças nessa faixa etária, está relacionado às
características mais específicas do jogo de faz de conta, tal como discutimos
no capítulo 3. Entretanto, associamos essa mesma discussão sobre os
aspectos criativos também na criação do livro pelo grupo por estarmos
166
estabelecendo um diálogo mais amplo tanto no que se refere à proposta da
professora quanto à resposta provocada ou produzida na e pelas crianças.
Algo que nos chamou a atenção na discussão de Vigotski acerca
desse processo é a compreensão de que, em toda situação criativa, existe uma
essência que provoca, uma origem motriz, como incitações ou molas
propulsoras. Smolka comenta que essa necessidade na perspectiva histórico-
cultural convoca-nos a partir da premissa de que o homem cria suas próprias
condições de existência não apenas para satisfazer suas necessidades por
meio dos instrumentos, mas, também, cria “novas condições de possibilidades
que se abrem constantemente, num movimento contraditório e infindável de
transformação” (p. 40). Nesse sentido, ressalta a importância das provocações,
do lançamento de desafios às crianças e coloca em evidência o papel da
escola e da professora. No caso do tópico aqui discutido, a criação de uma
história como algo novo com o grupo, a apreensão de novos modos de
desenvolver a prática pedagógica na relação dialógica entre adultos e crianças.
A partir da intervenção/provocação/mediação da professora
Lucássia, foi possível ampliar as capacidades criativas das crianças e trazer
para a história um enredo construído com e pelo grupo. As negociações
de/pela linguagem para a construção da história aconteceram entre todos. A
pesquisadora lia a história para que as crianças articulassem outras
possibilidades de continuidade. O trecho transcrito abaixo demonstra como se
deu esse processo.
Vídeo 5: 3m33s A pesquisadora lê a parte da história que já haviam começado: Pesquisadora: _ Era uma vez uma floresta que tinha muitos animais. Ouve-se a voz de Daniel dizendo: _ Ah... Tinha cavalos Pesquisadora: _ Um dia apareceu a onça e comeu muito capim e ficou gorda. [risos]. Daniel continua: _ Tinha muito cavalo, tinha muito onça, igual nós viu lá no zoológico! Pesquisadora [repetindo a fala das crianças e anotando]: _ Tinha muitos cavalos, muitas onças... Daniel: _ Jacarée! João Pedro: _ E um obo [lobo] mal. Daniel: _ E tinha coruja tamém! João Pedro repete a fala de Daniel: _ ti uja amém [tinha coruja também]! Uma criança diz: _ Tia e tinha peixe tamém!
167
Pesquisadora: _ E peixe também! Professora Lucássia: _ E aí? Pesquisadora: _ E aí? O que aconteceu?
A pesquisadora, ocupando o papel de escriba, e a professora, que
ajudava a organizar as ideias das crianças, exerciam, nesse caso, os lugares
de sujeitos mais experientes com um texto literário, que conheciam outros
enredos e dominavam um modo de escrita culturalmente organizado.
Desejavam auxiliar as crianças a ampliar suas capacidades criativas bem como
construir, pela primeira vez, uma história de sua própria autoria. A todo o
momento, as ideias trazidas pelo grupo eram retomadas e somadas à história
inicial, (re)construindo o texto.
Pesquisadora: _ Que mais? Que aconteceu Brian? Brian: _ O pexe afundô bem no mar e também o jacaré comeu e também [... inaudível] morreu mais o pexe. Pesquisadora: _ Então fala devagar. O que que aconteceu com o peixe? Lucássia chama a atenção de João Pedro e de outas crianças para ouvirem a história. Brian: _ O peixe afundô dento do rio e o jacaré morreu dento do mar e o sapo comeu uma mosca e também virou um caminhão...
Todo o processo ocorreu nesse formato, sempre relendo a história
em construção, reorganizando as falas para que fizessem sentido no enredo e
dando voz a todas as crianças. Durante as falas na criação da história,
emergiram sensações, memórias, imaginação, elementos constitutivos e
desdobrados em outros processos.
Léo: _ Eu! Daí apareceu Simba, que comeu o Jacaré e o sapo. Pesquisadora: _ Apareceu quem? Lucássia: _ O Simba. Léo: _ Simba, o leão. – Léo diz e faz os gestos rugindo como o leão. [...]
As negociações entre as crianças acerca da história aparecem como
um jogo de linguagem dramático e dialógico que demonstra a imaginação
circulando entre o fantástico e as questões de suas experiências de vida.
Vejamos esse trecho
168
Vídeo 7: 44s – Uma criança questiona Léo por ter sugerido que o Simba iria comer animais... (não é possível identificar quem seja essa criança, pois a câmera não capturou a imagem, apenas a voz) Léo se defende dizendo que o Simba comeu apenas o Jacaré e o sapo. Maria Júlia pede a palavra. Algumas crianças falam ao mesmo tempo. A pesquisadora pede para esperarem um pouquinho e deixarem a Maria Júlia falar. A professora Lucássia pede que o grupo ouça a colega: Lucássia: _ Ó, vamos ver o que que a Maria Júlia tá falando Maria Júlia diz: Maria Júlia: _ Os animais não pode morrer porcausa que a gente vai morrer também e fica triste... – a criança faz o gesto como se estivesse advertindo a pesquisadora ... Léo diz: _ Não, só vai morrer o sapo.
Quando Léo sugere que Simba, o leão, comeria o jacaré e o sapo,
parece estar interessado em retomar elementos que se aproximassem daquela
história inicial onde o “trágico” comporia o enredo. Entretanto, Maria Júlia
convoca-o a relacionar o que estamos escrevendo com elementos vividos na
realidade, “não podemos maltratar os animais”. A pesquisadora organiza as
falas, ajuda a negociar as propostas e vai conduzindo o jogo de linguagem na
tentativa de construir uma narrativa que contemple, ao máximo, as ideias
sugeridas por todas as crianças, erigindo um enredo criado coletivamente.
Cabe destacar, aqui, que, nessa fase em que as crianças se
encontram, ao mesmo tempo em que se forma e se desenvolve a linguagem,
aparecem, também, os indícios mais importantes da consciência, que, segundo
Vygotski (2012), são fundamentais para os estágios posteriores do
desenvolvimento. Ou seja, a estrutura semântica desenvolvida juntamente
com/por meio da linguagem e da compreensão de mundo que vai se
constituindo, vai compondo o início da tomada de consciência acerca da
realidade circundante. Conforme já apontamos em itens anteriores desta
análise, a percepção afetiva conduz a ação e as proposições das crianças de
forma integrada/inter-relacionada com outras funções da consciência.
O texto foi arquitetado em dois dias, no primeiro momento criou-se a
história até certo ponto. Esse texto foi retomado no dia seguinte pela
professora Lucássia, agora já mais tranquila sobre como dar voz às crianças e,
ao mesmo tempo, ocupar o seu espaço de educadora e adulta responsável
pelo trabalho pedagógico ali desenvolvido. A pesquisadora fez o registro fílmico
169
e participou das discussões, não como mediadora dos diálogos, mas como
integrante do grupo. Vejamos como se deu esse segundo momento:
Lucássia lê a história: _ Era uma vez uma floresta que tinha muitos animais! Ó Gabriel! Um dia apareceu a onça e comeu muito capim e ficou gorda! [risos das crianças] Tinha muitos cavalos e muitas onças! Jacaré e o Lobo mal. Tinha coruja e peixe. O peixe afundou no mar e apareceu o jacaré. O sapo comeu uma mosca. [risos] a corujinha foi.. estava na árvore e dormiu. Apareceu Simba o Leão e comeu o jacaré e o sapo. Léo: _ E também a mosca! Lucássia: _ Quando o Leão apareceu, todos os animais fugiram assustados! Daniel: _ O leão fez assim ó, Uahgrrr [ faz o gesto do leão como se estivesse rugindo] Outras crianças também o imitam. Lucássia: _ Ó! Cada um foi para sua casinha [risos] A nossa história já ficou pronta ou a gente tem que escrever mais?
Nesse momento, a professora conduz o grupo para a finalização da
história e para a escolha de um nome para ela. Com a participação mais ativa
de três crianças, decide, junto com o grupo, qual será o título da história. A
partir desse dia, iniciamos o processo de materialização do livro, digitando e
propondo que o ilustrassem.
As crianças já tinham acesso frequente aos livros por meio do
“Projeto Conta e Reconta”, entretanto, antes da materialização do livro criado
pelo grupo e da produção do exemplar de cada criança, a professora
oportunizou que observassem os elementos que compõem uma obra literária.
Levou para a sala várias obras e pediu que cada criança escolhesse alguma
para explorar. Foi um momento muito rico, em que todas se envolveram na
atividade de ler59, do seu jeito, cada história. Puderam trocar os livros
escolhidos entre si, escolher outros, dialogar sobre diferentes histórias e
personagens. A ideia era levar as crianças a observar a
organização/composição de um livro com todos os seus elementos, capa, ficha
catalográfica, dedicatórias, texto escrito da história, imagens ilustrativas, além
de oportunizar a própria leitura da história feita pelas crianças e, também, por
nós, professora e pesquisadora.
59
Referimo-nos à leitura de imagens e tentativas de construção de uma interpretação do código escrito, uma vez que esse grupo ainda não domina a leitura da forma convencional. Entretanto, há muitas outras possibilidades de leituras que podem ser construídas nesses momentos.
170
4.3.2 A experiência e o processo criativo: elementos da realidade
Conceder destaque a esses elementos no processo criativo do livro
Muitos Animais torna-se importante na medida em que nos reafirma a atenção
que devemos dar na escola e nos processos pedagógicos ali desenvolvidos
para as experiências que estamos oferecendo às crianças. Quais situações
estamos privilegiando no cotidiano escolar? De fato, são experiências que
contribuem para ampliar os repertórios infantis de modo a enriquecer sua
imaginação? Vigotski ajuda-nos a compreender esse processo a partir da
premissa:
Já mencionamos que a atividade da imaginação subordina-se à experiência, às necessidades e aos interesses na forma dos quais essas necessidades se expressam. É fácil compreender que essa atividade depende também da capacidade combinatória e do seu exercício, isto é, da encarnação dos frutos da imaginação em forma material; que depende, ainda, do conhecimento técnico e das tradições, ou seja, dos modelos de criação que influenciam a pessoa (p. 41).
Alguns personagens que apareceram na história já eram conhecidos
das crianças. Figuras de outras histórias vêm-lhes à memória, tanto pela
provocação da pesquisadora, quanto por suas lembranças com a literatura.
Experimentaram trazer para o enredo desta nova história o Simba, a Corujinha,
o Lobo Mau, assim como buscaram, em suas experiências, personagens que
lhes eram conhecidos, como é o caso da onça, do jacaré e do peixe, vistos no
zoológico no mesmo dia. Vejamos a seguir um trecho que ilustra essa
discussão:
Pesquisadora: _ Ajudo! Então, vamos fazer assim ... vocês conhecem história de... quais histórias vocês conhecem? Vão me falando! Várias crianças começam a falar ao mesmo tempo. A pesquisadora diz: Pesquisadora:_ Vai levantar o dedinho quem for falar. Crianças: _ Eu eu eu... Pesquisadora: _ Maria Júlia, qual história você já conhece? Maria Júlia: _ A da coruja! Pesquisadora: _ Da coruja! E você Léo? Léo: _ Do Bicho Papão!
171
Pesquisadora: _ Do Bicho Papão! E você Raul? Raul: _ Do... do Mickey! Pesquisadora: _ Do Mickey! E você Isabella? Isabella balançando o corpo para frente: _ Da Chapeuzinho! Pesquisadora: _ Da Chapeuzinho Vermelho! E você Daniel? Daniel: _ Da corujinha! Isabelly: _ Eu sei da Elza! Pesquisadora: _ Da Corujinha, da Elza... E você Cecília? Qual história você conhece? Ana Cecília: _ Eu... eu não sei! Pesquisadora: _ Então vamos pensar – João Victor manifesta corporalmente o desejo de falar e a pesquisadora acolhe sua fala. _ Fala, João Victor! João Victor:_ Eu... penso.. gosto da... do Mickey Mouse também!
Podemos notar que a Coruja, o Simba e o Lobo Mau apareceram na
história criada pelo grupo sendo personagens no enredo. Durante o tempo em
que acompanhamos o grupo GIII “E”, tivemos a oportunidade de presenciar
momentos em que tiveram contato com esses personagens em outras
histórias, tanto no “Projeto Conta e Reconta”, a história “Um tanto perdida” de
autoria de Chis Haughton em que a personagem principal era uma corujinha,
como em histórias contadas pela professora Lucássia em sala, que traziam o
personagem Lobo, no caso do conto clássico “Os três porquinhos” e
“Chapeuzinho Vermelho”; e, ainda, em diálogos das crianças entre si sobre
filmes a que assistiram.
Outras figuras dramáticas haviam sido vistas por elas no Parque do
Sabiá nesse mesmo dia: onça, jacaré, peixe. Conforme apontado por Vigotski
(2009), o processo de criação do conto foi atravessado pelo sincretismo, forma
primeira de criação infantil. Para o autor,
A criança desenha e ao mesmo tempo narra a respeito do que desenha. Ela dramatiza e compõe um texto verbal no seu papel. Esse sincretismo aponta a raiz comum da qual se ramificam todos os outros tipos de arte infantil. A brincadeira da criança é essa raiz comum; serve de estágio preparatório para a criação artística da criança, e, até mesmo quando dessa brincadeira sincrética comum destacam-se, separadamente, tipos mais ou menos independentes de criação infantil, tais como o desenho, a dramatização de sua composição, cada tipo não é rigidamente separado do outro e voluntariamente absorve elementos dos demais (p. 93).
172
Durante a criação da história, não vivenciamos apenas a escrita de
um texto, mas a composição de um conto atravessado pelas relações
dialógicas, pela dramatização, pelas retomadas de memórias e experiências de
vida de cada criança, pelas emoções (re)vividas com as histórias e
personagens já conhecidos, pelas relações de ensino e aprendizagem sobre
como se criar um texto com início, meio e fim, tentando aproximar as crianças
da compreensão acerca, também, da escrita como signo cultural que permeia o
cotidiano e pode tornar-se mais uma atividade significativa para as crianças.
Escrever com sentido e significado. Todos esses elementos foram mediados
pela linguagem ali estabelecida, que, ao mesmo tempo, conduziu, compôs,
atravessou, criou e recriou os modos de participação das crianças, da
professora e da pesquisadora.
O que estamos colocando em perspectiva é a possibilidade de tomar
o trabalho com a literatura como fundamental no processo de desenvolvimento
de adultos e crianças na escola. Sabemos que há diversos modos de contar
histórias. Acompanhamos muitos deles durante o trabalho de campo, e temos
uma experiência com diferentes tipos. Entendemos, ainda, que a mediação
desencadeada nesses modos específicos provoca outros desdobramentos,
tanto na própria história quanto nas potencialidades de desenvolvimento dos
sujeitos.
Assim como Pino (2006), consideramos a interação da criança com
a Literatura como possibilidade de uma atividade que se integra com a
atividade criadora e propulsora de imaginário. Os modos de participação das
crianças nos momentos de escuta de histórias, as expressões, as
dramatizações, as relações estabelecidas com elementos específicos de cada
criança, a euforia na com e a história demonstram, para nós, que a arte literária
possibilita à criança “apropriar-se”, o que, segundo Pino (2005), significa re-
criar, no plano pessoal, aspectos dos sistemas simbólicos. Essa (re)criação
volta para suas relações com o mundo num constante movimento dialético e
precioso de (re)elaborações.
4.3.3 A composição da ilustração: criações singulares
173
A construção coletiva do texto, por meio das vozes de todos os
integrantes do grupo, aparece como elemento de linguagem materializado e
construído na polifonia e na dialogia, em que a fala de um antecipa, contrapõe,
complementa, organiza a fala do outro. Freitas (1994), ao discorrer sobre o
papel da linguagem em Bakhtin, afirma que
O centro organizador e formador da atividade mental não está no interior do sujeito, mas fora dele, na própria interação verbal. Não é a atividade mental que organiza a expressão, mas é a expressão que organiza a atividade mental, modelando e determinando a sua orientação. A atividade mental do sujeito, da mesma forma que sua expressão exterior, se constitui a partir do território social (p. 138).
Esse processo pode enriquecer e ampliar, por meio das construções
dialogadas, signos que retornam para os próprios sujeitos como fonte de
desenvolvimento. Neste item, queremos destacar o modo como a professora
Lucássia conduziu a organização do livro e a ilustração da história, com
destaque especial ao seu papel de adulta mais experiente do grupo que
pesquisou modos de ampliar a organização estética do livro e mediou um
processo em que adultos e crianças possuem um papel fundamental: compor,
de forma individual, as imagens da história criada coletivamente.
Buscando aproximar o trabalho produzido com as crianças dos elementos que
compõem uma obra literária, a professora cuidou da capa, contracapa, ficha
catalográfica, espaço para assinatura dos pequenos autores e ilustradores,
dedicatória, e apresentação feita pela por ela, onde fala sobre o processo de
criação do livro e de como se sentiu com esse trabalho.
Cada criança pôde ilustrar seu próprio livro, e, para isso, a
professora escolheu diferentes possibilidades, associando e intercalando a
composição em que a figura do adulto que organiza, sugere, direciona, articula-
se com a expressão livre das crianças. Escolheu diferentes técnicas que
contemplaram a pintura com esponja, com os dedinhos e mãozinhas das
crianças, recorte e colagem, origami, desenhos livres e com interferência. Teria
esse trabalho provocado, nas crianças, diferentes percepções acerca da
criação de um livro? Trata-se de algo constitutivo e significativo no processo
vivido?
174
Escolhemos algumas páginas dessa composição para explicitar o
processo vivido e ressaltar a mediação apontada. Nas imagens apresentadas a
seguir, daremos destaque à composição da obra como um todo, onde os
nomes das crianças aparecem como autoras e ilustradoras da história e
aproximam-se de modos culturalmente desenvolvidos de organização de um
livro. Inferimos que participar desse processo escrevendo seu nome na autoria
e, em seguida, fazendo a dedicatória pode levar as crianças a experimentar um
formato validado socialmente de composições de obras literárias. Vejamos
como as crianças manifestaram-se.
Imagem 18 – Ficha Catalográfica
Fonte: Material da Pesquisadora
175
Imagem 19 – Dedicatória
Fonte: Material da Pesquisadora.
A proposição da professora em explorar esse aspecto pode provocar
uma ampliação nos modos como as crianças percebem as obras para além da
história criada. Ou seja, perceber que a composição de um livro é constituída
também por outros elementos. Outro aspecto que consideramos fundamental
na discussão acerca do conceito de mediação diz respeito à composição das
imagens que ilustram os livros em dois sentidos. O primeiro concerne à
possibilidade de as crianças terem sua singularidade respeitada, já que cada
criança ilustrou seu próprio exemplar. O segundo refere-se ao modo como a
professora propôs as ilustrações.
As páginas do livro apresentam, de forma sincrética, as marcas da
professora, sujeito adulto que propõe uma composição organizada
esteticamente, e as marcas das crianças que experimentam os lugares de
autoras e ilustradoras. O cuidado com a apresentação estética demonstra a
maneira pela qual a professora coloca-se como a mediadora responsável na
condução de um processo criativo, sem que essa posição apague as crianças.
Escolhemos quatro imagens que compõem páginas do livro onde as marcas de
176
adultos e crianças alternam-se, revelam-se e integram um processo singular
que pode demonstrar o amálgama de possibilidades criativas que se
complementam. Adultos e crianças criando, juntos, elementos/signos culturais.
Imagem 20 – Uma floresta
Fonte: Material da Pesquisadora.
Nessa página, “Era uma vez uma floresta que tinha muitos animais”,
é possível perceber que as marcas da professora misturam-se às das crianças
na pintura feita com esponja e com os dedinhos. Fazer junto, compor uma cena
é algo que também possibilita a expressão da criança e pode ajudá-la na
ampliação de suas próprias capacidades de representação simbólica.
Já nas páginas a seguir a proposta consistiu em deixar a criança
mais livre para produzir, por meio do desenho, as imagens que comporiam a
ilustração do texto “Tinha muitos cavalos, muitas onças, jacaré e o lobo mau.
Tinha também coruja e peixe” e “Apareceu Simba, o Leão, e comeu o jacaré e
o sapo”. A liberdade de escolha acerca da forma de construir o seu desenho
também é fundamental para que a criança construa o seu próprio modo de
compor o enredo ilustrativo, valorizando sua capacidade expressiva.
177
Imagem 21 – Animais
Fonte: Material da Pesquisadora.
Imagem 22 – Simba, o Leão
Fonte: Material da Pesquisadora.
178
O destaque que estamos buscando aqui são as experiências vividas
com a mediação da professora no que se refere à produção estética do livro,
ora propondo marcas expressivas de adultos e crianças que se
complementam, ora oportunizando que as marcas sejam exclusivas das
crianças. Páginas que se alternam entre o fazer junto e fazer sozinho
demonstram potencialidades criativas que se completam e podem marcar o
desenvolvimento cultural das crianças.
A última imagem que apresentamos, abaixo, compõe uma situação
que nos chamou muito a atenção no momento de sua confecção.
Imagem 23 – A casinha dos animais
Fonte: Material da pesquisadora.
A ideia da professora Lucássia foi sugerir que as crianças
construíssem, com representações de algumas figuras geométricas, a casinha
para onde cada animal teria fugido quando o personagem leão apareceu. A
princípio, propôs apenas que as crianças colassem as imagens, formando as
casinhas de acordo com a combinação que quisessem. Entretanto, sua
179
proposta sofreu uma alteração quando a pesquisadora questionou uma criança
que já terminava sua “construção” com a seguinte fala “O que vamos colocar
dentro desta casinha?”, ao que a criança respondeu, muito empolgada, “Os
animais!!”. A professora, surpresa com a situação, sorriu e disse: “Nossa, eu já
ia dizendo que não teria nada mais pra colocar dentro!” Entretanto, encantou-
se com o desejo e a proposta de todas as crianças em continuar a ilustração
com o desenho dos animais na casinha.
4.4 Distanciar-se, (re)construir-se: retomando algumas questões do
processo formativo
A parceria firmada entre a pesquisadora e as duas profissionais,
Laís e Lucássia, no decorrer de todo o trabalho da pesquisa, estabeleceu-se,
principalmente, a partir de pontos de convergência de interesses. Os papéis
sociais ocupados por nós três no campo da Educação Infantil e o interesse em
desenvolver um trabalho de pesquisa acadêmica que oportunizasse a
compreensão acerca da literatura e da linguagem aproximaram-nos e
possibilitou o estabelecimento de uma relação de confiança. Nesse sentido,
queremos, aqui, destacar aspectos presentes em todo o processo que
permitiram o desenvolvimento de todas nós no decorrer da pesquisa e nas
elaborações tecidas e entretecidas na trama construída.
Primeiramente, vale destacar os encontros, os estudos, as
discussões e as elaborações desde a escrita do projeto de intervenção, o
desenvolvimento das ações no cotidiano escolar, os registros feitos, o colocar-
se em perspectiva a se ver no vídeo e, assim, poder construir outro e novo
olhar sobre o seu próprio ofício, até as produções dos Trabalhos de Conclusão
de Curso (TCCs) em que o processo vivido é retomado. Em todo o percurso da
pesquisa, destacam-se a linguagem e o trabalho coletivo, tanto por meio das
interações verbais experimentadas, quanto pela escrita como elemento
formativo e criativo.
Conforme já vimos destacando ao longo deste texto, a compreensão
de Bakhtin e Vigotski acerca da linguagem e seu papel no desenvolvimento
humano consolidaram toda a construção desta pesquisa. Os modos como
construímos o trabalho empírico, os estudos e planejamentos realizados e toda
180
a análise desenvolvida demonstram processos dialógicos vividos. Freitas
(1994), ao discorrer sobre as teorias desses dois autores, estabelece
aproximações entre suas concepções, principalmente acerca do papel da
linguagem. Afirma que “destacaram aí o valor da palavra e da interação com o
outro. Consciência e pensamento são tecidos com palavras e ideias que se
formam na interação, tendo o outro um papel significativo” (p. 159).
Ao retomarmos os registros feitos pelas duas profissionais nos
Trabalhos de Conclusão de Curso, pudemos notar os modos como significaram
a pesquisa e o percurso vivido, bem como o desdobramento de nossa parceria
nas análises e reflexões feitas por elas. Esses relatórios demonstram o
processo de elaboração teórica e o (re)pensar das práticas das profissionais.
Neles, concretizam-se, ou materializam, e podem-se visualizar, por meio das
elaborações da linguagem, os processos vividos, tendo a escrita como
possibilidade de formação e desenvolvimento profissional/cultural. Elas contam
sobre a trajetória da pesquisa, constroem seus argumentos teóricos,
(re)elaboram modos de compreender o desenvolvimento infantil, falam da
escola e de como se perceberam durante a proposta de intervenção, bem
como colocam em perspectiva suas ações com os grupos e os modos como se
(trans)formaram.
Os trabalhos condensam, ainda, a descrição e reflexões com relação
a diversas situações e atividades desenvolvidas na escola. Entretanto,
buscando estabelecer uma coerência interpretativa, daremos destaque às
menções que as duas autoras fizeram aos episódios que explicitamos nas
análises anteriores. No trabalho da professora Laís, buscamos as alusões ao
episódio “Bruxa, bruxa, venha à minha festa”, e no trabalho da professora
Lucássia observamos as referências à construção do livro “Muitos Animais”60.
4.4.1 Laís e arte literária: reflexões e desejos ampliados
Laís demonstrou bastante interesse pelos modos como as crianças
tinham acesso às obras literárias. Sua preocupação relaciona-se com as
60
O episódio “O Grande Rabanete” não foi explorado pela professora de forma mais aprofundada no Trabalho de Conclusão de Curso, estando incluído nas análises da autora sobre as rodas de conversa, momento em que a contação de história ocorria.
181
crianças do berçário e GI (0 a 2 anos), grupo em que atuava, entretanto
realizou um trabalho que envolveu todas as crianças da unidade escolar.
A escola, por meio da atuação da coordenadora, desenvolvia uma
atenção especial à formação continuada de todos os profissionais da unidade,
inclusive contemplava algumas ações voltadas para a aproximação das
crianças com os livros. Disponibilizava as obras a todos os docentes e
funcionários de outros setores como cantina, limpeza e secretaria, e todos
podiam ter acesso, despertando o interesse para as questões educacionais.
Foi nesse contexto que se deu o ingresso de Laís no campo
educacional e no trabalho com os pequenos. Os livros recebidos pelo Ministério
da Educação chegavam, primeiramente, a todos os profissionais que os liam,
emitiam suas opiniões acerca das obras e sugeriam possibilidades de
exploração com as crianças. A preocupação de Laís ampliava-se a partir do
trabalho com o qual estava acostumada, qual seja, com a organização do
espaço destinado ao acesso aos livros e a provocação de oferecer às crianças
a oportunidade de escolher, para leitura, os de seu interesse, pois, até aquele
momento, essas escolhas eram feitas pelas professoras sob a justificativa da
falta de um espaço adequado para levar as crianças.
Vejamos o modo como a educadora compreendia sua proposta
diante desta realidade.
E é por isso, que proponho este trabalho fundamentado a partir das vivências das crianças junto ao espaço da biblioteca, seja ela fixa ou móvel (a proposta inicial era buscar a implementação da biblioteca fixa), com diferentes tipos de gêneros literários. Acredito que esta proposta possa contribuir para que as (inter)ações das crianças com as histórias e os livros obtenha esses significados, de criação, imaginação, fantasia, competência narrativa, a partir de várias formas de contar e recontar recriando a história, apropriando-se da leitura e escrita a partir da escolha dos livros de literatura oferecidos de forma lúdica (MARQUES, 2016, p. 22).
Com essa intenção, pesquisou modos de organizar espaços para
biblioteca escolar, ampliou seus estudos sobre o desenvolvimento infantil,
sobre a arte e a literatura, elaborou documentos junto à direção da escola e
colocou em ação a chamada “Biblioteca Ambulante”, que circulou por todas as
turmas durante o desenvolvimento do projeto, inclusive com o apoio da
182
pesquisadora. No grupo do berçário e GI, a ação da educadora foi mais
intensa, com uma proposta de criação de personagens, escuta de histórias e
exploração dos livros. Daremos destaque, aqui, ao modo como ela significou o
vivido no episódio “Bruxa, bruxa, venha à minha festa” por meio das
elaborações que foi fazendo na retomada de todo o processo na escrita do
TCC.
A educadora cuidou de aspectos importantes, tais como preparar as
situações com a participação dos pequenos por meio da criação de fantoches.
Assim, acreditava poder envolvê-los de forma mais interessante.
As ações continuaram sendo desenvolvidas com a participação das crianças, de forma que elas pudessem retomar os personagens por ela confeccionados e assim, pudessem (re)memorar e ampliar suas percepções acerca dos mesmos. Diante desta proposta L. – 2 anos, novamente quando viu o cachorro disse: O Nick titia (MARQUES, 2016, p. 30).
Muitas reflexões acompanharam a ação de Laís desde o início de
estudos, planejamentos e diálogos sobre as ações a serem desenvolvidas.
Enfim o dia tão esperado de levar o carrinho para a sala chegou. Estava ansiosa para saber as reações das crianças. Será que iriam gostar do carrinho? Do tapete? Das almofadas? E os livros, elas iam se interessar tanto quanto pelos fantoches? Qual seria o mais escolhido? E da história iriam gostar, se envolver ou não? Muitas eram as dúvidas na minha cabeça naquele momento (idem, p. 32).
Sentia-se insegura com a proposta, e, ao realizar toda a atividade,
pôde retomar, também, por meio do registro em vídeo, o envolvimento das
crianças. Na análise tecida no TCC, retoma conceitos apreendidos nos estudos
sobre o desenvolvimento da criança e as inter-relações com a arte literária,
principalmente destacando as relações estabelecidas com outras histórias
ouvidas com a história contada naquela ocasião. Destaca a importância de
acolher os modos de participação dos pequenos, que, nessa faixa etária,
expressam-se com o corpo por meio de gestos, balbucios e com o movimento
do corpo em direção ao livro e ao jogo dramático ali composto. Ressalta o
papel do adulto nessa relação, demonstrando ter ampliado a compreensão
acerca de seu papel junto às crianças.
183
Retomando as ideias de Faria e Vita (2014), destaca que
A importância, o prazer do livro, seu valor e seu significado são, inicialmente, mediados pelo educador que apresenta e explica o texto. É a mediação do adulto que irá fazer com que a criança compreenda o uso e significados da literatura infantil, pois é o professor/educador que irá proporcionar todo esse movimento de aquisições, encorajando a explorá-lo sozinho, como também ler o livro para a criança ou para pequenos grupos, para fazer com que a criança perceba „o que pode obter de um livro‟ para que em seguida a criança com autonomia possa buscar o livro (MARQUES, 2016, p. 36).
Algo fundamental a ser destacado acerca do processo vivido por
Laís refere-se ao modo como se constituiu pesquisadora. A escrita final do
TCC possibilitou reconhecer o crescimento da educadora em sua capacidade
de elaboração, bem como de incorporação da teoria estudada no decorrer do
processo da pesquisa. Ressalta-se, ainda, a apropriação de modos de se
tornar professora, reconhecendo, em sua própria atuação, questões
fundamentais do desenvolvimento cultural infantil. Ela reconhece que,
Através do convívio das crianças com a biblioteca móvel, elas desenvolveram atividades como, bater palma, jogar, dançar, brincar, entre outras. Essas atividades compreendem a aquisição da locomoção do corpo, ampliando assim, a possibilidade de laços de afetividade e socialização entre os educandos e o educador. As crianças divertiam-se na manipulação dos livros do carrinho, investigavam o livro como se fosse um brinquedo, abriam, fechavam, cheiravam, mordiam, trocavam por outro, colocavam na estante, pegavam outra vez, disputavam-no e liam brincando com as imagens (MARQUES, 2016, p. 38).
Comenta, também, sobre seu modo de contar a história e sobre
como percebeu a participação das crianças.
Enquanto contava fui adaptando algumas partes da história com os fantoches, as crianças foram muito participativas, respondiam conforme suas hipóteses. Ao perguntar onde o tubarão morava “S” respondeu que o “tubarão mora na água”. (M-2 anos) ao ver o unicórnio disse que era um macaco [...] (idem, p. 34).
O momento da história foi significado por Laís, a princípio, como
improdutivo, ou como “bagunça”. Ver-se atuando com as crianças no vídeo
184
possibilitou outro olhar sobre seu trabalho e sobre os modos de participação
das crianças. Seu movimento durante todo o tempo em que assistiu ao
episódio foi marcado pelo encantamento, pela projeção do corpo para frente
para ver melhor as cenas, por risos e comentários de admiração com os gestos
das crianças. Sua fala, ao assistir ao vídeo, ilustra como havia percebido o
momento que contou a história e como essa percepção foi alterada ao
confrontar-se com a experiência vivida. Enquanto vão conversando entre si
sobre o momento de exploração dos livros pelas crianças, logo depois de
ouvirem a história, Laís comenta:
Ela diz: _ Eu estou vendo aqui... eu, pra mim, estava sendo uma bagunça, mas eu tô vendo aqui que eles... ela ri e não termina a frase, mas quis dizer que está vendo que as crianças aproveitaram a atividade e se concentraram com os livros e que ela achava que tinha sido uma “zorra”. As duas riem... (Transcrição Autoconfrontação cruzada, 01/12/2015. Material Pesquisadora)
Ela discorre em seu TCC:
Continuando, ao fim daquele momento a meu ver parecia que tinha saído uma bagunça, que elas estavam dispersas e que poucos realmente tinham se interessado pela história, somente depois na aula de ACPP (Análise Crítica da Prática Pedagógica) com a professora Núbia ao ver a aula como um todo percebi que tinha sido um sucesso, e que elas estavam realmente interessadas e que tinha sido bastante interativa. A apropriação foi tanta da biblioteca móvel que ao sairmos da sala para área externa (P. S – 1 ano) ao encontrar o carrinho de livros pareceu reconhecer a atividade realizada em sala demonstrando alegria ao vê-lo. Enquanto que todos os dias passamos pelo carrinho e não havia significado algum (MARQUES, 2016, p. 37).
Lucássia parecia não acreditar que crianças dessa idade teriam esse
envolvimento. Durante quase todo o tempo, ela indagava Laís, demonstrando
sua atenção para as questões mais voltadas para a estrutura organizacional da
escola e da sala. Por exemplo, quantas crianças ficam na mesma sala, quantos
pessoas adultas, de quem são os objetos utilizados na história. E demonstrou
surpresa quando Miguel, de 2 anos, reconheceu o personagem Pirata.
Vejamos:
185
Lucássia: _ São quantas crianças na sala? Ao que Laís responde: _ Quatro! A professora e três educadoras. Prossegue a cena com Laís contando a história e aparece a personagem Pirata; ela pergunta na cena quem é aquele personagem e espera até que alguma criança responda. Por meio do incentivo de Laís, Miguel responde que é o Pirata. Quando consegue responder, a professora Edilene bate palmas. Ao ver essa cena, Laís repete „Pirata‟, e Lucássia também diz: _ Pirata! Nossa, eles já sabem o que que é o pirata? Pergunta um tanto quanto surpresa. E complementa seu comentário: _ Eles não, né, é uma criança! Laís confirma: _É! É o Miguel! (Transcrição Autoconfrontação, 01/12/2015).
Ressalta-se o quanto a atividade acrescentou elementos importantes
no processo de desenvolvimento da educadora. Planejar, estudar, escrever,
desenvolver atividade de contar histórias e colocar-se em perspectiva foi
marcante para Laís, que se apropriou de modos de explorar a linguagem
literária e de valorizar os modos de participação das crianças.
4.4.2 Professora Lucássia e a arte literária: a linguagem em ação e constituição
em sala de aula
A professora Lucássia desenvolveu várias ações com seu grupo
buscando compreender o papel da linguagem no desenvolvimento da criança.
Dentre as ações desenvolvidas, privilegiava, nas rodas de conversa, a
exploração do “Projeto Conta e Reconta”, já apresentado no capítulo 1.
Desses momentos de contação de histórias, alvo central de nossa
atenção na pesquisa, desdobrou-se a construção da história do livro “Muitos
Animais”. A profissional construiu um modo de compreender o desenvolvimento
da criança por meio da linguagem que, para ela, pode ser problematizada por
meio da análise do vivido nessa criação. Por essa razão, dedicou um item de
seu TCC para discorrer sobre como significou a produção do livro. O modo
como a professora concebia a linguagem em sua prática pedagógica passava
uma ideia de que não acreditava muito nas capacidades das crianças, sentindo
necessidade de falar por elas, sempre tentando controlar muito as falas e o
comportamento dos pequenos.
186
De acordo com Freitas (1994), a partir do modo como Bakhtin
compreende os processos de desenvolvimento da linguagem e das interações
verbais,
A atividade mental é expressa exteriormente (palavra ou outro meio) e internamente para o próprio indivíduo (discurso interior) sob a forma de signos. Fora deste material semiótico a atividade interior não existe. Assim, toda atividade mental é exprimível e esta função expressiva não pode ser separada da atividade mental, sem que se altere a sua própria natureza (p. 130).
Foram os estudos empreendidos acerca do papel da linguagem no
desenvolvimento das crianças a partir da perspectiva histórico-cultural que
ampliaram o olhar e (trans)formam a prática da docente. Aqui, vale destacar
que os textos lidos, as discussões feitas coletivamente, a escrita, tanto nos
registros feitos diariamente quanto do Trabalho de Conclusão de Curso, a
prática docente e, especialmente, o ver-se no vídeo, foram signos mediadores
de todo seu processo de desenvolvimento.
Pino (2016), ao ponderar sobre os processos de humanização do
homem, discorre sobre os mecanismos de emergência da consciência,
afirmando ser um fenômeno historicamente situado e ligado à atividade
criadora do homem. Segundo o autor,
Isso quer dizer que a consciência emerge no agir humano, sendo ao mesmo tempo causa e efeito desse agir. Ora, o próprio da atividade humana é que é simbólica além de técnica, produzindo um efeito de simbolização em tudo onde ela opera (p. 28).
Nesse sentido, podemos inferir que, ao se ver no vídeo e produzir o
TCC, a professora Lucássia estabeleceu certo distanciamento para com sua
própria prática, no sentido exotópico, ocasionando novos modos de percepção
de si mesma e de seu próprio trabalho. Isso pode ser entendido quando ela
escreve, em seu relatório, como se sentia durante a produção do livro.
No dia da construção desta história fiquei bastante tensa, porque afinal as crianças estavam agitadas, conversando muito entre si e eu não estava conseguindo perceber se elas estavam interagindo sobre o assunto, desenvolvendo suas hipóteses para a construção da história ou comentando suas
187
vivências daquele dia, mas após ver as filmagens, fiquei bastante impressionada, pois toda aquela agitação era pertinente a tudo o que estávamos discutindo e elas estavam realmente interessadas na atividade proposta (FERREIRA, 2016, p. 44).61
Esse trecho demonstra a importância de colocar-se em perspectiva
e o quanto se ver atuando possibilitou uma mudança de olhar para as crianças
e para sua própria prática. A professora relata todo o processo de criação do
livro, descrevendo como compreendeu o processo e como se percebeu nesse
trabalho. O trecho abaixo revela o momento em que interveio e o modo como
significou a participação das crianças.
A princípio elas não conseguiram compreender muito bem, como se iniciava uma história, e só estavam aparecendo animais que matavam outros e comiam braços, pernas e outras partes. Então resolvi intervir e perguntar a elas se eu poderia iniciar a história. Com o aceite de todos comecei assim: Era uma vez uma floresta que tinha muitos animais! A partir daí, deixei que elas protagonizassem a construção da história, dando-lhes espaço para que colocassem em prática sua imaginação, através da linguagem (FERREIRA, 2016, p. 43).
Outro trecho evidencia como o trabalho com a literatura, aqui
relacionado à criação do livro, despertou na professora um olhar diferente
Com certeza neste dia ao final desta atividade me tornei uma professora com um olhar diferente do que quando esta atividade se iniciou. Levar as crianças a pensar, a conseguir se expressar, ver aos poucos elas se constituírem como ser humano na/pela linguagem foi muito gratificante. Além disso, consegui reconhecer a importância das atividades coletivas. Nos dias em que se seguiram, durante a construção/ilustração do livro pude observar que, como as crianças foram participantes ativas naquela ação, a atividade se tornou muito mais chamativa, elas participavam com entusiasmo daqueles momentos (ibid., p. 45).
O trecho a seguir, trazido nas Considerações Finais do TCC de
Lucássia, aponta como ampliou seu olhar.
O que mudou principalmente foi o meu olhar sobre as capacidades que as crianças possuem. Na chegada das
61 A pesquisadora cedeu cópia das filmagens produzidas durante a criação da história pelo grupo para a professora, que assistiu aos registros fílmicos sozinha e por sua própria conta para a produção do seu Trabalho de Conclusão de Curso.
188
crianças e durante as rodinhas de conversa, passei a ouvi-las, a prestar atenção no que elas me diziam, mesmo às vezes sem usar as palavras, ainda passei a incentivá-las a se tornarem agentes de sua própria aprendizagem, e além de proporcionar-lhes situações para experimentarem e ampliarem o uso da linguagem percebi o quando desenvolveram sua identidade e autonomia. [...] Um dos momentos de maior relevância para mim, enquanto pesquisadora e professora da turma foi a construção do livro “Muitos Animais”, de autoria do grupo. Foi um processo encantador e muito envolvente. As crianças se tornaram agentes ativas no processo de criação do mesmo. [...] este momento foi significativo tanto para mim, quanto para a turma. Há alguns dias me encontrei com um dos alunos, que fizeram parte desta pesquisa, e mesmo depois de meses da finalização deste trabalho, ele me perguntou se eu me lembrava da “nossa história”. Com uma resposta afirmativa de minha parte, ele me contou-a com riqueza de detalhes, o que só comprova tudo o
que foi descrito acima (FERREIRA, 2016, p. 49-50).
A escrita da professora revela os modos como o trabalho de
investigação, proposição e análise da situação vivida, aqui relacionada à
produção do livro com as crianças, modificou sua prática e a forma de
compreender os processos interativos concernentes ao trabalho docente,
apontando para as possibilidades de formação inspirada no trabalho com a
literatura, tendo apoio nas concepções teóricas discutidas.
Nos episódios apresentados, tomamos os modos construídos em um
processo de estudo por duas profissionais e pela pesquisadora, produção de
trabalhos de intervenção com um objetivo claro, provocar nas crianças o
interesse pela leitura e pelos livros e compreender melhor os processos da
linguagem. Entretanto, para além dos objetivos das profissionais, tomamos as
vivências tidas naqueles contextos como elementos únicos e preciosos do
cotidiano das escolas, consequentemente, de potencialização e provocação de
desenvolvimento cultural por meio dos modos de participação dos sujeitos,
adultos e crianças.
189
CONSIDERAÇÕES SOBRE A PESQUISA E O TRABALHO COM A
LITERATURA: NOVAS MARCAS DO PROCESSO VIVIDO
Muitas experiências marcam meu trabalho na Educação Infantil e
minha atuação nesta pesquisa, principalmente o reconhecimento de que as
crianças precisam ser atraídas para e pela escola por meio de propostas
pedagógicas que as incluam e as concebam como coautoras do que pode ser
ali construído. A partir desse modo de compreender a atuação na Educação
Infantil, estabelece-se uma relação importante entre diversos campos do
conhecimento.
A Pedagogia é um campo diretamente responsável pela organização
e proposições no campo da educação e das relações ali estabelecidas, e os
demais campos de conhecimento que compõem modos de compreender e
pensar a infância. Dentre eles, a Psicologia, especialmente a Psicologia
Histórico-Cultural, que contribui muito, a meu ver, para que possamos, de fato,
propor um ensino que respeite adultos e crianças em todas as suas dimensões.
O trabalho de pesquisa envolve, a partir de uma perspectiva
bakhtiniana, uma “interpretação dialógica” (AMORIM, 2001), ou seja, o trabalho
do pesquisador é tecido e entretecido, dentre tantos outros fios, a partir da
construção de sua alteridade. Esse processo é atravessado por dúvidas,
medos, incertezas, sensações, tomada de decisões, buscas e, principalmente,
a abertura para uma escuta sensível e uma disposição para estranhar-se. O
estranhar-se pressupõe colocar-se em outro lugar, o lugar do outro. O outro
que também nos compõe, inquieta-nos e constitui-nos...
O momento de finalizar a escrita desta tese trouxe-me muitas
inquietações e indagações. Era preciso “concluir”, encerrar um ciclo, finalizar…
Mas o que aprendi? O que se revelou no decorrer desta pesquisa para mim,
para as professoras e para as crianças? O que posso dizer sobre a Literatura
e a sua inter-relação com o desenvolvimento cultural de adultos e
crianças depois desta pesquisa? É na tentativa de responder a essas
questões que tecemos estas considerações.
Nesse intento, colocamos em perspectiva, especialmente, três
elementos: 1) a arte literária como signo cultural, quando aprofundamos
conceitos que a entendem como provocativa de uma elaboração criadora no/do
190
e com o sujeito. Buscamos demonstrar que, ao percebermos uma obra de arte,
sempre a recriamos de forma nova, e essa recriação é única e irrepetível; 2)
propusemo-nos, nesta tese, a compreender os meandros desse processo na
escola de Educação Infantil a partir do trabalho com a literatura, signo
cultural; 3) tendo em vista uma inter-relação com o desenvolvimento cultural
de adultos e crianças na escola à luz da teoria histórico-cultural e a partir das
vivências com a arte literária.
Vigotski aponta-nos que
a arte é uma técnica social do sentimento, um instrumento da
sociedade através do qual incorpora ao ciclo da vida social os
aspectos mais íntimos e pessoais do nosso ser. Seria mais
correto dizer que o sentimento não se torna social, mas, ao
contrário, torna-se pessoal, quando cada um de nós vivencia
uma obra de arte, converte-se em pessoal sem com isto deixar
de continuar social (VIGOTSKI, 2001b, p. 317).
Considerando a arte nessa dimensão e tomando-a como
possibilidade vivida/experienciada, podemos entender que esta atividade é um
processo que transforma e pode dar origem a novas necessidades e motivos,
ou seja, gera outras atividades, estruturalmente novas, e propicia a emergência
de novas formações psíquicas. Desse modo, a situação é uma fonte para o
desenvolvimento, no caso da arte literária, com diversas possibilidades que
afetam, instigam, mobilizam e convidam adultos e crianças.
Nesse sentido, organizamos o trabalho de pesquisa acompanhando
duas profissionais dispostas a problematizar questões e a intervir do cotidiano
escolar, especialmente contemplando a arte literária e o trabalho com a
literatura. A forma escolhida de contar história nos dois grupos foi distinta, e foi
possível perceber que os modos de participação das crianças também foram
específicos de acordo com a idade delas.
Um aspecto que consideramos fundamental destacar aqui é a
presença do objeto livro nos dois momentos. Um alerta que Vigotski faz é o
cuidado que devemos ter ao contar histórias utilizando recursos. Ao dramatizar,
usar sombras, outras imagens ou qualquer outro recurso para contar a história,
é preciso tomar cuidado para que a técnica utilizada não se sobreponha à
própria obra literária.
191
Acompanhando Laís, experimentamos, especialmente, o
reconhecimento de seu próprio trabalho como potente e a participação e
capacidade das crianças como uma surpresa recebida com muito entusiasmo.
Suas ações concentraram-se em oferecer o acesso às crianças às obras
literárias. Sua preocupação relaciona-se com as crianças do berçário e GI (0 a
2 anos), grupo em que atuava, entretanto realizou um trabalho que envolveu
todas as crianças da unidade escolar.
O planejamento contemplou o respeito ao grupo, sua identidade,
elementos e personagens já conhecidos, tais como a “Bruxinha Mafalda”,
motivação da educadora para a escolha do livro. E esse modo de propor a
atividade demonstrou que considerar as crianças como partícipes do processo,
da composição de personagens que iriam viver uma história e do contato que
já tinham com a personagem principal, fez toda a diferença na significação do
processo vivido pela educadora e pelas crianças.
Acreditamos que, por meio do estudo e do aprofundamento das
discussões sobre crianças dessa faixa etária e do trabalho com a literatura, é
que foi possível, para a educadora, planejar e desenvolver essa proposta.
Dessa forma, podemos retomar, aqui, o desenvolvimento cultural da educadora
a partir dos modos de planejar, organizar e contar a história para os pequenos
e verificar o que elas dizem, sentem, pensam e fazem nesse processo.
Sobre as crianças menores, destacamos os gestos de ir em direção
ao livro, o espantar-se e inquietar-se com as imagens, estabelecer possíveis
relações (lembrar-se?) de personagens de outras histórias com alguns
daqueles que ora apareciam na narrativa de Laís. As expressões, a disputa
pelo livro, a participação na história por meio dos fantoches, as tentativas de
provocar diálogos entre os fantoches e as imagens do livro, o aprender a
brincar com um fantoche são gestos e modos de participação que demonstram
processos provocados pela experiência com o objeto livro, mas, ressalta-se,
uma experiência mediada pela figura do adulto que convida, que demonstra
como se brinca, que instiga... Adultos e crianças imersos no enredo da história
em meio à voz que ora se eleva, ora se abaixa, a fim de atrair e envolver as
crianças ao movimento provocado, convocado em direção ao livro.
No grupo da professora Lucássia, com as crianças maiores, já foi
possível perceber o drama ou a dramatização incorporando-se no modo de
192
participar da história. No episódio “O grande Rabanete”, a narrativa foi
construída na dialética das inter-relações. A ação da professora foi convocada,
produzida como uma reação ao modo de as crianças participarem da história.
Invitada, a professora inaugura, sem que isso estivesse planejado, um modo de
participar de uma narrativa em que se envolve e envolve as crianças com/na
história e seus personagens.
Em outra parte da pesquisa nesse grupo, com a criação do livro
como algo próprio e como uma inovação no trabalho da professora que
percebe a diferença nos modos de as crianças participarem da produção dos
registros para a confecção do livro – as crianças sentiram-se corresponsáveis
pelo que estavam produzindo –, o interesse e a participação foram muito
maiores. Afinal, eram autoras!
Esse aspecto faz toda diferença. A ação das propostas em torno das
zonas de desenvolvimento iminente propiciando que as crianças
experimentassem situações novas e desafiadoras. Compor um enredo, criar
uma história com todos os seus elementos e materializar um livro. Não fosse a
perspectiva que sustenta nosso modo de compreender as crianças, seu
desenvolvimento, suas necessidades e possibilidades, alguém poderia supor
que se trata de “algo acima do esperado para crianças de 3 a 4 anos!!”. Mas o
processo vivido demonstra exatamente o contrário.
O conceito de mediação tomou um lugar essencial na pesquisa,
especialmente para a pesquisadora, que também ampliou seus modos de
compreender do que, de fato, trata-se esse conceito na perspectiva
vigotskiana. A mediação acontece também por meio das ações significadas. Os
estudos e planejamentos coletivos, o acompanhamento do cotidiano escolar, a
participação na/com as professoras e com as crianças nas atividades
propostas, a composição do livro, as ações em torno das histórias lidas e
vividas por todos nós na pesquisa oportunizaram experimentar lugares que
ainda nos causavam desconforto. O lugar do adulto, que organiza, convoca,
interpreta, propõe, orienta, antecipa, sugere... e que também aprende!
Diante desses apontamentos frente ao vivido, podemos afirmar que
houve desenvolvimento? De que modo ou como podemos dizer? Uma vez
realizada a pesquisa, (re)construídos os modos de organizar o processo vivido,
o que é tomado como indícios de desenvolvimento para os sujeitos envolvidos?
193
Acreditamos que os indícios estão nos gestos, nos modos de
participação, no movimento em direção ao trabalho, em ações e experiências
prenhes de significado. São modos de apropriação da cultura na história. A
criança constrói, nessa fase, a compreensão de si e de sua relação com o
mundo, portanto a construção de significados, a experiência com diversos
papéis sociais, as ampliações de conhecimento de mundo por meio das
histórias. A criação advinda de sua relação com a arte literária como elemento
constante nas experiências da criança. Embora o processo de desenvolvimento
da criança vá seguir esse caminho da criação, o contato com os elementos da
arte literária possibilita experimentar, de forma organizada, intencional por parte
da escola e de seus profissionais, a relação constante da criança com essas
possibilidades.
Sobre as profissionais, é possível perceber, pelos modos de
participação e pelas narrativas de suas trajetórias de pesquisa e intervenção, o
quanto puderam ampliar as possibilidades de atuação na sua prática
pedagógica: passaram a compreender melhor o desenvolvimento das crianças
e suas necessidades, além de transformar os seus próprios modos de atuação,
especialmente depois de colocarem em perspectiva o seu próprio fazer. Esses
são processos complexos, intimamente ligados às funções psicológicas
superiores (linguagem, memória, pensamento) e à significação. Os motivos e
necessidades, ou, ainda, o agir de determinado modo no mundo
concretamente e atravessado pelo sincretismo.
É possível afirmar que a arte literária tem muito a contribuir com o
processo de desenvolvimento cultural de adultos e crianças, uma vez que, por
sua característica, provoca sensações do campo de ordem simbólica. O
convívio e, muitas vezes, a identificação com personagens, seus medos,
desafios, conquistas, potencializam sobremaneira o processo de imagens que
podem auxiliar a imaginação e a criatividade, promovendo o desenvolvimento
desses campos, pois, embora os elementos da história pertençam ao campo
da imaginação, o vivido, experienciado está diretamente vinculado ao real.
Todas as sensações e vivências da criança são reais, levando-as a
experimentar, de fato, os elementos da história. E, uma vez experimentados, é
possível afirmar que houve transformações no campo do desenvolvimento
cultural dos sujeitos. É por meio dela que têm a possibilidade de (re)construir
194
modos de ações culturais experimentados nas relações sociais. Essa
(re)construção nunca é uma imitação pura e simples, mas é uma criação ativa
do ato ou gesto imitado.
Queremos destacar a importância do trabalho com a literatura na
escola, desde os grupos de menor idade. Temos ciência de que, ainda hoje, há
escolas em que os livros não chegam até às crianças. Ficam trancados em
armários sob justificativas diversas, dentre elas, a de que as crianças vão
rasgá-los e estragá-los. Entretanto, há que se levar em conta a discussão da
importância desse trabalho no que se refere ao desenvolvimento cultural infantil
problematizando as possibilidades de atuação que podem ser ali ampliadas.
As cenas apresentadas neste texto visam a demonstrar indícios,
pistas de desenvolvimento cultural na medida em que adultos e crianças
aprendem e desenvolvem novas formas de se expressarem, de estabelecer
relações dialógicas com as histórias e com seus próprios modos de
desenvolver seu trabalho com e a partir da literatura. Criam, a partir daí, novos
modos de compreender a realidade em que vivem, e experimentam, na
linguagem literária, a descoberta e o aprofundamento de referenciais dessa
mesma realidade. Por meio dessa experiência, podem ampliar sua capacidade
de imaginação, e, pela inventividade de sua linguagem, vão construindo a
capacidade de criar sínteses ao mesmo tempo em que estabelecem novas
relações entre os elementos vividos na história. Consideramos que esses
processos, se experimentados desde cedo, podem constituir-se na gênese do
anúncio de desenvolvimento cultural, apontado e discutido ao longo desta tese.
O encantamento que mobilizou a construção deste trabalho surgiu,
inicialmente, ao perceber os olhos atentos das crianças aos gestos da
professora/pesquisadora, que se divertia em contar histórias e permitia que os
modos de participação dos pequenos se misturassem ao seu trabalho,
compondo-se, assim, um jogo simbólico e dialético de experiências com e na
arte literária e com a arte de contar histórias. A emoção com que finalizamos
esta tese compõe-se desses mesmos olhares... Olhares que indagam,
penetram, encantam e constituem os elementos da criação e do
desenvolvimento humano experimentados com a experiência de ler, contar e
ouvir histórias.
195
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203
ANEXO I
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL - PANORAMA GERAL DO CURSO
OBJETIVO GERAL DO CURSO:
* Formar em nível de especialização professores, coordenadores, diretores de creches e pré-escolas da rede pública e equipes de
Educação Infantil das redes públicas de ensino.
* Atender as demandas de formação de profissionais da Educação Infantil explicitadas nos Planos de Ações Articuladas (PAR).
EIXOS TEMÁTICOS DISCIPLINAS CARGA HORÁRIA
I - Fundamentos da Educação Infantil
1. Infâncias e crianças na cultura contemporânea e nas políticas de Educação Infantil: diretrizes nacionais e contextos municipais
45h
II – Identidades, prática docente e pesquisa
1. Metodologias de Pesquisa e Educação Infantil 2. Seminários de Pesquisa e Oficinas 3. Análise Crítica da Prática Pedagógica - ACPP
30h
15h
60h
III: Cotidiano e ação pedagógica
1. Currículo, proposta pedagógica, planejamento, organização e gestão do espaço, do tempo e das rotinas em creches e pré-escolas 3. Brinquedos e brincadeiras no cotidiano da Educação Infantil 4. Linguagem, oralidade e cultura escrita 5. Expressão e arte na infância 6. Natureza e cultura: conhecimentos e saberes
60h 30h
30h
45h
45h
TOTAL 360h
204
ANEXO II
MAPAS BAIRROS – PAMPULHA E TIBERY
205
ANEXO III
MAPA EMEI TIBERY – SEDE E ANEXO
206
ANEXO IV DESCRIÇÃO DOS TRABALHOS PRODUZIDOS PELAS PROFISSIONAIS –
TRABALHOS DE CONCLUSÃO DE CURSO –
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
SOB ORIENTAÇÃO DA PESQUISADORA
EDUCADORA: LAÍS AMARAL MARQUES
TEMA INICIAL DO TCC:
Organização do espaço da biblioteca: a formação de leitores
PROCEDIMENTOS DE ORIENTAÇÃO:
- Encontros periódicos com a orientadora do trabalho e a colega de curso – chamados de APP
- Encontros individuais quando necessário;
- Estudos e discussão de textos teóricos;
- Discussão sobre o desenvolvimento do trabalho, bem como das possibilidades de apropriação teórica que poderíamos fazer
diante das propostas apresentadas.
- Estudos conjuntos sobre o trabalho com a literatura na escola;
- Orientação de escrita do relatório de forma muito detalhada com retornos quinzenais.
PROJETO DE PESQUISA:
O espaço da biblioteca na Educação Infantil e suas contribuições na formação de futuros leitores.
OBJETIVOS DA PROFESSORA:
Promover o contato das crianças do berçário e GI com livros de literatura de forma regular;
Promover o contato das crianças das demais turmas da Educação Infantil (GII, GIII, 1º período, 2º período) com livros de literatura
de forma regular;
Mobilizar a comunidade escolar sobre a necessidade de criação de um espaço específico para a biblioteca;
O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA PROPOSTA:
A proposta de intervenção foi planejada juntamente com a pesquisadora que também foi orientadora do trabalho.
207
Ações desenvolvidas pela educadora:
As ações foram organizadas em curto, médio e longo prazo:
Sendo agrupadas a curto e médio prazo:
Reativação da biblioteca móvel através de um carrinho móvel que pudesse ir às salas de aula;
Incentivo às demais professoras/educadoras por meio deste carrinho/biblioteca móvel a atuação mais efetiva com a literatura em sala de aula aproximando mais as crianças dos livros;
Propiciar constantemente o contato das crianças com obras literárias – inclusive com a biblioteca móvel;
Ações de médio a longo prazo:
Promover discussão na escola frente à possibilidade de construção de um espaço específico para o funcionamento da biblioteca;
Apresentar o projeto junto à direção, a fim de juntar ações e recursos em busca de verba para a construção de um espaço
específico para a biblioteca, uma vez que o local onde os livros ficavam armazenados, embora de forma organizada e
acessível - uma sala dividida entre coordenação/supervisão escolar - havia pouco ou nenhum espaço para as crianças
explorarem as obras.
O TRABALHO FINALIZADO:
A educadora conseguiu desenvolver todas as ações planejadas dentro dos limites da realidade concreta – a ideia inicial era
implementar uma biblioteca fixa, diante da impossibilidade financeira que viabilizasse a proposta inicial, optou-se por
implementar a biblioteca móvel/ambulante com um carrinho que a escola já possuía;
Oportunizou o acesso a obras literárias a todas as crianças da escola com a ajuda/parceria da pesquisadora que levava a
Biblioteca Ambulante para as outras turmas da escola;
Desenvolveu ações específicas com os grupos de Berçário e GI, momentos que subsidiaram sua análise posterior e
também serviram de material empírico para o trabalho da pesquisadora;
A educadora ampliou muito sua percepção sobre as finalidades da biblioteca;
ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE O PROCESSO VIVIDO PELA EDUCADORA:
208
A educadora demonstrou inicialmente, bastante segurança em sua proposta e muito interesse – no que se refere à elaboração
teórica do projeto, a professora evidenciou não ter muita experiência de escrita. Com nossa intervenção, seu texto foi ganhando
forma e a educadora foi ampliando suas próprias capacidades reflexivas por meio da escrita. A cada devolutiva da
pesquisadora/orientadora do trabalho, a educadora retomava e reorganizava seu modo de pensar e de estruturar seu texto.
209
PROFESSORA: LUCÁSSIA ELIAS FERREIRA TEMA INICIAL DO TCC:
A compreensão sobre a linguagem oral no/e para no trabalho com as crianças.
PROCEDIMENTOS DE ORIENTAÇÃO:
-Encontros periódicos com a orientadora do trabalho e a colega de curso – chamados de APP;
- Encontros individuais quando necessário;
- Estudos e discussão de textos teóricos: Vigotski, 2010;
- Discussão sobre o desenvolvimento do trabalho, bem como das possibilidades de apropriação teórica que poderíamos fazer
diante das propostas apresentadas;
- Planejamento em conjunto;
- Apoio da pesquisadora em momentos de realização de algumas atividades: confecção de um texto coletivo, construção de um
cartaz coletivo; criação da história.
PROJETO DE PESQUISA:
Qual é o papel da linguagem oral no desenvolvimento da criança?
OBJETIVOS DA PROFESSORA:
Entender a função da linguagem oral e o que ela significa no desenvolvimento da criança, a fim de ampliar as possibilidades
de atuação do pedagogo frente a esse trabalho na escola e propiciar um aprendizado mais efetivo e prazeroso para as
crianças.
Estabelecer diálogos em seu grupo de trabalho na escola buscando debater sobre o tema da linguagem oral na escola e
seu papel no desenvolvimento das crianças.
O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA PROPOSTA:
A proposta de intervenção foi planejada juntamente com a pesquisadora que também foi orientadora do trabalho.
Ações desenvolvidas pela professora:
210
Aprofundamento teórico sobre a linguagem e seu papel no desenvolvimento humano: * Estudo dos capítulos 1 e 7 – Pensamento e Linguagem – Vigotski (2005); A formação social da mente Vygotski (1991). Tomo IV Obras escolhidas (1928). Vigotski (2014) Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. Vigotski (2009). Smolka (1995 e 2013).
Mudança de postura – “olhar” sobre as capacidades das crianças;
O horário da entrada – as crianças passaram a ser recebidas com a sala organizada em “cantos” a fim de propiciar maiores trocas dialógicas entre elas e também a fim de que a professora pudesse observar melhor os momentos em que as crianças ficavam mais livres para interagirem entre si com/por meio da linguagem.
Ouvir as crianças e a elas dar voz por meio das rodas de conversa: nessas rodas aconteciam as contações de histórias e exploração dos livros de histórias levadas para casa pelas crianças no “Projeto Conta e Reconta”.
Construção de cartaz coletivo sobre o tema de estudo do grupo que era o meio ambiente;
Criação coletiva do livro “Muitos animais” a partir das experiências partilhadas entre os grupos: situações de experiências com o tema “Animais”; pesquisa sobre o meio ambiente – esse tema já estava previsto no planejamento pedagógico da escola; construção de cartaz com essas descobertas; texto coletivo com o tema;
Visita ao zoológico da cidade;
Exploração diária de livros de literatura por meio do Projeto conta e reconta – nesses momentos a criança que havia levado o livro para casa, contava a história para seu grupo e a professora explorava alguns elementos da história;
Criação da história “Muitos Animais”;
Essas ações foram fundamentadas, principalmente na teoria de Vigotski sobre o processo de imaginação e criação na infância – a
imaginação e a criatividade e a relação com as experiências vividas.
O TRABALHO FINALIZADO:
A professora conseguiu desenvolver todas as ações planejadas dentro dos limites da realidade concreta – a ideia inicial era levar a
discussão para os momentos de estudos coletivos da equipe da escola. Entretanto, a professora conseguiu oportunizar apenas um
encontro onde propiciou a discussão sobre “O Papel da linguagem no desenvolvimento da criança”. ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE O PROCESSO VIVIDO PELA PROFESSORA:
- A parceria com a professora Lucássia mostrou-se muito profícua para a construção da pesquisa. O comprometimento da
professora com seu trabalho e com sua própria aprendizagem foi algo muito encantador. A professora também contribuiu muito
211
para o meu processo como pesquisadora e professora. Estando ali no grupo, também aprendi a ser professora e a compreender
melhor o sentido da mediação do adulto no trabalho com as crianças.
- Ela relata em seu TCC o quanto o processo de pesquisa e realização de intervenção possibilitou seu crescimento profissional –
traz detalhes de como ela organizava o grupo e como passou a estabelecer suas mediações:
– dando mais voz às crianças
- oportunizando situações em que as crianças pudessem fazer escolhas, pensar sobre o conteúdo e as atividades que
estavam aprendendo.
212
ANEXO V
EPISÓDIOS GRAVADOS NA ESCOLA EMEI TIBERY/PROFESSORA LUCÁSSIA
Total de idas à escola: 16 vezes (setembro a dezembro de 2015)
Total de vídeos transformados em episódios de análise: 22
Qdte DATA DURAÇÃO
CRIANÇAS ENVOLVIDAS
HISTÓRIA DO DIA/AUTOR (RESUMOS DAS HISTÓRIAS LIDAS)
ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE O PROCESSO VIVIDO PELO GRUPO
01 25/09 18m19s Isabelly – Demais crianças
Dentro da Casa tem – Marcia Alevi “Dentro da casa tem um armário e, dentro dele, uma caixa. Nessa caixa, tem um vidro bem fechado. O que estará guardado nele? Ao desvendar esse segredo, a criança aprenderá de forma divertida a noção de dentro e fora, assim como princípios de geometria.”
Exploração da história pela professora com Isabelly – A criança contou a história, em seguida a professora também contou e depois explorou com as crianças o que elas mais gostaram naquela história.
02 01/10 8m52s BRAIAN – Demais crianças
“Coco Loco” – Gustavo Luiz e Mig “Lindos poemas retratam a infância e as travessuras infantis, com personagens e rimas.”
A professora explora o livro de história com a criança que levou o livro pra casa. E vai fazendo essa exploração indagando as outras crianças sobre os elementos da história.
03 01/10 2m10s LÉO - Propiciando escolha de livros Com Léo -
A professora oportuniza que Léo escolha o livro que levaria para casa, buscando mudar sua prática de sempre escolher o livro pela criança.
04 08/10 13m48s TODAS Os três porquinhos - Joseph Jacobs “Os personagens do conto são três porquinhos - e um lobo (lobo mau), cujo objetivo era devorar o trio. Ao decidirem sair do lar da mãe, eles foram construir cada um a sua própria casa. Nesse desenrolar constroem casa de palha, madeira e pedra. O lobo mal chega casa por casa e vai tentando derrubá-las e tentando comer os porquinhos”
A professora conta a história utilizando uma “Caixa de história” onde vai colocando os personagens com palitos sobre um suporte (suporte de isopor encapado com papel camurça verde).
05 08/10 14m02s Todas – Destaque para a participação
Cantando com a pesquisadora “Nicota Farofa” e “Jipe do Padre”
Interação da pesquisadora com o grupo – cantando as músicas “Nicota Farofa e Jipe do
213
de Miguel Cena com Miguel que chora e depois participa da música
Padre”. Nesse dia Miguel chorou como sempre fazia ao ouvir as músicas que cantávamos. Não conseguíamos descobrir a razão de seu choro constante nos momentos das canções porque ele não conseguia explicar (não tinha a linguagem bem desenvolvida). Entretanto, destaca-se que nesse dia conseguimos uma intervenção para acalmá-lo.
06 15/10 9m55s Todas Cantando com a professora e com a pesquisadora. “Fala bum chica bum” – “Macaquinho caiu do galho”
Momento da roda em que se construía a rotina do grupo. Rotina de organização do dia. Nesses momentos cantava-se canções com as crianças com a participação da pesquisadora
07 15/10 11m16s Maria Júlia e Todas História com Maria Julia - Um tanto perdida – Chris Haughton “Oh-oh! A corujinha se perdeu. E agora? Como ela vai encontrar a mamãe? Em meio a muitas aventuras a corujinha acaba dormindo novamente”
A participação desta criança foi muito significativa pois ela conseguiu contar toda a história para o grupo. Episódio muito rico em elementos, pois demonstra um grande envolvimento de Maria Júlia com e na história - a professora retoma e conta novamente.
08 15/10 7m22s – 0m42s – 2m20 – 7m07s – 4m40s – 1m29s – 5m28s
Maria Julia e todas 1 - A história repercutindo em casa, mãe conta para a criança e a e criança para o irmão 2 - construindo personagens – organização – desenhos – produção de Fantoches no palito – 3 - brincadeira/contação da história pelas crianças usando os seus próprios personagens
A proposta foi, a partir da exploração do livro Um tanto perdida – produzir personagens por meio de desenhos com as crianças – colando-os em palitos “palitoches.” Assim as crianças podiam passar pelo processo de criação e em seguida poderiam continuar criando por meio da brincadeira
09 22/10 6m05s – 0m45s – 3m29 – 8m11s
Todas Início da construção do cartaz sobre o meio ambiente – tema de trabalho na proposta pedagógica.
A professora havia pedido à pesquisadora para auxiliá-la na construção do cartaz coletivo sobre o meio ambiente, conduzindo as falas e explorando com as crianças os nomes dos animais, suas características e habitat. Em seguida colava-se no cartaz a imagem do animal e escrevia-se o nome da criança ao lado do animal que a mesma levou para colar.
10 22/10 2m28 – 1m34s Todas Assistindo TV e ouvindo músicas A professora colocou música e em seguida colocou um filme para as crianças pois era o dia de TV. O vídeo retratava o meio ambiente e os cuidados que devemos ter com ele. As
214
músicas também eram paródias de canções infantis como “Samba Lelê”. Tanto as músicas como o vídeo retratavam os cuidados com o meio ambiente.
11 23/10 29m01s Todas Finalização do cartaz sobre o meio ambiente – escrita de nomes dos animais encontrados pelas crianças
Continuamos a construir o cartaz sobre o meio ambiente. As crianças procuraram imagens de animais em revistas e colaram com a ajuda da professora. Depois fizeram a tentativa de escrita livre do nome do animal escolhido.
Depois de organizar a rotina, cantar várias músicas, a professora explora com Ana Clara a história do Minhoco apaixonado – Ana Clara é uma criança muito tímida que quase não conseguia falar para o grupo todo. Expressava-se apenas quando estava em grupos menores. A professora, ao contar a história foi explorando com as crianças as expressões do personagem minhoco incentivando-as a imitarem-no.
12 23/10 28m40s Todas – Ana Clara Organização da rotina – Canções “Nicota farofa e Jipe do Padre” História – O minhoco apaixonado – Alessandra Pontes Roscoe “Inspirada na tradicional cantiga popular „Minhoca‟ que faz pensar se o Minhoco é mesmo um louco, essa história narra um conto em que o Minhoco, na verdade, ao beijar o lado errado da Minhoca acabou descobrindo que era míope. Desde então passou a usar óculos e a partir daí sempre beija a Minhoca do lado certo.”
13 26/10 18m59s Todas as crianças – com algumas em destaque
Canções “Macaquinho caiu do galho” e “Borboletinha” História – O Grande Rabanete de Tatiana Belinky “A história é narrada como um conto cumulativo forma que procura representar um treino de memória. As frases simples são bastante adequadas aos que se iniciam na leitura, o que não quer dizer que sejam pobres; servem-se de recursos originais, como a repetição; o rabanete cresceu-cresceu e ficou grande-grande. Além do aspecto linguístico da obra, é possível explorar, por meio da narrativa, o lado humano - a questão da solidariedade,
A escolha das canções a serem cantadas passou a ser feita pelas crianças. Quem escolheu foi Raul e Gabriel. Nesse dia a professora experimentou um modo diferente para contar a história para o grupo. Ela teatralizou a história, ora lendo o livro, ora se envolvendo na dramatização. Propôs a participação de algumas crianças na dramatização da história vivida.
215
da cooperação, da divisão de bens e até da auto-estima exacerbada, aspecto representado pelo ratinho, no bem-humorado e imprevisto final.”
14 11/11 18m43 Todas as crianças Exploração de diferentes livros em sala de aula.
A professora leva muitos livros para a sala e deixa que as crianças explorem esse material. Folheando, lendo e descobrindo as histórias e as imagens. O objetivo era levar as crianças perceberem o material livro e também explorar a situação da melhor forma possível. As crianças ficaram muito eufóricas com os livros.
15 12/11 Vários vídeos – toda a tarde Em torno de 1h30m no total de vídeos gravados nesse dia
Todas as crianças Passeio ao Parque do Sabiá – Início da construção do livro “Muitos Animais” pelo grupo -
A professora leva as crianças ao Parque Sabiá – a pesquisadora acompanhou esse momento – A proposta da professora surgiu em virtude de estarem estudando o tema “Meio ambiente”. A ideia de construir o livro partiu da professora. Ela quis desistir em algum momento alegando que não saberia conduzir a atividade. Entretanto no lugar de desistir desta proposta a professora convidou a pesquisadora para participar com ela deste momento. Aqui vale destacar também que mesmo a pesquisadora se colocando à disposição da professora para ajudar na criação do livro, o mesmo só se tornou possível mediante a intervenção da professora que iniciou a história. O Destaque para essa situação consiste no fato de a professora e a pesquisadora aprenderem juntas modos de conduzir uma atividade.
16 13/11 5m26s Todas Finalização da Construção da História “Muitos animais”
Nesse dia finalizamos a escrita da história. A partir deste dia, todos os dias era destinado à ilustração da história coletiva construída pelo grupo.
17 13/11 11m14s Bruna – todas “Uma Zebra fora do Padrão” – Paula Browne “Esta é a história de uma zebra diferente. Ela é bagunceira, mas adora se arrumar; leitora e que também adora escrever; animada, mas dorminhoca, cabeça de vento,
A professora conta a história porque Bruna não quis contar, mas ficou ali do lado ajudando a professora. As crianças participam bastante.
216
mas imaginativa. Seu caderno de listas, que enumera coisas de todo tipo - coisas amarelas, objetos que voam, coisas redondas e até rimas que não combinam -, procura ser um convite à brincadeira”
18 20/11 23m52s Todas as crianças Canções “Gato Catatau”, “Atirei o pau no gato” e “Pintinho Amarelinho” História – A galinha feliz – Jack Tickle Livro projetado em 3D, traz a história divertida e animada da Galinha Feliz. Os animais da fazenda, surgem neste livro de maneira animada e divertida, como gostam as crianças. A maior atração são os animais em 3D que vão surgindo a cada página virada!
As crianças escolheram as músicas – Leo, Ana Clara e João Victor Ouvimos a história A Galinha Feliz – Este livro possui imagens grandes projetadas em 3D. As crianças gostaram muito. Depois que conta a história a professora passa o livro para as crianças para que cada uma delas veja o livro de perto e explore os elementos da história – muitos diálogos acontecem nesses momentos entre as crianças. Lucássia percebe mais participação de Miguel -
19 27/11 22m52s Todas as crianças Canções “Alecrim”, “Macaquinho” História “Menina Bonita do Laço de Fita” Autora Ana Maria Machado “Narra a história de um coelhinho branco que queria ser pretinho igual uma menina negra que ele conhecia. Mas por mais que ele tentasse nunca conseguia ficar pretinho. Nessas tentativas ele acaba descobrindo que a cor da pele é uma herança que se recebe de seus antepassados.”
Nesse dia, foi a pesquisadora quem contou a história. Esse foi um combinado entre a pesquisadora e a professora, uma vez que a professora Lucássia também queria ouvir uma história contada pela pesquisadora.
20 27/11 2m08s – 4m30 – 1m55s – 0m33s – 2m17s – 2m39s
Todas as crianças presentes
Retomada do livro “Muitos animais” – para terminar as ilustrações das partes que faltavam. “O livro criado pelo grupo do GIII „E‟ retrata a história de alguns animais que viviam na floresta. Esses animais passam por algumas aventuras e acabam conseguindo fugir”.
A professora contou toda a história novamente e foi mostrando para as crianças o livro quase pronto – ilustraram a parte da casinha com papel colorido recortados no formato de figuras geométricas. Cada criança montou sua casinha usando esses papéis.
21 04/12 25m35s Todas História “O pássaro sem cor” – Autor Luíz Norberto Pascoal “Esta história retrata os conflitos vividos por um pequeno pássaro que
A professora contou a história e propôs uma atividade em que as crianças deveriam explorar as cores com giz de cera ou canetinha – construindo cada uma delas o seu “pássaro
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não tinha cor. Aos poucos, com a ajuda do sábio mestre, ele vai percebendo que suas cores surgem cada vez que ele ajuda alguém. Assim se torna um pássaro lindo e muito colorido” - Atividade de produção de um desenho utilizando as cores.
sem cor”
22 18/12 23m13s – 23m50s – 4m44s
Equipe de docentes da escola
Roda de Conversa com a equipe. A professora Lucássia propôs uma “Roda de Conversa” com a equipe docente com o objetivo de compartilhar seu trabalho com a pesquisa realizada sobre a Linguagem. Convidou o grupo para um diálogo acerca da linguagem e de seu papel no desenvolvimento da criança. A pesquisadora acompanhou todas as etapas desta atividade.
218
ANEXO VI
EPISÓDIO GRAVADO NA ESCOLA EMEI TIBERY
NÚMERO DO EPISÓDIO: 13 TÍTULO DO EPISÓDIO: “O Grande Rabanete” – Projeto Conta e Reconta
DATA: 26/10/2015 DURAÇÃO: 18m59s DURAÇÃO DO TRECHO TRANSCRITO PARA ANÁLISE: 18m50 (0m a 18m50s) A transcrição do episódio foi feita pela pesquisadora assistindo as cenas quantas vezes fossem necessárias e registrando por meio da escrita no programa do Word. As informações obtidas nas transcrições eram contrapostas aos registros feitos em diários de campo somando-se às informações do vivido naquele dia pela pesquisadora com o grupo ao qual estava envolvido. HISTÓRIA ENVOLVIDA NO EPISÓDIO: O Grande Rabanete de Tatiana Belinky – Editora Moderna. Sinopse do livro:
A história é narrada como um conto cumulativo forma que procura representar um treino de memória. As frases simples, são bastante adequadas aos que se iniciam na leitura, o que não quer dizer que sejam pobres; servem-se de recursos originais, como a repetição, por exemplo, “o rabanete cresceu-cresceu e ficou grande-grande”. Além do aspecto linguístico da obra, é possível explorar, por meio da narrativa, o lado humano - a questão da solidariedade, da cooperação, da divisão de bens e até da auto-estima exacerbada, aspecto representado pelo ratinho, no bem-humorado e imprevisto final.
219
A Filmagem foi feita pela pesquisadora com a câmera em mãos. Optou-se por não usar o tripé, o que facilitou capturar os diversos momentos das interações, facilitando dessa forma o movimento com a câmera para focar momentos e grupos específicos. A pesquisadora ficou sentada no chão posicionando a câmera em frente ao grupo, ao lado da professora, já buscando um lugar que desse uma melhor visibilidade a toda a cena. A maior dificuldade foi o espaço físico. A sala muito pequena não possibilitava um maior distanciamento da cena para visualizar o movimento do grupo todo.
Qtde
DATA DURAÇÃO
CRIANÇAS ENVOLVIDAS
HISTÓRIA DO DIA/AUTOR (RESUMOS DAS HISTÓRIAS LIDAS)
ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE O PROCESSO VIVIDO PELO GRUPO
13 26/10/2105
18m59s Todas as crianças – com algumas em destaque
Canções “O Gato” “Macaquinho caiu do galho” e “Borboletinha” História – O Grande Rabanete de Tatiana Belinky “A história é narrada como um conto cumulativo forma que procura representar um treino de memória. As frases simples são bastante adequadas aos que se iniciam na leitura, o que não quer dizer que sejam pobres; servem-se de recursos originais, como a repetição; o rabanete cresceu-cresceu e ficou grande-grande. Além do aspecto linguístico da obra, é possível explorar, por meio da narrativa, o lado humano - a questão da solidariedade, da cooperação, da divisão de bens e até da auto-estima exacerbada, aspecto representado pelo ratinho, no bem-humorado e imprevisto final.”
A escolha das canções a serem cantadas passou a ser feita pelas crianças. Quem escolheu foi Raul e Gabriel. Nesse dia a professora experimentou um modo diferente para contar a história para o grupo. Ela teatralizou a história, ora lendo o livro, ora se envolvendo na dramatização. Propôs a participação de algumas crianças na dramatização da história vivida.
220
As crianças estão sentadas no chão em “U”. A professora Lucássia sentada à frente do grupo. Como o espaço é muito pequeno, a
pesquisadora sentou-se no chão próximo à porta, de frente para o grupo. E não é possível visualizar o grupo todo de uma só vez em virtude do
tamanho do espaço que é muito apertado. Da direita para esquerda é possível ver no vídeo as crianças: Miguel, João Vitor, Daniel, Raul,
Cauã, Maria Júlia, João Pedro. A professora está propondo a rotina do dia. Cantar com as crianças duas músicas escolhidas por alguém do
grupo. Ele acrescentou isso na rotina a partir de seus estudos sobre a linguagem. Para isso, ela retoma com a turma para que se lembrem
quem havia escolhido as músicas cantadas no dia anterior. Assim poderia eleger quem escolheria neste dia. As crianças estão sentadas no
chão e como é muito apertado não é possível para elas nem mesmo cruzar as perninhas como índio.
Professora Lucássia:_ Quem escolheu as músicas que a gente cantou ontem? Quem escolheu?
Léo: _ A Isabella!
Professora Lucássia: _ A Isabella!
Léo: _ A Maria Júlia!
Professora Lucássia: _ A Maria Júlia! A Maria Júlia escolheu?
Algumas crianças dizem que não e Maria Júlia balança a cabeça em sinal negativo.
Criança: _Ana Cecília!
Isabelly: A Isabella
A pesquisadora movimenta a câmera de acordo com as falas e é possível ver o restante da turma. Ao lado de João Pedro está Léo, indo em
direção à sua direita e esquerda do vídeo, Paulo Renato, Gabriel, depois vem Ana Clara, Isabelly, Ana Cecília, Isabella, e Brayan.. A
professora Lucássia diz:
Professora Lucássia: Ah! Então foi a Isabella, a Ana Cecília e mais quem?
Algumas crianças dizem ao mesmo tempo: E o Brayan
Professora Lucássia: _ E o Brayan! E hoje a tia Lucássia vai escolher mais três crianças pra escolher a música.
Daniel: Eu, eu, eu, eu, eu, eu...
Professora Lucássia: _ Hoje quem vai escolher a música vai ser o Gabriel, o Raul e a Isabelly.
As crianças ouvem atentas, mexem o corpo por um lado, mexem para outro. Levantam os braços Etc.
Professora Lucássia: _ Gabriel, que música você quer cantar?
Gabriel pensa um pouquinho e responde:
Gabriel: _ A... do gato!
Professora Lucássia: _ A do gato de novo?
Gabriel confirma com a cabeça.
Professora Lucássia: Tá! E você Jo... Raul? Que música que cê quer cantar hoje?
221
Raul: _ A do Macaquinho!
Professora Lucássia: _E você Isabelly?
Isabelly: _ Eu quero cantar a do Cristiano Araújo!
Isabella: _ Ai ai... A Isabelly vai chorar!
A professora Lucássia fica um pouco em silêncio e depois diz:
Professora Lucássia: _ Não mas e as músicas... Vamos cantar as músicas das crianças depois mais tarde a gente canta a do Cristino
Araújo?
Isabelly balança a cabeça em sinal afirmativo
Professora Lucássia: _ Então escolhe uma das crianças!
Isabelly: _ Bo... Da Boboletinha!
Professora Lucássia: _ Da Borboletinha? Então tá bom!
Professora Lucássia: _ Então vamos cantar a que o Gabriel escolheu! Como é que começa Gabriel?
Uma criança começa a cantar e Lucássia chama a atenção dizendo que é o Gabriel.
Professora Lucássia: _ Vamos Gabriel, como é que começa?
Gabriel: _ A música .. Tem que bater palmas assim ó (bate palmas e faz os gestos mostrando como tem que se fazer)
Professora Lucássia: _ Tem que bater palmas? Então vamos!
Todas as crianças e a professora: _ Atirei o pau no gato-to, mas o gato-to não morreu-reu-reu, Dona Chica-ca admirou-se se do berro, do
berro que o gato deu minhau!! [batem as mãos no chão... enquanto cantavam Miguel demonstra sinal de choro, mas a professora Lucássia
não percebe, mesmo quando uma criança diz que o Miguel está querendo chorar, a professora não percebe.
Professora Lucássia: _ Agora a do Raul! Qual Raul do Macaquinho?
Raul: _ A do macaquinho bonitinho!
Professora Lucássia: _ Macaquinho bonitinho?
Algumas crianças: _ Não!!
Maria Júlia: _ É assim ó “macaquinho caiu do galho, machucou seu joelhinho...”
Professora Lucássia: _ É essa Raul?
Raul: _ Sim.
Todas as crianças: _ Macaquinho caiu do galho machucou seu joelhinho, quebrou o dedão do pé e ralou seu narizinho, papai passou
remédio no dodói do macaquinho... Macaquinho chorou! Chorou! Chorou! E depois dormiu! [as crianças iam cantando e fazendo os gestos
que a música indicava, na parte que diz que o macaquinho dormiu, todas se deitaram no chão e fizeram de conta que estavam dormindo a
professora Lucássia então, depois que todos ficaram bem quietinhos começou a contar...]
222
Professora Lucássia: _ É um, é dois, é três e ... Acorda macacada!! [nesse momento da brincadeira todas as crianças “acordam” e pulam
bastante sorrindo e gritando... a professora deixe que eles brinquem assim por alguns instantes e depois pede para que se sentem novamente
para cantarem a próxima música]
Professora Lucássia: _ Agora vamos cantar a que a Isabelly escolheu, como que é Isabelly?
Isabelly: _Boboletinha [começa cantando e batendo palmas]
Todas as crianças: _ Borboletinha, tá na cozinha fazendo chocolate para a madrinha, Poti Poti perna de pau, olho de vidro e nariz de pica-
pau, pau pau [cantam fazendo gestos de acordo com a música].
Cantaram as três músicas fazendo os gestos e se divertiram bastante com essa linguagem. A música cantada e interpretada que mais
provocou movimento no grupo foi a música do macaquinho. As crianças faziam os gestos, e se expressavam de acordo com o que a música
dizia.
No tempo de vídeo 3m54s a professora Lucássia começou a contar a história. Para isso cantou a canção batendo palmas. Algumas crianças
acompanharam cantando e batendo palmas:
Professora Lucássia: _ E agora minha gente uma história eu vou contar! Uma história bem bonita todo mundo vai gostar! Hei, hei, hei trá lá
lá! Hei, hei, hei trá lá lá lá!
Maria Júlia: _ O tia, na hora que você terminar eu vou te contar uma coisa!
Professora Lucássia: _ Tá bom!
Uma criança diz ao ver o livro O Grande Rabanete na mão da professora: _ Um dia você contou!
Professora Lucássia: _ Huhum! Então olha só, a tia Lucássia hoje trouxe um livro, porque ontem a gente esqueceu de levar a sacolinha! A tia
Lucássia esqueceu de dar pro Raul levar a sacolinha. Aí hoje você vai levar! Não esquece tá Raul, lembra a tia Lucássia que você vai levar a
socolinha de leitura hoje tá?
Raul confirma com a cabeça em sinal afirmativo. As crianças continuam sentadas de diversos modos. Daniel se deita no chão. Algumas
crianças se movimentam mudando de posição, enticando ou encolhendo as pernas. Balançando o corpo.
Professora Lucássia: _ Mas aí a tia Lucássia trouxe um outro livro!
Miguel faz um gesto de aprovação e observando o livro na mão da professora diz:
Miguel: Xovê!! [Deixa eu ver]
Professora Lucássia: _ E eu acho que vocês já conhecem!
Isabelly fica empolgada e começa a falar sobre a história:
Isabelly: _ Do ratinho que cai! Todo mundo cai! O gato! O que... O popotama... e o ratinho! ... e a ratinha...
Professora Lucássia: _ E o que que acontece?
Isabelly: _ Caiu to... a aranha ... falo vô cota essa... o meu tlem [Caiu todo mundo... a aranha falou vou cortar o meu trem]
Lucássia faz ar de admiração e pergunta:
223
Professora Lucássia: _ Será?
Uma criança repete: _ Será?
Isabelly: _ Ela cota. [Ela corta]
Professora Lucássia: _Não sei! Vamos descobrir?
Algumas crianças inclusive Isabelly: Vamos!
A professora faz a pergunta levantando o livro, mostrando para as crianças e fazendo perguntas a elas. Todas estão prestando muita atenção
na história, com expressões curiosas.
Professora Lucássia: Tia Lucássia trouxe, oh a história do grande rabanete! Olha só! Quem que tá na capa desse livro?
Leo: _ O vovô, a vovó, a netinha ... o gatinho, o cachorro.
Professora Lucássia retoma a fala de Léo e vai explorando a capa do livro e os nomes dos personagens que aparecem ali. As crianças vão
repetindo, principalmente Maria Júlia e Léo:
Professora Lucássia: _ O vovô, a vovó, a netinha ... o gatinho,
Maria Júlia: _ A vovó, a netinha, o gatinho e o cachorro!
Maria Júlia não percebe os demais personagens, mas a professora continua:
Professora Lucássia: _ O cachorro...
Léo complementa a fala da professora: _O gatinho, o ratinho e o rabanete!
Professora Lucássia: _ O cachorro... o ratinho e o grande rabanete olha lá! Tem todos esses personagens na capa. Será que todos eles
participam da história?
Maria Júlia: _ hahan!
Outras crianças respondem:_ Sim!
Professora Lucássia: _ Será?
Uma criança responde: _ Selá. Seu tom é de afirmação.
Professora Lucássia: _ Eu acho que eles participam mesmo! Então vamo ouvir a história?
A professora levanta o livro com as páginas viradas para as crianças. João Pedro brinca de apontar o dedo para o colega Léo como se fosse
uma arminha. A professora chama sua atenção dizendo:
Professora Lucássia: _ João Pedro, vamos ouvir a história?
A criança volta sua atenção para a professora. E a professora continua a narrativa.
Professora Lucássia: _ O grande Rabanete! Quem escreveu essa história se chama Tatiana Belinsky.
Gabriel: _ A gente tem uma Tatiana mas não é aqui.
Professora Lucássia: _ Não né?
Gabriel: _ É. - Balança a cabeça em sinal negativo.
224
Professora Lucássia: _ É?!
Ouve-se vozes das crianças.
Professora Lucássia: _ Então olha lá ô! O grande rabanete! Olha lá o ratinho super herói ô! Por que será que ele tá vestido de super-herói?
Léo: _ É porque ele ele... foi o último ... e todo mundo puxou o rabanete e caiu. Por isso que ele tá com uma roupa do super-man!
Algumas crianças demostram se lembrar de partes da história. Léo, Isabelly, Maria Júlia... A professora continua a história...
Professora Lucássia: _ Será que é porque ele conseguiu ajudar todo mundo a puxar o rabanete?
Léo: _ Aham! Por isso que ele tá com uma roupa de super-man!
Professora Lucássia: _ Então vamo ver! Olha lá o rabanete ô!
Algumas crianças dizem: _ Eu sou o ratinhoo!
João Victor: _ Eu que sou o ratinho!
João Victor diz isso e faz um gesto com o braço como se apoderasse da força do ratinho. A professora levanta o livro, mostra a imagem em
que aparece um rabanete e pergunta:
Léo: _ Eu também sou!
Professora Lucássia: _ Quem já comeu rabanete?
Algumas crianças respondem: _ Euuu!!
João Victor: _ Eu não!!
Professora Lucássia: _ Não!!
Ana Cecília: _ Eu tomei xarope de rabanete!
Professora Lucássia: _Cê tomou xarooope de rabanete?? - Ela pergunta com uma expressão de surpresa!
Ana Cecília: _ uhumm!
João Victor: _ Eu não...
Professora Lucássia: _ E é gostoso? Que sabor que ele tem?
Ana Cecília: _ De rabanete!
Professora Lucássia: _ Ah entendi!
Brayan, Léo e outras crianças começam a falar alto: _ Eu também, eu também!!
Muitas crianças falam ao mesmo tempo e não dá para pegar separado a fala de cada uma, mas estavam falando sobre conhecerem ou não o
rabanete. Que na casa delas não tinha. Então Lucássia se dispõe a levar um rabanete para que elas conhecessem. Ela diz:
Professora Lucássia: _ Oh! Depois oh! Olha só! Então vamos ouvir a tia Lucássia! Daniel! Oh! Então depois a tia Lucássia vai trazer um
rabanete pra gente experimentar! Combinado?
Crianças: _ Aham! Combinado!
Professora Lucássia: _ Eu vou trazer então pra gente experimentar!
225
A professora diz isso e volta-se novamente ao livro, retomando a página que estava para continuar contando a história.
João Victor: _ Tiaa! É que lá na minha casa não tem rabanete! - Ele chama balançando as mãos, ao que Lucássia responde:
Professora Lucássia: _ Não? Eu vou trazer pra gente experimentar!
Ouve-se outra criança começar a dizer: _ Na minha também...
A professora se posiciona melhorando a postura, vira o livro em direção às crianças e começa a contar a história:
Professora Lucássia: _ Então olha só! Em um dia bem ensolarado...
Ouve-se um barulho de algo rolando no chão perto de Maria Júlia de Cauã e de João Pedro. Maria Júlia, João Pedro e Léo tentam pegar a
moeda.
João Pedro: _ Uma moeda!
Léo: _ Eu achei uma moeda!
Professora Lucássia: _ De quem é?
Léo: _ Não sei!! De quem é essa moeda?
Ele pergunta mostrando a moeda para os colegas. Como ninguém respondeu. A professora pede a moeda, diz que vai guardar e depois
descobrir de quem é. Léo se levanta e entrega a moeda para a professora. Daniel olha para João Pedro e pergunta ou afirma, não dá para
entender.
Ana Cecília: _ Oh tia! Tiaá! Eu preciso de moeda para fazê meu anivesário!
Ana Cecília fala com a professora mas ela não ouve. Daniel olha para João Pedro, colega onde a moeda caiu perto e pergunta:
Daniel: _ É seu!
João Pedro, desconfiado, responde rapidamente: _ Não!
A professora guarda a moeda e ouve-se uma criança contando para outra sobre um aniversário. A professora chama a atenção para que todos
ouçam a história. Ela diz:
Professora Lucássia: _Então olha só! Agora, todo mundo ouvindo a história!
Alguém fala alguma coisa com a professora ao que ela responde que depois vai dar para ele. Começa a contar a história, mas interrompe
algumas vezes para chamar a atenção das crianças que estavam meio dispersas.
Professora Lucássia: _Então agora todo mundo ouvindo! Gabriel encosta lá porque senão o Paulo não ouve a história!
Ouve-se a voz de uma criança que diz:
Criança: Eh Gabriel!!
Professora Lucássia: _ Ó! Olívia, num dia bem ensolarado, o vovô saiu para a horta... Isabela tá na frente da Cecília senta direitinho! O vovô
saiu para a horta e plantou um rabanete. Olha lá ele plantando o rabanete ô. – Ela disse isso explorando as imagens do livro, vai indicando
com o dedo - Ele pegou a pá, a semente, fez um buraquinho na terra e jogou a semente lá dentro. E aí colocou uma plaquinha em cima da
terra pra dizer o que que essa plaquinha queria dizer?
226
Daniel: _ Rabanete!!!
Professora Lucássia: _Que ele tinha plantado um...?
Crianças: _Rabanete!
Léo: _ O tia Lucássia, sabe o que a [inaudível] come? Ela come comida.
Professora Lucássia: _ Rabanete!! O Rabanete cresceu, cresceu e ficou grandão, grandão. Começou pequenininho e foi crescendo até que
ele ficou bem grandão. Um dia o vovô quis arrancar o rabanete pra comer no almoço! Hum!! Eu acho que o vovô estava com muita, muita...
Crianças: _ Muita fome!!
Professora Lucássia: _ Muita foomeee! Hummmm!! Eu acho que esse rabanete vai estar muuuuito gostoso!
Nesse momento da cena, uma criança chorando fala com a pesquisadora que precisa ir ao banheiro, porque precisa fazer cocô. A professora
Lucássia não escuta o apelo da criança e a pesquisadora para não interromper a história solicita ajuda à outra educadora fora da turma.
A professora vai fazendo gestos e as crianças acham engraçado.
Professora Lucássia: _ Então ele foi pra horta e começou a puxar o rabanete!! Hum! Hum! Humm!!
Ao contar essa parte a professora começa a fazer os gestos como se estivesse arrancando uma raiz/rabanete da terra. Quando ela começa a
fazer esse gesto, as crianças começam a imitá-la fazendo o mesmo movimento. Esticando os braços e fazendo força retirando algo da terra.
Elas riem bastante com essa “brincadeira”. A professora continua a história. Todas as crianças estão muito atentas à história.
Professora Lucássia: _ Ai! Ele fez muita força!
Isabelly:_ Ele caiu!!
Professora Lucássia: _ E puxa, que puxa, que puxa e nada!! Nada do rabanete sair da terra. De repente o vovô puxou com tanta força, que...
hummmm!! Ele caiu pra trás!
A professora caiu pra trás encenando o que poderia ter acontecido com o vovô. Algumas crianças imitam também esse gesto como se fossem
todas o mesmo personagem: João Pedro, Léo. Algumas fazem o gesto de puxar o rabanete com as mãos, mas não caem para trás. Elas riem
muito.
Professora Lucássia: _ E aí olha só! Então o vovô chamou quem para ajudar?
Crianças: _ A vovó!
Professora Lucássia: _ A vovó! E a vovó segurou no vovô! Vem cá vovô! Vem cá vovô!
A professora chama a educadora Léa pegando-a pelo braço para entrar na história. Léa parecia não estar esperando e acha engraçado. A
princípio pensou que a professora estivesse falando com Miguel, que estava sentado do seu lado. Ri bastante e vai participar da história.
Senta-se à frente da professora que continua contando a história. As crianças acham engraçado. Raul que estava ao fundo do vídeo parecia
encantado com a cena. Sorria e olhava atentamente. Lucássia continua a história apontando Léa como o vovô e ela, professora como a vovó.
Professora Lucássia: _ E aí olha só! O vovô chamou a vovó! Que segurou no vovô! E puxa que puxa, que puxa, que puxa! Aiii!
227
A professora deixou o livro no chão para encenar o momento em que a vovó segura no vovô para puxar o rabanete! Elas fazem os gestos de
força para arrancar o rabanete e algumas crianças as imitam fazendo os mesmos gestos. Esticar os braços e fazer força para puxar o
rabanete. Elas riem e se divertem com a cena!
Professora Lucássia: _ Mas nada do rabanete sair da terra e de repente ó... Caíram pra trás
A professora pega nos ombros da educadora encenando as personagens e caem pra trás não conseguindo arrancar o rabanete. As crianças
também fazem o mesmo movimento brincando de cair para trás. Riem e se divertem!
Professora Lucássia: _ Ai que cansaço!
Léo reclama que João Pedro estava caindo em cima dele e a professora pede para João Pedro ter cuidado. As crianças estão muito
envolvidas com a história. Ana Cecília chega a projetar o corpo para frente e vibrar.
Professora Lucássia: _ Mas nada do rabanete sair da terra! E então a vovó foi e chamou quem?
Daniel e Maria Júlia falam juntos: _ A netinha!!
Professora Lucássia: _ A netinha!... E então, o vovô segurou na vovó e a vovó chamou a netinha! ... Vem Maria Júlia! Senta aqui na frente da
tia Léa!
Maria Júlia foi ligeiramente e sentou-se na frente da educadora Léa (Vovô) da história.
As crianças começam a ficar atentas e a despertar o desejo por serem chamadas a participar da história, embora todas elas estivessem
fazendo os gestos dos personagens. Léo já compreende o movimento da professora ao contar a história e pede:
Léo: _ Ô tia eu vou ser o rato tá?!
Ao ouvir Léo dizer isso outras crianças também pedem para ser o rato. Muitas vozes ao mesmo tempo. Começa uma competição para saber
quem será o rato.
Crianças: _ Eu vou ser o rato! Eu vou ser o rato!
João Pedro: _ Eu vou ser o vovô!
A professora tenta conter as crianças para continuar a história e diz:
Professora Lucássia: _ Ó! Ó! Então a vovó, segurou no vovô... o vovô segurou na vovó, que segurou na netinha. E eles... puxa, que puxa,
que puxa, que faz força, mas nada do rabanete sair da terra. E de repente ó! Uuuuu – esticam os braços caindo pra trás.
Todas as crianças imitam o gesto caindo pra trás também experimentando a cena da história. Rindo e se divertindo. As crianças ficaram
eufóricas e ao fundo é possível ver na cena a expressão de Raul encantado com a história.
Professora Lucássia: _ Caíram para trás. Mas nada do rabanete sair da terra. De repente a netinha chamou quem?
Maria Júlia: _ O cachorro!
Crianças: _Eu sou o cachorro!
Daniel: _Eu sou o cachorro! – Diz levantando o dedo pra cima
João Pedro: _ Eu sou o cachorro! Não eu sou... o vovô... – ele se lembra que havia escolhido ser o vovô há poucos minutos atrás.
228
João Victor já pula na cena da história e diz que é o cachorro. A professora diz que não precisam brigar. Alguém do grupo diz que é o ratinho,
mas não é possível ver quem foi. Léo contrapõe dizendo que ele é o ratinho. A professora Lucássia olha para o grupo e chama Cauã para ser
o Cachorro. Cauã é meio tímido, mas entrou na história. A professora continua contando a história. Quando Lucássia chama Cauã, João Victor
volta para seu lugar.
Professora Lucássia: _ Aí ó! A vovó, segurou no vovô, que segurou a netinha, que segurou o cachorro e... os quatro ó.... fazendo força!
Humm! Humm! E puxa! Que puxa! E nada do rabanete sair! Então de repente ó! Uuuuuuuu! Ai! Mas nada desse rabanete sair da terra. Olha lá
que confusão!
As personagens das histórias simulam a força feita pra arrancar o rabanete, e todas as crianças do grupo também fazem o mesmo movimento.
Puxam que puxam e aí caem para trás. A diversão é geral. Riem e se divertem caindo para trás! E a professora continua a história.
Professora Lucássia: _ E então, o Totó chamou quem?
Maria Júlia responde: _ O Gatuu! [não dá pra entender se ela disse Gatoo, ou tatu pois ela está olhando para as imagens do livro e sua
expressão é de incerteza]
Outra criança diz: _ O gatinho!
A professora continua contando a história:
Professora Lucássia: _ O gatinho! Vem João Pedro!
Educadora Léa: _ Fica aí João Pedro – diz apontando o lugar para João Pedro ficar, na frente do cachorro Totó.
João Pedro ocupa seu lugar na história. Léo de novo pede para ser o ratinho.
Léo: _ Ô tia aí eu sou o rato tá?!
Brayan também manifesta seu desejo de ser o “super-herói” da história: _E Eu também!
Outras crianças dizem que são o rato.
Crianças: _ Eu também! Eu também!
E a professora continua contando a história.
Professora Lucássia: _ E aí olha só! Ó! A vovó, o vovô, segurou na vovó, que segurou na netinha, que segurou no cachorro Totó, que
segurou no gatinho e eles.. puxa, que puxa, que puxa, e fizeram força, mas nada daquele rabanete teimoso sair da terra. E de repente,
uuuuuuuu... Caiu todo mundo de costas no chão!
Todas as crianças se divertem com a história. Léo novamente insiste com a professora.
Léo: _ O tia! Eu sou o ratinho!
Braian: Eu também!
A professora continua a história. As crianças dialogam entre si sobre ser os personagens. Isabelly fala com Brayan sobre ter dois ratos quando
ele diz que é o ratinho também. Ela diz:
Isabelly: _ Não! É só um rato!
229
Os dois continuam a discussão sobre os ratinhos e a professora chama a atenção de Isabelly para a história.
Professora Lucássia: _ Isabeely!! E Então, o gato que era muito esperto chamou o rato. Hummm! Miguel!
A educadora Léa pede pra Miguel sentar-se no lugar do ratinho. No vídeo é possível ver o rostinho de decepção de Léo, que pedia desde o
início para ser o rato. E também de outras crianças como Daniel e João Victor que queriam ser algum dos personagens. Léo não se contém e
diz para a professora:
Léo: _ Ô tia, eu que queria ser o rato!
Professora Lucássia: _ Depois a gente vai contar de novo Léo aí você pode ser! E aí olha só...
Enquanto a professora continua contando a história é possível ver Daniel e João Victor e ouvir outras crianças conversando sobre os
personagens que gostariam de ser na história.
Professora Lucássia: _O vovô segurou na vovó, que segurou na netinha, que segurou no Totó, que segurou no gato, que segurou no rato. E
eles fizeram força! UUUUUU! E aí de repente o rabanete fez assim ô... Poooooo... E o rabanete saiu da terra!
As crianças caem pra trás, riem e imitam o momento de retirada do rabanete da terra. A professora pega de volta o livro e mostra a imagem
em que o rabanete saiu da terra.
Professora Lucássia: _ Olha lá ó! O rabanete voou, voou! E aí olha só! Conseguiram todos arrancar o rabanete da terra. Todos juntos!
A professora mostra a imagem de todos juntos comemorando a retirada do rabanete da terra. As crianças olham curiosas para a imagem,
principalmente Maria Júlia, João Pedro e Cauã.
Ana Cecília: _ Porque o rato puxou com força!
Professora Lucássia: E aí olha só! O rato disse assim: Eu sou o mais forte! Fala Miguel! Eu sou o mais forte!
Miguel levantou o braço em sinal de força, mas essa criança apresenta uma dificuldade na fala, portanto apenas fez o gesto atendendo ao
pedido da professora. A professora reforça o gesto de Miguel dizendo:
Professora Lucássia: _Isso Miguel!
Outra criança, que não aparece no vídeo, mas pela voz foi possível reconhecer repete a fala da professora:
Gabriel: _ Isso Miguel!
A professora continua contando a história. As crianças estão em volta olhando as imagens do livro. Continuam ainda o debate sobre ser o
ratinho.
Brayan: _ Eu sou o ratinho!
Professora Lucássia: _E então... vira a página ...todos se sentaram juntos e comeram o rabanete que era tão grande que deu pra todo
mundo ó... encher a barriga... E ó! E ainda sobrou ... Olha só... sobrou um pouco para a minhoca que estava passando por ali!
Professora Lucássia: _ E você? Acha que o rato era o mais forte?
Algumas crianças responderam: _ É!!
Maria Júlia: _ E aí ele pos a camisa de super helói. – [ele pôs a camisa de super herói]
230
Ela fala e faz o gesto com os braços mostrando força. Todas as crianças estão envolvidas com o livro.
Professora Lucássia: _ Ah é mesmo! Ele pôs a camiseta de super-herói!
Brayan ao olhar a imagem diz algo sobre ter uma camiseta desta, ao que muitas outras crianças também se manifestam dizendo que também
tem uma camiseta de super heroi. Ficam agitadas e a professora vira a página mostrando que a história terminou.
Professora Lucássia: E... Fim! E agora minha gente a história terminou! Batam palmas de alegria, batam palmas quem gostou! Hei Hei Hei
trá lá lá lá! Hei hei hei trá lá lá lá!
Maria Júlia: _ Eu gostei!
Todas as crianças pulam e dizem que gostaram!
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ANEXO VII
EPISÓDIOS GRAVADOS NA ESCOLA EMEI PAMPULHA – Turma Berçário e GI – Educadora Laís
Total de idas à escola EMEI PAMPULHA: 18 vezes (setembro a dezembro de 2015)
Total de vídeos transformados em episódios de análise: 52 Qdte DATA DURAÇÃO
CRIANÇAS ENVOLVIDAS
HISTÓRIA DO DIA ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE O PROCESSO VIVIDO PELO GRUPO
1 02/10/2015 35m24s Todas Rotina exploração de objetos Bruxa Mafalda - história João e Maria
As crianças chegam a partir das 7:00. São acolhidas pelas educadoras e pela professora Regente da Turma. Tomam café da manhã na sala. Por volta de 7:40 da manhã brincam de estátua. Em seguida passam a atividades da rotina pedagógica – Exploração de objetos em uma mochila, inclusiva a Bruxa Mafalda e ouvem a história de João e Maria. Todas as atividades conduzidas pela professora regente, assistida pelas educadoras. Todas as crianças se envolvem em todas as atividades. A professora senta-se no chão com as crianças e cria a personagem Mafalda. Uma bruxa carinhosa que brinca e faz carinhos nas crianças.
2 02/10/2015 7m32 Todas Hora do banho - Músicas Patati Patatá
Enquanto duas profissionais dão banho nas crianças, as outras duas ficam na sala auxiliando, tirando a roupa e organizando a volta de quem já tomou o banho e a ida de quem ainda está esperando. Nesse momento, assistem TV com músicas de Patati e Patatá e brincam com brinquedos.
3 02/10/2015 0,44s Todas Hora do sono das crianças Filmagem para registrar o momento em que as crianças dormem. A forma como as profissionais organizam o sono das crianças.
4 05/10/2015 20m1s Todas Momento de atividade - História João e Maria Continuação hist..- Bruxa Mafalda
A professora retoma a história contada no dia 02/10 para trazer uma casinha desenhada em um papel, feita por ela com doces a serem distribuídos para as crianças
5 05/10/2015 0,43s Todas – Destaque para Lara
Momentos de interação com brinquedos depois do banho
232
6 05/10/2015 04m03s Todas Cantando com as crianças depois do Banho
Ao terminar o banho as crianças são convidadas a cantarem e elas também convidam ao escolher as canções a serem cantadas. Ao cantar elas demostram se envolver muito com a música e com os gestos.
7 05/10/2015 1m15s Nenhuma Fantoches produzidos por Laís com as crianças
Esse vídeo procurou registrar o resultado do trabalho produzido por Laís com as crianças na confecção dos fantoches
8 16/10/2015 13m05s Todas Dramatização com as crianças de uma adaptação de Chapeuzinho Vermelho, conto clássico de Charles Perrault.
Por volta de 7:50 a professora regente começa uma dramatização e convida as crianças a participarem – o interesse das crianças é vivo – querem participar de toda a história.
9 16/10/2015 1m28s Todas Comemoração dia da criança – Festa à fantasia
As crianças vieram fantasiadas pra escola e nesse momento se reuniram às demais crianças para brincar e dançar vestidas com suas fantasias. Teve inclusive um desfile na passarela.
10 16/10/2015 2m39s Todas Comemoração dia da criança – Festa à fantasia
11 16/10/2015 0m37s Todas Comemoração dia da criança – Festa à fantasia
12 16/10/2015 4m06s Todas Comemoração dia da criança – Festa à fantasia - Desfile
13 16/10/2015 4 vídeos : 1m23; 0,18s; 2m23s; 0,11s
Todas Hora do Almoço A hora do almoço é um momento muito rico de oportunidades para conhecer melhor as crianças
14 16/10/2015 1m16s Todas Hora do Sono Formas de organização das crianças e aconchego na hora de dormir.
15 19/10/2015 0,11s; 0,43s Nenhuma Caderno De Registro Projeto Centopeia
O projeto Centopeia teve início a partir de nossa insistência pois não estava acontecendo no berçário. Temos os registros feitos com as crianças deste grupo que participaram deste projeto.
16 19/10/2015 1m17s; 0,23s; 0,49s; 0,50s; 0,32s
Nenhuma Painel de Formação Registro dos painéis de formação da escola. Trabalho muito interessante da formação docente que oportuniza a participação de todos os profissionais da escola. Os painéis têm o objetivo de demonstrar o trabalho desenvolvido em sala e ainda, as percepções dos docentes sobre o processo vivido.
17 19/10/2015 1m11s Nenhuma Painel de Formação da Turma do Berçário e GI
Registro do painel de formação. O vídeo buscou registrar os modos de organização do trabalho da equipe no Berçário e GI.
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18 22/10/2015 34m46s Todas “Bruxa Bruxa venha a minha festa” – Ardren Druce contação de história Laís –
Uma garota pede para que toda a sorte de seres assustadores compareça a sua festa. E lá vão Bruxa, Gato, Espantalho, Coruja, Árvore, Duende, Dragão, Pirata, Tubarão, Cobra, Unicórnio, Fantasma, Babuíno, Lobo e... epa! Chapeuzinho Vermelho? Uma história diferente e criativa que mostra a fidelidade da amizade infantil.
Esse vídeo registra o momento de culminância da proposta de intervenção da profissional Laís na Turma do Berçário e GI. Do total de 34m46s de registro, iremos analisar os primeiros 14m do vídeo, onde aparecem os modos de contar história com o livro e provocar modos de participação das crianças.
19 26/10/2015 3m7s Miguel – 1 História - Miguel exploração de um livro com imagem -
Momento em que a professora convida uma criança para interpretar um livro de imagens cumulativas.
20 26/10/2015 22m58s Todas História Chapeuzinho Vermelho – solário.
A professora convida as crianças para ouvirem história no solário – modos de Contar a história e modos de participação das crianças.
21 26/10/2015 4m45s Todas Observando o crescimento da plantinha – Projeto eu planto eu cuido
As crianças participam da observação das plantinhas que brotaram nos potes que plantaram.
22 26/10/2015 3m07s Todas Brinquedos e diálogos sobre as plantinhas com a Educadora
A educadora aproveita o interesse das crianças e situações vividas com as plantinhas para dialogar sobre os cuidados com as mesmas.
23 26/10/2015 5m58s Todas Exploração de instrumentos musicais- A professora convida as crianças para brincar e cantar com instrumentos musicais.
24 26/10/2015 13m15s; 27m10s; 3m44s
Turmas de outras salas
Biblioteca Móvel na escola A pesquisadora, acompanha o trabalho da profissional, responsável pela biblioteca da escola, em duas salas (1º e 2º períodos). Laís está em seu grupo no berçário e GI. Ela conta história e propõe um registro aos alunos..
25 03/11/2015 7m36s; 10m36s; 2m22s; 5m41s;
Todas Aula de Educação Física A pesquisadora acompanhou a aula de educação física do grupo pois o dia destinado à pesquisa havia sido feriado.
26 03/11/2015 9m19s Todas Cantando canções O grupo cantando com a educadora Laís. Eles repetem as músicas, fazem os movimentos imitando a professora. Seus gestos demostram que já conhecem a maioria das músicas.
27 03/11/2015 19m9s Todas História “Alô papai” – Alice Horn Jogo de faz de conta, ouvindo a história Alô
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“O conto apresenta uma conversa por telefone entre pai e filho. O menino pede ao pai que lhe traga um presente após o trabalho. O pai usa a criatividade para inventar um trator com asas, um avião com remo, até um bode de óculos! O menino acha muito divertido, mas sempre contesta o pai. Afinal, qual será o presente?”
Papai – Esse episódio é bem interessante pois mostra modos de contar história da profissional e modos de participação das crianças. Algumas crianças se destacam neste episódio.
28 10/11/2015 5m10s Benjamin e grupo Projeto Centopeia – oportunizando escolhas obras literárias
A professora regente explora junto a Benjamin e ao grupo, o Caderno e o livro levado por Benjamin para casa ao que a criança responde muito bem a proposta.
29 10/11/2015 2m16s Higor e Sophia Projeto Centopeia - oportunizando escolhas obras literárias
A professora passa a Sacola do Projeto Centopeia para Higor e Sophia que são levados pela profissional Laís até a biblioteca da escola para escolher os livros que gostariam de levar para casa.
30 10/11/2015 12m07s Todas Exploração objetos na mochila A professora leva a mochila e explora com as crianças diversos objetos e suas características.
31 10/11/2015 9m49s Todas Músicas e história no quiosque “Pupe o Cachorrinho”
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A professora convida as crianças a cantar fazendo gestos. Elas parecem já conhecer a maioria das canções e participam bastante.
32 10/11/2015 22m49; 6m36s Pietro, Pietro M., Benjamin
História “Pupe o cachorrinho” – horário do Banho
Enquanto as crianças tomam banho alternadamente, a pesquisadora fica com um grupo e explora o livro “Pupe o Cachorrinho”.
33 16/11/2015 21m52s Sophia, João Miguel, Lara, Higor, Pietro, Benjamin, Isadora
História “O lobo mal” – horário do Banho
Enquanto as crianças tomam banho alternadamente, a pesquisadora fica com um grupo e explora o livro “Chapeuzinho Vermelho”. Essa iniciativa partiu da professora regente.
34 16/11/2015 Vários vídeos Todas Rotina do dia A professora regente pediu que filmássemos todas as atividades das crianças neste dia. Portanto, temos vídeos de toda a parte da manhã das 7:40 às 10:30 que é o horário do sono das crianças.
35 23/11/2015 4m10s Todas Recepção das crianças Chegada das crianças com café da manhã e
62
Alguns episódios foram nomeados pela pesquisadora portanto, não estão necessariamente nomeados com nomes de histórias.
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acolhida pelas profissionais.
36 23/11/2015 10m49s Todas com destaque para Sophia e Miguel
Projeto Centopeia – Exploração da história
A professora explora o livro e o caderno de registro da Sophia e do Higor e passa para o Miguel. Momento muito rico de possibilidades de análises também pela forma como a profissional Laís conduz a escolha do livro pela criança.
37 23/11/2015 21m11s
Higor, Sophia e Miguel
Crianças indo à biblioteca – Miguel escolhe o livro – “Animais”
Momento muito rico de possibilidades de análises também pela forma como a profissional Laís conduz a escolha do livro pela criança. Principalmente até o minuto 8 do vídeo.
38 23/11/2015 5m39s; 3m48s Todas Interação com fantoches no solário Outra situação rica de possibilidade de análise. Onde os bebês interagem com a ajuda da professora e das educadoras com os fantoches de animais.
39 23/11/2015 2m26s Pietro Interação com o painel da turma Esse momento retrata uma interação “espontânea de duas crianças” Pietro Maia e Pietro.
40 23/11/2015 7m3s Miguel Bruna Pietro e outros
Explorando livro de História Três porquinhos hora do banho
Enquanto a turma vai tomando banho exploro com grupos menores de crianças por sugestão da professora Regente o Livro “Os Três porquinhos”. Momento muito rico para análises porque mostra as disputas, o interesse das crianças pelos livros, apropriações de modos de ler um livro, manuseá-lo repetidas vezes.
41 23/11/2015 8m58s Miguel e outros que se aproximam
Miguel e a história na hora do banho das crianças “Eu amo você papai”
Ainda na hora do banho a pesquisadora explora com Miguel o livro “Eu amo você, papai”.
42 23/11/2015 Vários vídeos Todas Momentos da Rotina e do plano de formação
O plano de formação docente desta escola é muito interessante pois possibilita que todos e todas os profissionais participem: auxiliares de limpeza, técnicos da secretaria, educadores, professores etc. – todas experimentam estar com as crianças propondo e conduzindo uma atividade. Por isso a pesquisadora fez questão de registrar várias exposições destes planos. Em caso de uma possibilidade de análise.
43 01/12/2015 5m21s; Todas – Exploração Bruxa Mafalda A professora regente traz a personagem Bruxa Mafalda e a faz interagir com as crianças.
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44 01/12/2015 16m58s Todas – destaque para Miguel
Exploração Bruxa Mafalda e Projeto Centopeia com Miguel
Explora o Projeto Centopeia com Miguel que havia levado o livro da última vez. Notei que o projeto passou a acontecer quando eu estava presente.
45 01/12/2015 4m32s; 2m19s; 3m23s
Todas Assistindo ao vídeo clipe que as profissionais prepararam para o fim de ano
A professora regente delegou à Laís a tarefa de fazer um vídeo clipe com as fotos da turma. Nesse dia assistiram todos juntos ao vídeo.
46 01/12/2015 Vários vídeos Outras turmas Projeto Biblioteca móvel em todas as salas
A pesquisadora auxiliou a profissional Laís na implementação de seu projeto de intervenção levando a Biblioteca móvel até as outras salas. O projeto consistia em levar a biblioteca móvel até as outras salas, contar uma história e deixar as crianças explorarem os livros no carrinho. No carrinho tem fantoches, tapetes, almofadas e livros.
47 11/12/2015 23m42s Todas Projeto Biblioteca móvel “Menina bonita do laço de fita”
Desenvolvemos o projeto Biblioteca Móvel contanto a história “Menina bonita do laço de fita”. A pesquisadora estava ajudando a educadora Laís com o desenvolvimento de sua ação na escola como um todo. Por isso, nesse dia a pesquisadora foi também na sala do berçário e GI com a biblioteca móvel. Contou uma história e depois podiam escolher um livro para ler e entender a história de forma completa.
48 11/12/2015 3m41s Todas Exploração Livros pelas crianças com biblioteca móvel
Desenvolvemos o projeto Biblioteca Móvel com o grupo, levando a Biblioteca cheia de livros para que escolhessem/explorassem.
49 14/12/2015 28m23s Todas História “O Sanduíche da Maricota” Biblioteca Móvel
Desenvolvemos o projeto Biblioteca Móvel contanto a história “O Sanduíche da Maricota”
50 14/12/2015 5m55s Todas Exploração de livros pelas crianças com a biblioteca móvel
Desenvolvemos o projeto Biblioteca Móvel com o grupo.
51 14/12/2015 Vários vídeos Outras Turmas Projeto Biblioteca móvel em todas as salas
Atividade desenvolvida pela pesquisadora
52 17/11/2015 2m36 Tarcila e Sua mamãe
Projeto Centopeia com Participação da Família
A família fez questão de filmar o momento de vivência com o livro em casa. Compartilhou com a equipe da escola o vídeo e as profissionais compartilharam com a pesquisadora. Vídeo muito rico para produção de uma análise pois demonstra o alcance do
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trabalho da escola com as famílias. A família desenvolve a atividade com a criança de acordo com as orientações da escola. Lendo com e para a criança, estabelecendo relações entre as imagens, deixando a criança fazer suas tentativas, etc.
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ANEXO VIII
EPISÓDIO GRAVADO NA ESCOLA EMEI PAMPULHA
NÚMERO DO EPISÓDIO: 18
TÍTULO DO EPISÓDIO: “Bruxa, Bruxa, Venha à minha festa”
DATA: 22/10/2015
DURAÇÃO: 34m46s
DURAÇÃO DO TRECHO TRANSCRITO PARA ANÁLISE: 14m (0m a 14m)
HISTÓRIA ENVOLVIDA NO EPISÓDIO: Bruxa Bruxa Venha à minha festa – Arden Druce – Editora Binque Book – Ano 1995.
A transcrição do episódio foi feita pela pesquisadora assistindo as cenas quantas vezes fossem necessárias e registrando por meio da escrita
no programa do Word. As informações obtidas nas transcrições eram contrapostas aos registros feitos em diários de campo somando-se às
informações do vivido naquele dia pela pesquisadora com o grupo ao qual estava envolvido.
Sinopse do livro:
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Uma garota pede para que toda a sorte de seres assustadores compareça a sua festa. E lá vão Bruxa, Gato, Espantalho, Coruja, Árvore,
Duende, Dragão, Pirata, Tubarão, Cobra, Unicórnio, Fantasma, Babuíno, Lobo e... epa! Chapeuzinho Vermelho? Uma história diferente e
criativa que mostra a fidelidade da amizade infantil.
240
Qtde DATA DURAÇÃO CRIANÇAS ENVOLVIDAS
HISTÓRIA DO DIA/AUTOR (RESUMOS DAS HISTÓRIAS LIDAS)
ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE O PROCESSO VIVIDO PELO GRUPO
18 22/10/2015 34m46s Todas Bruxa Bruxa venha a minha festa - contação de história Laís -
Esse vídeo registra o momento de culminância da proposta de intervenção da profissional Laís na Turma do Berçário e GI. Do total de 34m46s de registro, iremos analisar os primeiros 14m do vídeo, onde aparecem os modos de contar história com o livro e provocar modos de participação das crianças.
A Filmagem foi feita pela pesquisadora com a câmera em mãos. Optou-se por não usar o tripé a fim de capturar os diversos
momentos das interações, facilitando dessa forma o movimento com a câmera para focar momentos específicos. A pesquisadora
ficou sentada no chão posicionando a câmera em frente ao grupo, já buscando um lugar que desse uma melhor visibilidade a toda a
cena. Durante a filmagem, entretanto, a pesquisadora mudou-se de lugar buscando uma visualização melhor das interações entre as
crianças, as profissionais e os livros. Muitas vezes, uma ou outra criança vem até a pesquisadora para interagir com a câmera. Nesse
momento havia uma criança sentada no colo da pesquisadora.
A cena se inicia já se sabendo que a educadora Laís foi buscar a biblioteca móvel, mas para as crianças isso era tratado como uma surpresa.
As profissionais organizam as crianças para esse momento. Insistem para que todas aguardem a “tia Laís” sentadas no chão. A professora
regente diz batendo palmas e pegando João Maciel colocando-o sentado.
Professora Regente Edilene: _ Surpresa! Surpresa! Vamos sentar, vamos!
Educadora Andréa: _ Júlia, senta Júlia, senta que vai ter surpresa! - e começa a cantar uma música - _ Olha a hora é agora vamos ouvir
história!
Professora Regente Edilene depois de colocar outra criança sentada diz: _ O Tiago sentou e chorou!
A professora Edilene fica nesse movimento de contenção das crianças, bate palmas, apaga as luzes e até bate na porta para chamar a
atenção das crianças e mantê-las sentadas.
Professora Regente Edilene: _ Aqui ô Tiago! A tia Laís, Tiago, trouxe uma surpresa prá nós. Ô!! Já apagou a luz.
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O bebê Arthur atravessa a sala engatinhando e balbuciando gritinhos. Estava indo em direção à Laís que pegava algo no armário. (Laís é tia
de Arthur, por isso ele é muito apegado a ela). Ao fundo se ouve a voz de Isadora. Ela está sentada no colo da pesquisadora e assiste aos
colegas e ao que acontece pela tela da filmadora. Fica encantada.
As crianças começam a ficar curiosas, Eduardo (Dudu como era sempre chamado) se levanta curioso e a professora Edilene o contêm
rapidamente colocando-o sentado de novo.
Professora Regente Edilene se movimenta pela sala dizendo: _ Ô! Ô! Ô! Já vai chegar! Vou acender a luz! Tia Laís vai fazer uma
surpresa!
Educadora Andréia conta: _ Um, dois, três, quatro! - alguém ascende a luz - Ah chegou!!
As crianças ficam muito curiosas! Os olhares atentos para a porta esperam a surpresa que está sendo tão propagada pelas profissionais
Edilene e Andréia. A professora Edilene pede às crianças para dizerem bom dia para a pesquisadora a qual chama de “Tia Nubinha”. A porta
se abre e algumas crianças querem se levantar, mas a professora diz veemente:
Professora Regente Edilene: _ Não é para levantar agora não! Primeiro tem que ouvir. Bom dia tia Laís!
Laís entra com a biblioteca móvel e diz bom dia às crianças. Elas ficam curiosas com aquele objeto que veem entrando pela porta. Edilene
tem uma câmera fotográfica nas mãos. Laí pergunta:
Educadora Laís empurrando a biblioteca móvel: _ O que que é isso aqui? –
Ela havia organizado o carrinho – Biblioteca móvel – com livros grandes atraentes aos olhos das crianças. Livros sobre animais e outros temas
que já havia percebido que as crianças gostavam.
Criança - Miguel: Bom dia tia Laís!
Educadora Laís: Bom dia Miguel!
Laís empurra o carrinho posicionando-o de modo que fique de frente às crianças, mas na lateral do espaço reservado para a história. A
professora Edilene pergunta
Professora Edilene: _ O que que a tia Laís trouxe?
Criança Lara: _ O livo (o livro)
Educadora Laís: _ Será o que tem aqui?
Laís dá a volta para pegar os objetos que estão na parte de dentro do carrinho.
Algumas crianças apontam os braços em direção ao carrinho como se quisessem pegá-lo. João Miguel projeta o corpinho pra frente e vai em
direção ao carrinho. Todas demostram muito interesse e atenção ao que está acontecendo. O clima de suspense criado pelas profissionais à
surpresa dá resultado no sentido de provocar uma curiosidade. Elas ficam muito curiosas.
Laís vai explorando o carrinho dizendo:
Educadora Laís: _ Olha o que tem aqui! Tem almofada pra gente sentar! Tem tapete! É pra gente ouvir historinha Miguel!
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Miguel bate palmas e olha para a Educadora Andréia como se quisesse compartilhar com ela aquela surpresa. Algumas crianças se agitam e
querem ir em direção ao carrinho. Ao que a professora Edilene diz:
Professora Edilene: _ Óh! Escuta! Escuta!
Ao mesmo tempo do lado direito do vídeo aparece Arthur Marques, escalando no expositor. Laís vai retirando os objetos que ela organizou no
carrinho. É um expositor que a educadora adaptou transformando-o em uma biblioteca móvel. Mandou fazer um suporte de tecido para ficar
fixo no carrinho. Nesse suporte, na parte interna cabiam as almofadas e um tapete. Do lado externo, foram colocados livros de diversos
tamanhos e tipos.
João Maciel e Denik se levantam e vão em direção ao carrinho! A professora os contém colocando-os sentados novamente dizendo que é para
todos ficarem quietinhos. Todas as crianças estão muito atentas. Laís retira o tapete e o estende no centro do espaço. Pega as almofadas e
vai colocando em cima do tapete sempre perguntando para as crianças o que é aquilo.
Educadora Laís: O que é isso?
Crianças João Maciel, Bruna, Denik, Júlia, Miguel apontam os dedinhos em direção ao tapete dizendo: _ Oia!! – [olha!]
João Maciel não se contém e se levanta novamente indo em direção ao tapete.
Ele diz: _ Papete! [tapete]
Laís fala com ele _ Sim João é um tapete! _ Vamos arrumar o tapete?
Ela o convida estendendo o tapete no chão. O tapete é bem colorido, com letras do alfabeto e desenhos diversos. Assim que termina de
estender o tapete. João Maciel que estava ansioso e de pé, Denick já se levantam e sobem no tapete. Esse gesto da educadora é
acompanhado pela professora que vai dizendo palavras de estímulos e de surpresa!
Professora Edilene: _ Olha! É um tapete!
Quando ela diz isso, Denik – não se contém. Levanta-se eufórico e diz:
Denik: _ Oa apete! – [Olha! Tapete] -
Educadora Laís então convida: _Vocês querem se sentar no tapete?
A maioria das crianças já vai subindo no tapete sorrindo. Encantadas com a proposta de se sentar naquele lugar colorido. Lara faz o mesmo
movimento dizendo em tom de alegria:
Criança Lara: _ Euuuu!! Eu! Eu! Eu!
Faz esse gesto sorrindo e pulando. Sete crianças sentam-se no tapete observando as cores das letras nele contidas. Miguel reclama de algo,
e Laís já percebendo seu desconforto, pergunta:
Educadora Laís: _ Você quer a almofada Miguel?
Já pegando uma almofada e entregando a ele. Ele parece meio emburrado, mas pega a almofada e fica por ali. As crianças vão se
organizando sentadas sobre o tapete. A professora Edilene incentiva Tiago que estava sentado em um cantinho – o mesmo que a professora o
243
tinha colocado no começo do vídeo - a pegar uma almofada e se juntar aos colegas que estavam sentados no tapete. Tiago aceita e se senta
em frente ao Carrinho com os livros. Lara pede uma almofada à professora Edilene perguntando:
Criança Lara: _ Ô tia, cadê a minha?
Professora Edilene: _ Toma Larinha!
Lara diz que quer a dela mesma que está no berço. Laís pega a almofada e entrega a ela. Lara pega a almofada e quando vai em direção ao
tapete esbarra no colega Denick que se desequilibra e cai, mas se levanta em seguida. Quase todas as crianças estão com almofada e
sentadas no tapete. Ao fundo é possível ver apenas Benjamin e João Miguel no mesmo lugar que estavam enquanto o tapete era arrumado.
As profissionais ajudam as crianças a se organizarem sobre o tapete. Laís então pega o livro e os fantoches que havia confeccionado por ela
com as crianças e diz que agora vão ouvir uma historinha. A professora Edilene registra com fotos o momento e começa a cantar uma música
que marca o início de contar/ouvir a história.
Professora Edilene e educadoras: _ Uma história interessante eu agora vou contar! Trá lá lá! Trá lá lá! Trá lá lá! Trá lá lá!
Higor estava sentado no colo da pesquisadora, ao ver os fantoches63, se levantou e foi até lá apontando o dedinho para os fantoches. A
professora Edilene incentiva as crianças a ficarem sentadas para ouvir a história. Para isso ela diz:
Professora Edilene: _ Que legal! Vamos ouvir a história ô!
A educadora Laís, sentada no chão em frente às crianças, coloca o fantoche da bruxinha na mão e diz:
Educadora Laís (Bruxinha Mafalda): Bom dia pessoal!!
As crianças ficam olhando, mas não respondem.
Educadora Laís (Bruxinha Mafalda): _ Bom dia pessoal! Em não tô ouvindo!
A educadora Andreia responde convidando as crianças a dizerem bom dia. Como as crianças não respondem Laís diz:
Educadora Laís: _ Gente a bruxa Mafalda aqui ó! Outra Mafalda na sala!
Enquanto ela faz movimento com a personagem na mão, falando com as crianças, Denick fica de pé tentando interagir com a bruxa que está
na mão da educadora. Ele balbucia algumas palavras que não dá pra entender e passa o dedinho na boca da bruxa. E Laís, fala com ele como
se entendesse o que ele está dizendo:
Educadora Laís: É? Fala oi pra ela! ...[ Espera a criança dizer/balbuciar E continua...] Ela vai falar de novo!
63
FANTOCHES: A ideia de construir os fantoches surgiu em um momento de orientação, inclusive a pesquisadora tinha os fantoches em branco que poderiam ser caracterizados de acordo com o interesse do grupo. Laís aceitou os fantoches e os produziu juntamente com as crianças, pintando, colocando roupas e criando personagens. Portanto o momento de contação dessa história foi marcado pelo reconhecimento dos bebês com os fantoches produzidos por eles. Isso pode ser percebido no movimento de Higor, que saiu do colo da pesquisadora e foi em direção ao fantoche que estava com a educadora Lais. Ele apontou o dedinho mostrando para a pesquisadora os fantoches. Mesmo sem ser possível identificar o que ele quis dizer verbalmente, seus gestos demostram a identificação que construiu ao reconhecer nas mãos da educadora, o “bichinho ou personagem” produzido por ele em outro momento.
244
Educadora Laís (Bruxinha Mafalda): Bom dia pessoal!
A educadora Andreia responde „Bom dia‟ novamente, convidando as crianças a dizerem „bom dia‟. As crianças continuam sentadas no tapete.
Olhando em direção à educadora. Mudando a câmera de posição, a pesquisadora passou para o outro lado para focalizar melhor o grupo na
vivência com a história, pois uma criança estava de pé na frente da pesquisadora que não quis interferir em seu no modo de participação.
Educadora Laís: _ Ó! Agora a tia Laís vai contar a historinha da bruxa!
A voz da professora Edilene aparece ao fundo repetindo:
Professora Edilene: _ Ó! Da bruuxa!
Educadora Laís: _ Vamos ver o que que essa bruxa quer?
Miguel estava se desentendendo com Isadora e Laís interrompe sua fala para chamar sua atenção. A professora Edilene vai até Miguel e
Isadora e diz: _ Olha lá! A bruxa! A bruxa! A bruxa! Sua tentativa era de envolver Miguel e Isadora na história despertando o interesse e a
atenção. Com o livro na mão com a capa levantada mais alto para o lado das crianças, Laís continua a se referir à história. Ela diz:
Educadora Laís: O nome da historinha que a tia Laís vai contar é “Bruxa, bruxa, venha a minha festa”.
Ao dizer isto ela olha para o livro e diz:
Educadora Laís: _Nossa! Olha a cara dela! Essa aqui está mais bonita que essa não tá? Olha o nariz dela!
Ela diz comparando as duas bruxas, o fantoche da mão e a imagem da capa do livro. As crianças observam atentas. Júlia se levanta e vai em
direção ao livro. A professora Edilene vai dialogando com as crianças meio que repetindo as frases que Laís está dizendo. Algumas crianças
olham para o tapete, mas a maioria está com a atenção direcionada para a Educadora e para a história. Ao fundo é possível ver João Miguel
erguendo o corpo para conseguir enxergar o livro e Dénick pegando a almofada e balbuciando algo para a educadora Andreia. Algumas
crianças querem pegar os fantoches e Laís diz que vão poder pegar daqui a pouco. Entretanto Bruna, Tarcila, Sophia pegam os fantoches e
começam a tentar colocar na mão. Ao ver as colegas fazendo isso, Eduardo também vai em direção aos fantoches e pega um para si. Laís
tenta se ajeitar para contar a história com o fantoche da Bruxa em sua mão mas ao perceber a dificuldade, opta por colocar a bruxinha na mão
de Lara. Ela diz já ajudando Lara a vestir o fantoche em sua mão:
Educadora Laís: _ Segura aqui pra tia Lara, põe no seu bracinho! Ô a Lara vai segurar a bruxa!
Laís ajuda Lara pegando a bruxinha e colocando em sua mão! Começa a contar a história:
Educadora Laís: _ Bruxa! Bruxa! Por favor, venha à minha festa! Obrigada, irei sim se você convidar o...
A professora Edilene pega o bebê Arthur Marques que estava brincando no armário e o aproxima da educadora Laís. A impressão é que ela
faz isso para que ele possa participar da história. Dénick se movimenta durante a história e aparece em frente à educadora de pé. Parece
querer olhar as imagens e os fantoches que estão no chão perto da educadora. As crianças não demostram ter medo da imagem da bruxa
apresentada no livro. Ao fundo é possível ver o olhar atento das crianças que estão um pouco mais afastadas da educadora para a cena da
história, João Miguel, Pietro, Miguel e João Maciel. Laís procura entre os fantoches o “gatinho”
Educadora Laís: _ Cadê o gatinho?
245
Procura e como não encontra, convida as crianças para ajudarem a encontrá-lo.
Educadora Laís: _ Vamos achar o gatinho aqui?
As crianças que estão mais próximas – Lara – Bruna – Higor – Tarcila – Eduardo – Dénick - olham em direção aos fantoches tentado encontrar
o gatinho. A professora Edilene reforça o convite, chamando as crianças a ajudarem a encontrar o gatinho. E ainda diz:
Professora Edilene: _Olha o nariz da bruxa!
Ao que Laís concluiu quando Eduardo pega o gatinho entre os fantoches:
Educadora Laís: _ Aqui, tá com o “Dudu” [Eduardo]
A professora Edilene ressalta: _ O Dudu achou tia Laís!
Laís pega o gatinho na mão de Eduardo e diz mostrando-o para as outras crianças:
Educadora Laís: _ A bruxa convidou o gatinho para ir à festa!
Bruna pega outro fantoche e diz: _ Aqui!
Laís diz a ela: _ Esse é o pintinho não é Bruna! - Laís levanta o gatinho mostrando para as crianças e diz - _ Ô o gatinho! Como que o gatinho
faz??
A forma como Laís faz a pergunta é um convite às crianças para imitarem o gatinho! As crianças respondem: _ Miaaauu! – pelo vídeo não dá
para identificar quais crianças imitaram o gatinho, mas todas estavam envolvidas na atividade e com a atenção nos fantoches. Lara que estava
com a bruxinha na mão, levanta a bruxinha e a leva em direção ao gatinho que estava na mão da educadora, tentando provocar uma interação
da “bruxa” com o “gatinho” que está na mão de Laís. Ela diz alguma coisa chegando a bruxinha mais perto do gatinho:
Lara: _ ô a ? [inaudível] dele!
A Educadora entrega o fantoche do gatinho para Higor dizendo:
Educadora Laís: _ Segura o gatinho!
Higor pega o gatinho e Laís continua contando a história. Tarcila tenta entregar outro fantoche para a Educadora Laís, mas ela não percebe.
Júlia engatinha em direção à educadora Laís parecendo querer ficar mais próximo dos elementos ali presentes, na mesma cena é possível ver
a atenção de Pietro, João Maciel e Isadora sentadinhos atentos à história, erguendo o corpo para ver as imagens do livro. Dénick fica
novamente em frente à cena de costas para a câmera, de pé para ver melhor a cena da história, ele tenta se aproximar, mas a educadora está
rodeada pelas crianças e não há espaço para que ele passe. Ouve-se uma criança dizer algo. Não é possível identificar no vídeo quem é essa
criança. Mas é possível inferir que ela está se referindo a um fantoche que ela gostaria de pegar.
Criança: _ Cadê o meu?
Educadora Laís: _ Gato, gato, venha à minha festa! Ele respondeu, obrigado, irei sim, se você convidar... [intervalo de virada de página] o
espantalho!
A Educadora está contando a história com o livro virado com as páginas abertas em direção às crianças. Vira a página e chama a atenção das
crianças:
246
Educadora Laís: _ Olha o espantalho!
Vira o livro mostrando a imagem do espantalho e diz para Lara:
Educadora Laís: _ Olha o espantalho Lara!
Julia se levanta e vai em direção ao livro, passando o dedinho na imagem do espantalho! Nesse passar o dedinho ela expressa em seu gesto
uma mistura de encantamento como se tocasse o personagem. Ela fica olhando a imagem com um ar de sorriso, misturado com surpresa.
Laís faz uma intervenção dizendo:
Educadora Laís: _ Que coisa feeeia! Olha o nariz dele parece uma cenoura!
Lara que está com o fantoche da bruxa na mão, estabelece uma interação com o personagem do livro, fazendo com que a bruxinha fale com o
espantalho:
Lara: _ Oiii!! – Ela diz passando a “bruxinha” na imagem do espantalho como que se quisesse fazer os dois personagens conversarem Laís
ao ver essa cena diz para Lara:
Educadora Laís: _ A bruxa tá falando oi pro espantalho?
Lara em resposta repete o movimento passando a “bruxa” no espantalho novamente em sinal afirmativo. Ainda é possível ver na cena Tarcila
olhando atentamente para o livro na mão da professora segurando dois fantoches na mão. Dénick novamente se aproximando pelo outro lado
para tentar pegar um fantoche, Sophia de costas para a câmera em frente à cena da história com um fantoche colocado na mãozinha. Bruna
ao lado da educadora Laís também segurando um fantoche.
Laís continua contanto a história e Lara envolvida com o fantoche – a personagem bruxa – vira-se para a pesquisadora mostrando a bruxa,
como se ainda elaborasse elementos da interação vivida há poucos segundos e diz:
Lara: _ Aqui!!
Ela parecia querer ainda continuar o diálogo entre os dois personagens, o espantalho e a bruxa. Laís continua contando a história
Educadora Laís: _ Aí o espantalho respondeu que irá sim se ela convidar...
Laís vira a página do livro e antes de continuar narrando a história, indaga as crianças mostrando a imagem do livro quem o espantalho vai
convidar? Mostra a imagem às crianças e diz:
Educadora Laís: _ Quem que é esse aqui?
A professora Edilene começa a querer responder, mas interrompe sua fala – parece que percebendo que deveria deixar as crianças
responderem. As crianças ficam olhando, quando Laís direciona a pergunta para Sophia
Educadora Laís: _ Quem que é Sophia? Cê sabe?
e Lara arrisca uma resposta:
Lara: _ A buxa! [a bruxa]
Laís mostra a imagem para e Lara e diz:
Educadora Laís: _ Não esse aqui Lara!
247
Laís diz mostrando a página para Lara. A professora Edilene participa da mediação e diz também que não é a bruxa. No mesmo momento
Bruna se levanta com o fantoche na mão e com ar de empolgação diz mostrando o fantoche para a pesquisadora:
Bruna: _ Esse aqui boi!!! [É esse aqui o boi!!]
A pesquisadora responde para Bruna com uma pergunta:
Pesquisadora: Esse é o boi Bruna?
Bruna faz sinal afirmativo. Deu pra perceber que Bruna respondia à pergunta de Laís sobre quem é a personagem que aparecia no livro. A
professora Edilene ajuda as crianças incentivando-as a descobrir quem é aquela personagem. Ao que Miguel responde:
Miguel: _ A culuja. [a coruja] !
Tive a impressão de que a professora Edilene ajudou Miguel contando baixinho para ele e o encorajando para dizer ao grupo e à Laís que a
personagem do livro era a coruja. Edilene bate palmas dando os parabéns para Miguel. Laís diz muito bem Miguel! E continua lendo a história.
Miguel demonstra muita satisfação com esse reconhecimento.
Educadora Laís: _ Muito bem! É a coruja! E a coruja respondeu, eu vou à sua festa sim se você convidar ... [vira a página fazendo suspense].
Quem será que a coruja irá convidar? Que que é isso aqui?
Laís explora o livro passando a mão e perguntando às crianças o que é aquilo. Pelo vídeo é possível ver – da direita para a esquerda, Bruna,
Julia de pé, Lara, Sophia, Tarcila olhando atentas para o livro, tentando identificar o que era. Nessa imagem também aparece Dénick sentado
próximo à educadora explorando os fantoches. Laís ainda insiste perguntando para outras crianças.
Educadora Laís: _ Você sabe o que é isso Higor? Sabe Pietro? É o galho da árvore! [entonação]
A coruja falou que vai à festa da bruxa, se ela convidar a árvore!
Nesta cena aparece Dénick pegando um fantoche e balbuciando algo que não é possível identificar, mas é possível perceber que ele interage
com os fantoches. Ao fundo a educadora Andrea se sentando no colchonete com o bebê Arthur Marques apontando com o dedo para Arthur
ver onde estava se passando a história. Ela apontava o dedo e dizia para a criança:
Educadora Andrea: _Olha lá Arthur! Olha lá! Ô Ô!
Ao que a criança parece responder direcionando seu olhar para a cena da história. Em seguida João Miguel que está também ali do lado da
Educadora Andreia, a chama com um gesto e aponta a cena da história, como se quisesse contar a ela o que estava acontecendo na história.
A educadora interpreta seu gesto e pergunta:
Educadora Andrea: _ Oi? É a bruxa?
Ele continua atento à história. Laís continua narrando. Enquanto isso as crianças que estão ali próximas continuam com os fantoches. Lara
com dois fantoches na mão estabelece com eles e entre eles uma interação:
Lara: _ Oiii!! [ela diz balançando as mãozinhas e o corpo, provocando o encontro entre os dois fantoches]
Educadora Laís: _ Aí a árvore respondeu, Duende, Duende, venha à minha festa! E o Duende respondeu, obrigado! Irei sim se você convidar
quem? ... Vamos ver... [vira a página]. Quem que é esse aqui? . [pergunta mostrando a imagem] Quem é Isadora?
248
Sophia arrisca responder: _ A bará! [não é possível saber o que significa o que Sophia disse, mesmo que a professora Edilene acolha sua
tentativa dizendo:
Professora Edilene: _ Parece mesmo né Sophia!!
Educadora Laís: _ É um dragãooo! Olha a boca do dragão Miguel! Aí o dragão respondeu, eu irei sim se você convidar... [suspense] Quem
será que o dragão vai convidar?
Laís diz fazendo o gesto interrogativo com as mãos. A professora Edilene vai falando com as crianças
Professora Edilene: _ Quem será? Quem? Olha lá gente ô!
Educadora Laís: _ Quem será Bruna? Quem será que o dragão vai convidar pra festa?
Bruna fica olhando mas não responde. Laís continua...
Educadora Laís: _ Vamos ver quem! [vira a página e aparece a imagem de um pirata]
A professora Edilene e a educadora Andréa vão estabelecendo com as crianças um diálogo. Chamando-as para olhar na imagem do livro. Laís
pergunta:
Educadora Laís: _ Quem que é esse aqui?
A professora Edilene direciona novamente a pergunta para Miguel perguntando a ele quem é aquele lá. Lara pede para ver a imagem e Laís
vira o livro para ela. Ela arrisca uma tentativa:
Lara: _ Palhaço!
Bruna ergue o corpo para colocar a mão na imagem do pirata no livro. Ao fundo Miguel diz que é o pirata. [fica a impressão de que a
professora Edilene contou a ele]. A professora comemora a participação de Miguel. Miguel está de pé com uma almofada na mão e repete a
palavra:
Miguel: _ Pirata!
Educadora Laís: _É isso Miguel! É um pirata!
As crianças que estavam mais próximas à cena interagem bastante com a imagem do pirata, percebem que há um papagaio.
Lara diz: _ Oia! Papagaio! [Olha! Papagaio!]
Tiago que esteve um bom tempo desde o início da história deitado, se levanta e vai até a educadora, fica ali de frente querendo interagir com
as imagens do livro, leva o corpinho pra frente com o braço esticado para encostar-se ao personagem. Laís continua:
Educadora Laís: _ Aí o pirata respondeu, eu irei sim, se você convidar... [vira a página mostrando a imagem e pergunta] _ Quem que o pirata
convidou? Quem é? Quem é? Quem é Isadora? Isadoraa!
Durante esta cena, aparece Isadora e Eduardo disputando um livro que Eduardo havia pego no carrinho da biblioteca móvel. Ao que a
professora Edilene intervém resolvendo a situação. Ela pega o livro das mãos das duas crianças, mas como Eduardo começa a chorar, ela
devolve o livro a ele.
Educadora Laís: _ Um tubarãooo! Onde que o tubarão mora? Lá na água, no mar! Aí o tubarão respondeu, irei sim, se você convidar...
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Vira a página e apontando para a cobra que é a personagem que aparece em seguida, pergunta às crianças:
Educadora Laís: _ Quem é essa aqui? Quem faz assim ô? [gesto fazendo um movimento com a mão e o braço em ondas e assoprando] Que
rasteja pelo chão? Quem é Tiago?
Quando ela pergunta para Tiago ele coloca o dedo sobre a imagem da cobra e balança o corpo em gesto que parece que vai dar pulinhos,
mas não responde, apenas fica olhando e mexendo o corpo atentamente. Laís mostra para Lara e pergunta:
Educadora Laís: _ Quem é Lara?
Ela olha e diz que é o dragão. Laís então responde:
Educadora Laís: _ Não essa é a coobra! Olha a cobra Tarcila!
Tarcila: _ Ea vai comê! [ela vai comer]
Bruna faz gestos com a mão como se estivesse com medo ou se divertindo com a descoberta de ser aquele personagem uma cobra.
Educadora Laís: _ Aí a cobra respondeu! Eu irei sim, se você convidar...
Lara com o fantoche na mão interrompe e diz a Laís que a roupinha do fantoche saiu. Laís pergunta se ela tirou a blusa do fantoche e continua
a história tendo que voltar e retomar:
Educadora Laís: _ Aí o ... o... [volta a página] o tubarão falou que só vai se chamar a cobra. E a cobra? Quem será que ela vai chamar para a
festa da bruxa?
Quando Laís pergunta isso, Sophia entende que chamar a cobra seria chamá-la mesmo. Por isso ela chama bem alto:
Sophia: _ Cobaaa! [cobraaa]
A história continua ... como a pesquisadora estava com uma criança no colo, o Benjamin, houve um momento em que teve que trocar a
filmadora de mão. Laís passa a página e pergunta às crianças:
Educadora Laís: _ Quem que é esse aqui? É um macaco? Aí ... A cobra só vai na festa da bruxa, se chamar o macaco!
Sophia: _ O macaco já foi!
As crianças continuam todas no tapete, ouve-se o choro do bebê Arthur.
Professora Edilene: _ Olha lá que macaco esquisito! Olha lá! Olha lá!
Educadora Laís: _ E o macaco? Olha aqui o olho dele! Aí quem será que o macaco vai chamar pra festa da bruxa?
Lara responde pegando um fantoche entre os outros fantoches que estão por perto. Ela diz erguendo o fantoche da bruxinha. Ela esteve com o
fantoche da bruxinha desde o início da história, mas já havia pegado outros:
Lara: _ Esse aqui ô!
Educadora Laís: _ Essa é a bruxa! Quem que ela vai chamar pra festa? [vira a página e mostra a imagem do lobo, continua] Quem que é
esse aqui?
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Algumas crianças expressam balbucios (não dá pra identificar as palavras que estão dizendo), mas é possível perceber que estão
respondendo à pergunta de Laís. No vídeo ainda aparecem Sophia, Tarcila, Bruna e Lara em volta da história com os fantoches na mão. Julia
com um livro brincando na almofada e Tiago de pé olhando para o livro. Uma criança responde:
Lara: _ o cachooo! [o cachorro]
Educadora Laís: _ O lobo mauuu!!
Ouve-se uma voz de bebê que diz:
Criança: _ O ma mau!!
Bruna: _ o obo da apeuzinho vemeo...[inaudível] [O lobo da chapeuzinho vermelho...]
Educadora Laís: _ O lobo mauuu Lá da chapeuzinho vermelho!
No vídeo é possível ver Dénick pegando fantoches e caminhando pela sala, Isadora interagindo com um folheto de um livro, Eduardo
guardando um livro no carrinho da biblioteca móvel. Julia caminhando pela sala com uma almofada e um fantoche na mão.
Educadora Laís: _ Aí o lobo ... Quem será que o lobo vai chamar? Quem será?
A educadora pergunta antes de virar a página e aguarda olhando em direção à Bruna que está muito atenta à história. Bruna responde:
Bruna: _ o apeuzinho vemeo! [o chapeuzinho vermelho]
Educadora Laís: _ A chapeuzinho vermelho será que é Bruna?
Bruna: _ va vê a apeuzinho vemeo! [vamos ver a chapeuzinho vermelho]
Bruna balança a cabeça em sinal afirmativo e estica o bracinho na intenção de virar logo a página e descobrir. Tiago também está muito
interessado em descobrir quem será o convidado do lobo. Estica o bracinho para colocar o dedo na imagem.
Educadora Laís: _ Vamos ver?
Laís vira a página, faz novamente a pergunta e Bruna responde:
Educadora Laís: _ Ô! Quem que ele chamou ô?
Tiago que estava muito atento até se levanta para ver melhor. Bruna percebe que tinha razão. Fica olhando atentamente a página observando
os detalhes da imagem e responde.
Bruna: _ a apeuzinho vemeo! [ A chapeuzinho Vermelho!!]
Ouve-se ao fundo a voz da Professora Edilene batendo palmas e vibrando por Bruna ter acertado.
Professora Edilene: _ Acertou Bruna!
Educadora Laís: _ É! A chapeuzinho Vermelho!
Ela diz levantando mais o livro.
Educadora Laís: _ Olha a carinha dela! Será que ela tá com medo de ir à casa da bruxa?
Bruna responde balançando a cabeça em resposta negativa.
Bruna: _ Não!
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Educadora Laís: _ Tá não né? A bruxa é boazinha!
Bruna responde a essa pergunta, com gestos afirmativos e apontando algo no livro. Fala algumas palavras que não é possível entender no
áudio. Laís confirma o que Bruna afirmou e continua contando a história. João Maciel está de pé próximo aos livros, Isadora está deitada sobre
o tapete, Dénick de pé próximo ao carrinho de livros.
Educadora Laís: _ Eu irei sim na sua festa, mas só se você convidar...
Professora Edilene: _ Olha lá! Quem convidou?
Nesta cena Lara vira-se mostrando para a pesquisadora um fantoche na mão. Ela estava respondendo a pergunta da Educadora Laís
mostrando o fantoche que iria à festa da bruxa. Laís vira a página mostrando a imagem seguinte do livro. Lara cutuca a Educadora Laís no
braço mostrando o fantoche que iria na festa da bruxa.
Lara: Ô!
Educadora Laís: _ Crianças! Crianças! Venham à minha festa!
Professora Edilene: _ Olha lá! Bruna quem ela convidou! Todo mundo!!
Educadora Laís: _ Aí ela chamou todo mundo para ir na festa da bruxa! Vamos por ô.
Laís diz isso já pegando os fantoches para colocar nas mãos das crianças. As crianças vão participando olhando os fantoches e colocando nas
mãozinhas.
Bruna: _ Aqui o gatinho! - Diz passando o dedo na imagem do gatinho no livro.
Educadora Laís: _ É! O gatinho foi na festa da bruxa! O... quem que é esse aqui? O cachorrinho foi na festa da bruxa!
Coloca o fantoche do cachorrinho na mão de Tiago. De porquinho na mão da Sophia.
Educadora Laís: _ É! O porquinho foi na festa da bruxa! O palhaço! Cadê a roupa desse? Aqui o palhaço! Aqui Tarcila! Vamos levar o palhaço
na festa da bruxa!
Laís vai colocando os fantoches nas mãozinhas das crianças e elas começam a brincar com eles. Lara diz alguma coisa sobre o fantoche que
está na sua mão, mas não é possível compreender.
Educadora Laís: _ Quem que é esse aqui? O cachorrinho! O cachorrinho foi na festa da bruxa.
Laís coloca o cachorrinho na mão de Tiago. Algumas crianças se movimentam pela sala. A educadora Andreia pergunta para João Maciel,
fazendo gesto com a mão como quem não sabia onde estava a bruxa:
Educadora Andreia: _ Cadê a bruuxa?
João Maciel faz gestos com a mãozinha parecidos com os da educadora Andreia, como se não soubesse.
Uma criança, que não é possível identificar quem é diz:
Criança: _ A mamãe!
Laís responde:
Educadora Laís: _ Isso, a mamãe foi na festa da bruxa! Vamos dar pro Pietro aqui?
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Laís já se levanta e leva um fantoche dizendo:
Educadora Laís: _ A boneca vai na festa da bruxa Pietro? Vai?
Bruna se aproxima de Pietro com seu fantoche na mão. A professora Edilene pede que Isadora, que estava com um livro na mão, guarde o
livro e vá pegar um fantoche. Laís pega o fantoche da bruxa e coloca na mão de João Maciel e o ensina a interagir com o fantoche. Criando
uma situação de interação entre o bebê João e o fantoche da bruxa, Laís ensina João a brincar com o fantoche, inclusive imitando uma risada
de bruxa ao que João Maciel responde com um sorriso.
Educadora Laís: _ Olha a bruxa! Que legal!
João Maciel sorri. Laís pega outro fantoche e diz:
Educadora Laís: _ Cadê? Cadê o vovô! Vamos por na mão do João Miguel? Vamos por na mão do João Miguel?
João Miguel, entretanto afasta a mãozinha, parecendo ter medo do fantoche. Laís coloca o fantoche em sua própria mão para que João veja
como se brinca. Ela coloca o fantoche na mão e diz:
Educadora Laís: _ Assim ô! Hô hô hô Hô hô hô!
João Miguel sorri e permite que ela coloque o fantoche em sua mão. Assim que Laís sai para colocar o fantoche na mão de outra criança, a
educadora Andreia que está do lado de João Miguel e junto com o bebê Arthur, provoca uma interação entre as duas crianças com o fantoche
na mão de João Miguel. Ela pega na mão de João e brinca com Arthur fazendo com que as duas crianças interajam entre si e também com o
personagem fantoche. Segurando a mão de João ela provoca o jogo. Em seguida, encoraja João Miguel a continuar a brincadeira com Athur
Marques. A partir desta cena, as crianças já estão totalmente envolvidas com os livros de histórias trazidos na biblioteca móvel. Cada criança
escolheu um livro e ensaia modos de leitura. Todas as pessoas adultas acompanham o movimento das crianças, lendo com elas, encorajando
a passagem das páginas. E a cena se segue por muito tempo por meio da exploração, disputas e troca de livros entre as crianças
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ANEXO IX LIVRO “MUITOS ANIMAIS”
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