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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ VERA CECÍLIA GONÇALVES FONTES RESOLUÇÕES DO CONAMA: UM ESTUDO CRÍTICO SOB OS ASPECTOS DA (I)LEGALIDADE E DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE MARINGÁ 2009

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ VERA CECÍLIA … · CDD 22. ed. 344.0460026 NBR/CIP-12899 AACR2 Maria Grazia Zolet CRB 9/77 . ... paciência e lealdade em todos os momentos desta

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

VERA CECÍLIA GONÇALVES FONTES

RESOLUÇÕES DO CONAMA: UM ESTUDO CRÍTICO SOB OS

ASPECTOS DA (I)LEGALIDADE E DA

(IN)CONSTITUCIONALIDADE

MARINGÁ 2009

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VERA CECÍLIA GONÇALVES FONTES

RESOLUÇÕES DO CONAMA: UM ESTUDO CRÍTICO SOB OS

ASPECTOS DA (I) LEGALIDADE E DA

(IN)CONSTITUCIONALIDADE

Dissertação apresentada à Universidade Estadual de Maringá como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito Orientador: Professor Doutor Antonio

Carlos Segatto

MARINGÁ

2009

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Fontes, Vera Cecília Gonçalves. F683 Resoluções do CONAMA : um estudo crítico sob os aspectos da (i)legalidade e da (in)constitucionalidade / Vera Cecília Gonçalves Fontes.-- Maringá, 2009. 98 f.

Orientador : Prof. Dr. Antonio Carlos Segatto. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Estadual de Maringá, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Direito, 2009.

1. CONAMA – Resoluções – Legalidade. 2. CONAMA – Resoluções - Ilegalidade. 3. Resoluções do CONAMA – Constitucionalidade. 4. CONAMA - Resoluções – Inconstitucionalidade. 5. Cooperativismo – Regulamentação. I. Universidade Estadual de Maringá. Programa de Pós-Graduação em Direito. II. Título.

CDD 22. ed. 344.0460026 NBR/CIP-12899 AACR2

Maria Grazia Zolet CRB 9/77

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RESOLUÇÕES DO CONAMA: UM ESTUDO CRÍTICO SOB OS

ASPECTOS DA (I) LEGALIDADE E DA (IN)

CONSTITUCIONALIDADE

Dissertação apresentada à Universidade Estadual de Maringá como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito Administrativo: Tutela dos Direitos Supra-Individuais.

Aprovada em 28 de março de 2009.

BANCA EXAMINADORA

Professora Doutora Sônia Letícia de Méllo Cardoso Universidade Estadual de Maringá

Professor Doutor ................ Universidade Estadual de Londrina

Professor Doutor Antonio Carlos Segatto Universidade Estadual de Maringá

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Aqueles que adquirem a sabedoria, atraem a amizade de Deus, porque são recomendados pelo

dom da instrução. (Sabedoria, 7-15).

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Ao meu esposo Carlos Edmundo, grande incentivador e cúmplice pelo apoio, carinho,

paciência e lealdade em todos os momentos desta e de todas as nossas caminhadas,

com amor.

Aos meus queridos filhos Fernanda e Gabriel, maior presente de Deus, com todo o

amor.

A meu pai João, in memorian, pelos sacrifícios pessoais, pelos ensinamentos, pelos

valores transmitidos e nem sempre compreendidos na inexperiência da juventude, com

saudade ....

À minha mãe Maria Cândida, pela sua doçura, pelo exemplo de esposa dedicada e mãe

amorosa, com amor.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar e sempre agradeço a DEUS, supremo e misericordioso.

Agradeço à coordenação deste Programa pela oportunidade de participar do mesmo.

Agradeço ao Professor Doutor Ivan Aparecido Ruiz, pela paciência e disponibilidade,

bem como pelos ensinamentos valiosos e pela nobreza de caráter.

Agradeço à Professora Doutora Sônia Letícia de Méllo Cardoso, que me acolheu.

Agradeço ao Professor Doutor Antonio Carlos Segatto, meu orientador.

Agradeço a todos os professores com os quais tive o prazer de conviver ao longo do

curso de especialização em Direito Ambiental que me abriu novas possibilidades e do

mestrado, pelos conhecimentos transmitidos.

Agradeço à querida amiga Mestre Lívia Beatrice Trevisol, grande incentivadora desde

sempre.

Agradeço aos amigos do curso de Mestrado, com quem tive o prazer de conviver e

dividir experiências, em especial Amanda Gimenez, Angélica Giosa, Demétrius

Coelho Souza , Haroldo Camargo e Ricardo Gardiolo.

Agradeço aos servidores da Universidade Estadual de Maringá Edson Reis da Silva,

Eloiza Ribeiro, Lílian Denise Oshima, Maria da Conceição de Araújo, Maria Lucia

Della Coletta Xavier e Vandete Maria Viel.

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RESUMO

As resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente são objeto de inúmeras

controvérsias de interpretação na doutrina nacional. O CONAMA, órgão colegiado

administrativo criado pela Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981, cujas atribuições,

previstas no artigo 8º, incisos I, VI e VII da referida norma, consistem no

estabelecimento de normas, padrões e critérios de tolerabilidade de maneira a controlar

e preservar a qualidade do meio ambiente. Suas deliberações são manifestadas por meio

de resoluções, atos administrativos de conteúdo estritamente técnico. Por razões

diversas, tais como: inércia do Poder Legislativo, morosidade do processo legislativo e

bruscas mudanças no panorama social (sociedade de risco), que demandam soluções

rápidas e eficazes o CONAMA tem expedido resoluções que extrapolam suas

atribuições legais ao impor sanções e obrigações, que invadem o limite da reserva legal.

Como conseqüência têm sido invocadas ora a ilegalidade ora a inconstitucionalidade

dessas resoluções, com questionamentos tanto na esfera administrativa como na

judicial, fato que enfraquece o órgão colegiado. Parte da doutrina entende que a solução

para esse problema é a regulamentação, por meio de lei complementar, prevista no

parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal, que dispõe sobre o

cooperativismo federativo com o objetivo de proteger o meio ambiente e combater a

poluição (artigo 23, incisos VI e VII da Constituição Federal), o que até a presente data

não ocorreu. No entanto para outros doutrinadores a referida regulamentação não é

necessária, por entenderem ter o parágrafo único do artigo 23 do Texto Constitucional

aplicabilidade imediata e eficácia plena. Por outro lado, têm sido utilizados os

convênios como meio de cooperação, contudo tal prática também não tem apoio

unânime da doutrina.

Palavras-chave: Resoluções. Conama. Legalidade. Constitucionalidade.

Cooperativismo. Regulamentação.

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ABSTRACT

The resolutions of the National Council of the Environment are object of innumerable

controversies of interpretation in the national doctrine. The CONAMA is an

administrative collegiate agency created by Law 6.938, edited on August, 31 st 1981. Its

attributions are foreseen in the article 8º, interpolated propositions I, VI and VII of the

related norm and consist in the establishing norms, standards and criteria of tolerance to

control and to preserve the quality of the environment. Its deliberations are revealed by

the resolutions, which are administrative acts of strict technician content. For many

reasons, such as: inertia of the Legislative Power, slowness of the legislative process

and brusque changes in the society (risk society ), that demand fast and efficient

solutions CONAMA created resolutions that surpass its legal attributions and imposes

sanctions and obligations, that invade the limit of legal reserve. As a result both

illegality and unconstitutionality have been invoked. This fact weakens the collegiate

agency. Part of the doctrine understands that the solution for this problem is the

regulation, by means of complementary law, foreseen in unique paragraph of article 23

of the Federal Constitution, that makes use on the federative cooperativismo with the

objective to protect the environment and to fight the pollution (article 23, interpolated

propositions VI and VII of the Federal Constitution). However the law hasn’t been

elaborated until the present.. On the hand, for other law authors the related regulation

is not necessary, for them the unique paragraph of article 23 of the Constitutional Text

has immediate applicability and full effectiveness. Agreements of cooperation have

been used, however such practical also does not have unanimous support of the

doctrine.

Keywords: Resolutions. Conama. Legality. Constitutionality. Cooperation. Regulation.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11 CAPÍTULO I - DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE ............... 14 1.1 O meio ambiente visto holisticamente ................................................................. 14 1.2 Dos Princípios da Política Nacional do Meio Ambiente ..................................... 18 1.3 Do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente) ………………………... 20 1.4 Do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) ………………………. 23 CAPITULO II – DAS RESOLUÇÕES DO CONAMA ........................................ 26 2.1 Da natureza jurídica das resoluções: ato administrativo normativo ..................... 26 2.2 Do conceito de ato administrativo ........................................................................ 28 2.3 Dos elementos do ato administrativo: agente, objeto, forma, motivo e fim ........ 30 2.4 Dos atributos do ato administrativo ...................................................................... 36 2.5 Da anulação e da revogação dos atos administrativos ........................................ 41 CAPITULO III – DA COOPERAÇÃO ENTRE OS ENTES FEDERADOS ..... 45 3.1 Competência dos entes federados: privativa, concorrente e comum .................... 45 3.2 Da competência comum ....................................................................................... 55 3.3 Norma de cooperação entre os entes federados .................................................... 57 3.4 Da regulamentação ................................................................................................ 67 CAPÍTULO IV – DA LEGALIDADE DAS RESOLUÇÕES DO CONAMA .... 70 4.1 As resoluções do CONAMA no âmbito da proteção do ambiente ....................... 70 4.2 Princípio da legalidade .......................................................................................... 78 4.3 Princípio da reserva legal ...................................................................................... 82 4.4 Princípio da separação dos poderes ....................................................................... 83 4.5 Princípio da segurança jurídica ............................................................................. 87 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 90 REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 93

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INTRODUÇÃO

A legislação ambiental pátria, embora vasta e avançada tem-se mostrado na prática

ineficiente na proteção do ambiente, bem como na solução de conflitos ambientais, que

demandam soluções rápidas.

Diante de tal situação o CONAMA, órgão colegiado de terceiro escalão do

Poder Executivo (criado pela Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981, a PNMA – Política

Nacional do Meio Ambiente), com atribuição, entre outras, de estabelecer normas,

padrões e critérios relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente

( artigo 8º, incisos I, VI e VII da Lei 6.938/81), tem reiteradamente extrapolado suas

atribuições, pois o conteúdo de algumas de suas resoluções inova e impõe sanções e

obrigações, prerrogativas atribuídas à lei. Registre-se, por oportuno, que o CONAMA

pratica exclusivamente atos administrativos.

A despeito da incansável atuação e importante contribuição do CONAMA na

defesa do meio ambiente o uso das resoluções em substituição às leis tem causado

questionamentos de ordem administrativa e judicial, além de insegurança jurídica.

Como conseqüência, verifica-se o enfraquecimento do órgão colegiado, cuja

importância no âmbito da política ambiental é inquestionável.

Por conta dos excessos registrados, algumas controvérsias têm sido suscitadas.

Inicialmente, registre-se que a situação descrita remete à problemática da

crescente legiferação do Poder Executivo, com violação dos limites das delegações

permitidas pela Constituição Federal.

A doutrina encontra-se dividida, pois para parte dos doutrinadores, tal fenômeno

é decorrente da sociedade técnica e das grandes mudanças ocorridas, que demandam

soluções cada vez mais rápidas para novos problemas; estas necessidades de

regulamentação não são supridas pela via legislativa tradicional, devido entre outros

motivos à morosidade do processo legislativo. No entanto, para outros doutrinadores a

função legislativa típica constitui-se em prerrogativa apenas e tão somente do Poder

Legislativo.

Questiona-se então as resoluções sob o aspecto da legalidade e da

constitucionalidade. Ainda sob este aspecto prevalece a dissonância de entendimentos,

vez que para alguns a hipótese é de ilegalidade, enquanto que outros entendem tratar-se

de inconstitucionalidade.

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Diante desse quadro, não há como olvidar os princípios constitucionais da

legalidade, da reserva legal, da separação dos poderes e o da segurança jurídica. Estes

princípios têm sido reiteradamente violados pelo CONAMA, em razão da criação de

resoluções que extrapolam a esfera técnica e abarcam matérias que apenas poderiam ser

conhecidas por lei. Isso ocorre porque não há lei regulamentando a matéria.

Portanto, é esse vazio legislativo que enseja a criticada atuação das resoluções

do CONAMA. De se ressaltar também os freqüentes conflitos entre os órgãos de meio

ambiente nas três esferas de poder que ao atenderem seu peculiar interesse cuidam das

matérias enumeradas nos incisos do artigo 23 da Constituição Federal, mais

especificamente os incisos VI e VII (que prevêem a proteção ao meio ambiente e

combate à poluição em qualquer de suas formas, bem como da proteção às florestas,

fauna e flora).

O texto constitucional dispõe acerca da competência administrativa comum da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Como solução ao estado de coisas descrito tem sido apontada a regulamentação

do parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal, que trata da fixação de normas

de cooperação entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de

promover o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional, pondo

fim às ações sobrepostas dos diferentes níveis de poder, fato que ocasiona conflitos

institucionais e prejudica sobremaneira a execução da política ambiental.

Inexistente a regulamentação, os convênios têm sido utilizados de forma

alternativa, todavia também sob este aspecto reina a controvérsia na doutrina, que não é

uníssona.

Para uma corrente, os convênios criam uma situação de subordinação, não

havendo a necessária parceria e equilíbrio entre os entes federados.

Por outro lado, há quem entenda serem os convênios perfeitamente aceitáveis,

desde que embasados na eficiência e com economia de recursos públicos.

No que tange à regulamentação do parágrafo único do artigo 23 da Carta Magna,

com a edição de lei complementar, mais uma vez se impõe o registro da divergência de

posicionamentos na doutrina.

Com efeito, entendem alguns que a cooperação entre os entes federados há que

ser regulada por meio de legislação específica, que não seja facilmente modificável

(clara crítica aos convênios), conforme interesses alheios ao equilíbrio do

desenvolvimento e do bem estar em âmbito nacional.

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Outra corrente de pensamento posiciona-se no sentido de que a regulamentação

do preceito constitucional em questão é prescindível, tendo em vista a eficácia plena do

artigo 23 do Texto Constitucional, que não necessita de legislação infraconstitucional

para regulá-lo, ou seja, a inexistência de lei complementar não impede a cooperação

entre os entes públicos. A edição da norma complementar apenas prescreveria o “modus

operandi” da cooperação.

Estas, em linhas gerais, as idéias desenvolvidas no presente trabalho, no qual se

pretendeu abordar a problemática das resoluções do CONAMA na atualidade, com

enfoque nos aspectos da sua legalidade e constitucionalidade, no fenômeno da

crescente legiferação do Poder Executivo, na questão da regulamentação do

cooperativismo federativo, previsto no parágrafo único do artigo 23 da Lei Maior e por

fim o uso dos convênios como alternativa à falta de regulamentação.

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CAPÍTULO I - DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE

1.1 O meio ambiente visto holisticamente

A tutela jurídica do ambiente, até a edição da Lei 6.938, de 31 de agosto de

1981, Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, protegia o ambiente de maneira

esparsa, a legislação era setorizada e alcançava fatias do patrimônio ambiental,

legislava-se sobre a fauna, flora, água mas não se considerava o ambiente de forma

globalizada.

A partir de então, foi dispensado um novo tratamento jurídico ao ambiente,

adotou-se uma visão holística1 na qual não mais se considerava o ambiente

isoladamene. De acordo com essa nova visão, tudo está ligado a tudo, o ser humano e a

natureza integram o mesmo meio, do mesmo modo devendo ser a proteção jurídica.

É importante destacar essa mudança paradigmática em relação ao meio

ambiente, nesse sentido Marcelo Abelha Rodrigues2 afirma que:

A adoção de uma visão holística do meio ambiente, que fez com que o ser humano deixasse de estar ao lado do meio ambiente e ficasse inserido no mesmo, como parte a ele integrada, não podendo ser dissociado.

1 Segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira “Holismo – [ De hol(o) - + ismo]. S.m. 1. Filos. Tendência, que se supõe seja própria do Universo, a sintetizar unidades em totalidades organizadas. 2. Teoria segundo a qual o homem é um todo indivisível, e que não pode ser explicado pelos seus distintos componentes (físico, psicológico ou psíquico), considerados separadamente; holística”. (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 3 ed. Curitiba: Positivo, 2004. p. 1051). De acordo com Pedro Paulo Lima e Silva o termo “holístico” é definido como: “Qualidade do que contém holismo. A VISÃO holística preconiza o modo orgânico e sistêmico de observar as coisas, isto é, de priorizar o comportamento do todo integrado em detrimento das partes. Baseia-se na observação de que no universo a soma das partes não é igual ao todo; opõe-se à visão mecanicista e cartesiana. Em comunidades biológicas, a filosofia organicista se apodera da visão holística para afirmar a comunidade como um super organismo, cujo funcionamento e organização podemos apreciar somente quando consideramos o seu papel na Natureza como uma entidade completa.” (SILVA, Pedro Paulo Lima et al. Dicionário brasileiro de ciências ambientais. 2 ed. Rio de Janeiro: Thex, 2002. p. 131) 2RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de direito ambiental: Parte geral. V. I. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 83.

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A doutrina pátria, majoritariamente, entende que andou bem o legislador

ordinário ao inovar considerando o ambiente de forma ampla, com integração de vários

elementos, inclusive com a inserção do ser humano, numa concepção mais ampla, em

contraponto ao superado e restrito conceito que previa apenas a proteção aos recursos

naturais.3

A proteção do ambiente no Brasil desde o descobrimento, em 1500, até meados

da década de 1960 não mereceu atenção do legislador, exceto por conta da existência de

legislação esparsa, que não visava a proteção ambiental em si, mas evitar o exaurimento

de recursos naturais de alto valor econômico (como por exemplo o pau-brasil), ou

ainda, a proteção da saúde da população, pois a proteção do ambiente era uma questão

de saúde pública4. Esta fase tem como característica a exploração ambiental desregrada,

aliada à omissão legislativa.

Posteriormente, na chamada fase fragmentária já se tem registro de legislação

protecionista de variadas categorias de recursos naturais com intenção de impor algum

controle somente sobre as atividades exploratórias típicas do utilitarismo, caracterizado

pela exploração desenfreada motivada pelo interesse econômico.

São desta fase, por exemplo, o Código Florestal (Lei nº 4.771, de 15.09.1965);

os Códigos de Caça (Lei nº 5.197, de 03.01.1967) e de Pesca (Dec. - lei 221, de

28.01.1967), entre outros. São assim característicos deste período, sob o aspecto ético, o

utilitarismo dos recursos naturais, e sob o aspecto formal a fragmentação tanto do objeto

(não havia então uma visão holística do meio ambiente, encarado de forma isolada em

cada um dos recursos naturais), como da legislação esparsa, segundo relata Antonio

Herman V. Benjamin5 .

Em 1972, quando da realização da Conferência de Estocolmo o Brasil liderou os

países do terceiro mundo contra a idéia ambientalista dos países desenvolvidos, os 3 LEITE, José Rubens. Dano ambiental: do individual ao coletivo, extrapatrimonial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 84. 4 Afirma o autor, referindo-se ao tratamento dispensado à proteção do ambiente nas Constituições anteriores à Constituição Federal de 1988: “Ao contrário do meio ambiente, a saúde, como valor próprio e separado do núcleo-mãe “vida”, foi formalmente tratada, sob vários enfoques, por muitas das Constituições anteriores à de 1988. 30 Nesses modelos constitucionais, degradação ambiental seria sinônimo de degradação sanitária, ou, pior, mero apêndice do universo maior da produção e do consumo. Sem dúvida, uma argumentação de cunho estritamente antropocêntrico, com indisfarçável conteúdo economicista e utilitarista.” (BENJAMIN, Antônio Herman. O meio ambiente na Constituição Federal de 1988. In: (Orgs.) KISHI, Sandra Akemi Shimada, SILVA, Solange Teles da, SOARES, Inês Virgínia Prado. Desafios do direito ambiental no século XXI: estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 372-373). 5 BENJAMIN, Antônio Herman V. Introdução ao direito ambiental brasileiro .Revista de Direito Ambiental. Ano 4, n. 14, abril-junho de 1999. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 51-52.

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quais tendo atingido seu desenvolvimento com o uso predatório dos recursos naturais,

pretendiam retardar e encarecer a industrialização dos países subdesenvolvidos,

impondo complexas exigências de controle ambiental que se implementadas fariam

com que os ricos continuassem sempre ricos e os pobres cada vez mais pobres, sem

perspectivas. Eram slogans dos países de terceiro mundo: “A maior poluição é a

pobreza” e ainda “ A industrialização suja é melhor do que a pobreza limpa”6.

A despeito da participação de destaque do Brasil na Conferência de Estocolmo,

somente a partir dos anos oitenta é que a legislação ambiental se concretizou,

inicialmente com a Lei n. 6.938/81.

A Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981 (Lei da Política Nacional do Meio

Ambiente) constitui-se num marco, por não se tratar de mero conjunto de regras, tendo

o legislador adotado uma visão abrangente do ambiente, considerado de forma global e

não em partes, como até então.

O diploma legal em comento estabeleceu princípios, objetivos, diretrizes,

instrumentos e conceitos gerais. Há que se destacar a incorporação do Estudo de

Impacto Ambiental e do regime de responsabilidade civil objetiva para o dano

ambiental, de forma definitiva ao ordenamento jurídico nacional.

A tutela do ambiente é tendência mundial, adotada por várias Constituições7 e

pela Constituição Federal de 1988 que dedicou todo o Capítulo VI ao meio ambiente 8

tendo recepcionado a Lei n. 6.938/81.

6 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 140. 7 Com relação à previsão de proteção do ambiente em Constituição de outros países informa o autor: “A Constituição de 1988 pela primeira vez no Brasil insere o tema “meio ambiente” em sua concepção unitária. Não foi a primeira Constituição da América latina a fazê-lo, tendo sido precedida pelas Constituições do Equador e do Peru em 1979, Chile e Guiana de 1980, Honduras de 1982, Panamá de 1983, Guatemala de 1985, Haiti e Nicarágua de 1987. Nossos ancestrais na Europa – Portugal e Espanha – inovaram em 1976 e 1978 – introduzindo o tema nas Constituições.” (MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13 ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 104) 8 CF art. 225: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII – proteger a

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Decorridos vinte e sete anos da publicação da Lei da Política Nacional do Meio

Ambiente, ainda nos dias atuais há dificuldades na implementação desta legislação.

Regulamentada pelo Decreto 99.274/90, é referencial no que tange à proteção do

ambiente no sistema legislativo nacional, constituindo-se em instrumento para aplicação

da política ambiental.

Pode-se seguramente afirmar que a Lei n. 6.938/81 revolucionou de maneira

pacífica o relacionamento da sociedade brasileira com o meio ambiente, no sentido de

que provocou uma evolução nesta seara9.

Anteriormente havia, como já mencionado, legislação esparsa de proteção, por

exemplo, às florestas com o Código Florestal, não havendo, todavia, uma política, um

sistema legislativo de proteção ao ambiente como um todo.

Com o advento da Lei 6.938/81, cuja função consiste em guiar a aplicação das

leis que tratam da proteção ambiental no Brasil e regular a Política Nacional do Meio

Ambiente - PNMA, constituiu-se o SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente,

do qual faz parte o CONAMA, Conselho Nacional do Meio Ambiente, regulado nos

artigos 7º e 8 º da Lei 6.938/81.

Ressalte-se, por sua extrema pertinência, o comentário de Paulo de Bessa

Antunes10 que compara o desempenho da Política Nacional do Meio Ambiente -

PNMA em relação ao Direito Ambiental com a Lei de Introdução ao Código Civil em

relação ao “direito comum”.

fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. §2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. § 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. § 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais. § 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas. (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 139). 9 Acerca deste aspecto inovador da Lei da Política Nacional do meio ambiente, afirma o autor: “[...] podemos dizer que a Política Nacional do Meio Ambiente significou – senão uma revolução pacífica – uma auspiciosa evolução no relacionamento da sociedade brasileira com o meio ambiente.”. (MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 438) 10 ANTUNES, Paulo de Bessa. POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE – PNMA Comentários à Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005. p. 7, nota 4.

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A edição da Lei 6.938/81 contribuiu tanto para mudanças na proteção ambiental,

como também na tutela dos direitos difusos11;inovou ainda ao reconhecer no direito

ambiental a característica da transversalidade, tanto no aspecto interno com a inserção

de conhecimentos de outras áreas do saber, como no externo, ao constatar a influência

das oscilações ambientais na vida da sociedade, como avalia Inês Virgínia Prado

Soares12.

A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente provocou uma mudança

expressiva, criou uma política para o meio ambiente, dispôs acerca dos seus objetivos

e aproveitou as normas estaduais já existentes, tendo ainda instituído o Sistema

Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), atribuindo aos Estados grande

responsabilidade na execução dos preceitos previstos nas normas protetoras do

ambiente.

1.2 Dos Princípios da Política Nacional do Meio Ambiente

O artigo 2º da Lei n. 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio

Ambiente prevê em seu texto os objetivos da PNMA, quais sejam a preservação,

melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar no

País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança

11 O artigo 81, inciso I da Lei nº 8.078/90 define os direitos difusos: Art. 81. “A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. Defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.” (BRASIL. Código de defesa do consumidor e da concorrência, legislação das agências reguladoras, Constituição Federal organizador Fernando de Oliveira Marques, obra coletiva de autoria da Editora Revista dos Tribunais, com a coordenação de Giselle de Melo Braga Tapai. 4 ed. rev. atual e ampl. 2003. p. 258) 12 A autora manifesta suas conclusões nas seguintes palavras: “A LPNMA captou a exata essência do direito ambiental que é a transversalidade, tanto interna, pela absorção em seus dispositivos de elementos de outros ramos do saber humano, como externa, pela introdução da influência da variável ambiental nos vários processos decisórios da sociedade e do mercado. [...] Outros conceitos igualmente importantes e essenciais para a consolidação dos princípios e a concretização dos instrumentos também previstos na Lei são de degradação, de poluição, de poluidor e de recursos ambientais. (art. 3º e incisos). Embora conceitos autônomos, todos contribuem para a consolidação da visão do meio ambiente como macrobem, e confirmam a característica de transversalidade da matéria ambiental 5.”.(SOARES, Inês Virgínia Prado. Lei de política nacional do meio ambiente e proteção do patrimônio arqueológico: perspectivas de efetividade. In: (Coord.) ROCHA, João Carlos de Carvalho, HENRIQUES FILHO, Tarcísio Humberto Parreiras, CAZZETTA, Ubiratan. Política nacional de meio ambiente: 25 anos da Lei n. 6.938/81. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 499-501)

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nacional e à proteção da dignidade da vida humana, mediante a observância de alguns

princípios, elencados no texto legal13.

Paulo Affonso Leme Machado14, define princípio como alicerce ou fundamento

do Direito: “Os princípios aqui abordados estão formando e orientando a geração e a

implementação do Direito Ambiental.”

São princípios da Política Nacional do Meio Ambiente, insculpidos no artigo 2º

da Lei 6.938/8115, verbis:

Art. 2º ...

I - princípio da ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; II – princípio da racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; III – princípio do planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; IV – princípio da proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas; V – princípio do controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras (v. art. 9º,II, da Lei n. 6.938/81); VI – princípio de incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais (v.art. 9º, V, da Lei 6.938/81); VII – princípio do acompanhamento do estado da qualidade ambiental (auditoria ambiental); VIII – princípio da recuperação de áreas degradadas; IX – princípio da proteção de áreas ameaçadas de degradação; X – princípio da educação ambiental em todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente (art. 225, parágrafo 1º, VI, da CF e Lei 9.795/00).

13ANTUNES, Paulo de Bessa. POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE – PNMA Comentários à Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005. p. 11. O autor critica a impropriedade terminológica do legislador com relação ao dispositivo legal acima mencionado, nos seguintes termos: “Aqui, é importante frisar que o legislador se utilizou de uma expressão inadequada, pois o correto seria ter se utilizado do termo conservação e não preservação. Preservação tem o sentido de perenizar, de perpetuar, de salvaguardar, os recursos naturais, de não utilizá-los. A melhoria do meio ambiente significa dar-lhe condições mais adequadas do que as existentes. Isto é, a PNMA busca estimular o manejo ambiental de forma que a qualidade do meio ambiente seja, progressivamente, superior. A recuperação referida na lei, como um dos objetivos da PNMA, deve ser entendida como a busca do status quo ante das áreas degradadas.” 14 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13 ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 53. A propósito dos princípios José Joaquim Gomes Canotilho afirma: “[...] os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização , compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos [...]”(CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constituciona.l 3 ed. Coimbra: Livraria Almedina, [1999?]. p. 1087) 15 BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 843)

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Os princípios elencados na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente recebem

críticas16, por serem considerados ambíguos em razão de muitos serem na verdade

programas de ação, não obedecendo a maneira de enunciação dos princípios,

normalmente em forma de oração, tendo o verbo a função de indicar a natureza e o

rumo das ações.

De se observar que o rol dos princípios legais não é taxativo, sendo

complementado pelos princípios apontados pela doutrina. Alguns princípios não são

expressamente mencionados, como exemplo cite-se a crítica de Alexandre Camanho de

Assis17 para quem a despeito das inúmeras virtudes, o texto legal não previu o princípio

do poluidor-pagador.

Nessa trilha, também seria oportuno ressaltar que os princípios contidos na Lei

da Política Nacional do Meio Ambiente não se confundem com os princípios

doutrinários, como assevera Luís Paulo Sirvinkas18.

Nessa trilha, Paulo Afonso Leme Machado19 aponta o princípio da equidade e

Marcelo Abelha Rodrigues20 o princípio da ubiqüidade, que também informam o

Direito Ambiental e não se encontram previstos no rol do artigo 2º da Lei n. 6.938/81.

16 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 433, 438. No mesmo sentido posiciona-se Odete Medauar, ao afirmar: “Nota-se nos primeiros dispositivos da referida lei uma certa indistinção ou mescla entre objetivos, metas, princípios. O art. 2º, caput, fixa o objetivo geral da Política Nacional do Meio Ambiente, plenamente atual: preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida.” (MEDAUAR, Odete. O ordenamento ambiental brasileiro. In: (orgs.) KISHI, Sandra Akemi Shimada, SILVA, Solange Teles da, SOARES, Inês Virgínia Prado. Desafios do direito ambiental no século XXI: estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 701) 17 Assim manifesta o autor sua crítica: “Entretanto, apesar das inúmeras virtudes, a lei não arrolou, entre os princípios da Política Nacional do Meio Ambiente, o do poluidor-pagador. Mais que isso, a doutrina tem feito uma leitura indulgente do texto legal, para conseguir divisar nele a enunciação do princípio, mais precisamente no já transcrito art. 4º, VII. A topografia, contudo, revela uma desatenção: não se deu à máxima do poluidor-pagador o estatuto de princípio, mas – quando muito – de objetivo da política ambiental.” (ASSIS, Alexandre Camanho de. O princípio do poluidor pagador: presença controvertida na política nacional do meio ambiente. In: (Coord.) ROCHA, João Carlos de Carvalho, HENRIQUES FILHO, Tarcísio Humberto Parreiras, CAZZETTA, Ubiratan. Política nacional de meio ambiente: 25 anos da Lei n. 6.938/81. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 66-67) 18 O autor afirma que: “Tais princípios não se confundem com os princípios doutrinários, mas com eles devem compatibilizar-se. Trata-se dos denominados princípios legais [...] Os princípios destinam-se não só ao juiz, operador do direito, mas ao legislador. Tais princípios são fundamentais para a busca da proteção ambiental em juízo.” (SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 53-54) 19 O princípio da equidade, mencionado pelo autor é típico exemplo de princípio criado pela doutrina: “A equidade deve orientar a fruição ou o uso da água, do ar e do solo. A equidade dará oportunidades iguais diante de casos iguais ou semelhantes [...] A equidade no acesso aos recursos ambientais deve ser enfocada não só com relação à localização dos usuários atuais, como em relação aos usuários potenciais das gerações vindouras. Um posicionamento equânime não é fácil de ser encontrado, exigindo considerações de ordem ética, científica e econômica das gerações atuais e uma avaliação prospectiva das necessidades futuras, nem sempre possíveis de serem conhecidas e medidas no presente.”(

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Percebe-se, assim, que os princípios legais enumerados na Lei da Política

Nacional do Meio Ambiente não se esgotam, sendo complementados pelos princípios

apontados pela doutrina como norteadores do Direito Ambiental no Brasil.

1.3 Do SISNAMA (Sistema Nacional do meio ambiente)

O SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente) teve origem na Secretaria

Especial de Meio Ambiente (SEMA), criada pelo Decreto n. 73.030, de 30 de outubro

de 1973, portanto em seguida à Conferência de Estocolmo sobre o meio ambiente,

ocorrida em 1972.21

O artigo 6º da Lei n. 6.838/81, Lei da Política Nacional do Meio Ambiente

(PNMA)22 prevê em seu texto a existência do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio

Ambiente), que se constitui dos órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público,

responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental. A estrutura

organizacional do SISNAMA está prevista nos incisos do art. 6º da LPNMA,

compondo-se da seguinte forma:

a) Órgão Superior: o Conselho de Governo; b) Órgão Consultivo e Deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA); c) Órgão Central: o Ministério do Meio Ambiente; d) Órgão Executor: O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA;

MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13 ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 54 -101) 20 O autor considera os princípios como originários da Constituição Federal e afirma: “Tais princípios encontram-se enraizados no texto maior, e deles decorrem outros que lhes são derivados ou subsidiários. Trata-se classificação acadêmica, já que o legislador não os definiu lege lata. Entendemos como princípios diretores do direito ambiental os seguintes: ubiqüidade, desenvolvimento sustentável; poluidor pagador e participação.”Com relação ao princípio da ubiqüidade, apontado apenas pelo autor, define: “Segundo o Dicionário Aurélio Buarque de Holanda, ubiqüidade é palavra que tem o seguinte significado: propriedade ou estado de ubíquo ou onipresente: ubiquação, onipresença [...] dado o caráter de ubiqüidade dos bens ambientais, o princípio da ubiqüidade exige que em matéria de meio ambiente exista uma estreita relação de cooperação entre os povos, fazendo com que se estabeleça uma política mundial ou global para sua proteção e preservação. Tais políticas devem acompanhar o caráter onipresente da “natureza” e estabelecer regras menos preocupadas como a soberania nacional e mais vinculadas à cooperação internacional.” (RODRIGUES, Marcelo Abelha, Instituições de Direito Ambiental, v. 1 (Parte Geral).São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 133-134) 21 ANTUNES, Paulo de Bessa. POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE – PNMA Comentários à Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005. p. 84. 22 BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 845).

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e) Órgãos Setoriais: órgãos da Administração Federal, direta, indireta ou funcional voltados para a proteção ambiental ou disciplinamento de atividades utilizadoras de recursos ambientais; f) Órgãos Seccionais: órgãos ou entidades estaduais responsáveis por programas ambientais ou pela fiscalização de atividades utilizadoras de recursos ambientais; g) Órgãos Locais: as entidades municipais responsáveis pela fiscalização de atividades utilizadoras de recursos ambientais.

Ainda com relação à composição do SISNAMA J. Krell23 o reconhece como

órgão supremo na Política Nacional do Meio Ambiente, no qual está compreendido o

CONAMA . Já, Paulo de Bessa Antunes24 afirma com relação ao SISNAMA que por

não possuir previsão constitucional, como é o caso de outros sistemas (cite-se o

Sistema Único de Saúde e o Sistema Tributário Nacional) só pode ser reconhecido

como uma estrutura de colaboração entre os diferentes entes políticos.

A despeito de sua inquestionável importância no panorama da proteção do

ambiente, o SISNAMA sofre crítica quanto à sua “configuração legal deficiente e

funcionamento precário”, pelo fato de carecer de melhor definição das atribuições de

cada um dos integrantes do Sistema, como afirma Andreas J. Krell25 causando como

23 São palavras do autor: “O SISNAMA compreende o Conselho de governo como órgão supremo, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) como órgão consultivo e deliberativo, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) como órgão central e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) como órgão executivo (Art. 6 da Lei 6.938/81). As partes da Administração que tratam de questões do meio ambiente no âmbito federal são denominadas órgãos setoriais e, na esfera estadual, órgãos seccionais. Ao lado destes, há as repartições e instituições ambientais dos municípios, chamadas de órgãos locais do sistema (art. 6, VII).” (KRELL, Andréas J. Discricionariedade administrativa e proteção ambiental: o controle dos conceitos jurídicos indeterminado e a competência dos órgãos ambientais: um estudo comparativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 107, nota 340) 24 Manifesta-se nos seguintes termos: “É importante observar que o Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, não possui uma expressa previsão constitucional, diferentemente do que ocorre com o Sistema Nacional de Recursos Hídricos e diferentes outros sistemas nacionais expressamente contemplados na Constituição Federal, tais como o Sistema Tributário Nacional e o Sistema Único de Saúde, dentre outros. O SISNAMA é criado por lei e, ante a inexistência de previsão constitucional, somente pode ser compreendido como uma estrutura de colaboração entre os diferentes entes federativos que, como se sabe, no Brasil são os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que se congregam para formar a União [...] O SISNAMA, tal qual está estruturado é, muito mais, uma tentativa de estabelecer uma organização política capaz de assegurar coordenação entre os diferentes entes políticos do que uma estrutura constitucionalmente legitimada. Decorrem daí os constantes atritos entre os diferentes integrantes da federação com vistas ao exercício de suas competências constitucionais. (ANTUNES, Paulo de Bessa. POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE – PNMA Comentários à Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005. p. 3-4) 25São palavras do autor: “A falta de uma definição prévia e mais precisa das funções de cada nível dos componentes do SISNAMA faz com que importantes esforços sejam executados em níveis inadequados e não produzam efeitos adequados. Por fim, pode-se observar que o avanço da legislação ambiental sem uma correspondente estruturação da Administração pública tem gerado um “vácuo institucional”, o que dificulta também a identificação pela sociedade civil do órgão responsável em cada caso.349”.( KRELL, Andréas J. Discricionariedade administrativa e proteção ambiental: o controle dos conceitos jurídicos indeterminado e a competência dos órgãos ambientais: um estudo comparativo. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2004. p. 110)

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conseqüência um vazio institucional ante a dificuldade dos cidadãos em reconhecer no

caso concreto o órgão responsável.

Com relação à composição do SISNAMA, observa com propriedade Edis

Milaré26: “O Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA é, de fato, uma

estrutura político administrativa oficial, governamental, ainda que aberta à participação

de instituições não governamentais, através dos canais competentes.”

Neste contexto, conclui-se que a Lei n. 6.938/81, regulamentada pelo Decreto n.

99.274/1990 atua concomitantemente com a Constituição Federal na proteção ao

ambiente e, para tanto, possui uma estrutura orgânica prevista no SISNAMA – Sistema

Nacional do Meio Ambiente, que se constitui em um sistema de colaboração entre as

entidades federais, estaduais e municipais.

A crítica que tem sido feita ao SISNAMA está em que, para sua implementação

é necessária a existência de uma coordenação entre os entes administrativos, o que não

ocorre por falta de regulamentação legal (lei complementar mencionada no artigo 23,

parágrafo único da Constituição Federal) que concretize esta coordenação.

1.4 Do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente)

O CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) constitui-se em órgão

colegiado, cuja competência encontra-se prevista no art. 6º, inc. II, da Lei n. 6.938/8127,

verbis:

Art. 6º. Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria

26 Afirma o autor acerca do SISNAMA: “O SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente, que veio no bojo da Política Nacional, representa a articulação dos órgãos ambientais existentes e atuantes em todas as esferas da Administração Pública. [...] Não tem personalidade jurídica nem qualquer outra identificação. Todavia, implicitamente tem atribuições, não próprias, porém através de órgãos, entidades e instituições que o integram. [...] esse Sistema existe e atua na medida em que existem e atuam os órgãos que o compõem. Sua alma é a comunicação que transmite e recebe estímulos, de alto a baixo, de um lado a outro.Trata-se, efetivamente, de um instituto jurídico muito peculiar: é alma sem corpo próprio que, não obstante, anima tantos e tão variados organismos. [...] Devemos entender que o SISNAMA como tal não pode exercer a tutela administrativa do ambiente, vistas as suas características anteriormente expostas. Contudo, através do fluxo de informações, em seu âmbito atuarão os órgãos com poder de polícia administrativa ambiental, notadamente o IBAMA e os órgãos seccionais e locais, investidos de autoridade para praticar os atos tutelares necessários à gestão do meio ambiente.” (MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p p. 446, 448, 449) 27 BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 845)

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da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, assim estruturado: (...) II – órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida.

Com referência à composição do CONAMA, informa Paulo Affonso de Leme

Machado28 que houve alteração por força do Decreto n. 3.942, de 27.9.2001 (DOU de

28.09.2001).

O artigo 8º, incisos I, VI e VII, da Lei n. 6.938/8129 atribui ao CONAMA

competência para editar normas, critérios e padrões, com o objetivo de disciplinar o

aspecto técnico das matérias trazidas no referido artigo, in verbis:

Art. 8º. Compete ao CONAMA30:

I – estabelecer, mediante proposta da SEMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, a ser concedido pelos Estados e supervisionado pelo SEMA [...] VI – estabelecer, privativamente, normas e padrões nacionais de controle da poluição por veículos automotores, aeronaves e embarcações, mediante audiência dos Ministérios competentes; VII – estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos”. (g.n.)

A leitura do texto legal deixa evidente que o CONAMA tem como atribuição

estabelecer normas, critérios e padrões de tolerabilidade das agressões de atividades,

28 “O Decreto federal 99.274/90 foi alterado pelo Decreto 3.942, 27.09.2001 (DOU de 28.09.2001), dando-se nova composição ao CONAMA: todos os Ministérios e Secretarias da Presidência da República passam a ter representantes; os Municípios terão 8 lugares, as entidades de trabalhadores e da sociedade civil, 21 representantes, as entidades empresariais, 8 representantes; e um membro honorário indicado pelo Plenário. Integram também o Plenário, sem direito a voto, um representante do Ministério Público Federal, um representante dos Ministérios Públicos Estaduais e um representante da comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da Câmara dos Deputados. A alteração eleva a dois representantes de entidades ambientalistas por região. A Sociedade Brasileira para o progresso da ciência passa a indicar um representante. Haverá um representante do Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Populações tradicionais e um representante da comunidade indígena indicado pelo Conselho Nacional de Comandantes Gerais das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, mas não me parece adequada sua classificação no mesmo inciso VIII – representantes de entidades de trabalhadores e da sociedade civil.” (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 13 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 161). 29 BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 845). 30 BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 845-846.

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potencialmente poluidoras. Não se vislumbra qualquer indicação de eventual

competência para edição de normas no sentido de atos legislativos.

O CONAMA, dentro dos limites estabelecidos pela legislação, pode editar

resoluções, como atos administrativos normativos gerais. É de sua competência. No

entanto, não pode afrontar a lei, que é hierarquicamente superior à resolução, sob pena

de usurpação de função.

Acerca das atribuições do CONAMA, afirma Verônica Bezerra Guimarães31 sua

importância, pois a função reguladora do órgão colegiado que também é consultivo

permite que as normas sejam complementadas com informações necessárias quanto aos

avanços científicos e tecnológicos. .

Resumindo as palavras de Paulo de Bessa Antunes32, pode-se definir o

CONAMA como uma entidade dotada de poder regulamentar, pertencente ao terceiro

escalão do Poder Executivo à qual cumpre estabelecer normas e padrões compatíveis

com o meio ambiente ecologicamente equilibrado, tendo ainda como atribuição

assessorar e propor ao Conselho de governo políticas e medidas para melhoria da

qualidade ambiental. O autor33 tece severas críticas à atuação do CONAMA, ao

31 “Nessa estrutura, o CONAMA desempenha uma função normativa importante, pois é o órgão competente para a edição de normas e padrões ambientais 52. O papel regulador dos órgãos consultivos e deliberativos é fundamental no acompanhamento do avanço científico e tecnológico sobre as questões relacionadas ao meio ambiente em todas as suas dimensões. Muitas vezes, as resoluções tratam de assuntos bastante técnicos, sendo comum descerem a minúcias, para serem objetos de uma regulamentação legal.” (GUIMARÃES, Verônica Bezerra. A Aplicação do Direito Ambiental no Estado Federativo. In: (Org) KRELL, Andréas J., (Coord.) MAIA, Alexandre de. Coleção Direito e Racionalidade no Mundo Contemporâneo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005, p.224) 32 Para o autor: “O CONAMA é uma entidade dotada de poder regulamentar, apenas, no que se refere ao estabelecimento de normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado, além de assessorar e propor políticas e medidas capazes de contribuir para a melhoria da qualidade ambiental [...] não tem havido uma clara definição do que se entende por normas e padrões e, não raras vezes, o Conselho tem legislado muito além de suas atribuições legais ao definir critérios de aplicação do Código Florestal, estabelecer licenças que não possuem previsão legal e outros “deslizes” em relação à ordem jurídica. A grande dificuldade é que o CONAMA é um órgão cuja hierarquia corresponde ao terceiro escalão da administração federal e atua em matéria- meio ambiente – cuja competência entre a União e os Estados é concorrente.” (ANTUNES, Paulo de Bessa. POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE: PNMA Comentários à Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005. p. 88) 33 “As competências legais e administrativas do CONAMA formam um dos pontos mais complexos e polêmicos da PNMA. E isso é assim, vez que a repartição de competência entre os diferentes entes políticos não está claramente definida, seja no campo jurídico constitucional, seja no campo político. Por outro lado, o CONAMA tende a invadir – com sua atividade – setores normativos que estão reservados à lei; isto ocorre, especialmente, em função de que o Congresso Nacional tem se omitido nas suas atribuições. Decorre daí o crescente número de normas produzidas pelo Conselho e o constante conflito de tais normas com a legalidade constitucional.” (ANTUNES, Paulo de Bessa. POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE: PNMA Comentários à Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005. p.116)

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comentar suas competências, previstas no artigo 8º da Lei n. 6.938/81, ante as

resoluções que conflitam com o princípio da legalidade.

Ressalta Antonio Zanollo Neto34 ao comentar a composição e a ampla e bem

delimitada competência do CONAMA que as reuniões são públicas, sendo as

deliberações do órgão colegiado externadas por meio de resoluções,moções,

recomendações e decisões.

Não pode deixar de ser mencionado o posicionamento de Paulo Affonso Leme

Machado35, que afirma incisivamente:

O CONAMA 24 tem função social e ambiental indispensável. Mas esse Conselho não tem função legislativa, e nenhuma lei poderia conceder-lhe essa função. Estamos diante de uma patologia jurídica, que precisa ser sanada, pois caso contrário o mal poderia alastrar-se e teríamos o Conselho Monetário Nacional criando impostos e o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária definindo os crimes.

De fato, percebe-se a polêmica causada por algumas resoluções do CONAMA -

Conselho Nacional do Meio Ambiente, que a despeito de serem atos administrativos

gerais de caráter regulamentar têm amiúde disposto acerca de matéria que deveria ser

disciplinada por lei.

Cumpre, destarte, o aprofundamento do estudo das resoluções do órgão

colegiado, cuja natureza jurídica é de ato administrativo.

34 Esclarece o autor: “Todas as reuniões do Conama são públicas e abertas à sociedade. O Conama é composto, atualmente, por Plenário, comitê de Integração de Políticas Ambientais – CIPAM, Câmaras Técnicas, Grupos de Trabalho e Grupos Assessores. O conselho visa a representar cinco setores: órgãos federais, estaduais e municipais, setor empresarial e sociedade civil. Analisando a Lei n. 6.938/81 e demais legislações correlatas, constata-se que as competências do Conama são amplas e extremamente relevantes, estando bem demarcadas [...] O exercício dessas diversas competências conferidas ao Conama manifestam-se por meio de Resoluções, Moções, Recomendações, Proposições e Decisões [...] Enquanto as Resoluções são reservadas para deliberação vinculada a diretrizes e normas técnicas, critérios e padrões relativos à proteção ambiental e ao uso sustentável dos recursos ambientais; as Moções8 tratam de manifestação, de qualquer natureza, relacionada com a temática ambiental. As Recomendações9 são usadas para manifestações a respeito da implementação de políticas, programas públicos e normas com repercussão na área ambiental, inclusive sobre os termos de parceria de que trata a Lei 9.970/99, que dispõe sobrre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Já Proposições 10 são para matéria a ser encaminhada ao conselho de Governo ou às Comissões do Senado Federal e da Câmara dos Deputados; e as Decisões 11 atos pertinentes a multas e outras penalidades impostas pelo Ibama, em última instância administrativa e em grau de recurso, ouvido previamente o CIPAM .” (ZANOLLO NETO, Antonio. Conselho Nacional do Meio Ambiente: uma análise jurídico-normativa. In: (Orgs.) ROCHA, João Carlos Carvalho de, HENRIQUES FILHO, Tarcísio Humberto Parreiras, CAZETTA, Ubiratan. Política nacional do meio ambiente: 25 anos da Lei n. 6.938/81. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 83, 85,87) 35 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 13 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 731. O autor esclarece, na nota de rodapé de número 24 ter sido integrante do primeiro grupo de Conselheiros do CONAMA, que tomaram posse em 5.6.1984.

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CAPITULO 2 – DAS RESOLUÇÕES DO CONAMA

2.1 Da natureza jurídica das resoluções: ato administrativo normativo.

As resoluções do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente são

oriundas de órgão colegiado pertencente ao Poder Executivo Federal, portanto detentor

de função administrativa, têm natureza jurídica de ato administrativo normativo.

Antes de adentrar especificamente a seara dos atos administrativos, mister se

faz tecidos alguns rápidos comentários elucidativos acerca do princípio constitucional

da separação dos poderes, que preconiza a divisão do poder uno do Estado em funções,

quais sejam executiva (ou administrativa), legislativa e judiciária.

Modernamente, o Estado de Direito, calcado sobre o princípio da legalidade36,

que impõe a todos inclusive aos governantes a observância da lei37, em especial a Lei

Maior, deve também respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes,

consagrado no artigo 2º da Constituição Federal38.

Régis Fernandes de Oliveira39 sintetiza a teoria da tripartição das funções

idealizada inicialmente por Aristóteles e posteriormente retomada por Montesquieu,

definindo-a como uma divisão rígida dos poderes inerentes a cada poder, de forma que

o poder que faça as leis não as aplique nem as execute; por sua vez o poder executor das

leis não possa criá-las nem julgá-las e finalmente o poder encarregado de julgar não as

faça nem as execute.

A teoria da separação dos poderes, nos moldes como inicialmente concebida

vem sofrendo críticas, também em função do surgimento da sociedade de massas na

36 CF: Art. 5º... II- “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (...)” (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 23) 37 CF: Art. 37. “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência ...”(BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 49) 38 CF: art. 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 21) 39 E, para que, dividido o poder, ninguém possa abusar dele, imaginou uma tripartição estanque de poderes, de tal modo que o que faça as leis não seja encarregado de aplicá-las, nem de executá-las; que o que as execute não possa fazê-las nem julgar sua aplicação; que o que julgue não as faça nem as execute. Originariamente, cada órgão deveria praticar apenas atos específicos. (OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Ato administrativo. 4 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 19)

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qual as funções do poder não se mantêm rigidamente separadas, como salienta

Clèmerson Merlin Clève40:

Tecidas essas observações relativas às funções estatais, a serem retomadas mais

detadalhadamente no Capítulo 4, quando for estudado o princípio constitucional da

separação dos poderes, convém seja feito o enfoque das resoluções no que tange à sua

conceituação.

As resoluções são atos administrativos criados por autoridades do Poder

Executivo do alto escalão, mas não pelo o chefe do Executivo e disciplinam matéria

específica. Excepcionalmente poderá haver resoluções individuais, na correta

conceituação de Hely Lopes Meirelles41.

Celso Antonio Bandeira de Mello42, laconicamente define a resolução com as

seguintes palavras: “Resolução – é fórmula pela qual se exprimem as deliberações dos

órgãos colegiais.” Odete Medauar43 e Marçal Justen Filho44 também definem as

resoluções, reconhecendo-lhes a característica de atos administrativos normativos que

têm seu nascedouro em órgãos do Poder Executivo.

Assim, as resoluções são atos administrativos normativos e têm por objetivo

promover a correta aplicação da lei, isto é, sua finalidade é tornar clara, livre de dúvidas

a interpretação de norma legal que deverá ser observada tanto pela Administração como

pelos administrados.

40Para o autor: “De todo modo, importa salientar que na sociedade de massas não há como manter a distinção entre legislação (função legislativa) e administração (função administrativa). O governo compreende ações legislativas e administrativas.” (CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade Legislativa do poder executivo.. 2 ed. rev., atual. e ampl. do livro Atividade legislativa do Poder Executivo no Estado contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 33) 41 Assim o autor define: “Resoluções são atos administrativos normativos expedidos pelas altas autoridades do Executivo (mas não pelo Chefe do Executivo, que só deve expedir decretos) ou pelos presidentes de tribunais, órgãos legislativos e colegiados administrativos, para disciplinar matéria de sua competência específica. Por exceção admitem-se resoluções individuais. As resoluções, normativas ou individuais, são sempre atos inferiores ao regulamento e ao regimento., não podendo inová-los ou contrariá-los, mas unicamente complementá-los e explicá-los.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 33 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.183-184) 42 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 23 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 424. 43 Assim se manifesta a autora: “Resolução – no âmbito do poder Executivo, é ato administrativo de caráter normativo, editado por autoridade de alto escalão (exemplo: Secretário de Estado) ou por dirigente de órgão colegiado (exemplo: resolução do Presidente do Conselho Estadual de Educação), com o objetivo de fixar normas sobre matéria de competência do órgão. Por vezes, edita-se resolução de alcance individualizado. A resolução não pode contrariar a Constituição, a lei, o decreto regulamentar, o regimento (se for decorrente de decisão de órgão colegiado).” (MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.143) 44 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 211.

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Muito embora as resoluções tenham caráter normativo45, geral46 e abstrato (não

são endereçados a uma situação concreta) e por vezes determinem regras de conduta,

não se confundem com as leis, pois em comum com aquelas possuem apenas a matéria,

o conteúdo (da lei que regulam), nunca sua forma. Daí porque se chega a afirmar serem

leis no sentido material.

Portanto, a despeito das características apontadas, as resoluções do CONAMA –

Conselho Nacional do Meio Ambiente não podem, de maneira alguma, ser comparadas

às leis e menos ainda aplicadas em substituição àquelas, sob pena de violação de

princípios constitucionais, tema a ser oportunamente abordado no presente trabalho.

2.2 Do conceito de ato administrativo

Os atos emanados dos diferentes poderes no exercício de suas funções são atos

jurídicos que recebem a denominação de leis conforme provenham do Poder Legislativo

ou decisões judiciais quando têm origem no Poder Judiciário.

45 O autor assim define os atos administrativos normativos: “Atos administrativos normativos são aqueles que contêm um comando geral do Executivo, visando à correta aplicação da lei. O objetivo imediato de tais atos é explicitar a norma legal a ser observada pela Administração e pelos administrados. Esses atos expressam em minúcia o mandamento abstrato da lei e o fazem com a mesma normatividade da regra legislativa, embora sejam manifestações tipicamente administrativas. A essa categoria pertencem os decretos regulamentares e os regimentos, bem como as resoluções, deliberações e portarias de conteúdo geral. 46 Tais atos, conquanto normalmente estabeleçam regras gerais e abstratas de conduta, não são leis em sentido formal. São leis apenas em sentido material, vale dizer, provimentos executivos com conteúdo de lei, com matéria de lei. Esses atos, por serem e abstratos têm a mesma normatividade da lei e a ela se equiparam para fins de controle judicial, mas, quando sob a aparência de norma, individualizam situações e impõem encargos específicos a administrados, são considerados de efeitos concretos e podem ser atacados e invalidados direta e imediatamente por via judicial comum, ou por mandado de segurança se lesivos de direito individual líquido e certo” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 33 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 179-180) 46 Com relação aos administrativos gerais, manifesta-se o autor: “Atos gerais – Atos administrativos gerais ou regulamentares são aqueles expedidos sem destinatários determinados, com finalidade normativa, alcançando todos os sujeitos que se encontrem na mesma situação de fato abrangida por seus preceitos. São atos de comando abstrato e impessoal, semelhantes aos da lei, e, por isso mesmo, revogáveis a qualquer tempo pela Administração, mas inatacáveis por via judicial, a não ser pela representação de inconstitucionalidade. Somente quando os preceitos abstratos dos atos gerais são convertidos pela Administração em providências concretas e específicas de execução, é que se tornam impugnáveis por quem se sentir lesado pela atuação administrativa. Exemplos desses atos temo-los nos regulamentos, nas instruções normativas e nas circulares ordinatórias de serviços. As características dos atos gerais é que eles prevalecem sobre os atos individuais, ainda que provindos da mesma autoridade. Assim, um decreto individual não pode contrariar um decreto geral ou regulamentar em vigor. Isto porque, o ato normativo tem preeminência sobre o ato específico. Os atos gerais, quando de efeitos externos, dependem de publicação no órgão oficial para entrar em vigor e produzir os seus resultados jurídicos, pois os destinatários só ficam sujeitos às suas imposições após essa divulgação. [...]” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 33 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 164-165)

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O exercício da função administrativa pelo Poder Executivo se dá pela prática de

atos jurídicos denominados atos administrativos, os quais podem ser considerados como

a ponte de ligação entre o Estado na função administrativa e os administrados, como

afirma Cretella Junior47. O Estado para atingir seus objetivos utiliza-se dos atos

administrativos para se manifestar, expressa ou tacitamente.

Como já afirmado todo e qualquer ato administrativo é, antes de tudo, um ato

jurídico definido como todo ato que tenha por objetivo imediato adquirir, resguardar,

transferir, modificar ou extinguir direitos. Pois bem, o ato administrativo possui todas

estas características, mais a finalidade pública que o caracteriza e distingue do ato

jurídico como gênero.

Observe-se que o ato administrativo não se confunde com o fato administrativo,

pois enquanto aquele se constitui em manifestação da Administração, o fato

administrativo é a própria atividade. Assim, ainda que ligados uma vez que o ato

administrativo determina o fato administrativo, ou por outras palavras este resulta

daquele, ambos não podem ser confundidos, como pondera Hely Lopes Meirelles48.

Feitas estas considerações, de se observar que ante a ausência legal do conceito

de ato administrativo há diversas conceituações doutrinárias que merecem ser

mencionadas. Cite-se como exemplos as definições de ato administrativo de Hely Lopes

Meirelles49, Celso Antonio Bandeira de Mello50, Cretella Junior51,Maria Sylvia Zanella

47 O autor afirma acerca do ato administrativo: “[...] o Poder Executivo faz sentir sua presença no mundo jurídico por meio do ato administrativo [...] O porta-voz do Poder Executivo é o ato administrativo. A comunicação entre as pessoas jurídicas e os administrados se concretiza por meio dos atos administrativos.”(CRETELLA JUNIOR. Do ato administrativo. São Paulo: José Bushatsky, 1972. p. 17-18) 48 Segundo a doutrina do autor “[...] o ato administrativo típico é sempre manifestação volitiva da Administração, no desempenho de suas funções de Poder Público, visando a produzir algum efeito jurídico, o que o distingue do fato administrativo, que, em si, é atividade pública material, desprovida de conteúdo de direito [...] o que convém fixar é que o ato administrativo não se confunde com o fato administrativo, se bem que estejam intimamente relacionados, por ser este conseqüência daquele. O fato administrativo resulta sempre do ato administrativo que o determina.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo Brasileiro. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 150-151) 49 “Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo Brasileiro. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 150) 50 Define o autor o ato administrativo como: “[...] declaração unilateral do Estado no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante comandos concretos complementares da lei (ou, excepcionalmente, da própria Constituição, aí de modo plenamente vinculado) expedidos a título de lhe dar cumprimento e sujeitos a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 23 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 372) 51 São palavras do autor acerca do ato administrativo: “[...] manifestação da vontade do Estado, por seus representantes, no exercício regular de suas funções, ou por qualquer pessoa que detenha, nas mãos, fração de poder reconhecido pelo Estado, que tem por finalidade imediata criar, reconhecer, modificar,

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Di Pietro52, Régis Fernandes de Oliveira 53, Odete Medauar54 .Na doutrina estrangeira

Marcello Caetano55, menciona a primeira definição de ato administrativo, datada de

uma obra do século XIX.

Expostas algumas das conceituações existentes na doutrina acerca do

ato administrativo, passa-se à análise de seus elementos.

2.3 Dos elementos do ato administrativo

Cumpre inicialmente salientar que o aspecto relativo aos elementos

do ato administrativo enseja ausência de uniformidade nos posicionamentos adotados

pelos autores, pois como observa Maria Sylvia Zanella Di Pietro56 a divergência existe

tanto com relação à denominação (alguns preferem “requisitos” a “elementos”), bem

como em relação aos elementos em si e à terminologia.

resguardar ou extinguir situações jurídicas subjetivas, em matéria administrativa.” (CRETELLA JUNIOR. Do ato administrativo. São Paulo: José Bushatsky, 1972. p. 32) 52 A autora declara que o ato administrativo consiste em “[...] declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público, e sujeita a controle pelo Poder Judiciário.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 181) 53 Afirma o autor que: “ [...] pode-se definir o ato administrativo como declaração unilateral do Estado, ou de quem faça suas vezes, no exercício da função administrativa, que produza efeitos jurídicos individuais e imediatos.” (OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Ato administrativo. 4 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 56-57) 54 Assim define a autora: “O ato administrativo constitui, assim, um dos modos de expressão das decisões tomadas por órgãos e autoridades da Administração Pública, que produz efeitos jurídicos, em especial no sentido de reconhecer, modificar, extinguir direitos ou impor restrições e obrigações, com observância da legalidade [...] Em muitos conceitos de ato administrativo aparece a locução “manifestação de vontade” do Estado, pois o direito civil a utiliza para definir o ato e o negócio jurídico nas relações entre particulares. O uso desses termos poderia levar à idéia de vontade como ator subjetivo. Na verdade, as decisões administrativas não são tomadas sob um enfoque particularizado, para produzir efeitos sobretudo entre partes; uma das características das decisões administrativas encontra-se na avaliação mais ampla dos interesses em confronto e no sentido de efeitos no todo, mesmo naquelas que, aparentemente, repercutem em âmbito restrito. Hoje se deve entender a “vontade”, que se exprime no ato administrativo, não como um fato psíquico, de caráter subjetivo, mas como um momento objetivo. É uma das conseqüências do princípio da impessoalidade que norteia as atividades da Administração brasileira (art. 37, caput, da CF).” (MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 133) 55 Informa o autor: “A primeira vez que encontramos uma noção de acto administrativo em livro português é nos estimáveis Apontamentos de Direito, Legislação e Jurisprudência administrativa e fiscal (Lisboa, 1883), de JACINTO ANTÓNIO PERDIGÃO, que a págs. 58 do vol. 1º contém o artigo “Acto administrativo”. Define-o, em geral, como “todas as medidas, providências ou resoluções tomadas pelos agentes directos da administração ativa ou pelos corpos gerentes da administração local seja qual for a natureza que tiverem ou a forma que revestirem. Mas a seguir, depois de os distinguir dos “actos governamentais de ordem puramente política”, aparta os regulamentos e os contratos, para apurar os “actos administrativos pròpriamente ditos” , os quais seriam “os que a Administração pratica , em nome da autoridade que exerce, aplicando a lei ou um regulamento a um indivíduo ou a um caso particular.” (CAETANO, Marcello. Manual de direito administrativo. 10 ed. rev. e atual. Coimbra: Almedina, 2001. v. I. p. 427) 56 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 187.

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Outros autores como Diógenes Gasparini57, José dos Santos Carvalho Filho58 e

Odete Medauar59 também reconhecem que reina a discórdia, pois alguns mencionam o

termo “requisitos”, outros o termo “pressupostos”, além do termo “elementos”. Na

verdade os referidos termos acabam sendo usados como sinônimos.

No tocante ao elenco dos elementos a doutrina igualmente não é uníssona, como

declara Odete Medauar60.

Diante das controvérsias expostas, alguns autores dentre os quais pode-se citar

José dos Santos Carvalho Filho61, Odete Medauar62, Maria Sylvia Zanella Di Pietro63 e

Diógenes Gasparini64 optam por adotar o rol expresso no artigo 2º da Lei nº 4.717, de

29-6-65 (Lei da ação popular)65.

Posicionamento diferenciado assume Regis Fernandes de Oliveira66 ao afirmar

que:

Inicialmente, aponte-se que se tem feito verdadeira tormenta em torno dos elementos do ato administrativo, no tocante à terminologia empregada. Cada autor utiliza-se de determinado termo para significar uma coisa, sem atentar a que outro doutrinador dele se utilizou emprestando-lhe outra significação. Surgem, assim, verdadeiras “discrepâncias de rótulos”.

57GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 61. 58 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17 ed. rev., ampl. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p.96-97. 59 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 134. 60 Esclarece a autora que: “Também se encontra divergência quanto ao elenco desses elementos. Três estão presentes em praticamente todas as listas, pois são elementos do ato jurídico em geral: agente, objeto e forma. Diferenciam-se as enumerações quanto a outros aspectos. Alguns arrolam a publicação; outros adicionam “vontade não turbada por vícios psíquicos”; outros mencionam a causa.” (MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 134) 61CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17 ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 97. 62 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 134. 63 A respeito do assunto em foco afirma a autora: “É a orientação aqui adotada e que está consagrada no direito positivo brasileiro a partir da Lei n. 4.717, de 29-6-65 (Lei da ação popular), cujo artigo 2º, ao indicar os atos nulos, menciona os cinco elementos dos atos administrativos: competência, forma, objeto, motivo e finalidade.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 187) 64 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 61. 65 Lei n. 4.717, de 29-6-65. Art. 2º “São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de: a) incompetência; b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência dos motivos; e) desvio de finalidade.” (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 217-218.) 66 OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Ato administrativo. 4 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 59.

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Menciona ainda Régis Fernandes de Oliveira67, a lição de Celso Antonio

Bandeira de Mello68, que diverge da doutrina ao adotar o entendimento segundo o qual

só há dois elementos do ato administrativo, quais sejam o conteúdo e a forma.

Tecidas as considerações necessárias, e destacados os elementos do ato

administrativo apontados pela doutrina, quais sejam competência, forma, objeto, motivo

e finalidade passa-se à análise dos mesmos, considerados individualmente.

a) Competência: para Régis Fernandes de Oliveira69 é a o valor quantitativo

de poder constitucionalmente dado a um agente, órgão ou pessoa jurídica, enquanto

Maria Sylvia Zanella Di Pietro70 declara que a competência, em se tratando de pessoas

jurídicas políticas será outorgada pela Constituição Federal, e com relação aos órgãos e

servidores será outorgada pelas leis.

Desde que não haja impedimento legal, a competência poderá ser avocada ou

delegada, porém por ser requisito de ordem pública não poderá ser delegada ou

prorrogada por convenção, segundo Odete Medauar71 e Hely Lopes Meirelles72.

67 Diz o autor: “Acompanhando o ensinamento do mestre, igualmente entendemos não ser possível tratar-se o assunto tal como fez e vem fazendo a doutrina. Não existem, efetivamente, elementos do ato administrativo, se o quisermos decompô-lo, em sua essência. Se entendermos elementos como parte de um todo, apenas se poderá falar em conteúdo e forma. É que sempre o ato terá um conteúdo, sob pena de não ser ato. E, para ingressar no mundo jurídico, deverá revestir-se de uma forma. Para que o ato exista, pois, apenas se falará em dois elementos.” (OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Ato administrativo. 4 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 61-63) 68 O autor aponta apenas dois elementos do ato administrativo: “Conteúdo - normalmente designado objeto por muitos doutrinadores – é aquilo que o ato dispõe, isto é, o que o ato decide, enuncia, certifica, opina ou modifica na ordem jurídica. É, em suma, a própria medida que produz a alteração na ordem jurídica. Em última instância, é o próprio ato, em sua essência.” E com relação à forma : “Forma é o revestimento exterior do ato; portanto, o modo pelo qual este aparece e revela sua existência. A forma pode, eventualmente, não ser obrigatória, isto é, ocorrerá , por vezes, a ausência de prescrição legal sobre uma forma determinada, exigida para a prática do ato. ” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 23 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 378-379) 69 Acerca da competência afirma o autor, como sendo: “[...] outorga constitucional ou legal de certa quantidade de poder a determinado agente, órgão ou pessoa jurídica. Atribuições conferidas pelo ordenamento jurídico. Dentro da competência encontra-se a qualificação ou capacidade para o exercício de determinado ato, com o que se evitam impedimentos ocasionais.” (OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Ato administrativo. 4 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 60) 70 Este o pensamento da autora: “Assim, a competência tem que ser considerada nesses três aspectos; em relação às pessoas jurídicas políticas, a distribuição de competência consta da Constituição Federal; em relação aos órgãos e servidores, encontra-se nas leis [...] A competência decorre da lei, por força dos artigos 61, § 1º, II, da Constituição e artigo 25 de suas Disposições Transitórias, cabendo lembrar que, pela Emenda Constitucional n] 32, de 2001, foi alterado o artigo 84, inciso VI, com o objetivo de atribuir competência ao Presidente da República para “dispor mediante decreto sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos”. Quem organiza tem que definir competências. Vale dizer que, no Âmbito federal, as competências poderão ser definidas por decreto.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 188) 71 Afirma a autora: “Inexistindo impedimento legal, o agente poderá transferir atribuições a outros agentes (delegação de competência) ou chamar a si atribuições de outros agentes (avocação).” (MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 135)

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Com referência aos limites da competência assinala Lucia Valle Figueiredo73

que a mesma é específica, não se tratando de um “cheque em branco”, ressaltando que o

ato praticado em desconformidade com a lei que determina a competência do agente

será eivado de vício de competência.

b) Forma é a “vestimenta” do ato, a maneira como é exteriorizado, constituindo-

se em requisito vinculado e imprescindível à sua validade. Segundo Lúcia Valle

Figueiredo74 no geral a forma do ato administrativo é a escrita, porém há exceções como

as placas de sinalização de trânsito.

Não basta, todavia, que o ato tenha forma, é preciso que a mesma seja válida

(em conformidade com a lei), como ressalta José dos Santos Carvalho Filho75, sob pena

de invalidade, sendo ainda necessária para a exteriorização do ato um rito, ao qual se

chama de formalização, como ressalta Celso Antonio Bandeira de Mello76.

72 Assevera o autor: “A competência administrativa, sendo um requisito de ordem pública, é intransferível e improrrogável pela vontade dos interessados. Pode, entretanto, ser delegada e avocada, desde que o permitam as normas reguladoras da Administração.4” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo Brasileiro. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 152) 73 Segundo a autora: “A competência, no dizer de Caio Tácito, tantas vezes citado, não é um “cheque em branco”. É demarcada, limitada. A Administração deve concretizar a utilidade pública. Para isso detém competências específicas. Destarte, vício de competência existirá sempre que houver uso desconforme ou ausência de permissão legal para a prática de determinado ato.” (FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 7 ed. rev.atual. e ampl . Malheiros: São Paulo, 2004. p.188) 74 Para a autora: “A forma do ato administrativo, tal seja, sua roupagem, geralmente é escrita. Poderá ser, todavia, tácita, v.g., um sinal de trânsito, em que o vermelho significa “pare”, com todas as implicações, o verde, “passe”, com a permissão que isso significa, e o amarelo, “atenção” [...] Há, ainda, os atos orais, v.g. as decisões de um colegiado. Deveras, as decisões singulares são orais, todavia serão documentadas por escrito, e o resultado constará da deliberação final ou voto (este, resultado das decisões singulares).” (FIGUEIREDO, Lúcia Valle.Curso de Direito Administrativo. 7 ed. rev.atual. e ampl . Malheiros: São Paulo, 2004. p. 195) 75 Salienta o autor que: “Uma coisa é o ato ter forma, e outra, diversa, é o ato ter forma válida. Por isso, para ser considerada válida, a forma do ato deve compatibilizar-se com o que expressamente dispõe a lei ou ato equivalente com força jurídica. Desse modo, não basta simplesmente a exteriorização da vontade pelo agente administrativo; urge que o faça nos termos em que a lei o estabeleceu, pena de ficar o ato inquinado de vício pena de ficar o ato inquinado de vício de legalidade suficiente para provocar-lhe a invalidação. 40” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17 ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 102) 76 O autor esclarece que: “[...] a forma é o meio de exteriorização do ato, sem forma não pode haver ato. Não se deve confundir forma, na acepção enunciada, com formalização, 24 que é um modo específico de apresentação da forma, ou seja, uma dada solenização requerida para o ato. Esta última é um pressuposto formalístico.” Justifica-se o autor com relação à nota 24 do texto transcrito: “Havíamos sempre usado a expressão “formalidade”, ao invés de “formalização”. Preferimos, entretanto, substituí-la por esta segunda maneira de dizer. Isto porque a expressão “formalidade”sugere algo sem importância, de pouco relevo, o que certamente não é o caso. Haverá hipóteses em que alguma formalização específica seja menos importante, mas outras haverá em que aspectos da formalização serão relevantíssimos, como é o caso da “motivação” do ato”. (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 23 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 379, nota de rodapé 24)

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O procedimento, no ensinamento de Hely Lopes Meirelles77 é uma seqüência de

operações necessárias para que o ato seja perfeito. Por outro lado, não há que se

confundir a forma e a formalidade , pois a forma exterioriza o ato que deverá obedecer a

certa formalidade prevista em lei, como explica Régis Fernandes de Oliveira78.

Mencione-se ainda, por oportuno, o aspecto do “paralelismo” mencionado por Diógenes

Gasparini79 que observa que uma vez editado o ato administrativo em conformidade

com a lei quanto à sua forma e formalidade, tanto sua modificação como revogação

deverão atender a tais requisitos.

De se mencionar ainda que, uma vez não obedecida a forma prescrita por lei ao

ato administrativo, o mesmo estará viciado, portanto suscetível de invalidação.

c) O objeto do ato administrativo consiste no efeito ou modificação pretendidos

em relação ao ordenamento jurídico, segundo Odete Medauar80, que menciona ainda

que o objeto deverá ser lícito, moral e possível. Partilham o mesmo entendimento José

dos Santos Carvalho Filho81 e Marcello Caetano82 .

77 Ressalta o autor: “[...] o procedimento é o conjunto de operações exigidas para sua perfeição. Assim para uma concorrência há um procedimento que se inicia com o edital e se finda com a adjudicação da obra ou do serviço; e há um ato adjudicatório que se concretiza, afinal, pela forma estabelecida em lei. O procedimento é dinâmico, a forma é estática.’ (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo Brasileiro. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 154) 78 Assevera o autor: “Reitere-se a distinção entre forma e formalidade. A primeira é a exteriorização do ato, pouco importando a formalidade de que ele se reveste. Assim, por exemplo, se a lei dispõe que determinado ato deverá ser praticado por meio de decreto e vem ele exteriorizado por meio de portaria, poderá ser anulado por vício de formalidade. Já a forma é qualquer exteriorização.” (OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Ato administrativo. 4 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 62) 79 O autor afirma que: “Editado um ato administrativo com observância da forma e da formalidade exigidas pela lei, o seu desfazimento (revogação ou invalidação) ou a sua modificação dependerão do atendimento desses mesmos requisitos. Observa-se, nesse sentido, o paralelismo da forma e da formalidade.” (GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 64) No mesmo sentido o posicionamento adotado por Hely Lopes Meirelles para quem: “A revogação ou a modificação do ato administrativo deve obedecer à mesma forma do ato originário, uma vez que o elemento formal é vinculado tanto para sua formação quanto para seu desfazimento ou alteração.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo Brasileiro. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 154) 80 Na definição da autora, o objetivo “[...] significa o efeito prático pretendido com a edição do ato administrativo ou a modificação por ele trazida ao ordenamento jurídico [...] O objeto há de ser lícito, o resultado obtido há de ser aceito pelo ordenamento, porque pautado na lei; moral – conforme a princípios éticos e a todas as regras de conduta extraídas da disciplina geral da Administração; possível - referente a algo realizável de fato e de direito.” (MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 135). Maria Sylvia Zanella Di Pietro comunga do mesmo entendimento: “Como no direito privado, o objeto deve ser lícito (conforme à lei), possível (realizável no mundo dos fatos e do direito), certo (definido quanto ao destinatário, aos efeitos, ao tempo e ao lugar), e moral (em consonância com os padrões comuns de comportamento, aceitos como corretos, justos, éticos).”(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella .Direito administrativo. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 191) 81 Com relação ao objeto do ato administrativo afirma o autor: “Pode o objeto do ato consistir na aquisição, no resguardo, na transferência, na modificação, na extinção ou na declaração de direitos, conforme o fim a que a vontade se preordenar. Por exemplo: uma licença para construção tem por objeto permitir que o interessado possa edificar de forma legítima; [...]” (CARVALHO FILHO, José dos Santos.

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d) O motivo, segundo Celso Antonio Bandeira de Mello83 autoriza que o ato seja

praticado e poderá ou não ter previsão legal, o autor distingue o motivo (situação

objetiva) do móvel (aspecto subjetivo do agente que realiza o ato, só presente nos atos

que permitam discricionariedade). De outro lado, Hely Lopes Meirelles84 faz

diferenciação entre o motivo e a motivação (fatos e fundamentos jurídicos do ato)

alertando que em virtude dos dispositivos constitucionais que asseguram o acesso à

prestação jurisdicional e ao princípio da moralidade administrativa a motivação é via de

regra, obrigatória. Só não o será quando houver dispensa prevista em lei ou em virtude

da natureza do ato.

A Lei n. 9.784/9985 indica os atos para os quais a motivação será obrigatória.

Manual de Direito Administrativo. 17 ed. rev., ampl. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 100)Note-se que o autor, ao referir o termo “vontade”, reporta-se à vontade da lei, expressa pelo ato da administração. 82 Para o autor: “Em qualquer acto administrativo haverá pois um caso concreto em relação ao qual, de harmonia com a lei, se visa produzir certos efeitos jurídicos: a produção de efeitos jurídicos , eis o objecto (que na doutrina italiana muitos autores preferem chamar conteúdo) do acto administrativo.” (CAETANO, Marcello. Manual de direito administrativo. v. I 10 ed. rev. e atual. Coimbra: Almedina, 2001. p. 481) 83 São palavras do autor ao definir o motivo como: “[...] o pressuposto de fato que autoriza ou exige a prática do ato. [...] O motivo pode ser previsto em lei ou não. Quando previsto em lei, o agente só pode praticar o ato se houver ocorrido a situação prevista. Quando não há previsão legal, o agente tem liberdade de escolha da situação (motivo) em vista da qual editará o ato. É que, mesmo se a lei não alude expressamente aos motivos propiciatórios ou exigentes de um ato, nem por isto haverá liberdade para expedi-lo sem motivo ou perante um motivo qualquer [...] Não se deve confundir motivo, situação objetiva, real, empírica, com móvel, isto é, intenção, propósito do agente que praticou o ato. [...] Motivo é a realidade objetiva e externa ao agente. [...] Móvel é a representação subjetiva, psicológica, interna do agente e correspondente àquilo que suscita a vontade do agente (intenção [...] só é relevante nos atos administrativos praticados no exercício de competência discricionária; [...] Nestes casos, se o móvel do agente for viciado por sentimentos de favoritismo ou perseguição, o ao será inválido.29. (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 23 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 381-384) 84 “Denomina-se motivação a exposição ou a indicação por escrito dos fatos e dos fundamentos jurídicos do ato (cf. art. 50, caput , da Lei 9.784/99). Assim, motivo e motivação expressam conteúdos jurídicos diferentes. Hoje, em face da ampliação do princípio do acesso ao judiciário (CF, art. 5º, XXXV), conjugado com o da moralidade administrativa (CF, art, 37, caput), a motivação é, em regra, obrigatória. Só não o será quando a lei dispensar ou a natureza do ato for com ela incompatível.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo Brasileiro. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 154) 85Lei n. 9.784/99. Art. 50. “Os atos administrativos devem ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos quando: I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; III - decidam processos administrativos; IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; V - decidam recursos administrativos; VI - decorram de reexame de ofício; VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo. § 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamento de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. § 2º Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode se utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados. §3º A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito”. (BRASIL. Código de defesa do consumidor e da concorrência, legislação das agências reguladoras, Constituição Federal/ organizador Fernando de Oliveira Marques, obra coletiva de autoria da Editora Revista dos Tribunais, com a coordenação de Giselle de Melo Braga Tapai. 4 ed. rev. atual e ampl. 2003. p. 417)

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Conclui-se que a motivação deverá ser sempre existente no ato administrativo,

quando a lei assim o exigir.

Para os atos em que a vinculação não seja exigível, portanto em que houver

discricionariedade quanto à motivação, o agente estará vinculado aos motivos que

alegar, inclusive estando sujeito à obrigação de demonstrar sua ocorrência. Esta a teoria

dos motivos determinantes, a que se refere a doutrina. Como exemplo pode-se citar o

exemplo dado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro86 ao mencionar a exoneração ad

nutum.

A respeito da diferenciação mencionada, entre as situações em que deve haver

motivação ou quando a mesma não seja exigível, manifesta-se José dos Santos Carvalho

Filho87: “Observa-se, ante tal demarcação, que um dos pontos que marcam a distinção

entre a vinculação e a discricionariedade reside no motivo do ato”.

e) Por derradeiro a finalidade pode ser conceituada como o resultado obtido por

meio da prática do ato administrativo. A finalidade do ato será sempre vinculada, ou

seja, aquela que a lei determinar explícita ou implicitamente. Não se confunde com o

motivo (que é anterior à prática do ato), tampouco com o objeto (efeito imediato da

prática do ato administrativo), como esclarece Maria Sylvia Zanella Di Pietro88.

Haverá desvio de poder sempre que a finalidade se afastar da previsão legal ,

acarretando a ilegalidade do ato, como salientam Celso Antonio Bandeira de Mello89 e

Maria Sylvia Zanella Di Pietro90.

86 “Tomando-se como exemplo a exoneração ad nutum, para a qual a lei não define o motivo, se a Administração praticar esse ato alegando que o fez por falta de verba e depois nomear outro funcionário para a mesma vaga, o ato será nulo por vício quanto ao motivo." (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.104) 87CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17 ed. rev., ampl. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 104. 88 A autora afirma: “Enquanto o objeto é o efeito jurídico imediato que o ato produz (aquisição, transformação ou extinção de direitos), a finalidade é o efeito mediato. Distingue-se do motivo, porque este antecede a prática do ato, correspondendo aos fatos, às circunstâncias, que levam a Administração a praticar o ato. Já a finalidade sucede a prática do ato, porque corresponde a algo que a Administração quer alcançar com a sua edição.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 194) 89 O autor afirma que: “Finalidade é o bem jurídico objetivado pelo ato. Vale dizer, é o resultado previsto legalmente como o correspondente à tipologia do ato administrativo, consistindo no alcance dos objetivos por ele comportados. Em outras palavras: é o objetivo inerente à categoria do ato [...] Ocorre desvio de poder, e, portanto, invalidade quando o agente se serve de um ato para satisfazer finalidade alheia à natureza do ato utilizado. 39 Há, em conseqüência, um mau uso da competência que o agente possui para praticar atos administrativos, traduzido na busca de uma finalidade que simplesmente não pode ser buscada ou, quando possa, não pode sê-lo através do ato utilizado.” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 23 ed. rev. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 389,390) 90 A autora afirma: “Seja infringida a finalidade legal do ato (em sentido estrito), seja desatendido o se fim de interesse público (sentido amplo), o ato será ilegal, por desvio de poder. Tanto ocorre esse vício quando a Administração remove o funcionário a título de punição, como no caso e que ela desapropria

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Na doutrina estrangeira, Marcello Caetano91 constata:

Portanto este elemento do acto – o fim estabelecido na lei – está, quando do exercício de poderes vinculados, inteiramente dependente dos outros elementos, não possui autonomia, e só pode faltar se não tiverem sido respeitados os preceitos regulamentadores da competência, da formação da vontade, do objecto ou da forma.

Analisados os elementos dos atos administrativos, segundo posicionamento de

diversos autores, resta comprovada a afirmação inicial, no sentido de que a doutrina não

é uníssona com relação aos mesmos.

2.4 Dos atributos do ato administrativo

Entende-se por atributos as características, as qualidades que diferenciam os atos

administrativos dos atos de direito privado. Os atributos são mencionados e explicados

pela doutrina, mas não possuem previsão legal.

De modo geral, a doutrina costuma mencionar como atributos dos atos

administrativos a presunção de legitimidade, a imperatividade, a auto-executoriedade e

a exigibilidade.

Iniciando com o atributo da presunção de legitimidade, que consiste na

afirmação de que todo ato administrativo, até prova em contrário é considerado

verdadeiro e conforme à lei, na lição de Diógenes Gasparini92 a Administração Pública,

consequentemente, não será obrigada a comprovar a veracidade ou legalidade do ato

administrativo, exceto quando questionado na esfera judicial, administrativa ou perante

o Tribunal de Contas.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro93 e Hely Lopes Meirelles94 mencionam a

presunção de legitimidade e veracidade, estabelecendo diferenciação entre ambas, sendo

um imóvel para perseguir o seu proprietário, inimigo político.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 195) 91CAETANO, Marcello. Manual de direito administrativo.v. I 10 ed. rev. e atual. Coimbra: Almedina, 2001. p. 484-485. 92 Esclarece o autor: “Com efeito, se a Administração Pública só pode agir ou atuar se, como e quando a lei autoriza, há de se deduzir a presunção de legitimidade de seus atos, isto é, que se presumem verdadeiros e que se conformam com o Direito [...] A Administração Pública, em face desse princípio, não tem necessidade de realizar, em relação ao ato praticado, qualquer prova de sua veracidade ou legalidade, salvo quando contestado na esfera judicial, administrativa ou perante o Tribunal de Contas 14.” Com relação à presunção de legitimidade o autor faz a seguinte ressalva em nota de rodapé: “A comprovação da legalidade e regularidade da despesa realizada, em caso de controle pela Corte de Contas, é exigida pelo art. 113 da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública. (GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 73) 93 Pondera a autora: “A presunção de legitimidade diz respeito à conformidade do ato com a lei; em decorrência desse atributo, presumem-se, até prova em contrário, que os atos foram emitidos com

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que a primeira remete à conformidade do ato com a lei, e a segunda relaciona-se

diretamente aos fatos.

A comparar a presunção de legitimidade aos demais atributos (imperatividade,

exigibilidade e executoriedade), afirma Celso Antônio Bandeira de Mello95: “Esta, sim,

é uma característica comum aos atos administrativos em geral; as subsequentemente

referidas não se aplicam aos atos ampliativos da esfera jurídica dos administrados.”.

Assim, o princípio da legalidade, do qual decorre a presunção de legitimidade

dos atos administrativos é essencial à função administrativa, como reconhece Lúcia

Valle Figueiredo96

Passa-se a seguir à análise do atributo da imperatividade, também chamado de

coercibilidade dos atos administrativos. Pode-se depreender do mesmo a característica

de obrigatoriedade, isto é, obrigam a todos atingidos pelo ato administrativo, que deve

ter como fim único o interesse público, nas palavras de José dos Santos Carvalho

Filho97:

Exemplo de atos administrativo dotados de imperatividade são apontados por

Diógenes Gasparin98. Todavia, de se ressaltar que nem todos os atos da Administração

observância da lei. A presunção de veracidade diz respeito aos fatos. [...] Na realidade, essa prerrogativa, como todas as demais dos órgãos estatais, são inerentes à idéia de “poder” como um dos elementos integrantes do conceito de Estado, e sem o qual este não assumiria a sua posição de supremacia sobre o particular.”( DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 182-183) 94 O autor afirma acerca da presunção de legalidade dos atos administrativos: “Essa presunção decorre do princípio da legalidade da Administração (art. 37 da CF), que, nos Estados de Direito, informa toda a atuação governamental. Daí o art. 19, II, da CF proclamar que não se pode recusar fé aos documentos públicos.”20 ‘ (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo Brasileiro. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 159) 95 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 23 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 403. 96 Refere-se a autora a [...] “traços fundamentais do regime jurídico do ato administrativo”, e declara acerca daquele que chama de “princípio da legalidade”: “O princípio da legalidade é nucelar na função administrativa [...] entende-se por legalidade a conformidade com a lei e a estrita compatibilidade com os princípios constitucionais da função administrativa e com os vetores constitucionais.” 46.” A autora, além dos mencionados atributos dos atos administrativos ( legalidade, imperatividade, exigibilidade e auto-executoriedade ) aponta ainda : presunção “juris tantum” de legalidade, indisponibilidade do interesse público, dever de motivação, possibilidade de revogação e dever de invalidar. (FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 7 ed. rev. atual. e ampl . Malheiros: São Paulo, 2004. p. 177-185) 97 Para o autor “Imperatividade ou coercibilidade, significa que os atos administrativos são cogentes, obrigando a todos quantos se encontrem em seu círculo de incidência (ainda que o objetivo a ser por ele alcançado contrarie interesses privados), na verdade, o único alvo da Administração Pública é o interesse público [...] O princípio da supremacia do interesse público, como já tivemos oportunidade de examinar, justifica a coercibilidade dos atos administrativos.” (CARVALHO FILHO: José dos Santos. Manual de direito administrativo. 17 ed. rev., amp. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 110) 98 O autor afirma: “Tem esse atributo o ato administrativo que elege determinada rua para realização de feira livre ou o que atribui mão única de direção a certa avenida. Também é portador deste atributo o ato que institui uma servidão (colocação de placa de nome de rua em parede de residência de particular,

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atribuem obrigações a terceiros, portanto nem todos possuem o atributo em questão,

como salienta Maria Sylvia Zanella Di Pietro99:

Quanto ao atributo da auto-executoriedade ou executoriedade, consiste a mesma,

em linhas gerais, na prerrogativa que possui a Administração de executar seus atos sem

a necessidade de recorrer ao Poder Judiciário para garantir sua execução, como acontece

com o administrado.

Todavia, o atributo em questão tem como limitações o Estado de Direito e a

“singularidade da via”, nas palavras de Cretella Junior100, para quem tal barreira

significa “ [...] que a execução tenha um e só um caminho a seguir, sem possibilidade

de outro. Só se recorre à força em último caso.” Afirma ainda o autor101 que a auto-

executoriedade enseja imediata execução, sem necessidade de qualquer espécie de

autorização por parte da autoridade judiciária, não é necessário um título para execução

do ato.

Assinala Diógenes Gasparini102, em se tratando de auto-executoriedade:

“Também não há que se falar de contraditório e ampla defesa [...] a auto-executoriedade

é indispensável à eficaz garantia do interesse público, sob pena de ser inútil qualquer

medida posterior.”

Adotando posicionamento contrário José dos Santos Carvalho Filho103 e Hely

Lopes Meirelles104 admitem a ampla defesa e o contraditório ainda que se trate de ato da

administração dotado da característica em questão.

situada em uma esquina).”(GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 74) 99 Salienta a autora: “A imperatividade não existe em todos os atos administrativos, mas apenas naqueles que impõem obrigações; quando se trata de ato que confere direitos solicitados pelo administrado (como na licença, autorização, permissão, admissão) ou de ato apenas enunciativo ( certidão, atestado, parecer), esse atributo inexiste.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 185) 100 CRETELLA JUNIOR. Do ato administrativo. São Paulo: José Bushatsky, 1972. p. 69. 101 Ressalta o autor a importância da auto-executoriedade na atividade do poder Público: “Configuraria a auto executoriedade o domínio do arbitrário? De modo algum. Ao contrário, sem a auto-executoriedade haveria total paralisação na atividade do poder público.” Dignas de menção ainda outras observações do autor: “[...] (d) que o fundamento da executoriedade é múltiplo, decorrendo não só da presunção de legitimidade, que matiza os atos administrativos, como também da índole política da potestade administrativa, acrescendo, ainda, que diligência e urgência devem estar sempre presentes nas operações da Administração; [...] (f) que a executoriedade, compatível com o regime de direito, encontra na lei barreira intransponível, sem o que estariam ameaçadas as liberdades públicas, alicerce dos Estados em que se aboliu o antijurídico” (CRETELLA JUNIOR. Do ato administrativo. São Paulo: José Bushatsky, 1972. p. 60, 66,75) 102GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 75-76. 103 Declara o autor: “A vigente Constituição instituiu linhas mais restritivas à auto-executoriedade dos atos da Administração. Conforme o disposto no artigo 5º, LV, da Lei Maior, em todo processo administrativo que tenha presença de litigantes, ou aqueles de natureza acusatória, hão de ser assegurados

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José dos Santos Carvalho Filho105 informa ainda:

A característica da auto-executoriedade é frequentemente utilizada no exercício do poder de polícia. Exemplos conhecidos do uso dessa prerrogativa são os da destituição de bens impróprios ao consumo público e a demolição de obra que apresenta risco iminente de desabamento. Verificada a situação que provoca a execução do ato, autoridade administrativa de pronto o executa, ficando, assim, resguardado o interesse público.

Ainda que revestida de legalidade, a auto-executoriedade de ato da

Administração pode ter como conseqüência lesões irreparáveis ao patrimônio jurídico

do administrado, daí porque admitir a doutrina possa o mesmo socorrer-se do Poder

Judiciário para obstar a atividade do Poder Público ou ainda para se ressarcir. Adotam

tal entendimento Hely Lopes Meirelles106, Seabra Fagundes107, Celso Antonio Bandeira

de Mello108 e José dos Santos Carvalho Filho109.

o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos inerentes a tais garantias. A regra, como é fácil notar, estabelece alguns limites ao princípio de executoriedade, impedindo uma atuação exclusiva do administrador. A restrição, no entanto, não suprime o princípio, até porque, sem ele, dificilmente poderia a Administração, em certos momentos, concluir seus projetos administrativos e alcançar os objetivos que colima.” (CARVALHO FILHO: José dos Santos. Manual de direito administrativo. 17 ed. rev., amp. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 112) 104 Acerca da possibilidade de contraditório e ampla defesa em se tratando de ato administrativo dotado de auto-executoriedade, assim se posiciona o autor: “O reconhecimento da auto-executoriedade tornou-se mais restrito, em face do art. 5º LV, da CF, que assegura o contraditório e a ampla defesa nos procedimentos administrativos. Não obstante, quando o interesse público correr perigo iminente, a auto-executoriedade deve ser reconhecida. Assim, a Consitituição não baniu o jus imperium da Administração Pública, nem admitiu a possibilidade cautelar de adiantamento de eficácia de medida administrativa.28” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo Brasileiro. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 159 p. 163) 105 CARVALHO FILHO: José dos Santos. Manual de direito administrativo. 17 ed. rev., amp. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 112. 106 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo Brasileiro. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 159 p. 164. 107 Afirma o autor: “Há hipóteses em que o controle jurisdicional só ampara eficazmente o administrado se evita o ato, ou lhe inibe qualquer conseqüência então, se fazem precisos remédios preventivos extraordinários, regidos por preceitos especiais e permitindo providências destinadas especialmente a atuar em face das condições peculiares do momento. O hábeas corpus e o mandado de segurança preventivos existem com tal finalidade.” (FAGUNDES, M. Seabra. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 235) 108 O autor, ao mencionar as “defesas contra a executoriedade”, afirma: “A executoriedade não deixa o administrado ao desabrigo da proteção jurídica, pois pode-se sempre recorrer ao Poder Judiciário tanto para impedir preventivamente sua utilização quanto para sustar a medida executória aplicada, sempre que o uso desta providência administrativa fira direitos dos ameaçados ou atingidos. As medidas judiciais especialmente eficazes para defesa do administrado em hipóteses destas são o mandado de segurança preventivo ou repressivo (art. 5ºLXIX, da Constituição e Lei 1.533, de 31.12.51, que regulou este instituto)e o hábeas corpus (art. 5º LXVIII, da Constituição), que também pode ser impetrado preventiva ou repressivamente. Finalmente, o dano que houver resultado para o particular em decorrência de ilegítima ou abusiva utilização da auto-executoriedade acarreta responsabilidade do Estado, isto é, constitui o Poder Público na obrigação de indenizar o lesado (art. 37, §6º).” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 23 ed., rev. e atual. Malheiros: São Paulo, 2007. p. 406) 109 O autor afirma: “Em determinadas situações, a auto-executoriedade pode provocar sérios gravames aos indivíduos, e isso porque algumas espécies de danos podem ser irreversíveis. Esse tipo de ameaça de

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Maria Sylvia Zanella Di Pietro110 e Oswaldo Aranha Bandeira de Mello111

relatam que o atributo em foco é chamado pelos franceses de privilège d’action d’office

(executoriedade) ou privilège du préalable(exigibilidade).

Passando ao requisito da exigibilidade, a mesma pode ser compreendida como o

atributo que exige o cumprimento, a obediência ao ato da administração, como define

Hely Lopes Meirelles112.

O requisito da exigibilidade, embora muito parecido com a executoriedade com

o mesmo não se confunde. A propósito dessa diferenciação manifesta-se Lúcia Valle

Figueiredo113:

A exigibilidade distingue-se da auto-executoriedade; enquanto que, por força da exigibilidade, pode ser cobrada a atuação do particular (como, v.g., acrescentando-se multas e sanções administrativas ao inadimplemento), na auto-executoriedade a prestação pode ser compulsoriamente exigida.

Sinteticamente Hely Lopes Meirelles114 compara os dois atributos em questão:

“Em suma: a executoriedade é um plus em relação à exigibilidade, de tal modo que nem

todos os atos exigíveis são executórios.”. A contrário sensu pode-se afirmar que todos

os atos executórios são exigíveis.

lesão pode ser impedido pela adoção de mecanismos que formalizem a tutela preventiva e cautelar, prevista, aliás, no art. 5º, XXXV, da CF. Dentre as formas cautelares de proteção, a mais procurada pelas pessoas é a medida liminar, contemplada em leis que regulam algumas ações específicas contra o Poder Público. Sendo deferida pelo juiz, o interessado logrará obter a suspensão da eficácia do ato administrativo, tenha sido iniciada ou não.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 17 ed. rev., amp. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 113) 110 A autora afirma, com relação aos atributos da executoriedade e da exigibilidade: “A diferença, nas duas hipóteses, está apenas no meio coercitivo; no caso da exigibilidade, a Administração se usa de meios indiretos de coerção, como a multa ou outras penalidades administrativas impostas em caso de descumprimento do ato”. Na executoriedade, a Administração se utiliza de meios diretos de coerção, compelindo materialmente o administrado a fazer alguma coisa, utilizando-se inclusive da força. Na primeira hipótese, os meios de coerção vêm sempre definidos na lei; na segunda, podem ser utilizados, independentemente de previsão legal, para atender situação emergente que ponha em risco a segurança, a saúde ou outro interesse da coletividade.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 186) 111 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais de Direito Administrativo. v. I. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 615. 112 O doutrinador define a exigibilidade como “[...] o atributo do ato pelo qual se impele à obediência, ao atendimento da obrigação já imposta, sem necessidade de recorrer ao Poder Judiciário para induzir o administrado a observá-la [...] Sintetizando: graças à exigibilidade a Administração pode valer-se de meios indiretos que induzirão o administrado a atender o comando imperativo.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo Brasileiro. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007 p. 403-404) 113 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 7 ed. rev. atual. e ampl . Malheiros: São Paulo, 2004. p. 179. 114 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo Brasileiro. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007 p. 404.

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Diógenes Gasparini 115 cita como exemplos de atos da Administração dotados de

exigibilidade:

As determinações para que o particular construa muro no alinhamento da rua ou pode árvores cujos galhos ameaçam a segurança da rede elétrica são atos portadores desse atributo. Com efeito, a não-execução do muro ou a não-realização da poda ensejam à Administração Pública a possibilidade de multar o administrado desobediente, sem necessitar do prévio reconhecimento desse direito [...]

Tecidas as considerações relativas aos atributos dos atos administrativos, que

como visto comportam variações na doutrina passa-se o aspecto relativo à anulação e

revogação dos atos administrativos, que dizem com sua eficácia.

2.5 Da anulação e da revogação dos atos administrativos

Cumpre, inicialmente, esclarecer que a anulação e a revogação dos atos

administrativos envolvem a idéia de exaurimento, de supressão do ato administrativo de

modo a atingir sua eficácia, seja por motivo de ilegalidade ou ilegitimidade (caso da

anulação), seja por não mais ser o ato administrativo conveniente e oportuno à

Administração, a despeito de ser legal e legítimo (caso da revogação).

A doutrina, também sob este aspecto não é unânime, pois há quem considere os

atos nulos como subespécie dos atos inválidos116; há quem utilize o termo

“invalidação”117 ao invés de anulação e ainda registra-se o uso da palavra “invalidação”

para designar, de forma genérica, tanto a anulação como a revogação118.

115 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 75. 116 Diz o autor: “Segundo a sua eficácia, os atos administrativos se dividem em válidos e inválidos. Ineficácia e invalidade não se confundem, mas da invalidade resulta, aqui, a ineficácia. Os atos inválidos, à sua vez, subdividem-se em: a) inexistentes; b) nulos; c) anulados; d) revogados e suspensos.” (LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. 7 ed., rev. e reelaborada por Paulo Alberto Pasqualini. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 246) 117 Afirma o autor: “Não há graus na invalidade. Ato algum em Direito é mais inválido do que outro. Todavia, pode haver e há reações do Direito mais ou menos radicais ante as várias hipóteses de invalidade. Ou seja: a ordem normativa pode repelir com intensidade variável atos praticados em desobediência às disposições jurídicas, estabelecendo, destarte, uma graduação de repúdio a eles [...] Compartilhamos a doutrina que sustenta haver no Direito Administrativo brasileiro tratamentos díspares conforme o tipo de ilegitimidade. Daí a conveniência de se utilizar uma expressão designativa do gênero e outras para referir as espécies. Por isso valemo-nos do termo “invalidade” para abranger quaisquer casos de desconformidade com o Direito. Evitamos usar com este fim o nomen júris “anulação”, já que tal palavra é correntemente manejada para o batismo de uma das espécies.” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 23 ed., rev. e atual. Malheiros: São Paulo, 2007. p. 443) Marçal Justen Filho assume idêntico entendimento, ao afirmar: “No direito administrativo, costuma-se utilizar a expressão “anulação”em acepção genérica, abrangendo todas as hipóteses em que exista um defeito no ato administrativo. Mas essa solução é incompatível com o próprio princípio da

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Cretella Junior119 ao tratar da anulação e revogação dos atos administrativos

discorre acerca do “desfazimento do ato administrativo”, espécie da qual considera

gêneros a anulação e a revogação. Ensina o autor que quando ocorre a anulação (por

iniciativa da administração ou do particular) trata-se de ato ilegal. De outro lado,

quando ocorre a revogação de um ato, a mesma só se dá por iniciativa da administração

quando entender que o mesmo não seja mais conveniente ou oportuno.

Manoel de Oliveira Franco Sobrinho120 afirma: “Dois, portanto, os pressupostos

de lógica hermenêutica: -a revogação atinge os atos administrativos válidos; - a

anulação atinge os atos administrativos anuláveis.”

O posicionamento de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello121 difere dos autores

já mencionados, pois se refere a anulabilidade e nulidade. O autor entende por nulidade

proporcionalidade. Não basta a mera incompatibilidade entre o ato administrativo e a lei para que se configure a invalidade. Há diferentes graus de invalidade. (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 252) 118 Afirma o autor: “A invalidação dos atos administrativos inconvenientes, inoportunos ou ilegítimos constitui tema de alto interesse tanto para a Administração como para o Judiciário, uma vez eu a ambos cabe, em determinadas circunstâncias, desfazer os que se revelarem inadequados aos fins visados pelo Poder Público ou contrários às normas legais que os regem [...] A faculdade de invalidação dos atos administrativos pela própria Administração é bem mais ampla que a que se concede à Justiça Comum. A Administração pode desfazer seus próprios atos por considerações de mérito e de legalidade, ao passo que o Judiciário só os pode invalidar quando ilegais.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo Brasileiro. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007 p. 200) 119 O autor afirma: “Anular é desfazer o ato ilegal. Anulação é a providência, de iniciativa da Administração ou do particular para que se retire do mundo jurídico ato eivado de ilegalidade. Notando que editou ato administrativo ilegal, a Administração, em sua missão de tutelar o direito, procura desfazê-lo. Nesse trabalho, pode ter sido alertada pelo administrado que, em via administrativa, aponta a ilegalidade. Não atendido, recorre o particular ao Poder Judiciário, que suprimirá do mundo jurídico o ato ilegal. Ou recorre, diretamente, ao Judiciário. [...] Revogação também é desfazimento do ato administrativo. Não, porém, por motivo de ilegalidade, mas por motivo de mérito, ou seja, de inoportunidade ou inconveniência. [...] Revogação do ato administrativo é a manifestação unilateral da vontade da administração que tem por escopo desfazer, total ou parcialmente, os efeitos de outro ato administrativo anterior praticado pelo mesmo agente ou seu inferior hierárquico por motivos de oportunidade ou de conveniência [...] Na técnica do direito público, desfazimento é termo técnico genérico, que abrange a anulação e a revogação. Pela anulação e pela revogação o Estado retira do mundo jurídico o ato administrativo atuante. Desfazer o ato administrativo é suprimir-lhe os efeitos, é impedir que continue a atuar no mundo jurídico. Desfazimento é gênero de que anulação e revogação são espécies.”( CRETELLA JUNIOR. Do ato administrativo. São Paulo: José Bushatsky, 1972. p. 151-155) 120 FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. Atos administrativos. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 179. 121 O autor afirma: “[...] qualifica-se como revogação ou reforma a retirada de precedente ato administrativo pela sua inconveniência ou inoportunidade; e como nulidade ou anulabilidade, pela sua invalidade ou ilegitimidade [...] O poder de revogar, total ou parcialmente, os atos administrativos inconvenientes ou inoportunos, ou de reformá-los, substituindo-os por outros, bem como o poder de declarar a nulidade ou decretar a anulabilidade, total ou parcialmente, dos atos administrativos, por inválidos ou ilegítimos, ambos estão implícitos na prerrogativa que compete à Administração Pública de autotutela dos atos administrativos. Correspondem ao reverso do privilégio que lhe cabe de execução prévia dos atos administrativos.” (MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais de Direito Administrativo. v. I: Introdução. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 632-633)

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a invalidade e como anulabilidade a ilegitimidade, alertando ainda que estas

prerrogativas estão implícitas no poder de autotutela da administração.

Odete Medauar122 menciona a existência de três critérios existentes no direito

administrativo pátrio para diferenciar a anulação e a revogação, quais sejam o critério

objetivo ou do fundamento, o critério do poder competente e o momento dos fatos, mas

a despeito de estabelecer a diferenciação, afirma que:

A confusão terminológica entre anulação e revogação, que transparecia em antigos julgados dos tribunais pátrios, não pode mais ocorrer ante a Súmula 473 do STF, que distingue as duas figuras, nos seguintes termos: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

No tocante à iniciativa da administração pública no sentido de anular123 (quando

ocorre ilegalidade) ou revogar (mérito de conveniência e oportunidade) o ato

administrativo, o primeiro poderá ser de ofício ou por provocação, enquanto que o

segundo só poderá ocorrer a critério da administração conforme Odete Medauar124,que

enumera alguns exemplos que podem levar a uma ou outra forma de desfazimento do

ato administrativo: mudança de circunstâncias, engano inicial na apreciação dos fatos,

entre outros.

122 A autora faz a diferenciação entre a anulação e a revogação conforme os seguintes critérios: “Conforme o critério objetivo ou do fundamento, a anulação ocorre por razões de ilegalidade, enquanto a revogação se baseia em motivos de mérito, atinente, portanto, à conveniência e oportunidade. Segundo o critério do poder competente, também denominado critério subjetivo, a anulação consiste na supressão do ato administrativo ou pela própria Administração ou determinada pelo Poder Judiciário; a revogação é o desfazimento do ato administrativo efetuado pela própria Administração. Sob o ângulo do momento dos efeitos, a anulação elimina o ato administrativo com efeitos ex tunc, ou seja, com efeitos pretéritos; a revogação produz efeitos ex nunc, ou seja, efeitos futuros. (MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 154-155) 123A Lei nº 9.784, de 29.1.1999 dispõe no art. 53: “A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de ilegalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.” (BRASIL. Código de defesa do consumidor e da concorrência, legislação das agências reguladoras, Constituição Federal/ organizador Fernando de Oliveira Marques, obra coletiva de autoria da Editora Revista dos Tribunais, com a coordenação de Giselle de Melo Braga Tapai. 4 ed. rev. atual e ampl. 2003. p. 417) 124 Assevera a autora: “A anulação efetuada pela própria Administração ocorre de ofício ou por provocação. No primeiro caso, a Administração, por si própria, verificou a existência de ilegalidade e providenciou o desfazimento do ato, com base sobretudo no princípio da autotutela administrativa. No segundo caso, a ilegalidade foi apontada em requerimentos ou recursos administrativos contra decisões da Administração [...] O poder de revogar, de que é dotada a Administração, baseia-se na sua competência para avaliar o interesse público ou ponderar os interesses presentes numa determinada situação. A própria autoridade pode, assim, de modo espontâneo ou por provocação, reavaliar os aspectos de conveniência e oportunidade de uma decisão e concluir pelo seu desfazimento. Vários fatores podem levar à revogação: mudança de circunstâncias, advento de novos fatos, reação contrária da população, engano inicial na apreciação dos fatos.” (MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 156-157)

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Conforme já mencionado, as resoluções do CONAMA têm natureza jurídica de

ato administrativo, daí porque se discorreu no presente capítulo acerca do seu conceito,

elementos, atributos e finalmente sua anulação e revogação. Com efeito, após o estudo

levado a cabo não há como negar às resoluções do CONAMA a classificação de atos

administrativos, desprovidos dos atributos presentes nas espécies legislativas previstas

e elaboradas em conformidade com o Texto Constitucional125.

Cumpre deixar claro que as resoluções126 a que se refere o artigo 59, inciso VII

da Constituição Federal são na verdade atos emanados da Câmara dos Deputados127 , do

Senado Federal 128 ou ainda do Congresso Nacional 129 não sujeitos a sanção ou veto e

que tratam de assuntos de interesse interno das Casas.

Feitas as devidas e necessárias considerações, no que tange à espécie legislativa

“resoluções”, que nenhum traço de semelhança apresenta com relação às resoluções

emanadas do CONAMA conclui-se o presente capítulo.

125 CF art. 59: O processo legislativo compreende a elaboração de: I – emendas à Constituição; II – leis complementares; III – leis ordinárias; IV – leis delegadas; V - medidas provisórias; VII – resoluções. Parágrafo único: Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 66) 126 O grande doutrinador assim define resoluções: “As resoluções, a que se refere a Constituição de 1967, são atos do Senado Federal ou do Congresso Nacional que independem de sanção e tem as regras jurídicas de elaboração conforme o Regimento interno ou Regimento Comum.” (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº. 1 de 1969. t. III. 2 ed. rev. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1970, p. 142). Afirma também Marcello Caetano que: “Resolução é o ato da sessão conjunta do Congresso ou de cada uma das Câmaras formalizando deliberação tomada sobre matéria da competência privativa do órgão sem necessidade de revisão, sanção ou promulgação por órgão diferente, quer contenha normas de caráter genérico quer se refira a casos concretos.” (CAETANO, Marcello. Direito constitucional. v. 2. Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 277. ) 127 CF/88 art. 51. (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 61). 128 CF/88 art. 52. (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 61-62). 129 CF/88 art. 68, § 2º. (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 69).

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CAPITULO 3 – DA COOPERAÇÃO ENTRE OS ENTES FEDERADOS

3.1 Competência dos entes federados: privativa, concorrente e comum

Dispõe o artigo 1º da Constituição Federal de 1988130 que o Brasil é uma

República Federativa, o que significa que o Estado brasileiro constitui-se num Estado

federal, ou seja, descentralizado por força de previsão constitucional. Também o artigo

18 do Texto Constitucional131, que trata da organização político-administrativa,

prescreve a forma federativa de Estado. Tem-se nos dispositivos mencionados a

consagração do princípio federativo segundo o qual os entes (União, Estados, Distrito

Federal e União), cada um com sua autonomia exercem as competências

constitucionalmente previstas.

Afirma Zulmar Fachin132 que o Estado federal nasceu na Constituição norte

americana de 1877 com a finalidade de enfrentar o poder absoluto, constituindo-se em

uma aliança. Informa também que o federalismo adotado no Brasil é do tipo cooperativo

ou de colaboração, com rígida separação de competências, em decorrência da

possibilidade de atuação coordenada de mais de um ente da federação.

No que tange ao Brasil, a forma de Estado federal ocorreu com a proclamação

da República, em 1889, mantida desde então.

130 CF/88: Art. 1º “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I-soberania; II-a cidadania; III-a dignidade da pessoa humana; IV-os valores sociais do trabalho e da dignidade humana; V-o pluralismo político. Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 21). 131 CF/88: Art. 18. “A organização político administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. §1º Brasília é a capital federal. §2º Os Territórios Federais integram a União, e sua criação, transformação em estado ou reintegração ao Estado de origem serão reguladas em lei complementar. §3º O Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar.§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estados de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.” (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 37) 132 Afirma o autor: “O Estado federal é um pacto, um acordo, uma aliança, uma associação entre várias entidades estatais dotadas de autonomia [...] O Estado federal foi idealizado como forma de fazer frente ao poder absoluto. Nasceu em 1787, com a promulgação da Constituição dos Estados Unidos da América.” (FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2008. p. 165)

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No sistema federativo brasileiro além dos Estados Federados há ainda a previsão

dos Territórios Federais e do Distrito Federal e a Constituição de 1988 inovou ao

inserir os Municípios na federação, que a partir de então passou a ter três níveis, modelo

único no mundo, como afirmam José Afonso da Silva133 e Edis Milaré134:

Cumpre ressaltar, por oportuno, que não há hierarquia entre as entidades

integrantes da federação, que possuem autonomia, tendo em vista a opção do

constituinte pela descentralização do poder, como reconhece André Ramos Tavares. 135

Prevista constitucionalmente, a organização federativa do Estado é intocável,

constituindo-se em cláusula pétrea, imutável da Constituição Federal como previsto no

artigo 60, parágrafo 4º, inciso I136, sendo inadmissível qualquer possibilidade de

alteração da matéria de que trata o dispositivo constitucional mencionado, que

juntamente com os outros incisos do artigo 60, parágrafo 4º da Constituição Federal

constitui-se nas limitações, que podem ser expressas (artigo 60 e parágrafos da

Constituição Federal) ou implícitas.

Subdividem-se as limitações em formais (processo legislativo), materiais

(cláusulas pétreas), circunstanciais e temporais.

133 Para o autor “A federação consiste na união de coletividades regionais autônomas que a doutrina chama de Estados federados (nome adotado pela Constituição, cap. III do tít. III), Estados-membros ou simplesmente Estados (muito usado na Constituição).7 Veremos que, nessa composição, às vezes, entram outros elementos, como os Territórios federais e o Distrito Federal, e, no sistema brasileiro, há que destacar-se ainda os Municípios, agora também incluídos na estrutura político-administrativa da Federação brasileira (arts. 1º e 18). O cerne do conceito de Estado federal está na configuração de dois tipos de entidades: a União e as coletividades regionais autônomas (Estados federados) [...] Estado federal é o todo, dotado de personalidade jurídica de Direito Público internacional. A União é a entidade federal formada pela reunião das partes componentes, constituindo pessoa jurídica de Direito Público interno, autônoma em relação aos Estados e a que cabe exercer a soberania do Estado brasileiro. Os Estados-membros são entidades federativas componentes, dotadas de autonomia e também de personalidade jurídica de direito público interno.” Esclarece ainda o autor que é único titular da soberania, isto é capacidade de autodeterminação, enquanto que os Estados federados possuem autonomia, entendida como as competências traçadas pela Constituição Federal. Conclui afirmando que a Constituição de 1988 “buscou resgatar o princípio federalista e estruturou um sistema de repartição de competências que tenta refazer o equilíbrio das relações entre o poder central e os poderes estaduais e municipais. As federações de formação centrípeta costumam ser mais descentralizadas e as de formação centrífuga, menos.”(SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29 ed. rev. e atual. Malheiros: São Paulo, 2007, p. 99-103) 134 Afirma o autor que “[...] a Constituição de 1988 criou uma federação em três níveis, modelo único no mundo, reconhecendo como entes federados a União, os Estados membros e Distrito Federal e os Municípios 145 [...] Embora único, esse modelo espelha uma tendência mundial, que é a de uma crescente afirmação das autonomias locais, mas num quadro de participação em unidades políticas regionais, nacionais e supra nacionais, cujos denominadores comuns são os interesses sempre mais amplos e a sempre menor ingerência.” (MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4

ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 227) 135 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva 2006. p. 941. 136CF /88: Art. 60... § 4º “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado.” (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 66)

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As limitações expressas formais dizem respeito ao processo legislativo, sendo

por isso chamada de limitações procedimentais.

Paulo Bonavides137 define as limitações explícitas ou expressas como:

[...] aquelas que, formalmente postas na Constituição, lhe conferem estabilidade ou tolhem a quebra de princípios básicos, cuja permanência ou preservação se busca assegurar, retirando-os do alcance do poder constituinte derivado. Essas limitações expressas podem ser: temporais, circunstanciais e materiais.

Os limites expressos materiais, conforme Walber de Moura Agra138 “[...] são

partes da Constituição que não podem ser modificados pelo processo de reforma.” Estas

partes que não podem ser modificadas denominam-se “cláusulas pétreas”, são elas: a

forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação de

poderes; e os direitos e garantias individuais. (artigo 60, parágrafo 4º da Constituição

Federal).

Frise-se que a proteção prevista no dispositivo constitucional mencionado não se

restringe à matéria ali consignada, mas vai além, sendo vedada qualquer emenda

tendente a abolir as cláusulas pétreas, donde se conclui que a proteção é mais extensa

que os próprios bens. 139

O vínculo entre os entes federados fortalece-se ainda mais ante a

impossibilidade de secessão, ou seja, de dissolução do pacto federativo. Tal

impedimento encontra-se presente em todas as Constituições Brasileiras desde 1891

(primeira Constituição republicana), como afirma Zulmar Fachin140:

137 O autor classifica as limitações expressas em temporais, ou seja, “um texto constitucional que limita no tempo a ação reformista, paralisando o órgão revisor até o transcurso de um certo número de anos”; limitações circunstanciais : “aquela que se prende a determinadas circunstâncias históricas e excepcionais na vida de um país. Ordinariamente configuram um estado de crise que torna ilegítimo nessas ocasiões empreender qualquer reforma circunstancial.”; e finalmente as limitações materiais, isto é, “no tocante ao objeto da reforma [...] Todo o §4º do art. 60 da Constituição consagra as vedações materiais perpétuas do nosso ordenamento constitucional ao exercício do poder de reforma.” Menciona ainda o autor as limitações tácitas, ou seja, aquelas “decorrentes dos princípios e do espírito da Constituição [...] são basicamente aquelas que se referem à extensão da reforma, à modificação do processo mesmo de revisão e a uma eventual substituição do poder constituinte derivado pelo poder constituinte originário.” (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19 ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 198- 202) 138 AGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 389. 139 ARAUJO, Luiz Alberto David, NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 368. 140 FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2008. p. 179.

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Sendo o poder descentralizado, os Estados-Membros participam do governo

central por meio do Senado, que os representa. Mais ainda: os Estados-membros têm

poder de auto-organização em virtude de um poder constituinte que lhes é próprio.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho141, referindo-se à participação dos Estados-

Membros no poder central e a sua capacidade de auto-organização, afirma: “Nesses dois

últimos pontos está o cerne da autonomia dos Estados-membros da Federação.”.

A inserção do município e do Distrito Federal na organização político-

administrativa da República Federativa do Brasil alterou substancialmente a o dualismo

da federação brasileira, dando-lhe nova feição, como reconhece Paulo Bonavides142.

No que tange à auto-organização dos Municípios, os princípios encontram-se

dispostos no artigo 34, inciso VII da Constituição Federal, aos quais devem se

submeter, como reconhece Manoel Gonçalves Ferreira Filho143.

Conclui-se, assim, que a autonomia das entidades federativas tem como

pressuposto a repartição de competências legislativas, administrativas e tributárias,

sendo as matérias próprias de cada uma das entidades determinadas pela Constituição

Federal, segundo o princípio geral que informa a repartição de competências, qual seja o

princípio da predominância do interesse.

Segundo Alexandre de Moraes144, o princípio em questão pode ser definido

como a atribuição à União de matérias e questões em que predomine o interesse geral,

141FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional, 18 ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 43. 142 Afirma o autor com relação ao artigo 18 da CF: “Esse artigo inseriu o município na organização político-administrativa da República Federativa do Brasil, fazendo com que ele, ao lado do Distrito Federal, viesse a formar aquela terceira esfera de autonomia, cuja presença, nos termos em que se situou, altera radicalmente a tradição dual do federalismo brasileiro, acrescido agora de nova dimensão básica.” (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19 ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 345) 143 Afirma o autor: “Prevê o novo texto a auto-organização dos Estados e dos Municípios sujeitando-os ao respeito aos princípios constitucionais. Estes são os enumerados no art. 34, VII, ou seja: “a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta”.Ganham os Municípios o poder de auto-organização, sujeitos, entretanto, aos princípios da Constituição Federal, aos da Constituição do respectivo Estado, além de estarem obrigados a uma série de preceitos expressos, conforme o disposto no art. 29 da Constituição Federal.”(FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional, 18 ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 49) 144 Pondera o autor com relação ao princípio da predominância do interesse: “O legislador constituinte, adotando o referido princípio, estabeleceu quatro pontos básicos no regramento constitucional para a divisão de competências administrativas e legislativas: reserva de campos específicos de competência administrativa e legislativa, possibilidade de delegação, áreas comuns de atuação paralela e áreas de atuação legislativa concorrentes. Em relação à reserva de campos específicos de competência administrativa e legislativa, o texto constitucional disciplinou da seguinte forma: União – Poderes enumerados (CF, arts. 21 e 22); Estados Poderes remanescentes (CF, art. 25, § 1º); Municípios - Poderes enumerados (CF, art. 30); Distrito Federal – Estados + Municípios (CF, art. 32, § 1º) .A possibilidade de delegação vem explicitada no art. 22, parágrafo único, do texto constitucional, prevendo-se que Lei complementar federal poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias de

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cabendo aos Estados as matérias em que prevaleça o interesse regional e finalmente aos

municípios os assuntos de interesse local.

O que se constata, como afirma Toshio Mukai145, é que o Direito Constitucional

pátrio no que diz respeito à distribuição de competências, adotou as competências

horizontais (privativas) e as verticais (concorrentes), sendo a primeira típica do

federalismo clássico, enquanto que a evolução do federalismo fez surgir a repartição

vertical.

Está assim consagrado no Direito Constitucional pátrio o federalismo

cooperativo, “[...] onde os níveis de governo não se digladiam pelas suas competências,

mas se unem para, cada qual, dentro de suas atribuições, darem conta das necessidades

dos administrados.”, nas palavras de Toshio Mukai146.

A despeito do posicionamento acima mencionado, há que se salientar que a

questão da divisão de competências entre os entes federados é bastante complexa, dando

ensejo a disputas e conflitos, como afirmam Paulo de Bessa Antunes147 e Vladimir

Passos de Freitas148.

competência privativa da União. Por fim, as áreas comuns de atuação administrativa paralela estão previstas no art. 23, e as áreas de atuação legislativa concorrentes, no art. 24 da Constituição.” (MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 671) 145 Afirma o autor: “Portanto, em matéria de distribuição de competências, tradicionalmente, o nosso Direito Constitucional vem adotando as denominadas competências horizontais (privativas) e as verticais (concorrentes). Com efeito, alem da repartição horizontal de competência, típica do federalismo clássico, que consiste na discriminação das matérias em dois círculos (no caso do Brasil, três) entregues, a título de competência exclusiva, um à ordem central, e o outro, a cada uma das ordens estaduais, no limite do respectivo território (cf. Raul Machado Horta, Autonomia do Estado-Membro, BH, 1964, p. 49), a evolução do federalismo fez surgir a “repartição vertical de competência, que realiza a distribuição de idêntica matéria legislativa entre a União e os Estados-membros, estabelecendo condomínio legislativo consoante regras constitucionais de convivência (ibidem, ob. cit. p. 53).” (MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 16-17) 146 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 18. 147 Acerca da competência em matéria ambiental, afirma o autor: “O sistema federativo por nós adotado, contudo, é gerador de situações nas quais as características básicas são a indefinição jurídica, a incerteza e a instabilidade. [...] No que se refere aos custos ambientais, a situação não é mais favorecida, uma vez que a indefinição dos controles, com freqüência, se transforma em controle inexistente. [...] De fato, a repartição de competências ambientais, como posta na Constituição de 1988, é extremamente confusa e, seguramente, centralizadora. [...] embora o sistema de repartições, em tese, não admita superposição, visto que somente um dos entes federativos possui competência para expedir a lei geral, outro para complementá-la e assim sucessivamente, o fato é que a nossa realidade concreta indica a existência de uma verdadeira superposição legislativa, com normas que se atropelam, tratam do mesmo assunto e tornam o universo normativo bastante obscuro. A desconexão e o desentrosamento entre os diversos órgãos e níveis de poder têm sido constatados com bastante freqüência, muito embora não consigam ser superados. Na verdade, existe um avanço dos órgãos federais sobre os estaduais e municipais, de maneira cada vez mais insinuante.” (ANTUNES, Paulo de Bessa. Federalismo e competências ambientais no Brasil. Lúmen Júris: Rio de Janeiro, 2007. p. 103-105) 148 Com referência ao conflito entre as pessoas políticas, afirma o autor: “A prática vem revelando extrema dificuldade em separar a competência dos entes políticos nos casos concretos. Há – é inegável – disputa de poder entre órgãos ambientais, fazendo com que, normalmente, mais de um atribua a si mesmo

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Com relação às espécies de competências, a privativa é aquela inerente a

determinado ente federativo, como é o caso das competências dos artigos 21 (de ordem

administrativa) e 22 (de ordem legislativa) da Constituição Federal, em relação à União

ou às atribuições que possam ser enquadradas como de interesse local dos Municípios.

Paulo de Bessa Antunes149 critica a competência privativa na forma como

prevista no artigo 22 da Constituição Federal, afirmando que “Todos os assuntos

arrolados, como se sabe, estão incluídos no conceito geral de meio ambiente”. Aponta

também o autor que o artigo 23 da Constituição Federal refere-se, como é sabido, à

competência administrativa, sendo que o artigo 24 do Texto Constitucional, como

também é sabido, trata da competência legislativa concorrente.

Com referência à competência privativa da União na área ambiental, observa

Vladimir Passos de Freitas150 a despeito de ser competência da União legislar sobre

meio ambiente, cabe também aos Estados e Municípios tal mister, nos termos do artigo

23, inciso VI da Constituição Federal.

No que tange à competência dos Estados em matéria ambiental, classificada

como concorrente ou vertical, a mesma encontra-se prevista nos artigos 23 e 24 da

Constituição Federal. O artigo 23 do Texto Maior prevê a cooperação administrativa

entre os entes federados, ao passo que o artigo 24 trata da competência legislativa

inerente aos Estados, que podem suplementar a legislação federal, como afirma Paulo

de Bessa Antunes151:

competência legislativa e material. Há, também, uma controvérsia histórica que jamais desaparecerá: o poder central está distante e desconhece os problemas locais; o poder local está mais próximo dos fatos, porém é influenciado e envolvido nos seus próprios interesses. Óbvio que cada um apresenta suas vantagens e desvantagens. Há, finalmente, a dificuldade pura e simples de um sistema complexo repartido entre pessoas políticas diversas, no qual os conceitos são genéricos e passíveis de outras tantas interpretações. (por exemplo, a atribuição comum a todos de proteção ao meio ambiente, Constituição Federal, art. 23, VI.” (FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição federal e a efetividade das normas ambientais. 2 ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 80) 149 Afirma o autor, no que tange às competências dos artigos 23 e 24 da Constituição Federal: “Não é difícil perceber que diversas das matérias que integram a competência privativa da União estão, concomitantemente, arroladas nas competências comum e concorrente dos diversos integrantes da Federação.” (ANTUNES, Paulo de Bessa. Federalismo e competências ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 105-106) 150 Para o autor: “[...] o fato de ser a União o poder legiferante não significa que só a ela caiba a fiscalização. Os Estados e os Municípios podem e devem zelar pela proteção do meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, conforme art. 23, VI, da Lei Maior.” (FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição federal e a efetividade das normas ambientais. 2 ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 58) 151 O autor tece o seguinte comentário: ‘No artigo 23, como já visto, há uma atribuição de cooperação administrativa entre os integrantes da Federação. Já o artigo 24 afirma uma competência legislativa própria para os Estados. [...] Os Estados podem suplementar a legislação federal. Observe-se que, se inexistente a norma federal, os Estados exercerão a competência legislativa plenamente, de molde a atender às suas peculiaridades. No momento em que passe a existir legislação federal sobre normas

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Vladimir Passos de Freitas152 adota idêntico entendimento, no sentido de que

cabe à União estabelecer normas gerais, sem exclusão dos Estados em caráter

suplementar, e uma vez inexistindo normas gerais da União, os Estados poderão exercer

a competência legislativa de forma plena para atender às peculiaridades locais, sendo

suspensa a eficácia da legislação estadual com a superveniência de lei federal, no que

lhe for contrária (artigo 24, parágrafo 4º CF).

O Supremo Tribunal Federal153 tem firmado tal entendimento.

gerais, a legislação estadual, naquilo que contrariar a norma federal, perde eficácia. 16” (ANTUNES, Paulo de Bessa. Federalismo e competências ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 109-110) 152 Assim se manifesta o autor com relação à competência dos Estados, em comento ao artigo 24, parágrafos 1º ao 4º da Constituição Federal: “Como se vê da leitura do dispositivo constitucional, os Estados não têm competência própria, mas sim competência por exclusão e concorrente: por exclusão quando a matéria não for privativa da União e dos Municípios; concorrente, quando a matéria pertencer às duas pessoas políticas, União e Estados.”(FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição federal e a efetividade das normas ambientais. 2 ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 59) 153 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ADI 1624/MG DJ 13-06-2003 PP-00008 EMENT VOL-02114-01 PP-00176 MINISTRO RELATOR CARLOS VELLOSO EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CUSTAS E EMOLUMENTOS. LEI ESTADUAL QUE CONCEDE ISENÇÃO: CONSTITUCIONALIDADE. Lei 12.461, de 7.4.97, do Estado de Minas Gerais. I - Custas e emolumentos são espécies tributárias, classificando-se como taxas. Precedentes do STF. II - À União, ao Estado-membro e ao Distrito Federal é conferida competência para legislar concorrentemente sobre custas dos serviços forenses, restringindo-se a competência da União, no âmbito dessa legislação concorrente, ao estabelecimento de normas gerais, certo que, inexistindo tais normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades (C.F., art. 24, IV, §§ 1º e 3º). III -Constitucionalidade da Lei 12.461/97, do Estado de Minas Gerais, que isenta entidades beneficentes de assistência social do pagamento de emolumentos.IV.- Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/juris/> Acesso em: 16 out. 2008. BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ADI-MC - MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Processo: 903 /MG - MINAS GERAIS RELATOR Ministro Celso de Mello E M E N T A : AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI 10.820/92 DO ESTADO DE MINAS GERAIS - PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA – TRANSPORTE COLETIVO INTERMUNICIPAL - EXIGÊNCIA DE ADAPTAÇÃO DOS VEÍCULOS – MATÉRIA SUJEITA AO DOMÍNIO DA LEGISLAÇÃO CONCORRENTE - POSSIBILIDADE DE O ESTADO-MEMBRO EXERCER COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PLENA - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA POR DESPACHO - REFERENDO RECUSADO PELO PLENÁRIO.- O legislador constituinte, atento à necessidade de resguardar os direitos e os interesses das pessoas portadoras de deficiência, assegurando-lhes a melhoria de sua condição individual, social e econômica - na linha inaugurada, no regime anterior, pela E.C. n. 12/78 -, criou mecanismos compensatórios destinados a ensejar a superação das desvantagens decorrentes dessas limitações de ordem pessoal. - A Constituição Federal, ao instituir um sistema de condomínio legislativo nas matérias taxativamente indicadas no seu art. 24 - dentre as quais avulta, por sua importância, aquela concernente à proteção e à integração social das pessoas portadoras de deficiência (art. 24, XIV) -, deferiu ao Estado-membro, em "inexistindo lei federal sobre normas gerais", a possibilidade de exercer a competência legislativa plena, desde que "para atender a suas peculiaridades" (art.24, § 3º). A questão da lacuna normativa preenchível. Uma vez reconhecida a competência legislativa concorrente entre a União, os Estados-membros e o Distrito Federal em temas afetos às pessoas portadoras de deficiência, e enquanto não sobrevier a legislação de caráter nacional, é de admitir a existência de um espaço aberto à livre atuação normativa do Estado-membro, do que decorre a legitimidade do exercício, por essa unidade federada, da faculdade jurídica que lhe outorga o art. 24, § 3º, da Carta Política- QUESTÃO DE ORDEM - Julgamento - Proclamação do resultado -Possibilidade de retificação dos votos já proferidos, desde que na mesma Sessão de Julgamento - Votos vencidos. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal podem, excepcionalmente, modificar os votos que proferiram na

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De se observar que as leis gerais editadas pela União, como o próprio termo já

indica hão de conter princípios, sendo isentas de minúcias e pormenores que ficarão a

cargo da legislação a ser produzida pelo Estado federado de acordo com sua realidade,

como reconhece Paulo Affonso Leme Machado154

Saliente-se ainda, por oportuno, que não há que se confundir a competência

complementar, que diz respeito à pormenorização da lei geral e às condições para sua

aplicação (artigo 24, parágrafo 2º) e a competência suplementar (artigo 24, parágrafo 3º

da Constituição Federal), com característica de suprir a falta, a ausência de normas

gerais da União.

Toshio Mukai155 defende a existência de hierarquia entre as normas, de modo

que as federais se sobrepõem às estaduais e estas às municipais, sem que, no entanto

seja afetada a autonomia dos entes públicos.

O entendimento mencionado não é compartilhado por outros autores, como

Paulo Affonso Leme Machado156, Zulmar Fachin157, Johann Paulo Castello Pereira158,

resolução da causa, mesmo que já proclamado o resultado da decisão colegiada, desde que o façam, no entanto, no curso da mesma Sessão em que efetuado o julgamento do processo. Voto vencido do RELATOR (Min. CELSO DE MELLO), para quem a retificação dos votos proferidos só se admite dentro de um específico contexto temporalmente delimitado: aquele sob cujo domínio se desenvolveu o julgamento, de tal modo que, concluído este - e anunciado formalmente o respectivo resultado -, tornam-se imodificáveis os pronunciamentos decisórios já manifestados pelos membros integrantes do Tribunal. Entendimento que, embora vencido, encontra suporte no magistério doutrinário de LOPES DA COSTA, MONIZ DE ARAGÃO, JOÃO CLAUDINO DE OLIVEIRA E CRUZ, COSTA MANSO E JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/juris/> Acesso em: 16 out. 2008. 154 Assevera o autor que: “A Constituição brasileira não conceitua norma geral. Resta à doutrina e à jurisprudência essa tarefa. A norma geral visa à aplicação da mesma regra em um determinado espaço territorial. A norma geral federal ambiental, ou em outra matéria de competência concorrente, não precisa necessariamente abranger todo o território brasileiro. Uma norma geral ambiental federal poderá dispor, por exemplo, sobre as áreas previstas no art. 225, § 4º - Floresta Amazônica Brasileira, Serra do Mar, Mata Atlântica, Pantanal e Zona Costeira. A norma geral pode abranger somente um ecossistema, uma bacia hidrográfica ou somente uma espécie vegetal ou animal.” (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 13 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 105) 155 O autor justifica seu posicionamento nos seguintes termos: “[...] uma hierarquia de normas, no sentido de que a lei federal tem prevalência sobre a estadual e municipal, e a estadual sobre a municipal”. Mas, evidentemente, tal prevalência não significa que os princípios federativos das autonomias dos entes políticos possam ser afetados [...] A única hierarquia existente na competência concorrente é esta: o Município, na sua legislação, terá que observar as normas gerais válidas da União e dos Estados; estes terão de observar, não podendo contrariar, as normas gerais dirigidas aos particulares, da União.” (MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 21) 156 Assevera o autor: “A competência dos Estados para legislar, quando a União já editou uma norma geral, pressupõe uma obediência à norma federal, se editada de acordo com a Constituição Federal. Situa-se no campo da hierarquia das normas e faz parte de um sistema chamado de “fidelidade federal”. Não é a mesma situação perante a implementação administrativa da lei (art. 23 da CF), onde não há hierarquia nas atuações das diferentes Administrações Públicas. A Administração Pública federal ambiental não está num plano hierárquico superior ao da Administração Pública ambiental estadual, nem esta situa-se em plano superior ao da Administração Pública ambiental municipal.” (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 13 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 108) 157 Afirma o autor: “Não existe hierarquia entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Logo, também não há hierarquia entre as leis federais, estaduais e municipais, nem mesmo entre as leis

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Paulo José Leite Farias159 e André Ramos Tavares160 que entendem não haver hierarquia

entre as normas editadas pelos diferentes entes federados.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 o Distrito Federal passou à

condição de pessoa política, com ampla competência legislativa, vez que abrange a

competência dos Estados bem como dos Municípios, provocando uma situação

interessante, vez que o Distrito Federal legisla concorrentemente com a União e nas

hipóteses de competência do Município, nos termos do artigo 30 da Constituição

Federal, como assinala Vladimir Passos de Freitas161.

Quanto aos Municípios, a promulgação da Constituição Federal de 1988 os

alçou à condição de integrantes da Federação, nos termos do art. 1º do Texto

Constitucional, que dispõe in verbis: “A República Federativa do Brasil, formada pela

união indissolúvel dos Estados, e dos Municípios e do Distrito Federal...”

O artigo 30 da Constituição Federal prescreve que aos Municípios caberá

suplementar a legislação federal e estadual no couber (art. 30, inc. II CF)162, em

continuação à legislação federal ou estadual já existente, bem como legislar sobre

assuntos de interesse local (artigo 30, inciso I CF), conforme decisões da mais alta

Corte do país.163

estaduais e municipais. Cada membro do pacto federativo pode exercer todas as competências que lhe foram atribuídas pela Constituição Federal, o que implica afirmar que, ao reverso, nenhum deles poderá exercer competências pertencentes, com exclusividade, a outro membro federativo.” (FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2008. p. 353) 158 Posiciona-se o autor nos seguintes termos: “Por fim, cabe destacar que a solidariedade não pressupõe simultaneidade ou hierarquia. Pressupõe, de outra sorte, cooperação e harmonia, pois se trata de uma República Federativa, com um sistema enunciado de repartição de atribuições.” (PEREIRA, Johann Paulo Castello. Do poder de polícia ambiental. Revista de Ciências Jurídicas/Universidade Estadual de Maringá, Curso de Mestrado em Direito. v. 3, n. 2, jul./dez. 2005. Maringá: Stampa, 2005. p. 136) 159 FARIAS, Paulo José Leite. Competência federativa e proteção ambiental. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 322, 325. 160 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 940. 161 FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição federal e a efetividade das normas ambientais. 2 ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 61. 162 CF: art. 30-“ Compete aos Municípios: I-legislar sobre assuntos de interesse local; II-suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; (...)” (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 46) 163 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL RE - RECURSO EXTRAORDINÁRIO Processo: 174645 / SP Fonte: DJ 27-02-1998 PP-00018 EMENT VOL-01900-03 PP-00539 Ministro Relator: Mauricio Correa EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FARMÁCIA. LEI MUNICIPAL Nº. 8.794/78 E NORMAS ADMINISTRATIVAS QUE DISCIPLINAM O HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO E O SISTEMA DE PLANTÃO NOS FINS DE SEMANA. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA OS ASSUNTOS DE SEU INTERESSE: ART. 30, I DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, DA LIVRE INICIATIVA, DA LIVRE CONCORRÊNCIA E AO DIREITO DO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA. 1. Os Municípios têm autonomia para regular o horário do comércio local, desde que não infrinjam leis estaduais ou federais válidas, pois a Constituição Federal lhes confere competência para legislar sobre

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A análise do texto dos artigos 23 e 24 da Constituição Federal, já mencionados,

poderá levar à conclusão de que o Município, por não se encontrar arrolado entre os

entes federados competentes para legislar apontados nos referidos dispositivos não

poderia legislar sobre meio ambiente, a não ser supletivamente, como previsto no artigo

30 do Texto Constitucional.

Paulo de Bessa Antunes164 não adota tal entendimento e afirma: “[...] seria

incorreto e insensato dizer-se que os Municípios não têm competência legislativa em

assuntos de interesse local. 2. Afronta aos princípios constitucionais da isonomia, da livre iniciativa, da livre concorrência e ao direito do consumidor. Inexistência. Ao Governo Municipal, nos limites da sua competência legislativa e administrativa, cumpre não apenas garantir a oferta da mercadoria ao consumidor, mas, indiretamente, disciplinar a atividade comercial, e, evitando a dominação do mercado por oligopólio, possibilitar ao pequeno comerciante retorno para as despesas decorrentes do plantão obrigatório. 3. Farmácias e drogarias não escaladas para o cumprimento de plantão comercial. Direito de funcionamento fora dos horários normais. Inexistência em face da lei municipal que disciplina a matéria.Recurso extraordinário conhecido e provido. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/juris/> Acesso em 16 out.2008. BRASIL. Supremo Tribunal Federal Classe: AI-AgR - AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Processo: 347717 UF: RIO GRANDE DO SUL. Fonte DJ 05-08-2005 PP-00092 EMENT VOL-02199-06 PP 01098. Ministro Relator Celso de Mello. E M E N T A: ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA, MEDIANTE LEI, OBRIGAR AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS A INSTALAR, EM SUAS AGÊNCIAS, DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA - INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA FEDERAL - ALEGAÇÃO TARDIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 144, § 8º, DA CONSTITUIÇÃO - MATÉRIA QUE, POR SER ESTRANHA À PRESENTE CAUSA, NÃO FOI EXAMINADA NA DECISÃO OBJETO DORECURSO EXTRAORDINÁRIO - INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO "JURA NOVIT CURIA" - RECURSO IMPROVIDO. - O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com o objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem, em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou, ainda, colocação de bebedouros. Precedentes. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/juris/> Acesso em: 16 out. 2008. 164 Manifesta-se o autor com relação à competência legislativa ambiental do Município: “Está claro, em minha opinião, que o meio ambiente está incluído dentre o conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas a mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente.” (ANTUNES, Paulo Bessa. Federalismo e competências ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p 112). José Afonso da Silva adota semelhante posicionamento e afirma com relação à competência dos Municípios: “De fato, dá-se-lhes competência para promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano (art. 30, VIII). Outorga-se-lhes a competência para a Política de Desenvolvimento Urbano e estabelecimento do Plano Diretor (art. 182), e ainda a competência para promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observadas a legislação e ação fiscalizadora federal e estadual. Quer isso dizer que não se recusa aos Municípios competência para ordenar a proteção do meio ambiente, natural e cultural. Logo, é plausível reconhecer, igualmente, que na norma do art. 30, II, entra também a competência para suplementar a legislação federal e estadual na matéria.” (SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 79-80)

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matéria ambiental, visto que teriam que abrir mão de sua autonomia constitucional para

cumprir os próprios mandamentos constitucionais.”.

Os tribunais vêm reiteradamente confirmando por meio da jurisprudência 165o

entendimento firmado pelos autores retro mencionados.

Destacadas, assim, a competência inerente a cada um dos entes da Federação,

passa-se à competência comum, com ênfase ao parágrafo único do art. 23 da Lei Maior.

3.2 Da competência comum

A competência material comum ou administrativa, a ser estudada

especificamente deste ponto em diante está insculpida no artigo 23 da Constituição

Federal, que nos incisos VI e VII166 foca em especial a proteção ao ambiente. Observe-

se que o texto da Carta Maior elenca matérias que envolvem interesses de caráter geral,

regional e local determinando ainda que lei complementar a ser editada fixe as normas

de cooperação entre os entes federados, como afirma Alexandre de Moraes167.

Conclui-se, assim, que o Texto Constitucional ao prever a cooperação

federativa teve como objetivo a proteção dos bens ambientais, como reconhece Paulo de

Bessa Antunes168. Por meio da competência comum dos entes federados possibilita-se a

165BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Constitucional. Meio Ambiente. Legislação Municipal Supletiva. Possibilidade. Atribuindo, a Constituição Federal, a competência comum a União, aos Estados e aos Municípios para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, cabe, aos Municípios, legislar supletivamente sobre a proteção ambiental, na esfera do interesse estritamente local. A legislação municipal, contudo, deve se constringir a atender as características próprias do território em que as questões ambientais, por suas particularidades, não contem com o disciplinamento consignado na Lei Federal ou Estadual. A legislação supletiva, como é cediço, não pode ineficacizar os efeitos da lei que pretende suplementar. Uma vez autorizada pela União a produção e deferido o registro do produto, perante o Ministério competente, é defeso aos Municípios vedar, nos respectivos territórios, o uso e o armazenamento de substâncias agrotóxicas, extrapolando o poder de suplementar, em desobediência à Lei Federal. Constitui desafeição à Lei Federal e ao princípio da livre iniciativa, campo em que as limitações administrativas hão de corresponder às justas exigências do interesse público que as motiva, sem o aniquilamento das atividades reguladas. Recurso conhecido e improvido. Decisão indiscrepante. (Resp 29.299/Rs, Rel. Ministro Demócrito Reinaldo, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/09/1994, DJ 17/10/1994 pA PROIBIÇÃO DE USO E ARMAZENAMENTO, POR DECRETO E EM TODO O MUNICIPIO. 27861 Disponível em: <http:/www.stj.jus.br/SCON/jurisprudência/doc.jsp?livre=competência+municipal+ambiental&&b=ACOR-microsoft internet explorer> Acesso em: 14 dez. 2008. 166 CF/88 Art. 23 “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] VI-proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII-preservar as florestas, a fauna e a flora; (...)” (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 42) 167 MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 699. 168 ANTUNES, Paulo de Bessa. Federalismo e competências ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 108.

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ação coordenada com o propósito de fiscalizar as infrações à legislação ambiental,

segundo Vladimir Passos de Freitas169.

Percebe-se, com isso, a intenção do constituinte no sentido de instrumentalizar a

cooperação federativa. Tal iniciativa é inédita, como menciona Toshio Mukai170:

O texto constitucional expressamente determina o rol de atividades merecedoras

da atenção de todos os entes do Poder Público, entre elas as direcionadas à proteção do

meio ambiente, cabendo a cada ente federado decidir como dará efetividade às suas

ações, como afirmam Paulo Affonso Leme Machado171 e Andréas J. Krell172, tendo em

vista a autonomia, que deve ser interpretada à luz do artigo 23 e também do artigo 18 da

Constituição Federal, que prescreve verbis: “A organização político-administrativa da

República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”.

A despeito da autonomia de que cada ente federado é detentor, com poderes

para aplicar suas próprias normas, distintas das normas dos demais entes, destaca Paulo

de Bessa Antunes173: “[...] não é o que tem se verificado, sobretudo em relação aos

169 FREITAS, Vladimir Passos de. A polícia na proteção ao ambiente. Revista de Direito Ambiental. Revista dos Tribunais, São Paulo: ano 7 nº.28, out./dez. 2002, p.150. 170 Declara o autor: “O art. 23 veio, pela primeira vez na história do constitucionalismo brasileiro, contemplar, a título geral, o que denominou de competência comum (da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios)” (MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 19). Andréas assim se manifesta com relação ao ineditismo da competência material do artigo 23 da CF: “É evidente que o art. 23 regulamenta a competência material, a qual abrange a realização de medidas administrativas e diz respeito à prestação dos serviços referentes àquelas matérias, bem como à tomada de providências para a sua realização 310 Com isso, a Constituição Brasileira pela primeira vez atribuiu separadamente competências administrativas que eram antes automaticamente incluídas nas competências legislativas correspondentes” (KRELL, Andréas J. Discricionariedade administrativa e proteção ambiental: o controle dos conceitos jurídicos indeterminados e a competência dos órgãos ambientais: um estudo comparativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 97) 171 Afirma autor: “O modo como cada entidade vai efetivamente atuar em cada matéria dependerá da organização administrativa de cada órgão público federal, estadual e municipal.” Já, com relação à autonomia mencionada no art. 30 do texto constitucional menciona: “A autonomia não significa desunião dos entes federados. Também não deve produzir conflito e dispersão de esforços. Mas a autonomia deve ensejar que o Município tenha ou possa ter sistemas de atuação administrativa não semelhantes ou desiguais aos vigentes nos Estados. Os Estados, por sua vez, poderão ter, também, sua organização administrativa ambiental diferente do Governo Federal. Assim, as normas gerais federais não podem ferir a autonomia dos Estados e dos Municípios, exigindo dos mesmos uma estrutura administrativa ambiental idêntica à praticada no âmbito federal.” (MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13 ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 107) 172 Pondera o autor: “Por isso, entendemos que no Brasil o sistema tradicional da separação administrativa foi parcialmente revisado pela nova Constituição Federal. Nas áreas discriminadas pelo art. 23, agora existe a possibilidade de que as prefeituras executem também normas federais ou estaduais quando julgarem necessário”. (KRELL, Andréas J. Discricionariedade administrativa e proteção ambiental: o controle dos conceitos jurídicos indeterminados e a competência dos órgãos ambientais: um estudo comparativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 99) 173 ANTUNES, Paulo de Bessa. Federalismo e competências ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 108.

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municípios que, muitas vezes, aplicam normas de outros entes federados sem que haja,

sequer um Convênio entre as partes”.

Por outro lado, Vladimir Passos de Freitas174 assume posicionamento contrário

ao mencionado no que tange à aplicação das normas pelas entidades federadas, pois

entende ser irrelevante quem seja o detentor do domínio do bem ou ainda qual o ente

federado que editou norma protetora.

A despeito da cooperação entre os entes federados que se pretendeu fosse

atingida, têm surgido conflitos ante a falta de regulamentação do parágrafo único do

artigo 23 da Constituição Federal, matéria que passa a ser objeto de análise.

3.3 Norma de cooperação entre os entes federados

O parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal175 prevê a criação de lei

complementar que regulamente as normas de cooperação entre os entes federados,

consagrando assim o “federalismo cooperativo”, que se caracteriza pela ausência de

uma separação rígida entre as competências dos entes federados e do ente central, sendo

também característica desta espécie de federalismo a “delegação de competências dos

entes mais centrais para os mais descentralizados” 176.

A inclusão do preceito contido no parágrafo único do artigo 23 da Constituição

Federal deve-se ao insucesso da atribuição de numerosas competências administrativas

às três esferas de poder, como pondera Andréas J. Krell177. Todavia, a forma pela qual

se concretizará a cooperação entre os entes federados de modo a atender ao peculiar

174 Afirma o autor: “É importante observar que, em face da competência comum, pouco importa quem seja o detentor do domínio do bem ou o ente que legislou a respeito. Todos podem atuar na preservação das árvores, da fauna, da flora. Suponha-se, por exemplo, que o Município de Foz do Iguaçu, no Estado do Paraná, tome medidas administrativas para preservar a fauna do Parque Nacional do Iguaçu. Muito embora esse parque seja nacional, criado que foi pelo Decreto-lei 1.035, de 10.01.1939, sendo explícito o art. 5º a respeito de tal condição, nada impede a iniciativa municipal. O art. 23, VII, estabelece a competência comum, e a todos os entes políticos cabe cumprir o dever de preservar o meio ambiente, conforme mandamento expresso no art. 225 da Carta Magna.” (FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição federal e a efetividade das normas ambientais. 2 ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 77) 175 CF/88 Art. 23 [...] Parágrafo único: “Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.” (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 42) 176 ANTUNES, Paulo de Bessa. Federalismo e competências ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 30-31. 177 KRELL, Andréas J. Discricionariedade administrativa e proteção ambiental: o controle dos conceitos jurídicos indeterminados e a competência dos órgãos ambientais: um estudo comparativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 101.

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interesse de cada uma deverá ser disciplinada por meio de lei complementar, como

previsto no artigo 23, parágrafo único do Texto Constitucional, como afirma Edis

Milaré178.

Infelizmente a prática tem se encarregado de provar que a constatação da

competência no caso concreto é no mais das vezes inviável.

A falta de tal regulamentação, ou seja, a falta de edição de lei complementar

tem provocado sérias dificuldades na implementação das ações dos entes federados no

sentido de proteger o meio ambiente, pois os conflitos interinstitucionais, bem como a

“superposição de recursos e comandos”, no dizer de Andréas J. Krell179 têm se instalado

em razão da dúvida quanto ao exercício da competência comum pelas entidades

federadas. Em suma, as ações não têm sido coordenadas nem tampouco harmônicas.

Ricardo Carneiro180 compartilha o mesmo entendimento, ao apontar como razão

dos conflitos entre os órgãos de meio ambiente a falta de regulamentação por meio de

lei complementar prevista constitucionalmente que venha a regulamentar o federalismo

cooperativo.

Paulo José Leite Farias181 reconhece a problemática dos conflitos

administrativos de gestão ambiental entre os entes federados, ressaltando a necessidade

de cooperação, coordenação e harmonização nas tarefas entre os diferentes níveis de

178 São palavras do autor: “A forma pela qual as várias instâncias de poder, atendendo ao peculiar interesse de cada uma, cuidarão das matérias enumeradas deverá ser objeto de lei complementar nacional (art. 23, parágrafo único). Enquanto isso não ocorrer, a responsabilidade pela proteção do meio ambiente é comum e solidária. 146. A questão está em saber, em cada caso concreto de competência comum, a que ente político, precipuamente, está afeto o poder de polícia ambiental.” (MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 228) 179 O autor afirma, acerca da problemática em foco: “De qualquer forma, um novo sistema de atribuições federativas deve procurar evitar as conseqüências maléficas que as antigas competências concorrentes têm provocado para a prestação de serviços públicos, como a superposição de comandos e de recursos, a falta de responsabilização das entidades governamentais pela inexistência ou inadequação dessas atividades e os conflitos interinstitucionais” (KRELL, Andréas J. Discricionariedade administrativa e proteção ambiental: o controle dos conceitos jurídicos indeterminados e a competência dos órgãos ambientais: um estudo comparativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 101) 180 O autor afirma, com relação à ausência de regulamentação do artigo 23, parágrafo único da Constituição Federal: “Na sua falta, têm prevalecido os conflitos institucionais entre os órgãos de meio ambiente, gerando ineficiência na consecução da política ambiental, em função das inúmeras ações sobrepostas empreendidas nos níveis federal, estadual e municipal.” (CARNEIRO. Ricardo. Direito ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 142) 181 Acerca dos conflitos de competência entre os entes federados afirma o autor: “[...] as anomalias detectadas no campo da prestação da atividade administrativa, em matéria ambiental, têm-se tornado cada vez mais comuns, sem que soluções imediatas e eficazes sejam alcançadas, em tempo hábil, para evitar graves e irreparáveis lesões de direitos e interesses. Não raro, os administrados são submetidos a intermináveis embargos e interdições provocadas por mal-resolvidos conflitos de competência administrativa, com indesejáveis reflexos patrimoniais e não patrimoniais para a coletividade como um todo” (FARIAS, Paulo José Leite. Competência federativa e proteção ambiental. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 313)

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administração a fim de se evitar a superposição de interesses. Aponta o autor como

solução o princípio estruturante da Federação, segundo o qual, na lição de Celso

Bastos182 “nada será exercido por um poder de nível superior, desde que possa ser

cumprido pelo inferior”.

Ainda conforme a doutrina de Paulo José Leite Farias183, não há como dissociar

os princípios federativo e republicano do princípio da subsidiariedade, que implica na

atuação suplementar ou subsidiária do órgão federal em relação ao estadual no exercício

da competência material.

Em resumo, o princípio da subsidiariedade pode ser entendido como um meio de

descentralização tanto política como administrativa, tendo como conseqüência um poder

local mais fortalecido.

Não se pode deixar de mencionar o posicionamento de Paulo Affonso Leme

Machado184 acerca do tema da cooperação entre os entes federados. Para o autor, além

da ajuda mútua entre os entes públicos, as finalidades primordiais da cooperação

residem no equilíbrio do desenvolvimento e o equilíbrio do bem-estar em nível

nacional, cabendo à lei complementar criar meios de coibir o descumprimento da

legislação ambiental por um Estado da Federação ou um Município ao atrair

investimentos, acarretando um desenvolvimento não sustentável. Afirma ainda o autor

em questão que “a lei complementar poderia prever uma troca permanente e sistemática

da informação ambiental”.

182 BASTOS, Celso. Comentários à Constituição do Brasil. v. I, São Paulo: Saraiva, 1988. p. 416. 183 O autor se manifesta nos seguintes termos: “Em conseqüência dos princípios federativo e republicano, bem como em atenção à norma constitucional que consagra o sistema de gestão comum, ao órgão federal só poderia caber, no exercício da cooperação administrativa, atuação complementar – em que pese não conflitiva – com a do órgão estadual. E tal atuação subsidiária ou supletiva – que repita-se, não pode ser superposta, simultânea e conflitiva, exerce-se mediante a caracterização de determinadas situações. Como o próprio nome sugere, implica exercício condicional, subsidiário de competência material. Visa, em aspecto ordinário, a suprir ou suplementar eventuais omissões, falhas ou funcionamento defeituosos da prestação administrativa que, originariamente, compete ao órgão estadual. [...]” Com relação ao princípio da subsidiariedade define: “Assim, o princípio da subsidiariedade organiza a relação entre o cidadão, a família, os entes estatais de direito público interno (União, Estado-membro e Município) e os entes supranacionais (União Européia, Mercosul), disciplinando que a unidade social ou estatal de nível superior só pode intervir para ajudar, se a s forças da unidade inferior não forem suficientes para o cumprimento da tarefa.” (FARIAS, Paulo José Leite. Competência federativa e proteção ambiental. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 319, 320, 321) 184 Com relação à troca de informações, sugere o autor: “Esse intercâmbio de informações abrangeria os pedidos de licenciamento em tramitação em cada órgão, os Estudos Prévios de Impacto Ambiental em elaboração e a serem elaborados (inclusive as audiências públicas realizadas e a serem realizadas), as auditorias ambientais realizadas e em processo de realização e as sanções administrativas aplicadas.” (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13 ed., ver., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 110-113)

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Em rápidas palavras descreveu-se o panorama atual da cooperação entre as

entidades federadas ante a falta da edição da Lei Complementar que o parágrafo único

do artigo 23 da Constituição Federal determina.

Necessário se faz, neste ponto, sejam feitas algumas referências à espécie Lei

Complementar, reclamada para regulamentação do retro mencionado dispositivo

constitucional.

A lei complementar é semelhante, no que tange à sua elaboração à lei ordinária

(sendo como esta disciplinada pelo artigo 61 CF), exceto com relação ao quorum de

aprovação, que deverá ser de maioria absoluta, nos termos do artigo 69 da Constituição

Federal185 e à matéria, que lhe é própria.

Insta chamar a atenção a uma informação histórica acerca das leis

complementares trazida por Geraldo Ataliba186:

RUY BARBOSA foi quem desenvolveu, entre nós, o estudo das leis complementares. Por influência sua, costumou-se a esta categoria designar por leis orgânicas, nome pelo qual durante toda a primeira república se conheceu tal espécie. [...] Das “leis orgânicas” RUY BARBOSA tratou com clareza e rigor, expondo o raciocínio que conduz a compreender suas peculiaridades. [...] A leitura do que se escreveu, no Brasil, sobre o assunto mostra à evidência, a notável influência de RUY, introdutor entre nós de tão fecunda teoria justificatória das leis complementares, a que designou “legislação aplicativa.”

José Afonso da Silva187 esclarece que as leis complementares visam a integrar

ou completar a eficácia limitada de norma constitucional.

Registre-se o posicionamento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho188, para

185 CF/88 Art. 69. As leis complementares serão votadas por maioria absoluta. (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 69). 186 ATALIBA, Geraldo. Lei complementar na constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971. p. 7,9. 187 Esclarece o doutrinador que: “[...] toda vez que uma norma constitucional de eficácia limitada exige, para sua aplicação ou execução, outra lei, esta pode ser considerada complementar, porque integra, completa a eficácia daquela. Mas a Constituição de 1967 instituiu, a de 1969 reafirmou e a atual manteve, a figura das leis complementares em sentido estrito, destinadas a atuar apenas as normas constitucionais que as prevêem expressamente [...] as leis complementares da Constituição têm, essencialmente, a função e a finalidade de integrar a eficácia de normas constitucionais referentes à estrutura do Estado, à formação dos Poderes e suas relações”. Afirma também que as hipóteses que extrapolam esta regra decorrem de defeito técnico e de “situações especiais” na elaboração das Constituições de 1967 e de 1988. (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 235, 240,241) 188 O autor aponta como objetivo das leis complementares: “[...] resguardar certas matérias de caráter paraconstitucional contra mudanças constantes e apressadas, sem lhes imprimir rigidez que impedisse a modificação de seu tratamento, logo que necessário. Se assim agiu, não pretendeu deixar ao arbítrio do legislador o decidir sobre o que deve ou o que não deve contar com essa estabilidade particular. A Constituição enuncia claramente em muitos de seus dispositivos a edição de lei que irá complementar

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quem a lei complementar se constitui num “tertium genus” criado pelo constituinte com

o objetivo de evitar que determinadas matérias que o autor denomina

“paraconstitucionais” sofram mudanças apressadamente e de forma constante.

[...] resguardar certas matérias de caráter paraconstitucional contra mudanças constantes e apressadas, sem lhes imprimir rigidez que impedisse a modificação de seu tratamento, logo que necessário. Se assim agiu, não pretendeu deixar ao arbítrio do legislador o decidir sobre o que deve ou o que não deve contar com essa estabilidade particular. A Constituição enuncia claramente em muitos de seus dispositivos a edição de lei que irá complementar suas normas relativamente a esta ou àquela matéria

Como alternativa à falta da lei complementar prevista no parágrafo único do

artigo 23 da Constituição Federal, e ante as dificuldades apontadas, os convênios têm

sido utilizados como uma forma de contornar a falta de regulamentação.

Os convênios eram admitidos na Constituição anterior189, como lembra Vladimir

Passos de Freitas190:

Era uma forma de superar dificuldades práticas de infra-estrutura na administração federal. O número de funcionários sempre foi inferior ao necessário, o que é histórico neste país com tais dimensões territoriais. Evidentemente, falou-se em administração federal firmando com a estadual, porque era a forma mais usual. Mas nada impediria que o convênio fosse firmado entre outros entes, por exemplo, entre Estado e Município.

A Constituição em vigor inicialmente não fez qualquer menção aos convênios,

porém, com o advento da Emenda Constitucional 19/98 houve a alteração do texto do

art. 241 da Constituição Federal191, sendo que posteriormente foi editada a Lei 11.105,

suas normas relativamente a esta ou àquela matéria.” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 5. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 249) 189 CF/69 Art. 13 Os Estados organizar-se-ão e reger-se-ão pelas Constituições e leis que adotarem, respeitados dentre outros princípios estabelecidos nessa Constituição, os seguintes: [...] § 3º A União, os Estados e Municípios poderão celebrar convênios para execução de suas leis, serviços ou decisões, por intermédio de funcionários federais, estaduais ou municipais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm> Acesso em: 16 mar. 2009. 190 Afirma o autor: “Finalmente, dissipando as dúvidas doutrinárias sobre a possibilidade de serem realizados os convênios, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 19, de 04.06.1998, que deu nova redação ao art. 241 da Constituição Federal. A nova redação permite, explicitamente, que as pessoas políticas disciplinem através de lei os consórcios e convênios de cooperação.” (FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição federal e a efetividade das normas ambientais. 3 ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 81, 82, 84) 191 CF/88 art. 241- “A União, Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.” (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 145)

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de 6.4.2005, que regula os consórcios e mais recentemente a MP 345, convertida na Lei

11.473/2007, de 10 de maio de 2007, que veio regular a cooperação federativa no

âmbito da segurança pública.

Faz-se este parêntese com o intuito de demonstrar que o convênio entre os entes

federados em matéria relativa à proteção do ambiente tem se mostrado como alternativa

à inexistência de regulamentação do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal,

ante a importância da proteção do ambiente.

Esclarece Hely Lopes Meirelles192 , com referência aos convênios:

A organização dos convênios não tem forma própria, mas sempre se fez com autorização legislativa e recursos financeiros para atendimento dos encargos assumidos no termo de cooperação.Entretanto, o STF vem decidindo que é inconstitucional a norma que exige autorização legislativa, por ferir a independência dos Poderes 97. Data vênia, não nos parece que ocorra esta inconstitucionalidade, porque o convênio e o consórcio são sempre atos gravosos que extravasam dos poderes normais do administrador público e, por isso, dependem da aquiescência do Legislativo.

Corroborando a afirmação de Hely Lopes Meirelles a decisão proferida na ADI

770 MG193, que reconhece a inconstitucionalidade de convênio intermunicipal firmado

com estado ou União por falta de autorização prévia das Câmaras Municipais.

Apesar de aparentemente ser uma solução conveniente a celebração de

convênios entre entes federados, dada a gravidade e urgência das questões ambientais,

tal solução tem sido combatida por alguns, como Andréas J. Krell194 e Miguel Reale195.

192 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33 ed. Malheiros Editores, 2007. p. 409-410. 193 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 770 MG Relator Sepúlveda Pertence. EMENTA: Municípios: convênios itermunicipais ou de cooperação com a União e o Estado: submissão a autorização prévia das Câmaras Municipais: plausibilidade, da argüição de inconstitucionalidade, já reconhecida - com base na invocação do princípio da independência dos poderes - com relação a preceitos similares atinentes a convênios estaduais (ADIN MC 165 e 342) - fundamento a que se somam, no caso,a alegação de ofensa à autonomia municipal, sujeita, apenas, aos princípios constitucionais pertinentes e, se for o caso, à Lei Complementar Federal prevista no art. 23, parágrafo único,da Constituição da República; razões de conveniência também proclamadas nos precedentes referidos; suspensão cautelar deferida.Disponível em: <http://www.jf.jus.br/juris/> Acesso em: 15 out. 2008. 194 O autor manifesta sua crítica nos seguintes termos: “Em lugar de cooperação federativa, há, no Brasil, uma espécie de federalismo em que as esferas pactuam espontaneamente a fim de superar as dificuldades inerentes ao sistema vigente de separação administrativa. O problema é que esta colaboração não tem seu fundamento numa parceria equilibrada, mas num relacionamento de verdadeira subordinação, sujeito à instabilidade e “jogos políticos.” (KRELL, Andréas J. Discricionariedade administrativa e proteção ambiental: o controle dos conceitos jurídicos indeterminados e a competência dos órgãos ambientais: um estudo comparativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 96) 195 REALE, Miguel. Parecer sobre consórcios públicos. O jurista se manifesta sobre projeto de lei federal submetido à sua apreciação que institui normas gerais de contratos para a constituição de consórcios públicos, bem como de contratos de programa para a prestação de serviços públicos por meio de gestão associada. O referido Projeto pretende atender ao disposto no Art. 241 da Constituição da

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De outro lado, Paulo de Bessa Antunes196 entende serem perfeitamente

aceitáveis os convênios como forma de efetiva cooperação entre os entes envolvidos

desde que sejam observados os requisitos de economia de recursos públicos e eficiência.

A propósito cite-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade197 ADI 2.544-9/RS,

em razão de sua pertinência com o tema em foco.

Como visto, a falta de regulamentação tem causado dificuldades e conflitos e

ainda que se tente implementar a cooperação entre os entes federados por métodos

alternativos, como é o caso dos convênios, tal situação tem gerado insegurança jurídica

e controvérsia doutrinária.

Ainda a propósito da edição da lei complementar mencionada no parágrafo

único do artigo 23 do Texto Constitucional, impõe-se o registro de duas correntes de

pensamento: uma que entende que a cooperação entre os entes federados exige

regulamentação por meio de legislação específica, não suscetível de mudanças ao alvitre

de interesses outros que não o “equilíbrio do desenvolvimento e do bem estar em

República, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/index.html> Acesso em: 20 out. 2008 196 O autor se posiciona favoravelmente aos convênios, nos seguintes termos: “O artigo 23 de nossa Lei Fundamental define as competências comuns, estabelecendo um comando constitucional para a colaboração administrativa entre as diferentes esferas político-administrativas. Tal colaboração, evidentemente, há de ser feita com base em uma racionalidade que possa ser extraída do Texto Constitucional e que, evidentemente, indique a necessidade de que os serviços sejam prestados da forma mais eficiente possível e com a maior economia de recursos públicos. Na verdade, há a possibilidade de que os diversos órgãos envolvidos, mediante convênio, estabeleçam os necessários elos de cooperação. Em algumas oportunidades o STF tem enfrentado a problemática da competência comum, muito embora a doutrina não tenha dado a atenção devida à questão. Com efeito, o Ministro Sepúlveda Pertence, ao relatar a ADI nº 2.544-9/RS, na qual foi impugnada a Lei Estadual nº 11.380.” (ANTUNES, Paulo de Bessa. Federalismo e competências ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 184) 197

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 2.544-9/RS. Relator Sepúlveda Pertence. EMENTA: Federação: competência comum: proteção do patrimônio comum, incluído o dos sítios de valor arqueológico (CF, arts. 23, III, e216, V): encargo que não comporta demissão unilateral. 1. L. est. 11.380, de 1999, do Estado do Rio Grande do Sul, confere aos municípios em que se localizam a proteção, a guarda e a responsabilidade pelos sítios arqueológicos e seus acervos, no Estado, o que vale por excluir, a propósito de tais bens do patrimônio cultural brasileiro (CF, art. 216, V), o dever de proteção e guarda e a conseqüente responsabilidade não apenas do Estado, mas também da própria União, incluídas na competência comum dos entes da Federação, que substantiva incumbência de natureza qualificadamente irrenunciável 2. A inclusão de determinada função administrativa no âmbito da competência comum não impõe que cada tarefa compreendida no seu domínio, por menos expressiva que seja, haja de ser objeto de ações simultâneas das três entidades federativas: donde, a previsão, no parágrafo único do art. 23 CF, de lei complementar que fixe normas de cooperação (v. sobre monumentos arqueológicos e pré-históricos, a L.3.924/61), cuja edição, porém, é da competência da União e, de qualquer modo, não abrange o poder de demitirem-se a União ou os Estados dos encargos constitucionais de proteção dos bens de valor arqueológico para descarregá-los ilimitadamente sobre os Municípios. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente .Disponível em:<http://www.jf.jus.br/juris/> Acesso em: 15 out. 2008.

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âmbito nacional (artigo 23, parágrafo único da Constituição Federal)”, conforme

posicionamento adotado por Paulo José Leite Farias.198

De outro lado, há quem entenda ser prescindível a edição de lei complementar

que venha a disciplinar a cooperação entre os entes políticos, este entendimento é

adotado por Vladimir Passos de Freitas199, Heraldo Garcia Vitta200 e Marcelo Abelha

Rodrigues201 para quem o artigo 23 do texto constitucional tem eficácia plena, sem

necessidade de norma infra-constitucional para regulá-lo.

Este último posicionamento envolve questão de hermenêutica constitucional,

pois foca a questão da eficáca (produção de efeitos), como define Regina Maria Macedo

Nery Ferrari202. Por outro lado, Luis Roberto Barroso203 diferencia os termos “eficácia

198 Diz o autor: “Na competência comum, a própria Constituição determina que lei complementar federal fixe normas para a cooperação entre as diversas esferas de poder, “tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem estar em âmbito nacional.” (art. 23, parágrafo único), o que evidencia que esta área de administração comum não deve estar sujeita a desperdícios de esforços e à superposição de atividades, muito menos ao entrechoque de ações administrativas de órgãos entre si autônomos, mas que todos, sob a égide da lei, devem agir de maneira harmoniosa e cooperativa, o que significa, em síntese, para os poderes locais, regionais e nacionais limitar o exercício da sua própria competência em função de regras de interligação e de coexistência em igual competência de outras esferas de poder estatal e, até mesmo, subordinar-se à administração orgânica ou sistêmica sob o comando de um ou mais órgãos.” (grifo nosso) (FARIAS, Paulo José Leite. Competência federativa e proteção ambiental. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 316) 199 Acerca da edição da lei complementar prevista no parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, posiciona-se o autor: “Se a cooperação é voluntária e prevista na Constituição, razão não há para negar-lhe aplicação por falta de lei complementar, uma vez que ela virá apenas detalhar a forma como se dará a cooperação. Mas se dois órgãos, antecipando-se ao legislador, somam forças na defesa do meio ambiente, não tem cabimento o Estado-Judiciário negar-lhes a efetividade da iniciativa.” (FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição federal e a efetividade das normas ambientais. 3 ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 78) 200 O autor assim se manifesta: “Finalmente, o parágrafo único do art. 23 estabelece a exigência de lei complementar para a fixação de normas para a cooperação dos entes políticos, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional . Como podemos conciliar tais interesses? 1- Entendemos não ser necessária a edição de lei complementar para atuação conjunta das entidades políticas. O art. 23 tem eficácia plena, e não necessita de norma infra-constitucional para regulá-lo. A referida lei complementar, a nosso ver, viria a apenas indicar a maneira pela qual se daria a cooperação entre as entidades; ainda sem ela, porém, possível se nos afigura a atuação conjunta dos entes políticos estatais, em quaisquer hipóteses, respeitados, apenas, os limites territoriais.” (VITTA, Heraldo Garcia. A classificação de competência das pessoas políticas e o meio ambiente. Revista AJUFE , v. 55, São Paulo: 1997, p. 127) 201 Referindo-se às normas de cooperação previstas no parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal, afirma o autor: “Acreditamos que esta norma seja de eficácia plena 205 , e, a edição de uma lei complementar serviria apenas para disciplinar o que a CF/88 já teria criado,qual seja, a previsão de cooperação entre os entes políticos no exercício da competência material.” (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de direito ambiental. vol. I. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 119) 202 A autora define eficácia nos seguintes termos: “Por eficácia deve-se entender a qualidade de a norma vigente produzir efeitos jurídicos, em relação à sua aplicação e observância pelas pessoas a quem se dirige [...] A eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma.” (FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Normas constitucionais programáticas: normatividade, operatividade e efetividade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 90) 203 O autor afirma, com relação à “eficácia jurídica”: “[...] todas as normas constitucionais a possuem, em maior ou menos intensidade, e que são aplicáveis nos limites de seu teor objetivo. Por opção metodológica ou por acreditar estar a matéria fora do plano jurídico, 12 a doutrina não deu atenção

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jurídica” (todas as normas a possuem, em maior ou menor amplitude) do termo

“efetividade” (realização do Direito no mundo dos fatos). Qualquer que seja o

entendimento adotado, uma coisa é certa: todas as normas constitucionais são aptas a

produzir efeitos.

Convém observar que a disposição do parágrafo único do artigo 23 da

Constituição Federal consiste em norma de cunho programático à medida em que se

encaixa “[...] nas normas que indicam fins ao Estado, bem como o estabelecimento de

programas para atingi-los [...]”204.

No caso em tela o fim a ser alcançado consiste na cooperação entre os entes

federados para a consecução das finalidades previstas nos incisos do artigo 23 da Lei

Maior, dentre eles “[...] VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em todas

as suas formas; VII-preservar as florestas, a fauna e a flora;”. Todos estes objetivos a

serem atingidos por intermédio da cooperação entre os entes políticos constituem-se em

exemplo típico de bem comum, que é a razão de ser do Estado.

A Constituição Federal de 1988 é típico exemplo de constituição-dirigente, pois

reflete a preocupação presente nos textos das constituições atuais, que se dividem entre

a democracia (liberalismo) e o intervencionismo e prevêem princípios de direitos

econômicos e sociais. Como conseqüência, há uma grande quantidade de normas que

são expressas por meio de princípios de cunho genérico a serem posteriormente

regulamentadas pela atividade legislativa ordinária. Estas são as normas constitucionais

de conteúdo programático, como ressalta José Afonso da Silva 205.

Afirma Luís Roberto Barroso206 acerca das normas programáticas: “Surgem,

assim, disposições indicadoras de fins sociais a serem alcançados. Estas normas têm por

especial a um problema diverso e vital: o de saber se os efeitos potenciais da norma efetivamente se produzem. O Direito existe para realizar-se e a verificação do cumprimento ou não de sua função social não pode ser estranha ao seu objeto de interesse e de estudo [...] Efetividade, em suma, significa a realização do Direito,o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social” (BARROSO, Luis Roberto. A doutrina brasileira da efetividade. In: (Coord.) BONAVIDES, Paulo, LIMA, Francisco Gérson Marques de, BEDÊ, Fayga Silveira. Constituição e democracia. Estudos em homenagem ao Prof. J.J. Canotilho. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 439, 442) 204FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Normas constitucionais programáticas: normatividade, operatividade e efetividade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 173. 205 Afirma o autor, com relação às normas programáticas: “Muitas normas são traduzidas no texto supremo apenas em princípio, como esquemas genéricos, simples programas a serem desenvolvidos ulteriormente pela atividade dos legisladores ordinários. São estas que constituem as normas constitucionais de conteúdo programático.” (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 136-137) 206 Acerca da classificação das normas programáticas assim se manifesta o autor: “Os efeitos das normas programáticas bipartem-se em imediatos e diferidos. Neste segundo grupo, em que a produção de

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objeto estabelecer determinados princípios ou fixar programas de ação para o Poder

Público.”. Menciona ainda o autor a classificação das normas programáticas quanto a

seus efeitos em imediatos e diferidos.

José Joaquim Gomes Canotilho207 e Pontes de Miranda208 também tratam da

definição das normas programáticas, reconhecendo nas mesmas diretrizes a serem

seguidas pelo legislador e pelo Poder Público para concretização de objetivos de ordem

social, econômica ou cultural.

Ainda que haja expressa previsão no texto constitucional com relação à edição

de lei complementar José Afonso da Silva209 reconhece que dentro de seu limite toda

normal constitucional é sempre executável por si.

Partindo-se do pressuposto de que toda norma tem caráter impositivo, não se

constituindo em mero conselho ou aviso, de se reconhecer nas normas sempre alguma

resultados é transposta para um momento futuro, o controle exercitável sobre a efetivação da norma é frágil. Isto porque, dependendo a realização do comando constitucional de uma atividade estatal, a ser desenvolvida segundo critérios de conveniência e oportunidade, a discricionariedade de tal competência exclui a intervenção judicial para sua concreção efetiva. Passa-se diferentemente quanto aos efeitos imediatos, cujo cumprimento é desde logo sindicável,...” (BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 8 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 114, 116) 207 Diz o autor: “Em muitos preceitos constitucionais que contêm “normas programáticas” (determinações dos fins do Estado ou definição de tarefas estaduais) é possível detectar uma imposição, expressa ou implicitamente concludente, no sentido de o legislador concretizar os “grandes fins constitucionais.” Cita como exemplo “construção de uma sociedade sem classes”. (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador, contributo para a compreensão das normas constitucionais programática., 2 ed. Coimbra : Coimbra, 2001. p. 315) Em outra obra, o autor afirma acerca das normas programáticas: “As normas consagradoras de direitos sociais, econômicos e culturais são, segundo alguns autores, normas programáticas. As constituições condensam, nestas normas programáticas, princípios definidores dos fins do Estado, de conteúdo eminentemente social (cfr. artigo 9º). A relevância delas seria essencialmente política, pois servem apenas para pressão política sobre os órgãos competentes. Todavia, sob o ponto de vista jurídico, a introdução de direitos sociais nas vestes de programas constitucionais, teria também algum relevo. Por um lado, através das normas programáticas pode obter-se o fundamento constitucional da regulamentação das prestações sociais e, por outro lado, as normas programáticas, transportando princípios conformadores e dinamizadores da Constituição, são susceptíveis de ser trazidas à colação no momento de concretização.3” (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3 ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 444 ) 208 Segundo a conceituação do autor: “Regras jurídicas programáticas são aquelas em que o legislador, constituinte ou não, em vez de ditar regra jurídica de aplicação concreta, apenas traça linhas diretoras, pelas quais se hão de orientar os poderes públicos. A legislação, a execução e a própria Justiça ficam sujeitas a esses ditames, que são como programas dados à função legislativa” (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969.t. I. 2 ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970. p. 126-127) 209 Assim se posiciona o autor: “Cada norma constitucional é sempre executável por si mesma, até onde possa, até onde seja suscetível de execução. O problema situa-se, justamente, na determinação desse limite, na verificação de quais os efeitos parciais e possíveis de cada um.” (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 76)

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eficácia, seja plena, contida ou limitada, ainda conforme José Afonso da Silva210. A

questão consiste, assim, na medida, no alcance da norma.

Acerca da eficácia das normas programáticas, afirma Ingo Wolfgang Sarlet211

que as mesmas têm a eficácia como atributo, despidas de conotação ideológica ou

política tendo por esta razão caráter de normas jurídicas. Ressalta ainda que todas as

normas que têm como conteúdo direitos fundamentais têm eficácia e são aplicáveis em

função de sua previsão na Constituição Federal, independentemente de regulamentação

legislativa.

Os autores212 que entendem não ser necessária a edição de lei complementar

para que o parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal produza efeitos

embasam seu entendimento no artigo 5º, parágrafo 1º da Constituição Federal, que

dispõe in verbis: “Art. 5º .... §1º As normas definidoras dos direitos e garantias

fundamentais têm aplicação imediata.”. Considerando-se que o direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, previsto no artigo 225 da Constituição Federal é direito

fundamental de todos, o disposto no artigo 23, incisos VI e VII do Texto

Constitucional213 por sua vez ratifica o direito fundamental assegurado, e se constitui

assim seu conteúdo igualmente em direito fundamental, portanto com aplicação

imediata, nos termos do artigo 5º, parágrafo 1º da Lei Maior.

210 O autor faz a seguinte classificação: “Normas constitucionais quanto à eficácia e aplicabilidade: (1) normas de eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral, (2) normas de eficácia contida e aplicabilidade direta e imediata, mas possivelmente não integral; (3) normas de eficácia limitada (a) declaratórias de princípios institutivos ou organizativos, (b) declaratórias de princípio programático 68.” (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 86) 211 Assim se manifesta o autor: “[...] também estas normas são dotadas de eficácia e não podem ser consideradas meras proclamações de cunho ideológico ou político, pois, se assim fosse, efetivamente haveríamos de compartilhar o ponto de vista dos que sustentam a inexistência de normas programáticas. Com efeito, já se assinalou alhures que todas as normas constitucionais, mesmo as que fixam programas ou tarefas para o Estado, possuem o caráter de autênticas normas jurídicas, no sentido de que mesmo sem qualquer ato concretizador se encontram aptas a desencadear algum efeito jurídico [...] Independentemente – ainda – da discussão em torno da possibilidade de se reconhecerem direitos subjetivos a prestações com base em normas de cunho eminentemente programático (para nos mantermos fiéis à terminologia adotada), importa ressaltar que todas as normas consagradoras de direitos fundamentais são dotadas de eficácia e, em certa medida, diretamente aplicáveis já ao nível da Constituição e independentemente de intermediação legislativa. (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 265-267) 212Os autores a seguir mencionados entendem ser prescindível a edição de lei complementar para regulamentar o parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal: Vladimir Passos de Freitas 199, Heraldo Garcia Vitta 200, Marcelo Abelha Rodrigues 201, Ingo Wolfgang Sarlet 214 e Heline Sivini Ferreira 216. 213 CF art. 23 “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios : [...] VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII – preservar as florestas, a fauna e a flora; [...]”. (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 42)

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Ingo Wolfgang Sarlet214 acolhe a teoria da aplicação imediata em se tratando de

direito fundamental, face ao preceito contido no artigo 5º, parágrafo 1º da Constituição

Federal215.

Heline Sivini Ferreira216 menciona que embora a atuação dos entes federados

não dependa da edição de lei complementar, a mesma se faz necessária, para que sejam

estabelecidos os critérios que irão definir a competência administrativa, de modo a que

as dúvidas sejam dirimidas e os conflitos solucionados.

A doutrina, no tocante à regulamentação do parágrafo único do artigo 23 da

Constituição Federal encontra-se dividida.

Parte dela entende que o referido preceito constitucional por si só já é dotado de

plena eficácia jurídica sem necessidade de lei integrativa, a não ser para dirimir dúvidas

e solucionar conflitos entre os entes federativos no exercício da competência

administrativa. De outro lado, sustenta-se que a lei complementar prevista no texto

constitucional é imprescindível para sua regulamentação217 .

Ante a falta de consenso reinante na doutrina os consórcios têm sido utilizados

na tentativa de solução dos problemas, mas tal prática, como também demonstrado, não

tem respaldo unânime da doutrina218.

214 Diz o autor: “[...] A aplicabilidade imediata e a plena eficácia destes direitos fundamentais encontram explicação na circunstância de que as normas que os consagram receberam do Constituinte, em regra, a suficiente normatividade e independem de concretização legislativa, consoante, aliás, já sustentava a clássica concepção das normas auto-executáveis. Justamente na esfera dos direitos de defesa, a norma contida no art. 5º, § 1º, da CF tem por objetivo precípuo oportunizar a aplicação imediata, sem qualquer intermediação concretizadora, assegurando a plena justiciabilidade , destes direitos no sentido de sua exigibilidade em juízo94.” (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 249-250) 215 CF/88 art. 5º ... §1º “ As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.” (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 30) 216 Diz a autora: “Muito embora se entenda que a edição de uma lei complementar não constitui pressuposto para que os entes federativos atuem, o estabelecimento de critérios que definam a forma como a competência administrativa comum deverá ser exercida é essencial para dissipar dúvidas e dirimir conflitos. Isso porque, apesar de o texto constitucional fazer referência à colaboração entre os entes federativos – o que sugere que entre eles não deve haver hierarquia – percebe-se que, na prática, há inúmeros problemas relacionados à matéria. Por essa razão, na ausência de lei complementar, a doutrina tenta estabelecer critérios para que a cooperação entre as esferas governamentais seja possível.” (FERREIRA, Heline Sivini. Competências ambientais. In: (Orgs.) CANOTILHO, José Joaquim Gomes, LEITE, José Rubens Morato. Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 217) 217 Entendem ser imprescindível a edição de lei complementar para regulamentação do parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal Edis Milaré 178, Andréas J. Krell 179, Ricardo Carneiro 180 e Paulo Affonso Leme Machado 184. 218 Posicionam-se favoravelmente à celebração de convênios Vladimir Passos de Freitas 190 e Paulo de Bessa Antunes 196. De outro lado, são contra a celebração de convênios Andréas J. Krell 194 e Miguel Realle 195.

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3.4 Da regulamentação

A ausência, até o momento, da regulamentação do parágrafo único do art. 23 da

Constituição Federal e, ainda, a falta de consenso nos entendimentos doutrinários acerca

da interpretação do preceito constitucional têm contribuído para a falta de solução dos

conflitos de competência. Entre os entes federados as competências comuns não têm

sido propriamente exercidas, havendo mesmo uma superposição de comandos que no

mais das vezes dão ensejo a recursos tanto de ordem administrativa como judicial,

acarretando prejuízos não apenas para o particular como também e principalmente à

proteção do ambiente.

Tal situação nada tem em comum com o cooperativismo federativo, com a

necessária harmonia que deve existir entre as esferas de poder para a consecução dos

interesses previstos nos incisos do art. 23 da Constituição Federal.

A regulamentação do parágrafo único do artigo 23 da Lei Maior se faz urgente,

de modo a assegurar a efetiva cooperação entre as entidades federativas visando o

equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional atingindo-se assim os

objetivos expressos no texto constitucional e pondo fim aos constantes conflitos, já

mencionados.

Menciona Andréas J. Krell219 que até hoje não foi editada a norma

regulamentadora em razão do receio por parte de integrantes do Governo e do

Congresso Nacional em relação às inevitáveis e profundas mudanças em termos de

responsabilidades jurídicas e políticas que ocorreriam, trazendo como conseqüência a

obrigatoriedade de cumprimento de tarefas e responsabilidades às três esferas de poder.

A crítica do autor se mostra bastante severa, mas demonstra a preocupação com

a realidade, não com os interesses de grupos, mas com a efetiva proteção ao ambiente.

Convém registrar, por oportuno, o posicionamento de Gilberto Bercovici220

acerca do cooperativismo entre os entes da Federação, preconizado no parágrafo único

219 O autor tece sua crítica nos seguintes termos: “Essa lei até hoje não foi promulgada e nenhuma das propostas legislativas chegou a ser discutida de forma mais ampla 324 o que se deve, sem dúvida, ao fato de que muitos integrantes do Governo Federal e do Congresso Nacional temem as profundas alterações nas responsabilidades jurídicas e políticas, referentes ao cumprimento das respectivas tarefas por parte dos três níveis de governo, que essa lei complementar deverá causar.” (KRELL, Andréas J. Discricionariedade administrativa e proteção ambiental: o controle dos conceitos jurídicos indeterminados e a competência dos órgãos ambientais: um estudo comparativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 101) 220 BERCOVICI, Gilberto. O federalismo no Brasil e os limites da competência legislativa e administrativa: memórias da pesquisa. Revista Jurídica, Brasília, v. 10, n. 90, Ed. Esp. p. 12-13, abr./maio, 2008.Disponível em:

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do artigo 23 da Constituição Federal. Entende o autor que a “cooperação” a que se

refere o Texto Constitucional tem uma conotação teórica, cujo implemento deve se dar

por meio da utilização de instrumentos já existentes na Carta Maior de modo a realizar

os objetivos que impulsionarão o desenvolvimento nacional. Reconhece não ser tarefa

fácil, em razão da grandeza e grau de complexidade das atividades do Estado, mas

ressalta que os conflitos de competência podem ser solucionados com a

descentralização política e associação interfederativa tornando assim viável o

desenvolvimento de projetos e ações que visem o bem-estar da sociedade. Ressalta que

a cooperação e associação entre os entes não representará para os mesmos

enfraquecimento ou perda de autonomia.

Observa Edis Milaré221 que por conta da falta de um cooperativismo federativo

os Estados estabeleceram normas próprias de proteção ao ambiente, tendo alguns

instituído áreas protegidas e restrições ao uso do solo, como é o caso do Estado de São

Paulo. Por outro lado, os governos de outros Estados não adotaram semelhante postura,

optando pelo desenvolvimento nem sempre sustentável, sem impor restrições

ambientais em sua legislação. Aponta o autor tais fatos como obstáculos à efetivação de

uma política ambiental. Constata a inexistência de “[...] um efetivo plano de ação

governamental em andamento, interando a União, os Estados e os Municípios, visando à

preservação do meio ambiente.”.

Tecidas essas observações, convém avaliar se a edição de lei complementar

prevista no parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal suprirá a disciplina de

assuntos tão variados e díspares quanto os tratados nos incisos do preceito

constitucional em questão, de forma a implementar efetivamente o cooperativismo entre

os entes federativos para a consecução do objetivo de proteção ao ambiente. A norma

reguladora em questão deveria conter diretrizes gerais para a cooperação entre os entes

federados, com um conteúdo que visasse à coordenação e planejamento das ações, sem

descer a minúcias e particularidades que só podem ser apreciadas no caso concreto.

CAPÍTULO 4 - LEGALIDADE DAS RESOLUÇÕES DO CONAMA

4.1 As resoluções do CONAMA no âmbito da proteção do ambiente

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_90/Resumo_GilbertoBercovici_Rev90.htm> Acesso em: 16 dez. 2008. 221 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 432.

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As resoluções do CONAMA têm suscitado polêmica, pois as referidas

resoluções são, na verdade, atos administrativos normativos, que não têm o condão de

inovar na ordem jurídica. Todavia, por força de circunstâncias decorrentes do

desenvolvimento nem sempre sustentável, algumas cujo conteúdo extrapola as normas e

parâmetros técnicos têm sido aplicadas com força de lei para proteção do ambiente, em

afronta a preceitos constitucionais fundamentais, quais sejam princípio da legalidade, o

princípio da reserva legal, o princípio da separação dos poderes e o princípio da

segurança jurídica.

O CONAMA constitui-se em órgão colegiado, criado pela Lei n. 6.938 de 31 de

agosto de 1981; suas atribuições encontram-se previstas no artigo 6º, inciso II222 do

referido diploma legal, e a competência para editar normas, critérios e padrões de modo

a disciplinar o aspectos técnicos está disposta no artigo 8º, incisos I, VI e VII223.

A leitura do texto legal evidencia que ao CONAMA cabe estabelecer normas,

critérios e padrões de tolerabilidade das agressões de atividades potencialmente

poluidoras. Não há qualquer indício de eventual competência para edição de normas,

além das de cunho técnico. O CONAMA, dentro dos limites estabelecidos pela

legislação, pode editar resoluções, como atos administrativos normativos gerais. É de

sua competência.

A despeito de suas importantes atribuições o órgão colegiado não pode

contrariar a lei e as normas jurídicas de hierarquia superior à resolução, sob pena de

222 Lei n. 6.938 de 31 de agosto de 1981. Art. 6º “Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, assim estruturado: (...) II – órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida.” (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 845) 223 Lei n. 6.938 de 31 de agosto de 1981. Art. 8º “Compete ao CONAMA: I – estabelecer, mediante proposta da SEMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, a ser concedido pelos Estados e supervisionado pelo SEMA; [...] VI – estabelecer, privativamente, normas e padrões nacionais de controle da poluição por veículos automotores, aeronaves e embarcações, mediante audiência dos Ministérios competentes; VII – estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos.” (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 845-846)

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usurpação de função, como conclui Ingo Wolfang Sarlet224, ao afirmar que não

merecem ser acolhidos regulamentos que prescrevam restrições a direitos e liberdades e

imponham sanções sem previsão legal, inclusive multas administrativas.

Edis Milaré225 também se manifesta com relação às competências do CONAMA

ao reconhecer que o rol das competências atribuídas ao órgão colegiado nos incisos I,

VI e VII da Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981 é taxativo. Cita que a alteração trazida ao

caput do artigo 8º pela Lei 8.028, de 12.04.1990 não aumentou sua competência;

menciona ainda que o Decreto 99.274/90, que regulamentou a Lei da Política Nacional

do Meio Ambiente (6.938/81) não deixa dúvidas quanto ao caráter estritamente técnico

das normas do CONAMA, que devem se limitar à fixação de índices e parâmetros

técnicos, não compatíveis com os textos legais.

Não há que se confundir, assim, a competência legislativa, inerente ao Poder

Legislativo para edição de normas gerais, abstratas e impessoais, com as normas e

padrões de caráter técnico emitidos pelo CONAMA, pois as resoluções do CONAMA

não têm o condão de inovar na ordem jurídica, seja impondo obrigações, aplicando

sanções ou criando direitos.

Aliás, não se pode sequer comparar as espécies em questão, pois as mesmas

diferenciam-se já na própria origem, visto que as resoluções são oriundas do Poder

Executivo, enquanto que as leis provêm do Poder Legislativo, salvo as exceções

expressamente previstas na Constituição Federal.

224 O autor manifesta seu posicionamento: Essa lei até hoje não foi promulgada e nenhuma das propostas legislativas chegou a ser discutida de forma mais ampla 324 o que se deve, sem dúvida, ao fato de que muitos integrantes do Governo Federal e do Congresso Nacional temem as profundas alterações nas responsabilidades jurídicas e políticas, referentes ao cumprimento das respectivas tarefas por parte dos três níveis de governo, que essa lei complementar deverá causar. (SARLET, Ingo Wolfgang. As resoluções do CONAMA e o princípio da legalidade: a proteção ambiental à luz da segurança jurídica. Revista Jurídica, Brasília, v. 10, n. 90, Ed. Esp., p. 9, abr./maio 2008) Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_90/Artigos/PDF/IngoWolfgang_Rev90.pdf>Acesso em: 13 nov. 2008. 225 MILARÉ, Edis. Parecer acerca da legalidade da Resolução 302 do CONAMA. O autor manifesta-se nos seguintes termos: “24. Assim, observe-se que a delegação de uma suposta “competência normativa” ao órgão administrativo integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente foi apenas para estabelecer normas, critérios e padrões nas matérias explicitadas nos incisos I, VI e VII do art. 8o, taxativamente. 25. Ressalte-se, desde logo, que a alteração do caput do artigo 8º, introduzida pela Lei 8.028, de 12.04.1990, não teve o condão de ampliar esta competência, até porque tal pretensão seria vedada – consoante regra expressa do artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, vista a seguir. 26. Por seu turno, o artigo 14, II e parágrafo único, do Decreto 99.274/90, que regulamentou a mencionada Lei 6.938/81, deixa bem claro que essas normas e padrões consubstanciam parâmetros de emissão, ejeção e emanação de agentes poluidores [...] a palavra “normas” foi empregada, em todos esses dispositivos, com significado análogo ao de “critérios” e “padrões”. Trata-se, pois, de normas técnicas [...] Essa competência atribuída ao CONAMA consubstancia, assim, atribuição de natureza técnica, de fixação de índices e parâmetros técnicos, a serem propostos por especialistas, peritos na matéria, pois, de fato, minúcias de caráter técnico não são próprias dos textos legislativos.” Disponível em:< http://www.momentum.com.br/site/conteudo/pareceres/dem.pdf> Acesso em: 21 out. 2008.

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Não se trata de desmerecer a contribuição preciosa do órgão colegiado

administrativo em questão, cujo trabalho tem valor inquestionável dentro de seu âmbito

de atribuições. O que se discute é o excesso, a invasão de atribuições de outra esfera do

poder.

A esse respeito, manifesta-se Paulo Affonso Leme Machado226 ao classificar

como “patologia jurídica” o exercício da função legislativa por meio de algumas

resoluções do CONAMA, a ser urgentemente sanada, sob pena de futuramente “O

Conselho Monetário Nacional criar impostos e o Conselho Nacional de Política

Criminal e Penitenciária definir as condutas ilícitas.”

Retornando, especificamente, às resoluções editadas pelo CONAMA, a despeito

de sua condição de atos jurídicos normativos, elas não podem como já afirmado, inovar

na ordem jurídica, criar obrigações, mas, apenas, e tão somente, regulamentar aspectos

técnicos, conforme preceitua o artigo 8º da Lei n. 6.938/81.

Tal entendimento tem sido adotado maciçamente por doutrinadores como José

Afonso da Silva227, Paulo de Bessa Antunes228, Ricardo Carneiro229, Verônica Bezerra

Guimarães230 , além dos posicionamentos já mencionados de Paulo Affonso Leme

Machado231, Celso Antonio Bandeira de Mello232 e Edis Milaré233.

José Afonso da Silva234 posiciona-se no sentido de que a utilização de

resoluções no lugar de leis constitui-se em resquício do período do regime militar,

226 Nesta citação observa o autor ter integrado o primeiro grupo de conselheiros do CONAMA, que tomaram posse em 5.6.1984. (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros. p. 730) 227 “A questão mais delicada da Política Nacional do Meio Ambiente reside na qualidade dos meios normativos de sua execução. Habituou-se, desde o regime militar, a atuar nessa matéria por meio de portarias e resoluções de órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente, o que facilita a sua criação e alteração. Essa flexibilidade, se por um lado é conveniente, em face de situações de emergência, por outro lado, importa insegurança jurídica para os destinatários desses instrumentos infralegais, cumprindo, mesmo, verificar, em cada caso, até que ponto a situação regulada não exigiria lei, a fim de resguardar o princípio da legalidade, que se acha inscrito no art. 5º, II, da Constituição da República.”. (SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional, 2 ed. rev. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 211) 228 ANTUNES, Paulo de Bessa. V. nota 243. 229 CARNEIRO, Ricardo. Direito Ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 141. 230 GUIMARÃES, Verônica Bezerra. A Aplicação do Direito Ambiental no Estado Federativo. In: (Orgs.) KRELL, Andréas J. Coord. MAIA, Alexandre de. Coleção Direito e Racionalidade no Mundo Contemporâneo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005, p. 222. 231 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros. p. 730. 232 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Parecer acerca da Resolução CONAMA 302. Disponível em: <http://www.momentum.com.br/site/conteudo/pareceres/pbm.pdf> Acesso em: 21 out. 2008. 233MILARÉ, Edis. Parecer acerca da Resolução CONAMA 302. Disponível em: <http://www.momentum.com.br/site/conteudo/pareceres/dem.pdf> Acesso em: 21 out. 2008. 234 Assim se manifesta o autor: “Essa flexibilidade, se por um lado é conveniente em face de situações de emergência, por outro importa em insegurança jurídica para os destinatários desses instrumentos

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quando era praxe atuar-se na área ambiental por meio de portarias e resoluções face à

facilidade quanto à sua criação e alteração criando, todavia, uma situação de

insegurança jurídica para os destinatários destes “instrumentos infralegais”.

Exemplo prático da peculiar legislação ambiental vigente à época do regime

militar cita Edis Milaré235, ao mencionar o Decreto-lei nº.1.413, de 14.08.1975236, art.

2º, que atribuía exclusivamente ao Poder Executivo a criação de normas protetoras do

meio ambiente.

Flagrante, assim, a preocupação do autor em destaque com relação ao princípio

da legalidade, cujo respeito se impõe num Estado Democrático de Direito. Aliás, parece

ser este o motivo da referência ao período do regime militar, quando o País vivia sob

uma ditadura, em que os princípios eram relativizados, sendo ou não respeitados,

conforme as conveniências momentâneas do regime então em vigor.

Registre-se a opinião de Verônica Bezerra Guimarães237, que embora reconheça

exercer o CONAMA importante função normativa para o efeito de estabelecer normas e

padrões ambientais por meio de suas resoluções, com o fim de regular aspectos

técnicos, faz a ressalva no sentido de que as resoluções do órgão colegiado não podem

contrariar a lei.

infralegais, cumprindo mesmo verificar, em cada caso, até que ponto a situação regulada não exigiria lei, a fim de resguardar o princípio da legalidade que se acha inscrito no art. 5º, inc. II, da Constituição da República”. (SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional, 2. ed. rev. S.Paulo: Malheiros, 1998. p. 143–144.) 235 O autor informa que na década setenta “[...] os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro editaram leis e instituiram órgãos para controlar a poluição, notadamente das águas e do ar. Essas leis levaram à interdição de algumas fábricas importantes, e o Governo Federal, em pleno regime militar, respondeu autoritariamente com um decreto-lei, proibindo Estados e Municípios de interditar indústrias, reservando esse ato ao Presidente da República .¹” (MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 432) 236 Decreto-lei n. 1.413, de 14.08.1975, art. 2º “Compete exclusivamente ao Poder Executivo Federal, nos casos de inobservância do disposto no artigo 1º deste Decreto-lei, determinar ou cancelar a suspensão do funcionamento de estabelecimento industrial cuja atividade seja considerada de alto interesse do desenvolvimento e da segurança nacional.”. Disponível em: <http://www.ipaam.br/legislacao/FEDERAL/PROTEÇÃO%20AO%20MEIO%20AMBIENTE/>Acesso em: 4 mar. 2009. 237 São palavras da autora: “Por não exigirem os mesmos trâmites do processo legislativo ordinário, as resoluções são mais dinâmicas quanto à sua aprovação e revogação. Mas podem trazer uma maior insegurança ao aplicador da norma. Além de serem constantemente atualizadas, às vezes extrapolam o seu âmbito de competências, chegando, inclusive, a cometerem ilegalidades ou inconstitucionalidade. As resoluções não podem contrariar a lei nem tampouco criar direitos, obrigações, proibições ou punições. (GUIMARÃES, Verônica Bezerra. As competências federativas para o controle da poluição do ar causado por veículo automotores. A Aplicação do Direito Ambiental no Estado Federativo. In: (Org.) KRELL, Andréas J. (Coord.) MAIA, Alexandre de. Coleção Direito e Racionalidade no Mundo Contemporâneo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005, p. 224)

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De se observar que tanto Verônica Bezerra Guimarães238, quanto José Afonso da

Silva239 fazem menção à segurança jurídica, a ser oportunamente abordada, dada sua

umbilical ligação à questão em foco, qual seja a legalidade das resoluções do

CONAMA.

Dando continuidade à análise relativa à legalidade das resoluções, focaliza-se o

entendimento de Ricardo Carneiro240 , que aponta o enfraquecimento do CONAMA por

força de questionamentos judiciais e administrativos quanto ao conteúdo de suas

resoluções, vê também como fatores determinantes da crescente “legislação” não só do

CONAMA, como também de outros órgãos ambientais congêneres nas esferas estadual

e municipal: a) “morosidade do processo legislativo tradicional”; b) “descrédito com

que em geral a sociedade brasileira encara o Poder Legislativo da União, dos Estados e

dos Municípios”.

Forçoso concluir que não são poucas as críticas a muitas das resoluções editadas

pelo CONAMA, tratando dos mais variados assuntos.

Paulo de Bessa Antunes241 ao comentar o inc. II do art. 6º da Lei 6.938/81242,

que dispõe acerca das atribuições do CONAMA, assevera que existe uma inércia

legislativa por parte do Congresso Nacional no trato das matérias prioritárias de cunho

238 GUIMARÃES, Verônica Bezerra. Vide nota 238. 239 SILVA, José Afonso da. Vide nota 235. 240 Afirma o autor: “[...] muitas vezes disciplinam questões ambientais em flagrante violação ao princípio da reserva legal, inscrito no art. 5º, inciso II, da Constituição da República. Com efeito, muitas das resoluções do CONAMA simplesmente criam obrigações para determinados agentes econômicos sem qualquer amparo legal, dando margem a recursos administrativos ou questionamentos judiciais que acabam por enfraquecer o órgão colegiado enquanto instância representativa e participativa de tomada de decisões de política ambiental.” (CARNEIRO, Ricardo. Direito Ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 141) 241 “Tem havido uma hipertrofia das atribuições do CONAMA, pois diante da inércia legislativa do Congresso Nacional e da incapacidade da Administração Pública em estabelecer as necessárias prioridades para a matéria ambiental, o CONAMA, não com pouca freqüência, vem editando Resoluções que ultrapassam, em muito, as suas atribuições legais. A doutrina jurídica ambiental, entretanto, tem se revelado excessivamente tolerante com ilegalidades praticadas pelo CONAMA e não tem submetido as resoluções às críticas que se fazem necessárias. No particular, o CONAMA tem cedido aos apelos fáceis do populismo, como demonstram os chamados “mutirões ambientais”4 e outros.” (ANTUNES, Paulo de Bessa. Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA (Comentários à Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981). Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 89) 242 Lei n. 6.938/81: Art. 6º “Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, assim estruturado: (...) II – órgão consultivo e deliberativo: O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sal competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. (...)” (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 845).

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ambiental, razão que leva o referido órgão a, frequentemente, extrapolar suas

atribuições legais. Ressalta ainda que tem havido tolerância por parte da doutrina

ambiental com os excessos do CONAMA. O autor243 em sua crítica também menciona

o Poder Judiciário, por entender que decisões judiciais têm admitido a expansão das

atribuições do CONAMA.

Declara ainda Paulo de Bessa Antunes244, referindo-se ao art. 8º da Lei n.

6.938/81, que trata das competências do CONAMA, que as atribuições do órgão

colegiado constituem um dos aspectos mais polêmicos e complexos da Política

Nacional do meio ambiente tendo em vista fatores como a indefinição da repartição de

competências (políticas, jurídicas e constitucionais) dos entes federados, a violação ao

princípio da reserva legal pelo CONAMA e ainda a omissão do Congresso Nacional

com relação às suas atribuições. Afirma o autor: “Decorre daí o constante conflito de

tais normas com a legalidade constitucional”.

Álvaro Luiz Valery Mirra245, por sua vez, argumenta que o poder regulamentar

do CONAMA é específico, não tendo o órgão colegiado poderes para legislar sobre

direito ambiental.

Nessa mesma perspectiva, Carlos Ari Sundfeld246 sustenta que tanto em razão

243 Com relação às decisões judiciais o autor faz o seguinte comentário: “Merece ser observado, contudo, que há uma tendência judicial em expandir tais atribuições do CONAMA para além da simples fixação de normas e padrões técnicos, 4 chegando a ser admitido que o órgão determine proibições de importação de produtos ou paralise, cautelarmente, atividades econômicas, isto para não se falar na imposição de obrigações que, como se sabe, decorrem de lei ou de contrato.” (ANTUNES, Paulo de Bessa. Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA : Comentários à Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 121) 244ANTUNES, Paulo de Bessa. Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA Comentários à Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005. p. 116. 245 São palavras do autor: “[...] é importante salientar que a atribuição de poderes regulamentares ao CONAMA, pela Lei n. 6.938/81 e pelo seu decreto executivo, foi expressa , pois que decorrente do art. 8º, I e II, e específica, vale dizer, estritamente direcionada e, assim, limitada, à normatização do licenciamento ambiental e do estudo de impacto ambiental; nem de longe configurando a outorga de poderes totais e indeterminados ao colegiado para regulamentação do direito ambiental no país. 23” (MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto ambiental :Aspectos da legislação brasileira. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 15-16) 246 Assim se posiciona o autor: “Situações do tipo são conseqüência não só dos hábitos autoritários herdados das diversas ditaduras que pontilharam nossa história – caracterizadas, todas elas, pelo fortalecimento do Executivo – como também da crescente interferência do Estado na vida privada, por conta da maior complexidade de que esta se reveste a cada dia. É certo que a sociedade moderna se exige uma mais densa regulamentação dos comportamentos dos indivíduos, a ensejar constantes flutuações nas normas. O Poder Legislativo tem sido impotente para acompanhar a velocidade das mudanças. Daí o Executivo assumir o papel de agente normativo da vida social [...] Isto é particularmente verdadeiro em relação àquelas áreas – como a ambiental – estreitamente vinculadas a aspectos técnicos e científicos que evoluem com extrema rapidez e demandam constante adaptação das normas jurídicas às novas realidades e às necessidades que delas resultam. Nesses casos, o legislador tem optado pela disciplina da matéria em termos amplos e genéricos, deixando ao administrador a regulamentação mais minuciosa do assunto, sobretudo por dispor a Administração Pública, normalmente, de técnicos e pessoal capacitados, dotados

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da tradição autoritária decorrente das diversas ditaduras que já houve ao longo da

história, como também pela complexidade da sociedade moderna, o Poder Executivo

viu-se fortalecido. Tal realidade demanda “constantes flutuações nas normas”, segundo

ao autor. O Poder Legislativo tem se mostrado incapaz de suprir tais necessidades, razão

pela qual cada vez mais tem o Executivo assumido o papel de “agente normativo da

vida social.”, sendo tal constatação especialmente verdadeira com relação às questões

que envolvem aspectos técnicos, como a ambiental.

Ainda que reconheça as necessidades e peculiaridades inerentes a uma sociedade

cada vez mais técnica, como dito por Clèmerson Merlin Clève247, que defende a

“descentralização da função legiferante”, entende Álvaro Luiz Valery Mirra248, que as

atribuições do CONAMA são expressas e específicas, não sendo dado ao órgão

colegiado legislar em matéria ambiental:

Ingo Wolfgang Sarlet249 ao analisar as resoluções do CONAMA sob o aspecto

de conhecimentos específicos sobre os temas objeto da regulamentação.” (SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo ordenador. 1 ed. 3 tiragem. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 33-34) 247 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade Legislativa do poder executivo. 2 ed. rev., atual. e ampl. do livro Atividade legislativa do Poder Executivo no Estado contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 51. 248 Assevera o autor: “Além disso, é importante salientar que a atribuição de poderes regulamentares ao CONAMA, pela Lei n. 6.938/81 e pelo seu decreto executivo, foi expressa, pois que decorrente do art. 8º, I e II, e específica, vale dizer, estritamente direcionada e, assim, limitada, à normatização do licenciamento ambiental e do estudo de impacto ambiental; nem de longe configurando a outorga de poderes totais e indeterminados ao colegiado para a regulamentação do direito ambiental no país23.”

(MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto ambiental. Aspectos da legislação brasileira. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 15-16) 249 Afirma o autor: Nesse segmento, partiu-se do pressuposto de que a competência do CONAMA de expedir resoluções insere-se dentro do chamado Poder Regulamentar do Executivo, tendo em conta que o exercício do poder regulamentar guarda uma relação de conformidade com a lei em sentido formal, pois o Poder Executivo, ao expedir regulamentos, contribui e complementa a ordem jurídico-legislativa, inclusive, em certos casos, como condição de eficácia da lei em sentido formal. Nesse sentido, o regulamento não tem a natureza de lei em sentido formal, porém pode sê-lo em sentido material. [...] O regulamento, portanto, não pode operar contra legem, ultra legem, nem praeter legem. Opera unicamente secundum legem e intra legem 9 [...] A doutrina, tradicionalmente, aponta três funções para o Poder Regulamentar previsto no ordenamento brasileiro:a) solucionar a execução da lei quando for o caso; b) facilitar a execução da lei, especificá-la de modo praticável e acomodar o aparelho administrativo para bem observá-la; c) incidir no campo da discricionariedade técnica. Precisamente esta terceira função identificada – incidir no campo da discricionariedade técnica – constitui, em termos gerais, a principal atribuição do CONAMA que, mediante recurso, em geral, a outros ramos do saber, edita atos normativos com o objetivo de dar a devida concretização e execução à legislação. A função do regulamento, neste sentido, é a de, por meio de conceitos outros que não jurídicos, explicitar, as normas previstas na lei formal. A legislação ambiental é complementada por Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Assim que, enquanto forem regulamentados conceitos e objetos de outras áreas do conhecimento, contemplados no dever genérico de não poluir água e o ar, por exemplo, amparado pela lei federal, não há, em tese, inovação. Contudo, na medida em que os regulamentos afastarem-se destes pressupostos genéricos e criarem condutas típicas específicas ou sanções não previstas na lei, o Poder Regulamentar afastar-se-á da sua função precípua. Eventual excesso na regulamentação que extrapole o limite do poder regulamentar implicará na afetação dos dispositivos que exteriorizam estas regras. Nesta quadra um Decreto ou uma Resolução que ultrapasse a sua função regulamentar será tido como inconstitucional ao regular campo material, cuja reserva constitucionalmente

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jurídico-constitucional afirma que a sua competência está inserida no poder

regulamentar do Poder Executivo, que exerce esta atribuição em conformidade com a

lei, tendo assim legitimidade para expedir regulamentos com a finalidade específica de

complementar a ordem jurídico-legislativa, não podendo sob qualquer hipótese operar

fora dos ditames legais, mas apenas e tão somente conforme a lei. Ainda segundo o

autor, dentre as funções atribuídas pela doutrina ao Poder Regulamentar está a

possibilidade de incidência no campo da discricionariedade técnica, que considera ser a

principal atribuição do CONAMA. Todavia, ao se exceder criando condutas típicas ou

sanções não previstas em lei, haverá a incidência de inconstitucionalidade e não de

ilegalidade, vez que violado o princípio da reserva legal.

Por outro lado, Vladimir Passos de Freitas250 afirma que embora sejam os atos

administrativos que cuidam de matéria ambiental normas infralegais, reconhece-lhes

importância à medida que a legislação esparsa e fragmentada não logra prever todos os

detalhes de ordem técnica necessários. Ainda conforme o entendimento do autor251 as

limitações inerentes à categoria de atos administrativos normativos, à qual pertencem as

resoluções, não devem ser consideradas, tanto em razão da dificuldade de se separar os

limites de competência de cada ente federado como pela falta de atuação de órgãos

regionais e locais.

A argumentação carece de robustez, e o próprio autor não parece convicto de

sua afirmação, pois algumas linhas adiante, na mesma obra, ao citar como exemplo a

Resolução CONAMA 005, de 15.06.89, que instituiu o Programa Nacional de

é da lei. Nessa linha de raciocínio o excesso de regulamentação resultará em um problema de constitucionalidade e não de legalidade.” (SARLETI, Ingo Wolfgang. As resoluções do CONAMA e o princípio da legalidade: a proteção ambiental à luz da segurança jurídica. Revista Jurídica. Brasília: v. 10, n. 90, Ed. Esp., abr/maio, 2008, p.8-9. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_90/Artigos/PDF/IngoWolfgang_Rev90.pdf> Acesso em: 17 dez. 2008) 250 Afirma o autor que: “Cumpre desde logo observar que as normas infralegais que cuidam de matéria ambiental são, pura e simplesmente, atos administrativos [...] Em matéria de meio ambiente, tem se revelado extremamente importante a edição de atos administrativos, nas suas várias modalidades. Com efeito, as próprias características da matéria, com legislação esparsa e fragmentada, além de sujeita a detalhes que dificilmente podem constar da legislação, acabam por obrigar a administração a suprir as lacunas existentes.” (FREITAS, Vladimir Passos de. Direito administrativo e meio ambiente. 3 ed. rev. e ampl. Curitiba: Juruá, 2003. p. 42-43) 251 Manifesta-se o autor nos seguintes termos com relação à não observância dos limites legais pelo CONAMA: “No entanto, eventualmente tal limitação pode não ser observada. Por vezes em razão da dificuldade de separar os limites da competência constitucional da União, Estados e municípios. Em outras ocasiões, porque os órgãos regionais e locais não possuem a estrutura adequada e acabam por não exercer suas relevantes funções, fatos que origina a atuação, nem sempre devida, do ente federal.” (FREITAS, Vladimir Passos de. Direito administrativo e meio ambiente. 3 ed. rev. e ampl. Curitiba: Juruá, 2003. p. 44)

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Qualidade do Ar (PRONAR), especificamente com relação ao item 4 das Disposições

Gerais, admite: “Tal ordem é de discutível constitucionalidade, ainda que seja evidente

sua boa intenção”

Diante do posicionamento adotado por Vladimir Passos de Freitas, seria de se

questionar quanto ao princípio da legalidade (Constituição Federal/88, artigo 37, caput)

que impõe à Administração estrita observância da lei: é possível ao administrador editar

essas resoluções? Ou ainda, em nome do Direito Ambiental, da proteção ambiental ou

seja lá qual for o pretexto pode o administrador simplesmente editar normas jurídicas

por entender que existem “lacunas” a ser preenchidas? Este tipo de conduta, por parte

da Administração caracteriza clara ofensa ao Estado Democrático de Direito, donde se

depreende que as resoluções do CONAMA que contêm não apenas normas de cunho

técnico, mas conteúdos que criam obrigações e impõem sanções como se fossem atos

normativos violam frontalmente os princípios constitucionais da legalidade, da reserva

legal, da separação dos poderes e da segurança jurídica.

A respeito da polêmica em torno da legalidade e constitucionalidade das

resoluções do CONAMA, de se mencionar a Súmula 636 do Supremo Tribunal

Federal252 que dispõe:

Súmula 636 NÃO CABE RECURSO EXTRAORDINÁRIO POR CONTRARIEDADE AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LEGALIDADE, QUANDO A SUA VERIFICAÇÃO PRESSUPONHA REVER A INTERPRETAÇÃO DADA A NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS PELA DECISÃO RECORRIDA

Talvez a Súmula 636 do STF seja um primeiro passo para o reconhecimento

dos vícios de que se encontram eivadas as resoluções do CONAMA que invadem a

competência do Poder Legislativo.

4.2 Princípio da legalidade

O princípio da legalidade é ínsito ao Estado de Direito, é aquele segundo o qual

o Estado está submetido à lei, só podendo agir dentro dos limites legais. O alcance e

amplitude do princípio da legalidade são variáveis conforme as limitações que lhe

252 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=636.NUME.%20NAO%20S.FLSV.&base=baseSumulas. Acesso em: 19 mar. 2009.

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tenham sido delineadas no direito constitucional de cada país.

Com relação a este aspecto do princípio da legalidade, declara Celso Antonio

Bandeira de Mello253 estar previsto nos artigos 5º, inciso II, 37 e 84, inciso IV da

Constituição Federal. Assevera que os preceitos mencionados são rígidos de forma a

impedir que o Poder Executivo extrapole em suas atribuições, em razão da tradição de

governos autoritários na história do Brasil.

O princípio da legalidade previsto na Constituição Federal de 1988 aplicado ao

cidadão comum está previsto no artigo 5º, inciso II, que dispõe in verbis: “ninguém

será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, este

princípio é garantidor da liberdade como regra e não como exceção, sendo assegurado

ao cidadão poder de agir livremente, desde que não haja proibição legal.

Pode parecer inicialmente, como afirma André Ramos Tavares254 acerca do

princípio da legalidade, que o mesmo remete à idéia de “obrigação”, todavia refere-se

também a direitos. Tanto os direitos como as obrigações hão de ser previstos em lei,

pois são na verdade faces da mesma moeda, pois a cada direito corresponde uma

obrigação.

Na correta colocação de José Afonso da Silva255:

O princípio da legalidade é nota essencial do Estado de Direito. É, também por conseguinte, um princípio basilar do Estado Democrático de Direito, como vimos 2, porquanto é da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais.

253 “No Brasil, o princípio da legalidade, além de assentar-se na própria estrutura do Estado de Direito e, pois, do sistema constitucional como um todo, está radicado especificamente nos arts. 5º, II, 37 e 84, IV. Estes dispositivos atribuem ao princípio em causa uma compostura muito estrita e rigorosa, não deixando válvula para que o Executivo se evada de seus grilhões. É aliás, o que convém a um país com de tão acentuada tradição autocrática, despótica, na qual o Poder Executivo, abertamente ou através de expedientes pueris – cuja pretensa juridicidade não iludiriam sequer a um principiante – viola de modo sistemático direitos e liberdades públicas e tripudia à vontade sobre a repartição de poderes 7. (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. 3 ed. rev. e ampl.. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 51) 254 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva 2006. p. 563. 255 Assim se manifesta o autor: “Quando o preceito constitucional determina que ninguém “será obrigado”, a não ser por meio de lei, dá a entender, à primeira vista, alcançar apenas a imposição de obrigações, silenciando no que se refere à concessão de direitos. Contudo, não é assim que se passa. Também os direitos necessitam estar contemplados em lei. Seja direito ou dever, só mesmo por meio de lei é que se admite sua formação legítima. Até porque os direitos são, na realidade, o reverso dos deveres impostos. Ou, o que dá no mesmo, qualquer direito remete diretamente a um dever, qual seja, o dever de cada indivíduo pertencente à coletividade de observar e respeitar aquele direito individual sufragado legalmente. Não há, pois, direito sem dever correlato.” (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. 29 ed., rev. e atual. até a emenda constitucional n. 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 420)

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Tem-se, portanto, que para a administração pública o princípio da legalidade

está insculpido no artigo 37 da Constituição Federal256, que impõe à Administração agir

apenas e tão somente conforme os ditames da lei, que é norteadora dos atos praticados

pela Administração.

Já, para o cidadão o princípio da legalidade significa que poderá fazer tudo que a

lei não proíba, por outro lado, para a Administração o princípio da legalidade significa

praticar todos os atos em conformidade apenas e tão somente à lei. 257

Desta forma, não se pode aceitar que espécie hierarquicamente inferior à lei,

como é o caso das resoluções que são na verdade atos administrativos imponha

obrigações e sanções, em flagrante afronta ao princípio da legalidade, como declara

Celso Antonio Bandeira de Mello258.

A adoção de posicionamento intransigente em defesa do princípio da legalidade

tem sido a tônica entre os mais renomados doutrinadores pátrios, como Pontes de

Miranda259 que enfatiza com relação aos regulamentos (a argumentação também se

estende às resoluções), que os mesmos não podem alterar, criar, extinguir direitos ou 256 CF/88 art. 37. “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)” (BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.49) 257 Em artigo recente, Alexandre Santos de Aragão chama a atenção para citação corriqueira segundo a qual ao cidadão tudo se permite desde que a lei não proíba, enquanto que à Administração Pública só se permite aquilo que a lei prevê. Segundo o autor, a expressão tão usada sem que se conheça a fonte é de Guido Zanobini, que afirma: “[...] o indivíduo pode fazer tudo o que não lhe é expressamente vetado, ao passo que a Administração pode fazer apenas o que a lei expressamente lhe consente “.9 (ZANOBINI, Guido. L´attività amministrativa e la legge. Scrivitti vari di diritto pubblico. Milano: Giuffrè, 1955. p. 206-207. “Apud” ARAGÃO, Alexandre Santos de. A concepção pós-positivista do princípio da legalidade. Revista de direito constitucional e internacional. Ano 16. nº 65. out.-dez. 2008. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 11) 258 São palavras do autor: “A final: só por lei se regula liberdade e propriedade; só por lei se impõem obrigações de fazer ou não fazer e só para cumprir dispositivos legais é que o Executivo pode expedir decretos, regulamentos e, “a fortiori”, atos de menor hierarquia, como as Resoluções.”Parecer de Celso Antonio Bandeira de Mello acerca da Resolução CONAMA 302. Disponível em: <http://www.momentum.com.br/site/conteudo/pareceres/pbm.pd> Acesso em: 14 out. 2008. 259 O autor afirma categoricamente: “Onde se estabelecem, alteram ou extinguem direitos, não há regulamentos — há abuso do poder regulamentar, invasão de competência legislativa. O regulamento não é mais do que auxiliar das leis, auxiliar que sói pretender, não raro, o lugar delas, mas sem que possa, com tal desenvoltura, justificar-se e lograr que o elevem à categoria de lei [...] Se o regulamento cria direitos ou obrigações novas, estranhos à lei, ou faz reviver direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações ou exceções, que a lei apagou, é inconstitucional. Por exemplo: se faz exemplificativo o que é taxativo, ou vice-versa. Tampouco pode ele limitar, ou ampliar direitos, deveres, pretensões, obrigações ou exceções à proibição, salvo se estão implícitas. Nem ordenar o que a lei não ordena (...). Nenhum princípio novo, ou diferente, de direito material se lhe pode introduzir (...) Vale dentro da lei; fora da lei a que se reporta, ou das outras leis, não vale. Em se tratando de regra jurídica de direito formal, o regulamento não pode ir além da edição de regras que indiquem a maneira de ser observada a regra jurídica.”(MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº. 1 de 1969. t. III 2 ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, p. 314,316).

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obrigações, pois neste caso haverá invasão da competência legislativa, cabendo

considerar que os regulamentos exercem apenas e tão-somente função de auxiliar as

leis.

Na mesma linha de raciocínio, Marcello Caetano260 reafirma a supremacia do

princípio da legalidade ao declarar que somente a lei que seja conforme à Constituição

poderá inovar, criando ou restringindo direitos, enquanto que os regulamentos devem

obedecer aos preceitos legais, sem jamais contrariá-los.

A jurisprudência261 com freqüência tem se manifestado no sentido de não

reconhecer aos atos administrativos a condição de lei, em respeito ao princípio da

legalidade.

260 O autor se manifesta com as seguintes palavras: “A Administração Pública num regime de legalidade está submissa à lei. A sua atividade tem de ser legal, isto é, de decorrer nos termos traçados pela lei. [...] Assim, a lei formal, unicamente sujeita à Constituição, pode ser inovadora, criando e restringindo direitos, introduzindo modificações na Ordem jurídica. Ao passo que o regulamento tem de respeitar as leis, não pode conter preceitos que contrariem disposições constantes de leis formais.”(CAETANO, Marcelo. Princípios fundamentais do direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 95, 98) 260 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº. 1 de 1969, 2ª ed.rev.t. III, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, p. 314,316. Cumpre ressaltar que, muito embora as observações do autor sejam contemporâneas da Constituição de 1969, ainda hoje são pertinentes, pois foram feitas em relação a textos que equivalem aos vigentes atualmente. 261 BRASIL SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Quarta turma. Homologação. Rescisão. Contrato. Trabalho. Trata-se de ação declaratória precedida de ação cautelar proposta por sindicatos em face da União, para impugnar a Instrução Normativa n. 001/1993/DRT/RS. Conforme os sindicatos autores, a mencionada instrução normativa contraria o art. 477, § 1º, da CLT, pois instrui os fiscais do trabalho a darem preferência a homologações de rescisões contratuais no caso daqueles empregados que não possuem representação sindical na localidade, devendo os demais ser encaminhados à assistência dos respectivos sindicatos, subtraindo das partes o direito de escolha do órgão homologador da rescisão. A sentença julgou procedentes os pedidos para declarar o direito de as empresas associadas aos sindicatos autores se verem assistidas pelo respectivo órgão do Ministério do Trabalho quando das rescisões de contratos de emprego, na forma do art. 477, § 1º, da CLT. Reconheceu também, a ilegalidade da citada instrução normativa. A União Federal, em seu recurso, alega que esse dispositivo da CLT não afasta a possibilidade de o recorrente estabelecer prioridade no processo de homologação das rescisões trabalhistas, não se autoriza que a escolha do órgão homologador seja de opção exclusiva da empresa interessada e não obriga o Ministério do Trabalho a proceder às homologações com exclusividade. Para o Min. Relator, a mencionada instrução normativa, ao conferir preferência às rescisões contratuais de empregados naqueles moldes, impede as partes interessadas de escolher livremente, conforme o art. 477, § 1º, da CLT, o órgão homologador da rescisão contratual. A DRT estadual diminuiu a amplitude do mencionado artigo, extrapolando seu poder regulamentar. Diante disso, a Turma não conheceu do recurso. REsp 355.860-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 5/3/2009. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/infojur/toc.jsp?livre=instru%E7%E3o+normativa+e+drt&b=INFJ&thesaurus=JURIDICO. Acesso em: 17 mar. 2009. BRASIL SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ADI 2714 / DF - DISTRITO FEDERAL AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA Julgamento: 13/03/2003 Órgão Julgador: Tribunal Pleno . Publicação DJ 27-02-2004 PP-00020 Parte(s) Reqte. : Confederação Nacional da Indústria – CNI Advdos. : Maria Luiza Werneck dos Santos e outros Reqdo. : Presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis Reqdo. : Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Ementa: atos normativos do IBAMA e do CONAMA. Mutirões ambientais. normas de natureza secundária. Violação indireta. Impossibilidade de exame em sede de controle concentrado de constitucionalidade É incabível a ação

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Por oportuno e a título de informação cumpre chamar a atenção para o fato de

que os princípios de Direito Constitucional, no caso específico o princípio da legalidade

vem sofrendo questionamentos de parte da doutrina262 que entende que a maneira

tradicional de se interpretar a legalidade há que se adequar às mudanças operadas na

sociedade de maneira a flexibilizar-se e atender às novas e prementes necessidades de

regulamentação.

Do exposto, conclui-se que a interpretação predominante da doutrina ainda se

direciona no sentido de que o princípio da legalidade há de ser encarado sob duas

perspectivas: segundo uma delas, o direito positivado (a lei), há que ser sempre

respeitado (perspectiva da administração pública); já conforme a outra não será criado

direito ou dever sem respaldo legal, ou seja, na ausência de lei não poderá haver direito

ou obrigação (perspectiva do cidadão).

4.3 Princípio da reserva legal

O princípio da reserva legal consiste, em linhas gerais, no tratamento dispensado

a determinadas matérias, as quais só podem ser disciplinadas por meio de lei formal.

José Afonso da Silva263 faz a distinção entre os princípios da legalidade e da

reserva legal, considerando o princípio da legalidade sob o enfoque da hierarquia das

direta de inconstitucionalidade quando destinada a examinar atos normativos de natureza secundária que não regulem diretamente dispositivos constitucionais, mas sim normas legais. Violação indireta que não autoriza a aferição abstrata de conformação constitucional. Precedentes. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida. Disponível em: https://www.stf.jus.br/portal//jurisprudencia/pes Acesso em: 17 mar. 2009. 262 Neste sentido o entendimento de Alexandre Santos de Aragão, para quem a Administração Pública deve embasar seus atos sobre a lei, todavia questiona até que ponto a lei deve limitar os conteúdos dos atos administrativos. Afirma que o cerne da questão está em se definir a “densidade normativa mínima”, que deve conter o Poder Regulamentar do Estado. Defende que a visão tradicional da discricionariedade e vinculação na atividade administrativa deve ser relativizada, aplicando-se uma ou outra, conforme demande o caso concreto; admite mesmo a não aplicação da lei, ou seja, seu afastamento em determinados casos específicos quando sua aplicação seja considerada contrária ou nociva à Constituição e ao Direito. (ARAGÃO, Alexandre Santos de. A concepção pós-positivista do princípio da legalidade. Revista de direito constitucional e internacional. Ano 16. nº 65. out.-dez. 2008. São Paulo: Revista dos Tribunais) Odete Medauar menciona a “deslegalização” ou “deslegificação”, surgida na doutrina italiana a partir de 1990, Relata a autora que a também chamada “simplificação normativa” justifica-se pela “maior eficácia e tempestividade da disciplina normativa , mais incisiva capacidade de governo do poder executivo, agilidade adequada, modernização tempestiva das normas destinadas a codicionar a vida social.31” (MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução.2 ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 251-252) 263 Afirma o autor: “A doutrina não raro confunde ou não distingue suficientemente o princípio da legalidade e o da reserva de lei. O primeiro significa a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador. O segundo consiste em estatuir que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por lei formal. Embora às vezes se diga que o princípio da legalidade se revela como um caso de reserva relativa, ainda assim é de reconhecer-se

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normas (ninguém será obrigada a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei),

enquanto que o princípio da reserva legal está voltado à questão de competências (a

competência legislativa para dispor acerca de determinadas matérias).

André Ramos Tavares264 e Jorge Miranda265 também consideram a diferença

entre os princípios da legalidade e da reserva legal, mencionando o aspecto da

competência quanto ao segundo princípio.

Afirma José Joaquim Gomes Canotilho266 que o conceito da reserva de lei deve

ser entendido como uma delimitação determinada pelo texto constitucional de cada país

das matérias a serem disciplinadas apenas por meio de lei.

diferença entre ambos, pois que o legislador, no caso de reserva de lei, deve ditar uma disciplina mais específica do que é necessário para satisfazer o princípio da legalidade7 [...] Em verdade, o problema das relações entre os princípios da legalidade e da reserva de lei resolve-se com base no Direito Constitucional positivo, à vista do poder que a Constituição outorga ao Poder Legislativo. Quando essa outorga consiste no poder amplo e geral sobre qualquer espécie de relações, como vimos antes, tem-se o princípio da legalidade. Quando a Constituição reserva conteúdo específico, caso a caso, à lei, encontramo-nos diante do princípio da reserva legal.” (SILVA, José Afonso da. . Curso de direito constitucional. 29 ed., rev. e atual. até a emenda constitucional nº. 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 422) 264 Diz o autor: “É preciso salientar, ainda, a distinção entre o princípio da legalidade e o princípio da reserva de lei. O princípio da legalidade reparte-se, como visto acima, em dois fronts. Em primeiro, exige o respeito à lei posta. Em segundo lugar, impõe que não se crie direito ou dever sem amparo legal; se não há lei, não há suporte para qualquer exigência ou benefício público. Já a expressão “reserva de lei” assume sentido próprio, que não se confunde com o princípio da legalidade, embora para ele aponte como seu horizonte mais próximo. Pela reserva legal estabelece-se a obrigatoriedade de tratamento de determinadas e específicas matérias por meio de lei.[...] A diferenciação vale-se aqui do velho brocardo segundo o qual ao Poder Público só é lícito fazer aquilo que for previsto em lei, enquanto ao particular é assegurado fazer tudo quanto não seja proibido por lei. Identifica-se, na primeira referência (Poder Público), o princípio da reserva de lei, e, no segundo caso, o princípio da legalidade. [...] Ocorre reserva de lei, consoante Zagrebelsky 8, sempre que a Constituição estabelece que a disciplina de determinada matéria seja feita pela lei e apenas pela lei, com exclusão, pois, de atos normativos diversos, como seria o caso do regulamento.” (TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva 2006. p. 565) 265 Acerca do princípio da reserva legal afirma o autor: “Conceito dos mais trabalhados pela doutrina do Direito público, a reserva de lei equivale à prescrição de um tratamento específico de certos institutos no sistema das fontes, mediante a sua atribuição à lei em sentido formal e; distingue-se de, entre outros fenômenos, a reserva de competência legislativa (seja absoluta ou relativa) [...] A reserva de lei desempenha uma função excludente e, mais do que isso, uma função positiva de reforço do princípio da legalidade da administração e da jurisdição (3) (4). Numa dimensão menos exigente, legalidade equivale a não desconformidade da actividade administrativa e jurisdicional com a norma jurídica, seja qual for; e, num alcance mais significativo, não desconformidade com a norma legislativa (quando esta exista). Mas aí onde a Constituição imponha reserva de lei, legalidade não implica somente prevalência ou preferência de lei, nem sequer prioridade de lei; traduz-se em sujeição do conteúdo dos actos administrativos e jurisdicionais aos critérios, aos valores, ao sentido imposto pela lei como acto legislativo; envolve, senão monopólio normativo (reserva absoluta), pelo menos fixação primária de sentido normativo (reserva relativa) pela lei. Não tem apenas de não ocorrer contradição com a lei. Tem de haver lei.” (MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t. IV, 2 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1998. p. 291,292,293) 266 Esclarece o autor: “Através do conceito de reserva de lei (Vorbehalt des Gesetzes) pretende-se delimitar um conjunto de matérias ou de âmbitos materiais que devem ser regulados por lei (“reservados à lei”). Esta “reserva de matérias” significa, logicamente, que elas não devem ser reguladas por normas jurídicas provenientes de outras fontes diferentes da lei (exemplo: regulamentos). Ainda por outras palavras: existe reserva de lei quando a constituição prescreve que o regime jurídico de determinada matéria seja regulado por lei e só por lei, com exclusão de outras fontes normativas. A reserva de lei não

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Do exposto conclui-se que o princípio em questão é delimitado em

conformidade com o disposto na Constituição Federal, que determinará a competência

para disciplinar por meio de lei matérias específicas, não se confundindo com o

princípio da legalidade, que por outro lado significa a atividade administrativa

conforme a lei, entendida como norma geral e abstrata criada pelo Poder Legislativo.

Neste sentido o MS 22.690 relator Min. Celso de Mello do Supremo Tribunal

Federal.267

4.4 Princípio da separação dos poderes

Os poderes do Estado, para consecução de sua finalidade, o bem comum, são

divididos em executivo (ou administrativo), legislativo e judiciário. Na verdade, mais

correto seria falar-se em separação das funções do Estado, e não em poderes, pois o

poder é uno e não se fragmenta.

Para Celso Antonio Bandeira de Mello268 a teoria da separação dos poderes

trata-se de uma construção muito bem elaborada com a finalidade de evitar que o poder

deve divorciar-se das estruturas constitucionais concretas de cada país, pois ela coloca problemas de delimitação de competências que só em face dos ordenamentos constitucionais positivos podem ser esclarecidos.[...] Na realidade, a reserva de lei assume contornos diversos num sistema influenciado pela idéia de checks and balances, como o norte-americano, ou num esquema de divisão de poderes (legislativo, executivo e judicial), como o sistema alemão.” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 3 ed. Coimbra: Edições Almedina, 1999. p. 671-672) 267 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. "A reserva de lei constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. Não cabe, ao Poder Judiciário, em tema regido pelo postulado constitucional da reserva de lei, atuar na anômala condição de legislador positivo (RTJ 126/48 — RTJ 143/57 — RTJ 146/461-462 — RTJ 153/765, v.g.), para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Judiciário — que não dispõe de função legislativa — passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes." (MS 22.690, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-4-97, DJ de 7-12-06) Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/constituicao/artigoBd.asp Acesso em: 20 out. 2008 268 “Esta trilogia não reflete uma verdade, uma essência, algo inexorável proveniente da natureza das coisas. É pura e simplesmente uma construção política invulgarmente notável e muito bem sucedida. Ainda segundo Bandeira de Mello, o propósito da tripartição seria “ impedir a concentração de poderes para preservar a liberdade dos homens contra abusos e tiranias dos governantes.”(MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 23 ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 31)

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seja concentrado de modo a proteger os direitos e liberdades dos cidadãos contra abusos

e arbitrariedades do Estado por meio de seus governantes.

Rafael Munhoz de Mello269 adota posicionamento semelhante, ao defender ser o

povo o titular do poder estatal, cuja titularidade não se confunde com seu exercício,

afirma que “[...] no Estado Democrático de Direito o poder estatal é exercido pelos

entes aos quais o povo, no exercício do poder constituinte, atribui essa ou aquela função

estatal.”. Ainda segundo o doutrinador os sujeitos que recebem a delegação de poderes

do povo atuam em nome do Estado e sempre dentro dos limites conferidos pela

Constituição Federal.

Por seu turno, afirma Clèmerson Merlin Clève270, com relação à indivisibilidade

do poder que o titular do mesmo, indivisível por natureza é o povo que não o divide,

apenas delega a diferentes órgãos encarregados de exercer diferentes funções para

obtenção de determinados fins, por força do Poder Constituinte. Assevera ainda que o

poder não pode ser mensurado nem multiplicado, não possui começo ou fim.

Acerca da teoria da separação dos poderes afirma Odete Medauar271: “[...]

difundiu-se em todo o mundo ocidental e recebeu consagração expressa em declarações

269 MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador: As sanções administrativas à luz da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 19. 270 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade Legislativa do poder executivo. 2 ed. rev., atual. e ampl. do livro Atividade legislativa do Poder Executivo no Estado contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.30.

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de direitos e constituições do século XVIII, repetindo-se em textos dos séculos XIX e

XX.”.

Assim, os poderes orgânicos, quais sejam, Legislativo o Executivo e o Judiciário

possuem poderes funcionais: o poder legiferante ou normativo, o poder executivo ou

administrante e o poder judicante ou jurisdicional. Cumpre ressaltar, por oportuno, que

as respectivas atribuições de cada Poder têm caráter meramente preponderante, tendo

em vista que cada um poderá, dentro de sua esfera de atribuições exercer funções

distintas. Diogo de Figueiredo Moreira Neto272 comunga deste entendimento, afirmando

que a divisão é meramente didática.

Como é notório, a teoria da tripartição de poderes tem sofrido críticas em função

da evolução da sociedade, pois o modelo atual de sociedade de massa exige dinâmica no

exercício das funções estatais, fato que torna sobremaneira dificultosa a manutenção da

tradicional divisão de forma estanque.

Alguns doutrinadores, como Clèmerson Merlin Clève273 e Odete Medauar 274,

assumem posicionamento no sentido de que o princípio da repartição dos poderes deve

271MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 27. 272 Declara o autor: “[...] não há exata correspondência entre as expressões funcionais e os órgãos com a mesma etimologia, entre os quais se distribui o poder do Estado, e são inúmeras as razões históricas, políticas e jurídicas que explicam as várias exceções encontradas, entre elas, o sistema de freios e contrapesos constitucionais.” (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial.. 14 ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 22) 273 O autor manifesta-se no sentido de que “O governo compreende ações legislativas e administrativas [...] As críticas formuladas contra a teoria do poder estatal dividido podem ser contornadas desde que se tome o cuidado de relativizá-la suficientemente, adaptando-a às mutações pelas quais tem passado o Estado moderno.” (CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade Legislativa do poder executivo. 2. ed. rev., atual. e ampl. do livro Atividade legislativa do Poder Executivo no Estado contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.33-34) 274 Afirma a autora: “Hoje, embora na maioria dos ordenamentos se mantenha o princípio da separação dos poderes, a fórmula originária não se ajusta totalmente à realidade político institucional dos Estados [...] Com o advento do Executivo eleito diretamente, não mais se justificaria a supremacia do Legislativo, pois haveria a situação de opor representantes do povo contra representantes do povo. Por outro lado, a ampliação das funções do Estado e a exigência contínua de adoção de medidas no âmbito econômico e social impõem atuação mais rápida, portanto, incompatível com a lentidão do processo legislativo. Daí a supremacia real do Executivo em todos os países na atualidade; o Executivo passou a ter atividade legislativa intensa, inclusive por atribuição constitucional do poder legislativo, como é o caso das

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ser interpretado na atualidade de forma menos rígida devido a dois fatores, quais sejam

o fortalecimento do Executivo com o advento das eleições diretas, fato que não mais

justifica a supremacia do Legislativo e também em razão das mudanças econômicas e

sociais que demandam soluções urgentes, incompatíveis com a morosidade do processo

legislativo.

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello275 tem posição diferenciada na doutrina e

refere-se ao Estado-Poder calcado sobre uma Constituição que tem por objetivo

propiciar o bem comum aos indivíduos que integram o Estado-sociedade. Para a

consecução de sua meta o Estado-poder elabora a legislação de modo a estruturar os

órgãos do Poder em suas relações com o povo. Afirma ainda o autor276 serem apenas

duas as funções típicas do Estado: a administrativa ou política, que integra a ordem

jurídica e a jurisdicional que tem por finalidade a aplicação da norma.

Ante os posicionamentos doutrinários estudados conclui-se que o princípio da

separação dos poderes constitui-se em importante instrumento de consolidação do

Estado Democrático de Direito, bem como de proteção aos direitos e garantias

individuais, todavia é inegável o fato de que o princípio em tela vem ao longo do

medidas provisórias. Além do mais, verifica-se, neste fim de século, realidade dotada de maior complexidade em relação à época de Montesquieu: muitas instituições são dificilmente enquadráveis em algum dos três clássicos poderes, como é o caso do Ministério Público e dos Tribunais de Contas.” (MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. 11 ed.rev. e atual.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 27) 275 Assim define o autor sua teoria: “Constitucionalmente estruturado, cuja finalidade, a razão de ser constitui-se na realização do bem comum dos indivíduos que compõem o povo do Estado-sociedade. Então promulga essa legislação orgânica e complementar pormenorizada, supra-referida, dando estrutura aos órgãos acidentais de dado tipo de Estado e regrando o exercício dos poderes dos indivíduos nas suas relações sociais recíprocas, ou deles com o Estado-poder, e vice-versa. [...] Igualmente, estabelece normas jurídicas sobre a conduta do Estado-poder, segundo a programática constitucional [...] Afinal, estabelece normas jurídicas referentes às suas relações na sociedade internacional.”(MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais de Direito Administrativo. v. I: Introdução. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 30-31) 276 Declara o autor: “Portanto, o Estado-poder age por meio de duas faculdades fundamentais, que correspondem a duas funções típicas: a administrativa e jurisdicional [...] Concluindo, é de se reconhecer que o Poder Público uno se vale de duas faculdades distintas, ou, se se quiser, para empregar expressão tradicional, se exterioriza através de dois poderes fundamentais: o político, de e integração da ordem jurídica, mediante seu estabelecimento e sua atuação; e o jurídico, de reintegração dessa ordem jurídica, mediante seu asseguramento e a fixação de um sentido normativo dela. Substituiu-se, assim, a concepção trina por uma dual dos poderes básicos do Estado.” Pormenoriza as atribuições de cada uma das funções do Estado: “Na administrativa, o objeto da ação, tanto legislativa como executiva, é a utilidade pública a ser alcançada mediante a promulgação de normas jurídicas e execução de atos jurídicos concretos, com fundamento naquelas, e as atividades materiais complementares, que constituem formas de sua realização efetiva em cada caso. Assim, o direito constitui mero instrumento de efetivação da utilidade pública, processo empregado pelo Estado-poder para atingi-la.[...] Na jurisdicional o objeto é o próprio direito, a resolução de controvérsia ou contestação jurídica, para manter a ordem jurídica normativa vigente, declarando ou decretando em definitivo o direito das partes e determinando seu respeito.” (MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais de Direito Administrativo. v. I: Introdução. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.51-52)

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tempo sofrendo transformações em decorrência das mudanças ocorridas nos Estados

modernos.

4.5 Princípio da segurança jurídica

Cabe, inicialmente, esclarecer que o princípio da segurança jurídica não se

encontra expresso em um determinado preceito constitucional, mas da mesma forma

que os princípios já analisados é ínsito ao Estado de Direito.

A segurança jurídica deve ser entendida como previsibilidade, não-surpresa e

ainda certeza. Deve-se, no Estado de Direito, considerar o binômio certeza-segurança.

Para Giovani Bigolin277 é sobre o Estado de Direito previsto no artigo 1º da

Constituição Federal278 que repousa o princípio da segurança jurídica, que pode ser

encontrado nas entrelinhas de diversas disposições constitucionais, especialmente

naquelas que concernem aos direitos e garantias individuais.

Ao tratar do princípio da segurança jurídica Celso Antonio Bandeira de Mello279

enfatiza que o mesmo não é característico do Direito Administrativo, mas um dos

maiores princípios gerais de direito. Consiste em afastar alterações bruscas que tragam

insegurança e instabilidade aos administrados. Cita como exemplos típicos de institutos

que têm como alicerce a segurança jurídica a prescrição e o direito adquirido.

277 Afirma o autor: “A base constitucional do princípio da segurança jurídica está precisamente lançada em nosso assento constitucional nos enunciados que invocam o princípio do Estado de Direito, em especial o art. 1º da Carta magna Brasileira [...] O valor “segurança” já expressamente mencionado no caput do art. 5º, 130 contudo, como já exposto alhures, o valor “segurança” não pode ser confundido com o “princípio da segurança jurídica”, o qual se entremeia pelo texto constitucional de modo a não estar expresso em nenhum dispositivo específico, derivado do princípio do Estado de Direito. Com efeito, não se tem notícia de que algum ordenamento contenha regra explícita prevendo o “princípio da segurança jurídica” [...] O princípio da segurança jurídica é, pois, um princípio implícito do nosso sistema jurídico, decorrente do Estado de Direito, podendo ser extraído de diversos dispositivos constitucionais, especialmente a partir dos direitos e garantias individuais.”(BIGOLIN, Giovani. Segurança jurídica: a estabilização do ato administrativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 75-76) 278 CF Art. 1º “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]”(BRASIL. Coletânea de legislação ambiental, Constituição Federal. Org. Odete Medauar. 8 ed., rev. ampl.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 21) 279 Declara o autor: “Finalmente, cumpre fazer menção a um princípio comum a todo e qualquer sistema jurídico e que, obviamente, não é específico do Direito Administrativo, mas nele possui notável relevo, a saber: o princípio da segurança jurídica, o qual, se acaso não é o maior de todos os princípios gerais de direito, como acreditamos que efetivamente o seja, por certo é um dos maiores dentre eles. Por força do sobredito princípio cuida-se de evitar alterações surpreendentes que instabilizem a situação dos administrados e de minorar os efeitos traumáticos que resultem de novas disposições jurídicas que alcançariam situações em curso. A prescrição, o direito adquirido, são exemplos de institutos prestigiadores da segurança jurídica. (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 23 ed., rev. e atual. Malheiros: São Paulo, 2007. p.83-84)

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Afirma José Fábio Rodrigues Maciel280 que: “[...] a real segurança jurídica não é

alcançada simplesmente quando a sociedade tem certeza sobre a decisão que será tomada, e sim

com a existência da não-surpresa sobre as decisões prolatadas”.

Nas palavras de Luis Roberto Barroso281, a segurança é gênero, do qual a

espécie segurança jurídica se constitui numa das bases da justiça e do bem-estar da

sociedade e pode ser entendido como um “[...] conjunto de conceitos, princípios e regras

decorrentes do Estado democrático de direito [...]”.

Pode-se afirmar, assim, que no Direito posto encontra-se o alicerce da segurança

jurídica282, que se concretiza por meio dos princípios e também das normas positivadas,

as quais indicam direitos e deveres das pessoas.

Com relação ao aspecto da legalidade e constitucionalidade das resoluções do

CONAMA a doutrina, a respeito, encontra-se dividida. Parte dela entende que ao

extrapolar suas atribuições o órgão colegiado estaria incidindo em ilegalidade, pois não

tem respaldo em lei para criar obrigações ou impor sanções, não possui competência

legislativa, mas apenas normativa, ou seja, o artigo 8º da Lei n. 6.938 de 31 de agosto de

280 MACIEL. José Fabio Rodrigues. Teoria geral do direito: segurança, valor, hermenêutica, princípios, sistema. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 43. 281 Com as seguintes palavras manifesta-se o autor acerca do princípio da segurança jurídica: “[...] como um dos fundamentos do Estado e do Direito, ao lado da justiça e, mais recentemente do bem-estar social. [...] Consagrada no art. 2º da Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, de 1789, como um direito natural e imprescindível, a segurança encontra-se positivada como um direito individual na Constituição brasileira de 1988, ao lado dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade, na dicção do caput do art. 5º [...] No seu desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial, a expressão segurança jurídica passou a designar um conjunto abrangente de idéias e conteúdos, que incluem: 1. a existência de instituições estatais dotadas de poder e garantias, assim como sujeitas s princípio da legalidade; 2. a confiança nos atos do Poder Público, que deverão reger-se pela boa-fé e razoabilidade; 3. a estabilidade das relações jurídicas, manifestada na durabilidade das normas, na anterioridade das leis em relação aos fatos sobre os quais incidem e na conservação de direitos em face da lei nova; 4. a previsibilidade dos comportamentos, tanto os que devem ser seguidos como os que devem ser suportados; 5. a igualdade na lei e perante a lei, inclusive com soluções isonômicas para situações idênticas ou próximas.Um conjunto de conceitos, princípios e regras decorrentes do Estado democrático de direito procura promover a segurança jurídica.”. (BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional, tomo III. Rio de Janeiro:Renovar, 2005. p. 132-133) 282 Digno de menção, ainda que a título ilustrativo, o princípio da “proteção da confiança” ou da “confiança legítima”, relatado por Odete Medauar como um “desdobramento” do princípio da segurança jurídica e que já se incorporou aos ordenamentos holandês e alemão, estando em vias de incorporação à jurisprudência da Corte de Justiça da Comunidade Européia. Segundo a autora tal princípio “[...] diz respeito à continuidade das leis, à confiança dos indivíduos na subsistência das normas .Isso não protege os cidadãos genericamente de toda alteração legal, pois cada situação terá a peculiaridade para detectar ou não a confiança suscitada. Apresenta-se mais ampla que a preservação dos direitos adquiridos, porque abrane direitos que não são ainda adquiridos, mas se encontram em vias de constituição ou suscetíveis de se constituir; também se refere à realização de promessas ou compromissos da Administração que geraram,no cidadão, esperanças fundadas; visa, ainda, a proteger os particulares contra alterações normativas que, mesmo legais, são de tal modo abruptas ou radicais que suas conseqüências revelam-se chocantes.” (MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 246-247)

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1981 apenas e tão somente atribui ao CONAMA competência para praticar atos

administrativos normativos sob a forma de resoluções de conteúdo técnico.

De outro lado, sustenta-se que os excessos cometidos em algumas das

resoluções do CONAMA as tornam inconstitucionais à medida que violam princípios

inseridos no Texto Constitucional, como o princípio da legalidade, o princípio da

reserva legal, o princípio da separação dos poderes e o princípio da segurança jurídica,

já mencionados.

Qualquer que seja o entendimento adotado o fato é que ilegais, ou

inconstitucionais, algumas resoluções editadas pelo CONAMA têm avançado em muito

a competência atribuída legalmente àquele órgão. Tal fato prejudica o objetivo, a razão

de ser das resoluções (a defesa do meio ambiente), enfraquecendo-as, vez que sujeitas a

toda ordem de questionamentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depreende-se deste estudo que as resoluções do CONAMA – Conselho

Nacional do Meio Ambiente necessitam de exame quanto à questão da legalidade e

constitucionalidade das mesmas.

De fato o CONAMA, reiteradamente, tem extrapolado suas atribuições, de modo

a suscitar questionamentos tanto na esfera administrativa quanto na judicial.

Considerando os princípios que regem o Estado Democrático de Direito,

inaceitável o posicionamento de órgão colegiado que ao criar resoluções inova o

ordenamento jurídico impondo obrigações e sanções por meio de ato administrativo.

Por outro lado, não há regulamentação do preceito constitucional previsto no artigo 23,

parágrafo único da Constituição Federal de 1988. A falta da regulamentação

constitucional divide o entendimento dos doutrinadores brasileiros quanto à matéria.

Parte da doutrina entende que o mencionado dispositivo não carece de qualquer

regulamentação para que tenha aplicação imediata e eficácia plena, e isto porque a

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proteção do ambiente ecologicamente equilibrado de modo a assegurar uma sadia

qualidade de vida constitui-se em direito fundamental, portanto de aplicação imediata.

De outro lado, doutrinadores sustentam que a regulamentação se faz necessária,

pois determinaria a maneira de realizar a cooperação e eliminaria conflitos de

competência, além de prover as ações dos governos para a consecução do objetivo

maior que é a proteção ao ambiente e o combate à poluição.

A norma reguladora em questão não deverá prever detalhes técnicos, que

poderão ser disciplinados pelas resoluções do CONAMA. Ao contrário, ater-se-á a

aspectos gerais e estabelecerá diretrizes para possibilitar a execução, coordenação e

planejamento das ações conjuntas, pois será impossível disciplinar pormenorizadamente

assuntos tão díspares como os elencados nos incisos do artigo 23 da Constituição

Federal.

Os consórcios entre os entes públicos têm sido largamente utilizados como meio

de implementar o cooperativismo, mas tal prática é alvo de críticas em face da

alegação segundo a qual tem havido sobreposição dos interesses dos entes federados.

De qualquer forma, não cabe questionamento quanto à aplicação imediata da

norma, mas sim como efetivar e concretizar o direito fundamental nela assegurado,

tarefa no mais das vezes bastante difícil no caso concreto.

Como já afirmado, a discussão no que tange à eficácia e aplicabilidade da norma

constitucional e sua regulamentação não pode dar ensejo a que o CONAMA, órgão

pertencente ao Poder Executivo passe a “legislar” criando resoluções em afronta a

princípios constitucionais e legais, vez que as competências do CONAMA estão

explicitadas na Lei n. 6.938/81, que o criou. Na condição de órgão pertencente à

Administração Pública o CONAMA pode agir apenas e tão somente dentro dos limites

da lei.

Ainda que haja posicionamentos cada vez mais tolerantes com a crescente

legiferação do Poder Executivo, tal entendimento não pode ser aceito. E isto porque,

ainda que a cada um dos Poderes seja dado atuar fora de suas atribuições primordiais

para dirimir questões internas, a atuação de “legislar” no caso do Poder Executivo não

se constitui na sua atividade típica e precípua, que é a administrativa. No que refere à

criação de normas por parte do Poder Executivo, de se aceitar apenas aquelas

expressamente previstas na Constituição Federal.

Por oportuno, registre-se comentário comparativo quanto à origem das

resoluções e das leis.

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As resoluções são criadas e votadas em câmaras técnicas do CONAMA em

reuniões das quais participam membros que absolutamente não representam o povo, não

têm legitimidade, e nem precisam tê-la, para tratar de assuntos de ordem técnica.

Já, as leis oriundas do Poder Legislativo são criadas, apreciadas e votadas por

legítimos representantes do povo, em sessões públicas e abertas. Não parecem ser

necessários maiores argumentos para estabelecer as diferenças gritantes, bem como para

se concluir pela ilegalidade e inconstitucionalidade daquelas resoluções do CONAMA,

que em flagrante abuso às suas atribuições legais criam obrigações, condutas típicas e

até mesmo impõem sanções.

Feitas estas considerações, não há como não reconhecer que o CONAMA, ao se

exceder em suas atribuições tem sistematicamente violado os seguintes princípios

constitucionais: da legalidade ante o flagrante desrespeito ao que dispõe a Lei n.

6.938/81 quanto às suas competências; da reserva legal ao tratar de matérias que devem

ser disciplinadas por lei; da separação de poderes por invadir esfera de atuação do Poder

Legislativo e da segurança jurídica ante a falta de previsibilidade quanto ao conteúdo

das resoluções, que por serem atos administrativos podem ser extintos ou modificados a

qualquer tempo.

De nada adiantam as críticas sem que se aponte ao menos uma direção. Assim,

ante a vasta e avançada legislação ambiental existente, propõe-se como solução a

aplicação da mesma, de forma efetiva e sistemática (complementada pelas resoluções

técnicas do CONAMA), implementado-se o cooperativismo entre os entes públicos

com troca de informações e colaboração recíprocas, de modo a prevalecer, antes de

interesses outros o interesse maior da proteção do ambiente e do combate à poluição em

todas as suas formas.

REFERÊNCIAS

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