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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS MESTRADO ACADÊMICO EM SOCIOLOGIA LUANDA ARARIPE LUSTOSA DA COSTA AS TECNOLOGIAS DIGITAIS EM PRÁTICAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM – CULTIVANDO NATIVOS DIGITAIS NA ESCOLA PÚBLICA DO SÉCULO XXI FORTALEZA - CEARÁ 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

MESTRADO ACADÊMICO EM SOCIOLOGIA

LUANDA ARARIPE LUSTOSA DA COSTA

AS TECNOLOGIAS DIGITAIS EM PRÁTICAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM –

CULTIVANDO NATIVOS DIGITAIS NA ESCOLA PÚBLICA DO SÉCULO XXI

FORTALEZA - CEARÁ

2016

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LUANDA ARARIPE LUSTOSA DA COSTA

AS TECNOLOGIAS DIGITAIS EM PRÁTICAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM –

CULTIVANDO NATIVOS DIGITAIS NA ESCOLA PÚBLICA DO SÉCULO XXI

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Sociologia do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Sociologia. Área de Concentração: Políticas Públicas e Sociedade. Orientadora: Profª. Dra Kadma Marques Rodrigues

FORTALEZA – CEARÁ

2016

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Para Lucas, que sempre me inspira a ser

melhor.

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AGRADECIMENTOS

Chegar a este momento, depois de todas as angústias e alegrias do percurso, me traz uma

certeza, sozinha eu não estaria aqui. Ser grato é sinal de boa educação, é preciso reconhecer o

que os outros fazem por nós. É com o coração cheio de gratidão que agradeço:

A Deus, que faz o impossível tornar-se possível e que me socorre todas às vezes cheio de

amor, mesmo sabendo que sou filha ingrata.

A UECE, essa instituição que me acompanha desde a graduação e que muito me orgulha.

A FUNCAP, que financiou essa travessia através da bolsa FIT (Fundo de Inovação

Tecnológica), sendo bem mais fácil superar as dificuldades com essa ajuda de custo.

A minha orientadora querida, professora Kadma, que com seu jeito manso e gentil, me

tranquiliza e faz tudo dá certo. Obrigada pela atenção, pelos aprendizados, pela conversa boa

e por essa convivência sadia.

Aos membros da banca, Professor Silas de Paula e Professor Sérgio Sobreira de Araújo que

disponibilizaram tempo e atenção, colocando-se dispostos a participar deste momento. Além

da professora Rosemary, que não pôde participar da defesa, mas que muito contribuiu no

momento da qualificação.

A professora Germana Aline Rocha Matias, professora da disciplina TIC em uma das escolas

pesquisadas, que demonstrou interesse e satisfação em participar deste momento.

A Escola de Ensino Fundamental e Médio Dr. César Calls, em nome do Professor Wilson,

que se dispôs a colaborar com este trabalho e onde encontrei as portas sempre abertas.

A Escola de Ensino Médio Governador Adauto Bezerra, em nome do diretor Otacílio, me

permitindo trabalhar com calma e me deixando passar tardes e tardes sem se incomodar com a

minha presença.

A Cristina, secretária do mestrado, sempre gentil e disposta a ajudar.

Aos professores do MAPPS, pelo crescimento que me proporcionaram nas disciplinas e pela

convivência feliz.

Ao meu pai querido, que me “tange” nos caminhos acadêmicos, meu maior crítico e

incentivador. Mal finda uma etapa e ele já estar por me cobrar à próxima. A pergunta da vez é

a mesma pergunta da minha orientadora: e o doutorado?

A minha mãe, a quem tudo devo, por me inspirar com sua tranqüilidade, otimismo e alegria

de viver.

Ao meu companheiro de todas as horas, com quem divido alegrias, tristezas, o pão e os dias.

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Ao meu filho amado.

A minha amiga Geórgia, meu anjo da guarda na terra.

As minhas irmãs, Lílian e Taline e ao meu irmão, Maurício.

Muitíssimo obrigada!

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“A alegria não chega apenas no encontro do

achado, mas faz parte do processo da busca. E

ensinar e aprender não pode dar-se fora da

procura, fora da boniteza e da alegria”.

(Paulo Freire)

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RESUMO

Com a chegada dos adventos tecnológicos, o professor, antes único detentor da informação,

assume um diferente papel na relação educacional ao se deparar com um novo tipo de aluno,

que chega à escola trazendo consigo a imagem de um mundo que ultrapassa os limites do

núcleo familiar, do professor e da própria escola: são os chamados nativos digitais. Partindo

da realidade escolar do Século XXI, o presente trabalho tem como objetivo analisar o impacto

das TIC nas práticas pedagógicas deste ambiente educacional através dos seus diferentes

papéis: como motivadoras na aprendizagem em geral, como facilitadoras na aquisição de

novos conhecimentos e competências dos alunos, ou ainda, como uma influência positiva no

relacionamento entre aluno e professor. Transformar informação em conhecimento requer que

os sujeitos da relação ensino-aprendizagem falem a mesma linguagem, neste caso, a

linguagem das TIC. Neste estudo, muitas reflexões foram feitas, e procurou-se compreender

a maneira como os professores estão lidando com as mudanças advindas da presença dos

recursos tecnológicos na escola, a partir do seu fazer e pensar pedagógicos, assim como, da

sua aproximação com o grupo, analisando as formas e condições concretas e efetivas do

trabalho educativo nas escolas públicas estaduais de Ensino Médio do Estado do Ceará.

Palavras chave: Nativos digitais. Tecnologias da Comunicação e Informação. Escolas

públicas.

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ABSTRACT

With the technological advents, the teacher, before only informations´s holder, takes on a

different role in the educational process, when faced with a new type of students who comes

to school carrying with them the image of a world that goes beyond the boundaries of the core

family the teacher and the school : they are called digital natives. Starting from the school

reality of the twenty-first century, this study aims to analyze the impact of the Information

and Comunication Thecnology in teaching practices of this educational environment through

their different roles: as motivating learning in general and facilitate the acquisition of new

knowledge and skills of students, or, as a positive influence on the relationship between

student and teacher. Transforming information into knowledge requires that the subjects of

the teaching-learning speak the same language, in our case, the language of Information and

Comunication Thecnology. In this study, some reflections were made, and we tried to

understand how teachers are coping with the changes arising from the presence of

technological resources in the school, from its doing and thinking teaching, as well as its

approach to the group, analyzing the forms and concrete and effective conditions of

educational work in the public schools of the Ensino Médio do Estado do Ceará.

Keywords: Digital natives. Information and Comunication Thecnology. Public schools.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Laboratórios de informática entregues na zona rural e urbana do

Ceará..........................................................................................................

51

Gráfico 2 - Escolas de Ensino Médio no Estado do Ceará ( Zona rural e

Urbana)......................................................................................................

55

Gráfico 3 - Escolas de Ensino Médio com acesso à banda larga............................. 55

Gráfico 4 - Aplicativos e programas utilizados pelos professores em sala de

aula.............................................................................................................

75

Gráfico 5 - Recursos utilizados em sala de aula pelos professores.......................... 77

Gráfico 6 - Usuários de Internet no ambiente escolar.............................................. 80

Gráfico 7 - Aplicativos e programas utilizados pelos professores fora do

ambiente escolar.......................................................................................

87

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AMI Alfabetização Midiática e Informacional

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Social

CENPRA Centro de Pesquisa Renato Archer

CERTI Centros de Referência em Tecnologia

CETIC Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação

CGI Comitê Gestor de Internet

CIED Centro de Informática e Educação

CONSED Conselho Nacional de Secretários de Educação

CREDE Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação

ENEM Exame Nacional de Ensino Médio

FACTI Fundação de Apoio à Capacitação em Tecnologia da Informação

FINEP Financiadora de Estudos e Projetos

FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

LEI Laboratórios Escolares de Informática

LSI Laboratório de Sistemas Integráveis Tecnológicos

MEC Ministério da Educação

NTE Núcleos de Tecnologia Educacional

PCA Professores Coordenadores de Área

ProInfo Programa Nacional de Tecnologia Educacional

Prouni Programa Universidade para Todos

PROUCA Programa Um Computador por Aluno

SEDUC Secretaria de Estado de Educação

SEED Secretaria de Educação à Distância

SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SIMEC Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle

SPAECE Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará

TIC Tecnologias da Informação e Comunicação

UECE Universidade Estadual do Ceará

UFC Universidade Federal do Ceará

UNDIME União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................... 13

1.1 CORPUS DA PESQUISA.................................................................................... 17

1.2 ASPECTOS METODOLÓGICOS....................................................................... 22

2 ESCOLA NA ERA DO BYTE........................................................................... 24

2.1 MODERNIDADE E (PÓS) MODERNIDADE .................................................. 24

2.2 A TRANSFORMAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E

COMUNICAÇÃO (TIC)......................................................................................

26

2.2.1 O computador e a internet................................................................................. 33

3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE FOMENTO ÀS TECNOLOGIAS

DIGITAIS NA ESCOLA....................................................................................

38

3.1 O USO DAS TIC NA EDUCAÇÃO – O PAPEL DA UNESCO........................ 38

3.2 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA PROMOVER O USO DAS TIC NA

EDUCAÇÃO........................................................................................................

39

3.2.1 Programa Brasileiro de Inclusão Digital.......................................................... 44

3.2.2 Programa um Computador por aluno (PROUCA)......................................... 46

3.2.3 O PROUCA no Estado do Ceará...................................................................... 48

3.2.4 O Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo)......................... 48

3.2.5 Programa Computador Portátil para Professores ......................................... 52

3.2.6 Programa Banda Larga nas Escolas................................................................. 53

3.2.7 Programa Banda Larga nas Escolas no Ceará................................................ 54

4 UM PERCURSO EM CAMPO......................................................................... 57

4.1 A PESQUISA QUALITATIVA........................................................................... 57

4.2 INSERÇÃO NO CAMPO – A ESCOLHA DAS ESCOLAS.............................. 60

4.3 NOTAS DA PRIMEIRA VISITA À ESCOLA CÉSAR CALLS........................ 64

4.4 NOTAS DA PRIMEIRA VISITA À ESCOLA ADAUTO BEZERRA.............. 66

4.5 A ETNOGRAFIA VISUAL E O PROFESSOR DOS NATIVOS DIGITAIS..... 71

4.6 A INSERÇÃO DA DISCIPLINA TIC NA ESTRUTURA CURRICULAR....... 80

4.7 ENTREVISTANDO O PROFESSOR QUE NÃO USA AS TIC EM SALA

DE AULA.............................................................................................................

84

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 89

REFERÊNCIAS.................................................................................................. 94

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1 INTRODUÇÃO

O mundo contemporâneo, marcado pelos efeitos da “virada tecnológica”, vive sob

o signo de mudanças aceleradas e descontínuas que encurtam distâncias e temporalidades.

Segundo Santos (1986) tais processos espaço-temporais caracterizam o ritmo de vida na

chamada aldeia global. A este contexto, Jair Ferreira dos Santos (1968:8), designa como pós-

modernidade, caracterizando-o como um conjunto de

Mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950. Nasce com a arquitetura e a computação nos anos 50, toma corpo com a arte pop nos anos 60. Cresce ao entrar na filosofia, durante os anos 70, como crítica da cultura. E amadurece hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na música e no cotidiano programado pela tecnociência (ciência + tecnologia invadindo o cotidiano desde alimentos processados até microcomputadores) sem que ninguém saiba se é decadência ou renascimento cultural. (SANTOS, 1968)

Assim, em um mundo globalizado, as tecnologias aliadas ao marketing têm

estimulado o consumo em massa. Nesse contexto, a força de trabalho mobiliza-se em busca

do lazer e do prazer em “ter”, em consumir. Se por um lado, os dispositivos eletrônicos

permitem o acesso às grandes bibliotecas, a grupos de estudos, a cursos online, fazendo com

que as informações sejam “compartilhadas”, por outro, tais informações somente são

consumidas e descartadas instantânea e simultaneamente, à custa de uma invasão e sobrecarga

sem precedentes do campo existencial dos sujeitos.

Os dispositivos eletrônicos permitem o acesso às grandes bibliotecas, a grupos de

estudos, a cursos online, fazendo com que as informações sejam “compartilhadas”. Por outro

lado, tais informações somente são consumidas e descartadas instantânea e simultaneamente,

à custa de uma invasão sem precedentes do campo existencial dos sujeitos. A comunicação

viabiliza “presenças” mesmo a quilômetros de distância, por meio de equipamentos, como

telefones celulares, tablets, notebooks, videoconferências, etc. Neste contexto, interatividade é

o neologismo usado para designar a relação homem-máquina, ou mais precisamente, um

programa que a máquina opera, possibilitando interação com o usuário. (Sodré, 2002).

Raphael Lucchesi, economista e diretor do Serviço Nacional de Aprendizagem

Industrial (SENAI), costuma afirmar que “temos uma escola do século XIX, com professores

do século XX e alunos do século XXI”. Esta afirmação faz todo sentido no contexto desse

trabalho. A escola do século XIX se caracteriza como uma organização na qual o estudante

ingressa e cumpre gradativamente a estrutura curricular, seguindo a premissa que o

conhecimento é finito e determinado. Ao final do percurso escolar, a escola legitima

socialmente o ex-discente como um sujeito apto a ingressar no mercado de trabalho. Desse

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modo, o ensino é centrado no professor, persistem cursos iguais para todos, com apresentação

unilateral do conteúdo.

O professor do século XX é o que Marc Prensky chama de imigrante digital, em

seu artigo “Digital Natives, Digital Immigrants”, de 2001. Os imigrantes digitais, quando

nasceram, não foram socializados imediatamente com as novas tecnologias da informação e

comunicação, tendo que aprender a lidar com elas posteriormente. O autor estabelece um

comparativo entre os usuários das tecnologias e os falantes de uma língua e afirma que os

imigrantes digitais possuem um “sotaque”, que pode ser percebido, por exemplo, quando lêem

um manual para baixar um programa ao invés de assumir que o programa o ensinará como

utilizá-lo. Este sotaque é explicado pelo autor como um vínculo com o passado durante o

processo de adaptação e aprendizado das novas tecnologias, pois uma língua aprendida mais

tarde, segundo os cientistas, aloja-se em uma área diferente do cérebro. (Prensky, 2001)

Os professores, imigrantes digitais, não acreditam que seus alunos possam

aprender ouvindo música, assistindo ao YouTube ou à televisão ou ainda jogando vídeo game,

porque não foi assim com eles, pois a aprendizagem acha-se associada ao esforço, mais do

que à diversão. Prensky cita em seu artigo a reclamação de um estudante do ensino médio:

“toda vez que vou à escola, tenho que diminuir minha energia”; e outro do jardim da infância

que disse na hora do recreio: “www.hungry.com”, querendo demonstrar que sentia fome.

Os alunos do século XXI são aqueles que Marc Prensky chamou de nativos

digitais. Eles são falantes nativos da linguagem digital de computadores e internet e são

acostumados a receber informações rapidamente e costumam realizar múltiplas tarefas

simultaneamente.

Os alunos de hoje – do maternal à faculdade – representam as primeiras gerações que cresceram com esta nova tecnologia. Eles passaram a vida inteira cercados e usando computadores, vídeo games, tocadores de músicas digitais, câmeras de vídeo, telefones celulares, e todos os outros brinquedos e ferramentas da era digital. Em média, um aluno graduado passou menos de 5000 horas de sua vida lendo, mas acima de 10000 horas jogando vídeo games (sem contar as 20000 horas assistindo à televisão). Os jogos de computadores, e-mail, a Internet, os telefones celulares e as mensagens instantâneas são partes integrantes de suas vidas. (PRENSKY, 2001).

Muniz Sodré lembra que, “a internet é a espinha dorsal da vida contemporânea”.

Quando o foco é a aprendizagem escolar, verifica-se claramente uma a-sincronia entre o

mundo globalizado e a realidade das instituições de ensino.

No contexto atual, ensinar e aprender ganharam novas dimensões. Este par

assumiu uma dinâmica diversa, onde jamais alguém se torna completo, pleno de

conhecimentos. Na atualidade, a informação tornou-se rápida e efêmera que, tão logo é

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adquirida, tão logo é superada e esquecida, sendo o sujeito aprendiz novamente desafiado a

adquirir outros conhecimentos.

Este cenário apresenta pelo menos duas dimensões que merecem ser consideradas:

os educandos vivem a efervescência do mundo digital e todas as suas possibilidades (baixam

músicas da internet, participam de redes sociais, informam-se pelo Facebook, comunicam-se

por mensagens instantâneas, assistem mais ao YouTube do que à televisão e descobrem o

endereço dos colegas utilizando o Google Maps); os professores, na maioria das vezes, são

pouco preparados para utilizar as novas tecnologias como recursos em sala de aula. Esse hiato

entre educadores e educandos parece interferir no interesse destes pelas aulas que assumem

ares de cultura escolar “tradicional”, em face da experiência imersiva de acesso rápido a um

mundo de informações organizado na forma de “janelas” e “abas” que parecem nunca se

esgotar.

A noção de escola como instituição onde o professor assume uma posição de

autoridade hierarquizada, verticalizada, impondo a seus estudantes o saber social herdado,

configura um modelo démodé. Acrescente-se a isso que, na perspectiva dos arautos da

inovação tecnológica, o professor não é mais o único e nem o principal representante do

saber, pois professam a crença de que somos todos “sujeitos do saber”.

Aquele modelo de aprendizagem poderia ser comparado ao das empresas do pós-

guerra (gestão em níveis múltiplos e especializados, rígidas estruturas hierárquicas e escassez

de informações), mas os gestores percebem que, na configuração do mundo contemporâneo,

aquele “modus operandi” deve ser ultrapassado. A estratégia discursiva adotada passou então

a ser aquela da cooperação e da auto-organização, mediante o estabelecimento de relações

caracterizadas pela transparência e visibilidade. (Sodré, 2002).

Este cenário, marcado ainda pela ideologia neoliberal do empreendedorismo, o

professor ganha um novo status: mentor, facilitador, motivador. Esta nomenclatura e seus

equivalentes não deixam espaço para uma relação hierárquica e disciplinar. Embora haja uma

tendência a imaginar que o professor poderá em breve ser substituído por um programa de

computador, por ser este potencialmente mais eficaz em termos de informações e recursos,

quando se trata da função política, ética ou moral assumida perante os estudantes, o docente

ainda configura-se como elo imprescindível à cadeia ensino-aprendizagem.

Contribuir para a formação ética e moral dos alunos para que se formem alunos-

cidadãos com consciência da realidade, conhecimento dos mecanismos de controle e defesa

de direitos é um dos desafios da escola contemporânea, que se materializa no professor em

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sala de aula, construindo constantemente a ideia de participação social.

Assim, com foco especial na formação docente, a UNESCO (Organização das

Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) lançou em 2013 um modelo de

qualificação do trabalho do professor chamado “Alfabetização Midiática e Informacional:

currículo para formação de professores”, com o objetivo de capacitá-los à integração no

sistema formal de educação, inserindo-os como multiplicadores de um processo catalítico que

deve alcançar milhões de estudantes. É preciso considerar ainda que, voltada à busca por

igualdade de oportunidades viabilizada pela Alfabetização Midiática e Informacional – AMI

(Media and Information Literacy - MIL), a UNESCO tem promovido um modelo de atuação

que preconiza o acesso igualitário à informação e ao conhecimento dos sistemas de mídia e

informações livres, independentes e plurais.

Esta ação traduz uma concepção de educação segundo a qual qualquer perspectiva

de modificação da escola passa por sua ressignificação como instituição social. Faz-se

necessário então questionar os usos das tecnologias em sala de aula pelos professores, uma

vez que esta prática já se encontra difundida por todo o tecido social; bem como,

problematizar o sentido do processo educacional como um todo, a fim de compreender por

que vias pode se construir um modelo de escola mais interativa e compatível com os

estudantes do século XXI.

As inovações tecnológicas requerem que os profissionais de educação se adaptem

aos novos tempos. Isto não significa total concordância com este processo, mas maior

flexibilização do conhecimento, usando tais inovações como facilitadoras do processo de

ensino, e não como entraves.

Feitas essas considerações, este trabalho tem como questão principal: como as

TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) impactam no processo de socialização

escolar, a partir da relação ensino-aprendizagem? Considerando esta pergunta inicial e para

efeito de compreensão dessa problemática, outra questão foi pensada: até que ponto a

socialização escolar, promovida pelas escolas públicas estaduais do Ceará contribui para a

emergência dos nativos digitais?

Partindo dessas questões, o objetivo principal dessa pesquisa é problematizar as

experiências de socialização com as TIC no âmbito da Rede de Ensino Médio Estadual, a fim

de compreender o papel, as funções e o uso das TIC no processo de ensino-aprendizagem

nestas escolas.

Já os objetivos específicos da pesquisa exigem uma reflexão sobre as seguintes

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questões:

• Quais recursos materiais subsidiam este trabalho? Como se organiza o

ambiente de trabalho escolar com as TIC?

• Quais programas e aplicativos são mais utilizados?

• Qual é o perfil dos professores que utilizam as TIC na Escola Pública?

• Eles são capacitados para este uso?

• Há resistência dos professores quanto ao uso das TIC no processo de ensino-

aprendizagem?

• O uso das TIC contribui para tornar o aprendizado mais atrativo?

• Qual a recepção dos alunos quando se utilizam as TIC?

• Fora do ambiente escolar, professores e estudantes interagem com as TIC?

• Com que freqüência?

Os objetivos específicos deste trabalho são:

• Identificar escolas-modelo e políticas públicas elaboradas para socialização de

estudantes de ensino médio com as TIC.

• Traçar o perfil do professor que se utiliza das TIC

• Analisar se o uso das tecnologias digitais em sala de aula contribui para que o

aprendizado se torne mais atrativo para os alunos.

• Verificar se os professores estão capacitados para usar as ferramentas de TIC

na sala de aula de modo a contribuir para o processo de aprendizagem.

As inovações tecnológicas requerem que os profissionais de educação se adaptem

aos novos tempos. Isto não significa total concordância com este processo, mas maior

flexibilização do conhecimento, usando tais inovações como facilitadoras do processo de

ensino, e não como entraves.

1.1 CORPUS DA PESQUISA

Segundo dados de 2014 da Coordenaria de Avaliação e Acompanhamento da

Educação, da Secretaria da Educação, o estado do Ceará tem 621 escolas públicas de ensino

médio, compondo um universo de experiências com o uso das TIC bastante significativo em

termos numéricos. Mas como selecionar aquelas que seriam mais representativas? A escolha

deu-se por uma série de fatores, dentre eles o fato de que as duas escolas selecionadas se

destacam em termos de iniciativas no âmbito da rede pública de ensino estadual, segundo

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informações obtidas na SEDUC-CE. São elas a Escola de Ensino Fundamental e Médio Dr.

César Calls e a Escola de Ensino Médio Governador Adauto Bezerra.

A primeira acha-se localizada na Avenida Domingos Olímpio, 1800, no bairro

Farias Brito, em Fortaleza, contando com 1412 alunos matriculados na 8ª e 9ª séries do

Ensino Fundamental e no Ensino Médio. A evasão encontra-se na média cearense, cerca de

aproximadamente 10%.1

A escola conta com as seguintes propostas para o uso das TIC: um projeto de

tecnologia avançada em Robótica Educacional, o qual busca desenvolver nos estudantes a

capacidade de raciocínio lógico, as habilidades relacionadas com desenho geométrico,

construção de maquetes, Ciências Exatas utilizando a Informática e a linguagem de

programação. Esse projeto teve início em 2009, primeiro no Ensino Médio e depois no Ensino

Fundamental, com o programa Mais Educação, envolvendo um grupo de 40 alunos.

Ela também conta com um blog, alimentado pelos professores, e outro, mantido

pelos estudantes, bem como tem no facebook sua principal ferramenta de comunicação entre

escola e comunidade. No final do ano de 2014, 14 alunos foram premiados com computadores

por bom desempenho escolar.

A segunda, localizada na Rua Monsenhor Liberato, 1850, no bairro de Fátima, em

Fortaleza, tem 2000 alunos matriculados no Ensino Médio. A evasão é de 3% no turno da

manhã e 14% no turno da noite, encontrando-se também abaixo da média cearense.

Por sua vez, a Escola de Ensino Médio Governador Adauto Bezerra usa as

tecnologias para auxiliar na aula tradicional, como, por exemplo, com o uso do programa

GEOGEBRA, um software de Matemática dinâmica para todos os níveis de ensino, reunindo

em um único programa: Geometria, Álgebra, Planilha de Cálculos, Probabilidade, Estatística

e Cálculos Simbólicos.

A escola tem um blog, alimentado por professores e coordenadores pedagógicos e

também utiliza o facebook como principal ferramenta de comunicação com a comunidade. Foi

premiada pelo Programa “Aprender pra valer”, que busca a elevação do desempenho dos

alunos do ensino médio com níveis de proficiência adequados a cada série, bem como a

articulação com a educação profissional e tecnológica. A escola recebeu por isto 304

computadores destinados aos alunos que atingiram certo perfil em termos de proficiência.

1 Fonte: estudo realizado em 2013 pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Estadual e dos Municípios do Ceará, a evasão do ano de 2013 foi 3,2% no Ensino Fundamental e 9,6% no Ensino Médio.

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Este programa efetiva-se pela Avaliação Censitária do Ensino Médio realizada pelo Sistema

Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (SPAECE).

O SPAECE é um sistema de avaliação que abrange as escolas públicas das redes

estadual e municipal do estado e avalia os alunos da Educação Básica, da alfabetização ao

Ensino Médio. O SPAECE fornece subsídios para a formulação, reformulação e

monitoramento das políticas educacionais, vislumbrando a oferta de um ensino de qualidade

na rede pública.

Em cada edição, são aplicados testes de desempenho e questionários contextuais

aos estudantes, visando traçar um panorama da qualidade do ensino. A partir dos resultados,

os gestores de educação podem elaborar e monitorar políticas, programas e projetos

educacionais; nas escolas, os diretores, os coordenadores pedagógicos, os professores, os

estudantes e os responsáveis podem redefinir ações para introduzir ajustes no projeto

pedagógico da escola. Assim, os dados fornecidos pelo SPAECE constituem ferramenta

importante para diagnosticar os resultados escolares e prestar esclarecimentos à sociedade

sobre o ensino público cearense.

No contexto de atuação do SPAECE, é preciso considerar que o surgimento da

internet e de todas as novas formas de comunicação e informação provocou mudanças nas

formas de pensar, agir, interagir, ler e aprender. Embora enfraquecido, o modelo disciplinar,

no qual o professor é o dono do saber e organizador do espaço da sala de aula, ainda

representa um hiato entre a vanguarda tecnológica e a educação que se configura dentro dos

muros da escola.

No âmbito da educação escolar cearense persiste em muitos casos a estrutura da

sala de aula onde existe apenas um sujeito ativo: o professor, aquele que detém o

conhecimento que deve ser transferido aos estudantes, sem que estes sejam capazes de

formular uma reflexão crítica. São aulas expositivas e baseadas em texto, memorização de

conteúdo e leitura de livros didáticos. Neste contexto, o educando não é incentivado a

problematizar, nem a relacionar conteúdo e realidade, conformando um ensino desvinculado

do real.

Bernard Charlot (1976) aponta que este modelo de ensino representa uma

inadaptação da escola à sociedade contemporânea. Ele difunde um saber fossilizado, que não

leva em conta as transformações aceleradas do mundo atual, tendo fraca potência de

informação se comparada à dos mass midia. Sob a perspectiva dita conservadora, a escola

assegura a socialização de uma cultura que deixou de tornar inteligível o mundo em que

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vivemos e que desconhece as novas formas culturais que ganham lugar na sociedade de hoje.

A escola, prisioneira de tradições passadas, configura-se como uma organização inapta para

apreender a sociedade do presente.

É confrontado a este cenário que o presente trabalho foi elaborado, buscando

compreender como os professores e jovens convivem com o uso das TIC no ambiente escolar

e, mais precisamente, em sala de aula, sem desconsiderar as relações existentes entre este

espaço e o das práticas sociais cotidianas.

Compreender esse par “ensinar-aprender” da perspectiva dos alunos, ditos nativos

digitais e dos professores, imigrantes digitais, traz pela problemática em si uma inovação:

questionar se um modelo de escola mais interativa não atende as necessidades dos nativos

digitais, bem como questionar se os professores são capacitados para usar as TIC no processo

de ensino-aprendizagem.

Há uma clara tensão entre alunos e professores, os primeiros anseiam por uma

aula mais interativa, com a utilização de recursos de multimídia, vídeos, jogos e a escola não

se encontra preparada para esse tipo de aula. Os últimos, os professores, também gostariam de

usar mais recursos tecnológicos no aprendizado, mas esbarra em questões como a falta de

internet em toda a escola, ficando quase sempre limitada aos laboratórios de informática, a

falta de planejamento para que o conteúdo não se perca nas redes sociais e a falta de

capacitação para utilizar esses recursos de forma mais eficaz.

Para compreender o campo e os sujeitos estudados a partir de conceitos,

pressupostos e teorias, fez-se necessário definir as principais categorias analíticas que serão

abordadas neste trabalho. Nesse sentido, os Nativos Digitais é a categoria principal. Este

termo foi utilizado pela primeira vez em 2001, pelo escritor, educador e designer de vídeo

games, o americano Marc Prensky, em seu artigo “Digital Natives, Digital Immigrants”.

Tecnologias digitais ou novas tecnologias, neste estudo, são as tecnologias

capazes de promover a interação entre indivíduos. Essa definição é partilhada por autores

como Lévy, Castells, Giddens, Sousa e Fisher. Quando se fala em novas tecnologias, não se

pode deixar de mencionar a interatividade. Interatividade é o neologismo usado para

designar a relação homem-máquina, ou precisamente um programa que a máquina opera. A

interatividade também é uma forma de controle tecnológico sobre a vida social. Neste sentido,

cada cidadão é espião do outro e todos são vigiados pelas máquinas de visão, públicas e

privadas. Os soft sensors são capazes de dizer quem somos, o que gostamos e com quem nos

relacionamos. (Sodré, 2002).

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Vale adicionar o conceito de interatividade de André Lemos (1997), outro

importante pesquisador da Cibercultura. Para o autor, interatividade é nada mais que uma

nova forma de interação técnica, de característica eletrônico-digital que se diferencia da

interação analógica que caracteriza a mídia tradicional. Lemos acrescenta que as mídias

tradicionais, como o rádio, a televisão, as revistas e os jornais impõem ao espectador uma

passividade, assim como há uma seleção no que será transmitido, é o que o autor chamou de

um modelo transmissionista “um-todos”. As tecnologias digitais trazem novas formas de

interação e transmissão de informações, seria o modelo “todos-todos”, que se caracteriza por

uma forma descentralizada e universal de circulação de informações.

A interatividade revela outro fenômeno recente, a emergência da denominada

“geografia virtual”. Nesta perspectiva é possível observar outra geografia, diferente da física,

segundo a qual se pode habitar um espaço na “rede”. Essa “geografia virtual” mobiliza grupos

sociais por interação das mais diversas, como emails, facebook, blogs. O que pode levar ao

surgimento de movimentos políticos na rede, sem a interferência de partidos políticos, como

aconteceu na primavera árabe em janeiro de 2011 e no movimento Passe Livre, em 2013,

quando diversos movimentos sociais surgiram da comunicação e palavras de ordem que

circulavam nas redes sociais e no facebook. (Sodré, 2002).

Para trabalhar a Educação, usei autores como Pierre Lévy, Saviani, Moacir

Gadotti, Louis Not, Mizukani, Ladislau Dowbor, Maria Neide Sobral, dentre outros. A

categoria “educação”, estudada neste trabalho, se volta para a inserção das TIC no processo

de ensino-aprendizagem.

Propor um estudo sobre os nativos digitais, uma categoria muito debatida (não

exatamente com essa nomenclatura) na Educação e na Pedagogia, mas que pouco se investiga

nas Ciências Sociais, é tarefa das mais ousadas. Primeiro, foi preciso criar e reinventar formas

sociológicas de olhar para esses sujeitos. Pensar como a educação é influenciada pelo uso das

TIC e da internet requer uma compreensão mais ampla do fenômeno educacional, pois é

também indispensável pensar como a internet e as tecnologias digitais são utilizadas pela

sociedade como um todo, como elas influenciam as práticas cotidianas, as relações entre os

indivíduos e até a individualidade de cada um.

Na articulação entre teoria e empiria, foi imperativo estabelecer um equilíbrio

entre a perspectiva do campo e as perspectivas de diferentes autores buscando um caminho

que não se perca na interseção de vários campos: da Sociologia à Educação, da Comunicação

às Políticas Públicas, das Tecnologias da Comunicação e da Informação à Cultura.

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Para tentar apreender a complexidade desse universo, partindo da premissa que as

Políticas Públicas de inserção das TIC na Educação congregam vários níveis empíricos: são

de âmbito internacional, nacional e estadual, chegando à realidade escolar.

Ver os jovens sempre conectados, cada um com seu celular, freqüentemente

ligado a uma rede social, Facebook, Whatsapp, Instagram, sempre empenhados em descobrir

a senha da internet wi-fi da escola, e a preocupação dos coordenadores com o momento em

que o “cinturão digital” se instalar realmente e os alunos tiverem internet wi-fi o tempo todo

foi animador. É clara a tensão crescente entre usuários e escolas, tendo estas que se adaptar ao

estudante do século XXI. Este momento talvez se converta assim em um marco que assinala

um novo tempo.

1.2 ASPECTOS METODOLÓGICOS

Nesta pesquisa percebe-se uma relação dinâmica entre o mundo real e os sujeitos

e não há a possibilidade de dissociar a subjetividade dos sujeitos do objeto que o cerca,

portanto, do ponto de vista da abordagem, trata-se de pesquisa qualitativa. Não serão

utilizados métodos estatísticos para atribuir significado ao objeto, tendo por isso aspecto

descritivo, sendo o ambiente natural, no caso, a escola, a fonte para a coleta de dados. A

observação em campo é voltada para a compreensão e influência das TIC no processo de

ensino-aprendizagem e na emergência dos nativos digitais.

A quantificação de valores não é prioridade neste estudo, a compreensão da

dinâmica das relações sociais no ambiente escolar é que se faz importante, sendo o método

investigativo observacional voltado para o aprofundamento da compreensão da comunidade

escolar. O pesquisador é instrumento chave para ocupar-se do processo e não, simplesmente,

dos resultados em si.

As primeiras análises foram realizadas a partir das primeiras percepções no campo

empírico. A pesquisa tem caráter descritivo e exprime detalhadamente os sujeitos da

comunidade escolar: gestores, professores, alunos e colaboradores. Apesar de buscar o efeito

dos usos das TIC no ambiente escolar, esta pesquisa vai um pouco além e tenta compreender

an passant, o impacto que tem a tecnologia na vida dos sujeitos citados.

Após o registro dos fatos observados e a seleção dos pontos que mais influenciam

esta problemática, os questionamentos relevantes serviram de embasamento para a elaboração

do roteiro de entrevista apresentado aos docentes. Após a etapa de observação, a entrevista

subsidiou a obtenção de informações a respeito sabem, crêem, esperam, sentem ou

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desejam, pretendem fazer, fazem ou fizeram e também acerca das suas explicações ou razões

a respeito de fatos vivenciados anteriormente.

Os dados foram coletados através de entrevistas semi-estruturadas, formuladas

com base na observação em campo e dirigidas aos professores pessoalmente, face a face,

ultrapassando as quinze perguntas apresentadas na face exploratória da pesquisa. As

entrevistas foram transcritas em mãos e cada frase, interjeição e interrupção foram

considerados.

Já que as observações e entrevistas foram realizadas em duas escolas públicas que

inseriram as TIC em sala de aula, o método comparativo revelou-se valioso na comparação

dos resultados obtidos: os dois ambientes foram confrontados, com a finalidade de verificar

similitudes e divergências.

Resumindo o processo: após a escolha bibliográfica, partiu-se para a escrita da

teoria do fenômeno estudado, de modo a compreender, coletar e apresentar novos dados

referentes à temática. Em seguida, prosseguiu-se com a pesquisa de campo com o objetivo de

observar in loco os sujeitos do problema. Ao aplicar as entrevistas, a interpretação qualitativa

foi responsável por guiar a maior parte da pesquisa e o estudo comparativo foi fundamental

para as análises e proposições finais.

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2 ESCOLA NA ERA DO BYTE

2.1 MODERNIDADE E (PÓS) MODERNIDADE

A atualidade mundial resulta de um período histórico de reestruturação global

cuja marca tem sido a revolução tecnológica. A sociedade emergente é capitalista e

informacional. Embora diferente em cada lugar do planeta, a pós-modernidade parece nos

unir numa “aldeia global” (Santos, 1986). O emprego do termo pós-modernidade ainda não

encontrou um consenso entre pesquisadores que buscam entender o momento contemporâneo.

Há quem argumente que esse movimento sociocultural que se tem caracterizado como pós-

moderno ainda está sob a regência da modernidade, momento histórico que ainda não teria se

esgotado. A pós-modernidade denota o que vem depois da modernidade, designando uma

ruptura com o período moderno. É possível aceitar que vivemos a transição para a pós-

modernidade que se traduz por um percurso ainda não consolidado.

O termo moderno, do latim modernus, surgiu no século V e servia para diferenciar

a então era cristã da outrora era pagã. Entretanto, visto contemporaneamente, a modernidade é

a quebra dos vínculos transcendentais que explicavam a relação do ser humano com o mundo,

tendo a razão como produção de saberes, ciência e objetividade, se distanciando da religião e

de poderes metafísicos. O sujeito moderno pretendia utilizar-se da razão para “produzir”

progresso. Assim, a modernidade se caracteriza pela racionalidade utilitária que não se

direciona apenas para o conhecimento científico, mas também para a arte, a ética, a moral, as

relações sociais. Segundo a teoria sociológica alemã do início do século XX, a modernidade

sugere a progressiva secularização, racionalização e diferenciação econômica e administrativa

do mundo social (Weber, Simmel), que fizeram nascer o Estado Moderno e o capitalismo

industrial.

Por sua vez, Jürgen Habermas (2002) procura compreender as características

dominantes da modernidade, desenvolvendo sua análise sob duas perspectivas: a filosófica,

denominada modernidade cultural e a sociológica, que chamou de modernidade social.

Habermas aponta Hegel como o primeiro filósofo a pensar nos problemas da

modernidade, buscando soluções para eles e é nessa esteira que desenvolve o que denominou

de modernidade cultural. Para compreender a modernidade cultural, Habermas aponta três

eventos fundamentais: a Reforma Protestante, quando o sujeito passa a ter acesso ao divino

sem a intercessão do soberano; a Revolução Francesa que se volta contra as leis divinas e

proclama a liberdade do sujeito; e o Iluminismo que dividiu a cultura em ciência, moral

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e arte. Os “novos tempos” ou “tempos modernos” não indicavam apenas um período da

cronologia histórica, mas uma ruptura com a tradição medieval.

Para que essa ruptura se justifique e legitime os novos tempos, é preciso que a

modernidade se diferencie da tradição (anterior). Habermas afirma que Hegel em sua busca

por apreender a modernidade, estabelece como princípio dos novos tempos a subjetividade,

que apresenta quatro características essenciais: o individualismo, que se traduz em um

indivíduo único que tenta fazer valer suas pretensões; o direito de crítica, aquilo que busca ser

aceito tem que ser legitimado por cada um e se encontra aberto à crítica; a autonomia de ação,

a ideia de que o sujeito moderno pode dar leis a si mesmo; e a filosofia idealista, a filosofia

põe como objeto de conhecimento o próprio “eu” que o conhece.

Habermas definiu a modernidade cultural como a diferenciação da cultura nos três

âmbitos trazidos pelo Iluminismo. A ciência provoca o desencanto do mundo, deixando o

sujeito livre para conhecer as leis da natureza. A moral não mais se traduz em ideias que

distanciam de forma substantiva o certo do errado, mas na autonomia da racionalidade, onde

cada um persiga o bem-estar particular em conformidade com o bem-estar dos outros. E a

arte não mais se sujeita à expressão da vida das divindades, mas à exteriorização do “eu” pelo

artista.

Jean-François Lyotard (1998) descreveu um novo modo de pensar e viver que

denominou de “condição pós-moderna”. Lyotard utilizou o vocábulo pós-moderno para

descrever as sociedades desenvolvidas e compreender o estado de cultura após transformações

no campo da arte, da ciência, da literatura e da moral e a crise das grandes narrativas do final

do século XIX.

A pós-modernidade para Lyotard se caracteriza pela descrença nesses

“metarrelatos”, as grandes narrativas passam a não inspirar crença no jogo da linguagem e

quem tem poder de decisão determina que a vida só tenha por objetivo o aumento da eficácia.

O autor não traça um quadro cronológico do surgimento desse período, mas afirma que foi

nos anos 1950 que a Europa passou por uma desconstrução e que esse período variou de um

país para outro.

O fato é que nas sociedades desenvolvidas o saber científico passa a ser somente

uma espécie de discurso, dentro da “deslegitimação dos metarrelatos”. “O saber muda de

estatuto ao mesmo tempo em que as sociedades entram na idade dita pós-industrial e as

culturas na idade dita pós-moderna”. (LYOTARD, 1998, p.3). Ainda segundo Lyotard, o

conhecimento não é mais algo constitutivo do sujeito, que era o princípio da formação

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moderna, o conhecimento se aparta do sujeito cognoscente. O saber passa a ser mercadoria de

valor e meio de troca, principal elemento econômico nas economias desenvolvidas, tornando

secundário seu valor de uso. O valor do conhecimento é melhorar o desempenho do processo

produtivo e não mais sua capacidade de retirar a ignorância de alguém.

Sob a forma de mercadoria informacional indispensável ao poderio produtivo, o saber já é e será um desafio maior, talvez o mais importante, na competição mundial pelo poder. Do mesmo modo que os Estados-nações se bateram para dominar territórios, e com isto dominar o acesso e a exploração de matérias-primas e da mão de obra barata, é concebível que eles se batam no futuro para dominar as informações. (LYOTARD, 2009)

A modificação do estatuto do saber na cultura pós-moderna ou sociedade

informatizada, segundo Lyotard, busca compreender aspectos da formação (do saber) e dos

efeitos sobre o poder público e as instituições. O autor também questiona o progresso das

ciências e tecnologias correspondente ao crescimento e desenvolvimento sócio-político; o

saber científico não é sinônimo do saber, existe também outra espécie de saber, não menos

importante, o saber narrativo.

A sociedade resultante dessas mudanças é capitalista e informacional, pois a pós-

modernidade nos uniu numa “aldeia global” (Santos, 1987). Há quem ainda chame este

momento histórico de “era da informação” (Dertouzos, 1997), “sociedade globalizada”

(Robertson, 2000) ou ainda “era dos bits” (Negroponte, 1997). Para Muniz Sodré:

Advém agora o império dos processos de produção eletrônica de informação e imagens, que incorpora todo o ethos pós-moderno de organização da vida social em termos de simultaneidade, instantaneidade, globalidade e criação de um real próprio, de natureza tecnocientífica. A sociedade decorrente não se transforma por escolha política, mas por impacto tecnológico. (SODRÉ, 2002)

O fato é que no mundo contemporâneo tem-se alterado profundamente a maneira

como vivemos, trabalhamos, nos divertimos, educamos nossos filhos, fazemos compras.

(Dertouzos, 1997). Acordamos e acessamos a internet para sabermos as notícias e verificar o

e-mail; trabalhamos em equipe, cada um em sua casa; nos relacionamos pelo facebook;

tranquilizamos nossos bebês com “a galinha pintadinha” no tablet; compramos pela internet

em sites pouco confiáveis e educamos nossas crianças tangidos pelo impacto tecnológico.

2.2 A TRANSFORMAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E

COMUNICAÇÃO (TIC)

A palavra tecnologia tem origem no vocábulo grego "tekhne" e significa "técnica,

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arte, ofício", juntamente com o sufixo "logia”, do grego “logus”, que quer dizer "razão,

estudo". A partir da origem etimológica, é possível definir tecnologia como a razão do saber

fazer (Rodrigues, 2001). Em outras palavras, tecnologia é o estudo da técnica e visa à

aplicação dos conhecimentos científicos para a resolução de problemas.

Ao longo da história, as tecnologias foram sendo criadas para facilitar a produção

humana e vêm se transformando a partir da necessidade social de cada época. As primeiras

tecnologias surgiram desde a descoberta do fogo, da roda, da escrita, passando pela prensa

móvel, pelas tecnologias militares com a criação de armas, pelas tecnologias das grandes

navegações que permitiram a expansão marítima, chegando às descobertas do século XVIII,

que no período da Revolução Industrial, provocaram profundas transformações no processo

produtivo.

Neste sentido, o sociólogo Manuel Castells, remete à ideia de que são as

demandas da própria sociedade e do contexto histórico no qual estão inseridas, que

determinam a busca por novas tecnologias, é a “sociedade é que dá forma à tecnologia de

acordo com as necessidades, valores e interesses das pessoas que utilizam as tecnologias”.

(Castells, 2006)

A sociedade do final do século XX tem passado por profundas mudanças

econômicas, políticas, culturais, sociais e tecnológicas. Segundo Gadotti (2000), no final dos

anos 80, não se tinha ideia do significado e do impacto da globalização capitalista na

economia, nas comunicações, na educação e na cultura. As transformações tecnológicas

tornaram possível o surgimento da era da informação.

Nos últimos anos, a informação deixou de ser uma área ou especialidade para se tornar uma dimensão de tudo, transformando profundamente a forma como a sociedade se organiza. Pode-se dizer que está em andamento uma Revolução da Informação, como ocorreram no passado a Revolução Agrícola e a Revolução Industrial (GADOTTI, 2000).

Castells, assim como Gadotti, descreve e analisa o termo “era da informação”, em

sua obra A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura (2000), como o conjunto de

eventos que assinalam o fim da era industrial e o surgimento de uma revolução tecnológica no

final do século XX e que tem como característica o desenvolvimento das tecnologias da

informação e da comunicação.

A revolução tecnológica, ressaltada por Castells (2002), trouxe mudanças nos

modos de vida de todas as pessoas, principalmente no comportamento dos chamados nativos

digitais, como se relacionam com a internet, o celular, o computador e o outro. A internet e

suas infinitas possibilidades permitem um intercâmbio cultural e laços, mesmo que

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superficiais, com quem está do outro lado planeta.

Neste contexto, o processamento da informação e seus desdobramentos são

essenciais no processo produtivo. O termo informação vem como elemento primordial em

todas as atividades humanas, constituindo-se como o cerne da comunicação e como

instrumento básico na conquista do conhecimento, na formação de senso crítico, na

construção de novas concepções e na tomada de decisões. Segundo Castells (2000), a

informação é fundamental para atender às necessidades dos indivíduos e das organizações por

uma melhor qualidade de vida. Lévy (1996) preceitua sua utilização como um ato produtivo:

Quando utilizo a informação, ou seja, quando a interpreto, ligo-a a outras informações para fazer sentido, ou, quando me sirvo dela para tomar uma decisão, atualizo-a. Efetuo, portanto, um ato criativo, produtivo. (LÉVY, 1996)

Surge então, para Castells (2000), a noção de uma organização social específica,

na qual a origem, o processamento e a transmissão de informação tornam-se fontes

fundamentais de produtividade e de poder. A forma como a sociedade deste período histórico

se comporta para ter acesso e usufruir desta informação, resulta na busca de inovações

tecnológicas que atendam com eficácia esta demanda. O autor denomina este tipo de

organização social, inserida neste novo modo de desenvolvimento, de “sociedade

informacional”, que tem como premissa básica o processo de informatização, fortemente

articulado com todos os sistemas midiáticos de comunicação.

Castells (2003) identifica ainda outra característica fundamental da Sociedade

Informacional: a sua estrutura em redes. Para o autor, a rede é um conjunto de nós conectados

e a formação de redes sociais é uma prática humana antiga na organização das sociedades.

Muniz Sodré fala em uma “nova geografia virtual”, onde se pode ocupar um “lugar” na rede.

Nessa estrutura em rede as pessoas “compartilham” não apenas informações, mas também

opiniões, angústias, alegrias e momentos. Para os jovens, curtir, publicar e compartilhar nas

redes sociais são formas de ser, poder, organizar e estar no mundo, conectados com os outros

ao mesmo tempo que as influências da rede os recriam e os influenciam.

Moldado pela revolução tecnológica concentrada nas TIC – Tecnologias de

Informação e Comunicação – este novo modelo de organização social teve como ponto

culminante o surgimento da Internet no final da década de 60, o que é para Castells o símbolo

desta sociedade, tornando-se mais intensa, global e acelerada e teve como consequências uma

série de inovações institucionais, tecnológicas, organizacionais, educacionais, econômicas,

políticas e sociais.

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Ainda para Castells (2008), a internet é uma prática social, é “a expressão de nós

mesmos por meio de um código de comunicação específico, que devemos compreender se

quisermos mudar nossa realidade”. O universo juvenil se apropria dessa ferramenta de

infinitas maneiras: para se comunicar, divulgar trabalhos em grupo, promover-se por meio de

aplicativos como o instagram ou o facebook, para dispor do conteúdo de quem vive distante,

para assistir filmes, para traduzir trabalhos, para se relacionar... A internet permite transpor o

universo real e adquirir uma dimensão que ultrapassa a realidade cultural de cada um. Para

Sousa (2011):

Indubitavelmente, entre as várias tecnologias, sobressai aquela que é sua maior expressão, a Internet, por amalgamar diversas facetas tecnológicas até então separadas, como a escrita, a imagem, o som, etc. Ela é hodiernamente o mais completo meio de comunicação criado pela tecnologia, tem reconfigurado as culturas e suscitado novas estruturas de sociabilidade contemporânea. (SOUSA, 2011, p.172).

As Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC – podem ser entendidas

como os meios que interferem nos processos informacionais e comunicativos das pessoas.

São os recursos tecnológicos integrados entre si, que proporcionam, por meio das funções de

hardware, software e telecomunicações, a automação e comunicação dos processos de uma

sociedade.

A desterritorialização da informação mediada pelas TIC, em um espaço virtual

que ultrapasse as fronteiras geográficas é revelada pelo filósofo Pierre Levy (1994), quando

conceitua ciberespaço: “ciberespaço tornar-se-ia o espaço móvel das interações entre

conhecimentos e conhecedores de grupos inteligentes desterritorializados” (Lévy, 1994).

A noção de ciberespaço permite vislumbrar a expansão da informação e todos os

desdobramentos dela decorrentes, como a fusão do conhecimento. Ao aproximar este conceito

da dimensão social, analisando as coletividades, Levy igualmente defende a aprendizagem

cooperativa ao dizer que ninguém é detentor de todo o conhecimento e que o mesmo deve ser

compartilhado.

A aprendizagem cooperativa é a melhor tradução de inteligência coletiva para o

campo da educação e pôde ser observada primeiramente nas universidades, onde

comunidades de cientistas estudam, simultaneamente, o mesmo tema de vários países

diferentes, baseados na colaboração e na produção de conhecimento. Decorre deste conceito a

ideia de Inteligência Coletiva, também proposta pelo autor, que não se trata de uma fusão das

inteligências individuais, mas sim de fazer crescer, diferenciar e reflorescer mutuamente cada

singularidade de cada indivíduo (LÉVY, 1994).

No espaço que emana da inteligência coletiva encontro, assim, o outro humano, já não como um corpo de carne, uma posição social, um proprietário de objetos, mas como um anjo, uma

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inteligência em ação – em ação para ele, mas em potência para mim. Se ele nunca aceitar revelar a sua face de luz, quando eu descobrir o corpo angélico do outro contemplarei a sua vida no conhecimento ou no seu conhecimento da vida, na projeção do seu mundo subjetivo no céu imanente do intelecto coletivo. Ora eu não sei o que ele sabe, os nossos futuros diferem, ele tem neste espaço uma figura de desejo singular, incomparável: o seu corpo angélico revela-mo como enigma e alteridade (LÉVY, 1994)

Ao associar as necessidades da Sociedade Informacional, descrita por Castells,

com as ideias de Inteligência Coletiva e de Aprendizagem Cooperativa de Lévy, é possível

visualizar o impacto das TIC no contexto educacional. O termo TIC foi usado pela primeira

vez por Dennis Stevenson, em sua obra Information and Communications Technology in UK

Schools – an independent inquiry (1997), para antecipar uma política do governo britânico

que deveria intensificar o uso das TIC nas escolas públicas do Reino Unido, sob o risco de

colocar, em um futuro muito próximo, uma geração de crianças em enorme desvantagem em

relação às demandas do mundo globalizado.

As TIC para fins educativos, com o objetivo de potencializar a aprendizagem dos

estudantes e de criar novos ambientes de aprendizagem, despertando novos interesses, podem

ser consideradas como um subdomínio da Tecnologia Educativa. O termo Tecnologia

Educativa é um domínio da educação que teve as suas origens nos anos 40 do século XX e foi

desenvolvido por Skinner na década seguinte com o ensino programado (Skinner, 1953,

1968). Para Miranda (2007), o termo não se limita aos recursos técnicos usados no ensino,

mas a todos os processos de concepção, desenvolvimento e avaliação da aprendizagem.

Segundo a autora, a tecnologia educativa envolve questões de gestão educacional, de

desenvolvimento educacional e também os recursos de aprendizagem. Coutinho (2007) assim

define a tecnologia educativa:

Não como o simples uso de meios tecnológicos mais ou menos sofisticados, mas como uma forma sistemática de conceber, gerir e avaliar o processo de ensino e aprendizagem em função de metas e objetivos educacionais perfeitamente definidos. (COUTINHO, 2007).

O cerne do estudo da Tecnologia Educativa consiste, assim, em construir

sistemas de ensino-aprendizagem que possam ser catalisadores de mudanças educativas

significativas no desenvolvimento do sistema ensino-aprendizagem.

Segundo Blanco e Silva (1993) a Tecnologia Educativa surge também como uma

via de acesso a tecnização da vida, ou seja, o ser humano é educado para atuar

conscientemente em um ambiente tecnológico, por isso os modelos educacionais devem

acompanhar esta perspectiva. O autor cita os três níveis de elaboração do conceito: da ênfase

colocada na modernização (suportes para o ensino) passando pela otimização do processo

(suportes para a educação) e culminando nos processos de mudança (foco sistêmico).

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O primeiro nível é marcado pela chegada dos aparelhos áudio visual, adquirido

pelas escolas precipitadamente, pois segundo o autor, os professores não tinham formação

adequada para sua utilização técnica e didática, não atendendo assim ao seu adequado uso

pedagógico.

Trata-se de uma Tecnologia para o Ensino em que as técnicas audiovisuais, creditando seu valor por uma apresentação massiva de informação icônica (fixa e móvel), e os aparelhos facilitam e ampliam os processos de instrução. Com eles procura-se apenas modernizar as aulas (BLANCO e SILVA, 1993).

O segundo nível, chamado de otimização dos processos (suportes para a

educação), surgiu na década de 60 juntamente com estudos da Psicologia da Aprendizagem e

da Comunicação, quando se descobriu que a tecnologia tem um papel importante no processo

de ensino-aprendizagem e no estreitamento da relação professor-estudante.

Neste nível, a utilização da tecnologia ultrapassa os métodos e recursos, pois não

mais se procura o “ensino pelo professor, mas a aprendizagem pelo aluno” (idem, 1993). O

objetivo é a otimização do processo, a fim de que o programa (recurso tecnológico) esteja

inserido na sala de aula como material didático, ao abrigo de um método preciso que implique

num modelo de aprendizagem: “o núcleo e a expressão desta nova forma de ver a tecnologia

educativa estão representados pelos modelos instrutivos, especialmente pelo ensino

programado”. (BLANCO E SILVA, 1993).

O último nível de formulação da Tecnologia Educativa, chamado de Foco

Sistêmico surgiu a partir de pesquisas educacionais nos anos 70, centradas na cibernética, que

possibilitavam a aplicação da concepção sistêmica à educação. Blanco e Silva (1993) salienta

que o momento marcante desta fase foi em 1970 quando a Comission on Instructional

Technology (E.U.A.) conceituou-a como “a maneira sistemática de conceber, de realizar e de

avaliar todo o processo de ensino-aprendizagem em função dos objetivos pedagógicos,

resultantes da investigação nos domínios da aprendizagem humana e da comunicação,

utilizando uma combinação de recursos humanos e não humanos para provocar uma instrução

eficaz”. (Blanco e Silva, 1993, p.42)

O autor afirma que somente entre as décadas de 80 e 90, ao aplicar as Novas

Tecnologias da Informação e Comunicação em uma abordagem de aprendizagem sistêmica, é

que se pôde falar em Tecnologia Educativa e analisá-la pela perspectiva de um processo

complexo e integrado que implica uma junção de seres humanos, recursos e inovação

tecnológica, com o objetivo de gerenciar uma profunda mudança educativa.

A velocidade dos avanços tecnológicos no final do século XX e no início do

século XXI requer que os ambientes de ensino acompanhem a mudança das TIC para

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que estudantes e professores se insiram em um contexto globalizado. Com a democratização

do conhecimento pelos diferentes meios e formas de comunicação, entende-se que as TIC são

ferramentas essenciais para os processos educacionais, atuando na vida do estudante com o

intuito de definir habilidades e competências indispensáveis à realidade atual: criatividade,

inovação, senso crítico, cidadania, resolução de problemas e comunicação eficaz, por meio do

uso eficiente e responsável da informação. Nesse sentido, o Ministério da Educação e Cultura

(MEC), colabora com esse debate contextualizando:

O advento das TIC revolucionou nossa relação com a informação. A informação e o conhecimento não se encontram mais fechados no âmbito da escola, mas foram democratizados. O novo desafio que se abre na educação, frente a esse novo contexto, é como orientar o aluno, a saber, o que fazer com essa informação, de forma a internalizá-la na forma de conhecimento e, principalmente, como fazer para que ele saiba aplicar este conhecimento de forma independente e responsável. (BRASIL, 2009).

Negligenciar o poder das TIC no contexto educacional é negar toda a bagagem de

uma geração que vivencia a tecnologia diariamente, como parte do seu mundo. Segundo Lima

(2006), a Escola do Futuro deve reinventar a arte de aprender ao longo de toda a vida,

estimular e desenvolver a motivação pela aprendizagem, atribuindo aos estudantes um papel

ativo no processo de construção de conhecimentos. As TIC são para isso, facilitadores, meios

na construção do saber.

A educação deve transmitir, cada vez mais, saberes adaptados a uma Sociedade da Educação (Learning Society) como base das competências do futuro. Da tradicional transmissão dos saberes, evoluiu-se para uma Sociedade do Saber baseada na capacidade individual da construção dos conhecimentos, onde as tecnologias da informação e da comunicação são instrumentos ao serviço dessa construção. Deste modo, a Sociedade da Informação será marcada pelo primado do saber. (LIMA, 2006).

As TIC não põem em dúvida a importância do professor. De acordo com Lima,

reconhece-se hoje que a Escola do Futuro exige que os mestres assumam o papel de

facilitadores em sala de aula, para que a partir daí as TIC sejam verdadeiras aliadas nos

processos por eles conduzidos, por meio de suas competências pedagógicas, técnicas e

humanas.

Assim, a utilização das TIC no processo de ensino-aprendizagem requer

habilidade, inteligência, planejamento e estratégia por parte do professor, para respaldar sua

credibilidade pedagógica. Nessa perspectiva, o uso das mídias em sala de aula poderia

funcionar como um meio inovador e motivacional, como um novo apoio pedagógico e não

como um fim em si.

Deste modo, o processo de construção do saber atenderia de forma positiva aos

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anseios dos alunos da era digital, que parecem acolher com naturalidade as diversidades

tecnológicas e os novos modelos pedagógicos, quebrando a linearidade dos conteúdos e dos

paradigmas do chamado ensino tradicional.

2.2.1 O computador e a internet

Segundo definição do dicionário Michaellis, computador é aquele (pessoa ou

máquina) que faz cômputos; e o verbo computar é o ato de calcular, contar, orçar, avaliar.

Historicamente, atribui-se a origem do computador à descoberta dos primeiros artefatos

humanos com tal finalidade, no século XVII, quando o matemático francês Blaise Pascal

projetou um contador mecânico que somava e subtraia e o alemão Gottfried Wilhelm Leibniz

incorporou a ele operações de multiplicar e dividir, tornando-o antecessor da calculadora

manual. No século seguinte, o francês Joseph Marie Jacquard construiu um tear mecânico

com uma leitora automatizada de cartões perfurados, que controlavam o movimento da

máquina, fornecendo os comandos necessários para a produção de tecidos mais elaborados.

Baseado na ideia dos cartões de Jacquard, o cientista inglês Charles Babbage,

criou em 1822 a máquina diferencial, capaz de realizar cálculos mais complexos com funções

trigonométricas e logaritmos. Em 1833, Babbage desenvolveu a máquina analítica, capaz de

executar as operações matemáticas, armazenar dados em uma memória e imprimir resultados.

Esta máquina foi a base para a criação dos computadores atuais e fez com que Babbage fosse

considerado o “Pai do Computador”. Mário Leite (2006) descreve a máquina analítica,

dizendo que “era capaz de executar as quatro operações aritméticas com até 1000 números de

50 dígitos; tudo isso memorizando em cartões perfurados”. (LEITE, 2006, p.04)

No final do século XIX, o inventor norte-americano Hermann Hollerith construiu

o primeiro computador mecânico, com o objetivo de apurar e tabular o Censo Demográfico

Americano de 1890. O resultado alcançado com a máquina foi a redução do tempo de

processamento de dados, que no último censo teria sido de sete anos, para apenas dois anos e

meio. Foi também pioneiro ao utilizar a eletricidade na separação, contagem e tabulação dos

cartões. Hollerith foi o fundador da International Business Machines – IBM, em 1924.

Em 1936, o primeiro computador eletromecânico foi criado pelo engenheiro

Konrad Zuse e oferecido ao governo alemão, que o rejeitou por achar que a invenção em nada

ajudaria no período da guerra, pois a perícia de seus pilotos dispensava tais recursos. As

aplicações militares foram decisivas para a transformação do computador moderno, fazendo

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com que os americanos intensificassem suas pesquisas científicas e acadêmicas no período da

Segunda Guerra Mundial.

O desenvolvimento dos computadores eletrônicos ganhou força com a

necessidade de se projetar máquinas capazes de executar cálculos balísticos com rapidez e

precisão para serem utilizadas na indústria bélica. Com isso, a Marinha Americana em

parceria com a Universidade de Harvard, criou o Mark I, projetado pelo professor Howard

Aiken, com base no calculador analítico de Babbage.

Paralelamente, ocorria em segredo militar o desenvolvimento do computador

ENIAC, sigla para Electronic Numerical Integrator and Computer, o primeiro computador a

válvulas produzido pelo exército dos Estados Unidos e desenvolvido por J. Presper Eckert e

John Mauchly, na Escola Moore da Universidade de Pensilvânia, sob contrato do Laboratório

de Pesquisas Balísticas. O Mark I e o ENIAC fizeram parte da primeira geração de

computadores (1945-1953):

Eram computadores a válvulas cuja programação era feita em linguagem de máquina, com alterações nos circuitos elétricos da máquina, o que exigia dos técnicos profundos conhecimentos de eletrotécnica. (LEITE, 2006).

O grande diferencial do ENIAC em relação às invenções anteriores era o fato de

não ser destinado a apenas uma operação específica. O ENIAC pesava quase 30 toneladas e

consumia 150 quilowatts de energia, podia fazer 5 mil somas por segundo e calcular uma

trajetória mais rápido do que o tempo que um projétil leva para atingir seu alvo.

Contudo, a capacidade de armazenagem de memória do ENIAC era limitada. Foi

quando, em meados de 40, o matemático John Von Neumann, juntou-se à equipe do ENIAC e

propôs transformar os calculadores eletrônicos em “cérebros eletrônicos”. Modelou uma nova

arquitetura baseada no sistema nervoso central humano, criando na máquina uma memória

capaz de armazenar informações. Surge a segunda geração de computadores (1955- 1962):

Com a invenção do transitor em 1949, por William Shockey, surgiu o EDVAC (Electronic Discrete Variable Automatic Computer), que era 100 vezes mais rápido, e bem menor que o ENIAC. (LEITE, 2006).

Nesta época, o computador não era mais visto como um instrumento matemático,

mas como uma máquina universal de processamento de informações com uma arquitetura que

permitia trocar o programa sem alterar sua estrutura física. Rapidez, versatilidade e auto

modificação eram as principais características da Arquitetura de Von Neumann. Esta

flexibilidade e a capacidade de programar o computador com bases e dados armazenados na

memória, viria a ser a base da ciência da computação.

Na década de 50, os computadores passaram a ser produzidos e comercializados

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em larga escala. Foram desenvolvidos os primeiros computadores civis e aperfeiçoados os

grandes computadores militares. Ainda segundo Leite (2006), a característica que marcou a

terceira geração de computadores (1963-1980) foi a utilização do transistor em circuito

integrado e a criação de computadores de médio porte, enquanto que a quarta geração (1975-

1990) teve como referência a miniaturização desses circuitos, que possibilitou o surgimento

dos microcomputadores.

Ainda na década de 60, durante a Guerra Fria, que teve como protagonistas duas

potências mundiais, os Estados Unidos da América e a União Soviética, a Internet surge como

uma ferramenta para assegurar a manutenção da comunicação das forças armadas americanas,

caso os ataques russos destruíssem todas as outras formas de comunicação. Outro objetivo era

evitar o vazamento e a perda de informações sigilosas do governo americano. Era preciso

elaborar um modelo que permitisse a troca e a descentralização da informação, pois caso a

base americana fosse destruída, a informação estaria salva e armazenada em outro lugar.

Manuel Castells (2003) em sua obra Galáxia Internet: reflexões sobre a Internet,

negócios e a sociedade, aponta que o início dessa revolução tecnológica se deu com o

surgimento do primeiro satélite artificial do mundo, o Sputinik, lançado ao espaço pela Rússia

em 1957. Como represália, o governo americano criou a ARPA – Advanced Research Project

Agency, com a missão de mobilizar a pesquisa, principalmente a universitária, para superar a

tecnologia militar da União Soviética.

Em 1961, a Força Aérea americana doou o computador IBM Q32, possibilitando à

ARPA desenvolver um centro de pesquisas tecnológicas, o Command and Control Research

(CCR), coordenado pelo psicólogo Joseph Licklider. A partir do departamento IPTO

(Information Processing Techniques Office), Licklider realizou um trabalho orientado para a

interatividade e transmissão de dados, com o objetivo de estimular a pesquisa em computação

interativa e proporcionar uma comunicação rápida entre as equipes de investigadores, por

meio da construção de uma rede (NET).

Robert Taylor, sucessor de Joseph Licklider, iniciou o projeto que culminou com

a primeira conexão em redes da história, a Arpanet, estabelecida inicialmente em 1969 com

um rede de quatro nós: a Universidade da Califórnia em Los Angeles, a Universidade da

Califórnia em Santa Bárbara, a Universidade de Utah e o Instituto de Pesquisa de Stanford.

Dois anos depois a rede já contava com 15 nós, a maioria deles centros universitários de

pesquisa. Manuel Casttels (2003) remete então às transformações da Arpanet:

O passo seguinte foi tornar possível a conexão da Arpanet com outras redes de computadores, a começar pela PRNET e SATNET. Isso introduziu um novo conceito: uma rede de redes. (CASTTELS, 2003)

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A Arpanet passou a ser controlada pela US Defense Communications Agency

conhecida pela sigla DISA (Defense Information Systems Agency). Começou a operar com o

protocolo TCP/IP e por questões de segurança precisou ser dividida em duas redes: a Milnet,

para fins militares e a Arpa-Internet para fins de pesquisa. Em 1975, a NSF (National Science

Foundation), decidiu construir a sua própria rede denominada CSNET (Computer Science

Network) com o objetivo de conectar todos os laboratórios de Informática dos Estados Unidos

da América.

Entre os anos 70 e 80 várias redes foram sendo criadas em todo o mundo e a

Arpanet tornou-se obsoleta tecnologicamente sendo substituída nos anos 90 pela rede da NSF,

rebatizada de NSFNET, que ficou mundialmente conhecida como Internet. Mas o fato que

permitiu a expansão da Internet por todo o mundo foi a criação do WWW World Wide Web

ou rede de alcance mundial, pelos engenheiros do CERN (Centre Européen por la Recherche

Nucléaire), Robert Caillaiu e Tim Berners-Lee, assim como a criação do HTML (HyperText

Markup Language) e dos Browsers.

O primeiro browser a ser utilizado, o LYNX, permitia apenas a transferência de

textos, e foi logo substituído pelo MOSAIC, que permitia também a transferência de imagens

(ALMEIDA, 2005). O MOSAIC se transformou em NETSCAPE, o primeiro navegador

comercial da história. Depois, a Microsoft lançou o Internet Explorer, juntamente com seu

software Windows 95.

Assim, tornou-se possível conectar-se a todas as redes de computadores de

qualquer lugar do mundo. A transformação da Internet foi muito rápida e apesar de sua

origem nos remeter ao início dos anos 60, foi somente em meados de 90 que esse marco da

revolução tecnológica chegou até casas, escolas, empresas, impactando significativamente os

modos de ver o mundo, o interesse em aprender, as formas de relacionamento e

principalmente a capacidade de interagir ativamente com o mundo.

A Interatividade é um princípio desse novo ambiente comunicacional interligado

por redes. Antes do advento da Internet, nenhum recurso tecnológico permitia a troca de

informações de modo interativo: havia o grupo dos expectadores, separado do grupo dos

emissores pelo meio de comunicação. A mensagem era difundida pelo livro, pelo rádio, pela

televisão, numa via de mão única, sem que fosse possível concordar, contestar, complementar,

enfim, sem que ocorresse o encontro entre receptor e emissor.

O sociólogo e professor Marco Silva, define o conceito de interatividade

associado ao contexto educacional, em seu artigo Sala de Aula Interativa, que decorre da obra

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com o mesmo título:

Interatividade significa libertação do constrangimento diante da lógica da transmissão que predominou no século XX. É o modo de comunicação que vem desafiar a mídia de massa – rádio, cinema, imprensa e tv – a buscar a participação do público para se adequar ao movimento das tecnologias interativas. É o modo de comunicação que vem desafiar professores e gestores da educação, igualmente centrados no paradigma da transmissão, a buscar a construção da sala de aula onde a aprendizagem se dá com a participação e cooperação dos alunos. (SILVA, 2001)

Para Silva, a Interatividade se baseia em três pressupostos interdependentes,

complementares e que delegam aos atores do processo de comunicação o caráter ativo ao

interagir. O autor chama o primeiro pressuposto de Participação-Intervenção no qual a

mensagem, antes fechada e imutável, converte-se em passível de intervenção, segundo

pressuposto seria a Bidirecionalidade-Hibridação, que se define pela troca comunicativa, na

qual os sujeitos se relacionam como co-autores na construção do diálogo. E por último, a

Potencialidade-Permutabilidade, onde temos uma troca colaborativa e emissores e receptores

têm a liberdade de intervir na mensagem, alterando seus atributos e permitindo uma nova

lógica.

Ao trazer essa realidade para a sala de aula, Silva considera que o padrão

tradicional de ensino, segundo o qual o professor tinha a voz e o aluno, somente os ouvidos, já

não mais atende ao modelo de sociedade atual, a educação autêntica não se faz sem o aluno, o

ditar-falar do mestre não se faz transmitindo de A para B, ou de A sobre B, mas sim, da

interação de A e B. (SILVA, 2001). Mas o que percebe é que o modelo atual de ensino ainda

não se apercebeu em mudar essa comunicação verticalizada para uma comunicação

colaborativa.

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3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE FOMENTO ÀS TECNOLOGIAS DIGITAIS NA

ESCOLA

3.1 O USO DAS TIC NA EDUCAÇÃO – O PAPEL DA UNESCO

Em relação ao Brasil, a UNESCO – Organização das Nações Unidas para a

Educação e a Cultura – aponta o papel importante que as Tecnologias da Informação e

Comunicação (TIC) têm exercido para a educação. O desafio é equipar as escolas com essas

tecnologias para atender aos interesses dos aprendizes e da comunidade de ensino e

aprendizagem. Segundo a UNESCO, as TIC podem

Contribuir para o acesso universal da educação, a equidade na educação, a qualidade do ensino e aprendizagem, o desenvolvimento profissional dos professores, bem como melhorar a gestão, a governança e a administração educacional ao fornecer a mistura certa e organizada de políticas, tecnologias e capacidades. (UNESCO, 2015)

A UNESCO aborda as TIC para a educação por meio de uma plataforma

intersetorial própria, a qual organiza o trabalho conjunto dos setores de Comunicação e

Informação, Educação, Ciências, onde são tratadas questões sobre acesso, inclusão, equidade

e qualidade na educação. Assim, a UNESCO, em colaboração com os seus parceiros,

desenvolve estratégias, políticas e atividades para enfrentar os desafios ligados à exclusão

digital das populações menos favorecidas. Seu programa inclui:

- Capacitação e aconselhamento de políticas públicas para o uso das tecnologias

na educação, particularmente nos domínios emergentes como a aprendizagem

móvel.

- Garantia de que professores tenham as habilidades necessárias para usar as TIC

em todos os aspectos da prática de sua profissão por meio de ferramentas e como

o Marco Político de Padrões de Competência em TIC para Professores.

- Apoio do uso e desenvolvimento de recursos e softwares educacionais

plurilíngues, que sejam disponíveis para uso e reuso como resultado de licenças

abertas (recursos educacionais abertos – REA; software livre e aberto – free and

open source software – FOSS).

- Promoção de TIC para educação inclusiva, que inclua pessoas com deficiências

e proporcione igualdade de gênero.

- Coleta de dados estatísticos e desenvolvimento de indicadores sobre o uso de

TIC na educação.

- Provisão de apoio a políticas públicas que garantam que o potencial das TIC seja

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aplicado efetivamente por todo o sistema educacional.

Segundo o site da UNESCO, o Brasil precisa melhorar a competência dos

professores para utilizar as TIC na educação, pois a forma como o sistema educacional

incorpora as TIC afeta diretamente à diminuição da exclusão no país.

Para a UNESCO alguns questionamentos são importantes para utilizar as

Tecnologias de Informação e Comunicação na educação: Como as TIC podem ser utilizadas

para acelerar o desenvolvimento em direção à meta “educação para todos e ao longo da vida”?

Como elas podem propiciar melhor equilíbrio entre ampla cobertura e excelência na

educação? Como elas podem contribuir para reconciliar universalidade e especificidade local

do conhecimento? Como pode a educação preparar os indivíduos e a sociedade de forma a

que eles dominem as tecnologias que permeiam crescentemente todos os setores da vida e

possam tirar proveito delas?

Nesta perspectiva, as TIC são apenas uma parte do contínuo desenvolvimento de

tecnologias, a começar pelo giz e os livros, todos podendo contribuir e enriquecer a

aprendizagem. A UNESCO acredita também que as TIC, como qualquer ferramenta, devem

ser adaptadas para servir a fins educacionais. Ela considera ainda questões éticas e legais,

como àquelas vinculadas à propriedade do conhecimento, ao crescente tratamento da

educação como mercadoria, à globalização da educação face à diversidade cultural, as quais

também interferem no amplo uso das TIC na educação.

Para solucionar essas questões, a UNESCO coopera com o governo brasileiro na

promoção de ações de disseminação das TIC nas escolas com o objetivo de melhorar o

processo de ensino-aprendizagem, entendendo que o letramento digital é uma decorrência

quase necessária do uso dessas tecnologias.

3.2 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA PROMOVER O USO DAS TIC NA EDUCAÇÃO

O marco legal neste estudo corresponde àquele que sustenta a política de inclusão

no país, sobretudo, a inclusão digital. É possível citar leis ordinárias, resoluções e instruções

normativas que criaram e/ou regulamentaram programas de inclusão digital no Brasil, mas o

marco normativo primário e de maior valia foi a Constituição Federal de 1988, que em seu

artigo 219 garante o direito ao acesso às informações e à formação de um mercado interno

que viabilize o bem estar da população no que se refere ao acesso à ciência e à tecnologia: “o

mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o

desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia

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tecnológica do País, nos termos de lei federal”. (Constituição Federal: 1988, artigo 122)

Nesse contexto de globalização marcado por profundas mudanças nas relações

econômicas, sociais e políticas no cenário internacional, a tecnologia digital sugere a ideia de

uniformização de mundos, pois a informação não é mais privilégio de alguns, mas torna-se

quase universal (vide os excluídos e analfabetos digitais). Para Gadotti (2000):

Nos últimos anos, a informação deixou de ser uma área ou especialidade para se tornar uma dimensão de tudo, transformando profundamente a forma como a sociedade se organiza. Pode-se dizer que está em andamento uma Revolução da Informação, como ocorreram no passado a Revolução Agrícola e a Revolução Industrial (GADOTTI, 2000).

A chamada “Revolução da Informação” impacta em todo o cenário mundial na

forma como os governos priorizam suas políticas para a universalização digital. No Brasil,

esse processo teve início no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995), com a

publicação do Livro Verde do Programa Sociedade da Informação no Brasil, uma

consolidação de propostas feitas por especialistas do governo, da sociedade civil organizada e

da iniciativa privada para a entrada do país na era digital.

Nesse primeiro momento, a inserção digital era uma preocupação

primordialmente econômica, e por isso, o país insere em sua agenda política a universalização

do acesso às tecnologias da informação e comunicação – TIC – e a promoção da

“alfabetização digital” (BRASIL, 2000). Era preciso implantar um programa que garantisse ao

Brasil, condições para competir economicamente no mundo globalizado. Para os autores do

Livro Verde:

Trata-se, sobretudo, de permitir que as pessoas atuem como provedores ativos dos conteúdos que circulam na rede. Nesse sentido, é imprescindível promover a alfabetização digital, que proporcione a aquisição de habilidades básicas para o uso de computadores e da Internet, mas também que capacite as pessoas para a utilização dessas mídias em favor dos interesses e necessidades individuais e comunitários, com responsabilidade e senso de cidadania (LIVRO VERDE, 2000).

A partir da publicação do Livro Verde, o governo formou Grupos de Trabalho e

Comitês para estabelecer metas para universalização do uso das Tecnologias da Informação e

Comunicação (TIC) no Brasil, centrando-se principalmente na necessidade de promover

inovação tecnológica para o desenvolvimento econômico do país. Neste momento, foram

criados os primeiros programas de acesso gratuito à internet para a população de baixa renda,

assim como estratégias de reengenharia que possibilitaram o chamado “governo eletrônico”,

que permite ao cidadão utilizar a internet para dispor de serviços públicos.

O objeto dessa pesquisa não abrange a inclusão digital de forma geral. O campo

empírico restringe-se ao ambiente escolar, espaço de inserção dos jovens na cultura, e ao

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tempo contemporâneo, marcado por processos digitais. Neste âmbito, foi no primeiro

Governo Lula (2003-2006) que as ferramentas digitais foram inseridas no sistema público

educacional.

Em 2002, com o cenário político favorável à melhoria do papel do Brasil no

sistema mundial, após a grave crise econômica de 2001 (Filgueiras e Gonçalves, 2007), Luís

Inácio Lula da Silva se candidatava pela 4ª vez consecutiva à Presidência da República; o

Programa de governo da Coligação Lula Presidente previa ações de implantação e ampliação

das políticas de acessibilidade das Tecnologias da Informação e Comunicação à população em

três eixos: governança e governabilidade; governo eletrônico e democratização do acesso às

Tecnologias de Informação, cuja função seria incentivar a criação de mecanismos e políticas

que permitissem o aprendizado, o acesso e a incorporação das tecnologias de informação pela

população e o compartilhamento de soluções entre diferentes níveis de governo.

Ao assumir em 2003, Lula substituiu o termo “universalização dos serviços”,

usado no governo anterior, por “inclusão digital”, que passou a ser um dos dez desafios do seu

“mega objetivo”, denominado no Plano Plurianual de 2004-2007 de “inclusão social e

redução das desigualdades sociais”.

“O software livre representa a vanguarda da informática. Com seu código aberto e

de uso coletivo, estimula a produção e a troca de conhecimento em todas as camadas da

sociedade. Orienta-se para a liberdade do conhecimento e para o atendimento de necessidades

específicas das comunidades, além de favorecer a inclusão digital”. Esse era o texto do folder

“O software livre e o desenvolvimento do Brasil”, realizado em Brasília, no primeiro ano do

governo Lula, em 2003 e detalhado com muita propriedade por Hermano Viana, no capítulo

“Internet e inclusão digital: apropriando e traduzindo tecnologias”, da coletânea “Agenda

brasileira: temas de uma sociedade em mudança”, organizado por Andréa Botelho e Lilia

Moritz Schwarcz, 2011. Diante de autoridades e políticos brasileiros e do presidente da Free

Software Foundation, Richard Stallman, o software livre se apresentava como uma das

preocupações do Estado e o Brasil se colocaria na vanguarda tecnológica.

Na década de 90, a única possibilidade de acesso à internet no Brasil era através

da conexão ONG base, de algumas universidades e outros poucos órgãos públicos. As

iniciativas governamentais de até então pareciam querer afastar os brasileiros da tendência

mundial. Durante a ECO-92 que os poucos usuários de internet, mais ou menos 800 pessoas,

tiveram acesso à World Wide Web e essa abertura só pôde acontecer porque a comunicação

telefônica no Brasil era muito precária e as organizações que faziam parte do evento

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precisavam de uma comunicação eficiente.

Foi somente em 1995 que a Embratel implantou um projeto piloto que criou um

provedor nacional e estatal único. Nos Estados Unidos a popularização da internet se deu em

1995, apesar de já haver provedores comerciais desde a década de 80. Bill Gates deu uma

entrevista para a revista brasileira Internet World (setembro de 1995) afirmando que até então

a internet não tinha sido uma área de investimento. Essa constatação significava que até então

a rede não havia despertado atenção comercial, os softwares que já existiam eram livres e

disponibilizados por trabalhos voluntários que tinham como ideal a “informação livre”. Até

hoje a internet carrega essa característica, a capacidade de fazer com que a informação seja

livre e ultrapasse os muros comerciais impostos por empresas comerciais.

No segundo Governo Lula o anteprojeto de lei do Marco Civil da Internet,

iniciativa do Ministério da Justiça foi posto em consulta pública na internet e em 2014 foi

lançado um plano nacional com a ambição de conectar 35 milhões de domicílios à internet

banda larga. Já na esfera civil, a internet cresceu desordenadamente, rapidamente e com

características comerciais. A princípio, nas classes A e B, em seguida nas classes C, D e E.

Vale uma breve consideração sobre o Marco Civil da Internet. A Lei n° 12.965/14

regula o uso da Internet no Brasil através da previsão de princípios, garantias, direitos e

deveres dos usuários da rede, bem como determina as diretrizes para a atuação do Estado. Foi

sancionada pela presidente Dilma Rousseff, em 23 de abril de 2014. A tramitação do projeto

foi realizada em caráter de urgência depois das denúncias de espionagem do governo

brasileiro pela NSA, agência de segurança nacional norte-americana, fato que causou

polêmica nas redes sociais: enquanto uns promoviam campanhas de apoio, outros alegavam

ser o Marco Civil uma tentativa de “censurar” a rede.

A lei tornou-se necessária para atender uma demanda popular que debatia

continuamente a inclusão digital no Brasil desde a última década. Os impactos na vida da

sociedade, em função da presença maciça das tecnologias digitais nas mais variadas

atividades sociais, como no nosso caso, no cenário educacional, geraram discussões a respeito

do tema, pois faltava uma política coerente e contínua que avançasse no sentido da

universalização plena do acesso às redes digitais. O Brasil, até então, não possuía nenhuma

norma capaz de legislar sobre os conflitos surgidos na rede. Além disso, o avanço da

tecnologia e a disseminação de serviços ligados à internet móvel fizeram com que fosse

necessário garantir a proteção ao usuário, seja destacando seus direitos na hora de comprar

esses serviços ou assegurando sua privacidade no uso da rede.

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Portanto, o Marco Civil nada mais é do que uma espécie de “Constituição da

Web”, ou seja, um conjunto de leis e regras sobre o uso da internet no Brasil. Dentre os

inúmeros aspectos presentes na lei, vale comentar o item que está diretamente ligado ao nosso

estudo: o incentivo à educação.

Neste o ponto, um aspecto importante do texto é o registro de que, no Brasil, o

papel da internet será, sobretudo, democratizar o acesso à cultura e à educação e promover o

exercício da cidadania e dos direitos humanos, através da inclusão digital, como cita o artigo

4º da lei:

Art. 4o A disciplina do uso da internet no Brasil tem por objetivo a promoção: I - Do direito de acesso à internet a todos; II - Do acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na condução dos assuntos públicos; III - da inovação e do fomento à ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso; e IV - Da adesão a padrões tecnológicos abertos que permitam a comunicação, a acessibilidade e a interoperabilidade entre aplicações e bases de dados. (Lei 12965/14)

Em resumo, trata-se de uma experiência democrática válida e interessante,

especialmente por seu caráter inovador, contudo os impactos ainda são pequenos tanto no

sistema político quanto na sociedade civil, o que aponta a necessidade de melhorias e

reformulações para futuras tentativas similares.

Segundo dados do Caderno Info do jornal O Globo, de 19 de setembro, dez anos

após a abertura comercial da internet, o Brasil de 2006 era o segundo povo do mundo que

mais acessava o YouTube, a segunda comunidade de colaboradores de grupos como Yahoo e

Yahoo Respostas, tinha 21 milhões de usuários do MSN e também éramos os maiores

usuários do mundo da rede social da época, o Orkut.

Segundo pesquisa realizada pelo Comitê Gestor de Internet em 2009, disponível

em http://www.cetic.br/usuarios/tic/, 32% dos lares brasileiros possuem computador, o que

contabiliza 18,3 milhões de domicílios, mas 5 milhões deles sem acesso à internet; 45% da

população brasileira diz já ter acessado à internet, entre os que acessaram a internet, 45%

deles freqüentaram “lan houses”. Para os formuladores de políticas públicas de inclusão

digital, ter um computador e uma conexão à internet não faz de alguém um “incluído” digital.

Na pesquisa de 2015, realizada pelo Comitê Gestor de Internet, disponível em

http://www.cetic.br/usuarios/tic/, 98% dos domicílios da classe A tem acesso à internet assim

como 82% da classe B, 48% da classe C e 14% das classes D e E. Aqueles que já acessaram a

internet representam 97% da classe A, 86% da classe B, 61% da classe C e 28% das classes D

e E. Esses dados servem para confirmar a facilidade que os brasileiros têm em utilizar os

códigos abertos, além do interesse por tecnologias.

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3.2.1 Programa Brasileiro de Inclusão Digital

O Programa Brasileiro de Inclusão Digital foi criado pela Secretaria de Inclusão

Digital do Governo Federal, através da Lei no 11.196, de 21 de novembro de 2005 e

regulamentado pelo Decreto no 5.602, de 06 de dezembro de 2005. O programa previa

incentivos fiscais para aquisição de equipamentos tecnológicos e estabelecia diretrizes e

normas para a execução do programa nas comunidades, por meio da alfabetização digital e da

capacitação de alunos a partir da ampliação do acesso comunitário gratuito, da ajuda na

aquisição domiciliar de microcomputadores e da universalização da conexão à internet.

O Programa Brasileiro de Inclusão Digital implantou uma política pública

inclusiva, que garantia oportunidade igualitária para todos, buscando o desfazimento da

segmentação da sociedade em dois grupos: analfabetos e alfabetizados digitais. Impactou

diretamente na vida educacional e na formação de cidadãos confiantes e habilitados a usarem

os recursos e os serviços digitais, de modo a aumentar a qualidade de vida e as possibilidades

de trabalho. O programa visou, estrategicamente, atender à população mais carente e à

margem da tecnologia da informação, através dos tele centros comunitários, priorizando

municípios e áreas rurais com menor índice de desenvolvimento humano (IDH), além das

comunidades tradicionais.

A inclusão digital abrangia quatro linhas de execução: o barateamento dos

equipamentos com crédito e isenção de impostos; a criação de locais de acesso público, com

serviços gratuitos, acesso à internet através dos tele centros - e capacitação de pessoal das

prefeituras para monitorar as atividades; a garantia da conexão à internet com velocidade

compatível para uso dos principais aplicativos e a implantação de laboratórios de informática

em salas de aula nas escolas públicas com acesso à internet e com banda larga e a qualificação

dos professores.

O Governo Federal investiu mais de R$ 500 milhões, distribuídos em 20 projetos

entre os Ministérios das Comunicações, Educação, Ciência e Tecnologia e Planejamento,

Orçamento e Gestão, e também em empresas públicas e privadas e organizações não-

governamentais, sob a coordenação da Presidência da República. Acredita-se que a

implantação do Programa Brasileiro de Inclusão Digital foi fundamental para que outras

políticas públicas de acesso às TIC na educação fossem iniciadas. A partir dele, concretizou-

se a oferta dos meios, instrumentos e facilidades para que os excluídos digitais participassem

efetivamente do processo de inclusão social, atuando como sujeitos ativos da expansão do uso

das TIC em sala de aula.

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O Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da

Informação, CETIC, foi criado em 2005 para monitorar a adoção das tecnologias de

informação e comunicação (TIC) e com isso subsidiar as políticas públicas que envolvam

questões sobre a inclusão digital. O CETIC desde 2010, pesquisa o uso das TIC na educação

(http://cetic.br/pesquisa/educacao), buscando avaliar a infra-estrutura das TIC em escolas

públicas e privadas de áreas urbanas e a apropriação destas nos processos educacionais. O

levantamento é feito junto a alunos, professores do ensino fundamental e médio,

coordenadores pedagógicos e diretores.

Dentro campo de pesquisa, escolas do ensino médio que utilizam as TIC no

processo de aprendizagem, o CETIC apresenta pesquisa que teve por base 930 escolas

públicas de ensino médio na Região Nordeste. Os dados foram coletados entre setembro de

2014 e março de 2015. Os resultados mais relevantes são:

• Na região Nordeste, apenas 30% das escolas públicas de ensino médio teve

professores capacitados para o uso das TIC em sala de aula;

• No entanto, 96% das escolas públicas de ensino médio possuíam infraestrutura

necessária para o uso das TIC;

• Apenas 30% possuíam professores que davam aulas específicas de informática;

• 67% possuem Laboratório de Informática, 26% possuem computadores na

biblioteca ou sala de estudos, 7% possuem computadores em sala de aula, 42%

possuem computadores na sala dos professores e 79% possuem computadores na

sala de coordenação/direção;

• Apenas 5% destas escolas possuem responsáveis pela manutenção de

equipamentos de informática;

• 85% das escolas possuem acesso à internet, sendo 46% conexão via cabo, 17%

conexão via telefônica (DSL), 11% via rádio, 8% via satélite e 4% via fibra ótica,

15% conexão móvel (modem 3G).

A partir dessas informações podemos concluir que a parte inicial do programa,

que teve como foco a montagem da infraestrutura das escolas através do fornecimento de

equipamentos foi implantada, deixando a desejar nos quesitos de capacitação dos professores

e a consequentemente na adequação dos imigrantes digitais a esta nova realidade.

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3.2.2 Programa um Computador por aluno (PROUCA)

O Programa Um Computador por Aluno – UCA - foi oficialmente criado por

intermédio da publicação da Medida Provisória nº 472/09, de 15 de dezembro de 2009, que

trata, entre outros assuntos, da criação do programa, bem como da instituição de um regime

especial para a compra de computadores voltados ao uso educacional, o RECOMPE. Essa

Medida Provisória foi convertida na Lei nº 12.249, de 10 de junho de 2010, que

posteriormente denominou o Projeto de PROUCA, conforme decreto presidencial que o

regulamenta. Segundo a lei instituidora, o Programa Um Computador por Aluno, tinha no

campo educacional, os seguintes objetivos:

a) contribuir na construção da sociedade sustentável mediante desenvolvimento de

competências, habilidades, valores e sensibilidades, considerando os diferentes

grupamentos sociais e saberes dos sujeitos da aprendizagem;

b) inovar os sistemas de ensino para melhorar a qualidade da educação com

equidade no país;

c) ampliar o processo de inclusão digital das comunidades escolares;

d) possibilitar a cada estudante e educador da rede pública do ensino básico o uso

de um laptop para ampliar seu acesso à informação, desenvolver habilidades de

produção, adquirir novos saberes, expandir a sua inteligência e participar da

construção coletiva do conhecimento;

e) conceber, desenvolver e valorizar a formação de educadores (gestores e

professores) na utilização do laptop educacional com estudantes; e

f) criar a rede nacional de desenvolvimento do projeto para implantação,

implementação, acompanhamento e avaliação do processo de uso do laptop

educacional.

O Programa Um Computador por Aluno – PROUCA – tinha como desafio

alcançar todos os estudantes de Ensino Médio e Fundamental do país, a fim de que cada

estudante possuísse um computador portátil com acesso à internet. O objetivo do programa

era intensificar as TIC nas escolas, por meio de seu projeto “piloto”, onde 150.000

computadores portáteis (laptops educacionais) foram distribuídos; na primeira fase, aos alunos

da rede pública de ensino, atendendo 300 escolas espalhadas pelo país. Conforme os dados

constantes no SIMEC (Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle) foram

investidos R$ 82.485.000,00 para realização dessa iniciativa. O equipamento adquirido

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continha sistema operacional específico e características físicas que facilitavam o uso e

garantiam a segurança dos estudantes e foi desenvolvido especialmente para uso no ambiente

escolar.

Antes de ser instituído por lei, o projeto foi apresentado pelo Governo Brasileiro

durante o Fórum Econômico Mundial em Davos – Suíça, em janeiro de 2005. Em junho do

mesmo ano, o presidente Lula criou um grupo interministerial para dar encaminhamento à

proposta. A partir de debates com especialistas da área de Tecnologia da Informação e

Comunicação, uma parceria foi formalizada com a FACTI (Fundação de Apoio à Capacitação

em Tecnologia da Informação) e a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos).

Em fevereiro de 2006, mais três instituições passaram a integrar o grupo técnico e

fazer um estudo sobre a viabilidade do programa: CENPRA – Centro de Pesquisa Renato

Archer; Fundação CERTI - Fundação Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras e

LSI - Laboratório de Sistemas Integráveis. Três fabricantes de equipamentos interessados no

projeto brasileiro doaram ao Governo Federal três modelos de laptops. A Intel doou o modelo

Classmate; a OLPC doou o modelo XO; e a empresa Indiana Encore doou o modelo Mobilis.

Figura 1 - LAPTOPS XO (OLPC), MOBILIS (ENCORE) e CLASSMATE (INTEL)

Fonte: UCA – UNICAMP (InterHAD).

Em janeiro de 2010, foi finalizado o procedimento licitatório para a aquisição de

150.000 laptops educacionais, que atenderam cerca de 300 escolas públicas já selecionadas

nos estados e municípios. Além dos computadores, cada estabelecimento de ensino recebeu

infraestrutura para acesso à internet e capacitação de gestores e professores no uso da

tecnologia.

A partir de então, o UCA passou a denominar-se PROUCA. Nessa nova etapa, o

Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE - elaborou uma Ata Nacional de

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Registro de Preços onde os estados/municípios poderiam adquirir os equipamentos por meio

de recursos próprios ou por financiamento do BNDES, conforme sua política pedagógica,

disposição de recursos e sua capacidade administrativa.

3.2.3 O PROUCA no Estado do Ceará

O Estado do Ceará foi atendido, a partir do ano de 2010, com um total de 4.063

equipamentos UCA, contemplando, nesta primeira fase, um total de nove escolas, conforme

se pode verificar na tabela abaixo:

Figura 2 - O PROUCA no Estado do Ceará

Fonte: SIGETEC

Os alunos cearenses voltaram a ser beneficiários do projeto em fevereiro de 2013,

com 2.779 alunos de escolas públicas da capital e do interior, o que totalizou um investimento

de R$ 3.213.952,36 e 6.842 alunos atendidos no período de 2010 a 2013.

Em 2013, o Fundo Nacional de Desenvolvimento na Educação, principal

financiador do projeto, deixou de fazer convênios com as prefeituras para o PROUCA. Com a

falta de liberação de recursos, os municípios passaram a fazer adesão ao ProInfo.

3.2.4 O Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo)

O Programa Nacional de Tecnologia Educacional - ProInfo - é um programa

educacional criado pela Portaria nº 522 do Ministério da Educação, por meio da Secretaria de

Educação a Distância – SEED, em 9 de abril de 1997, desenvolvido em parceria com os

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governos estaduais e municipais.

Seus objetivos são: “melhorar a qualidade do processo de ensino-aprendizagem,

possibilitar a criação de uma nova ecologia cognitiva nos ambientes escolares mediante

incorporação adequada das novas tecnologias da informação pelas escolas, propiciar uma

educação voltada para o desenvolvimento científico e tecnológico, educar para uma cidadania

global numa sociedade tecnologicamente desenvolvida”. (www.proinfo.gov.br).

O programa teve início com a introdução das tecnologias de informática e

telecomunicações na rede pública de ensino fundamental e médio por meio de um regime de

parceria entre a Secretaria de Educação a Distância – SEED, do MEC com os governos

estaduais, mas também das Secretarias Estaduais de Educação e Conselho Nacional de

Secretários de Educação – CONSED e os governos municipais, através das Secretarias

Municipais de Educação e União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação –

UNDIME.

A instalação de NTE – Núcleos de Tecnologia Educacional – nas principais

unidades da federação buscava garantir a reciclagem, preparação e capacitação dos recursos

humanos, no caso os professores, atores fundamentais para o sucesso do programa. A

capacitação do professor se dá em dois níveis: os multiplicadores e de escolas.

O professor especialista conduz a capacitação de professores para uso da

telemática em sala de aula. Já os professores multiplicadores capacitam os professores nas

bases tecnológicas do ProInfo nos Estados e os NTE, que são estruturas de apoio ao processo

de informatização das escolas, os auxiliam no processo de planejamento, incorporação das

novas tecnologias, suporte técnico, capacitação dos professores e das equipes administrativas

das escolas.

Para promover o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação em

instituições de ensino público, no Ensino Fundamental e Médio, essa capacitação recebe

recursos do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE) e é realizada no

âmbito do Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação.

Segundo o Ministério da Educação, o Proinfo tem o objetivo de promover o uso

pedagógico da informática na rede pública de educação básica. O governo Lula ampliou o

programa, que leva às escolas computadores, recursos digitais e conteúdos educacionais. Em

contrapartida, estados, Distrito Federal e municípios devem garantir a estrutura adequada para

receber os laboratórios e capacitar os educadores para uso de equipamentos e tecnologias.

Baseado na proposta do ProInfo, o Governo Federal criou o E-ProInfo e o ProInfo

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Integrado. O primeiro pode ser definido como um ambiente virtual colaborativo de

aprendizagem que permite a concepção, administração e desenvolvimento de diversos tipos

de ações, como cursos a distância, complemento a cursos presenciais, projetos de pesquisa,

projetos colaborativos e diversas formas de apoio ao processo ensino-aprendizagem.

Por sua vez, o Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnologia

Educacional (ProInfo Integrado) oferece cursos a professores das escolas públicas por meio

de formação voltada para o uso didático-pedagógico das Tecnologias da Informação e

Comunicação (TIC) no cotidiano escolar, articulado à distribuição dos equipamentos

tecnológicos nas escolas e à oferta de conteúdos e recursos multimídia e digitais oferecidos

pelo Portal do Professor, pela TV Escola e DVD Escola, pelo Domínio Público e pelo Banco

Internacional de Objetos Educacionais.

O Painel de Controle do Ministério da Educação – SIMEC (painel.mec.gov.br)

fornece dados estaduais sobre a implantação da educação digital através do ProInfo no Ceará.

Registram-se aqui as informações mais relevantes, dentro deste campo de pesquisa.

• De janeiro de 1999 a junho de 2015 foram entregues pelo ProInfo 5.465

laboratórios de informática, tanto na zona urbana (2.924 escolas), quanto na zona

rural (2.541 escolas), totalizando um investimento de R$ 445.690.530,51, que

beneficiou 184 municípios. Somente a Região Metropolitana de Fortaleza recebeu

1.135 laboratórios.

Gráfico 1 – Laboratórios de informática entregues na zona rural e urbana do Ceará

Fonte: ProInfo

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Tabela 1 – Escolas beneficiadas pelo Programa

Fonte: ProInfo

Em todo o estado do Ceará, 4.696 escolas foram beneficiadas pelo programa,

dentre elas as escolas estaduais de Ensino Médio que foram objetos da pesquisa: Escola de

Ensino Médio Governador Adauto Bezerra (01 laboratório de informática – investimento de

R$ 11.103,46) e Escola de Ensino Fundamental e Médio Dr. César Calls (03 laboratórios de

informática – investimento de R$ 1.394.093,46). Entre os anos de 2011 e 2015, o ProInfo

também entregou 5.373 projetores em todo o estado do Ceará, sendo 3.387 somente na

Região Metropolitana de Fortaleza, com recursos do Fundo Nacional para o Desenvolvimento

da Educação (FNDE).

Mediante exigências do ProInfo, a partir de 1997, foi solicitada aos estados a

elaboração de seus projetos de Informática na Educação, o que incluía a formação de

professores e multiplicadores. Com isso, a Secretaria de Educação do Estado do Ceará-

SEDUC-CE desenvolveu a partir de 1998 uma formação que se apresentava em três ações

estratégicas (CEARÁ, 1997):

1. Curso de Especialização em Informática na Educação para professores-

multiplicadores dos Núcleos de Tecnologia Educacional - NTE, técnicos de

equipes de apoio curricular e tele ensino. O curso foi ministrado pela Faculdade

de Educação – FACED e pelo Curso de Computação da Universidade Federal do

Ceará, oferecido para 40 professores dos municípios de Fortaleza, Sobral, Tauá,

Iguatu, Crato, Crateús, Itapipoca e Quixadá;

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2. Curso de extensão voltado para os professores-multiplicadores, docentes dos

laboratórios de Informática das Infovias do Desenvolvimento, dos NTE, do

Projeto Escola Viva e do Centro de Informática Educativa - CIEd;

3. Curso de capacitação realizado para professores e alunos-monitores das escolas

públicas estaduais.

Importante ressaltar a importância dos Núcleos de Tecnologia Educacional

(NTE), locais dotados de infra-estrutura de informática e comunicação que reúnem

educadores e especialistas em tecnologia de hardware e software. Os profissionais que

trabalham nos NTE são especialmente capacitados pelo ProInfo para auxiliar as escolas em

todas as fases do processo de incorporação, e aprimoramento das novas tecnologias no

contexto educacional. Portanto, o NTE é o parceiro mais próximo da escola no processo de

inclusão digital, prestando orientação aos diretores, professores e alunos quanto ao uso e

aplicação das novas tecnologias, bem como no que se refere à utilização e manutenção do

equipamento. A capacitação dos professores é realizada a partir destes núcleos onde os

agentes multiplicadores dispõem de toda a estrutura necessária para qualificar os educadores a

fim de utilizar a internet no processo educacional.

A função do NTE é orientar o uso adequado dos instrumentos tecnológicos para

promover o desenvolvimento humano não apenas no âmbito escolar, mas em toda a

comunidade, otimizando assim os resultados através da multiplicação do aprendizado.

O número de escolas a serem atendidas – bem como o número de NTE em cada Estado – é

estabelecido de maneira proporcional ao número de alunos e escolas de cada rede de ensino

público estadual.

No estado do Ceará, os NTE implantados pelo ProInfo estão situados nas

dependências dos CREDE (Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação),

totalizando 21 núcleos em municípios estratégicos. Na primeira fase do projeto (1997 e 1998),

147 escolas foram atendidas, por meio da instalação de Laboratórios Escolares de Informática

– LEI.

3.2.5 Programa Computador Portátil para Professores

O Programa Computador Portátil para Professores veio da articulação entre a

Presidência da República, Ministérios da Educação, da Ciência e Tecnologia, e da Empresa

Brasileira de Correios e Telégrafos com o setor privado, sendo gerido no âmbito da Secretaria

de Educação à Distância – SEED/MEC – no intuito de dar sequência ao projeto

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Cidadão Conectado – Computador para Todos – permitindo aos professores do ensino básico,

profissional e superior de instituições públicas e privadas credenciadas junto ao MEC, a

oportunidade de adquirir computadores de diversas marcas e modelos, com financiamento em

24 ou 36 parcelas.

Instituído legalmente pelo decreto 6.504, de quatro de julho de 2008 e com

coordenação dos Ministérios da Ciência e Tecnologia e da Educação, o Programa

Computador Portátil para Professores nasceu com o objetivo de promover a inclusão digital

de professores ativos da rede pública e privada de todos os níveis de educação, mediante a

aquisição de computadores portáteis (notebooks), programas de computador (softwares) neles

instalados e de suporte e assistência técnica, de acordo com as especificações técnicas

mínimas estabelecidas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.

O projeto, em sua primeira fase, no ano de 2009, atendeu a 64 municípios. Depois

foi estendido a todos os municípios brasileiros. No Ceará, os municípios de Sobral e São

Gonçalo foram os primeiros beneficiados pelo Programa que tinha como objetivos

específicos:

1. Facilitar a aquisição de computadores portáteis para professores com preço

máximo de R$ 1.400,00 (um mil e quatrocentos reais) à vista, com frete incluso e

configuração básica de acordo com a portaria do programa Cidadão Conectado –

Computador para Todos.

2. Auxiliar na formação intelectual e pedagógica dos professores, a partir da

interação com as novas tecnologias da informação e comunicação - TIC, através

do fácil acesso ao computador portátil.

3. Aumentar os atuais patamares da inclusão digital e fomentar o

desenvolvimento sustentável brasileiro.

4. Propiciar um ambiente favorável à inovação na área de educação,

paralelamente ao desenvolvimento de futuras tecnologias na área pedagógica e

social, contribuindo assim para a melhoria da qualidade do ensino público

brasileiro.

3.2.6 Programa Banda Larga nas Escolas

O Programa Banda Larga nas Escolas foi criado pelo Decreto nº 6.424, de 04

de abril de 2008. A gestão do programa é de competência do Ministério da Educação e da

Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), em parceria com o Ministério das

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Comunicações, com o Ministério do Planejamento e com as Secretarias de Educação

Estaduais e Municipais.

Com o objetivo de incrementar o ensino público no Brasil, o programa visa

conectar todas as escolas públicas urbanas à internet por meio da banda larga. O Programa

resultou de negociações com concessionárias de serviços de telecomunicações, que

assumiram voluntariamente o compromisso de propiciar a conexão gratuita à internet via

banda larga em todas as escolas públicas de Ensino Médio e Fundamental, localizadas em

áreas urbanas, até 2010, com serviço mantido gratuitamente até 2025.

Em 2003, o Ministério da Ciência e Tecnologia, por meio da Secretaria de Ciência

e Tecnologia para Inclusão Social criou os Centros Vocacionais Tecnológicos, que são

unidades de ensino e profissionalização voltados para o conhecimento científico e

tecnológico, com o objetivo de disseminar os conhecimentos práticos na área de serviços

técnicos e de transferência de conhecimentos tecnológicos.

Com políticas definidas e implantadas pelo Governo Lula, a presidenta Dilma

Rousseff (2010 -2014) deu continuidade aos programas iniciados, ampliando o acesso à banda

larga nas escolas públicas, uma das diretrizes do seu programa de governo.

3.2.7 Programa Banda Larga nas Escolas no Ceará

Segundo dados do Ministério das Comunicações, em 2015, das 630 escolas de

Ensino Médio existentes no estado do Ceará (578 urbanas e 52 rurais - gráficos 1 e 2), 373

declaram ser atendidas pelo Programa Banda Larga na Escola. Das 52 escolas do meio rural,

24 possuem sala de informática e têm acesso à banda larga; enquanto que no meio urbano, das

578 escolas existentes, 480 possuem laboratório de informática, mas somente 349 possuem

banda larga. As 630 escolas atendem um total de 347.665 alunos do ensino médio e 19.355

professores atuando em sala de aula.

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Gráfico 2 – Escolas de Ensino Médio no Estado do Ceará ( Zona rural e Urbana)

Fonte: Ministério das Comunicações

Gráfico 3 – Escolas de Ensino Médio com acesso à banda larga

Fonte: Ministério das Comunicações

As 630 escolas são equipadas com 5.069 computadores, 825 projetores, 968

televisões e 597 aparelhos de DVD. O Ministério das Comunicações não informou o

quantitativo de lousas eletrônicas e tablets, equipamentos que encontramos em nossa pesquisa

de campo, como sendo os mais disputados entre os professores que utilizam as TIC em sala

de aula.

Um fato que chamou atenção na tabela enviada pelo Ministério das Comunicações

foi que 96 escolas que não aderiram ao Programa, também possuem sua própria internet

banda larga, o que totaliza no estado do Ceará 469 escolas com acesso a internet. Dentre estas,

78% possuem velocidade de 2MB, 17% de 5MG, 4% de 10MG e apenas 1% das escolas

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possuem velocidade de 15 MB. Todas as 373 escolas participantes do Programa Banda Larga

na Escola, assim como as 96 não participantes do Programa são atendidas pela operadora Oi.

Ao analisar todos os aspectos observados para contextualizar a formulação deste

tipo de política inclusiva, conclui-se que as políticas públicas dos governos Lula e Dilma

construídas para munir o novo tipo de estudante, que surge em meio às transformações

tecnológicas, têm sido implantadas com o objetivo de oferecer recursos físicos e capacitar

docentes e discentes para que estejam preparados tecnicamente para usar estes recursos

tecnológicos.

No entanto, os programas em estudo vislumbravam algo maior que recursos

físicos e habilidades técnicas no ambiente escolar. O propósito era agregar as ferramentas

digitais para a construção de um modelo de ensino onde estudantes e professores juntos

possam construir o saber, usando a cultura digital como parte integrante do processo

pedagógico que permeia toda a aprendizagem.

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4 UM PERCURSO EM CAMPO

Os caminhos da pesquisa são sempre tortuosos, plenos de atalhos e trilhas que muitas vezes não levam a lugar nenhum, obrigando a transitar em idas e vindas.

(Dayrell, 2005, p.19)

A reflexão de Dayrell ecoa os encantos e desencantos do percurso metodológico

concretizado nesta pesquisa. Selecionar as escolas nas quais talvez fossem encontrados os

resultados buscados, escolher quais coordenadores aceitariam participar da pesquisa com

tranquilidade sem atrapalhar o caminhar de alunos e professores em suas atividades diárias,

escolher quais professores estavam dispostos a perder cinco a dez minutos do seu intervalo

para responder algumas perguntas, não foi fácil. Esse trajeto de idas e vindas, erros e acertos,

satisfações e decepções, reflexões e questões é característico da pesquisa empírica, revelando

as (im) perfeições da caminhada.

Neste capítulo, a trajetória metodológica acha-se revelada nas inúmeras

escolhas realizadas ao longo da construção deste trabalho. Tal trajetória será descrita

minuciosamente, desde os primeiros contatos com os sujeitos da pesquisa até as estratégias

adotadas para organizar, sistematizar e analisar resultados.

4.1 A PESQUISA QUALITATIVA

A pesquisa empírica realizada no âmbito de duas instituições escolares públicas

específicas (Escolas César Calls e Adauto Bezerra) constitui-se em exame minucioso, guiado

pelo objetivo de solucionar o problema da emergência dos nativos digitais pela mediação

docente, a partir da aproximação rigorosamente planejada entre o pesquisador e os sujeitos

(professores) inseridos em seu campo real e cotidiano. Segundo Gil (2007, p. 17), esse tipo de

pesquisa é assim definido:

Procedimento racional e sistemático que tem como objetivo proporcionar respostas aos problemas que são propostos. A pesquisa desenvolve-se por um processo constituído de várias fases, desde a formulação do problema até a apresentação e discussão dos resultados. (GIL, 2007, p.17)

Ao definir os aspectos da relação docente-discente que seriam analisados nesta

pesquisa e traçar a metodologia apropriada para o problema apresentado, a pesquisa

qualitativa observacional despontou como a melhor alternativa. Esta, segundo Trivinõs

(1987), apresenta potencial para captação de aspectos descritivos, tendo no significado

formulado pelos sujeitos sua preocupação essencial, bem como o ambiente natural como fonte

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direta dos dados. Neste contexto, o pesquisador converte-se em instrumento chave por

ocupar-se do processo, e não simplesmente dos resultados, analisando por isso os dados

indutivamente.

Assim, o método qualitativo observacional foi escolhido por propiciar o

aprofundamento da compreensão de um grupo social específico, de uma organização escolar,

neste caso, socializada com a cultura digital como elemento integrante do trabalho de

educação formal. Deste modo, a quantificação de valores não é uma prioridade, mas antes o

que prevalece é a articulação de diferentes abordagens, centrada na compreensão e explicação

da dinâmica das relações sociais entre estudante e professor, a partir da perspectiva deste

último.

Entendendo o processo de inserção das TIC em sala de aula como uma

desestabilização de padrões tradicionais de ensino, a abordagem qualitativa neste caso induziu

a uma reflexão por parte dos agentes da pesquisa, principalmente daqueles mais resistentes a

tal transformação. Embora nas duas escolas observadas, a entrada em campo tenha sido

realizada no sentido de intervir o mínimo possível na dinâmica do ambiente, era preciso

reconhecer que desde as primeiras percepções do campo empírico, as considerações feitas por

Richardson mostraram-se pertinentes:

Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de determinadas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de determinado grupo e possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos. (RICHARDSON, 1999, p.80)

Deste modo, e conforme a descrição de Trivinõs e também de Godoy (1995,

p.62), as características da pesquisa qualitativa condizem com aquelas do estudo realizado.

Quanto ao caráter descritivo da pesquisa, este foi incorporado a fim de exprimir

detalhadamente as características dos sujeitos da comunidade escolar: gestores, professores,

alunos e colaboradores, inseridos conscientemente ou não no fenômeno da disseminação do

uso das TIC. Faz parte também do trabalho de observação a consideração do impacto que a

tecnologia tem na vida de cada um dos citados sujeitos, seja no contexto social, pessoal ou

escolar, diante de variáveis como grau de escolaridade e idade. A partir da observação e do

registro dos fatos observados, foram extraídos os pontos que mais têm influenciado na

configuração da problemática analisada, para que depois, de forma indutiva, a pesquisa

possibilitasse a emergência de questionamentos relevantes para a elaboração do roteiro de

entrevista a ser apresentado aos docentes.

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Como técnica complementar de pesquisa, após a etapa de observação, a entrevista

subsidiou a obtenção de informações a respeito do que os docentes sabem, percebem,

esperam, sentem ou desejam, pretendem fazer, fazem ou fizeram e também acerca das suas

explicações ou razões a respeito de fatos vivenciados que envolvem a disseminação das TIC

no ambiente escolar.

Por isso, os dados foram coletados a partir de um roteiro de entrevistas semi-

estruturadas, formuladas com base na observação em campo e dirigidas aos professores

pessoalmente. As entrevistas realizadas face a face geraram elementos favoráveis a uma

análise mais aprofundada do tema, ultrapassando a expectativa inicial gerada pela aplicação

das quinze perguntas apresentadas na fase exploratória da pesquisa.

Segundo Duarte (2004), há alguns procedimentos importantes a serem adotados

entre as etapas de realização de entrevista e análise dos dados coletados. O primeiro deles diz

respeito à transcrição: entrevistas devem ser transcritas, logo depois de encerradas, de

preferência por quem as realiza e devem passar pela chamada “conferência de fidedignidade”:

ouvir a gravação tendo o texto transcrito em mãos, acompanhando e conferindo cada frase,

mudanças de entonação, interjeições, interrupções etc.

Transcrever e ler cada entrevista realizada, antes de partir para a seguinte, ajuda a corrigir erros, a evitar respostas induzidas e a reavaliar os rumos da investigação (ALBERTI, 1990).

As citadas entrevistas foram realizadas com professores de duas escolas públicas

que inseriram o uso das TIC em sala de aula, utilizando este recurso em diversas disciplinas a

partir dos anos 2000. Neste contexto, o método comparativo revelou-se como um auxiliar

valioso na obtenção de análises mais profundas acerca do tema. Sérgio Bulgacov (1998),

explica que os estudos que envolvem tal método utilizam-no para identificar fenômenos

complexos, assim como, a atuação e a comparação entre organizações de um mesmo setor ou

mesmo de setores diferentes. Desta forma, o autor define o método comparativo como:

A comparação sistemática de um grupo determinado de organizações, ou grupos específicos de organizações, com a finalidade de estabelecer relações entre suas variáveis ou categorias analíticas. (BULGACOV, 1998)

A utilização do método comparativo teve como ponto de partida um elemento

comum às duas escolas: ambas apresentavam experiências exitosas posteriores à inserção das

TIC na aprendizagem do conteúdo das disciplinas curriculares. A partir disto, os dois

ambientes foram confrontados, com a finalidade de verificar outras similitudes e explicar

possíveis divergências. A análise comparativa auxiliou tanto na relação entre os resultados das

duas no que concerne ao uso das TIC, quanto à percepção do envolvimento dos professores e

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dos alunos com a nova realidade escolar, mediante as variáveis de cada ambiente.

Resumindo o processo: a escolha bibliográfica subsidiou a formulação sociológica

do fenômeno estudado, de modo a interrogar, coletar e compreender dados e perspectivas de

análise referentes à temática. Em seguida, a pesquisa de campo deu sequência ao trabalho

com o objetivo de observar empiricamente a configuração do problema, subsidiando

realinhamentos da perspectiva teórica estruturada. Ao aplicar as entrevistas, a interpretação

qualitativa foi responsável por guiar a maior parte da pesquisa e o estudo comparativo foi

fundamental para as análises e proposições finais.

4.2 INSERÇÃO NO CAMPO – A ESCOLHA DAS ESCOLAS

Propor um estudo sobre nativos digitais, uma categoria muito debatida na

Educação e na Pedagogia, mas pouco estudada nas Ciências Sociais, ainda mais em um

Programa de Pós-Graduação em Sociologia, não foi uma decisão das mais fáceis. Reinventar

formas sociológicas de olhar para os sujeitos desta pesquisa e pensar como a educação é

influenciada pelo uso das TIC e da internet requer uma compreensão mais ampla do que

aquela engendrada pela perspectiva educacional, pois é preciso pensar também os modos

como a internet e as tecnologias digitais se ramificam na sociedade como um todo. Mas como

circunscrever o caminho teórico-metodológico relativo a uma temática que se encontra na

interseção de vários campos disciplinares: da Sociologia à Educação, da Comunicação às

Políticas Públicas, das Tecnologias da Comunicação e Informação à Cultura?

Descrever em detalhes o campo, controlando a mediação da subjetividade do

pesquisador foi, talvez, o mais difícil. Em muitos momentos foi preciso rever pré-

julgamentos, os quais conduziam à adjetivação e caracterização de alunos e professores em

situação de aprendizagem, à luz de concepções que conferiam sentido ao cotidiano

compartilhado por pesquisador e sujeitos da pesquisa. Na concepção formulada inicialmente,

podia dizer quem era “comprometido”, sendo feliz por ser professor; quem apesar de ser

funcionário público, odiava a esfera pública da vida coletiva; o que caracterizava os jovens e

aquilo que não. Por isso, foi um difícil exercício reflexivo e autorreflexivo considerar,

sobretudo o que diziam e demonstravam os agentes da pesquisa, recorrendo a categorias

teórico-metodológicas que possibilitassem a superação de descompassos e conflitos entre a

prática e o discurso destes sujeitos.

Observar os jovens em suas interações cotidianas, as diversas maneiras de estar na

escola – no pátio, no refeitório, na biblioteca, na sala de aula – era o que mais

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interessava como forma de aproximação do universo pesquisado. Os jovens pesquisados são

fruto de suas relações com a família e a escola, a partir de sua posição e disposições sociais e

culturais. Mas eles são também influenciados por suas interações cotidianas com amigos,

face-a-face ou mediadas pelas tecnologias digitais, seja o Facebook, o Instagram ou o

WhatsApp.

No que concerne ao universo de valores do pesquisador, por vezes, surgia ainda a

comparação entre os jovens da escola pública e os jovens da escola particular, a experiência

de professores que lecionavam nas duas realidades, várias argumentações sobre cada um

destes universos sociais, até o momento em que um professor resumiu bem o que quase todos

diziam: “Minha filha, você quer saber, ‘gente’ é muito parecida, ‘jovem’ mais ainda. Depois

da internet, eles ficaram mais parecidos ainda, e eu penso que é assim em qualquer lugar do

mundo. ”

A primeira dificuldade de delimitação do campo empírico da pesquisa foi a de

selecionar dentre as 621 escolas públicas de ensino médio2, quais escolas atenderiam às

questões abordadas na pesquisa. A SEDUC fornecera uma lista com as 621 escolas e seus

respectivos telefones. Na Secretaria apenas uma pessoa, depois de bastante insistência sobre o

recorte da pesquisa, sugeriu cinco escolas: Colégio da Polícia Militar do Ceará, Colégio

Militar do Corpo de Bombeiro, Colégio Estadual Justiniano de Serpa, Escola de Ensino

Fundamental e Médio Dr. César Calls e a Escola de Ensino Médio Governador Adauto

Bezerra. Foram várias tentativas por telefone, e-mail e visitas a estas escolas para conseguir

contato com os diretores.

Feito o recorte de duas escolas, o percurso em campo foi iniciado no primeiro

semestre de 2015. A Escola Estadual Adauto Bezerra tinha aprovado no ano anterior 144

estudantes no ENEM (Exame Nacional de Ensino Médio) em universidades públicas, quase

metade dos inscritos na escola no terceiro ano do Ensino Médio, um feito noticiado por vários

jornais locais. Além do mais, um estudante de 16 anos surpreendeu a todos por acertar 172

das 180 questões da prova, trazendo visibilidade para a escola em todo o Brasil.

Logo na entrada da escola de grades esverdeadas, um jardim pouco cuidado no

centro e quadras poliesportivas, havia um cartaz que mostrava que foram 60 aprovações na

Universidade Federal do Ceará (UFC), 18 na Universidade Estadual do Ceará (UECE), 45 em

outras instituições de ensino e 80 no Programa Universidade para Todos (Prouni). A título de

2 Dado quantitativo fornecido pela Coordenadoria de Avaliação de Acompanhamento da Secretaria de Educação (SEDUC).

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comparativo, no ano de 2005, cinco alunos foram aprovados em toda a escola. No ano de

2015, a escola alcançou a marca de 255 aprovações. A Escola de Ensino Médio Governador

Adauto Bezerra, localizada na Rua Monsenhor Liberato, 1850, no bairro de Fátima, com 2000

alunos matriculados no Ensino Médio e evasão de 3% no turno da manhã e 14% no turno da

noite constituiu-se assim como uma dentre as escolas que seriam analisadas.

Para corroborar a escolha, a escola usa as tecnologias para auxiliar na aula

tradicional, como, por exemplo, com o uso do programa GEOGEBRA, um software de

Matemática dinâmica para todos os níveis de ensino, reunindo em único programa:

Geometria, Álgebra, Planilha de Cálculos, Probabilidade, Estatística e Cálculos Simbólicos. A

escola tem um blog alimentado por professores e coordenadores pedagógicos e utiliza o

aplicativo Facebook como principal ferramenta de comunicação entre escola e comunidade. A

escola também foi premiada pelo programa “Aprender pra valer”, que busca a elevação do

desempenho dos alunos do ensino médio com níveis de proficiência adequados a cada série,

bem como a articulação com a educação profissional e tecnológica. Por esse feito, em 2014, a

escola foi premiada com 304 computadores aos alunos que atingiram certo grau de

proficiência. Este programa efetiva-se pela Avaliação Censitária do Ensino Médio realizada

pelo Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (SPAECE) 3.

Em cada edição desta avaliação, são aplicados testes de desempenho e

questionários contextuais aos estudantes, visando traçar um panorama da qualidade de ensino.

A partir dos resultados, os gestores da educação podem elaborar e monitorar políticas,

programas e projetos educacionais; nas escolas, os diretores, os coordenadores pedagógicos,

os professores, os estudantes e os responsáveis podem definir ações para introduzir ajustes no

projeto pedagógico da escola. Assim, os dados fornecidos pelo SPAECE constituem

ferramenta importante para diagnosticar os resultados escolares e prestar esclarecimentos à

sociedade sobre o ensino público no Ceará.

No contexto de atuação do SPAECE, é preciso considerar que o surgimento da

internet e de todas as novas formas de comunicação e informação provocou mudanças nos

modos de pensar, agir, interagir, ler e aprender. Embora enfraquecido, o modelo disciplinar

subsiste, representando um campo de tensões entre abordagens que têm como base a chamada

vanguarda tecnológica e a disposição cultivada por valores educacionais “tradicionais”.

3 O sistema SPAECE é um sistema de avaliação que abrange as escolas públicas das redes estadual e municipal

do estado e avalia os alunos da Educação Básica, da alfabetização ao Ensino Médio. O SPAECE fornece subsídios para a formulação, reformulação e monitoramento das políticas educacionais, vislumbrando a oferta de um ensino de qualidade na rede pública.

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A segunda instituição selecionada, a Escola de Ensino Fundamental e Médio Dr.

César Calls, localizada na movimentada Avenida Domingos Olímpio, 1800, no bairro Farias

Brito, em Fortaleza, tem 1412 alunos, matriculados na 8ª e 9ª séries do Ensino Fundamental e

no Ensino Médio. A evasão encontra-se na média cearense, cerca de 10%. O prédio

deteriorado em pouco se diferencia das duas outras escolas que se encontram na mesma

avenida. A escola, com suas colunas amarelas e azuis, um grande pátio ao centro e aquele vai

e vem de jovens, é muito parecida com a maioria das escolas públicas do estado do Ceará. No

primeiro andar há um grande pátio, algumas salas de aula e o refeitório. No segundo andar,

além das salas de aula, estão a biblioteca, as coordenações, as salas de Informática e a sala dos

professores. Em toda parte há cartazes, trabalhos, desenhos e frases motivacionais.

O bairro Farias Brito, conhecido pela população local como Otávio Bonfim,

situado na região Oeste de Fortaleza, ocupa posição privilegiada em termos de acesso à rede

de transportes públicos, pois na avenida transitam as principais linhas de ônibus do município.

Assim, a escola conta com alunos de todos os bairros. Como informou um dos coordenadores:

“essa escola não é uma escola de bairro, temos alunos de vários bairros e de outros municípios

também. E temos muitos alunos do ensino médio que vieram de escolas particulares”.

Em uma das últimas visitas à escola, acontecia o festival “Musique”. Naquele

momento, os professores do núcleo de Linguagens que normalmente trabalham com as TIC,

estavam apresentando aos alunos cantores brasileiros que eles desconheciam, como Zélia

Duncan, Adriana Calcanhoto, Caetano Veloso, Raul Seixas, Chico Buarque, dentre outros. Os

alunos deveriam fazer uma fotografia autoral e relacioná-la com algum trecho da letra de

músicas desses cantores. Por isso, a escola estava repleta de fotografias espalhas por todos os

andares. Além disso, os mais talentosos participariam de um sarau na semana seguinte. Para a

seleção, deveriam gravar um vídeo mostrando seus talentos, os selecionados exibiriam suas

apresentações aos demais, em um dia dedicado à música, à arte e à cultura.

É preciso considerar que a escola conta com as seguintes propostas para o uso das

TIC: um projeto de tecnologia avançada em Robótica Educacional, que busca desenvolver nos

estudantes a capacidade de raciocínio lógico, as habilidades relacionadas com desenho

geométrico, construção de maquetes, Ciências Exatas utilizando a Informática e a linguagem

de programação. Esse projeto teve início em 2009, primeiro no Ensino Médio e depois no

Ensino Fundamental, com o Programa Mais Educação, envolvendo um grupo de 40 alunos.

Ela também tem um blog, alimentado pelos professores, e outro, mantido pelos estudantes,

bem como tem no Facebook sua principal ferramenta de comunicação entre escola e

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comunidade. No final de 2014, 14 alunos foram premiados com computadores por bom

desempenho escolar.

A pesquisa de campo concretizou-se em duas etapas: a primeira, a partir de

observações e entrevistas informais com alunos, professores, coordenadores e servidores e, a

segunda etapa, por meio de uma entrevista estruturada com os professores.

Nas observações realizadas em campo, o celular do pesquisador foi um

instrumento aceito em campo como parte do cotidiano escolar. Como representante das

tecnologias de síntese presentes no século XXI, o celular e todas as suas funcionalidades

supre as mais variadas demandas experimentadas pelo pesquisador em campo: fotografar,

filmar, gravar em áudio e em vídeo e fazer registros no bloco de notas.

4.3 NOTAS DA PRIMEIRA VISITA À ESCOLA CÉSAR CALLS

Enquanto esperava ser atendida pelo coordenador pedagógico da Escola César

Calls, fiquei observando aquele ambiente que em nada remetia à minha expectativa de uma

escola pública – além de cadernos e livros nas mãos e nas mochilas, meninas e meninos

ostentavam fones de ouvidos, telefones, smartphones e MP3.

Depois de passar pela biblioteca e pátio, cheguei à coordenação e fui recebida

pelo coordenador. “W” acumula as funções de coordenador financeiro e pedagógico e fala

com muito orgulho do seu trabalho. Entre interrupções de um aluno e intervenções da

secretária, conversamos por quase uma hora. Perguntei se o incomodaria a gravação de nossa

conversa, ao que ele me respondeu “não”.

Pedi que ele me falasse livremente como as TIC impactam no processo de ensino-

aprendizagem. Ele respondeu que as TIC têm a capacidade de aproximar realidade e

conhecimento e que a tecnologia em sala de aula torna o processo de aprendizagem mais

atrativo para os alunos. “Nós não temos como remar contra essa maré. Estes alunos estão

sempre conectados. Se nós, professores, estamos sempre conectados, imagina eles! Eu não

posso desprezar as TIC, eu não impeço que o menino traga seu laptop, eu não tenho como

impedir que ele goste de internet, eu não posso lutar contra isso! ”

Segundo W. o governo do estado apóia a iniciativa de inclusão digital na escola e

para isso os professores receberam tablets emprestados do governo. A escola tem 60

computadores educacionais e 40 computadores administrativos, mas só usam metade deles,

pois os outros estão armazenados. Também receberam uma lousa digital e ainda aguardavam

receber mais cinco. A lousa digital enviada pelo governo federal é um projetor com

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CPU embutida que acompanha uma caneta holográfica e tem a vantagem de ser móvel,

podendo ser levada para qualquer sala de aula.

Ao questionar se havia banda larga em toda a escola, W. disse que o provedor da

IBM já havia chegado, assim como os roteadores que farão parte do cinturão digital, mas que

ainda faltava a fibra ótica e a instalação deste material. Porém, a escola conta com internet nos

28 computadores administrativos e nos 60 computadores educacionais que estão no

laboratório. Os notebooks também têm acesso à internet, mas quando os três laboratórios são

utilizados, é suficiente para a internet cair. “Tem professor aqui que leva de 14 notebooks para

a sala de aula!”

O coordenador afirmou ainda que os alunos não têm acesso à senha para

utilização da internet, mas que eles recorrem a programas nos celulares que descobrem a

senha, enfraquecendo o sistema. W. acrescentou: “Mas a gente vai ter que trabalhar com essa

realidade, o governo já mandou a parte física, o provedor e os roteadores, para que haja

internet banda larga em toda a escola. A verdade é que os alunos vão ter acesso à internet o

tempo todo. A questão é: como será a aula com esses meninos com internet o tempo todo?

Esse é outro dilema! ”.

Questionado quanto à resistência de alguns professores em relação ao uso das TIC

em sala de aula, W. afirmou: “Você sabe, como em qualquer profissão, há profissionais e

‘profissionais’. Na educação as pessoas têm o seu jeito de trabalhar, não é que alguns

professores sejam resistentes, mas não se identificam muito. Há professores aqui que

dominam e brincam com tecnologia, vão para a sala de aula e inventam novas maneiras de

trabalhar. Nós temos projetos exitosos na área de robótica, de Química, inclusive dois alunos

daqui ganharam passagem e hospedagem da SEDUC e foram participar de uma feira nacional.

Há professores que se identificam, que gostam. Aqui a gente influencia o aluno a pesquisar, a

apresentar seminários, a fazer banners. Nós temos um núcleo de pesquisa onde eles ficam

direto nos computadores”. Ele ainda acrescentou: “Têm professores inovadores que sabem

lidar muito bem com a questão do whatsapp e com as redes sociais. Por outro lado, eu vejo

professores se digladiando contra a onda questionadora desses meninos, eu digo: gente, isso é

ótimo! Parem de remar contra essa maré! A nossa função de professor é muito mais de ponte.

Eu tenho conhecimento e vou passar para você, de jeito nenhum! Se esse menino entrar na

internet ele descobre muito mais coisa do que eu. Eu digo: gente, me tragam informações

sobre o Barroco! Eu os deixo curiosos. Mas também procuro ensiná-los a peneirar, a filtrar,

priorizar. O que merece confiança? O que merece uma análise? O que é subjetivo e o que é

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objetivo? Quando eles descobrem que a internet é um acesso ao conhecimento e que eles têm

acesso ao conhecimento quando querem é maravilhoso! ”.

W. informou que o laboratório de informática é o ambiente mais utilizado para o

uso das TIC, “os professores preferem levar os alunos ao laboratório onde a internet é melhor,

apesar da lousa digital ser móvel, a internet não funciona bem em todas as salas, então o

laboratório ainda é a melhor opção”. Também questionei quais programas e aplicativos são

mais utilizados, o que me respondeu: “o Internet Explorer, usamos bastante o google, os blogs

e o facebook. Nós usamos o facebook para se comunicar. Todos os recados que você vê

pregado aí (aponta para um mural cheio de avisos), eu boto aí só por mania, porque a

comunicação escola-professor acontece mesmo pelo facebook. Por exemplo: o novo horário a

partir de segunda, a convocação de uma reunião, etc. Eles (os estudantes) usam todos esses

aplicativos que você conhece: facebook, whatsapp, instagram... O pessoal da biblioteca

alimenta o blog. O grêmio estudantil tem um blog alimentado pelos alunos. Nós também

temos uma rádio que os alunos se comunicam”.

Depois de aprofundarmos alguns pontos, como a faixa etária dos professores que

usam as TIC em sala de aula, a formação, se usam as TIC fora da sala de aula, dentre outras

questões, questionei se, na perspectiva do nativo digital, o uso das TIC em sala de aula

contribui para tornar o aprendizado mais atrativo. “Eles adoram, participam, se interessam e

não querem perder. Mas é preciso que haja planejamento, porque se deixar eles a vontade, só

querem saber das redes sociais! ”.

4.4 NOTAS DA PRIMEIRA VISITA À ESCOLA ADAUTO BEZERRA

Na primeira visita à Escola Adauto Bezerra fui recebida pela secretária e depois

de uma longa espera, fui encaminhada ao diretor. “O.” aceitou sem objeção que eu gravasse

nossa conversa.

A Escola Adauto Bezerra, no ano de 2014, havia sido premiada com 304

notebooks aos alunos que atingiram certo grau de proficiência: “A Escola Adauto Bezerra foi

uma das mais premiadas pelo governo, foram 304 computadores... o aluno não precisa

concorrer com o outro, só com ele mesmo, atingindo a escala, ele ganha!”

Questionei se a escola dispunha de internet para alunos e professores, ao que ele

me respondeu que a escola também fazia parte do cinturão digital, mas que a internet só

estava disponível aos professores. “Olha, a gente tem o cinturão digital, mas ainda é muito

concentrado. Quem é que pode usar? Só os professores! Os alunos não podem usar a

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internet. Não podem entre aspas, porque eles são muito espertos, eles descobrem a senha e na

hora do intervalo eles usam”. Ele explicou que a internet não está disponível para os alunos

porque a tecnologia wi-fi só chega à mediação da sala dos professores, na área administrativa,

mas não se expande para toda a escola. “A gente participou, há dois finais de semana

passados, da construção do Plano Estadual de Educação, e uma das estratégias de uma das

metas do plano foi a instalação de uma internet que fosse para toda a comunidade escolar,

para que todos os estudantes tenham acesso à internet, na escola inteira. Esse plano foi

construído por comissões da sociedade civil e vai para a Assembléia Legislativa para ser

sancionado e transformado em lei, ele deve estar de acordo com o Plano Nacional de

Educação. Aqui na escola nós já temos os quatro access point para serem instalados, a gente

ainda não instalou porque contratamos uma empresa para fazer um estudo de distribuição, já

que a escola é grande, para sabermos os pontos exatos aonde devem ser instalados. Quando

forem instalados, a escola inteira vai ter tecnologia wi-fi. Mas mesmo instalada, ela não vai

estar, de imediato, liberada aos estudantes. Por que? Porque temos que ter critérios de como

os estudantes vão poder utilizar. Uma das nossas grandes dificuldades é o uso do celular na

sala de aula, porque ele é um equipamento proibido, por lei e pela escola. Ele poderá ser

usado como instrumento pedagógico, tem muito pedagogo que discute isso. É, pode, mas

como? E o professor que às vezes nem um tablete tem, não porque não pode comprar, mas

não tem interesse em ter. A gente precisa primeiro discutir como utilizar esses recursos,

porque estamos meio perdidos. Alguns professores não fazem questão de utilizar, eles são

diferentes desses meninos que estão um passo na nossa frente. Tem havido muitas mudanças

em relação ao uso de tecnologias em sala de aula, mas ainda é tudo concentrado na mão do

professor. Eu acho que as escolas que você for pesquisar, quando você falar em tecnologia em

sala de aula ele vão dizer que usam, porque tem data show, tem internet, tem laboratório de

Informática. Tem aulas que são dadas no laboratório de Informática, pelo professor da

disciplina mesmo, mas no laboratório”.

Para o diretor, as tecnologias da educação impactam no processo de ensino-

aprendizagem de forma positiva. “Eu acho que toda tecnologia que vai surgindo vem para

suprir uma necessidade que as outras tecnologias não resolviam. Por exemplo, eu acho que

livros são ótimos, mas não são tão eficientes como o Google. E também o Google não resolve

tudo, então as tecnologias são suplementares, elas dão suporte uma a outra. Nós professores

temos que saber utilizar uma em cada momento. Eu tenho que saber a hora de usar um

projetor multimídia em sala de aula. Agora eu não posso usar o projetor multimídia todo dia e

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esquecer o livro, que também não deixa de ser uma tecnologia também. Eu acho que tem que

ter o momento, tem horas que o livro vai ser extremamente utilizado, tem horas que vou usar

a tecnologia do quadro branco e do pincel e farei um bom uso dele, contanto que eu não

escreva cinquenta mil coisas, que eu não preciso mais fazer isso, o quadro branco não serve

mais para isso, mas serve para eu botar tópicos, para chamar a atenção para algumas

observações, então ele é importante também. O quadro branco não serve mais para escrever

tudo como faziam antes. Eu acredito que todas as tecnologias que vão surgindo têm seu lugar

de importância se forem usadas de forma correta. Porque todas as tecnologias, inclusive as

digitais, se forem mal utilizadas, podem até atrapalhar. Quem vai saber o bom uso e o mal-uso

delas é o professor. Aqui temos professores que usam muito o notebook com o projetor

multimídia, aqui na escola temos até uns kits, que vem com as extensões e tudo. O professor

pega o kit dele e leva para a sala de aula. Tem professor aqui que tem o seu próprio kit, vem

com sua maletinha, não passa nem na biblioteca para pedir material. Mas o que é que

acontece? Já temos até observado de forma pedagógica e discutido com os PCA´s

(Professores Coordenadores de Área), como um professor chega toda aula com um

multimídia? Toda aula tem um filme, um documentário, isso também não soa bem, é

interessante em algum momento, mas em todos os momentos, não fica bem. Faz falta a

discussão, o aprofundamento, o envolvimento dos alunos. Por exemplo, uma aula de

Filosofia, você bota para eles para assistir A sociedade dos poetas mortos. O filme todinho

acho que você deve assistir em casa comendo pipoca. Para a sala de aula você corta algumas

partes principais e complementa com textos, com debates, com discussão. Se você não fizer

esses meninos entrarem no debate, ficar só aquela coisa unilateral, direcionada, não funciona.

A mesma coisa se o professor chegar na sala, ficar só falando, é a mesma coisa do filme, o

menino não sai do lugar. Enfim, as tecnologias são importantes, mas é preciso usá-las com

bom senso, com estudo pedagógico, feedback de conhecimento. Eu acho que eles já usam

muita tecnologia, principalmente em relação à escola e a nós, professores. Tem professor aqui

que é craque, mas se eu pegar aqui a escola, dos 100 professores, a grande maioria deles não

usa com propriedade. É preciso saber a competência do professor para usar a tecnologia de

forma pedagógica. A gente tinha um professor de Matemática que se aposentou agora nesse

começo de ano e ele estava com uma dificuldade de interagir com os meninos, até pela idade

dele. Mas um excelente professor, principalmente de conhecimento e domínio da Matemática.

E aí a gente sentou com ele e com o PCA de Matemática porque já tínhamos verificado que a

maioria dos alunos estava com notas baixíssimas na disciplina dele. Tirar nota baixa em

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Matemática não é nenhuma novidade, mas com aquele professor a situação estava pior. Aí a

gente pensou: será se esse professor pode usar algum tipo de tecnologia que os outros

professores usam, tipo o Geogebra, que é um programa que pode ser usado no laboratório de

Informática? Será que esse professor ganharia um pouco mais dos meninos em sala de aula se

ele levasse alguns vídeos interessantes de Matemática? E o que foi que a gente fez? Bom,

vamos conversar com o professor. O professor, para nossa surpresa, foi muito aberto. ‘Olha,

eu toparia, mas eu não sei usar essas coisas’! Não tem problema professor, a gente te ajuda.

Usamos esse programa em sala de aula e o PCA de Matemática o acompanhava no laboratório

de Informática. Na parte que ele não sabia fazer, o professor de Informática dava o suporte, a

parte do conteúdo, ficava por conta dele. Deu certo, o resultado não foi maravilhoso, mas

obtivemos resultados bons, inclusive com a avaliação do PCA citando que a interação do

professor com os meninos em sala de aula tinha melhorado. Mas foi usado dentro da medida,

continuou com o livro, continuou no quadro, continuou com as exposições do professor. E os

meninos gostaram, porque eles gostam de ir ao laboratório de Informática. Em um momento

como esse, se a gente tivesse estrutura, a gente poderia usar os celulares deles, porque todos

eles têm. Poderia ser um aliado nesse momento. Nós ainda não evoluímos porque primeiro

não temos ainda estrutura, segundo porque temos medo de que a escola entre um pouco mais

na modernidade e se perca no conteúdo”.

O Plano Nacional de Educação (PNE) foi instituído pela lei número 13.005/2014,

determinando para o primeiro ano de vigência a elaboração ou adequação dos planos

estaduais, distrital e municipais de educação, em consonância com o texto nacional. O PNE

determina diretrizes, metas e estratégias para a política educacional para dez anos. O plano é

dividido em grupos: no primeiro grupo estão as metas estruturantes, para a garantia do direito

à educação básica com qualidade, que promovam a garantia do acesso, a universalização do

ensino obrigatório e a ampliação das oportunidades educacionais. As metas do segundo grupo

dizem respeito a redução das desigualdades e a valorização da diversidade, caminhos que

visam a equidade. O terceiro grupo de metas trata da valorização dos profissionais de

educação, essa estratégia busca que as metas anteriores sejam atingidas. O quarto grupo de

metas se refere ao ensino superior.

Para que as metas de estados, Distrito Federal e municípios estejam articuladas

com as metas nacionais, o Ministério da Educação (MEC) atuou em conjunto como Conselho

Nacional de Secretários de Educação (Consed) e com a União Nacional dos Dirigentes

Municipais de Educação (Undime), criando uma Rede de Assistência técnica, que monitora e

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avalia os planos estaduais, distrital e municipais, através de assistência técnica às comissões

coordenadoras e as equipes técnicas.

A figura do PCA (Professor Coordenador de Área), mencionada pelo diretor, foi

criada na rede estadual de ensino do Ceará para subsidiar o trabalho de planejamento e

formação contínua dos professores, assessorando os coordenadores escolares no

acompanhamento do trabalho docente. O PCA colabora com o professor para desenvolver

estratégias pedagógicas com o objetivo de qualificar o processo de aprendizagem dos alunos.

O perfil do PCA deve ser indicado com algumas características profissionais,

como: reconhecimento pelo corpo docente por sua experiência exitosa em sala de aula;

capacidade de manter relação respeitosa com seus pares; ter dinamismo, liderança,

flexibilidade e capacidade formativa; ser compromissado com auto formação; ser assíduo e ter

o hábito de planejar suas atividades; demonstrar comprometimento profissional e seriedade e

ter capacidade para gerir conflitos. O PCA deve ser habilitado em nível superior, tendo por

referência a área de Linguagens e Códigos; Ciências da Natureza e Matemática; ou Ciências

Humanas.

Vale mencionar neste momento uma tabela com os recursos e ferramentas

informatizadas disponíveis em sala de aula nas duas escolas, disponíveis para o corpo docente

e discente.

Tabela 2- Recursos e ferramentas informatizadas disponíveis na escola QUANTIDADE

RECURSOS Escola 1 Escola 2 Computadores educacionais 60 60 Computadores Administrativos

28 40

Notebook 20 Datashow 05 05 Lousa digital 02 01 Copiadora 03 03 Scanner 04 05 Fonte:Elaborado pela autora

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Tabela 3 - Titulação dos professores do Ensino Médio TITULAÇÃO QUANTIDADE DE PROFESSORES Escola 1 Escola 2 Graduados --- 12 Especialistas 43 57 Mestrandos 06 --- Mestres 05 27 Doutores 01 04 Total 55 100 Fonte: Elaborado pela autora

4.5 A ETNOGRAFIA VISUAL E O PROFESSOR DOS NATIVOS DIGITAIS

O percurso metodológico trouxe a idéia de que os professores imigrantes no

ciberespaço vivem os desafios de um tempo em transição. Eles, se nasceram há mais de 20

anos, são de uma escola onde o aprendizado se dava de forma presencial, oral e a construção

do conhecimento se dá de uma forma diferente do que esperam seus alunos.

Ao longo do trabalho de campo, estive em contato com alguns professores que me

chamaram bastante atenção. Empenhados em dar o seu melhor em sala de aula, são pessoas

que se dizem muito satisfeitas com a escolha profissional que fizeram. Por meio de

entrevistas, pretendi traçar o perfil do professor dos nativos digitais. Não que outros

professores não atendessem às expectativas da pesquisa, mas alguns deles ousavam um pouco

mais.

Os professores entrevistados entendem que essa geração de crianças e jovens é

muito diferente no modo de aprender, pois geralmente ela é autodidata naquilo que lhe

interessa. Para muitos autores a grande característica desses jovens está na necessidade e na

autonomia em adquirir o conhecimento que lhes interessa: “eles se comportam como ativos

pesquisadores de informações e não ‘recipientes’. São inquietos e preferem descobrir

sozinhos a seguir linearmente os passos planejados por outrem para chegar às aprendizagens”.

(Kenski, 2010, p.50)

Durante a pesquisa nas escolas, vários professores assinalam que percebem os

jovens de hoje apresentam autonomia no processo de aprendizagem. “Para mim, o estudante

de hoje é meio autodidata. Digo isso porque vejo isso todos os dias em sala de aula. É aquele

tipo de aluno que a gente pede para fazer uma pesquisa sobre determinado assunto para

debatermos na sala de aula. Quando o aluno chega em sala para o dia do debate, ele sabe mais

do assunto do que eu. Ele traz coisas que eu nunca nem tinha ouvido falar. Quando eu chego

em casa vou pesquisar a veracidade do que eles disseram e quase sempre eles têm razão”,

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relata F., professor de História. “Um dia estava trabalhando com eles sobre jornal e teve um

menino que trouxe uma matéria do New York Times. Ele trouxe a notícia, usou o Google

tradutor e traduziu. Tem aluno que se limita à informação da Wikipédia, mas também tem

aquele que vai mais longe. ”, afirma G., professora de TIC.

Os jovens nascidos após 1995, caracterizados por Bortolazzo (2012) como jovens

da Geração Z, fazendo referência ao verbo “zapear” ou mudar os canais da televisão sem se

demorar no mesmo canal, não se adaptam também a horários pouco flexíveis. Se antes, nos

conectávamos ao mundo por meio dos computadores de mesa, esta geração está sempre

disponível e conectada graças aos dispositivos móveis. Se antes a família se reunia na sala ao

redor da televisão, hoje esta geração tem em seu smartphone acesso a tantas possibilidades

que nada lhes prende a lugar nenhum. Parece que a Geração Z se identifica mais com o

mundo virtual do que com o mundo real e traz traços de comportamento bem peculiares,

como a preocupação com o meio ambiente e a construção de um planeta mais sustentável,

conformando um forte senso de responsabilidade social. Se as gerações anteriores precisavam

se conectar à internet para entrar no mundo virtual, a Geração Z já nasceu conectada e trata a

conexão a internet como se fosse o fornecimento de água ou eletricidade, sem imaginar o

quanto já foi difícil acessar a internet em uma conexão discada. Na verdade, a Geração Z não

entende bem o verbo “discar”.

Marc Prensky foi quem melhor definiu esses jovens que nasceram pós o advento

da internet, dos smartphones e das conexões de acesso rápido à internet. Os nativos digitais

têm uma maneira diferente de se relacionar com tablets, computadores e smartphones e isso é

claramente percebido na observação em campo, nas ruas, nos shoppings e nos transportes

públicos. Bortolazzo (2012) descreve o comportamento dos nativos digitais:

Eles são despertados pelo alarme de um telefone celular e já aproveitam para no mesmo aparelho verificar a temperatura da rua, antes mesmo de sair da cama. Vão para a escola ou para o trabalho escutando suas músicas favoritas – atividade que pode durar o dia inteiro – e passam a maior parte do tempo operando com as tecnologias digitais. E finalmente chegam em casa para descansar. Onde? Na internet. (BORTOLAZZO, 2012, p.07)

Quando questionada sobre quais programas são mais utilizados em sala de aula, a

professora de Português B., relata: “eu basicamente uso na internet os sites de busca, tipo o

Google. Eles sabem editar um texto no Word, por exemplo. Eu vejo mais a dificuldade deles

em usar e-mail. Eu falo: gente manda esse texto para mim! Eles não falam em usar e-mail, eu

estava até trabalhando esse gênero com eles. Preferem usar Facebook ou WhatsApp para

enviar”. A professora também opta por pedir que eles baixem alguns livros paradidáticos da

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internet: “Porque eles não querem comprar livros, na biblioteca tem poucos exemplares, então

facilita bastante meu trabalho quando eles baixam o livro da internet, aí não tem a desculpa de

que não leu porque não tinha o livro. Eu acho engraçado que eles não reclamam de ler no

computador, eu reclamaria. Eu sou do tempo que precisava imprimir o material. Se não for

assim, parece que eu não estou estudando, mas eles não.” Os imigrantes digitais, como não

foram socializados imediatamente com os recursos tecnológicos encontram certa dificuldade

nesse processo de socialização não encontrada pelos nativos digitais, como em usar o fone de

ouvido o tempo todo, ler no computador ou assistir filmes em um telefone celular. Uma

professora ponderou: “não sei como eles usam esses fones o dia inteiro, me incomoda tanto,

mas parece que eles não se incomodam não”.

Neste sentido, uma característica percebida pelos professores, também descrita

por Howard Gardner (2013), é o gosto desses jovens por aplicativos.

Os aplicativos são programas desenvolvidos principalmente para celulares, que possibilitam acesso rápido a música, jogos, jornais, livros, dicionários, respondem as perguntas, controlam dietas, sonos, alarmes, agendas e um sem número de outras informações. Os jovens estão imersos de aplicativos, e acreditam que tudo aquilo que se necessita é resolvido por um deles. Se para algum desejo, não existe um aplicativo – e se não for imediatamente desenvolvido – é porque o desejo não é necessário. (LINS E SILVA)

L., professora de História, destacou a frequência na qual os jovens usam os

aplicativos na sua prática docente: “Olha, esses meninos têm aplicativo para tudo. Você

acredita que eles têm um aplicativo para descobrir a senha da wi-fi? Eles dizem assim:

professora, você quer que eu conecte seu celular à internet? Você quer a senha da secretaria,

da tesouraria ou da sala dos professores? Eu fico impressionada! E todos eles têm celulares,

mas nem sempre eles têm acesso à internet”.

Quanto aos aplicativos mais utilizados em sala de aula, a professora de Português

B. citou o Spotfy, um aplicativo de músicas, que é usado para interpretação de textos, unindo

o lúdico e a tecnologia nas aulas de Português. O Spotify foi lançado em outubro de 2008 e é

um serviço de música comercial que fornece conteúdo de gravadoras e empresas de mídia,

incluindo a BBC, Sony, EMI, Warner Music Group e Universal. As músicas podem ser

pesquisadas por artista, álbum, gênero, lista de reprodução ou gravadora. “É uma febre entre

os jovens”. A professora conta que foram os próprios alunos que sugeriram o uso do

aplicativo para substituir o uso do CD player.

Outro aplicativo utilizado pela maioria dos professores é o Facebook. Segundo B.,

professora de Literatura: “usamos na maioria das vezes para publicar notas, avisos e

lembretes. Mas ano passado, resolvemos fazer um projeto tendo como principal ferramenta o

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Facebook”. O projeto chamava-se “Ampliando a Escrita”, no qual os alunos faziam

produções textuais semanais sobre diversos temas e os professores usavam o Facebook para

publicar textos de referência para leitura e selecionar as melhores produções escritas pelos

alunos.

A professora de Ciências, F., relata que os alunos usam mais o Facebook do que

qualquer outro aplicativo. “Até porque no Facebook a gente tem grupos da sala. No começo

do ano eu já digo: me incluam no grupo da sala! Às vezes a aula acaba, o debate foi bem

interessante e não deu tempo de terminar a correção, eu vou lá no grupo da sala no ‘face’ e

termino a correção. O Facebook é a ferramenta mais utilizada por mim em minhas aulas e

funciona porque eles não saem da ‘face’, então eu sei que eles visualizaram, eu sei que eles

estão lá. Eles têm uma necessidade do Facebook!”. Por conta disso, as escolas têm suas

páginas no Facebook, muitas vezes administradas pelos próprios alunos. “Uma das escolas,

por exemplo, tem duas contas de Facebook para garantir a interação e comunicação: um

grupo aberto para todos os alunos e outro privado somente para professores e funcionários”,

comenta a professora F., de Geografia.

Vale nesse ponto firmar uma breve consideração sobre a plataforma Facebook. O

site foi criado em 2004 por quatro estudantes americanos, primeiramente limitado aos

estudantes da Universidade de Harvard, depois se expandindo a outras universidades, até que

se tornou de domínio público. A rede social, em 2014, divulgou a marca de 1,44 bilhões de

usuários e permite aos usuários participar de grupos de interesses comuns, organizados pela

escola, trabalho ou faculdade, permite também categorizar os amigos em listas, como “amigos

do trabalho”, “colegas de sala de aula”, dentre outros. Segundo levantamento da Pew

Research Center, 71% dos jovens usam a plataforma. Movimentos sociais ganharam força

graças às palavras de ordem ditas no Facebook, levando milhares de pessoas às ruas, como na

Primavera árabe e no Movimento Passe Livre. Segundo dados da própria ferramenta, o

número de interações realizado durante os três meses de campanha presidencial no Brasil em

2014 bateu o recorde de 346 milhões de comentários, curtidas e compartilhamentos, atingindo

44 milhões de pessoas, ou 49,4% dos usuários brasileiros.

Abaixo se encontra a representação gráfica dos principais aplicativos e programas

utilizados pelos professores em sala de aula, seja para socializar conteúdo, seja para

comunicação com os estudantes. Neste comparativo entre as duas escolas, os percentuais se

referem ao número total de professores (N=20). Os dados foram obtidos a partir de entrevistas

com professores.

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Gráfico 4 - Aplicativos e programas utilizados pelos professores em sala de aula

Fonte: Elaborado pela autora

No livro Educação e Tecnologias – o novo ritmo da informação, a autora Vani

Moreira Kenski aponta outra característica comum desses estudantes que também é percebida

pelos professores, a capacidade de articularem-se entre si, em grupos e redes. Os professores

percebem claramente essa interação quando os direcionam a trabalhar em grupos. “Eu

percebo muito claramente a capacidade deles de articulação quando eu proponho um trabalho.

Por exemplo, eu proponho uma pesquisa sobre a formação e características do povo brasileiro.

Eu peço um trabalho escrito e uma apresentação em sala de aula. Esses meninos criam logo

um grupo de WhatsApp para discutir o trabalho, aonde vão se encontrar, se é que vão, eu

percebo que eles fazem esses trabalhos sem nem se encontrar, quem vai fazer o quê no

trabalho, como serão divididas as tarefas. No dia do trabalho, eles chegam com tudo pronto.

Vejo trabalhos excelentes, com apresentações esclarecedoras. Claro que também tem

trabalhos mal feitos, que mais parecem colagem da Wikipédia”, disse G., professora de

Geografia.

O WhatsApp é também uma das principais ferramentas de comunicação da escola:

cada sala tem um líder que cria o grupo da turma, com o objetivo de trocar informações sobre

provas, conteúdos, grupos de estudo ou datas de entregas de trabalho, podendo também ser

usado como ferramenta em sala de aula. O WhatsApp é um software para smartphones

utilizado para troca de mensagens de texto instantaneamente, além de vídeos, fotos e áudios

através de uma conexão à internet. O WhatsApp foi lançado oficialmente em 2009 pelos

veteranos do Yahoo e é visto como uma substituição ao SMS, por ser mais prático e

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econômico, pois não há custo adicional para troca de mensagens.

A professora de Português A., 40 anos, 17 anos de docência, também é adepta do

uso das TIC em sala de aula: “O uso das TIC sem dúvida deixa as aulas mais atrativas, o que

influencia diretamente no rendimento dos alunos. Qualquer pequeno recurso tecnológico que

usamos, como o simples uso do celular, deixa os alunos mais motivados e mais receptivos ao

aprendizado e consequentemente, as notas melhoram. Eu percebo alguns colegas bem

resistentes em usar as TIC em sala de aula, mas acho que é uma realidade difícil de ignorar, se

a gente resiste muito, a gente se perde no tempo, porque eles não têm dificuldade nenhuma

para usar as tecnologias e o que vier, eles encaram mesmo! Até um Datashow eles gostam, eu

digo assim: me ajuda aqui gente! E eles vem. ‘Professora, pode deixar que eu vou passando

aqui!’ Está desconfigurado, gente! ‘Pode deixar professora, que eu sei configurar!’ Eu acho

interessante porque eles são dessa era, eles nasceram inseridos nisso”.

Mattar (2010) descreve outra característica bem peculiar dos nativos digitais: é

uma geração que aprende fazendo. As gerações anteriores quando em face de um novo

programa de computador ou de um jogo eletrônico, tendem a ler o manual para entenderem

como funciona o programa ou jogo, já os nativos digitais acreditam que testando o programa

ou jogo, em tentativas de erros e acertos, aprenderão a usar o programa tentando usá-lo.

Os nativos digitais têm a capacidade de jogar vídeo games online e se comunicar

com pessoas do mundo todo. Durante a pesquisa de campo, havia um grupo de adolescentes

conversando sobre vídeo games e cheguei mais perto para escutar. Um deles comentava que

tinha jogado com um americano de Minnesota. Intrometi-me na conversa e perguntei: e você

fala inglês? Ele me respondeu que não, apenas o suficiente para jogar. O não entender a

língua, que encabula imigrantes digitais em entrar em uma partida online de vídeo game, não

inibe os falantes da língua de internet e computadores.

As principais tecnologias usadas nas escolas são a lousa digital, o Datashow, as

caixas de som, os computadores dos laboratórios e os smartphones. J., professora de História,

afirma que a principal ferramenta tecnológica usada por ela e por seus alunos é o smartphone

e me apresenta duas razões relacionadas à praticidade do aparelho: “além de ser fácil de

manusear e de todos os alunos terem, não é preciso criar um ambiente diferente para esse tipo

de aula, podemos usá-lo em qualquer sala em que estivermos. Outra vantagem é que quanto

falta Xerox, tonner ou quando falta papel, eu consigo facilmente multiplicar um texto em sala

de aula, usando o aparelho celular. Eles podem baixar da internet, eu posso passar por

blootooth, ou até tirar o print e encaminhar para o WhatsApp da turma. Assim conseguimos

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dar continuidade a aula”.

Há apenas 20 anos, não se previa que os celulares contemplariam enciclopédias digitais, mapas do mundo, câmeras de fotografar e de filmar, redes sociais, Facebook, Twitter, WhatsApp, máquina de calcular, livros, televisão, filmes, informações ilimitadas, muitos aplicativos e outras tantas facilitadoras que vieram mudar nossas vidas. Hoje carregamos o mundo no bolso. (PATRÍCIA KONDER LINS E SILVA, O mundo dos nativos digitais).

A seguir, encontra-se a representação gráfica dos recursos tecnológicos utilizados

pelos professores em sala de aula como ferramentas para a socialização do conteúdo. Há um

comparativo entre as duas escolas; os percentuais se referem ao número total de professores

(N=20). Esses dados foram obtidos a partir de entrevistas com os professores.

Gráfico 5- Recursos utilizados em sala de aula pelos professores

Fonte:Elaborado pela autora

Alguns professores relatam que a falta de wi-fi limita o uso dos smartphones:

“Gente, pega o celular de vocês para a gente fazer uma pesquisa! ‘Ah não, professora, não

vou gastar minha internet com isso! ’Eles têm muito disso, de achar que a internet é só para

acessarem as redes sociais, o WhatsApp e para curtir fotos dos amigos no Facebook e não para

fazer pesquisa em sala de aula”. K, professora de Português. A professora F., de Ciências,

também repetiu o mesmo depoimento: “ontem mesmo eu estava pensando em planejar uma

aula para usar o celular desses meninos, porque eu já tentei, mas na hora que a gente parte

para a prática, pede para eles usarem o celular, eles não querem gastar a internet. É como se o

celular fosse só para o bate-papo, só para as redes sociais. Bom mesmo era se a escola tivesse

wi-fi para eles usarem, mas como não tem, limita bastante.”

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Quando os questionamentos são os recursos tecnológicos oferecidos pela escola,

M., 32 anos, professor de Inglês, cita a lousa digital como a tecnologia mais moderna que a

escola dispõe. No entanto, o professor acha que a lousa é subaproveitada, pois só é possível

utilizá-la juntamente com um Datashow e a escola não dispõe de aparelhos suficientes. Outra

limitação para o uso da lousa, segundo o professor, é a questão da preparação do ambiente.

“Às vezes temos mais tecnologia do que ambiente. Nós temos que levar os equipamentos para

a sala de aula e montá-los e muito professores não estão preparados para isso. Existe um único

profissional no colégio para montar o equipamento e deixar o ambiente pronto, mas ele não

consegue atender a demanda de 20 turmas pela manhã e 20 turmas no turno da tarde.” A

professora de Ciências relatou sua expectativa quando a lousa digital estava para chegar:

“fiquei muito ansiosa com a perspectiva da chegada da lousa digital. Meu Deus, a lousa

digital vai chegar! A gente teve uma aula para aprender a usar a lousa digital, mas você

acredita que eu nunca usei? Acho que eu não uso por falta de hábito, mas também vejo uma

questão de espaço. O colégio é enorme, mas se todos os professores precisarem usar a sala de

Informática, não dá. Temos que fazer um revezamento.” A escola recebeu a lousa digital do

Governo Federal e apesar de móvel, optaram por deixá-la fixa no laboratório de Informática,

já que o alcance da internet é melhor.

Em uma das escolas, quando a lousa digital estava para chegar, os professores

tiveram um breve treinamento para utilizá-la. “Para a lousa digital a gente teve um curso bem

básico, mas com uma pessoa daqui mesmo, foi com um professor que já usava, que já tinha

prática com a lousa digital. Mas eu não sei te dizer se ele foi capacitado para isso, eu acredito

que não. A minha área teve esse curso bem ‘intensivão’, bem rápido mesmo. ”

Pelo discurso dos professores, eles até gostariam de usar mais recursos de

tecnologia da informação e comunicação em sala de aula, mas esbarram em alguns entraves:

os equipamentos são de boa qualidade, mas a manutenção não é frequente, se um computador

deu algum problema, vai demandar algum tempo para ser consertado; os recursos são

escassos, dois laboratórios por escola não são suficientes para atender a demanda de 4000

alunos; e principalmente, os professores não se sentem capacitados para usar esses recursos,

falta um treinamento voltado ao uso das TIC.

A professora de Português, A., diz que não se sente preparada para tirar o melhor

proveito das TIC no planejamento de suas aulas: “O pouco que sei sobre tecnologia vem de

uma bagagem pessoal, que eu particularmente vou buscar ou em casa com a ajuda do meu

filho, ou com a ajuda dos outros professores e até mesmo dos próprios alunos”. A professora

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diz que gostaria de ser capacitada pelo Estado e considera necessária e interessante a

implantação de uma política pública neste sentido. Enfatiza que esta capacitação deva ser feita

no ambiente de trabalho: “Geralmente as reciclagens que são propostas para o professor são

fora do horário e do ambiente de trabalho, o que dificulta a sua aplicação quando trazemos

para a nossa realidade”. Ela considera que se a informação é repassada no ambiente real em

que trabalham, fica mais fácil identificar os fatores limitantes e encontrar suas respectivas

soluções, para que se logre êxito no processo.

Outra queixa constante dos professores, coordenadores e diretores são quanto à

qualidade da internet. Eles lamentam não ter uma internet de ótima qualidade para usar certos

recursos em sala de aula. “A internet aqui às vezes é um problema, tem dias que ela está

perfeita, sabe? Mas eu não posso contar com ela todos os dias, então dificulta muito. Por

exemplo, eu planejei uma aula para amanhã, mas eu não sei se a internet vai estar legal

amanhã, e aí?” Para a professora de Química, C., 45 anos, a banda larga do colégio não possui

capacidade suficiente para que todos a usem simultaneamente. Foi instituída em uma das

escolas uma política de uso limitado com três logins e senhas diferentes: um para a secretaria,

um para os professores e outro para a diretoria. Não existe um login próprio para os alunos.

“Tal política não funciona na prática, pois os alunos acabam descobrindo a senha e todos

usam ao mesmo tempo, o que a torna ainda mais lenta”.

O objetivo desta pesquisa é evidenciar as condições sociais de emergência dos

chamados nativos digitais na escola pública, a partir da mediação significativa e da

perspectiva dos professores. Assim, é possível afirmar que quase todos os jovens do ensino

médio na escola pública usam o Facebook. É fácil percebê-los conectados na fila do lanche,

interagindo com os colegas, fazendo “selfies” e postando na rede social. Apesar de não ser

diretamente o objeto de pesquisa, foi questionado aos professores como eles viam essa

interação virtual dos jovens: “vejo muita desvantagem também. Têm uns meninos daqui da

escola que dizem que eu entro no ‘face’ para monitorá-los. Mas não é, é um cuidado que a

gente tem. Por exemplo, quando eu vejo postagens inadequadas, eu acho que eles se expõem

muito, eles parecem que têm uma necessidade de fazer qualquer coisa e tirar uma foto e dizer

o que estão fazendo. É uma necessidade e eu vejo isso como uma coisa negativa. Eu tenho

alunas que, sei lá, tiram foto de biquíni, são lindas e tudo, aí tiram foto e botam lá, pode até

ser na inocência, mas aí vêm comentários desagradáveis. Aí eu chego para elas e para eles

também: gente, cuidado! Principalmente as meninas, eu percebo que elas se expõem mais e

parece que quanto mais ‘curtidas’, melhor! Quanto mais comentários, melhor! Aí elas acham:

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estou bombando! Eu converso muito com elas, eu não consigo dar uma aula e pronto, eu vejo

muito o lado humano deles. Se eu perceber a evolução do meu aluno como ser humano, eu

acho que vale mais do que em termos de conteúdo, sabe? Eu me preocupo com o tipo de ser

humano que estou formando.”, diz G., professora de Geografia.

Gráfico 6- Usuários de Internet no ambiente escolar

Fonte:Elaborado pela autora

O gráfico acima se refere aos usuários de internet no ambiente escolar. Neste

gráfico também estão contemplados os professores, diretores e coordenadores que acessam a

internet wi-fi dos seus telefones celulares. Neste comparativo entre as duas escolas, os

percentuais se referem ao número total de professores, coordenadores e diretores (N=24). Os

dados foram obtidos a partir de entrevistas com os professores, os coordenadores e os

diretores.

4.6 A INSERÇÃO DA DISCIPLINA TIC NA ESTRUTURA CURRICULAR

Ao visitar a escola César Calls fui surpreendida pela existência da disciplina

Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC, que faz parte da estrutura curricular do

ensino médio. Com dois laboratórios, a disciplina tem por objetivo promover o

desenvolvimento de conhecimentos e capacidades dos alunos na utilização das tecnologias de

informação e comunicação, de modo que permitam um domínio digital generalizado, tendo

em vista a igualdade de oportunidades.

Ao explicar meu objeto de estudo ao coordenador do Ensino Médio, ele me

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sugeriu que conversasse com os professores desta disciplina. Para isso, me direcionou ao

laboratório, onde entrevistei o professor J. 58 anos, professor de Matemática e atual professor

de TIC e em seguida conversei com G., 29 anos, também professora da disciplina.

O professor explicou que é recomendado que a escola siga um planejamento

encaminhado anualmente pelo Ministério da Educação – MEC para cumprir a grade da

disciplina TIC, mas que, por muitas vezes, isto não é possível, pois tal planejamento não

condiz com a realidade dos alunos do Nordeste. Os projetos vindos do MEC tratam, na

maioria das vezes, a realidade do Sudeste e citou como exemplos aqueles que exploram

experiências com metrôs, com enchentes e com outras situações que se tornam impossíveis de

serem trabalhadas com a vivência dos alunos cearenses.

Para adaptar esse planejamento à realidade local, o professor planeja as aulas em

paralelo com a disciplina de núcleos, que trabalha questões dinâmicas e atuais como

cidadania, práticas sociais, identidade social e outras questões de interesse dos alunos: “as

aulas de TIC não podem estar fora do contexto de interesse do aluno, porque assim eles não

gostam”, relata o professor, preocupado com o envolvimento da turma com os temas

escolhidos. Ele cita como a principal virtude desse projeto o fato de ser uma ferramenta que

trabalha com a formação pessoal do aluno: “as aulas de TIC orientam questões de conduta, de

valores e até questões vocacionais.”

A professora completou afirmando que a disciplina tem um cronograma e ela

tenta conciliar com a sala de aula. “O terceiro ano está trabalhando com linha do tempo na

disciplina de Português e nós os auxiliamos na construção desse trabalho. Esse trabalho é

feito no laboratório, onde eles fazem pesquisa na internet, eu ensino eles a salvar imagem, a

anexar no e-mail, a gente vai inserindo as tecnologias dentro da realidade deles. Eu também

trabalho com eles o editor de texto, porque eles são excelentes no Facebook, no Whatsaap,

mas têm dificuldade de formatar um texto, por exemplo. Eu acho interessante como eles são:

eu escrevo uma atividade no quadro, ao invés de copiarem, eles batem a foto. Eles também

trabalham muito em grupo, cada sala tem um grupo de Whatsapp e eles disseminam a

informação que foi dada em sala entre eles. A tecnologia facilita a comunicação, o aluno que

faltou pode se inteirar do que aconteceu em sala de aula. Eles são diferentes, desde que

nasceram eles já tiveram algum contato com as tecnologias digitais, seja no tablete, seja no

celular”.

Grande parte dos professores ainda reclama da qualidade da internet: “olha, a

internet daqui, comparada com a de outras escolas públicas, é boa, mas ainda não é ideal para

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fazer um excelente trabalho. Às vezes a internet cai e demora dois dias para voltar. Mas ela é

muito mais constante, do que inconstante.

Mesmo sendo inconstante, a internet tem fornecido a base para a comunicação

entre professores e alunos: “O e-mail é um gênero que eles não vêem utilidade em usar. Como

o Whatsaap tem uma comunicação mais direta e instantânea, eles preferem. A rede social é

muito utilizada por eles. Mas eu quis mostrar para eles a importância do e-mail.

Principalmente as turmas do terceiro ano, que logo entrarão no mercado de trabalho. Hoje, a

gente faz a atividade em sala de aula, eles anexam ao e-mail e mandam para eles mesmos. O

e-mail hoje, depois que trabalhei com eles, é uma ferramenta de uso constante, que fez com

que abolíssemos o pen drive. O Facebook da turma eu uso para divulgar algum trabalho, para

postar algum link importante que eu gostaria que eles vissem. Para não perder o tempo de

aula, eu mando um link para eles no Facebook e eles já assistem antes da aula. Também

mando vídeos do YouTube, documentários. É muito mais simples do que era na minha época

de aluna, tudo está ao alcance de um clique. Eu tenho alunos que me surpreendem bastante.

Um dia nosso laboratório não estava funcionando e como todos têm celular, eu trouxe o

material e passei por bluetooth, eles repassaram também por bluetooth de uma para o outro e

podemos trabalhar o texto planejado. O interessante foi que eles que me lembraram de usar o

bluetooth, eu como nunca uso, não lembrei dessa possibilidade”, informou ainda outro

professor.

Percebe-se pelo discurso dos docentes que as aulas têm o intuito de privilegiar a

participação dos alunos em pequenos projetos, na resolução de problemas e de exercícios

práticos contextualizados na produção de um projeto ou produto. Desta forma, pretende-se

que os alunos possam atingir diferentes metas multidisciplinares durante o desenvolvimento

dos trabalhos. Estes devem ser resolvidos no computador, permitindo ao aluno encarar a

utilização das aplicações informáticas não como um fim em si, mas como uma ferramenta

poderosa para facilitar a comunicação, a colaboração, o tratamento de dados e a resolução de

problemas. O professor da disciplina TIC explica que acaba sendo um processo constituído de

pequenas tarefas e resume: “ao usar as TIC em todas as etapas do processo, os alunos podem

pesquisar, discutir e contestar as ideias, produzir os trabalhos e ao concluí-los, enviá-los ao e-

mail do professor”.

Ao perguntar se ele usava as TIC quando ensina Matemática, ele respondeu que

fazia isto em outras escolas em que também trabalha, mas que na escola pública isto não era

possível, pois as máquinas não eram atualizadas e não rodavam certos programas

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direcionados ao conteúdo. “O sistema operacional usado na rede pública é o Linux, que tem

muitas restrições para instalação de programas.” Citou também como fator limitante a

lentidão na velocidade da internet, principalmente quando os dois laboratórios estão lotados,

funcionando ao mesmo tempo.

Quanto à organização do ambiente na aula de TIC, o professor agrupa três ou

quatro alunos por computador, pois as turmas são numerosas. Ao perguntar se havia algum

critério para agrupar esses alunos ou se isso funcionava aleatoriamente, ele respondeu que

depende do conteúdo a ser pesquisado e citou como exemplo a pesquisa que fez sobre

identidade social, onde cada um teria que relatar a realidade do seu bairro. Neste caso, ele

agrupou os alunos usando o critério domiciliar. “Esta escola não é de comunidade.

Ao questionar sobre quais os principais programas usados por ele nas aulas de

TIC, já que todos pertencem ao sistema Operacional Linux, ele citou programas como

OpenOffice Calc (planilhas), Impress (apresentações multimídia) e OpenOffice Writer (editor

de texto), considerando-os como essenciais. Entre algumas dificuldades encontradas na

condução dos projetos, estão as diferentes versões do Linux instaladas nas máquinas dos

laboratórios, o que dificulta a orientação do professor e a compreensão dos alunos.

Este é o primeiro ano deste professor ministrando a disciplina TIC e para isso, ele

não teve capacitação ou treinamento especial. Traz consigo somente sua boa vontade, sua

experiência como professor de Matemática e o conhecimento tecnológico adquirido na vida

pessoal, pois sempre se considerou uma pessoa “conectada”. Ele relata que seu primeiro

computador foi um PC 386 no início dos anos 90 e que até hoje usa a tecnologia de todas as

formas que estão ao seu alcance: participa de redes sociais, tem grupos no WhatsApp, se

comunica por e-mail, possui um e-mail próprio para receber os trabalhos dos alunos e assiste

vídeos no YouTube.

O professor considera que o uso das TIC em sala de aula contribui

significativamente para que os alunos vejam as aulas de uma forma mais atrativa. Numa

pesquisa feita no site da SEDUC, a TIC aparece como a disciplina com o maior número de

votos no quesito: qual a disciplina que você mais gosta? “Os alunos são altamente conectados

e antenados com o mundo virtual: cerca de 99% deles têm acesso à internet, pelo computador

ou pelo smartphone, alguns alunos possuem as últimas gerações de smartphones do mercado,

melhores até do que o meu”.

Em relação ao uso das TIC pelos demais professores da escola, o professor J.

afirma que a maioria usa a tecnologia como um recurso complementar à sua disciplina,

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principalmente os professores mais jovens. “O laboratório de informática não tem horários

livres, o agendamento é completo. Todos gostam de usar este recurso”, conclui.

Para finalizar, foi questionado há quanto tempo à disciplina TIC foi inserida como

obrigatória na estrutura curricular do ensino médio. Ele não pôde dar uma informação precisa,

mas disse fazer muito tempo, “talvez mais de 10 anos”. Em abril de 1997, foi criado, pela

Portaria Nº 522/MEC, o Programa Nacional de Informática na Educação (ProInfo) para

promover o uso pedagógico da informática na rede pública de ensino fundamental e médio. O

programa funciona de forma descentralizada, no entanto, sua coordenação é de

responsabilidade federal, mas a operacionalização é conduzida pelos estados e municípios.

Em cada unidade da Federação, existe uma coordenação estadual ProInfo, cujo trabalho

principal é o de introduzir as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) nas escolas

públicas de ensino médio e fundamental.

4.7 ENTREVISTANDO O PROFESSOR QUE NÃO USA AS TIC EM SALA DE AULA

Durante a pesquisa, foi se constatando que alguns professores, principalmente

aqueles com faixa etária mais avançada, encontram-se presos aos modelos tradicionais de

ensino e se recusam a usar as TIC em sala de aula.

Há certo receio deste professor, quando desafiado a inserir as TIC como

ferramentas de busca e construção do saber, de ser substituído pelos recursos tecnológicos,

perdendo o seu papel de detentor do conhecimento. Eles não admitem essa insegurança: “Um

computador nunca substituirá um livro, muito menos um professor”.

O objetivo da pesquisa em campo não foi abordar o tema como uma ameaça à

profissão, já que as novas tecnologias não substituirão o papel do professor em sala, as TIC

poderão, talvez, trazer novas formas de se chegar ao conhecimento, obtido por sua vez de

modo mais prazeroso, interativo e transversal.

Foi possível entrevistar um pequeno grupo de professores que trabalha há mais de

20 anos na escola Adauto Bezerra, alguns já em tempo de aposentadoria, e a partir daí, tentar

traçar um perfil do professor que resiste às novas tecnologias, seja na vida pessoal, seja na

vida profissional.

Há um consenso entre esse grupo que os alunos estão muito conectados e que as

TIC devem fazer parte do ensino, talvez como um instrumento auxiliar, como uma ferramenta

usada esporadicamente, sempre como exceção: “usamos as TIC para variar a dinâmica da

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aula, mas nada é melhor do que pesquisar no próprio livro, do que folhear um dicionário. A

tecnologia, muitas vezes, pode deixar os alunos preguiçosos”.

Um deles citou Bauman, dizendo que “as redes são muito úteis, oferecem serviços

muito prazerosos, mas são uma armadilha. Muita gente as usa não para unir, não para ampliar

seus horizontes, mas ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zona de conforto, onde o

único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único ser que vêem são os

reflexos de suas próprias caras.” A professora complementa dizendo que alguns poucos

corajosos resistem a se adaptar ao mundo tecnológico e a valorizar as ferramentas tradicionais

como o quadro, o livro, o caderno e as discussões em grupo.

A professora de História A., 62 anos, relembra que no início dos anos 2000, a

escola estabeleceu uma parceria com um grupo de concludentes do Curso de Informática da

Universidade Federal do Ceará (UFC), que treinaria os professores para que pudessem adaptar

suas aulas ao uso do laboratório de Informática. Até então o espaço era usado somente pelos

alunos na disciplina de Informática, uma vez por semana, e a dinâmica da aula consistia em

três ou quatro alunos por computador e os alunos escreviam no Word ou desenhavam no

Paint.

Ela relata que a chegada da equipe da UFC não foi muito bem vista pelos

professores mais conservadores: “O que eles vieram fazer aqui? Mudar nosso jeito de dar

aula? Esse laboratório não serve para nada mesmo! Só vai para lá quem não gosta de ensinar,

para enrolar aula e deixar os alunos acessando o Orkut”.

Apesar de certa resistência, o grupo da UFC levou adiante o projeto “Inserção de

Informática nas escolas públicas”. Este trabalho já havia sido realizado em escolas

particulares, cuja realidade era inversa, pois os professores já tinham contato com as TIC por

meio da vivência com a informática na vida pessoal. “Eles tinham computadores em casa,

usavam com os filhos e buscavam conteúdo de aulas em sites de busca”.

Segundo o relato da professora, na época havia cerca de 100 professores no turno

da manhã e como a adesão ao projeto da UFC era opcional, apenas 10% aceitaram participar.

Para muitos, estes encontros oportunizaram um primeiro contato com o computador: “foi

quando aprendemos a ligar e desligar a máquina, a digitar usando um editor de textos, a criar

um e-mail e a usar o MSN.” A ideia da equipe da UFC era conquistar os professores, para que

eles se “encantassem” com as facilidades oferecidas pelas TIC, usando-as nas suas atividades

pessoais, para que depois pudessem migrar para as atividades profissionais.

Importante frisar que antes da implantação deste projeto, os únicos recursos

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tecnológicos usados em sala de aula eram a TV, o DVD e o retroprojetor com transparências.

Outra experiência narrada pelos professores foi a do tele ensino. A partir de um convênio

entre o Governo Federal e a Fundação Roberto Marinho, um sistema de Educação a Distância

(EAD) oferecia programas e conteúdo do Telecurso 2000, no qual o professor assumia o papel

de orientador de aprendizagem. Algumas turmas da escola pilotaram tal projeto, mas o projeto

não logrou êxito. Ficou constatado que os alunos que participaram das aulas televisionadas

ficaram mais dispersos e regrediram no aprendizado. Houve declínio das notas em todas as

matérias. Na época o tele ensino foi apelidado pelos próprios professores de “tele engano”.

A professora narra que implantação do uso das TIC nas aulas curriculares, por

meio do projeto dos estudantes de Informática da UFC, ocorria da seguinte forma: “o

professor planejava o tema e os tópicos a serem abordados e ao chegar ao laboratório de

informática, contavam com a ajuda de um monitor, que auxiliava na parte técnica. Eram cerca

de três alunos por computador pesquisando e discutindo o tema, para que depois produzissem

um texto acerca da pesquisa. O que chamava a atenção da professora era a rapidez com que os

alunos aprendiam a usar o computador: “Nós tínhamos demorado meses para aprender a usar

os recursos, mas para eles parecia tudo muito mais natural e interessante”.

Os professores mais abertos e flexíveis à introdução dos recursos do laboratório

de Informática nas suas aulas tiveram bons resultados. Os alunos ficaram mais interessados e

obtiveram um melhor rendimento. “Quando vamos ter aula no computador de novo? – Era a

primeira pergunta ao chegar à sala de aula”. Na época, pouquíssimos alunos da escola pública

tinham acesso ao computador em casa. Quando precisavam, frequentavam lan houses. Quase

nenhum deles tinha telefone celular. Então, o maior contato com as TIC para esses alunos era

na própria escola.

Ao questionar quais as tecnologias que eles usam na vida pessoal, talvez mais da

metade use e-mail e tem redes sociais, mas não acham que isso agregue muito na vida

profissional deles. A ferramenta mais usada por eles é o site de busca Google. Alguns

admitem que possam usar mais o YouTube, de onde poderiam retirar dinâmicas para suas

aulas, mas não o fazem.

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Gráfico 7 - Aplicativos e programas utilizados pelos professores fora do ambiente escolar

APLICATIVOS e PROGRAMAS

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Escola 1 Escola 2

Escola 1 90% 95% 70% 50% 90%

Escola 2 95% 95% 75% 45% 90%

Facebook WhatsApp E-mail YouTube Sites de busca

Fonte: Elaborado pela autora

Acima, encontra-se a representação gráfica dos aplicativos e programas utilizados

pelos professores fora do ambiente escolar. Neste comparativo entre as duas escolas, os

percentuais se referem ao número total de professores (N=20). Os dados foram obtidos a

partir de entrevistas com professores.

O professor de Matemática, M. 59 anos, diz que, na verdade, muitos professores

não se sentem seguros para usar as TIC como suporte de aprendizado: “Nós deveríamos

aprender a usá-las ainda na faculdade, nos nossos cursos de Licenciatura. Deveria haver uma

mudança na grade curricular nas universidades para que chegássemos preparados para lidar

com essa nova realidade”. A maioria acrescenta que os professores deveriam ter um momento

de reciclagem, uma espécie de formação continuada. “As mudanças tecnológicas são muito

rápidas. Fica difícil acompanhá-las sem reciclagem. Além de termos que nos adequar, temos

também que nos atualizar sempre. A formação continuada seria um bom caminho para isso”.

Mesmo os professores que não usam as TIC em sala de aula se mostram abertos

às mudanças e acreditam que o uso pedagógico das TIC pode contribuir para que o

aprendizado se torne mais atrativo. Aqueles professores que passaram pela inserção das TIC

trabalhada pelos alunos do curso de Informática da UFC, 15 anos passados, relatam que

necessitam de um treinamento continuado para o uso dessas tecnologias, já que se sentem

com a autoridade abalada, uma vez que os alunos dominam as tecnologias mais que eles,

gerando insegurança nos professores.

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Quando chegamos a este ponto, senti que eles estavam mais abertos a falar deste

assunto e que os questionamentos abriram espaço a uma reflexão acerca das mudanças.

Naquele momento, pareciam dispostos a dar uma chance ao novo e acolher os nativos digitais

de uma forma mais serena. Refazer uma disposição instalada é o primeiro grande desafio na

formação desses profissionais que passaram anos de suas vidas usando recursos como giz,

livros, cadernos, caneta piloto e quadro branco. Quando queriam inovar, usavam no máximo

um CD Player ou um aparelho de DVD com TV.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O debate sobre a inserção das TIC em práticas de ensino e aprendizagem nas

escolas públicas de Fortaleza e a emergência dos nativos digitais aborda fenômenos

perpassados por uma questão mais ampla e complexa, a emergência de um “tempo novo”, a

contemporaneidade. O verbo que parece predominar nesse momento é “interagir”,

comprimindo distâncias, seja por Whatsapp, Facebook, Youtube, Instagram, e-mail ou

Snapchat, pois a marca distintiva dessa comunicação é que ela se faz via dispositivos

eletrônicos.

Quando tal fenômeno se insinua no âmbito da educação escolar, percebe-se

claramente um descompasso entre temporalidades: por um lado, temos o tempo vivido por

alunos constantemente conectados, que usam dispositivos eletrônicos 24/7 (24 horas, 7 dias

por semana) com muita facilidade, aplicativos fazem parte de seus cotidianos e cultivam a

certeza que a vida foi sempre assim; por outro, temos a temporalidade dos professores que

percebem seus alunos como nativos digitais, já compreendem que essa geração tem um olhar

diferente sobre a aprendizagem, concordam que o modelo disciplinar de ensino ignora

algumas possibilidades desses jovens, mas, na maioria das vezes, não são preparados para

inserir recursos tecnológicos como ferramentas de aprendizagem; e ainda temos aquela que

caracteriza muito mais permanências do que mudanças na instituição escolar: currículo

estruturado por disciplinas estanques, avaliações baseadas em notas, ensino centrado no

professor, que permanece a voz mais ativa no espaço disciplinador da sala de aula.

Nesse contexto, é preciso considerar ainda que as informações se propagam pela

internet numa velocidade crescente, pois é a partir das redes sociais que nos informamos sobre

política, esporte, entretenimento, religião e tudo mais que nos interessar. É a partir da web que

organizamos nossos protestos, que nos manifestamos, que dizemos o que pensamos, onde

estamos, dividimos a dimensão privada da vida cotidiana, postando imagens nossas viagens, o

que sentimos, expomos nossas vidas e nosso cotidiano.

Instada a dar respostas a este contexto, a UNESCO tem sido a grande

estimuladora do uso das TIC na educação, entendendo que estas contribuem para a inclusão, a

equidade e a qualidade do ensino. Entende também que é preciso que os professores tenham

habilidades para usar as TIC em todos os aspectos da prática de sua profissão e que se fazem

necessárias políticas públicas as quais garantam que o potencial das TIC seja aplicado ao

sistema educacional.

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Na escola pública brasileira, embora as TIC sejam uma parte importante do

processo contínuo de aprendizagem, deste não se suprimem o quadro, o pincel, o livro e,

principalmente, o professor. Na escola contemporânea, o professor tem ainda o desafio de

formar estudantes críticos, com consciência da realidade, conhecimento dos seus direitos e

deveres, conferindo importância à participação social

Em termos locais, para adentrar no campo empírico, foi preciso fazer um breve

levantamento nos dados do CETIC (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da

Sociedade da Informação), que pesquisou 930 escolas de ensino médio da região Nordeste, no

ano de 2015. Nesse universo, apenas 30% das escolas públicas tem professores capacitados

para usar as TIC em sala de aula; porém, 96% das escolas públicas do ensino médio possuem

infraestrutura necessária para o uso das TIC; 67% possuem laboratório de informática; 26%

possuem computadores na biblioteca; 7% apresentam computadores em sala de aula, 42% na

sala dos professores e 79% na sala de coordenação/direção, em contrapartida, apenas 5% das

escolas possuem responsáveis pela manutenção de equipamentos de informática. Apesar de

85% das escolas terem acesso à internet, apenas 30% dos professores dão aula específica de

informática.

Vale mencionar nesse texto final que no Ceará 4696 escolas públicas foram

beneficiadas pelo ProInfo, dentre estas as duas escolas objetos de pesquisa desse trabalho. O

ProInfo institui o uso pedagógico da Informática na rede pública de educação básica. A

Escola de Ensino Médio Governador Adauto Bezerra recebeu um laboratório de informática

cujo investimento foi de R$11.103,46 e a Escola de Ensino Médio Dr. César Calls foi

beneficiada com três laboratórios de informática, com um investimento de R$1.349.093,46.

Em campo, foi possível fazer algumas considerações sobre as questões da

pesquisa. Segundo a entrevista realizada com os professores, o Estado não os capacita para

usar as TIC em sala de aula, os professores as usam com a ajuda dos estudantes e com a

experiência que acumularam empiricamente.

Os professores organizam o ambiente de trabalho com as TIC de acordo com a

disponibilidade dos laboratórios de Informática. Nestes não há computadores suficientes para

que cada estudante ocupe uma máquina. Geralmente, são dois ou três estudantes que se

revezam na utilização de cada computador.

Há um consenso entre professores, coordenadores e diretores que o uso das TIC

em sala de aula contribui para tornar o aprendizado mais atrativo, deixando os alunos mais

interessados e participativos. Embora o aprendizado se torne mais atrativo com o uso das TIC,

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os professores reclamam da falta de um programa de capacitação para que façam melhor uso

das TIC no ambiente escolar. Os docentes que fazem uso um programa específico (por

exemplo, o Geogebra), utilizam-no com a ajuda do professor do laboratório de Informática ou

com a experiência que trazem de outras escolas, geralmente privadas.

Há unanimidade entre professores, coordenadores e diretores que cerca de 99%

dos estudantes têm acesso à internet fora do ambiente escolar, evidenciando o caráter social

do fenômeno analisado. Vale relembrar que essa pesquisa foi realizada com os professores e

não com os estudantes, buscando captar a perspectiva daqueles acerca da emergência e da

formação dos chamados nativos digitais na escola pública.

É também consenso entre professores que é complexo para as escolas

disponibilizar a utilização de banda larga aos alunos. É sabido que os docentes têm acesso à

internet na sala dos professores em ambas as escolas. No entanto, os alunos utilizam a internet

wi-fi da sala dos professores, da coordenação, da diretoria ou dos laboratórios de informática

por meio de aplicativos que dão acesso a senhas sigilosas.

Quase todos os professores que utilizam as TIC em sala de aula o fazem

independentemente da disciplina lecionada, seja na forma de documentário, em apresentações

no datashow ou utilizando a internet. Não há como afirmar que os professores das Ciências

Exatas usam menos as TIC do que os professores das Ciências Humanas e vice-versa. De

acordo com a pesquisa, os professores que mais utilizam as tecnologias são aqueles que se

apropriaram delas a partir de inúmeros fatores que configuram a particularidade de suas

trajetórias de vida.

Também de acordo com os dados coletados, o Estado investiu em provedores,

mas o cinturão digital ainda não é eficiente para oferecer banda larga para estudantes,

professores, diretores, coordenadores e corpo administrativo.

Quando se pensa em interação professor-estudante nas redes sociais, 70% dos

professores interagem com os alunos. Alguns optam por interagir com os alunos apenas em

grupos destinados a este fim, como nos grupos de WhatsApp e Facebook da turma, outros não

vêem problema em interagir com os estudantes por meio de suas contas pessoais do

Facebook.

A partir desta pesquisa foi possível entender que um novo modelo de escola

pública se esboça, uma instituição escolar que já compreende que precisa aproximar-se do

universo de seus estudantes, nas formas de ensinar, de aprender, de interagir e de ouvir esta

geração. É uma escola que enfrenta paradoxos: por um lado, o temor do momento em que a

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banda larga será instalada, possibilitando aos alunos acesso à internet em todo o ambiente

escolar; por outro, o incentivo à ampliação de um segmento do corpo docente que tem

aprendido como lidar com os jovens conectados, empenhando-se na integração das novas

tecnologias como aliadas no processo de ensino e aprendizagem.

O tema não se exaure neste trabalho, há muito que se pensar para uma pesquisa

futura. É cedo para qualquer conclusão definitiva sobre o uso das TIC na educação, até porque

falar em TIC é sempre estar obsoleto. Já na escrita final desse texto uma reportagem do jornal

Estadão mostra que professores começam a “mirar” o Snapchat e o YouTube como aliados na

hora de partilhar conhecimento, pois a proposta é que o estudo sincronize com o ritmo dos

jovens. O Descomplica, uma plataforma de educação online que prepara os jovens para o

vestibular, Enem e Sisu por meio de dicas e conteúdos das provas, já utiliza o Snapchat como

aliado. O idealizador do projeto afirma: “uma das nossas propostas é fazer o jovem gostar de

estudar. Hoje já não dá para esperar que eles estudem só com os livros, precisamos usar

ferramentas que eles já usam a nosso favor”.

Muitos questionamentos ficaram sem resposta, mas pensar que temos uma escola

com horário de entrada e saída, com 40 alunos enfileirados em um espaço retangular separado

por idade e nível, onde o uso de uniforme é obrigatório, onde há uma razão de três aulas de

Matemática para uma de História, faz-nos considerar dinâmicas de produção e apropriação de

conhecimento que circulam neste mesmo espaço de forma intersticial e menos estruturada.

Se as TIC ainda não foram totalmente integradas ao processo de ensino-

aprendizagem, é possível ao menos afirmar que se engendra no âmbito escolar o duplo

movimento de reconfiguração dessa realidade. Percebe-se a emergência de dinâmicas

ensejadas de forma heterônoma, por meio de políticas públicas federais e estaduais que

subsidiam com equipamentos e recursos financeiros a objetivação de práticas de ensino e de

aprendizagem mediadas pelas novas tecnologias, e mesmo um lugar físico que referencia

estas práticas – é este o caso do laboratório de informática; e ainda, de forma autônoma, pela

intensificação de intercâmbios e constituição de redes de sociabilidade entre os chamados

nativos digitais, mas também entre estes e aqueles que representam figuras de transição no

modo de apropriação destas tecnologias – os professores.

Se a análise desta pesquisa deteve-se sobretudo à perspectiva docente, é porque o

professor apresenta-se como o agente que concentra de forma dramática o conflito interno que

marca a transição sofrida pela instituição escolar na contemporaneidade. De modo recorrente,

o professor das escolas públicas estudadas encarna um frágil processo de familiarização com

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as novas tecnologias ao longo de sua trajetória social; ao mesmo tempo em que se vê

convocado a enfrentar a urgência da aquisição de formas de pensar e de agir mediadas por

estas mesmas tecnologias. O professor percebe que estas competências fundamentam cada

vez mais a importância do papel que desempenha na formação dos nativos digitais, ao mesmo

tempo em que evidenciam forte descompasso entre sua apropriação destes recursos e a

familiaridade com que estes estudantes manipulam tais tecnologias.

Frente a este impasse, não cabe ao sociólogo formular juízos de valor que

apontem as vantagens ou desvantagens representadas pela introdução das TIC no ambiente

escolar, ou mesmo assumir a superioridade das práticas escolares mediadas pelas TIC em

detrimento daquelas estruturadas como ensino “tradicional”. Ao sociólogo cabe sim

compreender as recentes condições sociais de possibilidade da emergência dos chamados

nativos digitais e as transformações da prática docente neste contexto. Assim, percebe-se que

longe de configurar-se como um agente que se encontra em vias de desaparecimento, os

avanços gradativos da utilização das TIC na escola pública não eliminam a importância do

docente como elemento mediador e socializador destas.

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REFERÊNCIAS

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