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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE (UNICENTRO-PR) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA HISTÓRIA, FOTOGRAFIAS E PAISAGEM: O IMPACTO DA CHEGADA DO “MODERNO” EM COMUNIDADES FAXINALENSES DE REBOUÇAS PR (1960 2017) IRATI 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE (UNICENTRO-PR)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

HISTÓRIA, FOTOGRAFIAS E PAISAGEM:

O IMPACTO DA CHEGADA DO “MODERNO” EM COMUNIDADES

FAXINALENSES DE REBOUÇAS – PR (1960 – 2017)

IRATI

2017

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SONIA VANESSA LANGARO

HISTÓRIA, FOTOGRAFIAS E PAISAGEM:

O IMPACTO DA CHEGADA DO “MODERNO” EM COMUNIDADES

FAXINALENSES DE REBOUÇAS –PR (1960 – 2017)

Dissertação apresentada como requisito parcial à

obtenção do grau de Mestre em História, Curso de Pós-

Graduação em História, Área de Concentração “História

e Regiões”, da Universidade Estadual do Centro Oeste -

UNICENTRO-PR.

Orientador: Prof. Dr. Ancelmo Schörner

IRATI

2017

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Dedico este trabalho a todos os faxinalenses e

povos tradicionais que enriquecem o nosso

saber com suas histórias e lutas, que também

vieram a reforçar nesta minha caminhada a

importância e o valor da humildade e da

simplicidade, já antes semeada por meus

amados pais.

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AGRADECIMENTOS

Como é de costume (e por ser indispensável), primeiramente agradeço a Deus por

permitir a experiência da vida e me conceder forças para não desistir diante das adversidades

encontradas pelo caminho. Obrigado pela permissão desta valiosa experiência que me fez

crescer muito enquanto “ser humano”.

Quero agradecer à minha família: Maria Ivone F. Langaro, Luiz Langaro, Tedimar

Costa e Sarah Luize Costa por me apoiarem em toda minha caminhada. Não há palavras que

descrevam tudo o que fazem pelos meus sonhos. Agradeço por sempre acreditarem em mim

até mais do que eu mesma. Agradeço pela compreensão das minhas faltas durante meu tempo

para estudos. Vocês são meus maiores incentivos e meus eternos exemplos.

Agradeço a todos os meus professores que influenciaram em toda minha vida. Aos que

ministraram disciplinas do PPGH e também nas disciplinas da graduação em História e

também durante a graduação em Geografia. Tomarei vocês como espelho para toda a vida.

Agradeço aos professores Dr. José Adilçon Campigoto e Dr. Nicolas Floriani que

contribuíram para o aprimoramento desta pesquisa nas bancas de qualificação e defesa.

Agradeço ao professor Dr. Ancelmo Schörner que permitiu e aceitou que eu fosse sua

orientanda, e com muita paciência e sabedoria direcionou meus passos nesta pesquisa. Serei

eternamente grata pelo o que me ensinastes.

Agradeço a Cibele Zwar Farago, secretária do PPGH, que desde minha inscrição para

seleção resolveu com agilidade e eficiência todas a questões a ela solicitadas, sendo alguém

que acabou se tornando uma grande amiga e confidente de momentos felizes e tristes vividos

durante este período. Seu trabalho é admirável, pois você tem amor ao que faz.

Agradeço in memorian a Fabiane Soeli Langaro, irmã que neste mundo físico já não

está mais presente: jamais esquecerei de que o caminho da Universidade descobri através de

seu persistente exemplo. Sei que de um bom lugar estás torcendo por mim.

Agradeço a todos os meus amigos e colegas que me incentivaram e participaram de

minha caminhada de algum modo. Todos os que me deram apoio e lerem estes

agradecimentos, saberão exatamente as boas energias que me deram a honra de receber.

Agradeço aos faxinalenses das comunidades de Faxinal dos Francos, Faxinal

Barreirinho dos Beltrão e Faxinal do Salto, que colaboraram com fotografias e entrevistas,

tornando possível a tessitura desta pesquisa. Mais que entrevistadas e entrevistados, agora

grandes amigas e amigos! Gratidão imensa e especial é o que sinto por todas (os) citadas (os)!

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“A função do historiador é

lembrar a sociedade daquilo

que ela quer esquecer”

(Peter Burke)

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RESUMO

A presente pesquisa busca realizar a identificação de elementos que apresentaram

mudanças ao longo do tempo nas paisagens e práticas cotidianas correspondentes às

comunidades tradicionais denominadas como faxinais, utilizando fotografias do passado e do

presente como fonte principal. A delimitação temporal é tomada a partir da segunda metade

do século XX até o presente ano de 2017. O recorte espacial considerado, refere-se à três

comunidades rurais localizadas no município de Rebouças-PR, sendo estas: Faxinal do Salto e

Faxinal do Barreirinho dos Beltrão, quais são consideradas faxinais ativos, e Faxinal dos

Francos, que está na condição de faxinal inativo. Os faxinais correspondem a uma forma de

organização tradicional e comunitária, tendo como principais atributos a presença de florestas

nativas, terras de cultivo e um criadouro comum, constituindo-se assim, como uma forma de

organização peculiar no meio rural paranaense. Ocorre, que a agricultura comercial de larga

escala juntamente da intensa mecanização agrícola tem avançado cada vez mais sobre as áreas

de faxinais, contribuindo para sua desestruturação. Desta forma, os faxinais ativos passam por

perdas em sua área territorial com consequentes mudanças quanto à vegetação, terras de

plantio e relações comunitárias internas, sendo necessária uma reorganização entre os

integrantes destas comunidades para que possam manter ativas as práticas faxinalenses diante

de determinadas pressões. Quanto aos faxinais desestruturados, restam somente as lembranças

do modo de vida tradicional desagregado por seus antagonistas (principalmente pelas

agriculturas comerciais aliadas à falta de apoio do poder público) que possuem seus resquícios

registrados em fotografias e narrativas. Entre os procedimentos metodológicos e fontes

utilizadas para a realização desta pesquisa, destaca-se a interpretação de fotografias antigas e

recentes, revisão bibliográfica, saídas de campo e informações fornecidas pelos moradores das

comunidades, além da história oral. O uso de fotografias como fonte possui ênfase nesta

investigação, pois se apresentam como uma vasta fonte documental para o arrolamento de

questões relacionadas às modificações ocorridas em comunidades faxinalenses,

principalmente ao que corresponde às paisagens destes faxinais. Nesta pesquisa, a paisagem é

interpretada a partir da perspectiva histórica, sendo tomada como um elemento transformado

pela ação do homem ao longo do tempo, ou seja, a paisagem é discutida no âmbito da

temporalidade. Ao final desta análise, foi possível observar como a mecanização agrícola e o

crescente avanço comercial de soja, milho, batata, fumo, eucalipto e pinus alteraram as

paisagens nos faxinais em questão, assim como seu modo de vida tradicional, levando os

moradores destas comunidades a uma reflexão em relação à sua identidade faxinalense diante

das pressões ocasionadas por seus antagonistas. Neste sentido, foi possível traçar um

panorama das transformações ocorridas nos faxinais pesquisados; apresentar algumas

ponderações de sujeitos envolvidos neste processo e traçar um quadro da importância da

elaboração de políticas públicas eficazes para este cenário. Palavras Chave: Faxinais; Fotografias; Paisagem.

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ABSTRACT

The present research seeks to identify elements that presented changes over time in the

landscapes and daily practices corresponding to the traditional communities known as faxinal,

using photographs of the past and the present as the main source. The temporal delimitation is

taken from the second half of the XX century until the present year of 2017. The spatial cut

considered, refers to the three rural communities located in the municipality of Rebouças-PR,

these being: Faxinal do Salto and Faxinal do Barreirinho Beltrão, which are considered active

faxinal, and Faxinal de Francos, which is in the condition of inactive faxinal. The faxinais

correspond to a traditional and community organization, having as main attributes the

presence of native forests, farmland and a common breeding ground, constituting itself as a

form of organization peculiar to the rural environment of Paraná. It occurs that large-scale

commercial agriculture coupled with intense agricultural mechanization has increasingly

advanced the faxinal areas, contributing to its disruption. In this way, the active faxinais

undergo losses in their territorial area with consequent changes in vegetation, planting lands

and internal community relations, being necessary a reorganization among the members of

these communities so that they can keep alive the faxinalenses practices before certain

pressures. As for unstructured faxinals, there remain only the memories of the traditional way

of life disaggregated by its antagonists (mainly by the commercial agriculture allied to the

lack of support of the public power) that have their vestiges recorded in photographs and

narratives. Among the methodological procedures and sources used to carry out this research,

we highlight the interpretation of old and recent photographs, bibliographical review, field

trips and information provided by community dwellers, as well as oral history. The use of

photographs as a source has an emphasis on this research, as they are presented as a vast

documentary source for the discussion of issues related to the changes occurring in faxinal

communities, especially those corresponding to the landscapes of these communities. In this

research, the landscape is interpreted from the historical perspective, being taken as an

element transformed by the action of man over time, that is, the landscape is discussed within

the scope of temporality. At the end of this analysis, it was possible to observe how

agricultural mechanization and the increasing commercial advance of soybean, corn, potato,

tobacco, eucalyptus and pine trees altered the landscapes in the faxinais in question, as well as

their traditional way of life, To a reflection on his faxinalense identity in the face of the

pressures occasioned by his antagonists. In this sense, it was possible to draw a panorama of

the transformations occurred in the faxinais surveyed; Present some weights of subjects

involved in this process, and outline the importance of developing effective public policies for

this scenario. Keywords: Faxinais; Photographs; Landscape.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 – Família faxinalense do Faxinal Barreirinho dos Beltrão …………………. 101

Imagem 2 – Cotidiano faxinalense de adultos e crianças ……………………………… 102

Imagem 3 – Derrubada e queimada de árvores nativas no Faxinal Barreirinho dos

Beltrão …………………………………………………………………...………………

114

Imagem 4 – Trator e pulverizador no Faxinal Barreirinho dos Beltrão ………………... 115

Imagem 5 - Menino faxinalense e tratores no Faxinal Barreirinho dos Beltrão ……….. 116

Imagem 6 – Plantações de soja e eucaliptos no Faxinal Barreirinho dos Beltrão …….. 117

Imagem 7 - Cerca faxinalense seguida de eucaliptos no Faxinal Barreirinho dos

Beltrão …………………………………………………………………………………...

118

Imagem 8 – Vegetação do Faxinal Barreirinho dos Beltrão …………………………… 120

Imagem 9 - Família do Faxinal do Salto na colheita de arroz e milho ………………… 121

Imagem 10 - Carroça e cavalos no Faxinal do Salto …………………………………... 122

Imagem 11 – Galpão como estábulo para eqüinos - Faxinal do Salto …………………. 123

Imagem 12 - Galpão utilizado para guardar trator ……………………………………... 124

Imagem 13 - Mutirão faxinalense Faxinal do Salto ……………………………………. 125

Imagem 14 - Mutirão faxinalense durante limpeza do criadouro comum …………….. 126

Imagem 15 - Faxinalense preparando-se para trabalhar na plantação de fumo ………... 127

Imagem 16 - plantação de soja (em segundo plano) no Faxinal do Salto ……………… 128

Imagem 17 – Vista parcial do Faxinal do Salto ………………………………………... 129

Imagem 18 - Paisagem referente ao Faxinal do Salto …………………………………. 130

Imagem 19 - Vista parcial do Faxinal do Salto ………………………………………... 131

Imagem 20 - Aguada no criadouro comum Faxinal do Salto …………………………. 132

Imagem 21 – Aguada em área de criadouro comum cercada – Faxinal do Salto ……... 133

Imagem 22 – Família Dallagnol em Faxinal dos Francos ……………………………... 135

Imagem 23 - Trabalhadores e trator – Faxinal dos Francos – Início da década de 1980 . 136

Imagem 24 - Destoca em Faxinal dos Francos ………………………………………… 137

Imagem 25 – Uso de agrotóxicos em plantações de soja – Faxinal dos Francos ……... 138

Imagem 26 – Plantação de pinus no Faxinal dos Francos que em área que correspondia

ao criadouro comum …………………………………………………………………….

140

Imagem 27 – Plantações de Pinus em áreas destinadas às plantações de soja no Faxinal 141

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SUMÁRIO

Lista de imagens .........................................................................................................…….. 11

Introdução .................................................................................................................…...... 13

Capítulo I

1. POVOS TRADICIONAIS ……………………………………………………….……. 23

1.1 Quem são os povos tradicionais e quais direitos possuem? ........................................ 23

1.2 Povos tradicionais: a questão do território e demais apontamentos ………………… 28

1.3 Terras de uso comum .................................................................................................. 45

Capítulo II

2. OS FAXINAIS E SEUS ANTAGONISTAS ……………………………………...…. 56

2.1 A sociabilidade das cercas e sua importância para os faxinais ……………………… 64

2.2 Antagonismos nos faxinais ………………………………………………………….. 72

2.3 Organização política e social dos faxinais do Paraná ….............................................. 81

2.4 Faxinal do Salto, Faxinal Barreirinho dos Beltrão e Faxinal dos Francos – Rebouças

–PR ...............................................................................................................................….

89

Capítulo III

3. HISTÓRIA, FOTOGRAFIAS E PAISAGEM FAXINALENSE

……...……………...

92

3.1 Paisagem e fotografia .….........................................................................................… 107

3.2 Interpretação fotográfica nos faxinais ......................................................................... 113

Considerações Finais …………………………………………………………………….. 143

Bibliografia ...................................................................................................................…... 148

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INTRODUÇÃO

A partir da segunda metade do século XX inúmeras foram as transformações ocorridas

em diferentes comunidades tradicionais em todo território brasileiro devido a diversos

problemas de ordem privada e pública. Entre os principais agentes causadores de conflitos,

está o agronegócio que vem adentrando as fronteiras permeáveis de diversas comunidades a

partir da compra e privatização das terras pertencentes a estes povos e nelas está instaurando o

plantio de monoculturas e também o “espírito privado”. Sendo assim, “os de fora”, como são

chamados os compradores de terras nos faxinais, acabam ocasionando irreversíveis

transformações na cultura e na paisagem destes espaços tradicionalmente ocupados.

Em meio às propriedades rurais mecanizadas e voltadas à produção de commodities

para exportação, como a soja no estado do Paraná, encontram-se formas de ocupação, uso dos

recursos naturais e de organização social conhecidas como faxinais, que estão cada vez mais

ameaçadas e isoladas neste contexto de monoculturas estruturadas no uso de máquinas,

fertilizantes, agrotóxicos e sementes de grandes indústrias, muitas vezes transgênicas.

Os faxinais se caracterizam pelo uso comum da terra para a criação de animais

(produção agrossilvipecuária). Para tanto, reservam um espaço de seu território que é

cercado, no qual os faxinalenses erguem suas casas e seus animais são criados à solta. Mesmo

aqueles que não possuem a propriedade da terra podem utilizar o criadouro comum para obter

parte de sua alimentação e produtos da floresta. Isso mediante autorização dos demais

membros da comunidade e o compromisso de colaborar com a manutenção das cercas e

prestar serviços aos vizinhos quando solicitado. Ocorre, na prática uma troca, na qual todos se

beneficiam. A autorização para usar o criadouro comum geralmente é acompanhada pela

possibilidade de morar no faxinal. Assim, o contemplado pode construir sua casa dentro do

criadouro, espaço do faxinal reservado não apenas para criação de animais, mas funciona

como área de moradia e de preservação da floresta nativa. A floresta fornece abrigo e

alimento para os animais e é utilizada pelos moradores para extrair erva mate, frutos e lenha

para uso pessoal e pequeno comércio. Sem a mata, criadouro e áreas de cultivo de alimentos o

faxinal não tem como existir e reproduzir sua organização social, econômica e cultural.

Em tempos passados, o que predominava nas chamadas terras de plantar eram as

lavouras de subsistência com o plantio de hortaliças, milho, feijão e mandioca que também

poderiam ter destino comercial a partir de pequenos excedentes. Porém, a partir da intensa

mecanização da agricultura e introdução do agronegócio, outras culturas vêm ganhando

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espaço nas terras de plantar com fins eminentemente comerciais, como é o caso da soja e

extensas plantações de pinus e eucalipto (esta última está associada ao plantio do fumo) por

sua rentabilidade econômica, mas que é dissociada das raízes culturais dessas comunidades.

O sistema faxinal possui em sua configuração a essência do “coletivo” e da

conservação ambiental, fator que o mantém sustentável. Essa é uma preocupação dos

faxinalenses com seu espaço de vida, uma temática anterior aos discursos ambientalistas, uma

vez que faz parte de uma prática cotidiana.

Entretanto, em décadas recentes são verificadas mudanças nessas características

motivadas por fatores diversos, externos e internos. O avanço da agricultura comercial

mecanizada pode ter aumentado a produtividade e facilitado a vida dos agricultores, pelo

menos do ponto de vista do tempo gasto no preparo da terra, plantio e colheita. Contudo, essa

facilidade tem um preço, por vezes, demasiado alto. Essa modernização da vida no faxinal

produz impactos ambientais e altera o modo de vida tradicional dos faxinalenses onde a

paisagem cultural e tradicional dos faxinais se transformaram com o desmatamento para

aumento das áreas destinadas às culturas comerciais.

Esse foi o panorama observado ao percorrer faxinais no município de Rebouças/PR

durante a pesquisa. As comunidades faxinalenses tomadas como recorte espacial são: Faxinal

do Salto, Faxinal Barreirinho dos Beltrão e Faxinal dos Francos. Os dois primeiros estão

ativos enquanto sistema faxinal, mas estão passando por um processo de desestruturação. Já o

Faxinal dos Francos já está desagregado desde o início dos anos 2000. O recorte temporal

abrange as décadas de 1960 até o ano de 2017, principalmente devido ao avanço do

capitalismo no campo ocorrido a partir deste período e seu impacto sobre as comunidades

faxinalenses nesta região.

Os moradores do Faxinal do Salto e Faxinal Barreirinho dos Beltrão lutam para manter

originais as características de seu modo de vida em meio às pressões dos latifundiários

vizinhos que procuram comprar terras dos faxinalenses para expandir suas lavouras

comerciais, sufocando e encurralando essa organização social. É visível que parte dos

faxinalenses destas comunidades acaba sendo influenciada pelos “de fora” e aos poucos,

cercam todas as terras de sua propriedade visando individualizá-la, diminuindo a área do

criadouro comum e se afastando das práticas coletivas que, muitas vezes, identificaram essas

comunidades tradicionais. Esta realidade também fez parte do Faxinal dos Francos, mas o

mesmo não resistiu diante do processo de desestruturação e encontra-se desagregado devido

às pressões do agronegócio e demais problemas de ordem interna.

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Como fontes utilizadas nesta pesquisa destacam-se as fotografias e fontes orais, onde

ambas foram acessadas através dos moradores dos faxinais (além de fotografias produzidas

pela própria pesquisadora). São nas fotografias que estão contidas as mais variadas

informações a respeito do modo de vida faxinalense e suas práticas cotidianas. De acordo com

fontes fornecidas pelos moradores dos faxinais em questão, pôde-se conseguir um esboço

através de fotografias antigas, de como era a paisagem típica, a criação de animais à solta,

formas de plantio, vindas de equipamentos agrícolas e demais práticas cotidianas. Também

foram utilizadas fotografias atuais, para que estas pudessem ser comparadas com as fontes do

passado para a realização de uma análise sobre as possíveis transformações ocorridas no

recorte temporal estabelecido.

Nesta pesquisa, a análise e explanação da paisagem através de fotografias possuem

suma importância, lembrando que as imagens aqui expostas não possuem intuito de ilustrar,

mas sim de possibilitar interpretações acerca das transformações ocorridas no âmbito da

temporalidade, onde a fotografia mostra-se capaz de revelar aspectos que se relacionam com a

história de diversos processos destas comunidades. A paisagem, segundo Floriani (2011) é

tomada nesta pesquisa como algo transformado pelo homem, possibilitando através de sua

interpretação a inclusão de outras racionalidades e também de diversas experiências

cotidianas e práticas de comunidades tradicionais, diferentes das associações somente físicas à

paisagem associada.

Mendonça (2009) também destaca sobre a importância da paisagem ser tomada como

algo apropriado e transformado pelas sociedades humanas, onde as paisagens do Paraná

necessitam ser ressignificadas e reinterpretadas, devido aos diversos processos oriundos das

apropriações efetuadas por diferentes povos e sistemas econômicos.

Neste sentido, através das fotografias e depoimentos orais, a paisagem será tomada

como um importante instrumento para a identificação de transformações nas comunidades

pesquisadas, pois nestas fontes estão contidos vários aspectos frutos das atividades humanas,

que se apresentam como fios condutores para o entendimento dos processos que estes faxinais

passaram e estão passando.

No decorrer desta pesquisa, durante o período correspondente aos anos de 2015 a

2017, foram realizadas 12 visitas até os três faxinais em questão, onde foram realizadas

entrevistas orais e coletas de fotografias antigas e recentes1. Diante deste corpus documental,

foram utilizadas três entrevistas orais, sendo uma de cada comunidade. Já em relação às

fotografias, foram coletadas aproximadamente 130 imagens, as quais foram classificadas e as 1 Fotografias recentes produzidas pela própria pesquisadora.

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com maior valor representativo para o tema desta pesquisa, foram apresentadas e interpretadas

no terceiro capítulo desta dissertação.

É importante aqui ressaltar que os métodos utilizados para esta investigação

correspondem à análise documental (principalmente a fotografia) e à pesquisa qualitativa.

Segundo Chizzotti (1991, p.89):

Em geral, a finalidade de uma pesquisa qualitativa é intervir em uma

situação insatisfatória, mudar condições percebidas como transformáveis,

onde pesquisador e pesquisados assumem, voluntariamente, uma posição

reativa. No desenvolvimento da pesquisa, os dados colhidos em diversas

etapas são constantemente analisados e avaliados. Os aspectos particulares

novos descobertos nos processo de análise são investigadas para orientar

uma ação que modifique as condições e as circunstancias indesejadas.

Neste sentido, o pesquisador participa, interpreta e compreende o assunto em questão,

promovendo um levantamento de causas e apontamentos de soluções para as citadas

condições insatisfatórias (a falta de conhecimento científico, sólido e sistematizado a respeito

do modo de vida, ou seja, da cultura faxinalense, por exemplo). Ainda, dentro da análise

qualitativa foi realizada a observação direta e participante, visando coletar e registrar aspectos

pertencentes ao espaço investigado, onde o pesquisador possui a oportunidade de

contextualizar as ações dos atores. Este sistema de observação é aplicado nos faxinais

visitados, de forma a identificar os componentes de sua paisagem, território e práticas

cotidianas realizadas neste meio.

Outro importante método aplicado nesta pesquisa é a história oral. As entrevistas

foram gravadas e seguiram um roteiro previamente elaborado, onde as falas foram transcritas

e analisadas. O caráter auxiliar da fonte oral neste trabalho não se vincula à qualquer

estabelecimento de hierarquia entre as fontes, pois o documento falado é tão importante e

valoroso quanto o escrito ou fotográfico. Segundo Ferreira e Amado (2008, p.14):

Na história oral, existe a geração de documentos (entrevistas) que possuem

uma característica singular: são resultado do diálogo entre entrevistador e

entrevistado, entre sujeito e objeto de estudo; isso leva o historiador a

afastar-se de interpretações fundadas numa rígida separação entre

sujeito/objeto de pesquisa, e a buscar caminhos alternativos de interpretação.

Desta forma, a história oral tem como objetivo também construir a memória,

oferecendo sustentação aos objetos de estudo do passado. Ainda, Alberti (2004, p.14) enfatiza

a História Oral como uma forma de operação para que seja possível compreender e conhecer

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o que já faz parte do passado. Assim sendo, uma entrevista de história oral pode oferecer

vivacidade ao assunto pesquisado, incrementando-a com características pessoais, como:

emoções, observações e reações.

Como materiais de apoio para a presente investigação, foram utilizados textos e

artigos científicos, informações obtidas em sites governamentais e busca de informações com

funcionários representantes de órgãos governamentais, como do Instituto Ambiental do

Paraná - IAP, por exemplo.

Diante das opções proporcionadas no Programa de Pós Graduação-Mestrado em

História da UNICENTRO, a presente investigação segue a linha de pesquisa “Espaços de

práticas e relações de poder”, pertencente à área de concentração História e Regiões. Cabe

aqui dizer que Amado et al (1990), destaca a questão regional como uma importante faceta

das pesquisas históricas. O conceito de região reconstruído quanto ao seu sentido passou a ser

dissociado dos antigos determinismos econômicos e geográficos, relacionando a “(...) ‘região’

como a categoria espacial que expressa uma especificidade, uma singularidade, dentro de uma

totalidade: assim, a região configura um espaço particular dentro de uma determinada

organização social mais ampla, com a qual se articula” (AMADO et al 1990, p.8). Ainda,

segundo a mesma autora, a ideia de região relaciona-se diretamente com a noção de espaço,

devido à necessidade dos humanos de entender e ordenar a diversidade presente em qualquer

totalidade. O estudo regional caminha para uma visão relacionada ao específico e ao

particular, sendo os mesmos ressaltados em meio à multiplicidade.

Albuquerque (2008) enfatiza a importância do estudo das regiões, as quais devem ser

tomadas como frutos de processos históricos, e não como algo naturalizado, sendo necessário

que historiador construa e narre as histórias que ocorreram no interior destas regiões, e não ao

que corresponde a constituição dos limites. Neste sentido, é necessário que as regiões sejam

colocadas em questão, ou seja, sejam problematizadas através da suspeita de sua existência,

sendo possível realizar uma desconstrução de discursos proferidos a partir das relações de

poder que designam o que deve ser registrado e a história de quais sujeitos deve ser escrita.

As partir das ponderações realizadas pelo autor citado, muitas vezes, múltiplas

identidades encontram-se invisíveis, encobertas por discursos regionalistas que acabam

romantizando determinados espaços que são permeados de conflitos e realidades que

precisam ser desconstruídas. A região nesta perspectiva é tomada como espaço de luta,

configurada por inúmeras táticas cotidianas oriundas dos sujeitos que as constroem. Estudar

as regiões é de grande importância para o enaltecimento de identidades que se constituem em

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espaços periféricos, sendo o caso de estudos sobre a região de faxinais algo que tende a

valorizar estes povos que encontravam-se marginalizados ao longo do tempo.

Em relação ao espaço, é importante salientar o que diz Certeau (1994) ao afirmar que

este se refere a um lugar praticado pelas ações de sujeitos históricos, onde estes agentes

através de seus movimentos produzem o espaço associando-o a uma história. Tal produção é

localizada e pode ser datada, sendo relativa à existência dos seres humanos e de não humanos,

de paisagens e de lugares no tempo. Neste sentido é destacável que:

Em suma, o espaço é um lugar praticado. Assim a rua geometricamente

definida por um urbanismo é transformada em espaço pelos pedestres. Do

mesmo modo, a leitura é o espaço produzido pela prática do lugar

constituído por um sistema de signos – um escrito. (CERTEAU, 1994, p.

202, grifo original)

Certeau (1994) também estabelece a diferença entre lugar e espaço. Ao descrever que

“lugar” refere-se à ordem na qual os elementos se distribuem em sua coexistência, indicando

também uma posição de instabilidade. Já o espaço, faz referência a um conjunto de

movimentos que o produzem, cria e temporizam o mesmo, caracterizando o espaço como

lugar praticado.

Certeau (1994) aponta importantes reflexões a respeito do papel dos relatos2 enquanto

organizadores do espaço. Os relatos são estruturas narrativas quais possibilitam operações

espacializantes, os quais organizam os lugares e possuem a capacidade de selecionar e reunir

elementos, sendo um trabalho parecido com o do historiador quando escolhe determinados

documentos, selecionando-os e reunindo-os para que possam ser apresentados de determinada

forma. Os relatos definem as práticas do espaço, produzindo também uma geografia de ações,

ou seja, o lugar passa a ter sentido de acordo com as relações estabelecidas pelos indivíduos.

Os relatos cotidianos exercem um importante papel no que corresponde às “feituras do

espaço”, além de também estabelecerem demarcações que através destas possibilitam a

constituição de uma genealogia de lugares, fundando e articulando espaços. As “operações de

demarcações” estabelecidas através dos relatos cotidianos possuem o poder de compor,

confrontar, deslocar e determinar fronteiras. Ao considerar o papel do relato como

condicionante para as delimitações, é reconhecido a partir daí, a função do mesmo em

autorizar, fundar, disseminar e hierarquizar espaços e lugares.

2 É de grande valia aqui destacar o papel dos relatos nesta pesquisa, quais colaboram na tarefa de interpretação

histórica em relação ao passado dos faxinais, onde a paisagem será apresentada também como narrativa, bem

como ao que condiz às práticas espacializantes presentes nas fotografias investigadas.

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Em meio a uma operação espacializante podem também surgir as regiões, que se

tratam de espaços criados através das interações, relacionando-se com o processo de

interlocução entre os sujeitos e que acaba definindo as regiões. A região é ambivalente,

possuindo pontos de encontro e deslocamentos, não dependendo de um lugar físico e

organizado para existir. Os diferentes espaços de sociabilidade constituem as regiões. Durante

o mesmo dia, podemos atravessar diversas regiões, e dentro do mesmo espaço pode-se

constituir regiões diferentes (religiosa, econômica, política, entre outras).

Neste contexto, podem ser citados os povos tradicionais faxinalenses, os quais

interagem e compartilham experiências de forma singular, sendo as interlocuções

estabelecidas nos faxinais que os caracterizam como regiões. Caso os integrantes desta

comunidade migrem para outro local e continuem com seu modo de vida e suas interações, a

região irá se deslocar juntamente com os indivíduos, provando que a região não depende

exclusivamente de um lugar físico, mas sim das relações de sociabilidade.

Pode-se perceber a complexa rede de discussões geradas a partir do conceito de

espaço, sendo importante também aqui ressaltar, que o espaço não é algo neutro e estático,

mas está sempre em mudança e em construção, sendo um produto de inter-relações e palco da

construção de identidades (Massey, 2009). No caso desta pesquisa, trata-se da construção, do

desmantelamento e da reconstrução da identidade dos faxinalenses.

No entanto, esta investigação está articulada com a linha de pesquisa e à área de

concentração do Programa de Pós Graduação em História da Unicentro, uma vez que se trata

de investigar práticas relativas à região dos faxinais e suas respectivas peculiaridades. Trata-se

de práticas constituintes da identidade territorial e social dos faxinalenses e modificadoras da

dinâmica espacial que acarretam nas transformações das paisagens.

Por que utilizar fotografias e História oral para um “desvendar” da problemática

desta pesquisa?

A história tradicional surge na França e na Alemanha do século XIX. Pode-se dizer

que os pesquisadores franceses deste período desenvolveram mais os aspectos metodológicos

dessa área do conhecimento, enquanto que os alemães empenharam-se em produzir uma

concepção filosófica da história. Tal movimento resultou nas características dessa corrente

historiográfica inicial: uma história calcada na política, e ligada ao estado, nacional e

internacional em detrimento das regiões, voltada à narrativa dos fatos, baseada nos feitos dos

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grandes homens, sendo o cotidiano considerado como aspecto menos importante. Tal

produção era fundamentada em fontes escritas, em registros oficiais que expressavam a visão

oficial. Era um conhecimento baseado na objetividade e a tarefa do historiador resumia-se a

descrever e apresentar os fatos numa cadeia narrativa.

No século XIX, o conhecimento histórico foi marcado pelo historicismo, pelo

idealismo e pelo positivismo. Negava-se os aspectos da subjetividade em prol de um novo

tipo de conhecimento obtido por meio de métodos rigorosos. O positivismo aplicado à escrita

da história assumia a forma do historicismo, tentando explicar a história por si mesma.

Afirmavam que as coisas são hoje o que são porque vieram a ser deste modo, ou seja, a

verdadeira história é a explicação do modo como as realidades são.

A história era utilizada na educação dos cidadãos como um meio eficiente para formar

patriotas e nacionalistas. O historicismo romântico tratava das batalhas, das conquistas da

nação e de personagens, transformados em heróis. Esse tipo de história foi criticada desde o

início do século XX, apontado para novas perspectivas tais como a Nova História adotada

aqui neste trabalho.Um dos primeiros críticos da História Tradicional foi:

O sociólogo François Simiand em sua obra ‘Método Histórico e Ciência

Social’, de 1903... A história tradicional era um empirismo, que julgava

fazer uma representação do passado exata... Mas, para Simiand, esta

‘fotografia do passado’ pretendida pela história tradicional não é integral,

automática. A história é teoria: há sempre escolha, triagem, um ponto de

vista, hipóteses. A história tradicional reúne fatos dispersos, heterogêneos,

colocando-os em ordem por reinados. Mas, os fatos sociais não se explicam

pela ascensão e morte de reis, organizar os eventos por reinados é absurdo!

A simples sucessão de datas não tem valor científico, é só um instrumento e

não o trabalho da história. É como a ordem alfabética no dicionário, só isso.

(REIS, 2011, p.12)

Como diz Reis (2011), a história problema tem uma diversidade de temas ampliando a

área de pesquisa dos historiadores. Agora, os historiadores podem investigar o imaginário, os

saberes transmitidos, as práticas do cotidiano, a cultura, as coisas nas quais as pessoas

acreditam e acreditaram, pelas quais se lutam e lutaram. Assim, a identidade e as mudanças

nas paisagens são temas de interesse relevante para os pesquisadores da história cultural.

A história escrita na década de 1980, então passou a valorizar a história oral e o uso de

imagens que agora não seriam mais consideradas como documentação complementar a que o

historiador podia recorrer na falta de documentos escritos. A fonte oral e a imagem passaram

a ser consideradas como outro tipo de fonte qualquer, com a mesma validade, sendo um passo

importante no campo da escrita da história dos povos ágrafos e das diversas camadas

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populares. Dessa forma, pode-se escrever a história do ponto de vista dos excluídos, neste

caso, trata-se de narrar a história dos povos tradicionais: os faxinalenses.

A presente pesquisa visa a história do tempo presente, recorrendo-se à imagens,

basicamente: fotografias. O registro fotográfico representa um momento que um dia foi

vivido, ou uma realidade que foi daquela forma, certa vez, e que, posteriormente coloca suas

representações ‘à mira’ de olhares e críticas. A análise de fotografias, unida à discussão de

autores que abordam o uso de fotografia como documento histórico traz à cena interpretações

capazes de revelarem aspectos importantes para o estudo dos faxinais. Conforme Silva

(2011), a fotografia como fonte histórica tem usos distintos: o historiador poderá utilizá-la

como ilustração da sua pesquisa, de modo a comprovar a ocorrência de determinado fato; ou

poderá escrever a história a partir da análise de fotografias, opção que oferece inúmeras

maneiras de construir o relato histórico, podendo-se lançar muitas interpretações sobre uma

mesma imagem.

Não se trata somente de uma visão sobre as fotografias, mas de suas histórias, da

forma como foram produzidas em tempos diferentes. Então, a paisagem permite identificar

modificações no espaço, um desenrolar da história da região dos faxinais e

concomitantemente, na forma de produzir representações sobre os faxinais. As características

do que se expõe na fotografia se fazem interessantes após uma leitura detalhada, ‘o primeiro e

o segundo olhar’ (KOSSOY, 2001). Temos, assim, um olhar, que constituidor de um aspecto

do mundo visível, seleciona o conteúdo da imagem e a forma de apresentá-lo o que, por si só

já é a matéria de estudo, tanto quanto a cena representada na imagem. Temos também, o leitor

que decodifica a imagem à sua maneira e com os condicionamentos de seu tempo e sua

inserção social.

A fotografia, de acordo com Mauad (2008), é uma fonte histórica que demanda do

historiador um novo tipo de crítica, mas também guarda a função de testemunho, pois este

sempre será válido, independente do motivo do registro fotográfico, mas não se pode esquecer

que a fotografia além de informar, tem o papel de conformar uma visão de mundo.

A fotografia é criada por meio de múltiplos aspectos, que envolvem o autor

(fotógrafo), o assunto e a mensagem transmitida, que devem ser entendidos em conjunto.

Deste modo, elas são portadoras de elementos presentes na história, pois dependem do

contexto histórico que as produziu e das diferentes visões de mundo que as influenciaram.

Essas imagens guardam as marcas do passado que as fez e faz existir. Mesmo quando o que

está presente nas fotografias desaparece, a memória presente no documento sobrevive. Dessa

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forma, como a história está presente no documento, o documento fotográfico também tem sua

história, que envolve o passado de uma imagem em particular.

Mauad (2008) argumenta que ao longo da história da fotografia, surgiram diversas

polêmicas ligadas ao seu uso e a suas funções. Logo após seu surgimento, no século XIX,

houve uma grande comoção no meio artístico naturalista, pois se via na fotografia um

obstáculo que deixava em segundo plano qualquer tipo de pintura, uma vez que a presença

fotográfica era capaz de reproduzir o real com qualidade técnica. Mauad (1996) ainda salienta

que a fotografia lança ao historiador o desafio de chegar ao que foi revelado pelo olhar

fotográfico e ultrapassar a superfície da imagem fotográfica, vendo através da imagem. O

desvendar do momento que envolveu a criação da imagem e o assunto registrado, são

definidos como a “segunda realidade”, momento que envolve mais do que um simples olhar.

A análise de imagens, por sua vez, apresenta ainda que de forma precária, a evidência

de uma existência. Dizemos de forma precária porque sempre há algo de montagem na

imagem fotográfica. Os que vão ser fotografados se alinham, normalmente, para a fotografia.

Mesmo que seja um flagra, ou uma paisagem – o fotógrafo escolhe o ângulo, o

enquadramento, o zoom, o ponto azimutal e assim por diante.

No momento em que se faz o estudo de fontes fotográficas, nota-se que além de

representar algo e ser um ‘objeto estético de época’, trata-se de um artefato que além de ser

estético, contém um registro visual e porta informações multidisciplinares. Fotografias dos

faxinais, imagens pertencentes aos moradores do Faxinal dos Francos, Faxinal do Salto e

faxinal Barreirinho dos Beltrão servirão como fontes para esta interpretação.

Ainda, de acordo com Borges (2008) o uso de significados atribuídos às imagens

fotográficas do passado, nos dias atuais podem não possuir o mesmo sentido. Por isso, a

necessidade de ouvir as vozes dos homens e mulheres do passado, para que seja possível

compreender as atribuições simbólicas dadas às fotografias. Através desta discussão pode-se

perceber a importância da história oral como fonte para esta pesquisa, com a finalidade de

proporcionar uma compreensão dos significados das fotografias.

A partir destes apontamentos, os próximos capítulos irão apresentar discussões que

configuram a tessitura desta pesquisa, onde o primeiro capítulo irá versar a respeito dos povos

tradicionais brasileiros em um contexto geral e as formas de uso comum da terra. Já o

segundo capítulo, corresponde às discussões a respeito do sistema faxinal em geral, com

afunilamentos para as comunidades pesquisadas. Já o terceiro capítulo, a ênfase recai para a

utilização de fotografias, interpretação das paisagens e exposição da problemática que

envolve as três comunidades investigadas

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CAPÍTULO I

POVOS TRADICIONAIS

1.1 Quem são os povos tradicionais e quais direitos possuem?

Neste capítulo, serão apresentadas discussões correspondentes aos povos tradicionais

em um âmbito geral, com a finalidade de reflexão acerca das leis formuladas em prol destes

grupos e suas trajetórias ao longo do tempo. Também serão apresentadas reflexões em torno

do conceito de comunidades tradicionais, terras de uso comum e território para que adiante

seja possível entender quais são as raízes e princípios que regem os faxinais.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, até maio de 2016 eram considerados povos

e comunidades tradicionais brasileiros os seguintes grupos: indígenas, quilombolas,

extrativistas, pescadores, seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco-de-babaçu, fundo e

fecho de pasto, povos de terreiro, ciganos, faxinalenses, ribeirinhos, caiçaras, praieiros,

sertanejos, jangadeiros, açorianos, campeiros, varejeiros, pantaneiros, geraizeiros, veredeiros,

caatingueiros e barranqueiros. É importante aqui lembrar que através do decreto 8.750 de 9 de

maio de 2016, outros povos foram incluídos na categoria de povos tradicionais como: os

benzedeiros, catadores de mangaba, retireiros do Araguaia, andirobeiros, marroquianos, povos

pomeranos e apanhadores de flores sempre viva, sendo algo que representa um avanço no

âmbito dos direitos legais destes povos no território brasileiro. Ainda, segundo o site da

Defensoria Pública da União:

O Brasil caracteriza-se por sua multiplicidade sociocultural, expressada por

cerca de 522 etnias, com modos próprios de conduzir sua vida e de entender

o mundo, o que as destaca da “sociedade nacional”. Dessa forma, os

chamados povos e comunidades tradicionais são correspondentes a oito

milhões de brasileiros os quais ocupam ¼ do território nacional [...].3

No Brasil, como pode ser observado, há uma diversidade étnica e cultural espalhada

por todos os cantos do país, os quais atualmente estão enfrentando muitas barreiras para

manterem suas formas de vida tradicionais diante de seus antagonistas. Os estudos a respeito

dos povos e comunidades tradicionais retratam lutas constantes em busca de reconhecimento

3 Defensoria Pública da União. Comunidades Tradicionais. Disponível em:

< http://www.dpu.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1737&Itemid=251>. Acessado em

18/04/2016.

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e direitos para a livre manifestação de seus modos de vida peculiares; utilização e ocupação

do seu território; liberdade de manifestação de cada cultura, ou seja, poder ter o direito de

manter os costumes religiosos; formas de organização, relações com a terra e todos os

elementos que fazem parte do cotidiano destes grupos específicos.

Um traço marcante presente nas comunidades tradicionais referem-se às relações

físicas e culturais que se encontram arraigadas aos seus territórios, estas relações visam

usufruir dos recursos naturais disponíveis, sendo praticada em grande medida de forma

sustentável, configurando um certo equilíbrio entre as necessidades de sobrevivência dos

indivíduos deste meio e os elementos que a natureza tem a oferecer. Para estes povos, toda

técnica praticada para o uso dos recursos naturais como meio de subsistência, é adquirida

através da transmissão de tradições oriundas de ancestrais (herança cultural), visando não

causar impactos ambientais, além do fato da terra ser tomada como um bem comum. Porém,

estas práticas estão sendo ameaçadas diante de pressões oriundas de diversos setores da

sociedade como é o caso dos latifundiários, monoculturas comerciais que visam a

individualização das propriedades e cada vez mais adentram e desarticulam os territórios

tradicionais visado somente o lucro.

A importância da realização de estudos sobre estes povos, apoia-se na questão da

invisibilidade social e falta de direitos garantidos para estes indivíduos ao longo da história. É

de suma importância considerar que os povos tradicionais desenvolvem uma forma de vida

peculiar e convivem com a existência de uma forte opressão, gerada principalmente pelo fato

desses grupos viverem, em grande parte, baseados em uma lógica que foge dos princípios

capitalistas (pautada em privatizações e geração de lucro) ao zelarem pela preservação

ambiental e muitos terem a coletividade como base de suas organizações. Deste modo pode-se

ressaltar que:

(...) as populações tradicionais foram definidas, nesse campo, em oposição às

sociedades urbano-industriais, mas também como grupos historicamente

excluídos e vitimados pelo modelo de desenvolvimento capitalista

excludente. Assim, passam a ser reconhecidas socialmente (ao lado da

natureza) como vítimas de processos de degradação, mas também como

potenciais aliadas na construção de caminhos alternativos para o

desenvolvimento, com base em seus conhecimentos tradicionais sobre o

meio ambiente.(NOGUEIRA, 2009, p. 189, grifo do autor)

Tomando como base estes elementos, pode-se perceber que várias são as discussões

que envolvem os povos tradicionais, sendo de fundamental importância que sejam realizadas

pesquisas e reflexões envolvendo este tema, para que assim os direitos e realidades destes

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sujeitos possam ser “enraizados no âmago da sociedade” e todo olhar pejorativo seja

combatido. É muito comum que várias associações de cunho negativo sejam realizadas em

relação às comunidades tradicionais, mas na citação à seguir podemos perceber que algo vem

mudando a partir do final do século XX e início do século XXI:

Até muito recentemente, tanto as etnias indígenas – sejam as remanescentes,

sejam as reconstituídas – quanto os grupos mestiços tradicionais (como os

caiçaras do Sudeste e os caboclos ribeirinhos da Amazônia) eram

considerados populações “atrasadas” com pouco a oferecer ao Brasil

“moderno”, urbano – industrial, à margem do qual viviam. Nas últimas

décadas, entretanto, a crise ecológica global engendrada pelos sistemas

modernos de produção e consumo vem direcionando a atenção dos países

ocidentais para outros modos de relacionamento com o ambiente natural.

Neste contexto, os ecossistemas nativos vêm sendo cada vez mais

valorizados, tanto aqueles desprovidos de ocupação humana, quanto aqueles

manejados por populações historicamente enraizadas no território e menos

integradas ao mercado capitalista, pois são geralmente dotadas de

patrimônios bioculturais com grande capacidade adaptativa.

(BUSTAMANTE; CABRAL; SILVA, 2015, p.105)

Almeida (2004, p.9) destaca que desde 1970, os movimentos sociais do campo vêm

ganhando força através da autodefinição coletiva perante às divisões políticos administrativas,

havendo certas demandas organizadas por estes grupos que são dirigidas aos poderes

públicos. A ênfase deste processo recai para as “terras tradicionalmente ocupadas” que:

(...) expressam uma diversidade de formas de existência coletiva de

diferentes povos e grupos sociais em suas relações com os recursos da

natureza. Não obstante suas diferentes formações históricas,elas foram

instituídas no texto constitucional de 1988 e reafirmadas nos dispositivos

infraconstitucionais, quais sejam, constituições estaduais, legislações

municipais e convênios internacionais.

Para Almeida (2004) a efetivação destes dispositivos legais não deixam de apresentar

dificuldades indicando problemas quanto ao seu reconhecimento jurídico formal. Esta

conjuntura, ao ser efetivada de forma íntegra, auxilia para uma maior visibilidade destes

povos garantindo seus direitos que foram negados historicamente e tomados com uma barreira

para o desenvolvimento agrário. Apesar da incorporação da expressão “populações

tradicionais” na legislação vigente e da criação do Centro Nacional das Populações

Tradicionais em 1992, nem todas as reivindicações destes movimentos sociais foram acatadas

pelo governo e as tensões em torno desta forma de apropriação da terra foram banidas, sendo

algo que indica a grande caminhada que o Brasil ainda necessita efetuar em busca da real

efetivação das políticas públicas em prol dos povos tradicionais.

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No âmbito jurídico as populações começaram a ganhar visibilidade a partir da

Constituição de 1988, assim como com a ajuda das críticas realizadas ao positivismo histórico

que não contemplava reconhecimento aos demais indivíduos que não fossem da esfera

política, onde todos esses indivíduos passaram a ser considerados sujeitos históricos. Uma

nova relação jurídica entre o Estado e os povos tradicionais passou a ser traçada baseada no

reconhecimento da diversidade cultural e étnica (ALMEIDA, 2004).

Neste contexto, o primeiro sinal de reconhecimento de povos tradicionais no Brasil

pode ser visível através dos artigos 215 e 216 da Constituição Federal de 1988, qual

reconhece direitos havendo uma expressiva manifestação jurídico formal em beneficio destes

grupos correspondentes aos povos indígenas, comunidades quilombolas, extrativistas,

pescadores artesanais, geraizeiros, faxinalenses, entre outros citados anteriormente.

Art. 215 – O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais

e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e

a difusão das manifestações culturais.

§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e

afro--brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo

civilizatório nacional [...]

Art. 216 – Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza

material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de

referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores

da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados

às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,

arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e

protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros,

vigilânciambamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento

e preservação.

[...]

§ 4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da

lei.

§ 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de

reminiscências históricas dos antigos quilombos.

A partir de 1988 vem ocorrendo uma ampliação de sentido das chamadas populações

tradicionais, assim como também do significado de “terras tradicionalmente ocupadas” sendo

um fato favorável à diversas mobilizações sociais correspondentes aos povos que passam pelo

processo de autoreconhecimento, sendo que diversos adventos de identidades coletivas estão

colaborando para a legitimação de territorialidades específicas perante os preceitos jurídicos.

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Realizando uma reflexão no âmbito das comunidades tradicionais faxinalenses, foco

central desta pesquisa, identifica-se que um significativo passo foi dado juridicamente com o

estabelecimento do Decreto Estadual nº 3446 de 14/08/1997 qual designa em seu § 1º, do art.

1º:

“entende-se por sistema (Paraná) Faxinal: o sistema de produção camponês

tradicional, característico da região Centro-Sul do MDA Agrária Paraná, que

tem como traço marcante o uso coletivo da terra para produção animal e a

conservação ambiental. Fundamenta-se na integração de três componentes:

a) produção animal coletiva, à solta, através dos criadouros comunitários; b)

produção agrícola – policultura alimentar de subsistência para consumo e

comercialização; c) extrativismo florestal de baixo impacto – manejo de

erva-mate, araucária e outras espécies nativas.”

Em meio a esta discussão é importante que seja ressaltado o estabelecimento do

Decreto 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento

Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, onde estes grupos podem ser definidos

no art. 3º, § 1º como:

(...) grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que

possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam

territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural,

social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações

e práticas gerados e transmitidos pela tradição.

O objetivo principal deste decreto está pautado na promoção do desenvolvimento

sustentável destas populações, ao mesmo tempo em que procura-se promover um

fortalecimento dos direitos territoriais, ambientais, culturais, econômicos e culturais

respeitando suas identidades e formas de organização. Nota-se a partir de então, um

importante passo realizado no âmbito dos aparatos jurídicos fornecidos a todas as

comunidades tradicionais existentes, sendo algo possibilitado principalmente a partir da

Constituição de 1988, qual elencou um divisor de águas para estes grupos quais puderam se

fortalecer diante das opressões sofridas, mas mesmo assim, ainda há muito a ser feito neste

cenário repleto de conflitos e relações de poder.

Segundo a cartilha “Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais” organizada pela

Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Social (CIMOS) – Ministério público de Minas

Gerais (MPMG) (2014), em um país com uma grande diversidade étnica, racial e cultural é

considerado um grande desafio garantir direitos de todas as populações, em especial dos

povos e comunidades tradicionais quais encontram-se em grande parte silenciadas por

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pressões econômicas e exclusão social, assim como já descrito anteriormente. Vários são os

movimentos sociais4 no Brasil que têm evidenciado estes grupos culturalmente diferenciados,

promovendo sua articulação em busca de reconhecimento jurídico-formal dos povos e

comunidades tradicionais. No entanto, nem sempre todos os agentes envolvidos neste

processo conhecem esses direitos pelas dificuldades de acesso à informação, sendo este

desconhecimento gerador de injustiças com os grupos em questão.

Em meio a tantas dificuldades, destaca-se também o trabalho realizado por diversos

pesquisadores e estudiosos para disseminação de informações a respeito dos direitos destes

povos, sendo a cartilha “Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais” elaborada com o

intuito de amenizar este quadro oferecendo diversas informações a respeito da trajetória social

e jurídica destes grupos, além de definições para um maior entendimento da sociedade em

geral, assim como é descrito:

Os povos e comunidades tradicionais são grupos culturalmente

diferenciados, que possuem condições sociais, culturais e econômicas

próprias, mantendo relações específicas com o território e com o meio

ambiente no qual estão inseridos. Respeitam também o princípio da

sustentabilidade, buscando a sobrevivência das gerações presentes sob os

aspectos físicos, culturais e econômicos, bem como assegurando as mesmas

possibilidades para as próximas gerações. São povos que ocupam ou

reivindicam seus territórios tradicionalmente ocupados, seja essa ocupação

permanente ou temporária. Os membros de um povo ou comunidade

tradicional têm modos de ser, fazer e viver distintos dos da sociedade em

geral, o que faz com que esses grupos se autorreconheçam como portadores

de identidades e direitos próprios. (CARTILHA DIREITOS DOS POVOS E

COMUNIDADES TRADICIONAIS - MPMG, 2014, p.12)

A partir desta definição, torna-se importante salientar os vários benefícios que os

povos tradicionais fornecem para a sociedade brasileira envolvendo saberes tradicionais, uso

de recursos naturais e relações territoriais, sendo a promoção do seu reconhecimento formal

algo de grande contribuição para a ascensão da justiça social e diminuição da desigualdade.

1.2 Povos tradicionais : a questão do território e demais apontamentos

Neste contexto, Little (2002) contribui efetivamente com argumentações a respeito da

territorialidade dos povos tradicionais. Este autor atenta para a idéia de que a imensa

4 Um exemplo pode ser a Rede Puxirão de Povos e Comunidades Tradicionais sendo explanada no próximo

capítulo.

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diversidade sociocultural brasileira é propulsora de uma variada e extraordinária distribuição

fundiária, onde diferentes grupos sociais se organizam de acordo com seus respectivos

ambientes geográficos e formas próprias de inter-relacionamento. Até recentemente, a

diversidade fundiária brasileira foi pouco conhecida e reconhecida pelo Estado, sendo um

fator que precisa de atenção devido ao fato de não se tratar somente de terras serem

distribuídas para determinados grupos, mas também envolve uma problemática pautada em

processos de ocupação e afirmação territorial que necessita de reconhecimento e políticas de

ordenamento por parte do Estado.

Quando o assunto tratado refere-se aos povos tradicionais, torna-se conveniente e

provocativo acionar discussões em torno do conceito de território. Neste conjunto, Little

(2002) trabalha com o conceito de territorialidade pautado em princípios antropológicos, o

que tende a contribuir em grande escala em pesquisas em diversos campos de pesquisa, bem

como para a área da História. Desta forma o conceito de territorialidade é definido como “(...)

o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma

parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu ‘território’ (...)”

(SACK 1986, p.19 apud LITTLE, 2002). Ainda, neste contexto é ressaltado que:

O fato de que um território surge diretamente das condutas de territorialidade

de um grupo social implica que qualquer território é um produto histórico de

processos sociais e políticos. Para analisar o território de qualquer grupo,

portanto, precisa-se de uma abordagem histórica que trata do contexto

específico em que surgiu e dos contextos em que foi defendido e/ou

reafirmado. (LITTLE, 2002, p. 3-4)

O autor citado destaca que além desta abordagem histórica, também é necessário

atentar para o fato de que cada grupo social possui suas singularidades quais moldam os

múltiplos territórios com as manifestações de suas expressões. Com o intuito de entender

estas relações estabelecidas entre o território e os grupos sociais, destaca-se a necessidade de

uma interdisciplinaridade5 a ser realizada no âmbito dos conceitos a serem aplicados para a

abordagem deste tema.

Neste caso, ao optar pelo auxílio da etnografia Little (2001) descreve a importância da

utilização do conceito de cosmografia, que refere-se aos saberes ambientais, ideologias e

identidades que um grupo social emprega para manter seu território, sendo estes, construídos

em um âmbito coletivo e situados historicamente. Desta forma é através da cosmografia de

5 A interdisciplinaridade enfatizada na História, principalmente a partir da segunda metade do século XX é algo

que tende a aprimorar o presente trabalho de pesquisa através do diálogo estabelecido com diversas disciplinas

assim como: Antropologia, Geografia, Sociologia e demais áreas que forem necessárias.

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determinado grupo que o mesmo estabelece seu regime de propriedade, seus vínculos

afetivos, a história da ocupação preservada na memória coletiva e o uso social e as formas de

defesa atribuídas ao território.

Considerando o Brasil como um palco de intensos conflitos envolvendo povos

tradicionais, destaca-se a expansão de fronteiras que podem acabar invadindo territórios

destes grupos e impondo-lhes novos regimentos que nem sempre são bem aceitos por seus

ocupantes, levando-os a tomar medidas em defesa de seus condados. Sendo assim:

Nesses contextos, a conduta territorial surge quando as terras de um grupo

estão sendo invadidas, numa dinâmica em que, internamente, a defesa do

território torna-se um elemento unificador do grupo e, externamente, as

pressões exercidas por outros grupos ou pelo governo da sociedade

dominante moldam (e às vezes impõem) outras formas territoriais.

(LITTLE, 2002, p. 5)

O autor citado compreende que a partir da expansão fronteiriça brasileira, a entidade

política do Estado-nação surgiu no século XIX nas Américas com intuito de agrupar o social e

geográfico, para posteriormente obter o controle territorial. A hegemonia conquistada pelos

princípios de Estado-nação fez com que as práticas territoriais e o conceito de territorialidade

fossem diretamente ligados a esta entidade, o que tende a ocultar territórios sociais ligados aos

povos tradicionais. A existência de territórios sociais tornou-se um desafio para a ideologia

territorial do Estado, qual é pautada principalmente em soberania, sendo também este, um

fator determinante que vem levando o Estado brasileiro a ter dificuldades em reconhecer os

territórios de povos tradicionais como parte constituinte da questão fundiária, mas ao mesmo

tempo, o Estado-nação não pode negar a relação que demais territórios sociais estabelecem

com o mesmo.

Nesta dinâmica, destaca-se a questão do território, sendo citado na Cartilha de Direitos

dos Povos Tradicionais (2014, p.12) que “as relações específicas que esses grupos

estabelecem com as terras tradicionalmente ocupadas e seus recursos naturais fazem com que

esses lugares sejam mais do que terras, ou simples bens econômicos. Eles assumem a

qualificação de território.” Desta forma, vê-se implicações de dimensões simbólicas em

relação ao território no qual são impressos todos os acontecimentos históricos mantendo viva

a memória do grupo juntamente da realidade vivenciada. Uma comunidade tradicional sempre

possui profundos conhecimentos a respeito do seu território, onde estabelecem estreitos laços

de organização e memória coletiva.

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Em detrimento do reconhecimento de populações tradicionais, também surge a

questão da existência de diferentes processos de territorialização que exigem reflexões, pois

remetem à uma expressão identitária expressada por pertencimentos territoriais moldadas

através das relações que exercem com a terra e também socialmente. Neste caso, pode ser

afirmado que “em verdade o que ocorre é a construção de identidades específicas junto com a

construção de territórios específicos.” (ALMEIDA, 2004, p.29)

Em relação ao conceito de território, João Pacheco de Oliveira (1998) contribui com

valorosos escritos a respeito do tema, ressaltando a noção de que variados grupos na

sociedade tendem a constituir organizações estatais, por mais rudimentares que estas sejam,

além de tomar o território como um importante elemento regulador das relações entre seus

membros. O autor destaca a influência de fatos históricos (presença colonial, por exemplo) ao

instaurarem novas relações entre sociedade e território ocasionando múltiplas transformações

socioculturais. Quando um grupo social é submetido à mudanças quanto às suas expressões

culturais e de significações, logo ativa-se o denominado conceito de territorialização

argumentado por Oliveira (1998, p.55):

Nesse sentido, a noção de territorialização é definida como um processo de

reorganização social que implica: 1) a criação de uma nova unidade

sociocultural mediante o estabelecimento de uma identidade étnica

diferenciadora; 2) a constituição de mecanismos políticos especializados; 3)

a redefinição do controle social sobre os recursos ambientais; 4) a

reelaboração da cultura e da relação com o passado.

Em um âmbito geral, o processo de territorialização explanado por Oliveira (1998)

refere-se a uma imposição de um sistema institucional e crenças e modos de vida diferentes

para populações tradicionais. Neste caso o autor ressalta o exemplo dos indígenas do Nordeste

do Brasil, quais tiveram seus patrimônios culturais afetados por processos de territorialização,

onde foram submetidos a uma rígida pressão marcada pela imposição de diversas influências

culturais.

O que estou chamando aqui de processo de territorialização é, justamente, o

movimento pelo qual um objeto político-administrativo (...) vem a se

transformar em uma coletividade organizada, formulando uma identidade

própria, instituindo mecanismos de tomada de decisão e de representação, e

reestruturando as suas formas culturais (inclusive as que o relacionam com o

meio ambiente e com o universo religioso. (OLIVEIRA, 1998, p.56)

Ainda, é importante salientar que este processo de territorialização tomado pelo autor

citado, não corresponde a algo homogeneizador, mas direcionado para um seguimento

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totalmente ao contrário, pois diante dos processos de desestruturação estes povos tendem à

reformularem uma identidade individualizada perante aos conjuntos e categorias em que são

enquadrados.

Neste contexto, Oliveira (1998) chama a atenção para os processos de territorialização

que ocorrem em detrimentos do que ele chama de “contextos intersocietários” marcados por

conflitos. São através de situações conflituosas que um grupo se organiza ou reorganiza suas

condutas territoriais mediante situações de ameaça tanto internas quanto externas promovidas

pelo Estado ou outros grupos sociais.

Em meio a esta discussão, a questão territorial é tomada com uma defesa dos recursos

básicos que garantem os modos de vida tradicionais, sendo o acesso à terra um essencial e

indispensável elemento, como assim é descrito por Souza (2009, p.64):

(...) o desejo ou a necessidade de defender ou conquistar territórios, tem a

ver com um acesso a recursos e riquezas, com a captura de posições

estratégicas e/ou com a manutenção de modos de vida e de controle sobre

símbolos materiais de uma identidade (...) o território não pode ser jamais

compreendido e investigado (sua origem e as causas de suas transformações)

sem que o aspecto material do espaço social seja devidamente considerado.

Nota-se que através desta necessidade de defesa territorial, estão envolvidas diversas

questões do âmbito concreto e simbólico essenciais para a reprodução e sobrevivência dos

povos tradicionais, os quais estabelecem sua identidade a partir deste espaço. Segundo

Medeiros (2009) o território é um espaço aonde os seres humanos assimilam uma

identificação, sendo de início, um espaço cultural marcado por uma relação de apropriação ou

de identidade, não deixando também de ser um espaço de relações de poder. Definir limites

neste contexto é sinônimo de dominação tendo suas bases pautadas no controle do solo e

afirmações identitárias.

O território neste contexto é tomado como algo que vai para além do sentido físico,

sendo um elemento no qual a identidade dos grupos encontra-se arraigada fazendo-os dar

sentido aos seus modos de vida. Para Santos (2009, p. 96)

O território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto de

sistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem.

O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o

sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do

trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre os

quais ele influi. Quando se fala em território deve-se, pois, de logo, entender

que se está falando em território usado, utilizado pela população.

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Neste contexto, Gusmão (1991) ressalta a importância do acesso à terra para os povos

tradicionais6, qual não é regulada por categorias formais de propriedade, mas pelo próprio

grupo que a ocupa através do denominado “direito costumeiro”. O controle sobre a terra é

exercido coletivamente sempre considerando uma coparticipação nos valores e práticas

culturais competentes ao grupo, além da constituição de formas de organização baseadas em

“mecanismos de solidariedade e reciprocidade”. (BANDEIRA, 1998 apud GUSMÃO, 1991)

Segundo a autora citada anteriormente, um território é delineado e investido de

história própria dos grupos que o ocupam, quais acabam nele construindo sua territorialidade.

Neste sentido é importante salientar que “a territorialidade supõe identificação e defesa por

parte do grupo: supõe a tradição histórica e cultural construída através dos tempos.”

(GUSMÃO, 1991, p. 31)

No âmbito dos povos tradicionais, é importante lembrar que o sentido de território é

tomado não como um instrumento de poder político por parte do Estado, mas também:

O território deve ser visto na perspectiva não apenas de um domínio ou

controle politicamente estruturado, mas também de uma apropriação que

incorpora uma dimensão simbólica, identitária e, porque não dizer,

dependendo do grupo ou classe social a que estivermos nos referindo,

afetiva. (HAESBART, 1997, p.41 apud MEDEIROS, 2009, p.218)

Para complementar esta discussão, Nogueira (2009) aponta o território como uma

forma de apropriação social do espaço marcado pelo pertencimento, ou seja, a terra que

pertence a alguém podendo ser em forma de propriedade ou por meio de um enraizamento

simbólico. É ressaltado que na perspectiva do Estado, o território trata-se de uma questão

exclusivamente jurídica, onde “os códigos formais que o definem baseiam-se nas noções de

uso, posse, ocupação e pertencimento, mas, sobretudo, são códigos que estabelecem, de um

lado, o território como sujeito estatal e como um dos elementos constitutivos do Estado”

(ALLIÈS, 1980 apud NOGUEIRA, 2009, p.123) e em contrapartida, o próprio Estado se põe

no direito de defender o território.

Nota-se que esta é uma concepção expressamente restritiva quanto ao sentido de

território, mas Nogueira (2009) realiza importantes apontamentos quanto às problematizações

realizadas recentemente por autores como Claude Raffestin, que na década de 1980, em sua

obra “Por uma geografia do poder” critica esta referência ao território a partir somente do

poder do estatal, reconhecendo que neste âmbito existem múltiplos poderes manifestados

6 Neste contexto, Gusmão (1991) exemplifica esta questão a partir das chamadas “terras de preto”, mas os

conceitos utilizados pela autora não deixam de serem aplicáveis aos demais povos tradicionais brasileiros

existentes no território brasileiro.

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também nas esferas regionais e locais. Neste sentido o território passa a ser entendido a partir

das manifestações sociais independentes de estarem aliadas ao poder do Estado, considerando

tanto estruturas concretas quanto simbólicas, sendo a apropriação humana do espaço que faz

existir um território.

A relação que mais afeta os povos tradicionais em seus domínios territoriais, está

exatamente no que condiz as ações do Estado e pelo o que ele define como regime de

propriedade brasileira, onde a terra está dividida em duas categorias: propriedade pública e

privada. As terras privadas são controladas segundo as regras capitalistas, baseada em um

princípio individual, onde o sujeito adquire total posse da terra para explorá-la ou vende-la de

acordo com sua pretensão (LITTLE, 2002). Por outro lado, a noção de terras públicas é

diretamente associada a um controle exercido por parte do Estado. Nesta percepção, a terra

pertence a todos os cidadãos que delas desejarem usufruir. “Porém, é o aparelho de Estado

que determina os usos dessas terras, supostamente em benefício da população em seu

conjunto. Na realidade, esses usos tendem a beneficiar alguns grupos de cidadãos e, ao

mesmo tempo, prejudicar outros.” (LITTLE, 2002, p. 7)

No caso dos povos tradicionais do Brasil, uma grande semelhança pode ser

detectada nas distintas formas de propriedade social, que as afastam da razão

instrumental hegemônica com seu regime de propriedade baseado na

dicotomia entre o privado e o público. Todavia, a razão histórica a elas

subjacente incorpora alguns elementos que muitas vezes são considerados

como públicos − isto é, bens coletivos −,mas que não são tutelados pelo

Estado; ou seja, essa razão histórica introduz coletividades que funcionam

em um nível inferior ao nível do Estado-nação. Por outro lado, incorpora

elementos comumente considerados como privados, no caso de bens

pertencentes a um grupo específico de pessoas, mas que existem fora do

âmbito do mercado.

O ponto primordial desta discussão proposta pelo autor citado anteriormente, trata-se

da idéia de que territórios sociais geralmente não são pautados na dicotomia entre privado e

público, onde fundamentam-se em princípios de uma lei consuetudinária qual é raramente

reconhecida e respeitada pelo Estado. O autor ressalta o arcabouço de leis consuetudinárias

que consolidam os regimes de uso comum da terra, apropriando-se do exemplo dos indígenas

e quilombolas quais possuem muitas diferenças culturais, mas encaixam-se na ampla

categoria de uso comum da terra.

Os territórios dos povos tradicionais se fundamentam em décadas, em alguns

casos, séculos de ocupação efetiva. A longa duração dessas ocupações

fornece um peso histórico às suas reivindicações territoriais. O fato de que

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seus territórios ficaram fora do regime formal de propriedade da Colônia, do

Império e, até recentemente, da República, não deslegitima suas

reivindicações, simplesmente as situa dentro de uma razão histórica e não

instrumental, ao mesmo tempo em que mostra sua força histórica e sua

persistência cultural. (LITTLE, 2002, p.11)

Nota-se a força e o peso da razão histórica exercida pelos povos tradicionais em

relação aos seus territórios, onde por mais que na maioria dos períodos históricos estivessem

excluídos das formas consideradas legais de propriedade para o poder público jamais

deixaram de expor suas reivindicações pelo seu modo de vida.

Além desta forma de exclusão, ainda a partir de 1930 no Brasil ocorreram diversos

movimentos migratórios, muitas vezes seguidos ou acompanhados por investimentos em

infraestrutura ocasionando grandes modificações nas relações fundiárias do país. Ao

espalharem-se pelo Brasil, esses movimentos acabaram afetando de diversas maneiras os

povos tradicionais espalhados por todo território nacional com povoamentos massivos,

construções de grandes estradas, usinas hidrelétricas, além de planos de governo que

promoviam frentes de expansão desenvolvimentistas sem um pré levantamento das áreas

tradicionais que iriam ser atingidas. Desta forma, Little (2002, p.12) descreve:

Da perspectiva dos distintos povos tradicionais, esses múltiplos movimentos

mudaram radicalmente sua situação de invisibilidade social e marginalidade

econômica. Agora essas invasões a suas terras foram acompanhadas por

novas tecnologias industriais de produção, transporte e comunicação, que

alteraram as relações ecológicas de forma inédita, devido à sua intensidade e

poder de destruição ambiental. A partir da década de 1980, o fortalecimento

da ideologia neoliberal e a incorporação à economia mundial de grupos antes

afastados dela (ou, como indicado antes, re-inseridos nela depois de uma

época de afastamento) agravaram ainda mais as pressões sobre os diversos

territórios dos povos tradicionais, particularmente no que se refere ao acesso

e à utilização de seus recursos naturais.

Diante destas novas pressões os povos tradicionais foram obrigados a defender suas

áreas a partir de novas estratégias de territorialização, que consistem em forçar o Estado

brasileiro em reconhecer a existência de diversos territórios expressando-os através de

variadas formas e possuem regimes de propriedades peculiares. A idéia é fazer com que o

Estado atenda as necessidades destes grupos e atente para a luta em busca de novas categorias

territoriais, onde partindo desta premissa estes povos podem assumir novas condutas

territoriais favorecendo a criação de um espaço político oportuno. Estas reivindicações vêm

propiciando alguns bons resultados, como a criação e legitimação de novas categorias

fundiárias brasileiras. Estas categorias tiveram a necessidade de serem ajustadas segundo as

realidades empíricas e históricas qual envolviam cada grupo social, onde este fato deve-se à

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grande diversidade de expressões territoriais, que não são compatíveis com as normas das leis

brasileiras. A consolidação destas novas categorias fundiárias foram impulsionadas a partir

das décadas de 1970 e 1980 com o surgimento de movimentos sociais que foram apoiados por

diversas ONGs, sendo destacado também neste contexto a promulgação da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, qual fortaleceu ou formalizou diferentes territórios

no país. (LITTLE, 2002, p. 13)

Para o autor citado anteriormente, apesar do Estado brasileiro passar a reconhecer (em

partes) a importância de uma classificação fundiária diferenciada referente aos povos

tradicionais, sua perspectiva soberana pautada em um controle do território nacional ainda

apresenta-se dominante no início do século XXI. Nota-se um problema existente no caráter

autoritário e centralizador no ordenamento territorial por parte do Estado quais tomam

decisões políticas que muitas vezes podem ser prejudiciais. Por exemplo, os planos de

desenvolvimento lançados pelo governo federal promovendo a construção de grandes obras

como usinas hidrelétricas, estradas, hidrovias, entre outros, onde muitas destas obras passaram

e passarão pelos territórios dos povos tradicionais ocasionando graves conseqüências.

A questão chave desta discussão, trata-se do combate a um ordenamento territorial

pautado em visões centralizadoras e homogeneizadoras, onde o Estado age de acordo com

seus interesses. Os povos tradicionais buscam desviar da lógica estatista buscando o respeito e

reconhecimento perante as peculiaridades e diferenças que possuem além da garantia do

exercício de seus direitos. Para estes grupos, a reivindicação para uma política de

ordenamento territorial trata-se de uma questão condizente com a defesa de territórios

tomados como históricos quais exigem que o Estado obtenha a capacidade de trabalhar com o

pluralismo, não somente no âmbito territorial, mas também no social e étnico.

Pode-se afirmar que a partir do final do século XX e início do XXI muitos elementos

mudaram em relação ao reconhecimento a respeito do regime de propriedade praticado por

variados povos tradicionais, onde as leis consuetudinárias passam a ser consideradas e

respeitadas emergindo uma noção de que estes povos possuem direitos que precisam de

devida atenção por parte do Estado e da sociedade.

Em meio a este contexto, é de suma importância a realização de uma discussão sobre o

conceito de povos tradicionais, pois é através desta denominação que diversos grupos

marginalizados na sociedade se reconhecem e vão à luta por seus direitos usurpados ao longo

da história. Em relação à importância do surgimento deste conceito é descrito que:

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No contexto das fronteiras em expansão, o conceito surgiu para englobar um

conjunto de grupos sociais que defendem seus respectivos territórios frente à

usurpação por parte do Estado-nação e outros grupos sociais vinculados a

este. Num contexto ambientalista, o conceito surgiu a partir da necessidade

dos preservacionistas em lidar com todos os grupos sociais residentes ou

usuários das unidades de conservação de proteção integral, entendidos aqui

como obstáculos para a implementação plena das metas dessas unidades.

Noutro contexto ambientalista, o conceito dos povos tradicionais serviu

como forma de aproximação entre socioambientalistas e os distintos grupos

que historicamente mostraram ter formas sustentáveis de exploração dos

recursos naturais, assim gerando formas de co-gestão de território.

Finalmente, o conceito surgiu no contexto dos debates sobre autonomia

territorial, exemplificado pela Convenção 169 da OIT, onde cumpriu uma

função central nos debates nacionais em torno do respeito aos direitos dos

povos. (LITTLE, 2002, p.23)

Desta forma, o conceito de povos tradicionais possui uma dimensão empírica e

política sendo ambas quase totalmente intrínsecas. Este conceito é um importante elemento

constituidor do plano de reivindicações territoriais de grupos sociais perante o Estado

brasileiro.

Para tanto, a opção pela palavra ´povos` − em vez de grupos, comunidades,

sociedades ou populações − coloca esse conceito dentro dos debates sobre os

direitos dos povos, onde se transforma num instrumento estratégico nas lutas

por justiça social desses povos. Essas lutas, por sua vez, têm como foco

principal, o reconhecimento da legitimidade seus regimes de propriedade

comum e das leis consuetudinárias que os fundamentam. (LITTLE, 2002,

p.23)

Vale lembrar também, que a própria palavra “tradicional” com seu caráter polissêmico

tende a tornar o conceito ainda mais complexo, principalmente devido a sua forte tendência de

ser associada a um atraso econômico ou “imobilidade histórica”. Neste âmbito, pode-se

afirmar que a teoria da modernização sempre buscou a superação das sociedades ditas

tradicionais. Porém, nesta análise, o uso do termo tradicional refere-se a formações fundiárias

inteiramente modernas a partir do momento em que são consideradas as diversas mudanças

históricas ocorridas nos territórios sociais. Desta forma é importante considerar que “aqui o

conceito de tradicional tem mais afinidades com uso recente dado por Sahlins (1997) quando

mostra que as tradições culturais se mantêm e se atualizam mediante uma dinâmica de

constante transformação.” (LITTLE, 2002, p. 23).

O uso do conceito de povos tradicionais procura oferecer um mecanismo

analítico capaz de juntar fatores como a existência de regimes de

propriedade comum, o sentido de pertencimento a um lugar, a procura de

autonomia cultural e práticas adaptativas sustentáveis que os variados grupos

sociais analisados aqui mostram na atualidade. O fato que o termo tem sido

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incorporado recentemente em instrumentos legais do governo federal

brasileiro, tais como a Constituição de 1988 e a Lei do Sistema Nacional de

Unidades de Conservação, reflete essa ressemantização do termo e

demonstra sua atual dimensão política. Em resumo, o conceito de povos

tradicionais procura encontrar semelhanças importantes dentro da

diversidade fundiária do país, ao mesmo tempo em que se insere no campo

das lutas territoriais atuais presentes em todo Brasil.(LITTLE, 2002, p. 23)

Nesta perspectiva é possível observar a importância do entendimento dos conceitos

quais estes povos se enquadram, pois são através dos quais diferentes indivíduos são

reconhecidos e se reconhecem em um processo de luta constante por sobrevivência cultural,

econômica e social.

Como elemento constituinte da discussão de povos tradicionais, não se poderia deixar

também de apresentar reflexões a respeito dos elementos que envolvem o conceito de

“comunidade”, qual é muito utilizado para designar diversos grupos tradicionais e que parece

ser tão simples, mas abarca uma multiplicidade de sentidos e significados geradores de

diversos debates. Neste contexto Carlos Rodrigues Brandão (2015) descreve que esta palavra

em algumas situações é utilizada para se referir a algo concreto, como por exemplo:

comunidades ribeirinhas. “Mais adiante, a mesma palavra serve a algo a meio caminho, entre

o existente geográfico social concreto e alguma coisa em momento criada por um círculo de

pessoas, de uma maneira intencional (...)” (BRANDÃO, 2015, p. 21). Pode-se dizer que até

pouco tempo a palavra comunidades designava algo somente concreto, diferente de hoje

quando seu significado se estende para um mundo abstrato, espiritual eletrônico e ideológico:

comunidade de facebook, comunidade celestial e por aí afora. Segundo Brandão (2015, p. 22-

23):

Desde tempos antigos, foi e segue sendo o lugar social arrancado da

natureza, ou nela encravado ainda, em que pessoas, famílias e redes de

parêntese comuneiros reúnem-se para viver e dar, entre palavras e gestos, um

sentido a vida. Em termos modernos, a comunidade é o lugar da escolha. É a

associação – de pessoas que se congregam para serem, em meio a um mundo

como o da grande cidade, o que desejam ser nela, ou por oposição a ela.

Para melhor entendermos a respeito do conceito de comunidade tradicional, qual é um

dos focos desta pesquisa, Brandão (2015, p. 23-24) descreve quatro situações para que se

tenha uma porta de entrada nesta discussão:

Comunidade primitiva – mais no sentido de autóctone do que no de

“selvagem”, em algum momento confrontada com uma sociedade colonial e

colonizadora.

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Comunidade tradicional típica – nos termos em que buscamos aqui

compreendê-la, e que a partir de um momento dado como um acontecer

presente imposto torna-se o lugar dos pobres, dos expropriáveis, dos

resistentes,em uma situação de fronteira.

Comunidade de exclusão – em geral formada por desalojados e migrantes

pobres, habitante coletiva da grande cidade e, de modo geral, escanteada

para alguma de suas terras de sobra.

Comunidade de adesão – constituída como unidade, agrupamento ou rede de

pessoas que se reúnem por escolha mútua para criarem uma unidade de ação

social, não raro sob a forma de alguma cultura de fé, margem e protesto.

É importante salientar que em qualquer uma das dimensões “(...) a comunidade é

paráfrase do lugar humano. É aquilo que se cria como um espaço de vida quando ali se vive,

quando ali se chega ou quando para ali se vai de maneira imposta e arbitrária.” (BRANDÃO,

2015, p.24). Um campo de refugiados e até mesmo pensando na época da escravidão,

inicialmente se parece apenas com um aglomerado de pessoas, mas com o passar do tempo o

que se cria neste meio não deixa de ser uma comunidade.

Uma questão que não se pode deixar de salientar, refere-se o intenso esforço de vários

estudiosos em busca da compreensão do sentido de comunidade seguido do conceito de

tradicional (principalmente na primeira metade do século XX) qual se torna uma difícil tarefa

diante da complexidade dos conceitos. Neste âmbito, foi estabelecida uma diferenciação entre

sociedade e comunidade, na qual a sociedade refere-se a um lugar com sentido abstrato,

abrangente e institucional e que se habita inevitavelmente. Já a comunidade apresenta um

amplo campo de diversidade, sendo um lugar mais humano e concreto, consensual e livre.

Diferente da sociedade, pode-se optar em viver em comunidade, compondo uma razão de

pertencimento por escolha. Estas definições ao se aproximarem ou afastarem-se durantes os

estudos, de certa forma limitavam e excluíam povos de determinadas classificações.

Desta maneira, em um segundo momento, através de uma nascente Antropologia das

sociedades mais complexas, a comunidade passou a abranger um sentido mais amplo ao

adentrar a vida camponesa e pequenos povoados, como por exemplo: pequenos proprietários,

pescadores, seringueiros, posseiros e entre outros. A Antropologia, Geografia, Sociologia e

História entre as décadas de 1970 e 1980 passaram a adentrar estas questões com estudos a

respeito do campesinato brasileiro, sendo algo favorável para que as comunidades

tradicionais, tais como hoje as conhecemos, pudessem ser estudas a partir de uma visão

diferenciada.

Brandão (2015) ainda complementa suas definições a respeito da idéia de comunidade

pautada em dois olhares. A primeira, trata-se da antropóloga Eunice Durham qual descreve:

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Na linguagem comum, a noção de comunidade refere-se a uma coletividade

na qual os participantes possuem interesses comuns estão afetivamente

identificados uns com os outros. Essa idéia, que pressupõe harmonia nas

relações sociais, é altamente valorizada, constituindo, por assim dizer, o

ideal da vida social. É neste sentido que a comunidade aparece como um

mito em nosso tempo, pois o ideal que ela representa opõe-se a realidade do

conflito de interesses e da impessoalidade das relações sociais própria da

nossa sociedade. (DURHAM, 2004, p.221 apud BRANDÃO, 2015, p. 29)

Nesta perspectiva, o autor citado descreve que a pequena comunidade abarca um

sentido repleto de nuances entre uma utopia (ou mito como a autora descreve) e a realidade.

Utopia esta devido vivermos em uma sociedade com inúmeras imperfeições e a partir deste

sentido de comunidade, surge outro modo de vida com um cenário social pautado em

convivência e partilha. Sendo assim, a comunidade é algo oposto que complementa a

sociedade através de uma vida social regrada por valores e deveres baseadas em relações

internegociadas e consensualmente aceitas, não optando por imposições assim como ocorre

em relação à sociedade. Neste contexto, novamente é ressaltado os escritos e Durham (2004,

p.221 apud Brandão, 2015, p. 31):

Neste sentido, o conceito de sociedade pressupõe uma pluralidade de pessoas

isoladas, com interesses particulares, entre as quais se estabelece um vínculo

de natureza racional, cada qual buscando obter vantagens pessoais. O

conceito de sociedade implica uma “hostilidade” potencial. Em oposição, a

comunidade apresenta uma vinculação afetiva, originária e essencial. Suas

expressões mais típicas são a família e a aldeia.

O segundo olhar a respeito da noção de comunidade destacada por Brandão (2015)

refere-se ao pensandor Boaventura de Souza Santos, qual sua sociologia é pautada em uma

prática do fazer-político, sendo algo que vai além de uma idéia abstrata. Para ele, a palavra

comunidade é discutida não como algo natural e social em que se vive, mas sim como um

lugar social e político onde a opção é construir para poder conviver, sendo a comunidade

sempre alicerçada na solidariedade e na participação.

Torna-se importante aqui ressaltar, levando em consideração que a sociedade é

complementada pelo oposto sentido da comunidade, de que vivemos em um tempo onde

podemos participar de várias comunidades que podem ser territoriais, virtuais, residenciais

entre outras. Sendo assim, aonde quer que estejam os indivíduos, desde a pequena localidade

rural até a grande metrópole, geralmente sempre os mesmos irão se reconhecer como parte de

uma unidade social de diferentes escalas e fronteiras. As comunidades delineiam nosso

cotidiano com a percepção e vivência de um território que é partilhado configurando uma

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forma de vida e de atribuição de sentido e identidade neste “viver em comunidade”.

(BRANDÃO, 2015, p.33-34)

A partir das discussões geradas em torno do conceito de comunidade, iremos adentrar

em outra questão ao ser realizado a seguinte associação: comunidade tradicional. Nos

dicionários de língua portuguesa estas duas palavras aparecem separadas e em dicionários de

Antropologia ou de Sociologia seu aparecimento em união pode não ocorrer. Por mais que a

comunidade tradicional seja essencial para descrever uma realidade humana, pode ocorrer que

esta categoria não esteja presente em livros teóricos e pesquisas em qualquer campo das

Ciências Sociais. Alguns teóricos preferem aderir ao termo “sociedade local”, deixando de

lado principalmente a palavra tradicional alegando a mesma possuir uma carga um tanto

quanto preconceituosa, abstrata e indicativa de atraso. Isso deve-se pelo fato de diversos

estudiosos tomarem o tradicional da comunidade com referência ao que é residual, parado no

tempo ou que não evoluiu, opondo-se desta maneira ao moderno e ao desenvolvido. É por este

motivo que encontramos em vários escritos, tanto atuais como em clássicos, as combinações

de palavras realizadas da seguinte forma: comunidade rural, comunidade camponesa,

comunidade caiçara e assim por diante (BRANDÃO, 2015, p.41). Desta forma, pode ser

afirmado que “para unificar termos e conceitos neste estudo, propomos reuni-las todas sob o

nome que as tornou pelo mundo afora mais conhecidas e estudadas: comunidades

tradicionais.” (BRANDÃO, 2015, p. 41)

Para Brandão (2015, p. 42) ao olharmos mais apuradamente para estes povos, nota-se

que as pessoas de um mesmo lugar habitam um espaço centrado em uma casa ao mesmo

tempo em que habitam um território coletivamente reconhecido alicerçados em uma

ameaçada posse e bem comum. Este território comunitário, pode ser uma margem de beira rio

por exemplo, assim como variados lugares delimitados pelas pessoas do lugar ou também,

pode estar delimitado pelas fronteiras impostas pelos indivíduos que os ameaçam e cercam.

Ainda, a partir de um olhar mais meticuloso, estas comunidades são capazes de revelarem

mapas mentais de cartografia popular através da nomeação de lugares existentes na natureza

(rio, grande árvore, mapa e assim por diante) assim como também lugares de cultura (casas,

quintas, uma escola, etc.) fazendo com que os indivíduos pertencentes a estes grupos

trafeguem por mapas sociais traçados coletivamente, ou seja, isto compete à tessitura de seu

território.

É nesta dinâmica em que se formam as redes de relações entre os sujeitos os quais

elaboram e transformam lentamente suas chamadas práticas do saber: como se planta, se

colhe, como se procede com os animais e toda a natureza a sua volta, como se dá a

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convivência com os demais vizinhos e por aí afora, podendo ser chamadas de “lógicas de

pensar” que moldam os domínios territoriais destas comunidades. A partir desta discussão o

autor a seguir ressalta que:

Elas iriam desde as ideologias centradas nas diferentes práticas sociais de um

modo de vida (parentesco, economia, educação, etc.), até os mais complexos

e integrativos sistemas por meio dos quais uma ou algumas atribuições de

identidade são construídas. São na verdade criadas, revisitadas e partilhadas

em e por meio de alianças e conflitos em/entre contextos de nós mesmos e

entre diversos contextos do tipo nós e os outros, ao lado de sistemas de

sentidos de vida e de significados de mundo, entre saberes patrimoniais e

crenças de teor religioso ou não. (BRANDÃO, 2015, p. 43)

Neste contexto de auto reconhecimento e demarcação de território mostra-se a

legitimação dos grupos assim como também a elaboração de suas resistências, onde Cunha

(2009, p. 278) descreve que nos últimos anos as comunidades tradicionais estão sofrendo as

ameaças da expansão capitalista as quais estão estabelecendo regiões de fronteiras cada dia

mais conflituosas, mas mesmo assim , este fato não é o bastante para que estas comunidades

deixassem de ser politicamente ativas em busca de seus direitos referentes à sua identidade e

territorialidade. Os indivíduos constituintes destas comunidades deixaram de serem agentes

passivos na sociedade para assumirem um papel coletivo, de uma crescente relevância na luta

de proteção de seus domínios e no contexto das políticas públicas.

De diversos lugares do Brasil as diversas comunidades tradicionais fazem ouvir suas

vozes nos seguintes sentidos:

1. Elas se unem para proclamar direitos ancestrais e também novos direitos.

Cobrar do poder público e de ONGs promessas e parcerias, inclusive as que

se referem a salvaguardas, que vão desde territórios patrimoniais até

patrimônios culturais imateriais. 2. Elas se inserem de maneira inovadora e

rentável, em vários casos, em regiões econômicas menos periféricas do

mercado de bens, sobretudo no que se refere a produtos de coleta direta da

natureza. 3. Elas se redefinem como agentes de sustentabilidade, anteriores

mesmo às políticas públicas dirigidas à salvaguarda do meio ambiente. Duas

dimensões centrais na condução dos próprios rumos do Brasil passam agora

pelas comunidades populares: a agrária e a ambiental. (BRANDÃO, 2015, p.

63)

Nesta mesma perspectiva Cunha (2009, p. 289) descreve que os antigos paradigmas

relacionados à estas comunidades estão em um processo de profunda transformação, pois as

populações tradicionais não encontram-se mais na periferia da economia mundial ou fora da

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economia mundial, pois as mesmas estão articulando alianças com importantes órgãos tanto

públicos como governamentais.

Pensar de tal forma, para Brandão (2015 p. 68) pode ser um tanto quanto “profética”

mas que não deixa de sugerir uma evidente mudança no âmago das comunidades tradicionais,

principalmente em regiões de fronteira e de expansão do agronegócio. Esta passagem vale

também para ascender a noção de que estas populações não são agrupamentos humanos

embrenhados em áreas de mata fechada ou parte do folclore nacional, assim como muito fora

exposto sobre as mesmas em um passado não muito distante. É necessário ressaltar que

tratam-se de “unidades culturais conectadas com o mundo” constituindo parcelas socialmente

presentes em congressos científicos como integrantes de mesas redondas e até mesmo, com

espaço para repercussões em âmbito nacional ou mundial, caso apelem para a Organização

das Nações Unidas (ONU).

Para um melhor entendimento a respeito destas populações e também avançar nas

reflexões a respeito do assunto, é de grande valia aqui citar uma listagem elaborada por

Diegues e Arruda (1999, p. 21-22), os quais elaboraram um trabalho editado pelo Ministério

do Meio Ambiente visando uma busca por características culturais que marcam as populações

tradicionais, sendo estas caracterizadas:

a) pela dependência freqüentemente, por uma relação de simbiose entre a

natureza, os ciclos naturais e os recursos naturais renováveis com os quais se

constrói um modo de vida;

b) pelo conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos que se reflete

na elaboração de estratégias de uso e de manejo dos recursos naturais. Esse

conhecimento é transferido por oralidade de geração em geração;

c) pela noção de território ou espaço onde o grupo social se reproduz

econômica e socialmente;

d) pela moradia e ocupação desse território por várias gerações, ainda que

alguns membros individuais possam ter se deslocado para os centros urbanos

e voltado para a terra de seus antepassados;

e) pela importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de

mercadorias possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implica uma

relação com o mercado;

f) pela reduzida acumulação de capital;

g) importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações

de parentesco ou compadrio para o exercício das atividades econômicas,

sociais e culturais;

h) pela importância das simbologias, mitos e rituais associados à caça, à

pesca e a atividades extrativistas;

i) pela tecnologia utilizada que é relativamente simples, de impacto limitado

sobre o meio ambiente. Há uma reduzida divisão técnica e social do

trabalho, sobressaindo o artesanal, cujo produtor (e sua família) domina o

processo de trabalho até o produto final;

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j) pelo fraco poder político, que em geral reside com os grupos de poder dos

centros urbanos;

l) pela auto-identificação ou identificação pelos outros de se pertencer a

uma cultura distinta das outras. (DIEGUES E ARRUDA, 1999, p. 21-22)

As descrições realizadas por Diegues e Arruda (1999) talvez sejam uma das mais

completas realizadas em relação aos povos tradicionais, mas nada impede que outras

peculiaridades também façam parte deste meio tão dinâmico. Desta forma, Brandão (2015)

aponta algumas questões dignas de serem pensadas e repensadas neste contexto, como por

exemplo: a transformação da natureza que considera a questão da territorialização como um

trabalho de sociabilização com a natureza; a autonomia que remete a idéia destes povos

poderem moldar seu modo de vida; a autoctonia remetente ao sentimento de pertencimento a

uma dada comunidade herdeira de nomes, tradições e lugares sociais; a memória de lutas

passadas de resistência diante de pressões passadas (cercamentos, ameaças, expropriação e

conflitos armados); a história de lutas e resistências atuais; e finalmente a experiência de vida

em territórios cercados e ameaçados como um ponto a ser destacado por direcionar os olhares

para as comunidades tradicionais no século XXI.

Para Brandão (2015, p.80) este problema inicia-se pelo fato da visão de quem chega

achar que as comunidades tradicionais são totalmente opostas ao que para ele é moderno.

Neste contexto, quem “chega de fora” não entende que são tradicionais porque são resistentes

em nome de uma história construída e preservadora de uma memória. Para as frentes

pioneiras, quem habitava os Sertões era invisível e naturalizado em meio ao ambiente. Neste

contexto era afirmado que “aquela é ‘uma gente atrasada’ (tradicional) porque se deixou

justamente ficar à margem da história, isto é, da história dos que imaginam que eles fazem

história a que os outros se submetem”.

Todos estes elementos podem ser considerados as principais características da

comunidade tradicional, não sendo sua tradicionalidade o foco principal, mas sim sua

autonomia, autoctonia e cultura de resistência. Desta forma, é possível entender as tantas

variantes que constituem a categoria de comunidades tradicionais No século XXI, observa-se

o ressurgimento da idéia de comunidade associado a uma forma de vida alternativa, sendo

algo que vai para o sentido oposto às lógicas capitalistas de mercado. Sendo assim:

Em boa medida, um modo de vida fundado em uma economia moral é uma

das alternativas de um modo de vida que se contrapõe à lógica utilitária de

mercado e à ganância do mundo capitalista dos negócios. Como algo

bastante visível nos confrontos entre as frentes e expansão do agronegócio e

as pequenas comunidades tradicionais, o que a economia monetarista busca

não é apenas a conquista e a apropriação de mais e mais territórios

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destinados à monocultura de vegetais ou de animais. O que ela deseja

destruir ou colonizar (conquistar para o seu lado) é todo um sistema de vida

que se opõe a seus interesses (...) (BRANDÃO, 2015, p. 94)

Nota-se assim, o quanto o sentido de povos e comunidades tradicionais acarretou

significados ao longo do tempo, onde representam toda uma vida e história baseada em

sustentabilidade e coletividade, sendo tomado também como um empecilho para o mercado

capitalista baseado no individualismo. Este cenário configura-se principalmente pelo modelo

tradicional de uso comum da terra, o qual garante o acesso a recursos básicos de

sobrevivência mesmo para quem não possui propriedade ou posse da mesma. Sendo assim, a

seguir será realizada uma explanação do que constitui o uso comum da terra.

1.3 Terras de uso comum

No território brasileiro existem diferentes formas de uso comum de terras e bens

naturais. Para Campos (2000), estas áreas de uso comum e tudo o que delas é extraído,

constituem um importante aparato para amenizar a falta de recursos e acesso ao uso da terra,

principalmente para as camadas mais pobres da sociedade, sendo assim um componente de

subsistência e sobrevivência econômica. Através das áreas de uso comum, é possível que

mesmo quem não tenha posse da terra usufrua do espaço para alimentar seus animais, ter

acesso à lenha e demais elementos que complementem suas necessidades.

No Brasil, até o século XIX, eram inúmeras as ocorrências de terras de uso comum em

áreas rurais e também nos pequenos centros urbanos, onde sua existência era fundamentada a

partir do chamado direito consuetudinário “baseado na tradição, no costume, evidenciando

uma prática cujas comunidades há muito tempo praticavam, quanto através de inúmeros

documentos, como leis, posturas, decretos, municipais, provinciais ou mesmo imperiais.”

(CAMPOS, 2000, p. 1)

Campos (2001) ressalta que devido a diversas transformações ocorridas no Brasil em

um âmbito econômico e social, muitas áreas detentoras de terras de uso comum

desapareceram em grande parte. Porém, muitas delas resistem às diversas pressões em prol de

sua existência. Ao longo do tempo, muitas são as atribuições realizadas em relação ao sentido

de uso comum da terra, podendo haver alguns equívocos quanto à sua interpretação, neste

sentido é necessário deixar claro que o uso comum não refere-se a propriedades coletivas, mas

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sim ao uso comum de determinados espaços assim como afirma Campos (2001, p.1, grifo do

autor):

Em termos gerais, a terra de uso comum tem características associadas a

uma terra do povo - uma terra que é de todos. No entanto, não se constitui

numa terra pertencente ao povo, no sentido de haver a propriedade coletiva

de um grupo, uma comunidade, ou várias comunidades em conjunto. Trata-

se do uso comum de determinados espaços por inúmeros proprietários

individuais independentes, servindo-lhes como um “suplemento”; sendo, do

mesmo modo, utilizado por pessoas ou grupos de não-proprietários.

Nesta perspectiva, o fato das terras comuns serem consideradas uma “terra do povo”

não quer dizer que sejam necessariamente uma “terra livre” qual é aberta para todos. Os

espaços desfrutados tratam-se de propriedades públicas ou privadas, mas que mesmo assim,

pratica-se o uso da terra e demais bens naturais comunalmente, integrando diversas formas de

compáscuo 7.

Em termos analíticos e para complementar a discussão é importante ressaltar o que

Almeida (2004, p. 10) descreve sobre estas formas de apropriação da terra sendo destacado

que não se tratam de propriedades coletivas, mas sim do uso comum de determinadas áreas

com regras acatadas consensualmente por seus ocupantes:

(...) tais formas designam situações nas quais o controle de recursos básicos

não é exercido livre e individualmente por um determinado grupo doméstico

de pequenos produtores diretos ou por um de seus membros. Tal controle se

dá através de normas específicas, combinando o uso comum de recursos e

apropriação privada de bens, que são acatadas, de maneira consensual, nos

meandros das relações sociais estabelecidas entre vários grupos familiares

que compõe a unidade social.

Estas áreas encontram-se em um estágio delicado quando à sua manutenção, sendo

esta situação oriunda a partir de um processo histórico, principalmente do que diz respeito às

leis regentes. Campos (2001, p. 2) descreve que as terras de uso comum no Brasil até meados

do século XIX são tratadas juridicamente como uma categoria à parte abarcada pela categoria

maior das terras públicas. Logo, em 1850 a Lei de Terras ao alterar o regime jurídico de terras

no país passou a ignorar as terras de uso comum quais passaram à serem denominadas como

terras devolutas e com aberturas para a apropriação individual. A partir desta lei, outras foram

estabelecidas para tratar a questão da terra em um âmbito nacional, estadual e municipal, onde

7 Segundo Pereira (1961, p.168 apud CAMPOS, 2001, p.1, grifo original) o compáscuo significa “a utilização

em comum de pradarias, campos ou terrenos de qualquer espécie para pastagem em comum de gado pertencente

a proprietários diversos”.

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grande parte destas terras de uso comum passaram a fazer parte de um contexto de interesses

individuais e especulativo, não somente por agentes externos, mas também por seus usuários.

Assim sendo é importante salientar que:

. Porém, independente de qualquer regime jurídico, o “direito de uso comum”

relaciona-se diretamente com o direito consuetudinário, que, segundo os

usuários de terras de uso comum, é um costume “que vem desde os tempos

de nossos avós”, ou seja, “desde os tempos imemoriais” como reconhecem

muitos documentos e determinações jurídicas, demonstrando assim haver

uma estreita relação entre costume, lei e direito de uso comum. Entretanto, a

dinâmica social faz com que os diferentes agentes (tanto externos quanto

internos) favoreçam às transformações, as quais, provocam novos interesses,

o que leva ao enfraquecimento e destruição das terras de uso comum em

muitos lugares ou situações, embora noutros, resistam, ou até se fortaleçam,

a exemplo dos seringueiros autônomos em partes da Amazônia.(CAMPOS,

2001, p. 2, grifo do autor)

No que tange este cenário, Campos (2001) aponta que foi a partir dos anos 80 com a

redemocratização e abertura política que as discussões em relação aos conflitos territoriais

aplicaram e consequentemente configuraram um panorama com crescimento de pesquisas e

publicações sobre os usos comum da terra no Brasil a partir de uma forma que voltasse a os

olhares para esta questão.

Para Almeida (2009, p.39), um aspecto que necessita de atenção na estrutura agrária

brasileira refere-se às modalidades baseadas no uso comum da terra. Para o autor, estas áreas

correspondem a situações onde o controle dos recursos básicos não são exercidos de maneira

individual e livre, mas são pautados em regras estabelecidas por uma unidade social, o que

acaba compondo uma territorialidade específica, sendo descrito que:

Tal controle se dá por meio de normas específicas instituídas para além do

código legal vigente e acatadas, de maneira consensual, nos meandros das

relações sociais estabelecidas entre vários grupos familiares, que compõe

uma unidade social (...) a atualização dessas normas ocorre em territórios

próprios, cujas delimitações são socialmente reconhecidas, inclusive pelos

cincundantes. A territorialidade funciona como fator de identificação, defesa

e força. Laços solidários e de ajuda mútua informam um conjunto de regras

firmadas sobre uma base física considerada comum, essencial e alienável,

não obstante disposições sucessórias, porventura existentes.

Assim como fora descrito, neste cenário, a territorialidade age como um fator de

defesa, força e identificação, onde um conjunto de regras são estabelecidas através de laços

solidários alicerçados em uma base física comum. Estas extensões territoriais são

representadas por seus ocupantes através de um significado atribuído para suas áreas

chamadas de terras de uso comum. É perceptível a existência de diversas peculiaridades neste

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modo de acepção do território, onde o acesso à terra não ocorre somente diante das

tradicionais estruturas familiares ou de um povoado que a ocupa, mas também há influência

da solidariedade despertada diante de antagonistas que reforçam as redes de relações sociais

entre todos os indivíduos que tendem à defender este modo de acesso à terra. (ALMEIDA,

2009, p.40)

Neste sentido, a noção de “tradicional” não se reduz à história e incorpora as

identidades coletivas redefinidas situacionalmente numa mobilização

continuada, assinalando que as unidades sociais em jogo podem ser

interpretadas como unidades de mobilização. (ALMEIDA, 2004, p.10, grifo

do autor)

Estas unidades de mobilização funcionam como um agrupamento de interesses

específicos em busca de direitos reconhecidos perante ao Estado e à sociedade, onde estes

grupos sociais que acatam normas particulares podem utilizar deste aparato para seu

fortalecimento em seus movimentos de resistência. Para Almeida (2009, p. 40) as normas

aplicadas a estes territórios são delineados a partir de fundamentos históricos e etnológicos

variados, originando diferentes porções descontínuas e distribuídas geograficamente de forma

dispersa. Estas variadas territorialidades chamam a atenção para o fato de serem em grande

parte invariantes em relação ao significado de uso comum da terra. Contudo, a existência de

dados que consideram a territorialidade como unidades de recorte segundo suas

peculiaridades ainda são escassas no Brasil. Este fato deve-se aos sistemas de uso comum da

terra afrontarem as vigentes disposições jurídicas e consequentemente, não tornam-se objeto

de um inventário concreto. As referidas extensões jamais foram catalogadas ou sujeitadas às

técnicas estatísticas ou de cadastramento de imóveis adotadas pelos órgãos governamentais

que verificam as áreas rurais. Esta falta de interesse em examinar e compreender estes

sistemas cria um estereótipo levando a sociedade a relacionar terras de uso comum como

sendo algo antiquado, atrasado que não faz mais parte do tempo histórico presente.

No entanto, estes sistemas têm chamado a atenção, ao mesmo tempo em que

encontraram a oportunidade de manifestação, de um conjunto de especialistas, tais como

pesquisadores e cientistas sociais que através de diversos trabalhos de campo, assim como

também de técnicos de órgãos governamentais que realizam vistorias em imóveis rurais e

integrantes de entidades voluntárias que apóiam os movimentos dos trabalhadores rurais. Esta

questão que abarca uma negação por parte dos órgãos oficiais remete a falta de

reconhecimento para com estes territórios específicos, assim como Almeida (2009, p. 41)

afirma:

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As análises econômicas, ao se omitirem na interpretação das modalidades de

uso comum da terra, fundam-se, no mais das vezes, em noções deterministas

para expor o que classificam como sua absoluta irrelevância. Consideram

que se trata de formas atrasadas inexoravelmente condenadas ao

desaparecimento, ou meros vestígios do passado, puramente medievais que

continuam a recair sobre os camponeses, subjulgando-os.

Nesta perspectiva, referem-se às terras de uso comum como apenas um resíduo de

sobrevivência e como um modo de produção em desaparecimento, onde fatores étnicos e

regras que reforçam a indivisibilidade do patrimônio de determinadas unidades sociais são

interpretadas como um obstáculo para que estas terras sejam negociadas livremente à lógica

do mercado capitalista e apropriadas individualmente.

Não autorizando forma de partilha ou mecanismos de fracionamento que

permitam a indivíduos dispô-las às ações de compra venda, aqueles sistemas

de uso comum da terra são entendidos como imobilizando a terra, na

qualidade de mercadoria no seu sentido pleno, e impedindo que se constitua

num fator de produção livremente utilizado.(ALMEIDA, 2009, p. 41)

Diante de tais argumentos impostos, os sistemas de uso comum da terra são expostos a

um quadro de desintegração onde seus potenciais são desconsiderados, sendo algo de difícil

controle diante da idéia de um progresso social pautado na individualização de propriedades.

O que acredita-se, é que com o avanço do capitalismo no campo estas terras de uso comum

serão finalmente liberadas ao mercado, mas pouco se é considerado que tais individualizações

ocasionam profundas mudanças nas estruturas que condicionam o uso da terra de tal forma.

Enquanto as análises econômicas forem elaboradas de tal forma, não será possível exaltar as

particularidades que permeiam o uso comum da terra e os diferentes sentidos de posse

existentes, sendo estas terras tomadas como um obstáculo para o desenvolvimento capitalista.

Neste contexto é destacado também, a respeito dos sistemas de uso comum nas regiões

de colonização antiga as quais podem ser observadas através de variadas perspectivas e com

alguns aspectos fundamentais comuns, como suas naturezas históricas e quanto ao tipo de

agricultura desenvolvida. O que aqui se pretende apresentar é de uma possível gênese dos

sistemas de uso comum estar pautada em uma resposta antagônica ao desenvolvimento

capitalista diante tensões peculiares surgidas ao longo da história. Sendo assim Almeida

(2009, p.45) descreve:

Constituem-se, por sua vez, paradoxal e concomitantemente, em

modalidades de apropriação da terra, que se desdobraram marginalmente ao

sistema econômico dominante. Emergiram, enquanto artifício de autodefesa

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e busca de alternativa de diferentes segmentos camponeses, para assegurar

suas condições materiais de existência, em conjunturas de crise econômica

também cognominadas pelos historiadores de “decadência da grande

lavoura”. Fora de constituindo em formas aproximadas de corporações

territoriais, que se consolidaram notadamente em regiões periféricas, em

meio a múltiplos conflitos, num momento de transição em que fica

enfraquecido e debilitado o poderio do latifúndio sobre as populações

historicamente submissas (indígenas, escravos e agregados).

Desta forma, prosseguindo com o raciocínio do autor citado anteriormente, com o

decorrer deste processo, tornaram-se formas estáveis de acesso à terra e foram distribuindo-se

de maneira descontínua por diversas regiões geográficas do país. As formas de uso comum

encontraram tanto reforços como repressões e aniquilamento pelo caminho. No final do

século XIX e início do século XX por exemplo, no interior de movimentos religiosos e de

rebeldia houveram várias tentativas de um estabelecimento de novas formas de relações

sociais com a terra. A partir deste afloramento de novas propostas, foi promulgado que a terra

deveria ser um “bem comum, indivisível e livre” e tudo do que dela fosse desfrutado deveria

ser apropriado comunalmente. Tais movimentos passaram a fazer parte do cenário territorial

do Norte ao Sul do Brasil e ao mesmo tempo em que se expandiam também eram

considerados uma ameaça ao sistema de poder, pois a estimulação do livre acesso à terra para

além de áreas consideradas periféricas acabaram contrastando com as “realidades

mecanizadas” adotadas em grandes propriedades. Este episódio foi tomado com uma grande

ameaça para as classes dominantes, sendo algo que os levou a intimidar estes movimentos,

muitas vezes, através da força das armas.

A partir deste cenário houve forte repressão ao uso comum da terra, mas não o

suficiente para causar seu aniquilamento de modo geral, pois diversos mecanismos históricos

possibilitaram que este sistema fosse alimentado pela necessidade de fuga de indivíduos que

fugiam dos modelos capitalistas impostos. Um exemplo citado por Almeida (2009) são os

escravos fugidos de grandes fazendas quais formavam os quilombos em locais de difícil

acesso, podendo assim usufruírem de terras comunais com êxito em seus domínios.

Seguindo este viés, Almeida (2009) associa a fundação dos sistemas de uso comum à

um processo histórico de desagregação e decadência de plantations de cana de açúcar e

algodoeiras, representando formas que emergiram a partir da fragmentação de grandes

explorações agrícolas. Estas situações estabeleceram-se quando grandes proprietários que

abandonaram ou entregaram formalmente seus domínios diante de alguma crise, geralmente

oriunda da flutuação de preços que pairava sobre os produtos primários no mercado

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internacional, sendo motivo suficiente para ocasionar o desmantelamento de grandes

explorações monocultoras.

É afirmado que antes mesmo da abolição da escravatura, fato este que repassa uma

idéia de marco institucional para o surgimento dos sistemas de uso comum da terra, já eram

registrados inúmeros casos de desagregação de grandes propriedades fundiárias, onde este

processo de dissolução que se intensificou no final do século XIX foi ocasionado

principalmente pela negação das grandes explorações em introduzirem novas tecnologias ou

adoção de agriculturas comerciais pautadas em novas relações de trabalho. As conseqüências

foram o afrouxamento dos mecanismos repressores de força de trabalho, sendo este fato um

forte contribuinte para a formação de um campesinato composto por trabalhadores rurais que

viviam escravizados nestas propriedades. Neste contexto, Almeida (2009, p.47, grifo do

autor) afirma:

Em diferentes situações examinadas, conforme se verificará adiante,

registra-se que este campesinato pós plantation não procedeu

necessariamente a uma divisão da terra em parcelas individuais. A garantia

da condição de produtores autônomos, uma vez ausente o grande

proprietário ou por demais debilitado o seu poder, conduziu as formas

organizativas, sendo os ditames de uma cooperação ampliada e de formas de

uso comum da terra e dos recursos hídricos e florestais (...). Os sistemas de

uso comum tornaram-se essenciais para estreitar vínculos e forjar uma

coesão capaz, de certo modo, de garantir livre acesso à terra diante de outros

grupos sociais mais poderosos e circunstancialmente afastados.

Regras foram estabelecidas para o uso comum dos recursos básicos os quais sempre

foram elaboradas e seguidas coletivamente, sendo algo que garantiu certa estabilidade

territorial. Esta vivência pautada na solidariedade entre os membros dos grupos de uso

comum da terra é tomada como heróica pelos atuais ocupantes em relação aos seus

antepassados, sendo a coletividade tomada como uma das principais regras para a manutenção

de seus domínios territoriais. Para este certo êxito na existência deste sistema, é necessário

ressaltar que foram ponderadas as inúmeras diferenças internas e interesses constituintes de

distintos segmentos, não sendo baseada basicamente em princípios de igualdade onde todas as

peculiaridades foram consideradas. (ALMEIDA, 2009, p. 47)

O que não se pode aqui negar, é o fato de que há formas de uso comum da terra que

consistem em processos residuais resultantes de manifestações contrárias ao capitalismo.

Sendo assim, havendo este ponto em comum entre todas os segmentos de camponeses que

adotaram o uso comum da terra, fora possível traçar um modelo, de certo modo, harmônico

que abarcou os diferentes interesses dos indivíduos, onde o ex-escravo passou por um

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“acamponesamento” e o camponês passou por uma redefinição de condição resultando em um

campesinato livre.

Esses segmentos de camponeses e seus descendentes passaram a se auto-

representar e a designar suas extensões de acordo com denominações

específicas atreladas ao sistema de uso comum. A noção corrente de terra

comum é acionada como elemento de identidade indissociável do território

ocupado e das regras de apropriação, que bem evidenciam, por meio de

denominações específicas, a heterogeneidade das situações a que se chamam

referidas, a saber: terras de preto, terras de santo, terras de Irmandade, terras

de parentes, terras de ausente, terras de ausente, terras de herança (e/ou terras

de herdeiros) e patrimônio. (ALMEIDA, 2009, p. 48)

O autor citado ainda descreve alguns exemplos para um melhor entendimento sobre

terras de uso comum e entre estes, estão as “terras soltas ou abertas”, quais abarcam o sistema

correspondente às áreas de faxinais que são o objeto central da presente pesquisa. Sobre estas

áreas, o autor descreve que a utilização de formas de uso comum envolvendo atividades

pastoris é uma prática difundida por todo sertão nordestino, algumas regiões da Amazônia,

Ilha de Marajó e no Sul do país: Paraná e Santa Catarina. No que corresponde ao sertão

nordestino, as grandes propriedades nunca foram cercadas e até mesmo seus limites não eram

definidos com precisão, sendo um fato que gerava conflitos entre seus proprietários. O gado

era criado solto e as aguadas eram de uso comum, já as terras onde as plantações eram

cercadas para evitar a invasão ou a destruição causada por animais.

O referido autor descreve a respeito dos denominados faxinais localizados na região

do Sul do Brasil, sendo os mesmos podendo ser semelhantes às formas citadas anteriormente,

“ressalvando-se que constituem extensões delimitadas para o pastoreio de acordo estabelecido

pelos detentores de títulos, em sua maior parte pequenos proprietários.” (ALMEIDA, 2009,

p.55). Já os campos ou pastos comuns localizados na Ilha de Marajó assemelham-se mais com

as regras estabelecidas pelas pecuárias do sertão nordestino.

Almeida (2009) destaca que um ponto a ser ressaltado, refere-se às peculiaridades que

a noção de patrimônio abarca neste contexto, sendo correspondente a um conjunto de recursos

básicos (aguadas, fontes e pastagens) que apesar de estarem tituladas como propriedades

privadas estão à disposição da apropriação comum pela comunidade. A partir desta

perspectiva, os pequenos proprietários possuem a liberdade para manterem seus animais

soltos para que possam se alimentar e utilizar do espaço que constitui as terras comunais,

sendo este tipo de prática geralmente assegurada por regras comunitárias e até mesmo por leis

municipais e estaduais. Neste caso, também é possível observar a coexistência de duas

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modalidades de apropriação, sendo a propriedade privada e a posse de uso comum, sendo um

cenário que não deixou de ceder para a constituição de estreitas relações com meios de

produção de pecuária extensiva. Desta forma, vieram a surgir inúmeros cercamentos recentes

de áreas comuns e ocorrências de invasões de gado em plantações de pequenos proprietários

como uma tentativa de afastá-los destes domínios, permeando estas áreas com intensos

conflitos. Neste sentido, destaca-se que:

Este ponto caracteriza as terras de uso comum como estando delineadas a

partir de regras de apropriação privada e posse comunal concomitantemente,

onde os espaços reservados para a casa e quintal com seus pomares e

pequenas criações avícolas são tomados pelas famílias como algo individual,

assim como o que produzem em suas áreas de plantações que atendem as

demandas de consumo. (ALMEIDA, 2009, p. 58)

A partir do momento em que terras comuns passam a ser cercadas e o espírito

capitalista prevalece, os pequenos produtores rurais passam a ser os menos beneficiados com

o sistema, sendo obrigados a afastarem-se da concentração de grandes proprietários que

ganham a cena com incentivos fiscais e governamentais através de projetos baseados na

pecuária intensiva e extensiva.

Não somente devido à pecuária extensiva, mas as formas de uso comum,

principalmente a partir das décadas finais do século XX, estão confrontando com

monoculturas voltadas ao mercado exportador, sendo algo que atinge diretamente estas

formas de considerar a terra. Cada vez mais o espírito de individualização e privatização

toma conta de diversas comunidades tradicionais, como é o exemplo dos faxinais que

confrontam sua paisagem com plantações de soja, eucaliptos, pinus, fumo e demais produtos

atípicos da paisagem faxinalense. Com isso, a área determinada para uso comum vem

diminuindo cada vez mais com o passar do tempo através dos cercamentos, além da derrubada

da floresta nativa para ceder espaço às novas plantações que não mais visam a subsistência

das famílias ocupantes e a preservação ambiental. (ALMEIDA, 2009)

Nota-se que a articulação dos domínios existentes, privado e comunal, confrontam

com as vigentes normas legais, porém, não são consideradas infratoras das leis. Neste caso, a

noção de posse comunal passa por alguns julgamentos negativos devido seu significado estar

associado às referências de “comunas primitivas” onde há algumas interpretações que tomam

estas forma de uso comum com uma espécie de socialismo, havendo assim, uma necessidade

de interpretações aprofundadas e rígidas a respeito deste conceito. Deste modo Almeida

(2009, p.59) descreve:

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Aparecem imbricadas nas normas camponesas, que se articulam e

combinam, as noções de propriedade privada e de apossamento pelo uso

comum. Tais noções se realizam indissociadas em diferentes domínios da

organização social. Não representam elementos destacáveis ou propensos à

separação. Conjugam-se completam-se dentro de uma lógica econômica

específica. A noção de propriedade privada existe neste sistema de relações

sociais sempre marcado por laços de reciprocidade e por uma diversidade de

obrigações para com os demais grupos de parentes e vizinhos.

A partir da citação anterior, pode-se notar que se os sistemas de uso comum forem

assim pensados, eles estarão demarcando uma diferença em relação a situações

correspondentes às “comunas primitivas” nas quais os produtos e as atividades são totalmente

tomados a partir de critérios comunais. Observa-se então, que terras de uso comum não se

referem a uma totalidade homogênea de caráter igualitário, mas apresentam graus de

diferenciação internas, havendo a necessidade de ser exposto, não apenas as ocorrências de

cooperação, mas também as desigualdades existentes de acesso aos recursos básicos de alguns

indivíduos. É nesta considerável lacuna que os antagonistas ao sistema conseguem usurpar

domínios comuns, mas também esta diferenciação tem ocasionado fortes tensões entre os

membros de grupos familiares que acabam cedendo a uma chamada “descampesinização”

disponibilizando suas terras ao mercado.

Quando uma família se encontra diante da possibilidade de vender suas terras

pertencentes ao uso comum a tensão atinge todo o grupo social envolvido. Isso geralmente se

deve a uma grande introdução de tecnologias no campo e possibilidades de aumento de renda

com um comércio em expansão, que levam membros ou famílias à cederem para a citada

“descampesinização”. Porém, há uma forte resistência que faz com que muitos destes

domínios mantenham-se ativos perante aos conflitos ocorrendo tanto em regiões de

colonização antiga como em áreas de ocupação recente. A atual existência de terras de uso

comum é considerada por Almeida (2009, p. 61) como:

O fato de manterem uma atualidade é bem indicativo de que mantêm sua

eficácia diante dos antagonistas. Por sua vez, indica também que são

constantes as situações de conflito e tensão que as ameaçam. (...) São vistos

como impedindo que imensos domínios sejam transacionados nos mercados

imobiliários capitalistas. Devido a isto, sob essa ótica, precisariam ser

desativados para que os referidos mercados pudessem absorver livremente as

nossas extensões, com valores monetários fixados.

Desta forma, caso ocorra esta expansão capitalista as formas de uso comum serão

convertidas para uma exclusiva apropriação individual. No geral, a união e solidariedade

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praticada pelos camponeses nas terras de uso comum tem se apresentado como forte o

bastante na garantia da manutenção de seus domínios. Neste contexto é afirmado que:

Os vínculos sólidos que mantêm e a estabilidade territorial alcançada

constituem a expressão de toda uma rede de relações sociais construída

numa situação de confronto e que parece ser reativada a cada novo conflito

exercendo uma influência destacada na resistência àquelas múltiplas

pressões. Esta disposição seria uma das razões pelas quais, com o

acirramento dos confrontos, tais domínios podem ser classificados hoje

como uma dentre as zonas mais críticas de conflito e tensão social na

estrutura agrária brasileira. (ALMEIDA, 2009, p.62)

Estes conflitos devem-se então, à gestão que os camponeses praticam sem princípios

gerais de igualdade, onde as diferenciações econômicas nestas situações à diferenciam de

modalidades de total apropriação coletiva.

Enfim, muitas foram, e ainda são, as formas de terras de uso comum

existentes no Brasil. Hoje no entanto muitas delas encontram-se

descaracterizadas em seus aspectos originais. Tal descaracterização tem

como um dos componentes básicos o curso da apropriação individual dos

bens comunais, encontrando no Estado um forte aliado. (CAMPOS, 2001,

p.3)

A partir das discussões apresentadas, o próximo capítulo irá descrever a respeito dos

faxinais que configuram um cenário específico no Centro Sul do Paraná devido a forma de

organização peculiar e formas de uso da terra baseadas na coletividade, mas que a partir da

segunda metade do século XX passaram a ser desestruturadas principalmente com o advento

da mecanização da agricultura que fortaleceu os latifundiários e os instigou a individualizar

propriedades, visando sempre o acúmulo de capital. Desta forma, discussões referentes a este

cenário de conflito e ao conceito de faxinal serão expostas à seguir.

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CAPÍTULO II

OS FAXINAIS E SEUS ANTAGONISTAS

Neste capítulo, será inicialmente discutido a respeito do conceito de faxinais

apresentado a partir das reflexões de diferentes autores, bem como o arrolamento de questões

relacionadas aos sentido das cercas para estas comunidades. Também, é efetuada uma

exposição sobre quais são os principais antagonistas ao sistema, bem como uma síntese das

atuais situações das três comunidades pesquisadas: Faxinal do Salto, Faxinal Barreirinho dos

Beltrão e Faxinal dos Francos.

Segundo Schörner e Campigoto (2011) atualmente há um grande comprometimento de

cientistas pertencentes à diversas áreas da ciência pesquisando a respeito de grupos sociais

considerados marginais, onde o maior desafio apresenta-se para os historiadores da área

cultural. Este esforço em pesquisas está favorecendo a ativação de agentes sociais que sempre

estiveram excluídos da história e apresentam-se agora denominado como povos tradicionais.

No caso do Brasil, tal categoria abrange diferentes grupos que ao longo da história foram e

ainda são excluídos socialmente, abrangendo por exemplo, remanescentes de quilombos,

babaçuzeiros, jangadeiros, caiçaras, faxinalenses e demais já citados anteriormente.

Na região Centro-Sul do Paraná, entre as décadas de 1960 e 80, produziu-se

uma série de escritos referentes à realidade regional, em que se associam os

termos cultura e costume a expressões como civilização, cidade, campo,

sociedade, etnias, povo, desenvolvimento, atraso, educação e barbárie. Dita

produção pode ser considerada como um conjunto de representações que

caracterizam os sujeitos, classificando-os segundo o espaço em que habitam

e o conhecimento que possuem. (SCHÖRNER; CAMPIGOTO, 2009, p.

182)

Nesta perspectiva o presente capítulo pretende discutir a respeito dos povos

faxinalenses, típicos na região Centro Sul do Paraná com a finalidade de apresentar as

transformações ocorridas nestas comunidades em relação à sua paisagem e práticas a partir da

segunda metade do século XX e demais apontamentos cabíveis à este tema.

No território brasileiro existem diferentes formas de uso comum de terras e bens

naturais pertencente à categoria dos chamados povos tradicionais. Para Campos (2000), estas

áreas de uso comum e tudo o que delas é extraído, constituem um importante aparato para

amenizar a falta de recursos e acesso ao uso da terra, principalmente para as camadas mais

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pobres da sociedade, sendo assim um componente de subsistência e sobrevivência econômica.

Em meio a este contexto de ênfase ao uso comum de terras, estão presentes os faxinais na

região Centro-Sul do Paraná. Segundo Schörner e Campigoto (2011, p. 58):

Chamamos de Sistema de Faxinal um modo de utilização das terras em

comum, existente na região Sul do Brasil, para a criação de animais e que se

tem classificado como manifestação cultural pertencente à categoria dos

povos tradicionais brasileiros: forma própria de uso e posse da terra, o

aproveitamento ecológico dos recursos naturais - pinhão, guabirobas, araçás,

pitangas, jabuticabas -, o cultivo da vida comunitária e a preservação de

memória comum. Os estudiosos do assunto apontam que o sistema faxinal

constitui-se como um acontecimento singular por causa de sua forma

organizacional. Distingui-se tal sistema dos outros pelo uso coletivo da terra

para a criação de animais. O caráter coletivo se expressa na forma de

criadouro comum.

Estas formas de organização peculiares estão em contraste com as propriedades rurais

mecanizadas e voltadas à produção de monoculturas para exportação, apresentado-se como

um sistema distinto da lógica capitalista, baseada em preservação ambiental e organização

social coletiva.

Nos últimos anos, vários pesquisadores vêm desenvolvendo pesquisas a respeito dos

faxinais, sendo elaboradas várias perspectivas a respeito deste tema. Entre estes estudiosos e

estudiosas, Chang (1998) descreve a respeito da gênese dos faxinais. Segundo esta autora, o

sistema faxinal é uma forma de organização camponesa, presente de modo marcante na região

Centro Sul do Paraná, principalmente na segunda metade do século XIX e primeira do século

XX. A formação deste sistema deu-se a partir da primeira metade do século XIX, evoluindo

nas regiões de predominância das matas mistas, aonde se encontravam grande quantidade dos

ervais nativos (produto essencial para a consolidação inicial dos faxinais).

O ponto de partida que leva Chang (1988, p.25) a explicar a respeito do surgimento

destas formas de organização parte da idéia que: “(...) a gênese do sistema faxinal derivou da

estrutura de subsistência das grandes fazendas, principalmente no que diz respeito da

produção animal à ‘solta’ e ao cercamento das lavouras com varas de bambú e do pousio da

terra”.

De acordo com a descrição anterior, a produção animal de subsistência das grandes

fazendas (suinocultura extensiva) mantém muitas associações ao sistema de criação a solta

dos faxinais. Além das semelhanças da produção animal, ainda pode-se citar a questão do

pousio da terra, sendo que para poder obter um local apropriado para plantar era preciso

somente arrancar o mato e logo após, queimá-lo. O local das lavouras era cercado para evitar

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que os animais criados a solta invadissem o mesmo, este cercamento era possível de maneira

acessível, pois as áreas de lavouras eram de pequena extensão, sendo o cultivo destinado

apenas para o consumo interno.

Segundo Chang (1988) nos meados do século XIX o declínio da economia do ouro e a

densificação das estradas de ferro atingiram as atividades lucrativas das grandes fazendas,

onde a produção e comércio de gado entraram em decadência, pois a criação de gado era o

que mantinha estes meios de produção a mais de dois séculos, além das atividades tropeiras

que foram cessadas, fazendo com que a produção de gado “graúdo” (bovinos e equinos) fosse

substituída pela criação de animais “miúdos” (suínos, caprinos, ovinos e aves domésticas).

Com isso, inúmeros agregados, trabalhadores e até mesmo fazendeiros entraram em total

falência, sendo preciso adentrar a mata mista no Paraná em busca de atividades de

subsistência, destacando-se a erva mate. Desta forma, os segmentos populacionais e regionais

foram se reconstituindo de acordo com as necessidades econômicas da época, mas outro fator

contribuinte para a nova configuração da estrutura fundiária no Centro Sul do Paraná, foram

os fluxos migratórios, em maioria, os poloneses e também dos ucranianos, italianos e

alemães.

A autora citada anteriormente enfatiza a importante colaboração dos imigrantes

poloneses no processo de colonização no Estado do Paraná, destacando que os mesmos eram

detentores de técnicas e tradições diferentes das utilizadas pelos habitantes locais (caboclos),

sendo afirmado pela autora que este seria uma forte possibilidade de inovação. Mas ao invés

de ocorrer uma inovação, os imigrantes tiveram que se adaptar às condições existentes,

adotando as técnicas locais para manejo e cultura das terras, pois as condições físico-

climáticas paranaenses eram muito diferentes das terras de origem dos imigrantes, além das

situações precárias de infraestrutura de produção e mercado.

Com o passar do tempo, os poloneses foram adquirindo terras através dos lucros

obtidos com os excedentes da produção, e com essa aquisição os imigrantes ingressaram na

atividade ervateira na condição de pequenos empresários. Na medida em que as propriedades

dos colonizadores expandiam-se, começaram a ocorrer conflitos com os brasileiros

proprietários de terras localizadas próximas das áreas dos imigrantes. O principal motivo

destes conflitos era a inexistência de cercas para conter o gado de diferentes espécies

(bovinos, suínos, entre outros), que invadiam as lavouras ocasionando prejuízos para o

proprietário da plantação. (CHANG, 1988).

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Esta ausência de cercas referia-se ao sistema de criar à solta. Sistema este,

desconhecido pelo imigrante estabelecido na região, acostumado a praticar o contrário:

plantar em áreas abertas e cercar os animais. Já os caboclos resolviam esta questão:

(...) separando suas roças dos animais por acidentes geográficos, tais como

rios ou valos profundos, ou simplesmente separavam-nos por distância,

reduzindo desta forma o acesso dos animais às suas roças; ou quando era

possível, cercavam suas roças, que em geral se limitavam ao consumo

próprio, com varas de taquara (...). (CHANG, 1988, p. 36)

Este sistema de criar à solta era viável, principalmente para os produtores de erva

mate, pois os animais como suínos, por exemplo, alimentavam-se de toda vegetação rasteira

existente entre os ervais, ajudando na manutenção destas áreas que ficavam com o chão limpo

facilitando a colheita para o extrator. Através destas condições favoráveis, tanto para a

produção da erva quanto para a criação de animais à solta, tornou-se em grande parte viável

este tipo de organização, pois era possível obter manutenção e melhor aproveitamento da área

ao mesmo tempo. Desta forma é afirmado que “(...) é por esta mesma razão que muitos

grandes fazendeiros permitiam que seus agregados criassem animais à solta na sua

propriedade.” (CHANG, 1988, p. 37).

Ainda, segundo esta pesquisadora, os imigrantes não concordavam com esta criação

de animais em total liberdade, sendo introduzidas neste cenário cercas de “frechame”,

construídas de ripas lascadas de pinheiro e troncos encaixados. Estas cercas foram construídas

de forma coletiva. Dentro deste perímetro estavam as terras de criar (criadouro comum), e

fora deste, estavam as terras de plantar ou as capoeiras. Este criadouro era de uso comum e

abrangia tanto áreas de caboclos e colonos, quanto de grandes fazendeiros. Dentro desta área

cada um colaborava com o que pudesse oferecer, podendo ser capital, material ou serviço.

Isso era favorável para aqueles que não possuíam propriedades, sendo possível colaborar com

a força de trabalho. As cercas citadas anteriormente contribuíram para a maior fixação do

homem na terra, pois através deste sistema todos poderiam usufruir dos benefícios mesmo

quem não possuía propriedade, sendo possível sobreviver nestes locais com a criação de

animais e policultura alimentar, não sendo mais preciso os indivíduos deslocarem-se de

território em território em busca de atividades para subsistência.

Com o aumento das áreas de lavoura e também da quantidade dos animais, foi fixado

o ato de cercar as criações de todos os moradores de cada comunidade em uma única área,

pois já não era mais viável cercar as lavouras devido ao aumento das dimensões das

propriedades. A partir deste cenário, as comunidades e as prefeituras começaram um

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movimento de organização do espaço rural. Dentro deste contexto, as prefeituras locais

exerceram uma forte influência na consolidação do sistema faxinal:

Para efeito de ação e controle das prefeituras, foram criadas duas figuras em

cada criadouro: são eles o inspetor municipal e o inspetor de quarteirão.

Ambos são nomeados através da indicação de nomes de pessoas de crédito

pelos próprios moradores. Após a nomeação, seus nomes são registrados

respectivamente, na prefeitura e na delegacia do município. (CHANG, 1988,

p. 41).

Como pode ser observado acima, o prefeito possuía um papel de autoridade, onde o

mesmo presenciava ou convocava um de seus representantes para intermediar questões e

decisões do meio comunitário. Estes representantes detentores de autoridade nas comunidades

eram chamados de inspetores municipais (intermediava questões entre a prefeitura e

comunidade, como divisões de cerca, multas e invasões de animais nas áreas de plantar) e

inspetores de quarteirão (este agente intermediava a delegacia e a comunidade, atuando em

questões a respeito de desavenças e crimes).

Além do criadouro comum ser um forte elemento do sistema faxinal, também existem

outros elementos que caracterizam este meio, como por exemplo: a produção animal em

pequena escala, policultura alimentar,extrativismo do mate, presença da araucária e gramíneas

forrageiras. Todos estes elementos visam ao máximo o uso comum da terra.

Após realizar esta discussão do histórico dos faxinais, Chang aponta um possível

motivo para o início de um processo de extinção do sistema baseando-se na queda das

produções de erva mate, onde o comércio madeireiro ganhou força a partir da década de 1960,

esgotando os recursos naturais e diluindo as áreas de criadouro comum.

Ainda na década de 1980, Chang (1988) enfatiza a representatividade territorial que os

faxinais possuíam no estado do Paraná, sendo estas áreas correspondentes à 1/5 do território

total do estado na primeira metade do século XX. Porém, esta não é a realidade verificada

pela pesquisadora citada quando realizou suas investigações, onde deparou-se com um forte

cenário de rupturas configurando-se como um fato histórico evidente. Muitas comunidades

consideradas como ex-faxinais perderam todas as suas características, não sendo mais

identificáveis como sistema faxinal. Já sobre todos os faxinais que restaram, é descrito que

estes estão em um processo de desintegração, sem exceções à nenhuma comunidade.

De um modo geral pode-se dizer que a pesquisadora segue um viés economicista e

linear para descrever sobre os faxinais no Paraná, enfatizando que:

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Finalmente, cremos que podemos sugerir que, se mantido este ritmo de

transformação analisado e desenvolvido neste trabalho, cremos que dentre

10 ou 12 anos, o sistema faxinal não mais fará parte do setor produtivo rural

do Paraná, e sim será lembrado, talvez, como parte da história da agricultura

deste Estado. (CHANG, 1988, p. 109)

Esta declaração constitui-se um tanto quanto indagadora de algumas questões, pois

contradiz a realidade de várias comunidades que estão na luta para a manutenção da forma de

organização faxinalense ainda no ano de 2017, que buscam resistir diante das pressões que a

elas são impostas. Ao se falar em processo de desestruturação dos faxinais, algo soa como

natural, como um processo que ocorre sem nenhuma manifestação de resistência, como se

fosse algo que tende a ocorrer de uma forma ou de outra para dar lugar para a

“modernização”, mas a realidade faxinalense no Paraná é outra ao usufruir de práticas que

zelam pela manutenção do sistema, não sendo a desestruturação tomada como algo

naturalizado por estas comunidades que tendem a lutar diante de seus antagonistas.

Outra pesquisadora a ser citada na discussão a respeito dos faxinais é Nerone (2015),

qual salienta a respeito das terras de criar e terras de plantar, enfocando o faxinal do

Marmeleiro de Baixo localizado no município de Rebouças-Pr, descrevendo sobre a

vegetação, formas de subsistência, tradições, manifestações culturais, entre outros fatores

presentes neste sistema. Esta autora defende a formação dos faxinais não como um modelo

criado especificamente no Brasil, mas sim que se originou de uma corrente cultural

transmitida por colonizadores, tendo o sistema faxinal raízes encontradas na Península

Ibérica, nas Reduções Jesuíticas Espanholas, quais também se caracterizavam com uma vida

comunitária como uma forma de organização. Sendo assim, esta autora associou esta forma de

organização estrangeira com a dos faxinais e com o contato entre os povos.

Nerone (2015) também registra sua busca em situar as raízes do sistema faxinal a

partir de estudos a respeito da região fronteiriça entre Portugal e Espanha, onde a transposição

deste sistema para as áreas paranaenses ocorreu através do processo de colonização e as terras

de uso comum existente no Paraná são relacionadas com o modelo estabelecido pelas

Reduções Jesuíticas no início do século XVII, unidas às experiências comunitárias dos índios

Guaranis.

A forte defesa de Nerone (2015) em ressaltar que a gênese dos faxinais no Paraná são

oriundas das Reduções está pautada nos seguintes preceitos:

1º) A redução tinha funções nitidamente comunitárias e incluía, assim, índios

da família lingüística tupi-guarani e algumas práticas coletivas.

2°) As terras, na Redução, eram também de uso comunal.

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3º) A criação de gado era feita sob regime de compáscuo.

4º) A atividades econômicas, além da agricultura de subsistência, de forma

geral, estavam conectadas à coleta e produção da erva-mate.

5°) A autoridade, na Redução, era exercida nas funções de alcaide,

incumbido dos assuntos administrativos, e de corregedor, encarregado dos

assuntos judiciários, cargos esses auxiliares e subordinados ao Padre

Diretor.(NERONE, 2015, p. 51)

Neste sentido é enfatizado que estas cinco características das Reduções podem ser

assimiladas ao Sistema Faxinal: forma comunitária de vida, existência de criadouro comum e

uso comunal da terra, coleta de erva mate e demais atividades de subsistência. Quanto às

funções de alcaide e corregedor, estes correspondem aos inspetores municipais e policiais que

estariam subordinados ao prefeito municipal e ao delegado de polícia.

Tendo por base estas informações, a suposição realizada é de que os modelos de

Reduções implantadas no Paraná possuíam raízes na zona fronteiriça entre Espanha e

Portugal. Esta seria uma forte afirmação para se dizer que os jesuítas espanhóis implantaram

seus modelos a partir das experiências oriundas da Península Ibérica. Desta forma, afirma-se

que:

O faxinal deve ser entendido em oposição ao latifúndio, com seu tipo

específico de sociedade e economia, ou seja, como uma experiência de

comunidade, de cunho europeu (via jesuítas), que foi certamente transmitido

culturalmente, a partir da experiência vivida pelos remanescentes indígenas e

bugres, que são os ancestrais de muitas famílias dos faxinais (NERONE,

2000, p. 62).

Assim como Chang apontou ao final de sua pesquisa uma idéia de “destino” não muito

promissor para os faxinais, Nerone (2015, p.201) também descreve algo neste sentido ao

afirmar que:

Inserido em uma economia capitalista, o Sistema Faxinal apresenta uma

agravamento de suas contradições internas, uma vez que não se evidenciam

condições históricas favoráveis para sua superação. Assim, o Sistema tende,

progressivamente, a desaparecer.

Estes apontamentos realizados podem representar possibilidades, mas não verdades

absolutas, pois nos últimos anos podemos claramente observar a movimentação de diversos

grupos faxinalenses em busca de seus direitos e lutas pela manutenção do sistema. Porém,

esta questão levantada pelas autoras é algo a ser refletido pela sociedade em geral com a

finalidade de que busquemos mecanismos que promovam o fortalecimento deste sistema, e

que a desarticulação desta forma de vida tradicional não seja tomada como um “destino

incontestável”.

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Voltando para a discussão a respeito da gênese e história dos faxinais, pode-se citar

brevemente a perspectiva de Löwen Sahr e Iegelski (2003), ao destacarem a origem dos

faxinais correspondente a apropriação da cultura cabocla por parte dos imigrantes europeus

nos séculos XIX e XX, originando-se assim os faxinais ucranianos e poloneses.

Também é levantada a possibilidade da origem dos faxinais estarem ligadas aos povos

indígenas do Sul do Brasil, assim como destaca Campigoto (2008, p. 21):

Sabe-se que os ameríndios usavam a terra coletivamente e, então, algumas

questões nada desprezíveis tornam-se inevitáveis: porque estabelecer

relações entre os faxinais e a origem européia? Não estaria funcionando, aí,

um mecanismo de menosprezo aos povos nativos? Não seria este o caso de

um maquinismo cultural colonialista incorporado e reproduzido pelo

historiador colonizado?

Nota-se através das descrições anteriores as divergências de pensamento, sendo que

cada autor segue um viés diferente a respeito da origem dos faxinais. Desta forma, torna-se

extremamente necessário considerar que seja qual for a perspectiva diante da gênese dos

faxinais, sempre será apontado um amplo campo de informações. Segundo Campigoto e Bona

(2009, p. 150) o faxinalense conta suas histórias sem sujeito, não apresentando nome de

fundadores ou inventores do sistema de faxinais. O importante é investigar, usufruindo da

hermenêutica, as relações estabelecidas entre sujeito e objeto, com o mundo natural ou

sobrenatural, e com a própria história. “O estilo hermeneuta evidencia os procedimentos

relacionados à compreensão por meio da apreciação de alguns termos implicados na

abordagem genética dos faxinais, tais como: cultura, história, origem, sujeito e sociedade.”

(CAMPIGOTO; BONA 2009, p. 135). Juntamente destes itens, podemos acrescentar o

espaço e a paisagem também como elementos que contribuem ativamente na investigação dos

faxinais e tessitura de suas narrativas.

Em relação aos aspectos gerais e caracterização dos faxinais, podemos citar também

Sahr (2007), ao descrever sobre sistema faxinal levando em consideração as mais peculiares

características desta forma de organização, podendo afirmar que o faxinal é:

(...) um sistema social e de produção integrado, que se compõe de diferentes

modalidades de uso e de unidades sociais. Tem sua base no ecossistema da

Floresta com Araucária e estrutura-se sobre quatro pilares socioeconômicos:

a coleta e o extrativismo na floresta, a pecuária extensiva em criadouros

coletivos, as plantações individuais separadas da área de criação e uma

organização social comunitária. (SAHR, 2007 p.5).

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Em suas pesquisas, a pesquisadora procura descrever a respeito da diluição deste

sistema em meio à inserção capitalista e também sobre a importância das políticas públicas

para que melhorias sejam promovidas, assim como:

[...] as comunidades faxinalenses vêem-se constantemente em uma situação

conflituosa. De um lado, buscam manter suas características tradicionais,

num processo de integração sistêmica, e de outro lado, para continuar

existindo vêem-se obrigadas a se abrir a dinâmicas “modernas”, num

processo de integração social. (SAHR, 2008, p. 216)

Em meio a este contexto de conflitos diante da imposição de dinâmicas modernas,

muitas são as questões a serem discutidas em busca dos elementos que permeiam as

manifestações de poder no “mundo faxinalense”. Entre estes elementos considerados

geradores de conflitos, destacam-se as questões que envolvem as cercas nos faxinais a partir

das discussões que serão realizadas à seguir.

2.1 A sociabilidade das cercas e sua importância para o faxinal

Durante esta pesquisa assim como muitas outras que abordam a respeito dos faxinais,

será comum o uso de dois termos: “sistema faxinal” e “faxinal”, sendo necessário aqui

realizar uma diferenciação entre estas duas denominações que correspondem a elementos

distintos, assim como é descrito por Chang (1988, p.130):

Faxinal é a terminologia dada a um tipo de vegetação. Já o Sistema Faxinal é

uma forma particular de organização econômica, onde há um

aproveitamento econômico integrado desta mata às áreas circunvizinha.

Entretanto, o costume regional estendeu o significado da palavra faxinal

tanto para criadouro – o uso desta mata como para sistema faxinal – a forma

de organização particular. 8

O sistema faxinal desta forma refere-se a uma forma de organização rural que

apresenta alguns aspectos peculiares (criadouro comum, criação de animais, extração da

erva mate, entre outros). Popularmente, a denominação do faxinal é utilizada para se

referir à mata ou para designar o criadouro comum, geralmente esta diferenciação é

imposta nas pesquisas científicas e não entre os faxinalenses.

8 É necessário aqui ressaltar que apesar das descrições físicas que delimitam o significado de faxinais, no caso

apresentado pela autora Chang, nesta pesquisa, de modo geral, é de suma importância considerar a história

presente nos faxinais, o que envolve cultura, tradições, práticas, mudanças, rupturas e permanências ao longo do

tempo.

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Na concepção do modelo faxinal, a terra é dividida em duas partes, segundo

a composição da paisagem: uma destinada à criação solta (terras de criar) e

outra para a plantação (terras de lavoura) (...). Definem-se, assim, os pilares

produtivos do sistema, separando-se essas áreas com uma cerca coletiva,

construída pelos ancestrais dos grupos faxinalenses. (NERONE, 2015, p.81)

Este cenário de cercas construídas por ancestrais nos faxinalenses é algo que vem

mudando com o passar dos anos, onde estas cercas consideradas “antigas” estão sendo

substituídas por cercas novas, onde muitas estão impondo limites em áreas faxinalenses,

impedindo a circulação de animais e de pessoas em áreas que deveriam ser de uso coletivo.

Neste sentido é importante lembrar que a cerca no faxinal, considerando desde sua gênese,

não possui o intuito de “cercar”, mas sim de delimitar, pois não assume um sentido de cercar

uma propriedade privada, mas de delimitar uma área de uso coletivo.

Nota-se que as cercas exercem um importante papel tanto no âmbito físico como

simbólico, pois sem elas não há como demarcar o criadouro comum, e sem o criadouro

comum o faxinal não pode existir. Nas últimas décadas, observa-se uma intensa mudança

neste cenário, onde os limites das cercas não estão sendo respeitados, tanto pelos

latifundiários como pelo próprios integrantes das comunidades que acabam cedendo à

individualização de suas propriedades,colocando em cheque o criadouro comum que revela-

se como um importante e indispensável elemento da organização coletiva.

Neste contexto, Schörner (2014) chama a atenção para esta modificação do sistema

faxinal, atentando para desagregações que os faxinais do Paraná vêm sofrendo nos últimos

anos, onde muitos chegam à desaparecer ou acabam com seus territórios modificados através

das relações de poder que acabam influenciando estes espaços em suas múltiplas escalas.

Neste sentido, quando as cercas são alvos de modificações, significa que transformações no

sistema faxinal como um todo estão ocorrendo, pois trata-se de um dos elementos vitais para

tal forma de organização.

Schörner (2014) aponta que através de pesquisas que vem realizando em alguns

faxinais da região Centro Sul do Paraná, foi possível observar através de entrevistas e

fotografias o desaparecimento gradativo das cercas que configuravam os mais variados

cenários faxinalenses e compunham sua essência. O que pode ser afirmado é que grandes

lances de cercas começaram a desaparecer a partir dos anos de 1970 e 1980 9, sendo este fato

associado à chegada de imigrantes que compraram terras pertencentes ao criadouro comum e

travaram uma luta contra a existência do espaço coletivo, além de moradores do próprio

9 Neste caso Schörner (2014) observou este fato em faxinais no município de Rio Azul, mas é algo que se aplica

também em demais faxinais da região.

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faxinal mostraram-se contrários à criação de animais à solta, causando danos aos outros

moradores através do envenenamento de animais que invadiam seus terrenos. Estas situações

levaram à uma passagem da “sociologia das cercas” para um regime de cercas, que

constituem um cenário de intensas transformações.

Para que melhor possamos entender os significados de um dos principais elementos

constituintes do sistema faxinal, o criadouro comum, é necessário o conhecimento a respeito

de um conjunto de códigos que regem seu funcionamento. Neste meio existem relações

sociais e um conjunto de leis e costumes que particularizam o modo de organização

faxinalense, onde destaca-se o que Chang (1998) denomina como “sociologia das cercas”. A

cerca para o faxinalense, exerce um papel fundamental no âmbito da delimitação e exige o

estabelecimento de alguns direitos e deveres.

Entre este conjunto de leis Chang (1988, p.42) ressalta quatro pontos principais: “o

caráter coletivo e democrático da decisão; as convenções sobre as cercas de lei; a propriedade

das cercas; o critério de atribuição dos responsáveis em caso de danos.” Quanto ao caráter

democrático da decisão, ocorre que as determinações quanto à criação de animais, áreas de

plantio e cercados são sempre definidas coletivamente, e caso algum indivíduo queira agir

individualmente sem consulta prévia aos demais, terá este que arcar com as penalidades

estabelecidas através dos acordos. Em relação ao caráter coletivo, este prescreve que todos os

moradores da comunidade possuem o direito de criar seus animais, independente de serem

proprietários ou não de terra, mas desde que contribuam com a manutenção do criadouro

comum e das próprias cercas. Esta é uma importante regra para o sistema faxinal, pois as

cercas exigem uma manutenção mais apurada devido à predominância do gado miúdo que

facilmente pode escapar para as áreas de plantações.

Neste contexto (CHANG, 1988, p.43) destaca cinco tipos de cercas chamadas “cercas

de lei” sendo estas:

a) cercas de vão cheio com 7 palmos de altura, com tranqueiras ou palanques

amarrados com arames; b) cercas de meio vão, com dois fios de arame

farpado por cima; c) cercas de paus verticais com 8 palmos de altura; d)

valos com 2 metros de largura por 2 metros de fundo; e) e cercas de arame

farpado com no mínimo 8 fios 7 palmos de altura.

Em relação à propriedade das cercas, é ressaltado que as cercas são divididas de

acordo com a proporção de terras que cada proprietário possui. Cada porção de cercas e suas

respectivas despesas tornam-se responsabilidade de seus donos, já os que não são

proprietários devem colaborar com a construção e manutenção das mesmas. Toda a extensão

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do criadouro comum é separada das áreas de lavouras por cercas ou por acidentes geográficos,

mas elas não são construídas nas linhas de divisões de propriedades sendo o seu traçado

realizado de acordo com o que a maioria dos moradores achar conveniente. Quando uma

propriedade é vendida, os novos moradores devem assumir os deveres para com as cercas que

competem à área adquirida. (CHANG, 1988)

Por fim, o último critério a ser enfatizado sobre a sociologia das cercas, trata-se a

respeito do critério de atribuição dos responsáveis e caso de danos onde deverá haver um tipo

de inspeção para que, no caso de animais escaparem e invadirem lavouras, seja verificado por

onde o animal passou, quem era seu dono e á quem a extensão de cerca correspondia. Quando

a cerca for considerada de lei a criação será denominada como “daninha” e a cobrança é

realizada ao dono destes animais, além de que se o problema for uma irregular vedação da

cerca, aí neste caso a cobrança total dos danos será para o dono da mesma. Neste contexto,

nota-se que fica totalmente claro que todos devem zelar ao mesmo tempo se suas cercas e

suas criações para que não sejam cobrados por possíveis danos.

Vale lembrar finalmente, que este conjunto de regulamentos que regem os

criadouros comuns se baseia sobre os costumes e convenções locais, as quais

por sua vez, tem como pressuposto, a necessidade, a solidariedade e o bom

senso. Dessa forma, apesar da lei consuetudinária ter se evoluído para a

forma de lei escrita, ainda assim inexiste qualquer rigor no cálculo dos

direitos e deveres. Cada um contribui conforme pode e cada um cria o tanto

quanto quer e pode. A ética e a solidariedade são as referências de suas

medidas. (CHANG, 1988, p.45)

Após esta explicação do que seria a chamada sociologia das cercas, agora podemos

descrever o que tende a substituir estas imposições, denominado de “regime de cercas”

apontado por Schörner (2014). Para caracterizarmos este regime de cercas Marin (2009, p.

2015) descreve que:

As cercas construídas pelos fazendeiros, cujo primeiro significado é de

identificação e de relação com um “dono, proprietário”, privatizam os

recursos (igarapés, lagos) e estabelecem impedimento, coerção, restrição de

deslocamentos, de gozo da liberdade de movimentar-se livremente no

território.

Desta forma, o que pode ser observado ao percorrermos vários faxinais no Paraná,

encontramos com muita freqüência a situação citada acima, compondo o que Schörner (2014)

chama de uma tipologia que contempla cercas elétricas, com palanques de pinus tratado

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contendo entre 8 e 10 fios de arame farpado ou liso, além de cercas com palanques de cimento

de até 10 fios que geralmente cercam plantações de soja.

Neste cenário considerado “novo” para os faxinais, inicia-se uma conjuntura de

conflitos que colocam em “xeque” a essência coletiva do sistema, pois através destas novas

cercas é impedida somente a passagem do gado considerado de grande porte ou graúdo

(eqüinos e bovinos), não sendo mais suficiente para conter animais de pequeno porte, como é

o caso de suínos que podem invadir as lavouras.

A partir daí, caso algum animal invada as áreas de plantações, ele pode ser capturado,

envenenado e morto pelo dono destas terras cercadas, sendo uma ocorrência muito comum

nos últimos anos em comunidades faxinalenses, apresentando-se como um ato de

manifestação de relações de poder com o intuito de intimidarem os faxinalenses para que os

mesmos não criem seus animais à solta conforme a tradição.

Entre as particularidades do Sistema Faxinal, destaca-se o modo específico de seus

habitantes ocuparem o espaço que lhes corresponde, principalmente ao que condiz sobre o

espaço de suas moradias, onde as mesmas não estão situadas juntamente da plantação como

nos demais espaços rurais, mas sim estão situadas juntamente dos animais e da floresta. As

moradas formam uma espécie de aldeia em meio a reserva florestal, sendo que os animais

podem circular livremente. Para Nerone (2015, p.81) o “(...) espaço delimitado pela cerca

coletiva denomina-se criadouro comum, uma vez que é coletivo ou socializado.” Desta forma,

esta autora descreve que a comunidade habita a área de criadouro comum, configurando uma

paisagem peculiar diante das demais paisagens rurais existentes.

Na maioria das ocorrências, existem cercas apenas ao redor das moradias para

delimitar seus espaços como: jardim, pátio e quintal. Esta cerca separa a residência de espaços

que também a integram como: mangueirões e locais de engorda de animais. Mesmo o espaço

físico sendo organizado coletivamente para a criação de animais, ainda é necessário que

prevaleça o respeito pela propriedade particular, pois no caso da extração da erva mate, por

exemplo, somente o proprietário da terra pode extraí-la.

É importante ressaltar neste contexto que a propriedade do terreno é particular, mas

algumas partes constituem o criadouro comum, sendo a área que está para “fora das cercas”

constituem as terras utilizadas para a agricultura. Desta forma, “(...) a cerca coletiva separa as

terras de criar (de propriedade particular e de uso coletivo) das terras de lavoura (de

propriedade e uso particular). Nelas plantam-se roças de milho, feijão, arroz, trigo e batata.”

(NERONE, 2015, p. 82)

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Assim, nesse universo denominado criadouro comum coexistem a

propriedade particular da terra e a posse coletiva (compáscuo). O sem terra,

usuário do Sistema, também pode criar animais, usufruindo dos mesmos

direitos dos proprietários da terra, tendo a sua subsistência na criação de

animais, além de realizar a mão-de-obra para o dono da terra. (NERONE,

2015, p.83)

Em relação aos animais, diversas espécies são criadas à solta no criadouro comum,

como por exemplo: suínos, caprinos, bovinos, aves, muares e cães domésticos. Os animais

passam o dia todo soltos no criadouro comum, mas ao final do dia cada animal volta para a

casa de seus respectivos donos para receberem complementação alimentar. Os cavalos são

utilizados como meio de transporte, assim como em carroças, montaria e trabalhos agrícolas.

A escolha do terreno, o modo de se relacionar com a terra, organizando

espaço coletivo e particular, a forma de criar animais, as normas

costumeiras, o folclore específico são elementos da cultura própria dos

faxinais, constituído uma totalidade integrada, um todo indiferenciado. Esses

elementos apresentam núcleos de ordenação e correlação que são as

instituições, uma das quais é o criadouro comunitário. (NERONE, 2015,

p.84)

É através destas instituições citadas anteriormente, que é regido o comportamento

faxinalense e as mais variadas atividades que constituem a chave para o entendimento do

sistema faxinal com todos os seus aspectos. Sendo assim, muitas particularidades do faxinal

podem parecer incoerentes ou absurdas para os estranhos à esta cultura, que acabam sendo

qualificadas como atrasadas, onde não há reconhecimento do sentido que esta forma de se

relacionar com a terra possui para o faxinalense. Conservação ambiental e tração animal são

elementos atrasados para a maioria dos que vem “de fora”.

O cotidiano dos faxinalenses, sua maneira de conceber o mundo foram

sendo paulatinamente abalados a partir de 1980, à medida que chegaram ao

município de Rebouças, comprando terras nos faxinais, outros colonos,

oriundos do sudoeste do Paraná, que desconheciam esse modo cultural de

separar as terras de criar das terras de plantar. (NERONE, 2015, p. 84-85)

É na essência deste cotidiano que as práticas são permeadas de sentido, sendo algo não

visto pelos que vem “de fora”. Cercas e portões por exemplo, algo constituinte do dia a dia

faxinalense, passa a ser um elemento gerador de conflitos por confrontar com o novo sistema

proposto. Desta maneira passaram a ocorrer casos de abertura de portões de caráter proposital

para que os animais escapassem do criadouro comum e invadissem as lavouras. Este cenário

propiciava intrigas entre os moradores e disseminava ideias voltadas à desagregação do

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sistema faxinal por parte de alguns indivíduos, pois várias destas brigas tiveram que ser

resolvidas na instância judiciária.

Para que possamos entender o Sistema Faxinal, é necessário atentar para sua relação

direta com a terra da qual é extraído o sustento e a forma de ser e existir de seus membros.

“Quem passa por uma comunidade rural do Sistema Faxinal, ou quem nela adentra,

dificilmente descobre sua feição original. Às vezes, as pessoas apreciam o seu lado pitoresco

e belo, ou assustam-se com a sua face monótona ou nostálgica.” (NERONE, 2015, p.137)

A autora aponta que raras são as pessoas que entendem realmente os mecanismos que

constituem o sistema faxinal, sendo seu estudo revelador de uma complexa organização que

produz e reproduz uma cultura, distinguindo-o das demais localidades rurais paranaenses. O

que é necessário entender é o fato de que quem vive nos faxinais possui um jeito próprio de se

relacionar com a natureza, sendo algo pautado na preservação ambiental e expressões

coletivas, mas ainda é algo erroneamente interpretado por muitos como apenas um confuso

meio constituído por homens, animais e vegetação.

Neste contexto, estréiam novos atores no cenário histórico, com outros

valores, outras falas, modificando a relação do homem faxinalense com a

natureza e seu modo de vida. O espaço coletivo vai cedendo ao cercamento,

encolhendo-se, indicando mudanças e o surgimento de um outro tempo,

ameaçando o faxinal e sua estrutura. (NERONE, 2015, p. 166)

Esta questão dos cercamentos configura um cenário que tende a prejudicar a vida de

diversas pessoas, principalmente para os que moram no faxinal mas não possui propriedade

da terra. Com a substituição dos espaços coletivos pela propriedade individual, muitos

faxinalenses são obrigados a migrar para as cidades, onde além destes indivíduos perderem

sua identidade social e cultural, geralmente tendem a morar em áreas urbanas periféricas com

uma qualidade muito mais baixa do que aquela que possuíam quando moravam no faxinal.

Há dois tipos de cercas que se localizam em instâncias diferentes e que se

contrapõem, determinando a história do faxinal. A antiga, que é socializada e

abriga o criadouro comum, aquela que cerca o espaço coletivo e que faz

parte do compáscuo, protegendo um patrimônio cultural, guardando a

memória do grupo, constituindo uma referência espacial. Em contraposição

surge a cerca nova, a intrusa, a que chega depois para delimitar o lote

individual, suprimindo-o da área coletiva e do patrimônio cultural da

comunidade. (NERONE, 2015, p. 168)

Estes novos cercamentos denunciam que algo está se transformando no meio

faxinalense, demonstrando contradições ao sistema e contestação oriunda geralmente de um

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choque cultural que tende a evidenciar “o processo de transição entre o sistema tradicional e a

falsa modernidade.” (NERONE, 2015, p.168).

Em torno da cerca, envolvidas com ela, é que se desenvolveram as etapas da

história do primeiro grupo de ancestrais e dos grupos posteriores que ainda

habitam a mesma área do faxinal. A cerca era vista como a guardiã do

espaço vital de sobrevivência, o criadouro coletivo.

Neste contexto a cerca é vista como um empecilho, principalmente por indivíduos que

migraram de outros lugares para a região de faxinais em busca da implementação do plantio

de soja e de demais plantios mecanizados quais foram atraídos pelos baixos preços destas

áreas. Para os faxinalenses a única preocupação existente em relação às cercas era em relação

a sua manutenção, mas a partir de 1980 estes mesmos cercados passaram a ser um elemento

gerador de conflito. Na visão dos recém chegados, onde os gaúchos são enfatizados, as cercas

eram sinônimos de obstáculos ao progresso, sendo necessário o rompimento desta tradição

para que o “progresso” fosse implementado. Geralmente, os migrantes adquiriam grandes

posses de terra, sendo a criação de animais totalmente inviável em áreas coletivas.

Neste sentido, a cerca e o criadouro comum passam a serem elementos geradores de

conflitos tanto externos como também internos, pois muitos dos próprios faxinalenses acabam

se tornando contra o sistema por medo e ameaças pelos que vem “de fora” ou simplesmente

pela perda de sentido ocasionada pela nova idéia de modernização implantada nas

comunidades.

A partir de 1980, os litígios tornaram-se comuns com a chegada dos

imigrantes estranhos à cultura faxinalense. O manto legal somente

agasalhava o direito do forasteiro ao Sistema Faxinal, posto que o novo

proprietário, alheio à cultura faxinalense, lavrava suas terras, não respeitando

o criadouro comum fato preexistente à sua chegada, maculando assim uma

cultura, violando preceitos tradicionais. (NERONE, 2015, p.191)

Os novos donos das terras passaram a cercar e avançar os limites dos faxinais cada

vez mais, ocasionando vários conflitos. Mas, os considerados forasteiros, baseavam-se em

uma interpretação do artigo 588 passando a garantir a legalidade do cercamento das

propriedades com 4 fios arame. Sendo assim, estes 4 quatro fios evitam a passagem somente

do gado de grande porte, ou como o nome da lei sugere os animais de “pé alto”, onde os

animais de pequeno porte como suínos e caprinos podem facilmente escapar para áreas de

plantações ocasionado conflitos devido aos prejuízos ocasionando a morte destes animais

considerados invasores.

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De acordo com o artigo 588 do Código Civil Brasileiro de 1916: “O proprietário tem

direito a cercar, murar, valar, ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural (...)”.

Desta forma, observa-se que até mesmo os dispositivos legais passaram a proteger desde o

início do século XX apenas o proprietário de terras, sendo totalmente ignorada a existência

do criadouro comum.

Nota-se que a imposição destes regulamentos confrontam as leis consuetudinárias

aplicadas no sistema faxinal, onde o direito costumeiro é oprimido pelos argumentos

jurídicos que acabam ganhando força através do desejo de indivíduos de instaurarem o que

consideram como progresso.

2.2 Antagonismos nos faxinais

O sistema faxinal possui em sua configuração a ênfase para organização coletiva e

conservação ambiental. No entanto, nas décadas recentes é possível observar mudanças nestas

essências motivadas por fatores externos e internos. Dentre estes fatores citamos o avanço da

agricultura comercial mecanizada que proporciona aumento da produtividade e facilita a vida

cotidiana dos agricultores. Por outro lado, essa modernização agrícola produz impactos

ambientais e altera o modo de vida tradicional dos faxinalenses. A paisagem natural dos

faxinais do centro-sul do Paraná passa por mudanças devido ao desmatamento para aumento

das áreas de culturas comerciais, assim como afirma Zubacz (p.16, 2007):

(...) o sistema entrou em choque com os interesses da própria modernização

agrícola ocorrida no Estado e no País a partir da década de 1970, como efeito

do ‘milagre econômico’. No caso do Paraná e mais especificamente da

Região Centro-Sul, o que ocorreu foi um grande interesse capitalista no

plantio da soja, que necessitava de imensas áreas de terra desmatada, e a

infiltração dos equipamentos e insumos químicos utilizados pelas

multinacionais do ramo. Neste mesmo período chega à região um número

expressivo de migrantes gaúchos, atraídos pelo baixo preço da terra, com o

intuito de plantar soja. Isso provocou um efeito catastrófico sobre o Sistema

Faxinal.

A nova forma de organizar os cercados e de controlar a circulação dos animais

provocou uma série de modificações na economia e na cultura dos faxinalenses, alterando

vários aspectos da antiga forma de vida local. Tais modificações podem ser percebidas numa

escala macro, em termos dos indicadores de produção agrícola da região, mas também, ao

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nível micro, através de depoimentos e também por meio de fotografias antigas e recentes que

retratam a paisagem faxinalense.

Descrever a respeito dos faxinais no Paraná trata-se de um tema fecundo,

principalmente quando falamos a respeito de seus processos de desestruturações e os

mecanismos de resistência existentes no âmago destas comunidades frente aos seus

antagonistas.

Neste sentido, é ativada a discussão a respeito dos processos de desestruturação que

posteriormente resultam na desagregação dos faxinais e conflitos que diversos faxinais do

estado do Paraná enfrentaram e estão enfrentando em busca da manutenção de suas formas de

vida e luta contra a imposição do que é chamado de “moderno”, que nem sempre é aplicado

de forma positiva no sistema faxinal. Neste contexto, Silva (2005, p.42) ressalta que:

A situação atual de desagregação a que estão sujeitos os sistemas faxinais,

provocada principalmente pela superação da forma “tradicional” de

produção por uma mais “moderna” e tecnificada, mais racional, dentro da

lógica da acumulação capitalista. A característica principal dos Sistemas

Faxinais, que é o uso coletivo do meio de produção terra, vai contra a ótica

da racionalidade capitalista onde o privado é tido como pressuposto

inviolável e inquestionável.

É importante salientar, que a palavra modernização será utilizada constantemente

nesta pesquisa para designar transformações que ocorrem nestas comunidades faxinalenses,

assim como no meio rural paranaense e brasileiro, podendo ser identificado principalmente a

partir dos nos de 1970. Neste contexto Hauresko (2013) destaca que a partir da segunda

metade dos anos 1950 houve um forte estímulo à modernização agrícola iniciada pelos

subsídios às máquinas utilizadas para os processos de plantio, sendo também ampliado o

consumo de fertilizantes e defensivos agrícolas a partir dos anos 1950. Neste sentido, a

respeito do conceito de modernização Fleischfresser (1988, p.11) descreve:

Assume a conotação explícita de modernização tecnológica, significando

que as alterações na base técnica da produção agrícola ocorreram devido a

adoção de meios de produção de origem industrial, produzidos fora das

unidades produtivas rurais e, portanto, adquiridos através do mercado.

Desta forma, as áreas rurais brasileiras passam por uma chamada “industrialização da

agricultura”, onde sua difusão transformou as formas de produção promovendo benefícios

principalmente aos grandes latifundiários. Hauresko (2013) destaca que o sentido de produção

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no meio rural passa a visar a exportação e consequentemente, tem seus custos elevados devido

aos meios de produção de origem industrial.

Para complementar esta discussão Matos e Pessoa (2011, p.301) afirmam que:

O processo de modernização no espaço agrícola que possibilitou/a

“artificializar” a terra corresponde a um aumento no uso de capital fixo, pois

há necessidade de grandes investimentos em extensões de terras, em

maquinários e de capital circulante para investir nas exigências científicas e

técnicas.

Nesta conjuntura, nota-se como os pequenos produtores foram atingidos

negativamente com estas mudanças, pois nem todos possuíam poder aquisitivo para

adquirirem equipamentos de alto valor, onde as formas de produção tradicionais e sustentável

passam a serem excluídas. É neste sentido que queremos atentar os olhares para as

comunidades faxinalenses, que em meio a este processo de introdução de tecnologias no

campo viram-se “encurraladas” por grandes plantações mecanizadas tendo suas formas de

produção e reprodução cultural ameaçadas por serem consideradas pelos “de fora” como

“atrasadas”. O agronegócio passou a tomar conta do espaço rural a partir de uma idéia de

progresso que promete melhoras nas condições de vida de todos os que o aderirem, mas seus

pontos negativos nem sempre são do conhecimento da sociedade, sendo necessário considerar

que:

Mesmo apresentando dados de aumento da produção agropecuária, de

superávit da balança comercial ou de uma atividade de extrema importância

à economia brasileira, o agronegócio deve ser pensado a partir dos elementos

que geram os prejuízos sociais e ambientais que gera. Não adianta ter

crescimento na produção e na produtividade se existem milhares de pessoas

passando fome ou se alimentando mal por conta dos altos preços dos

alimentos, se a biodiversidade dos biomas está virando cinza; se os recursos

hídricos estão se esgotando; se milhares de trabalhadores estão morrendo por

conta das condições de trabalho; além do êxodo rural e de tantos outros

problemas advindos desse modelo dito modernizador, desenvolvimentista e

produtivista. Esse modelo, nada mais é que a reprodução das tramas do

capital (concentrador, explorador, predador e excludente). (MATOS e

PESSOA, 2011, p. 318)

Fleischfresser (1988) destaca também, a grande pressão psicológica exercida sobre os

produtores rurais através da indução de consumos cada vez mais exagerados de inovações

(sementes, fertilizantes, equipamentos, maquinários) que tiveram um grande investimento em

propaganda para disseminação da relação entre o uso destas inovações e o sucesso das

colheitas.

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Desta forma, este modelo de agronegócio que visa o progresso rural, tende também à

excluir diversos indivíduos do campo devido à falta de acesso aos recursos necessários para

aderir este modelo nada barato para o bolso, principalmente, de pequenos proprietários. Nesta

discussão é enfatizado que:

Na verdade, o agronegócio é uma versão contemporânea do capitalismo no

campo, correspondendo a um modelo no qual a produção é organizada a

partir de aparatos técnico-científicos, grandes extensões de terras, pouca

mão-obra, predomínio da monocultura, dependência do mercado no quanto e

como produzir, enfim, a empresas rurais. Para o Estado esse é o modelo que

fez prosperar e desenvolver o campo brasileiro, porque contribui com o PIB

(Produto Interno Bruto), responsável pelo crescimento da economia,

empregos e produção de alimentos. (MATOS e PESSOA, 2011, p. 293)

Para Hauresko (2012) a adoção deste modelo de modernização no cenário rural

brasileiro foi incentivado inicialmente pelo Estado a partir de políticas econômicas que

viabilizavam a obtenção de créditos agrícolas sendo algo que facilitava a aquisição de

insumos e demais tecnologias voltadas ao meio rural. Estas medidas estatais foram

influenciadas ideológica e economicamente pela chamada Revolução Verde 10 criando uma

expectativa de superação do subdesenvolvimento através das transformações do setor

agropecuário com novas técnicas e sementes geneticamente modificadas. Neste cenário

destaca-se que:

(...) a modernização deste setor não se manifestou de forma homogênea ao

nível regional, ao nível de diferentes culturas e nem ao nível de diferentes

tamanhos de propriedade; foi um processo deveras seletivo, e acentuou ainda

mais o processo de diferenciação social entre os produtores. O padrão

tecnológico foi definido pelo uso de tratores maiores e mais potentes e pelo

uso indiscriminado de fertilizantes e defensivos agrícolas e animais.

(HAURESKO, 2012, p. 142-142)

Neste sentido, a autora citada destaca que estas transformações no campo paranaense

passaram a promover uma nova dinâmica, onde a agricultura passou a depender menos do

meio natural. Neste âmbito, as relações sociais também foram alteradas devido à

modernização da agricultura, pois novas formas de divisão de trabalho foram estabelecidas,

além das formas de organização da vida econômica e social. A partir da década de 1970, a

10 A Revolução Verde trata-de um movimento emergente na primeira metade do século XX, qual baseia-se na

mecanização da agricultura e intensa utilização de sementes transgênicas e insumos para produções agrícolas em

larga escala visando principalmente o capitalismo exportador. Seus efeitos começaram à influenciar no Brasil a

partir da segunda metade do século XX.

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agricultura com a adição de produtos químicos aparece na maioria das propriedades

paranaenses, assim como também as sementes híbridas, agrotóxicos e pulverizadores 11.

Assim sendo, pensando no âmbito dos faxinais neste contexto, foi necessário que uma

nova organização do espaço fosse estabelecida, pois o “novo sistema” impunha um ritmo

totalmente diferente de trabalho agrícola envolvendo preços, produtividade, competitividade,

mercado e novos espaços de trabalho.

Neste cenário o Estado tentou influenciar ativamente para que o processo da

modernização da agricultura chegasse aos “quatro cantos” do Brasil, onde como parte

constituinte das políticas econômicas estabelecidas fora criada a Empresa Brasileira de

Assistência Técnica e Extensão Rural – EMBRATER12 e a Empresa Brasileira de Pesquisa

Agropecuária – EMBRAPA 13. Com a criação da EMBRATER, os governos visavam

transformar os espaços tradicionais através da introdução de novas tecnologias e idéias que

deveriam formar um novo sistema social. Mas este trabalho não obteve sucesso devido às

práticas difundidas não possuírem afinidades com as lógicas das culturas tradicionais, pois ao

serem elaboradas não levaram em consideração os conhecimentos locais e suas formas de

reprodução peculiares alicerçadas na tradição. (HAURESKO, 2012)

No caso dos faxinais, suas técnicas de plantio e de organização social e econômica são

organizadas a partir de experiências históricas com mais de um século de existência, sendo

algo que reflete a resistência dos faxinalenses em não aceitarem uma imposição elaborada

fora do âmbito tradicional, que desconsidera totalmente estas formas de organizações

particulares.

Hauresko (2012) aponta que a desagregação dos faxinais no Estado do Paraná possui

influência direta com a introdução da modernização agrícola no meio rural, sendo algo que

causou uma rápida mudança na racionalidade das práticas de vários faxinalenses,

principalmente os que possuem grandes porções de terras, fazendo-os cederem aos modelos

mecanizáveis, pois o rendimento com o plantio a soja, por exemplo, é muito maior do que

manter uma área de criadouro comunitário ou com florestas nativas. Desta forma, passaram à

ocorrer a extinção de diversos faxinais no Paraná. As áreas de criadouro comum foram

rapidamente perdendo seus espaços para o plantio e soja, milho, feijão e fumo visando a

venda e lucro, sendo algo que levou diversas famílias faxinalenses à individualização e

cercamento de suas terras restringindo o uso somente para sua respectiva família. Nota-se que

11 Estes elementos poderão serão observados através de fotografias referentes aos faxinais pesquisados neste

trabalho científico. 12 Instituída pelo Governo Federal: Lei n° 6126 de 06 de novembro de 1974. 13 Instituída pela Lei nº 5851 de 07 de dezembro de 1972.

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há certa insistência por parte do Estado em querer enquadrar todos os modos de produções

rurais existentes ao novo modelo considerado desenvolvido. Nesta discussão, destaca-se os

escritos de Almeida (1997, p. 40):

Os planos de desenvolvimento oficiais inspirados nesta visão

desenvolvimentista passam a definir as competências dos agricultores e as

características do sistema técnico que eles devem colocar em operação. Os

órgãos públicos de difusão de tecnologias têm a tarefa de “enquadrar” os

agricultores no “modelo” de desenvolvimento idealizado, segundo os

cânones da modernização. Trata-se da ampliação de clientela do

desenvolvimento, aportando novos conhecimentos àqueles que estão em

atraso na rota do progresso, ou seja, os “retardatários da modernização”.

Nesta visão, o desenvolvimento é um processo considerado único, que leva

do atrasado ao moderno, tendo portanto uma concepção linear. Este novo

“modelo” moderno, “desenvolvimentista”, encampado pelos agricultores

empresariais modernos, é o único possível e desejável.

Para Almeida (1997) nesta perspectiva assume-se um sentido prático do que

chamamos de “progresso” baseado em algo que irá sempre melhorar, sendo que é este o

sentido predominante no âmbito técnico científico, como por exemplo: novas tecnologias

como a eletricidade e medicamentos trazem melhoramentos incontestáveis para a sociedade,

onde a partir desta idéia cria-se a noção de que o progresso sempre irá melhorar alguma coisa

que está ruim.

No setor agrícola, o sistema econômico predomina cada vez mais, pois as propostas

governamentais geralmente possuem o intuito de transformar a agricultura, considerando

muitos modos tradicionais de produção como atrasados e arcaicos. Neste contexto, para os

faxinalenses a situação torna-se muito delicada, pois não há o devido reconhecimento com

suas tradições e formas de relações com a terra. Desta forma, Almeida (1997, p.38) realiza

alguns importantes apontamentos que nos levam à refletir em até que ponto os agricultores

brasileiros usufruíram deste progresso agrícola destacando que:

Pode-se, por exemplo, afirmar que os agricultores se beneficiaram do

progresso no caso específico da agricultura do Sul do Brasil nos últimos 30

anos? A resposta é sim e não, pois as evoluções sociais se produzem sempre

por diferenciações com, ao mesmo tempo, “ganhadores” e “perdedores”. E

além disso, a evolução dos modos de vida compreende numerosas dimensões

que não têm nenhuma razão para evoluírem positivamente e ao mesmo

tempo. Pode-se enriquecer às custas de um trabalho longo e mais penoso,

que polui, degrada e encurta a expectativa de vida. Mas pode-se ganhar

menos, vivendo-se melhor, com menos degradação ambiental e melhor

qualidade de vida. Onde está o progresso?

Sendo assim o Estado apropria-se de um sentido de progresso para disseminar suas

políticas de progresso agrícola com a promessa de melhoramentos da vida rural, mas não leva

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em consideração os pequenos proprietários e ocupantes de terras tradicionais que dependem

de tal modo de vida singular para sobreviverem. Este “progresso” possui um alto custo:

máquinas, insumos, sementes e terra, onde o pequeno agricultor dificilmente poderá aderir

este sistema pelo seu baixo poder aquisitivo, levando-o a vender o pouco que possui e ir

embora para o meio urbano ou tornar-se empregado dos grandes latifundiários, isso quando

não acaba com dívidas na tentativa de aderir ao novo sistema. No caso dos povos

faxinalenses, este progresso afeta diretamente na área de criadouro comum e sua forma de se

relacionar com a natureza que passam a serem “encurralados” por monoculturas e pelos

cercamentos oriundos do sentimento de individualização das propriedades14. Neste contexto,

Almeida (1997, p. 37-38) novamente realiza alguns questionamentos a respeito deste modelo

de progresso e desenvolvimento proposto atualmente que afronta os modos de vida

preservacionistas:

A idéia de desenvolvimento induz ao conhecimento de vias sinuosas e

múltiplas da modernidade. Não existiriam outras maneiras de defender a

razão sem se opor à tradição? Não seria também com o passado que se

construiria o futuro, antes mesmo de se fazer tábula rasa das aquisições

devidas às culturas e tradições? E em relação ao meio ambiente e recursos

naturais não renováveis, não se poderia assumir uma outra postura, mais

conservacionista-preservacionista, induzindo a um desenvolvimento e à

exploração de uma agricultura mais sustentáveis?

Neste contexto, Sonda e Bergold (2013, p. 15) chamam a atenção para a pluralidade de

povos do campo e florestas existentes no Paraná, que através de diversos mecanismos de

resistência tendem a defender seus territórios diante da apropriação individual da terra e da

forte colonização afirmando que:

O que se quer discutir é que apesar da fase atual em que praticamente se

consolidou o modo de produção capitalista no campo, cuja expressão atual é

o agronegócio (da soja, cana-de-açúcar, pecuária, reflorestamemtos)

financiado e apadrinhado pelo Estado, ainda existem e resistem outros

modos de vida no campo e nas poucas florestas remanescentes do Paraná,

que deveriam ser reconhecidos, pautados e fortalecidos por normas jurídicas

e políticas públicas “de verdade e no tempo certo”.

14 Este é um cenário muito comum que poderá ser observado no próximo capítulo, onde principalmente a soja e

o pinus tomaram conta das paisagens do Faxinal dos Francos, por exemplo, levando-o a sua desagregação, além

dos cercamentos e poderão ser observados também no Faxinal do Salto e Faxinal Barreirinho dos Beltrão.

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Estes autores apontam os processos de colonização ocorridos no estado do Paraná

como uma verdadeira reocupação do território, resultando em inúmeros conflitos com os

povos tradicionais a partir da introdução do agronegócio causador de sérios impactos

ambientais. O agronegócio que tanto prejudica os povos tradicionais, tanto no Paraná como

em todo o Brasil, geralmente é expressado através de monoculturas e ampliação de áreas com

o plantio florestal de pinus e aucalipto, sendo algo formador de uma espécie de “deserto

verde”, além do desenfreado uso de sementes transgênicas e intenso uso de fertilizantes e

agrotóxicos.

Diante deste cenário, diversas são as manifestações de resistência que surgem a partir

dos povos que habitam estas áreas atingidas. Estes indivíduos lutam pela defesa do que restou

de seus territórios e resistiram e resistem diante de distintas adversidades ao longo do tempo.

Tratam-se de sujeitos históricos que ocupam os espaços que o agronegócio quer “abocanhar”,

são pessoas que teceram histórias e racionalidades nos ambientes em que vivem,

estabelecendo um estreito elo entre seu modo de vida e a terra que dá sentido às suas

tradições.

Atualmente, há uma falsa idéia de que os povos tradicionais estão totalmente

protegidos por leis eficientes e ninguém contesta seus direitos, mas infelizmente, este cenário

que deveria ser verdadeiro, está configurado a partir de várias situações de conflito que

permeiam o cotidiano dos povos tradicionais brasileiros. Neste contexto são várias as

denúncias de exploração abusiva de recursos naturais e apropriação de territórios tradicionais.

Sonda e Bergold (2013, p.18) chamam a atenção para este fato descrevendo que:

O processo de modernização da agricultura, particularmente no Paraná, está

praticamente consolidado, coma burguesia moderna agrária esparrama e,

ainda, esparramando-se nos territórios remanescentes da agricultura

camponesa povos indígenas, quilombolas e faxinalenses. Ou seja, ainda há

luta e disputa por terra e território neste estado.

É necessário no contexto atual que seja desconstruído o discurso predominante a

respeito da existência de um modelo hegemônico de agricultura baseada no agronegócio, bem

como a realização de maiores discussões a respeito de outros modelos plurais e resistentes que

configuram o espaço paranaense, assim como: faxinalenses, indígenas, quilombolas, além de

trabalhadores rurais sem terra e demais povos dependentes da agricultura camponesa.

Para Germer (2003) um fator agravante desta situação, foi a modernização da

agricultura paranaense ocorrida a partir de 1970, afirmando que as estruturas agrárias foram

profundamente modificadas em um período de apenas 10 anos, sendo algo que não causou

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alteração somente no âmbito das tecnologias, mas também nas relações de classes, formando-

se uma espécie de burguesia rural agrária que estabelece imposições aos indivíduos menos

favorecidos em porções de terras.

A partir desta discussão, estabelecemos pontos de ligação com a desestruturação dos

faxinais, pois a partir da formação desta classe rural detentora de uma agricultura altamente

tecnificada, são poucas as chances destes indivíduos de querer manter um sistema tradicional

que aos seus olhos já deveriam estar extintos. Um claro exemplo deste ocorrido, veremos

mais adiante a respeito do Faxinal dos Francos (Rebouças – PR), desagregado devido à

influência de grandes latifundiários moradores deste faxinal já desarticulado.

Neste contexto de invasão do agronegócio em territórios de povos tradicionais, em

especial nesta pesquisa, em territórios faxinalenses, destaca-se os escritos de Fernandes

(2008) qual ativa importantes discussões a respeito de elementos apresentados e discutidos

nesta pesquisa, como por exemplo, a dicotomia da paisagem estabelecida entre as

monoculturas e as formas tradicionais de organização do espaço faxinalense:

Pensar o território nesta conjuntura, deve-se considerar a conflitualidade

existente entre o campesinato e o agronegócio que disputam territórios.

Esses compõem diferentes modelos de desenvolvimento, portanto formam

territórios divergentes, com organizações espaciais diferentes, paisagens

geográficas completamente distintas. Nesta condição, temos três tipos de

paisagens: a do território do agronegócio que se distingue pela grande escala

e homogeneidade da paisagem, caracterizado pela desertificação

populacional, pela monocultura e pelo produtivismo para a exportação; o

território camponês que se diferencia pela pequena escala e heterogeneidade

da paisagem geográfica, caracterizado pelo freqüente povoamento, pela

policultura e produção diversificada de alimento – principalmente – para o

desenvolvimento local, regional e nacional; o território camponês

monopolizado pelo agronegócio, que se distingue pela escala e

homogeneidade da paisagem geográfica, e é caracterizado pelo trabalho

subalternizado e controle tecnológico das commodities que se utilizam dos

territórios camponeses. (FERNANDES, 2008, p.296)

Neste capítulo, o que se pretende discutir, é a paisagem enquanto produto histórico,

mas a base para estes apontamentos também advêm da paisagem geográfica qual se torna

palco da história faxinalense. A partir desta perspectiva, podemos traçar um panorama das

ocorrências em territórios faxinalenses que alteraram a paisagem das comunidades

pesquisadas, onde é possível observar sua estreita e direta relação com introdução das

monoculturas comerciais pautadas em princípios totalmente diferentes dos praticados em

meio ao sistema faxinal.

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Até meados do século XIX, a cobertura florestal do Paraná, em suas

diferentes formações florísticas, ocupava 83% da sua superfície. Ao longo

do processo histórico de ocupação e, consequentemente, de disputas por

terra e territórios desse estado, assistiu-se a uma rápida eliminação de sua

vegetação natural. Tal eliminação foi produto dos ciclos econômicos a que o

Paraná foi submetido, particularmente o da exploração da madeira, o do café

e principalmente pela modernização da agricultura, inicialmente com a

monocultura da soja. Estes ciclos impulsionaram a reocupação do território

paranaense que ocorreu de forma diferenciada no espaço e no tempo.

(SONDA e BERGOLD, 2008, p.20)

A discussão apresentada anteriormente possui a intenção de demonstrar o importante

papel das comunidades tradicionais na questão da preservação ambiental, principalmente no

que refere-se à mata nativa, pois no caso dos faxinais por exemplo, extensa é sua área de

conservação sendo algo que tende a contribuir para a conservação do pouco que resta de

floresta nativa no estado do Paraná.

Considerando todos os pontos levantados através desta discussão é importante

salientar que:

A alusão a tais padrões produtivos e tecnológicos, e sua posição hegemônica

no desenvolvimento econômico, impôs o argumento de que estaríamos

definitivamente vivendo a derradeira fase da “crise das formas tradicionais

de organização da produção”. Neste contexto, a “descoberta” dos faxinais

sinaliza para a compreensão dos fatores que determinam seu declínio

econômico e social, causas de sua crescente “inviabilidade”, segundo

matrizes ancoradas no pensamento evolucionista. (SOUZA, 2010, p.16)

É extremamente necessário que a sociedade em geral tenha conhecimento,

principalmente no que condiz às políticas públicas, acerca das formas tradicionais de

organização existentes no Paraná, para que elas sejam reconhecidas e tenham seus limites e

suas tradições respeitadas. Caso contrário, o discurso imposto pelo agronegócio trará ainda

mais prejuízos para os faxinais com suas promessas de “progresso”.

2.3 Organização política e social dos faxinais no Paraná

De maneira geral, os faxinais enfrentam problemas para conservar suas características

físicas e culturais originais. Além das pressões sofridas por diversos antagonistas, muitos dos

próprios moradores se colocam contra o sistema, considerando-o como algo ultrapassado e

esgotado, não assumindo a identidade faxinalense. Por outro lado, existem aqueles que lutam

para manter viva sua identidade, mantendo suas tradições. Apesar dos faxinais estarem

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amparados por leis e programas governamentais, mesmo insuficientes, é necessário

equacionar diferentes fatores para evitar ou, pelo menos, frear seu rápido processo de

dissolução em décadas recentes.

Um exemplo desse amparo e reconhecimento do sistema faxinal, visando garantir

melhorias e políticas públicas destinadas a essas comunidades tradicionais foi a implantação

da lei estadual nº 15673/2007, na qual o estado do Paraná decreta que:

Art. 1º O Estado do Paraná reconhece os Faxinais e sua territorialidade

específica, peculiar do estado do Paraná, que tem como traço marcante o uso

comum da terra para produção animal e a conservação dos recursos naturais.

Fundamenta-se na integração de características próprias, tais como:

a) produção animal à solta, em terras de uso comum;

b) produção agrícola de base familiar, policultura alimentar de subsistência,

para consumo e comercialização;

c) extrativismo florestal de baixo impacto aliado à conservação da

biodiversidade;

d) cultura própria, laços de solidariedade comunitária e preservação de suas

tradições e práticas sociais.

Através desta lei, os faxinais receberam sua legitimação cultural por parte do Estado,

atribuindo o dever ao mesmo de garantir a valorização e preservação dos faxinais, sempre

visando políticas públicas benéficas ao sistema. Além da garantia de direitos para o sistema, a

lei estadual n° 15673/2007 defende a auto afirmação dos faxinalenses:

Art. 2º: A identidade faxinalense é o critério para determinar os povos

tradicionais que integram essa territorialidade específica. Parágrafo Único.

Entende-se por identidade faxinalense a manifestação consciente de grupos

sociais pela sua condição de existência, caracterizada pelo seu modo de

viver, que se dá pelo uso comum das terras tradicionalmente ocupadas,

conciliando as atividades agrosilvopastoris com a conservação ambiental,

segundo suas práticas sociais tradicionais, visando a manutenção de sua

reprodução física, social e cultural.

A questão da identidade é um fator de grande importância para os faxinalenses, pois é

através do auto reconhecimento que lhes é permitido lutar por seus direitos, garantindo assim,

a continuidade de suas práticas culturais e respeito perante a sociedade.

Outra forma de assegurar o reconhecimento aos faxinais se deu através do decreto

estadual N.º 3.446/97, que define as Áreas Especiais de Uso Regulamentado – ARESUR

condizentes ao sistema faxinal. Esta regulamentação das áreas de faxinais visa proporcionar

melhorias e manutenção das características físicas e culturais faxinalenses.Todos os faxinais

cadastrados dentro deste regulamento recebem ajuda financeira do ICMS ecológico (Imposto

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de Circulação de Mercadorias e Serviços), como uma forma de incentivo á conservação

ambiental. Através da lei complementar Nº 59/91 do estado do Paraná, todos os municípios

que possuem áreas de conservação ambiental, possuem direito a receber verbas do ICMS para

garantir a manutenção e melhorias necessárias.

O valor do ICMS Ecológico é relativo ao resultado de uma avaliação anual realizada

pelo Instituto Ambiental do Paraná - IAP qual avalia todas as características de cada faxinal

como: acordo comunitário e nível de comprometimento, manejo florestal e dos recursos

hídricos, divisas de cercas, entre outros elementos. Nota-se o importante papel exercido pelo

IAP no contexto dos faxinais assim como é citado em seu site15 oficial:

Ao IAP e demais agentes ambientais oficiais caberá a fiscalização do

patrimônio ambiental - natural e cultural – e, especialmente, o cumprimento

dos acordos comunitários produzidos pelos grupos faxinalenses, no que

concerne à integridade ambiental. Sobretudo, devem ser fiscalizadas as

atividades de descaracterização, individualização e contaminação dos

recursos naturais do Faxinal, afetando a paisagem e o modo de vida

tradicional. Como exemplo, serão alvo de fiscalização a contaminação de

nascentes por agrotóxicos, a individualização e destruição dos recursos

naturais, a construção de “fechos” (cercas que impedem a livre circulação

dos animais no criadouro comum), e o plantio de essências exóticas, estes

(fechos e exóticas) salvo previsões nos acordos.

Considerando que os faxinais pesquisados neste trabalho científico estão situados no

município de Rebouças, enfatiza-se que o mesmo possui como auxílio a lei municipal nº

1.235/200816 para reconhecimento do sistema de faxinal, visando preservar a identidade

faxinalense e a legitimação dos acordos comunitários existentes dentro de cada um deles,

sendo descrito em súmula que :

Dispõe sobre o processo de reconhecimento dos faxinalenses e dos seus

“acordos comunitários”, que regulamentam a construção e manutenção das

cercas e tapumes dos faxinais e proíbem a colocação de fechos em áreas de

uso comum, no Município de Rebouças, Estado do Paraná, e dá outras

providências.

Neste contexto, são notáveis alguns importantes passos dados em relação às leis

estabelecidas para a garantia dos direitos faxinalenses que podem ao menos frear seu

desmantelamento. Mas, durante período da coleta de dados para esta pesquisa, foi possível

constatar um grande problema em relação a como o faxinal é visto por parte de alguns

15 Disponível em: < http://www.iap.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1434> Acesso em

25/10/2016. 16 Documento disponível na Prefeitura Municipal de Rebouças – Paraná.

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membros da sociedade do município de Rebouças, sendo estas comunidades tradicionais

caracterizadas como algo “atrasado” e sinônimo de pobreza. Diante desta afirmação, nota-se a

falta de reconhecimento e conhecimento em relação ao sistema, sendo necessário lutar para

que estes estigmas sejam banidos e seu verdadeiro sentido seja considerado e respeitado.

Para Souza (2009) é muito presente a associação de faxinais com a idéia de algo

retrógrado, algo que não existe mais em nosso país. Desta forma, destaca-se a importância do

1º Encontro de Faxinais realizado em agosto de 2005, qual possibilitou a manifestação dos

faxinalenses em relação a uma construção de uma identidade coletiva, sendo que os mesmos

estão incorporando cada vez mais as reivindicações em busca de seus direitos territoriais,

possibilitando inclusive a formação de um movimento social próprio denominado como

Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses - APF em parceria com a Rede Puxirão de Povos

e Comunidades Tradicionais do Paraná 17.

Neste sentido Shiraishi (2009, p. 20) destaca que:

O I e o II Encontros dos “Povos dos Faxinais” serviu como momento de

reflexão a respeito da dinâmica desses grupos e de sua capacidade de

mobilização e organizativa frente às mudanças no cenário agrícola do Estado

do Paraná, bem como para relativizar as interpretações prevalentes dos

aspectos econômicos que procuram determinar o fim dessa atividade

extrativa. Contudo, é importante salientar a contribuição desses esquemas

interpretativos que se encontram referidos a um período bastante preciso.

Entre os seus méritos, foi de apresentar a situação vivenciada por esses

grupos sociais no meio rural paranaense.

O apoio das políticas públicas em conjunto com os movimentos organizados pelos

próprios faxinalenses é essencial na luta em busca da continuidade e valorização cultural

destes sujeitos históricos, sendo importante ressaltar o que Souza (2009, p.32-33) descreve:

O movimento faxinalense pretende nessa ação expositiva, apresentar uma

nova “fisionomia étnica” do Estado do Paraná, questionando assim, as

tendências evolucionistas que afirmam o seu desaparecimento, observando

as distintas territorialidades escusas por situações de conflitos e tensões a

que estão submetidos historicamente no Sul do País, abrindo, com isso,

caminhos para o reconhecimento jurídico-formal e para efetivação de

17 “Rede Puxirão dos Povos e Comunidades Tradicionais, fruto do 1º Encontro Regional dos Povos e

Comunidades Tradicionais, ocorrido no final do mês de Maio de 2008, em Guarapuava, interior do Paraná. Neste

espaço de articulação, distintos grupos étnicos, a saber: xetá, guaranis, kaingangs, faxinalenses,

quilombolas,benzedores e benzedeiras, pescadores artesanais, caiçaras, cipozeiras, religiosos de matriz

africana e ilhéus; tais segmentos se articulam na esfera regional fornecendo condições políticas capazes de

mudar as posições socialmente construídas neste campo de poder. Ademais, a conjuntura política nacional

corrobora com essas mobilizações étnicas, abrindo possibilidades de vazão para as lutas sociais contingenciadas

há pelo menos 3 séculos, somente no Sul do País.” Disponível em < http://redepuxirao.blogspot.com.br/ >

Acesso em 15 de outubro de 2016

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políticas que garantam o acesso aos recursos básicos, como condição para

sua reprodução física e social, e o reconhecimento de seu direito

fundamental a diferença.

Souza (2009) aponta que os povos faxinalenses passaram a reivindicar seu

reconhecimento, aumentado a disseminação de informações a respeito da situação dos

faxinais significativamente, mas a grande deficiência que permeia este cenário é a falta de

exatidão quanto ao número de faxinais existentes no sul do Brasil. Este questionamento,

sempre tende a configurar-se a partir de um viés evolucionista e baseado na seguinte

pergunta: “ainda existem faxinais?”, notando-se assim uma forte tendência da sociedade em

geral em interpretar os faxinais como apenas um resquício do passado, e não como uma

realidade vivida por diversos indivíduos no século XXI.

Os faxinalenses, que até o momento anterior à fundação da Articulação

Puxirão – AP, em 2005, não existiam coletivamente como categoria social

reconhecida pelo Estado, e sim, como espaço físico em avançado estágio de

“desagregação”, segundo as interpretações evolucionistas, expõe-se neste

mapeamento social, pela via teórica da identidade coletiva. Esta inversão

conceitual e teórica possibilita os agentes sociais, se auto definirem como

“faxinalenses”, focalizando os fenômenos recentes onde o seu modo de vida

tradicional e, sobretudo, a defesa de sua territorialidade especifica é atrelado a

fatos do presente e as atuais reivindicações conduzidas pelos novos sujeitos da ação

articulados pelo movimento faxinalense que emergem deste campo de lutas. (SOUZA, 2009, p.52)

A partir deste contexto e das novas formas organizativas instauradas a partir do 1º

Encontro dos Faxinalenses, em agosto de 2007 fora realizado o 2º Encontro dos Faxinalenses

no Paraná, onde estes povos solicitaram um levantamento de cunho exploratório para que

fossem identificados quantos faxinais existem no estado e quais suas exatas localizações

geográficas, pois até o momento existiam muitas divergências quanto ao número de faxinais e

os critérios utilizados para sua classificação, sendo algo que acarretava certo olhar pejorativo

da sociedade culminado pela falta de informações a respeito da real existência destas formas

de organização. Desta forma, foi realizado o “Mapeamento Social dos Faxinais no Paraná”

baseado em uma interação entre a produção científica produzida até o momento do

levantamento preliminar. Para a realização deste trabalho Souza (2009, p. 31) descreve que:

Para a consecução deste mapeamento a APF vem estabelecendo um contato

permanente com pesquisadores do Projeto Nova Cartografia Social desde

2005, demandando oficinas de mapa e logrando um resultado significativo

com a elaboração do fascículo n.01 da coleção Nova Cartografia Social dos

Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil intitulado “Povos dos

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Faxinais”. Este contato implicou em pelo menos duas oficinas de mapas,

com participação de 80 faxinalenses, realizadas em Irati-PR em 2006, nas

seguintes datas, 27 e 28 de abril e, 25 e 26 de agosto. Implicou também na

capacitação simultânea de pesquisadores que trabalham diretamente junto

aos faxinalenses e dos próprios faxinalenses que iniciaram, eles mesmos, a

manusearem GPS e registrarem as coordenadas dos elementos considerados

por eles relevantes para integrar os mapas.

Através desta coleta de dados, foi possível realizar um levantamento de caráter

preliminar e exploratório, mas Souza (2009) destaca que deve-se evitar conclusões definitivas

a partir deste estudo. Porém, todas as informações são fidedignas permitindo a construção de

um mapa situacional sobre os faxinais do Paraná, inclusive os cenários de conflito em

determinados momentos. Os dados coletados nos permitem ter uma idéia de quais seriam as

terras tradicionalmente ocupadas por faxinalenses e a exposição de diversas situações de

conflito enfrentados por estes sujeitos sociais diante de seus antagonistas. Este trabalho de

promover a visibilidade social dos faxinais e de seus agentes sociais a partir deste

mapeamento exige uma tarefa de duplo sentido onde Souza (2009, p.31) descreve:

(...) por um lado, pretendemos esboçar as lacunas censitárias sobre os

faxinais, buscando apontar a precariedade dos dados disponíveis; e, por

outro, enfatizar a identidade e os conflitos socioambientais, em consonância

com a existência de territorialidades específicas, que se traduzem em uma

nova classificação de posições, manifestadas na permanência e luta em torno

do uso comum dos recursos básicos, onde o “tradicional” é o motivo das

demandas e disputas contra antagonistas localizados, descritos como

“chacreiros”, “sojicultores”, “granjeiros”, “empresas madeireiras” e

“empresas de fumo”, além do poder público através de ações que violam

formas tradicionais de uso comum.

Ao observarmos diversas comunidades rurais paranaenses podemos perceber que

muitos são os espaços que apresentam características do sistema faxinal, por mais que estes

não tenham função atualmente, mas os vestígios deixados pelo passado vão denunciando a

existência de faxinais através de mata burros, cercas, portões e demais equipamentos

pertencentes à esta tradição. Souza (2009) pode perceber estes elementos em suas pesquisas

de campo, onde afirma que a paisagem faxinalense ao poucos revela-se através da distinção

que promove se comparada ao monocultivos, mesmo quando um faxinal está desagregado

enquanto sistema, sua paisagem ainda permanece marcando um território tradicional

pertencente ao passado.

Os principais fatores que influenciaram nesta mudança de paisagem foram as reduções

das áreas de uso comum, ao mesmo tempo em que foram introduzidas nestas comunidades

monoculturas que exigem grandes porções de terra assim como também houve a introdução

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de sistemas produtivos onde aplicam-se mão de obra intensiva, como é o caso da fumicultura,

exigindo pouca disponibilidade de terra para o seu cultivo. Estas novas formas de produção

atingem diretamente as formas de uso comum, apresentando-se de maneira totalmente

antagônica ao sistema “corroendo-o silenciosamente”. Neste sentido destaca-se que:

(...) o uso comum é drasticamente reduzido ou impedido pelo uso privado,

nesses casos, os agentes sociais que dispõe de terra reorganizam suas

práticas tradicionais nas condições em que são possíveis reproduzi-las.

Selecionam e reduzem as criações pela estrita necessidade de uso para o

trabalho e consumo, extinguem as criações baixas (porcos e cabritos) ou

edificam “mangueirões” ou “potreiros” em pequenas áreas onde o grupo

familiar ampliado estabelece consenso para criar em conjunto, mesmo que

em terreno privado, em oposição as práticas de confinamento, como os

“chiqueirões fechados” ou granjas, em que as raças crioulas são banidas, e os

processos produtivos controlados externamente. (SOUZA, 2009, p.41-42)

Segundo Marques (2004) a partir de um levantamento realizado pelo IAP na década de

1990, foi constatado que no Paraná existiam cerca de 150 faxinais, mas que na atualidade

existem apenas 44 com criadouro comunitário.

Estabelecendo uma nova forma de pensarmos em relação aos faxinais, Souza (2009)

elaborou através do “Mapeamento Social dos faxinais no Paraná” quatro categorias

situacionais ou também chamadas de posições elaboradas de acordo com as condições sociais

representadas por seus agentes. Neste contexto são consideradas áreas onde o uso comum foi

obstruído, mas diante de uma afirmação de identidade ocorrem diversas manifestações de

forças e resistências provocada por situações conflituosas envolvendo antagonistas. Esta

afirmação identitária e de resistência revelam um sentimento de pertencimento ao grupo

social, neste caso: os faxinalenses, sendo estabelecida uma luta em prol da forma de

apropriação de recursos naturais específicas consideradas essenciais. Neste sentido, estas

posições foram elaboradas para que a sociedade tenha conhecimento de que grande parte dos

faxinais não faz menção somente ao passado, mas que configuram a realidade atual e são

erroneamente chamados apenas de “comunidades rurais de pequenos agricultores”, sendo algo

que tende à camuflar ou esconder as características da territorialização em relação aos faxinais

no Paraná. Sendo assim, Souza (2009, p. 49-51) estabeleceu a seguinte classificação:

1)Faxinais com uso comum – “criador comum aberto”: (...) Sua

territorialidade específica contempla grandes extensões territoriais (acima de

1000 há) livremente acessados por “criações altas e baixas” para uso comum

das pastagens naturais e recursos hídricos que ocorre em áreas de

apossamento com situação dominial litigiosa entre “faxinalenses” e

empresas madeireiras em conflitos que se arrastam desde 1950. Nestas áreas

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há predominância de florestas nativas por onde circulam as criações,

somente sendo “impedidas” pelo avanço de monocultivos de eucaliptos e

pinus. Estes são indicados como os principais causadores de danos aos

animais, desmatamento florestal para produção de carvão e serrarias, assim

como para plantio dos monocultivos florestais.

2) Faxinais com uso comum – “criador comum cercado”: Se caracterizam

pela presença do uso comum dos recursos essenciais em “criadores comuns”

de extensões variáveis onde circulam livremente “criações baixas” (cabritos,

ovelhas, porcos e galinhas) e “altas” (gado bovino e cavalar) sendo

delimitadas fisicamente por cercas de uso comum, “mata-burros”, portões,

valos e rios.(...) Há na maioria dos casos um tenso cenário de disputas pela

manutenção das dimensões da área de uso comum intensificadas pela

pressão provocada pelas monoculturas, empreendimentos imobiliários, obras

governamentais de infraestrutura (estradas municipais, estaduais, federais,

linhas de transmissão, entre outros).

3) Faxinais com uso comum – “criador com criação grossa ou alta”: Se

caracterizam pelo “fechamento”, com cercas de 4 fios de arame nas divisas

de algumas ou todas propriedades, antes destinadas para o uso do “criador

comum”, ficam disponíveis apenas algumas áreas privadas, além das áreas

públicas (beiras de estradas, campos de futebol, pátio de igrejas (...). Há,

neste caso, uma forte limitação ao “livre” acesso aos recursos essenciais

Predominam no uso comum somente as criações ditas “grossas” ou “altas”

(cavalos, vacas), que circulam nas áreas comuns disponíveis por diferentes

períodos de tempo ao longo do ano dependendo das condições das pastagens

nativas. As “criações baixas”, isto é, porcos e cabritos são mantidos em

“mangueirões familiares” isoladas das áreas de uso comum ou são

confinados em chiqueiros. Observa-se, nestas áreas a forte presença de

sistemas de integração agroindustrial, como fumicultura, granjas de suínos e

aves, além de “chacreiros”. Todos estes são indicados como responsáveis

pelo “fechamento” do “livre” acesso aos recursos essenciais. Apesar da

eliminação das “criações baixas”, os bens considerados de uso comum não

são retirados ou destruídos, permanecendo “mata-burros” e/ou portões e

cercas para delimitar fisicamente áreas com distintas finalidades.

4) Faxinais sem uso comum – “mangueirões” e “potreiros”: Representam

situações em que o uso comum da criação animal (“baixa” ou “alta”) ocorre

somente pelo grupo familiar ou ao grupo doméstico. Portanto, quando

ocorre, o uso comum dos recursos naturais está restrito dentro dos limites da

propriedade privada. Os informantes relatam que o “livre” acesso aos

recursos foi obstruído pela privatização para os mesmos em meio a conflitos

e tensões, provocados por “gente de fora”. Assemelham-se aos denominados

“piquetes” em alguns casos, com a substancial diferença das criações

manterem-se soltas grande parte do tempo em parte da extensão da

propriedade do grupo familiar ou doméstico, denominado de “mangueirão”

quando se refere a parte das propriedades cercadas para uso das “criações

baixas” ou “potreiro”, quando são utilizadas somente para criação alta. Em

alguns casos observamos a permanência de “mata-burros”, cercas para

“criações baixas” e portões, todavia sem função aparente, apenas simbolizam

a recente ausência da posição de “criador comum”.

A partir desta descrição de categorias, o que Souza (2009) procura apresentar refere-se

à amplitude que abarca a noção sobre os faxinais se comparadas às classificações usuais que

deixam de lado mais de duas centenas de grupos que se identificam pertencentes a esta

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modalidade de apropriação dos recursos naturais. Desta forma, estes grupos passam a ser

visíveis na sociedade e não mais homogeneizados por categorias que não condizem com seus

contextos históricos e atuais. Este “anonimato” muitas vezes levou estes grupos a cederem

diante de seus antagonistas, quais ficaram impedidos de mobilizarem-se em defesa de suas

práticas para resultados mais amplos, mas ao mesmo tempo há gestos de resistência, mesmo

que de forma localizada, que visam a reprodução das formas tradicionais de relações com a

terra e com a natureza que lhes são disponíveis.

2.4 Faxinal do Salto, Faxinal Barreirinho dos Beltrão e Faxinal dos Francos- Rebouças

PR.

Segundo Souza (2009) e as classificações por ele observadas, no município de

Rebouças, recorte desta pesquisa, foram identificados 15 faxinais, dentre os quais 5 estão na

“posição 2”, 1 está na “posição 3” e 9 faxinais estão na “posição 4”. Os faxinais tomados para

a realização desta pesquisa são: Faxinal dos Francos, Faxinal do Salto e Faxinal Barreirinho

dos Beltrão localizados no município de Rebouças PR.

A partir de análises realizadas em dados fornecidos pelo IAP, é possível observar que

a partir do final da década de 1990 apenas quatro faxinais passaram a constar nos extratos de

recebimento de ICMS ecológico do município de Rebouças, sendo estes: Faxinal Marmeleiro

de Cima, Faxinal Marmeleiro de Baixo, Faxinal Barro Branco e Faxinal do Salto, sendo o

Faxinal do Barreirinho ficando por muitos anos na situação de não cadastrado no ARESUR.

Um dado a ser ressaltado segundo as tabelas de avaliação dos faxinais 18 organizadas

pelo IAP, é que a área registrada do Faxinal do Salto em relação ao criadouro comum é de

152, 45 19 ha20 em 1997, ano em que sua área foi regulamentada pelo ARESUR, sendo que

segundo o mesmo órgão atualmente esta área é de 92,0021 ha.

18 Disponível em: <

http://www.iap.pr.gov.br/arquivos/File/ICMS/extrato%20financeiro/memoriacalculoextratoicmsbio1998.pdf >

Acesso em 25/10/2016

19 Este dado consta da Resolução n° 67/97 da Secretaria do Estado e Meio Ambiente do Estado do Paraná

disponível em: <

http://www.iap.pr.gov.br/arquivos/File/Legislacao_ambiental/Legislacao_estadual/RESOLUCOES/RESOLUCA

O_SEMA_FAXINAL_SALTO.pdf> Acesso em: 25/10/2016

20 Medida agrária onde um hectare (ha) corresponde a dez mil metros quadrados.

21 Disponível em: < http://www.iap.pr.gov.br/arquivos/ICMS_E/icms_e_jun_2016_ucs.pdf> Acesso em

25/10/2016.

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O Faxinal Barreirinho dos Beltrão começa a constar nas tabelas 22 de avaliações e

recebimento do ICMS ecológico somente a partir de 2011 com uma área registrada de 130, 70

ha, sendo que no ano de 2016 foi registrado que sua área é de 110, 0023 ha. Estes dados

indicam que ao longo do tempo houve perdas territoriais do criadouro comum do Faxinal do

Barreirinho dos Beltrão de aproximadamente 20,7 ha, sendo algo intrigante diante da questão

de que mesmo existindo leis que garantam a preservação do criadouro comunitário ainda é

possível a ocorrência da diminuição destas áreas através da venda e cercamentos.

Segundo Meira, Vandresen e Souza (2009) a partir da realização de um mapeamento

situacional dos faxinais no Paraná é possível aqui ponderar algumas características das três

comunidades investigadas nesta pesquisa. Quanto ao Faxinal do Salto, o mesmo encontra-se

na chamada “posição 2”, (Faxinais com uso comum – “criador comum cercado”) sendo

constituído por 84 famílias. Em relação aos conflitos mais ameaçadores identificados estão os

produtores de soja, sendo constatado também três formas de violências sofridas diante do

desejo de continuação do sistema faxinal, sendo estes: ameaça contra lideranças, violação dos

acessos ao criadouro comum com ocorrência de destruição e danos, matança e roubo de

criação animal. Quanto aos conflitos estabelecidos por antagonistas em relação ao uso e

acesso aos recursos naturais, foram registradas a ocorrência de fechos, desmatamento florestal

e contaminação e destruição de nascentes.

O Faxinal Barreirinho dos Beltrão, também enquadrou-se na mesma classificação que

o Faxinal do Salto, sendo situado na “posição 2”. Este é constituído por apenas 9 famílias, e

seus principais antagonistas são os produtores de soja e a falta de ajuda da prefeitura. Em

relação às violências sofridas pelos faxinalenses, destacam-se os roubos, matança e danos na

criação animal. Também foram identificados fechos e desmatamentos florestais no que tange

o uso de recursos naturais.

Já o Faxinal dos Francos, este foi situado na “posição 4”, (Faxinais sem uso comum –

“mangueirões” e “potreiros”), sendo registrado sua composição por 30 famílias. Seu principal

antagonista são os produtores de soja, inclusive grandes responsáveis por este faxinal estar na

presente posição correspondente à não existência de criadouro comum. Entre as violências

22Disponível em: <

http://www.iap.pr.gov.br/arquivos/File/ICMS/extrato%20financeiro/2011/2011_dezembro_Memoria_de_Calcul

o_e_Extrato_Financeiro_do_BioICMS_acumulado.pdf> Acesso em 25/10/2016

23 Disponível em: < http://www.iap.pr.gov.br/arquivos/ICMS_E/icms_e_jun_2016_ucs.pdf> Acesso em

25/10/2016.

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enfrentadas pelos moradores destas comunidades (antes de sua desagregação), estão os roubos

e matanças de animais, além da ocorrência de fechos privando o acesso aos recursos naturais.

Em relação ao Faxinal dos Francos, uma moradora da comunidade que vive no local

um pouco mais de 60 anos, relata que pôde vivenciar o processo de desagregação deste

sistema, sendo afirmado que este fato prejudicou muitas famílias que dependiam do criadouro

comum para a criação de animais. Neste sentido, a entrevistada Gema Dallagnol relata que:

[...] tinha gente que queria o faxinal e acham falta ainda, porque a criação

andava solta e agora tem que ser tudo fechado e ninguém cria mais...Chegou

a ter brigas entre parentes... Era tudo bom né, porque tinha a criação tudo

bonito né, todo mundo tinha cavalo porco, gado, tudo né, todo mundo

tinha...Agora ninguém tem mais nada (...) pra nós fez falta porque tínhamos

gado e cavalo tudo, solto porco tudo solto e se “nós” “queremo” tá tudo

fechado...Quem tem alguma coisa ainda se cria, mas quem não tem não tem

nada daí né!? (Gema Dallangnol, entrevista concedida à Sonia Vanessa

Langaro em 05/07/2016)

A partir deste depoimento, podem-se levantar importantes vestígios sobre a

desagregação do Faxinal dos Francos ocorrida no início dos anos 2000, sendo levantada a

questão do acarretamento de prejuízos para várias famílias que usufruíam do sistema. Os

conflitos tiveram início a partir dos produtores de soja que não queriam mais fechar e abrir os

portões para terem acesso às suas terras, quais chegaram à arrancá-los com a ajuda de tratores.

Cercas também eram destruídas propositalmente com ajuda de máquinas para que os animais

fossem para as áreas de plantar, ocasionando assim diversos conflitos que contribuíram para a

desagregação deste Faxinal.

Considerando as discussões até aqui realizadas e a partir das análises e interpretações

efetuadas a respeito dos faxinais investigados, foi possível identificar diversos aspectos que

apresentaram mudanças ao longo do tempo nestas comunidades, assim como diversas

situações de conflito. Desta forma, o próximo capítulo buscará apresentar parte destes

elementos utilizando fotografias antigas e recentes, assim como a história oral para um traçar

de um panorama investigativo a respeito das comunidades faxinalenses do município de

Rebouças-PR.

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CAPÍTULO III

HISTÓRIA, FOTOGRAFIAS E PAISAGEM FAXINALENSE

Neste capítulo será debatido a respeito da fundamentação teórica sobre o uso de

fotografias para a História, bem como o uso desta fonte na perspectiva da interpretação

histórica, ou seja, a fotografia sendo utilizada como fonte. Em um segundo momento, serão

apresentadas discussões sobre o conceito de paisagem aplicado nesta pesquisa, visando

contribuir e evidenciar a metodologia empregada para o estudo das fotografias dos faxinais

investigados em terceiro momento do capítulo.

Um dos novos campos da História Cultural a ser destacado diz respeito às imagens.

Neste contexto, Pesavento (2003) ressalta que mesmo a imagem tendo existido desde os

primórdios, sempre houve um interesse maior nos textos escritos, isso talvez por herança

deixada pela História Tradicional, sendo a imagem passando a ser considerada algo novo para

a História a partir da revolução documental que permitiu que este tipo de fonte fosse

investigado e tratado como tal. Assim como os discursos textuais, as imagens tentam fazer

uma representação aproximada do real, tendo o mesmo como referência. As imagens podem

ser estranhas ou reconhecíveis, pois elas podem representar uma construção social de sentidos

de realidade, ou de maneira simbólica e cifrada, podendo transformá-lo ou decompô-lo. As

imagens, sejam impressas ou em forma de pintura, passam a ser representações do mundo que

são elaboradas com a intenção de serem visualizadas por alguém.

Para a autora citada anteriormente, por muito tempo os historiadores utilizaram a

imagem apenas como ilustração de algo, como uma paisagem ou um retrato de determinado

fato ou personagem. No caso de ser uma pintura, era tomada como a expressão da cultura em

determinado momento. A história de fato aderiu a imagem quando esta foi associada com a

ideia de representação do mundo real. As imagens formam uma mediação entre o mundo de

quem a vê e o mundo de quem a produz, sendo relativa à realidade, assim como no caso do

discurso, o texto é mediador entre o mundo daquele que lê e o mundo daquele que escreve.

Em ambos os casos é a representação do mundo que forma o imaginário das pessoas.

De acordo com Boris Kossoy (2012), a partir da Revolução Industrial surgiram

inúmeras transformações de nível econômico, social e cultural, ocasionando o

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desenvolvimento de invenções que vieram a influenciar de forma direta nos rumos da história

moderna. Neste período de invenções surge a fotografia, tornando-se uma ferramenta

inovadora de informações e conhecimento, sendo utilizada como material de apoio a

pesquisas nos mais variados campos da ciência. Com a revolução documental na segunda

metade do século XX, a fotografia passou a ser tratada oficialmente como um documento,

podendo ser utilizada como fonte histórica, sendo as imagens documentos com um grande

potencial a ser explorado, merecedoras de análises e métodos de pesquisa sistematizados.

Desta forma, assim podem ser decifradas, tornando-se um caminho a mais para a elucidação

do passado da humanidade.

A expressão cultural dos povos exteriorizada através de seus costumes,

habitação, monumentos, mitos e religiões, fatos sociais e políticos passou a

ser gradativamente documentada pela câmera. (...) O mundo tornou-se de

certa forma familiar após o advento da fotografia; o homem passou a ter um

conhecimento mais preciso e amplo de outras realidades que lhe eram, até

aquele momento, transmitidas unicamente pela tradição escrita, verbal e

pictórica. (KOSSOY, 2012, p. 28)

Para Kossoy (2012), a partir do desenvolvimento da indústria gráfica foi possível uma

intensa multiplicação da imagem fotográfica através da via impressa, iniciando-se assim um

novo processo de conhecimento de um mundo mais detalhado, configurando um novo método

de aprendizagem do real ao mesmo tempo em que acaba suprindo a falta de informação visual

das diferentes camadas da sociedade e também de povos mais distantes.

Leite (2000, p.19) descreve que “a fotografia é uma redução e um arranjo cultural e

ideológico do espaço geográfico, num determinado instante”. Desta forma, o espaço

geográfico e fotográfico passou a ser capaz de nos revelar ideologias, representações e

comportamentos.

As representações dos mais variados pequenos aspectos do mundo passaram a ser

conhecidos, desta forma, o mundo passou a ser substituído por sua imagem fotográfica

tornando-se portátil e ilustrado.

Neste contexto, Guran (2012, p.13) afirma que:

O fazer fotográfico se consolidou, progressivamente, com intuito de

responder a estas diferentes demandas, ajustando procedimentos técnicos

que permitiram a ampliação e sofisticação do seu uso e estabelecendo-se

como um instrumento de comunicação e informação social, além de

imprescindível na produção de saber, principalmente no que toca às ciência

sociais.

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Borges (2008) discute a respeito da trajetória da História enquanto disciplina e qual foi

o tratamento dado às fotografias desde o século XIX. Foi neste século em que diversos

historiadores empenharam-se em definir a História e distingui-la das demais ciências. Neste

mesmo período também ocorre o surgimento da fotografia, tendo a mesma passado por

diferentes percursos referentes à sua relação com a produção de conhecimento histórico.

Atualmente as análises históricas utilizando as fotografias possuem várias abordagens,

diferente do século XIX e início do século XX, onde historiadores negaram a utilização deste

tipo de fonte, priorizando documentos oficiais com a aplicação das regras do método crítico

buscando ao máximo a veracidade dos conteúdos. Desta forma, buscava-se que os fatos

fossem narrados da maneira como aconteceram sendo a expressão natural sobre o passado.

Nota-se que sendo a História dirigida desta forma, a utilização das fotografias não

poderia obter sucesso, pois a mesma não pode ser caracterizada como duplicação do real, qual

necessita de metodologias que as façam “falar”, que permita revelar o que há além das

imagens. “(...) A comunidade de praticantes da historiografia metódica entendia que a

imagem fotográfica não preenchia os requisitos necessários para ser considerada fonte de

pesquisa histórica”. (BORGES, 2008, p.17)

Porém, para o autor citado anteriormente quando os paradigmas da História começam

a mudar no início do século XX, onde os mesmos deixam de serem concebidos como um

dado natural, o conhecimento histórico passa a ser percebido como conteúdo cultural que

pode ser submetido a interpretações. Desta forma, os conceitos em relação a utilização das

fontes históricas começam a tomar novas formas, ocorrendo assim uma renovação da

historiografia.

Sendo assim, as imagens tornam-se importantes aliadas para pesquisas na perspectiva

da História Cultural, podendo ser citado como exemplo a sua grande contribuição para

pesquisas relacionadas aos povos tradicionais existentes, sendo neste caso, enfatizado a

respeito do sistema faxinal, que vem passando por muitas transformações ocasionadas

principalmente pela mecanização da agricultura e acarretam perdas nos aspectos culturais

faxinalenses, sendo estas modificações podendo ser investigadas através de fotografias.

Para Mauad (1996), a fotografia lança ao historiador um desafio: como chegar ao que

não foi imediatamente revelado pelo olhar fotográfico? Como ultrapassar a superfície da

mensagem e ver outros aspectos? Assim, a fotografia é capaz de revelar pontos fundamentais

no fenômeno de modificação dos faxinais por meio do confronto de paisagens, das

modificações ocorridas e na forma de enquadrá-las.

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O trabalho com fotografias para pesquisas mostra-se como um campo amplo e repleto

de possibilidades, sendo neste processo extremamente necessário considerar também o papel

exercido pelo fotógrafo. O fotógrafo pode ser considerado como um filtro cultural, pois:

O registro visual documenta, por outro lado, a própria atitude do fotógrafo

diante da realidade; seu estado de espírito e sua ideologia acabam

transparecendo em suas imagens, particularmente naquelas que realiza para

sim mesmo enquanto forma de expressão pessoal. (KOSSOY, 2012, p. 44-

45)

Nota-se que, no caso desta pesquisa, quem produziu as fotografias nas comunidades

tradicionais pode não ter pensado que futuramente as mesmas tornar-se-iam documento,

podendo refletir representações tanto pessoais como coletivas, que podem conter vários

significados que dependem da intencionalidade do fotógrafo e do olhar de quem as observa.

Devido a isso, é importante associar as fotografias utilizadas na pesquisa com demais fontes,

como a história oral, por exemplo, para que assim seja realizado um cruzamento de

informações e preencher as possíveis lacunas que possam surgir. Contudo, todo este processo

de análise favorece para que a fotografia seja tratada como fonte histórica, contribuindo para a

coleta de informações sobre o passado, assim como afirma Kossoy (2012, p. 45-47):

Toda fotografia é um resíduo do passado. Um artefato que contém em si um

fragmento determinado da realidade registrado fotograficamente. Se, por um

lado, este artefato nos oferece indícios quanto aos elementos constitutivos

(assunto, fotógrafo, tecnologia) que lhe dera origem, por outro o registro

visual nele contido reúne um inventário de informações acerca daquele

preciso fragmento de espaço/tempo retratado.

O artefato fotográfico através de sua materialidade e de sua expressão visual nele

registrado caracteriza um conjunto de técnicas e materiais que constituem o mesmo como

objeto físico, e também o faz ser um objeto-imagem que singulariza a fotografia enquanto

fonte histórica. É preciso sempre lembrar que toda fotografia é um testemunho que documenta

também a visão de mundo do fotógrafo, sendo a mesma enquanto fonte histórica é portadora

de informações acerca do cenário passado e também informa sobre o seu autor. As junções

das condições da fotografia são de fundamental importância para uma completa análise e

interpretação fotográfica.

Kossoy (2012) descreve que tudo o que é registrado pelo fotógrafo possui uma

singularidade representada de acordo com o momento histórico em que o registro foi

realizado, sendo o mesmo portador de características de determinado contexto econômico,

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político, social ou cultural. Além de conter estes traços, a fotografia reflete acerca da

tecnologia utilizada em seu processo de confecção reportando características técnicas da

época em que foi produzida. Assim, uma fotografia original trata-se de uma fonte primária,

necessitando ser tratada como um objeto museológico e deve ter atribuições quanto ao seu

valor histórico, pois uma reprodução desta poderá esconder as características estruturais

referentes ao seu tempo de produção, sendo assim considerada uma fonte secundária.

Em relação à interpretação das fotografias, Pesavento (2003) ressalta o que diz

Panofsky, afirmando que primeiramente há um momento de reconhecimento iconográfico,

sendo quando o historiador se depara com a imagem tendo que registrar o que se vê em

primeiro plano. Já em segundo plano, deve realizar a leitura do fundo de tela, detalhes,

acessórios, a paisagem e o entorno, quais levarão a imagem a falar e revelar significados. Isso

requer uma leitura dos temas e significados que trazem aquilo que está exposto na imagem.

Há também uma segunda etapa, chamada de iconológica, onde se atingiria o significado

intrínseco ao conteúdo simbólico, ao significado de uma época, princípios que levam a

atitudes emocionais, a sensibilidades de um dado momento histórico, marcando a passagem

para o clima natural de cada época. Assim o historiador sai da imagem para apelar aos seus

próprios conhecimentos teóricos, que com o auxílio hermenêutico buscará sentido aos

conteúdos fotográficos.

A análise de fotografias, unida à discussões de autores que abordam o uso deste tipo

de fonte como documento histórico, traz à cena interpretações capazes de revelarem aspectos

importantes para o estudo dos faxinais. Conforme Silva (2011), a fotografia como fonte

histórica tem usos distintos: o historiador poderá utilizá-la como ilustração da sua pesquisa, de

modo a comprovar a ocorrência de determinado fato; ou poderá escrever a história a partir da

análise de fotografias, opção que oferece inúmeras maneiras de construir o relato histórico,

podendo-se lançar muitas interpretações sobre um único registro fotográfico.

É necessário ressaltar que a imagem fotográfica é um meio que possibilita o

conhecimento através da visualização de microcenários do passado, contudo, Kossoy (2012)

previne que elas não reúnem em si o conhecimento do passado. Para a realização de uma

completa interpretação das informações do passado é necessário que outros materiais sejam

consultados para alimentar a discussão, como por exemplo: demais informações

iconográficas, informações escritas de diferentes naturezas, além da indispensável ajuda da

História e ciências vizinhas (Sociologia e Antropologia, por exemplo). De outra forma não é

possível trazer elementos sólidos e apoio para as pistas apresentadas no processo de

identificação dos assuntos representados. Sendo assim:

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A fotografia é indiscutivelmente um meio de conhecimento do passado, mas

não reúne em seu conteúdo o conhecimento definitivo dele. A imagem

fotográfica pode e deve ser utilizada como fonte histórica. Deve-se,

entretanto, ter em mente que o assunto registrado mostra apenas um

fragmento da realidade, um e só um enfoque da realidade passada: um

aspecto determinado. (KOSSOY, 2012 p. 119)

De acordo com estes apontamentos do autor citado, o trabalho do historiador, neste

caso, é enfatizar uma seleção de possibilidades para que seja possível fixar uma realidade

primeira para que possa realizar sua discussão, assim devendo ocorrer do mesmo modo

quando o próprio pesquisador é o fotógrafo de suas fontes, sendo o que poderá ser

identificado adiante no decorrer deste capítulo. Esta seleção citada anteriormente pode levar

com que a fotografia seja manipulada de acordo com a interpretação da realidade de quem a

produz, podendo isso ocorrer de forma tanto inconsciente como consciente, premeditada ou

ingênua. Neste sentido é necessário atentar para o fato de que o fotógrafo pode dramatizar ou

valorizar os seus cenários, podendo alterar o realismo físico da natureza, omitir ou introduzir

elementos, ou seja, é capaz de compor de acordo compor a fotografia com sua própria

linguagem, sendo difícil um fotógrafo não manipular suas fotos de forma técnica, estética ou

ideologicamente. Sendo assim, desde o momento do “clic” da máquina fotográfica, a imagem

já é interpretada.

Discutindo ainda os escritos de Kossoy (2012) , é enfatizado que apesar do amplo

potencial de informações existentes nas fotografias, ela ainda não é substituta do real. Ela traz

em sua superfície apenas informações selecionadas e organizadas estético e ideologicamente.

Mesmo a imagem sendo apenas um fragmento retratado elas levam o seu leitor à compreendê-

las como uma representação de toda a realidade, onde o fragmento se transforma em um todo.

Esta questão geralmente pode ser percebida quando uma discussão do que não está visível na

imagem é apontada.

Neste contexto é importante salientar que:

A fotografia ou um conjunto de fotografias não reconstituem os fatos

passados. A fotografia ou um conjunto de fotografias apenas congelam, nos

limites do plano da imagem, fragmentos desconectados de um instante de

vida das pessoas, coisas, natureza, paisagens urbana e rural. Cabe ao

intérprete compreender a imagem fotográfica enquanto informação

descontínua da vida passada, na qual se pretende mergulhar. (KOSSOY,

2012, p. 127)

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Esta afirmação ocorre devido ao fato de que uma única fotografia permite leituras

plurais em relação às projeções sociais, culturais e ideológicas do receptor, onde as

interpretações de imagens acompanhadas ou não de textos sempre abrirão um leque de visões

a partir de quem as vê, principalmente pelo fato de estar afastada no tempo e no espaço de sua

produção, ou seja, uma fotografia possui múltiplos significados. O que o autor citado sugere,

é que devemos perceber o que está nas entrelinhas assim como é feito quando realizamos uma

leitura de um texto, sempre fazendo da ousadia interpretativa uma ferramenta primordial.

Os estudiosos das fontes fotográficas, mais cedo ou mais tarde, deparam-se com o

momento em que analisam a fotografia, o que os leva diante da “segunda realidade: a do

documento”. O sentido deste documento passa a conter então, um registro visual formador de

um conjunto de informações multidisciplinares, pois as fotografias mostram em seu conteúdo

o próprio passado, ou frações do real pertencentes o tempo de outrora. Neste contexto Kossoy

(2012, p. 165-166) destaca que:

Toda e qualquer fotografia, além de ser um resíduo do passado, é também

um testemunho visual no qual se pode detectar – tal ocorre nos documentos

escritos o não apenas os elementos constitutivos que lhe deram origem do

ponto de vista material. No que toca à imagem fotográfica, uma série de

dados poderão ser reveladores, posto que jamais mencionados pela

linguagem escrita da história.

Este autor ainda ressalta que, diante da possibilidade de manipulação fotográfica, é

necessário que sempre sejam formuladas perguntas adequadas e inteligentes no processo de

interpretação das fotografias, sendo necessário ocorrer um mergulho no momento histórico

em que a fonte foi produzida.

O fragmento da realidade gravado na fotografia representa o congelamento

do gesto e da paisagem, e portanto a perpetuação de um momento, em outras

palavras, da memória: memória do indivíduo da comunidade, dos costumes,

do fato social, da paisagem urbana, da natureza . A cena registrada na

imagem não se repetirá jamais. O momento vivido, congelado pelo registro

fotográfico, é irreversível. (KOSSOY 2012, p. 167-168)

Neste sentido, a vida continua, mas a fotografia preservará aquele fragmento de tempo

congelado. Os personagens e os cenários transformam-se e até desaparecem, mas a fotografia

sobrevive, e ao atravessar o tempo muitas fotografias são vistas por olhos que classificam

como estranhos os cenários e personagens desconhecidos. Ela também é capaz de dar a noção

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de microespaços e tempo representados, estimulando a reconstituição da vida histórica através

de múltiplas possibilidades.

Outro teórico a ser enfatizado no âmbito das discussões sobre fotografias é Martins

(2013), onde afirma que a fotografia constitui um importante recurso para pesquisas no

âmbito das Ciências Sociais, possibilitando que o cotidiano social seja representado através

das mesmas. Ele também alerta para as limitações deste tipo de documento, sendo que os

processos sociais não podem ser considerados como totalmente “fotografáveis” e as câmeras

fotográficas não são produtoras de informações sem erros. Este autor discorda das afirmações

oriundas de outros teóricos a respeito de que uma fotografia seria uma espécie de

congelamento do tempo ou de um processo social. Neste caso, acredita-se que as fontes

fotográficas tecem uma história, revelando uma rede de relações com sentido quase invisível,

sendo um documento de incerteza, opondo-se assim, à idéia de “congelamento”.

Dessa forma, é importante sempre considerar que as fotografias podem ser lançadas a

várias interpretações diversas, sendo um equívoco pensar que as mesmas representam um

espelho fiel de determinada realidade.

De acordo com Borges (2008) o uso de significados atribuídos às imagens fotográficas

do passado nos dias atuais podem não possuir o mesmo sentido. Por isso, a necessidade de

ouvir as vozes dos homens e mulheres do passado, para que seja possível compreender as

atribuições simbólicas dadas às fotografias. A partir desta discussão pode-se perceber a

importância da história oral como fonte para esta pesquisa, a fim de proporcionar uma

compreensão dos significados das fotografias a partir da interpretação de um cruzamento de

informações.

Martins (2013) descreve a respeito dos sentidos das fotografias, onde algumas

apresentam conteúdos que não eram da intenção do fotógrafo registrar, mas que aos olhos de

um pesquisador, aquele detalhe não intencionado pode ter um caráter valioso, sendo preciso

em busca de detalhes perturbadores. O pesquisador também deve considerar que devido à

disseminação da fotografia no meio popular como expressão visual, acabou ocorrendo uma

classificação sobre o que deve e o que não deve ser visto cotidianamente.

Ainda, para o mesmo autor, a fotografia expressa uma necessidade de representar,

servindo como um apontamento de uma memória, sendo também uma forma de lembrete do

que está perdido no cotidiano. Deve-se lembrar que a fotografia possui um caráter

representativo, dizendo menos do que aconteceu, pois o que é fotografado pode ser apenas

uma representação, cumprindo assim funções de revelações e ocultações da vida cotidiana.

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A fotografia documenta, como atriz, a sociabilidade como dramaturgia. Ela é

parte da encenação, ela reforça a teatralidade, as ocultações, os fingimentos.

Traz dignidade à falta de dignidade, ao simplismo repetitivo da vida

cotidiana. (...) A fotografia “conserta” o fato de que na vida cotidiana a

apresentação social desmente a representação social. (MARTINS, 2013, p.

47)

Geralmente, o cenário escolhido para fotografar é aquele que enobrece o fotografado,

sugerindo uma classe social que não lhe pertence, ou que algum detalhe que valorize mais o

cenário diante dos mais costumeiros. Desta forma a encenação visual é reforçada. Martins

(2013) chama atenção para a disseminação do uso da fotografia por pessoas comuns, através

da invenção do rolo de filme por George Easteman nos Estados Unidos em 1988, colocado,

assim, as fotografias nas mãos do homem comum, pois a partir daí não havia mais limitações

físicas do equipamento fotográfico com a possibilidade de poder levar a máquina portátil para

qualquer lugar. A nova invenção também deu origem às “fotografias vernaculares” (aquelas

fotografias populares guardadas nas caixas de sapato, ou em algum outro compartimento para

tal fim), ou a foto popular qual diversificou os registros visuais em relação aos registros

profissionais. Desta forma, passa a ser expressa outra mentalidade com modos diversos de ver

e fotografar, sendo este ponto considerado um problema para o autor, pois a introdução de

câmeras na vida cotidiana tornam os registros desta vida como negação da realidade, sendo as

fotografias oriundas do senso comum popular incapazes de retratar o cotidiano devido a este

aspecto.

As fotografias constituem, no fundo, imagens de uma realidade social cuja

compreensão depende de informações que não estão nelas expressamente

contidas, para que aquilo que contêm possa ser compreendido de maneira

apropriada e para que o conjunto da foto possa dizer alguma coisa (...)

(MARTINS, 2013, p.175)

É de extrema importância lembrar que José de Souza de Martins é um sociólogo e que

suas afirmações a respeito de que a popularização da fotografia não permite registrar o

cotidiano é realizada com base na idéia da utilização da fotografia para a sociologia. Para

tanto, seu uso para a História é pautado a partir de outros “olhares”, principalmente a partir da

apropriação de fotografias populares tiradas por pessoas comuns. Com a popularização da

câmera fotográfica o cotidiano das comunidades faxinalenses pesquisadas, por exemplo, não

poderiam ser analisadas com as revelações que elas nos proporcionam, pois assim, as

fotografias que antes eram tiradas somente mostrando os faxinalenses de terno e gravata, após

a popularização da máquina fotográfica foi possível o registro de ocorrências mais

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“espontâneas” e reais, como é o exemplo das fotografias de mutirões e trabalhos na roça, que

serão apresentadas adiante. Vejamos agora alguns exemplos a respeito dos benefícios

proporcionados pela popularização da câmera fotográfica:

Imagem1: Família faxinalenses do Faxinal Barreirinho dos Beltrão

Fonte : fotografia cedida por moradora do Faxinal Barreirinho dos Beltrão à autora – década de 1960

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Imagem 2: Cotidiano faxinalenses de adultos e crianças

Fonte: fotografia cedida por moradora do Faxinal Barreirinho dos Beltrão à autora - década de 1990

A partir da análise das duas fotografias anteriores, pode-se perceber o quanto foi

positivo o acesso à máquina fotográfica para diversas camadas da sociedade, pois através

deste fato as pessoas comuns puderam fotografar momentos que expressam melhor a

realidade vivida. Na imagem 1, nota-se que os homens vestiam ternos e gravatas, ou seja, suas

melhores roupas, assim como as mulheres e crianças. A vestimenta deveria ser a melhor

possível para tirar uma fotografia, pois na década de 1960, as fotos eram geralmente tiradas

por algum fotógrafo que passava de tempos em tempos nas residências para registrar os

momentos das famílias. Por isso, poucas eram as oportunidades para um indivíduo ter sua

imagem registrada, e devido a este fato escolhia suas melhores roupas para o momento do

registro fotográfico.

Já na imagem 2, podemos observar uma realidade totalmente diferente da primeira

imagem, onde as crianças em vez de estarem com trajes “de festa”, estão com roupas simples

e trabalhando no processo de colheita e secagem do fumo. Esta foto somente foi possível de

ser tirada, devido um filho de uma faxinalense ter comprado uma máquina fotográfica portátil,

podendo assim, registrar melhor as realidades faxinalenses. Lembramos que este tipo de

fotografia nos permite também realizar uma contextualização do faxinal Barreirinho dos

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Beltrão, onde aspectos como a época da introdução do fumo na comunidade e como esta

cultura influenciou no cotidiano faxinalense podem ser discutidas, assim como também pode

ser pensando a respeito das relações de trabalho no faxinal.

A fotografia, de acordo com Mauad (1996), é uma fonte histórica que demanda do

historiador um novo tipo de crítica, mas também guarda a função de testemunho, pois este

sempre será válido, independente do motivo do registro fotográfico, mas não se pode esquecer

que a fotografia além de informar, possui a finalidade de conformar uma visão de mundo.

Deste modo, a fotografia é portadora de elementos presentes na história, pois dependem do

contexto histórico que as produziu e das diferentes visões de mundo que as influenciaram. As

imagens guardam as marcas do passado que as fez e faz existir, onde mesmo quando o que

está presente nas fotografias desaparece, a memória presente no documento sobrevive.

Dessa forma, como a história está presente no documento, o documento fotográfico

também tem sua história, que envolve o passado de uma imagem em particular.

Para Kossoy (2012) desta forma, as imagens tornam-se documentos para a história,

sendo portadoras de uma grande quantidade de informações de diferentes contextos

sociogeográficos, além da preservação de inúmeros fragmentos de mundo, dos seus cenários,

personagens, suas transformações24 e permanências. As imagens então passam a ser

documentos visuais reveladores de informações, capazes até de despertarem emoções. As

existências e ocorrências preservadas nas imagens são capazes de despertarem os sentimentos

mais profundos e resgatarem aspectos da memória considerados esquecidos. Tudo isso apenas

com os registros das imagens, que são considerados como reflexos de existências conservadas

e eternizadas através do registro fotográfico.

Kossoy (2012) ressalta que a imagem fotográfica é um resíduo do que aconteceu, onde

há um congelamento de uma determinada realidade que já passou. Para que isso seja

concretizado são necessários três elementos essenciais: o assunto, fotógrafo e a tecnologia,

que referem-se aos elementos constitutivos que originam a fotografia por meio de um

processo, onde o que foi fotografado é cristalizado em um determinando e preciso espaço e

tempo, e após é materializada transformando-se em documento. O produto final deste

percurso é a fotografia, sendo o assunto determinado pelo fotógrafo, que escolhe o que quer

“congelar” no tempo e no espaço, ou se for o caso é quem contrata este fotógrafo quem vai

determinar o que quer registrar.

24 É neste sentido que as imagens terão ênfase neste capítulo, com a finalidade de apresentarem as modificações

ocorridas nas comunidades de Faxinal do Salto, Faxinal Barreirinho dos Beltrão e Faxinal dos Francos a partir da

segunda metade do século XX.

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Leite (2000) também afirma que os sinais de vida encontram-se congelados nas

fotografias, e os mesmos são indícios de um mundo pertencente ao passado que precisa ser

reconstituído, podendo se transformar em representação e testemunho de uma realidade. Mas

por este motivo, a fotografia também constitui um problema para o historiador, pois exige que

os vestígios do homem no tempo sejam decifrados. As imagens não se comunicam de forma

imediata e direta com o observador, elas podem se calar em segredo, serem opacas ou

ambíguas, além desafiadoras em sua polissemia, como também podem ser isoladas em sua

comunicação exigindo contextualização para possuir significados. Desta forma, nota-se que

as imagens podem sugerir uma tradução difícil, necessitando de uma abordagem crítica para

que a mesma seja revelada. Assim, o historiador deve ater-se ao rigor do método crítico para

poder lançar aproximações às imagens que muito podem dizer e ao mesmo tempo calar.

Ainda, Leite (2000) considera como fotografia histórica toda aquela que chega até

nossas mãos de forma pronta, tendo sido produzida há algum tempo em relação ao tempo

presente em que o observador a analisa, exigindo que o historiador atente para as condições

de produção (crítica externa) e para o conteúdo das fotografias (crítica interna).

Neste contexto, Mauad (2008, p.58) ressalta a importância da junção de informações

para o processo da interpretação fotográfica, tal como será realizada nesta pesquisa:

O entrecruzamento de imagens fotográficas e narrativas de trajetórias de

vida permite a atualização de memórias e, por conseguinte, da imagem que

aquele grupo quis perenizar para todo o sempre. A fotografia, devido ao seu

caráter técnico, é o estatuto de uma verdade anunciada e conclamada a ser

preservada da ação do tempo, nos álbuns de família, ao mesmo tempo que

confirma o relato de vida. Por outro lado, estes mesmos relatos fornecem

elementos para que tais imagens possam ser devidamente lidas e

interpretadas.

Para Mauad (2008) a fotografia dever ser considerada como um produto cultural,

sendo um resultado de um processo de construção de sentidos. Nesta perspectiva, a fotografia

pode contribuir para a revelação de comportamentos e representações através de suas

atribuições de significados, que podem ser tomadas como pistas para revelarem o que não está

aparente no “primeiro olhar”, mas na realidade é o que concede sentido para a fotografia.

O atestado de um certo modo de vida e de uma riqueza perfeitamente

representada por meio de objetos , poses e olhares. No entanto, entre o

sujeito que olha e a imagem que elabora há muito mais do que os olhos

podem ver. A fotografia – para além de sua gênese automática,

ultrapassando a idéia de analogon da realidade – é uma elaboração do

vivido, o resultado de um ato de investimento de sentido, ou ainda, uma

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leitura do real realizada mediante o recurso a uma série de regras que

envolvem, inclusive, o controle de um determinado saber de ordem técnica.

(MAUAD, 2008, p.31, grifo original da autora)

Neste caso vale ressaltar, que nesta pesquisa também foram utilizadas fotografias

pertencentes ao tempo presente para a análise histórica, sendo algo que tende a enriquecer a

produção de conhecimento neste caso através das comparações com fotografias antigas,

principalmente no que tange o âmbito da análise das paisagens faxinalenses.

Pesavento (2003) enfatiza a importância da busca por um método, de uma estratégia

de abordagem para desvendar os indícios e traços do passado que surgem em meio a

investigação histórica. É de acordo com as questões formuladas pelo historiador que o mesmo

obtém os fios que irão conduzir sua pesquisa e transformará os vestígios do passado em fonte

ou documento. É preciso que o historiador desvende o que cada fonte ou documento tem “à

dizer”, pois sem este trabalho o passado pode ficar silenciado apenas indicando a existência

de um outro tempo. Neste contexto levanta-se a questão a respeito de qual método concebido

pela História Cultural seria o mais apropriado.

Sempre deve ser lembrado que a temporalidade é construída pelo pesquisador, através

da constituição de seqüências cronológicas. Neste sentido é ressaltado que:

A contextualização das fotografias pode ser feita através de um tratamento

sistemático de ordenação das fotos por seqüência. O sentido das seqüências

pode provir tanto da análise de seus dados espaciais, como dos arranjos

temporais a que são submetidos, e também das indagações interpostas por

seus pesquisadores. (LEITE, 2000, p.20)

Como pode ser notado, é de extrema importância que o historiador esteja munido de

métodos para abordar o passado, assumindo assim um discurso que permite com que o

mesmo fale com autoridade sobre a sua representação construída do passado.

Um ponto importante e indispensável nesta produção científica trata-se a respeito de

que as fotografias produzidas durante uma pesquisa podem ser classificadas em dois tipos.

Segundo Guran (2000, p.155): “(...) compreendem dois momentos e cumprem duas

finalidades distintas: a) a fotografia feita com o objetivo de se obter informações, b) a

fotografia feita para demonstrar ou enunciar conclusões”. Sendo assim, para o autor citado

cada tipo de fotografia deve ser analisada levando em consideração a sua especificidade além

do contexto de sua produção. Quando um material fotográfico é analisado é preciso

estabelecer a distinção da imagem pode ser: emique (êmicas) ou etique (éticas), onde é

afirma-se que:

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106

No primeiro caso, quando ela foi produzida ou assumida pela comunidade

estudada, encontra-se forçosamente impregnada pela representação que a

comunidade ou seus membros fazem de si próprios e por consequência

expressa de alguma maneira a identidade social do grupo em questão. Já a

fotografia feita pelo pesquisador, de natureza etique, é sempre uma hipótese

a se confirmar a partir do conjunto de dados recolhidos ou por meio de

outros procedimentos de pesquisa. (GURAN,2000, p. 155 grifo original)

Para o autor, tanto as fotografias de origem etique ou emique, podem ser utilizadas

como instrumento de pesquisa, onde o pesquisador poderá ele mesmo tanto buscar como

produzir seu material fotográfico e o fará avançar em suas reflexões científicas. Neste

contexto Guran (2000) também destaca as fotografias produzidas “para descobrir”, quais

correspondem aos momentos de observação participante no pesquisador, onde o mesmo inicia

a formulação de suas primeiras questões. É neste momento em que começam a ser

configuradas a impregnação de sentidos com muito mais perguntas do que respostas. Estas

fotografias podem ainda, com o decorrer de uma pesquisa adquirir um sentido cada vez mais

rico na medida em que o pesquisador avança na interpretação da realidade estudada. Existem

também, as fotografias “para contar”, quais correspondem ao momento em que o pesquisador

compreende e domina o seu objeto de estudo. Sobre este tipo de fotografia destaca-se que:

A fotografia feita para contar é aquela que visa especificamente integrar o

discurso, apresentar as conclusões da pesquisa, somando-se às demais

imagens do corpus fotográfico e funcionando sobretudo na descrição e na

interpretação dos fenômenos estudados (...) Nada impede, porém, que

fotografias feitas na primeira fase da pesquisa – a de descobrir – passem por

uma releitura e venham a integrar o discurso final nestas categoria. Para que

a utilização da fotografia seja eficaz na apresentação das conclusões da

pesquisa, é necessário que haja uma articulação entre as duas linguagens, a

escrita e a visual, de modo que uma complete e enriqueça outra. (GURAN,

2000, p. 161-162)

Neste sentido o autor quer enaltecer a prática de uma fusão entre dois discursos

distintos que somente funcionam juntos caso estejam dialogando entre si. Para que a leitura

seja facilitada, as fotografias devem ser organizadas de modo a possuírem um sentido em

relação ao texto. A apresentação intercalada entre texto e fotografias formam um todo,

podendo as imagens apresentarem-se como evidência, ou como ponto de partida para uma

reflexão. No caso desta pesquisa, destaca-se a fotografia como ponto de partida de discussões,

como fonte histórica utilizada para a escrita da história que abarca as transformações dos

faxinais em questão. Sendo assim, durante esta pesquisa, podemos afirmar que:

Podemos considerar que a utilização da fotografia pelas ciências sociais –

seja como fonte de dados, instrumento auxiliar para pesquisa ou mais um

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107

elemento do discurso final – coloca, como questões maiores a serem

estudadas: 1) a constituição de um corpus fotográfico; 2) a produção da

fotografia no curso da pesquisa; 3) a leitura da fotografia; e 4) a articulação

entre texto e foto visando à construção de um discurso científico. (GURAN,

2012, p.64)

Destaca-se a partir do seguimento das etapas citadas anteriormente, um desenrolar da

história dos faxinais pautado no desenvolvimento de um discurso científico, mostrando-se a

fotografia como uma eficaz e destacável fonte nesta produção historiográfica.

No âmbito desta pesquisa, as fotografias serão utilizadas para a realização de uma

interpretação histórica, e não como um artefato somente de ilustração. Através destas fontes

foi buscado apresentar as transformações, rupturas e permanências que ocorreram em

comunidades faxinalenses a partir da segunda metade do século XX que se localizam no

município de Rebouças – PR (Faxinal do Salto, Faxinal Barreirinho dos Beltrão e Faxinal dos

Francos), além da apropriação do conceito de paisagem como fio condutor para esta

discussão.

3.1 Paisagem e fotografia

A partir da perspectiva da interpretação fotográfica, é possível realizar um

levantamento de diversos aspectos a respeito das mudanças em territórios faxinalenses no

estado do Paraná, onde a paisagem é um importante indicativo a respeito destas

transformações causadas por sujeitos históricos.

Segundo Mendonça (2009) as paisagens paranaenses precisam ser reveladas e re-

interpretadas, para que novos sentidos sejam atribuídos diante de diversos cenários em

transformação, além da necessidade do conhecimento a respeito de diferentes paisagens

existentes no estado. Quando se é falado em paisagem, primeiramente é realizada uma

assimilação com a paisagem natural do Paraná, porém, é necessário atentar para algo que

Mendonça (2009, p. 9) destaca:

Falamos daquela paisagem derivada da apropriação e da transformação da

natureza pelas sociedades humanas e que, no âmbito do estado, possui

particularidades na sua dinâmica na sua história e, portanto, na sua

constituição. Falamos de uma paisagem híbrida, produto da natureza em

interação com as atividades humanas.

O referido autor sugere que a produção do espaço tem criado diferentes paisagens no

estado do Paraná, onde nos últimos séculos houve uma intensa interação de diferentes

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sociedades, tradicionais e modernas em diversos territórios. Desta forma, resgatar a história

destas paisagens e seus variados significados é de grande valia pra a constituição de um

registro histórico e geográfico, onde a paisagem cultural é focada como centro de

interpretação. É necessário considerar que a natureza é marcada pelas atividades humanas,

onde diversos sujeitos históricos empregaram seus valores e costumes.

Em meio a esta discussão, destacam-se também os escritos de Fáfero (2014, p. 4):

As paisagens são moldadas pelas inter-relações dos componentes biofísicos

da natureza com as ações humanas. O mosaico de paisagens encontrado em

todas as regiões brasileiras é a expressão da diversidade de ambientes

naturais associada à sociodiversidade historicamente presente em cada

território que as constitui. Desde os primórdios da ocupação, os povos

originários foram se estabelecendo nos diferentes ambientes, interagindo

com o meio e conformando as paisagens.

A partir destas afirmações, pode-se perceber que é inegável a relação existente entre o

os elementos naturais e humanos quais carregam consigo as “marcas” da história. Estas

marcas históricas nos permitem desenrolar, pesquisar, indiciar e descobrir as transformações,

rupturas e permanências a respeito de territórios e demais espaços, como neste caso, sobre os

territórios faxinalenses.

Nesta mesma perspectiva, Cicilian Luiza Löwen Sahr (2010) também descreve a

respeito de uma linha de pesquisa que considera a paisagem como um resultado da interação

de processos naturais e culturais em transformação. Neste cenário, a paisagem não é apenas

algo dado como natural em que o homem interage, mas trata-se de um conjunto de processos

quais podem constituir um patrimônio.

Essa paisagem como patrimônio torna-se um pertence de todas as pessoas,

que nele estabelecem seus mundos vividos e sua visão de natureza. Assim, a

paisagem vai sendo produzida a partir das mãos e ideias criativas que

reúnem a natureza com o meio ambiente humano por meio da agricultura, da

técnica e do folclore. (SAHR, 2010, p. 13)

Sahr (2010) atenta para o fato das transformações ocorridas nos últimos 300 anos da

história do Segundo Planalto Paranaense, principalmente nas porções dos Campos Gerais e

das Matas de Araucária, sendo realidades que sofreram influências de diversos grupos

culturais oriundos de vários lugares do mundo, onde trouxeram consigo experiências e

conhecimentos formando um complexo mosaico impresso na paisagem. É preciso lembrar

também, que a cultura não constrói apenas um conjunto de bens materiais e imateriais, mas

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109

sim toda uma rede de conhecimentos capaz de criar laços de identidade nas diferentes

paisagens existentes.

Sahr (2010) destaca que o ambiente se configura a partir das diferenciações de

processos de povoamento cultural, como é o exemplo dos faxinais, onde o cenário é

construído dependendo da forma como uma determinada população cria ou recria seu espaço,

havendo o estabelecimento de interrelações com seus traços culturais. Desta forma é

considerável que:

A paisagem aparece, dessa forma, tanto como paisagem de produção e

vivência (paisagem-produto), quanto paisagem texto. Na primeira estão

presentes aspectos decorrentes de diferentes atividades econômicas e

culturais, sejam estas oriundas da viabilização de fluxos, como no caso das

ferrovias, ou de condições de moradia e trabalho, como no caso da

arquitetura. Já a segunda é formada por diferentes narrativas que se

entremeiam em um palimpsesto da paisagem – trata-se de narrativas de

caráter ambiental, voltadas ao turismo, ou ao mundo do trabalho. Assim,

reúnem-se na paisagem ambientes, ações e significados. (SAHR, 2010, p.

15)

A partir da tomada da paisagem como palimpsesto25 consideramos que uma

determinada paisagem pode ter várias “camadas” dos mais variados sentidos e formas

atribuídos e construídos pela ação do homem ao longo da história. Estas camadas podem ser

percebidas através das narrativas que possibilitam a revelação de tais paisagens, tanto como

produto, quanto como algo que remete à uma determinada vivência. A partir desta perspectiva

podemos enfatizar que a paisagem também é aquilo que é lembrado através de uma ativação

de uma memória que pode ser individual ou coletiva. Neste caso, temos um exemplo da

narrativa de uma moradora do já desagregado Faxinal dos Francos, que relata suas lembranças

da paisagem faxinalense da segunda metade do século XX:

Era mais cheio, era bonito viu, tinha pinheiro, tinha bastante árvore bonita

né, é bem melhor era né, agora é todo mundo desmatando, mas plantar

25 “O palimpsesto é uma imagem arquetípica para a leitura do mundo. Palavra grega surgida no século V a.c.,

depois da adoção do pergaminho para o uso da escrita, palimpsesto veio a significar um pergaminho do qual se

apagou a primeira escritura para reaproveitamento por outro texto. A escassez de pergaminhos os séculos de VII

a IX generalizou os palimpsestos, que se apresentavam como os pergaminhos nos quais se apresentava a escrita

sucessiva de textos superpostos, mas onde a raspagem de um não conseguia apagar todos os caracteres antigos

doa outros precedentes, que se mostravam, por vezes, ainda visíveis, possibilitando uma recuperação. Esta

definição primeira do palimpsesto nos fornece uma chave para os olhos do historiador, quando se volta para o

passado. Há uma escrita que se oculta sobre outra, mas que deixa traços; há um tempo que se escoou mas que

deixou vestígios que podem ser recuperados. Há uma superposição de camadas de experiência de vida que

incitam ao trabalho de um desfolhamento, de uma espécie de arqueologia do olhar, para a obtenção daquilo que

se encontra oculto, mas que deixou pegadas, talvez imperceptíveis, que é preciso descobrir.” (PESAVENTO,

2004 p. 26)

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ninguém planta. Desde antes do faxinal acabar tiravam os pinheiro, como era

bonito o pinhal que tinha, era lindo mesmo, agora “acabou-se” tudo (...)

muito verde muito bonito, tinha cavalo, porco, vaca, ovelha, pato ganso,

tinha aguadas, mas fecharam daí trancaram tudo, vão plantando e fechando e

trancando as fontes (...) A paisagem pra mim é pior, pois antes tinha

pinheiro, tinha àrvores, tinha tanta coisa bonita de você ver né, e agora você

vê tudo limpo né, pra bem dizer e se eles podem arrancar tudo arrancam, é

tudo limpo mesmo, meu Deus (...) (Gema Dallagnol, entrevista concedida à

Sonia Vanessa Langaro em 05/07/2016)

A paisagem produto do Faxinal dos Francos, atualmente está relacionada o plantio de

soja e pinus, havendo poucos resquícios físicos de suas características faxinalenses, restando

apenas as lembranças. Outro exemplo, podemos observar nos relatos de uma moradora do

Faxinal do Salto ao afirmar sobre a paisagem faxinalense e suas modificações ao longo do

tempo:

Mudou bastante porque era fechado, tinha bastante árvore, bastante pinheiro,

tinha tudo bastante né, e daí foram derrubando e devassando tudo, e agora se

procurar uma árvore boa não encontra né, era tudo mais bonito, uma árvore

boa não encontra, era fechado de mato, iam derrubando pra vender (...)

Tinha muito pinheiro nossa, agora dá pra contar quantos pinheiro tem e antes

era, aqui na frente da igreja pra cá era tapado de pinheiro, agora não tem

nada mais, tinha gavirova, pitanga e tudo essas outras fruta do mato tinha

bastante, agora ficou só pimenteira mais mas tinha bastante cereja tinha tudo

isso aí, e foram cortando. (Benedita Veranoski, entrevista conceda à Sonia

Vanessa Langaro em 20/10/2016)

Neste contexto, nota-se através dos relatos, que muito do que havia nas paisagens

faxinalenses hoje está na memória dos moradores destas comunidades, sendo possível

perceber o quanto o estudo das paisagens e narrativas dos faxinais podem revelar aspectos

riquíssimos em relação às suas constantes dinâmicas.

Nota-se também, que o conceito de paisagem utilizado nesta pesquisa, considera a

ação do homem como agente transformador dos cenários. Nesta pesquisa, a paisagem é

interpretada a partir da perspectiva histórica, sendo tomada como um elemento transformado

pela ação do homem ao longo do tempo, ou seja, a paisagem é discutida no âmbito da

temporalidade. Para Gandy (2004, p.77)

Os recentes desenvolvimentos da história do meio ambiente transformaram o

estudo da paisagem. Da síntese regional passou-se para uma interpretação da

paisagem como articulação de forças materiais diversas. (...) O estudo da

história da transformação do meio ambiente apresenta evidentes similitudes

com a École des Annales, em especial com os trabalhos de G. Duby e de F.

Braudel, para quem as mudanças da paisagem são explicadas a partir da

evolução dos alicerces econômicos da organização social.

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Neste caso, as ações antrópicas passam a fazer parte do cenário da transformação das

paisagens, onde a dimensão física não é a única e exclusiva responsável pelos mais diversos

cenários em mudança. Gandy (2004) considera que as paisagens são resultados das dinâmicas

das relações sociais e sua interpretação deve partir das interrelações entre a história da

sociedade e da natureza.

Para complementar, Floriani (2011) descreve que diante da crise socioambiental

registrada a partir do final do século XX, podemos perceber que esta anormalidade não

corresponde apenas ao esgotamento de recursos naturais, mas também de sistemas de

organização que vivem de forma oposta ao projeto modernizador pautado no uso exploratório

do meio ambiente. Neste contexto, emergem ocorrências de resistência a este projeto, como é

o caso de agricultores agroecológicos que vivem na busca e luta constante em prol de

mecanismos alternativos aos processos de produção capitalistas dominantes.

Com estas ocorrências, torna-se necessário a realização de uma nova leitura sobre o

sentido de práticas produtivas e paisagem, sendo destacado por Floriani (2011, p. 28) que

“esta nova visão, a paisagem não é apenas um conjunto de elementos físicos dissociados das

maneiras de se ver (subjetividade) e de fazer (práticas), como pretende o modelo hegemônico

produtivo e todo o arsenal científico que acompanha e reforça essa visão (....)”. Para este

autor citado, este modelo hegemônico pautado na aplicação de tecnologias para a produção

agrícola (sementes geneticamente modificadas, insumos químicos e sintéticos, entre outros)

possui um concorrente chamado de sistema vernacular, ou sistemas agroecológicos e sistemas

de produção tradicionais, onde estes influenciam nas paisagens e na terra de forma muito

menos impactante e de maneira mais sustentável do que o modelo proposto pelo agronegócio.

O sistema vernacular de produção tende a estabelecer uma interação maior do homem com o

meio através da combinação entre racionalidade e subjetividade, ou seja, suas relações com o

meio são frutos de sua própria história de vida que lhes proporcionam experiências a respeito

dos ecossistemas locais, além de seus limites e potencialidades.

Assim, a partir das colocações do autor citado anteriormente, podemos dizer que a

paisagem percebida pelos povos tradicionais, por exemplo, são representadas como extensão

de suas vidas, tanto na escala temporal, como espacial, sendo algo que tende a configurar seus

territórios. A paisagem neste contexto passa a ser global e múltipla, onde o conjunto formado

pelo território reflete uma paisagem com um “rosto humano”.

Vale ainda aqui ressaltar, o conceito de paisagem destacado por Augustin Berque

(2000 apud FLORIANI, 2011, p. 85) que concebe:

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(...) paisagem como marca “marca” e “matriz” da relação que uma sociedade

estabelece como o espaço e com a natureza. Essa marca possui um sentido

implicando toda uma cadeia de processos físicos, mentais e sociais. Tais

processos participam dos esquemas de percepção, de concepção e de ação,

ou seja, da cultura que canalizam em certo sentido, isto é, a paisagem

enquanto matriz. Assim, a paisagem é plurimodal (passiva-ativa-potencial),

como é plurimodal o sujeito para o qual a paisagem existe: a paisagem e o

sujeito são cointegrados em um conjunto unitário, que se autoproduz e

autorreproduz e, portanto, transforma-se, porque há sempre interferências.

Sendo assim, o autor aponta a cultura como elemento promotor de sentido para as

relações, o que pode ser diretamente associada à produção da paisagem específica configurada

pelos faxinalenses, onde pode-se afirmar que a paisagem pode ser produto da territorialidade

correspondente. Floriani (2011, p.83) ainda destaca que:

A partir da análise da paisagem, o território rural possui ligação com as

práticas nele registradas. Isto é, podemos utilizar a abordagem visual para

descrever as práticas dos agricultores impressas na paisagem: trata-se de ler

a paisagem para entender o sistema de práticas agrícolas, e vice-versa.

Desta forma, a paisagem representada a partir das práticas agrícolas, remetem a uma

nova forma de interpretar o campo, pois esta forma de análise da paisagem vivida e percebida

por grupos sociais revelam territórios representados por práticas que indicam uma identidade

específica.

Além das práticas agrícolas, pode-se perceber que são vários os elementos que nos

levam a uma interpretação da paisagem, entre eles, os chamados geossímbolos. Neste

contexto, Floriani (2016, p. 205) destaca que:

(...) a compreensão das narrativas sociais impressas na paisagem pressume a

interpretação dos objetos espaciais enquanto símbolos. Termo cunhado pelo

geógrafo francês tropicalista Jöel Bonnemaison, os “geossímbolos” podem

ser entendidos como um conjunto de signos que estruturam a paisagem,

dando um sentido ao território que, por meio de sua dimensão simbólica,

confere-lhe uma territorialidade cultural.

A partir das entrevistas realizadas nos faxinais em questão, é possível perceber como

as narrativas estão arraigadas nas paisagens e estão diretamente relacionadas aos

geossímbolos, citados por Bonnemaison (2002, apud FLORIANI , 2016) , sendo estes

podendo referir-se à floresta, ao criadouro comum e a tudo o que está relacionado ao uso da

terra e que fornece “sentido ao território”.

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Se compararmos alguns elementos e seus sentidos para moradores e não moradores

destas comunidades, é possível identificar atribuições próprias, como é o caso do criadouro

comum, floresta nativa e terras de plantar que compõe um território de atribuições subjetivas

do “saber fazer” faxinalense. A floresta não é para ser devastada, mas sim deve ser preservada

para produzir frutos para a alimentação dos animais criados à solta, assim como o criadouro

comum é espaço de criação coletiva de animais, e não espaço de cercamentos e privatizações.

Sendo assim, veremos à seguir quais são os elementos, ou signos, que apresentaram

modificações ou permanência nos faxinais investigados.

3.2 Interpretação fotográfica nos faxinais

Baseando-se nas discussões anteriores nota-se a grande importância da utilização de

fotografias no âmbito de pesquisas sobre faxinais, sendo possível observar vários aspectos

que apresentam modificações na paisagem, assim como também nas práticas faxinalenses em

relação ao seu modo de vida. Desta forma, a seguir serão apresentadas seqüências de imagens

referentes ao Faxinal do Barreirinho dos Beltrão, Faxinal do Salto e Faxinal dos Francos para

que a partir da interpretação destas fontes sejam apontadas as transformações ocorridas ao

longo do tempo.

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Imagem 3: derrubada e queimada de árvores nativas no Faxinal Barreirinho dos Beltrão

Fonte: fotografia cedida por moradora do Faxinal Barreirinho dos Beltrão à autora - década de 1990

De acordo com a imagem 3, produzida na década de 1990, é possível perceber as

queimadas realizadas após a retirada de árvores nativas, para que posteriormente fossem feitas

plantações de milho, batata, soja e fumo. Mais ao fundo é possível observar a floresta nativa

do faxinal do Barreirinho dos Beltrão contendo a típica araucária que atualmente encontra-se

em menor quantidade nesta comunidade.

Quando houve a chegada das novas agriculturas, o espaço existente nas terras de

plantar já não era mais suficiente para dar suporte para as novas agriculturas. A solução

encontrada foi realizar a retirada da floresta nativa para assim, liberar vastas áreas onde fosse

possível o uso de maquinários e produções em grande escala. Estes momentos de mudanças e

“progresso” geralmente eram registrados pelas câmeras dos faxinalenses e hoje estes registros

podem ser utilizados como importantes fontes para investigação no âmbito dos faxinais, pois

através da problemática exposta a partir da imagem anterior, por exemplo, pode-se perceber

como as ações estão impressas nas paisagens e que podem ser associadas a diversas mudanças

estruturais do sistema em questão.

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Imagem 4: Trator e pulverizador no Faxinal Barreirinho dos Beltrão

Fonte: fotografia cedida por moradora do Faxinal Barreirinho dos Beltrão à autora - década de 1990

A imagem 4 referente à década de 1990, demonstra a mecanização da agricultura no

faxinal que passa a substituir o trabalho manual e com animais (como os cavalos) pelos

tratores, além da utilização de agrotóxicos para produção de alimentos em larga escala, sendo

aos poucos diminuídas as práticas de plantio tradicionais, sem utilização de venenos e

baseadas em saberes adquiridos de geração para geração. Estes apontamentos podem ser

observados também no relato de Dona Ediméia Ferreira, moradora do Faxinal Barreirinho dos

Beltrão, ao falar sobre as mudanças que ocorrem na comunidade ao longo do tempo em

relação à agricultura:

Mudou bastante, porque antes antigamente que nós “entremo” aqui faz 50 e

poucos antes de nós mudar pra cá, nós fazia nossas lavoura só com animal,

seja cavalo, mula, burrinho, e com a mesma lavoura e erva nós ia comprando

as terra que nós “fiquemo” com tudo as terra aqui, esse lugar aqui pra nós

antes nós plantava o milho, o feijão, plantava arroz, alguma miudeza a mais

batatinha tudo pro gasto, tudo sem veneno, é o que eu digo que mudou muito

sabe, porque nós plantava e dava bem, nem adubo não precisava, então o que

mudou é isso hoje se não por lá no preparar a terra, pode plantar que não dá

a lavoura daí né?! Já hoje os rapaz (filho) por causa dos maquinários que

foram comprando plantam mais soja e milho, e feijão também um pouco,

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tudo pra venda. (Ediméia Ferreira, entrevista concedia à Sonia Vanessa

Langaro em 07/07/2016)

Imagem 5: menino faxinalense e tratores no Faxinal Barreirinho dos Beltrão

Fonte: fotografia cedida por moradora do Faxinal Barreirinho dos Beltrão à autora – década de 1990

Nesta imagem, é visto o que chamamos de fato fotográfico, discutido anteriormente,

onde elementos que fogem do foco principal do fotógrafo podem ser reveladores de subsídios

que contribuem para determinadas discussões. Neste caso, os tratores começam a ter suas

aparições nos registros das famílias simbolizando uma mudança de vida em relação às

práticas agrícolas, além de significar também uma mudança de status social. Sobre estas

questões, Dona Ediméia faz seu relato sobre qual o motivo da família possuir tantos registros

de maquinários agrícolas:

(...) Pra ficar a lembrança da luta da pessoa, que eles vão mudando também,

aí eles vão mostrar pros filho também deles né, como que era aquele tempo

como é que eles começaram. Hoje não “usamo” mais o cavalo, até “os

plantador” de fumo que preparavam tudo com cavalo, hoje eles tem algum,

mais é mais com o trator, cada um tem um trator. (Ediméia Ferreira,

entrevista concedia à Sonia Vanessa Langaro em 07/07/2016)

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Imagem 6: plantações de soja e eucaliptos no Faxinal Barreirinho dos Beltrão

Fonte: fotografia cedida por moradora do Faxinal Barreirinho dos Beltrão à autora – 2000

Em seguida a partir da análise da imagem 6, pode-se observar uma área, onde segundo

informações dos faxinalenses, era uma área com florestas nativas que foi devastada para o

plantio de batata e soja, e mais ao fundo o espaço restante é aproveitado para o plantio de

eucaliptos ocasionado uma drástica mudança na paisagem, assim como também nas práticas

cotidianas em relação à agricultura. Lembramos que as ocorrências aqui descritas, não

limitam ao enquadramento que a imagem nos traz, mas é tomada com um fato que afetou o

faxinal Barreirinho dos Beltrão em geral. A presença da soja e eucaliptos podem ser

observadas por todos os arredores do criadouro comum, sendo algo que segundo a faxinalense

entrevistada, tende à refletir o fato de que grandes proprietários de terras da redondeza fazem

com que existam certa pressão para que as terras de criadouro comum sejam para eles

vendidas e o criadouro comum seja extinto. Já foram registradas ocorrências até mesmo de

morte e desaparecimento de animais como ato de intimidação para os faxinalenses, como é

afirmado por Dona Ediméia: “(...) daí tiveram que vender ‘umas porca’ criadeira porque

passavam daí no terreno desse outro lá (latifundiário) que não quis o criadouro, daí ele matava

(...)

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Imagem 7: cerca faxinalense seguida de eucaliptos no Faxinal Barreirinho dos Beltrão

Fonte: acervo particular de Sonia Vanessa Langaro - 2015.

A partir da imagem 7 também podemos levantar novamente as questões discutidas a

partir da realidade existente no limites do Faxinal Barreirinho dos Beltrão entre as terras de

criar e terras de plantar fornecendo uma visão contraditória, pois após a cerca faxinalense,

referente a uma área de preservação e criadouro comum, está a plantação de eucaliptos que

futuramente terá a madeira utilizada como fonte de energia para o aquecimento das estufas de

fumo para secagem das folhas. Mais ao fundo, pouco notável na imagem, mas confirmada em

saída de campo, há uma plantação de soja, que segundo moradores do local, invadiram as

áreas faxinalenses acarretando um processo de encurralamento do sistema comunitário.

Estas mudanças não somente modificaram os aspectos físicos da comunidade, mas

também influenciaram nas relações sociais. As práticas coletivas que faziam parte da vida no

faxinal, hoje fazem parte apenas da memória dos indivíduos. O trabalho que antes era

realizado coletivamente, hoje já não é mais possível fazer devido ao prevalecimento do

individualismo. Sobre estes tempos “animados”, a entrevistada nos conta:

Antes era mais unido o povo, agora já não é tanto assim, cada um quer fazer

pra si né.!? Agora já é diferente, sempre foi assim até uns tempo”, e quando

era no terreno dos outros ele ia ajudar, se era pra arar ele pegava “os animal”

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dele e ia arar e se fosse pra carpir, e até de carpida tinha sabe, agora é só com

maquinário, cada um tem o seu né!? E até os que plantam fumo eles tem os

tratorzinho dele ali, mas trocavam o serviço, era mais animado, mais união

no povo. (Ediméia Ferreira, entrevista concedia à Sonia Vanessa Langaro em

07/07/2016)

A problemática obtida através das fotografias apresentadas nos fornece uma parte da

história do Faxinal do Barreirinho dos Beltrão, demonstrando como a mecanização da

agricultura e a implantação da cultura do fumo agrediram o meio ambiente local e

modificaram as práticas agrícolas, neste caso principalmente a partir da década de 1990. Mas,

ao associar estas fotografias com os relatos da faxinalense entrevistada, nota-se que esta

mecanização e mudanças das práticas representam um sentimento de orgulho e progresso:

mecanizar, plantar fumo e soja significava aumento na renda da família, e conseqüentemente

melhores condições de vida. Estes “avanços” eram dignos de registro, pois com a implantação

de um discurso dominante agenciado pelas instituições promotoras da modernização do

campo (mídia, empresa, Estado) estes significavam um marco para a história da família, onde

pouco se pensava nas mudanças negativas que este progresso estaria ocasionando em relação

às constituições físicas e culturais do faxinal. No caso destes faxinalenses, eles ainda possuem

uma grande vontade de continuar seguindo com o que ainda existe do sistema faxinal,

diferente de muitas famílias que acabaram vendendo suas terras para latifundiários destinarem

ao agronegócio.

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Imagem 8: vegetação do Faxinal Barreirinho dos Beltrão

Fonte: acervo particular de Sonia Vanessa Langaro - 2017

O que também pode ser indagado no tempo presente a partir das fotografias e das

observações da paisagem, é a questão de como manter o que restou deste faxinal e quais

seriam as atitudes que tendem a colaborar para sua manutenção. É visível que a área do

criadouro comum abarca muitas espécies de vegetação nativa, como a araucária e a erva mate,

sendo um aspecto que necessita de atenção para que o pouco do que restou seja preservado.

Neste contexto, os moradores colocam sua esperança no poder público local para que possam

continuar com o sistema.

Diante deste cenário, complementamos a discussão com as palavras da faxinalense

sobre a ajuda da prefeitura municipal até o ano de 2016:

Pois sabe pra te “contá” bem a verdade, que nós estamos isolado aqui, o

“veinho” fez o pedido ficou só no livro lá na prefeitura, o pedido das tela, só

uma vez que eles mandaram. Mata burro... era pra fazer mata burro de ferro

nas três saídas, pois eles fizeram de madeira e depois quando estava caindo

(...) aí foi falado com luta, daí trouxeram um de ferro e de cá também é de

ferro, só que esse de cá estava passando uns porco meu, daí tivemos que

tirar, porque eles fizeram muito pertinho os vão, daí tiveram que vender

umas porcas porque passavam no terreno desse outro lá (latifundiário) que

não quis o criadouro, daí ele matava, agora ele está mais calmo um pouco,

ele avisa, mas tempos atrás ele matava, tem que ficar reparando e cuidando

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as cercas (...).Daí ficaram de vir trocar - o mata burro- e sabe qual foi a

resposta da prefeitura pro filho? Disseram que não tinham verba na

prefeitura, que estavam “apurado” e não tinham máquinas, e não podiam vim

e não vieram até hoje. (Ediméia Ferreira, entrevista concedia à Sonia

Vanessa Langaro em 07/07/2016)

Pode-se perceber que ainda há muito que ser feito por parte dos órgãos públicos locais

para o atendimento das necessidades desta comunidade, sendo este quesito um ponto

primordial para o acesso aos recursos que incentivam a manutenção do faxinal, pois como

pode ser percebido, é inegável a existência de pressões externas que cada vez mais

enfraquecem as práticas tradicionais.

Vejamos agora, algumas ponderações em relação ao Faxinal do Salto a partir das

seguintes fotografias:

Imagem 9: Família do Faxinal do Salto na colheita de arroz e milho

Fonte: fotografia cedida por morador do Faxinal do Salto à autora - década de 1960

Na década de 1960, percebe-se que a agricultura era realizada manualmente, onde toda

a família se deslocava para as terras de plantar para ajudar em todo o processo: desde o

preparo da terra até o estágio da colheita. Os produtos eram cultivados para a subsistência da

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família, e caso houvesse algum excedente, o mesmo era trocado ou vendido para vizinhos da

região. Sobre estas práticas, a entrevistada Senhora Benedita Veranoski faz a seguinte fala:

Plantavam só pra comer, mais milho, feijão e arroz e de um tempo em diante

que plantaram trigo, quando era “nóis” que trabalhava, o pai fazia “nóis” ir

na roça desde cedo era só milho e feijão, é que essa plantação forte aqui não

tinha, é de um tempo pra cá que veio, porque aqui era muito pobre, sempre

foi um lugar muito pobre demais, a gente tem que não esconder porque era

mesmo, não tinha ajuda era tudo esquecido....o fumo era bem antes da soja

que começaram plantar, só que era mais pra lá e soja faz pouco tempo.

(Benedita Veranoski, entrevista concedida à Sonia Vanessa Langaro em

20/10/2016)

Imagem 10: Carroça e cavalos no Faxinal do Salto

Fonte: fotografia cedida por morador do Faxinal do Salto à autora - Década de 1970

As carroças e os cavalos também auxiliavam no trabalho rural, sendo utilizados tanto

nos trabalhos com as plantações, quanto como meio de transporte. Quem possuía cavalos ou

carroças, era considerado “bem de vida” segundo a entrevistada, e não poderia faltar nos

registros das famílias uma fotografia com estes itens. Neste período, a paisagem era pouco

transformada pelo homem e as plantações visavam à subsistência. Porém, a partir da década

de 1990 este cenário passou ser modificado no Faxinal do Salto, mudanças estas que podem

ser associadas com a vinda da mecanização que passou a alterar as relações sociais e tradições

faxinalenses.

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Imagem 11: Galpão como estábulo para equinos – Faxinal do Salto

Fonte: Fotografia cedida por uma moradora do Faxinal do Salto à autora – Década de 1990

O Faxinal do Salto por muito tempo teve suas práticas agrícolas baseadas na tração

animal. Os tratores e demais máquinas eram consideradas como algo novo e muito diferente

para os moradores locais. Esta comunidade faz limites com o Faxinal dos Francos, onde é

comentado que após a expansão dos maquinários agrícolas neste último faxinal citado, os

vizinhos passaram a circular pelo Salto a fim de negociarem terras e expandirem mais ainda

suas plantações. Com o passar do tempo, os processos que ocorriam na comunidade vizinha (e

que serão apresentadas adiante), a partir de 1990 começaram adentrar a comunidade do

Faxinal do Salto. Sobre estas ocorrências é relatado que:

Antes era tudo a cavalo, mas acho que foi duns 10 anos pra cá que quase

tudo comprou né!? Antes não tinha, o que tinha era o Paulo Santos26, ele

vinha lá do Faxinal dos Francos com o trator e ia aquela carreira de piá atrás

pra ver o trator né?! No começo, aqui na comunidade acho que faz uns dez

anos que começou. (Benedita Veranoski, entrevista concedida à Sonia

Vanessa Langaro em 20/10/2016)

26 Nome fictício.

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Imagem 12: Galpão utilizado para guardar trator– Faxinal do Salto

Fonte: Fotografia cedida por uma moradora do Faxinal do Salto à autora - meados da década de 1990

Percebe-se que as questões levantadas pelas imagens 11 e 12, tratam-se da substituição

da tração animal e carroças por tratores. Isto em apenas uma década, o mesmo galpão que

abrigava os animais, passou a ser utilizado como abrigo para as máquinas agrícolas. Com o

“novo integrante” dos faxinais, mal esperavam os faxinalenses que juntamente do entusiasmo

pela chegada do “novo ou moderno”, também estavam chegando muitas transformações,

novas concepções, mentalidades e práticas que influenciaram em um modo de vida construído

e vivido por muitos anos. Claro, nem todos os faxinalenses tiveram condições de adquirir

máquinas agrícolas, mas alguns dos que conseguiram, acabaram cedendo às propostas

capitalistas de produção comercial e geração de lucro, onde muitos acabaram cercando suas

propriedades e posicionando-se contra a continuação do criadouro comum. Diante destas

questões, foi perguntado para a faxinalense entrevistada, quais foram as transformações que

ela gostaria de citar a partir desta mudança de pensamento que migrou do coletivo para o

individual:

(...) acho que o que tem é a ambição de tirar, de limpar querem que fique

mais, é cada um quer ter o seu, eu acho que seja, mudou muita coisa, todo

mundo trabalhava junto né, com seis e até dez pessoa pra ir plantar, os

vizinho até iam lá na outra, e agora não, se não tiver dinheiro pra pagar

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ninguém vai, mudou muito, iam arar com arador de cavalo assim, e agora é

tudo sozinho. (Benedita Veranoski, entrevista concedida à Sonia Vanessa

Langaro em 20/10/2016)

Nota-se que a coletividade foi aos poucos sendo deixada de lado. Não que as máquinas

sejam as vilãs da história e responsáveis por toda destruição e mudanças destas comunidades

tradicionais, mas sim a ambição de quem as usa, o individualismo que cega os olhos diante do

bem comum e necessidades coletivas.

Imagem 13: Mutirão faxinalense Faxinal do Salto

Fonte: Fotografia cedida por uma moradora do Faxinal do Salto à autora – 1970

O depoimento de Dona Benedita pode ser associado à realidade apresentada na

imagem 13, onde por muito tempo, a comunidade faxinalense exercia suas práticas

coletivamente. Quando havia uma colheita para realizar ou lugares no faxinal necessitassem

de roçadas, por exemplo, os moradores se mobilizavam e cumpriam o serviço de forma

conjunta. Quando outra pessoa precisava, todos novamente realizavam as tarefas necessárias e

desta forma trocavam serviços entre os membros da comunidade. Como o criadouro comum é

utilizado de forma coletiva, era natural que todos ajudassem na sua manutenção em todos os

seus aspectos.

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Imagem 14: Mutirão faxinalense durante limpeza do criadouro comum

Fonte: Fotografia cedida por uma moradora do Faxinal do Salto à autora - 2005

As práticas comentadas anteriormente aparecem ainda por um bom tempo nesta

comunidade. A imagem 14 revela que mesmo com algumas mudanças nas relações sociais da

comunidade a partir da década de 1990, ainda eram feitas as roçadas no criadouro comum e as

cercas eram arrumadas com a ajuda de todos. Porém, com o passar do tempo, este cenário foi

sendo deixado cada vez mais no passado, sendo afirmado pela entrevistada e por demais

moradores da comunidade, que atualmente não é mais costume os indivíduos reunirem-se em

prol do criadouro comum, alegando estarem muito ocupados em suas tarefas individuais.

Os moradores mais jovens estão cada vez mais distantes das tradições perpetuadas

pelos seus pais ou avós, mas mesmo assim utilizam o criadouro para criar seus animais à

solta. A alegação recai sobre a falta de incentivo por parte do poder público e perda de sentido

de identidade. Isso talvez possa ser justificado diante da convivência com mudanças ocorridas

no faxinal, na paisagem, no espaço, o que se vê e o que se vive não é mais o mesmo de

tempos passados, perdendo-se assim, o espírito e sentido de ser faxinalense ao longo da

história.

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Imagem 15: Faxinalense preparando-se para trabalhar na plantação de fumo

Fonte: Fotografia cedida por moradora do Faxinal do Salto à autora - 2004

Com os questionamentos levantados pela imagem 15, é possível supor que o

tradicional não é totalmente substituído nesta comunidade, mas sim é integrado ao

“moderno”, o cavalo e as carroças ainda são muito utilizados no trabalho do campo e demais

afazeres do dia a dia. Como já foi descrito, nem todos os faxinalenses tiveram condições

financeiras para comprarem maquinários. Este fato pode ser associado devido a muitos dos

moradores do Salto não possuírem propriedade da terra e quantias consideráveis de terrenos

para plantar com mecanização, mas sim moram neste espaço a partir dos acordos

comunitários que permitem os sujeitos morarem e criarem seus animais sob as condições de

manutenção do criadouro comum através do cuidado com as cercas, por exemplo. Sendo

assim, o trabalho com a cultura do fumo torna-se uma alternativa para quem possui pouca

terra, onde o trabalho braçal aliado à tração animal acaba sendo o suficiente para a produção,

porém o cultivo do fumo é algo que não era comum neste faxinal e sua produção é totalmente

para fins comerciais.

Sendo assim, pode-se afirmar que diversas são as práticas que coexistem, o tradicional

é praticado juntamente com as novas técnicas agrícolas, sendo um fator que talvez esteja

contribuindo para sobrevivência do faxinal.

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Imagem 16: plantação de soja (em segundo plano) no Faxinal do Salto

Fonte: Fotografia cedida por moradora do Faxinal do Salto à autora - década de 2000

A imagem 16, nos revela as novas paisagens que começam a fazer parte do Faxinal do

Salto desde a década de 1990, onde extensas áreas antes ocupadas por florestas nativas e

espaços de terra destinados para a agricultura de subsistência deram espaço aos “mares de

soja” e demais agriculturas comerciais. Muitos pequenos proprietários venderam o pouco que

tinham para os grandes latifundiários. Muitas áreas pertencentes ao criadouro foram

facilmente negociadas até que leis que protegem estas áreas se tornassem um pouco mais

rigorosas e entrassem em vigor. Neste contexto, a faxinalense destaca a contribuição da

aplicação das leis que visam a manutenção e preservação destas áreas:

Tem gente que procura as terras de faxinais pra comprar pra plantar, mas

aqui só não acabou por causa do registro, aquele lá daquele Abdala que tem

o terreno maior do criador, aí tem um que mora em Bituva das Campina

também, se não fosse o registro já tinha acabado (...) Para falar bem a

verdade começa pelos vizinhos (...) que querem terminar aqui, porque ele

tenham terra ali e por eles já fazia tempo, porque matar porco nas roças eles

venham matar, quando é tempo de milho assim. (Benedita Veranoski,

entrevista concedida à Sonia Vanessa Langaro em 20/10/2016)

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Além das pressões pela compra de terras, os moradores ainda perdem seus animais

quando eles acabam escapando para as terras de plantar. Sendo algo que se torna incontrolável

quando as cercas não estão em boas condições.

Imagem 17: Vista parcial do Faxinal do Salto

Fonte: Acervo particular de Sonia Vanessa Langaro – 2016

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Imagem 18: Paisagem referente ao Faxinal do Salto

Fonte: Acervo particular de Sonia Vanessa Langaro – 2016

Com o estudo das imagens 17 e 18 é possível identificar o resultado de várias

transformações na paisagem deste faxinal. A paisagem faxinalense atualmente apresenta

versões contraditórias: terras de criadouro comum e preservação ambiental juntamente com

eucaliptos, pinus e extensas áreas destinadas à agricultura mecanizada, sendo um cenário cada

vez mais constante nos arredores do Faxinal do Salto.

Pode-se apontar que a agricultura e demais práticas comerciais foram responsáveis por

diversas mudanças neste faxinal, tanto em seus aspectos físicos como socioculturais. Além da

diminuição da área do criadouro comum e floresta nativa, as práticas coletivas de troca de

serviços, limpeza e manutenção dos elementos faxinalenses foram cada vez mais deixados de

lado.

De acordo com Deffontaines (2006 apud FLORIANI, 2011, p. 85)

(...) a produção da paisagem pelo agricultor é entendida como ato de suas

práticas a partir das quais ele mobiliza as proporções, as escalas, os ritmos,

as cores, as sombras e as luzes. Desse modo, o agricultor é também produtor

de formas. E se o agricultor produz formas, há também uma linguagem

visual da agricultura que resulta, mais que dos processos técnicos de

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produção, da maneira de o agricultor pensar sua atividade e a sua relação

com o meio.

As palavras do autor citado sugerem a relação que as práticas agrícolas possuem com

as novas paisagens faxinalenses. As “formas, cores, sombras e luzes” formam um imenso e

complexo mosaico que produz e reproduz os processos históricos através de uma linguagem

paisagística. Todas as suas técnicas e intenções acabam sendo marcadas nos ambientes e

espaços, onde infelizmente o que se vê e disso é interpretado, é cada vez mais o

prevalecimento do individualismo e homogeneidade.

Imagem 19: Vista parcial do Faxinal do Salto

Fonte: Acervo particular de Sonia Vanessa Langaro – 2016

Ao interpretar esta imagem, podemos refletir acerca dos limites entre dois “mundos”

muito diferentes. A paisagem é mesclada pelo que Floriani (2016) aponta como espaços

sagrados e profanos. Para o autor, fora do criadouro comunitário estão as “terras de plantar”

constituídas por cultivos baseados em princípios da agricultura moderna e reflorestamento em

que a madeira é destinada para fins comerciais. O espaço além do criadouro agora é

considerado de ordem profana “ou do mundo desencantado”, onde a racionalidade econômica

acabou por desencantar a natureza e o homem passou a querer controlá-la.

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Desta forma, os sentidos da natureza foram se perdendo ao longo do tempo, e os

cenários vazios de sentido passam a encurralar os faxinalenses que procuram sobreviver a

partir do que restou de seus espaços de vida. Sobre o sentido dos espaços coletivos dos

faxinais pode-se afirmar que:

Ora, a floresta comunitária faxinalense, é o jardim sagrado cultivado,

portanto híbrido, resultante da criação constante de diversidades

complementares, que convergem para a meta- adaptações em meio às

divergências dos processos históricos. É aí onde ocorre a reprodução

material e imaterial da natureza-sociedade, cumprindo um papel econômico

e simbólico da organização socioecológica desse grupo. (FLORIANI, 2016,

p. 215)

Os espaços coletivos do faxinal devem oferecer livre acesso a todos, sendo

privatizações e cercamentos proibidos por lei, porém, não é essa a realidade que interpretamos

a partir das comparações da realidade à seguir:

Imagem 20: Aguada no criadouro comum Faxinal do Salto

Fonte: Acervo particular de Sonia Vanessa Langaro – Julho de 2014

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Imagem 21: Aguada em área de criadouro comum cercada – Faxinal do Salto

Fonte: Acervo particular de Sonia Vanessa Langaro – outubro de 2016.

Analisando a imagem 21 e 22 e considerando todo o seu contexto, foi possível

identificar um grave problema que está se tornando cada vez mais comum em comunidades

tradicionais, em especial nos faxinais, sendo estes os cercamentos, também chamados de

fechos, que neste caso acabou individualizando/privatizando recursos naturais (aguada) em

área de criadouro comum. Sabe-se que as áreas de criadouro comum estão cadastradas como

ARESUR (Áreas Especiais de Uso Regulamentado) que visam a preservação ambiental, onde

as mesmas estão protegidas por lei sendo proibido o cercamento ou degradação destas áreas ,

pois o animais precisam circular livremente por este espaço em busca de alimento e água.

Porém, alguns moradores do Faxinal do Salto acabaram cercando parte do criadouro, com

cercas de tela fechada, algo que impede a passagem de animais pequenos e grandes

interferindo na sua circulação e acesso aos recursos naturais. Segundo relatos dos moradores,

os cercamentos foram feitos com a justificativa de que irão utilizar o espaço para plantações

de pequena escala. As autoridades já foram avisadas mas até o presente momento, de 2017,

nenhuma posição foi tomada tanto por parte da Secretaria da Agricultura do município de

Rebouças quanto pelo IAP (Instituto Ambiental do Paraná) que é órgão fiscalizador

responsável dos faxinais. Os cercamentos continuam da mesma forma.

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Neste contexto, a moradora da comunidade expressa sua opinião sobre as ocorrências

dos cercamentos em áreas de criadouro comum:

Dizem que vão plantar lá, fecharam a frente da casa do Ademar, do

Adãozinho tudo, vão vendendo as heranças pequenininhas, tudo né, daí vão

vendendo e aquele que compra faz uma cerca pra ficar dono de tudo, mais da

metade do lugar pra bem dizer está fechado. A turma de fora estão vindo

comprar os pedacinhos, vão comprando e vão fechando né, eu estava falando

pro pessoal que aqui não vai muito tempo vai fechar tudo. (Benedita

Veranoski, entrevista concedida à Sonia Vanessa Langaro em 20/10/2016)

Estes cercamentos são atribuídos à justificativas que apenas mascaram o desejo da

privatização. Mesmo contra lei, os indivíduos arriscam fechar suas propriedades sem pensar

no bem coletivo. De acordo com o que é relatado, ainda há o problema dos que vem “de fora”,

ou seja, pessoas que acabam comprando pequenas áreas de terra (geralmente são pessoas

oriundas da cidade que querem ter uma propriedade para morar ou passar os finais de

semana), mas que não querem se sujeitar às leis do faxinal e nem aos seus acordos

comunitários.

Ainda, sobre a ajuda que os órgãos públicos locais fornecem para a comunidade é

relatado que:

De primeiro vinha as coisas da prefeitura, agora não tá vindo nada assim

porque não fazem as cerca, não, a única coisa que vinha era o material pras

cerca e aquelas muda de arvoredo e agora nem isso não tem vindo (...) acho

que isso aí também depende do presidente, fazer reunião, porque o dinheiro

a gente sabe que vem lá na prefeitura pra comunidade (...) esses tempo atrás

veio tela, palanque e arame, mas ninguém teve coragem de fazer 1 metro de

cerca. Tem morador que tá com a criação tudo fechado né, porque não tem

cerca né, porque como é que vai soltar pra escapar (...) fazem aqueles

mangueirão daí né?! (Benedita Veranoski, entrevista concedida à Sonia

Vanessa Langaro em 20/10/2016)

Além das dificuldades enfrentadas com a falta de materiais, existe ainda a falta de

compromisso por parte dos moradores na manutenção do faxinal, sendo consequência o

fechamento dos animais em mangueirões e potreiros. Este fato pode ser associado ao

desânimo interno observado em boa parte dos integrantes da comunidade, que com o passar

do tempo foram enfraquecendo seus traços identitários faxinalenses diante de tantas pressões

externas e dominantes que sofreram e ainda sofrem.

Este cenário configura-se como preocupante para muitos faxinalenses da comunidade,

pois a partir do momento em que os próprios moradores do faxinal se opõem ao sistema, a

luta pela manutenção do mesmo se tornará cada dia mais árdua. Muitos moradores do Faxinal

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do Salto não possuem terras próprias no faxinal e simplesmente moram lá pelo fato de

poderem usufruir do criadouro comum, mas caso este sistema venha a se desagregar, fica a

pergunta: para onde irão estas pessoas? Aonde vão morar e ganhar o seu sustento? Para os

“mares” de soja, pinus e eucalipto? Com certeza não. Sendo assim, esse é um problema sério

a ser analisado e freado para que esta comunidade não venha a se desagregar apesar do

processo de desestruturação que vem sofrendo. A moradora do faxinal destaca a necessidade

de pessoas que direcionem caminhos para a manutenção do sistema para que ele não venha a

acabar e levar consigo, a sua história e a história de muitas outras pessoas.

Agora, vamos acompanhar o caso do Faxinal dos Francos, este já desagregado

enquanto sistema desde início dos anos 2000 e discutir as questões que as fotografias nos

trazem.

Imagem 22: Família Dallagnol em Faxinal dos Francos

Fonte: Fotografia cedida por moradora do Faxinal dos Francos à autora – década de 1960

Na década de 1960, as carroças e cavalos eram importantes elementos no cotidiano da

comunidade. Além de meio de transporte, estes dois elementos exerciam o papel principal na

hora do preparo da terra, plantio e colheita. A entrevistada desta comunidade relata que tudo

que comiam era plantado por eles, compravam nos comércios locais somente sal, açúcar e

querosene. O trigo, o arroz, a linhaça era colhida com suas próprias mãos:

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“Que nem diz o causo”, primeiro era tudo com os cavalos e também que nem

o arroz “nóis” batia tudo com a mão, assim pegava os fechinho com uma

tábua e batia né?! O milho também nos debulhava e descascava ele e

colocava na maquininha e plantava com a mão. O feijão também “nóis”

limpava bem o terreiro e daí nos estendia tudo os feijão no terrero e daí batia

tudo com um pau ou com uma vara. (Gema Dallagnol, entrevista concedida

à Sonia Vanessa Langaro em 05/07/2016)

O trabalho manual e somente com animais não era nada fácil, mas era o suficiente para

a produção das necessidades básicas da família. Além dos alimentos, os moradores ainda

contavam com a carne dos animais que criavam a solta no criadouro comum. Assim era a vida

no Faxinal dos Francos até este cenário começar a mudar a partir do final dos anos de 1970 e

início de 1980, algo que pode ser analisado a partir das imagens seguintes.

Imagem 23: Trabalhadores e trator – Faxinal dos Francos

Fonte: Fotografia cedida por moradora do Faxinal dos Francos à autora – início da década de 1980

A partir da década de 1980, os tratores e demais maquinários agrícolas começaram a

fazer parte da comunidade faxinalense. A presença destes elementos nos álbuns fotográficos

das famílias é extremamente evidente. Tratores, destocar para plantar e passar veneno em

grandes plantações de monoculturas significava progresso e melhora nas condições de vida.

Porém, poucos foram os que tiveram acesso às novas tecnologias, já o restante dos

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faxinalenses continuavam a depender do criadouro comum e do plantio de alimentos para sua

subsistência.

Imagem 24: Destoca em Faxinal dos Francos

Fonte: Fotografia cedida por moradora do Faxinal dos Francos à autora – década de 1990

Com o estudo da imagem 25, é evidente a grande derrubada de floresta nativa para que

as áreas se tornassem livres para o plantio de soja, batata ou milho visando o comércio. A

paisagem do Faxinal dos Francos foi rapidamente modificada pela busca de acúmulo de

capital. Sobre a derrubada de florestas nativas, a entrevistada destaca que:

Aqui os (...) (nome ocultado da família latifundiária) tem esse costume de

enfiar não sei o que nos pinheiro pra fazer secar o pinheiro, sabia dessa?

Nós não fazemos isso ali, porque dá dó, não tem como porque fazer outro

não fazemos mais, em vez de plantar né?! Isso foi de um tempo pra cá

quando começaram à plantar (soja), e daí aquele pinheiro estrovava, daí

tacam veneno, matam e dizem: “olha o pinheiro morreu”, mas não morreu o

coitado, morreu de veneno, morreu envenenado. (Gema Dallagnol, entrevista

concedida à Sonia Vanessa Langaro em 05/07/2016)

Ainda, além dos casos de envenenamento da vegetação nativa, ainda houve um grande

desmatamento para venda de madeira identificado no depoimento à seguir:

Nós, não vendia, mas os outros vendiam, outros cortavam e vendiam

madeira de lei eles cortavam, era proibido e cortavam mesmo e vendiam

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mesmo. Pra destruir destrói né, mas depois pra plantar não planta, aí que tá

né, nossa vida olha se soubesse aqui pra cima, os (...) (nome ocultado da

família) eles cortaram mais de 3 mil pinheiro de portinho assim óh

(pequeno) e fora dos grande e daí os caminhão saia de noite, veio o Ibama

deram multa e não sei o que eles fizeram. A gente não sabe, porque sabe

como é que né, mexer com essa gente, eles destruíram madeira de lei, mas de

tudo, de tudo destruíram de tudo. (Gema Dallagnol, entrevista concedida à

Sonia Vanessa Langaro em 05/07/2016)

Imagem 25: Uso de agrotóxicos em plantações de soja – Faxinal dos Francos

Fonte: Fotografia cedida por moradora do Faxinal dos Francos à autora – década de 2000.

A entrevistada relatou que os conflitos começaram quando uma família de

latifundiários não queriam mais abrir e fechar os portões para ter acesso às terras de plantar,

onde os mesmos começaram arrancar pedaços de cercas para que os animais escapassem e

iniciassem brigas entre os moradores. Estes mesmos indivíduos começaram a impor pressões

nos faxinalenses, através do envenenamento de animais através de sementes, ocorrendo a

morte de mais de 100 animais de pequeno porte em um curto período de tempo. Os moradores

chegaram a procurar o poder público local, mas não tiveram êxito, como pode ser observado

no seguinte relato:

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Foram até a prefeitura, mas aí até o prefeito ficou com medo, o prefeito

largou e disse: não tem como a gente “ponhar o bico” né?! E gente valente

ali com revólver e tudo, não tinha como ninguém se meter, tinha que

resolver entre as família mesmo , eles aconselharam e tudo né (...) deram e

mandaram ainda palanque, prego, arame, mas não adiantou nada, a

ganância foi maior, foi isso ali que um tanto quiseram (desmanchar)

“deusolivre” se eu fosse contar toda a verdade...Eu tinha bastante ganso

sabe!? E você sabe que os bichinho não tem divisa, sabe o que os “fulanos”

(nome ocultado da família) faziam? Jogavam veneno no milho e passavam

na estrada derramando milho, a vizinha ali em baixo tinha mais de 100 patos,

pois mataram tudo mataram tudo com veneno. (Gema Dallagnol, entrevista

concedida à Sonia Vanessa Langaro em 05/07/2016)

Já os porcos e demais animais criados à solta eram mortos ou voltavam para suas casas

feridos por armas de fogo, sendo que os moradores também eram ameaçados e temiam “essa

gente” pelo fato de possuírem armas, levando-os a não realizarem denúncias. Neste contexto,

o processo de desestruturação deste faxinal encontrava-se em estágio avançado, onde as

pessoas mais humildes e fragilizadas pelo medo acabam calando-se diante das relações de

força e poder que estavam subordinados.

É desse jeito, viu, acabou o criador por causa disso ali, porque eles davam

tiro em criação dos outros assim que chegavam na casa deles, davam tiro e

não “tavam” nem aí, e você veja nós nunca denunciemos, porque todo

mundo tinha medo deles, coitado dos porco chegavam em casa gritando

(atirado). Eles ameaçavam as pessoas e atiravam nos “animal” (...) eles

arrancavam que nem os portão tiravam vão de cerca, depois ficavam

escondido no mato esperando ver se passava alguém (...) (Gema Dallagnol,

entrevista concedida à Sonia Vanessa Langaro em 05/07/2016)

Toda essa narrativa configura um cenário de fragilidade para o sistema faxinal nesta

comunidade, onde o fato extremo foi a arrancada dos portões durante a noite por esta pessoas

opostas à manutenção do sistema faxinal. A prefeitura até chegou a ser acionada, mas como

relatou dona Gema: “até o prefeito tinha medo deles”:

Foi tirado à força, tanto o lá de baixo como aqui arrebentaram tudo também,

ali em cima também, porque tinha 3 portão arrebentaram tudo. Nem era

grande coisa (a família) mas não queria mais que tivesse criadouro, queria tá

livre né?! Foi de noite, quem nem diz o causo “tá encoberto ainda” mas a

turma sabe quem que é né?! Daí começaram (...) porque a criação iam até lá

pro Rodeio (comunidade vizinha) iam por tudo né, começaram lá em baixo,

daí vieram aqui, depois começaram lá em cima , daí pronto daí a criação saia

tudo né?! Daí tinha que brigar pra acabar com tudo, venderam vaca, porco,

criação, venderam o que tinham foi vendendo tudo daí né, cavalo (...) fazer o

que onde que você ia fechar?! Ninguém tinha um piquete né, tudo era com a

“fiusa” do criadouro daí como é que ia fechar!? (Gema Dallagnol, entrevista

concedida à Sonia Vanessa Langaro em 05/07/2016)

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Conforme a narrativa sobre a retirada dos portões e ameaças, os moradores da

comunidade foram obrigados à vender seus animais, pois muitos tinham apenas o espaço do

criadouro comum e da floresta comunitária para a criação de seus animais e também alimentar

os mesmos, ou seja, a partir da privatização dos recursos naturais, a reprodução do sistema

comunitário não consegue continuar existindo.

Imagem 26: Plantação de pinus no Faxinal dos Francos que em área que correspondia ao

criadouro comum

Fonte: Acervo particular de Sonia Vanessa Langaro – 2016

Hoje a realidade e história deste faxinal está marcada, ou “impressa” na paisagem

deste espaço, que é caracterizada por monoculturas e privatizações. Esta forma de paisagem,

infelizmente para o Faxinal dos Francos significou a destruição de um modo de vida

tradicional de muitas pessoas, que foram obrigados a deixarem o modo de vida coletivo e a

adaptarem-se com as mudanças que a modernização trouxe consigo. As modificações

afetaram todos os aspectos da vida na comunidade, principalmente nas relações sociais e

práticas coletivas que hoje ficaram somente na memória. Sobre este contexto, a entrevistada

relata em tom de tristeza e saudade:

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Pra nós fez falta porque tínhamos gado e cavalo tudo solto, porco tudo solto

e se “nóis queremo” tá tudo fechado. Quem tem alguma coisa ainda se cria,

mas quem não tem não tem nada daí né?! O que precisa, precisa de tudo

ainda né, pra passar aterrador, passar carpideira na miudagem... às vezes

ainda precisa né?! Fazia (aviação) agora não fazem mais (...) Antes tudo os

vizinho iam junto uma turminha e se reuniam e arrumavam as cerca junto e

limpavam, tudo se ajudavam um com o outro né, e agora virou tudo em

nada, pois desmancharam tudo mesmo, cada um cuida do seu “nóis

cuidamo” do nosso e era sim mais unida, bastante viu bastante mais unida,

trocávamos até alimentos (...) (Gema Dallagnol, entrevista concedida à Sonia

Vanessa Langaro em 05/07/2016)

Imagem 27: Plantações de Pinus e áreas destinadas às plantações de soja no Faxinal dos

Francos

Fonte: Google Maps 2017.

A última imagem para fechar a discussão sobre os processos de desagregação do

Faxinal dos Francos, nos leva a pensar até que ponto chegou as transformações na paisagem e

consequentemente, nos modos de vida dos indivíduos envolvidos neste processo. Hoje a

paisagem desde faxinal desagregado é composta por grandes plantações de soja e pinus, onde

podemos aplicar a expressão utilizada por Schörner (2016) de paisagem poder, onde a

dimensão alcançada pela soja, pinus, eucalipto, entre outros, traduzem que o agronegócio

venceu, ou também, como dizia dona Gema Dallagnol: “A ganância prevaleceu (...) Hoje

faxinal é só o nome, Faxinal dos Francos é só o nome (...)”

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A partir da interpretação destas imagens aliadas a entrevistas nesta comunidade,

percebe-se que em relação às duas comunidades anteriores a inserção da mecanização

agrícola ocorreu mais precocemente, sendo que quando no Faxinal dos Francos na década de

60, 70 e 80 já existiam as carroças e tratores, nos outros faxinais pesquisados nestas mesmas

décadas os trabalhos ainda eram feitos com a força braçal ou com tração animal. Somente a

partir da década de 1990 que a mecanização agrícola passou a fazer parte do cenário do

Faxinal do Salto e Barreirinho dos Beltrão, enquanto que no Faxinal dos Francos esta já era a

realidade à algum tempo a mais. Através deste comparativo, é levantada a hipótese da estreita

relação entre a intensa mecanização da agricultura e a desagregação do Faxinal dos Francos,

sendo algo fortalecido a partir dos relatos de dona Gema Dallagnol, moradora desta

comunidade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pesquisar e refletir sobre faxinais ou povos tradicionais trata-se de um campo

extremamente fecundo. Vários são seus enraizamentos, principalmente por tratarem-se de

grupos que tiveram suas histórias ofuscadas por correntes historiográficas excludentes. Neste

sentido, a utilização de fotografias nesta pesquisa, e também da história oral exerceram um

papel fundamental para os desdobramentos da interpretação realizada neste trabalho de

pesquisa.

Considerando que estes povos não possuem documentação escrita a fim de registrarem

seus rastros, ambas as fontes citadas apresentaram-se como um importante fio condutor na

tessitura das questões aqui apresentadas. A utilização da fotografia como fonte e não como

ilustração é uma prática de pesquisa que muito tem a colaborar não somente nas pesquisas

com povos tradicionais, mas em vários campos da História.

Outro ponto crucial da investigação, trata-se da análise da paisagem a qual é tomada

como elemento revelador das práticas e das transformações ocorridas nas comunidades

pesquisadas. Sendo assim, a partir destes direcionamentos metodológicos, foi possível

apresentar um panorama referente a três comunidades rurais do município de Rebouças, onde

uma delas encontra-se desagregada, Faxinal dos Francos, e as demais, Faxinal do Salto e

Barreirinho dos Beltrão estão ativas enquanto sistema faxinal, mas estão passando por

processos de desestruturação.

Em um âmbito geral, é perceptível diversas situações conflituosas que afrontam

direitos e colocam em risco modos de vida tradicionais. O principal ponto apresenta-se a

partir da revelação de uma paisagem intensamente transformada pelo homem que acaba por

interferir tanto nos aspectos físicos, como nas relações socioculturais faxinalenses. Desta

forma, estes fatos podem ser associados à expansão da mecanização agrícola no campo, que

infelizmente apresenta-se acompanhada de um discurso homogeneizador e individualista.

Limpar (desmatar) para plantar, plantar para exportar, exportar para lucrar. Estas perspectivas

pouco, ou nada consideram a existência de diferentes territórios que possuem suas práticas

específicas de trabalho com a terra e relações com a natureza.

Deste modo, estudos sobre os territórios faxinalenses desconstroem as concepções a

respeito da existência de um mundo rural homogêneo, revelando que no caso do estado do

Paraná, o campo é sim marcado pela heterogeneidade que não suporta mais passar como

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despercebido pela sociedade e pelas políticas públicas. O esquecimento aqui falado destas

comunidades é algo sempre narrado pelos sujeitos faxinalenses, sendo fruto de um processo

histórico que ocasionou a marginalização destes grupos em favorecimento das classes e

discursos dominantes.

Através da interpretação das fotografias e entrevistas orais, foi possível realizar uma

análise das transformações que ocorreram nos faxinais em questão. Enquanto muitos faxinais

deixaram de existir como sistema, vários deles resistem apesar de problemas internos e

externos, como o abandono das práticas comunitárias tradicionais por parte dos moradores e

pelo avanço da agricultura comercial mecanizada com vistas ao mercado externo. Como

sistema de vida, produção e cultura, os faxinais apresentam características sustentáveis para

amenizar problemas agrários quanto à falta de terras através dos criadouros comuns.

Na comunidade de Faxinal dos Francos, a desagregação ocorreu de uma forma

caracterizada como agressiva a partir a inserção dos maquinários no cotidiano da comunidade,

ao mesmo tempo em que chegou para facilitar o trabalho no campo, também impulsionou as

rupturas no sistema faxinal através dos discursos incorporados pelos grandes proprietários de

terras. Neste contexto, os pequenos proprietários ou quem morava do faxinal a partir dos

acordos comunitários tiveram seus direitos violados e foram obrigados a calarem-se diante de

ameaças. O que nos resta hoje é uma paisagem marcada pelo desenrolar destes conflitos e

cada vez mais homogênea.

No faxinal Barreirinho dos Beltrão, a entrada dos maquinários e novos cultivos e

práticas agrícolas também não deixaram de dominar sujeitos que visam a extinção do

criadouro comum. Porém, ainda uma pequena parte ainda resiste diante de pressões e a

esperança para a defesa deste território recai sobre as autoridades locais.

Os faxinais foram sempre detentores de matas nativas, essenciais para a criação dos

animais. Essa característica, contudo, passa por transformações uma vez que em muitos

faxinais tem havido desmatamento, além da introdução de espécies exóticas como o eucalipto,

consequência direta da cultura comercial do fumo, atividade anteriormente restrita a pequenas

roças para consumo interno. Portanto, é necessário haver proteção, incentivos e fiscalização

para que estas reservas florestais nativas remanescentes sejam preservadas do desmatamento

para fins agrícolas comerciais ou reflorestamento com espécies exóticas, monoculturas que

afetam os ecossistemas e a biodiversidade regional.

Para que este quadro seja ao mínimo freado, é necessário que haja a conscientização

de maneira geral de toda a sociedade, da importância que possuem estas comunidades

tradicionais em questões de sustentabilidade a partir de suas práticas culturais peculiares.

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Algumas das alternativas são as próprias políticas públicas, desde que sejam aplicadas com

compromisso, nas quais os moradores depositam grande parte de suas esperanças, além do

importante trabalho realizado por pesquisadores para o levantamento de dados para que os

faxinalenses saibam o que é necessário fazer para evitar as desagregações dos faxinais.

Tratando-se do Faxinal do Salto, este também não deixou de sofrer com as

consequências do capitalismo e mecanização no campo. Porém, é destacável na conclusão

deste trabalho a inserção desta comunidade no projeto “Selo Socioambiental de Produtos da

Agrofloresta Faxinalense: capacitação sociotécnica e empoderamento jurídico para inclusão

social e geração de renda em comunidades rurais tradicionais do Paraná”, aprovado no âmbito

do edital Universidade Sem Fronteiras da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do

Paraná, qual é coordenado pelo professor Nicolas Floriani (UEPG) e conta com a colaboração

de parceiros como: grupo de pesquisa Interconexões – UEPG, CASLA - Casa Latino

Americana e Laboratório de Povos Eslavos e Faxinalenses – UNICENTRO. Este projeto

possui como missão de diagnosticar produtos agroflorestais dos faxinais; verificar as

potencialidades de atrativos turísticos; promover estratégias comerciais para circulação de

renda pela venda de produtos típicos; elaborar um selo da agrofloresta faxinalense para

agregar valor aos produtos, bem como fomentar a organização de feiras para a

comercialização e divulgação dos produtos faxinalenses.

No dia 12 de março de 2017, os responsáveis pelo projeto realizaram uma reunião com

os moradores desta comunidade, onde a proposta foi apresentada e acordada com os

faxinalenses. Esta reunião contou com a presença de representantes dos órgãos públicos

locais, quais se comprometeram na tarefa de incentivo à recuperação do Faxinal do Salto.

A partir desta breve discussão sobre este importantíssimo projeto, pode-se perceber

que o Faxinal do Salto possui agora uma oportunidade para reconstruir sua história, seus

espaços, seus significados e também, sua identidade. O caminhar deste projeto apresenta-se

como um divisor de águas para a comunidade, pois finalmente, agora os faxinalenses podem

ser ouvidos quanto aos seus anseios e poderão ter oportunidades antes nunca à eles ofertadas.

Neste sentido, a Universidade e a pesquisa em comunidades faxinalenses passam a configurar

um cenário de fortalecimento, e não somente interesse de publicações. Complementando

ainda este pensamento, com as palavras do Professor Dr. Dimas Floriani (UFPR): “eis a ética

da pesquisa, que acabará por retribuir, de certa forma, o que estas comunidades nos oferecem

como conhecimento.”

No Paraná atual encontram-se vários faxinais em estado de desagregação. Geralmente,

não por vontade dos faxinalenses, mas por pressões externas representadas principalmente

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pela agricultura comercial para exportação, como é o caso da soja. Diante desse quadro de

instabilidades e incertezas, o apoio e reconhecimento da sociedade em geral exerce papel

relevante para a manutenção de um patrimônio cultural e ecológico paranaense. Nota-se que

as políticas públicas existentes, ainda que insuficientes e falhas em diferentes momentos,

podem sim colaborar em benefício deste sistema, buscando preservar as características dessas

comunidades tradicionais. O apoio governamental é importante e necessário para a

preservação dos faxinais e sua cultura. Contudo, a participação dos próprios faxinalenses

nesse processo deve ser considerada, uma vez que são os atores e construtores de muitas lutas

por seus direitos e a garantia da continuidade de seu modo de vida.

Por fim, muito ouvi dos faxinalenses, durante esta pesquisa, as seguintes frases: “a

corda arrebenta para o lado mais fraco”, “vivemos esquecidos”, “ a ganância prevaleceu”,

sendo algo que nos leva a refletir sobre a importância do trabalho acadêmico e científico

nestes espaços, para que a partir desta experiência a história destas pessoas possam ser

escritas, de modo a servirem de exemplo para o futuro, bem como ter a oportunidade de suas

vozes serem ouvidas no presente podendo soar como um manifesto gerador de aberturas para

soluções concretas a partir de ações políticas e sociais.

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FONTES ORAIS

Gema Dallagnol – 75 anos. Viúva, agricultora aposentada, natural do Rio Grande do Sul. Faz

mais de 60 anos que mora no Faxinal dos Francos. Possui certificado de benzedeira exercendo

as práticas que aprendeu com sua mãe. Entrevista realizada em 05/07/2016.

Benedita Andrade: 72 anos. Casada. Agricultora aposentada. Moradora do Faxinal do Salto,

reside na comunidade desde que nasceu, sendo destacado que boa parte de sua história, suas

horas vagas foram dedicadas a alfabetizar crianças da região quando não tinham acesso na

escola, além de ser reconhecida como benzedeira e ajudar os necessitados através de suas

práticas nas mais variadas situações. Entrevista concedida em 20/10/2017.

Ediméia Ferreira: 79 anos. Viúva. Agricultora aposentada. Moradora do Faxinal Barreirinho

dos Beltrão. Veio morar no faxinal com 23 anos de idade após se casar. Dedicou sua vida no

cuidado da casa, dos filhos e auxílio na lavoura. 07/07/2017.

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