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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO NÚBIA SILVIA GUIMARÃES O TRABALHO COM LITERATURA E O DESENVOLVIMENTO CULTURAL DE ADULTOS E CRIANÇAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL CAMPINAS 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

NÚBIA SILVIA GUIMARÃES

O TRABALHO COM LITERATURA E O DESENVOLVIMENTO CULTURAL

DE ADULTOS E CRIANÇAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

CAMPINAS

2017

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NÚBIA SILVIA GUIMARÃES

O TRABALHO COM LITERATURA E O DESENVOLVIMENTO CULTURAL

DE ADULTOS E CRIANÇAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL.

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Educação, na área de concentração Educação.

Supervisor/Orientador: Profª Drª Ana Luíza Bustamante Smolka O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA NÚBIA SILVIA GUIMARÃES E ORIENTADA PELA PROFª DRª ANA LUÍZA BUSTAMANTE SMOLKA.

CAMPINAS

2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

O TRABALHO COM LITERATURA E O DESENVOLVIMENTO CULTURAL DE ADULTOS E CRIANÇAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL.

Autora: NÚBIA SILVIA GUIMARÀES

A ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros da Comissão Examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica da aluna.

2017

COMISSÃO JULGADORA:

Prof.ª Dr.ª Ana Luíza Bustamante Smolka Prof.ª Dr.ª Patrícia Corsino Prof.ª Dr.ª Myrtes Dias da Cunha Prof.ª Dr.ª Maria Nazaré da Cruz Prof.ª Dr.ª Gabriela Guarnieri De Campos Tebet

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AGRADECER

Gesto tão simples e tão difícil ... (Trans)formar ... Constituir-se...

Apropriar-se...

A constituição se faz também neste momento de elaboração.

Portanto, é essencial registrar as emoções, as sensações, as vivências

traduzidas nas minhas palavras ... Muito obrigada...

À querida Ana, meu sincero agradecimento, por acolher-me neste

grupo de pesquisa de forma tão calorosa, por afetar-me com seu encantamento

e sensibilidade com as questões teóricas, mas, também, pela emoção com que

compreende o espaço e as relações na escola... Grande parceira, conduziu-

me sabiamente nas escolhas certas, desafiando-me diante das tantas

possibilidades de realização deste trabalho! Muito obrigada! Foi uma grande

honra (con)viver com você nestes anos!

À professora Luci Banks Leite, pelo carinho e acolhida generosa

desde a entrevista de seleção e pelos anos que se seguiram! Obrigada por

compartilhar comigo seu saber sempre com sorrisos e abraços afetuosos.

Às professoras Ana Lúcia Horta Nogueira e Lavínia Magiolino, pelas

preciosas considerações nas discussões no grupo de pesquisa. Suas

contribuições também foram fundamentais para a condução e finalização da

pesquisa.

Aos queridos amigos e amigas do GPPL, pelas discussões férteis e

inspiradoras de todos os encontros: à Bia, à Mozilene, à Ermelinda, à Heloíza,

ao Edu, à Ana Flávia, à Maria de Fátima, à Mariana, à Gisele, à Dani Donadon,

à Matilde, à Adriana, à Juliana, à Ana Stela, à Maria Paulínia, à Lila, à Lívia.

Vocês foram essenciais em todos os momentos vividos na Unicamp. Dentre as

amigas e amigos deste grupo, agradeço, especialmente, à Débora pela

disponibilidade tanto para as discussões teóricas quanto para as acolhidas

generosas; à Dani Pampanini, por estar sempre por perto em todos os

momentos; à Dalvane, pela tranquilidade que sempre acalma; à Ana Paula,

querida, por tudo que vivemos juntas; e ao Lauro, pelas lindas poesias que

enchem o coração de alegria e afeto. Levarei comigo o que aprendi com vocês

por toda a vida!

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Às professoras Myrtes Dias da Cunha, Patrícia Corsino, Gabriela

Tebet, pelas valiosas sugestões na banca de qualificação e por aceitarem

participar de mais esta etapa na banca de defesa. Os diferentes olhares

cuidadosos para o meu trabalho enriqueceram a sua finalização.

Aos meus pais, Cristóvão e Maria das Dores, por me encherem de

amor, especialmente neste período tão especial da minha vida, e

compreenderem sempre com respeito as minhas ausências tão constantes.

Às minhas filhas, Ana Victória e Luíza, por sempre viverem com

maturidade essa fase da nossa vida, suportando com muito respeito minhas

constantes ausências e por sempre me fortalecerem com seus cuidados

amorosos.

Aos meus irmãos, José, Dani e Flávio, pelo amor e carinho que

sempre tiveram comigo e, especialmente, ao Flávio, que me apoiou em todo

esse tempo, ajudando na rotina diária para que tudo corresse bem.

À minha tia Maria Madalena, com quem, mais uma vez, pude contar

para a realização deste trabalho.

Às profissionais Laís e Lucássia, que aceitaram o desafio em

participar da pesquisa, dedicaram tempo e abriram-se para explorarmos juntas

um campo de possibilidades, assumindo comigo a identidade deste trabalho.

Às crianças do berçário e GI da EMEI Pampulha e às crianças do G

III “E” da EMEI Tibery (Anexo) – e suas famílias por autorizarem a participação

na pesquisa. Seus olhares, modos e gestos de se envolver com/na literatura

estabeleceram conosco uma relação de muito encantamento.

Aos meus colegas de trabalho da Escola de Educação Básica da

Universidade Federal de Uberlândia, especialmente da Educação Infantil, por

concederem a licença capacitação tão necessária para a realização desta

pesquisa. Agradeço, especialmente, minha amiga Luciana Muniz, companheira

que muito me inspirou e colaborou na fase inicial desta trajetória.

Agradeço imensamente ao meu amigo Tiago pelas fortes reflexões

deste tempo e pelo carinho que alimenta e afeta. E às minhas queridas amigas

Letícia e Cleris por cuidarem de mim com amor, me acolherem em cada fase

desta caminhada, especialmente me fortalecendo e encorajando nos

momentos de cansaço. A cada um e a cada uma que esteve comigo nesta

trajetória tão especial e importante da minha vida! Muito obrigada!

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“Sou feita de retalhos. Pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela

minha e que vou costurando na alma. Nem sempre bonitos, nem sempre

felizes, mas me acrescentam e me fazem ser quem eu sou.

Em cada encontro, em cada contato, vou ficando maior... Em cada retalho, uma

vida, uma lição, um carinho, uma saudade... que me tornam mais pessoa, mais

humano, mais completo.

E penso que é assim mesmo que a vida se faz: de pedaços de outras gentes

que vão se tornando parte da gente também. E a melhor parte é que nunca

estaremos prontos, finalizados... haverá sempre um retalho novo para adicionar

à alma.

Portanto, obrigado a cada um de vocês, que fazem parte da minha vida e que

me permitem engrandecer minha história com os retalhos deixados em mim.

Que eu também possa deixar pedacinhos de mim pelos caminhos e que eles

possam ser parte das suas histórias.

E que assim, de retalho em retalho, possamos nos tornar, um dia, um imenso

bordado de 'nós'.”

Cora Coralina

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RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo problematizar e investigar as possibilidades de trabalho pedagógico com a literatura no âmbito da Educação Infantil. Assumindo os pressupostos de uma perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento humano, e com base, principalmente, nas contribuições de Vigotski (conceitos de desenvolvimento cultural, significação, vivência, novas formações) e Bakhtin (conceitos de alteridade, dialogia, polifonia, exotopia), buscamos investigar os processos constitutivos do desenvolvimento cultural de adultos e crianças em sua inter-relação com o texto literário. O trabalho empírico envolveu a participação da pesquisadora no processo formativo de duas professoras em atuação em uma rede municipal de ensino no estado de Minas Gerais, assim como a (con)vivência da pesquisadora com as referidas professoras e crianças - uma turma de Agrupamento 1, com crianças de 1 e 2 anos; e outra turma de Agrupamento 3, com crianças de 4 e 5 anos - em duas creches públicas. Compartilhando com a pesquisadora o planejamento das atividades diárias, aprofundando o estudo teórico sobre linguagem e desenvolvimento humano, e analisando em conjunto o desenrolar do trabalho realizado, as professoras puderam objetivar o seu fazer cotidiano. O processo de formação articulado às formas de atuação pedagógica constitui-se em um foco relevante da pesquisa, enquanto as análises interpretativas das situações vivenciadas, baseadas na leitura de indícios (Ginzburg), iluminam e dão visibilidade aos gestos mínimos constitutivos do desenvolvimento cultural de professoras e crianças na vivência com a arte literária. Foi possível apreender o trabalho com a literatura na dimensão da arte e da atividade estética, explicitando o potencial criador e (trans)formador desta atividade no desenvolvimento humano. Palavras-chave: Educação Infantil. Desenvolvimento Humano. Literatura. Formação docente. Prática pedagógica.

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ABSTRACT

This thesis aims to discuss and to research the possibilities of pedagogical work with literature in th realm of Early Childhood Education. According to the Historical-Cultural approach on the human development, and underpinned by Vigotski‟s contributions (concepts of cultural development, signification, experience, new formations) and Bakhtin (concepts of alterity, dialogism, polyphony, exotopia), we have researched the constitutive process of the cultural development of adults and children in their interrelation with the literary text. The empirical work involved the researcher participation in the formative process of two teachers in a municipal education system in the Minas Gerais state, as well the experience/living of the researcher with the mentioned teachers and children – a group of Agrupamento 1, with 1-2 years-old children, and another group, called Agrupamento 3, with 4-5 years-old children – in two public kindergartens. The teachers got to establish goals and make their routine by sharing with the researcher the planning of the daily activities, deepening the theoretical study about language and human development, and analyzing, together, the work that was made. The fomative process, combined with the pedagogical acting ways, is a relevant focus in this research, and the interpretative analyzis of the experienced situations, based on the reading of indications (Ginzburg), emphasizes and gives notoriety to the minimum constitutive gestures of the cultural development of the teachers and the children during the experience/living in the literary art. Thus, it was possible to apprehend the work with literature in the art and the aesthetic dimensions, explaining the creative and (trans)formative potential of this activity in the human development.

Keywords: Early Childhood Education. Human Development. Literature. Teachers‟ Formation. Teaching Practice.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES Imagem 01 – Capa do livro “O grande rabanete”.................................... 75

Imagem 02 – Capa do livro “Bruxa, Bruxa, venha à minha festa”........... 76

Imagem 03 – Criação de um diálogo – Lara, Bruxinha e o Espantalho 123

Imagem 04 – Participação marcada pelos/nos gestos............................ 124

Imagem 05 – Um convite à educadora.................................................... 125

Imagem 06 – Personagem Cobra - A imagem que provoca.................... 126

Imagem 07 – Crianças e o Lobo Mau...................................................... 129

Imagem 08 – A virada de página............................................................. 130

Imagem 09 – Hipótese confirmada – Chapeuzinho Vermelho................ 131

Imagem 10 – Como brincar com um fantoche 1 – o gesto do adulto...... 134

Imagem 11 – Como brincar com um fantoche 2 - aceite da criança....... 134

Imagem 12 – Como brincar com um fantoche 3 – o fazer junto.............. 135

Imagem 13 – Como brincar com um fantoche 4 – apropriação............... 136

Imagem 14 – Gesto que convoca............................................................ 145

Imagem 15 – Um convite à dramatização................................................ 147

Imagem 16 – História dramatizada.......................................................... 150

Imagem 17 – Capa do livro Muitos Animais............................................. 157

Imagem 18 – Ficha Catalográfica............................................................ 174

Imagem 19 – Dedicatória......................................................................... 175

Imagem 20 – Uma floresta....................................................................... 176

Imagem 21 – Animais.............................................................................. 177

Imagem 22 – Simba, o Leão.................................................................... 177

Imagem 23 – A casinha dos animais....................................................... 178

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LISTA DE QUADROS Quadro 01 – Grupo GIII E – Prof.ª Lucássia – Escola Municipal do Bairro Tibery – Ano 2015.......................................................................................

59

Quadro 02 – Turma Agrupamento Berçário Prof.ª Laís – Escola de Educação Infantil do Bairro Pampulha – Ano 2015.....................................

65

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SUMÁRIO

1 MARCAS DE UM PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO CULTURAL: A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA..................

14

1.1 A literatura no contexto da Educação Infantil: referenciais, diretrizes, PPPs das escolas/municípios e os projetos das escolas...

30

2 O MOVIMENTO DIALÉTICO DA PESQUISA: (RE)CONSTRUINDO OS CAMINHOS METODOLÓGICOS.........................................................

44

2.1 Um Curso de Especialização: encontros e desejos........................ 47

2.1.1 Das experiências no/com o curso: as professoras como pesquisadoras colaboradoras na pesquisa................................................

54

2.1.2 Os encontros....................................................................................... 55

2.1.3 Lucássia sua escola e as crianças do G III “E”................................... 57

2.1.4 A Escola Municipal de Educação Infantil do Bairro Tibery................. 60

2.1.5 Laís, sua escola e as crianças do berçário e GI................................. 63

2.1.6 A Escola Municipal de Educação Infantil do Bairro Pampulha........... 66

2.2 Projetos de Literatura desenvolvidos nas duas escolas: emergência de possibilidades.................................................................

69

2.3 Os objetos de estudo das profissionais: o encontro com a pesquisadora e o encanto com as crianças...........................................

71

3 DESENVOLVIMENTO CULTURAL NA OBRA DE VIGOTSKY: INTER-RELAÇÕES COM A ARTE LITERÁRIA.....................................................

79

3.1 Anotações sobre o Desenvolvimento Cultural................................ 84

3.2 O problema do meio e o conceito de vivência................................. 89

3.3 As novas formações no processo de desenvolvimento................. 94

3.4 Interfaces do Desenvolvimento com a Literatura Infantil: possibilidades da arte literária................................................................

101

4 A LITERATURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: MODOS DE PARTICIPAÇÃO DE ADULTOS E CRIANÇAS.........................................

113

4.1 Bruxa, Bruxa! Venha à minha festa: o convite à participação das crianças.....................................................................................................

115

4.2 “O grande rabanete”: relações dialéticas nos modos de participação da professora e das crianças............................................

139

4.2.1 Relações estabelecidas: modos de atuação desencadeados............ 141

4.2.2 “Eu sou o ratinho”: desejos e identificações com a história e com personagens................................................................................................

144

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4.2.3 Ler, contar, dramatizar: modos distintos coadunam-se em uma história encantada.......................................................................................

149

4.3 “Muitos Animais”: a produção de um conto com as crianças .....................................................................................................................

153

4.3.1 Linguagem dialógica: explicitando um processo mediado................. 161

4.3.2 A experiência e o processo criativo: elementos da realidade............. 170

4.3.3 A composição da ilustração: criações singulares............................... 172

4.4 Distanciar-se, (re)construir-se: retomando algumas questões do processo formativo....................................................................................

179

4.4.1 Laís e arte literária: reflexões e desejos ampliados............................ 180

4.4.2 Lucássia e a arte literária: a linguagem em ação e constituição em sala de aula..................................................................................................

185

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PESQUISA E O TRABALHO COM A LITERATURA: MARCAS DO PROCESSO VIVIDO ..................................

189

REFERÊNCIAS........................................................................................... 195

ANEXO I – CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL – PANORAMA GERAL DO CURSO....................

203

ANEXO II – MAPAS BAIRROS – PAMPULHA E TIBERY......................... 204

ANEXO III – MAPA EMEI TIBERY – SEDE E ANEXO............................... 205

ANEXO IV – DESCRIÇÃO DOS TRABALHOS PRODUZIDOS PELAS PROFISSIONAIS.........................................................................................

206

ANEXO V – EPISÓDIOS GRAVADOS NA ESCOLA EMEI TIBERY/PROFESSORA LUCÁSSIA..........................................................

212

ANEXO VI – EPISÓDIO GRAVADO NA ESCOLA EMEI TIBERY............. 218

ANEXO VII – EPISÓDIOS GRAVADOS NA ESCOLA EMEI PAMPULHA – Turma Berçário e GI – Educadora Laís.................................................

231

ANEXO VIII – EPISÓDIO GRAVADO NA ESCOLA EMEI PAMPULHA.... 238

ANEXO IX – LIVRO “MUITOS ANIMAIS”.................................................. 253

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1 MARCAS DE UM PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO CULTURAL: A

CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA

Arte e vida não são a mesma coisa, mas devem tornar-se algo singular em mim, na unidade da minha responsabilidade (BAKHTIN, 2011, XXXIV).

Em minha experiência de quase vinte anos no espaço escolar,

venho me deparando, encantando-me, e, também, às vezes, indignando-me

com diversas formas de organização do ensino concretizadas no trabalho

pedagógico das escolas. No momento de minha opção pela profissão de

professora, fui tomada por um sentimento de encantamento com as

possibilidades de atuação desse profissional frente às crianças, naquele

momento, principalmente em relação à aquisição da leitura e da escrita.

Entretanto, no decorrer de meu processo formativo, tanto na graduação, quanto

no mestrado, em que estive nas escolas acompanhando seu cotidiano, fui

percebendo as dificuldades encontradas nos espaços escolares no tocante ao

trabalho pedagógico e, consequentemente, à aprendizagem das crianças.

As salas de aula e as escolas nas quais fui me formando professora

estavam aquém de serem consideradas espaços atraentes que conquistavam

as crianças, provocando nelas o desejo de estarem ali. Ademais, estavam

distantes de exercerem um papel que realmente fizesse sentido na vida das

crianças.

Muitos questionamentos acompanhavam-me e faziam-me refletir

sobre o papel que a escola deveria desempenhar na vida dos pequenos. Para

mim, a escola não pode ser apenas um lugar onde as crianças possam passar

o tempo. Por ser um lugar legitimado socialmente para atender crianças e

jovens, precisa estar ciente de sua tarefa e aproveitar melhor a oportunidade

de desenvolvê-las de forma integral, tal como versam os Projetos Políticos

Pedagógicos, as Propostas Curriculares e as Diretrizes para o ensino. Ao longo

de minha experiência no espaço escolar, perguntava-me, a partir das propostas

com as quais me deparava, o que, de fato, significava proporcionar o

desenvolvimento integral das crianças e como elas percebiam esse lugar.

Sentiam-se partícipes do processo educativo, ou apenas recebiam os

“conteúdos” que estavam listados no currículo?

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A realidade mostrava-me que as crianças estavam na escola, isso

era fato. Mas me chamava a atenção a forma como se estabeleciam as

relações de ensino e aprendizagem e, ainda, o modo como os conhecimentos

eram abordados por adultos e crianças. Por meio das e nas leituras,

discussões e inquietações que já trazia, comecei a questionar-me sobre a

forma como o sujeito (trans)forma-se nas relações que estabelece com o outro,

e, mais tarde, com e na leitura. Os diálogos estabelecidos com as obras e

autores lidos foram sendo (trans)formados e (trans)formando meu jeito de

compreender o mundo e as pessoas.

Os contatos com textos que buscavam explicar as relações e

interações do desenvolvimento humano, principalmente os trabalhos de

Vigotski (1896-1934)1, faziam muito sentido para mim, a ponto de despertar

questionamentos que foram me conduzindo em minha formação acadêmica e

profissional. Os primeiros deles levaram a uma pesquisa de graduação que se

desdobrou na pesquisa de mestrado.

Perguntava-me, a partir das interlocuções que estabelecia com as

leituras que ia fazendo: até que ponto as crianças são objetos de

disciplinarização pela escola e pelos professores? Como as vozes das crianças

poderiam ser ouvidas de forma a contribuir em sua aprendizagem e

desenvolvimento? De que forma seria possível dar voz às crianças na escola e

no conhecimento ali difundido e compartilhado? Como se aprende dentro da

escola com relações tão autoritárias? Qual é o vínculo estabelecido entre os/as

professores/as e suas crianças e como essa relação interfere na

aprendizagem?

Ao ingressar no curso de Pedagogia, já passava por uma

experiência profissional em uma escola pública do município de

Uberlândia/MG, como funcionária da secretaria. Por se tratar de uma escola

pequena, muitas vezes, chegavam até mim queixas dos docentes sobre as

crianças, tanto nos aspectos da aprendizagem, quanto do comportamento. Via,

frequentemente, nessas queixas, mesmo sendo aluna iniciante da graduação,

um tratamento que tornava as crianças “invisíveis”. Elas tinham sob sua

responsabilidade atender às expectativas produzidas pelas/os professoras/es

1 Nesta tese, iremos utilizar a grafia “Vigotski” quando nos referirmos ao autor diretamente,

respeitando as outras grafias de acordo com as obras citadas e as referências utilizadas.

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acerca da forma de ensinar e aprender. As queixas “eles conversam demais”

eram constantes, e eu me perguntava: como podem aprender sem dialogar uns

com os outros e até mesmo com a professora?

Vinham à tona lembranças de minha experiência como aluna de

escola primária. A forma de tratamento recebida, a rigidez, a invisibilidade que

sentia estando entre quase trintas pessoas. Estranha sensação! Aprender com

o outro, mas sozinho?! Inquietações que me faziam dialogar com as leituras

empreendidas no curso de graduação. O encontro com dois grandes autores

marcou muito minha formação.

O sujeito “assujeitado”, vigiado, produzido no “panóptico” das

“escolas prisões”, que não conseguem fugir ao que o sistema coloca para ser

ensinado e aprendido, conhecido em algumas leituras iniciais de Michel

Foucault, incomodava-me. Recusava-me a aceitar que estava me formando

professora para ser (re)produzida e (re)produzir sujeitos dentro de um sistema

já organizado para isso. Tinha de haver uma saída, eu não poderia fazer parte

desse processo de alienação e subjugação dos sujeitos, crianças com as quais

me iria defrontar em breve. Muitos diálogos, reflexões, estudos e contrapontos

sobre esse mesmo sujeito foram possíveis nas leituras do próprio Foucault

(1989, 1996) e, também, em Certeau (1994).

Durante minha pesquisa de mestrado2, em que busquei investigar a

constituição da relação professor-criança e as implicações dessa relação na

constituição dos sujeitos, principalmente frente ao comportamento disciplinado

ou indisciplinado, tive contato com “práticas educativas” que se justificavam e

iam se tornando “normatizadas” no contexto da escola e da sala de aula. Eram

práticas que me causaram espanto e despertaram tantas outras reflexões.

Dentre as formas de a professora manter a “ordem” na sala de aula ao

estabelecer regras de comportamento, bem como as formas construídas de

punições para aquelas crianças que saíam do padrão de comportamento

estabelecido, em meio às estratégias e táticas3 construídas na convivência no

cotidiano escolar, o “castigo” de levar a criança para fazer cópias de páginas de

2 PAIVA, N. S. G. A (In) Disciplina na Escola e o processo de constituição de sujeitos no

cotidiano da sala de aula. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2005. Sob a orientação da Prof.ª Titular Drª Myrtes Dias da Cunha. 3 Conceitos desenvolvidos pelo historiador Michel de Certeau na obra “A Invenção do

Cotidiano: artes de fazer. 1994”, e que foram fundamentais na análise das ações dos sujeitos em minha pesquisa de mestrado.

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livros didáticos na biblioteca foi a que mais me causou espanto e despertou

tantos outros questionamentos.

Como podemos tornar a leitura atraente para as crianças se as

educamos por meio de castigo por “mau comportamento”? De que forma

despertar o interesse das crianças pela leitura se utilizamos os livros com tal

finalidade? Como aproximar as crianças do espaço da biblioteca escolar, que

poderia ser considerado um aliado complementar da sala de aula, se elas são

levadas para lá para serem punidas? Como a proposta de promover o

desenvolvimento dessas crianças no que se refere à aprendizagem pode ser

efetivada diante de ações como essas? Como tornar o espaço escolar atraente

para as crianças? Nasciam, ali, indagações que me acompanhariam em meu

desenvolvimento profissional e teriam um papel decisivo em meus modos de

me tornar professora.

Finalizei o mestrado e, diante de tantas contradições e

questionamentos, formei-me professora. E agora? Conseguiria desenvolver

uma prática diferente daquelas que julgava “inadequadas”?

Iniciei minha atuação profissional na Educação Infantil em uma

Escola de Educação Básica4 vinculada a uma Universidade Federal da minha

cidade com uma turma de crianças de cinco anos5. Ao longo de minha

formação e desde que iniciei minha carreira profissional, ancorada em

referenciais teóricos que colocavam a criança como um sujeito ativo diante do

conhecimento que precisa construir e que aprende por meio das relações e

(inter)ações que são ali estabelecidas, enxerguei e busquei possibilidades de

atuação que pudessem transformar o espaço escolar em um lugar atraente e

instigante. Uma situação que provocasse nas crianças o desejo de estarem ali,

que as levassem a se sentir parte e corresponsáveis pelas atividades

desenvolvidas e que despertassem o interesse pelos processos pedagógicos

ali vivenciados, tentando construir, para mim, um sentido de ser professora que

ultrapassasse as experiências anteriores já vividas.

4 Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia. Cargo de Professora do

Ensino Básico Técnico e Tecnológico. Iniciei minha carreira como professora nessa escola no ano de 2005. 5 A Educação Infantil na Escola de Educação Básica/Universidade Federal de Uberlândia é

composta por primeiro período (crianças de 3,5 a 4 anos) e segundo período (crianças de 5 anos).

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Minha forma de olhar para as crianças com as quais eu estava

atuando fazia-me enxergá-las como sujeitos dotados de expectativas, de

histórias e de formas de compreender o mundo também importantes para as

relações pedagógicas. Desse modo, meu trabalho atrelado à proposta

pedagógica da escola trazia para a sala de aula o encantamento, meu e das

crianças, por aquilo que ali construíamos; colocava-me diante delas como

alguém que também aprendia, alguém que descobria junto com elas os

conhecimentos presentes na proposta curricular. Fazíamos, juntas, o nosso dia

a dia.

Por meio de canções, peças teatrais, projetos de pesquisa,

brincadeiras e jogos, íamos para a escola para vivenciar todas as

possibilidades de descobertas. Preparar a terra, plantar e acompanhar o

crescimento de pés de girassol, feijão, cenoura, estabelecendo as relações

entre as formas de vida e de seu desenvolvimento, bem como suas

características, como altura, formas e cores, registrando tudo isso por meio de

observações sistemáticas em diários de campo. Eram ações condizentes com

a minha forma de conceber o ensino e minha relação com as crianças.

Fazer experiências simulando voos, visitar museus, bibliotecas,

zoológicos, aquários, acompanhar o desenvolvimento de uma lagarta em sala

de aula em todas as suas fases, assistir a filmes e documentários, construir

brinquedos e jogos eram atividades que faziam parte da nossa rotina.

Carregava comigo uma preocupação e uma convicção: a escola pode e precisa

ser atraente para as crianças.

Dentre todas as atividades que marcavam o meu trabalho, a

literatura era algo diário e permanente e colocava-me diante de um

encantamento que me chamava a atenção pela forma como as crianças

recebiam tal momento. Em um ano escolar específico (2010), trabalhei com

uma turma de crianças de cinco anos – segundo período – e fui surpreendida

após contar uma história e dialogar com as crianças sobre esse momento, com

o convite delas para que produzíssemos um teatro.

Eu, prontamente aceitando o convite, oportunizei que as crianças

dessem uma direção ao nosso trabalho. Minha função foi organizar o processo,

auxiliando nas escolhas de personagens, nos momentos de ensaios, nos

materiais de construção de cenários, nos registros diversos explorando o

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desenho, a escrita, as artes visuais, o contato com outras versões da história,

dentre outras. Para minha surpresa, seguiram-se três meses de trabalho com

desdobramentos em várias atividades, a maioria delas sugeridas pelas

crianças.

Em momentos livres ou dirigidos, a repercussão do teatro aparecia.

Dentre os elementos imaginativos e criativos que surgiram no grupo, estavam a

organização do cenário, do próprio local onde se dariam os ensaios, a

produção de convites e ingressos a serem distribuídos para os convidados a

assistirem à peça. A escrita de nomes dos personagens nas cadeiras,

identificando-as, cartazes, textos, enfim, ocorreu um movimento que me

surpreendeu e provocou-me.

Muitas questões acompanhavam-me durante o processo. Como uma

história pode desencadear tantos desdobramentos em um grupo de crianças?

Quais processos de desenvolvimento estavam sendo desencadeados nos

momentos de criação? O encantamento pela história e por sua encenação

vinha de onde? O que o provocava?

Vivemos intensamente esse processo, entretanto, se não consegui

aprofundar essas questões que me inquietavam naquele momento, elas

despertaram em mim uma atenção especial para a inter-relação entre a

literatura infantil, o trabalho pedagógico na escola e o desenvolvimento das

crianças. A partir desse ano, comecei a prestar mais atenção nos momentos de

“Contação de Histórias”6 e a envolver-me mais em projetos e trabalhos com a

linguagem literária.

A escola em que trabalho possui uma característica diferenciada por

se tratar de um colégio de aplicação7, bem como pelas atribuições do cargo

aos docentes. A atuação da escola no tripé ensino, pesquisa e extensão foi um

diferencial para minha atuação, uma vez que coloca para todos a

responsabilidade em pensar os projetos, o currículo, os espaços e, também,

6 O Projeto Contação de Histórias faz parte do currículo da Educação Infantil da Escola de

Educação Básica da Universidade Federal em questão e passa por todas as turmas. Acontece semanalmente e consiste em contar diferentes histórias para as crianças de modos diversos. 7 Colégios de Aplicação são escolas de Educação Básica vinculadas a Universidades

Brasileiras. São escolas públicas que contam com um diferencial no que se refere à formação de seus docentes, autonomia na construção da proposta curricular, bem como na dedicação da equipe ao trabalho ali desenvolvido, por se tratar de um cargo de dedicação exclusiva.

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outras questões considerando a gestão democrática, colocando-nos como

agentes responsáveis pelo trabalho ali desenvolvido.

A biblioteca da escola possui uma sala específica para as crianças

menores – Educação Infantil e Alfabetização Inicial –, propondo um trabalho

diferenciado. Embora a relação que a biblioteca propunha na interação com os

livros estivesse distante do que eu considerava interessante para essa faixa

etária, ficava feliz de, pelo menos, elas terem a oportunidade de contar na

grade curricular com a ida semanal à biblioteca.

Entretanto, todas as vezes em que levava minhas crianças àquele

lugar voltava para a sala muito incomodada. A sala era um espaço grande com

mesas e sem livros, tinha um armário com um aparelho de DVD e uma TV, e,

nas paredes, alguns desenhos estereotipados feitos por adultos. Havia uma

pessoa responsável por esse espaço que contava uma história escolhida por

ela e, em seguida, propunha o registro de alguma forma específica. Esse

registro variava entre fazer um desenho ou uma dobradura, e as crianças

tinham de manter silêncio sentadas a mesas semelhantes às da sala de aula.

Diante de meu incômodo com essa situação, propus uma mudança

nesse formato de trabalho, apresentando um projeto, juntamente com outra

colega da minha área, à direção da biblioteca – uma vez que essa direção

pertencia à rede de bibliotecas, e não à escola – e à direção. O projeto foi

aprovado nas duas instâncias, dando-nos autonomia para adequar o espaço da

forma como nele propusemos. Transformamos aquele lugar, tornando-o

realmente próximo ao que considerávamos atraente às crianças.

Trocamos o mobiliário por prateleiras coloridas onde colocamos os

livros expostos de forma que as crianças pudessem ver sua capa. Levamos

tatames onde elas se sentavam ou deitavam sobre as almofadas enquanto

liam. Deixamos apenas duas mesas como opção para aquelas crianças que

por elas se interessassem.

Pude perceber a transformação no interesse das crianças pelos

livros com essas mudanças. A pessoa responsável pelo espaço efetuava os

empréstimos, antes inexistentes e, agora, semanais. A partir de então, a rotina

consistiu em contar uma história, deixar que as crianças explorassem os livros

e, finalmente, efetuar a escolha do livro que seria levado para casa. Embora o

resultado do projeto tenha sido empolgante, lidávamos com a “pobreza” do

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acervo, pois os livros que o compunham vinham de doações e seleções que

fizemos em nossas salas.

Ademais, a equipe da biblioteca não colocava acervo na sala

disponibilizada para as crianças menores com a justificativa de que os livros

que ali estavam não eram registrados no sistema. Atualmente, essa continua

sendo a luta, melhorar o acervo da biblioteca infantil. A biblioteca da Escola de

Educação Básica (Eseba) pertence ao Sistema de Bibliotecas (SISBI) da

Universidade Federal de Uberlândia. Esse sistema centraliza todas as

atividades de aquisição e processamento técnico, entretanto, mesmo não

pertencendo especificamente à direção da Eseba, a equipe é aberta ao diálogo

e parcerias para melhor atender ao trabalho proposto pelos docentes e,

principalmente, pelos alunos.

Percebendo esses processos de encantamento das crianças com os

livros e as histórias, propus um projeto vinculado à Pró-reitoria de Graduação –

Prograd – que destinava bolsas a estudantes da graduação para

acompanharem o cotidiano da Escola de Educação Básica. O principal objetivo

do projeto era desenvolver o gosto e o hábito de leitura com as crianças, assim

como observar as interações estabelecidas entre elas e as obras literárias. A

proposta visava a contribuir, também, com a formação dos estudantes da

graduação e ampliar o trabalho com a literatura infantil em meu grupo de

crianças do primeiro período no ano de 2013.

Essa foi a ação decisiva que marcou minha carreira docente e que

originou a presente pesquisa. O projeto consistia em desenvolver, ao longo do

ano letivo, ações teórico-práticas envolvendo a literatura infantil de diversas

formas, o que possibilitou ouvir histórias todos os dias, contadas por mim, pelas

crianças, pelas famílias, pelas estagiárias bolsistas, resgatando poesias,

parlendas e trava-línguas do universo cultural de nossas crianças.

(Re)interpretando as histórias ouvidas e brincando com seus personagens, por

meio de fantoches disponibilizados por mim ou confeccionados com as

crianças; (re)significando e recriando as histórias ouvidas por meio de diálogos,

desenhos, pinturas, jogos teatrais e brincadeiras. Muitas dessas atividades

foram provocadas e propostas pelos pequenos. E a criação de um livro de

história marcou o fim do projeto com uma história incrível criada pelo grupo.

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Na Eseba, todas as salas de aula da Educação Infantil possuem

uma pequena biblioteca constituída por livros doados pelas famílias. Assim, os

livros desse acervo passaram a ser objetos escolhidos em momentos livres,

mesmo entre os brinquedos. O ato de contar história para o colega passou a

ser rotina constante em diversos momentos, cenas que me deixavam

emocionada ao perceber crianças de quatro anos, ou menos, “lendo” e se

constituindo nas experiências significadas com o outro por meio da literatura

infantil.

Sem a oportunidade, ainda, naquele momento, de aprofundar

teoricamente minhas inquietações sobre como a literatura provoca/afeta as

crianças e como esse processo pode promover desenvolvimento, minhas

indagações ainda me acompanhavam. Que poder é esse que a literatura

infantil exerce sobre as crianças, de tal forma a convidá-las para a leitura?

Como as crianças percebem as histórias lidas? Como a literatura afeta as

crianças? Esse afetar promove desenvolvimento? Qual é o teor dessas inter-

relações?

A compreensão de que o sujeito se desenvolve a partir das

(inter)ações históricas e sociais que estabelece com o outro fez surgir novos

questionamentos. Sendo a (inter)ação social e histórica, fundamental no

desenvolvimento da criança, em sua aprendizagem e em seu desenvolvimento,

é preciso estar atento ao que se está ensinando e em como se está ensinando.

Não há como optar por uma abordagem teórica sem levar em conta esses

elementos da prática pedagógica.

Entender que as crianças na escola aprendem por meio da

significação e vivências ali desencadeadas implica questionarmo-nos

constantemente sobre o que estamos oferecendo a elas. Em que e como

minha atuação pedagógica e da minha escola está contribuindo para que as

crianças sejam sujeitos “ativos”8 e criativos no processo de seu próprio

desenvolvimento? Como posso atuar, tendo em vista a perspectiva teórica que

assumo? Em que minha opção teórica sobre o desenvolvimento humano

interfere em minha proposta e atuação pedagógica?

8 A ideia de sujeito ativo não pretende retirar do adulto sua atribuição como mediador do

processo de ensino-aprendizagem, mas reafirmar a importância de a criança compreender o processo e as vivências que tem na escola. Isso se dará apenas se houver espaço para que ela se expresse de diferentes formas.

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Todos esses questionamentos foram fazendo parte dos meus modos

de ser professora, sendo traduzidos em ações que tentavam considerar as

crianças nas trocas que ali ocorriam. Mesmo ainda sem ter estudos mais

aprofundados sobre a função da linguagem, já percebia que esse elemento é

fundamental em todo o processo ensino-aprendizagem. Portanto, os estudos

que se seguiram foram consolidando uma forma de entender os sujeitos na

escola e foram sendo traduzidos em ações teórico-práticas de minha atuação

profissional.

O ingresso no programa de pós-graduação no curso de doutorado

tornou possível aprofundar os conceitos acerca do desenvolvimento cultural de

adultos e crianças a partir da perspectiva histórico-cultural, que considera o

papel fundamental das vivências9 e da interação social nesse processo. A partir

dessa perspectiva, compreende-se que o sujeito apropria-se dos

conhecimentos produzidos e os tornam próprios a partir de sua relação com o

outro. Sendo assim, assume-se essa compreensão como princípio norteador

para a pesquisa, compreendendo a escola e suas relações como espaço de

situações sociais de desenvolvimento.

Olhar para a Educação Infantil, suas especificidades e

possibilidades no trabalho com as crianças compõe um investimento de grande

valor para nós nos meandros acadêmicos, profissionais e pessoais.

Primeiramente, por acreditar numa educação que acolha as crianças em suas

reais necessidades, que provoque, potencialize, contribua para a formação de

sujeitos de forma segura e tranquila, e, segundo, por sentir-nos

corresponsáveis, nesta pesquisa e na atuação profissional, em problematizar

questões importantes na prática educativa entendendo-a como processo

emancipatório e não coercitivo.

Nossa compreensão sobre os modos de ensinar e aprender na

escola de Educação Infantil perpassa uma concepção que entende a

importância de todos os sujeitos na construção das relações de ensino e

aprendizagem. Os profissionais/docentes compreendidos como sujeitos mais

9 Ao longo desta tese faremos menções a esse conceito que será melhor aprofundado no capítulo 3, ora

no singular “vivência” para referir-nos a um sentido de uma experiência impactante, fundamental, e no plural “vivências” para retratar sucessões de situações que compõe as experiências humanas. Entretanto, na maior parte do texto o sentido atribuído aos dois conceitos refere-se ao termo Perejivânie buscando preservar a ideia que Vigotski construí com esse conceito.

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experientes da relação educativa carregam consigo a atribuição de organizar,

planejar e desenvolver a proposta pedagógica. Entretanto, não são os únicos

detentores do conhecimento e do saber, eles também aprendem com o

trabalho que realizam e, principalmente, com as crianças. Da mesma forma

ocorre com os pequenos, que possuem um modo próprio de compreender e

estar no mundo. Trazem consigo hipóteses sobre seu funcionamento que

precisam ser levadas em conta e consideradas na organização do trabalho

pedagógico. As relações educativas acontecem, sob nosso ponto de vista, de

um modo dialético, e este é o grande desafio para as escolas e os

profissionais, organizar uma proposta que oportunize e potencialize os saberes

de cada um – professoras/es e crianças, ampliando as possibilidades de

conhecimento de todos.

Atuamos nessa etapa da educação básica há 12 (doze) anos e já

acompanhamos alguns processos e estudos vividos nesse campo da

educação. As disputas e tensões acerca dos discursos e proposições políticas

não são nada banais. Há que se considerar o processo de desenvolvimento

histórico vivido pela Educação Infantil no Brasil em seus avanços e retrocessos

e o jogo de interesse político que se instaura nesse desenrolar.

A regulamentação desse nível de ensino é considerada ainda

recente pelos estudiosos, conquistada, incialmente, na Constituição de 1988, e,

em seguida, na Lei de Diretrizes e Bases de 1996, datando como uma

conquista legal de apenas vinte e um anos, portanto. Trata-se de tempo ainda

insuficiente, a nosso ver, para superar os desafios colocados para os

envolvidos nesse campo.

Vale destacar que o sistema de atendimento às crianças de 0 a 5

anos ainda se apresenta deficiente, pois há muitas crianças fora da escola, o

que pode ser constatado nos índices de atendimento e nas grandes listas de

espera por vagas nas escolas públicas de Educação Infantil10. De acordo com

os números divulgados pela pesquisa do IBGE-Pnad em 2015, das 10,3

10

De acordo com informações obtidas no site do Ministério da Educação MEC - http://portal.mec.gov.br/docman/junho-2014-pdf/15774-ept-relatorio-06062014/file (acesso em: 24/05/2017), o número de matrículas tem crescido significativamente. Entretanto, ainda se sabe que não há uma real informação acerca dessa demanda, uma vez que as porcentagens demonstram apenas o número de matrículas, e não uma comparação entre a demanda e o seu atendimento. No caso da Prefeitura Municipal de Uberlândia, é possível perceber a deficiência no atendimento ao observarmos o tamanho da lista de espera por vagas.

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milhões de crianças brasileiras com menos de 4 anos, 25,6% (2,6 milhões)

estavam matriculadas em creche ou escola. Já a taxa de frequência de

crianças de 4 a 5 anos é maior, chegando a 84,3.11

Na prefeitura Municipal de Uberlândia, o ingresso das crianças

nessas escolas ocorre por meio de uma espécie de seleção. Todos os anos,

são abertas inscrições para ingresso e/ou transferência na rede. As famílias

que têm interesse em colocar sua criança na escola municipal de Educação

Infantil devem fazer a inscrição pelo sistema disponibilizado pela Secretaria

Municipal de Educação, no período específico, preenchendo as informações

solicitadas e aguardando o resultado.

Outra dificuldade que cabe destacar é a consolidação de estudos e

avanços nas próprias escolas no que se refere à formação docente, à

organização curricular e ao trabalho pedagógico. Ainda nos esbarramos com

questões complexas, dentre elas, ousamos citar a dificuldade da cultura política

fortalecer-se como “políticas de Estado”, e não como “políticas de governo”

(OLIVEIRA, 2011).

O problema encontra-se, sob esse ponto de vista, no sentido de que,

cada vez que se elegem novos governos, em qualquer âmbito, no caso da

Educação Infantil, principalmente no âmbito municipal, mas também Federal,

mudam-se os programas que estavam em vigência. Daí decorrem implicações

concernentes à formação docente, às práticas pedagógicas, à ampliação de

número de vagas etc. Enfim, esse tipo de situação provoca estagnações,

desajustes, confusões e retrocessos em ações teóricas e práticas frente ao

trabalho com as crianças nas escolas de Educação Infantil, trazendo grandes

desafios para todos os profissionais.

Pode-se dizer que a atenção das políticas diretamente mais voltadas

para o atendimento às crianças de 0 a 5 anos, no nível da Educação Infantil,

bem como as conquistas mais efetivas nessa etapa da educação são bastante

recentes. É importante situar que as instituições que atendiam as crianças 0 a

6 anos que foram fundadas do final do século XIX até a década de 80 no

século XX surgiram, inicialmente, em decorrência da entrada das mulheres no

mercado de trabalho, assumindo, desse modo, um caráter assistencialista e

11

http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2017-03/apenas-25-das-criancas-com-menos-de-4-anos-frequentam-creche-ou-escola. Acesso em: 25/05/2017.

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higienista. Inclusive seu processo de expansão foi fruto de uma construção

social e histórica de muitas lutas das mulheres e de organizações sociais

(KULHMAN, 2000).

A noção de criança e infância tal como concebemos hoje, de um

sujeito de direitos, dotado de expectativas e de possibilidades específicas em

cada fase de seu desenvolvimento, foi construída de acordo com os contextos

sociais e históricos. Portanto, também traz consigo uma complexidade que

ainda não foi superada e coexiste entre políticas, práticas e proposições para a

infância. De um sujeito que não era percebido, considerado ou reconhecido, a

um sujeito que deveria ser corrigido, moldado, preparado, até o

reconhecimento da criança como sujeito histórico, protagonista e cidadão de

direitos, passaram-se muitos séculos.

Cabe destacar que os fatores favoráveis desse modo de tratar a

infância são visíveis, entretanto é importante reconhecer os desafios que se

colocam diante da realidade brasileira, quais sejam, a expansão do

atendimento na faixa de 0 a 3 anos (creche) e a melhoria da qualidade em todo

o segmento de 0 a 5 anos, bem como a formação docente.

Destacamos, aqui, a referência legal a essa regulamentação na

expectativa de situar a discussão sobre esse atendimento que, embora seja

garantido pelas leis e normas de funcionamento, ainda se encontra em fase de

muitas lutas, debates, ampliações e, por que não dizer, também de

retrocessos12.

Diante de avanços, conquistas, grandes e pequenas mudanças, vão

coexistindo conceitos por muitas vezes duais e dicotômicos que perpassam

estudos, pesquisas, políticas e, também, práticas no cotidiano escolar infantil.

Dentre eles, destacam-se a educação pré-escolar e a assistência, a educação

e o cuidado, concepções sobre ensinar e aprender, adulto e criança, que, ainda

12

Aqui nos referimos ao processo de elaboração da BNCC (Base Nacional Curricular Comum) para que todos os sistemas educacionais (federal, estaduais e municipais) pudessem ter elementos curriculares comuns que tornassem a educação escolar um instrumento para maior igualdade e justiça social. Em que pesem as diferentes opiniões a respeito dessa discussão, apontamos como retrocesso o total desrespeito ao trabalho desenvolvido pelos assessores e redatores da primeira e segunda versão da BNCC, situação ocorrida após Michel Temer assumir a presidência da República e substituir as equipes de sua assessoria no Ministério da Educação. O retrocesso, sob nosso ponto de vista, ocorre principalmente pelo fato de que a elaboração do documento vinha sendo construída de forma dialogada com profissionais e estudiosos da infância e por meio de consulta pública. No processo de destituição da equipe de gestão de Dilma Rousseff, quase todo o trabalho anterior foi desconsiderado.

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nos dias de hoje, representam obstáculos para mudanças nas concepções de

atendimento às crianças pequenas. Trata-se de desafios colocados perante a

concretização das políticas nacionais e locais para a infância e nas práticas

pedagógicas desenvolvidas nas escolas de Educação Infantil.

Ainda que estejamos vivendo um tempo de muitas incertezas

políticas13, acreditamos que, além do investimento em ampliação de

atendimento, que também é fundamental, se considerarmos a legislação e o

número de crianças atendidas, há que se preocupar também com a construção

de um atendimento de qualidade para as crianças. As duas escolas em que

desenvolvemos o trabalho de campo pertencem ao município de

Uberlândia/MG. Uma delas atende crianças14 de 0 a 3 anos (EMEI Tibery –

Anexo) e a outra, crianças de 0 a 5 anos (EMEI Pampulha).

Destacamos que é preciso e necessário retomar constantemente, na

Educação Infantil, investimentos traduzidos em estudos e pesquisas

articulando conceitos no que se refere à concepção de Educação Infantil, à

gestão nacional, à gestão local, tudo isso articulado com as práticas

pedagógicas. De acordo com Kuhlmann (2005), a história das instituições

escolares é a interação de tempos, influência e temas, devendo, portanto, ser

considerada no processo de elaboração de propostas e nos modos de se

pensar a infância. Só assim podemos ter mais chances de sucesso na

compreensão desses elementos.

As redes, sejam elas públicas ou privadas, e seus profissionais têm

como orientação legal a sugestão para que elaborem suas propostas

pedagógicas. Para isso, contam com materiais de apoio os seguintes

documentos: os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil

(1998), as Diretrizes Curriculares Nacionais (2009), o Plano Nacional de

Educação – PNE (2001). Além disso, dispõem de autonomia para respaldar

13

Acusações e envolvimento de políticos em escândalos que têm efeitos nas políticas e programas em todas as áreas, inclusive nas educacionais. 14

Vygotski (2012b), ao discutir o problema da idade, diz que não se pode defini-la apenas pela cronologia, mas se devem levar em conta as situações sociais de desenvolvimento, pois são elas que marcam os processos. Ao organizar uma periodização da idade infantil, faz a seguinte distinção: Pós-natal (0 a 2 meses), Primeiro ano (2 meses a 1 ano), Infância temprana (1 aos 3 anos), Idade pré-escolar (3 aos 7 anos), Idade escolar (8 aos 12 anos), Puberdade (14 aos 18 anos), Idade adulta (18 anos – início da idade adulta). Nesta tese, trabalhamos com crianças que consideramos pertencentes ao grupo da Infância temprana. Ressaltamos que essa organização do autor não é fechada ou demarcada de forma rígida, pois depende das situações sociais de desenvolvimento em que as crianças estão inseridas.

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suas proposições em discussões e teorias de estudiosos de diversos campos

do conhecimento com os quais mais se identifiquem.

Os currículos e proposições para a Educação Infantil são

construídos com base em uma gama de fundamentações. Foge aos limites

deste trabalho tecer uma discussão mais aprofundada acerca da história das

ideias pedagógicas15 que acabam por influenciar os modos de elaboração

dessas propostas, principalmente por corrermos o risco de desviar o foco de

nossa pesquisa. Entretanto, é interessante situar que muitas áreas do

conhecimento, seja a Pedagogia, a Filosofia, a Antropologia, a Sociologia, a

História ou a Psicologia, propuseram-se a pesquisar e a discutir a infância, a

criança e seu desenvolvimento, influenciando na consolidação da própria

pedagogia, entusiasmando e inspirando práticas pedagógicas e modos de

conceber essa criança.

Distintas são as teorias, concepções e, consequentemente, os

modos de conceber a infância em cada área. Inclusive, no interior de cada uma

delas, há diversas correntes e posicionamentos, por vezes até contraditórios,

sobre os quais não será possível aprofundar-se neste trabalho. Importa

destacar, dentre outras contribuições dessas diferentes áreas, a construção de

um novo olhar para a criança, para seu modo de estar no mundo e dele se

apropriar, como um sujeito de direitos que aprende e se desenvolve por meio

da cultura e que precisa estar ativo em seu processo de interação com o

mundo.

As apropriações de estudos e teorias sobre a criança e seu

desenvolvimento de forma aligeirada, sem o conhecimento devido,

principalmente da epistemologia genética ou da perspectiva histórico cultural,

acarretaram muitas confusões e dificuldades no processo de compreensão e

fortalecimento das construções de propostas curriculares.

Eis um grande desafio para nós que atuamos na Educação Infantil,

bem como para formadores, tanto das universidades como das redes e

sistemas de ensino, no que diz respeito à formação continuada: repensar as

políticas de atendimento às crianças, principalmente no campo da formação

docente. Em que pesem a história de instauração e desenvolvimento das

15

Para um aprofundamento nessa questão, ver: SAVIANI (2008); GADOTTI (2003).

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instituições de Educação Infantil, a configuração histórica e cultural dos modos

de atuação nesses espaços, bem como os desafios que se colocam para

estudiosos e profissionais que ali atuam, ainda acreditamos em possibilidades

de uma educação que respeite adultos as crianças e potencialize seus

processos de desenvolvimento. Nesse sentido, sempre é importante

questionarmo-nos sobre qual é a verdadeira essência do trabalho na Educação

Infantil e termos mais clareza acerca dos nossos objetivos para com as

crianças.

Muitas vezes, esforçamo-nos para propor um trabalho que

consideramos de boa qualidade e que faça a diferença na vida dos pequenos.

Contudo, não se pode negar a história vivida e a constituição de um modo de

conceber as relações de ensino-aprendizagem e a organização escolar. Ou

seja, o movimento dialético de constituição do trabalho pedagógico perpassa

questões advindas da história, da cultura, marcadas por processos políticos de

implementação de propostas nem sempre coerentes com nosso modo de

compreender nosso trabalho.

Consideramos a possibilidade de construir um conceito de currículo,

de espaço e de relações de ensinar e aprender para a Educação Infantil que

rompa com o sentido de norma, de transmissão de conhecimento e que deixe

sobrepor a escola de Educação Infantil como espaço das vivências culturais e,

por assim ser, que se preocupe com a construção dessas vivências. Que

caminhe em direção da construção de um currículo cultural (ÁLVAREZ, 1997).

Ou seja, ciente de suas atribuições, a escola, por meio de seus

profissionais pode oferecer às crianças a oportunidade de experimentarem

juntos a criação, a oportunidade de aprender com o outro. Que permita o

constante repensar no contexto da Educação Infantil, principalmente no tocante

a três questões: a elaboração de diretrizes traduzidas em eixos de trabalho

com as crianças, mas que, como o próprio nome diz, são eixos, e não

formatações a serem reproduzidas; o papel do professor como mediador; e o

papel da criança como coprodutora do seu processo de ensino-aprendizagem.

Considerando as amplas direções e propostas que podemos

construir a partir desses princípios, destacamos como recorte desta pesquisa o

trabalho com a Literatura no cotidiano da Educação Infantil, mais

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especificamente o desenvolvimento cultural de adultos e crianças na inter-

relação com esse elemento produzido com e na cultura.

1.1 A literatura no contexto da Educação Infantil: referenciais, diretrizes,

PPPs16 das escolas/municípios e os projetos das escolas

Desenvolvemos nosso modo de compreender a escola e o cotidiano

da Educação Infantil construindo uma prática que valoriza a arte em todas as

suas manifestações culturais. A arte literária é uma das linguagens presentes

na cultura, que permeia a vida e pode, também, permear os espaços escolares.

Entretanto, muitas vezes os profissionais e as escolas não sabem como lidar

com ela e qual o melhor caminho para explorá-la. Em vários momentos,

flagramos práticas com a literatura infantil nas escolas em dois grandes

equívocos: ou a utilizando como suporte pedagógico, com fins pedagogizantes

e/ou moralizantes, ou, simplesmente, não dando a ela o devido espaço e a

devida atenção, por vezes deixando os livros trancados em armários com a

justificativa de que podem estragar.

A partir de nosso estudo, é possível afirmar que não há, na

legislação, nas orientações/diretrizes e nem mesmo nas proposições

curriculares em âmbitos municipais, clareza acerca do trabalho com a literatura

no contexto educacional das escolas de Educação Infantil. Os livros chegam

até as escolas, há sugestões, menções acerca da importância de valorização

desse trabalho. No entanto, essas sugestões tornam-se insuficientes

considerando a falta de perceptibilidade desse campo, de modo geral

traduzido, principalmente, no despreparo dos profissionais que se esbarram

com a tarefa de “trabalhar com a literatura” nas escolas.

Contudo, este trabalho fica submetido às experiências que esse

profissional viveu ou não com esse elemento cultural. Desse modo, cada

instituição propõe e desenvolve seu trabalho de acordo com suas

possibilidades. Vão “lutando” como podem, muitas vezes, fazendo um trabalho

que, como diria Vigotski (2010), seria um (des)serviço à formação estética da

criança e ao que a arte literária poderia desencadear. Entretanto, novos rumos

16

PPPs - Projeto Político Pedagógico.

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podemos construir nessa trajetória. Um fator que já consideramos muito

positivo é o fato de as creches e pré-escolas públicas terem sido incluídas no

Plano Nacional do Livro Didático juntamente com o Programa Nacional de

Biblioteca na Escola.

Durante a pesquisa, pudemos constatar que os livros chegam às

unidades. As duas instituições colaboradoras das pesquisas recebem os livros

do programa, o que verificamos ser um projeto que incluiu praticamente todas

as escolas públicas. Embora seja uma ação que não garanta a

relação/experiência das crianças com a literatura, principalmente por falta de

formação dos profissionais, já é possível considerar um avanço ter livros na

escola. A questão que se coloca a partir daí passa a ser, então: como se pode

desenvolver um trabalho com a literatura que preserve ou considere o papel e

a função da arte na vida das crianças e dos profissionais? Ou seja, de que

modo acolher/incluir a arte literária no currículo, como elemento cultural

produzido historicamente na/pela humanidade preservando e potencializando

seus elementos estéticos?

Desenvolver um trabalho com a arte nessa perspectiva implica,

segundo Ostetto (2007, p. 3), “considerar especificidades de um campo de

conhecimento que não se define pela norma, pois não há regras fixas no modo

de produção da arte, suas linguagens são territórios sem fronteiras.”. Nesse

sentido, é necessário rever nosso modo de compreender a escola, as relações

e o currículo, passando a compreendê-los como elementos vivos e dinâmicos,

pois, para a criança, a arte interessa enquanto processo vivido e marcado na

experiência e no corpo inteiro.

A autora discute a relação entre a arte, tida como (transgressão?),

linguagem por meio de outros processos, e o currículo na Educação Infantil

(normatização?), e propõe-se a pensar nas possibilidades de um trabalho com

a arte no currículo escolar para a Educação Infantil que potencialize as

crianças para a criação, a interpretação, a constituição e o desenvolvimento de

formas de ver o mundo, construídas a partir dos processos de significação de

cada sujeito, únicos, irrepetíveis. Nesse sentido, problematiza as funções da

arte na vida da criança, trazendo críticas e reflexões acerca de algumas

práticas desenvolvidas nas escolas de Educação Infantil no que se refere à

arte.

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Para nós, a discussão da autora é importante por considerarmos a

Literatura Infantil como uma dimensão da linguagem artística. Portanto, as

críticas feitas pela autora sobre o trabalho com a arte na Educação Infantil

ajudam-nos a pensar modos de conceber também a arte literária. Assim, é

possível pensar que a literatura, na perspectiva da

Arte, na educação, não se resume a momentos e atividades isolados. E, se estamos pretendendo a educação do “ser poético”, implicado na totalidade do olhar, da escuta, do movimento, que se expressa mobilizando todos os sentidos, será importante vermos tais ações como educação estética (mais do que o ensino de arte) que se realiza no dia a dia. Afirmamos, dessa maneira, um princípio que deve atravessar todo o cotidiano, pois tem a ver com atitude e, como disse a atelierista italiana, Vea Vecchi, a dimensão estética de uma proposta educativa “[...] pressupõe um olhar que descobre, que admira e se emociona. É o contrário da indiferença, da negligência e do conformismo” (VECCHI, 2006, p.16, tradução nossa). Trata-se, enfim, de um olhar que dá atenção ao mundo. A presença da arte na Educação Infantil será tanto mais importante, quanto puder contribuir para ampliar o olhar da criança sobre o mundo, a natureza e a cultura, diversificando e enriquecendo suas experiências sensíveis – estéticas, por isso, vitais (OSTETTO, 2007, p. 5).

O professor deve colocar-se como um interlocutor privilegiado que

dá suporte às crianças em suas criações, não abrindo mão do seu papel de

permitir e propiciar a circulação de diferentes significados, de socialização de

bens culturais, sem confundir o respeito com o gosto e a preferência que cada

criança traz de casa, ou o medo de ser impositivo e autoritário com sua função

de mediador e responsável pela ampliação do conhecimento acerca do acervo

cultural produzido pela humanidade. Afirma a autora

Aprende-se a gostar, a ver e ouvir, assim como a combinar materiais, a inventar formas, por isso um dos papéis do professor é abrir canais para o olhar e a escuta sensíveis, disponibilizando repertórios (imagéticos, musicais, literários, cênicos, fílmicos), não apenas para a realização de uma atividade, mas, inclusive, cuidando do visual das salas e dos demais espaços da instituição (OSTETTO, 2007, p. 6).

Desse modo, é imprescindível que o trabalho de professores e

professoras incumba-se a compreender que

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Alimentar o universo imaginário das crianças, provocando o desejo que faz mover a busca, implica tempo de espera. Não se dá instantaneamente. O tempo linear, que passa controlado pelo adulto, na rotina do trabalho educacional-pedagógico, em regra, não foi e nem está pensado e planejado para acolher a arte, que obedece à espécie de tempo-espera. É preciso tempo para deixar as coisas acontecerem (OSTETTO, 2007, p. 7).

A autora destaca a importância de os educadores, e nós

acrescentamos também os cursos de formação, investirem em

alimentar sua expressão e conectar-se com ela, precisa reconquistar o seu poder imaginativo, se pretende e deseja garantir a criação, a expressão das crianças. A educação do educador é essencial e, no que diz respeito à arte, passa necessariamente pelo reencontro do espaço lúdico dentro de si, pela redescoberta das suas linguagens (perdidas, esquecidas, onde estão?), do seu modo de dizer e expressar o mundo (OSTETTO, 2007, p. 12).

Consideramos o presente estudo fundamental para voltar o olhar

para a literatura infantil com foco nas possibilidades e potencialidades das suas

inter-relações com adultos e crianças de 0 a 3 anos. Partimos da hipótese de

que a literatura pode servir de palco criativo para o desenvolvimento dos

sujeitos no cotidiano escolar. Para sustentar nossa hipótese, assumimos, assim

como Vigotski (1925/1986, p. 110) apud Van Der Veer e Valsiner (2014, p. 44)

o seguinte questionamento:

Como em uma fábula ou conto (em que um pointe que é disjuntivo em relações às linhas de sentimentos anteriores pode levar a pessoa „catastroficamente‟ a um novo sentimento complexo), o mesmo também se aplicava ao domínio das reações comuns, em que algumas reações de baixa intensidade absoluta podiam, de repente, levar a um estado de coisas no qual todo o complexo de reações fica dominado por elas e adquire uma nova qualidade como resultado (grifos dos autores).

Dessa forma, partimos da hipótese, ancorada na perspectiva

vigotskiana, de que ocorrem mudanças qualitativas nos processos de

desenvolvimento cultural vivido por adultos e crianças em suas vivências com a

literatura. E vale destacar, ainda, a preocupação de Vigotsky com a arte e suas

interfaces com o desenvolvimento quando ele busca criar princípios para

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explicar a natureza dessas reações nos sujeitos para além dos conceitos

estímulo-resposta. Afirma o autor que

Aqui, precisamos considerar a reação de um lado completamente diferente, estudá-la em um novo aspecto, não no papel de uma resposta a um estímulo, mas em um novo papel – o de desviar, inibir, ampliar, direcionar e regular a dinâmica de outras reações (VYGOTSKY, 1926d, p. 105 apud VAN DER VEER e VALSINER, 2014, p. 45).

Ficamos mais convencidas sobre a importância de compreender

esses processos nas crianças quando encontramos a consideração de

Vigotsky de que a arte poderia proporcionar o „gatilho‟ para a síntese da visão

de mundo revisada de uma pessoa quando ela experimenta a catarse em seu

encontro com a arte. Esta pesquisa abarca, portanto, questões relacionadas ao

trabalho com a literatura e à psicologia do desenvolvimento na perspectiva

histórico-cultural.

Nesse campo, há inúmeros trabalhos que apontam, alertam e

confirmam a importância da literatura para a vida, para a escola e para as

crianças. É fundamental citarmos, aqui, Lajolo (1982), que indaga sobre o que

é literatura, passeando por sua escrita poética entre as origens da palavra e os

domínios dessa definição, destacando que “mais que um significado

determinado, o que é próprio da literatura é encenar a própria linguagem” (p.

92).

Lajolo e Zilberman (1988) traçam um panorama sobre a Literatura

Infantil inserida no contexto da história da Literatura Brasileira, apresentando o

processo de desenvolvimento dessa história no Brasil. Complementando essa

abordagem, Coelho (1991a) busca rastrear a gênese e a evolução da Literatura

Infantil situando os dados histórico-culturais que atuaram ou atuam na criação

literária destinada a adultos e crianças e que influenciam na escolha e no

tratamento de seus temas, assuntos, problemáticas, linguagem, estilo etc.

Coelho (1991b) apresenta um estudo trazendo compreensão teórica

acerca da natureza da literatura infantil, situando a inter-relação da “criação

literária como uma manifestação individual que está vinculada ao meio e

momento histórico em que surge e que se caracteriza, em última análise, como

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um fenômeno de cultura.” (p. 7). A autora fundamenta sua proposta em duas

ideias básicas, que compartilhamos:

1. Literatura é um fenômeno de linguagem17 plasmado por uma experiência vital/cultural direta ou indiretamente ligada a determinado contexto social. 2. Literatura é arte e, como tal, as relações de aprendizagem e vivência, que se estabelecem entre ela e o indivíduo, são fundamentais para que esta alcance sua formação integral [...] Em relação a essa formação, pode-se afirmar que a literatura é a mais importante das artes, pois sua matéria é a palavra, o pensamento, as ideias, a imaginação, - exatamente aquilo que distingue ou define a especificidade do humano (COELHO, 1991, p. 8).

A autora destaca a relação da literatura com a leitura e chama a

atenção para esse aspecto quando se vincula essa arte com a proposta ou a

preocupação com a formação do leitor. Nesse sentido, destacamos trabalhos

mais recentes com foco na presença da Literatura na Educação Infantil, onde

se percebe a clara relação estabelecida entre esses âmbitos, leitura, literatura

e formação do leitor.

É o caso dos trabalhos de Souza (2004), em que são discutidas

várias dimensões do trabalho com a literatura na escola apontando para a

formação do leitor. Souza et al. (2015) e Souza (2016a e b) discutem, nos

vários textos que compõem a coletânea, a importância da literatura no trabalho

com as crianças na escola de Educação Infantil desde os bebês, e também a

formação de professores nessa mesma perspectiva, visando ao alcance de

práticas mais apropriadas para se trabalhar com a literatura nessa fase da vida

das crianças.

Além disso, é importante citar as campanhas de incentivo à leitura

em seus âmbitos federal, estaduais e municipais, bem como os projetos

institucionais desenvolvidos nas escolas onde realizamos a pesquisa de

campo. No que se refere ao âmbito federal em parceria com os Estados, tem-

se o Programa Nacional Biblioteca na Escola – PNBE18, que distribui livros de

17

Grifos da autora. 18

Este programa teve seu início no ano de 1997. Em 2009, foi publicada no Diário Oficial da União a Resolução Nº 7, DE 20 DE MARÇO DE 2009 em substituição a outras resoluções anteriores (Resoluções CD/FNDE nº 5, de 03/04/2007, e nº 20, de 16/05/2008). A resolução de nº 7 regulamenta o modo de funcionamento do programa. Link de acesso à resolução: http://www.fnde.gov.br/fnde/legislacao/resolucoes/item/3292 Atualmente, este programa tem

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literatura regularmente a fim de suprir as bibliotecas das escolas com obras

literárias. De acordo com informações extraídas do site oficial do Ministério da

Educação (BRASIL, 2016)19, esse programa é desenvolvido desde 1997 e tem

o objetivo de promover o acesso à cultura e o incentivo à leitura nas crianças e

professores por meio da distribuição de acervos de obras de literatura, de

pesquisa e de referência. O processo de atendimento é feito de forma

alternada: ou são contempladas as escolas de Educação Infantil, de Ensino

Fundamental (anos iniciais) e de Educação de Jovens e Adultos, ou são

atendidas as escolas de Ensino Fundamental (anos finais) e de Ensino Médio.

Em cada ano, um grupo é priorizado, alternando-se essa distribuição

anualmente.

Dentre as ações desse programa, estão o PNBE literário, que avalia

e distribui as obras literárias cujos acervos são compostos por textos em prosa

(novelas, contos, crônica, memórias, biografias e teatro, textos em verso

poemas, cantigas, parlendas, adivinhas), por livros de imagens e livros de

história em quadrinhos. Estão também as ações PNBE Periódicos e o PNDE

Professor, ambos com a finalidade de oferecer ao docente obras de caráter

mais formativo, com conteúdo didático e metodológico com o intuito de apoiar a

prática pedagógica dos professores.

No âmbito estadual, está divulgado no site da Secretaria do Estado

de Minas Gerais o Programa Direito ao livro20, à leitura e à criação autoral, que

acontece por meio de diversos projetos e campanhas de incentivo à leitura. A

partir de um diagnóstico da realidade das escolas estaduais, o objetivo desse

programa é fomentar as bibliotecas para tornarem-se espaços de aprendizado

e de leitura. Segundo consta do site, o programa incluirá, também,

investimentos na rede física e no aumento do acervo nas escolas que já

dispõem de uma biblioteca e a criação desse espaço nas unidades que ainda

não o possui. Embora não tenhamos as informações mais precisas acerca da

sofrido alterações com as políticas da atual secretaria do governo, entretanto ainda não foram divulgadas pelo Ministério da Educação mudanças oficiais. http://portal.mec.gov.br/programa-nacional-biblioteca-da-escola. Acesso em: 02/08/2017. 19

Portal do MEC: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12368:programa-nacional-biblioteca-da-escola&catid=309:programa-nacional-biblioteca-da-escola&Itemid=574 acesso em 07/10/2016. 20

Fonte: https://www.educacao.mg.gov.br/component/gmg/page/16995-direito-ao-livro-a-leitura-e-a-criacao-autoral. Acesso em 09/02/2017.

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implementação dessa política, de acordo com o site há muitos eventos

atendendo editais e concursos, bem como relatos de atividades voltadas para o

trabalho com a aquisição de livros e com o incentivo à leitura na escola.

Ainda que haja escolas de Educação Infantil vinculadas às redes

estaduais e federais, sabe-se que a Lei de Diretrizes de Bases 9394/96 delega

ao município a responsabilidade pelo atendimento a essa etapa da educação

básica. Portanto, a Educação Infantil não está diretamente ligada à rede

estadual de ensino. Consequentemente, não parece estar vinculada ao

programa estadual ora mencionado.

Durante nosso trabalho de campo, constatamos que, de fato, nas

duas escolas de Educação Infantil com as quais estivemos envolvidas por

quase um ano, os livros chegam. De acordo com as experiências

compartilhadas nas escolas, foi possível perceber que se trata de obras de boa

qualidade e que, no caso dessas duas escolas, chegam até às crianças, em

cada uma delas, de um modo distinto. No entanto, faltam espaços mais

acessíveis destinados ao encontro entre as crianças e os livros.

Nessa mesma esfera, no município de Uberlândia, por meio da

análise das diretrizes municipais e da divulgação das ações da secretaria de

educação, não encontramos diretamente no âmbito da coordenação dessa

secretaria nenhuma ação referente a campanhas, programas ou projetos que

se destinam a realizar um trabalho com a literatura. Os programas relacionados

à instância federal e estadual alcançam as escolas de Educação Infantil quanto

ao envio dos livros a essas instituições. Deduzimos, dessa forma, que as

campanhas nacionais de incentivo à leitura não chegam às escolas de

Educação Infantil via políticas diretas que tenham essa finalidade. Entretanto,

tivemos acesso ao Projeto Político-Pedagógico (PPP) das duas escolas onde

realizamos a pesquisa e encontramos nesses documentos menções e

propostas que demonstram uma preocupação com a presença da literatura no

trabalho com as crianças.

Ressaltamos que o trabalho pedagógico é organizado pelos

profissionais que ali estão, sendo eles responsáveis por planejar e pensar as

práticas ali desenvolvidas. Nesse sentido, é necessário fortalecer a formação

docente diante da possibilidade de construção de práticas que respeitem a

criança e potencializem seu desenvolvimento. Constitui-se, nessa medida,

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nosso entendimento de que o trabalho coletivo pode sinalizar um caminho para

essa tarefa. A instituição que recebe os pequenos, creches ou pré-escolas, foi

ganhando espaço na sociedade como o lugar onde se poderia potencializar a

aprendizagem e o desenvolvimento das crianças, socializando os

conhecimentos historicamente produzidos. Parte-se do pressuposto de que,

estando na escola, irão aprender.

Mas sabemos que não é tão simples assim. Há tensões e conflitos

entre as políticas, o financiamento, o currículo proposto e a efetivação de um

trabalho que, de fato, seja significativo na vida dos pequenos. Prova disso são

todos os programas sociais que rogam por todas as crianças na escola, bem

como a criação dos direitos infantis (UNICEF, 2007), sendo destaque dentre

eles o de que “Todas as crianças têm direito a ter educação”.

Compreendemos a escola de Educação Infantil como espaço e

tempo de promoção do desenvolvimento cultural de adultos e crianças, na

medida em que pode potencializar as expressões, promover a imaginação e

permitir a criação de modos de ser e estar na escola e nas relações

estabelecidas com o conhecimento. Este é o grande desafio.

Queremos explicitar aqui, também, o que buscaremos defender em

toda esta tese acerca da importância do trabalho com a literatura e a criação de

espaços nas escolas de Educação Infantil para a presença constante desse

elemento da cultura no cotidiano escolar. Alertamos, assim como já o fez

Vigotski (2010), que não se trata de “usar” a arte literária com objetivos pré-

definidos, tais como estudo de valores morais ou de questões sociais, ou,

ainda, como meio de ampliar o conhecimento dos alunos acerca de algum

tema específico. Muito menos reduzir esse trabalho à promoção de um

sentimento imediato de prazer e alegria que possa suscitar na criança.

Segundo o autor, a experiência com a arte, e, aqui, destacamos, com a arte

literária, é percebida, sentida, por meio de um trabalho difícil e cansativo do

psiquismo que se desenvolve por meio de uma atividade construtiva

sumamente complexa, ou seja, o expectador ou ouvinte vive com as

impressões externas que lhes são apresentadas pela obra de arte, mas ele

mesmo constrói e cria o objeto estético para o qual se voltam suas posteriores

reações.

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Por essa razão, defendemos que a literatura, no contexto da

Educação Infantil, é alento, potência e arte, ou seja, pode assumir um papel

muito expressivo no processo educativo e no desenvolvimento de adultos e

crianças. Para explicitar nosso modo de compreender o desenvolvimento

infantil nas interfaces com a literatura, consideramos fundamental aprofundar

nossa discussão acerca desses elementos. Fazemos isso a partir das

produções de Vygotski (1896-1934), autor que compreende a arte como

elemento da vida, fundamental para a potencialização do sujeito em vários

aspectos de seu desenvolvimento cultural.

Nesse viés, Vigotski (1997) ressalta que o desenvolvimento é

eminentemente cultural e está relacionado às interações da criança com o meio

que a circunscreve. Estudos que consideram as interações como fatores

fundamentais no processo de desenvolvimento da criança (GALVÃO, 2000;

DANTAS, 1982; WALLON, 1995) defendem a elaboração do conhecimento

como um processo vivido pelo indivíduo durante toda a sua vida, não estando

pronto ao nascer nem sendo moldado passivamente pelas pressões do meio,

considerando a fundamental importância do mediador nas relações

estabelecidas.

Portanto, o sujeito constrói hipóteses para as experiências que vive

tanto na escola como em outros ambientes que frequenta, vai se

desenvolvendo por meio da interação que estabelece com outras pessoas ou

objetos. Nessa interação, fatores internos – características biológicas – e

externos – o meio em que vive – inter-relacionam-se continuamente, sendo

(res)significados pelo sujeito. De acordo com essa perspectiva, a criança é

vista como exploradora, investigadora, que desempenha um papel ativo na

construção e significação do mundo e de seu próprio desenvolvimento. O

adulto, nesse processo, assume o papel de mediador do conhecimento, e não

o papel central de transmissor, tal como defendido em outras concepções. Vale

destacar, ainda, que esse processo de desenvolvimento ocorre na dimensão

individual a partir das experiências sociais.

Pino (2000), autor que se dedicou a compreender e explicitar a

teoria de Vigotski desenvolvendo pesquisas e evidenciando as “marcas do

humano”, faz importantes discussões a esse respeito e ajuda-nos a entender

como ocorre esse processo à luz da teoria histórico-cultural.

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[...] Quanto ao termo cultural, trata-se de um conceito entendido e utilizado pelos autores de formas diferentes, o que exige que seja devidamente conceitualizado no contexto próprio em que é utilizado por Vigotski. Especificar bem este termo [é fundamental para precisar o outro, uma vez que a existência social humana pressupõe a passagem da ordem natural para a ordem cultural. Discutir a natureza do social e a maneira como ele se torna constitutivo de um ser cultural é, sem dúvida alguma, um detalhe muito importante da obra de Vigotski, o qual merece uma atenção especial (PINO, 2000, p. 47).

Isso quer dizer que o sujeito vai sendo formado no decorrer de sua

vida ao longo da interação social ou cultural. Consideram-se social e cultural

espaços e grupos como: a família, a escola, os amigos, os lugares que

frequenta, e todas as vivências ocorridas em cada um. Ou seja, à medida que

vive e relaciona-se com as pessoas, vai se constituindo, ao mesmo tempo em

que também participa do processo do outro. Essa relação ocorre por meio da

“trama de significações” (SMOLKA, 2004), que vai sendo constituída nas e por

meio das interações.

A partir desse modo de compreender os processos vividos por

professoras21 e crianças na escola, vimos a literatura infantil como elemento

importante do cotidiano escolar que muito pode contribuir com as situações

vivenciadas na escola, principalmente com o desenvolvimento cultural ali

desencadeado.Com base nessa perspectiva teórica, inter-relacionada com

nossa trajetória acadêmico-profissional, desenvolvemos a pesquisa que

compõe esta tese.

O trabalho de campo foi realizado com a parceria de duas

profissionais a partir de um curso de especialização em docência na Educação

Infantil e de suas atuações nos cargos que ocupavam em duas escolas da rede

municipal de Uberlândia/MG. A pesquisa contou, portanto, com dois eixos de

atuação da pesquisadora. O primeiro foi composto por estudos, orientações e

planejamentos coletivos em encontros sistemáticos com as duas profissionais a

fim de aprofundar os temas em estudo e proposições para o trabalho

pedagógico. O segundo eixo consistiu no acompanhamento do trabalho dessas

profissionais no cotidiano das escolas em que atuavam. Nossa intenção foi

21

Usaremos o termo “professoras”, pois todas as pessoas envolvidas na pesquisa são do sexo feminino.

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acompanhar o desenvolvimento de adultos e crianças no processo educativo

no que se refere às inter-relações com a literatura.

Sendo assim, o que problematizamos diante dessa realidade e do

aporte teórico que escolhemos para fundamentar esta pesquisa coloca-se com

as seguintes questões: Como profissionais22 de Educação Infantil

desenvolvem seu trabalho com a literatura e desenvolvem-se

profissionalmente nesse processo? E, ainda, como o trabalho que

realizam com a literatura afeta as crianças promovendo seu

desenvolvimento cultural?

A partir da definição no acompanhamento das duas profissionais, a

faixa etária com a qual trabalhavam passou a ser o foco da investigação, mais

especificamente dois grupos: um grupo de Berçário e GI – 0 a 2 anos, e GIII23 –

3 anos – e as vivências com a literatura nas situações ali desencadeadas. Vale

ressaltar que essa etapa da Educação Básica, mais especificamente a faixa

etária que escolhemos (0 a 3 anos), é um campo ainda carente de

investigações. As duas profissionais atuam, cada uma, em uma Escola de

Educação Infantil (EMEI) na rede municipal de Uberlândia, e a composição das

cenas acompanhadas nas escolas ocorreu a partir dos estudos e de

planejamentos coletivos em nosso grupo, que tinha encontros quinzenais.

Dessa forma, o trabalho de campo24 foi sendo (re)configurado de

acordo com a necessidade e o desenvolvimento da pesquisa, não apontando

uma única estratégia para construir o material para análise. Durante a

22

A pesquisa contou com a colaboração de duas profissionais da Educação que possuem a mesma formação, entretanto, por terem sido admitidas na rede municipal de ensino em diferentes processos seletivos, ocupam cargos diferentes e funções específicas nas escolas que atuam. Lucássia Elias Ferreira ocupa o cargo de professora regente de sala. Laís Amaral Marques ocupa o cargo de educadora. Há distinção entre os cargos e as funções exercidas por cada uma. A Prefeitura Municipal de Uberlândia (PMU) faz distinção entre esses cargos por gestão de questões financeiras, uma vez que o cargo de Educador Infantil não pertence à carreira do magistério e, portanto, tem um custo menor aos cofres do município. Mas, no caso dessas duas colegas e do trabalho aqui apresentado, trata-se de uma condição bem semelhante nas atividades com as crianças e na colaboração na pesquisa, uma vez que os dados com elas construídos pautaram-se não na atribuição de seus cargos e funções, mas no planejamento, intervenção no grupo em que atuavam na escola e escrita de relatório monográfico. Detalharemos tais distinções na apresentação dos sujeitos e campo da pesquisa. Escolhemos, portanto, a denominação “profissionais” nos momentos que nos referirmos às duas colaboradoras da pesquisa de forma geral. Essas duas profissionais autorizaram a pesquisadora a utilizar seus nomes verdadeiros no trabalho da pesquisa. Por esta razão decidimos também utilizar os nomes verdadeiros das crianças e das escolas pois acreditamos que essa opção atribui a identidade da pesquisa a todos os envolvidos. 23

GI – Agrupamento Um – GIII – Agrupamento III. 24

Apresentaremos o percurso do trabalho de campo de forma mais completa no capítulo 2.

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42

realização da pesquisa, registramos em áudio os encontros coletivos onde

aconteciam os estudos e planejamentos entre a pesquisadora e as duas

profissionais. Acompanhamos a implementação das propostas planejadas

pelas docentes no cotidiano das escolas, e essas ações foram registradas em

vídeo. Os vídeos relevantes para as análises foram transcritos de acordo com a

necessidade da composição do presente relatório. Analisamos, também, os

Trabalhos de Conclusão de Curso das duas profissionais e um momento de

encontro específico em que problematizamos a prática pedagógica de cada

uma delas a fim de compreender seus processos de desenvolvimento.

A escola de Educação Infantil, por meio das (inter)ações ali vividas,

mostrou-se como espaço vivo, rico, latente de possibilidades e potencialidades

para adultos e crianças no que se refere ao seu processo de desenvolvimento

cultural. Ao mesmo tempo em que se luta pela ampliação do atendimento

nessa etapa da Educação Básica, também se organizam formas de trabalho

dialéticas que se manifestam na inter-relação com a cultura literária e o

processo vivido pelos sujeitos dos grupos. Vale, aqui, destacar a discussão de

Abrantes (2011) sobre a escola enquanto lócus de contradições que também

fazem parte de um processo histórico e cultural da própria forma de

organização da sociedade capitalista. Entretanto, destaca o autor que, sendo

parte da sociedade e compondo as contradições a ela inerentes, a escola

também pode ser espaço de resistência, de luta e, portanto, de emancipação

humana.

Apresentamos, nesta tese, um modo de compreender o

desenvolvimento humano a partir de uma perspectiva histórica e cultural,

compreendendo a escola e suas inter-relações como espaço de

(trans)formação de adultos e crianças. Analisamos esse processo a partir das

relações estabelecidas entre adultos e crianças na escola com arte literária.

Na tentativa de traduzir a significação do processo vivido,

organizamos o texto de modo a discutir, na introdução (item 1), o

desenvolvimento cultural da pesquisadora e explicitar a emergência do

problema da pesquisa. No capítulo 2, apresentamos os caminhos

metodológicos construídos, bem como as vivências do campo empírico com a

literatura, o modo como organizamos a investigação, as professoras, as

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crianças e escolas. Contamos essa história de modo a registrar caminhos e

potências de cada sujeito.

No capítulo 3, construímos um arcabouço teórico a fim de explicitar a

Literatura como instrumento técnico-semiótico e, por isso mesmo, mediador de

processos de desenvolvimento cultural, tendo, na teoria histórico-cultural,

sustentando essa tese em conceitos de Vigotski, quais sejam, vivências,

desenvolvimento cultural, signo e significação, novas formações; e, em Bakhtin,

conceitos como alteridade, dialogia, polifonia, inconclusibilidade, exotopia.

Seguimos, no capítulo 4, apresentando as análises que condensam

processos vividos ao longo da pesquisa e que auxiliam na compreensão de

indícios que ajudam a discutir o desenvolvimento cultural de adultos e crianças

na escola na inter-relação com a arte literária. Nesse capítulo, descrevemos o

processo vivido pelas profissionais, bem como as interfaces do trabalho que

propuseram, repercutido no desenvolvimento cultural das crianças.

No item 5 apresentamos algumas considerações sobre o que foi

possível aprender considerando o trabalho com a literatura na dimensão da

arte, tomando-a como possibilidade vivida/experienciada, entendendo que essa

atividade é um processo que transforma e pode dar origem a novas

necessidades e modos de ser e estar na escola.

Retomamos, no início deste capítulo, a epígrafe com o trecho que

tomamos emprestado de Michael Bakhtin para iniciar o presente texto

ressaltando a unidade de um trabalho e a formação de uma pesquisadora que

busca, de forma singular, assumir a “responsabilidade” em problematizar e

discutir questões fundamentais do trabalho com a literatura para e com as

crianças, fundamentada na arte literária e no cotidiano da escola, entendendo-a

como elemento da vida.

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2 O MOVIMENTO DIALÉTICO DA PESQUISA: (RE)CONSTRUINDO OS

CAMINHOS METODOLÓGICOS

[...] não se pode observar uma onda sem ter em conta os aspectos complexos que concernem para sua formação e aqueles outros, igualmente complexos, a que essa mesma onda dá lugar. Esses aspectos variam continuamente, pelo que uma onda é sempre diferente de uma outra onda; mas também é verdade que cada onda é igual a uma outra onda, mesmo que não seja aquela que lhe é imediatamente contígua e sucessiva [...] (CALVINO, 1983).

Os princípios da dialética marxista fundamentam nosso modo de

compreender os fenômenos que compõem a constituição humana. Assim como

Palomar deparou-se com a complexidade que envolvia estudar uma onda na

praia, uma vez que essa composição implicava diversos outros aspectos da

natureza na constante constituição de uma onda, também percebemos a

natureza da empreitada a que nos propusemos. Compreender e explicar os

processos desencadeados no desenvolvimento cultural de adultos e

crianças em sua inter-relação com a literatura na Educação Infantil, mais

especificamente em uma turma de berçário e GI (agrupamento 1) e outra

turma de GIII (agrupamento 3), coloca-se para nós como um grande

desafio. Os elementos amalgamados nesse processo são de natureza social e

dialética, e explicitá-los para compreendê-los exige, do pesquisador,

perspicácia e sabedoria que deem conta de reconstruir essa tarefa. Esperamos

conseguir transmitir, por meio do texto escrito, ao menos parte do

encantamento e da complexidade que envolveram todo o processo vivido.

Os caminhos pelos quais a pesquisa foi se delineando redefiniam

formas e ações metodológicas. E, mesmo no processo de escrita da tese, a

intenção de reconstruir os dados da pesquisa para interpretá-los implicou

procedimentos metodológicos que fizeram muita diferença na forma de

organizar o material empírico. Vigotski (2012), sobre o aspecto metodológico,

alerta que o objeto e o método de investigação possuem uma relação muito

estreita e que, portanto, o método deve ser adequado ao problema que se

estuda. Para tanto, é necessário conhecer as peculiaridades do objeto que se

quer apreciar a fim de se construir um método que responda a suas

especificidades. Sobre o desenvolvimento cultural da criança, que Vigotski

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concebe também como um processo de modificação da conduta, é

imprescindível que se estabeleçam métodos adequados e muito peculiares. E

este texto buscou apresentar nosso esforço nesta direção.

Embora o autor não nos aponte claramente algumas desxas

possibilidades em termos práticos, defende alguns princípios que buscamos

considerar no desenvolvimento desta pesquisa. O autor apresenta a ideia de

pesquisa centrada na possibilidade de explicar os processos pertinentes ao

problema estudado de forma histórica, ou seja, a partir dos princípios da

dialética marxista. “Estudar algo historicamente significa estudá-lo em

movimento. Esta é a exigência fundamental do método dialético” (VYGOTSKY,

2012, p. 67). No nosso caso, trata-se de acompanhar o processo de formação

em curso das duas profissionais e a repercussão de seu trabalho com a arte

literária no desenvolvimento das crianças.

A partir dessa consideração do autor, entendemos que ir para a

escola, acompanhar e participar de seus processos e interações seria a melhor

opção, pois é no chão da escola que se dão as (inter)ações entre crianças e

profissionais que têm em mãos oportunidades interessantes de atuação. Dessa

forma, seria de grande aprendizado conseguir explicitar as relações que ali se

apresentam entre adultos, crianças e a literatura.

Veremos, aqui, os modos como essas relações foram acontecendo.

Durante o período de organização e desenvolvimento deste trabalho,

chegamos a nos indagar sobre os motivos que nos levavam a realizar nossa

pesquisa na escola de Educação Infantil e, ainda, sobre as razões por

escolhermos a literatura e não outro elemento da rotina escolar como foco de

nossa investigação. Ocorre que consideramos a escola como um espaço

socialmente legitimado para adultos e crianças conviverem e compartilharem,

entre si, saberes e vivências. Entretanto vale ressaltar que o espaço escolar é

constituído na figura dos grupos que ali atuam. Profissionais e crianças dão

vida à escola, e é essa dimensão do espaço escolar que ganhou relevância na

construção desta pesquisa.

A partir de nossa atuação profissional e na proposição desta

pesquisa, nos perguntávamos: a literatura infantil aparece no trabalho das

escolas de Educação Infantil? Como aparece? Como se dão essas

(inter)relações na escola? Sabemos que há, ainda, muitas conquistas a serem

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feitas, mas muitas também já avançaram25. Portanto, escolher a escola de

Educação Infantil como espaço-tempo de pesquisa, de reflexão, debate,

discussão e proposição, foi-nos essencial. À medida que desenvolvemos

pesquisas, problematizamos o papel da escola, colocamos em perspectiva seu

currículo e os modos de trabalho com a literatura na creche e na pré-escola,

acreditamos que podemos contribuir para ampliar as potencialidades de

desenvolvimento de adultos e crianças que ali (con)vivem.

Mesmo percebendo as dificuldades da escola em desenvolver um

trabalho que realmente instigue as crianças e ultrapasse um modo de ensinar e

aprender hierarquizado, consideramos fundamental colocar em perspectiva

essa instituição, apontando para suas possibilidades. Rompendo com um

sistema fechado e ultrapassado que diminui as crianças e impõe uma rotina

entediante e que pouco acrescenta em seu desenvolvimento cultural,

objetivando a construção de processos e interações que, de fato, contribuirão

para que se “desenvolvam de forma integral”. Nesse sentido, esta pesquisa

busca compreender os processos de desenvolvimento cultural de

professoras e crianças no trabalho com a literatura no contexto da

Educação Infantil.

Conforme acompanhamos e registramos as situações vivenciadas

no cotidiano da escola, fomos reelaborando os objetivos da investigação, quais

sejam:

● Acompanhar e observar como professoras/profissionais da

Educação Infantil em uma rede pública de ensino trabalham com a literatura

infantil com suas crianças, que materiais, recursos e conhecimentos elas têm

para o desenvolvimento desse trabalho, e como ele se desdobra em seu

próprio desenvolvimento;

● Investigar os possíveis efeitos do trabalho com literatura infantil

nas crianças e nas professoras por meio de planejamento e acompanhamento

dessas mesmas atividades nas escolas;

● Compreender e aprofundar os sentidos de desenvolvimento

cultural tal como apresentado na obra de Vigotski em sua abrangência e

25

Embora estejamos vivendo um tempo de muitos retrocessos políticos e grandes ataques às conquistas sociais, principalmente na área da educação.

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complexidade de acordo com o trabalho desenvolvido pelas professoras

envolvidas com a pesquisa;

● Compreender o estatuto da imaginação no desenvolvimento

humano pelas vivências de professoras e crianças na escola e pelo trabalho

registrado com a literatura na Educação Infantil.

A partir desses objetivos, o trabalho de campo foi se delineando e

tomando rumos interessantes de construção de aprendizado mútuo. Os

princípios da pesquisa qualitativa em ciências humanas (FREITAS; SOUZA e

KRAMER, 2007), que considera o rigor científico, entretanto marcado por

procedimentos que deem conta da realidade pesquisada de forma dialética,

ancoraram todas as fases deste trabalho. Esta pesquisa “tem o materialismo

histórico-dialético como pano de fundo e expressa, em seus métodos, o

arcabouço conceitual e as marcas de sua vinculação dialética, conciliada com a

matriz do dialogismo.” (idem, p. 9).

Buscamos compreender os sentidos do trabalho com a arte literária

com crianças pequenas a fim de ampliar, então, as possibilidades de

discussões nessa dimensão.

2.1 Um Curso de Especialização: encontros e desejos

A ideia inicial para a realização da pesquisa de campo era buscar na

rede municipal de Uberlândia/MG escolas de Educação Infantil que tivessem

uma forte atuação no trabalho com Literatura. Como professora de Educação

Infantil na cidade, tínhamos notícias, por meio de cursos e oficinas ministrados

na rede, de que algumas instituições faziam um trabalho interessante nessa

perspectiva.

Inicialmente, pensamos em fazer uma consulta na Secretaria

Municipal de Educação a fim de buscar informações sobre essas escolas e

estabelecer um contato com elas. Partíamos da hipótese de que esse órgão

teria as informações sobre o trabalho pedagógico realizado e poderia, portanto,

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fazer-nos essa indicação26. Chegamos a planejar um questionário a ser

aplicado em todas as escolas de Educação Infantil do município como

instrumento de sondagem. Por meio dele, pensávamos que poderíamos ter as

informações que precisávamos para encontrar escolas de Educação Infantil da

rede municipal que trabalhassem com Literatura. Nosso interesse era

descobrir, a princípio, quais escolas tinham acesso a livros de literatura infantil,

quais os acervos possuíam e como atuavam com as crianças ao explorar a arte

literária. Tinha-se como escopo observar professoras e crianças em (inter)ação

com a literatura.

Entretanto, os caminhos da pesquisa foram se delineando de outra

forma, e a escolha das escolas acabou seguindo outro critério, hoje percebido

como extremamente rico e diferenciado para a pesquisadora e para os

desdobramentos da pesquisa. No processo de aprovação do projeto de

pesquisa pelo comitê de ética e nos delineamentos dos modos de aproximação

da rede pública, surgiu outra possibilidade que não estava anteriormente

prevista.

Paralelamente ao curso de doutorado, no decorrer do ano de 2015,

ministramos uma disciplina em um curso de especialização27 em Docência na

Educação Infantil oferecido pela Universidade Federal de Uberlândia. Esse

curso era destinado justamente a profissionais, educadoras, supervisoras, vice-

diretoras, diretoras e professoras que estavam atuando na Educação Infantil.

Tratava-se da disciplina Currículo, proposta pedagógica, planejamento e

organização do espaço, do tempo e das rotinas em creches e pré-escolas.

Como atividade do curso, também ficamos responsáveis por orientar os

trabalhos de conclusão de curso de cinco (5) alunas.

Essas alunas tinham interesse em aprofundar os estudos e construir

o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre os temas Literatura infantil e

Linguagem. Dessa forma, já estávamos envolvidas com professoras que

atuavam na Educação Infantil na rede municipal de Uberlândia, e, ao tomar

conhecimento de seus interesses de pesquisa para a construção do Trabalho

26

Essa nossa hipótese foi negada durante o trabalho de campo realizado posteriormente, quando as diretoras responsáveis pelas escolas esclareceram que a Secretaria Municipal de Educação nem tomava conhecimento das propostas pedagógicas ali desenvolvidas. 27

Tabela com quadro geral do curso de especialização em Docência na Educação Infantil em anexo (Anexo I).

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de Conclusão de Curso, consideramos a possibilidade de convidá-las a serem

nossas parceiras na presente investigação.

Assim, definiram-se também as escolas e a faixa etária com a qual

desenvolveríamos o trabalho de campo. Foi o contexto de experiência do/no

curso de especialização, e o fato de as professoras cursistas serem também

professoras da rede, interessadas em estudar, interessadas em conhecer mais

sobre linguagem e literatura, que propiciou esse jogo de posições e essa

condição de pesquisa. Dessa maneira, reconfiguraram-se dialeticamente nosso

objeto, os objetivos e redefiniram-se os métodos da pesquisa. Dentre os

objetivos anunciados anteriormente, somou-se a proposta de também

acompanhar e compreender o envolvimento e as experiências (BENJAMIN,

2002) das colaboradoras da pesquisa, uma vez que as profissionais iriam

estudar, planejar e intervir na realidade em que atuavam a partir de temas de

seus interesses, linguagem e literatura. E esses temas também eram de

interesse da pesquisadora.

Já fazíamos encontros periódicos com as cursistas, discutindo

questões de métodos e propostas de intervenções que teriam de realizar nas

escolas. Em um desses encontros, fizemos o convite para a participação como

colaboradoras na presente pesquisa, e obtivemos o aceite meio desconfiado, a

princípio, de todas elas. Entretanto, antes mesmo de iniciarmos o trabalho de

parceria, três das cinco cursistas deixaram o curso de especialização por

motivos diversos. Duas foram reprovadas em uma disciplina, o que já as

eliminava, e uma delas deixou o curso por questões pessoais.

Dessa forma, continuamos o trabalho com duas profissionais. Em

anexo (I), podem-se encontrar as informações gerais sobre o curso de

especialização e situar o objetivo geral de formação, bem como o eixo em que

se enquadra o Trabalho de Conclusão de Curso, e, consequentemente, onde

se constitui a parceria entre as profissionais e a pesquisadora.

A partir desse contexto geral, um curso de formação profissional,

que prevê elaborações teórico-práticas de âmbito da formação mais ampliada

das profissionais, surgiu a ideia de acompanhar as dimensões sociais

desencadeadas nas dimensões individuais nesse processo formativo. As

dimensões sociais e individuais podem ser compreendidas estabelecendo

relações entre o curso de especialização, a formação profissional específica de

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cada uma delas e o reflexo, o impacto disso na escola, na sala de aula e no

trabalho com as crianças. Há que se considerar, também, o retorno disso para

as dimensões coletivas dos nossos encontros e para as reelaborações

marcadas, constituídas nesse processo e no desenvolvimento das propostas

de intervenção que aconteceram nas escolas no segundo semestre de 2015.

Vale ressaltar que o mais importante no processo vivido não foi o

curso de especialização em si, ele se tornou um elemento inicial de encontro,

mas se destaca o trabalho coletivo construído entre as colaboradoras da

pesquisa e a pesquisadora no decorrer de todo o processo. Tratou-se,

portanto, de uma pesquisa colaborativa.

A fim de alcançar os objetivos traçados para a pesquisa, o trabalho

de campo constituiu-se a partir de princípios da pesquisa qualitativa, pautado

numa metodologia dialética, entendendo-a como uma maneira de pensar

elaborada em função da necessidade de reconhecermos a constante

emergência do novo na realidade humana (KONDER, 2008, p. 38). Assim,

articulamos o trabalho de campo buscando construir um diálogo de modo a

articular três frentes: o processo formativo das profissionais; o

desdobramento deste trabalho na sala de aula e nas propostas trazidas

para e com as crianças; e, por fim, como o trabalho com a literatura

infantil afeta as crianças e seus modos de participação.

Para reconhecer as totalidades em que a realidade está efetivamente articulada (em vez de inventar totalidades e procurar enquadrar nelas a realidade) o pensamento dialético é obrigado a um paciente trabalho: é obrigado a identificar, com esforço, gradualmente, as contradições concretas e as mediações específicas que constituem o “tecido” de cada totalidade, que dão „vida‟ a cada totalidade (KONDER, 2008, p. 44).

Os princípios teórico-metodológicos que se afirmaram nas práticas

de condução da pesquisa sustentaram uma forma de se organizar esse

processo. Portanto, foram registrados por meio de:

a. Encontros regulares para estudos e orientação do trabalho de

conclusão de curso;

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b. Planejamento entre a pesquisadora e as profissionais de acordo

com a necessidade de cada uma;

c. Acompanhamento da rotina e do desenvolvimento da proposta de

intervenção no trabalho dessas profissionais na escola, buscando capturar os

modos de participação das crianças com a literatura;

d. Gravação em vídeo das vivências na escola;

e. Análise conjunta de situações vivenciadas inspirada na proposta

de autoconfrontação cruzada (CLOT, 2010);28

f. Registro em diário de campo e produção de notas de campo29;

g. Construção de instrumentos de análise a fim de reconstruir as

fases da pesquisa e explicitar o problema de estudo;

h. Análise dos Trabalhos de Conclusão de Curso como forma

materializada de elaboração de pensamento e registro do próprio

desenvolvimento das professoras – A escrita como ferramenta

desencadeadora de processos de desenvolvimento;

i. Construção de categorias de análises a partir dos dados

(re)construídos.

Os instrumentos técnicos semióticos que subsidiaram todas as

ações foram o gravador para os registros em áudio; diário de campo da

pesquisadora para acompanhamento e registros das situações; e câmera para

registro em vídeo. Registramos vários momentos da rotina das crianças,

entretanto utilizaremos para análise apenas os que estão diretamente

relacionados com as vivências com a literatura infantil.

Destacamos que o registro em vídeo permite ao pesquisador

historiar as situações vividas no cotidiano a partir da possibilidade de retomar

“a posteriori” os acontecimentos, cruzando esses registros com as percepções

e anotações feitas em diário de campo. Nesse processo, é possível captar e

apontar as nuances das (inter)ações ali presentes, o que muito pode contribuir

com a construção do conhecimento sobre o objeto estudado.

28

Detalhes sobre esta metodologia serão apresentados a seguir. 29

A produção de notas de campo aqui mencionada é inspirada em estudos com orientação etnográfica. MERSON, Robert M.; FRETZ, Rachel I. & SHAW, Linda L. Notas de Campo na Pesquisa Etnográfica. In: Revista Tendências: Caderno de Ciências Sociais. Nº 7, 2013 ISSN: 1677-9460.

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Oportunizamos, também, junto às colaboradoras da pesquisa,

inspirada na técnica da autoconfrontação cruzada embasada na psicologia do

trabalho de Yves Clot (2010), um momento em que as profissionais pudessem

se ver atuando com as crianças e dialogassem sobre essa atuação. Essa ideia

surgiu principalmente em virtude das queixas das duas colegas acerca da

participação das crianças nas propostas a elas apresentadas. As duas não

conseguiam perceber que, ao oportunizar que as crianças se movimentassem

mais na sala, interagissem de forma mais livre nos espaços e dialogassem

mais entre si em momentos coletivos, estavam contribuindo para o seu

desenvolvimento. As profissionais percebiam esses momentos como “bagunça”

ou “dispersão”, por isso tivemos a ideia de contrapor a elas as imagens desses

momentos a fim de suscitar novas elaborações e percepções. Segundo o autor,

Faz-se a prova do poder de um tal fenômeno justamente quando se pratica uma autoconfrontação cruzada, isto é, quando se retoma a análise em comum da mesma gravação em vídeo com um outro especialista do domínio, um colega de trabalho com o mesmo nível de especialização, por exemplo. [...] A atividade de comentário ou de verbalização dos dados registrados, que difere a depender de se se realiza para o psicólogo ou para os pares, dá um acesso diferente ao real da atividade do sujeito (CLOT, 2010, p. 167).

A proposta é confrontar os sujeitos a imagens sobre si mesmos ao

lado de um outro colega, possibilitando o diálogo entre eles acerca da situação

vivida. Assim, “a verbalização é uma atividade do sujeito por direito próprio, e

não apenas um meio de acender a outra atividade. Por isso, podemos falar de

co-análise do trabalho” (idem, p. 168).

Ele visa se apropriar, para modificá-las, de suas respectivas mobilizações a propósito de seu trabalho e, em função disso, ver sua própria atividade “com os olhos” de outra atividade. Ele vivencia, decifra e por vezes desenvolve suas emoções por meio das emoções de outrem. É assim que ele encontra, sem forçosamente procurá-lo, alguma coisa de novo em si mesmo. (CLOT, 2010, p. 169-170)

Embora não tenhamos seguido todos os trâmites da proposta do

autor, a ideia de realizar essa atividade surgiu como forma de problematizar,

entre as profissionais envolvidas na pesquisa, as ações e o trabalho com a

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literatura, uma vez que, em alguns encontros, expressavam o desconforto por

promover atividades que deixassem as crianças mais livres, alegando que “a

atividade tinha virado uma bagunça”.

Deixamos que as profissionais escolhessem as cenas a que

gostariam de assistir. Isso se tornou muito interessante, pois essa escolha foi

baseada em sentimentos e percepções que tiveram sobre si mesmas e sobre a

participação das crianças no momento do desenvolvimento das atividades

propostas por elas.

Embora não tivesse havido uma combinação prévia acerca das

cenas a serem assistidas, de modo que todas as filmagens ficaram disponíveis

para a possível escolha das profissionais, destaca-se o fato de que essas duas

cenas também haviam sido observadas pela pesquisadora como marcantes no

desenvolvimento dessas colegas, e demonstram situações fundamentais na

rotina das crianças. Essa liberdade de escolha das cenas faz parte da proposta

de Clot, entretanto realmente houve uma coincidência de interesses entre as

profissionais e a pesquisadora.

No caso da professora Lucássia, a cena escolhida foi o momento em

que contou a história “O grande Rabanete”, de Tatiana Belinki. Essa cena

demonstra como a professora experimentou contar a história de outro modo,

diferente daquele a que já estava acostumada. Convidou as crianças para

dramatizarem a história enquanto ela mesma também ia, ao conduzir a

narrativa, participando como personagem. Essa novidade gerou grande euforia

nas crianças e até mesmo na professora. Para nós, sua ação demonstrou um

desejo de experimentar outro modo de desenvolver seu trabalho,

oportunizando que as crianças participassem da cena. Por isso, esse episódio

é tão rico e apresenta-se como fundamental para nossa pesquisa.

Já a cena “Bruxa, bruxa, venha à minha festa” selecionada pela

educadora Laís, está relacionada com todo o processo vivido pela educadora

no processo formativo, pois condensa a intervenção proposta na escola e no

trabalho com as crianças. Nesse episódio, a educadora culmina a intervenção

planejada ao longo do ano, qual seja, levar a biblioteca móvel para a turma do

berçário, contar para elas uma história e oportunizar que explorem livros de

literatura.

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Sendo assim, buscamos compreender e evidenciar as inter-relações

entre a literatura e o desenvolvimento cultural de adultos e crianças, aliando-se

a pesquisa às práticas pedagógicas que contemplam a linguagem literária no

espaço escolar por duas profissionais envolvidas em um processo formativo,

mais especificamente em uma turma de berçário - crianças de 0 a 2 anos, e

uma turma de GIII (crianças de 3a 4 anos).

2.1.1 Das experiências no/com o curso: as professoras como pesquisadoras

colaboradoras na pesquisa

No primeiro semestre de 2015, já fazíamos, desde fevereiro,

encontros mensais para orientação dos Trabalhos de Conclusão de Curso. A

partir da ideia de convidar as cursistas, organizamos, na orientação do mês de

abril, um momento que oportunizasse o convite para a participação na

pesquisa. Ao fim da orientação sobre metodologias e elaboração do tema de

estudo de cada uma, contamos sobre nossa pesquisa e fizemos o convite,

explicando que a parceria seria no sentido de a pesquisadora acompanhar os

processos vividos por cada uma delas.

As primeiras dúvidas com relação à parceria estavam

fundamentadas em dois medos: o de se expor e de terem “mais trabalho para

fazer”, uma vez que a rotina com o curso de especialização e com a própria

dinâmica na escola já lhes impunha muitas demandas. Diante dessas

inquietações, a pesquisadora esclareceu que toda a pesquisa ocorreria no

apoio e no acompanhamento ao que elas já iriam fazer: preparar uma

intervenção em seus grupos de atuação com base nos temas que já tinham

definido e, ao fim dessa intervenção, produzir um relatório final contando sobre

o processo vivido. Não pretendíamos trazer-lhes mais demandas, e, sim,

sermos parceiras no planejamento e orientações dos Trabalhos de Conclusão

de Curso que já estavam previstos.

Vale ressaltar que a relação estabelecida entre a pesquisadora e as

alunas orientandas do curso de especialização, convidadas a participar da

pesquisa, constituiu-se, principalmente, pelo papel social em que nos

encontrávamos. O fato de nós três compartilharmos a posição profissional de

atuação na Educação Infantil e estabelecer-se entre nós o desejo em

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aprofundar os estudos acerca da infância e do desenvolvimento infantil tornou-

se uma relação interessante.

Tranquilizadas sobre a questão de que a participação na pesquisa

não lhes traria mais “trabalho”, pois esclarecemos que a parceria seria no

sentido do acompanhamento do que elas já fariam e não traria nenhuma

demanda a mais, o aceite foi seguido por um pequeno presente dado pela

pesquisadora30. A partir desse dia, combinamos que todos os encontros

coletivos seriam contemplados com algo relacionado à arte, que nos

despertasse a sensibilidade e nos acalentasse diante de nossas demandas.

Nesse dia, inclusive, o presente foi teatralizado pela pesquisadora, que

buscava tornar os encontros mais atraentes e sensíveis para aspectos da arte.

Depois de três encontros seguidos, continuamos o trabalho de orientação dos

TCCs e de construção da pesquisa com apenas duas profissionais: Lucássia e

Laís, uma vez que as outras três professoras não continuaram no curso por

motivos já apresentados.

Destacamos, aqui, a discussão de Kramer (2002) sobre os cuidados

e a importância de se garantir a identidade dos sujeitos na pesquisa. No nosso

caso, a parceria foi estabelecida de forma a construir uma pesquisa

colaborativa em que a identificação das duas profissionais contribuiu muito

para reconhecer os processos vividos por todas nós.

Destacamos a confiança estabelecida como um fator fundamental

nessa decisão. A parceria edificou-se com o mesmo propósito, compreender as

crianças e seus modos de se relacionar com a linguagem literária, ao mesmo

tempo em que aprendíamos e experimentávamos modos de ser professora e

de trabalhar com a literatura em escolas de Educação Infantil. Sendo assim,

identificar-se significa assumir a autoria do trabalho realizado.

2.1.2 Os encontros

Os estudos com orientações e planejamentos realizados entre a

pesquisadora e as profissionais fora da escola totalizaram 19 (dezenove)

30

O livro “Escola Mágica”. Trata-se de um livro “mágico” que uso sempre em minha escola e que traz muito encantamento com as crianças. Elas ficam fascinadas. Com as profissionais não foi diferente. Ficaram fascinadas com minha forma de apresentá-lo e com o presente recebido.

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encontros coletivos, sendo 18 (dezoito) anteriores à finalização do Trabalho de

Conclusão de Curso (TCC) e 1 (um) posterior ao encerramento de todas as

etapas, inclusive ao dia da apresentação do trabalho à banca avaliadora do

curso de especialização, que também foi registrado em áudio pela

pesquisadora. O objetivo desse último encontro foi registrar as impressões e os

sentidos atribuídos pelas duas profissionais ao processo vivido. Todos esses

momentos foram registrados em áudio a fim de reconstruir as inter-relações

estabelecidas pelas colaboradoras em todo o processo, buscando

compreender modos de perceberem a si mesmas e suas atuações na escola,

bem como a forma como concebiam o seu próprio processo de

desenvolvimento.

Além desses dezenove encontros, tivemos mais 3 (três) com a

professora Lucássia, a pedido dela mesma, pois necessitava de apoio no

planejamento das atividades a serem desenvolvidas na escola. A educadora

Laís solicitou apenas um encontro fora daqueles do grupo, pois considerava

mais interessante os encontros coletivos, quando trocávamos experiências e

compartilhávamos as situações.

Os estudos entre a pesquisadora e as profissionais Lucássia e Laís

eram organizados em três momentos: estudo teórico de textos específicos,

dentre eles, textos que discutiam metodologia de pesquisa, formas de

organização do trabalho na escola e desenvolvimento infantil a partir da

concepção vigotskiana; socialização dos planejamentos e ações vividas na

escola; e, por fim, apreciação de alguma referência artística levada por uma de

nós. Poderia ser um texto, uma poesia, uma história ou uma imagem que nos

chamasse a atenção e despertasse, em nós, alguma provocação.

Esse formato de organização mostrou-se muito rico, uma vez que

dali tirávamos encaminhamentos para as ações a serem realizadas na escola,

bem como fundamentávamos as escolhas e as experiências para sala de aula

feitas por cada uma das profissionais. Os modos de acompanhamento de todas

as etapas do trabalho com as profissionais foram se organizando de acordo

com o desenrolar da pesquisa e das necessidades de cada uma de nós.

A aproximação da pesquisadora com as escolas ocorreu por meio

do contato e da negociação estabelecidos primeiramente por intermédio das

profissionais parceiras. Diante das intervenções que fariam e da negociação

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com as equipes da direção, e, ainda, da parceria firmada com a pesquisadora,

solicitaram formalmente nossa participação no cotidiano das escolas. Tivemos

os aceites das duas escolas mediante a autorização da Secretaria Municipal de

Educação. Todo esse processo só pôde fluir após a liberação do parecer do

Comitê de ética em pesquisa, que aconteceu em agosto de 2015.

Sobre os aceites das escolas e das famílias das crianças que

participariam da pesquisa, consideramos importante relatar aspectos dos

modos como se deu essa construção. Mediante a acolhida das escolas, a

definição das turmas e a possibilidade de nossa entrada a campo,

aproveitamos momentos de reuniões promovidas pelas escolas com as

famílias para apresentar a proposta da pesquisa e solicitar a assinatura do

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dos responsáveis pelos menores

(TCLE). Isso se deu entre o final de agosto e início de setembro de 2015.

2.1.3 Lucássia sua escola e as crianças do G III “E”

Lucássia nasceu em 1986 e começou a atuar na área de Educação

em 2008. É formada em Pedagogia e concluiu a pós-graduação em docência

na Educação Infantil no ano de 2016, período de construção dos dados desta

pesquisa. Ao longo de 8 (oito) anos de docência, atuou no Ensino Fundamental

inicial em uma escola privada e na Educação Infantil desde o primeiro ano de

ingresso na docência. Atualmente, dedica-se integralmente ao trabalho como

docente da Educação Infantil na rede municipal de Uberlândia. Quando tem

oportunidade, faz dobra de turno, substituindo alguma colega algumas vezes

durante o ano. Inclusive, durante o último mês da pesquisa em campo, a

professora optou por assumir aulas no contraturno na mesma escola em que

era lotada.

A professora atua na Escola Municipal de Educação Infantil do

Bairro Tibery (Anexo). Em 2015, ano do desenvolvimento da pesquisa e da

construção dos dados, atuou como professora RI31 – regente I – em uma turma

31

Para cumprimento da Lei nº 11.738 de 16 de Julho de 2008 que institui o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica e discorre sobre a jornada de trabalho do docente – esta lei estabelece o limite máximo de 2/3 da carga horaria do docente a ser direcionada ao desempenho das atividades de interação com os educandos – a Prefeitura Municipal de Uberlândia cria a Instrução Normativa nº 001 de 2014. Esta instrução regulamenta o cumprimento do

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de GIII, agrupamento de crianças que iniciavam o ano letivo com 3 (três) anos

de idade completos. É uma professora envolvida com seu trabalho e

demonstrou muito interesse em buscar uma formação continuada que

respondesse a seus conflitos e indagações da prática pedagógica.

Dentre as questões que a incomodavam na docência em 2015,

destacava-se o fato de trabalhar em um espaço físico muito precário, pois a

escola em que atuava funciona em uma casa adaptada para tal. A falta de

espaço para atender melhor às necessidades das crianças, inclusive no que se

refere ao trabalho com o movimento, foi o que mais teve destaque entre suas

queixas acerca de seu trabalho. Essas reclamações eram constantes em

momentos de diálogos e encontros coletivos, inclusive aparecendo nos

momentos de planejamento. Entretanto, na medida em que a pesquisa foi se

desenvolvendo, as queixas foram diminuindo de proporção, e o foco de

atenção da professora centrando-se mais em sua problemática de pesquisa.

O grupo em que atuava Lucássia era constituído por 18 (dezoito)

crianças – 10 (dez) meninos e 8 (oito) meninas –, a professora e uma

educadora. Era heterogêneo, com crianças falantes, espertas e muito

envolvidas com a escola. Todas elas eram naturais da cidade de

Uberlândia/MG e residentes na zona urbana, em sua maioria no mesmo bairro

em que se localiza a escola, na zona leste da cidade.

Embora não tenhamos encontrado nos registros de matrícula das

crianças informações sobre o perfil socioeconômico de suas famílias, foi

possível inferir que tal perfil varia entre as classes média-baixa e baixa. Dentre

o grupo de crianças, uma delas chamava mais a atenção da professora

Lucássia, que se dizia muito preocupada. Era o caso de Miguel, que

demonstrava, segundo a avaliação da professora, pouco aproveitamento e

compreensão das atividades propostas na escola.

Miguel tinha a fala pouco desenvolvida e um comportamento que

demonstrava não compreender os comandos dados pela professora.

módulo I e II e dispõe sobre o modo de exercício da lei para com o outro 1/3 da jornada de trabalho do docente. Foi publicada no Diário oficial do município sob o nº 4501 no dia 09 de outubro de 2014 e estabelece critérios para o cumprimento do Módulo I e II e do dia de formação continuada na rede municipal de Uberlândia. A distribuição das aulas nesses módulos é organizada com base no Plano Curricular da Educação Infantil do município que distribui os eixos de trabalho entre os docentes Regente I e Regente II de modo a cumprir a citada lei.

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Dispersava-se com facilidade e não correspondia ao que era proposto nas

atividades em sala. Durante a pesquisa, Miguel foi alvo de muitas reflexões e

discussões nos encontros coletivos, e também teve uma atenção especial nas

intervenções da professora. Outra criança que marcou o trabalho de Lucássia

durante a pesquisa foi Ana Clara, uma menina muito tímida que se recusava a

expressar-se no grupo maior, muitas vezes dependendo da total mediação da

professora em seu processo expressivo. Com o passar das intervenções

propostas, foi possível perceber um grande avanço nos modos de se relacionar

com os colegas e com a professora por parte desta criança.

Abaixo, é possível perceber as idades, bem como algumas

informações mais específicas de cada uma delas. A maioria das crianças

completou 4 anos próximo ou durante a realização da pesquisa. Esse

agrupamento atendeu as crianças com 3 anos completos no início do ano e

que completavam 4 a partir de maio/2015.

Quadro 01 – Grupo GIII E Prof.ª Lucássia – Escola Municipal do Bairro Tibery – Ano 2015

TURMA AGRUPAMENTO GIII – E -

NOME SEXO DATA NASC. RAÇA IDADE NO INÍCIO

PESQUISA

CAMPO/SETEMBRO/2015

1 Ana Cecília F 31/10/20011 Branca 3 anos e 11 meses

2 Ana Clara F 10/06/2011 Branca 4 anos e 3 meses

3 Bruna F 14/07/2011 Branca 4 anos e 2 meses

4 Bryan M 01/07/2011 Parda 4 anos e 2 meses

5 Cauã M 28/12/2011 Branca 3 anos e 9 meses

6 Daniel M 21/05/2011 Branca 4 anos e 4 meses

7 Gabriel M 08/12/2011 Negra 3 anos e 9 meses

8 Isabella F 29/06/2011 Branca 4 anos e 3 meses

9 Isabelly F 10/11/2011 Branca 3 anos e 10 meses

10 João Pedro M 06/10/2011 Branca 3 anos e 11 meses

11 João Victor M 24/10/2011 Branca 3 anos e 11 meses

12 Léo M 01/06/2011 Branca 4 anos e 3 meses

13 Maria Júlia F 02/06/2011 Branca 4 anos e 3 meses

14 Maryanne F 17/06/2011 Parda 4 anos e 3 meses

15 Miguel M 07/02/2012 Parda 3 anos e 7 meses

16 Paulo Renato M 09/02/2012 Parda 3 anos e 7 meses

17 Raul M 29/09/2011 Branca 3 anos e 11 meses

18 Sara F 02/08/2011 Negra 4 anos e 1 mês

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Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

As crianças demonstravam gostar da escola e das atividades

propostas por meio da participação e da expressão de suas ideias quando lhes

era possibilitado que isso acontecesse. Os momentos em que a professora

explorava os livros de histórias levados para casa foram, para nossa pesquisa,

os que mais demonstraram o gosto das crianças pelas atividades escolares.

Poder falar sobre o que aconteceu em seu grupo familiar com a proposta da

leitura de um livro, compartilhar com seus colegas as impressões que tiveram

acerca da história lida e, ainda, ocupar o lugar de “Contador de história” em

sala para seus colegas foi algo muito significativo e marcante, como veremos

no decorrer das discussões apresentadas nesta tese. Embora no grupo

houvesse algumas crianças tímidas, esse era o momento mais esperado,

inclusive para os pequenos com mais resistência a se expressar.

As relações estabelecidas entre a professora e as crianças

passaram por um processo de (trans)formação à medida que a docente foi

estudando e compreendendo o papel da linguagem no processo constitutivo

dos sujeitos. Tais relações serão mais bem problematizadas e discutidas

adiante, entretanto apresentar esse comentário aqui se torna importante na

medida em que, ao serem (trans)formadas as relações, transformam-se,

também, os sujeitos que se (inter)relacionam na dialética das relações

educativas. Professora, crianças e pesquisadora (re)descobrindo-se e

descobrindo novos modos de ser criança e ser professora na escola e na sala

de aula.

2.1.4 A Escola Municipal de Educação Infantil do Bairro Tibery

A Escola de Educação Infantil do Bairro Tibery foi fundada em 1983,

sendo fruto de lutas dos moradores e mantida pela associação dos moradores

do bairro Tibery (Anexo II) até o ano de 1985, quando passou a ser de

responsabilidade do município e mantida pela Secretaria de Trabalho e Ação

Social. Apenas no ano de 1995, a creche foi municipalizada e passou a fazer

parte do orçamento da PMU, passando para a Secretaria Municipal de

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Educação apenas no ano de 2002. Entretanto, desde sua fundação, sempre

teve seu atendimento instalado em casas alugadas e adaptadas.

A escola é composta por duas unidades, a sede e o anexo. De

acordo com informações obtidas no Projeto Político-Pedagógico da Escola, em

2015, ano de desenvolvimento desta pesquisa, a

Escola Municipal de Educação Infantil do Bairro Tibery, sede e anexo, contou com onze professoras RI, sete professoras RII, três professoras eventuais e uma professora AEE, quarenta e três educadores infantis, treze ASAs (Agentes de Serviços Administrativos), quatro supervisoras, um assistente administrativo, e uma diretora. Atendendo diariamente 196 crianças, de 01 a 03 anos de idade no período integral e parcial manhã e tarde. (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO EMEI TIBERY, 2016).

Os horários de atendimento da escola são:

- Período manhã: das 7h00min às 11h25min;

- Período da tarde: das 13h00min às 17h25min;

- Período integral: das 7h00min às 17h00min.

A pesquisa foi desenvolvida na unidade do Anexo, criada para

atender as demandas do bairro que não eram supridas pela sede (ver

localização das duas unidades no Anexo III). As duas unidades funcionam em

casas adaptadas. A entrada da escola é feita pelo que seria a garagem da

casa. Logo na entrada, à esquerda, funciona a secretaria da escola, numa sala

de aproximadamente 6m². Nesse mesmo espaço, funciona a sala da direção,

supervisão e secretaria escolar.

Entrando na “casa”, onde seriam quartos são adaptadas 4 (quatro)

salas de aula, um hall onde ficam armários com materiais como livros, tintas,

papéis, brinquedos etc. Na parte externa, mas junto ao prédio principal, há um

espaço coberto onde funciona o refeitório e mais uma sala. Nessa sala de

menos de 9m², eram atendidas as crianças do GIII da turma da professora

Lucássia. No corpo da casa, na parte interna, havia um banheiro de uso de

todas as turmas e, em uma das salas internas, outro banheiro, de uso da turma

de tempo integral. Na parte externa, junto ao refeitório, há uma cozinha e um

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banheiro de uso dos funcionários. Ao fundo, há outro banheiro e uma

lavanderia, ainda junto ao corpo da casa.

Fora do corpo da casa, havia um espaço multiuso coberto onde

eram desenvolvidas atividades com as crianças em formato de rodízio. Esse

espaço é chamado de brinquedoteca/biblioteca. No mesmo lugar, funcionava a

sala de professores, local para planejamento com a supervisora, lanche das

docentes e, ao fundo, um lugar adaptado como almoxarifado. Era

principalmente ali que as profissionais se encontravam em momentos de

lanche e módulo. Na parte externa, ao fundo da casa, era o espaço destinado à

recreação, entretanto era uma área toda cimentada e totalmente exposta ao

sol.

A garagem, a parte frontal da casa, o espaço de recreação e o

espaço ao lado da sala de professores eram utilizados pelas docentes

seguindo um rodízio para que as crianças não ficassem apenas dentro de sala

de aula, uma vez que tais áreas eram muito pequenas, inviabilizando

atividades que tivessem mais movimentos. A sala onde a professora Lucássia

atendia suas crianças não tinha mais que 9m². Ao ficarem sentadas umas ao

lado das outras, as crianças ocupavam duas paredes inteiras, e suas perninhas

tinham de ficar esticadas, pois não era possível nem sentar com elas cruzadas

como “perninhas de índio”.

Em atividades que promovessem mais movimento, tais como a

brincadeira do macaquinho, que elas adoravam, ao se jogarem no chão, não

sobrava nenhum espaço entre elas. Essa era uma constante queixa da

professora Lucássia. Ela dizia que o espaço físico dificultava as possibilidades

de propostas a serem desenvolvidas e justificava, muitas vezes, que era

necessário conter o movimento das crianças em virtude do pouco espaço que

tinham para se movimentar.

No ano de 2014, todos os funcionários da escola, pais e moradores

do bairro fizeram um movimento cobrando do prefeito da cidade a construção

de um prédio que atendesse a clientela dessas escolas. Entretanto, como já

existe uma escola construída no bairro, essa reivindicação não foi atendida. A

construção dos dados da pesquisa aconteceu acompanhando a turma do GIII

em diferentes situações e espaços da escola.

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Nosso contato com a escola ocorreu por intermédio da colaboradora

Lucássia. Entretanto, as filmagens só puderam ter início mediante a

apresentação do parecer do comitê de ética em pesquisa e da autorização da

Secretaria Municipal de Educação, além da permissão da diretora da escola.

Ademais, pretendíamos acompanhar a proposta de intervenção da educadora,

que ainda estava em fase de elaboração.

Iniciamos as filmagens no mês de setembro de 2015, e as aulas

acompanhadas e registradas em vídeo totalizaram 16 encontros. A escola

possui um blog32 em que divulgam trabalhos e atividades desenvolvidas com

as crianças e as famílias na escola.

2.1.5 Laís, sua escola e as crianças do berçário e GI

A educadora Laís nasceu em 1991, é formada em Pedagogia, e

concluiu o curso de pós-graduação em docência na Educação Infantil no ano

de 2016, também no período de construção desta pesquisa. Atua na área da

Educação Infantil desde 2012, e é educadora efetiva na parte da manhã na

Escola de Educação Infantil do Bairro Pampulha. Sua função consistia, no ano

de 2015, em apoiar o trabalho da professora regente em uma turma de berçário

e G1 – 4 meses a dois anos.

O cargo de educador infantil existe na prefeitura municipal de

Uberlândia desde 200433. Trata-se de um cargo administrativo que não

pertence à carreira do magistério, entretanto foi criado para auxiliar o trabalho

do/a professor/a com atividades pedagógicas e de cuidados com as crianças

em creches e pré-escolas.

32

http://emeitibery.blogspot.com.br/?view=timeslide 33

Sabemos das discussões em torno da diferenciação entre os cargos dos profissionais que atuam com as crianças. No caso do Município de Uberlândia, em que as equipes são formadas por uma professora regente por turma e educadoras, há tensões e conflitos frente às atribuições de cada uma delas, principalmente pelos modos como se constroem as relações de trabalho. Sabe-se que essa diferenciação entre os cargos existe por questões políticas e administrativas, principalmente por interesses da administração pública em diminuir os gastos financeiros. Ressalta-se a necessidade de pesquisas que discutam e problematizem esse formato de gestão pública da educação das crianças, bem como as relações estabelecidas entre os profissionais, problematizando cargos que auxiliam na docência, mas que não pertencem à carreira do magistério.

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No ano de 2015, Laís atuou em uma turma de berçário e GI34

composta por 18 (dezoito) crianças que ficavam na escola em período integral,

e, também, no turno da tarde, como cuidadora acompanhando uma criança

com deficiência. Laís mostrou-se uma profissional bastante envolvida com o

seu trabalho. Auxiliava a professora regente em todas as propostas

desenvolvidas, inclusive contribuindo na confecção de cartazes e registros do

grupo, fossem para exposição na própria escola ou para apreciação das

famílias.

Do total de crianças do grupo, 13 (treze) são meninos e 6 (seis) são

meninas. Esse grupo também era composto por uma professora regente, e

mais duas educadoras além de Laís no período da manhã. No período da

tarde, as crianças ficavam sob a responsabilidade de outras 4 (quatro)

educadoras. Entretanto, os dados referentes a esta pesquisa foram construídos

com esse grupo no período da manhã.

O grupo de crianças apresentava características bem diversas, pois

se tratava de duas turmas, o berçário, que era composto por 5 (cinco) crianças,

todas nascidas em 2014; o Agrupamento I (G I), composto por 8 (oito) crianças

nascidas em 2013; e 5 (cinco) nascidas no início de 2014. Do total de 18

crianças no grupo, apenas 1 (uma) não andava, locomovendo-se

engatinhando. No entanto, todas elas já apresentavam bastante autonomia

para se locomover e interagir entre si.

Com relação à fala, as crianças do berçário, e, até mesmo, a maioria

da turma do GI, ainda estavam desenvolvendo essa linguagem, comunicando-

se principalmente por meio de gestos e balbucios, apresentando grandes

possibilidades de comunicação entre si e as profissionais. Todas elas eram

naturais da cidade de Uberlândia/MG, com exceção de apenas uma criança,

nascida em outra cidade do estado de Minas Gerais. Todas também são

residentes na zona urbana, em sua maioria no mesmo bairro em que se

localiza a escola, na zona sul da cidade. Assim como na outra escola, algumas

informações sobre as crianças foram colhidas em suas fichas de matrícula.

As escolas não dispunham de dados sobre o perfil socioeconômico

das famílias das crianças e, aqui, também foi possível inferir que tal perfil varia

34

São duas turmas – Berçário e GI –, mas em um mesmo grupo de crianças.

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entre as classes média-baixa e baixa. Dentre o grupo de crianças, uma delas,

Tiago, chamava mais a atenção da equipe no que se referia ao modo de estar

na escola.

Tiago estava sempre com muito sono, ficando grande parte do

tempo dormindo ou cochilando, levando a professora a solicitar investigação da

família. Entretanto, no dia da atividade que compõe um dos episódios que

apresentaremos na análise, surpreendeu-nos com seu envolvimento e

disposição na proposta. Nesse grupo, havia uma criança com deficiência física,

contudo essa característica não comprometia sua participação nas atividades.

A rotina era bem dinâmica, e as crianças deslumbravam-se com todas as

propostas apresentadas pela professora regente e acompanhada pelas

educadoras. Cantar fazendo gestos, experimentar os movimentos, correndo,

pulando, gritando, reconhecer objetos, ouvir histórias eram elementos

constantes da rotina desse grupo. Atividades que eram muito significativas para

os pequenos que viviam tudo com muito entusiasmo.

A seguir, apresentamos um quadro com informações específicas a

fim de visualizar mais algumas características deste grupo.

Quadro 02 – Turma Agrupamento Berçário

Prof.ª Laís – Escola de Educação Infantil do Bairro Pampulha – Ano 2015

TURMA AGRUPAMENTO BERÇÁRIO

NOME SEXO DATA NASC. RAÇA IDADE NO INÍCIO DA

PESQUISA DE

CAMPO/SETEMBRO/2015

1 Arthur M 02/10/2014 Branca 11 meses

2 Artur Kemuel M 08/08/2014 Negra 1 ano e 1 mês

3 Eduardo M 07/07/2014 Branca 1 ano e 2 meses

4 João Maciel M 03/06/2014 Parda 1 ano e 3 meses

5 Júlia F 12/06/2014 Branca 1 ano e 3 meses

AGRUPAMENTO I – GI

6 Benjamin M 27/08/2013 Negra 2 anos e 1 mês

7 Bruna F 18/05/2013 Branca 2 anos e 4 meses

8 Denik M 12/02/2014 Negra 1 ano e 7 meses

9 Higor (Gêmeo com

Sophia)

M 04/09/2013 Branca 2 anos

10 Isadora F 01/09/2013 Parda 2 anos

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11 Lara F 26/05/2013 Branca 2 anos e 4 meses

12 Pietro M 19/03/2014 Branca 1 ano e 6 meses

13 Samuel Henrique M 26/02/2014 Parda 1 ano e 7 meses

14 Sophia F 04/09/2013 Branca 2 anos

15 Tarsila F 17/02/2014 Branca 1 ano e 7 meses

16 Thiago Felipe M 16/09/2013 Branca 2 anos

17 Miguel M 25/07/2013 Branca 2 anos e 2 meses

18 Pietro M 31/07/2014 Branca 1 ano 2 meses

Fonte: elaborado pela autora.

Como é possível perceber nas apresentações e descrições acerca

dos dois grupos, podemos afirmar que as crianças apresentam características

diversas no que se refere à idade, à situação socioeconômica, ao

desenvolvimento motor e afetivo-emocional, e ao gênero, sendo a escola, para

elas, um espaço de convivência e de múltiplas aprendizagens.

2.1.6 A Escola Municipal de Educação Infantil do Bairro Pampulha

A Escola Municipal de Educação Infantil do Bairro Pampulha foi

criada em 1982, fruto de lutas coletivas dos moradores desse bairro. Por meio

da organização da associação de moradores, a creche foi construída em

sistema de mutirão na comunidade local. Nas informações retiradas do Projeto

Político-Pedagógico da Escola, foi possível perceber que a comunidade do

Bairro Pampulha atuou ativamente na estruturação dessa unidade desde seu

início. E essa informação também foi confirmada pela diretora e pela

coordenadora escolar, que ressaltaram a participação e parceria das famílias

nas propostas e projetos desenvolvidos pela escola. Depois de muitas

mudanças e lutas por uma sede própria, o prédio atual foi inaugurado em

janeiro de 2001, com uma construção mais moderna, de alvenaria, com

recursos da Prefeitura Municipal de Uberlândia.

Em 2003 o prédio passou por reformas tendo a ampliação e criação de mais três salas de aula e um lactário independente da cozinha central. Hoje a EMEI Pampulha atende 208 crianças das quais 68 ficam em período integral e 108 em período parcial. São admitidas, nesta unidade de ensino, crianças de 4 meses a 5 anos de idade, respeitando-se as normas legais vigentes. O

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atendimento às crianças, na Escola Municipal de Educação Infantil Pampulha, é realizado de forma integral e parcial (meio período). As turmas são organizadas por agrupamento respeitando a faixa etária determinada pela Secretaria Municipal de Educação. Atualmente as turmas estão organizadas da seguinte forma: Berçário (menores de um ano) Grupo I (01 ano), Grupo II (2 anos), Grupo III (3 anos), 1º período (04 anos), 2º período (05 anos) (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO – EMEI PAMPULHA 2015).

De acordo com informações da escola, há uma lista de espera que

conta, atualmente, com 267 inscritos, com procura constante todos os dias, o

que demonstra a necessidade real de se inaugurar um anexo dessa unidade. A

Educação Básica oferecida por essa Unidade de Ensino compreende a

Educação Infantil para crianças de um ano a cinco anos de idade e funciona da

seguinte forma:

- Período manhã: das 07h00min às 11h25min – GIII, 1º período e 2º

período;

- Período da tarde: das 13h00min às 17h25min – GII, 1º período e 2º

período;

- Período integral: das 07h00min às 17h25min – berçário GI, GII,

GIII, 1º período e 2º período.

A escola conta com 54 (cinquenta e quatro) funcionários, distribuídos

entre os trabalhos nos dois turnos – manhã e tarde –, aos quais se somam 10

(dez) professoras regentes I e II, 22 (vinte e duas/dois) educadoras/es, 8 (oito)

Auxiliares de Serviços Gerais, 2 (duas) professoras readaptadas, 2 (duas)

supervisoras, 2 (duas) professoras eventuais, 1 (uma) professora responsável

pela biblioteca, 1 (uma) professora de Educação Física, 3 (três) funcionários da

secretaria, e 1 (uma) diretora escolar.

A escola tem sede própria e foi construída para essa finalidade,

portanto apresenta-se com uma infraestrutura mais apropriada para atender as

crianças. Na entrada, na parte frontal, há um espaço de terra com um pequeno

parque de areia, um escorregador e uma casinha de madeira para as crianças

brincarem. Há, na frente, um solário onde as professoras contam histórias, dão

a fruta ou propõem alguma brincadeira.

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Entrando por um corredor, à direita, fica a secretaria escolar,

seguida pela sala da direção e da supervisão. A sala da supervisora é dividida

com estantes onde ficam os livros de literatura da escola. Todos estão

catalogados e disponíveis para empréstimos para pais, crianças e profissionais.

Nessa pequena sala, também ficam duas mesas, uma de uso da supervisora e

outra com um computador para uso dos/das profissionais da escola.

Ao lado dessa sala, fica o grupo do segundo período e, em seguida,

a cantina. Do lado esquerdo, ficam os banheiros masculino e feminino, todos

adaptados aos tamanhos das crianças. Há também dois banheiros de uso dos

funcionários, uma sala de professores, um almoxarifado, e mais 05 salas de

aula. O acesso a essas salas é feito pelo espaço do refeitório, que fica no

centro do prédio.

Ao fundo da escola, há um quiosque coberto, dois escorregadores e

um outro brinquedo grande de plástico. Há, também nessa área, uma casinha

pequena feita em alvenaria onde as crianças podem entrar e brincar, e um

outro espaço também feito em alvenaria, estilo caramanchão, que é

denominado pelas profissionais como “o espaço do conto”. Esse lugar pode ser

coberto por plantas e utilizado para diversas atividades, tais como ouvir

histórias, brincar, comer frutas, dentre outras. Era justamente nesse local que a

profissional Laís havia proposto construir a biblioteca da escola.

A sala do berçário e GI, onde foram construídos os dados desta

pesquisa, é ampla com mais ou menos 20m². A sala é organizada com 13

colchões para o descanso e 5 berços. Há um armário para guardar materiais

das profissionais, uma mesa pequena e cabides nas paredes para colocar as

bolsas das crianças. Anexo a essa sala há o espaço do banho com grandes

banheiras com chuveiro e, ainda, um lactário de preparo das mamadeiras e

frutas dos bebês.

Nosso contato com a escola ocorreu por intermédio da colaboradora

Laís. Entretanto, as filmagens só puderem ter início mediante a apresentação

do parecer do comitê de ética em pesquisa e da autorização da Secretaria

Municipal de Educação. Além disso, pretendíamos acompanhar a proposta de

intervenção da educadora, que ainda estava em fase de elaboração. Esse

processo demorou em torno de um mês após o nosso primeiro contato na

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escola. Iniciamos as filmagens no mês de setembro de 2015, totalizando 17

(dezessete) encontros acompanhados e registrados em vídeo.

A convivência nas escolas nos trouxe muito aprendizado e foi

fundamental acompanhar outros espaços, como a secretaria escolar, a sala de

professores, o refeitório, os espaços de recreação com as crianças, como

parque e pátio, a fim de construir um olhar ampliado sobres as rotinas e os

modos de interações ali estabelecidos. A dedicação na construção desse olhar

ampliado permitiu compreender melhor a forma de planejamento das

profissionais, suas rotinas e elaborações para atender ao planejamento e às

necessidades das crianças. Consideramos interessante ressaltar que se tratou

de uma colaboração que pode tornar a pesquisa mais integrada aos processos

vividos pelos sujeitos da escola.

Nossa parceria com as duas profissionais foi estabelecida por meio

do acompanhamento de todo o percurso de elaboração de seus TCCs, na

construção do tema a ser investigado, na elaboração e no desenvolvimento da

intervenção em seus espaços de atuação e na produção do trabalho de

conclusão de curso, inclusive no seu processo de defesa. Além disso, nossa

pesquisa propôs-se a construir uma análise acerca das implicações desse

processo no desenvolvimento cultural das crianças, mais especificamente no

que se refere ao trabalho com a literatura infantil.

2.2 Projetos de Literatura desenvolvidos nas duas escolas: emergência de

possibilidades

As duas unidades já desenvolviam projetos voltados para a literatura

e demonstravam preocupação com esse elemento na prática pedagógica.

Embora não tenhamos encontrado nas diretrizes municipais nenhuma

referência ao trabalho com a literatura nessa rede, segundo as colaboradoras

da pesquisa, existe orientação para que esse trabalho aconteça nos Projetos

Políticos-Pedagógicos das escolas. Entretanto, cada escola organiza-se de

uma forma específica de acordo com sua gestão e sua realidade. E, ainda,

dentro da escola, cada professora também se organiza para desenvolver o

projeto em seu grupo de acordo com suas possibilidades e desejos.

Acompanhamos algumas situações de desenvolvimento desses projetos

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repercutidos em toda a escola, mas nos detivemos mais profundamente aos

seus desdobramentos em sala de aula, na atuação das profissionais

colaboradoras da pesquisa e nas relações com as crianças.

Na Escola Municipal do Bairro Pampulha, era desenvolvido o

“Projeto Centopeia”, cujo objetivo era favorecer, com as crianças o

desenvolvimento das capacidades linguísticas e criadoras, fomentando nelas o

gosto pela leitura e estreitando as relações entre pais e filhos. Dentre os

objetivos específicos, propunha levar as crianças a ampliar o vocabulário,

identificar os elementos da história, estimular o discurso oral, incentivá-las a

recontar as histórias lidas pelos pais e apresentar a elas outras possibilidades e

vivências.

O projeto era desenvolvido enviando, para leitura em casa, livros de

histórias escolhidos pelas crianças ou pelas docentes. O livro era enviado

dentro de uma sacolinha destinada ao projeto juntamente com um caderno de

registro. A proposta era propiciar a leitura com as famílias, estimulando e

entendendo esse momento como enriquecedor no processo da criança.

Solicitava-se que, após a leitura, o responsável redigisse um breve

comentário a respeito da história contada e que a criança produzisse um

registro acerca de suas impressões sobre a história por meio de desenhos,

recortes e colagens etc. No dia marcado pela professora, a criança traria a

sacolinha para a escola, e a história lida era socializada durante a rodinha de

conversa. Sugeria-se que os pais que tivessem disponibilidade viessem à

escola para contar a história lida, entretanto isso não ocorreu. O projeto ainda

previa que, a cada quinze registros feitos pela turma, a sala receberia uma

parte do corpo de uma centopeia de brinquedo para que, gradativamente,

fossem montando esse bichinho a fim de culminar o projeto com a construção

de todo o seu corpo.

Na turma do berçário e GI, na qual acompanhamos a rotina de

trabalho dos meses de setembro a dezembro de 2015, o projeto não estava

acontecendo. A professora regente justificou tal questão com a falta de sacolas

destinadas ao berçário, dizendo que tivera de “ceder” a sacola do berçário para

a turma de 1º (primeiro período), pois esse grupo necessitava de duas sacolas.

Essas sacolas eram providenciadas pela coordenação, que

distribuía uma para cada turma. Entretanto, segundo a professora, ao ceder a

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sacola do berçário para a turma de 1º período, não houve como desenvolver o

projeto. Nossa reação frente a essa justificativa dada pela professora foi de

espanto, pois o fato de não se ter uma sacola específica, a nosso ver, não

poderia ser impedimento para que a proposta fosse viabilizada. Por isso,

oferecemos à professora uma sacola alternativa a fim de viabilizar o

desenvolvimento do projeto e oportunizar em nossa pesquisa mais esse rico

elemento: acompanhar crianças de 0 a 2 anos experimentando levar livros para

casa. A professora regente aceitou nossa oferta, e o projeto desenvolveu-se

nesse formato, nos meses de novembro e dezembro. E temos registros desses

ricos momentos em vídeo.

O trabalho da educadora Laís com a literatura não tem uma relação

direta com este projeto, no entanto consideramos importante relatar aqui a

preocupação da escola em trabalhar com a literatura infantil e a riqueza das

situações produzidas com as crianças do grupo do Berçário e GI na interação

com os livros de história.

Na Escola Municipal do Bairro Tibery, embora com outra

denominação, “Projeto Conta e Reconta”, a proposta de trabalho com o projeto

de literatura em sala de aula seguia o mesmo formato. Entretanto, nessa

escola, na turma da professora Lucássia, o projeto acontecia todos os dias

regularmente. Inclusive, os registros que temos das interações das crianças

com a literatura no trabalho com a professora aconteceram sempre nos

momentos de exploração das histórias levadas para casa com as crianças,

como desdobramento das ações propostas neste projeto. Foram os momentos

de leitura de histórias, exploração dos livros, proposição de contação de

histórias pelas crianças e para as crianças, construção de um livro pelo grupo,

que compuseram todos os registros de nossas observações com a linguagem e

a literatura nesse grupo.

2.3 Os objetos de estudo das profissionais: o encontro com a

pesquisadora e o encanto com as crianças

O encontro de objetos de estudos entre as profissionais e a

pesquisadora ocorreu a partir dos temas de interesse de propostas de

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intervenção das profissionais nas escolas em que atuavam. Esses temas

vinham ao encontro de nossa problemática de pesquisa.

Elas sabiam que o campo de estudo da pesquisadora constituía-se

na linguagem35 e na literatura, e, ao mesmo tempo, compreendiam o nosso

papel como orientadora do trabalho de TCC. Sendo assim, o encontro

desenvolveu-se no interesse comum de construir conhecimentos sobre a

linguagem e as possibilidades do trabalho com a literatura, bem como na

mesma preocupação em propiciar processos e acompanhar o desenvolvimento

cultural das crianças na escola.

Do encontro desses desejos, ocupando os papéis sociais de

professoras e pesquisadoras no campo da Educação Infantil, constitui-se uma

relação de respeito e parceria. Sendo assim, a análise do presente estudo

tentará abarcar a trama pela qual se desencadeou o processo formativo das

duas profissionais, bem como os modos de significar o trabalho realizado.

O interesse desta pesquisa pauta-se na possibilidade de explicitar

processos de desenvolvimento cultural humano desencadeados nas inter-

relações com a literatura infantil na escola. No caso das profissionais, os

modos de atuação no trabalho com a literatura na Educação Infantil e a

repercussão desse fazer no próprio trabalho docente, bem como no

desenvolvimento cultural das crianças. E, no caso da pesquisadora, a

possibilidade de orientar e participar desse processo, construindo

conhecimentos que tanto reverberaram na construção desta pesquisa, como

também nos modos de ser professora.

Apresentamos as ações desenvolvidas pelas docentes na escola no

segundo semestre de 2015, e explicitamos com destaque em negrito os

elementos dessas ações, compostos em episódios que serão foco de nossa

análise nesta tese. Os temas de estudo de cada uma delas, os objetivos e as

intenções com a intervenção desenvolvida nas escolas encontram-se nos

anexos (ANEXO IV) deste texto. Todo o processo vivido pode também ser

visualizado na leitura dos trabalhos monográficos produzidos pelas autoras.

35

Participávamos do Grupo de Pesquisa Pensamento e Linguagem (GPPL) na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.

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O tema de estudo e intervenção de Lucássia foi O papel da

linguagem oral no desenvolvimento das crianças. As ações desenvolvidas pela

professora durante a construção de sua pesquisa foram:

Estudos teóricos sobre a Linguagem – aprofundando a

compreensão acerca dos modos de concebê-la na sua relação com as

crianças;

Implementação de ações teórico-práticas no dia a dia da escola e

da sala de aula;

▪ Mudança de postura – “olhar” sobre as capacidades das crianças;

▪ Reorganização do horário da entrada – as crianças passaram a ser

recebidas com a sala organizada em “cantos” com brinquedos e jogos

promovendo maior possibilidade de (inter)ação entre elas;

▪ Ouvir as crianças e a elas dar voz por meio das rodas de

conversa: nessas rodas, aconteciam as contações de histórias e

exploração dos livros de literatura levados para casa no “Projeto Conta e

Reconta”;

▪ Construção de cartaz coletivo sobre o tema de estudo do grupo,

que era o meio ambiente;

▪ Elaboração de texto coletivo com o tema meio ambiente – com

ilustrações feitas pelo grupo;

▪ Visita ao zoológico da cidade;

▪ Exploração de livros de literatura por meio do Projeto Conta e

Reconta;

▪ Produção coletiva do livro “Muitos animais” a partir das

experiências partilhadas entre os grupos: pesquisa sobre o meio

ambiente, construção de cartaz com essas descobertas. A criação do

livro envolveu: a construção do texto, a produção das ilustrações e a sua

organização.

Apresentamos em anexo (ANEXO V) tabela com o total de situações

acompanhadas na EMEI Tibery e vividas em campo nessa escola, bem como

trazemos em destaque os episódios que serão apontados na análise desse

trabalho. A partir da retomada do material construído em campo – registros em

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áudio de todos os encontros, registros em vídeo das atividades desenvolvidas,

registros no diário de campo e das notas de campo produzidas –, o processo

de escolha e seleção dos episódios que compõem esta análise seguiu dois

critérios concomitantes:

1) Vivências com a literatura infantil nos grupos e apontadas pelas

professoras como marcantes no desenvolvimento do trabalho de intervenção –

inclusive discutidas por elas nos relatórios finais do curso de especialização –

Trabalho monográfico;

2) Cenas que a pesquisadora considerou interessante no processo

da pesquisa possibilitando explicitar os processos de desenvolvimento cultural

de adultos e crianças ali desencadeados, pois apresentavam relações

históricas com outros momentos ali vividos.

A partir desse modo de tratar o material empírico, selecionamos para

apresentar na análise de nossa pesquisa situações vividas na EMEI Tibery:

▪ O episódio que denominamos “O Grande rabanete” – situação

em que a professora contou a história “O grande rabanete” de Tatiane

Belinky.

Imagem 01 – Capa do livro “O grande rabanete”

Fonte: Alfabetização CEFAPRO.

▪ A construção do livro “Muitos Animais”, pelo grupo, crianças,

professora e educadora

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Apresentamos a transcrição do episódio no ANEXO VI, e, no

capítulo 4, apresentamos as análises dos dois processos.

O tema de estudo e intervenção da profissional Laís foi A

organização da biblioteca escolar e suas contribuições para a formação do

leitor. As ações desenvolvidas pela professora durante a construção de sua

pesquisa foram:

● Estudos teóricos sobre a organização de uma biblioteca escolar e

sua contribuição para a formação do leitor – aprofundando a compreensão

acerca dos modos de concebê-la na sua relação com as crianças;

● Diálogo com a equipe da escola sobre a necessidade de se criar

um espaço destinado à biblioteca – pesquisa sobre a indicação deste lugar;

● Criação/utilização de um “carrinho” para servir de biblioteca móvel;

● Confecção de fantoches com as crianças para compor a biblioteca

móvel;

● Implementação da biblioteca móvel na escola;

● Contação de histórias em sala de aula – destaque para a

História “Bruxa, bruxa, venha à minha festa” de Arden Druce, Editora

Brinque Book.

Imagem 02 – Capa do livro “Bruxa, Bruxa, venha à minha festa”

Fonte: Blog Educando com Simplicidade.

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Essas ações foram fundamentadas, principalmente na discussão de

Vigotski (2010) sobre o processo de imaginação e criação na infância,

ressaltando o processo criativo com a imaginação a partir das relações feitas

com as experiências vividas.

Em anexo (ANEXO VII), pode-se visualizar o total de atividades

vividas em campo na Escola Municipal do Bairro Pampulha e o destaque ao

episódio (ANEXO VIII) que será apontado na análise deste trabalho.

A partir dessas temáticas iniciais, o trabalho de campo foi

organizado por meio de dois modos de participação: os encontros com as

profissionais e as participações no cotidiano da escola. Os momentos

coletivos com as profissionais eram quinzenais ou de acordo com a

necessidade de cada uma. Nessas ocasiões, debatíamos conceitos teóricos

sobre linguagem, literatura e desenvolvimento infantil a partir da perspectiva

histórico-cultural. Também planejávamos as possibilidades das intervenções e

discutíamos sobre o trabalho que estava sendo desenvolvido na escola. Todos

os encontros foram registrados em áudio e retomados na construção das

análises apresentadas nesta tese.

O processo vivido com a intervenção desenvolvida pelas

colaboradoras da pesquisa culminou em um relatório monográfico (TCC) –

exigência do curso de formação do qual participavam. Esses materiais

demonstram os caminhos percorridos pelas duas profissionais, seus estudos e

propostas desenvolvidas, e os resultados e análises a que chegaram.

Ressaltamos, ainda, que a escolha dos episódios para a análise

pautou-se principalmente em dois critérios: 1) que eles condensassem modos

de contar histórias e de inter-relação da literatura com o desenvolvimento

cultural de adultos e crianças na escola e na sala de aula; 2) numa escolha

significativa para todas as colaboradoras envolvidas na pesquisa. Analisamos,

então, dois episódios: “O grande rabanete”, construído com a professora

Lucássia na EMEI Tibery, e o episódio “Bruxa, Bruxa, venha à minha festa”,

construído com a educadora Laís com o grupo da EMEI Pampulha. Os diálogos

produzidos entre as duas profissionais ao se verem no vídeo e os relatórios de

conclusão de curso de cada uma foram, também, elementos importantes da

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análise, pois puderam auxiliar a pesquisadora a explicitar e compreender os

processos vividos.

Para se ter uma ideia mais completa acerca do trabalho de campo

desenvolvido, organizamos quadros gerais mostrando todos os dias em que a

pesquisadora esteve na escola, e, no caso do acompanhamento das situações

do cotidiano, desmembramos esses dias em episódios que demonstram as

interações estabelecidas com a literatura.

O modo de transcrever as filmagens ocorreu da seguinte forma:

assistimos a todas as gravações feitas, explorando o material como um todo e

organizando os momentos em episódios. Essa maneira de trabalhar com os

vídeos mostrou-se muito produtiva, pois possibilitou ter uma ampla visão e

esclarecer, para nós, os processos vividos na escola, deixando mais evidente

os modos de compreensão do nosso objeto de estudo, qual seja, explicitar e

explicar processos de desenvolvimento cultural a partir das inter-relações

vividas com a literatura infantil. Sendo assim, depois da construção dos

quadros gerais e da escolha do material a ser transcrito, transcrevemos os dois

episódios que comporiam as análises e também a atividade em que as

profissionais se veem nos vídeos.

Vale esclarecer que as profissionais assistiram aos dois episódios

que foram transcritos, “O grande Rabanete” e “Bruxa, bruxa, venha à minha

festa”. Dessa forma, acreditamos que teríamos mais elementos para a

construção argumentativa da tese, uma vez que esse conjunto de momentos

dialogados, revistos e interpretados nos dá pistas, indícios, na perspectiva

indiciária (GINSZBURG, 1990), de processos de desenvolvimento de todos os

sujeitos envolvidos na pesquisa.

As transcrições foram feitas assistindo aos vídeos no computador e

já registrando em documento escrito no editor de textos Microsoft Word os

acontecimentos. Ficamos atentas aos gestos, às falas, às expressões, ao

movimento dialético das/nas inter-relações, enfim, à linguagem vivida na

situação. Esses elementos compõem nossa tentativa em sermos fiéis aos

sentidos produzidos pelas duas profissionais e pelas crianças ao se

perceberem e se verem em sua atuação conforme aparecia no vídeo.

A princípio, não havia uma decisão em trabalhar com imagens

produzidas em campo. Entretanto, no decorrer do processo de construção da

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tese, consideramos que partes das análises ficariam mais enriquecidas quando

exploradas a partir dos momentos registrados com/na experiência visual.

Em se tratando de registro de imagens, durante a pesquisa,

trabalhamos unicamente com o registro em vídeo. Mas qual não foi nossa

surpresa, durante o trabalho com o material empírico, ao perceber que o

próprio equipamento estava configurado para disparar imagens (fotografias) de

tempos em tempos. As imagens produzidas automaticamente pelo

equipamento oportunizaram à pesquisadora dar visibilidade a momentos de

grandes interações no trabalho das professoras com as crianças, o que gerou,

em nós, o desejo de capturar outros momentos mais específicos que

considerávamos ricos nessa possibilidade. Dessa maneira, ao assistirmos aos

vídeos e decidirmos pelos episódios a serem apresentados na discussão

analítica, fomos “capturando” momentos que possibilitavam interpretações mais

aprofundadas acerca de indícios dos possíveis processos de desenvolvimento

ali desencadeados.

A diferença nesse modo de trabalhar com as imagens consiste,

principalmente, na forma de construção dessa representação para as análises.

Não foram as imagens que conduziram o processo de análise, mas exatamente

o contrário, foram as análises que conduziram às produções das imagens que

contribuiriam na construção dos argumentos analíticos. Sendo assim, essa

construção desencadeou um novo olhar para as imagens produzidas em

campo, possibilitando enriquecer a discussão teórica no trabalho.

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3 DESENVOLVIMENTO CULTURAL NA OBRA DE VIGOTSKY: INTER-RELAÇÕES COM A ARTE LITERÁRIA

A história do desenvolvimento dos signos nos leva, no entanto, a uma lei muito mais geral que regula o desenvolvimento da conduta [...] Seu significado essencial consiste em que a criança, ao longo de seu desenvolvimento, começa a aplicar à sua pessoa as mesmas formas de comportamento que a princípio outros aplicavam com respeito a ela. A própria criança assimila as formas sociais da conduta e as transfere a si mesma. Se aplicamos o dito à esfera que nos interessa caberia dizer que esta lei se manifesta como certa sobretudo no emprego dos signos36 (VYGOTSKI, 2012, p. 146).

Iniciar este texto tendo como epígrafe este pequeno trecho em que

Vigotski anuncia-nos sobre o signo foi um caminho que buscamos traçar para

construir uma linha de raciocínio que nos permitisse compreender a

complexidade em que se constitui o desenvolvimento cultural de adultos e

crianças a partir das elaborações do autor e relacioná-la com nosso estudo no

que se refere à literatura infantil e suas interfaces nesse processo. Vigotski

contribuiu muito com a Psicologia do Desenvolvimento e, por que não dizer,

também com a Pedagogia, ao elaborar sua teoria considerando e construindo

princípios fundamentais que nos ajudam a compreender e explicar o

desenvolvimento a partir deles e, portanto, a repensar algumas formas de

organização do ensino.

Anuncia-se, aqui, neste pequeno excerto, que o desenvolvimento

cultural dos sujeitos passa pela significação, ou seja, pela mediação dos signos

produzidos pela humanidade ao longo da história. É nesse aspecto que é

necessário retomar a teoria do autor bem como construir nosso argumento

teórico sobre as complexas possibilidades desencadeadas pela literatura

infantil no processo de desenvolvimento cultural de adultos e crianças.

A compreensão de que o homem é um ser histórico e cultural, ou

seja, constituído na/pela história e pela cultura foi um marco importante para

nossos estudos ao longo de nossa trajetória acadêmica, profissional e pessoal.

Essa forma de compreender o desenvolvimento humano possibilitou-nos

avançar em muitas direções, dentre elas a de olhar para os espaços e para as

situações oferecidas para as crianças na escola a fim de perceber que têm

36

Todas as traduções do espanhol foram feitas pela autora.

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relação com o desenvolvimento que ali se desencadeia. Portanto, é necessário,

aqui, expor e organizar essa construção teórica.

Para que possamos olhar nessa direção, precisamos retomar os

conceitos trazidos por Vigotski, e, a partir deles, explicitar o que é e como se dá

esse processo de desenvolvimento a partir dessa perspectiva, na inter-relação

com a literatura infantil em adultos e crianças na escola. As bases teóricas aqui

apresentadas buscam suporte nos trabalhos de Vigotsky (1991, 2000, 2005,

2010, 2012) e em autores que pesquisaram e construíram suas análises a

partir dessa perspectiva, desdobrando e aprofundando elementos importantes

da própria teoria vigotskiana acerca dos processos de desenvolvimento

humano, bem como das relações entre essa vertente teórica e o trabalho na

área de Educação e nas escolas.

Vigotski foi um homem engajado no seu tempo, vivendo a época das

revoluções na Rússia, na antiga URSS, e participando de um amplo processo

de transformação na sociedade em que vivia. Segundo Valsiner (1993), “sua

obra centrou-se, consistentemente, na ideia da emergência de novas formas na

psyché humana sob orientação social” (p. 7), a partir da ideia dialética de que

nosso mundo real está em constante movimento e transformação. Com base

nos princípios do materialismo histórico-dialético, Vigotski construiu toda uma

base explicativa acerca dos processos de desenvolvimento humano. Sua

perspectiva teórica é bastante articulada, bem fundamentada e

contemporânea, e, cada vez mais, ampliam-se os estudos nesse campo.

Contudo, a partir da revisão da literatura apresentada neste trabalho, foi

possível perceber que há poucos que se dedicam à área da literatura e

Educação Infantil que nela se fundamentam.

Para iniciar a discussão, buscamos os estudos de Vygotski (2012a e

b) sobre o desenvolvimento humano apresentados nos tomos III e IV

organizados a fim de discutir esses processos. O autor retoma e discute teorias

importantes de sua época que visavam a explicar o desenvolvimento humano,

bem como a periodização da idade infantil, analisando-as detalhadamente,

construindo e elaborando conceitos complexos que fundamentam nossa

pesquisa e participam da nossa argumentação.

Afirma, a partir de suas investigações, que os estudos teóricos e

práticos do desenvolvimento infantil tropeçavam em uma de suas maiores

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dificuldades quando apresentavam uma solução, por ele considerada como

errônea, ao problema do meio e seu papel na dinâmica da idade. Cita, por

exemplo, a consideração do entorno como algo externo na relação com a

criança como uma circunstância ou como um conjunto de condições objetivas,

independentes, sem relação com o desenvolvimento, que, pelo simples fato de

sua existência, exerceria influência sobre a criança (p. 264).

Segundo o autor, essa forma de compreender o meio social e o

desenvolvimento acaba restringindo-se a uma concepção evolucionista oriunda

da Biologia e da ideia de evolução das espécies. Contrapondo essa ideia,

Vygotski (2012a) considera que, para compreender os processos de

desenvolvimento e suas relações com o meio, é preciso tomar como base que

A relação que se estabelece entre a criança e o entorno que a rodeia, sobretudo o social, é totalmente peculiar, específica, única e irrepetível para esta idade. Denominamos esta relação como situação social do desenvolvimento em dita idade. A situação social de desenvolvimento é o ponto de partida para todas as transformações dinâmicas que se produzem no desenvolvimento durante o período de cada idade. Determina plenamente e por inteiro as formas e a trajetória que permitem à criança adquirir novas propriedades da personalidade, já que a realidade social é a verdadeira fonte do desenvolvimento, a possibilidade de que o social se transforme em individual. Por tanto, a primeira questão que devemos resolver, ao estudar a dinâmica de alguma idade, é clarear a situação social do desenvolvimento (p. 264).

Essa definição do autor foi fundamental para compreendermos o

problema de nosso estudo, uma vez que responde à nossa forma de

compreender o nosso trabalho na escola bem como os modos de buscar

provocar/potencializar o desenvolvimento das crianças. Sendo assim,

considera-se que os processos vividos e significados compõem as relações

estabelecidas entre adultos e crianças de 0 a 3 anos e a pesquisadora em dois

grupos (Maternal/GI e GIII), bem como as vivências com a literatura infantil, no

processo formativo de duas profissionais e em duas escolas de Educação

Infantil da rede municipal de Uberlândia.

A partir dessa compreensão acerca das relações estabelecidas entre

os processos vividos/sociais e históricos e o desenvolvimento individual potente

ou potencializado, destacam-se alguns conceitos a serem discutidos neste

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capítulo que fundamentam as análises da presente pesquisa: os conceitos de

vivência37, desenvolvimento cultural da criança, novas formações, significação

na relação deles com/da literatura infantil.

A perspectiva teórica apresentada por Vigotski considera o

desenvolvimento um processo dialético constituído pelo aspecto material e

psíquico, social e individual na formação da personalidade.

Ambos planos de desenvolvimento – o natural e o cultural – coincidem e se amalgamam um com o outro. As mudanças que têm lugar em ambos planos se intercomunicam e constituem na realidade um processo único de formação biológico-social da personalidade da criança. Na medida em que o desenvolvimento orgânico se produz em um meio cultural, passa a ser um processo biológico historicamente condicionado. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento cultural adquire um caráter muito peculiar que não pode comparar-se com nenhum outro tipo de desenvolvimento, já que se produz simultânea e conjuntamente com o processo de maturação orgânica e posto que seu portador é o organismo infantil que passa pela transformação em vias de crescimento e maturação. O desenvolvimento da linguagem infantil pode servir de exemplo afortunado dessa fusão dos dois planos de desenvolvimento: o natural e o cultural (VIGOTSKI, 2012a., p. 36).

Sendo assim, com essas premissas, é possível discutir o

desenvolvimento humano a partir dos processos de (re)apropriação das formas

culturais da atividade humana, em um processo mediado por diversos fatores

demarcados na ontogênese, na filogênese e na sociogênese, presentes nos

processos de significação com/na microgênese.

De acordo com o autor, a gênese do desenvolvimento é social, o

que permite considerar que ocorre em uma situação social, que pode ser

evidenciada por meio da identificação dos mecanismos pelos quais o plano

intersubjetivo permite constituir o plano intrasubjetivo. Esse movimento ocorre

do plano social ao individual, inicialmente como respostas naturais e,

37 Trazemos o conceito “perejivânie” traduzido como “vivência”. Esse conceito de difícil tradução para o português tem sido foco de estudos e debates entre os estudiosos da teoria vigotskiana. Apesar de todos os esforços para preservar a ideia que Vigotski construiu com esse conceito, ainda é difícil discuti-lo e abordá-lo sem prejuízos ao seu real significado. Por isso, estamos considerando-o como uma unidade da situação social e como resultante dos processos vividos pelos sujeitos, neste trabalho, em suas interfaces com arte literária.

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posteriormente, tornando-se funções próprias do sujeito, por meio de

processos interpsíquicos partilhados com o outro (VYGOTSKY, 1991).

A partir das interações sociais, vividas na mediação e na experiência

partilhada, ocorrem os processos de internalização e, consequentemente, de

desenvolvimento. Entende-se que o desenvolvimento é descontínuo, marcado

pela (inter)ação do sujeito por meio das relações sociais estabelecidas. No

desenvolvimento, há funções consolidadas/autônomas e funções emergentes.

As funções psicológicas que emergem e consolidam-se no plano interativo

(intersubjetivo) tornam-se internalizadas, isto é, transformam-se para constituir

o funcionamento interno (intrasubjetivo). O que aparece como característica

individual da personalidade do sujeito é marcadamente social.

Vigotski e seus colaboradores tentaram reunir, em um mesmo

princípio explicativo, tanto os mecanismos cerebrais subjacentes ao

funcionamento psicológico, como o desenvolvimento do indivíduo e da espécie

humana ao longo de um processo sócio-histórico. A partir de um rigor científico

com que reconstruiu toda a teoria sobre o desenvolvimento humano até sua

época, criou uma lei geral, ou seja, princípios que passaram a gerir seu modo

de compreender e explicar todos os processos a ele relacionados.

Podemos formular a lei genética geral do desenvolvimento cultural do seguinte modo: toda função no desenvolvimento cultural da criança aparece em cena duas vezes, em dois planos; primeiro no plano social e depois no psicológico, a princípio entre os homens como categoria Inter-psíquica e logo no interior da criança como categoria intrapsíquica (VYGOTSKI, 2012a, p.150).

A intenção de Vigotski foi formular princípios explicativos que

fizessem sentido numa perspectiva dialética do desenvolvimento humano.

Esses princípios passaram a gerir seu modo de compreender e explicar todos

os processos a ele relacionados como processos dialéticos, revolucionários, e

servem para nortear toda a sua teoria, e, para nós, também o modo como

explicitamos as relações de adultos e crianças com a arte literária como signo

produzido histórica e culturalmente.

Dentre os elementos apontados, a lei geral a que se refere o autor

considera que o desenvolvimento parte do social em direção ao individual, ou

seja, do cultural/social para o individual/pessoal. Nessa direção, é importante

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destacar o processo pelo qual o desenvolvimento cultural ocorre, uma vez que

essa compreensão envolve ampliar o olhar para as formas complexas em que

se desencadeiam. Ou seja, é necessário colocar uma lente especial sobre os

modos de participação dos sujeitos nas relações de ensino-aprendizagem, bem

como para o movimento em que criam e também modificam a própria situação

vivida.

Subsidiamos, portanto, nossa forma de compreender o

desenvolvimento infantil a partir do conceito de desenvolvimento cultural

apresentado por Vigotski, uma vez que esse conceito faz muito sentido para

nossa discussão acerca dos processos de inter-relação entre a literatura e o

desenvolvimento cultural de adultos e crianças na escola.

3.1 Anotações sobre o Desenvolvimento Cultural

Retomando, neste momento, nosso objeto de pesquisa, os

processos de desenvolvimento cultural desencadeados em adultos e crianças

na (inter)relação com a literatura, faz-se necessário aprofundar teoricamente os

modos de conceber e explicar essas dimensões, assim como explicitar, de

forma mais detalhada, os elementos teóricos que subsidiam nossa discussão

considerando que as relações se estabelecem do aspecto social para o

individual.

Em Vygotski (2012a), encontramos fundamentos interessantes para

nosso trabalho, pois o autor constrói todo um arcabouço argumentativo sobre o

desenvolvimento humano. Considerando os processos históricos vividos pela

humanidade, afirma que a história do desenvolvimento dos signos leva-nos a

uma lei geral que regula o desenvolvimento da conduta. Retoma, nesse

momento de sua construção teórica, o papel dos signos no processo de

desenvolvimento humano. Segundo ele, o signo é sempre um meio de relação

social, um meio de relação com os demais, para depois configurar-se como um

meio de relação consigo mesmo. A criança começa, ao longo do seu

desenvolvimento, a aplicar à sua pessoa as mesmas formas de comportamento

que, no princípio, outros aplicavam com respeito a ela (VYGOTSKI, 2012a, p.

146).

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Esse processo é mediado por instrumentos e signos, passando pela

significação.

Em um nível mais superior do desenvolvimento aparecem as relações mediadas dos homens, cujo traço fundamental é o signo graças ao qual se estabelece a comunicação. Por esta razão se entende que a forma superior de comunicação mediada pelo signo, é o produto das formas naturais da comunicação direta; estas últimas, no entanto, se diferenciam essencialmente desta forma de comunicação (VYGOTSKI, 2012, p.148).

Ainda explicando o desenvolvimento cultural, Vigotski (2000)

acrescenta que

Neste sentido, todo o desenvolvimento cultural passa por 3 estágios: em si, para outros, para si (veja o gesto indicativo – inicialmente apenas um movimento de agarrar mal sucedido, direcionado para um objeto e que marca a ação; depois a mãe entende-o como indicação; depois a criança começa a indicar) (p. 24).

Ou seja, para compreender o desenvolvimento cultural de adultos e

crianças, precisamos atentar-nos para os modos de agir e viver com os outros

e com os elementos da cultura. Esses modos podem desencadear processos

complexos dialéticos que se retroalimentam da perspectiva social para a

individual. Tais processos transformam a própria ação, criando novas

possibilidades de manifestação dessa ação em várias dimensões, sejam elas

intelectuais, afetivo-emocionais e sociais, ampliando as próprias capacidades

do sujeito.

Cabe, então, ressaltar, mais uma vez, que estamos inferindo sobre a

literatura infantil como elemento cultural produzido na/pela humanidade, e, de

acordo com as relações sociais, pode atuar como mediadora dos processos de

desenvolvimento. Entretanto, a mediação pode estar tanto no signo cultural do

próprio livro ou obra literária quanto no trabalho da/na escola e de seus

profissionais com esse elemento cultural. Destacamos, assim, uma das teses

que Vigotski apontou como fundante de todo o processo

A base estrutural das formas culturais do comportamento é a atividade mediadora, a utilização de signos externos como

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meio para o desenvolvimento ulterior da conduta. Portanto, na separação ou especificação de partes destas funções para estudo, o emprego do signo tem primordial importância em todo o desenvolvimento cultural (VYGOTSKI, 2012a, p.153).

Vigotski insistia em dizer que “as funções psicológicas são um

produto da atividade cerebral”, e esse processo, segundo ele, só pode ser

compreendido à luz da teoria marxista da história da sociedade humana (COLE

e SCRIBNER, 1991). Essa compreensão implica considerar que a criança

apropria-se, inicialmente, por meio da imitação, de uma ação que é cultural e,

em seguida, torna própria essa ação.

De acordo com Pino (apud SMOLKA, 2000), o que é internalizado

das relações sociais não são as relações materiais, mas a significação que elas

têm para as pessoas, uma significação que emerge na própria relação. Assim,

para Vigotski, o desenvolvimento ocorre por meio de dimensões de ordem

complexa, e, para explicitá-lo, é necessário compreender e estabelecer a

relação entre desenvolvimento e aprendizado.

A partir dessa compreensão, o processo de desenvolvimento cultural

humano é permeado, segundo Vigotski (1991), pelos conceitos de zonas de

desenvolvimento. Elas são compreendidas a partir do nível de desenvolvimento

real, que são as ações ou capacidades que o sujeito consegue realizar de

forma independente, sem a ajuda de outra pessoa, e, também, pelo nível de

desenvolvimento proximal ou iminente38, que é a capacidade que o sujeito

apresenta de desempenhar tarefas com a ajuda de “adultos ou de

companheiros mais capazes”.

De acordo com o autor, o real estado de desenvolvimento de uma

criança só pode ser determinado se forem revelados os seus dois níveis: o

nível de desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento iminente. Ou seja,

devem-se levar em conta as capacidades de realização de uma atividade de

forma autônoma e, também, as capacidades de realização com a ajuda de

38

Os primeiros trabalhos de Vigotski que chegaram ao Brasil foram traduzidos da língua russa para o inglês, e, posteriormente, do inglês para o português. Os estudos atuais de Zóia Prestes (PRESTES, 2012) acerca da teoria histórico-cultural tecem várias considerações acerca das traduções de alguns termos das obras de Vigotski. A partir da análise da autora, estamos aderindo à sua discussão sobre o conceito de zona de desenvolvimento iminente.

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outra pessoa, pois o que é considerado nível de desenvolvimento iminente hoje

poderá converter-se em nível de desenvolvimento real em um futuro próximo.

Essa forma de explicar o desenvolvimento remete Vigotski (1991) a

discutir e problematizar o papel das relações de ensino-aprendizagem na/da

escola frente ao processo vivido pela criança. Nesse âmbito, o autor destaca

que o conceito

zona de desenvolvimento proximal39 pode, portanto, tornar-se um conceito poderoso nas pesquisas do desenvolvimento, conceito este que pode aumentar de forma acentuada a eficiência e a utilidade da aplicação de métodos diagnósticos do desenvolvimento mental a problemas educacionais (VIGOTSKI, 1991).

Nesse processo, destaca-se novamente o papel da mediação. Todo

o processo de aprendizagem e de desenvolvimento desencadeia-se no que

Vigotski define como zona de desenvolvimento iminente, que é a potência, o

campo das possibilidades. Esse campo é o lugar central que, segundo o autor,

deveria ser o foco de atenção do/no processo de ensino-aprendizagem

determinado por meio da solução de problemas sob a orientação de um

companheiro mais experiente. Sendo assim,

O aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daquelas que as cercam. As crianças podem imitar uma variedade de ações que vão desde muito além dos limites de suas próprias capacidades. Numa atividade coletiva ou sob a orientação de adultos, usando a imitação, as crianças são capazes de fazer muito mais coisas. Esse fato, que parece ter pouco significado em si mesmo, é de fundamental importância na medida em que demanda uma alteração radical de toda a doutrina que trata da relação entre aprendizado e desenvolvimento em crianças (VIGOTSKI 1991:99-100).

A alteração radical a que se refere o autor diz respeito,

principalmente, à forma de se considerar o próprio conhecimento das crianças

e aos modos de relações estabelecidas no processo educativo. Esse conceito,

compreendido dessa forma, implica modificar, inclusive, a interpretação que se

faz sobre o que a criança já aprendeu e o processo colaborativo no percurso da

39

Conservamos o termo “proximal” por tratar-se de uma citação.

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aprendizagem. Ou seja, avaliar o que a criança aprendeu pelos conhecimentos

que ela demonstra resolvendo as questões sozinhas não é o mais importante.

O foco do processo educativo ou das relações de ensino e

aprendizagem deve ir além dessa dimensão. Deve-se observar, também, o que

as crianças conseguem fazer em colaboração e oportunizar momentos em que

a cooperação aconteça entre todos os pares. Isso muda radicalmente as

relações de ensino estabelecidas na escola, pois a colaboração ou cooperação

passam a ser elemento primordial em todo o processo.

Organizar o processo educativo a partir desse modo de

compreender o desenvolvimento implica considerar o conceito de mediação. A

mediação tida nesse processo está relacionada a duas dimensões: a dimensão

externa dos instrumentos e signos construídos historicamente pela

humanidade, e a dimensão interna, onde os signos adquirem a capacidade de

transformar dialética e qualitativamente as funções psíquicas dos sujeitos.

Esse processo é discutido por Smolka (2004) a partir dos

pressupostos vigotskianos. A autora traz uma importante contribuição acerca

do signo, do sentido e da significação, problematizando a natureza social do

desenvolvimento mental e a centralidade do signo nesse processo. De acordo

com a autora,

A significação, como produção de signos e sentidos, é uma chave para se pensar a conversão das relações sociais em funções mentais: „Eu me relaciono comigo mesmo (e narro para mim) como as pessoas se relacionam comigo (e narram para mim)‟. Como sujeito, „Eu sou uma relação social comigo mesmo‟ (Vygotsky, 1989, p. 67). O drama emerge justamente do fato de que essa relação social consigo mesmo implica a trama de muitas experiências, muitas imagens, muitas histórias, muitos outros em muitas e diversas posições sociais; implica, em termos bakhtinianos, muitas vozes, muitas perspectivas, diferentes valores, interesses, sentimentos, motivos também diversos... (SMOLKA, 2004, p. 45).

O conceito de significação também é fundamental para nossa

pesquisa, pois nos ajuda a compreender as formas de se organizar para o

trabalho docente das colaboradoras, por meio de suas ações em sala de aula.

Na medida em que buscam estudar, intervir na realidade em que atuam,

propondo um trabalho diferenciado em seus grupos, (re)organizam-se e

(re)significam o próprio fazer docente.

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Para estabelecer um diálogo teórico mais aprofundado, buscam-se,

ainda, em estudiosos da obra de Vigotski, fundamentações e análises acerca

dos conceitos abordados. Dentre eles, destacam-se Toassa (2010), Pino

(2010), Smolka (1995, 2000, 2005) e Meshcheryakov (2010). Esses autores

debruçaram-se em análises fundamentais e inéditas acerca dos conceitos aqui

elencados, quais sejam, os de “vivência” e de “novas formações”.

Por dificuldades na divulgação e tradução de suas obras, ainda hoje,

há muitas das ideias de Vigotski inexploradas. Para nós, os conceitos de

vivência e de novas formações no processo de desenvolvimento do sujeito são

algumas delas, que nos trazem possibilidades consistentes de compreensão e

análise do cotidiano escolar da Educação Infantil.

3.2 O problema do meio e o conceito de vivência

No desenvolvimento de sua obra, Vygotsky (1996) questionava

muito as teorias que tentavam explicar o desenvolvimento humano, alegando

que serem insuficientes para trazer as respostas satisfatórias que dessem

conta da complexidade desse processo. Por ser um pesquisador extremamente

criterioso, defendia o rigor nas pesquisas em Psicologia, apontando, na

metodologia científica, o caminho para a construção do que ele chamava de

Nova Psicologia. Dentre as teorias por ele estudadas de forma rigorosa,

destacam-se as teorias40 da Gestalt, Psicanálise e o Behaviorismo, além das

ideias do pesquisador suíço Jean Piaget (1896-1980). Essas teorias e autores

são citados e comentados nos trabalhos de Vigotski, tendo ele escrito prefácios

para algumas das suas traduções ao idioma russo.

Dessa forma, mesmo sendo importantes para a história da

constituição da Psicologia como ciência, reconhecidas e respeitadas por

Vigotski, elas não superavam, segundo o autor, a perspectiva dualista de

homem e não conseguiam explicar de forma rigorosa o desenvolvimento das

funções psicológicas superiores. Para Vigotski, era necessário construir uma

Psicologia que, de fato, explicasse as formas de desenvolvimento humano, ou

40

Não é objetivo do presente texto aprofundar as discussões nas referidas abordagens teóricas, e, sim, contextualizar a perspectiva teórica proposta por Vigotski dentro do desenvolvimento da Psicologia.

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seja, as funções psicológicas superiores. Afirmava que qualquer teoria

científica psicológica precisava explicar a questão da consciência.

O que Vygotsky procurou foi uma abordagem abrangente que possibilitasse a descrição e a explicação das funções psicológicas superiores, em termos aceitáveis para as ciências naturais. Para Vygotsky, essa explicação tinha o significado de uma grande tarefa. Ela deveria incluir a identificação dos mecanismos cerebrais subjacentes a uma determinada função; a explicação detalhada da sua história ao longo do desenvolvimento, como o objetivo de estabelecer as relações entre formas simples e complexas daquilo que aparentava ser o mesmo comportamento; e de forma importante, deveria incluir a especificação do contexto social em que se deu o desenvolvimento do comportamento. As metas de Vygotsky eram extremamente ambiciosas, talvez até de forma não razoável. Ele não as atingiu (como aliás, estava bem ciente). No entanto, conseguiu, de fato, fornecer-nos uma análise arguta e presciente da psicologia moderna (COLE e SCRIBNER, 1991, p. 6).

Com o objetivo de explicar de forma consistente, assumindo os

princípios de uma filosofia materialista histórico-dialética, o desenvolvimento

das funções psicológicas superiores dos seres humanos, destacando a

diferença deles com os animais, Vigotski iniciou várias frentes de investigação,

as quais tiveram continuidade por seus colaboradores em virtude de sua morte

muito precoce, em 1934. Vários conceitos foram por ele criados a fim de

explicar o desenvolvimento humano a partir da interação social e cultural. São

conceitos que nos oferecem possibilidades de compreensão e atuação na área

educacional.

Para Vigotski, as experiências de aprendizagem entre os sujeitos

geram a consolidação e a autonomização de formas de ação, abrindo zonas de

desenvolvimento iminente, as quais constituem a gênese da própria atividade,

ou seja, a aprendizagem impulsiona e precede o desenvolvimento.

O autor concebe o desenvolvimento a partir da premissa de

movimento dialético, e, embora tenha dedicado parte de seus estudos ao

problema da idade, entende que os estágios de desenvolvimento possuem

certa sequência no tempo, mas não são estáticos, eles dependem das

condições concretas nas quais ocorre o desenvolvimento. Os limites de idade

alteram-se com a mudança das condições histórico-sociais, ou seja,

dependendo das condições concretas, os sujeitos podem demonstrar

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capacidade além ou aquém de sua idade cronológica, pois não é apenas a

idade cronológica que determina o desenvolvimento, mas, sim, as relações

estabelecidas com/no meio social e histórico. Elkonin (1998, p. 81),

pesquisador muito próximo a Vigotski e estudioso do desenvolvimento humano

que deu continuidade a estudos na perspectiva histórico-cultural,

principalmente com relação ao campo de estudo sobre a idade escolar, levanta

a conjectura de que “[...] os processos do desenvolvimento psíquico que se

operam em certos períodos da infância aparecerão e mudarão na história”.

Nesse sentido, para explicar as condições de desenvolvimento, é

necessário, segundo Vigotski (2000), considerar a perspectiva de que “tudo o

que é interno nas funções superiores ter sido externo: isto é, ter sido para os

outros, aquilo que agora é para si. Isto é o centro de todo o problema do interno

e do externo” (p. 24), levando-se em conta que os processos vividos pelas

crianças na escola passam pelas condições concretas na “trama das relações”

significadas pelos sujeitos (SMOLKA, 2004, p. 45).

A partir dos apontamentos de Vigotski no texto “A questão do meio

na pedologia”, bem como dos diálogos e desdobramentos de sua concepção

teórica desenvolvidos por autores como Toassa e Souza (2010), Pino (2010) e

Meshcheryakov (2010), pode-se inferir que as novas formações no processo de

desenvolvimento ocorrerão em decorrência das interações vivenciadas pela

criança.

Segundo o autor,

o meio desempenha, com relação ao desenvolvimento das propriedades específicas superiores do homem e das formas de ação, o papel de fonte de desenvolvimento, ou seja, a interação com o meio é justamente a fonte a partir da qual essas propriedades surgem na criança (VIGOTSKI, 2010, p. 697).

Portanto, corroboramos as ideias de Vigotski (idem) de que é preciso

que ocorra a interação com as formas mais desenvolvidas de ações no meio

em que a criança vive para que ela possa desenvolver, por exemplo, o

caminhar/andar, o falar, dentre outros, pois, segundo o autor, do contrário, o

desenvolvimento não irá ocorrer a contento.

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A partir dessa premissa, é fundamental ter atenção ao “meio” em

que as crianças estão inseridas. Entretanto, a compreensão que tínhamos

acerca da importância das interações para o desenvolvimento das crianças e

do papel do meio nesse processo ampliou-se bastante a partir do conceito de

vivência apontado por Vigotski (2010). Pensar esse conceito permite angariar

para os debates reflexões e, ainda, para os questionamentos que fazemos

acerca do trabalho com a Literatura na Educação Infantil, em sua constituição

no cotidiano escolar, para além das interações, pois parece dar conta de

aspectos mais ampliados do processo vivido.

Buscando entender melhor esse conceito na obra de Vigotski,

Toassa e Souza (2010) investigaram e apresentaram a elaboração teórica nas

obras do autor bem como as contribuições metodológicas desse conceito para

a análise das relações indivíduo-meio no desenvolvimento humano. Para as

autoras, quando se analisa toda a etimologia da palavra em alemão e em

russo, e, ainda, a presença e o uso do termo nos trabalhos de Vigotski, é

possível entender o conceito como “um tipo de apreensão do real que não é

mera interpretação, não é mera emoção, mas integra vários aspectos da

vida psíquica”. Portanto, o termo “vivência” também é um processo básico da

vida humana, é acontecimento profundo na existência da pessoa real ou do

personagem na arte (idem, p. 759).

De acordo com as autoras,

As vivências, nos primeiros livros do autor (1916/1999, 1925/2001, 1926/2001), revestem-se de um caráter irracional, marcado por sentimentos e sensações que demandam compreensão após vivenciados. Traduzindo o engolfamento do receptor pela obra de arte (1925/2001), possibilitam que o sujeito mais participe, reaja, do que julgue, com a criação de uma espécie de campo psicológico entre receptor e obra, que contém a ambos e alcança a sua triunfal dimensão catártica no conflito entre forma e conteúdo (TOASSA e SOUZA, 2010, p. 761).

O conceito de vivência está intimamente inter-relacionado ao

desenvolvimento cultural dos sujeitos nos aspectos filogenéticos e

ontogenéticos, pois,

No decorrer da ontogênese, as vivências adquirem o papel de unidade dinâmica da vida consciente. Passa a articular-se em

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dois núcleos: interno (que, como podemos deduzir, abrange corpo, representações e ideias; fantasias, lembranças e outros processos mentais singulares ligados ao eu que não estão presentes na realidade objetiva), e externo (principalmente as percepções de objetos) (TOASSA e SOUZA, 2010, p. 768).

Nesse processo, a linguagem ocupa um lugar central, pois se

constitui como o laço que possibilita estabelecer as relações entre os

conceitos.

A linguagem é o laço que relaciona os conceitos de tomada de consciência (no sentido da relação de compreensão que estabelecemos com algo) e vivência. Expliquemos: a generalização das vivências na linguagem é central para a tomada de consciência, ou seja, o fato de se tornarem objeto da linguagem é um aspecto novo emergente no desenvolvimento, e que exerce uma transformação significativa nas relações sociais, pois a criança torna-se consciente não apenas dos objetos e das outras pessoas, mas também de si mesma. Atribui sentido e adquire conceitos sobre seus afetos peculiares, e, na perspectiva histórico-cultural, esse é o principal fundamento do processo de tomada de consciência (TOASSA, 2010, p. 7).

Segundo Toassa, (idem) o sentido do termo “perejivânie” para

Vigotski abriria uma ferramenta metodológica fundamental na análise do

desenvolvimento de adultos e crianças.

Outro autor que também discute o conceito de vivência em Vigotski

e ajuda-nos a aprofundar a compreensão sobre ele é Meshcheryakov (2010).

Conforme esse autor, é possível abarcar tal conceito de forma concreta por

meio da observação e análise do comportamento, pois,

De todo modo, a vivência pode ser expressa no “mundo exterior”, em vários níveis de comportamento – através de reações espontâneas e impetuosas; uma confissão, longas conversações pessoais com um amigo, algumas ações (por exemplo: escrever uma carta, fazer caridade, ir ao teatro, ao estádio, a um encontro, a uma loja e assim por diante), organização e planejamento de uma atividade de longo prazo, que muda completamente a representação e o estilo de vida (ibidem, p.715).

Associando tal aspecto do desenvolvimento com as possibilidades

desencadeadas nas inter-relações entre as crianças e a literatura infantil,

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anunciamos nossa inquietação para esse processo vivido na escola de

Educação Infantil considerando o meio. Aqui, privilegiando-se as vivências a

partir da/com a Literatura Infantil como palco de observação, análise e

elaboração teórica, a fim de dar corpo à empreitada a que nos propusemos

enfrentar, desenvolver uma pesquisa que contribua para apontar os elementos

do desenvolvimento infantil anunciados nas vivências com a literatura infantil.

Entender tais conceitos torna-se fundamental na medida em que, para nós, o

cotidiano escolar da Educação Infantil pode ser considerado o “meio”, tais

como as definições apontadas por Vigotski (2000, 2010) e, ainda, que o

desenvolvimento humano ocorre em situações sociais.

A partir da perspectiva de que o meio, a partir do conceito de

vivência, pode auxiliar-nos a discutir e a compreender as inter-relações entre a

literatura e o desenvolvimento infantil, nosso objeto de estudo, indagamo-nos e

focamos nossa atenção para o trabalho de duas profissionais com a literatura

na escola e para as inter-relações estabelecidas, considerando a como parte

da cultura da humanidade.

A partir dessa percepção, focamos nossa atenção nos modos como

as crianças estão participando com/da literatura na escola, nos elementos

desencadeados pela interação com as histórias, na forma como as histórias

repercutem nas percepções e criações de adultos e crianças. “O impacto, a

apreensão” (MESHCHERYAKOV, 2010), ou seja, as “vivências” de adultos e

crianças com as obras literárias será o foco de nosso estudo, buscando a

compreensão desse complexo processo de significação nas inter-relações

estabelecidas com a Literatura Infantil.

3.3 As novas formações no processo de desenvolvimento

A partir do conceito de “vivência”, avançamos para outro elemento

que muito interessa à nossa compreensão, as “novas formações”. Para

Vygotski (2012b), os aspectos que demarcam o desenvolvimento humano são

o surgimento de formações qualitativamente novas na personalidade do sujeito,

ou seja, uma nova estrutura da personalidade e de sua atividade abre espaço

para transformações psíquicas e sociais que se produzem pela primeira vez em

cada período. De acordo com o autor, o desenvolvimento é marcado pela

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alternância de períodos ao longo da vida dos sujeitos: os estáveis e os de

crises. Esses períodos podem ser compreendidos em fases marcadas pelas

novas formações constituídas e reorganizadas no decorrer do processo de

desenvolvimento. E todo o processo ocorre tendo um caráter revolucionário.

Nos períodos estáveis, podem ocorrer mudanças microscópicas de

maneira lenta e gradual da personalidade que vão se acumulando até certo

limite, manifestando-se, mais tarde, como uma formação qualitativamente nova

de uma idade. Já os períodos de crise41 podem ser períodos que marcam a

passagem de uma idade a outra, geralmente de forma a provocar mudanças

que parecem bruscas e marcantes. Essas mudanças trazem rupturas no

psiquismo da criança que, a partir das crises, alteram por completo sua

personalidade. São momentos de avanço e criação. O caráter dos períodos

críticos deve ser buscado nas condições materiais concretas do contexto da

criança, e não em suas disposições internas (VYGOTSKI, 2012b). As crises

consistem na descoberta do novo e no redimensionamento de estruturas da

personalidade que desencadeiam formações globais e dinâmicas inseridas na

dimensão histórica e social.

Nesse sentido, o desenvolvimento é um processo que leva em conta

o aspecto material e psíquico, social e individual na formação da

personalidade, mas que estabelece como critério para distinguir os períodos de

desenvolvimento as novas formações, ou seja, um novo tipo de estrutura que

vai compor a personalidade. Apenas quando mudam pela primeira vez é que

se definem os estágios de desenvolvimento. A fim de situar essa discussão e

tomando todos os cuidados possíveis para permanecer fiel à compreensão de

Vigotski acerca do caráter dialético e revolucionário do desenvolvimento,

apontamos o modo como o autor compreende esses estágios.

A partir de suas investigações, Vigotski propõe, ainda que

provisoriamente, uma periodização das fases do desenvolvimento composta

pelas seguintes idades: crise pós-natal; primeiro ano de vida; crise do 1º ano;

primeira infância; crise dos três anos; idade pré-escolar; crise dos sete anos;

41

O modo como Vigotski compreende os períodos de crise nos processos de desenvolvimento

das crianças difere de seus contemporâneos radicalmente, pois enfatiza os aspectos potentes

destas fases bem como as transformações marcantes na personalidade dos sujeitos, enquanto

outros estudiosos focam suas análises nos aspectos negativos das crises.

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idade escolar; crise dos 13 anos; puberdade e crise dos 17 anos. Faremos a

explanação de cada estágio do desenvolvimento analisado por Vigotski até a

crise dos sete anos, apoiando-nos nos manuscritos produzidos nos últimos

anos de sua vida (1932 a 1934) e na transcrição de conferências proferidas

entre 1933 e 1934, que compõem a obra “Problemas de la Psicología Infantil”

(VYGOTSKI, 2012b).

O autor compreende os estágios com base nas novas formações de

cada período. O período pós-natal (0 a 2 meses) é considerado uma etapa

crítica de transição entre o desenvolvimento intra e extrauterino. A nova

formação central e básica desse período é o que Vigotski denomina início da

vida psíquica individual: uma vida psíquica primitiva, específica desse período,

que não se conserva como tal nos períodos posteriores, mas se integra como

instância subordinada às formações nervosas e psíquicas de nível superior. A

vida psíquica individual do bebê fundamenta-se na separação do bebê do

organismo da mãe, convertendo sua existência em individual, e caracteriza-se

pela fusão de sensações e afeto, indistinção de objetos sociais e físicos,

passividade, com pouca ou nenhuma capacidade de socializar-se.

Já o estágio do primeiro ano inicia-se entre o final do primeiro mês e

início do terceiro, quando se verifica uma transformação no estado psíquico e

social da criança em função de mudanças no ciclo de sono e alimentação.

Surgem, na criança, as primeiras reações propriamente sociais, como o sorriso

quando escuta a voz humana, ou o choro quando escuta outra criança chorar.

É possível identificar três estágios durante o primeiro ano, referentes à relação

da criança com o meio social: os períodos de passividade, de interesse

receptivo e de interesse ativo. Esses períodos marcam a passagem gradual da

passividade à atividade. Segundo o autor, o afeto é o processo central

responsável pela unidade entre as funções sensoriais e motoras, perceptivas e

ativas que caracterizam esse período. Com a primeira utilização de

instrumentos e o emprego de palavras para expressar desejos, inicia-se,

também, certa atividade intelectual.

Começa uma fase completamente nova, um novo período, que

marca a crise do primeiro ano. As reações do bebê às ações do adulto

demonstram que a situação social em que se encontra faz com que todo seu

comportamento esteja imerso no social. “O adulto é o centro de qualquer

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situação no primeiro ano” (VYGOTSKI, 2012b, p. 236). De acordo com a

discussão de Pasqualini (2009), autora que coloca em perspectiva a

periodização a partir de Vigotski, Leontiev e Elkonin, o início e o fim da crise do

primeiro ano de vida são marcados pelo início e o fim do que o autor denomina

linguagem autônoma infantil42. Ocorre quando se forma na criança o que

Vigotski (2012b) denomina linguagem autêntica, quando a linguagem

autônoma gradativamente vai se transformando e encerra-se o período crítico,

iniciando-se a primeira infância.

Na primeira infância, entre um ano e meio e três anos e meio, duas

características novas se sobressaem, são a percepção generalizada dos

objetos – ou percepção semântica – e o desenvolvimento da fala. A

fala/linguagem representa a linha central de desenvolvimento dessa idade,

pois, graças a ela, a criança concebe com o meio social relações distintas

daquelas que estabelecia até então. Entretanto, esses dois elementos do

desenvolvimento estão estreitamente vinculados entre si nesse período, e a

relação da criança com o meio é marcada pela dependência do campo visual

direto. Ocorre uma unidade entre a percepção afetiva e a ação, sendo uma

completamente unida com a outra. A criança age frente à realidade.

Pensar, nessa fase, significa recordar, ou seja, apoiar-se em sua

experiência anterior. Nesse caso, o que caracteriza a situação social da criança

é a dependência da situação. O desenvolvimento é marcado pela possibilidade

de a percepção tornar-se verbal e de constituírem-se generalizações no campo

da linguagem, ampliando, na criança, a percepção dos objetos para além de

suas propriedades físicas, também em seu sentido social.

A percepção é a função básica dessa idade, possui um caráter

afetivo em que toda ela é apaixonada. Encontra-se, segundo Vygotski (2012b),

em condições sumamente propícias para o seu desenvolvimento, pois é função

predominante da consciência. As crianças, nessa fase, atuam nas situações

com base em todas as funções de forma integrada, sincrética; memória,

42

A linguagem autônoma infantil não coincide com a linguagem adulta nem quanto aos aspectos articulatório e fonético nem no que se refere à coesão e à atribuição de significado. Uma de suas peculiaridades é que as crianças utilizam uma única palavra para se referir a todo um conjunto de coisas que os adultos designam com palavras diferentes. As palavras utilizadas pelas crianças se estruturam de modo diferente, carregam, em geral, características específicas que se relacionam ou com o objeto nomeado ou com a linguagem adulta (VYGOTSKI, 2012b, p. 253).

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atenção, percepção e pensamento aparecem convocados em uma mesma

ação.

A partir da discussão sobre o desenvolvimento da linguagem e da

percepção, o autor aponta que a nova formação central dessa idade é o

surgimento da consciência. Para Vygotski (idem), dizer que o homem atua

conscientemente é o mesmo que dizer que suas ações são impregnadas de

sentido. O autor define essa questão como consciência sistêmica e semântica

como o centro a partir do qual se estrutura e constitui-se a relação da criança

com a situação exterior.

Em seguida, há a crise dos três anos. Apesar de o autor considerar

sua teorização a respeito dessa crise com um caráter inicial, analisa-a

considerando que os elementos da crise agrupam-se em torno de uma nova

formação, considerando a zona de desenvolvimento iminente. Explica a crise

por um conjunto de sintomas, quais sejam: a) negativismo; b) teimosia; c)

rebeldia e d) insubordinação43. Todos esses sintomas, para Vygotski (2012b),

“giram em torno do „eu‟ e das pessoas que o rodeiam” (p. 287), manifestando a

crescente independência e atividade da criança e demonstrando que suas

relações com as pessoas à sua volta ou com sua própria personalidade já não

são as mesmas de antes. Modifica-se a relação da criança com seus próprios

afetos, e ela já é capaz de agir contra seus próprios desejos. A crise é produto

da reestruturação das relações sociais recíprocas entre a personalidade da

criança e as pessoas em seu entorno.

Um aspecto importante para a área da Educação acerca dessa fase

do desenvolvimento infantil consiste em que pode haver “complicações da crise

dos três anos”, que, segundo Vygotski (2012b), podem, inclusive, levar ao

desenvolvimento de condições patológicas. Entretanto, o autor não discute ou

aponta formas consideradas adequadas para lidar com os sintomas da crise

43

O negativismo refere-se ao fato de a conduta da criança opor-se a tudo o que lhe propõem os adultos – ressaltando-se que não se trata de uma reação ao conteúdo específico das solicitações ou proposições, mas ao fato mesmo de tal solicitação ter sido feita pelo adulto. A teimosia refere-se à atitude da criança de insistir em ser atendida em suas exigências, destacando-se que tal insistência não se deve ao desejo intenso da criança de obter algo, mas ao fato de querer ser atendida em algo que ela disse ou exigiu anteriormente (tendência voltada a si mesma, e não ao outro – o adulto, como no caso do negativismo). A rebeldia é uma atitude de protesto generalizado, dirigido não a pessoas (como no caso do negativismo), mas às normas. Por fim, a insubordinação refere-se à aspiração da criança de ser independente e querer fazer tudo por si mesma. Além desses, são descritos pelo autor outros sintomas secundários, a saber: protesto violento, despotismo e ciúmes (PASQUALINI, 2009).

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dos três anos. Apenas alerta que, nessa fase, as crianças podem ser difíceis

de educar e reafirma a importância de os adultos compreenderem sobre o

desenvolvimento infantil para intervirem de forma mais adequada.

A idade pré-escolar é o período seguinte à crise dos três anos. No

entanto, não há um capítulo dedicado a esse estágio do desenvolvimento. Na

obra em que o autor discute a temática e que apresentamos nossas

considerações aqui, o capítulo seguinte à discussão sobre a crise dos três anos

refere-se à crise dos sete anos. Para o autor, a principal característica dessa

crise é a perda da espontaneidade infantil. Segundo Vygostski (2012b), a

criança pré-escolar é espontânea porque nela não se diferenciam

suficientemente a vida interior e a exterior – as vivências da criança, seus

desejos e a sua manifestação ainda não são totalmente diferenciados.

De acordo com a compreensão do autor, pode-se afirmar que “a

perda da espontaneidade significa que incorporamos à nossa conduta o fator

intelectual que se insere entre a vivência e o ato direto” (p. 291). Com a crise

dos sete anos, a criança passa a ser capaz de julgar a si mesma e a valorar

sua posição no contexto social, ou seja, consolidam-se, nesse período, as

vivências da criança atribuídas de sentido. E tornam-se possíveis, a partir

dessa consolidação, novas relações da criança consigo mesma. A linguagem

verbal, agora mais desenvolvida, significa a produção de generalizações mais

consistentes.

Para o autor, esse é o princípio básico das condições concretas de

desenvolvimento. Os períodos de crise não são imediatamente perceptíveis em

seu início e fim, o peculiar torna-se perceptível à medida que vão ocorrendo as

(re)elaborações e (re)estruturações de processos psíquicos. Vejamos como se

apresenta a compreensão do autor acerca dos períodos estáveis e dos

períodos de crise:

Nas idades críticas, o desenvolvimento da criança geralmente ocorre acompanhado de conflitos mais ou menos agudos com as pessoas de seu entorno. Em sua vida interna a criança pode sofrer dolorosas vivências e conflitos íntimos. Claro está que nem sempre é assim. Os períodos críticos são distintos em distintas crianças. Inclusive em crianças muito parecidas pelo tipo de seu desenvolvimento e posição social o curso da crise apresenta muito mais diferenças que nos períodos estáveis (VYGOTSKI, 2012b, p.198).

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Embora Vigotski apresente e explique as formas do processo de

desenvolvimento reconhecendo, nele, estágios44, defende que a análise deve

ocorrer na essência do processo, e não em seus traços externos. Para ele, a

atenção deve estar nas mudanças, nas atividades da criança, porque sua

personalidade muda como um todo integral em sua estrutura interna no

percurso do desenvolvimento.

Segundo o autor, o termo “novas formações” pode ser assim

compreendido:

Entendemos por formações novas o novo tipo de estrutura da personalidade e de sua atividade, as mudanças psíquicas e sociais que se produzem pela primeira vez em cada idade e determinam, no aspecto mais importante e fundamental, a consciência da criança, sua relação com o meio, e sua vida interna e externa, todo o curso de seu desenvolvimento no período dado (VYGOTSKI, 2012b, p.196).

Foi com base nessa definição que o autor alargou sua teoria sobre o

desenvolvimento e propôs a elucidação das questões relacionadas aos

estágios do desenvolvimento. De acordo com Meshcheryakov (2010),

desenvolvimento é o processo no qual a personalidade ou indivíduo é formado, pelo aparecimento de novas qualidades a cada passo do caminho, novas formações, especificamente humanas, que são preparadas por todo o prévio trajeto desenvolvimental (p. 708).

Discorrendo um pouco mais sobre a relação entre o conceito de

vivência e novas formações, considera-se importante trazer outra relação onde 44

Como forma de explicar a periodização das idades no processo de desenvolvimento, Vigotski apresenta o seguinte modo. Crisis postnatal. Primer año (dos meses – un año). Crisis de un año. Infancia temprana (un año – tres años). Crisis de tres años. Edad preescolar (tres años – siete años). Crisis de siete años. Edad escolar (ocho años – doce años). Crisis de trece años. Pubertad (catorce años – dieciocho años). Crisis de los diecisiete años. Não especificaremos, no texto, cada uma dessas fases para não desviar o foco de nosso estudo. Um maior detalhamento desse modo de compreender esse processo pode ser verificado em Vygotski (2012b).

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101

o conceito aparece na obra de Vigotski, justamente ligado à arte, perspectiva

que associamos à Literatura Infantil.

3.4 Interfaces do Desenvolvimento com a Literatura Infantil:

possibilidades da arte literária

Ainda segundo Mescheryakov (idem), na monografia sobre Hamlet,

Vigotski enfoca as relações mútuas entre o sujeito-mundo, de forma similar à

fenomenologia45, abolindo-se, no plano analítico, o limite entre sujeito e objeto,

afirmando que esse campo tem propriedades híbridas que abarcam os

aspectos internos e externos numa unidade (p. 763). Sendo assim, a ideia de

vivência46, para Vigotski, tal como aparece em “A Tragédia do Hamlet”

(1916/1999), designa uma apreensão e reconstituição ativa da obra pelo leitor-

crítico, cuja fagulha inicial é o forte impacto nele produzido pela leitura” (p.

761).

Vigotski interessou-se pela compreensão da arte e de seus efeitos

imbricados no desenvolvimento humano já em seus primeiros trabalhos. Seus

estudos (1970, 1999) discorrendo sobre a relação entre a arte e a vida

trouxeram grandes contribuições para análises e possibilidades de construção

de um princípio explicativo relacionado ao desenvolvimento cultural da criança

em sua relação com a arte literária.

Segundo Vigotski, a obra de arte é um conjunto de signos estéticos,

dirigidos a excitar emoções nos homens. Esses signos envolvem, portanto,

processos de criação e processos de percepção. A intenção de Vigotski, a

partir das análises construídas, foi compreender e recriar as correspondentes

emoções sobre as bases das análises desses signos. Em outros termos, a

tarefa de Vigotski (1970) consistiu em demonstrar que

45

Termo criado no séc. XVIII pelo filósofo J.H. Lambert (1728-1777), designando o estudo puramente descritivo do *fenômeno tal qual este se apresenta à nossa experiência (JAPIASSU, 2001). 46

Nos trabalhos em que Vigotski (1970, 2009, 2010) discute a arte e suas inter-relações com o desenvolvimento cultural, não há um padrão dos termos que utiliza para se referir à experiência com essa linguagem de forma mais específica. Experiência estética, sentido estético, vivência estética, emoção estética, percepção estética, impressão estética são alguns dos termos que o autor utiliza. Assumiremos, neste trabalho, nos momentos de experiência com a arte literária vividas ao longo do processo de construção da tese, o termo vivência estética por se aproximar mais de nossas discussões sobre o desenvolvimento cultural.

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nós não só interpretamos distintamente as obras de arte, mas também as vivemos de modo diferente [...] a subjetividade na compreensão, o significado que nós aportamos na experiência com a obra de arte, os processos de significação não coincidem entre quem passa pela mesma situação (p. 62).

Ao estudar a arte, Vigotski (1970, 1999, 2010) percebeu questões

fundamentais da Psicologia que o encaminharam para a pesquisa sobre a

compreensão das construções da criação artística e para a compreensão da

função específica da arte, criando, assim, um novo ramo para a obra artística, a

compreensão sócio-histórica da mente humana e uma Psicologia histórica.

Assim, buscou compreender a função da arte na vida da sociedade

e na vida do homem, como entes sócio-históricos. Segundo o autor, uma das

funções que a arte exerce é a de provocar atitude criadora nos indivíduos por

meio das vivências. Ou seja, o sujeito cria, a partir da sua vivência com a arte,

novas possibilidades de elaborações.

A arte ocupa um lugar de signo externo, e, após ser convertida em

signo interno, pode ser mediadora de processos de desenvolvimento cultural.

Segundo Leontiev (1970), a intenção de Vigotski em suas pesquisas sobre a

obra de arte foi tentar recriar, mediante as peculiaridades da obra de arte, a

estrutura daquela reação, ou a atividade interna que a obra de arte provoca (p.

8). A partir desse modo de compreender a obra de arte, nosso desejo, neste

trabalho, é compreender os meandros dos processos de desenvolvimento de

adultos e crianças na escola a partir do trabalho com a literatura infantil

Vigotski dedicou-se ferrenhamente a compreender a gênese do

desenvolvimento humano debruçando-se, inclusive, na discussão sobre o

papel da escola nesse processo. Em sua obra Psicologia Pedagógica (2010),

traz uma discussão sobre a escola e a educação estética, oferecendo-nos

elementos interessantes sobre a arte e os afetos que provoca nos sujeitos. No

capítulo “Educação Estética”, chama a atenção para as formas de trabalho das

escolas com a literatura, que, a seu ver, pouco ou nada contribuem para a

formação da criança e para a construção de um interesse por esse ramo da

arte.

O autor critica algumas obras literárias e também o trabalho feito

pelas escolas quando têm por objetivo levar a criança a tirar exemplos morais e

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lições edificantes dos textos lidos. Ele chama esse tipo de trabalho como falsa

literatura infantil. Afirma que as crianças têm capacidades de tirar impressões

sérias da arte que ultrapassam, e muito, uma regra moral. E, ainda, afirma que

não podemos estar certos sobre os tipos de efeitos morais que uma ou outra

obra irá exercer. Os exemplos citados por Vigotski demonstram que a escola,

muitas vezes, ignora o fato da diversidade de possíveis interpretações e

conclusões morais sobre uma história, tentando enquadrar a vivência estética

em um conhecido dogma moral. Ademais, argumenta que extrair regras morais

de uma obra de arte entra em contradição radical com a natureza da emoção

estética.

Para o autor, a “arte não pode ser reduzida a um sentimento

imediato de prazer e alegria que elas suscitam na criança e não pode ser vista

apenas como fonte de prazer” (p. 331). A obra de arte é percebida por meio de

um trabalho difícil e cansativo do psiquismo, e os momentos de percepção

sensorial são apenas os impulsos primários necessários para despertar uma

atividade mais complexa, e, em si, carecem de qualquer sentido estético. A

vivência estética baseia-se em um modelo absolutamente preciso de reação

comum, que pressupõe a existência de três momentos: uma estimulação, uma

elaboração e uma resposta.47

Dessa forma, o autor define a obra de arte como

Um sistema especialmente organizado de impressões externas ou interferências sensoriais sobre o organismo. Entretanto, essas inferências sensoriais estão organizadas e construídas de tal modo que estimulam no organismo um tipo de reação diferente do que habitualmente ocorre, e essa atividade específica, vinculada aos estímulos estéticos, é o que constitui a natureza da vivência estética (VIGOTSKI, 2010, p. 333).

Com base nessa definição acerca da obra de arte, Vigotski

apresenta uma compreensão muito fecunda em nosso trabalho, pois afirma

que, na vivência do sujeito com a arte, nesta relação

47

Essa consideração de Vigotski foi feita em um de seus primeiros trabalhos, capítulo “Educação estética” (VIGOTSKI, 2010). A mesma convida-nos e provoca reflexões na medida em que aprofundamos os estudos nessa perspectiva ampliamos os modos de compreender a fala do autor por meio de outros conceitos, alguns já discutido tais como vivência e significação.

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se desenvolve uma atividade construtora sumamente complexa que é realizada pelo ouvinte ou espectador e consiste em que viva com as impressões externas apresentadas. Nesse sentido, o próprio receptor constrói e cria o objeto estético para o qual já

se voltam todas as suas posteriores reações (idem).

Ou seja, Vigotski, revela-nos o papel ativo de quem vivencia a obra

de arte. A arte provoca no sujeito uma elaboração criadora do próprio objeto.

Isso significa que, ao percebermos uma obra de arte, sempre a recriamos de

forma nova, e essa (re)criação é única e irrepetível. Estabelece-se, dessa

forma, um caráter ativo de quem está experimentando, apreciando, ouvindo a

obra de arte. O desafio do pesquisador interessado em compreender esses

processos é perceber a unidade entre os aspectos desencadeados nessa

criação por meio da observação, do diálogo e da captura das expressões e

movimentos dos sujeitos e dos modos de participação de adultos e crianças

com/na arte literária. Todos esses elementos dão pistas acerca dessa criação e

nos permitem avançar em nossas análises.

Essa compreensão é fundamental para nosso trabalho, pois ancora

nossos modos de perceber processos de inter-relação entre a literatura e o

desenvolvimento cultural de adultos e das crianças na medida em que “o que

deve servir de regra não é o adornamento da vida, mas a elaboração criadora

da realidade, dos objetos e seus próprios movimentos, que aclara e promove

vivências cotidianas ao nível das vivências criadoras” (VIGOSTSKI, 2010, p.

352).

Embora Vigotski (1972) construa a concepção discutida acima

acerca das vivências dos sujeitos com a obra de arte, afirma que a experiência

com a arte pela criança segue critérios diferentes da experiência do adulto.

Trazer essa discussão em nosso trabalho é importante na medida em que foi a

partir dela que nossa pesquisa foi construída com crianças de 0 a 3 anos. Dizer

que a experiência da criança com a arte ocorre de modo diferente não significa

menosprezá-la. Aliás, o autor destaca duas circunstâncias que lhe chamam a

atenção na vivência da arte pela criança: “primeiro, a presença precoce de uma

disposição especial que a arte exige e que prova a existência de: primeiro, uma

afinidade psicológica entre a arte e os jogos da criança48” e, segundo, uma

48

Trata-se, aqui, dos jogos simbólicos (VIGOTSKY, 1991).

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relação estreita entre a arte infantil e o jogo, o que explica, segundo Vigotski, o

papel e o valor da arte na vida infantil (p. 314-315).

O autor afirma:

Cremos profundamente certa a suposição de que este tipo particular de arte infantil se aproxima muito ao jogo e nos explica perfeitamente o papel e o valor da arte na vida infantil. „Aqui, são muitos todavia os que não têm compreendido a estreita relação que existe entre os versos infantis e os jogos‟ (idem).

Dessa forma, Vigotski aponta-nos um caminho de análise

interessante quando associa os modos de se relacionar com a arte pela criança

com os jogos simbólicos. Aqui, embora os escritos do autor não se aprofundem

a respeito dessa relação, arriscamo-nos a fazer essa associação com a

discussão apresentada pelo autor no texto “O papel do brinquedo no

desenvolvimento” (1991). Em que pese a questão da tradução do inglês para o

português, como o termo “brinquedo”, ressaltamos que o sentido atribuído pelo

autor é do jogo simbólico. Dessa forma, ao relacionar a discussão do autor

sobre a vivência da arte na infância e sobre o papel do jogo simbólico nessa

fase da vida dos pequenos, encontramos essa associação vinculada à análise

do autor sobre o papel do jogo simbólico na infância.

Para Vigotski (1991), o brinquedo, e, aqui, ressaltamos mais uma

vez, o jogo simbólico, preenche necessidades da criança. De acordo com o

autor, a criança possui necessidades de ordem psicológica que nem sempre

podem ser satisfeitas de forma imediata, e, nessa fase, os pequenos não têm,

ainda, a capacidade de projetar sua satisfação para o futuro. É nesse momento

que o jogo simbólico ocupa um lugar especial no desenvolvimento. Por meio

dele, elas conseguem criar um mundo imaginário capaz de propiciar a

satisfação dessas necessidades. Segundo Vigotski (idem),

Para resolver essa tensão, a criança em idade pré-escolar envolve-se num mundo ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser realizados, e esse mundo é o que chamamos brinquedo [brincadeira]49. A imaginação é um processo psicológico novo para a criança; representa uma forma especificamente humana de atividade consciente, não

49

O significado deste termo já foi discutido por outros autores e há consenso de que a tradução mais fiel seria “brincadeira”.

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está presente na consciência de crianças muito pequenas e está totalmente ausente em animais. Como todas as funções da consciência, ela surge originalmente da ação. [...] podemos dizer que a imaginação, nos adolescentes e nas crianças em idade pré-escolar, é o brinquedo em ação. (p. 106)

Essa discussão abre, para nossa pesquisa, um leque de

possibilidades e compreensões com/sobre as/das “vivências” das crianças com

as obras literárias. Toassa e Souza (2010), ainda, apontam que, no

desenvolvimento do conceito de vivência, os estudos de Vigotski foram

incorporando ideias que ampliaram o próprio sentido do termo, passando a ter

uma abrangência mais completa, podendo ser entendido “como unidade

sistêmica da consciência/personalidade; unidades da relação interna

consciência-meio” (p. 764).

Segundo as autoras, a personalidade, em seus traços diferenciais e

caracteriológicos, são, mais do que tudo, as conexões caracteriológicas. “É o

resultado do que surgiu e se desenvolveu na ontogênese em um sistema

determinado de conexões neurais: de ações, representações, percepções”

(idem). Dessa forma, consideramos o conceito de vivência, e diríamos vivência

com arte literária, mediada e mediadora, como fundamental para nosso

trabalho, uma vez que são esses os aspectos ou elementos que avaliamos

serem importantes no processo de constituição de nossa pesquisa.

Nessa perspectiva, “as vivências são um conceito-coringa que

delimita a nossa relação com o mundo desde o nascimento, relação que se

complexifica com a estruturação dos sistemas psicológicos terciários (como

consciência e personalidade)” (ibidem, 765). Esse conceito inter-relacionado à

arte literária e suas composições no desenvolvimento humano ajuda-nos nesta

empreitada.

Pretendemos compreender os processos desencadeados com/nas

vivências de adultos e crianças com a literatura, explicando as multiplicidades

de possibilidades nas situações sociais aqui desencadeadas. Assim, momentos

de escuta de histórias em diferentes formatos, seja na biblioteca, no cantinho

de leitura em sala de aula, em momentos coletivos de contação/audição de

histórias, em dramatizações feitas pelas próprias crianças, com a mediação ou

não das professoras, poderão ser interpretadas a partir dos conceitos de meio,

vivência e novas formações.

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Sendo assim, entendemos que a literatura, ao estar inserida no

contexto cotidiano escolar de forma sistemática50, pode ser problematizada e

debatida por meio dos conceitos apresentados/discutidos neste trabalho. A

partir dessa exposição, perguntamo-nos: como se dão as (inter)ações de

adultos e crianças na escola com a literatura? Como crianças de 0 a 3 anos

estão experimentando as (inter)ações estabelecidas com a literatura? De que

forma essas “vivências” estão repercutindo no desenvolvimento cultural de

adultos e das crianças?

Parte-se da definição do conceito de vivência como algo que

atravessa a vida dos sujeitos, que só pode ser adquirido quando se vive, pois é

no processo de viver que algo acontece, assim como discutido e

problematizado por Toassa e Souza (2010) e também por Meshcheryakov

(2010). Portanto, a vivência é única – singular do sujeito –, eu significo a

situação vivida e ela passa a agir sobre mim e eu sobre o meio – aquilo que é

vivido, é imbuído de sentido pelo sujeito.

Aqui, vale ressaltar as relações estabelecidas entre o conceito de

vivência e os conceitos de sentido, signo e significação discutidos por Smolka

(2004). A autora apresenta uma discussão densa acerca desses conceitos e

aponta que a significação pode ser concebida

como característica ou atributo específico da condição humana; como emergente das relações materiais de produção, constituindo a própria condição de humanização; como processo, modo de produção, como acontecimento, resultante da dinâmica das relações (p. 43).

Entretanto, ressalta a autora, esse processo vai sendo produzido

também com/na linguagem, sendo significado por ela num movimento dialógico

e dialético a partir das “relações concretas e dos modos de vida dos homens

em interação” (idem, p. 44).

A partir dessas premissas, entendemos que a relação das crianças

com as obras literárias, aqui entendidas como parte das experiências das

crianças na escola, pode trazer, a nós, elementos para problematizar, colocar

em perspectiva as vivências e as possibilidades de desenvolvimento cultural,

50

O termo “sistemático” refere-se à frequência de tais atividades na escola, ou seja, a literatura garantida no currículo, e não apenas um elemento que aparece esporadicamente nas práticas pedagógicas como meio de distração ou passatempo das crianças.

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no cotidiano das escolas de Educação Infantil nos diversos momentos em que

a literatura esteve presente. Entendemos que “o desenvolvimento cultural na

perspectiva vigotskiana implica dentre outros aspectos para as crianças de 0 a

3 anos, na aquisição de maiores capacidades de pensar verbalmente, o que

torna os sujeitos mais ativos em seu meio” (TOASSA e SOUZA, 2010, p. 768).

Segundo Zilberman, (2010, p. 25), “[...] o texto é incompreensível,

pois ele nunca exaure seu objeto, cujo significado se efetua quando o leitor ali

deposita seu conhecimento e experiência”. Ainda para a autora,

A literatura se alimenta do vasto campo das possibilidades humanas, que ela socializa tanto aos que podem alcançá-las por outros meios quanto aos que estão privados dessa chance. Competia à escola colaborar para a concretização dessa utopia da arte; não poderia fazê-lo, porém, sem levar em conta o tipo de diálogo que se estabelece entre o público e as obras. Por sua vez, propiciar a prática do diálogo e refletir sobre os modos como ele se efetiva talvez sejam atividades mais que suficientes para legitimar a presença da literatura na sala de aula (ZILBERMAN, 2010, p. 35).

Entende-se, portanto, que

[...] a literatura infantil é, antes de tudo, literatura; ou melhor, é arte: fenômeno de criatividade que representa o mundo, o homem, a vida, através da palavra. Funde os sonhos e a vida prática, o imaginário e real, os ideais, e sua possível/impossível realização (COELHO, 1986, p. 27).

Dessa forma, percebemos que, ao conceber a literatura como arte

que pode estar presente nas vivências das situações sociais entre adultos e

crianças na escola, ampliamos muito as possibilidades de análise, relacionando

a vivência estética51 com os demais conceitos discutidos até aqui. Considera-

se, portanto, o quanto a literatura pode potencializar e ampliar a constituição e

o desenvolvimento cultural dos sujeitos na escola.

51 Estética (gr. aisthetikós, de aisthanesthai: perceber, sentir) I. Um dos ramos tradicionais do ensino da filosofia. O termo "estética" foi criado por Baumgarten (séc. XVIII) para designar o estudo da sensação, "a ciência do belo", referindo-se à empina do gosto subjetivo, àquilo que agrada aos sentidos, mas elaborando uma ontologia do belo. Contemporaneamente, a estética, tendo renunciado em princípio a todo cânone, é caracterizada por uma abundância de correntes, cada uma constituindo suas teorias particulares (JAPIASSU, 2006). Embora saibamos dos limites desta definição, um estudo mais aprofundado deste conceito foge ao escopo do presente texto.

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As discussões apresentadas até agora nos permitem indagar mais

uma vez sobre os processos vivenciados por adultos e crianças com a

Literatura Infantil nas escolas. O que nos interessa é a forma como se dão o

envolvimento e o desenvolvimento, os modos de se apropriar com e das obras

literárias. As experiências que os sujeitos têm nesse contexto, crianças e

adultos,

pelo diálogo, pela partilha e pelo conflito, as várias alternativas de interpretação dos textos literários é, sem dúvida, uma condição essencial ao alargamento da compreensão do mundo pela criança – compreensão essa que traz consigo o alargamento e seu domínio linguístico (SILVA, 2010, p. 79).

Dessas experiências problematizamos as condições e contradições

das situações concretas de desenvolvimento, tendo no contexto escolar os

momentos do trabalho com a literatura como provocativos, potencializadores e

fontes de seu desenvolvimento.

Ao discutir a questão semiótica ou da utilização dos signos, Vigotski

está interessado em demonstrar que o desenvolvimento do sujeito acontece de

modo muito peculiar – uma vez “interagindo” com algum elemento da cultura, a

criança (trans)forma-se, é transformada e também transforma as relações

estabelecidas neste contexto, pois ocorre um movimento revolucionário.

Conforme Pino (2005),

falar em desenvolvimento cultural da criança é falar da construção de uma história pessoal no interior da história social dos homens, da qual aquela é parte integrante. É um processo que, se não passa pelas mesmas etapas por que passou o da humanização de homo sapiens, passa por etapas equivalentes. Com efeito, a criança deverá transpor as fronteiras da sensorialidade – necessária para estar em contato permanente com a realidade material do mundo – para chegar ao plano da representação simbólica – via de acesso a essa outra forma de existência da realidade que é a forma simbólica, campo sem fronteiras da cultura (p. 159).

Ressaltamos que, nesse aspecto da construção de representação

simbólica, a arte literária tem muito a contribuir com o processo de

desenvolvimento cultural da criança, pois, por sua característica, provoca

sensações do campo de ordem simbólica. O convívio e, muitas vezes, a

identificação com personagens, seus medos, desafios, conquistas,

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potencializam sobremaneira o processo de imagens que auxiliam a imaginação

e a criatividade, promovendo o desenvolvimento desses campos, pois, embora

os elementos da história pertençam ao campo da imaginação, o vivido está

diretamente vinculado ao real. Todas as sensações e vivências da criança são

reais, levando-a a experimentar, de fato, os elementos da história. E, uma vez

experimentados, é possível dizer que houve transformações no campo do

desenvolvimento cultural dos sujeitos.

A partir dessa discussão acerca dos conceitos de signo, meio,

vivência e de novas formações, colocamo-nos com o propósito de

compreender e explicar os processos construídos e vividos por adultos e

crianças na escola no trabalho com a literatura observando como as histórias

infantis estão fazendo parte do processo de (re)apropriação, pelas crianças, de

aspectos culturais presentes na escola e na sociedade.

Para tanto, tivemos como fonte de análise o trabalho desenvolvido

por duas profissionais que participaram de um curso de formação e

propuseram ações teórico-práticas envolvendo a literatura infantil com suas

crianças nas escolas em que atuavam. Desse trabalho, observamos o cotidiano

e as vivências de adultos e crianças com as obras literárias. Segundo Toassa e

Souza (2010), “as vivências são unidades da relação entre a personalidade/

consciência e o meio; da relação interior da criança com um ou outro

acontecimento externo, ou as circunstâncias particulares que a envolvem” (p.

769).

Assim como proposto por Vigotski, a ênfase é posta, então, nas

tensões que o corpo – significativo – condensa: as marcas da cultura, da

história, do outro, no corpo, no sujeito; mas, também, a singularidade do sujeito

na elaboração de uma síntese. Sendo assim, os conceitos até aqui discutidos

ajudam-nos a colocar em perspectiva as “vivências” que adultos e crianças

estão constituindo com a literatura infantil, entendendo que esse elemento da

cultura pode trazer implicações no processo de desenvolvimento delas. Dessa

forma, na vivência, nós sempre lidamos com a união indivisível das

particularidades da personalidade e das particularidades da situação

representada por ela.

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A partir das elaborações e discussões aqui apresentadas, e

considerando as vivências estabelecidas entre os sujeitos e a literatura infantil,

perguntamo-nos, assim como Vigotski (2000):

como o coletivo cria nesta ou aquela criança as funções superiores? Antes era pressuposto: a função existe no indivíduo em forma pronta, semi-pronta, ou embrionária – no coletivo ela exercita-se, desenvolve-se, torna-se mais complexa, eleva-se, enriquece-se, freia-se, oprime-se, etc. Agora: função primeiro constrói-se no coletivo em forma de relação entre as crianças, – depois constitui-se como função psicológica da personalidade (p. 29).

Para construir essa análise, será necessário levar em consideração

todos os conceitos aqui apresentados, bem como as características principais

do desenvolvimento infantil, tal como nos aponta Meshcheryakov (2010) a

partir dos pressupostos vigotskianos.

1) a integralidade (caráter holístico) do processo de desenvolvimento, a unidade de diferentes aspectos e linhas de desenvolvimento (a existência de uma regularidade comum vinculada à unidade intersistêmica); 2) no desenvolvimento, há não só mudanças quantitativas, mas também qualitativas; 3) há desníveis de desenvolvimento global, ou seja, mudanças de tempo ou velocidade; 4) heterocronia e desproporcionalidade do desenvolvimento de diferentes linhas (por exemplo: diferentes partes do corpo, tanto glândulas endócrinas quanto funções psicológicas desenvolvem-se em diferentes velocidades, no seu próprio ritmo, trajetórias, e tempos diferentes); 5) o aparecimento de neoformações, talvez acompanhada por regressão, involução de conquistas prévias; 6) o desenvolvimento é caracterizado por mudanças estruturais, que são relacionadas à diferenciação de estruturas prévias e de velocidades de desenvolvimento das diversas partes de todo o sistema; 7) a existência dos períodos ótimos do desenvolvimento de diferentes partes do corpo e da personalidade (idem, p. 707).

Em todos esses aspectos, a relação entre o meio e a criança fica

sempre no centro, e não unicamente o meio, nem unicamente a criança, em

separado (VIGOTSKI, 2010). Nesse processo, a linguagem será o elo que nos

propiciará ampliar o olhar, compreender e explicar, pois “a linguagem é o laço

que relaciona os conceitos de tomada de consciência (no sentido da relação de

compreensão que estabelecemos com algo) e vivência. (TOASSA e SOUZA,

2010, p.770).

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As relações estabelecidas com a literatura, bem como os processos

desencadeados com/nos adultos e nas crianças frente a esse elemento da

cultura, são, para nós, fonte de grande atenção, pois se entende que, a partir

dessa análise, será possível compreender e explicar processos importantes do

desenvolvimento cultural infantil ali presentes, bem como (re)pensar práticas de

trabalho no cotidiano escolar que têm, na literatura, fonte de inspiração

cotidiana.

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4 A LITERATURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: MODOS DE PARTICIPAÇÃO

DE ADULTOS E CRIANÇAS

Não são as coisas que saltam das páginas em direção à criança que as vai imaginando - a própria criança penetra nas coisas durante o contemplar, como nuvem que se impregna do esplendor colorido desse mundo pictórico (BENJAMIN, 2002, p. 69).

A construção dos dados mostrou-se, para nós, como oportunidade

de acompanhar vivências de adultos e crianças com a literatura infantil. Nossa

intenção com o trabalho de campo foi construir um conhecimento que

explicitasse, por meio dos modos de participação de adultos e crianças ao

contar e ouvir histórias, as provocações e as potências que o trabalho com a

literatura pode desencadear. Assim, poderíamos compreender e explicar as

nuances desses processos no que se refere ao desenvolvimento cultural de

adultos e crianças na escola.

Ao trazer o conceito de vivência referimo-nos não só ao

acontecimento de contar e ouvir histórias, mas às relações estabelecidas por

adultos e crianças com a arte literária. Essa relação pode ser compreendida a

partir dos modos de participação, dos sentidos construídos com e nesta

experiência. Revela-se e traduz-se como algo intermediário entre a

personalidade e o meio.

Assim, para nós, as experiências construídas nos episódios

analisados podem demonstrar um processo de (re)apropriações de adultos e,

também, das crianças, que estabelecem com a literatura uma relação que

“designa uma apreensão e reconstituição ativa da obra pelo leitor-crítico, cuja

fagulha inicial é o forte impacto nele produzido pela leitura” (idem).

Dessa forma, a construção dos episódios para esta análise inicial

baseou-se, principalmente, na tentativa de eleger situações que condensassem

vários elementos da história vivida pelos sujeitos envolvidos na pesquisa.

Momentos do trabalho das profissionais com a literatura, em que elas

experimentavam novos modos de atuação planejados no processo formativo,

um trabalho que repercutia nos modos de participação das crianças com/na

arte literária.

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Estabelecemos uma relação dialógica com as colaboradoras e com

todos os elementos da pesquisa durante todo o trabalho (BAKHTIN, 2011). O

princípio dessa relação baseia-se na apreensão e, também, na construção das

interações de forma dialogada por meio de um processo criador e criativo de

nosso trabalho.

A (com)vivência na escola permitiu construir experiências

importantes para todos os envolvidos. As vídeo-gravações possibilitaram

capturar o processo vivido e oportunizaram sua retomada em outro momento,

quando foi possível (re)memorar as situações e reconstruir todo o processo.

Entretanto, só se apresentam passíveis de análise diante do

cruzamento das informações construídas ao longo da pesquisa de campo.

Retomamos, aqui, algumas fases desse processo: encontros de estudo e

planejamento entre a pesquisadora e as profissionais ao longo de todo o ano

de 2015 e início de 2016; participação da pesquisadora no cotidiano da escola

no segundo semestre de 2015, acompanhando o desenvolvimento das

propostas planejadas; leitura e orientação da pesquisadora acerca dos

relatórios monográficos produzidos pelas duas profissionais sobre o trabalho

realizado. Nos planejamentos coletivos entre a pesquisadora e as duas

profissionais, discutíamos as possibilidades de intervenção e fazíamos os

estudos teóricos sobre linguagem, desenvolvimento infantil e sobre o trabalho

com a literatura. Na organização prévia dos elementos que seriam

apresentados às crianças, os estudos feitos eram retomados.

Acreditamos que os registros produzidos pela pesquisadora em

diários de campo, em áudio, em vídeo e os materiais produzidos pelas

professoras no decorrer de todo o trabalho, tais como os relatórios

monográficos, as transcrições do encontro onde assistimos às cenas do

cotidiano e, também, a transcrição dos dois episódios vividos na escola

possibilitaram, portanto, a retomada dos sentidos construídos por nós na

pesquisa, por expressarem os modos de participação de todos os sujeitos.

Esses materiais condensam fragmentos da história de desenvolvimento cultural

das colaboradoras da pesquisa, da pesquisadora e permitem capturar

elementos desses mesmos processos vividos pelas crianças. Sendo assim,

consideramos possível apresentar e discutir elementos importantes sobre o

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desenvolvimento cultual de adultos e crianças na escola a partir da inter-

relação com a literatura.

Sobre a construção de episódios de análise, Pedrosa (2005)

argumenta que

A postura metodológica decorrente é de que o dado é construído, não existe independente do observador: é este que o elege ao status de dado, como fruto de sua reflexão, de sua sensibilidade, e em última análise, de sua interação com os fatos observados. [...] É a explicitação dos critérios, que possibilita esse compartilhamento e, consequentemente, essa construção (p. 432).

Dessa maneira, salientamos que nosso esforço é dar visibilidade aos

processos vividos por adultos e crianças na escola com a literatura infantil,

considerando-os como construções históricas repercutidas nos modos de

participação individuais de adultos e crianças. Assim, acreditamos que teremos

elementos para problematizar e discutir o desenvolvimento cultural de

professoras e crianças nessa relação.

4.1 Bruxa, Bruxa! Venha à minha festa: o convite à participação das

crianças

Esse episódio ocorreu no dia 22 de outubro de 2015. Foi conduzido

do início ao fim pela educadora Laís com o suporte da professora regente do

grupo e das outras duas educadoras. A pesquisadora participou desse

momento por meio do planejamento anterior à atividade e como observadora

participante, produzindo o registro fílmico da situação e interagindo com as

crianças.

A história contada foi “Bruxa, bruxa, venha à minha festa”, de Arden

Druce, editora Brinque Book, edição de 1995, ilustrada por Pat Ludlow. Segue

o texto da história:

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_ Bruxa, Bruxa, por favor, venha a minha festa. _ Obrigada, irei sim, se você convidar o Gato. _ Gato, Gato, por favor, venha a minha festa.

_ Obrigado, irei sim, se você convidar o Espantalho. _ Espantalho, Espantalho, por favor, venha a minha festa.

_ Obrigado, irei sim, se você convidar a Coruja. _ Coruja, Coruja, por favor, venha a minha festa. _ Obrigada, irei sim, se você convidar a Árvore.

_ Árvore, Árvore, por favor, venha a minha festa. _ Obrigada, irei sim, se você convidar o Duende.

_ Duende, Duende, por favor, venha a minha festa. _ Obrigado, irei sim, se você convidar o Dragão.

_ Dragão, Dragão, por favor, venha a minha festa. _ Obrigado, irei sim, se você convidar o Pirata. _ Pirata, Pirata, por favor, venha a minha festa.

_ Obrigado, irei sim, se você convidar o Tubarão. _ Tubarão, Tubarão, por favor, venha a minha festa.

_ Obrigado, irei sim, se você convidar a Cobra. _ Cobra, Cobra, por favor, venha a minha festa.

_ Obrigada, irei sim, se você convidar o Unicórnio. _ Unicórnio, Unicórnio, por favor, venha a minha festa.

_ Obrigado, irei sim, se você convidar o Fantasma. _ Fantasma, Fantasma, por favor, venha a minha festa.

_ Obrigado, irei sim, se você convidar o Babuíno. _ Babuíno, Babuíno, por favor, venha a minha festa.

_ Obrigado, irei sim, se você convidar o Lobo. _ Lobo, Lobo, por favor, venha a minha festa.

_ Obrigado, irei sim, se você convidar a Chapeuzinho Vermelho. _ Chapeuzinho Vermelho, Chapeuzinho Vermelho, por favor, venha

a minha festa. _ Obrigada, irei sim, se você convidar as Crianças.

_ Crianças, Crianças, por favor, venham a minha festa. _ Obrigado, iremos sim, se você convidar a Bruxa.

Texto extraído do livro “Bruxa, Bruxa, venha à minha festa”

Para contar a história, a educadora preparou anteriormente, junto às

crianças, alguns elementos, como fantoches, que elas puderam personalizar

com pintura em tecido e nomear, um tapete especial e almofadas, um carrinho

que já pertencia à escola, mas que foi todo remodelado e denominado pela

educadora de “Biblioteca Ambulante”. Da confecção dos fantoches, surgiram os

personagens que potencializariam um dos modos de participação das crianças,

ir à festa da bruxa: bruxa, gatinho, pintinho, vovô, vovó, menininha, boi,

cachorrinho etc.

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Em momento anterior à história, as crianças pintaram e vestiram as

roupas nos fantoches, enquanto que o acabamento com caracteres tais como

cabelo, boca e olhos foram desenhados ou colados pela educadora. Quando

as crianças viram os fantoches no momento da história, tiveram a oportunidade

de reconhecer, neles, as marcas de suas expressões.

A escolha do livro pela educadora também foi pensada considerando

o grupo no qual a intervenção seria feita. As crianças já tinham o contato com a

personagem “Bruxa” regularmente em sua rotina. A professora regente, em

uma de suas atuações no trabalho pedagógico, trazia a “Bruxinha Mafalda” de

um modo muito peculiar. Criava e recriava essa personagem como um

elemento surpresa muito importante diante das crianças, caracterizando-a com

roupas, cabelos e um diálogo especial com cada um do grupo por meio de

músicas e cumprimentos carinhosos. Essa foi a motivação da educadora para

a escolha do livro, e esse modo de propor a atividade demonstrou que

considerar as crianças como partícipes do processo, no caso deste episódio,

da composição de personagens que iriam viver uma história e do contato que

já tinham com a personagem principal, fez toda a diferença na significação do

processo vivido pela educadora e pelas crianças.

Além disso, cabe destacar que o livro escolhido pela educadora

possui uma ilustração muito peculiar. A princípio, considerei que as crianças

ficariam assustadas com as imagens, pois parecem aterrorizantes, entretanto

isso não ocorreu. Destaca-se, no modo como as crianças interagiram com os

personagens representados no livro, a discussão de Araújo (2016) quando trata

sobre a criança e a leitura de imagens. A autora afirma que o leitor é um sujeito

ativo na ação interpretativa. Ler imagem torna-se um ato de criação poética da

criança em que ela atua de modo pessoal, atribuindo sentido ao objeto em

questão. Ou seja, atribui e constrói um significado próprio.

Assim, as formas descritas por Reily (2003) apud Araújo (2016)

ajudam-nos a interpretar as ações das crianças. Tocar as figuras, apontar,

mostrar detalhes importantes, seguir os movimentos, imitar os gestos dos

personagens, tudo isso aproxima a criança do livro. Benjamin (2002) também

compreende a relação das crianças com as imagens dos livros de modo a

afirmar que “ela habita as imagens [...] a criança penetra nestas imagens com

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palavras [e gestos]52 criativos [...] nessas imagens, aprende ao mesmo tempo a

linguagem oral e a escrita: os hieróglifos” (p. 66).

Assim, a forma como essa atividade foi planejada demonstra modos

de compreender o desenvolvimento infantil pela educadora. Ela evidencia que

a organização do espaço para contar uma história precisa ser muito bem

pensada e preparada para envolver as crianças. Por isso, dispôs a sala de

forma a ampliá-la, sem muitos outros estímulos além dos que já seriam

oferecidos na atividade.

Apresentamos algumas possibilidades de análise do episódio

considerando as discussões apontadas por Vygotski (2012b), em que

apresenta as especificidades do processo de desenvolvimento cultural em

crianças de 0 a 3 anos, e, também, na discussão do autor sobre como a arte

pode transformar os sujeitos. A transformação que nos arriscamos aqui a

ressaltar refere-se ao desenvolvimento. Todo o episódio é rico de situações

que demonstram como o cotidiano da escola, mais especificamente o trabalho

com a literatura, é potente no que se refere a esse processo para adultos e

crianças.

Vale salientar que as situações podem ser mais ricas quando os

profissionais estiverem cientes de seu papel e da potencialidade da mediação

provocada. É por isso que destacamos, nos modos de contar história da

educadora, o processo anterior vivido nos estudos e planejamentos da

intervenção realizada. Percebemos que, por meio do estudo e aprofundamento

das discussões sobre crianças dessa faixa etária e do trabalho com a literatura,

é que foi possível para ela planejar e desenvolver esta proposta.

As crianças estão em pleno processo de descoberta de mundo,

experimentando novas situações. Vygotski (2012b) ressalta a importância de

se considerarem as relações da criança com e no seu meio para

compreendermos o processo de desenvolvimento. Ou seja, no caso deste

episódio, os modos de participação de crianças de 0 a 2 anos com a literatura

podem dar-nos pistas importantes de como estão percebendo e apropriando-se

dos conhecimentos ali compartilhados, e de como estão sendo afetadas com e

pela história.

52

Acréscimo da pesquisadora.

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O autor está, portanto, assinalando que, para compreender o

desenvolvimento da criança, e aqui ressaltamos que esse desenvolvimento é

cultural, é necessário atentarmo-nos para as vivências repercutidas nas formas

de relações estabelecidas com o meio. Com base nessa concepção,

buscamos, no episódio colocado em perspectiva, uma situação que

consideramos ser oportuna para discutir tal questão.

Nesse sentido, o aporte teórico auxilia-nos a compreender os

processos vividos na escola na inter-relação com a literatura, e nosso esforço

baseia-se, principalmente, na tentativa de estabelecer uma íntima relação entre

a teoria e a situação empírica vivida no campo da pesquisa. Esse processo

inter-relacionado convoca-nos para a produção de uma análise interpretativa e,

ainda, para a produção de um novo conhecimento no que tocante às inter-

relações entre a literatura e o desenvolvimento cultural de adultos e crianças.

Nos momentos que antecedem a contação da história, as

profissionais organizam as crianças para a chegada da educadora Laís e da

“Biblioteca Ambulante”. Vejamos:

A cena se inicia já se sabendo que a educadora Laís foi buscar a

biblioteca móvel, mas para as crianças isso era tratado como uma

surpresa. As profissionais (educadoras e professora) organizam as

crianças para esse momento. Insistem para que todas aguardem a

“tia Laís” sentadas no chão. A professora regente diz batendo palmas

e pegando João Maciel colocando-o sentado.

Professora Regente Edilene: _ Surpresa! Surpresa! Vamos sentar,

vamos!

Educadora Andréa: _ Júlia, senta Júlia, senta que vai ter surpresa! -

e começa a cantar uma música - _ Olha a hora é agora vamos ouvir

história!

Professora Regente Edilene depois de colocar outra criança

sentada diz: _ O Tiago sentou e chorou!

A professora Edilene fica nesse movimento de contenção das

crianças, bate palmas, apaga as luzes e até bate na porta para

chamar a atenção das crianças e mantê-las sentadas.

Professora Regente Edilene: _ Aqui ô Tiago! A tia Laís Tiago trouxe

uma surpresa prá nós. Ô!! Já apagou a luz.

Esse movimento de atrair a atenção das crianças para a história por

meio de chamadas tais como “Oh! Oh!”, bater palmas e colocar as crianças

sentadas, apresentou-se, incialmente, para nós, como uma tentativa de

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controle das profissionais sobre as crianças. Essa nossa impressão provocou-

nos um estranhamento ancorado em nossa compreensão teórica que entende

o comportamento das crianças de se levantar e ir em direção ao carrinho de

livros e em direção à educadora que contaria a história como compatível com

suas necessidades. Ou seja, a forma de aprendizagem e desenvolvimento das

crianças nessa faixa etária está diretamente relacionada à percepção afetiva e,

consequentemente, ao movimento em direção ao objetivo de sua atenção.

Segundo Vigotsky (2012),

Para a criança de idade temprana a tomada de consciência não equivale a perceber e elaborar o percebido com a ajuda da atenção, da memória e do pensamento. Ditas funções não estão ainda diferenciadas, atuam na consciência totalmente sujeitas à percepção em tanto e em quanto participam do processo da percepção (p. 344).

Assim, a organização das profissionais para que as crianças

ouvissem a história naquele grupo pode ser compreendida sob dois prismas

contraditórios. Primeiro, as necessidades das crianças, e, segundo, as

situações concretas possíveis vividas naquela situação.

A escola, e mais especificamente a sala, no caso deste grupo, é

organizada com 19 crianças com idade entre 10 (dez) meses a 2 (dois e quatro

meses) anos. Neste grupo, são apenas quatro adultos responsáveis por mediar

as relações das crianças com as propostas ali desencadeadas. Sendo assim,

caso as crianças não conseguissem minimamente perceber a situação

proposta, ou seja, a chegada da biblioteca móvel e o que ela significava, talvez

não conseguissem estabelecer aproximações e nem mesmo percepções sobre

a história a ser contada/ouvida.

Assim que a educadora inicia a contação da história “Bruxa, bruxa,

venha à minha festa” e que as crianças compreendem e se envolvem com/na

história, foi possível perceber mais flexibilidade na forma de lidar com os

movimentos das crianças. A maioria delas estabeleceu uma relação de atenção

com a história ouvida e, muitas vezes, algumas iam em direção à educadora e

ao livro, demonstrando suas necessidades de ir ao encontro do objeto de sua

atenção.

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A educadora utiliza como estratégia para contar a história e envolver

as crianças ler o livro com as páginas viradas para os pequenos, mostrar as

imagens e fazer questionamentos a elas. Indaga sobre quem são aqueles

personagens e dialoga sobre os convites que seriam feitos para ir à festa da

bruxa. Esse modo de contar a história provoca, convida, potencializa ações e

reações dialéticas no encontro entre a educadora, a história, os personagens e

as crianças.

Neste trecho, fazemos o destaque para a provocação despertada

nas crianças, principalmente na atitude de Lara, que entra na história e

acrescenta um elemento próprio, tentando criar um encontro entre a “Bruxa” e

o “Gatinho”. Vejamos como se deu esse momento. A educadora Laís estava

lendo a história fazendo indagações às crianças:

Educadora Laís: _ Cadê o gatinho? Ela procura o fantoche do gatinho e, como não encontra, convida as crianças para ajudarem a encontrá-lo. Educadora Laís: _ Vamos achar o gatinho aqui? As crianças que estão mais próximas – Lara – Bruna – Higor – Tarcila – Eduardo – Dénick - olham em direção aos fantoches tentado encontrar o gatinho. A professora Edilene reforça o convite, chamando as crianças a ajudarem a encontrar o gatinho. E ainda diz: Professora Edilene: _Olha o nariz da bruxa! Ao que Laís concluiu quando Eduardo pega o gatinho entre os fantoches: Educadora Laís: _ Aqui, tá com o “Dudu” [Eduardo] A professora Edilene ressalta: _ O Dudu achou, tia Laís! Laís pega o gatinho na mão de Eduardo e diz mostrando-o para as outras crianças: Educadora Laís: _ A bruxa convidou o gatinho para ir à festa! Criança Bruna pega outro fantoche e diz: _ Aqui! Laís diz a ela: _ Esse é o pintinho, não é Bruna - Laís levanta o gatinho mostrando para as crianças e diz - _ Ô o gatinho! Como que o gatinho faz??

A forma como Laís faz a pergunta é um convite às crianças para

imitarem o gatinho! As crianças respondem: _ Miaaauu! – pelo vídeo, não é

possível identificar quais crianças imitaram o gatinho, mas todas estavam

envolvidas na atividade e com a atenção nos fantoches. Lara, que estava com

a bruxinha na mão, levanta o brinquedo e o leva em direção ao gatinho que

estava na mão da educadora, tentando provocar um diálogo “bruxa” com o

“gatinho” que está na mão de Laís. Ela diz alguma coisa chegando a bruxinha

mais perto do gatinho:

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Lara: _ ô a ? [inaudível] dele! A Educadora entrega o fantoche do gatinho para Higor dizendo: Educadora Laís: _ Segura o gatinho! Higor pega o gatinho e Laís continua contando a história.

Pode-se perceber, neste trecho, que o convite da educadora para

um elemento da história, encontrar o personagem “Gatinho”, que foi convidado

para a festa, provoca movimento de percepção que se desdobra em

observação, atenção e, ainda, na proposta de Lara em provocar, criar uma

aproximação entre o gatinho, que estava na mão da educadora, e a bruxinha,

que estava em sua mão. Segundo Vygotski (2012b), as ações das crianças

nessa fase possuem relação com seu campo visual-direto. Ocorre uma unidade

das funções sensoriais e motoras, em que a percepção é seguida pela ação. A

criança deseja tocar tudo o que vê, sendo que a unidade que impulsiona a

criança no processo de percepção e ação passa pela relação afetiva

estabelecida com as situações e/ou objetos.

O gesto de Lara em estabelecer uma possível interação entre a

“Bruxinha” e o “Gatinho” demonstra, segundo Vygotski (idem), que

A unidade de momentos receptivo-afetivos nos dá a conhecer o terceiro momento que caracteriza a consciência da criança na infância temprana – é para atuar na situação – nos enfrentamos a um sistema de consciência muito peculiar onde a percepção está diretamente unida à ação. Por conseguinte, se queremos caracterizar o sistema da consciência desde o ponto de vista de suas funções principais e conjuntas na idade temprana, devemos reconhecer que se trata da unidade da percepção afetiva, do afeto com a ação (p. 344).

O modo de contar a história pela educadora, utilizando os fantoches

como personagens e fazendo questionamentos, provoca Lara para criar uma

situação entre o “Gatinho” e a “Bruxinha”. Isso ocorreu em outro momento da

contação de história, quando, ao chegar o personagem “Espantalho”,

convidado para a festa, Lara sentiu-se convocada a provocar um diálogo entre

os dois:

Educadora Laís: _ Que coisa feeeia! Olha o nariz dele parece uma

cenoura!

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Lara, que está com o fantoche da bruxa na mão, faz com que a bruxinha fale com o espantalho, personagem do livro: Lara: _ Oiii!! – Ela diz passando a “bruxinha” na imagem do espantalho, como que se quisesse fazer os dois personagens conversar. Laís, ao ver essa cena, diz para Lara: Educadora Laís: _ A bruxa tá falando oi pro espantalho? Lara, em resposta, repete o movimento, passando a “bruxa” no espantalho novamente em sinal afirmativo.

Imagem 03 – Criação de um diálogo – Lara, Bruxinha e o Espantalho.

Fonte: Material da pesquisadora - Imagem retirada do vídeo – 6m34s.

A provocação feita pela imagem do “Espantalho”, o convite da

educadora à interação com o livro, faz também com que Júlia, criança em pé à

direita na foto (um ano e meio), Dénick (um ano e 7 meses), em pé à esquerda

que caminha em direção ao livro, e Lara, de dois anos e 4 meses (de costas ao

lado de Júlia), estabeleçam um movimento de percepção e ação em direção ao

livro.

Vygotski (2012) aponta os elementos centrais que marcam os

modos de agir de crianças de 0 a 3 anos. Segundo o autor, nessa fase da vida

dos pequenos, não é possível, ainda, separar todas as funções psicológicas,

pois elas se encontram, integradas atuando de forma ainda não diferenciada.

Destaca que a primeira função psicológica predominante desse período da vida

é a percepção. Entretanto, ressalta que essa função está unida à ação.

E mais, essa percepção é mediada pelo afeto. Nessa idade, pensar

significa orientar-se nas relações afetivas. Diante dessa constatação, o autor

aponta, ainda, duas peculiaridades da percepção infantil nessa faixa etária (de

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um a três anos), a percepção apaixonada e a percepção como função

predominante da consciência.

Pudemos flagrar algumas cenas dos modos de participação das

crianças na e com a história, provocadas pelo convite da educadora:

Imagem 04 – Participação marcada pelos/nos gestos

Fonte: Material da pesquisadora - Imagem retirada do vídeo - 7m20s.

Chamadas a desvendar ou identificar quem é aquele personagem (o

espantalho) que aparece como convidado da “Coruja”, as crianças, atentas à

história, demonstram curiosidade por essa descoberta. Nota-se, na imagem

acima, da esquerda para a direita, Pietro (um ano e meio); seguindo, ao lado,

João Maciel (1 ano e 3 meses); Miguel (2 anos e 2 meses), com o corpo

elevado; Isadora (2 anos), no meio da imagem mais ao fundo, girando o corpo

em direção à cena; e Tarcila (1 ano e 7 meses), mais à frente, com uma

chupeta na boca; Dénick (1 ano e 7 meses), com a cabeça abaixada,

explorando os fantoches que estão no chão; e, ainda, Lara (2 anos e 4 meses),

que aparece de costas de frente com Dénick e à direita de Tarcila, todos

atentos à história contada.

O convite produz uma resposta nos gestos e modos de participação

das crianças na vivência com e na história. Projetando ou erguendo o corpo

para frente para alcançar a imagem explorada no livro, tentando estabelecer

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diálogos entre os personagens do livro com os fantoches, emitindo balbucios

que demonstram interesse pelo enredo que ali se passa.

Outra situação que destacamos foi o gesto de João Miguel (2 anos),

criança de pé à esquerda na imagem abaixo. Atento ao que se passava à

frente, convida a educadora Andréa a voltar sua atenção para história.

Imagem 05 – Um convite à educadora

Fonte: Material da pesquisadora - Imagem retirada do vídeo - 7m30s.

Ele chama a atenção da educadora encostando a mão em seu

braço, apontando e mostrando a ela a história que se passa à frente. Nesse

caso, a criança assume o lugar de quem convida o outro a participar da

situação compartilhada, demonstrando o envolvimento com o enredo.

Na imagem a seguir, tendo Laís virado a página do livro, a reação

das crianças com a personagem “Cobra” é de excitação. Bruna (2 anos e 4

meses) fica eufórica e parece ter a sensação de que a cobra estivesse

realmente ali naquele espaço. Ela coloca a mãozinha sobre a imagem e

expressa alarme e certa aversão, balançando-a rapidamente como se quisesse

afastar a cobra de perto de si. Além disso, emite balbucios e gritinhos ao

mesmo tempo em que balança o corpo e as mãos, demonstrando estabelecer

com a personagem cobra certo medo e aversão, por, talvez, já ter um

conhecimento prévio sobre as características desse animal.

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Imagem 06 – Personagem Cobra - A imagem que provoca

Fonte: Material da pesquisadora - Imagem retirada do vídeo - 9m27s.

É fundamental atentarmo-nos para a importância da percepção no

desenvolvimento de outras funções psíquicas das crianças. Percepção e ação

encontram-se como uma unidade nessa fase da vida, e isso pode ser visto nos

gestos dos pequenos logo na chegada da biblioteca ambulante e no convite da

educadora para ouvirem a história. O modo de a educadora convidar as

crianças provocou a reação de ida em direção a ela e ao carrinho de livros.

Outro elemento fundamental que é preciso destacar neste episódio é

a linguagem construída nas interações e marcada, principalmente, pelo modo

de diálogo entre a educadora e o grupo de crianças no desenrolar da história. A

fala que convida, indaga e convoca à participação. A voz da educadora

contando a história, a fala das crianças que aceitam o convite, às vezes

imitando com balbucios o que a educadora diz, e o gesto em direção à cena e

ao enredo da história. A professora, que completa as frases, a fala que

responde e corresponde às provocações feitas pela educadora e pela história.

A criança que observa, envolve-se e desenvolve modos de dar resposta às

mensagens vindas dos elementos da história e das indagações feitas pela

educadora. Todos esses elementos da linguagem marcam os modos de se

relacionar ali estabelecidos e potencializam diálogos.

O trecho em destaque na cena a seguir demonstra como o gesto da

criança é interpretado pelo adulto e como o adulto direciona a criança para

elementos da história.

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Educadora Laís: _ Quem que é esse aqui?

A professora Edilene se dirige novamente a Miguel, perguntando

a ele quem é aquele lá. Lara pede para ver a imagem, e Laís vira o

livro para ela. Ela arrisca uma tentativa:

Lara: _ Palhaço!?

Bruna ergue o corpo para colocar a mão na imagem do pirata no

livro. Ao fundo, Miguel diz que é o pirata. [Fica a impressão de

que a professora Edilene fala baixinho para ele]. A professora

comemora a participação de Miguel. Miguel está de pé com uma

almofada na mão e repete a palavra:

Miguel: _ Pirata!

Educadora Laís: _É isso Miguel! É um pirata!

Conforme demonstra o registro acerca dos gestos da professora

Edilene em direção à Miguel (2 anos e 2 meses), nesse momento, parece que

a professora contou a ele que a imagem que aparecia na história era do

personagem “Pirata”. Ao que ele, a partir da fala da professora, contrapõe

participando da situação respondendo à pergunta de Laís sobre quem é o

personagem. Nesse sentido, indagamo-nos: como podemos compreender o

gesto da professora? Como tal gesto afeta Miguel em direção ao movimento de

ouvir e contar histórias que ali se passa?

Segundo Vygotski (2012b), a imitação pelas crianças das ações dos

adultos possui um papel fundamental no processo de desenvolvimento cultural

delas. É por meio dela que têm a possibilidade de (re)construir modos de ações

culturais experimentados nas relações sociais. Essa imitação nunca é uma

imitação pura e simples, mas é uma criação ativa do ato ou gesto imitado. Isso

significa que não há como negar as informações oferecidas pelo adulto às

crianças no cotidiano, e, para o autor, “quando nos encontramos em uma

situação exterior, os objetos dominam a criança, porém quando a criança se

mostra ativa em uma situação dada, isto está relacionado com a intervenção de

outros, com invocação dos adultos” (VYGOTSKI, 2012, p. 348).

Portanto, neste caso, mesmo que a professora tenha “contado” à

Miguel quem era o personagem que aparecia no livro, quando ele diz ou repete

“Pirata”, esse gesto seria essencial no processo de desenvolvimento cultural da

criança, pois é o adulto quem a ajuda a interpretar as situações vividas. É ele

quem convida, orienta, indaga e, a partir disso, pode levar a criança a

estabelecer relações, compreender e incorporar aquele aprendizado.

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Outro momento da contação de história pode ilustrar essa questão.

A situação abaixo demonstra o processo de desenvolvimento da memória inter-

relacionado com a percepção de Bruna (2 anos e 4 meses). Trata-se de uma

circunstância em que aparece um personagem já conhecido das crianças, uma

vez que já tinham ouvido histórias em que ele era protagonista. Vejamos o

trecho em que aparece essa situação:

Educadora Laís: _ E o macaco? Olha aqui o olho dele! Aí quem

será que o macaco vai chamar pra festa da bruxa?

Lara responde pegando um fantoche entre os outros fantoches que

estão por perto. Ela diz, erguendo o fantoche da bruxinha. Ela esteve

com o fantoche da bruxinha desde o início da história, mas já havia

pegado outros:

Lara: _ Esse aqui, ó!

Educadora Laís: _ Essa é a bruxa! Quem que ela vai chamar pra

festa? [vira a página e mostra a imagem do lobo, continua] Quem

que é esse aqui?

Algumas crianças expressam balbucios (não é possível identificar as

palavras que estão dizendo), mas é possível perceber que estão

respondendo à pergunta de Laís. No vídeo, ainda aparecem Sophia,

Tarcila, Bruna e Lara em volta da história com os fantoches na mão.

Julia, com um livro brincando na almofada, e Tiago, de pé, olhando

para o livro. Uma criança responde:

Lara: _ o cachooo! [o cachorro]

Educadora Laís: _ O lobo mauuu!!

Ouve-se uma voz de bebê que diz:

Criança: _ O ma mau!!

Bruna: _ o obo da apeuzinho vemeo...[inaudível] [O lobo da

Chapeuzinho Vermelho...]

Educadora Laís: _ O lobo mauuu Lá da Chapeuzinho Vermelho!

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Imagem 07 - Crianças e o Lobo Mau

Fonte: Material da pesquisadora - 10m37s.

Na imagem acima, da esquerda para a direita, Tarsila (1 ano e 7

meses), criança com a chupeta; Bruna (2 anos e 4 meses), com o corpo mais

elevado, apontando a mão para o livro; Sophia (2 anos), atenta à imagem;

Tiago (2 anos), abaixa-se e projeta o corpo em direção ao livro para ver melhor

a imagem; e Lara (2 anos e 4 meses), que olha atentamente para a educadora

que conta a história. Nessa cena, vemos as relações estabelecidas por Bruna,

quando descobre que o personagem convidado pelo macaco para ir à festa da

bruxa é o Lobo Mau. Percebe e lembra, por já ter ouvido esse conto em outro

momento, que a Chapeuzinho Vermelho esteve presente juntamente com o

Lobo Mau em algum enredo e consegue estabelecer a relação de que ele [o

Lobo Mau] só irá à festa se convidassem a Chapeuzinho Vermelho. A

expressão de Bruna parece iluminar-se quando ela percebe essa descoberta.

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Imagem 08 – A virada de página

Fonte: Material da pesquisadora – vídeo 10m32s.

Teria o Lobo chamado a Chapeuzinho Vermelho para a festa? Ao

descobrir que o “Lobo Mau” havia sido convidado, Bruna estabelece,

imediatamente, com a ajuda da educadora, a relação entre o “Lobo”,

personagem dessa história, com o Lobo Mau da história da Chapeuzinho

Vermelho. Nesse momento, a educadora provoca a imaginação das crianças

questionando sobre quem achavam que o Lobo iria convidar para a festa. A

indagação convida Bruna a projetar o corpo para frente e querer virar

rapidamente a página do livro a fim de descobrir se sua hipótese estava

correta. É possível ver também Tiago apontar o dedinho em direção ao lobo,

parecendo identificar esse personagem e estabelecer algum tipo de relação.

Esse gesto demonstra o envolvimento que o livro provoca nas

crianças e a potência dos diálogos produzidos. Mesmo sem ter a fala

totalmente desenvolvida, os gestos e balbucios emitidos desencadeiam outros

processos interessantes na relação com e na história.

Vejamos a transcrição dessa parte do episódio a fim de melhor

acompanhar nossa análise:

Educadora Laís: _ Aí o lobo ... Quem será que o lobo vai chamar?

Quem será?

A educadora pergunta antes de virar a página e aguarda olhando em

direção a Bruna, que está muito atenta à história. Bruna responde:

Bruna: _ o apeuzinho vemeo! [o Chapeuzinho Vermelho]

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Educadora Laís: _ A Chapeuzinho Vermelho? Será que é Bruna? Bruna: _ va vê a apeuzinho vemeo! [Vamos ver a Chapeuzinho Vermelho] Bruna balança a cabeça em sinal afirmativo e estica o bracinho na intenção de virar logo a página e descobrir. Tiago também está muito interessado em descobrir quem será o convidado do lobo. Estica o bracinho para colocar o dedo na imagem. Educadora Laís: _ Vamos ver? Laís vira a página, faz novamente outra pergunta e Bruna responde: Educadora Laís: _ Ó! Quem que ele chamou ó? Tiago, que estava muito atento, até se levanta para ver melhor. Bruna percebe que tinha razão. Fica olhando atentamente a página observando os detalhes da imagem e responde. Bruna: _ a apeuzinho vemeo! [ A Chapeuzinho Vermelho!] Ouve-se ao fundo a voz da Professora Edilene batendo palmas e vibrando por Bruna ter acertado. Professora Edilene: _ Acertou, Bruna! Educadora Laís: _ É! A chapeuzinho Vermelho!

Imagem 09 – Hipótese confirmada – Chapeuzinho Vermelho

Fonte: Material da pesquisadora – vídeo 10m46s.

Nesse trecho da história, vale retomar dois apontamentos feitos por

Vigotsky (1970, 1999, 2010), o primeiro deles sobre como a arte, e aqui

ressaltamos a arte literária, articula-se à vida dos sujeitos. De acordo com o

autor, uma das funções que essa linguagem exerce é a de provocar atitude

criadora. Percebemos, nesse trecho do episódio, que as crianças, mesmo se

tratando de faixa etária de 0 a 2 anos, não se colocam em situação de

passividade diante de sua vivência com o texto literário, mas criam, a partir

dela, novas possibilidades de elaboração.

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Quando as duas crianças, Bruna e Tiago, projetam o corpo, esticam

o braço em direção ao livro e Bruna diz: “ _ va vê a apeuzinho vemeo! [Vamos

ver a Chapeuzinho Vermelho], balança a cabeça em sinal afirmativo e estica o

bracinho na intenção de virar logo a página e descobrir”, é possível entender

que esses gestos são criativos e potencializam o próprio desenvolvimento das

crianças, que percebem a história, estabelecem com ela uma percepção

afetiva, uma vez que esses personagens lhes eram conhecidos de outras

contações de histórias. Ainda, ampliam suas próprias capacidades imaginativas

desencadeando outros processos.

O segundo apontamento feito pelo autor a que nos referimos é a

potencialidade da imaginação e da criação a partir das experiências vividas.

Vigotsky (2010) discute sobre o quanto as experiências enriquecem as

capacidades imaginativas e criativas dos sujeitos. Embora possua um modo

específico de compreender esse aspecto do desenvolvimento nessa faixa

etária, pode-se destacar que o fato de esse grupo de crianças já ter

experimentado situações de histórias pelo menos com três personagens, quais

sejam, a Bruxa, o Lobo Mau e a Chapeuzinho Vermelho, foi fundamental na

construção das relações estabelecidas. O modo como a educadora conduz a

contação da história, novamente, convoca e convida as crianças a entrarem no

mundo imaginativo.

A leitura do livro, ou seja, a contação da história, termina no

momento em que a personagem Chapeuzinho Vermelho diz que só irá à festa

se as crianças forem convidadas. A partir do final da história, a educadora

propõe uma mudança de foco na atividade; agora, a proposta é cada criança

pegar um fantoche e dele se apropriar para ir à festa da Bruxa. O livro fica no

chão e algumas crianças dele se aproximam para explorá-lo um pouco mais.

Laís vai pegando as marionetes, colocando nas mãozinhas das crianças e

sugerindo que o levem à festa. Segue o trecho da situação:

Educadora Laís: _ Crianças! Crianças! Venham à minha festa! Professora Edilene: _ Olha lá! Bruna quem ela convidou! Todo mundo!! Educadora Laís:_ Aí ela chamou todo mundo para ir na festa da

bruxa! Vamos por ô.

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Laís diz isso já pegando os fantoches para colocar nas mãos das crianças. As crianças vão participando, olhando os fantoches e colocando-os nas mãozinhas. Bruna: _ Aqui o gatinho! – Diz, passando o dedo na imagem do gatinho no livro. Educadora Laís: _ É! O gatinho foi na festa da bruxa! O... quem que é esse aqui? O cachorrinho foi na festa da bruxa! Coloca o fantoche do cachorrinho na mão de Tiago. De porquinho na mão da Sophia. Educadora Laís: _ É! O porquinho foi na festa da bruxa! O palhaço! Cadê a roupa desse? Aqui o palhaço! Aqui, Tarcila! Vamos levar o palhaço na festa da bruxa! Laís vai colocando os fantoches nas mãozinhas das crianças e elas começam a brincar com eles.

Desse modo, por meio dos fantoches e da proposta para que

incorporassem os personagens, a educadora ajuda as crianças a criarem um

modo de participação ativa na festa que se passaria na história. Algumas ainda

não sabiam como brincar com esse elemento cultural e aprendem, com a ajuda

da educadora, como colocá-lo na mão e com ele estabelecer algum gesto

criativo. A educadora, por sua vez, vai ajudando individualmente cada criança:

ela diz o nome do fantoche, coloca na mão de cada um e faz gestos ajudando-

as sugerindo que levem o personagem à festa.

Estamos, neste texto, apontando algumas possibilidades de análise

acerca dos modos de a educadora contar história e dos modos de participação

dos pequenos nesse processo. A confecção dos fantoches com a participação

de todas as crianças aproximou-as dos personagens da história contada, e o

convite da educadora ao colocar um fantoche na mão de cada uma, sugerindo

que levassem esses personagens à festa da Bruxa, foi um diferencial gerador

da participação criativa no grupo.

As crianças foram aceitando o convite da educadora, colocando os

fantoches nas mãos e brincando com eles. Com uma criança, esse movimento

ocorreu de modo interessante, de tal forma que vale aqui trazer para a

discussão. Quando a educadora Laís convida João Miguel (2 anos) para

brincar com o fantoche, a princípio ele recusa, aparentemente por medo do

desconhecido ou por não entender do que se tratava. Entretanto, ao ver a

educadora, sujeito mais experiente, brincar com o fantoche, consegue

estabelecer com esse elemento cultural uma aproximação. Ela coloca o

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fantoche em sua própria mão e brinca com ele, mostrando os efeitos da

brincadeira.

Imagem 10 – Como brincar com um fantoche 1 – o gesto do adulto

Fonte: Material da pesquisadora – vídeo - 12m49s.

Vejamos como se deu esse momento:

Educadora Laís: _ Cadê? Cadê o vovô?! Vamos pôr na mão do João Miguel? Vamos pôr na mão do João Miguel? João Miguel, entretanto, afasta a mãozinha, parecendo ter medo do fantoche. Laís coloca o fantoche em sua própria mão para que João Miguel veja como se brinca. Ela coloca o fantoche na mão e diz: Educadora Laís: _ Assim ó! Hô hô hô Hô hô hô! João Miguel sorri e permite que ela coloque o fantoche em sua mão.

Imagem 11 – Como brincar com um fantoche 2 - aceite da criança

Fonte: Material da pesquisadora – vídeo - 12m58s.

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Logo depois de aceitar que a educadora colocasse o fantoche em

sua mão, João Miguel fica com o personagem, mas não sabe bem ainda como

brincar. A educadora sai para colocar o fantoche em outra criança, e João fica

um pouco sem reação. Após a situação lúdica com o fantoche ao convite da

Educadora Laís, João Miguel conhece uma nova experiência ao convite da

Educadora Andreia, que estava do seu lado e acompanhava toda a cena. A

educadora mostra para João Miguel como brincar com o fantoche, pega sua

mão e faz uma voz de “Vovô” em direção ao coleguinha Arthur, que estava do

lado. Ela faz, junto com ele, a voz e o encoraja a brincar com o colega da

mesma forma. João Miguel sorri e dá continuidade à brincadeira. Dessa vez,

faz junto com a educadora o convite para brincar ao coleguinha Arthur. Diverte-

se com a possibilidade de brincar com um fantoche com a ajuda de um adulto.

Imagem 12 – Como brincar com um fantoche 3 – o fazer junto

Fonte: Material da pesquisadora – vídeo - 13m12s.

Por último, a educadora Andréia solta a mão de João Miguel e o

encoraja a continuar a brincadeira com Arthur usando o fantoche sem a sua

ajuda. Ao que a criança responde positivamente e continua brincando com o

coleguinha, provocando, ali, um desdobramento muito importante para nossa

análise. Por não saber como brincar com o fantoche, João Miguel ficou, a

princípio, com certo receio, mas ao receber as informações sobre como poderia

usar o fantoche e a ajuda da educadora para aprender a brincadeira, sentiu-se

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encorajado a experimentar essa nova situação. Assim que compreendeu como

brincar, percebeu que também podia fazer isso com seu coleguinha Arthur (11

meses), criança menor que ele.

Imagem 13 – Como brincar com um fantoche 4 – apropriação

Fonte: Material da pesquisadora – vídeo - 13m25s.

Os adultos, nesse caso, as duas educadoras, mostram, ensinam

para João Miguel como brincar com o fantoche, e, em seguida, mostram

também que ele pode criar outras situações com seu colega Arthur. O convite

aceito a partir da provocação da educadora Andrea desencadeia, em João

Miguel, múltiplas possibilidades de criação. Ele parece apropriar-se da

brincadeira criando outros modos de participar e interagir com seu colega

menor.

Toda essa cena acontece a partir da contação de história e da

estratégia indicada pela educadora Laís. Ao propor que as crianças convidadas

para a festa da Bruxa dela participassem levando personagens na figura dos

fantoches, cria um modo de contar história que envolve as crianças e provoca

desdobramentos que podem afetar seu desenvolvimento. Ao sugerir que João

Miguel pegasse o fantoche para leva-lo à festa da Bruxa, percebeu seu medo e

sua resistência, talvez porque ainda não tivesse brincado com esse elemento.

Ela, então, mostra a ele, com sua mão, como se brinca, e, em seguida, faz-lhe

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o convite, que é aceito, permitindo que a outra educadora demonstrasse como

brincar.

A situação acontece, inicialmente, por meio da imitação. Sobre essa

ação, Vygotski (2012b) aponta ser fundamental no processo de

desenvolvimento infantil, entretanto esclarece que,

Ao falar da imitação não nos referimos a uma imitação mecânica, automática, sem sentido, e sim a uma imitação racional, baseada na compreensão da operação intelectual que se imita. Significa dizer, por uma parte restringimos o significado do termo, o referimos unicamente à esfera de operações mais ou menos diretamente relacionadas com a atividade racional da criança e, por outra, ampliamos o significado do termo empregando a palavra „imitação‟, aplicando a toda atividade que a criança não realiza por si mesma, e sim em colaboração com um adulto ou outras crianças. Tudo quanto uma criança não é capaz de realizar por si mesma, porém pode aprender sob a direção ou a colaboração do adulto ou com a ajuda de perguntas orientativas, é incluído por nós na área da imitação (p. 268).

A compreensão desse processo, para nós, é fundamental na medida

em que (re)configura nosso olhar sobre o papel da escola e da mediação

provocada pela ação dos adultos ali presentes. No caso da cena com João

Miguel, a situação desenvolve-se a partir da mediação intencional da

educadora, que convoca as crianças a participarem da história. A criança,

primeiro, recebe o convite, participa, experimenta o lugar do fantoche com a

ajuda de duas pessoas adultas, e, em seguida, convida o bebê, coleguinha

Arthur Marques para entrar no jogo, e passa a ocupar o lugar de quem ensina,

de quem convida ao mesmo tempo que também experimenta e aprende a

brincar com o fantoche. Segundo Vygotski (2012),

Isso quer dizer que quando esclarecemos a possibilidade de a criança realizar a prova em colaboração, estabelecemos ao mesmo tempo a área de suas funções intelectuais no processo de maturação que darão seus frutos no próximo estágio do desenvolvimento; desse modo chegamos a precisar o nível real de seu desenvolvimento intelectual. Portanto, ao investigar o que pode fazer a criança por si mesma, investigamos o desenvolvimento do dia anterior, porém quando investigamos o que pode fazer em colaboração determinamos seu desenvolvimento de amanhã. A esfera dos processos imaturos, porém em via de maturação, configura a zona de

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desenvolvimento próximo da criança (VIGOTSKY, 2012 p. 269).

Significa dizer que a provocação feita pela educadora desencadeou

a possibilidade de João Miguel criar uma nova situação, experimentando o

lugar de quem provoca. Essa cena permite-nos entender que “aquilo que hoje

pode realizar em colaboração com o adulto e sob sua direção, poderá realizá-lo

por si mesmo no dia de amanhã” (idem). A aprendizagem apoia-se nas ações

que estão se desenvolvendo, por isso, a escola, e, aqui, enfatizamos, no caso

da Educação Infantil, o trabalho com a literatura pode provocar, interferir na

zona de desenvolvimento iminente das crianças.

A vivência com a literatura infantil é entendida, principalmente, a

partir do conceito de signo que atravessa, possui uma função, ocupa um lugar

nos aspectos da arte, em que provoca no seu encontro com o sujeito,

transformações de ordem complexa. O processo vivido por adultos e crianças

na escola com a literatura infantil implica considerar, assim como Smolka

(1997) o fez, o pressuposto de que “os processos psicológicos emergem

relacionados aos modos de vida dos indivíduos em interação”. Isso significa

considerar a natureza social/semiótica como parte da atividade mental e do

processo de ensinar-aprender.

As situações vividas na EMEI Pampulha pelas crianças do berçário e

GI com a literatura tiveram outros desdobramentos, os quais não serão

possíveis esmiuçar nesta análise. O Projeto “Centopeia”, já apresentado no

capítulo 1, juntamente com o projeto Biblioteca “Ambulante”, proposto pela

educadora Laís, oportunizou que os pequenos levassem livros para casa para

que suas famílias lessem com eles. O retorno desse trabalho era compartilhado

com o grupo e demonstrou modos de participação e (inter)ação das crianças e

de suas famílias com a literatura que muito contribuem com nosso modo de

compreender a arte literária e confirma nossa tese acerca das possibilidades

de desenvolvimento cultural de adultos e crianças nesse processo.

Acompanhar crianças de 0 a 2 anos experimentando pegar livro

emprestado na biblioteca, construindo compreensões singulares acerca da

leitura, da escrita permeada nos livros de história demonstra que há muitas

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potencialidades e possibilidades a serem valorizadas e experimentadas pelos

grupos na Educação Infantil.

4.2 “O grande rabanete”, uma história já contada: relações dialéticas nos

modos de participação da professora e das crianças

O episódio “O Grande Rabanete” (ANEXO VI) ocorreu no dia 26 de

outubro de 2015. Foi conduzido do início ao fim pela professora Lucássia com

a participação de todo o grupo de crianças e também da educadora. A

pesquisadora participou desse momento como observadora participante,

produzindo o registro fílmico da situação e interagindo com as crianças. Todo o

episódio foi transcrito e os trechos apresentados compõem momentos

interessantes na análise. A história contada foi “O Grande Rabanete”, de

Tatiana Belinky, ilustrado por Claudius Ceccon, Editora Moderna. Segue o

texto:

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Texto extraído do livro “O grande rabanete”, de Tatiana Belinky

Esta obra é composta com o texto literário cumulativo, as frases

parecem simples, o que não quer dizer que sejam pobres, e utilizam recursos

como a repetição. Por exemplo, o rabanete cresceu-cresceu e ficou grandão-

grandão. O texto é simples e as imagens ilustrativas ajudam o leitor a construir

o enredo da trama.

A professora levou apenas o livro e, ao começar, ao ler a história

para o grupo, teve a ideia de ir convidando as crianças a participarem da trama

por meio de uma dramatização. Ela nos contou, posteriormente, que não havia

NUM DIA BEM ENSOLARADO O VOVÔ SAIU PARA A HORTA E PLANTOU UM RABANETE.

O RABANETE CRESCEU-CRESCEU E FICOU GRANDÃO GRANDÃO.

O VOVÔ QUIS ARRANCAR O RABANETE PRA COMER NO ALMOÇO.

ENTÃO ELE FOI PARA A HORTA E COMEÇOU A PUXAR O RABENETE.

PUXA QUE PUXA E NADA DO RABANETE SAIR DA TERRA.

ENTÃO O VOVÔ CHAMOU A VOVÓ PRA AJUDAR A PUXAR O RABANETE.

A VOVÓ SEGUROU NO VOVÔ, O VOVÔ SEGUROU NO RABANETE.

PUXA QUE PUXA E NADA DO RABANETE SAIR DA TERRA.

ENTÃO A VOVÔ CHAMOU A NETA PRA AJUDAR A PUXAR O RABANETE.

A NETA SEGUROU NA VÓ, A VÓ NO VÔ, O VÔ NO RABANETE.

PUXA QUE PUXA E NADA DO RABANETE SAIR DA TERRA.

ENTÃO A NETA CHAMOU O TOTÓ PRA AJUDAR A PUXAR O RABANETE.

O TOTÓ SEGUROU NA NETA, A NETA NA VÓ, A VÓ NO VÔ, O VÔ NO RABANETE.

PUXA QUE PUXA E NADA DO RABANETE SAIR DA TERRA.

ENTÃO O TOTÓ CHAMOU O GATO PRA AJUDAR A PUXAR O RABANETE.

O GATO SEGUROU NO TOTÓ, O TOTÓ NA NETA, A NETA NA VÓ, A VÓ NO VÔ, O VÔ NO RABANETE.

PUXA QUE PUXA E NADA DO RABANETE SAIR DA TERRA.

ENTÃO O GATO CHAMOU O RATO PRA AJUDAR A PUXAR O RABANETE.

O RATO SEGUROU NO GATO, O GATO NO TOTÓ, O TOTÓ NA NETA, A NETA NA VÓ, A VÓ NO VÔ, O VÔ NO RABANETE.

E PLOP! ARRANCARAM O RABANETE DA TERRA

EU SOU O MAIS FORTE! – DISSE O RATO.

ENTÃO TODOS SENTARAM E JUNTOS COMERAM O RABANETE, QUE ERA TÃO GRANDE QUE DEU PRA TODOS, E AINDA SOBROU UM POUCO PRA MINHOCA QUE

PASSAVA POR ALI.

E VOCÊ ACHA QUE O RATO ERA MESMO O MAIS FORTE?

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planejado esse formato e que a ideia surgiu lá mesmo, na hora em que

começou a se organizar. Algumas crianças já conheciam a história e, ao verem

a capa do livro, lembraram-na, rememoraram-na e recontaram-na.

Os indícios de desenvolvimento são marcados na e pela linguagem,

pelos gestos e modos de participação da professora e das crianças,

principalmente pela apropriação e negociação de papéis a serem

experimentados. Daremos destaque na análise a alguns elementos que o

exercício partilhado da imaginação com a história suscitou, quais sejam, as

relações estabelecidas com as experiências de vida, as identificações com

personagens e os modos de participação dos sujeitos com/na história.

4.2.1 Relações estabelecidas: modos de atuação desencadeados

Ao ver o livro, algumas crianças lembram-se de já conhecer a

história, e uma delas começa instantaneamente a contar o enredo para a

professora e para o grupo.

Professora Lucássia: _ Mas aí a tia Lucássia trouxe um outro livro! Miguel faz um gesto de aprovação e observando o livro na mão da professora diz: Miguel: Xovê!! [Deixa eu ver] Professora Lucássia: _ E eu acho que vocês já conhecem! Isabelly fica empolgada e começa a falar sobre a história: Isabelly: _ Do ratinho que cai! Todo mundo cai! O gato! O que... O popotama... e o ratinho! ... e a ratinha... Professora Lucássia: _ E o que que acontece? Isabelly: _ Caiu to... a aranha ... falo vô cota essa... o meu tlem [Caiu todo mundo... a aranha falou vou cortar o meu trem] Lucássia faz ar de admiração e pergunta: Professora Lucássia: _ Será? Uma criança repete: _ Será? Isabelly: _ Ela cota. [Ela corta] Professora Lucássia: _Não sei! Vamos descobrir? Algumas crianças, inclusive Isabelly: Vamos!

Esse diálogo provocado pela professora demonstra, por meio das

perguntas “E o que que acontece?”, “Será?” e “Vamos descobrir?”, como

Lucássia percebe a linguagem no processo de interação com a história e com

aquele momento a ser compartilhado. Fazer perguntas às crianças

desencadeia processos de interesse e envolvimento com o que vai acontecer e

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coloca o diálogo como centro da relação. Esse movimento parece desencadear

processos de generalizações, memórias e muitos outros elementos que se

tornam signos mediadores juntamente com a própria ação da professora. Além

disso, provoca modos de conduzir a história ainda não experimentados pela

professora.

Um fato muito interessante aconteceu quando a professora começou

a contar a história. Vejamos como se deu o início da narrativa

A professora vai fazendo gestos e as crianças acham engraçado. Professora Lucássia: _ Então ele foi pra horta e começou a puxar o rabanete!! Hum! Hum! Humm!! Ao contar essa parte, a professora começa a fazer os gestos como se estivesse arrancando uma raiz/rabanete da terra. Quando ela começa a fazer esse gesto, as crianças começam a imitá-la, fazendo o mesmo movimento. Esticando os braços e fazendo força retirando algo da terra. Elas riem bastante com essa “brincadeira”. A professora continua a história. Todas as crianças estão muito atentas. Professora Lucássia: _ Ai! Ele fez muita força!

Smolka e Nogueira (2002), ao problematizarem e discutirem a

questão da mediação e da significação a partir da perspectiva vigotskiana,

afirmam que

A criação e o uso de signos se dá, inescapavelmente, na relação com o outro, nas práticas sociais. Os signos emergem como meio e modo de comunicação e simultaneamente, de generalização, para o outro e para si. Emergem em meio a movimentos, olhares, sons partilhados, que passam a ser acordados como gestos significativos pelos sujeitos na relação, e se convencionalizam, se estabilizam na história dessas relações (p. 80).

O fazer perguntas às crianças conduziu a história desde seu início

colocando a linguagem em ação, convidando e provocando o suspense, a

expectativa, resgatando memórias, potencializando a imaginação e

convocando a participação das crianças naquele momento. A situação a seguir

demonstra a provocação de relações da experiência de leitura com aspectos

da vida cotidiana das crianças.

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Professora Lucássia: _ Quem já comeu rabanete? Algumas crianças respondem: _ Euuu!! João Victor: _ Eu não!! Professora Lucássia: _ Não!! Ana Cecília: _ Eu tomei xarope de rabanete! Professora Lucássia: _Cê tomou xarooope de rabanete?? - Ela pergunta com uma expressão de surpresa! Ana Cecília: _ uhumm! João Victor: _ Eu não... Professora Lucássia: _ E é gostoso? Que sabor que ele tem? Ana Cecília: _ De rabanete!

As relações estabelecidas por Ana Cecília com a história e com os

processos vividos ocorreram a partir da provocação da professora. Quando ela

pergunta “Quem já comeu rabanete?”, provoca a criança a buscar nas

memórias de processos vividos sua experiência com aquele elemento. Assim,

a criança recorda-se e compartilha com a professora e com o grupo “Eu tomei

xarope de rabanete!”, experimentando e exercitando sua memória, sua

imaginação e a linguagem.

Antes mesmo de a história começar a ser contada, muitos processos

no modo de participação de todos no grupo foram desencadeados. Reconhecer

os papéis, recontar a história, estabelecer relações daquele elemento com a

vida cotidiana são marcas presentes no diálogo.

Professora Lucássia: Tia Lucássia trouxe, oh a história do grande rabanete! Olha só! Quem que tá na capa desse livro? Leo: _ O vovô, a vovó, a netinha ... o gatinho, o cachorro. Professora Lucássia retoma a fala de Léo e vai explorando a capa do livro e os nomes dos personagens que aparecem ali. As crianças vão repetindo, principalmente Maria Júlia e Léo: Professora Lucássia: _ O vovô, a vovó, a netinha ... o gatinho, Maria Júlia: _ A vovó, a netinha, o gatinho e o cachorro! Maria Júlia não percebe os demais personagens, mas a professora continua: Professora Lucássia: _ O cachorro... Léo complementa a fala da professora: _O gatinho, o ratinho e o rabanete! Professora Lucássia: _ O cachorro... o ratinho e o grande rabanete olha lá! Tem todos esses personagens na capa. Será que todos eles participam da história? Maria Júlia: _ hahan! Outras crianças respondem:_ Sim!

Os lugares são compartilhados, a professora fala, as crianças

complementam, antecipam, respondem. O modo como a professora contou a

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história permitiu que as crianças ocupassem o lugar de quem também conhece

algo que possa socializar, que possa enriquecer a história, criar hipóteses,

arriscar respostas, estabelecer relações. Enfim, ocupar um lugar naquele

enredo e compartilhar experiências torna-se oportuno naquela situação e

contribui para que os sujeitos experimentem o lugar do saber, do desejo, de

quem fala, escuta e compartilha. Nesse processo, elementos de identificação e

desejos surgem como modo de participar das crianças.

4.2.2 “Eu sou o ratinho”: desejos e identificações com a história e com personagens

A professora começa a contar a história lendo o livro, entretanto,

logo no início, ela mesma representa o papel de um dos personagens, que é o

vovô. Ao perceberem o movimento da professora, as crianças também fazem a

representação do vovô, tentando arrancar o rabanete. Vejamos como se deu o

início da narração:

Professora Lucássia: _ Ai! Ele fez muita força! Isabelly:_ Ele caiu!! Professora Lucássia: _ E puxa, que puxa, que puxa e nada!! Nada do rabanete sa.. cair da terra. De repente o vovô puxou com tanta força, que... hummmm!! Ele caiu pra trás! A professora caiu pra trás encenando o que poderia ter acontecido com o vovô. Algumas crianças imitam também esse gesto como se fossem todas o mesmo personagem: João Pedro, Léo. Algumas fazem o gesto de puxar o rabanete com as mãos e caem para trás. Elas riem muito.

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Imagem 14 – Gesto que convoca

Fonte: Material da pesquisadora.

Nesta imagem, é possível perceber a trama que começa a se

estabelecer entre as crianças e a professora. Ela dramatiza a situação, e o seu

gesto de dramatizar convida as crianças, mesmo sem que isso seja dito ou

combinado verbalmente. Observando a imagem da esquerda para direita,

vemos João Pedro (3 anos e 11 meses), Cauã (3 anos e 9 meses), Maria Júlia

(4 anos e 3 meses), Raul (3 anos e 11 meses) e Daniel (4 anos e 4 meses)

encenando o momento em que o vovô faz muita força para arrancar o

rabanete. Até esse momento, a professora não havia manifestado o modo

como contaria a história. Inferimos que foi a resposta das crianças ao seu gesto

que a convocou a conduzir a história por meio da dramatização, pois, na

sequência, ela já convida a educadora Léa para ocupar o lugar de vovô na

história.

Vigotski (2009) dedica um texto à problematização sobre a criação

teatral, ou a dramatização na idade escolar, e sua discussão ajuda-nos a

compreender e explicar os modos como as crianças desse grupo manifestaram

seu interesse pela história e responderam à provocação da professora. Para o

autor, essa linguagem é a que está mais próxima da criação literária infantil,

juntamente com a criação verbal.

Embora sua discussão esteja relacionada a crianças um pouco mais

velhas, pudemos perceber que, mesmo entre as crianças de 3 a 4 anos, a

criação teatral já está presente. Ao ver a professora dramatizando os gestos

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que o personagem “Vovô” poderia ter feito na história, as crianças começaram,

imediatamente, a fazer a mesma coisa. Tentaram arrancar o rabanete assim

como ele, fizeram força, caretas, manifestando dificuldade, expressaram

gemidos, todos os gestos com muito entusiasmo, demonstrando uma

capacidade criativa para e com a história. A professora, por outro lado, deu

sequência à sua ação inicial de contar a história por meio da dramatização sem

que tivesse planejado tal atividade.

Professora Lucássia: _ E aí olha só! Então o vovô chamou quem para ajudar? Crianças: _ A vovó! Professora Lucássia: _ A vovó! E a vovó segurou no vovô! Vem cá vovô! Vem cá vovô! A professora chama a educadora Léa pegando-a pelo braço para entrar na história. Léa parecia não estar esperando e acha engraçado. [...]

Nota-se que, a princípio, a professora não anuncia a forma como vai

conduzir a narrativa, mas foi o próprio movimento dela e a resposta das

crianças que a convidam a contar a história desse modo. Conforme discutimos

no capítulo 3, o modo como as crianças interagem com a literatura está

diretamente relacionado aos jogos de faz de conta infantis, ou seja, à

brincadeira. Smolka, ao comentar o texto do autor sobre a criação teatral,

assegura que,

no faz de conta, no palco, o corpo condensa a vivência das mais diversas imagens; incorpora propriedade de objetos, movimentos, pessoas. O corpo é um lugar de exercícios e realização das ações imaginativas. A imaginação toma corpo 53no palco, realiza-se no corpo em cena. A ênfase é posta no processo de criação, que é, ao mesmo tempo, realização da atividade prenhe de sentido, repleta de significação (2002, p. 98)

53

Grifo da autora.

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Imagem 15 – Um convite à dramatização

Fonte: Material da pesquisadora.

Ao iniciar a história, as crianças são convidadas e convidam à

participação, identificam-se com personagens, imitam e insistem em exercer

um papel. Léo e mais algumas crianças, ao perceber o modo como a

professora vai contar a história, envolvendo alguns do grupo como

personagem, fica ansioso e demonstra muito querer ocupar um lugar na

história, o lugar do ratinho. Vejamos dois momentos em que esse desejo torna-

se mais explícito nas verbalizações das crianças:

Algumas crianças demostram se lembrar de partes da história. Léo, Isabelly, Maria Júlia... A professora continua a história... Professora Lucássia: _ Será que é porque ele conseguiu ajudar todo mundo a puxar o rabanete? Léo: _ Aham! Por isso que ele tá com uma roupa de superman! Professora Lucássia: _ Então vamo ver! Olha lá o rabanete ô! Algumas crianças dizem: _ Eu sou o ratinhoo! João Victor: _ Eu que sou o ratinho! Léo: _ Eu também sou! [...] Brian: _ Eu vou ser o rato! Eu vou ser o rato! João Pedro: _ Eu vou ser o vovô!

A insistência de Léo e de Brian para ocupar o lugar do ratinho

persiste por toda a história. Personagem que, a princípio, passa uma ideia de

ser um super-herói, demonstra a identificação dos dois com o que esse

personagem representa. Eles já conheciam a história e sabiam que a entrada

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do ratinho possibilitaria resolver o problema de arrancar o rabanete da terra,

ajudando a todos nessa tarefa. Além disso, na ilustração do livro, o ratinho traz

na camisa azul a letra “S” escrita em vermelho, que representa o símbolo do

personagem fictício de história em quadrinho “Superman”, o super-herói que

salva tantas pessoas e passa a ideia de força e poder. Esses elementos

despertaram em muitas crianças, principalmente em Léo e Brian, um forte

desejo de ocupar esse lugar. Elas disputam e solicitam o tempo todo no

decorrer da história essa oportunidade.

Lucássia, por sua vez, havia adotado um critério de escolha das

crianças que não fora revelado por ela naquela ocasião. Ele só pôde ser

compreendido pela pesquisadora ao assistir ao vídeo com a professora e a

colega Laís, quando revelou seu desconforto por não convidar Léo para ocupar

o lugar de ratinho em virtude do critério adotado. Esse critério baseava-se em

dar destaque àquelas crianças que eram mais tímidas e que pouco se

manifestavam nas rotinas da escola, concedendo a oportunidade de

experimentar o lugar de um personagem na e da história.

Sendo assim, é possível compreender o modo como a professora

conduziu a história por meio de como ela significa aquela oportunidade. Ela

estava experimentando algo diferente do que vinha acostumada a fazer em seu

grupo. Foi o movimento provocado no seu modo inicial de encenar o gesto do

vovô em arrancar o rabanete que a convocou a incluir as crianças na

dramatização. Entendeu que esse fazer poderia contemplar as crianças que

eram alvo de sua atenção por serem mais quietas e tímidas. O diálogo

estabelecido com a colega Laís durante a “auto-confrontação” demonstra o

modo de significar da professora.

Segue-se a cena, as crianças vão pedindo para serem os personagens e Lucássia escolhe o Cauã para ser o cachorro. Nesse momento da cena, ela explica para Laís, os motivos que a levaram a escolher as crianças, o que a mobilizou... Ela diz: Lucássia: _ Só que aí, eu queria chamar, tirando a Maria Júlia, eu queria chamar as crianças que participam menos! As que ficam mais caladinhas... que ficam mais quietas... [...] Lucássia: _ Nossa, nessa hora eu fiquei ansiosa, pensando e agora como é que eu vou fazer porque eu tenho poucos personagens. E aí? Não vai dar pra todo mundo, eles vão... Laís complementa a fala de Lucássia... _ Não vai dar pra todo

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mundo né?! (Transcrição auto-confrontação, 01/12/2015). Material da pesquisadora.

O cotidiano e nossas ações nem sempre permitem que tomemos

decisões que nos deixam confortáveis. Muitas vezes, não conseguimos ter

ideias que acolham as crianças e a nós mesmos durante a situação, mas só

depois é que pensamos como poderíamos ter resolvido de modo mais

tranquilo. Nesse caso, ela poderia ter acrescentado mais personagens na

história, ou contado a história novamente, são hipóteses que talvez

minimizassem seu desconforto. Entretanto, todas as crianças participaram,

pois, cada vez que os personagens da história vivida/compartilhada puxavam o

rabanete, as crianças que assistiam/participavam também faziam os gestos e

brincavam como se fossem elas a ocupar esse lugar.

4.2.3 Ler, contar, dramatizar: modos distintos coadunam-se em uma história

encantada

As crianças envolvem-se com a história, ficam eufóricas, atentas,

compartilham lembranças que trazem de situações vividas fora da escola,

memórias que se convertem em relações estabelecidas, seus personagens e

outros elementos. Ao decidir contar a história por meio da leitura do livro e do

envolvimento de si própria e das crianças com a dramatização, a professora

provoca situações de muito encantamento para todos no grupo, inclusive para

si mesma, e desencadeia processos interessantes.

Professora Lucássia: _ Aí ó! A vovó, segurou no vovô, que segurou a netinha, que segurou o cachorro e... os quatro ó.... fazendo força! Humm! Humm! E puxa! Que puxa! E nada do rabanete sair! Então de repente ó! Uuuuuuuu! Ai! Mas nada desse rabanete sair da terra. Olha lá que confusão! As personagens das histórias simulam a força feita pra arrancar o rabanete, e todas as crianças do grupo também fazem o mesmo movimento. Puxam que puxam e aí caem para trás. A diversão é geral. Riem e se divertem caindo para trás! E a professora continua a história.

É possível sugerir que, no processo vivido pelo grupo, crianças e

adultos experimentaram elementos fundamentais do processo de

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desenvolvimento. Imitar gestos, lembrar-se de algo conhecido desencadeado

pela vivência na história, criar modos de participar com o corpo, com a voz,

com o sabor, com as emoções, imaginar situações e fatos que possam ter

ocorrido na história e estabelecer relações, identificar-se com personagens e

ocupar o lugar do vovô, da vovó, da netinha, do cachorro, do gatinho e do

ratinho, o grande super-herói. Foi um processo experimentado por todas as

crianças, não apenas por aqueles que a professora convidou para ir à frente e

elegeu naquele momento. Mesmo sem terem ido ao centro da sala ao convite

da professora, todas participaram ao seu modo, representando as ações de

cada personagem entusiasmadas com a possibilidade de viver essa história.

Imagem 16 – História dramatizada

.

Fonte: Material da pesquisadora.

A participação das crianças e também da professora que conduzia a

atividade ocorreu especialmente por meio da dramatização. A vivência literária

mediante a criação teatral ocorre, segundo Vigotski (2009), por duas razões:

Em primeiro lugar, o drama baseado na ação – na ação realizada pela criança – é mais íntimo, mais ativo e relaciona de maneira direta a criação artística com a vivência pessoal. [...] o outro motivo que aproxima a criança da forma dramática é a relação desta com a brincadeira. Dada a raiz de toda criação infantil o drama está diretamente relacionado à brincadeira, mais do que qualquer outro tipo de criação. Por isso, é mais sincrético, ou seja, contém em si elementos dos mais variados tipos de criação (p. 97;99).

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A narrativa foi sendo construída pelo grupo sob a condução da

professora Lucássia, associando a leitura do livro e a dramatização.

Possibilitou formas diversas de apropriação de papéis sociais por meio dos

gestos, sorrisos e vozes, fomentando processos imaginativos diversos.

O episódio “O Grande Rabanete” provocou o diálogo também acerca

de outra possibilidade de contar história no processo de desenvolvimento da

professora e das crianças. O modo experimentado por Lucássia teve um

sentido para ela. Um sentido que pode ser observado no desdobramento em

suas discussões sobre o trabalho com as crianças tanto em nossos encontros

quanto nas suas próprias análises. A forma de organizar o grupo e de contar

histórias sofreu uma alteração importante. A professora permitiu-se explorar a

dramatização envolvendo os pequenos, o que, segundo ela, gerou para si

mesma um desconcerto.

Esse “desconcerto” foi tema de discussão de outros encontros

coletivos. Inclusive, o vídeo gravado dessa situação foi assistido pela

professora no momento de se ver e colocar em perspectiva seus próprios

modos de atuação. A professora considerava difícil organizar o grupo de forma

que provocasse uma maior participação das crianças no trabalho pedagógico.

Dizia que era difícil conduzir as falas, fazer com que todos ouvissem a todos e

que participassem das atividades se não permanecessem em silêncio e

quietos. Sentia a necessidade de manter o controle das crianças no que se

referia ao comportamento e à fala.

No dia em que contou a história “O Grande Rabanete”, quis

experimentar um modo diferente, convidando as crianças a participar do

processo. Essa experiência trouxe para a professora a sensação de que o

grupo não participou direito, que a história tinha se tornado uma “bagunça”.

Ver-se atuando na história provocou na professora outra percepção sobre seu

trabalho e sobre os modos de participação das crianças. Esse trecho do

diálogo de Lucássia com Laís demonstra como foi importante confrontar-se

com seu próprio fazer:

Termina o vídeo a que estávamos assistindo e a pesquisadora pergunta: Pesquisadora: _ E aí?

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As duas riem... Laís: _ Muito legal! Lucássia responde: _ Foi muito bom! Agora eu vi que foi legal! Pesquisadora: _ Viu, eu falei! Continua o diálogo entre elas: Lucássia: _ Agora eu vi! Mas nesse momento eu pensei assim, gente, esses meninos estão aprontando uma bagunça... A Núbia aqui e saindo essa bagunça... Meu Deus! Laís: _ Nossa Senhora, que vergonha e a Núbia com essa câmera! Laís: _ E eu vendo o seu eu não achei que estava bagunçado em momento nenhum! Lucássia: _ Mas é porque a gente no calor do do ... da emoção...

A mudança na forma de contar história experimentada nesse dia por

Lucássia foi fruto de seus estudos sobre a linguagem e de seu papel como

professora no desenvolvimento infantil. Ao compreender melhor a temática em

questão, repensou seus modos de atuação com as crianças e viu, no trabalho

com a literatura, uma possibilidade de experimentar o novo.

É possível anunciar o desenvolvimento da professora considerando

que ela não havia planejado contar a história por meio da dramatização

envolvendo as crianças. Essa decisão foi tomada/mobilizada no momento por

meio da interação verbal e não verbal entre ela e seu grupo.

Laís pergunta se ela já tinha lido a história, e Lucássia responde que já, e que a maioria deles já conhecia a história. Lucássia ainda explica para Laís: Lucássia: _ E o que vai acontecer agora, eu escolhi, foi assim, repentinamente, eu não tinha pensado nisso! Porque eu fui chamando eles pra fazer, sabe?! Os personagens, mas foi (faz um estalo com os dedos)... saiu na hora... foi puff!! (Transcrição autoconfrontação, 01/12/2017).

O modo como as crianças responderam ao gesto inicial da

professora com a história parece tê-la provocado e convocado a esse fazer.

Em nossas análises, podemos compreender esse gesto da professora ao

experimentar outro modo de contar história como uma incorporação da teoria

que ela vinha estudando acerca da linguagem e dos processos de

desenvolvimento infantil. As possibilidades advindas do trabalho com a

literatura, nossos estudos, discussões e planejamentos em que sempre

dialogávamos acerca dos objetivos a serem explorados com as crianças

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naquelas atividades pareciam ser incorporadas à ação da professora.

Entretanto, apenas depois de assistir ao momento em que contou a história

convenceu-se de que havia sido envolvente e significativo para as crianças.

Vale retomar, aqui, o comentário de Smolka (2009) sobre a obra de

Vigotski em que o autor discute os processos criativos como atividades

especificamente humanas. A autora comenta determinado trecho do trabalho

do autor em que ele se refere à necessidade de a atividade pedagógica ampliar

a experiência da criança a fim de criar bases sólidas para as atividades de

criação, destacando que,

no que se refere às práticas pedagógicas, no entanto, trata-se do incansável trabalho de inventar e planejar, a cada dia, como viabilizar, de maneira mais efetiva, o acesso das crianças ao conhecimento produzido e sua participação na produção histórico-cultural. Podemos aqui pensar na própria atividade pedagógica como atividade criadora. Esse modo de conceber traz significativas implicações sociais e políticas, e tem repercussões importantes, em particular no âmbito da educação pública e nas situações de maior precariedade nas condições de vida (p. 23).

Ressalta-se, a partir da constatação da professora Lucássia a se ver

no vídeo, a importância da metodologia adotada no trabalho de pesquisa. Os

estudos, planejamentos e ações coletivas provocaram percepções e

(trans)formações nos modos de compreender as crianças e na prática

pedagógica da professora. Mas foi o amálgama desses elementos com a

possibilidade de se ver atuando com as crianças nesse episódio que fez a

professora perceber que seu trabalho havia sido expressivo para os pequenos.

4.3 “Muitos Animais”: a produção de um conto com as crianças54

Trazer a produção do livro Muitos Animais considerando-o como

materialização de um processo criativo foi, inicialmente, motivo de dúvidas para

nós. Questionávamo-nos se, realmente, tratava-se de uma atividade que

poderia ser definida e considerada como experiência de criação. Revisitamos

54

A análise que apresentaremos e as relações que estabelecemos da criação das crianças com o desenvolvimento não estão vinculadas a aspectos normativos de classificação em obras artísticas. Mas se refere ao processo vivido na e pela linguagem e às condições da produção criativa.

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os textos que ancoram esta tese, especialmente aqueles que tratam da arte e

dos processos criativos (VIGOTSKI, 1970, 2009, 2010), e encontramos

elementos que nos encorajaram. Esses elementos atrelam-se a toda a

discussão sobre as relações entre imaginação, criação e processos de

desenvolvimento discutidos pelo autor nessas obras, bem como sua

compreensão acerca do papel da arte na vida do sujeito, e poderão ser mais

bem aprofundados no decorrer da análise.

No mês de outubro, durante os diálogos produzidos com a

professora Lucássia desde que comecei a acompanhar seu grupo,

conversámos bastante sobre os modos de organizar o trabalho na escola.

Lucássia apresentava preocupação por não conseguir oportunizar uma prática

que, segundo ela, de fato trouxesse as crianças para o centro da proposta

pedagógica. Justificava-se dizendo que a padronização da escola e da própria

rede impunha-lhe um modo de tratar os pequenos que dificultava esse modo

de proceder. Queixava-se, também, que o espaço físico da sua escola

dificultava um trabalho dessa natureza, pois as salas eram muito pequenas,

não havia espaço externo adequado, sendo necessário controlar muito o

comportamento das crianças e ser mais diretiva.

Nesses diálogos, Lucássia solicitava-me que compartilhasse com ela

os modos como conseguíamos fazer isso na escola onde atuo, a Eseba, uma

vez que já havíamos trocado algumas experiências durante a disciplina do

curso de especialização e em nossos encontros coletivos também contávamos

sobre a participação das crianças na organização e

proposição/desenvolvimento das atividades.

Conversamos um pouco sobre isso e sugeri uma leitura55 a ela em

que a questão do lugar da criança nas relações de ensino/aprendizagem era

problematizada. Nesse dia, Lucássia disse que não sabia conduzir uma prática

pedagógica com a participação das crianças, e solicitou minha ajuda tanto no

que se referia ao planejamento como no desenvolvimento de algumas

atividades. Eu, por outro lado, já havia feito o convite para que ela

experimentasse construir a produção de um livro com as crianças,

considerando que, além de experimentar/conhecer/ler/ouvir várias obras, é

55

Texto: SAVIANI, Dermeval. O lugar da criança no processo de aprendizagem. In: Escola e Democracia. Campinas, 2008.

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fundamental criar as próprias histórias com o grupo, e eu gostaria de

acompanhar esse processo. Oportunizar situações em que eles/elas fossem

os/as autores/as. A professora aceitou meu convite contanto que eu a ajudasse

nesse processo criativo. Acordamos que assim seria a parceria, planejaríamos

juntas e, também juntas, conduziríamos as atividades na sala com o grupo. A

partir desses diálogos, combinamos que produziríamos o livro assim que ela

considerasse oportuno.

Todo o processo vivido pela professora, pela pesquisadora e pelas

crianças na produção do livro pode ser compreendido com a contribuição dos

conceitos polifonia e dialogia de Michael Bakhtin (2011), e também pelo modo

como Vigotski concebe o desenvolvimento da imaginação e da criação na

infância. Conforme já afirmamos ao longo deste texto, discutir processos de

desenvolvimento implica considerar que as funções psicológicas superiores

são compostas a partir das relações sociais e históricas vividas. Nesse sentido,

a linguagem é um elemento-chave que compõe, ao mesmo tempo em que

constitui e é constituída, nas inter-relações entre os sujeitos.

O caráter polifônico refere-se à compreensão de que os discursos

são impregnados de diversas outras vozes partilhando sentidos de caráter

coletivo. Já a dialogia implica a experiência com a linguagem dialogada entre

os sujeitos – pesquisadora, professora, crianças, outros textos – no sentido de

construir processos coletivos e individuais, desencadeados pela

experiência/vivência/interação com a literatura e com a produção de algo novo,

no caso o livro Muitos Animais.

No dia 12 de novembro, fizemos um passeio ao Parque do Sabiá56,

como uma das atividades propostas pela professora Lucássia dentro do projeto

sobre o meio ambiente. O passeio foi muito divertido e produtivo, as crianças

gostaram bastante. Chegamos de volta à escola em torno das 16h00min, e

Lucássia considerou que seria oportuno aproveitar o horário seguinte à

chegada para produzir a história que comporia o livro do grupo.

Ela estava preocupada com o prazo para a organização do livro,

pois, depois de criado o enredo, ainda havia toda a parte de materialização,

56

Parque patrimônio da cidade de Uberlândia inaugurado em 07/11/1982, onde há bosques, zoológico, lagos, espaços para atividades físicas, quiosques, piscinas e outros espaços de lazer para a comunidade.

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ilustração e organização do material, além da atividade de encerramento das

aulas com a mostra pedagógica, no dia 08/12/2015. Aceitamos o convite da

professora e partimos, então, para esse momento.

Lucássia organizou as crianças em uma roda, explicou que, naquela

ocasião, íamos criar a história – ela já havia feito o convite a elas em outro

momento – e pediu que a pesquisadora conduzisse o diálogo. Essa troca de

lugar, em que a pesquisadora ocuparia o “lugar da professora” e a professora

acompanharia com suas intervenções, com a câmera na mão, já havia sido

combinada anteriormente quando fizemos o planejamento.

Em toda nossa experiência como docente, sempre damos voz às

crianças, entretanto dar voz a elas implica, também, um maior movimento e

maior “barulho”, pois todas querem falar ao mesmo tempo e se manifestar,

inclusive com o corpo em direção ao diálogo. Nesse momento, precisamos

conseguir organizar e acolher todas as falas. Para a pesquisadora, esse

processo já era incorporado em sua prática, já no grupo da professora Lucássia

“GIII E” não havia o hábito de atividades como essa, exceto em algumas que

ocorreram poucas semanas antes. De certa forma, isso dificultou um pouco a

condução da atividade em virtude do desconforto da professora, que achava

que as crianças não estavam participando.

Combinamos que a professora Lucássia iria ficar com a câmera

filmadora registrando o momento, já que a pesquisadora iria conduzir o diálogo

com o grupo. O uso do tripé não se mostrou produtivo considerando o espaço

muito apertado da sala, o que dificultava capturar todo o grupo de uma vez só e

as falas das crianças. O registro em vídeo ficou um pouco prejudicado, porque

a professora Lucássia parava de filmar sempre que sentia necessidade de

chamar a atenção das crianças e fazer alguma intervenção. Conseguiu

registrar 12 (doze) pequenos vídeos de, no máximo, 5 minutos, onde foi

possível acompanhar o processo criativo do grupo.

Iniciamos o diálogo explicando para as crianças que construiríamos

uma história com a participação de cada uma delas. Desse modo, a produção

coletiva do livro aconteceu a partir das experiências partilhadas no grupo: a

criação do texto, a produção das ilustrações e a sua organização. Como

materialização do trabalho, teve-se o livro impresso e uma exposição no dia de

encerramento do ano letivo com entrega da obra para as crianças e suas

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famílias. Para acompanhar melhor o processo vivido, seguem a capa do livro

de uma das crianças e o texto final da história.

Imagem 17 – Capa do livro Muitos Animais Fonte: Material da pesquisadora - Livro de Léo – Livro Completo No Anexo (IX).

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158

ERA UMA VEZ UMA FLORESTA QUE TINHA MUITOS ANIMAIS

UM DIA APARECEU UMA ONÇA E COMEU MUITO CAPIM E FICOU

GORDA.

TINHA MUITOS CAVALOS, MUITAS ONÇAS, JACARÉ E O LOBO MAU.

TINHA TAMBÉM CORUJA E PEIXE.

O PEIXE AFUNDOU NO MAR E APARECEU O JACARÉ.

O SAPO COMEU UMA MOSCA.

A CORUJINHA ESTAVA DORMINDO NA ÁRVORE.

APARECEU SIMBA, O LEÃO E COMEU O JACARÉ E O SAPO.

QUANDO O LEÃO APARECEU TODOS OS ANIMAIS FUGIRAM

ASSUSTADOS!

ATÉ OS PASSARINHOS!

CADA UM FOI PARA SUA CASINHA.

Texto do livro produzido pelo grupo GIII “E”

Fonte: Acervo da pesquisadora.

Consideramos importante apresentar a análise do processo criativo

com a produção do livro, pois oportuniza levantar questões acerca do

desenvolvimento cultural das crianças, da professora, da pesquisadora e

apontar elementos fundamentais nesse percurso que podem provocar diálogos

em nossa área e demonstrar a importância desse tipo de trabalho na escola de

Educação Infantil.

Acompanhar crianças de três a quatro anos criando uma história e

um livro foi algo encantador. Perguntávamo-nos: seria o momento de criação

da história, fonte e espaço de desenvolvimento? Como se dariam as interações

verbais e não verbais marcadas nos/pelos enunciados? Como conduzir a

criação da história tendo em vista a idade das crianças? Como a elas dar voz e

espaço fazendo com que se sentissem autoras da história criada? Todos esses

questionamentos seguiram-nos durante a preparação e o desenvolvimento da

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atividade, e mesmo depois, quando retomamos o registro feito e buscávamos

compreender as nuances do vivido.

O distanciar-me, no sentido exotópico (BAKHTIN, 2003) da

experiência vivida em campo, olhar para minha própria atuação nos momentos

de transcrição dos vídeos e observar-me na condução da construção do livro

em parceria com a professora Lucássia, permitiu-me tantas outras reflexões

acerca da minha condição de professora e das possibilidades de mediação que

possuímos com as crianças na escola. Entendemos que o processo criativo

ocorre, assim como Vigotsky (2010) o compreende, por meio de uma livre

combinação dos elementos da realidade. Essa livre combinação na produção

do livro ocorreu de forma mediada e dirigida pela pesquisadora e pela

professora.

Retomamos os modos apontados pelo autor para compreender o

processo criativo. Vigotski apresenta quatro formas que participam dessa

dinâmica: na primeira delas, afirma que “a atividade criadora da imaginação

depende diretamente da riqueza e da diversidade da experiência anterior da

pessoa, porque essa experiência constitui o material com que se criam as

construções da fantasia” (p. 22).

A segunda forma corresponde a uma combinação complexa, com

elementos modificados e reelaborados que possibilita

formar imagens, criar mentalmente cenas e cenários, imaginar, tomando por base a experiência alheia. Isso se torna possível pela linguagem. Tanto a narrativa de uma pessoa quanto o efeito dessa narrativa no outro mobilizam e produzem imagens. Tanto a ficção – contos de fadas, por exemplo quanto a história – os acontecimentos vividos e narrados implicam a atividade criadora da imaginação (SMOLKA, 2009, p. 23).

A imaginação pode ser ampliada, constituída e orientada também

por meio da apropriação da experiência do outro. Portanto, compartilhar ideias,

pensamentos e modos de construir uma história adquire um valor interessante.

Sobre isso Vigotski, afirma que

A imaginação adquire uma função muito importante no comportamento e no desenvolvimento humanos. Ela transforma-se em meio de ampliação da experiência de um indivíduo porque, tendo por base a narração ou a descrição de

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outrem, ele pode imaginar o que não viu, o que não vivenciou diretamente em sua experiência pessoal (VIGOTSKI, 2009, p. 25).

Destaca-se, aqui, a importância das trocas, diálogos entre as

crianças no grupo, a fim de partilhar situações e conhecimentos. Nessa

perspectiva, a imaginação ocupa uma função fundamental no processo de

desenvolvimento do sujeito, pois se transforma em meio de ampliação da

experiência e “é uma condição totalmente necessária para quase toda

atividade mental humana” (idem).

Para o autor, a terceira forma de relação entre a atividade de

imaginação e a realidade é de caráter emocional. As emoções57 compõem,

selecionam, articulam-se às imagens que, por sua vez, transformam as

emoções. Ou seja, ocorre uma dupla expressão dos sentimentos, uma interna,

que se reflete na seleção de ideias, imagens e impressões, e outra externa,

corporal, que diz respeito ao modo como essa emoção se expressa no corpo

fisicamente. Tanto o sentimento quanto o pensamento movem a criação

humana.

Por fim, o autor entende que a construção imaginada, da fantasia,

pode ser algo completamente novo, que, ao ser encarnada ou adquirir uma

concretude material, torna-se real no mundo e passa a influir sobre outras

coisas. Ou seja, essa imaginação torna-se realidade. Como exemplo, o autor

cita qualquer dispositivo técnico, tais como máquinas ou instrumentos, que ele

denomina imaginação cristalizada ou encarnada.

A proposta de Lucássia na produção do livro era justificada por seu

desejo em viver essa prática. Ela considerava que esse trabalho era muito

complexo e nunca havia experimentado algo nessa perspectiva em seu grupo.

Dar voz às crianças era algo um pouco difícil para a professora, e, por esse

motivo, convidou a pesquisadora para conduzir o processo, considerando que

gostaria de oportunizar que as crianças ampliassem suas capacidades

criativas, mas não se sentia preparada para isso.

Muitos elementos poderiam ser analisados no processo criativo do

livro, entretanto elegemos três aspectos para apresentar nesta apreciação a fim 57

Para uma compreensão mais aprofundada acerca das emoções na obra de Vigotski, ver Magiolino (2010).

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de ressaltar a relevância de trabalhos desta natureza para os adultos e

crianças na escola. São esses elementos a mediação, feita tanto pelos signos

culturais como os livros e histórias conhecidas, os passeios, os diálogos

produzidos, quanto às intervenções/gestos feitos pela professora e pela

pesquisadora durante a criação do texto e da ilustração do livro; a polifonia e a

dialogia, presentes nas vozes tanto no processo quanto no resultado final, o

texto do grupo atravessado por outros textos construindo uma intertextualidade

marcada por muitas vozes; e a experiência e os elementos da realidade

presentes no processo criativo, demonstrando as possibilidades que podem

provocar.

4.3.1 Linguagem dialógica: explicitando um processo mediado

Retomando a discussão apresentada no capítulo três sobre a

dinâmica do desenvolvimento a partir da perspectiva histórico-cultural, na qual

ancoramos este trabalho, ressalta-se que ele ocorre por meio da mediação, da

significação e da apropriação da cultura pelo sujeito em um processo

constituído do aspecto social para o individual. A mediação, aqui, é entendida

como os gestos que constituem o processo pelo qual se desencadeiam

situações que atravessam e provocam o vivido.

Partimos do princípio de que a mediação ocorre tanto por elementos

que podem ser considerados como instrumentos técnicos e semióticos (PINO,

2000) presentes na cultura e que possuem um caráter específico para cada

sujeito, quanto por ações partilhadas ou conduzidas por adultos ou sujeitos

mais experientes. No caso da produção do livro, destacamos e colocamos em

perspectiva alguns aspectos que indicam a mediação.

A proposição da professora para a construção do livro,

principalmente a intervenção feita para que as crianças ampliassem suas

capacidades criativas, a nosso ver, demonstram elementos fundamentais. Para

compreendermos como se deu esse processo, vejamos o trecho do registro

feito pela pesquisadora. A proposta de escrita do livro foi baseada na

provocação feita às crianças para que criassem uma história. A partir do

convite da pesquisadora, Daniel (4 anos e 4 meses) inicia a história assim:

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Era uma vez uma onça que comeu a Chapeuzinho Vermelho,

aí apareceu o Lobo Mal… Léo (4 anos e 3 meses) continua a

história dizendo que o Lobo ajudou a onça.

A pesquisadora está escrevendo o que Léo sugeriu para a

continuidade da história. Léo seguiu a fala de Daniel, que trazia

um lobo e que esse personagem comeria a Chapeuzinho

Vermelho.

Pesquisadora: _ Que trágica essa história. É isso? Aí o lobo

apareceu e ... ele ajudou a onça?

Ouve-se a voz da professora Lucássia: _ Pera aí só um

pouquinho! Cauã fica no seu lugar.

Léo: _ Não! Ele comeu o queixo e a cabeça e o olhos! [fala e

faz os gestos mostrando os olhos]

Professora Lucássia: _ Nossa, mas olha só... vamos fazer

uma história feliz?!

Ao passarmos a palavra para outra criança, ela continuava a história

nessa direção. A onça comia a Chapeuzinho Vermelho com a ajuda do lobo.

Lucássia ficou incomodada com o modo como as crianças estavam

participando. Elas se divertiam em criar essa história e não conseguiam dar

continuidade com outro desfecho. A pesquisadora, por outro lado, ficou

também insegura com a condução da atividade nessa direção, e não conseguia

dirigir o grupo em outro caminho criativo.

Quando a professora Lucássia diz “_ Nossa, mas olha só... vamos

fazer uma história feliz?!”, demonstra um modo de compreender as falas das

crianças que não condiz com o modo como os pequenos estavam

interpretando o enredo que estavam construindo. Seu incômodo parece estar

relacionado a uma forma distinta de percepção acerca da história iniciada.

Quando Léo responde ao questionamento feito pela pesquisadora se o lobo

havia ajudado a onça a comer a Chapeuzinho Vermelho, com a frase “_ Não!

Ele comeu o queixo e a cabeça e o olhos!”, parece divertir-se com a ideia de

ver a Chapeuzinho sendo comida pelo lobo com a ajuda da onça. Uma reação

totalmente oposta à da professora e da pesquisadora ao ouvir o enredo iniciado

pelas crianças.

Nesse sentido, vale a pena salientar que os modos como adultos e

crianças entendem e vivem a "violência" são completamente distintos. A

interpretação das crianças, segundo Vigotski (2010), ocorre atravessada por

um pensamento sincrético que aglutina imagens e argumentos, produzindo um

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aglomerado singular. Suas histórias são atravessadas por memórias e imagens

de tantos outros contos que falam nos bichos que comem uns aos outros sem

que essa ideia passe por uma visão moralista. Entretanto, para os adultos, que

já têm uma história marcada pelas condições concretas de vida, talvez com

experiências difíceis no que se refere à morte58, por exemplo, essa

interpretação perpassa outras posições, refletindo, inclusive, uma recusa e uma

dificuldade em lidar com as ideias propostas pelas crianças em um momento

como esse.

Cabe, aqui, destacar como as emoções e os afetos estão

intrinsecamente articulados à imaginação e atravessam essas relações.

Entendemos as emoções colocadas no plano das relações e interações entre o

sujeito e o mundo a partir de uma visão sistêmica de ser, organismo, sujeito,

homem. Magiolino (2010) elabora um estudo profundo acerca das emoções a

partir da teoria vigotskiana e auxilia-nos a compreender que as emoções têm

uma dimensão ética e uma dimensão estética, uma dimensão psicológica, uma

dimensão cultural e histórica (pessoal e social) e, sobretudo, uma dimensão

semiótica. As emoções atravessam, portanto, as demais funções na vida e

constituição dos sujeitos.

As falas das crianças no início da criação da história consistiam em

um enredo entre três personagens, a Onça, a Chapeuzinho e o Lobo, sendo

que a Onça e o Lobo comiam a Chapeuzinho. Por mais que insistíssemos em

explorar também outras possibilidades de enredo, era este que as crianças

queriam manter. O desconforto da professora e da pesquisadora com a história

iniciada pelo grupo pode ser traduzido no drama das relações verbais e não

verbais.

As falas complementam-se, os olhares cruzam-se, e a professora

chegou a uma percepção de que era preciso intervir de outro modo naquele

momento para conseguir dar continuidade à construção da narrativa.

Interrompeu a filmagem e disse às crianças que essa história estava muito

violenta, e convidou-os a recomeçar a criação por meio da fala “_ Nossa. mas

olha só... vamos fazer uma história feliz?!”. Perguntou às crianças se poderia

58

Dois dias antes da construção da narrativa com o grupo, a equipe da escola havia sofrido a perda de uma professora de forma cruel. Ela fora assassinada pelo ex-namorado com nove tiros. Esse fato havia abalado toda a cidade e a equipe da escola, e, especialmente, de forma singular a professora Lucássia.

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começar a história para que eles dessem continuidade. O grupo aceitou e.

assim. recomeçamos a história.

Colocamo-nos na atividade de criação como leitora e escriba para e

com as crianças, oportunizando, conduzindo e organizando os diálogos

estabelecidos. Destaca-se, aqui, a importância do trabalho coletivo e da

mediação da professora. Planejamos a atividade juntas, eu trazia comigo um

modo de conceber as relações de ensino-aprendizagem, tinha uma proposta, e

a professora conhecia seu grupo. Assim, Lucássia deu início à história e

convidou as crianças a recomeçarem o conto. Recomeçou a história assim:

Lucássia: _ Era uma vez uma floresta que tinha muitos animais…

A partir dessa introdução, conforme iam compondo a história, a

pesquisadora ia registrando, exercendo o papel de escriba. As crianças

sugeriam as partes que iam sendo compostas com as demais, e a

pesquisadora retomava a leitura da história toda, desde o início, para que as

crianças fossem tendo a ideia de início e possibilidades de continuidade.

Sobre a imaginação e a criação literária, Vigotski (2009) aponta uma

discussão que nos ajuda a compreender o momento da criação do livro vivido

pelo grupo e a intervenção da professora. Para o autor, a criação não surge do

nada. Está relacionada, como destacamos, com a experiência anterior, com a

combinação e reelaboração de imagens, com a apropriação da experiência do

outro, possui um caráter emocional e pode, ainda, transformar-se em algo

completamente novo na vida do sujeito. Desse modo, ao adquirir uma

“concretude material, essa imaginação „cristalizada‟, que se fez objeto começa

a existir realmente no mundo e a influir sobre outras coisas” (p. 29). Vigotski

traz, também, um destaque na constituição desse processo à escola e ao papel

do professor.

Considerando que a imaginação é uma função vital necessária e que

não se trata de uma capacidade inata do ser humano, mas que é constituída

histórica e culturalmente, é fundamental prestar atenção nos processos vividos

na escola e nos modos e proposições ali ofertadas aos pequenos.

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A conclusão pedagógica a que se pode chegar com base nisso consiste na afirmação da necessidade de ampliar a experiência da criança, caso queira criar bases suficientemente sólidas para a sua atividade de criação. Quanto mais a criança viu, ouviu e vivenciou, mais ela sabe e assimilou; quanto maior a quantidade de elementos da realidade de que ela dispõe em sua experiência – sendo as demais circunstâncias as mesmas –, mais significativa e produtiva será a atividade de sua imaginação (p. 23).

O ato de criar está relacionado a um amplo e complexo processo

desencadeado a partir de suas experiências de ver, ouvir, sentir em um

processo de acumulação e reelaboração de elementos e impressões. Por um

lado, no processo criativo associam e dissociam essas impressões,

modificando suas próprias percepções e marcas, em que alguns elementos

movem-se, outros se modificam e vivem, e outros, ainda, morrem em um

complexo movimento reelaborado sob a influência de fatores psíquicos

internos, ou seja, por meio de dissociação.

Por dissociação o autor compreende o realce de alguns traços

percebidos e vividos e a rejeição de outros no processo criativo. Em

consequência, compõe-se a associação, ou seja, a união dos elementos

dissociados e modificados em que ocorre uma combinação de imagens

individuais organizados em um sistema complexo. O círculo completo da

atividade da imaginação criadora é concluído quando se encarna ou se

cristaliza em imagens externas. Vigotski admite a importância dos processos

de dissociação e associação na reorganização e constituição da imaginação

criadora e ressalta a relevância de outros aspectos, tais como a relação com os

afetos, a não adaptação ao mundo circundante, o caráter produtivo da

atividade e a importância do contexto histórico-cultural.

A partir dessa compreensão, destaca-se, aqui, o modo como a

professora Lucássia propôs a intervenção. Admitimos que o caráter da

imaginação criadora discutida por Vigotski, principalmente no que se refere ao

processo criativo das crianças nessa faixa etária, está relacionado às

características mais específicas do jogo de faz de conta, tal como discutimos

no capítulo 3. Entretanto, associamos essa mesma discussão sobre os

aspectos criativos também na criação do livro pelo grupo por estarmos

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estabelecendo um diálogo mais amplo tanto no que se refere à proposta da

professora quanto à resposta provocada ou produzida na e pelas crianças.

Algo que nos chamou a atenção na discussão de Vigotski acerca

desse processo é a compreensão de que, em toda situação criativa, existe uma

essência que provoca, uma origem motriz, como incitações ou molas

propulsoras. Smolka comenta que essa necessidade na perspectiva histórico-

cultural convoca-nos a partir da premissa de que o homem cria suas próprias

condições de existência não apenas para satisfazer suas necessidades por

meio dos instrumentos, mas, também, cria “novas condições de possibilidades

que se abrem constantemente, num movimento contraditório e infindável de

transformação” (p. 40). Nesse sentido, ressalta a importância das provocações,

do lançamento de desafios às crianças e coloca em evidência o papel da

escola e da professora. No caso do tópico aqui discutido, a criação de uma

história como algo novo com o grupo, a apreensão de novos modos de

desenvolver a prática pedagógica na relação dialógica entre adultos e crianças.

A partir da intervenção/provocação/mediação da professora

Lucássia, foi possível ampliar as capacidades criativas das crianças e trazer

para a história um enredo construído com e pelo grupo. As negociações

de/pela linguagem para a construção da história aconteceram entre todos. A

pesquisadora lia a história para que as crianças articulassem outras

possibilidades de continuidade. O trecho transcrito abaixo demonstra como se

deu esse processo.

Vídeo 5: 3m33s A pesquisadora lê a parte da história que já haviam começado: Pesquisadora: _ Era uma vez uma floresta que tinha muitos animais. Ouve-se a voz de Daniel dizendo: _ Ah... Tinha cavalos Pesquisadora: _ Um dia apareceu a onça e comeu muito capim e ficou gorda. [risos]. Daniel continua: _ Tinha muito cavalo, tinha muito onça, igual nós viu lá no zoológico! Pesquisadora [repetindo a fala das crianças e anotando]: _ Tinha muitos cavalos, muitas onças... Daniel: _ Jacarée! João Pedro: _ E um obo [lobo] mal. Daniel: _ E tinha coruja tamém! João Pedro repete a fala de Daniel: _ ti uja amém [tinha coruja também]! Uma criança diz: _ Tia e tinha peixe tamém!

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Pesquisadora: _ E peixe também! Professora Lucássia: _ E aí? Pesquisadora: _ E aí? O que aconteceu?

A pesquisadora, ocupando o papel de escriba, e a professora, que

ajudava a organizar as ideias das crianças, exerciam, nesse caso, os lugares

de sujeitos mais experientes com um texto literário, que conheciam outros

enredos e dominavam um modo de escrita culturalmente organizado.

Desejavam auxiliar as crianças a ampliar suas capacidades criativas bem como

construir, pela primeira vez, uma história de sua própria autoria. A todo o

momento, as ideias trazidas pelo grupo eram retomadas e somadas à história

inicial, (re)construindo o texto.

Pesquisadora: _ Que mais? Que aconteceu Brian? Brian: _ O pexe afundô bem no mar e também o jacaré comeu e também [... inaudível] morreu mais o pexe. Pesquisadora: _ Então fala devagar. O que que aconteceu com o peixe? Lucássia chama a atenção de João Pedro e de outas crianças para ouvirem a história. Brian: _ O peixe afundô dento do rio e o jacaré morreu dento do mar e o sapo comeu uma mosca e também virou um caminhão...

Todo o processo ocorreu nesse formato, sempre relendo a história

em construção, reorganizando as falas para que fizessem sentido no enredo e

dando voz a todas as crianças. Durante as falas na criação da história,

emergiram sensações, memórias, imaginação, elementos constitutivos e

desdobrados em outros processos.

Léo: _ Eu! Daí apareceu Simba, que comeu o Jacaré e o sapo. Pesquisadora: _ Apareceu quem? Lucássia: _ O Simba. Léo: _ Simba, o leão. – Léo diz e faz os gestos rugindo como o leão. [...]

As negociações entre as crianças acerca da história aparecem como

um jogo de linguagem dramático e dialógico que demonstra a imaginação

circulando entre o fantástico e as questões de suas experiências de vida.

Vejamos esse trecho

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Vídeo 7: 44s – Uma criança questiona Léo por ter sugerido que o Simba iria comer animais... (não é possível identificar quem seja essa criança, pois a câmera não capturou a imagem, apenas a voz) Léo se defende dizendo que o Simba comeu apenas o Jacaré e o sapo. Maria Júlia pede a palavra. Algumas crianças falam ao mesmo tempo. A pesquisadora pede para esperarem um pouquinho e deixarem a Maria Júlia falar. A professora Lucássia pede que o grupo ouça a colega: Lucássia: _ Ó, vamos ver o que que a Maria Júlia tá falando Maria Júlia diz: Maria Júlia: _ Os animais não pode morrer porcausa que a gente vai morrer também e fica triste... – a criança faz o gesto como se estivesse advertindo a pesquisadora ... Léo diz: _ Não, só vai morrer o sapo.

Quando Léo sugere que Simba, o leão, comeria o jacaré e o sapo,

parece estar interessado em retomar elementos que se aproximassem daquela

história inicial onde o “trágico” comporia o enredo. Entretanto, Maria Júlia

convoca-o a relacionar o que estamos escrevendo com elementos vividos na

realidade, “não podemos maltratar os animais”. A pesquisadora organiza as

falas, ajuda a negociar as propostas e vai conduzindo o jogo de linguagem na

tentativa de construir uma narrativa que contemple, ao máximo, as ideias

sugeridas por todas as crianças, erigindo um enredo criado coletivamente.

Cabe destacar, aqui, que, nessa fase em que as crianças se

encontram, ao mesmo tempo em que se forma e se desenvolve a linguagem,

aparecem, também, os indícios mais importantes da consciência, que, segundo

Vygotski (2012), são fundamentais para os estágios posteriores do

desenvolvimento. Ou seja, a estrutura semântica desenvolvida juntamente

com/por meio da linguagem e da compreensão de mundo que vai se

constituindo, vai compondo o início da tomada de consciência acerca da

realidade circundante. Conforme já apontamos em itens anteriores desta

análise, a percepção afetiva conduz a ação e as proposições das crianças de

forma integrada/inter-relacionada com outras funções da consciência.

O texto foi arquitetado em dois dias, no primeiro momento criou-se a

história até certo ponto. Esse texto foi retomado no dia seguinte pela

professora Lucássia, agora já mais tranquila sobre como dar voz às crianças e,

ao mesmo tempo, ocupar o seu espaço de educadora e adulta responsável

pelo trabalho pedagógico ali desenvolvido. A pesquisadora fez o registro fílmico

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e participou das discussões, não como mediadora dos diálogos, mas como

integrante do grupo. Vejamos como se deu esse segundo momento:

Lucássia lê a história: _ Era uma vez uma floresta que tinha muitos animais! Ó Gabriel! Um dia apareceu a onça e comeu muito capim e ficou gorda! [risos das crianças] Tinha muitos cavalos e muitas onças! Jacaré e o Lobo mal. Tinha coruja e peixe. O peixe afundou no mar e apareceu o jacaré. O sapo comeu uma mosca. [risos] a corujinha foi.. estava na árvore e dormiu. Apareceu Simba o Leão e comeu o jacaré e o sapo. Léo: _ E também a mosca! Lucássia: _ Quando o Leão apareceu, todos os animais fugiram assustados! Daniel: _ O leão fez assim ó, Uahgrrr [ faz o gesto do leão como se estivesse rugindo] Outras crianças também o imitam. Lucássia: _ Ó! Cada um foi para sua casinha [risos] A nossa história já ficou pronta ou a gente tem que escrever mais?

Nesse momento, a professora conduz o grupo para a finalização da

história e para a escolha de um nome para ela. Com a participação mais ativa

de três crianças, decide, junto com o grupo, qual será o título da história. A

partir desse dia, iniciamos o processo de materialização do livro, digitando e

propondo que o ilustrassem.

As crianças já tinham acesso frequente aos livros por meio do

“Projeto Conta e Reconta”, entretanto, antes da materialização do livro criado

pelo grupo e da produção do exemplar de cada criança, a professora

oportunizou que observassem os elementos que compõem uma obra literária.

Levou para a sala várias obras e pediu que cada criança escolhesse alguma

para explorar. Foi um momento muito rico, em que todas se envolveram na

atividade de ler59, do seu jeito, cada história. Puderam trocar os livros

escolhidos entre si, escolher outros, dialogar sobre diferentes histórias e

personagens. A ideia era levar as crianças a observar a

organização/composição de um livro com todos os seus elementos, capa, ficha

catalográfica, dedicatórias, texto escrito da história, imagens ilustrativas, além

de oportunizar a própria leitura da história feita pelas crianças e, também, por

nós, professora e pesquisadora.

59

Referimo-nos à leitura de imagens e tentativas de construção de uma interpretação do código escrito, uma vez que esse grupo ainda não domina a leitura da forma convencional. Entretanto, há muitas outras possibilidades de leituras que podem ser construídas nesses momentos.

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4.3.2 A experiência e o processo criativo: elementos da realidade

Conceder destaque a esses elementos no processo criativo do livro

Muitos Animais torna-se importante na medida em que nos reafirma a atenção

que devemos dar na escola e nos processos pedagógicos ali desenvolvidos

para as experiências que estamos oferecendo às crianças. Quais situações

estamos privilegiando no cotidiano escolar? De fato, são experiências que

contribuem para ampliar os repertórios infantis de modo a enriquecer sua

imaginação? Vigotski ajuda-nos a compreender esse processo a partir da

premissa:

Já mencionamos que a atividade da imaginação subordina-se à experiência, às necessidades e aos interesses na forma dos quais essas necessidades se expressam. É fácil compreender que essa atividade depende também da capacidade combinatória e do seu exercício, isto é, da encarnação dos frutos da imaginação em forma material; que depende, ainda, do conhecimento técnico e das tradições, ou seja, dos modelos de criação que influenciam a pessoa (p. 41).

Alguns personagens que apareceram na história já eram conhecidos

das crianças. Figuras de outras histórias vêm-lhes à memória, tanto pela

provocação da pesquisadora, quanto por suas lembranças com a literatura.

Experimentaram trazer para o enredo desta nova história o Simba, a Corujinha,

o Lobo Mau, assim como buscaram, em suas experiências, personagens que

lhes eram conhecidos, como é o caso da onça, do jacaré e do peixe, vistos no

zoológico no mesmo dia. Vejamos a seguir um trecho que ilustra essa

discussão:

Pesquisadora: _ Ajudo! Então, vamos fazer assim ... vocês conhecem história de... quais histórias vocês conhecem? Vão me falando! Várias crianças começam a falar ao mesmo tempo. A pesquisadora diz: Pesquisadora:_ Vai levantar o dedinho quem for falar. Crianças: _ Eu eu eu... Pesquisadora: _ Maria Júlia, qual história você já conhece? Maria Júlia: _ A da coruja! Pesquisadora: _ Da coruja! E você Léo? Léo: _ Do Bicho Papão!

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Pesquisadora: _ Do Bicho Papão! E você Raul? Raul: _ Do... do Mickey! Pesquisadora: _ Do Mickey! E você Isabella? Isabella balançando o corpo para frente: _ Da Chapeuzinho! Pesquisadora: _ Da Chapeuzinho Vermelho! E você Daniel? Daniel: _ Da corujinha! Isabelly: _ Eu sei da Elza! Pesquisadora: _ Da Corujinha, da Elza... E você Cecília? Qual história você conhece? Ana Cecília: _ Eu... eu não sei! Pesquisadora: _ Então vamos pensar – João Victor manifesta corporalmente o desejo de falar e a pesquisadora acolhe sua fala. _ Fala, João Victor! João Victor:_ Eu... penso.. gosto da... do Mickey Mouse também!

Podemos notar que a Coruja, o Simba e o Lobo Mau apareceram na

história criada pelo grupo sendo personagens no enredo. Durante o tempo em

que acompanhamos o grupo GIII “E”, tivemos a oportunidade de presenciar

momentos em que tiveram contato com esses personagens em outras

histórias, tanto no “Projeto Conta e Reconta”, a história “Um tanto perdida” de

autoria de Chis Haughton em que a personagem principal era uma corujinha,

como em histórias contadas pela professora Lucássia em sala, que traziam o

personagem Lobo, no caso do conto clássico “Os três porquinhos” e

“Chapeuzinho Vermelho”; e, ainda, em diálogos das crianças entre si sobre

filmes a que assistiram.

Outras figuras dramáticas haviam sido vistas por elas no Parque do

Sabiá nesse mesmo dia: onça, jacaré, peixe. Conforme apontado por Vigotski

(2009), o processo de criação do conto foi atravessado pelo sincretismo, forma

primeira de criação infantil. Para o autor,

A criança desenha e ao mesmo tempo narra a respeito do que desenha. Ela dramatiza e compõe um texto verbal no seu papel. Esse sincretismo aponta a raiz comum da qual se ramificam todos os outros tipos de arte infantil. A brincadeira da criança é essa raiz comum; serve de estágio preparatório para a criação artística da criança, e, até mesmo quando dessa brincadeira sincrética comum destacam-se, separadamente, tipos mais ou menos independentes de criação infantil, tais como o desenho, a dramatização de sua composição, cada tipo não é rigidamente separado do outro e voluntariamente absorve elementos dos demais (p. 93).

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Durante a criação da história, não vivenciamos apenas a escrita de

um texto, mas a composição de um conto atravessado pelas relações

dialógicas, pela dramatização, pelas retomadas de memórias e experiências de

vida de cada criança, pelas emoções (re)vividas com as histórias e

personagens já conhecidos, pelas relações de ensino e aprendizagem sobre

como se criar um texto com início, meio e fim, tentando aproximar as crianças

da compreensão acerca, também, da escrita como signo cultural que permeia o

cotidiano e pode tornar-se mais uma atividade significativa para as crianças.

Escrever com sentido e significado. Todos esses elementos foram mediados

pela linguagem ali estabelecida, que, ao mesmo tempo, conduziu, compôs,

atravessou, criou e recriou os modos de participação das crianças, da

professora e da pesquisadora.

O que estamos colocando em perspectiva é a possibilidade de tomar

o trabalho com a literatura como fundamental no processo de desenvolvimento

de adultos e crianças na escola. Sabemos que há diversos modos de contar

histórias. Acompanhamos muitos deles durante o trabalho de campo, e temos

uma experiência com diferentes tipos. Entendemos, ainda, que a mediação

desencadeada nesses modos específicos provoca outros desdobramentos,

tanto na própria história quanto nas potencialidades de desenvolvimento dos

sujeitos.

Assim como Pino (2006), consideramos a interação da criança com

a Literatura como possibilidade de uma atividade que se integra com a

atividade criadora e propulsora de imaginário. Os modos de participação das

crianças nos momentos de escuta de histórias, as expressões, as

dramatizações, as relações estabelecidas com elementos específicos de cada

criança, a euforia na com e a história demonstram, para nós, que a arte literária

possibilita à criança “apropriar-se”, o que, segundo Pino (2005), significa re-

criar, no plano pessoal, aspectos dos sistemas simbólicos. Essa (re)criação

volta para suas relações com o mundo num constante movimento dialético e

precioso de (re)elaborações.

4.3.3 A composição da ilustração: criações singulares

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A construção coletiva do texto, por meio das vozes de todos os

integrantes do grupo, aparece como elemento de linguagem materializado e

construído na polifonia e na dialogia, em que a fala de um antecipa, contrapõe,

complementa, organiza a fala do outro. Freitas (1994), ao discorrer sobre o

papel da linguagem em Bakhtin, afirma que

O centro organizador e formador da atividade mental não está no interior do sujeito, mas fora dele, na própria interação verbal. Não é a atividade mental que organiza a expressão, mas é a expressão que organiza a atividade mental, modelando e determinando a sua orientação. A atividade mental do sujeito, da mesma forma que sua expressão exterior, se constitui a partir do território social (p. 138).

Esse processo pode enriquecer e ampliar, por meio das construções

dialogadas, signos que retornam para os próprios sujeitos como fonte de

desenvolvimento. Neste item, queremos destacar o modo como a professora

Lucássia conduziu a organização do livro e a ilustração da história, com

destaque especial ao seu papel de adulta mais experiente do grupo que

pesquisou modos de ampliar a organização estética do livro e mediou um

processo em que adultos e crianças possuem um papel fundamental: compor,

de forma individual, as imagens da história criada coletivamente.

Buscando aproximar o trabalho produzido com as crianças dos elementos que

compõem uma obra literária, a professora cuidou da capa, contracapa, ficha

catalográfica, espaço para assinatura dos pequenos autores e ilustradores,

dedicatória, e apresentação feita pela por ela, onde fala sobre o processo de

criação do livro e de como se sentiu com esse trabalho.

Cada criança pôde ilustrar seu próprio livro, e, para isso, a

professora escolheu diferentes possibilidades, associando e intercalando a

composição em que a figura do adulto que organiza, sugere, direciona, articula-

se com a expressão livre das crianças. Escolheu diferentes técnicas que

contemplaram a pintura com esponja, com os dedinhos e mãozinhas das

crianças, recorte e colagem, origami, desenhos livres e com interferência. Teria

esse trabalho provocado, nas crianças, diferentes percepções acerca da

criação de um livro? Trata-se de algo constitutivo e significativo no processo

vivido?

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Escolhemos algumas páginas dessa composição para explicitar o

processo vivido e ressaltar a mediação apontada. Nas imagens apresentadas a

seguir, daremos destaque à composição da obra como um todo, onde os

nomes das crianças aparecem como autoras e ilustradoras da história e

aproximam-se de modos culturalmente desenvolvidos de organização de um

livro. Inferimos que participar desse processo escrevendo seu nome na autoria

e, em seguida, fazendo a dedicatória pode levar as crianças a experimentar um

formato validado socialmente de composições de obras literárias. Vejamos

como as crianças manifestaram-se.

Imagem 18 – Ficha Catalográfica

Fonte: Material da Pesquisadora

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Imagem 19 – Dedicatória

Fonte: Material da Pesquisadora.

A proposição da professora em explorar esse aspecto pode provocar

uma ampliação nos modos como as crianças percebem as obras para além da

história criada. Ou seja, perceber que a composição de um livro é constituída

também por outros elementos. Outro aspecto que consideramos fundamental

na discussão acerca do conceito de mediação diz respeito à composição das

imagens que ilustram os livros em dois sentidos. O primeiro concerne à

possibilidade de as crianças terem sua singularidade respeitada, já que cada

criança ilustrou seu próprio exemplar. O segundo refere-se ao modo como a

professora propôs as ilustrações.

As páginas do livro apresentam, de forma sincrética, as marcas da

professora, sujeito adulto que propõe uma composição organizada

esteticamente, e as marcas das crianças que experimentam os lugares de

autoras e ilustradoras. O cuidado com a apresentação estética demonstra a

maneira pela qual a professora coloca-se como a mediadora responsável na

condução de um processo criativo, sem que essa posição apague as crianças.

Escolhemos quatro imagens que compõem páginas do livro onde as marcas de

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adultos e crianças alternam-se, revelam-se e integram um processo singular

que pode demonstrar o amálgama de possibilidades criativas que se

complementam. Adultos e crianças criando, juntos, elementos/signos culturais.

Imagem 20 – Uma floresta

Fonte: Material da Pesquisadora.

Nessa página, “Era uma vez uma floresta que tinha muitos animais”,

é possível perceber que as marcas da professora misturam-se às das crianças

na pintura feita com esponja e com os dedinhos. Fazer junto, compor uma cena

é algo que também possibilita a expressão da criança e pode ajudá-la na

ampliação de suas próprias capacidades de representação simbólica.

Já nas páginas a seguir a proposta consistiu em deixar a criança

mais livre para produzir, por meio do desenho, as imagens que comporiam a

ilustração do texto “Tinha muitos cavalos, muitas onças, jacaré e o lobo mau.

Tinha também coruja e peixe” e “Apareceu Simba, o Leão, e comeu o jacaré e

o sapo”. A liberdade de escolha acerca da forma de construir o seu desenho

também é fundamental para que a criança construa o seu próprio modo de

compor o enredo ilustrativo, valorizando sua capacidade expressiva.

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Imagem 21 – Animais

Fonte: Material da Pesquisadora.

Imagem 22 – Simba, o Leão

Fonte: Material da Pesquisadora.

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O destaque que estamos buscando aqui são as experiências vividas

com a mediação da professora no que se refere à produção estética do livro,

ora propondo marcas expressivas de adultos e crianças que se

complementam, ora oportunizando que as marcas sejam exclusivas das

crianças. Páginas que se alternam entre o fazer junto e fazer sozinho

demonstram potencialidades criativas que se completam e podem marcar o

desenvolvimento cultural das crianças.

A última imagem que apresentamos, abaixo, compõe uma situação

que nos chamou muito a atenção no momento de sua confecção.

Imagem 23 – A casinha dos animais

Fonte: Material da pesquisadora.

A ideia da professora Lucássia foi sugerir que as crianças

construíssem, com representações de algumas figuras geométricas, a casinha

para onde cada animal teria fugido quando o personagem leão apareceu. A

princípio, propôs apenas que as crianças colassem as imagens, formando as

casinhas de acordo com a combinação que quisessem. Entretanto, sua

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proposta sofreu uma alteração quando a pesquisadora questionou uma criança

que já terminava sua “construção” com a seguinte fala “O que vamos colocar

dentro desta casinha?”, ao que a criança respondeu, muito empolgada, “Os

animais!!”. A professora, surpresa com a situação, sorriu e disse: “Nossa, eu já

ia dizendo que não teria nada mais pra colocar dentro!” Entretanto, encantou-

se com o desejo e a proposta de todas as crianças em continuar a ilustração

com o desenho dos animais na casinha.

4.4 Distanciar-se, (re)construir-se: retomando algumas questões do

processo formativo

A parceria firmada entre a pesquisadora e as duas profissionais,

Laís e Lucássia, no decorrer de todo o trabalho da pesquisa, estabeleceu-se,

principalmente, a partir de pontos de convergência de interesses. Os papéis

sociais ocupados por nós três no campo da Educação Infantil e o interesse em

desenvolver um trabalho de pesquisa acadêmica que oportunizasse a

compreensão acerca da literatura e da linguagem aproximaram-nos e

possibilitou o estabelecimento de uma relação de confiança. Nesse sentido,

queremos, aqui, destacar aspectos presentes em todo o processo que

permitiram o desenvolvimento de todas nós no decorrer da pesquisa e nas

elaborações tecidas e entretecidas na trama construída.

Primeiramente, vale destacar os encontros, os estudos, as

discussões e as elaborações desde a escrita do projeto de intervenção, o

desenvolvimento das ações no cotidiano escolar, os registros feitos, o colocar-

se em perspectiva a se ver no vídeo e, assim, poder construir outro e novo

olhar sobre o seu próprio ofício, até as produções dos Trabalhos de Conclusão

de Curso (TCCs) em que o processo vivido é retomado. Em todo o percurso da

pesquisa, destacam-se a linguagem e o trabalho coletivo, tanto por meio das

interações verbais experimentadas, quanto pela escrita como elemento

formativo e criativo.

Conforme já vimos destacando ao longo deste texto, a compreensão

de Bakhtin e Vigotski acerca da linguagem e seu papel no desenvolvimento

humano consolidaram toda a construção desta pesquisa. Os modos como

construímos o trabalho empírico, os estudos e planejamentos realizados e toda

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a análise desenvolvida demonstram processos dialógicos vividos. Freitas

(1994), ao discorrer sobre as teorias desses dois autores, estabelece

aproximações entre suas concepções, principalmente acerca do papel da

linguagem. Afirma que “destacaram aí o valor da palavra e da interação com o

outro. Consciência e pensamento são tecidos com palavras e ideias que se

formam na interação, tendo o outro um papel significativo” (p. 159).

Ao retomarmos os registros feitos pelas duas profissionais nos

Trabalhos de Conclusão de Curso, pudemos notar os modos como significaram

a pesquisa e o percurso vivido, bem como o desdobramento de nossa parceria

nas análises e reflexões feitas por elas. Esses relatórios demonstram o

processo de elaboração teórica e o (re)pensar das práticas das profissionais.

Neles, concretizam-se, ou materializam, e podem-se visualizar, por meio das

elaborações da linguagem, os processos vividos, tendo a escrita como

possibilidade de formação e desenvolvimento profissional/cultural. Elas contam

sobre a trajetória da pesquisa, constroem seus argumentos teóricos,

(re)elaboram modos de compreender o desenvolvimento infantil, falam da

escola e de como se perceberam durante a proposta de intervenção, bem

como colocam em perspectiva suas ações com os grupos e os modos como se

(trans)formaram.

Os trabalhos condensam, ainda, a descrição e reflexões com relação

a diversas situações e atividades desenvolvidas na escola. Entretanto,

buscando estabelecer uma coerência interpretativa, daremos destaque às

menções que as duas autoras fizeram aos episódios que explicitamos nas

análises anteriores. No trabalho da professora Laís, buscamos as alusões ao

episódio “Bruxa, bruxa, venha à minha festa”, e no trabalho da professora

Lucássia observamos as referências à construção do livro “Muitos Animais”60.

4.4.1 Laís e arte literária: reflexões e desejos ampliados

Laís demonstrou bastante interesse pelos modos como as crianças

tinham acesso às obras literárias. Sua preocupação relaciona-se com as

60

O episódio “O Grande Rabanete” não foi explorado pela professora de forma mais aprofundada no Trabalho de Conclusão de Curso, estando incluído nas análises da autora sobre as rodas de conversa, momento em que a contação de história ocorria.

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crianças do berçário e GI (0 a 2 anos), grupo em que atuava, entretanto

realizou um trabalho que envolveu todas as crianças da unidade escolar.

A escola, por meio da atuação da coordenadora, desenvolvia uma

atenção especial à formação continuada de todos os profissionais da unidade,

inclusive contemplava algumas ações voltadas para a aproximação das

crianças com os livros. Disponibilizava as obras a todos os docentes e

funcionários de outros setores como cantina, limpeza e secretaria, e todos

podiam ter acesso, despertando o interesse para as questões educacionais.

Foi nesse contexto que se deu o ingresso de Laís no campo

educacional e no trabalho com os pequenos. Os livros recebidos pelo Ministério

da Educação chegavam, primeiramente, a todos os profissionais que os liam,

emitiam suas opiniões acerca das obras e sugeriam possibilidades de

exploração com as crianças. A preocupação de Laís ampliava-se a partir do

trabalho com o qual estava acostumada, qual seja, com a organização do

espaço destinado ao acesso aos livros e a provocação de oferecer às crianças

a oportunidade de escolher, para leitura, os de seu interesse, pois, até aquele

momento, essas escolhas eram feitas pelas professoras sob a justificativa da

falta de um espaço adequado para levar as crianças.

Vejamos o modo como a educadora compreendia sua proposta

diante desta realidade.

E é por isso, que proponho este trabalho fundamentado a partir das vivências das crianças junto ao espaço da biblioteca, seja ela fixa ou móvel (a proposta inicial era buscar a implementação da biblioteca fixa), com diferentes tipos de gêneros literários. Acredito que esta proposta possa contribuir para que as (inter)ações das crianças com as histórias e os livros obtenha esses significados, de criação, imaginação, fantasia, competência narrativa, a partir de várias formas de contar e recontar recriando a história, apropriando-se da leitura e escrita a partir da escolha dos livros de literatura oferecidos de forma lúdica (MARQUES, 2016, p. 22).

Com essa intenção, pesquisou modos de organizar espaços para

biblioteca escolar, ampliou seus estudos sobre o desenvolvimento infantil,

sobre a arte e a literatura, elaborou documentos junto à direção da escola e

colocou em ação a chamada “Biblioteca Ambulante”, que circulou por todas as

turmas durante o desenvolvimento do projeto, inclusive com o apoio da

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pesquisadora. No grupo do berçário e GI, a ação da educadora foi mais

intensa, com uma proposta de criação de personagens, escuta de histórias e

exploração dos livros. Daremos destaque, aqui, ao modo como ela significou o

vivido no episódio “Bruxa, bruxa, venha à minha festa” por meio das

elaborações que foi fazendo na retomada de todo o processo na escrita do

TCC.

A educadora cuidou de aspectos importantes, tais como preparar as

situações com a participação dos pequenos por meio da criação de fantoches.

Assim, acreditava poder envolvê-los de forma mais interessante.

As ações continuaram sendo desenvolvidas com a participação das crianças, de forma que elas pudessem retomar os personagens por ela confeccionados e assim, pudessem (re)memorar e ampliar suas percepções acerca dos mesmos. Diante desta proposta L. – 2 anos, novamente quando viu o cachorro disse: O Nick titia (MARQUES, 2016, p. 30).

Muitas reflexões acompanharam a ação de Laís desde o início de

estudos, planejamentos e diálogos sobre as ações a serem desenvolvidas.

Enfim o dia tão esperado de levar o carrinho para a sala chegou. Estava ansiosa para saber as reações das crianças. Será que iriam gostar do carrinho? Do tapete? Das almofadas? E os livros, elas iam se interessar tanto quanto pelos fantoches? Qual seria o mais escolhido? E da história iriam gostar, se envolver ou não? Muitas eram as dúvidas na minha cabeça naquele momento (idem, p. 32).

Sentia-se insegura com a proposta, e, ao realizar toda a atividade,

pôde retomar, também, por meio do registro em vídeo, o envolvimento das

crianças. Na análise tecida no TCC, retoma conceitos apreendidos nos estudos

sobre o desenvolvimento da criança e as inter-relações com a arte literária,

principalmente destacando as relações estabelecidas com outras histórias

ouvidas com a história contada naquela ocasião. Destaca a importância de

acolher os modos de participação dos pequenos, que, nessa faixa etária,

expressam-se com o corpo por meio de gestos, balbucios e com o movimento

do corpo em direção ao livro e ao jogo dramático ali composto. Ressalta o

papel do adulto nessa relação, demonstrando ter ampliado a compreensão

acerca de seu papel junto às crianças.

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Retomando as ideias de Faria e Vita (2014), destaca que

A importância, o prazer do livro, seu valor e seu significado são, inicialmente, mediados pelo educador que apresenta e explica o texto. É a mediação do adulto que irá fazer com que a criança compreenda o uso e significados da literatura infantil, pois é o professor/educador que irá proporcionar todo esse movimento de aquisições, encorajando a explorá-lo sozinho, como também ler o livro para a criança ou para pequenos grupos, para fazer com que a criança perceba „o que pode obter de um livro‟ para que em seguida a criança com autonomia possa buscar o livro (MARQUES, 2016, p. 36).

Algo fundamental a ser destacado acerca do processo vivido por

Laís refere-se ao modo como se constituiu pesquisadora. A escrita final do

TCC possibilitou reconhecer o crescimento da educadora em sua capacidade

de elaboração, bem como de incorporação da teoria estudada no decorrer do

processo da pesquisa. Ressalta-se, ainda, a apropriação de modos de se

tornar professora, reconhecendo, em sua própria atuação, questões

fundamentais do desenvolvimento cultural infantil. Ela reconhece que,

Através do convívio das crianças com a biblioteca móvel, elas desenvolveram atividades como, bater palma, jogar, dançar, brincar, entre outras. Essas atividades compreendem a aquisição da locomoção do corpo, ampliando assim, a possibilidade de laços de afetividade e socialização entre os educandos e o educador. As crianças divertiam-se na manipulação dos livros do carrinho, investigavam o livro como se fosse um brinquedo, abriam, fechavam, cheiravam, mordiam, trocavam por outro, colocavam na estante, pegavam outra vez, disputavam-no e liam brincando com as imagens (MARQUES, 2016, p. 38).

Comenta, também, sobre seu modo de contar a história e sobre

como percebeu a participação das crianças.

Enquanto contava fui adaptando algumas partes da história com os fantoches, as crianças foram muito participativas, respondiam conforme suas hipóteses. Ao perguntar onde o tubarão morava “S” respondeu que o “tubarão mora na água”. (M-2 anos) ao ver o unicórnio disse que era um macaco [...] (idem, p. 34).

O momento da história foi significado por Laís, a princípio, como

improdutivo, ou como “bagunça”. Ver-se atuando com as crianças no vídeo

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possibilitou outro olhar sobre seu trabalho e sobre os modos de participação

das crianças. Seu movimento durante todo o tempo em que assistiu ao

episódio foi marcado pelo encantamento, pela projeção do corpo para frente

para ver melhor as cenas, por risos e comentários de admiração com os gestos

das crianças. Sua fala, ao assistir ao vídeo, ilustra como havia percebido o

momento que contou a história e como essa percepção foi alterada ao

confrontar-se com a experiência vivida. Enquanto vão conversando entre si

sobre o momento de exploração dos livros pelas crianças, logo depois de

ouvirem a história, Laís comenta:

Ela diz: _ Eu estou vendo aqui... eu, pra mim, estava sendo uma bagunça, mas eu tô vendo aqui que eles... ela ri e não termina a frase, mas quis dizer que está vendo que as crianças aproveitaram a atividade e se concentraram com os livros e que ela achava que tinha sido uma “zorra”. As duas riem... (Transcrição Autoconfrontação cruzada, 01/12/2015. Material Pesquisadora)

Ela discorre em seu TCC:

Continuando, ao fim daquele momento a meu ver parecia que tinha saído uma bagunça, que elas estavam dispersas e que poucos realmente tinham se interessado pela história, somente depois na aula de ACPP (Análise Crítica da Prática Pedagógica) com a professora Núbia ao ver a aula como um todo percebi que tinha sido um sucesso, e que elas estavam realmente interessadas e que tinha sido bastante interativa. A apropriação foi tanta da biblioteca móvel que ao sairmos da sala para área externa (P. S – 1 ano) ao encontrar o carrinho de livros pareceu reconhecer a atividade realizada em sala demonstrando alegria ao vê-lo. Enquanto que todos os dias passamos pelo carrinho e não havia significado algum (MARQUES, 2016, p. 37).

Lucássia parecia não acreditar que crianças dessa idade teriam esse

envolvimento. Durante quase todo o tempo, ela indagava Laís, demonstrando

sua atenção para as questões mais voltadas para a estrutura organizacional da

escola e da sala. Por exemplo, quantas crianças ficam na mesma sala, quantos

pessoas adultas, de quem são os objetos utilizados na história. E demonstrou

surpresa quando Miguel, de 2 anos, reconheceu o personagem Pirata.

Vejamos:

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Lucássia: _ São quantas crianças na sala? Ao que Laís responde: _ Quatro! A professora e três educadoras. Prossegue a cena com Laís contando a história e aparece a personagem Pirata; ela pergunta na cena quem é aquele personagem e espera até que alguma criança responda. Por meio do incentivo de Laís, Miguel responde que é o Pirata. Quando consegue responder, a professora Edilene bate palmas. Ao ver essa cena, Laís repete „Pirata‟, e Lucássia também diz: _ Pirata! Nossa, eles já sabem o que que é o pirata? Pergunta um tanto quanto surpresa. E complementa seu comentário: _ Eles não, né, é uma criança! Laís confirma: _É! É o Miguel! (Transcrição Autoconfrontação, 01/12/2015).

Ressalta-se o quanto a atividade acrescentou elementos importantes

no processo de desenvolvimento da educadora. Planejar, estudar, escrever,

desenvolver atividade de contar histórias e colocar-se em perspectiva foi

marcante para Laís, que se apropriou de modos de explorar a linguagem

literária e de valorizar os modos de participação das crianças.

4.4.2 Professora Lucássia e a arte literária: a linguagem em ação e constituição

em sala de aula

A professora Lucássia desenvolveu várias ações com seu grupo

buscando compreender o papel da linguagem no desenvolvimento da criança.

Dentre as ações desenvolvidas, privilegiava, nas rodas de conversa, a

exploração do “Projeto Conta e Reconta”, já apresentado no capítulo 1.

Desses momentos de contação de histórias, alvo central de nossa

atenção na pesquisa, desdobrou-se a construção da história do livro “Muitos

Animais”. A profissional construiu um modo de compreender o desenvolvimento

da criança por meio da linguagem que, para ela, pode ser problematizada por

meio da análise do vivido nessa criação. Por essa razão, dedicou um item de

seu TCC para discorrer sobre como significou a produção do livro. O modo

como a professora concebia a linguagem em sua prática pedagógica passava

uma ideia de que não acreditava muito nas capacidades das crianças, sentindo

necessidade de falar por elas, sempre tentando controlar muito as falas e o

comportamento dos pequenos.

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De acordo com Freitas (1994), a partir do modo como Bakhtin

compreende os processos de desenvolvimento da linguagem e das interações

verbais,

A atividade mental é expressa exteriormente (palavra ou outro meio) e internamente para o próprio indivíduo (discurso interior) sob a forma de signos. Fora deste material semiótico a atividade interior não existe. Assim, toda atividade mental é exprimível e esta função expressiva não pode ser separada da atividade mental, sem que se altere a sua própria natureza (p. 130).

Foram os estudos empreendidos acerca do papel da linguagem no

desenvolvimento das crianças a partir da perspectiva histórico-cultural que

ampliaram o olhar e (trans)formam a prática da docente. Aqui, vale destacar

que os textos lidos, as discussões feitas coletivamente, a escrita, tanto nos

registros feitos diariamente quanto do Trabalho de Conclusão de Curso, a

prática docente e, especialmente, o ver-se no vídeo, foram signos mediadores

de todo seu processo de desenvolvimento.

Pino (2016), ao ponderar sobre os processos de humanização do

homem, discorre sobre os mecanismos de emergência da consciência,

afirmando ser um fenômeno historicamente situado e ligado à atividade

criadora do homem. Segundo o autor,

Isso quer dizer que a consciência emerge no agir humano, sendo ao mesmo tempo causa e efeito desse agir. Ora, o próprio da atividade humana é que é simbólica além de técnica, produzindo um efeito de simbolização em tudo onde ela opera (p. 28).

Nesse sentido, podemos inferir que, ao se ver no vídeo e produzir o

TCC, a professora Lucássia estabeleceu certo distanciamento para com sua

própria prática, no sentido exotópico, ocasionando novos modos de percepção

de si mesma e de seu próprio trabalho. Isso pode ser entendido quando ela

escreve, em seu relatório, como se sentia durante a produção do livro.

No dia da construção desta história fiquei bastante tensa, porque afinal as crianças estavam agitadas, conversando muito entre si e eu não estava conseguindo perceber se elas estavam interagindo sobre o assunto, desenvolvendo suas hipóteses para a construção da história ou comentando suas

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vivências daquele dia, mas após ver as filmagens, fiquei bastante impressionada, pois toda aquela agitação era pertinente a tudo o que estávamos discutindo e elas estavam realmente interessadas na atividade proposta (FERREIRA, 2016, p. 44).61

Esse trecho demonstra a importância de colocar-se em perspectiva

e o quanto se ver atuando possibilitou uma mudança de olhar para as crianças

e para sua própria prática. A professora relata todo o processo de criação do

livro, descrevendo como compreendeu o processo e como se percebeu nesse

trabalho. O trecho abaixo revela o momento em que interveio e o modo como

significou a participação das crianças.

A princípio elas não conseguiram compreender muito bem, como se iniciava uma história, e só estavam aparecendo animais que matavam outros e comiam braços, pernas e outras partes. Então resolvi intervir e perguntar a elas se eu poderia iniciar a história. Com o aceite de todos comecei assim: Era uma vez uma floresta que tinha muitos animais! A partir daí, deixei que elas protagonizassem a construção da história, dando-lhes espaço para que colocassem em prática sua imaginação, através da linguagem (FERREIRA, 2016, p. 43).

Outro trecho evidencia como o trabalho com a literatura, aqui

relacionado à criação do livro, despertou na professora um olhar diferente

Com certeza neste dia ao final desta atividade me tornei uma professora com um olhar diferente do que quando esta atividade se iniciou. Levar as crianças a pensar, a conseguir se expressar, ver aos poucos elas se constituírem como ser humano na/pela linguagem foi muito gratificante. Além disso, consegui reconhecer a importância das atividades coletivas. Nos dias em que se seguiram, durante a construção/ilustração do livro pude observar que, como as crianças foram participantes ativas naquela ação, a atividade se tornou muito mais chamativa, elas participavam com entusiasmo daqueles momentos (ibid., p. 45).

O trecho a seguir, trazido nas Considerações Finais do TCC de

Lucássia, aponta como ampliou seu olhar.

O que mudou principalmente foi o meu olhar sobre as capacidades que as crianças possuem. Na chegada das

61 A pesquisadora cedeu cópia das filmagens produzidas durante a criação da história pelo grupo para a professora, que assistiu aos registros fílmicos sozinha e por sua própria conta para a produção do seu Trabalho de Conclusão de Curso.

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crianças e durante as rodinhas de conversa, passei a ouvi-las, a prestar atenção no que elas me diziam, mesmo às vezes sem usar as palavras, ainda passei a incentivá-las a se tornarem agentes de sua própria aprendizagem, e além de proporcionar-lhes situações para experimentarem e ampliarem o uso da linguagem percebi o quando desenvolveram sua identidade e autonomia. [...] Um dos momentos de maior relevância para mim, enquanto pesquisadora e professora da turma foi a construção do livro “Muitos Animais”, de autoria do grupo. Foi um processo encantador e muito envolvente. As crianças se tornaram agentes ativas no processo de criação do mesmo. [...] este momento foi significativo tanto para mim, quanto para a turma. Há alguns dias me encontrei com um dos alunos, que fizeram parte desta pesquisa, e mesmo depois de meses da finalização deste trabalho, ele me perguntou se eu me lembrava da “nossa história”. Com uma resposta afirmativa de minha parte, ele me contou-a com riqueza de detalhes, o que só comprova tudo o

que foi descrito acima (FERREIRA, 2016, p. 49-50).

A escrita da professora revela os modos como o trabalho de

investigação, proposição e análise da situação vivida, aqui relacionada à

produção do livro com as crianças, modificou sua prática e a forma de

compreender os processos interativos concernentes ao trabalho docente,

apontando para as possibilidades de formação inspirada no trabalho com a

literatura, tendo apoio nas concepções teóricas discutidas.

Nos episódios apresentados, tomamos os modos construídos em um

processo de estudo por duas profissionais e pela pesquisadora, produção de

trabalhos de intervenção com um objetivo claro, provocar nas crianças o

interesse pela leitura e pelos livros e compreender melhor os processos da

linguagem. Entretanto, para além dos objetivos das profissionais, tomamos as

vivências tidas naqueles contextos como elementos únicos e preciosos do

cotidiano das escolas, consequentemente, de potencialização e provocação de

desenvolvimento cultural por meio dos modos de participação dos sujeitos,

adultos e crianças.

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CONSIDERAÇÕES SOBRE A PESQUISA E O TRABALHO COM A

LITERATURA: NOVAS MARCAS DO PROCESSO VIVIDO

Muitas experiências marcam meu trabalho na Educação Infantil e

minha atuação nesta pesquisa, principalmente o reconhecimento de que as

crianças precisam ser atraídas para e pela escola por meio de propostas

pedagógicas que as incluam e as concebam como coautoras do que pode ser

ali construído. A partir desse modo de compreender a atuação na Educação

Infantil, estabelece-se uma relação importante entre diversos campos do

conhecimento.

A Pedagogia é um campo diretamente responsável pela organização

e proposições no campo da educação e das relações ali estabelecidas, e os

demais campos de conhecimento que compõem modos de compreender e

pensar a infância. Dentre eles, a Psicologia, especialmente a Psicologia

Histórico-Cultural, que contribui muito, a meu ver, para que possamos, de fato,

propor um ensino que respeite adultos e crianças em todas as suas dimensões.

O trabalho de pesquisa envolve, a partir de uma perspectiva

bakhtiniana, uma “interpretação dialógica” (AMORIM, 2001), ou seja, o trabalho

do pesquisador é tecido e entretecido, dentre tantos outros fios, a partir da

construção de sua alteridade. Esse processo é atravessado por dúvidas,

medos, incertezas, sensações, tomada de decisões, buscas e, principalmente,

a abertura para uma escuta sensível e uma disposição para estranhar-se. O

estranhar-se pressupõe colocar-se em outro lugar, o lugar do outro. O outro

que também nos compõe, inquieta-nos e constitui-nos...

O momento de finalizar a escrita desta tese trouxe-me muitas

inquietações e indagações. Era preciso “concluir”, encerrar um ciclo, finalizar…

Mas o que aprendi? O que se revelou no decorrer desta pesquisa para mim,

para as professoras e para as crianças? O que posso dizer sobre a Literatura

e a sua inter-relação com o desenvolvimento cultural de adultos e

crianças depois desta pesquisa? É na tentativa de responder a essas

questões que tecemos estas considerações.

Nesse intento, colocamos em perspectiva, especialmente, três

elementos: 1) a arte literária como signo cultural, quando aprofundamos

conceitos que a entendem como provocativa de uma elaboração criadora no/do

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e com o sujeito. Buscamos demonstrar que, ao percebermos uma obra de arte,

sempre a recriamos de forma nova, e essa recriação é única e irrepetível; 2)

propusemo-nos, nesta tese, a compreender os meandros desse processo na

escola de Educação Infantil a partir do trabalho com a literatura, signo

cultural; 3) tendo em vista uma inter-relação com o desenvolvimento cultural

de adultos e crianças na escola à luz da teoria histórico-cultural e a partir das

vivências com a arte literária.

Vigotski aponta-nos que

a arte é uma técnica social do sentimento, um instrumento da

sociedade através do qual incorpora ao ciclo da vida social os

aspectos mais íntimos e pessoais do nosso ser. Seria mais

correto dizer que o sentimento não se torna social, mas, ao

contrário, torna-se pessoal, quando cada um de nós vivencia

uma obra de arte, converte-se em pessoal sem com isto deixar

de continuar social (VIGOTSKI, 2001b, p. 317).

Considerando a arte nessa dimensão e tomando-a como

possibilidade vivida/experienciada, podemos entender que esta atividade é um

processo que transforma e pode dar origem a novas necessidades e motivos,

ou seja, gera outras atividades, estruturalmente novas, e propicia a emergência

de novas formações psíquicas. Desse modo, a situação é uma fonte para o

desenvolvimento, no caso da arte literária, com diversas possibilidades que

afetam, instigam, mobilizam e convidam adultos e crianças.

Nesse sentido, organizamos o trabalho de pesquisa acompanhando

duas profissionais dispostas a problematizar questões e a intervir do cotidiano

escolar, especialmente contemplando a arte literária e o trabalho com a

literatura. A forma escolhida de contar história nos dois grupos foi distinta, e foi

possível perceber que os modos de participação das crianças também foram

específicos de acordo com a idade delas.

Um aspecto que consideramos fundamental destacar aqui é a

presença do objeto livro nos dois momentos. Um alerta que Vigotski faz é o

cuidado que devemos ter ao contar histórias utilizando recursos. Ao dramatizar,

usar sombras, outras imagens ou qualquer outro recurso para contar a história,

é preciso tomar cuidado para que a técnica utilizada não se sobreponha à

própria obra literária.

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Acompanhando Laís, experimentamos, especialmente, o

reconhecimento de seu próprio trabalho como potente e a participação e

capacidade das crianças como uma surpresa recebida com muito entusiasmo.

Suas ações concentraram-se em oferecer o acesso às crianças às obras

literárias. Sua preocupação relaciona-se com as crianças do berçário e GI (0 a

2 anos), grupo em que atuava, entretanto realizou um trabalho que envolveu

todas as crianças da unidade escolar.

O planejamento contemplou o respeito ao grupo, sua identidade,

elementos e personagens já conhecidos, tais como a “Bruxinha Mafalda”,

motivação da educadora para a escolha do livro. E esse modo de propor a

atividade demonstrou que considerar as crianças como partícipes do processo,

da composição de personagens que iriam viver uma história e do contato que

já tinham com a personagem principal, fez toda a diferença na significação do

processo vivido pela educadora e pelas crianças.

Acreditamos que, por meio do estudo e do aprofundamento das

discussões sobre crianças dessa faixa etária e do trabalho com a literatura, é

que foi possível, para a educadora, planejar e desenvolver essa proposta.

Dessa forma, podemos retomar, aqui, o desenvolvimento cultural da educadora

a partir dos modos de planejar, organizar e contar a história para os pequenos

e verificar o que elas dizem, sentem, pensam e fazem nesse processo.

Sobre as crianças menores, destacamos os gestos de ir em direção

ao livro, o espantar-se e inquietar-se com as imagens, estabelecer possíveis

relações (lembrar-se?) de personagens de outras histórias com alguns

daqueles que ora apareciam na narrativa de Laís. As expressões, a disputa

pelo livro, a participação na história por meio dos fantoches, as tentativas de

provocar diálogos entre os fantoches e as imagens do livro, o aprender a

brincar com um fantoche são gestos e modos de participação que demonstram

processos provocados pela experiência com o objeto livro, mas, ressalta-se,

uma experiência mediada pela figura do adulto que convida, que demonstra

como se brinca, que instiga... Adultos e crianças imersos no enredo da história

em meio à voz que ora se eleva, ora se abaixa, a fim de atrair e envolver as

crianças ao movimento provocado, convocado em direção ao livro.

No grupo da professora Lucássia, com as crianças maiores, já foi

possível perceber o drama ou a dramatização incorporando-se no modo de

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participar da história. No episódio “O grande Rabanete”, a narrativa foi

construída na dialética das inter-relações. A ação da professora foi convocada,

produzida como uma reação ao modo de as crianças participarem da história.

Invitada, a professora inaugura, sem que isso estivesse planejado, um modo de

participar de uma narrativa em que se envolve e envolve as crianças com/na

história e seus personagens.

Em outra parte da pesquisa nesse grupo, com a criação do livro

como algo próprio e como uma inovação no trabalho da professora que

percebe a diferença nos modos de as crianças participarem da produção dos

registros para a confecção do livro – as crianças sentiram-se corresponsáveis

pelo que estavam produzindo –, o interesse e a participação foram muito

maiores. Afinal, eram autoras!

Esse aspecto faz toda diferença. A ação das propostas em torno das

zonas de desenvolvimento iminente propiciando que as crianças

experimentassem situações novas e desafiadoras. Compor um enredo, criar

uma história com todos os seus elementos e materializar um livro. Não fosse a

perspectiva que sustenta nosso modo de compreender as crianças, seu

desenvolvimento, suas necessidades e possibilidades, alguém poderia supor

que se trata de “algo acima do esperado para crianças de 3 a 4 anos!!”. Mas o

processo vivido demonstra exatamente o contrário.

O conceito de mediação tomou um lugar essencial na pesquisa,

especialmente para a pesquisadora, que também ampliou seus modos de

compreender do que, de fato, trata-se esse conceito na perspectiva

vigotskiana. A mediação acontece também por meio das ações significadas. Os

estudos e planejamentos coletivos, o acompanhamento do cotidiano escolar, a

participação na/com as professoras e com as crianças nas atividades

propostas, a composição do livro, as ações em torno das histórias lidas e

vividas por todos nós na pesquisa oportunizaram experimentar lugares que

ainda nos causavam desconforto. O lugar do adulto, que organiza, convoca,

interpreta, propõe, orienta, antecipa, sugere... e que também aprende!

Diante desses apontamentos frente ao vivido, podemos afirmar que

houve desenvolvimento? De que modo ou como podemos dizer? Uma vez

realizada a pesquisa, (re)construídos os modos de organizar o processo vivido,

o que é tomado como indícios de desenvolvimento para os sujeitos envolvidos?

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Acreditamos que os indícios estão nos gestos, nos modos de

participação, no movimento em direção ao trabalho, em ações e experiências

prenhes de significado. São modos de apropriação da cultura na história. A

criança constrói, nessa fase, a compreensão de si e de sua relação com o

mundo, portanto a construção de significados, a experiência com diversos

papéis sociais, as ampliações de conhecimento de mundo por meio das

histórias. A criação advinda de sua relação com a arte literária como elemento

constante nas experiências da criança. Embora o processo de desenvolvimento

da criança vá seguir esse caminho da criação, o contato com os elementos da

arte literária possibilita experimentar, de forma organizada, intencional por parte

da escola e de seus profissionais, a relação constante da criança com essas

possibilidades.

Sobre as profissionais, é possível perceber, pelos modos de

participação e pelas narrativas de suas trajetórias de pesquisa e intervenção, o

quanto puderam ampliar as possibilidades de atuação na sua prática

pedagógica: passaram a compreender melhor o desenvolvimento das crianças

e suas necessidades, além de transformar os seus próprios modos de atuação,

especialmente depois de colocarem em perspectiva o seu próprio fazer. Esses

são processos complexos, intimamente ligados às funções psicológicas

superiores (linguagem, memória, pensamento) e à significação. Os motivos e

necessidades, ou, ainda, o agir de determinado modo no mundo

concretamente e atravessado pelo sincretismo.

É possível afirmar que a arte literária tem muito a contribuir com o

processo de desenvolvimento cultural de adultos e crianças, uma vez que, por

sua característica, provoca sensações do campo de ordem simbólica. O

convívio e, muitas vezes, a identificação com personagens, seus medos,

desafios, conquistas, potencializam sobremaneira o processo de imagens que

podem auxiliar a imaginação e a criatividade, promovendo o desenvolvimento

desses campos, pois, embora os elementos da história pertençam ao campo

da imaginação, o vivido, experienciado está diretamente vinculado ao real.

Todas as sensações e vivências da criança são reais, levando-as a

experimentar, de fato, os elementos da história. E, uma vez experimentados, é

possível afirmar que houve transformações no campo do desenvolvimento

cultural dos sujeitos. É por meio dela que têm a possibilidade de (re)construir

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modos de ações culturais experimentados nas relações sociais. Essa

(re)construção nunca é uma imitação pura e simples, mas é uma criação ativa

do ato ou gesto imitado.

Queremos destacar a importância do trabalho com a literatura na

escola, desde os grupos de menor idade. Temos ciência de que, ainda hoje, há

escolas em que os livros não chegam até às crianças. Ficam trancados em

armários sob justificativas diversas, dentre elas, a de que as crianças vão

rasgá-los e estragá-los. Entretanto, há que se levar em conta a discussão da

importância desse trabalho no que se refere ao desenvolvimento cultural infantil

problematizando as possibilidades de atuação que podem ser ali ampliadas.

As cenas apresentadas neste texto visam a demonstrar indícios,

pistas de desenvolvimento cultural na medida em que adultos e crianças

aprendem e desenvolvem novas formas de se expressarem, de estabelecer

relações dialógicas com as histórias e com seus próprios modos de

desenvolver seu trabalho com e a partir da literatura. Criam, a partir daí, novos

modos de compreender a realidade em que vivem, e experimentam, na

linguagem literária, a descoberta e o aprofundamento de referenciais dessa

mesma realidade. Por meio dessa experiência, podem ampliar sua capacidade

de imaginação, e, pela inventividade de sua linguagem, vão construindo a

capacidade de criar sínteses ao mesmo tempo em que estabelecem novas

relações entre os elementos vividos na história. Consideramos que esses

processos, se experimentados desde cedo, podem constituir-se na gênese do

anúncio de desenvolvimento cultural, apontado e discutido ao longo desta tese.

O encantamento que mobilizou a construção deste trabalho surgiu,

inicialmente, ao perceber os olhos atentos das crianças aos gestos da

professora/pesquisadora, que se divertia em contar histórias e permitia que os

modos de participação dos pequenos se misturassem ao seu trabalho,

compondo-se, assim, um jogo simbólico e dialético de experiências com e na

arte literária e com a arte de contar histórias. A emoção com que finalizamos

esta tese compõe-se desses mesmos olhares... Olhares que indagam,

penetram, encantam e constituem os elementos da criação e do

desenvolvimento humano experimentados com a experiência de ler, contar e

ouvir histórias.

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201

SOUZA, Renata Junqueira; GIROTTO, Cyntia Graziella G. Simões. Literatura

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202

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______. Educação Estética. Psicologia Pedagógica. 3ª ed. São Paulo: Editora

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______. Obras Escogidas – III: problemas del desarrollo de la psique. Madrid:

Machado Grupo de Distribución, S. L., 2012a.

______. Obras Escogidas – IV: problemas del desarrolho de la psique.

Madrid: Machado Grupo de Distribución, S. L., 2012b.

ZILBERMAN, Regina. O escritor lê o leitor, o leitor escreve a obra. In:

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203

ANEXO I

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL - PANORAMA GERAL DO CURSO

OBJETIVO GERAL DO CURSO:

* Formar em nível de especialização professores, coordenadores, diretores de creches e pré-escolas da rede pública e equipes de

Educação Infantil das redes públicas de ensino.

* Atender as demandas de formação de profissionais da Educação Infantil explicitadas nos Planos de Ações Articuladas (PAR).

EIXOS TEMÁTICOS DISCIPLINAS CARGA HORÁRIA

I - Fundamentos da Educação Infantil

1. Infâncias e crianças na cultura contemporânea e nas políticas de Educação Infantil: diretrizes nacionais e contextos municipais

45h

II – Identidades, prática docente e pesquisa

1. Metodologias de Pesquisa e Educação Infantil 2. Seminários de Pesquisa e Oficinas 3. Análise Crítica da Prática Pedagógica - ACPP

30h

15h

60h

III: Cotidiano e ação pedagógica

1. Currículo, proposta pedagógica, planejamento, organização e gestão do espaço, do tempo e das rotinas em creches e pré-escolas 3. Brinquedos e brincadeiras no cotidiano da Educação Infantil 4. Linguagem, oralidade e cultura escrita 5. Expressão e arte na infância 6. Natureza e cultura: conhecimentos e saberes

60h 30h

30h

45h

45h

TOTAL 360h

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ANEXO II

MAPAS BAIRROS – PAMPULHA E TIBERY

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ANEXO III

MAPA EMEI TIBERY – SEDE E ANEXO

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206

ANEXO IV DESCRIÇÃO DOS TRABALHOS PRODUZIDOS PELAS PROFISSIONAIS –

TRABALHOS DE CONCLUSÃO DE CURSO –

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

SOB ORIENTAÇÃO DA PESQUISADORA

EDUCADORA: LAÍS AMARAL MARQUES

TEMA INICIAL DO TCC:

Organização do espaço da biblioteca: a formação de leitores

PROCEDIMENTOS DE ORIENTAÇÃO:

- Encontros periódicos com a orientadora do trabalho e a colega de curso – chamados de APP

- Encontros individuais quando necessário;

- Estudos e discussão de textos teóricos;

- Discussão sobre o desenvolvimento do trabalho, bem como das possibilidades de apropriação teórica que poderíamos fazer

diante das propostas apresentadas.

- Estudos conjuntos sobre o trabalho com a literatura na escola;

- Orientação de escrita do relatório de forma muito detalhada com retornos quinzenais.

PROJETO DE PESQUISA:

O espaço da biblioteca na Educação Infantil e suas contribuições na formação de futuros leitores.

OBJETIVOS DA PROFESSORA:

Promover o contato das crianças do berçário e GI com livros de literatura de forma regular;

Promover o contato das crianças das demais turmas da Educação Infantil (GII, GIII, 1º período, 2º período) com livros de literatura

de forma regular;

Mobilizar a comunidade escolar sobre a necessidade de criação de um espaço específico para a biblioteca;

O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA PROPOSTA:

A proposta de intervenção foi planejada juntamente com a pesquisadora que também foi orientadora do trabalho.

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207

Ações desenvolvidas pela educadora:

As ações foram organizadas em curto, médio e longo prazo:

Sendo agrupadas a curto e médio prazo:

Reativação da biblioteca móvel através de um carrinho móvel que pudesse ir às salas de aula;

Incentivo às demais professoras/educadoras por meio deste carrinho/biblioteca móvel a atuação mais efetiva com a literatura em sala de aula aproximando mais as crianças dos livros;

Propiciar constantemente o contato das crianças com obras literárias – inclusive com a biblioteca móvel;

Ações de médio a longo prazo:

Promover discussão na escola frente à possibilidade de construção de um espaço específico para o funcionamento da biblioteca;

Apresentar o projeto junto à direção, a fim de juntar ações e recursos em busca de verba para a construção de um espaço

específico para a biblioteca, uma vez que o local onde os livros ficavam armazenados, embora de forma organizada e

acessível - uma sala dividida entre coordenação/supervisão escolar - havia pouco ou nenhum espaço para as crianças

explorarem as obras.

O TRABALHO FINALIZADO:

A educadora conseguiu desenvolver todas as ações planejadas dentro dos limites da realidade concreta – a ideia inicial era

implementar uma biblioteca fixa, diante da impossibilidade financeira que viabilizasse a proposta inicial, optou-se por

implementar a biblioteca móvel/ambulante com um carrinho que a escola já possuía;

Oportunizou o acesso a obras literárias a todas as crianças da escola com a ajuda/parceria da pesquisadora que levava a

Biblioteca Ambulante para as outras turmas da escola;

Desenvolveu ações específicas com os grupos de Berçário e GI, momentos que subsidiaram sua análise posterior e

também serviram de material empírico para o trabalho da pesquisadora;

A educadora ampliou muito sua percepção sobre as finalidades da biblioteca;

ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE O PROCESSO VIVIDO PELA EDUCADORA:

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A educadora demonstrou inicialmente, bastante segurança em sua proposta e muito interesse – no que se refere à elaboração

teórica do projeto, a professora evidenciou não ter muita experiência de escrita. Com nossa intervenção, seu texto foi ganhando

forma e a educadora foi ampliando suas próprias capacidades reflexivas por meio da escrita. A cada devolutiva da

pesquisadora/orientadora do trabalho, a educadora retomava e reorganizava seu modo de pensar e de estruturar seu texto.

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PROFESSORA: LUCÁSSIA ELIAS FERREIRA TEMA INICIAL DO TCC:

A compreensão sobre a linguagem oral no/e para no trabalho com as crianças.

PROCEDIMENTOS DE ORIENTAÇÃO:

-Encontros periódicos com a orientadora do trabalho e a colega de curso – chamados de APP;

- Encontros individuais quando necessário;

- Estudos e discussão de textos teóricos: Vigotski, 2010;

- Discussão sobre o desenvolvimento do trabalho, bem como das possibilidades de apropriação teórica que poderíamos fazer

diante das propostas apresentadas;

- Planejamento em conjunto;

- Apoio da pesquisadora em momentos de realização de algumas atividades: confecção de um texto coletivo, construção de um

cartaz coletivo; criação da história.

PROJETO DE PESQUISA:

Qual é o papel da linguagem oral no desenvolvimento da criança?

OBJETIVOS DA PROFESSORA:

Entender a função da linguagem oral e o que ela significa no desenvolvimento da criança, a fim de ampliar as possibilidades

de atuação do pedagogo frente a esse trabalho na escola e propiciar um aprendizado mais efetivo e prazeroso para as

crianças.

Estabelecer diálogos em seu grupo de trabalho na escola buscando debater sobre o tema da linguagem oral na escola e

seu papel no desenvolvimento das crianças.

O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA PROPOSTA:

A proposta de intervenção foi planejada juntamente com a pesquisadora que também foi orientadora do trabalho.

Ações desenvolvidas pela professora:

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Aprofundamento teórico sobre a linguagem e seu papel no desenvolvimento humano: * Estudo dos capítulos 1 e 7 – Pensamento e Linguagem – Vigotski (2005); A formação social da mente Vygotski (1991). Tomo IV Obras escolhidas (1928). Vigotski (2014) Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. Vigotski (2009). Smolka (1995 e 2013).

Mudança de postura – “olhar” sobre as capacidades das crianças;

O horário da entrada – as crianças passaram a ser recebidas com a sala organizada em “cantos” a fim de propiciar maiores trocas dialógicas entre elas e também a fim de que a professora pudesse observar melhor os momentos em que as crianças ficavam mais livres para interagirem entre si com/por meio da linguagem.

Ouvir as crianças e a elas dar voz por meio das rodas de conversa: nessas rodas aconteciam as contações de histórias e exploração dos livros de histórias levadas para casa pelas crianças no “Projeto Conta e Reconta”.

Construção de cartaz coletivo sobre o tema de estudo do grupo que era o meio ambiente;

Criação coletiva do livro “Muitos animais” a partir das experiências partilhadas entre os grupos: situações de experiências com o tema “Animais”; pesquisa sobre o meio ambiente – esse tema já estava previsto no planejamento pedagógico da escola; construção de cartaz com essas descobertas; texto coletivo com o tema;

Visita ao zoológico da cidade;

Exploração diária de livros de literatura por meio do Projeto conta e reconta – nesses momentos a criança que havia levado o livro para casa, contava a história para seu grupo e a professora explorava alguns elementos da história;

Criação da história “Muitos Animais”;

Essas ações foram fundamentadas, principalmente na teoria de Vigotski sobre o processo de imaginação e criação na infância – a

imaginação e a criatividade e a relação com as experiências vividas.

O TRABALHO FINALIZADO:

A professora conseguiu desenvolver todas as ações planejadas dentro dos limites da realidade concreta – a ideia inicial era levar a

discussão para os momentos de estudos coletivos da equipe da escola. Entretanto, a professora conseguiu oportunizar apenas um

encontro onde propiciou a discussão sobre “O Papel da linguagem no desenvolvimento da criança”. ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE O PROCESSO VIVIDO PELA PROFESSORA:

- A parceria com a professora Lucássia mostrou-se muito profícua para a construção da pesquisa. O comprometimento da

professora com seu trabalho e com sua própria aprendizagem foi algo muito encantador. A professora também contribuiu muito

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para o meu processo como pesquisadora e professora. Estando ali no grupo, também aprendi a ser professora e a compreender

melhor o sentido da mediação do adulto no trabalho com as crianças.

- Ela relata em seu TCC o quanto o processo de pesquisa e realização de intervenção possibilitou seu crescimento profissional –

traz detalhes de como ela organizava o grupo e como passou a estabelecer suas mediações:

– dando mais voz às crianças

- oportunizando situações em que as crianças pudessem fazer escolhas, pensar sobre o conteúdo e as atividades que

estavam aprendendo.

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ANEXO V

EPISÓDIOS GRAVADOS NA ESCOLA EMEI TIBERY/PROFESSORA LUCÁSSIA

Total de idas à escola: 16 vezes (setembro a dezembro de 2015)

Total de vídeos transformados em episódios de análise: 22

Qdte DATA DURAÇÃO

CRIANÇAS ENVOLVIDAS

HISTÓRIA DO DIA/AUTOR (RESUMOS DAS HISTÓRIAS LIDAS)

ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE O PROCESSO VIVIDO PELO GRUPO

01 25/09 18m19s Isabelly – Demais crianças

Dentro da Casa tem – Marcia Alevi “Dentro da casa tem um armário e, dentro dele, uma caixa. Nessa caixa, tem um vidro bem fechado. O que estará guardado nele? Ao desvendar esse segredo, a criança aprenderá de forma divertida a noção de dentro e fora, assim como princípios de geometria.”

Exploração da história pela professora com Isabelly – A criança contou a história, em seguida a professora também contou e depois explorou com as crianças o que elas mais gostaram naquela história.

02 01/10 8m52s BRAIAN – Demais crianças

“Coco Loco” – Gustavo Luiz e Mig “Lindos poemas retratam a infância e as travessuras infantis, com personagens e rimas.”

A professora explora o livro de história com a criança que levou o livro pra casa. E vai fazendo essa exploração indagando as outras crianças sobre os elementos da história.

03 01/10 2m10s LÉO - Propiciando escolha de livros Com Léo -

A professora oportuniza que Léo escolha o livro que levaria para casa, buscando mudar sua prática de sempre escolher o livro pela criança.

04 08/10 13m48s TODAS Os três porquinhos - Joseph Jacobs “Os personagens do conto são três porquinhos - e um lobo (lobo mau), cujo objetivo era devorar o trio. Ao decidirem sair do lar da mãe, eles foram construir cada um a sua própria casa. Nesse desenrolar constroem casa de palha, madeira e pedra. O lobo mal chega casa por casa e vai tentando derrubá-las e tentando comer os porquinhos”

A professora conta a história utilizando uma “Caixa de história” onde vai colocando os personagens com palitos sobre um suporte (suporte de isopor encapado com papel camurça verde).

05 08/10 14m02s Todas – Destaque para a participação

Cantando com a pesquisadora “Nicota Farofa” e “Jipe do Padre”

Interação da pesquisadora com o grupo – cantando as músicas “Nicota Farofa e Jipe do

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de Miguel Cena com Miguel que chora e depois participa da música

Padre”. Nesse dia Miguel chorou como sempre fazia ao ouvir as músicas que cantávamos. Não conseguíamos descobrir a razão de seu choro constante nos momentos das canções porque ele não conseguia explicar (não tinha a linguagem bem desenvolvida). Entretanto, destaca-se que nesse dia conseguimos uma intervenção para acalmá-lo.

06 15/10 9m55s Todas Cantando com a professora e com a pesquisadora. “Fala bum chica bum” – “Macaquinho caiu do galho”

Momento da roda em que se construía a rotina do grupo. Rotina de organização do dia. Nesses momentos cantava-se canções com as crianças com a participação da pesquisadora

07 15/10 11m16s Maria Júlia e Todas História com Maria Julia - Um tanto perdida – Chris Haughton “Oh-oh! A corujinha se perdeu. E agora? Como ela vai encontrar a mamãe? Em meio a muitas aventuras a corujinha acaba dormindo novamente”

A participação desta criança foi muito significativa pois ela conseguiu contar toda a história para o grupo. Episódio muito rico em elementos, pois demonstra um grande envolvimento de Maria Júlia com e na história - a professora retoma e conta novamente.

08 15/10 7m22s – 0m42s – 2m20 – 7m07s – 4m40s – 1m29s – 5m28s

Maria Julia e todas 1 - A história repercutindo em casa, mãe conta para a criança e a e criança para o irmão 2 - construindo personagens – organização – desenhos – produção de Fantoches no palito – 3 - brincadeira/contação da história pelas crianças usando os seus próprios personagens

A proposta foi, a partir da exploração do livro Um tanto perdida – produzir personagens por meio de desenhos com as crianças – colando-os em palitos “palitoches.” Assim as crianças podiam passar pelo processo de criação e em seguida poderiam continuar criando por meio da brincadeira

09 22/10 6m05s – 0m45s – 3m29 – 8m11s

Todas Início da construção do cartaz sobre o meio ambiente – tema de trabalho na proposta pedagógica.

A professora havia pedido à pesquisadora para auxiliá-la na construção do cartaz coletivo sobre o meio ambiente, conduzindo as falas e explorando com as crianças os nomes dos animais, suas características e habitat. Em seguida colava-se no cartaz a imagem do animal e escrevia-se o nome da criança ao lado do animal que a mesma levou para colar.

10 22/10 2m28 – 1m34s Todas Assistindo TV e ouvindo músicas A professora colocou música e em seguida colocou um filme para as crianças pois era o dia de TV. O vídeo retratava o meio ambiente e os cuidados que devemos ter com ele. As

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músicas também eram paródias de canções infantis como “Samba Lelê”. Tanto as músicas como o vídeo retratavam os cuidados com o meio ambiente.

11 23/10 29m01s Todas Finalização do cartaz sobre o meio ambiente – escrita de nomes dos animais encontrados pelas crianças

Continuamos a construir o cartaz sobre o meio ambiente. As crianças procuraram imagens de animais em revistas e colaram com a ajuda da professora. Depois fizeram a tentativa de escrita livre do nome do animal escolhido.

Depois de organizar a rotina, cantar várias músicas, a professora explora com Ana Clara a história do Minhoco apaixonado – Ana Clara é uma criança muito tímida que quase não conseguia falar para o grupo todo. Expressava-se apenas quando estava em grupos menores. A professora, ao contar a história foi explorando com as crianças as expressões do personagem minhoco incentivando-as a imitarem-no.

12 23/10 28m40s Todas – Ana Clara Organização da rotina – Canções “Nicota farofa e Jipe do Padre” História – O minhoco apaixonado – Alessandra Pontes Roscoe “Inspirada na tradicional cantiga popular „Minhoca‟ que faz pensar se o Minhoco é mesmo um louco, essa história narra um conto em que o Minhoco, na verdade, ao beijar o lado errado da Minhoca acabou descobrindo que era míope. Desde então passou a usar óculos e a partir daí sempre beija a Minhoca do lado certo.”

13 26/10 18m59s Todas as crianças – com algumas em destaque

Canções “Macaquinho caiu do galho” e “Borboletinha” História – O Grande Rabanete de Tatiana Belinky “A história é narrada como um conto cumulativo forma que procura representar um treino de memória. As frases simples são bastante adequadas aos que se iniciam na leitura, o que não quer dizer que sejam pobres; servem-se de recursos originais, como a repetição; o rabanete cresceu-cresceu e ficou grande-grande. Além do aspecto linguístico da obra, é possível explorar, por meio da narrativa, o lado humano - a questão da solidariedade,

A escolha das canções a serem cantadas passou a ser feita pelas crianças. Quem escolheu foi Raul e Gabriel. Nesse dia a professora experimentou um modo diferente para contar a história para o grupo. Ela teatralizou a história, ora lendo o livro, ora se envolvendo na dramatização. Propôs a participação de algumas crianças na dramatização da história vivida.

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da cooperação, da divisão de bens e até da auto-estima exacerbada, aspecto representado pelo ratinho, no bem-humorado e imprevisto final.”

14 11/11 18m43 Todas as crianças Exploração de diferentes livros em sala de aula.

A professora leva muitos livros para a sala e deixa que as crianças explorem esse material. Folheando, lendo e descobrindo as histórias e as imagens. O objetivo era levar as crianças perceberem o material livro e também explorar a situação da melhor forma possível. As crianças ficaram muito eufóricas com os livros.

15 12/11 Vários vídeos – toda a tarde Em torno de 1h30m no total de vídeos gravados nesse dia

Todas as crianças Passeio ao Parque do Sabiá – Início da construção do livro “Muitos Animais” pelo grupo -

A professora leva as crianças ao Parque Sabiá – a pesquisadora acompanhou esse momento – A proposta da professora surgiu em virtude de estarem estudando o tema “Meio ambiente”. A ideia de construir o livro partiu da professora. Ela quis desistir em algum momento alegando que não saberia conduzir a atividade. Entretanto no lugar de desistir desta proposta a professora convidou a pesquisadora para participar com ela deste momento. Aqui vale destacar também que mesmo a pesquisadora se colocando à disposição da professora para ajudar na criação do livro, o mesmo só se tornou possível mediante a intervenção da professora que iniciou a história. O Destaque para essa situação consiste no fato de a professora e a pesquisadora aprenderem juntas modos de conduzir uma atividade.

16 13/11 5m26s Todas Finalização da Construção da História “Muitos animais”

Nesse dia finalizamos a escrita da história. A partir deste dia, todos os dias era destinado à ilustração da história coletiva construída pelo grupo.

17 13/11 11m14s Bruna – todas “Uma Zebra fora do Padrão” – Paula Browne “Esta é a história de uma zebra diferente. Ela é bagunceira, mas adora se arrumar; leitora e que também adora escrever; animada, mas dorminhoca, cabeça de vento,

A professora conta a história porque Bruna não quis contar, mas ficou ali do lado ajudando a professora. As crianças participam bastante.

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mas imaginativa. Seu caderno de listas, que enumera coisas de todo tipo - coisas amarelas, objetos que voam, coisas redondas e até rimas que não combinam -, procura ser um convite à brincadeira”

18 20/11 23m52s Todas as crianças Canções “Gato Catatau”, “Atirei o pau no gato” e “Pintinho Amarelinho” História – A galinha feliz – Jack Tickle Livro projetado em 3D, traz a história divertida e animada da Galinha Feliz. Os animais da fazenda, surgem neste livro de maneira animada e divertida, como gostam as crianças. A maior atração são os animais em 3D que vão surgindo a cada página virada!

As crianças escolheram as músicas – Leo, Ana Clara e João Victor Ouvimos a história A Galinha Feliz – Este livro possui imagens grandes projetadas em 3D. As crianças gostaram muito. Depois que conta a história a professora passa o livro para as crianças para que cada uma delas veja o livro de perto e explore os elementos da história – muitos diálogos acontecem nesses momentos entre as crianças. Lucássia percebe mais participação de Miguel -

19 27/11 22m52s Todas as crianças Canções “Alecrim”, “Macaquinho” História “Menina Bonita do Laço de Fita” Autora Ana Maria Machado “Narra a história de um coelhinho branco que queria ser pretinho igual uma menina negra que ele conhecia. Mas por mais que ele tentasse nunca conseguia ficar pretinho. Nessas tentativas ele acaba descobrindo que a cor da pele é uma herança que se recebe de seus antepassados.”

Nesse dia, foi a pesquisadora quem contou a história. Esse foi um combinado entre a pesquisadora e a professora, uma vez que a professora Lucássia também queria ouvir uma história contada pela pesquisadora.

20 27/11 2m08s – 4m30 – 1m55s – 0m33s – 2m17s – 2m39s

Todas as crianças presentes

Retomada do livro “Muitos animais” – para terminar as ilustrações das partes que faltavam. “O livro criado pelo grupo do GIII „E‟ retrata a história de alguns animais que viviam na floresta. Esses animais passam por algumas aventuras e acabam conseguindo fugir”.

A professora contou toda a história novamente e foi mostrando para as crianças o livro quase pronto – ilustraram a parte da casinha com papel colorido recortados no formato de figuras geométricas. Cada criança montou sua casinha usando esses papéis.

21 04/12 25m35s Todas História “O pássaro sem cor” – Autor Luíz Norberto Pascoal “Esta história retrata os conflitos vividos por um pequeno pássaro que

A professora contou a história e propôs uma atividade em que as crianças deveriam explorar as cores com giz de cera ou canetinha – construindo cada uma delas o seu “pássaro

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não tinha cor. Aos poucos, com a ajuda do sábio mestre, ele vai percebendo que suas cores surgem cada vez que ele ajuda alguém. Assim se torna um pássaro lindo e muito colorido” - Atividade de produção de um desenho utilizando as cores.

sem cor”

22 18/12 23m13s – 23m50s – 4m44s

Equipe de docentes da escola

Roda de Conversa com a equipe. A professora Lucássia propôs uma “Roda de Conversa” com a equipe docente com o objetivo de compartilhar seu trabalho com a pesquisa realizada sobre a Linguagem. Convidou o grupo para um diálogo acerca da linguagem e de seu papel no desenvolvimento da criança. A pesquisadora acompanhou todas as etapas desta atividade.

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ANEXO VI

EPISÓDIO GRAVADO NA ESCOLA EMEI TIBERY

NÚMERO DO EPISÓDIO: 13 TÍTULO DO EPISÓDIO: “O Grande Rabanete” – Projeto Conta e Reconta

DATA: 26/10/2015 DURAÇÃO: 18m59s DURAÇÃO DO TRECHO TRANSCRITO PARA ANÁLISE: 18m50 (0m a 18m50s) A transcrição do episódio foi feita pela pesquisadora assistindo as cenas quantas vezes fossem necessárias e registrando por meio da escrita no programa do Word. As informações obtidas nas transcrições eram contrapostas aos registros feitos em diários de campo somando-se às informações do vivido naquele dia pela pesquisadora com o grupo ao qual estava envolvido. HISTÓRIA ENVOLVIDA NO EPISÓDIO: O Grande Rabanete de Tatiana Belinky – Editora Moderna. Sinopse do livro:

A história é narrada como um conto cumulativo forma que procura representar um treino de memória. As frases simples, são bastante adequadas aos que se iniciam na leitura, o que não quer dizer que sejam pobres; servem-se de recursos originais, como a repetição, por exemplo, “o rabanete cresceu-cresceu e ficou grande-grande”. Além do aspecto linguístico da obra, é possível explorar, por meio da narrativa, o lado humano - a questão da solidariedade, da cooperação, da divisão de bens e até da auto-estima exacerbada, aspecto representado pelo ratinho, no bem-humorado e imprevisto final.

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A Filmagem foi feita pela pesquisadora com a câmera em mãos. Optou-se por não usar o tripé, o que facilitou capturar os diversos momentos das interações, facilitando dessa forma o movimento com a câmera para focar momentos e grupos específicos. A pesquisadora ficou sentada no chão posicionando a câmera em frente ao grupo, ao lado da professora, já buscando um lugar que desse uma melhor visibilidade a toda a cena. A maior dificuldade foi o espaço físico. A sala muito pequena não possibilitava um maior distanciamento da cena para visualizar o movimento do grupo todo.

Qtde

DATA DURAÇÃO

CRIANÇAS ENVOLVIDAS

HISTÓRIA DO DIA/AUTOR (RESUMOS DAS HISTÓRIAS LIDAS)

ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE O PROCESSO VIVIDO PELO GRUPO

13 26/10/2105

18m59s Todas as crianças – com algumas em destaque

Canções “O Gato” “Macaquinho caiu do galho” e “Borboletinha” História – O Grande Rabanete de Tatiana Belinky “A história é narrada como um conto cumulativo forma que procura representar um treino de memória. As frases simples são bastante adequadas aos que se iniciam na leitura, o que não quer dizer que sejam pobres; servem-se de recursos originais, como a repetição; o rabanete cresceu-cresceu e ficou grande-grande. Além do aspecto linguístico da obra, é possível explorar, por meio da narrativa, o lado humano - a questão da solidariedade, da cooperação, da divisão de bens e até da auto-estima exacerbada, aspecto representado pelo ratinho, no bem-humorado e imprevisto final.”

A escolha das canções a serem cantadas passou a ser feita pelas crianças. Quem escolheu foi Raul e Gabriel. Nesse dia a professora experimentou um modo diferente para contar a história para o grupo. Ela teatralizou a história, ora lendo o livro, ora se envolvendo na dramatização. Propôs a participação de algumas crianças na dramatização da história vivida.

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As crianças estão sentadas no chão em “U”. A professora Lucássia sentada à frente do grupo. Como o espaço é muito pequeno, a

pesquisadora sentou-se no chão próximo à porta, de frente para o grupo. E não é possível visualizar o grupo todo de uma só vez em virtude do

tamanho do espaço que é muito apertado. Da direita para esquerda é possível ver no vídeo as crianças: Miguel, João Vitor, Daniel, Raul,

Cauã, Maria Júlia, João Pedro. A professora está propondo a rotina do dia. Cantar com as crianças duas músicas escolhidas por alguém do

grupo. Ele acrescentou isso na rotina a partir de seus estudos sobre a linguagem. Para isso, ela retoma com a turma para que se lembrem

quem havia escolhido as músicas cantadas no dia anterior. Assim poderia eleger quem escolheria neste dia. As crianças estão sentadas no

chão e como é muito apertado não é possível para elas nem mesmo cruzar as perninhas como índio.

Professora Lucássia:_ Quem escolheu as músicas que a gente cantou ontem? Quem escolheu?

Léo: _ A Isabella!

Professora Lucássia: _ A Isabella!

Léo: _ A Maria Júlia!

Professora Lucássia: _ A Maria Júlia! A Maria Júlia escolheu?

Algumas crianças dizem que não e Maria Júlia balança a cabeça em sinal negativo.

Criança: _Ana Cecília!

Isabelly: A Isabella

A pesquisadora movimenta a câmera de acordo com as falas e é possível ver o restante da turma. Ao lado de João Pedro está Léo, indo em

direção à sua direita e esquerda do vídeo, Paulo Renato, Gabriel, depois vem Ana Clara, Isabelly, Ana Cecília, Isabella, e Brayan.. A

professora Lucássia diz:

Professora Lucássia: Ah! Então foi a Isabella, a Ana Cecília e mais quem?

Algumas crianças dizem ao mesmo tempo: E o Brayan

Professora Lucássia: _ E o Brayan! E hoje a tia Lucássia vai escolher mais três crianças pra escolher a música.

Daniel: Eu, eu, eu, eu, eu, eu...

Professora Lucássia: _ Hoje quem vai escolher a música vai ser o Gabriel, o Raul e a Isabelly.

As crianças ouvem atentas, mexem o corpo por um lado, mexem para outro. Levantam os braços Etc.

Professora Lucássia: _ Gabriel, que música você quer cantar?

Gabriel pensa um pouquinho e responde:

Gabriel: _ A... do gato!

Professora Lucássia: _ A do gato de novo?

Gabriel confirma com a cabeça.

Professora Lucássia: Tá! E você Jo... Raul? Que música que cê quer cantar hoje?

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Raul: _ A do Macaquinho!

Professora Lucássia: _E você Isabelly?

Isabelly: _ Eu quero cantar a do Cristiano Araújo!

Isabella: _ Ai ai... A Isabelly vai chorar!

A professora Lucássia fica um pouco em silêncio e depois diz:

Professora Lucássia: _ Não mas e as músicas... Vamos cantar as músicas das crianças depois mais tarde a gente canta a do Cristino

Araújo?

Isabelly balança a cabeça em sinal afirmativo

Professora Lucássia: _ Então escolhe uma das crianças!

Isabelly: _ Bo... Da Boboletinha!

Professora Lucássia: _ Da Borboletinha? Então tá bom!

Professora Lucássia: _ Então vamos cantar a que o Gabriel escolheu! Como é que começa Gabriel?

Uma criança começa a cantar e Lucássia chama a atenção dizendo que é o Gabriel.

Professora Lucássia: _ Vamos Gabriel, como é que começa?

Gabriel: _ A música .. Tem que bater palmas assim ó (bate palmas e faz os gestos mostrando como tem que se fazer)

Professora Lucássia: _ Tem que bater palmas? Então vamos!

Todas as crianças e a professora: _ Atirei o pau no gato-to, mas o gato-to não morreu-reu-reu, Dona Chica-ca admirou-se se do berro, do

berro que o gato deu minhau!! [batem as mãos no chão... enquanto cantavam Miguel demonstra sinal de choro, mas a professora Lucássia

não percebe, mesmo quando uma criança diz que o Miguel está querendo chorar, a professora não percebe.

Professora Lucássia: _ Agora a do Raul! Qual Raul do Macaquinho?

Raul: _ A do macaquinho bonitinho!

Professora Lucássia: _ Macaquinho bonitinho?

Algumas crianças: _ Não!!

Maria Júlia: _ É assim ó “macaquinho caiu do galho, machucou seu joelhinho...”

Professora Lucássia: _ É essa Raul?

Raul: _ Sim.

Todas as crianças: _ Macaquinho caiu do galho machucou seu joelhinho, quebrou o dedão do pé e ralou seu narizinho, papai passou

remédio no dodói do macaquinho... Macaquinho chorou! Chorou! Chorou! E depois dormiu! [as crianças iam cantando e fazendo os gestos

que a música indicava, na parte que diz que o macaquinho dormiu, todas se deitaram no chão e fizeram de conta que estavam dormindo a

professora Lucássia então, depois que todos ficaram bem quietinhos começou a contar...]

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Professora Lucássia: _ É um, é dois, é três e ... Acorda macacada!! [nesse momento da brincadeira todas as crianças “acordam” e pulam

bastante sorrindo e gritando... a professora deixe que eles brinquem assim por alguns instantes e depois pede para que se sentem novamente

para cantarem a próxima música]

Professora Lucássia: _ Agora vamos cantar a que a Isabelly escolheu, como que é Isabelly?

Isabelly: _Boboletinha [começa cantando e batendo palmas]

Todas as crianças: _ Borboletinha, tá na cozinha fazendo chocolate para a madrinha, Poti Poti perna de pau, olho de vidro e nariz de pica-

pau, pau pau [cantam fazendo gestos de acordo com a música].

Cantaram as três músicas fazendo os gestos e se divertiram bastante com essa linguagem. A música cantada e interpretada que mais

provocou movimento no grupo foi a música do macaquinho. As crianças faziam os gestos, e se expressavam de acordo com o que a música

dizia.

No tempo de vídeo 3m54s a professora Lucássia começou a contar a história. Para isso cantou a canção batendo palmas. Algumas crianças

acompanharam cantando e batendo palmas:

Professora Lucássia: _ E agora minha gente uma história eu vou contar! Uma história bem bonita todo mundo vai gostar! Hei, hei, hei trá lá

lá! Hei, hei, hei trá lá lá lá!

Maria Júlia: _ O tia, na hora que você terminar eu vou te contar uma coisa!

Professora Lucássia: _ Tá bom!

Uma criança diz ao ver o livro O Grande Rabanete na mão da professora: _ Um dia você contou!

Professora Lucássia: _ Huhum! Então olha só, a tia Lucássia hoje trouxe um livro, porque ontem a gente esqueceu de levar a sacolinha! A tia

Lucássia esqueceu de dar pro Raul levar a sacolinha. Aí hoje você vai levar! Não esquece tá Raul, lembra a tia Lucássia que você vai levar a

socolinha de leitura hoje tá?

Raul confirma com a cabeça em sinal afirmativo. As crianças continuam sentadas de diversos modos. Daniel se deita no chão. Algumas

crianças se movimentam mudando de posição, enticando ou encolhendo as pernas. Balançando o corpo.

Professora Lucássia: _ Mas aí a tia Lucássia trouxe um outro livro!

Miguel faz um gesto de aprovação e observando o livro na mão da professora diz:

Miguel: Xovê!! [Deixa eu ver]

Professora Lucássia: _ E eu acho que vocês já conhecem!

Isabelly fica empolgada e começa a falar sobre a história:

Isabelly: _ Do ratinho que cai! Todo mundo cai! O gato! O que... O popotama... e o ratinho! ... e a ratinha...

Professora Lucássia: _ E o que que acontece?

Isabelly: _ Caiu to... a aranha ... falo vô cota essa... o meu tlem [Caiu todo mundo... a aranha falou vou cortar o meu trem]

Lucássia faz ar de admiração e pergunta:

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Professora Lucássia: _ Será?

Uma criança repete: _ Será?

Isabelly: _ Ela cota. [Ela corta]

Professora Lucássia: _Não sei! Vamos descobrir?

Algumas crianças inclusive Isabelly: Vamos!

A professora faz a pergunta levantando o livro, mostrando para as crianças e fazendo perguntas a elas. Todas estão prestando muita atenção

na história, com expressões curiosas.

Professora Lucássia: Tia Lucássia trouxe, oh a história do grande rabanete! Olha só! Quem que tá na capa desse livro?

Leo: _ O vovô, a vovó, a netinha ... o gatinho, o cachorro.

Professora Lucássia retoma a fala de Léo e vai explorando a capa do livro e os nomes dos personagens que aparecem ali. As crianças vão

repetindo, principalmente Maria Júlia e Léo:

Professora Lucássia: _ O vovô, a vovó, a netinha ... o gatinho,

Maria Júlia: _ A vovó, a netinha, o gatinho e o cachorro!

Maria Júlia não percebe os demais personagens, mas a professora continua:

Professora Lucássia: _ O cachorro...

Léo complementa a fala da professora: _O gatinho, o ratinho e o rabanete!

Professora Lucássia: _ O cachorro... o ratinho e o grande rabanete olha lá! Tem todos esses personagens na capa. Será que todos eles

participam da história?

Maria Júlia: _ hahan!

Outras crianças respondem:_ Sim!

Professora Lucássia: _ Será?

Uma criança responde: _ Selá. Seu tom é de afirmação.

Professora Lucássia: _ Eu acho que eles participam mesmo! Então vamo ouvir a história?

A professora levanta o livro com as páginas viradas para as crianças. João Pedro brinca de apontar o dedo para o colega Léo como se fosse

uma arminha. A professora chama sua atenção dizendo:

Professora Lucássia: _ João Pedro, vamos ouvir a história?

A criança volta sua atenção para a professora. E a professora continua a narrativa.

Professora Lucássia: _ O grande Rabanete! Quem escreveu essa história se chama Tatiana Belinsky.

Gabriel: _ A gente tem uma Tatiana mas não é aqui.

Professora Lucássia: _ Não né?

Gabriel: _ É. - Balança a cabeça em sinal negativo.

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Professora Lucássia: _ É?!

Ouve-se vozes das crianças.

Professora Lucássia: _ Então olha lá ô! O grande rabanete! Olha lá o ratinho super herói ô! Por que será que ele tá vestido de super-herói?

Léo: _ É porque ele ele... foi o último ... e todo mundo puxou o rabanete e caiu. Por isso que ele tá com uma roupa do super-man!

Algumas crianças demostram se lembrar de partes da história. Léo, Isabelly, Maria Júlia... A professora continua a história...

Professora Lucássia: _ Será que é porque ele conseguiu ajudar todo mundo a puxar o rabanete?

Léo: _ Aham! Por isso que ele tá com uma roupa de super-man!

Professora Lucássia: _ Então vamo ver! Olha lá o rabanete ô!

Algumas crianças dizem: _ Eu sou o ratinhoo!

João Victor: _ Eu que sou o ratinho!

João Victor diz isso e faz um gesto com o braço como se apoderasse da força do ratinho. A professora levanta o livro, mostra a imagem em

que aparece um rabanete e pergunta:

Léo: _ Eu também sou!

Professora Lucássia: _ Quem já comeu rabanete?

Algumas crianças respondem: _ Euuu!!

João Victor: _ Eu não!!

Professora Lucássia: _ Não!!

Ana Cecília: _ Eu tomei xarope de rabanete!

Professora Lucássia: _Cê tomou xarooope de rabanete?? - Ela pergunta com uma expressão de surpresa!

Ana Cecília: _ uhumm!

João Victor: _ Eu não...

Professora Lucássia: _ E é gostoso? Que sabor que ele tem?

Ana Cecília: _ De rabanete!

Professora Lucássia: _ Ah entendi!

Brayan, Léo e outras crianças começam a falar alto: _ Eu também, eu também!!

Muitas crianças falam ao mesmo tempo e não dá para pegar separado a fala de cada uma, mas estavam falando sobre conhecerem ou não o

rabanete. Que na casa delas não tinha. Então Lucássia se dispõe a levar um rabanete para que elas conhecessem. Ela diz:

Professora Lucássia: _ Oh! Depois oh! Olha só! Então vamos ouvir a tia Lucássia! Daniel! Oh! Então depois a tia Lucássia vai trazer um

rabanete pra gente experimentar! Combinado?

Crianças: _ Aham! Combinado!

Professora Lucássia: _ Eu vou trazer então pra gente experimentar!

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A professora diz isso e volta-se novamente ao livro, retomando a página que estava para continuar contando a história.

João Victor: _ Tiaa! É que lá na minha casa não tem rabanete! - Ele chama balançando as mãos, ao que Lucássia responde:

Professora Lucássia: _ Não? Eu vou trazer pra gente experimentar!

Ouve-se outra criança começar a dizer: _ Na minha também...

A professora se posiciona melhorando a postura, vira o livro em direção às crianças e começa a contar a história:

Professora Lucássia: _ Então olha só! Em um dia bem ensolarado...

Ouve-se um barulho de algo rolando no chão perto de Maria Júlia de Cauã e de João Pedro. Maria Júlia, João Pedro e Léo tentam pegar a

moeda.

João Pedro: _ Uma moeda!

Léo: _ Eu achei uma moeda!

Professora Lucássia: _ De quem é?

Léo: _ Não sei!! De quem é essa moeda?

Ele pergunta mostrando a moeda para os colegas. Como ninguém respondeu. A professora pede a moeda, diz que vai guardar e depois

descobrir de quem é. Léo se levanta e entrega a moeda para a professora. Daniel olha para João Pedro e pergunta ou afirma, não dá para

entender.

Ana Cecília: _ Oh tia! Tiaá! Eu preciso de moeda para fazê meu anivesário!

Ana Cecília fala com a professora mas ela não ouve. Daniel olha para João Pedro, colega onde a moeda caiu perto e pergunta:

Daniel: _ É seu!

João Pedro, desconfiado, responde rapidamente: _ Não!

A professora guarda a moeda e ouve-se uma criança contando para outra sobre um aniversário. A professora chama a atenção para que todos

ouçam a história. Ela diz:

Professora Lucássia: _Então olha só! Agora, todo mundo ouvindo a história!

Alguém fala alguma coisa com a professora ao que ela responde que depois vai dar para ele. Começa a contar a história, mas interrompe

algumas vezes para chamar a atenção das crianças que estavam meio dispersas.

Professora Lucássia: _Então agora todo mundo ouvindo! Gabriel encosta lá porque senão o Paulo não ouve a história!

Ouve-se a voz de uma criança que diz:

Criança: Eh Gabriel!!

Professora Lucássia: _ Ó! Olívia, num dia bem ensolarado, o vovô saiu para a horta... Isabela tá na frente da Cecília senta direitinho! O vovô

saiu para a horta e plantou um rabanete. Olha lá ele plantando o rabanete ô. – Ela disse isso explorando as imagens do livro, vai indicando

com o dedo - Ele pegou a pá, a semente, fez um buraquinho na terra e jogou a semente lá dentro. E aí colocou uma plaquinha em cima da

terra pra dizer o que que essa plaquinha queria dizer?

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Daniel: _ Rabanete!!!

Professora Lucássia: _Que ele tinha plantado um...?

Crianças: _Rabanete!

Léo: _ O tia Lucássia, sabe o que a [inaudível] come? Ela come comida.

Professora Lucássia: _ Rabanete!! O Rabanete cresceu, cresceu e ficou grandão, grandão. Começou pequenininho e foi crescendo até que

ele ficou bem grandão. Um dia o vovô quis arrancar o rabanete pra comer no almoço! Hum!! Eu acho que o vovô estava com muita, muita...

Crianças: _ Muita fome!!

Professora Lucássia: _ Muita foomeee! Hummmm!! Eu acho que esse rabanete vai estar muuuuito gostoso!

Nesse momento da cena, uma criança chorando fala com a pesquisadora que precisa ir ao banheiro, porque precisa fazer cocô. A professora

Lucássia não escuta o apelo da criança e a pesquisadora para não interromper a história solicita ajuda à outra educadora fora da turma.

A professora vai fazendo gestos e as crianças acham engraçado.

Professora Lucássia: _ Então ele foi pra horta e começou a puxar o rabanete!! Hum! Hum! Humm!!

Ao contar essa parte a professora começa a fazer os gestos como se estivesse arrancando uma raiz/rabanete da terra. Quando ela começa a

fazer esse gesto, as crianças começam a imitá-la fazendo o mesmo movimento. Esticando os braços e fazendo força retirando algo da terra.

Elas riem bastante com essa “brincadeira”. A professora continua a história. Todas as crianças estão muito atentas à história.

Professora Lucássia: _ Ai! Ele fez muita força!

Isabelly:_ Ele caiu!!

Professora Lucássia: _ E puxa, que puxa, que puxa e nada!! Nada do rabanete sair da terra. De repente o vovô puxou com tanta força, que...

hummmm!! Ele caiu pra trás!

A professora caiu pra trás encenando o que poderia ter acontecido com o vovô. Algumas crianças imitam também esse gesto como se fossem

todas o mesmo personagem: João Pedro, Léo. Algumas fazem o gesto de puxar o rabanete com as mãos, mas não caem para trás. Elas riem

muito.

Professora Lucássia: _ E aí olha só! Então o vovô chamou quem para ajudar?

Crianças: _ A vovó!

Professora Lucássia: _ A vovó! E a vovó segurou no vovô! Vem cá vovô! Vem cá vovô!

A professora chama a educadora Léa pegando-a pelo braço para entrar na história. Léa parecia não estar esperando e acha engraçado. A

princípio pensou que a professora estivesse falando com Miguel, que estava sentado do seu lado. Ri bastante e vai participar da história.

Senta-se à frente da professora que continua contando a história. As crianças acham engraçado. Raul que estava ao fundo do vídeo parecia

encantado com a cena. Sorria e olhava atentamente. Lucássia continua a história apontando Léa como o vovô e ela, professora como a vovó.

Professora Lucássia: _ E aí olha só! O vovô chamou a vovó! Que segurou no vovô! E puxa que puxa, que puxa, que puxa! Aiii!

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A professora deixou o livro no chão para encenar o momento em que a vovó segura no vovô para puxar o rabanete! Elas fazem os gestos de

força para arrancar o rabanete e algumas crianças as imitam fazendo os mesmos gestos. Esticar os braços e fazer força para puxar o

rabanete. Elas riem e se divertem com a cena!

Professora Lucássia: _ Mas nada do rabanete sair da terra e de repente ó... Caíram pra trás

A professora pega nos ombros da educadora encenando as personagens e caem pra trás não conseguindo arrancar o rabanete. As crianças

também fazem o mesmo movimento brincando de cair para trás. Riem e se divertem!

Professora Lucássia: _ Ai que cansaço!

Léo reclama que João Pedro estava caindo em cima dele e a professora pede para João Pedro ter cuidado. As crianças estão muito

envolvidas com a história. Ana Cecília chega a projetar o corpo para frente e vibrar.

Professora Lucássia: _ Mas nada do rabanete sair da terra! E então a vovó foi e chamou quem?

Daniel e Maria Júlia falam juntos: _ A netinha!!

Professora Lucássia: _ A netinha!... E então, o vovô segurou na vovó e a vovó chamou a netinha! ... Vem Maria Júlia! Senta aqui na frente da

tia Léa!

Maria Júlia foi ligeiramente e sentou-se na frente da educadora Léa (Vovô) da história.

As crianças começam a ficar atentas e a despertar o desejo por serem chamadas a participar da história, embora todas elas estivessem

fazendo os gestos dos personagens. Léo já compreende o movimento da professora ao contar a história e pede:

Léo: _ Ô tia eu vou ser o rato tá?!

Ao ouvir Léo dizer isso outras crianças também pedem para ser o rato. Muitas vozes ao mesmo tempo. Começa uma competição para saber

quem será o rato.

Crianças: _ Eu vou ser o rato! Eu vou ser o rato!

João Pedro: _ Eu vou ser o vovô!

A professora tenta conter as crianças para continuar a história e diz:

Professora Lucássia: _ Ó! Ó! Então a vovó, segurou no vovô... o vovô segurou na vovó, que segurou na netinha. E eles... puxa, que puxa,

que puxa, que faz força, mas nada do rabanete sair da terra. E de repente ó! Uuuuu – esticam os braços caindo pra trás.

Todas as crianças imitam o gesto caindo pra trás também experimentando a cena da história. Rindo e se divertindo. As crianças ficaram

eufóricas e ao fundo é possível ver na cena a expressão de Raul encantado com a história.

Professora Lucássia: _ Caíram para trás. Mas nada do rabanete sair da terra. De repente a netinha chamou quem?

Maria Júlia: _ O cachorro!

Crianças: _Eu sou o cachorro!

Daniel: _Eu sou o cachorro! – Diz levantando o dedo pra cima

João Pedro: _ Eu sou o cachorro! Não eu sou... o vovô... – ele se lembra que havia escolhido ser o vovô há poucos minutos atrás.

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João Victor já pula na cena da história e diz que é o cachorro. A professora diz que não precisam brigar. Alguém do grupo diz que é o ratinho,

mas não é possível ver quem foi. Léo contrapõe dizendo que ele é o ratinho. A professora Lucássia olha para o grupo e chama Cauã para ser

o Cachorro. Cauã é meio tímido, mas entrou na história. A professora continua contando a história. Quando Lucássia chama Cauã, João Victor

volta para seu lugar.

Professora Lucássia: _ Aí ó! A vovó, segurou no vovô, que segurou a netinha, que segurou o cachorro e... os quatro ó.... fazendo força!

Humm! Humm! E puxa! Que puxa! E nada do rabanete sair! Então de repente ó! Uuuuuuuu! Ai! Mas nada desse rabanete sair da terra. Olha lá

que confusão!

As personagens das histórias simulam a força feita pra arrancar o rabanete, e todas as crianças do grupo também fazem o mesmo movimento.

Puxam que puxam e aí caem para trás. A diversão é geral. Riem e se divertem caindo para trás! E a professora continua a história.

Professora Lucássia: _ E então, o Totó chamou quem?

Maria Júlia responde: _ O Gatuu! [não dá pra entender se ela disse Gatoo, ou tatu pois ela está olhando para as imagens do livro e sua

expressão é de incerteza]

Outra criança diz: _ O gatinho!

A professora continua contando a história:

Professora Lucássia: _ O gatinho! Vem João Pedro!

Educadora Léa: _ Fica aí João Pedro – diz apontando o lugar para João Pedro ficar, na frente do cachorro Totó.

João Pedro ocupa seu lugar na história. Léo de novo pede para ser o ratinho.

Léo: _ Ô tia aí eu sou o rato tá?!

Brayan também manifesta seu desejo de ser o “super-herói” da história: _E Eu também!

Outras crianças dizem que são o rato.

Crianças: _ Eu também! Eu também!

E a professora continua contando a história.

Professora Lucássia: _ E aí olha só! Ó! A vovó, o vovô, segurou na vovó, que segurou na netinha, que segurou no cachorro Totó, que

segurou no gatinho e eles.. puxa, que puxa, que puxa, e fizeram força, mas nada daquele rabanete teimoso sair da terra. E de repente,

uuuuuuuu... Caiu todo mundo de costas no chão!

Todas as crianças se divertem com a história. Léo novamente insiste com a professora.

Léo: _ O tia! Eu sou o ratinho!

Braian: Eu também!

A professora continua a história. As crianças dialogam entre si sobre ser os personagens. Isabelly fala com Brayan sobre ter dois ratos quando

ele diz que é o ratinho também. Ela diz:

Isabelly: _ Não! É só um rato!

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Os dois continuam a discussão sobre os ratinhos e a professora chama a atenção de Isabelly para a história.

Professora Lucássia: _ Isabeely!! E Então, o gato que era muito esperto chamou o rato. Hummm! Miguel!

A educadora Léa pede pra Miguel sentar-se no lugar do ratinho. No vídeo é possível ver o rostinho de decepção de Léo, que pedia desde o

início para ser o rato. E também de outras crianças como Daniel e João Victor que queriam ser algum dos personagens. Léo não se contém e

diz para a professora:

Léo: _ Ô tia, eu que queria ser o rato!

Professora Lucássia: _ Depois a gente vai contar de novo Léo aí você pode ser! E aí olha só...

Enquanto a professora continua contando a história é possível ver Daniel e João Victor e ouvir outras crianças conversando sobre os

personagens que gostariam de ser na história.

Professora Lucássia: _O vovô segurou na vovó, que segurou na netinha, que segurou no Totó, que segurou no gato, que segurou no rato. E

eles fizeram força! UUUUUU! E aí de repente o rabanete fez assim ô... Poooooo... E o rabanete saiu da terra!

As crianças caem pra trás, riem e imitam o momento de retirada do rabanete da terra. A professora pega de volta o livro e mostra a imagem

em que o rabanete saiu da terra.

Professora Lucássia: _ Olha lá ó! O rabanete voou, voou! E aí olha só! Conseguiram todos arrancar o rabanete da terra. Todos juntos!

A professora mostra a imagem de todos juntos comemorando a retirada do rabanete da terra. As crianças olham curiosas para a imagem,

principalmente Maria Júlia, João Pedro e Cauã.

Ana Cecília: _ Porque o rato puxou com força!

Professora Lucássia: E aí olha só! O rato disse assim: Eu sou o mais forte! Fala Miguel! Eu sou o mais forte!

Miguel levantou o braço em sinal de força, mas essa criança apresenta uma dificuldade na fala, portanto apenas fez o gesto atendendo ao

pedido da professora. A professora reforça o gesto de Miguel dizendo:

Professora Lucássia: _Isso Miguel!

Outra criança, que não aparece no vídeo, mas pela voz foi possível reconhecer repete a fala da professora:

Gabriel: _ Isso Miguel!

A professora continua contando a história. As crianças estão em volta olhando as imagens do livro. Continuam ainda o debate sobre ser o

ratinho.

Brayan: _ Eu sou o ratinho!

Professora Lucássia: _E então... vira a página ...todos se sentaram juntos e comeram o rabanete que era tão grande que deu pra todo

mundo ó... encher a barriga... E ó! E ainda sobrou ... Olha só... sobrou um pouco para a minhoca que estava passando por ali!

Professora Lucássia: _ E você? Acha que o rato era o mais forte?

Algumas crianças responderam: _ É!!

Maria Júlia: _ E aí ele pos a camisa de super helói. – [ele pôs a camisa de super herói]

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Ela fala e faz o gesto com os braços mostrando força. Todas as crianças estão envolvidas com o livro.

Professora Lucássia: _ Ah é mesmo! Ele pôs a camiseta de super-herói!

Brayan ao olhar a imagem diz algo sobre ter uma camiseta desta, ao que muitas outras crianças também se manifestam dizendo que também

tem uma camiseta de super heroi. Ficam agitadas e a professora vira a página mostrando que a história terminou.

Professora Lucássia: E... Fim! E agora minha gente a história terminou! Batam palmas de alegria, batam palmas quem gostou! Hei Hei Hei

trá lá lá lá! Hei hei hei trá lá lá lá!

Maria Júlia: _ Eu gostei!

Todas as crianças pulam e dizem que gostaram!

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ANEXO VII

EPISÓDIOS GRAVADOS NA ESCOLA EMEI PAMPULHA – Turma Berçário e GI – Educadora Laís

Total de idas à escola EMEI PAMPULHA: 18 vezes (setembro a dezembro de 2015)

Total de vídeos transformados em episódios de análise: 52 Qdte DATA DURAÇÃO

CRIANÇAS ENVOLVIDAS

HISTÓRIA DO DIA ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE O PROCESSO VIVIDO PELO GRUPO

1 02/10/2015 35m24s Todas Rotina exploração de objetos Bruxa Mafalda - história João e Maria

As crianças chegam a partir das 7:00. São acolhidas pelas educadoras e pela professora Regente da Turma. Tomam café da manhã na sala. Por volta de 7:40 da manhã brincam de estátua. Em seguida passam a atividades da rotina pedagógica – Exploração de objetos em uma mochila, inclusiva a Bruxa Mafalda e ouvem a história de João e Maria. Todas as atividades conduzidas pela professora regente, assistida pelas educadoras. Todas as crianças se envolvem em todas as atividades. A professora senta-se no chão com as crianças e cria a personagem Mafalda. Uma bruxa carinhosa que brinca e faz carinhos nas crianças.

2 02/10/2015 7m32 Todas Hora do banho - Músicas Patati Patatá

Enquanto duas profissionais dão banho nas crianças, as outras duas ficam na sala auxiliando, tirando a roupa e organizando a volta de quem já tomou o banho e a ida de quem ainda está esperando. Nesse momento, assistem TV com músicas de Patati e Patatá e brincam com brinquedos.

3 02/10/2015 0,44s Todas Hora do sono das crianças Filmagem para registrar o momento em que as crianças dormem. A forma como as profissionais organizam o sono das crianças.

4 05/10/2015 20m1s Todas Momento de atividade - História João e Maria Continuação hist..- Bruxa Mafalda

A professora retoma a história contada no dia 02/10 para trazer uma casinha desenhada em um papel, feita por ela com doces a serem distribuídos para as crianças

5 05/10/2015 0,43s Todas – Destaque para Lara

Momentos de interação com brinquedos depois do banho

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6 05/10/2015 04m03s Todas Cantando com as crianças depois do Banho

Ao terminar o banho as crianças são convidadas a cantarem e elas também convidam ao escolher as canções a serem cantadas. Ao cantar elas demostram se envolver muito com a música e com os gestos.

7 05/10/2015 1m15s Nenhuma Fantoches produzidos por Laís com as crianças

Esse vídeo procurou registrar o resultado do trabalho produzido por Laís com as crianças na confecção dos fantoches

8 16/10/2015 13m05s Todas Dramatização com as crianças de uma adaptação de Chapeuzinho Vermelho, conto clássico de Charles Perrault.

Por volta de 7:50 a professora regente começa uma dramatização e convida as crianças a participarem – o interesse das crianças é vivo – querem participar de toda a história.

9 16/10/2015 1m28s Todas Comemoração dia da criança – Festa à fantasia

As crianças vieram fantasiadas pra escola e nesse momento se reuniram às demais crianças para brincar e dançar vestidas com suas fantasias. Teve inclusive um desfile na passarela.

10 16/10/2015 2m39s Todas Comemoração dia da criança – Festa à fantasia

11 16/10/2015 0m37s Todas Comemoração dia da criança – Festa à fantasia

12 16/10/2015 4m06s Todas Comemoração dia da criança – Festa à fantasia - Desfile

13 16/10/2015 4 vídeos : 1m23; 0,18s; 2m23s; 0,11s

Todas Hora do Almoço A hora do almoço é um momento muito rico de oportunidades para conhecer melhor as crianças

14 16/10/2015 1m16s Todas Hora do Sono Formas de organização das crianças e aconchego na hora de dormir.

15 19/10/2015 0,11s; 0,43s Nenhuma Caderno De Registro Projeto Centopeia

O projeto Centopeia teve início a partir de nossa insistência pois não estava acontecendo no berçário. Temos os registros feitos com as crianças deste grupo que participaram deste projeto.

16 19/10/2015 1m17s; 0,23s; 0,49s; 0,50s; 0,32s

Nenhuma Painel de Formação Registro dos painéis de formação da escola. Trabalho muito interessante da formação docente que oportuniza a participação de todos os profissionais da escola. Os painéis têm o objetivo de demonstrar o trabalho desenvolvido em sala e ainda, as percepções dos docentes sobre o processo vivido.

17 19/10/2015 1m11s Nenhuma Painel de Formação da Turma do Berçário e GI

Registro do painel de formação. O vídeo buscou registrar os modos de organização do trabalho da equipe no Berçário e GI.

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18 22/10/2015 34m46s Todas “Bruxa Bruxa venha a minha festa” – Ardren Druce contação de história Laís –

Uma garota pede para que toda a sorte de seres assustadores compareça a sua festa. E lá vão Bruxa, Gato, Espantalho, Coruja, Árvore, Duende, Dragão, Pirata, Tubarão, Cobra, Unicórnio, Fantasma, Babuíno, Lobo e... epa! Chapeuzinho Vermelho? Uma história diferente e criativa que mostra a fidelidade da amizade infantil.

Esse vídeo registra o momento de culminância da proposta de intervenção da profissional Laís na Turma do Berçário e GI. Do total de 34m46s de registro, iremos analisar os primeiros 14m do vídeo, onde aparecem os modos de contar história com o livro e provocar modos de participação das crianças.

19 26/10/2015 3m7s Miguel – 1 História - Miguel exploração de um livro com imagem -

Momento em que a professora convida uma criança para interpretar um livro de imagens cumulativas.

20 26/10/2015 22m58s Todas História Chapeuzinho Vermelho – solário.

A professora convida as crianças para ouvirem história no solário – modos de Contar a história e modos de participação das crianças.

21 26/10/2015 4m45s Todas Observando o crescimento da plantinha – Projeto eu planto eu cuido

As crianças participam da observação das plantinhas que brotaram nos potes que plantaram.

22 26/10/2015 3m07s Todas Brinquedos e diálogos sobre as plantinhas com a Educadora

A educadora aproveita o interesse das crianças e situações vividas com as plantinhas para dialogar sobre os cuidados com as mesmas.

23 26/10/2015 5m58s Todas Exploração de instrumentos musicais- A professora convida as crianças para brincar e cantar com instrumentos musicais.

24 26/10/2015 13m15s; 27m10s; 3m44s

Turmas de outras salas

Biblioteca Móvel na escola A pesquisadora, acompanha o trabalho da profissional, responsável pela biblioteca da escola, em duas salas (1º e 2º períodos). Laís está em seu grupo no berçário e GI. Ela conta história e propõe um registro aos alunos..

25 03/11/2015 7m36s; 10m36s; 2m22s; 5m41s;

Todas Aula de Educação Física A pesquisadora acompanhou a aula de educação física do grupo pois o dia destinado à pesquisa havia sido feriado.

26 03/11/2015 9m19s Todas Cantando canções O grupo cantando com a educadora Laís. Eles repetem as músicas, fazem os movimentos imitando a professora. Seus gestos demostram que já conhecem a maioria das músicas.

27 03/11/2015 19m9s Todas História “Alô papai” – Alice Horn Jogo de faz de conta, ouvindo a história Alô

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“O conto apresenta uma conversa por telefone entre pai e filho. O menino pede ao pai que lhe traga um presente após o trabalho. O pai usa a criatividade para inventar um trator com asas, um avião com remo, até um bode de óculos! O menino acha muito divertido, mas sempre contesta o pai. Afinal, qual será o presente?”

Papai – Esse episódio é bem interessante pois mostra modos de contar história da profissional e modos de participação das crianças. Algumas crianças se destacam neste episódio.

28 10/11/2015 5m10s Benjamin e grupo Projeto Centopeia – oportunizando escolhas obras literárias

A professora regente explora junto a Benjamin e ao grupo, o Caderno e o livro levado por Benjamin para casa ao que a criança responde muito bem a proposta.

29 10/11/2015 2m16s Higor e Sophia Projeto Centopeia - oportunizando escolhas obras literárias

A professora passa a Sacola do Projeto Centopeia para Higor e Sophia que são levados pela profissional Laís até a biblioteca da escola para escolher os livros que gostariam de levar para casa.

30 10/11/2015 12m07s Todas Exploração objetos na mochila A professora leva a mochila e explora com as crianças diversos objetos e suas características.

31 10/11/2015 9m49s Todas Músicas e história no quiosque “Pupe o Cachorrinho”

62

A professora convida as crianças a cantar fazendo gestos. Elas parecem já conhecer a maioria das canções e participam bastante.

32 10/11/2015 22m49; 6m36s Pietro, Pietro M., Benjamin

História “Pupe o cachorrinho” – horário do Banho

Enquanto as crianças tomam banho alternadamente, a pesquisadora fica com um grupo e explora o livro “Pupe o Cachorrinho”.

33 16/11/2015 21m52s Sophia, João Miguel, Lara, Higor, Pietro, Benjamin, Isadora

História “O lobo mal” – horário do Banho

Enquanto as crianças tomam banho alternadamente, a pesquisadora fica com um grupo e explora o livro “Chapeuzinho Vermelho”. Essa iniciativa partiu da professora regente.

34 16/11/2015 Vários vídeos Todas Rotina do dia A professora regente pediu que filmássemos todas as atividades das crianças neste dia. Portanto, temos vídeos de toda a parte da manhã das 7:40 às 10:30 que é o horário do sono das crianças.

35 23/11/2015 4m10s Todas Recepção das crianças Chegada das crianças com café da manhã e

62

Alguns episódios foram nomeados pela pesquisadora portanto, não estão necessariamente nomeados com nomes de histórias.

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acolhida pelas profissionais.

36 23/11/2015 10m49s Todas com destaque para Sophia e Miguel

Projeto Centopeia – Exploração da história

A professora explora o livro e o caderno de registro da Sophia e do Higor e passa para o Miguel. Momento muito rico de possibilidades de análises também pela forma como a profissional Laís conduz a escolha do livro pela criança.

37 23/11/2015 21m11s

Higor, Sophia e Miguel

Crianças indo à biblioteca – Miguel escolhe o livro – “Animais”

Momento muito rico de possibilidades de análises também pela forma como a profissional Laís conduz a escolha do livro pela criança. Principalmente até o minuto 8 do vídeo.

38 23/11/2015 5m39s; 3m48s Todas Interação com fantoches no solário Outra situação rica de possibilidade de análise. Onde os bebês interagem com a ajuda da professora e das educadoras com os fantoches de animais.

39 23/11/2015 2m26s Pietro Interação com o painel da turma Esse momento retrata uma interação “espontânea de duas crianças” Pietro Maia e Pietro.

40 23/11/2015 7m3s Miguel Bruna Pietro e outros

Explorando livro de História Três porquinhos hora do banho

Enquanto a turma vai tomando banho exploro com grupos menores de crianças por sugestão da professora Regente o Livro “Os Três porquinhos”. Momento muito rico para análises porque mostra as disputas, o interesse das crianças pelos livros, apropriações de modos de ler um livro, manuseá-lo repetidas vezes.

41 23/11/2015 8m58s Miguel e outros que se aproximam

Miguel e a história na hora do banho das crianças “Eu amo você papai”

Ainda na hora do banho a pesquisadora explora com Miguel o livro “Eu amo você, papai”.

42 23/11/2015 Vários vídeos Todas Momentos da Rotina e do plano de formação

O plano de formação docente desta escola é muito interessante pois possibilita que todos e todas os profissionais participem: auxiliares de limpeza, técnicos da secretaria, educadores, professores etc. – todas experimentam estar com as crianças propondo e conduzindo uma atividade. Por isso a pesquisadora fez questão de registrar várias exposições destes planos. Em caso de uma possibilidade de análise.

43 01/12/2015 5m21s; Todas – Exploração Bruxa Mafalda A professora regente traz a personagem Bruxa Mafalda e a faz interagir com as crianças.

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44 01/12/2015 16m58s Todas – destaque para Miguel

Exploração Bruxa Mafalda e Projeto Centopeia com Miguel

Explora o Projeto Centopeia com Miguel que havia levado o livro da última vez. Notei que o projeto passou a acontecer quando eu estava presente.

45 01/12/2015 4m32s; 2m19s; 3m23s

Todas Assistindo ao vídeo clipe que as profissionais prepararam para o fim de ano

A professora regente delegou à Laís a tarefa de fazer um vídeo clipe com as fotos da turma. Nesse dia assistiram todos juntos ao vídeo.

46 01/12/2015 Vários vídeos Outras turmas Projeto Biblioteca móvel em todas as salas

A pesquisadora auxiliou a profissional Laís na implementação de seu projeto de intervenção levando a Biblioteca móvel até as outras salas. O projeto consistia em levar a biblioteca móvel até as outras salas, contar uma história e deixar as crianças explorarem os livros no carrinho. No carrinho tem fantoches, tapetes, almofadas e livros.

47 11/12/2015 23m42s Todas Projeto Biblioteca móvel “Menina bonita do laço de fita”

Desenvolvemos o projeto Biblioteca Móvel contanto a história “Menina bonita do laço de fita”. A pesquisadora estava ajudando a educadora Laís com o desenvolvimento de sua ação na escola como um todo. Por isso, nesse dia a pesquisadora foi também na sala do berçário e GI com a biblioteca móvel. Contou uma história e depois podiam escolher um livro para ler e entender a história de forma completa.

48 11/12/2015 3m41s Todas Exploração Livros pelas crianças com biblioteca móvel

Desenvolvemos o projeto Biblioteca Móvel com o grupo, levando a Biblioteca cheia de livros para que escolhessem/explorassem.

49 14/12/2015 28m23s Todas História “O Sanduíche da Maricota” Biblioteca Móvel

Desenvolvemos o projeto Biblioteca Móvel contanto a história “O Sanduíche da Maricota”

50 14/12/2015 5m55s Todas Exploração de livros pelas crianças com a biblioteca móvel

Desenvolvemos o projeto Biblioteca Móvel com o grupo.

51 14/12/2015 Vários vídeos Outras Turmas Projeto Biblioteca móvel em todas as salas

Atividade desenvolvida pela pesquisadora

52 17/11/2015 2m36 Tarcila e Sua mamãe

Projeto Centopeia com Participação da Família

A família fez questão de filmar o momento de vivência com o livro em casa. Compartilhou com a equipe da escola o vídeo e as profissionais compartilharam com a pesquisadora. Vídeo muito rico para produção de uma análise pois demonstra o alcance do

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trabalho da escola com as famílias. A família desenvolve a atividade com a criança de acordo com as orientações da escola. Lendo com e para a criança, estabelecendo relações entre as imagens, deixando a criança fazer suas tentativas, etc.

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ANEXO VIII

EPISÓDIO GRAVADO NA ESCOLA EMEI PAMPULHA

NÚMERO DO EPISÓDIO: 18

TÍTULO DO EPISÓDIO: “Bruxa, Bruxa, Venha à minha festa”

DATA: 22/10/2015

DURAÇÃO: 34m46s

DURAÇÃO DO TRECHO TRANSCRITO PARA ANÁLISE: 14m (0m a 14m)

HISTÓRIA ENVOLVIDA NO EPISÓDIO: Bruxa Bruxa Venha à minha festa – Arden Druce – Editora Binque Book – Ano 1995.

A transcrição do episódio foi feita pela pesquisadora assistindo as cenas quantas vezes fossem necessárias e registrando por meio da escrita

no programa do Word. As informações obtidas nas transcrições eram contrapostas aos registros feitos em diários de campo somando-se às

informações do vivido naquele dia pela pesquisadora com o grupo ao qual estava envolvido.

Sinopse do livro:

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Uma garota pede para que toda a sorte de seres assustadores compareça a sua festa. E lá vão Bruxa, Gato, Espantalho, Coruja, Árvore,

Duende, Dragão, Pirata, Tubarão, Cobra, Unicórnio, Fantasma, Babuíno, Lobo e... epa! Chapeuzinho Vermelho? Uma história diferente e

criativa que mostra a fidelidade da amizade infantil.

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Qtde DATA DURAÇÃO CRIANÇAS ENVOLVIDAS

HISTÓRIA DO DIA/AUTOR (RESUMOS DAS HISTÓRIAS LIDAS)

ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE O PROCESSO VIVIDO PELO GRUPO

18 22/10/2015 34m46s Todas Bruxa Bruxa venha a minha festa - contação de história Laís -

Esse vídeo registra o momento de culminância da proposta de intervenção da profissional Laís na Turma do Berçário e GI. Do total de 34m46s de registro, iremos analisar os primeiros 14m do vídeo, onde aparecem os modos de contar história com o livro e provocar modos de participação das crianças.

A Filmagem foi feita pela pesquisadora com a câmera em mãos. Optou-se por não usar o tripé a fim de capturar os diversos

momentos das interações, facilitando dessa forma o movimento com a câmera para focar momentos específicos. A pesquisadora

ficou sentada no chão posicionando a câmera em frente ao grupo, já buscando um lugar que desse uma melhor visibilidade a toda a

cena. Durante a filmagem, entretanto, a pesquisadora mudou-se de lugar buscando uma visualização melhor das interações entre as

crianças, as profissionais e os livros. Muitas vezes, uma ou outra criança vem até a pesquisadora para interagir com a câmera. Nesse

momento havia uma criança sentada no colo da pesquisadora.

A cena se inicia já se sabendo que a educadora Laís foi buscar a biblioteca móvel, mas para as crianças isso era tratado como uma surpresa.

As profissionais organizam as crianças para esse momento. Insistem para que todas aguardem a “tia Laís” sentadas no chão. A professora

regente diz batendo palmas e pegando João Maciel colocando-o sentado.

Professora Regente Edilene: _ Surpresa! Surpresa! Vamos sentar, vamos!

Educadora Andréa: _ Júlia, senta Júlia, senta que vai ter surpresa! - e começa a cantar uma música - _ Olha a hora é agora vamos ouvir

história!

Professora Regente Edilene depois de colocar outra criança sentada diz: _ O Tiago sentou e chorou!

A professora Edilene fica nesse movimento de contenção das crianças, bate palmas, apaga as luzes e até bate na porta para chamar a

atenção das crianças e mantê-las sentadas.

Professora Regente Edilene: _ Aqui ô Tiago! A tia Laís, Tiago, trouxe uma surpresa prá nós. Ô!! Já apagou a luz.

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O bebê Arthur atravessa a sala engatinhando e balbuciando gritinhos. Estava indo em direção à Laís que pegava algo no armário. (Laís é tia

de Arthur, por isso ele é muito apegado a ela). Ao fundo se ouve a voz de Isadora. Ela está sentada no colo da pesquisadora e assiste aos

colegas e ao que acontece pela tela da filmadora. Fica encantada.

As crianças começam a ficar curiosas, Eduardo (Dudu como era sempre chamado) se levanta curioso e a professora Edilene o contêm

rapidamente colocando-o sentado de novo.

Professora Regente Edilene se movimenta pela sala dizendo: _ Ô! Ô! Ô! Já vai chegar! Vou acender a luz! Tia Laís vai fazer uma

surpresa!

Educadora Andréia conta: _ Um, dois, três, quatro! - alguém ascende a luz - Ah chegou!!

As crianças ficam muito curiosas! Os olhares atentos para a porta esperam a surpresa que está sendo tão propagada pelas profissionais

Edilene e Andréia. A professora Edilene pede às crianças para dizerem bom dia para a pesquisadora a qual chama de “Tia Nubinha”. A porta

se abre e algumas crianças querem se levantar, mas a professora diz veemente:

Professora Regente Edilene: _ Não é para levantar agora não! Primeiro tem que ouvir. Bom dia tia Laís!

Laís entra com a biblioteca móvel e diz bom dia às crianças. Elas ficam curiosas com aquele objeto que veem entrando pela porta. Edilene

tem uma câmera fotográfica nas mãos. Laí pergunta:

Educadora Laís empurrando a biblioteca móvel: _ O que que é isso aqui? –

Ela havia organizado o carrinho – Biblioteca móvel – com livros grandes atraentes aos olhos das crianças. Livros sobre animais e outros temas

que já havia percebido que as crianças gostavam.

Criança - Miguel: Bom dia tia Laís!

Educadora Laís: Bom dia Miguel!

Laís empurra o carrinho posicionando-o de modo que fique de frente às crianças, mas na lateral do espaço reservado para a história. A

professora Edilene pergunta

Professora Edilene: _ O que que a tia Laís trouxe?

Criança Lara: _ O livo (o livro)

Educadora Laís: _ Será o que tem aqui?

Laís dá a volta para pegar os objetos que estão na parte de dentro do carrinho.

Algumas crianças apontam os braços em direção ao carrinho como se quisessem pegá-lo. João Miguel projeta o corpinho pra frente e vai em

direção ao carrinho. Todas demostram muito interesse e atenção ao que está acontecendo. O clima de suspense criado pelas profissionais à

surpresa dá resultado no sentido de provocar uma curiosidade. Elas ficam muito curiosas.

Laís vai explorando o carrinho dizendo:

Educadora Laís: _ Olha o que tem aqui! Tem almofada pra gente sentar! Tem tapete! É pra gente ouvir historinha Miguel!

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Miguel bate palmas e olha para a Educadora Andréia como se quisesse compartilhar com ela aquela surpresa. Algumas crianças se agitam e

querem ir em direção ao carrinho. Ao que a professora Edilene diz:

Professora Edilene: _ Óh! Escuta! Escuta!

Ao mesmo tempo do lado direito do vídeo aparece Arthur Marques, escalando no expositor. Laís vai retirando os objetos que ela organizou no

carrinho. É um expositor que a educadora adaptou transformando-o em uma biblioteca móvel. Mandou fazer um suporte de tecido para ficar

fixo no carrinho. Nesse suporte, na parte interna cabiam as almofadas e um tapete. Do lado externo, foram colocados livros de diversos

tamanhos e tipos.

João Maciel e Denik se levantam e vão em direção ao carrinho! A professora os contém colocando-os sentados novamente dizendo que é para

todos ficarem quietinhos. Todas as crianças estão muito atentas. Laís retira o tapete e o estende no centro do espaço. Pega as almofadas e

vai colocando em cima do tapete sempre perguntando para as crianças o que é aquilo.

Educadora Laís: O que é isso?

Crianças João Maciel, Bruna, Denik, Júlia, Miguel apontam os dedinhos em direção ao tapete dizendo: _ Oia!! – [olha!]

João Maciel não se contém e se levanta novamente indo em direção ao tapete.

Ele diz: _ Papete! [tapete]

Laís fala com ele _ Sim João é um tapete! _ Vamos arrumar o tapete?

Ela o convida estendendo o tapete no chão. O tapete é bem colorido, com letras do alfabeto e desenhos diversos. Assim que termina de

estender o tapete. João Maciel que estava ansioso e de pé, Denick já se levantam e sobem no tapete. Esse gesto da educadora é

acompanhado pela professora que vai dizendo palavras de estímulos e de surpresa!

Professora Edilene: _ Olha! É um tapete!

Quando ela diz isso, Denik – não se contém. Levanta-se eufórico e diz:

Denik: _ Oa apete! – [Olha! Tapete] -

Educadora Laís então convida: _Vocês querem se sentar no tapete?

A maioria das crianças já vai subindo no tapete sorrindo. Encantadas com a proposta de se sentar naquele lugar colorido. Lara faz o mesmo

movimento dizendo em tom de alegria:

Criança Lara: _ Euuuu!! Eu! Eu! Eu!

Faz esse gesto sorrindo e pulando. Sete crianças sentam-se no tapete observando as cores das letras nele contidas. Miguel reclama de algo,

e Laís já percebendo seu desconforto, pergunta:

Educadora Laís: _ Você quer a almofada Miguel?

Já pegando uma almofada e entregando a ele. Ele parece meio emburrado, mas pega a almofada e fica por ali. As crianças vão se

organizando sentadas sobre o tapete. A professora Edilene incentiva Tiago que estava sentado em um cantinho – o mesmo que a professora o

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tinha colocado no começo do vídeo - a pegar uma almofada e se juntar aos colegas que estavam sentados no tapete. Tiago aceita e se senta

em frente ao Carrinho com os livros. Lara pede uma almofada à professora Edilene perguntando:

Criança Lara: _ Ô tia, cadê a minha?

Professora Edilene: _ Toma Larinha!

Lara diz que quer a dela mesma que está no berço. Laís pega a almofada e entrega a ela. Lara pega a almofada e quando vai em direção ao

tapete esbarra no colega Denick que se desequilibra e cai, mas se levanta em seguida. Quase todas as crianças estão com almofada e

sentadas no tapete. Ao fundo é possível ver apenas Benjamin e João Miguel no mesmo lugar que estavam enquanto o tapete era arrumado.

As profissionais ajudam as crianças a se organizarem sobre o tapete. Laís então pega o livro e os fantoches que havia confeccionado por ela

com as crianças e diz que agora vão ouvir uma historinha. A professora Edilene registra com fotos o momento e começa a cantar uma música

que marca o início de contar/ouvir a história.

Professora Edilene e educadoras: _ Uma história interessante eu agora vou contar! Trá lá lá! Trá lá lá! Trá lá lá! Trá lá lá!

Higor estava sentado no colo da pesquisadora, ao ver os fantoches63, se levantou e foi até lá apontando o dedinho para os fantoches. A

professora Edilene incentiva as crianças a ficarem sentadas para ouvir a história. Para isso ela diz:

Professora Edilene: _ Que legal! Vamos ouvir a história ô!

A educadora Laís, sentada no chão em frente às crianças, coloca o fantoche da bruxinha na mão e diz:

Educadora Laís (Bruxinha Mafalda): Bom dia pessoal!!

As crianças ficam olhando, mas não respondem.

Educadora Laís (Bruxinha Mafalda): _ Bom dia pessoal! Em não tô ouvindo!

A educadora Andreia responde convidando as crianças a dizerem bom dia. Como as crianças não respondem Laís diz:

Educadora Laís: _ Gente a bruxa Mafalda aqui ó! Outra Mafalda na sala!

Enquanto ela faz movimento com a personagem na mão, falando com as crianças, Denick fica de pé tentando interagir com a bruxa que está

na mão da educadora. Ele balbucia algumas palavras que não dá pra entender e passa o dedinho na boca da bruxa. E Laís, fala com ele como

se entendesse o que ele está dizendo:

Educadora Laís: É? Fala oi pra ela! ...[ Espera a criança dizer/balbuciar E continua...] Ela vai falar de novo!

63

FANTOCHES: A ideia de construir os fantoches surgiu em um momento de orientação, inclusive a pesquisadora tinha os fantoches em branco que poderiam ser caracterizados de acordo com o interesse do grupo. Laís aceitou os fantoches e os produziu juntamente com as crianças, pintando, colocando roupas e criando personagens. Portanto o momento de contação dessa história foi marcado pelo reconhecimento dos bebês com os fantoches produzidos por eles. Isso pode ser percebido no movimento de Higor, que saiu do colo da pesquisadora e foi em direção ao fantoche que estava com a educadora Lais. Ele apontou o dedinho mostrando para a pesquisadora os fantoches. Mesmo sem ser possível identificar o que ele quis dizer verbalmente, seus gestos demostram a identificação que construiu ao reconhecer nas mãos da educadora, o “bichinho ou personagem” produzido por ele em outro momento.

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Educadora Laís (Bruxinha Mafalda): Bom dia pessoal!

A educadora Andreia responde „Bom dia‟ novamente, convidando as crianças a dizerem „bom dia‟. As crianças continuam sentadas no tapete.

Olhando em direção à educadora. Mudando a câmera de posição, a pesquisadora passou para o outro lado para focalizar melhor o grupo na

vivência com a história, pois uma criança estava de pé na frente da pesquisadora que não quis interferir em seu no modo de participação.

Educadora Laís: _ Ó! Agora a tia Laís vai contar a historinha da bruxa!

A voz da professora Edilene aparece ao fundo repetindo:

Professora Edilene: _ Ó! Da bruuxa!

Educadora Laís: _ Vamos ver o que que essa bruxa quer?

Miguel estava se desentendendo com Isadora e Laís interrompe sua fala para chamar sua atenção. A professora Edilene vai até Miguel e

Isadora e diz: _ Olha lá! A bruxa! A bruxa! A bruxa! Sua tentativa era de envolver Miguel e Isadora na história despertando o interesse e a

atenção. Com o livro na mão com a capa levantada mais alto para o lado das crianças, Laís continua a se referir à história. Ela diz:

Educadora Laís: O nome da historinha que a tia Laís vai contar é “Bruxa, bruxa, venha a minha festa”.

Ao dizer isto ela olha para o livro e diz:

Educadora Laís: _Nossa! Olha a cara dela! Essa aqui está mais bonita que essa não tá? Olha o nariz dela!

Ela diz comparando as duas bruxas, o fantoche da mão e a imagem da capa do livro. As crianças observam atentas. Júlia se levanta e vai em

direção ao livro. A professora Edilene vai dialogando com as crianças meio que repetindo as frases que Laís está dizendo. Algumas crianças

olham para o tapete, mas a maioria está com a atenção direcionada para a Educadora e para a história. Ao fundo é possível ver João Miguel

erguendo o corpo para conseguir enxergar o livro e Dénick pegando a almofada e balbuciando algo para a educadora Andreia. Algumas

crianças querem pegar os fantoches e Laís diz que vão poder pegar daqui a pouco. Entretanto Bruna, Tarcila, Sophia pegam os fantoches e

começam a tentar colocar na mão. Ao ver as colegas fazendo isso, Eduardo também vai em direção aos fantoches e pega um para si. Laís

tenta se ajeitar para contar a história com o fantoche da Bruxa em sua mão mas ao perceber a dificuldade, opta por colocar a bruxinha na mão

de Lara. Ela diz já ajudando Lara a vestir o fantoche em sua mão:

Educadora Laís: _ Segura aqui pra tia Lara, põe no seu bracinho! Ô a Lara vai segurar a bruxa!

Laís ajuda Lara pegando a bruxinha e colocando em sua mão! Começa a contar a história:

Educadora Laís: _ Bruxa! Bruxa! Por favor, venha à minha festa! Obrigada, irei sim se você convidar o...

A professora Edilene pega o bebê Arthur Marques que estava brincando no armário e o aproxima da educadora Laís. A impressão é que ela

faz isso para que ele possa participar da história. Dénick se movimenta durante a história e aparece em frente à educadora de pé. Parece

querer olhar as imagens e os fantoches que estão no chão perto da educadora. As crianças não demostram ter medo da imagem da bruxa

apresentada no livro. Ao fundo é possível ver o olhar atento das crianças que estão um pouco mais afastadas da educadora para a cena da

história, João Miguel, Pietro, Miguel e João Maciel. Laís procura entre os fantoches o “gatinho”

Educadora Laís: _ Cadê o gatinho?

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Procura e como não encontra, convida as crianças para ajudarem a encontrá-lo.

Educadora Laís: _ Vamos achar o gatinho aqui?

As crianças que estão mais próximas – Lara – Bruna – Higor – Tarcila – Eduardo – Dénick - olham em direção aos fantoches tentado encontrar

o gatinho. A professora Edilene reforça o convite, chamando as crianças a ajudarem a encontrar o gatinho. E ainda diz:

Professora Edilene: _Olha o nariz da bruxa!

Ao que Laís concluiu quando Eduardo pega o gatinho entre os fantoches:

Educadora Laís: _ Aqui, tá com o “Dudu” [Eduardo]

A professora Edilene ressalta: _ O Dudu achou tia Laís!

Laís pega o gatinho na mão de Eduardo e diz mostrando-o para as outras crianças:

Educadora Laís: _ A bruxa convidou o gatinho para ir à festa!

Bruna pega outro fantoche e diz: _ Aqui!

Laís diz a ela: _ Esse é o pintinho não é Bruna! - Laís levanta o gatinho mostrando para as crianças e diz - _ Ô o gatinho! Como que o gatinho

faz??

A forma como Laís faz a pergunta é um convite às crianças para imitarem o gatinho! As crianças respondem: _ Miaaauu! – pelo vídeo não dá

para identificar quais crianças imitaram o gatinho, mas todas estavam envolvidas na atividade e com a atenção nos fantoches. Lara que estava

com a bruxinha na mão, levanta a bruxinha e a leva em direção ao gatinho que estava na mão da educadora, tentando provocar uma interação

da “bruxa” com o “gatinho” que está na mão de Laís. Ela diz alguma coisa chegando a bruxinha mais perto do gatinho:

Lara: _ ô a ? [inaudível] dele!

A Educadora entrega o fantoche do gatinho para Higor dizendo:

Educadora Laís: _ Segura o gatinho!

Higor pega o gatinho e Laís continua contando a história. Tarcila tenta entregar outro fantoche para a Educadora Laís, mas ela não percebe.

Júlia engatinha em direção à educadora Laís parecendo querer ficar mais próximo dos elementos ali presentes, na mesma cena é possível ver

a atenção de Pietro, João Maciel e Isadora sentadinhos atentos à história, erguendo o corpo para ver as imagens do livro. Dénick fica

novamente em frente à cena de costas para a câmera, de pé para ver melhor a cena da história, ele tenta se aproximar, mas a educadora está

rodeada pelas crianças e não há espaço para que ele passe. Ouve-se uma criança dizer algo. Não é possível identificar no vídeo quem é essa

criança. Mas é possível inferir que ela está se referindo a um fantoche que ela gostaria de pegar.

Criança: _ Cadê o meu?

Educadora Laís: _ Gato, gato, venha à minha festa! Ele respondeu, obrigado, irei sim, se você convidar... [intervalo de virada de página] o

espantalho!

A Educadora está contando a história com o livro virado com as páginas abertas em direção às crianças. Vira a página e chama a atenção das

crianças:

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Educadora Laís: _ Olha o espantalho!

Vira o livro mostrando a imagem do espantalho e diz para Lara:

Educadora Laís: _ Olha o espantalho Lara!

Julia se levanta e vai em direção ao livro, passando o dedinho na imagem do espantalho! Nesse passar o dedinho ela expressa em seu gesto

uma mistura de encantamento como se tocasse o personagem. Ela fica olhando a imagem com um ar de sorriso, misturado com surpresa.

Laís faz uma intervenção dizendo:

Educadora Laís: _ Que coisa feeeia! Olha o nariz dele parece uma cenoura!

Lara que está com o fantoche da bruxa na mão, estabelece uma interação com o personagem do livro, fazendo com que a bruxinha fale com o

espantalho:

Lara: _ Oiii!! – Ela diz passando a “bruxinha” na imagem do espantalho como que se quisesse fazer os dois personagens conversarem Laís

ao ver essa cena diz para Lara:

Educadora Laís: _ A bruxa tá falando oi pro espantalho?

Lara em resposta repete o movimento passando a “bruxa” no espantalho novamente em sinal afirmativo. Ainda é possível ver na cena Tarcila

olhando atentamente para o livro na mão da professora segurando dois fantoches na mão. Dénick novamente se aproximando pelo outro lado

para tentar pegar um fantoche, Sophia de costas para a câmera em frente à cena da história com um fantoche colocado na mãozinha. Bruna

ao lado da educadora Laís também segurando um fantoche.

Laís continua contanto a história e Lara envolvida com o fantoche – a personagem bruxa – vira-se para a pesquisadora mostrando a bruxa,

como se ainda elaborasse elementos da interação vivida há poucos segundos e diz:

Lara: _ Aqui!!

Ela parecia querer ainda continuar o diálogo entre os dois personagens, o espantalho e a bruxa. Laís continua contando a história

Educadora Laís: _ Aí o espantalho respondeu que irá sim se ela convidar...

Laís vira a página do livro e antes de continuar narrando a história, indaga as crianças mostrando a imagem do livro quem o espantalho vai

convidar? Mostra a imagem às crianças e diz:

Educadora Laís: _ Quem que é esse aqui?

A professora Edilene começa a querer responder, mas interrompe sua fala – parece que percebendo que deveria deixar as crianças

responderem. As crianças ficam olhando, quando Laís direciona a pergunta para Sophia

Educadora Laís: _ Quem que é Sophia? Cê sabe?

e Lara arrisca uma resposta:

Lara: _ A buxa! [a bruxa]

Laís mostra a imagem para e Lara e diz:

Educadora Laís: _ Não esse aqui Lara!

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Laís diz mostrando a página para Lara. A professora Edilene participa da mediação e diz também que não é a bruxa. No mesmo momento

Bruna se levanta com o fantoche na mão e com ar de empolgação diz mostrando o fantoche para a pesquisadora:

Bruna: _ Esse aqui boi!!! [É esse aqui o boi!!]

A pesquisadora responde para Bruna com uma pergunta:

Pesquisadora: Esse é o boi Bruna?

Bruna faz sinal afirmativo. Deu pra perceber que Bruna respondia à pergunta de Laís sobre quem é a personagem que aparecia no livro. A

professora Edilene ajuda as crianças incentivando-as a descobrir quem é aquela personagem. Ao que Miguel responde:

Miguel: _ A culuja. [a coruja] !

Tive a impressão de que a professora Edilene ajudou Miguel contando baixinho para ele e o encorajando para dizer ao grupo e à Laís que a

personagem do livro era a coruja. Edilene bate palmas dando os parabéns para Miguel. Laís diz muito bem Miguel! E continua lendo a história.

Miguel demonstra muita satisfação com esse reconhecimento.

Educadora Laís: _ Muito bem! É a coruja! E a coruja respondeu, eu vou à sua festa sim se você convidar ... [vira a página fazendo suspense].

Quem será que a coruja irá convidar? Que que é isso aqui?

Laís explora o livro passando a mão e perguntando às crianças o que é aquilo. Pelo vídeo é possível ver – da direita para a esquerda, Bruna,

Julia de pé, Lara, Sophia, Tarcila olhando atentas para o livro, tentando identificar o que era. Nessa imagem também aparece Dénick sentado

próximo à educadora explorando os fantoches. Laís ainda insiste perguntando para outras crianças.

Educadora Laís: _ Você sabe o que é isso Higor? Sabe Pietro? É o galho da árvore! [entonação]

A coruja falou que vai à festa da bruxa, se ela convidar a árvore!

Nesta cena aparece Dénick pegando um fantoche e balbuciando algo que não é possível identificar, mas é possível perceber que ele interage

com os fantoches. Ao fundo a educadora Andrea se sentando no colchonete com o bebê Arthur Marques apontando com o dedo para Arthur

ver onde estava se passando a história. Ela apontava o dedo e dizia para a criança:

Educadora Andrea: _Olha lá Arthur! Olha lá! Ô Ô!

Ao que a criança parece responder direcionando seu olhar para a cena da história. Em seguida João Miguel que está também ali do lado da

Educadora Andreia, a chama com um gesto e aponta a cena da história, como se quisesse contar a ela o que estava acontecendo na história.

A educadora interpreta seu gesto e pergunta:

Educadora Andrea: _ Oi? É a bruxa?

Ele continua atento à história. Laís continua narrando. Enquanto isso as crianças que estão ali próximas continuam com os fantoches. Lara

com dois fantoches na mão estabelece com eles e entre eles uma interação:

Lara: _ Oiii!! [ela diz balançando as mãozinhas e o corpo, provocando o encontro entre os dois fantoches]

Educadora Laís: _ Aí a árvore respondeu, Duende, Duende, venha à minha festa! E o Duende respondeu, obrigado! Irei sim se você convidar

quem? ... Vamos ver... [vira a página]. Quem que é esse aqui? . [pergunta mostrando a imagem] Quem é Isadora?

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Sophia arrisca responder: _ A bará! [não é possível saber o que significa o que Sophia disse, mesmo que a professora Edilene acolha sua

tentativa dizendo:

Professora Edilene: _ Parece mesmo né Sophia!!

Educadora Laís: _ É um dragãooo! Olha a boca do dragão Miguel! Aí o dragão respondeu, eu irei sim se você convidar... [suspense] Quem

será que o dragão vai convidar?

Laís diz fazendo o gesto interrogativo com as mãos. A professora Edilene vai falando com as crianças

Professora Edilene: _ Quem será? Quem? Olha lá gente ô!

Educadora Laís: _ Quem será Bruna? Quem será que o dragão vai convidar pra festa?

Bruna fica olhando mas não responde. Laís continua...

Educadora Laís: _ Vamos ver quem! [vira a página e aparece a imagem de um pirata]

A professora Edilene e a educadora Andréa vão estabelecendo com as crianças um diálogo. Chamando-as para olhar na imagem do livro. Laís

pergunta:

Educadora Laís: _ Quem que é esse aqui?

A professora Edilene direciona novamente a pergunta para Miguel perguntando a ele quem é aquele lá. Lara pede para ver a imagem e Laís

vira o livro para ela. Ela arrisca uma tentativa:

Lara: _ Palhaço!

Bruna ergue o corpo para colocar a mão na imagem do pirata no livro. Ao fundo Miguel diz que é o pirata. [fica a impressão de que a

professora Edilene contou a ele]. A professora comemora a participação de Miguel. Miguel está de pé com uma almofada na mão e repete a

palavra:

Miguel: _ Pirata!

Educadora Laís: _É isso Miguel! É um pirata!

As crianças que estavam mais próximas à cena interagem bastante com a imagem do pirata, percebem que há um papagaio.

Lara diz: _ Oia! Papagaio! [Olha! Papagaio!]

Tiago que esteve um bom tempo desde o início da história deitado, se levanta e vai até a educadora, fica ali de frente querendo interagir com

as imagens do livro, leva o corpinho pra frente com o braço esticado para encostar-se ao personagem. Laís continua:

Educadora Laís: _ Aí o pirata respondeu, eu irei sim, se você convidar... [vira a página mostrando a imagem e pergunta] _ Quem que o pirata

convidou? Quem é? Quem é? Quem é Isadora? Isadoraa!

Durante esta cena, aparece Isadora e Eduardo disputando um livro que Eduardo havia pego no carrinho da biblioteca móvel. Ao que a

professora Edilene intervém resolvendo a situação. Ela pega o livro das mãos das duas crianças, mas como Eduardo começa a chorar, ela

devolve o livro a ele.

Educadora Laís: _ Um tubarãooo! Onde que o tubarão mora? Lá na água, no mar! Aí o tubarão respondeu, irei sim, se você convidar...

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Vira a página e apontando para a cobra que é a personagem que aparece em seguida, pergunta às crianças:

Educadora Laís: _ Quem é essa aqui? Quem faz assim ô? [gesto fazendo um movimento com a mão e o braço em ondas e assoprando] Que

rasteja pelo chão? Quem é Tiago?

Quando ela pergunta para Tiago ele coloca o dedo sobre a imagem da cobra e balança o corpo em gesto que parece que vai dar pulinhos,

mas não responde, apenas fica olhando e mexendo o corpo atentamente. Laís mostra para Lara e pergunta:

Educadora Laís: _ Quem é Lara?

Ela olha e diz que é o dragão. Laís então responde:

Educadora Laís: _ Não essa é a coobra! Olha a cobra Tarcila!

Tarcila: _ Ea vai comê! [ela vai comer]

Bruna faz gestos com a mão como se estivesse com medo ou se divertindo com a descoberta de ser aquele personagem uma cobra.

Educadora Laís: _ Aí a cobra respondeu! Eu irei sim, se você convidar...

Lara com o fantoche na mão interrompe e diz a Laís que a roupinha do fantoche saiu. Laís pergunta se ela tirou a blusa do fantoche e continua

a história tendo que voltar e retomar:

Educadora Laís: _ Aí o ... o... [volta a página] o tubarão falou que só vai se chamar a cobra. E a cobra? Quem será que ela vai chamar para a

festa da bruxa?

Quando Laís pergunta isso, Sophia entende que chamar a cobra seria chamá-la mesmo. Por isso ela chama bem alto:

Sophia: _ Cobaaa! [cobraaa]

A história continua ... como a pesquisadora estava com uma criança no colo, o Benjamin, houve um momento em que teve que trocar a

filmadora de mão. Laís passa a página e pergunta às crianças:

Educadora Laís: _ Quem que é esse aqui? É um macaco? Aí ... A cobra só vai na festa da bruxa, se chamar o macaco!

Sophia: _ O macaco já foi!

As crianças continuam todas no tapete, ouve-se o choro do bebê Arthur.

Professora Edilene: _ Olha lá que macaco esquisito! Olha lá! Olha lá!

Educadora Laís: _ E o macaco? Olha aqui o olho dele! Aí quem será que o macaco vai chamar pra festa da bruxa?

Lara responde pegando um fantoche entre os outros fantoches que estão por perto. Ela diz erguendo o fantoche da bruxinha. Ela esteve com o

fantoche da bruxinha desde o início da história, mas já havia pegado outros:

Lara: _ Esse aqui ô!

Educadora Laís: _ Essa é a bruxa! Quem que ela vai chamar pra festa? [vira a página e mostra a imagem do lobo, continua] Quem que é

esse aqui?

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Algumas crianças expressam balbucios (não dá pra identificar as palavras que estão dizendo), mas é possível perceber que estão

respondendo à pergunta de Laís. No vídeo ainda aparecem Sophia, Tarcila, Bruna e Lara em volta da história com os fantoches na mão. Julia

com um livro brincando na almofada e Tiago de pé olhando para o livro. Uma criança responde:

Lara: _ o cachooo! [o cachorro]

Educadora Laís: _ O lobo mauuu!!

Ouve-se uma voz de bebê que diz:

Criança: _ O ma mau!!

Bruna: _ o obo da apeuzinho vemeo...[inaudível] [O lobo da chapeuzinho vermelho...]

Educadora Laís: _ O lobo mauuu Lá da chapeuzinho vermelho!

No vídeo é possível ver Dénick pegando fantoches e caminhando pela sala, Isadora interagindo com um folheto de um livro, Eduardo

guardando um livro no carrinho da biblioteca móvel. Julia caminhando pela sala com uma almofada e um fantoche na mão.

Educadora Laís: _ Aí o lobo ... Quem será que o lobo vai chamar? Quem será?

A educadora pergunta antes de virar a página e aguarda olhando em direção à Bruna que está muito atenta à história. Bruna responde:

Bruna: _ o apeuzinho vemeo! [o chapeuzinho vermelho]

Educadora Laís: _ A chapeuzinho vermelho será que é Bruna?

Bruna: _ va vê a apeuzinho vemeo! [vamos ver a chapeuzinho vermelho]

Bruna balança a cabeça em sinal afirmativo e estica o bracinho na intenção de virar logo a página e descobrir. Tiago também está muito

interessado em descobrir quem será o convidado do lobo. Estica o bracinho para colocar o dedo na imagem.

Educadora Laís: _ Vamos ver?

Laís vira a página, faz novamente a pergunta e Bruna responde:

Educadora Laís: _ Ô! Quem que ele chamou ô?

Tiago que estava muito atento até se levanta para ver melhor. Bruna percebe que tinha razão. Fica olhando atentamente a página observando

os detalhes da imagem e responde.

Bruna: _ a apeuzinho vemeo! [ A chapeuzinho Vermelho!!]

Ouve-se ao fundo a voz da Professora Edilene batendo palmas e vibrando por Bruna ter acertado.

Professora Edilene: _ Acertou Bruna!

Educadora Laís: _ É! A chapeuzinho Vermelho!

Ela diz levantando mais o livro.

Educadora Laís: _ Olha a carinha dela! Será que ela tá com medo de ir à casa da bruxa?

Bruna responde balançando a cabeça em resposta negativa.

Bruna: _ Não!

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Educadora Laís: _ Tá não né? A bruxa é boazinha!

Bruna responde a essa pergunta, com gestos afirmativos e apontando algo no livro. Fala algumas palavras que não é possível entender no

áudio. Laís confirma o que Bruna afirmou e continua contando a história. João Maciel está de pé próximo aos livros, Isadora está deitada sobre

o tapete, Dénick de pé próximo ao carrinho de livros.

Educadora Laís: _ Eu irei sim na sua festa, mas só se você convidar...

Professora Edilene: _ Olha lá! Quem convidou?

Nesta cena Lara vira-se mostrando para a pesquisadora um fantoche na mão. Ela estava respondendo a pergunta da Educadora Laís

mostrando o fantoche que iria à festa da bruxa. Laís vira a página mostrando a imagem seguinte do livro. Lara cutuca a Educadora Laís no

braço mostrando o fantoche que iria na festa da bruxa.

Lara: Ô!

Educadora Laís: _ Crianças! Crianças! Venham à minha festa!

Professora Edilene: _ Olha lá! Bruna quem ela convidou! Todo mundo!!

Educadora Laís: _ Aí ela chamou todo mundo para ir na festa da bruxa! Vamos por ô.

Laís diz isso já pegando os fantoches para colocar nas mãos das crianças. As crianças vão participando olhando os fantoches e colocando nas

mãozinhas.

Bruna: _ Aqui o gatinho! - Diz passando o dedo na imagem do gatinho no livro.

Educadora Laís: _ É! O gatinho foi na festa da bruxa! O... quem que é esse aqui? O cachorrinho foi na festa da bruxa!

Coloca o fantoche do cachorrinho na mão de Tiago. De porquinho na mão da Sophia.

Educadora Laís: _ É! O porquinho foi na festa da bruxa! O palhaço! Cadê a roupa desse? Aqui o palhaço! Aqui Tarcila! Vamos levar o palhaço

na festa da bruxa!

Laís vai colocando os fantoches nas mãozinhas das crianças e elas começam a brincar com eles. Lara diz alguma coisa sobre o fantoche que

está na sua mão, mas não é possível compreender.

Educadora Laís: _ Quem que é esse aqui? O cachorrinho! O cachorrinho foi na festa da bruxa.

Laís coloca o cachorrinho na mão de Tiago. Algumas crianças se movimentam pela sala. A educadora Andreia pergunta para João Maciel,

fazendo gesto com a mão como quem não sabia onde estava a bruxa:

Educadora Andreia: _ Cadê a bruuxa?

João Maciel faz gestos com a mãozinha parecidos com os da educadora Andreia, como se não soubesse.

Uma criança, que não é possível identificar quem é diz:

Criança: _ A mamãe!

Laís responde:

Educadora Laís: _ Isso, a mamãe foi na festa da bruxa! Vamos dar pro Pietro aqui?

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Laís já se levanta e leva um fantoche dizendo:

Educadora Laís: _ A boneca vai na festa da bruxa Pietro? Vai?

Bruna se aproxima de Pietro com seu fantoche na mão. A professora Edilene pede que Isadora, que estava com um livro na mão, guarde o

livro e vá pegar um fantoche. Laís pega o fantoche da bruxa e coloca na mão de João Maciel e o ensina a interagir com o fantoche. Criando

uma situação de interação entre o bebê João e o fantoche da bruxa, Laís ensina João a brincar com o fantoche, inclusive imitando uma risada

de bruxa ao que João Maciel responde com um sorriso.

Educadora Laís: _ Olha a bruxa! Que legal!

João Maciel sorri. Laís pega outro fantoche e diz:

Educadora Laís: _ Cadê? Cadê o vovô! Vamos por na mão do João Miguel? Vamos por na mão do João Miguel?

João Miguel, entretanto afasta a mãozinha, parecendo ter medo do fantoche. Laís coloca o fantoche em sua própria mão para que João veja

como se brinca. Ela coloca o fantoche na mão e diz:

Educadora Laís: _ Assim ô! Hô hô hô Hô hô hô!

João Miguel sorri e permite que ela coloque o fantoche em sua mão. Assim que Laís sai para colocar o fantoche na mão de outra criança, a

educadora Andreia que está do lado de João Miguel e junto com o bebê Arthur, provoca uma interação entre as duas crianças com o fantoche

na mão de João Miguel. Ela pega na mão de João e brinca com Arthur fazendo com que as duas crianças interajam entre si e também com o

personagem fantoche. Segurando a mão de João ela provoca o jogo. Em seguida, encoraja João Miguel a continuar a brincadeira com Athur

Marques. A partir desta cena, as crianças já estão totalmente envolvidas com os livros de histórias trazidos na biblioteca móvel. Cada criança

escolheu um livro e ensaia modos de leitura. Todas as pessoas adultas acompanham o movimento das crianças, lendo com elas, encorajando

a passagem das páginas. E a cena se segue por muito tempo por meio da exploração, disputas e troca de livros entre as crianças

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ANEXO IX LIVRO “MUITOS ANIMAIS”

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