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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA SETOR DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS
___________________________________________________________________________ Departamento de Geociências - DEGEO ([email protected])
Av. Gen. Carlos Cavalcanti, 4748 - Uvaranas CEP: 84030-900 - Ponta Grossa - Paraná Fone: (42) 3220-3046 / FAX: (42) 3220-3042
Comissão de Análise de Projetos do Departamento de Geociências
1. Dados gerais
Nº do processo: ofício nº 092/2016 - CCJ/ALEP
Interessado: Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do Estado do
Paraná (CCJ/ALEP)
Assunto: solicitação de manifestação do Departamento de Geociências da Universidade
Estadual de Ponta Grossa, em sete dias, sobre o Projeto de Lei nº 527/2016
2. Descrição
Trata-se de um ofício encaminhado pelo presidente da Comissão de Constituição e
Justiça da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, deputado Nelson Justus, datado de 06 de
dezembro do corrente ano, para que o DEGEO/UEPG se manifeste, caso assim o deseje e em um
prazo de sete dias, a respeito do Projeto de Lei 527/2016.
O referido projeto de lei, de autoria dos deputados Plauto Miró Guimarães Filho,
Ademar Luiz Traiano e Luiz Claudio Romanelli, possui seis artigos e um anexo, e propõe a
alteração dos limites da APA da Escarpa Devoniana, unidade de conservação de uso sustentável
situada nos Campos Gerais do Paraná. Um texto com os tópicos “justificativa”, “justificativa
técnica” e “da metodologia utilizada para a proposta do novo perímetro da Área de Proteção
Ambiental - APA da Escarpa Devoniana” acompanha o corpo principal do projeto. Já o anexo se
trata de um mapa intitulado “Classificação do Uso do Solo da Proposta APA da Escarpa
Devoniana”, elaborado pela Fundação ABC.
3. Considerações
A solicitação de manifestação em questão chegou às mãos desta comissão do DEGEO
apenas no dia 13 de dezembro. É sabido que esta matéria seria levada a apreciação pela
CCJ/ALEP no mesmo dia 13 (ver item 08, página 3, em
http://www.alep.pr.gov.br/arquivos/pautaccj/511), inclusive tendo sido votada mesmo sem o
retorno das diligências indicadas (de acordo com o deputado Péricles Holleben de Mello, além
do DEGEO/UEPG, foram também solicitadas manifestações do Ministério Público Estadual, da
Coordenação do Patrimônio Cultural da Secretaria de Estado da Cultura e do Instituto Ambiental
do Paraná). A CCJ/ALEP deu seu parecer favorável à continuidade do trâmite do projeto de lei,
com os votos contrários dos deputados Péricles de Mello e Nereu Moura
(http://www.alep.pr.gov.br/arquivos/pautaccj/512).
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Esta comissão do DEGEO entende que não houve tempo hábil para preparar suas
considerações sobre o projeto de lei e assim constituir um parecer fundamentado sobre o seu
teor e que pudesse atender à solicitação no prazo estipulado pela CCJ/ALEP.
Apesar disso e levando em conta que este projeto ainda percorrerá outras comissões na
Assembleia Legislativa a partir de fevereiro de 2017, inclusive podendo chegar a ser votado em
plenário, a comissão do DEGEO entende ser seu papel científico e cívico trazer as considerações
a seguir, culminando em um parecer sobre o projeto de lei.
Com o intuito de auxiliar aqueles que porventura não conheçam plenamente a região
abrangida pela unidade de conservação que é objeto do projeto de lei, traz-se aqui um texto
com a caracterização dos Campos Gerais e da APA da Escarpa Devoniana, além de uma avaliação
do projeto em si.
3.1 Os Campos Gerais
Uma especial conjugação de processos naturais, ao longo do tempo geológico, permitiu
que o atual território paranaense fosse brindado com uma riquíssima expressão de
geodiversidade e biodiversidade. Região litorânea, Serra do Mar, os três planaltos e duas
imponentes estruturas de relevo, que são a Escarpa Devoniana (separando o Primeiro e o
Segundo Planalto) e a Escarpa da Serra Geral (entre o Segundo e o Terceiro Planalto), todos
domínios influenciados pela natureza de diferentes tipos rochosos, e que progressivamente
moldaram as nuances de instalação e desenvolvimento do Bioma Mata Atlântica no Paraná.
Tamanha excepcionalidade não escapou da atenção da sociedade e por isso, sob a
inspiração da “Constituição Cidadã” de 1988, a Constituição do Estado do Paraná de 1989
dedicou um artigo específico à obrigação do Estado em criar unidades de conservação nestas
diferentes regiões (art. 20 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).
Um amplo setor do Segundo Planalto Paranaense, os Campos Gerais do Paraná, sempre
chamou a atenção pela singularidade, importância ambiental e beleza de sua paisagem,
conjugando aspectos de seu relevo contrastante e uma hidrografia peculiar, junto com flora e
fauna características. Esta região fitogeográfica, nas palavras do grande naturalista Reinhard
Maack, seria constituída por campos limpos e campos cerrados naturais e estaria limitada a leste
pela borda do Segundo Planalto (Figura 1).
Um espetacular patrimônio natural, com rios de águas cristalinas em lajeados,
cachoeiras imponentes, mananciais de águas superficiais e subterrâneas, capões com
araucárias, remanescentes de campos e cerrado, canyons e despenhadeiros, furnas e cavernas,
além de animais como o lobo-guará, suçuarana, tamanduá-bandeira, seriema, gralha-azul,
soma-se a um patrimônio cultural que engloba sítios arqueológicos de diferentes tradições
indígenas ao registro da rota dos tropeiros e, mais recentemente, à instalação de colônias de
imigrantes europeus. Elementos que, entrelaçados, criam uma paisagem única no Brasil, cuja
importância é reconhecida pelo Ministério do Meio Ambiente, que coloca a região como
prioritária para conservação na agenda de proteção da biodiversidade brasileira (MMA 2002,
disponível em http://www.mma.gov.br/estruturas/chm/_arquivos/Bio5.pdf).
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Figura 1: localização dos Campos Gerais do Paraná (modificado de Melo et al., 2007).
3.2 A APA da Escarpa Devoniana
A região dos Campos Gerais, de modo similar ao que ocorreu em outros setores do
Paraná, passou (e está passando) por um profundo processo de alteração de suas características
originais. A supressão da cobertura vegetal (campos, cerrado, florestas) ligada à substituição por
variedades exóticas dos setores agrícola e do florestamento industrial, o represamento ou
drenagem de corpos d’água, a diminuição de populações de representantes da flora e fauna
com consequente inviabilidade genética das espécies, a agricultura intensiva e o uso de
queimadas com seus reflexos no ciclo hidrológico, são algumas destas modificações.
Atendendo o dispositivo constitucional já mencionado e, assim, buscando garantir às
gerações futuras sistemas ecológicos saudáveis, em sintonia com práticas sustentáveis de
utilização dos recursos naturais da região, o governo do Paraná, através de um decreto em 1992,
criou a Área de Proteção Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana (Figura 2). Esta unidade de
conservação tem o objetivo de sua existência especificado no art. 1º do decreto: “(...) assegurar
a proteção do limite natural entre o Primeiro e o Segundo Planaltos Paranaenses, inclusive
faixa de Campos Gerais, que se constituem em ecossistema peculiar que alterna capões da
floresta de araucária, matas de galerias e afloramentos rochosos, além de locais de beleza
cênica como os “canyons” e de vestígios arqueológicos e pré-históricos”.
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Figura 2: localização da APA da Escarpa Devoniana (Fonte: Plano de Manejo da APA, 2004).
Este mesmo decreto trazia a obrigação de se estabelecer um zoneamento interno da
APA, definindo as atividades permitidas, restringidas e proibidas (figuras 3, 4 e 5). Infelizmente,
por problemas diversos, o conjunto de zonas da unidade, com as devidas caracterizações,
objetivos, proibições e recomendações, só foi publicado em 2004, quando da criação de seu
Plano de Manejo.
Figura 3: exemplos de categorias de zonas (ZPs e ZCs do zoneamento ecológico econômico) da APA da
Escarpa Devoniana, com uma breve descrição de suas características (Fonte: Plano de Manejo da APA,
2004).
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Figura 4: zoneamento ecológico-econômico da porção norte da APA da Escarpa Devoniana (Fonte: Plano
de Manejo da APA, 2004).
Figura 5: exemplo de uma zona de proteção da APA da Escarpa Devoniana (ZP2), com suas características,
objetivos, restrições e recomendações (Fonte: Plano de Manejo da APA, 2004).
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Nunca é demais lembrar que, atualmente, o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza, reunindo unidades federais, estaduais e municipais, é regido por lei
federal do ano de 2000. Nela ficou estabelecida a existência de duas categorias de unidades, ou
seja, as de proteção integral, de caráter mais restritivo como é o caso dos parques, e as de uso
sustentável, na qual se enquadram as APAs.
A opção pela implantação de uma APA para resguardar os Campos Gerais e o contexto
de transição representado pela Escarpa Devoniana, e não de um parque, provavelmente deveu-
se a uma série de fatores: a grande extensão da unidade, próxima a 400.000 ha (a maior unidade
de conservação estadual do Paraná), englobando parte dos territórios de 12 municípios (Sengés,
Jaguariaíva, Piraí do Sul, Tibagi, Castro, Carambeí, Ponta Grossa, Campo Largo, Palmeira, Porto
Amazonas, Balsa Nova e Lapa); evitar os problemas jurídicos e financeiros das desapropriações,
obrigatórias na criação de um parque; o complexo sistema de uso e ocupação das terras.
3.3 A APA e décadas de ameaças e crimes ambientais
O período compreendido desde a época de criação da APA (1992), passando pela
publicação do Plano de Manejo e seu zoneamento ecológico econômico (2004), chegando à
instituição de seu Conselho Gestor (2013) foi marcado por intensas pressões de setores da
sociedade pouco afetos à relevância de temas ambientais e do bem-estar e direitos públicos.
Em outras palavras, pessoas, grupos, entidades e empresas desprovidos de compromisso com a
filosofia de justiça social, econômica e ambiental, inerente ao artigo da Constituição Federal que
garante a todos o acesso a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Este quadro levou a frequentes violações dos apontamentos do Plano de Manejo, numa
clara afronta a diversos dispositivos legais, em especial a Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal
9.605/1998). Infelizmente estas atividades criminosas foram precariamente monitoradas,
coibidas e mitigadas por parte do poder público, comprometendo seriamente a integridade dos
processos naturais operantes na área da APA.
3.4 Tombamento da Escarpa Devoniana
Tendo em vista a situação preocupante acima descrita, um grupo de professores da
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) encaminhou à Secretaria de Estado da Cultura
do Paraná (SEEC), em junho de 2012, um pedido de abertura de processo de tombamento,
amparado na Lei Estadual 1.211/1953. O objetivo maior da solicitação está atrelado à
conservação do patrimônio natural e cultural dos Campos Gerais, focando-se em setores
específicos das paisagens de campos naturais e ecossistemas associados à Escarpa Devoniana
do Paraná.
A Coordenação do Patrimônio Cultural (CPC) da SEEC abriu o processo de tombamento
da “Escarpa Devoniana do Paraná” (nº 08/2012) e, com base na instrução técnica de um grupo
de trabalho formalmente constituído, o Conselho Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico
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do Paraná (CEPHA) acolheu este processo em 20 de agosto de 2014 (documentos em
http://www.patrimoniocultural.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=351).
É importante ressaltar que o processo de tombamento da Escarpa Devoniana já foi
iniciado e que o mesmo não engloba o mesmo recorte da APA da Escarpa Devoniana (Figura 6).
3.5 Ações contrárias à proteção dos Campos Gerais e da Escarpa Devoniana
Os mesmos setores de parte da sociedade anteriormente citados, donos de uma
percepção de mundo socialmente excludente, centrada em um utilitarismo econômico
predatório e atrelada a uma miopia ambiental e cultural, levantaram forte oposição aos
movimentos em prol da proteção do patrimônio natural e cultural dos Campos Gerais e da
Escarpa Devoniana (e também de outros contextos preciosos no estado), intensificando suas
ações nos últimos anos.
Estes setores centrados no utilitarismo econômico não enxergam os inúmeros serviços
ambientais prestados pelas áreas protegidas, alguns essenciais para a preservação da
produtividade dos empreendimentos rurais: equilíbrio no ciclo hidrológico, nos mananciais e no
clima, equilíbrio na comunidade biológica incluindo o controle natural de pragas, preservação
de agentes polinizadores, preservação do patrimônio genético com futuras aplicações em
fitoterápicos, fibras e outros produtos, e muitos outros serviços.
A partir da pressão de entidades de classe empresariais, o governo estadual publicou
recentemente o Decreto 2445/2015, o qual restringe fortemente as ações da CPC/SEEC em
futuros processos de tombamento, que passaram a necessitar da anuência do governador para
serem abertos. Além disso, por determinação da Casa Civil em abril de 2016, foram suspensas
as reuniões do grupo de trabalho dedicado à definição do perímetro da área de tombamento da
Escarpa Devoniana.
O mais recente ataque ao patrimônio da sociedade paranaense e brasileira presente nos
Campos Gerais veio na forma do Projeto de Lei 527/2016, apresentado à Assembleia Legislativa
em novembro deste ano, prevendo a alteração dos limites da APA da Escarpa Devoniana,
reduzindo-a para aproximadamente 32% de sua dimensão original.
3.6 O Projeto de Lei 527/2016
O texto deste projeto espelha, de forma cristalina, uma total incompreensão do
significado de uma unidade de conservação de uso sustentável e, em particular, da APA da
Escarpa Devoniana. Nas justificativas os autores consideram “que o objetivo da APA é a
proteção da Escarpa Devoniana”, compreendendo assim “não haver justificativa técnica e
legal para que o perímetro da APA em questão ultrapasse expressivamente a própria Escarpa,
objeto da proteção”.
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Figura 6: perímetros da APA da Escarpa Devoniana e da área proposta para tombamento (ainda em fase
de ajustes pelo grupo de trabalho) (Créditos: A. Santanna, 2016).
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Entretanto, como se verifica rapidamente na leitura do art. 1º do decreto de criação da
unidade, o objetivo da APA não é exclusivamente proteger a crista da Escarpa Devoniana, mas
também inclui “faixa de Campos Gerais” e um conjunto de elementos naturais e culturais. Outro
ponto importante é que ao reduzir expressivamente a área da APA, removendo quase toda a
área agricultável, praticamente se desfaz a essência de uma unidade de conservação de uso
sustentável. O que, na hipótese de aprovação do projeto, levaria à modificação do
enquadramento da unidade, passando para a categoria de proteção integral, como seria o caso
de um parque estadual. Estariam os autores interessados em um amplo processo de
desapropriações na região?
O projeto apresentado mostra desleixo e imprecisão em sua redação. Nem mesmo
houve atenção de uma descrição adequada da área abrangida. Em seu art. 2º, ao listar os
municípios em que a APA estará localizada, deixou-se de mencionar Campo Largo e Carambeí.
Também não há uma avaliação do impacto da redução de ICMS ecológico. Assumindo-se como
referência o valor destinado em 2015 ao conjunto dos municípios e sabendo-se que o mandato
das prefeituras é de 4 anos, os prefeitos da região passariam por uma drástica redução de
recursos, onde de um valor agregado de quase R$ 12, 4 milhões se chegaria a algo inferior a R$
3,5 milhões.
Nas justificativas se fala da imprecisão dos limites da APA como um aspecto causador
de dificuldades na gestão da unidade e que sua criação teria se baseado em tecnologia pouco
avançada da época. Apontam a ausência de um memorial descritivo fundamentado em técnicas
de medição modernas e realizado por equipe especializada. Realçam também que o Plano de
Manejo recomenda a revisão destes limites com objetivo de retirar as áreas agricultáveis de seu
perímetro.
É óbvio que todo gestor deve buscar o máximo de precisão e acurácia na delimitação
daquilo que estiver sob sua responsabilidade. Mas não é verdade que o posicionamento exato
dos vértices do perímetro da APA, com marcos físicos ou não, seja motivo para alterar a essência
do objetivo primordial da existência da unidade de conservação ou mesmo as bases de seu
zoneamento ecológico econômico.
O avanço tecnológico é uma realidade que tem contribuído imensamente para questões
de ordem fundiária. Cada geração de equipes de técnicos especializados, seja dos anos de 1990
ou dos de 2010 tem trabalhado com afinco e compromisso com suas responsabilidades, sendo
limitados pelos recursos disponíveis. Assim, o Decreto 1.231/1992 possui um memorial
descritivo compatível à sua realidade e o de locação de quaisquer outras propriedades de sua
época.
Atento às necessidades de atualização fidedigna do perímetro da APA, além de rebater
argumentos vazios e oportunistas para a desafetação dos limites da unidade, o Estado do
Paraná, a partir dos trabalhos dos técnicos especializados do Instituto de Terras, Cartografia e
Geociências (ITCG) e o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), apresentou em 2014 uma versão da
nova base cartográfica da unidade. Este fato não pode ser desconhecido pelos autores do
Projeto de Lei 527/2016, especialmente por serem estes deputados integrantes da base de
apoio do governo estadual que divulgou esta atualização
(http://www.aen.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=81289).
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O Plano de Manejo de 2004 efetivamente sugere a revisão dos limites da APA. O que
deixa de ser mencionado é que isto se dá para setores bem específicos, com clara indicação dos
argumentos para as possíveis alterações. E o principal é que existem tanto propostas de
remoção de alguns trechos como de ampliação da APA da Escarpa Devoniana, basicamente pela
necessidade de garantir a conservação de setores de alto valor ecológico.
Mas há um aspecto fundamental que sustenta o caráter nocivo deste projeto de lei. Ao
final da exposição dos motivos para sua proposição os autores alegam que o mesmo seria
necessário, conveniente e oportuno. A quais setores da sociedade ele interessa? A proposta não
emergiu de uma discussão ampla e democrática e que tivesse sido conduzida e avalizada pelo
Conselho Gestor da APA.
O projeto de lei, em seu art. 2º, traz um memorial descritivo com base em uma carta
topográfica editada pela Fundação ABC, entidade mantida pelo setor do agronegócio. Há aqui
uma inconsistência formal, pois o documento legal deveria enquadrar o novo perímetro com
base em documentos oficiais, ou seja, cartas topográficas editadas pelo IBGE ou a Diretoria de
Serviço Geográfico do Exército. Porém, sem entrar no mérito da qualidade técnica dos
responsáveis pela elaboração deste memorial e desconsiderando imprecisões de nomenclatura
ocasionais, é claro que esta entidade não pode ser vista como isenta de interesses.
No texto cita-se que além de “proteger” a APA da Escarpa Devoniana o projeto trará
“aos produtores rurais que estão inseridos dentro da atual APA, a segurança jurídica para
produzir sem implicar nas restrições atribuídas às unidades de conservação”. Mais uma vez
demonstra-se incompreensão ou desprezo pelo significado de uma unidade de conservação de
uso sustentável. Mas também uma velada proposta de anistia a crimes ambientais. Inclusive
uma forma bastante saudável de aproveitar o trabalho da Fundação ABC, que também realizou
um mapeamento de classes de uso na área da APA (anexo 1 do Projeto de Lei 527/2016), seria
utilizá-lo para a identificação e enquadramento dos diferentes setores em desacordo com o
zoneamento ecológico econômico (por ex., supressão da vegetação original e substituição para
plantio de monoculturas agrícolas ou para as indústrias de madeira e celulose), portanto onde
se tem a execução de atividades criminosas.
3.7 Campos Gerais do Paraná: haverá futuro para este patrimônio natural/cultural?
Como apontado anteriormente, o estado do Paraná mesmo não sendo uma das maiores
unidades federativas possui um território com grande diversidade natural. A esta variedade
biótica e abiótica a sociedade decidiu ser fundamental dedicar um conjunto de artifícios legais
de proteção e promoção que, mais do que ser entendido como um sinônimo de grandes amarras
limitadoras e punitivas, presta-se a zelar pela integridade e perenidade de um magnífico bem
coletivo, representado pelo patrimônio natural e cultural, e pelos serviços ambientais e sociais
decorrentes. Deveria ser tratado como algo do que se orgulhar e não para se temer ou sabotar.
O momento atual de grave crise econômica e de valores ético-morais traz o risco de
decisões precipitadas. Em busca de cifras e maior número de postos de trabalho, ou mesmo ao
se identificarem “grandes oportunidades de negócios”, fecham-se os olhos para tradições
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seculares, para a história coletiva de grupos minoritários e cuidados de ordem ambiental. Por
exemplo, flexibilizar a política de permissão de empreendimentos potencialmente poluidores
na área de recarga do aquífero Furnas, dentro da APA da Escarpa Devoniana, é uma decisão
hedionda, com consequências provavelmente irreversíveis em médio e longo prazo.
Os moradores de Rio Negro a Sengés, passando por Ponta Grossa, Tibagi e outros
municípios identificam-se como pertencentes a uma região distinta de outras no estado. Mas
até quando existirão paisagens com campos naturais que justifiquem esta identificação? Apenas
em áreas de proteção integral, como nos parques estaduais de Vila Velha ou do Guartelá, em
que as pessoas não vivem dentro de seus limites?
Será uma amarga e triste ironia se, num intervalo de tempo não muito longo, a região
que encantou naturalistas, poetas e seus habitantes vier a não mais possuir motivos concretos
para ser chamada de Campos Gerais do Paraná, prendendo-se apenas a registros históricos e da
memória coletiva, gradativamente migrando para o domínio de lendas e folclores regionais. Será
um triste futuro se, pela carência dos serviços ambientais prestados pelas unidades de
conservação, a erosão, a seca, o empobrecimento e desertificação do solo, as pragas agrícolas e
a escassez de polinizadores reduzirem áreas produtivas a terras depauperadas.
4. Parecer
Diante das considerações acima realizadas, a Comissão de Análise de Projetos entende
que o Projeto de Lei 527/2016: afronta um artigo específico da Constituição Estadual; é
antidemocrático, ao desconsiderar o Conselho Gestor da APA da Escarpa Devoniana em sua
concepção; representa um retrocesso ambiental e cultural, estando desconectado dos
interesses coletivos da sociedade paranaense; representa uma ameaça aos serviços ambientais
prestados pela APA, gerando riscos tanto de comprometimento da biodiversidade e
geodiversidade quanto de redução da produtividade das terras da região.
Entendendo que o Projeto de Lei 527/2016 é desnecessário, inconveniente e
inoportuno, além de mal redigido, a comissão é de PARECER CONTRÁRIO à continuidade de sua
tramitação na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná. Assim, sugere-se ao DEGEO/UEPG o
encaminhamento de resposta ao Ofício nº 092/2016 – CCJ/ALEP com este posicionamento.
Gilson Burigo Guimarães (Presidente) _____________________________________________
Mário Sérgio de Melo (membro) _____________________________________________
Antonio Liccardo (membro) _____________________________________________
Ponta Grossa, 21 de dezembro de 2016.