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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA CURSO DE HISTÓRIA MONOGRAFIA ISABEL CRISTINA MEDEIROS DE MORAES LETRAS NEGRAS: representações escravas nos jornais maranhenses (1830 - 1841) São Luís 2013

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE … · Oxalá, filho Brasil pede a benção de Mãe África”. Clara Nunes . RESUMO Vastas e consistentes pesquisas existentes acerca

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO

CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA

CURSO DE HISTÓRIA MONOGRAFIA

ISABEL CRISTINA MEDEIROS DE MORAES

LETRAS NEGRAS: representações escravas nos jornais maranhenses (1830 - 1841)

São Luís 2013

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ISABEL CRISTINA MEDEIROS DE MORAES

LETRAS NEGRAS: representações escravas nos jornais maranhenses (1830 - 1841)

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção do grau de licenciada em História.

Orientador: Prof. Dr. José Henrique de Paula

Borralho.

São Luís 2013

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Moraes. Isabel Cristina Medeiros de.

Letras Negras: representações escravas nos jornais maranhenses

– anos 1830 a 1841/ Isabel Cristina Medeiros de Moraes – São Luís,

2013.

93 fls.

Monografia (Graduação) – Curso de História, Universidade

Estadual do Maranhão, 2013.

Orientador: Prof. Dr. José Henrique de Paula Borralho

1. Escravidão. 2. Jornais. 3. Anúncios. 4. Representações. 5.

Permanências I.Título

CDU: 070. 326.3 (812.1)”1830/1841”

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ISABEL CRISTINA MEDEIROS DE MORAES

LETRAS NEGRAS: representações escravas nos jornais maranhenses (1830 -

1841)

Monografia apresentada ao Curso de História, da Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção do grau de licenciado em História.

Aprovada em / /

BANCA EXAMINADORA

_______________________________ Prof. José Henrique de Paula Borralho (Orientador)

Doutor em História Universidade Estadual do Maranhão

_______________________________ Prof. Marcelo Cheche Galves

Doutor em História Universidade Estadual do Maranhão

_______________________________ Profa Tatiana Raquel R. Silva

Doutora em Estudos Afro-brasileiros

Universidade Estadual do Maranhão

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A Antônio Neres de Morais, Bernardo

Mascarenhas e tia Maria.

Todos in memoriam, mas presentes em

emoções, intuições, lembranças e

saudades constantes...

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AGRADECIMENTOS

Como não é possível se realizar um trabalho solitariamente, sempre

teremos alguém a nos auxiliar, agradecemos sinceramente:

A Deus, a Oxalá, a Ogum, aos Pretos-velhos, aos amigos de luz e

mentores espirituais de longas datas, aos familiares que já partiram, agora

transformados em vigilantes atentos. Acredito que todos me sustentam

incondicionalmente, independente da experiência da fé. Obrigada pela presença

constante, especialmente na realização desta tarefa.

À minha querida mãe Izete Féques Medeiros, pela oportunidade que

tenho de proporcionar-lhe esta alegria. À Douglas Medeiros, único irmão de sangue,

à cunhada Marliete, pela paciência durante este período, onde a responsabilidade

com este trabalho falou mais alto. A todos, a gratidão por entenderem as ausências.

Aos pequenos da família, Antônio, Heitor e Sophia, fontes inesgotáveis de

amor e alegrias.

Um agradecimento especial às filhas queridas, Cláudia, Ana e Fernanda,

as quais certamente encerram esta etapa comigo, com o orgulho estampado no

rosto.

A todos os primos queridos, tios(as) e outros familiares. Trago um

reconhecimento maior por alguns, mas prefiro não citá-los diretamente.

Aos amigos do coração, de todas as idades, endereços, crenças,

convicções e opiniões diversas, os quais de alguma forma engrandecem minha

existência e me fazem prosseguir: Sâmara Lima (pelo carinho e amizade),

Mariazinha (pelo incentivo, pelo notebook), Jandira Paiva (pelo carinho), Drª

Bethânia (pela amizade e respeito), Enfª Carla Azevedo (pelos bons momentos),

Rafah Valadão (pela alegria de sempre), Kris Maciel (pelos longos papos) e tantos

outros de Brasília – DF, assim como de Morros-MA.

Aos caríssimos e inesquecíveis amigos da turma 2005.1 da UEMA,

Nayara Meggie, Elizabeth Ferreira, Marcelo Fortaleza, etc. Seus lindos, muito

obrigada pelas alegrias compartilhadas, pela companhia durante a graduação, e

especialmente, nas viagens por este Brasil afora.

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Ao irmão de alma, Uslan Mesquita o qual amo incondicionalmente. Pela

companhia, pelo amor, pelo colo, pela paciência, pelas loucuras, pelas gargalhadas,

por enxugar as lágrimas, pelas “ogrices”, pelas “viagens”...

Só um beijo no coração poderá expressar a gratidão a Samira Tércia,

pelo apoio irrestrito ao entregar em minhas mãos a chave da casa, onde pude me

recolher durante meses e conseguir a tranquilidade necessária para esta tarefa. Meu

carinho total à Lacerda Júnior.

Um agradecimento mais que especial à Profª Cirana Porto. Desse

contato, em 2003, que se transformou em amizade sincera e extremo respeito, veio

o incentivo de que eu era capaz de adentrar o seleto mundo da universidade pública,

aos 39 anos. Por se emocionar e comemorar junto comigo todas essas conquistas.

Nossos momentos serão para sempre. Sem esquecer o caro Luis Guilherme.

À Mariza Bezerra, o meu mais irrestrito reconhecimento pela

intelectualidade e disposição, as quais me auxiliaram sobremaneira. Obrigada

mesmo!

Ao querido orientador/amigo/professor Dr. Henrique Borralho (Papai

Urso), pela ajuda indispensável nesta árdua tarefa.

Aos professores do curso de História da Universidade Estadual do

Maranhão, pelo suporte intelectual, pela ampliação do conhecimento e da cultura,

critérios que estarão comigo por toda a vida.

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“Pelo bastão de Xangô e o caxangá de

Oxalá, filho Brasil pede a benção de Mãe

África”.

Clara Nunes

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RESUMO

Vastas e consistentes pesquisas existentes acerca da escravidão africana no Brasil

demonstram a notoriedade do tema. Nesse contexto, este trabalho analisa as

representações e/ou imagens sobre esse africano submetido ao trabalho

compulsório, contidas nos anúncios de jornais ludovicenses, na primeira metade do

Século XIX, especificamente entre os anos 1830 a 1841. Para tanto, necessário se

torna entender essa “colcha de retalhos” chamada economia maranhense, debater a

situação do escravo e do negro, suas vivências nesta província, assim como a

influência da imprensa – chamada de “quarto poder” – na elaboração dessas

representações e ambiguidades, inclusive a formação do racismo.

Palavras - chave: Escravidão. Jornais. Anúncios. Representações. Permanências.

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ABSTRACT

Vast consistent and existing research about African slavery in Brazil demonstrate the

notoriety of the subject. In this context, this paper analyzes the representations and /

or images on this African subjected to compulsory labor, contained in newspaper

advertisements ludovicenses in the first half of the nineteenth century, specifically

between the years 1830 to 1841. Therefore, it becomes necessary to understand this

"patchwork" economy called Maranhão, discuss the situation of slave and black, their

experiences in this province, as well as the influence of the press - called "fourth

estate" - in making such representations and ambiguities, including the formation of

racism.

Keywords: Slavery. Newspapers. Ads. Representations. Stays.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Quantidade de escravos em anúncios entre os anos 1841-1856 ............ 48

Tabela 2 – Incidência nos jornais de avisos sobre a Balaiada .................................. 74

Tabela 3 – Diferentes categorias de anúncios sobre os escravos nos jornais .......... 75

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SUMÁRIO

LISTA DE TABELAS .............................................................................................. 11

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13

2 A ECONOMIA E ESCRAVIDÃO NA PROVÍNCIA MARANHENSE ...................... 19

2.1 O Maranhão na primeira metade do século XIX: uma “colcha de retalhos”

econômica ................................................................................................................. 19

2.2 Conflitos sociais: a Balaiada ................................................................................ 29

2.3 Novos hábitos: importação de luxos, prosperidade econômica e intelectual....... 34

3 ÁFRICA-BRASIL-SÃO LUÍS: aspectos da Escravidão ...................................... 38

3.1 Escravidão em São Luís – anos 1830 – 1841 ..................................................... 41

3.2 Jornais na Província Maranhense ....................................................................... 50

4 A IMPRENSA NO SÉCULO XIX: o “quarto poder” na sociedade e as

representações sobre os escravos ....................................................................... 57

4.1 Imprensa Jornalística no Maranhão .................................................................... 59

4.2 Jornais como fonte histórica ................................................................................ 60

4.3 O escravo e o negro como mercadoria na propaganda brasileira ....................... 62

4.4 Anúncios dos escravos africanos nos jornais maranhenses ............................... 65

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 77

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 82

ANEXOS ................................................................................................................ 88

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1. INTRODUÇÃO

Em 13 de maio de 1888, às vésperas da Proclamação da República, no

Brasil, após assinatura da “famosa” Lei Áurea, a princesa Isabel declarou

oficialmente extinta a escravidão no Brasil. Esse ato representou um grande avanço

para o país, mas ocasionou problemas os quais permaneceram até os dias atuais.

Houve uma “Abolição” da escravatura, sem que se pensasse na inserção dos

negros, agora homens livres e cidadãos dessa nação. Ou, como diz Lopes1 (2010, p.

50) “[...] a sociedade brasileira conseguiu um negócio impressionante, que é criar

uma cultura negra sem negros”.

Há que se considerar que, após a instituição dessa lei, os barões do café

incentivaram a imigração de trabalhadores europeus, em detrimento do negro que

continuou a perder seu lugar nas propriedades rurais. E, temos o negro, agora livre,

relegado à própria sorte, às margens da sociedade, alijado de direitos básicos2. Esse

quadro termina por se configurar em preconceito racial e exclusão social. Esse

negro descobre que aquelas lutas pró Abolição, foram apenas os primeiros e

incipientes passos em busca de igualdade, especialmente, a racial.

O estigma da inferioridade do negro foi reforçado no Brasil, com o

advento de ideias europeias, como o darwinismo social, o positivismo, as teorias

evolucionistas de cunho racial, propagadas pela etnografia europeia do século XIX,

que transformava o negro em “subproduto do racialismo europeu” (HERNANDEZ,

2005, p.131).

Desde o século XVIII, filósofos iluministas na busca por uma “ciência geral

do homem”, reforçavam a imagem pejorativa transmitida ao longo do tempo. O

europeu, dito homem branco ocidental, referencial de inteligência, civilidade, pureza

1Palavras de Nei Lopes (Advogado, escritor, militante social e pesquisador da cultura afro-brasileira)

em entrevista concedida aos jornalistas Vivi Fernandes de Lima e Rodrigo Elias, da Revista de História da Biblioteca Nacional, Ano 5, Nº 53, Fev 2010. 2 Além de deixados à própria sorte, ficaram sem o chamado “capital social” – um espécie de conjunto

de relacionamentos ditos sociais, necessários à sua manutenção e reprodução - que Santos nos esclarece como sendo “[...] um conjunto de recursos atuais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de intercâmbio e de inter-reconhecimentos, ou em outros termos, à vinculação de um grupo, como conjuntos de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos) mas também são unidos por ligações permanentes e úteis (BOURDIEU apud SANTOS, 2005, p.21).

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e moralidade, viu na escravidão e submissão do homem africano, o caminho para

que o mesmo se salvasse.

Têm-se no século XIX, o pensamento predominante do “culto da raça”,

onde as pessoas eram divididas em raças distintas e desiguais - negra, amarela e

branca - o meio ambiente influenciava a construção de diferenças culturais e a

biologia mostrava uma diferença estrutural no cérebro do branco e do negro levando

consequentemente ao pensamento de que o negro era realmente inferior ao branco.

Em Montelo (1985, p.348) há dois trechos importantes, que convém transcrever para

ajudar a entender os pensamentos que grassava essa época:

A maldição de cor é uma falsidade e uma estupidez. A circunstância de ter nascido com esta pele não exclui a minha condição de homem; sou um ser humano como vocês; tenho uma alma, tenho a consciência de meus direitos e deveres, e também o sentimento de minha dignidade e de minha honra. O cativeiro é um crime e crime que se pratica para com outros homens. Não há nada que justifique a escravidão.

Em outro momento, reitera o autor|:

[...] com o tempo é isso que vai acontecer no Brasil: o brancos comem as negras, os negros comem as brancas, e os filhos dessas benditas trepadas irão desbotando de uma geração para a outra. Em menos tempo do que se pensa, está saindo um tipo novo, bem brasileiro, que nem é preto, nem também é branco e que vai mandar aqui, como hoje mandam os senhores [...] nossos mestiços vão pensar que são brancos e com mais esta novidade: sem ter ódio dos negros, até gostando deles. Um belo dia, vai se ver, não há mais branco para mandar em preto, nem preto para ser mandado e aí, acabou o cativeiro (MONTELO, 1985, p.428).

Mas, saindo do universo de Montelo (1985), têm-se Munanga (1988), a

dizer que esse processo não foi fácil. A sociedade impôs situações ao negro,

impedindo-o, inclusive, de reagir muitas vezes:

[...] colocado à margem da História, da qual nunca é sujeito e sempre objeto, o negro acaba perdendo o hábito de qualquer participação ativa, até o de reclamar. Não desfruta de nacionalidade e cidadania, pois a sua conduta é contestada e sufocada e o colonizador não estende a sua ao colonizado (MUNANGA, 1988, p.23).

Portanto, estava justificada “cientificamente” a situação a qual o negro

estava submetido, incluindo-se aí, sua pouca rentabilidade, preguiça e possível

tendência à marginalização. Para a baixa remuneração, trabalho degradante, falta

de políticas públicas, agressões psicológicas, físicas, ou seja, exclusão social e

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miséria foi um pulo. Ideias e mecanismos que perduram até os dias atuais, inclusive

ideológicos de dominação.

Considerando o dinamismo histórico que circunscreve a presença

escrava na formação da estrutura social brasileira, assim como os três séculos que

marcam essa história e suas ambiguidades, a proposta desse trabalho é analisar as

representações sobre o escravo e seus dependentes, a partir dos anúncios dos

jornais ludovicenses, Estrela do Norte do Brasil (1830), Echo do Norte (1834, 1836),

O Publicador Official (1833), O Investigador Maranhense (1836) e Chrônica

Maranhense (1838, 1839, 1840 e 1841). Reafirma-se que esses anúncios continham

uma descrição detalhada do sujeito escravizado, dependendo do objetivo

pretendido: compra/venda/aluguel ou as fugas. Um ponto a ser descerrado e

analisado é a construção das permanências advindas desses anúncios de jornais,

as quais acompanharam o negro até os nossos dias.

Pretende-se verificar de que forma essas descrições fornecem elementos

subjetivos na construção de uma percepção da sociedade em relação aos escravos,

levando-se em consideração que dentro dessa sociedade, mais da metade era

negra. Essa inquietação surge do quadro de contradições de uma sociedade, que

embora profundamente miscigenada, reserva aos descendentes de africanos uma

carga de valores negativos.

Para se chegar aos jornais e consequentemente aos anúncios, foi

necessário efetuar uma pesquisa na Biblioteca Pública Benedito Leite, através de

uma disciplina ministrada na graduação, em 2009. Houve o acesso a esse

instrumento – o jornal Chrônica Maranhense - e abriram-se as possibilidades de se

trabalhar o tema escravidão, quando do trabalho de conclusão de curso.

O recorte temporal da pesquisa (1830 - 1841) foi decidido pelo fato de

que, no primeiro trabalho - em 2009 - as edições do referido jornal do ano de 1838,

foram analisadas e todos os anúncios sobre escravos devidamente transcritos. No

entanto, se percebeu que para uma empreitada maior como um trabalho

monográfico, esse recorte temporal seria insuficiente para abarcar as conjecturas

necessárias.

Outro ponto a ser considerado foi a quantidade de periódicos a serem

analisados: somente o Chrônica Maranhense não daria conta de responder às

inquietações que o tema suscitava. Portanto, foi decidido estender o período e a

quantidade de jornais a se pesquisar.

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De início, foram analisados superficialmente 12 periódicos, para

finalmente haver uma concentração específica em cinco jornais, os quais supririam

as necessidades, ao se aproximarem sobremaneira do período escolhido.

Quanto à estrutura, os jornais pesquisados se encontram devidamente

encadernados – alguns microfilmados - e em muito se assemelham: poucas

páginas, linguagem prolixa e rebuscada, ênfase nas críticas, sem uma organização

nítida das sessões. Em se tratando dos assuntos, ali se encontra desde romances e

piadas, passando por ordens do dia, ofícios variados, desagravos, ocorrências de

violência, relatórios da província, além dos avisos/anúncios. Ou como observou

Ferreira:

[...] tratavam das notícias do exterior, da Capital do Império, das outras províncias e do Maranhão, aqui se publicavam ofícios, relatórios, novidades da Câmara Legislativa e da Tesouraria da Fazenda, além das ocorrências policiais, dos obituários, das correspondências, das transcrições [...] [Através desses jornais], podemos perceber em que nível estava o comércio com a Europa, com a chegada constante de navios que traziam tecidos, chapéus, roupas, mobílias e outros acessórios que enchiam os olhos consumidores de uma elite que se espelhava nos moldes europeus. Esta seção nos dá uma noção das transformações pelas quais passava a cidade de São Luís (FERREIRA, 2007, p.22).

Convém lembrar que isso foi possível devido à abertura propiciada pelo

advento da Nova História Cultural. Devido esse tema envolver costumes, relações

de poder entre grupos sociais, representações, além do comportamento humano e

suas vertentes, a Nova História Cultural é apropriadamente eficaz para tal análise. A

partir dos novos interesses que passaram a circundar o objeto de estudo foi possível

substituir também a forma de analisar seu conteúdo. Antes, se compreendia um

documento, enquanto histórico de outra forma. Ele necessitava oferecer

credibilidade, ser “oficial”, passar segurança para que os dados compilados

pudessem ser corroborados a partir de certos critérios. Era necessário haver

exatidão.

Mas, a partir do momento em que houve essas mudanças na concepção

de documento histórico e foi percebida a necessidade de se ampliar os campos de

estudos, as cartas, os escritos de viajantes estrangeiros, os processos judiciais, as

músicas, os panfletos, sermões de pregadores, receitas médicas e gastronômicas,

diários e correspondências oficiais e particulares e até mesmo as tradições orais,

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passaram a serem estudados e considerados documentos e/ou herança cultural,

passíveis de reconstruções históricas.

E os jornais se encaixam nessa concepção, pois que se apresentam

como fonte de debates e instrumentos de pesquisas variadas. Sua característica

peculiar de “ideias em movimento”, sua interação e alcance social, os torna um forte

instrumento na divulgação de imagens. “[...] Os impressos, suas ideias e

informações relacionavam-se de forma dinâmica com a sociedade, circulavam, eram

repetidas e podiam ser reapropriadas.” (MOREL apud FERREIRA, 2007, p.44).

Importante se torna entender os olhares da chamada elite acerca do

sujeito escravizado nesses anúncios. Essas visões são baseadas em percepções e

padrões distintos, quase sempre gerando estereótipos, os quais advêm dos

interesses dessa elite. Fica perceptível então, que as chamadas representações são

determinadas pelos grupos. Portanto, as representações escravas geradas a partir

daí se espraiaram pela sociedade ludovicense – e brasileira - fundindo o africano, o

negro e o escravo em um só elemento. Conforme Oliveira (2008, p.49):

[...] essa forma de representar e explicar a condição a que eram submetidos os africanos [...] adquire descomposturas cotidianas muito comuns no Maranhão [...] as representações dos negros escravizados eram reforçadas nos textos jornalísticos, nas memórias, nas propostas dos governantes, a literatura pela força das ideias evolucionistas [...] a manter a representação dos negros, de um modo geral como integrantes de uma espécie num estágio inferior de evolução humana.

Corroborando esse ponto de vista, Ferreira (2007, p.49) relata que essas

representações traduzem a realidade mental dessa elite maranhense, na primeira

metade do século XIX, as quais certamente se fazem presentes nos anúncios dos

jornais pesquisados:

[...] acreditamos que o imaginário ludovicense na primeira metade do século XIX teve sua base concreta de existência na euforia material vivenciada pela cidade de São Luís, adquirido em consequência dos lucros da lavoura agroexportadora sustentada pelo trabalho escravo, e em conjunto com as representações elaboradas pela elite maranhense sobre esse momento e sobre a composição da estrutura social maranhense, que incluía a si própria e os outros estratos sociais.

Esta pesquisa foi organizada em três capítulos distintos, considerando as

especificidades necessárias. No capítulo intitulado “A Economia e a Escravidão na

Província Maranhense”, se busca entender a economia maranhense, essa “colcha

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de retalhos”, sua suposta decadência e/ou crises e as exportações no período.

Sempre relacionando à escravização do africano – força motriz, nesse contexto.

Como pano de fundo, as questões sobre a Balaiada e o letramento, o “aumento” da

intelectualidade da elite maranhense.

No capítulo seguinte, “Formação do Racismo - África – Brasil”, a proposta

é debater a situação do negro, sua chegada a este continente, suas vivências diárias

na cidade de São Luis entre os anos 1830 a 1841. Paralelo a isso tudo a formação

do racismo, as teorias raciais, os jornais.

Para encerrar a sequência de capítulos, “A Imprensa no Século XIX: o

“quarto poder” na sociedade e as representações sobre os escravos” trata da

imprensa no Século XIX, as imagens e/ou representações do negro e do escravo

nessa dita imprensa, o detalhamento das características dos mesmos nos anúncios,

obviamente em São Luís, foco desta pesquisa.

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2. A ECONOMIA E A ESCRAVIDÃO NA PROVÍNCIA MARANHENSE

Na tentativa de se entender a relação entre desenvolvimento econômico e

escravidão no Maranhão no século XIX, é necessário analisar o cenário econômico

que se esboça em períodos anteriores, especialmente no que diz respeito às

exportações. O Maranhão, enquanto engrenagem de uma estrutura colonial centrou

suas atividades na agricultura mercantil orientada para o mercado internacional,

empregando o trabalho compulsório como força motriz.

A economia maranhense foi se moldando, ao longo do século XVIII, em

função das oscilações do mercado externo, para atender inicialmente às demandas

decorrentes das crises provenientes das guerras de independência das Treze

Colônias e o crescente mercado consumidor de matérias-primas na Europa a partir

da Revolução Industrial.

No entanto, do ponto de vista econômico o Maranhão é tradicionalmente

percebido sob o signo ideológico da decadência. A construção dessa “ideologia”

corresponde a um discurso empregado largamente pelas elites e repetido de forma

acrítica pela imprensa local afim de consolidar uma imagem de dois momentos

díspares e complementares da economia maranhense.

Um primeiro que corresponderia a uma “idade de ouro da lavoura da

província (fins do século XVIII e primeiras décadas do século XIX)” - identificada

como uma fase de prosperidade – reflexo direto das Reformas de Pombal com a

criação de uma companhia comercial e a abundante entrada de escravos africanos

para incrementar a produtividade. Posteriormente, a fase da ruína econômica, social

e cultural provocada pela abolição do sistema escravista (COSTA, 2001, p.81).

2.1 O Maranhão na primeira metade do século XIX: uma “colcha de retalhos”

econômica

Sobre a economia do Brasil em tempos imperiais, Fragoso (apud

ASSUNÇÃO, 2010, p.144), esclarece que existia “[...] um substancial setor da

economia orientado para o mercado interno [...] formado por fazendas escravistas,

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unidades camponesas (usando ou não o trabalho escravo) e estâncias utilizando

trabalho livre não assalariado”, sendo que essa produção poderia ser de

subsistência, para exportação e/ou para o mercado interno.

Algo semelhante ocorria na economia da província do Maranhão: algumas

fazendas produziam arroz e algodão para o mercado externo – e alimentos para sua

própria sobrevivência - enquanto as de gado e de mandioca produziam para sua

sobrevivência interna. Por isso, segundo Assunção (2010, p.144) é possível

entender e “[...] diferenciar claramente entre o setor monetário e o setor não

monetário da economia interna e distinguir três setores e não apenas dois, na

economia: a produção de (auto) subsistência (Setor A), a produção para o mercado

interno (Setor B) e a produção para exportação (Setor C)”.

Mas, para Lisboa (apud FARIA, 2003, p.9), antes nenhuma atividade

lucrativa se desenvolveu por aqui e por volta de 1685, São Luís “[...] era uma

cidade pequena e pobre com pouco mais de mil habitantes, residindo em rústicas

casas, umas de madeira cobertas com folhas de palmeiras, outras de taipa ou

adobe com telhado de telhas vãs”.

E assim, a partir do litoral, com pequenas povoações, fazendas de gado e

engenhos quase sempre às margens dos grandes rios maranhenses, ou seja, por

esses “[...] caminhos naturais aventuraram-se senhores de engenho, criadores de

gado, apresadores de índios e coletores de ‘drogas do sertão’ que iam

descortinando o interior do continente [...]” (BERREDO apud FARIA, 2003, p.9).

Importante lembrar que já havia uma frente devassando o sul do

Maranhão, vinda da Bahia, eram os criadores de gado, a partir do rio São

Francisco. Por volta do século XVIII – primeiras décadas – já existiam fazendas de

gado espalhadas por essas áreas. São encontradas algumas roças e currais,

enquanto povoações e engenhos se espalham. São os primeiros cento e quarenta

anos da colonização portuguesa.

Para Galves (2007, p.2), houve uma expansão nas lavouras de arroz e

algodão, desde meados do século XVIII, mas com significativo aumento no início do

século XIX, especialmente no caso do algodão. O autor também ressalta que a

abertura dos portos, oficializou uma imensa movimentação de navios ingleses,

trazendo variados produtos manufaturados e levando daqui, a produção de algodão.

Com base nesses argumentos, o propósito é perceber de quais formas, a

economia maranhense e o fenômeno da escravidão estão intrinsecamente ligados.

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Ademais, busca se compreender também como essa relação alterou as

representações produzidas a partir dos anúncios dos jornais desse período.

São Luís – capital da Província e cidade portuária – sempre teve papel

importante nesse contexto, sendo o Maranhão envolvido com a produção mercantil e

escravista. Havia intensa redistribuição de escravos para as várias fazendas

existentes no continente, o que levou Pereira (2001, p.33) a dizer que “[...] a base da

sustentação material da Província esteve assentada, majoritariamente, na

escravidão de povos africanos, entre a segunda metade do século XVIII até os anos

80 do século XIX”.

Nesse período, mais de quarenta produtos eram exportados do

Maranhão, como a cera, couros secos, farinha de mandioca, entre outros. Mas,

principalmente, algodão, arroz e açúcar. Sempre lembrando que essa economia

continuava limítrofe, insuficiente até mesmo pra suprir as necessidades básicas.

Some-se a isso, a falta efetiva de mão de obra e tem–se um quadro de continuação

da pobreza. Encontramos o milho, o feijão e a mandioca como os produtos básicos

da alimentação da província 3. Importante considerar que a mandioca ainda é um

dos produtos mais consumidos pela população pobre do Maranhão.

Mesmo com as oscilações, os altos e baixos do mercado internacional, a

concorrência dos Estados Unidos e da Índia, o algodão foi o principal produto de

exportação durante toda a primeira metade do século XIX, seguido da produção do

arroz. Obviamente, isso requereu um número expressivo de escravos, chegando-se

a realizar grande importação dos mesmos – fator primordial nesse processo.

Apesar da presença de diversos estudos sobre a economia brasileira,

percebem-se as dificuldades para tal análise, pois que “[...] se baseavam em dados

e estatísticas muito pouco confiáveis” (ASSUNÇÃO, 2010, p.145). Como pensar

essas questões em relação ao Maranhão, com suas diferenças regionais, sua mão

de obra escassa e outros fatores, se os trabalhos acerca da economia maranhense

e as suas dificuldades, quase sempre mostram a repetição dos dados já existentes?

Ainda há muito a ser analisado sobre esse cenário local para que se

tenha uma visão mais ampla. Fatores diferenciados certamente interferiram e

ajudaram a compor e/ou desmistificar esse processo. Existem muitas relações

3 “[...] da mandioca fabricava-se a farinha, a tapioca (um tipo de polvilho) um aguardente – a tiquira. A

farinha era o produto mais consumido, acompanhando tanto os alimentos salgados como os doces, costume que foi preservado pelos maranhenses até os dias atuais” (FARIA, 2003, p.14-15).

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intrínsecas que compõem essa “colcha de retalhos” chamada economia

maranhense.

E nesse processo é necessário citar Faria (2003) e seus posicionamentos

acerca dessas nuances, já que em meados do século XVIII, há a tentativa de

dinamizar a produção agrícola com a implantação da Companhia de Comércio do

Grão-Pará e Maranhão pelo Marquês de Pombal. A partir da criação da Companhia,

a qual é “[...] considerada pela historiografia nacional e regional como um marco da

colonização maranhense que aí encerraria a sua primeira fase [...], visava-se

incrementar a economia da Colônia, (FARIA, 2003, p.10). Apesar dessas tentativas

essa fase é considerada de extrema pobreza:

Gaioso, que escreveu sobre o Maranhão no início do século XIX (1813) [...] Dizia esse escritor que a produção da capitania era bastante reduzida, destinada apenas a consumo interno e que o comércio era insignificante. Limitava-se à produção das culturas do arroz vermelho, farinha de mandioca, milho, mamona, algum café, etc. [...] havia uma pequena produção de algodão, que os nativos fiavam transformando em novelos e rolos de pano usados em suas permutações de compra e venda (CABRAL apud FARIA, 2003, p.10).

Outras fontes que atestam a pobreza e a miséria desse período foram as

deixadas pelo Pe. Antonio Vieira, o qual viveu nesta colônia e foi rigoroso em seus

escritos, como diz Faria (2003, p.10). Ele relata a falta de açougues, de hortas, de

locais para comercializar os produtos, que os alimentos se resumiam a peixe e carne

– algumas vezes – e caça, sendo que esta já andava escassa. Descreve a falta de

terras boas para plantação de cana-de-açúcar e tabaco e que mal se tinha a

mandioca por comida diária. Enfim, havia somente uma economia de subsistência,

resultando na falta de gêneros, na escassez de produtos e, consequentemente, o

fantasma da fome a rodar.

Percebe-se que muitos dos trabalhos reafirmam a pobreza da colônia até

a segunda metade do século XVIII, e que seu desenvolvimento viria atrelado à

política mercantil do Marques de Pombal e Companhia Geral do Grão Pará e

Maranhão. Havia toda uma expectativa que esse fosse um dos caminhos para se

solucionar as inúmeras dificuldades econômicas da colônia. Para Sobral (apud

CAMPOS, 2004, p.120), a Companhia de Comércio Grão Pará e Maranhão –

implantada em 1755 – assim como as de Pernambuco e Paraíba, em 1775 - tinha o

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propósito de reativar ou mesmo reverter esse quadro “[...] através da introdução de

maiores fornecimentos de mão de obra escrava africana”.

Apesar de se entender que a Companhia pode ter criado condições para

o desenvolvimento da economia gerando produção para “[...] o mercado europeu,

semelhante às demais capitanias do Nordeste e do Sudeste” (ASSUNÇÃO, 2010,

p.147) é importante considerar as consequências disso, visto que “[...] em poucas

outras regiões brasileiras, existia dependência tão grande dos fazendeiros em

relação à burguesia comercial” (ASSUNÇÃO, 2010, p.147).

Por volta de 1780, com a industrialização europeia e a consequente

expansão do mercado de algodão, tem – se o Brasil exportando aproximadamente

75% desse produto, sendo o Maranhão a segunda região exportadora e São Luís, o

quarto porto exportador do Brasil.

A queixa maior dos fazendeiros contra a Companhia eram os juros

abusivos, pois segundo Assunção (2010, p.147) “[...] os lucros dos comerciantes era

de 45% na importação de fazendas secas da Europa, com adicionais de 5% se a

compra fosse a crédito [...] e mais altos na exportação”. Essa situação parece que

não se modificou após o encerramento da atuação da Companhia, já que estudos

sobre São Luís do final do século XVIII ainda fazem alusões a ricos comerciantes

portugueses influentes, com grandes fortunas e levas de escravos, gerando assim,

uma desigualdade social maior que em outras capitanias. Ou seja, não houve

pobreza absoluta e nem opulência e fartura geral, mas sim camadas sociais

estabelecidas.

Outra questão relacionada à exportação, é que os produtos enviados para

a Europa garantiam altos lucros, enquanto as importações mantinham índices

variando entre 12% a 51%. Os lucros dos fazendeiros maranhenses eram aquém do

obtido pelos comerciantes portugueses e os altos preços dos produtos importados

os deixavam sem solidez financeira. Outro fator preponderante nesse processo foi a

aquisição de escravos a altos preços, contribuindo para o endividamento dos

fazendeiros junto a esses comerciantes. Soma-se a esse cenário, o monopólio

criado pelos traficantes e os altos impostos.

Em 1808, houve a abertura dos portos brasileiros ao comércio das nações

europeias, o que parece não ter melhorado a situação dos fazendeiros

maranhenses. Mesmo com os produtos brasileiros chegando ao mercado inglês

através dos Tratados Anglo-portugueses (de 1654 e 1730), o era baseado em baixas

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tarifas de importação “[...] ao passo que os produtos brasileiros continuavam a pagar

impostos altos para entrar na Inglaterra” (ASSUNÇÃO, 2010, p.149).

Por volta de 1812, mais da metade das exportações já iam rumo à

Inglaterra e menos da metade (45%), era importado de lá. Por isso, “[...] o Maranhão

constituía assim uma província atípica no Império Brasileiro e mesmo na América

Latina: aqui os negociantes ingleses compravam mais do que vendiam”

(ASSUNÇÃO, 2010, p.150).

Referindo-se a tal fato, Galves (2007, p.2) reafirma que a abertura dos

portos provocou uma movimentação de navios ingleses trazendo produtos

manufaturados e levando daqui a produção de algodão. Esses mesmos ingleses

financiavam lavouras e a compra de mais escravos, provocando assim o

endividamento dos agricultores.

Essa força econômica e monetária inglesa desencadeou a necessidade

de medidas protecionistas para os comerciantes portugueses, visto que “[...] os

ingleses determinavam as taxas de câmbio, os fretes, o valor das moedas e dos

produtos do país. Tinham papel preponderante na importação e na exportação”,

segundo Assunção (2010, p.150).

Essas “desavenças” comerciais e econômicas entre comerciantes

portugueses e ingleses certamente afetaram os fazendeiros maranhenses. Os

ingleses tiravam proveito dessa situação, pois que, provavelmente fizeram “[...]

acordos secretos – monopólio oculto” (ASSUNÇÃO, 2010, p.151) com os

portugueses. Isso sem falar que os ingleses negociavam direto com os fazendeiros,

vendendo-lhes a crédito, estabelecendo a forma de pagamento – moedas de prata

ou ouro e também algodão.

Essa “reorientação” das atividades dos comerciantes portugueses eram

os empréstimos a juros altos – prática então controlada, pois o permitido era 6% ao

ano. Mas os juros cobrados eram de 4 a 6% mensais, o que gerou “[...] execuções

cruéis por parte dos negociantes” (ASSUNÇÃO, 2010, p.152), ou seja, no momento

da cobrança dessas dívidas, não havia respeito da parte dos comerciantes

portugueses em relação aos da Colônia.

Um fato que pode ajudar a entender essa crise da economia maranhense,

é que os fazendeiros “[...] gastavam seus lucros na compra de mais escravos (até

1840) e em importações de luxo [...] seda francesa [...] tecidos de algodão ingleses

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[...] o Maranhão exportava, portanto, algodão cru para reimportar, sobretudo, tecidos

de algodão” (ASSUNCÃO, 2010, p.152).

Não houve tentativa de modernização para enfrentar a concorrência

internacional, especialmente os Estados Unidos, cujos investimentos propiciavam

qualidade melhor ao algodão e consequente queda nos custos, o que os levou a

substituir o Maranhão no comércio com a Inglaterra e essa concorrência provocou a

queda nas vendas do dito produto.

Na Europa o preço de algodão já estava em queda entre os anos 1815-

1817 e aqui no Maranhão ainda havia preços altos entre 1817-1819, levando

fazendeiros a adquirirem mais escravos a crédito e os negociantes a comprar

algodão, visando mais lucros. Com a queda dos preços a partir de 1819, ambos

sofreram grandes prejuízos, ficando sem condições de pagar suas contas.

Mais fatores ajudaram a compor o cenário da crise na agricultura: a

Guerra da Independência, a qual desorganizou a produção entre 1822-1823; a

queda da produção local por questões climáticas, entre outros.

Enfim, torna-se relevante analisar a “[...] economia regional, a relação

entre seus diferentes segmentos e os problemas que enfrentavam os agentes

econômicos no Maranhão” (ASSUNÇÃO, 2010, p.156). Aparentemente a prioridade

das autoridades era a exportação, deixando à margem variadas questões internas,

como a comercialização de alimentos - visto que a população era escassa e mal

distribuída - o sistema de transportes precaríssimo e a economia de subsistência

que servia a grande parte da população de escravos e livres pobres.

Desses alimentos, cita-se a carne seca e verde, além da farinha de

mandioca, produtos bastante comercializados. Em outra escala mais limitada,

vinham os produtos lácteos, hortaliças e frutas, peixe, milho, feijão, etc.

Abastecida por Guimarães, Icatu e Alcântara, São Luís era o principal

mercado de alimentos. Itapecuru-Mirim “[...] também chamada simplesmente de ‘a

feira’, era o grande mercado de gado do interior” (ASSUNÇÃO, 2010, p.156) e

Caxias tinha uma importância além do regional, pois que servia de porta para várias

rotas comerciais.

É importante estudar essas crises na economia maranhense a partir de

um dos principais produtos comercializados nesta Província, fonte alimentar para os

maranhenses: a farinha de mandioca. Sua falta no mercado leva os estudiosos a

várias interpretações. É questionável se o desabastecimento teria sido provocado,

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em parte, pela preocupação de se produzir para exportação ou pela importação da

mesma por alguns fazendeiros – o que encarecia os preços na capital.

Importante mencionar que as Câmaras Municipais eram responsáveis por

abastecer a população. Por exemplo, a carne verde, cujos contratos previam o abate

e a venda – sempre por preços fixados pela Câmara – deveria ser em quantidade

diária suficiente. Como era previsto, esses fatores levavam ao:

[...] monopólio lucrativos para alguns membros da Câmara ou à sua clientela. Em São Luís, o já referido Antonio José Meireles foi acusado, em 1819, de estar [...] fazendo subir o preço da carne, contra expressa cláusula do contrato [...]. Ainda em 1838, o jornalista Rafael Estevão de Carvalho denunciava as intrigas do chefe informal [...] acusando-o de tentar, outra vez obter lucros ilícitos através do monopólio da carne verde” (ASSUNÇÃO, 2010, p.162).

Para Assunção (2010, p.162), “[...] a prática de arrematar contratos para a

venda de carnes verdes continuou no interior, depois da Independência [...]”,

gerando conflitos, como na chamada Vila do Rosário. E, essas questões estendiam-

se aos campos de Anajatuba e Brejo, onde os grupos envolvidos nesses conflitos

seriam os latifundiários, os fazendeiros de gado, as Câmaras Municipais e o

Governo da Província, todos tentando controlar o mercado local de carne, o que

certamente prejudicava a população e aumentava a insatisfação.

São muitos os fatores que ajudaram a provocar a interiorização da

economia maranhense: a já citada queda do preço do algodão no exterior; a

reorientação da economia da província devido ao crescimento da população pobre e

livre, já na primeira metade do século XIX, entre outros. Grupos de fazendeiros

percebiam e até denominaram esse processo de interiorização da economia de

“decadência” da lavoura, visto a diminuição dos altos lucros anteriores a 1820.

É necessário levar em consideração diferentes elementos que

provavelmente interferiram em todo esse processo. Pereira (2001, p.38), reitera que:

[...] as circunstâncias do mercado externo, as lutas escravas por autonomia e liberdade interferiram nos rumos da vida econômica, política e social da Província maranhense no século XIX [...] outros elementos que impactaram [como a] presença inglesa na atividade comercial de exportação e importação, promovida pela abertura dos portos brasileiros em 1808, o fim do tráfico internacional de escravos.

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De qualquer forma, após analisar os pontos de vista desses autores, não

se pode ignorar as considerações acerca da economia maranhense elaboradas por

Faria (2003), Suas observações certamente contribuem, sobremaneira, para

entendimento desta “colcha de retalhos”.

Na historiografia “tradicional”, há discrepâncias acerca da entrada de

escravos africanos nesta província. Autores como Viveiros e Meireles apresentam

estudos com diferentes resultados: 3.000 ou 23.000 escravos africanos entre 1655 e

1755? Essa é uma das questões levantadas por Faria (2003). São diferentes

estudos e compilações, ressaltando-se as dificuldades das fontes.

Mas é provável que a escravidão indígena tenha predominado naqueles

tempos. Afinal, estes estavam disponíveis na própria região sem grandes custos. Até

o momento em que começaram a se dispersar, a se embrenharem na mata,

afastando-se cada vez mais do litoral fugindo dos caçadores, das doenças, do

extermínio iminente. Mas, possivelmente, só com a “proibição” da escravidão

indígena – 1757 - acentuou-se a escravidão africana no Maranhão.

Outra questão analisada por Faria (2003) é a produção de algodão, o qual

inicialmente foi utilizado como moeda, em pequena quantidade, sendo de má

qualidade e com fios grosseiros. Assim como o cultivo do fumo, do couro, das

‘drogas do sertão’4, por exemplo. Esses produtos eram destinados à exportação.

Devido às condições climáticas e geográficas5, a colônia do Maranhão

também desenvolveu economia extrativista, apesar de que essa produção foi mais

intensa no Grão-Pará – inserido no meio da floresta – e, consequentemente, mais

abundante. Essa colônia chegou a exportar volumes bem maiores que o Maranhão.

Continuando a análise sobre a economia maranhense, se percebe que a

pecuária bovina também teve sua fase por aqui6. Consumia-se a carne e exportava-

se o couro, além da venda do boi “em pé” para outras localidades. Para Faria

(2003), a situação do gado bovino foi semelhante ao ocorrido em outras paragens:

4 Drogas do sertão compreendiam “[...] produtos extrativos como cravo, canela, salsaparrilha, âmbar,

urucu, bálsamo, copaíba, anil e madeiras diversas; e outros que eram nativos mas foram cultivados, como a pimenta,a baunilha e o cacau” (FARIA, 2003, p.15). 5 “[...] que por estar situado em uma zona de transição entre as regiões Norte e Nordeste, possui uma

diversidade de vegetação que varia de cerrado (nas proximidades do rio Parnaíba) à floresta equatorial (do centro para o oeste) [...] (FARIA, 2003, p.15). 6 Sobre isso, Faria (2003, p.16) diz: “[...] sua expansão acompanhou o avanço da frente colonizadora

que partiu do litoral espalhando fazendas de criação nas margens dos rios e na baixada maranhense [...] penetrou no Sul do Maranhão como um prolongamento dos rebanhos nordestinos [...] em meados do século XVIII existiam aproximadamente ‘[...] duzentas e três fazendas a criar gado.

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chegou para acompanhar o processo da cana de açúcar nos engenhos, como força

de tração e depois se tornou uma atividade independente produzindo o couro e a

carne.

Faria (2003), assim resume a economia do Maranhão, em seus primeiros

cento e quarenta anos de colonização: não havia produção agrícola suficiente para

atender as necessidades locais; era pautada na escravidão indígena; quase

nenhuma transação comercial com a metrópole, somente um navio por ano; sem

necessidade do uso de moedas devido à escassez de negócios e muita pobreza.

Mas, apesar da historiografia oficializar, cristalizar certas informações

sobre esse período econômico do Maranhão, sempre caberão novos estudos e

consequentemente, novas interpretações. Necessário se torna rever alguns

conceitos.

Através de FARIA (2003), se faz a releitura desse período em três

tópicos:

1 – Se Viveiros (apud FARIA, 2003, p.16), afirma que havia falta

constante de algodão e gêneros alimentícios, por que foi necessário que o Senado

da Câmara de São Luís criasse Leis restritivas, regulamentando o comércio desses

produtos para fora da província?7 Segundo esse autor, em várias ocasiões houve

proibição da venda do algodão para fora daqui, já que sua produção não era

suficiente para suprir as necessidades da província e o mesmo era considerado

matéria prima e moeda de troca e negociação. Então essa produção não seria tão

exígua assim? Haveria produção suficiente para suprir a província, a vizinhança e a

Metrópole?

2 – Andrade (apud FARIA, 2003, p.17), pesquisou que uma carta da

época pombalina menciona “[...] a região do rio Mearim produzia açúcar que era

exportado para Portugal, na primeira metade do século XVIII”, ou seja, mais

produtos além dos já citados eram vendidos para o exterior. E Ximendes (apud

FARIA, 2003, p.17), identificou em livros da Câmara de São Luís informações que

mais de seis navios saíam destes portos no começo da segunda metade do século

XVIII, contrariando a informação de, somente um navio por ano. Ressalta-se que

navios de outras nacionalidades – não somente os autorizados pela Coroa –

praticavam contrabando por aqui e negociavam com os colonos.

7 Argumento relatado na obra História do Comércio do Maranhão, segundo esclarece Faria (2003,

p.16).

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3 – Pode-se questionar a imagem da São Luis atrasada descrita pelo Pe.

Vieira - 1680 – a qual não possuía sequer açougues, quase nenhum profissional ou

local coberto para se efetuarem pequenos negócios, através das pesquisas de

Ximendes (apud FARIA, 2003, p.18). Esse autor efetuou a pesquisa Livros da

Câmara 8 e descobriu que havia uma cidade e uma economia muito mais dinâmicas

que o retratado anteriormente.

Enfim, acerca da economia maranhense e suas ligações com os escravos

presentes nos anúncios dos jornais, cumpre serem efetuados mais estudos. Mas é

esse um dos papéis do pesquisador: revisar constantemente a historiografia,

acrescentando-lhe novas informações sempre que necessário.

2.2 Conflitos sociais: a Balaiada

Entre 1831 e 1840 houve várias rebeliões, com características, motivos,

ideologias e questões sociais distintas. Em 1838, havia um forte clima de disputas

políticas acontecendo também nesta Província e se tenta compreender de quais

formas isso tudo pode ter interferido na economia, e/ou na questão escravista.

Afinal, os bem-te-vis (considerados liberais) e os cabanos (chamados

conservadores), alternavam entre si o governo provisório.

Com a ascensão da maioria cabana na Assembleia Provincial, os liberais

foram afastados das decisões políticas, inclusive através de fraude e manipulação

nas eleições. Ao se sentirem preteridos e até mesmo marginalizados, os liberais

iniciaram uma forte oposição ao governo provincial.

Ferreira (2007, p.17) reforça essas questões, expressando-se da seguinte

forma:

[...] esses conflitos atingiram seu ápice durante o governo cabano de Vicente Camargo em 1837, quando foram aprovadas duas leis de caráter centralizador pela Assembleia Provincial do Maranhão – a Lei dos Prefeitos e a Lei das Guardas Nacionais – que estendia o poder do presidente da Província por todo o interior do Maranhão, formalizando uma ligação direta do poder policial ao governo e anulando, assim, qualquer participação dos

8 “[...] tendo Corporações de Ofício (alfaiates, tecelões, sapateiros, serralheiros, ferreiros, pedreiros, e

carpinteiros e trabalhadores forros indígenas e negros) [...]” (XIMENDES apud FARIA, 2003, p.18).

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fazendeiros do interior, principais colaboradores dos Liberais [...] foi reforçado o recrutamento indiscriminado, de forma sistemática e arbitrária [...] ficou conhecido como popularmente como ‘tempo do pega’.

Tem-se, nesse momento, um motivo suficiente para acirrarem tais

disputas, visto que os fazendeiros aliados dos liberais foram bastante prejudicados e

essas medidas atingiram especialmente as classes populares.

E, como o aporte documental desta pesquisa está fundamentado em

jornais da época, é importante salientar que a imprensa maranhense participou

ativamente desse processo político e dos conflitos que ora aconteciam na província.

Tanto o é, que em 21 de dezembro de 1838, está na seção “Notícias

Extraordinárias” o seguinte anúncio no jornal Chrônica Maranhense:

Consta-nos que há poucos dias uma partida de proletários (ao muito 15 homens) atacaram o quartel de destacamento da Villa da Manga, da qual se apossaram, por haver ali poucos soldados, roubando depois o armamento, soltando os presos, prendendo o ajudante João Onofre e fazendo fugir o sub-prefeito. Até as últimas notícias ficaram ainda estes homens na Villa; mas attento o seu pequeno número, é de crer que sejam facilmente dispersados ou presos [...] um destacamento de 30 homens que saiu em busca delles desta capital no dia 21 do corrente [...] Ainda não sabemos ao certo da occasião e motivos desse desaguisado [...] o descontentamento de uns, a turbulência de outros, a audácia de alguns faccinorosos [...] Depois de havermos escripto o artigo à cima, soubemos que o chefe dos amotinadores da Manga é um tal Raimundo Gomes que foi vaqueiro do Padre Ignacio no Miarim [...] já correm por ahi uns vagos rumores que essa tropa já se eleva a 70 homens e que tem por um de seus cabeças o famoso João Nunes [...] mas ainda insistimos em dizer que não há motivos para grandes receios (CHRÔNICA MARANHENSE, 21.12.1838).

Existia uma clara divisão entre os periódicos maranhenses, de apoio ou

não à Balaiada: enquanto os jornais A Chrônica Maranhense e o Bentevi lideravam a

oposição chamada de liberal, O Investigador Maranhense e A Revista cuidavam de

apoiar o governo provincial.

Para Santos (1983, p.77), “[...] Raimundo Gomes, imediatamente após

tomar de assalto a Vila da Manga e receber as primeiras adesões à causa [...]”

tratou de preparar um manifesto – rapidamente divulgado por toda a província – em

que constavam as principais reivindicações do movimento. Reivindicações essas

que também faziam parte do “repertório” da chamada oposição liberal da província:

respeito às garantias individuais, demissão do Presidente da Província, abolição dos

prefeitos, subprefeitos e comissários devido à inconstitucionalidade da sua criação.

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E, se referindo à economia maranhense, convém lembrar que dentre

essas exigências estava a que tratava da expulsão dos comerciantes portugueses9.

Para Santos (1983, p.77), os portugueses eram considerados símbolos de opressão

dos cabanos – grupo político dominante do momento. Estes impediam de certa

forma, a abertura comercial e econômica na província e a essas alturas já havia

interesse em substituir a lavoura do algodão pela cana-de-açúcar.

É importante frisar que, para os moradores de São Luís, os portugueses

eram responsáveis por boa parte dos seus problemas – a alta dos preços,

monopólio de muitas atividades comerciais, especulações – além das questões

nacionalistas: na consciência popular do sertanejo havia as relacionadas à sua

brasilidade.

E continuando sobre a Balaiada, em 1839 tal conflito já contava com a

adesão de Manuel Francisco dos Anjos Ferreira10 e havia se estendido até o Piauí,

alcançando “[...] proporções gigantescas, culminando com a tomada de Caxias, o

maior centro comercial do sertão maranhense” (SANTOS, 1983, p.79). Além de que,

o conflito havia sido ampliado por toda a parte oriental da Província a partir de,

[...] uma via terrestre, atravessando toda a zona, desde o Itapicuru até o Parnaíba, passando pela Chapadinha (Alto Munim) e atingindo a vila do Brejo, era um escoadouro tradicional dos gêneros do sertão maranhense [...] Essa foi a principal área de incidência da Balaiada (SANTOS, 1983, p.79).

Por todas essas análises, com base em teses levantadas por Assunção

(2004) e Santos (1983), fica a dúvida de que formas esse conflito interferiu na

economia maranhense e especialmente no que se refere aos escravos. Afinal, para

Assunção (2004, p. 217) não houve uma aceitação iminente por parte da elite de

que as classes “inferiores” – subalternas – participassem de questões políticas. Por

isso, de certa forma, o caráter político do conflito foi ignorado.

9 Santos (1983, p.77) a partir do “Manifesto Balaio”, cita o artigo referente a expulsão dos portugueses

da Província: “4º Que sejam espulçados empregos portuguezes e dispejarem a província dentro balde 15 dias com exseção dos cazados com famílias brasileiras e os de 60 anos para cima”. 10

Considerado importante líder no conflito, conhecido como Balaio, mal sabia ler, era alto e branco [...] fabricante de balaios. Juntou-se a Raimundo Gomes, pelo fato de ter suas filhas desonradas pelo comandante da força legal [...] retornou à sua vida de roceiro e fabricante de balaios. (SANTOS, 1983, p.85). Apesar de que “[...] Dunshe de Abranches e outros o caracterizam como “pardo”, “índio” ou “de cor” (ASSUNÇÃO, 2004, p.216).

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Apesar de que a presença escrava provavelmente, só “[...] foi sentida um

ano depois, em 1839, quando Cosme Bento das Chagas11 iniciou uma insurreição

em algumas fazendas do interior, facilitada pela evasão de famílias inteiras para a

Capital” (FERREIRA, 2007, p.17).

Certamente que os negros encontraram formas de protestar contra suas

condições “sociais”, já que se envolveram – ou foram envolvidos - no conflito. Pode-

se citar que alguns rebeldes mais abastados levaram consigo seus escravos. Alguns

não foram utilizados como soldados e nem combateram, mas serviram nos

acampamentos.

Para Assunção, (2004, p.219), foi formado um verdadeiro exército

paralelo de até três mil escravos rebelados, fugidos ou oriundos de quilombos,

chefiados pelo Cosme Bento das Chagas. Sua ousadia chegou ao ponto do mesmo

estabelecer seu quartel general na fazenda “Lagoa Amarela” e obrigar o antigo

proprietário a alforriar todos os escravos.

[...] não somente prometendo a liberdade, mas de fato extorquindo cartas de alforria ou firmando-as do seu próprio punho, contribuiu para que escravos unir-se ao grupo [...] na sua grande maioria, escravos e escravas das fazendas do Itapecuru. Sobretudo crioulos, congos e angolas, mas também mulatos e africanos de outras nações seguiram o Cosme. Várias fontes atestam a força da sua liderança (ASSUNÇÃO, 2004, p.220).

Sendo este trabalho relacionado às questões dos escravos e às

representações acerca dos mesmos, não se pode deixar de ressaltar a

personalidade de Cosme. Este ultrapassou as expectativas da sociedade

escravocrata da sua época assim como dos representantes políticos, fossem liberais

ou conservadores.

11

Sousa (2004, p.3-6) nos diz que: “[...] 19 de Setembro de 1842 – era executado na Vila de Itapecuru-Mirim, um dos mais valentes homens da História do Maranhão e do Brasil. Refiro-me a Cosme Bento das Chagas, o ‘Negro Cosme’, um dos líderes da maior revolta popular da História do Maranhão, a Balaiada (1838 – 1841) [...] Nascido por volta de 1802, em Sobral no Ceará, Cosme chegou como negro alforriado ao Maranhão, ainda jovem [...] visto por muitos como um bandido sanguinário, um facínora sem escrúpulos e até como feiticeiro chegou a ser tratado. Muitos desconhecem suas qualidades de grande líder. [...] fundou uma pequena escola. Para ele, a leitura poderia oportunizar uma reflexão e uma consciência maior na luta e resistência à escravidão [...] O Negro Cosme foi o último grande líder da Balaiada a ser derrotado, resistiu enquanto pôde. Muitos tiveram o privilégio da anistia, eram considerados inimigos políticos. Agora, ‘um preto, era um preto’. Cosme foi julgado como inimigo social. Claro, nunca uma sociedade escravista deixaria de punir exemplarmente um negro subversivo. Nunca se reconheceria que um “homem de cor” fosse capaz de possuir intuições políticas, sociais e mesmo educacionais”.

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O mesmo apresentou a sua visão política, por diversas vezes propôs

alianças com os rebeldes - como atestam cartas - apesar de não ser aceito

inicialmente pelos líderes do movimento. Tanto o é que se apresentava como “Tutor

e Imperador da Liberdade” e “Defensor dos Bem-te-vis”12.

O reconhecimento dos escravos como legítima propriedade era uma das

ideias que grassavam os ideais liberais no período e os rebeldes não intentavam ir

contra essa elite, pois que mantinham o interesse em unir-se a esse grupo. Portanto,

se percebe omissão para com as causas da escravidão, apesar das “[...] aspirações

igualitárias de pelo menos uma parte dos rebeldes. Reivindicavam direitos iguais

para o ‘povo de cor’, tanto ‘cabras’ quanto caboclos” (ASSUNÇÃO, 2004, p.220),

constantes nas cartas e proclamações de Gomes, já na última fase do conflito. Para

este autor, o escravo estava inserido em tudo isso, mas de forma genérica.

Independente disso havia cooperação entre os chamados rebeldes livres

e escravos – inclusive os quilombolas – os quais informavam a movimentação das

tropas legalistas aos rebeldes. Essa proximidade levou o Presidente da Província

Luis Alves de Lima a propor anistia aos rebeldes, mediante a entrega de escravos

fugidos, assim como fomentou discórdia, causando confusão entre os próprios

rebeldes e as tropas. Eram os ex-rebeldes e alguns capitães do mato, agora

transmutados em caçadores de rebeldes e de escravos fugidos – o que certamente,

ajudou a enfraquecer o movimento, apesar de que alguns não se renderam às essas

tentações, continuaram “fiéis” aos seus ideais liberais e não se voltaram contra os

escravos.

Dentro desse contexto, fala-se, em certa animosidade entre Raimundo

Gomes e o negro Cosme. Quando Raimundo Gomes e seu grupo sofreu forte

ataque e refugiou-se junto a Cosme, este o teria mantido preso e quase o executou,

mas não há muitas evidências desse fato, pois tal relato é atribuído a Luis Alves de

Lima13.

Enfim, nesse episódio conhecido como Balaiada torna-se importante

avaliar alguns fatos. Em primeiro lugar, Raimundo Gomes não somente incitava

escravos à sublevação, como os recrutava para o seu exército. Em segundo, o

12

[...] Por obra e graça do sempre lembrado Dom Cosme Bento das Chagas [...] tutor e defensor dos Bem-ti-vis, injustamente enforcado pelo Governo de São Luis (MONTELLO, 1985, p.23). 13

Luis Alves de Lima denotou o episódio dessa forma: “[...] Raimundo Gomes, porém, [...] evadiu-se sem armas, sem bagagem, e indecentemente vestido, foi se oferecer ao negro Cosme, que o reduziu a ser fabricante de pólvora e o tem em guarda; talvez que Raimundo Gomes não se entregue por se reconhecer assaz criminoso e indigno de perdão” (ASSUNÇÃO, 2004, p.222).

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Negro Cosme optou pelas tentativas de aliança – campo em que não foi bem

sucedido ao perceber que suas reivindicações na defesa dos escravos passariam

invariavelmente, pelos rebeldes bem-te-vis. Em terceiro, os rebeldes não estavam

preparados para derrubar o governo – talvez nem o pretendessem, tanto que,

sequer investiram contra São Luis, concentrando suas ações somente no interior.

Além de que esperavam a participação da elite liberal, o que não aconteceu.

Assim, se percebe a falta de coesão, a inexperiência em liderança

política, a desunião entre os líderes do movimento, alguns elementos que ajudaram

a provocar o “fracasso” da Balaiada.

2.3 Novos hábitos: importações de luxo, prosperidade econômica e intelectual.

O que se pode constatar é que, certamente essas questões na economia

maranhense provocaram mudanças profundas em várias outras áreas. E a aquisição

de grandes proporções de escravos na produção foi uma delas. Afinal, possuir

muitos escravos era sinal de opulência e prestígio social, como afirma Ferreira (2007

p.15).

Outra forma dos fazendeiros gastarem seus lucros foi com a importação

de artigos de luxo, o que certamente não contribuiu para dinamizar essa economia e

apesar dessas crises e desses momentos de expansão e retração na economia da

Província do Maranhão, o trabalho escravo proporcionou enriquecimento das elites

entre o final do século XVIII e o início do século XIV. Corrêa (apud FERREIRA,

2007, p. 19), “[...] nos fala de dois poderes que se complementam, o material e o

cultural”. Para este autor, os ganhos das lavouras de algodão e arroz foi o

sustentáculo para a formação dos intelectuais maranhenses.

“[...] Entretanto, toda essa prosperidade econômica e cultural só foi

possível graças ao sistema escravista que possibilitou o enriquecimento de uns

poucos à custa da exploração do trabalho de muitos” (FERREIRA, 2007, p.18), ou

seja, se aconteceu uma evolução econômica e cultural, o foi alicerçado na estrutura

escravista.

Houve então um refinamento de hábitos, uma grande assimilação de

costumes europeus. Pode – se falar de um “aumento” da intelectualidade

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maranhense e citar igualmente, uma elevação cultural, o que gerou uma espécie de

projeção nacional desta província.

Enfim, essas crises não impediram que essa elite gastasse, investisse os

seus lucros das mais variadas formas, com o intuito de seguir padrões, sempre

ditados pela Europa:

Os anos seguintes até o surgimento e incentivo à empresa açucareira, a partir de meados de 1840, o Maranhão vive um período de transformações econômicas e de redefinição das relações sociais, bem como passa por uma seleção de valores que guiarão essa nova sociedade. O escravo também terá lugar nessas mudanças, visto cada vez mais como símbolo de opulência e prestígio social para quem os possuía. A forma de produção baseada no trabalho escravo do negro é que vai definir as relações sociais no Maranhão oitocentista, as quais eram rigidamente divididas e hierarquizadas de acordo com a condição jurídica e econômica das pessoas. (FERREIRA. 2007, p.15)

Ferreira (2007, p.18), cita que em fins de 1830, há uma espécie de

aprimoramento cultural, um cultivo pelas artes, um modelo de comportamento em

voga – a partir da “euforia econômica da agro-exportação”, elevando esta província

a destaque nacional. “[...] O letramento da elite maranhense foi um destaque na

primeira metade do século XIX [...] o Maranhão passa por um deslumbramento

cultural” (FERREIRA, 2007, p. 18).

Naturalmente, se deve usar de parcimônia ao efetuar a análise dessa

suposta elevação cultural e intelectual maranhense. Afinal, Ferreira (2007, p.17-18)

diz que “[...] Todas essas transformações possibilitaram a projeção da Província no

âmbito intelectual [...] que aos poucos cria o mito da Atenas Maranhense [...]”

assunto devidamente tratado por Maria de Lourdes Lauande Lacroix, em sua obra A

Fundação Francesa de São Luís e seus Mitos.

Assim, segundo Ferreira (2007, p. 19), “[...] os jornais do início do século

XIX foram a arma mais poderosa nas mãos dos intelectuais da elite maranhense” e

certamente, fatores como a escravidão e economia maranhense perpassaram pelas

penas e tipógrafos dessa elite. Ferreira (2007 p.12) ainda reafirma:

Não apenas por se constituir nesse poderoso instrumento de construção e divulgação de ideias e imagens numa dada sociedade, mas também pelo seu poder de manipular interesses e intervir na vida social. Não por menos denominada de ‘o quarto poder’, a imprensa tem o domínio da palavra impressa no século XIX. Os jornais são carregados de discursos e ideologias que expressam o movimento de ideias circulantes numa

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determinada época e interagem na complexidade de um contexto histórico e social.

Portanto, a simpatia – ou não – pelas fugas dos escravos e/ou abolição

da escravatura tornam-se assuntos recorrentes na sociedade maranhense, por volta

dos anos 1880. Segundo Soares (1988, p.4), nesse período os anúncios sobre

escravos nos jornais, reduziram-se sobremaneira acompanhando a ascensão do

antiescravismo no seio da sociedade. Por esse tempo, já havia jornais recusando-se

a publicar tais anúncios, no embalo dos abolicionistas ou mesmo receosos dessas

ideias. Já não era de “bom tom” publicar avisos anunciando vendas, compras, trocas

ou aluguel de pessoas. Inclusive porque “[...] sociedades abolicionistas animavam e

favoreciam a fuga de negros e com tal eficiência que se faziam temer pelos

proprietários de diários e não apenas odiar pelos proprietários dos escravos”

(FREYRE apud SOARES, 1988, p.5).

Mas, como se está a discorrer sobre a economia maranhense, dentro do

recorte temporal de 1830 a 1841 e sua ligação com a escravidão, a partir dos avisos

nos jornais, se reafirma que o Maranhão implantou mais tardiamente uma

escravidão agrícola – final do século XVIII - sendo considerada, portanto, uma

sociedade escravista tardia, apesar de que desde o século anterior, escravos

africanos tivessem sido utilizados como mão de obra.

Mas o escravismo maranhense assume, portanto, particularidades que

dizem respeito à sua formação sócio-histórica: inicialmente, os silvícolas foram

bastante utilizados, no sistema de regime escravo, afinal, devia existir cerca de

200.000 índios por estas bandas. Foi a primeira mão de obra utilizada, com direito a

captura, escravização e venda dos mesmos, pois que “[...] era considerado

‘insubstituível’ na coleta de drogas do sertão, pelo conhecimento que possuía da

região e das diferentes espécies vegetais; como remeiro era muito elogiado [...]”

(FARIA, 2003, p.12).

Mas esses indígenas receberam o apoio dos jesuítas, que os queriam

livres para seu projeto de evangelização. Chegou um momento em que os religiosos

foram “radicais”: não aceitaram mais que os mesmos fossem escravizados, nem

mesmo nas chamadas guerras justas – apesar de que no geral, as Ordens

Religiosas se utilizassem do trabalho compulsório do gentio. A sugestão para

resolver tal celeuma, seria a introdução de escravos africanos.

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A escravização do africano, a partir do século XVI, portanto, constitui

elemento base do sistema colonial, ao reduzir o escravo à condição de suporte da

empresa comercial explorada pelos portugueses. A escravidão tornou-se viável em

função das condições históricas e econômicas, decorrentes da configuração do

mercado transatlântico. O escravo é apropriado nessa conjuntura, como mercadoria

capaz de gerar riquezas, passando a agregar altos lucros para os agentes

escravocratas.

Todavia, torna-se válido pensar a escravidão para além do aspecto

econômico, considerando para tanto, o dinamismo histórico que circunscreve a

presença escrava na formação social brasileira. Afinal, a partir dessas vivências,

interferências e nuances, houve a construção do racismo no Brasil, o qual

permanece até os dias atuais, segregando, destruindo vidas, dificultando a inserção

do afro descendente na sociedade de forma plena e absoluta, deixando-o a mercê

dos direitos sociais. E essas imagens do negro – geralmente negativas - vinculadas

a partir dos anúncios nos jornais no início do século XIX, certamente contribuíram

para essas (des) construções.

Essas construções histórico/sociais, que forjaram as imagens negativas

sobre os afrodescendentes, continuam inseridas nos seus cotidianos. São

permanências baseadas nos resquícios da escravidão, mas que felizmente tem

levado a sociedade a uma reflexão intermitente sobre o assunto.

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3 ÁFRICA – BRASIL – SÃO LUÍS: ASPECTOS DA ESCRAVIDÃO

A década de 1990 e os primeiros anos do terceiro milênio trouxeram e

reavivaram um intenso debate acerca da situação do negro no Brasil. O interesse

pela temática deve-se principalmente, à atuação do movimento negro que mesmo

expressando uma diversidade de interesses e longe de uma convergência

ideológica, conseguiu articular politicamente suas principais bandeiras de luta em

torno do reconhecimento pelo Estado brasileiro, da permanência de uma “chaga”

social difícil de mensurar: o racismo.

Este tem atuado como uma silenciosa máquina de exclusão que está

estruturalmente enraizado através dos tempos e cujo cerne é a escravidão negra.

Somando-se às pressões internas - movimento negro, partidos políticos e/ou

parlamentares engajados, setores da igreja, universidades, movimentos sociais -

tem-se a comunidade internacional exigindo do Estado a construção de mecanismos

de reversão das exclusões econômicas e étnico-raciais.

Esse escravismo – moderno – ajudou a impulsionar as engrenagens

embrionárias do chamado Capitalismo. Essa estrutura político-econômica, mesmo

carregando em si marcas dessa modernidade, surge como agência promotora do

sistema colonial posto em prática, neste contexto pela burguesia europeia.

Escravizar o africano - a partir do século XVI - portanto, constituiu elemento básico

do sistema colonial, já que o reduziu à condição de suporte da empreitada comercial

explorada pelos portugueses.

Percebe-se que a escravidão torna-se viável em função das condições

históricas e econômicas e das características apresentadas pelo mercado

transatlântico. O cativo africano é visto nessa conjuntura, como uma peça, um bem.

Uma mercadoria capaz de gerar riquezas, passando a agregar altos lucros para os

agentes escravocratas.

Mas, é importante tentar compreender porque o africano é retirado do seu

habitat – o continente africano – e passa a ser escravizado, já que:

desde a chegada dos primeiros europeus ao território africano, em meados do século XV, já se encontravam estabelecidos no continente, Estados, política e economicamente organizados e norteados por uma ordem social [...] as estruturas políticas tradicionais africanas se baseavam nas

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instituições familiares [...] economicamente a agricultura era tida como a atividade principal (COSTA apud HERNANDEZ, 2005, p.1).

Possivelmente, havia uma estrutura social, cultural e econômica vigente

na África e não indícios de atraso ou “incivilidade”, como disseram os europeus

quando adentraram tal continente. Porque o mesmo foi praticamente demolido em

sua essência e se tornou exportador de mão-de-obra e de riquezas naturais?

Inaugurou-se assim o tráfico de escravos, o qual perdurou por séculos,

sustentando a economia das Américas e os portugueses, pioneiramente inseriram

os escravos africanos numa rota transatlântica, dando impulso à engrenagem

capitalista de compra-transporte-venda-revenda.

Respaldados na vigorosa ideologia cristianizadora dos textos bíblicos -

“tanto católicos quanto protestantes - encontrariam na Bíblia quanto nas tradições

das interpretações cristãs”, argumentos que legitimassem a prática da escravidão,

como em Levítico 25:38, 44/6: “[...] todos os vossos servos e servas que possuirdes,

devem vir dos povos pagãos que vos rodeiam [...] serão vossos servos para sempre”

(BLACKBURN, 2003, p.88).

Os negros podiam ser escravizados de várias formas. Dentre essas havia

maneiras legais (consideradas tradicionais) e os meios ilegais. Robert Conrad (1985)

mostra que, dentre as formas “legais”, estavam: a condenação por juízes locais

africanos por adultério ou roubo; a substituição de familiares por escravos

masculinos e prisioneiros de guerra. Podiam ser consideradas “ilegais”: o rapto e

venda de parentes próximos por chefes de família; grupos africanos que capturavam

cativos injustamente e diziam que eram prisioneiros de guerras justas; e finalmente

portugueses que escravizavam parentes livres de fugitivos.

A chegada do europeu ao continente africano pontuou o chamado modelo

de “civilidade”, o qual deveria ser repassado aos negros. Se existia uma espécie de

estrutura político-histórico-cultural há muito por lá, a mesma foi ignorada e

considerada primitiva, selvagem e o negro, um bárbaro. A partir desses

desdobramentos, passa-se a considerar a raça negra como inferior e a missão do

branco, civilizatória e com o intuito de elevar o nível dos africanos ao da Europa.

A partir dessas percepções - simbolicamente falando - a cor preta passa a

ser relacionada a impurezas, brutalidades e imoralidades, ou seja, a representação

do pecado e maldição divina, enquanto o branco remeteria à inocência, paz.

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Portanto, necessário se fazia evangelizar o povo africano, imerso no pecado e

perdição. Necessário salvar das penas eternas esse povo considerado inferior,

mesmo que para isso o homem escravizasse outro homem.

Aliado a esses fatos, se tem no século XIX, a corrente filosófica

evolucionista a permear o seio intelectual, onde se afirmava que o meio ambiente

influenciava nas diferenças culturais. Obviamente, para se possuir superioridade

evolutiva o modelo a ser seguido seria o europeu. Paralela a essa corrente, outra,

fundamentada em estudos biológicos indicava diferenças entre os cérebros do

homem branco e do negro. Pregava-se uma inferioridade nata no homem negro.

Com a disseminação de tais ideias, a inferioridade atribuída ao negro,

deixou de pertencer apenas ao fator biológico e estendeu-se a outros pontos,

conforme Munanga (1988, p.20):

o continente, os países, as instituições, o corpo, a mente, a língua, a música, a arte, etc. Seu continente é quente demais, de clima viciado, malcheiroso, de geografia tão desesperada que o condena à pobreza e à eterna dependência. O ser negro é uma degeneração devida à temperatura excessivamente quente.

Alicerçado nesses aspectos, o próprio africano assume esse discurso do

dominador participando - involuntariamente - da criação de mecanismos de

dominação, especialmente os ideológicos. Isso o leva inclusive, a tentar assimilar a

cultura do outro – o colonizador/dominador.

E o que se vê daí em diante é o negro tentando assimilar a educação do

branco, apreendendo sua história, sua memória, sua geografia, substituindo seus

valores religiosos pelo cristianismo – lembrando que isso também pode ser

considerado estratégias de sobrevivências. Mas ao mesmo tempo, esse negro vai

descobrindo que a internalização dos valores e conceitos da cultura europeia não

acontecera até então. Seus esforços pareciam em vão, não havia sido alcançado o

objetivo, a equiparação com o branco.

Portanto, verifica-se que, praticamente durante todo o século XIX, os

africanos – e sua história - foram considerados inferiores. E logicamente essa

concepção foi disseminada em nosso país. À mercê de teorias raciais, pensava-se

que a mistura do negro com o restante da população poderia comprometer o futuro

do país, já que o ‘correto”, o desejado seria o embranquecimento. Essa forma de

pensar - advinda das teorias raciais - ultrapassava a elite intelectual e espraiava-se

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pela população, a qual também se preocupava que essa mistura entre as três raças,

pudesse gerar uma espécie de descendência degenerada.

Esses estudos e debates sobre o negro só foram iniciados no final do

Século XIX e, a partir de 1930, muda-se o panorama: intelectuais passam a ver os

negros como provenientes de uma raça e cultura inferior, mas ao mesmo tempo,

com algo de positivo a agregar. Um desses estudiosos é o sociólogo Gilberto Freyre,

com a obra Casa Grande & Senzala (1999), que revolucionou gerações de cientistas

sociais e pesquisadores não só dentro como fora do país.

Para este sociólogo, havia uma espécie de paternalismo nas relações

senhores/escravos e essa relação era harmônica, sem conflitos. O autor constrói

uma narrativa sociológica na qual tende a diluir os antagonismos de uma sociedade

escravocrata, partindo do pressuposto da evolução social por meio da miscigenação.

Esses estudos formatados por vários pensadores ajudaram a criar o mito

da “democracia racial”: o Brasil passa a ser visto como o local onde várias raças

conviviam em harmonia, onde não se viam preconceitos e/ou discriminações sociais.

O mundo volta os olhos para o Brasil e a sua – suposta – democracia racial,

especialmente após os desastres ocorridos durante a II Guerra Mundial, onde povos

exterminaram povos.

Todavia, torna-se válido pensar a escravidão a partir de uma visão macro,

considerando para tanto o dinamismo histórico que circunscreve a presença escrava

na formação social brasileira. Afinal, três séculos de escravidão marcam a história da

formação do povo brasileiro com ambiguidades em torno das representações sobre

o escravo e seus descendentes.

3. 1 Escravidão em São Luís – anos 1830-1841

É sabido que o Brasil recebeu e abrigou uma enorme quantidade de

africanos durante o período em que o tráfico de escravos prevaleceu – entre os

séculos XVI e XIX, como nos informa Parrone (2004, p. 6-7). Segundo ela, o “Navio

Infame”, “navio negreiro” ou “tumbeiro” – arrastou mais de 11 milhões de africanos

para a América. Em caravelas ou barcos a vapor “[...] os traficados eram em maioria,

homens de 8 a 25 anos”.

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Semelhante informação nos fornece Farias (2010, p.18) ao esclarecer que

os negros eram submetidos a condições hostis no momento do transporte “[...]

Espremidos nos porões dos navios negreiros, milhares de homens, mulheres e

crianças [que] suportavam calor, sede, fome, sujeira, ataques de ratos e piolhos,

surtos de sarampo ou escorbutos. Muitos não resistiam e eram jogados ao mar”.

Têm sido constantes as pesquisas e/ou estudos, onde se tenta determinar

– ou pelo menos, aproximar-se – do volume de negros africanos que aqui estiveram,

segundo Pantoja (apud MEIRELES, 2009, p.131). Devido à sua complexidade, não

há um consenso acerca do assunto, mas alguns autores falam de 6 a 11 milhões de

negros desembarcados por aqui.

Os estados de Pernambuco, Rio de Janeiro e a Bahia foram os

precursores da escravidão na América Portuguesa, devido à lavoura da cana-de-

açúcar com a importação de escravos nos séculos XVI e XVII. A mineração no

século XVIII, também sobreviveu a partir da escravidão de maneira semelhante ao

lucrativo ciclo açucareiro do Nordeste.

O desembarque de africanos nos portos de Belém e São Luís está

registrado a partir da segunda metade do século XVIII, com a criação da Companhia

Geral de Comércio do Grão Pará e Maranhão, em 06 de Junho de 1755, pelo

Marques de Pombal. A administração era feita diretamente por Portugal e possuía o

objetivo de fortalecer o comércio com nossos patrícios. A dita Companhia oficializou

e monopolizou o comércio de escravos, inclusive a venda dos mesmos.

Outros estudos referem-se à entrada de africanos nesta Província em

data anterior, já que em 1655, foi instituído o cargo de Juiz da Saúde, antes da

criação da Companhia de Comércio. Esse cargo foi criado para que todos os navios

que chegassem com negros fossem visitados, evitando os surtos de doenças, muito

comuns no período, devido às condições insalubres do transporte.

Esses levantamentos da entrada de negros cativos no Maranhão

puderam ser efetivados através dos chamados “registros de viagens” e das “visitas

da saúde” aos navios que aqui aportavam – entre os anos de 1779 a 1799, sendo

que:

Foi possível compilar 203 viagens negreiras para o Maranhão, sendo que 131 desses registros são de tumbeiros vindos da África e 72 são daqueles vindos de portos brasileiros, o que permitiu montar um quadro geral do comércio de cativos para essa área. (MEIRELES, 2009 p.132).

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Segundo Meireles (2009, p.133), apesar de não ser possível afirmar com

veemência que os negros aqui desembarcados vieram somente desses locais,

devido à complexidade e à fragmentação das fontes, consta uma maior incidência

de registros dos mesmos, como procedentes de Bissau, Cacheu, Angola, Luanda,

Cabinda, Costa da Mina, Malagueta, Moçambique.

Outra informação importante é que a Companhia Geral de Comércio do

Grão Pará e Maranhão comprou cerca de 31.317 escravos ou “peças”, sendo que

12.000 vieram para o Maranhão - apesar de estudos indicarem outros números.

Afinal, podem ter desembarcado 25.365 ou mais de 30.000 escravos. O que se pode

dizer, é que às vésperas da Independência do Brasil, o Maranhão mantinha a mais

alta taxa da população de escravos do Império, os mesmos envolvidos em trabalhos

variados no campo e na cidade de São Luís.

Portanto, pode-se dizer que o Maranhão é considerado uma sociedade

escravista tardia, já que no final do século XVIII se desenvolveu mais fortemente

uma escravidão agrícola por aqui, ainda que desde o século anterior, escravos

africanos tivessem sido utilizados como mão de obra. Tem – se, portanto, o

escravismo maranhense com particularidades que dizem respeito à sua formação

sócio histórica.

Entre os anos de 1812 a 1821, nesta Província, desembarcaram 36.356

negros retirados da África, tais como sudaneses, bantos e outras diversas etnias,

além dos já citados acima. Ferreira (2007) relata que em 1821, Maria Graham14,

apontara que a população escravizada era cerca 71% de negros (as) e 29% de não

negros. Conforme alguns dados obtidos através de relatos de viajantes que

estiveram no Brasil em tempos Imperiais:

Maranhão Thomas Ewbank 280.000 (em 1845)

Charles Ribeyrolles 370.000 (em 1856)

São Luís Daniel Parish Kidder 33.000 (em 1841)

14

Sobre essa viajante, Galves (2007, p.2) nos esclarece que: ”[...] A inglesa Maria Graham esteve no Brasil por duas vezes entre 1821 e 1825. Não visitou o Maranhão, mas colheu informações sobre a economia maranhense, publicadas como apêndice de seu Diário de Viagem (1990)”.

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George Gardner 26.000 (em 1841)

Tabela 1. Quantidade de escravos em São Luís entre os anos 1841-1856

Fonte: Caldeira (apud FEREIRA, 2007, p.16).

De qualquer forma, sempre que se encontram dados acerca do número

de negros que aqui chegaram e foram escravizados, da vida que levavam, suas

ocupações e de vários outros fatores, isso requer uma análise cuidadosa devido às

incertezas que se apresentam. São diversas obras, diferentes pesquisadores e

vários ângulos a descortinar esse universo escravocrata.

Quando na contemporaneidade se pensa nas vivências escravas – na

cidade de são Luís, na primeira metade do século XIX, foco deste trabalho - torna-se

necessário uma reflexão acerca de como seria essa cidade e de como seriam essas

vivências. Certamente, a mesma era recheada de experiências múltiplas, as quais

se tornam difícil avaliar já que se conservaram apenas construções dessa realidade.

E, certamente são outras concepções morais, atitudes comportamentais, valores e

experiências que permeavam aquela sociedade.

E, com essas dificuldades e diferenças, se tenta compreender as

vivências escravas sabendo-se dessa presença constante e maciça no espaço e na

economia urbana: ali estavam misturados escravos de ganho e de aluguel,

disputando espaço e trabalho, ali escravos tentavam dominar e controlar a

“urbanidade” que lhe é apresentada, ali viviam suas experiências de ócio e ódio,

suas formas de sociabilidade e de solidariedade, seus amores, suas articulações de

resistência.

Nesse cenário urbano, eles mantinham certa autonomia e mobilidade

social, escapavam do controle dos senhores, trabalhavam e transgrediam,

experimentavam suas múltiplas vivências, assim como suas readequações e

rearranjos. Inclusive, pelo fato de que, “[...] dados de 1821 indicam que 77,8% da

população da província eram compostos por escravos e libertos” (GALVES, 2007, p.

02).

Para Lopes (2010, p.39), nesse período, a cidade de São Luís passou por

uma série de melhoramentos na infraestrutura urbana, advindos da prosperidade

econômica o que certamente gerou mecanismos de disciplina e regulamentação

urbana. Portanto, se sabe que o poder público mantinha seus mecanismos como

forma de exercer um determinado controle social, como as posturas urbanas. Afinal,

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eram pobres, escravos e forros convivendo em um espaço geográfico específico.

Mas, aparentemente, não foi fácil e simples manter esse controle social, pois a

dinâmica das atividades escravas proporcionava mobilidade aos cativos.

Além de que havia uma desconfiança explícita para com os “de cor”, ou

seja, para a sociedade escravocrata da época, ser negro – escravo ou mesmo

alforriado – suscitava de pronto as piores impressões e “[...] os escravos eram

sujeitos à justiça privada dos seus senhores, complementada pela ação repressiva

do Estado” (ASSUNÇÃO, 2004, p.208).

Mas, nesse conturbado universo, há muito relatos de resistência

escrava. Como forma de escapar dessa repressão social “[...] a resistência escrava

no quotidiano é revelada pela tradição oral; muitos relatos mostram as “manhas”

usadas pelos escravos para enganar seus senhores” (ASSUNÇÃO, 2004, p.210).

Muitas dessas estratégias estão explicitadas nos anúncios dos jornais, entre os anos

1830 – 1841, como a seguir, onde o escravo fugido Marcelino, tenta passar

despercebido, vestido como liberto:

Fugio em Dezembro de 1934, hum escravo de nome Marcelino, molato claro [...] 22 annos alto e robusto, cabeça pequena e de cabellos ingrovinhados,cara puxada, pouca barba, olhos negros subrancelhudo, nariz afillado, beiços grossos, pescoço um tanto comprido, joelhudo e pez direitos [...] anda bem vestido para passar como liberto [...] quem o pegar e apresentar (ECHO DO NORTE, 29.05.1838. Grifo nosso).

Outra forma de resistência usada pelos escravos era a fuga e a

consequente reunião em quilombos, o que era facilitada pelas extensas florestas

não colonizadas, permeadas de rios e riachos (ASSUNÇÃO, 2004, p 211). Mesmo

com as constantes incursões a vida nos quilombos apresentou-se como viável,

aumentando sempre o número de escravos fugidos a habitarem tais locais. Havia

ligações e/ou intercâmbio entre os mesmos, desmistificando a hipótese do

isolamento, conforme nos aponta Soares (apud ASSUNÇÃO, 2004, p.211). Sobre

esse assunto, Azevedo (2006, p.58-59) diz: “[...] o sertão da província está cheio de

mocambeiros, onde vivem os escravos fugidos com suas mulheres e seus filhos,

formando uma grande família de malfeitores [...] atacam na estrada os viajantes”.

Existiam outras formas de resistência dos escravos maranhenses entre os

anos 1830 a 1841: a mobilização e insurreição, o banditismo – ataques nas

estradas, o roubo de gado -, ataques e assassinatos de comerciantes portugueses,

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capacidade de escapar ao recrutamento militar, escondendo-se nas matas densas

por longos períodos com a ajuda dos familiares, participação no conflito Balaiada,

dentre outras.

Dessa forma os escravos prosseguiam em seu dia a dia, brigando para

sobreviver, resistindo à árdua e desigual luta, reinventando-se. Tanto o é, que

Galves exemplifica essas resistências a partir de um relato de Frei Nossa Senhora

dos Prazeres ”[...] o escravo que se liberta calça logo xinela e quer ser tratado como

branco, e quem lhe chame negro. Só às pessoas pode chamar rapariga (nomes que

em todo Maranhão indicam escravidão)” (PRAZERES apud GALVES, 2007, p.3).

Muitos exemplos há, de que os escravos em São Luis acharam suas formas

de participação nesses vários contextos, o que terminava por “incomodar” ainda

mais aquela sociedade escravocrata. Eles estavam espalhados em todas as áreas,

misturados aos brancos, aos pobres, confundindo-se com os seus pares e até com

os negros forros. Estavam literalmente resistindo usando das suas maneiras

peculiares. Afinal, eram escravos urbanos e por isso participavam de um cenário

muito mais complexificado do que o vivido em meio rural.

Por isso, vestiam-se, trajavam-se de acordo com a situação e com o ambiente

a ser “desbravado”. Josué Montelo em “Os Tambores de São Luís” (1985) fornece

algumas representações dos negros desse período, algo que também é recorrente

em relatos históricos específicos. No trecho abaixo, o negro Damião se surpreende

com os trajes e os “ares” dos escravos, no dia a dia da cidade:

Damião viu a calçada cheia de negros. Uns estavam vestidos com ar de senhores, e eram solenes até na maneira de andar, a roupa bem passada, óculos de aro de metal, chapéu alto. Também viu negras trajadas com esmero, pose de brancas, a garofinha espichada a ferro, a blusa cavada mostrando o começo dos seios [...] (MONTELO, 1885, p.191-192).

E, sobre as negras, vestidas de forma que lembravam mulheres brancas,

Montelo (1985, p. 217-218) as descreve dessa forma: “[...] A preta vestia-se com

esmero, a saia estampada, o cabeção de linho com as mangas de renda francesa

[...] cordão de ouro, pulseiras também de ouro [...] pingente de brilhantes nas

orelhas, um vistoso pente espanhol nos cabelos”.

Mas convém lembrar que essa característica do escravo de fundir-se à

cidade, de misturar-se e produzir economicamente – mesmo que os lucros fossem

para seus senhores – não dizia respeito somente a esta Província. Farias (2010,

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p.19) relata a trajetória da negra Rita Maria da Conceição e seu marido Antonio José

de Santa Rosa – também negro – no Rio de Janeiro:

Durante quase sete anos, o casal vendeu hortaliças, legumes e aves em duas bancas na Praça do Mercado, conhecida como Mercado da praia do Peixe. Instalado à beira da Baía de Guanabara, nas proximidades do Largo do Paço (atual Praça XV de Novembro), esse grande centro de abastecimento de gêneros de primeira necessidade reunia quitandeiras, mercadores e carregadores africanos.

E, em se tratando da economia maranhense, Assunção (2010, p.157)

esclarece que os escravos estavam inseridos no mercado de alimentos, onde havia

tentativas de regulação e/ou organização:

Os pretos, ou pretas, eu venderem farinha, milho e arroz, feijão, hortaliças, frutas e outros quaisquer gêneros a retalho, não poderão fazer feira se não na praça de Nossa Senhora do Rosário, pena de pagarem mil-réis, ou dois dias de prisão, fica porém livre o trânsito dos Tabuleiros pelas ruas como ate agora se praticava.

Através das posturas estabelecidas pela Câmara, se percebe a inserção

dos escravos nesse mercado nas ruas de São Luis, já que havia tentativas de

limitação dos mesmos, pois uma estabelece que “[...] ninguém poderá comprar a

escravos objeto nenhum, ou comerciar com estes sem a permissão dos seus

senhores, administradores ou feitores” (CÓDIGO DE POSTURAS DE SÃO LUÍS

apud ASSUNÇÃO, 2010, p.157).

Mesmo com o Código de Posturas determinando e delimitando a

movimentação dos escravos, independente de quaisquer situações as quais

estavam expostos eles encontravam formas de resistência e luta nesse espaço

urbano. Inclusive porque “[...] o código de posturas foi um projeto idealizado por

membros da elite, objetivando criar uma cidade ideal [...] inviabilizado pela cidade

possível, que é a cidade real, que transgride e resiste” (LOPES, 2010, p.41).

Mas apesar de submetidos, encontraram formas de viverem

paralelamente aos ditos códigos. Possivelmente, essa “teimosia” em driblá-los,

trouxe-lhes a pecha de criminosos:

a suspeição generalizada foi um elemento que segregou durante muito tempo escravos, negros forros e negros livres [...] o estigma social da escravidão fez de todo negro um criminoso em potencial, de todo escravo suspeito um fujão e de muitos libertos um mentiroso que se passava por

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forro. Daí o porquê de muitos escravos terem requerido na justiça a liberdade por conta da reescravidão, prática recorrente na época (LOPES, 2010, p.45).

Mas, independente das dificuldades impostas ao africano para sobreviver,

sobressaía-lhes as habilidades, como em várias obras específicas do período

pesquisado, 1830 a 1841. Josué Montelo (1985) em Os Tambores de São Luis

apresenta um trecho onde é mostrada a rotina de uma preta doceira e seu tabuleiro:

[...] não adiantava cobrir os doces com a toalha, o pó parecia penetrar-se pela fazenda, para ir misturar-se às cocadas, mães-bentas e aos pés-de-moleque [... ] e o certo é que fazia mais de vinte anos que, todos os dias, com exceção dos sábados e domingos, armava na mesma esquina [...] o velho tabuleiro, com os doces ainda quentes (MONTELO,1985, p.237).

Em outro momento do romance, onde o personagem Damião refere-se à

negra Suzana, explicitando as habilidades da mesma, reitera esse mesmo autor:

[...] ficava ela na varanda, à cabeceira da mesa, fazendo flores de papel, cortando forminhas de doces, preparando trajes de anjos para procissões, retocando grinaldas de noiva, compondo máscaras de carnaval, bordando camisinhas de batizado (MONTELO, 1985, p.374).

Outro literato maranhense também informa sobre os negros urbanos.

Aluísio de Azevedo (2006, p.19-20), em O Mulato, assim se refere a esses

trabalhadores, descrevendo suas rotinas:

E os aguadeiros, em mangas de camisa e pernas arregaçadas, invadiam sem cerimônia as casas para encher as banheiras e os potes [...] tudo estava adormecido; só os pretos faziam as compras para o jantar ou andavam no ganho [...] doutro lado da praça, uma preta velha, vergada por imenso tabuleiro de madeira, sujo, seboso, cheio de sangue e coberto por uma nuvem de moscas, apregoava [...]’Fígado, rins e coração!’. Era uma vendedeira de fatos de boi. [...] para lá convergiam, apressadas e cheias de interesse, as peixeiras, quase todas negras, muito gordas, o tabuleiro na cabeça, rebolando os quadris [...] cruzavam-se os negros no carreto.

Mas não só dessas atividades, viviam os escravos africanos, os mesmos

envolveram-se em várias outras áreas, desde que sobrevivessem – forma de

resistência – ou que proporcionassem lucros aos seus senhores.

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Boa parte desses indivíduos exerciam atividades relacionadas a ganho e

aluguel, onde “[...] a atividade de ganho era resultado de acordo entre o escravo e o

seu senhor [...] uma quantia predeterminada que o cativo deveria levar ao seu

senhor no final do dia ou da semana [...] o excedente ficava com o escravo”

(LOPES, 2010, p.30-31). No caso do aluguel de escravos, nos exemplifica Ferreira

(2007, p.46):

O aluguel de escravos para os mais diversos serviços, por sua vez, se tornou uma prática urbana cada vez mais comum, pois mesmo quem não tinha condições de comprar um escravo tomava-o de aluguel, e outros que não tendo meio de vida específico faziam dessa prática o sustento de toda a família.

Percebe-se, então, que não existiam somente proprietários com grandes

levas de escravos a seu serviço e bem estar. Era possível – e plausível – que

pessoas com menos posses, vivessem da renda produzida por seus poucos

escravos.

Apesar de que não seja absolutamente possível perceber essa nuance

nos avisos, é uma constante encontrar avisos de jornais oferecendo as

especialidades de escravos urbanos. O jornal Chrônica Maranhense (29.09.1839),

destaca que “[...] quem tiver escravos officiaes de sapateiro e os queira alugar, dirija-

se [...]. Em outra edição, o mesmo periódico avisa que” “[...] quem quiser alugar

ammas de leite, dirija-se a rua das Viollas (CHRÔNICA MARANHENSE 13.10.1839).

Avisos semelhantes são encontrados também no ano seguinte “[...]

preciza-se de uma amma de leite que não tenha cria e que esta goze saúde, quem

a tiver e quiser alugar (CHRÔNICA MARANHENSE, 09.01.1840) ; “[...] na praia

pequena, em caza de da viúva Trindade, tem para alugar uma preta para ama de

leite, sadia e sem cria” (CHRÔNICA MARANHENSE, 09.04.1840).

E, esses senhores negociavam seus escravos de acordo com suas

necessidades. Isso nos leva a pensar na possibilidade deles comprarem e/ou

venderem escravos para serem alugados por outrem, de acordo com alguns avisos

encontrados nos jornais alvo desta pesquisa: “[...] Em caza de Manoel Antonio dos

Santos e Cia, há para vender dois negros, hum que serve para serviço de rossa e

outro para serviços de cazas e cozinha sofrivelmente, de nação Angola, quem o

quizer comprar” (A ESTRELLA DO NORTE DO BRASIL, 17.04.1838).

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Podem ser citados exemplos advindos de outros jornais usados na

pesquisa:

[...] em caza de José Rodrigues Roxo [...] vendem-se dois mulatos sapateiro e hum moleque próprio para aprender qualquer officio [...] D. Maria Alexandrina de Castro, tem para vender huma preta creoula de nome Margarida, idade 23 annos, he costureira, borda alguma cousa, goma, lava, cozinha, sabe arear assucar e fazer toda qualidade de doces [...] he inteligente para todo serviço de huma casa; [...] e he escrava de bons costumes (CHRÔNICA MARANHENSE, 30.11.1839).

Tais situações expostas nesses anúncios revelam que os escravos

negros maranhenses reagiram de diferentes formas à situação degradante que a

escravidão estabelecera. Enfrentando a sociedade escravista, escreveram

importantes capítulos da história brasileira. Por isso, a intenção é mostrar que os

escravos estavam envolvidos em várias atividades comerciais, possuíam várias

habilidades, muitas das quais eram usadas como forma de resistência. Como agiam,

por onde andavam, como se conduziam, como se relacionavam entre si e com quem

os rodeava. Tentar expor a situação dos escravos em São Luís, entre os anos 1830

a 1841. Ou pelo menos, levantar uma parte desse véu.

3.2 Os Jornais na Província Maranhense

Dentro dessa dinamicidade complexa, o jornal era um instrumento

peculiar presente e colaborador nesse processo. Importante, devido às

circunstâncias do contexto, à necessidade e forma de comunicação vigente no

período.

É necessário que se reconheça o jornal como instrumento capaz de

formar opiniões, de reformular conceitos, de estabelecer valores, contribuindo assim,

para a formação do imaginário do objeto estudado – neste caso, o escravo. A partir

dos anúncios constantes nesses jornais do início do século XIX, tenta-se estabelecer

como alguns parâmetros e imagens – positivas ou não - se cristalizaram ao longo do

tempo. Para Ferreira (2007, p.12):

Não apenas por se constituir nesse poderoso instrumento de construção e divulgação de ideias e imagens numa dada sociedade, mas também pelo seu poder de manipular interesses e intervir na vida social. Não por menos

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denominada de ‘o quarto poder’, a imprensa tem o domínio da palavra impressa no século XIX. Os jornais são carregados de discursos e ideologias que expressam o movimento de ideias circulantes numa determinada época e interagem na complexidade de um contexto histórico e social.

Os periódicos maranhenses entre os anos 1830 a 1841 se apresentam

como disseminadores de ideias e estão estritamente ligados às convenções

político/partidárias dos seus editores e jornalistas. Convém lembrar que sua

ascensão, denota o florescimento intelectual e cultural porque passava São Luís, a

partir do desenvolvimento econômico – apesar de que esse boom econômico

derivasse da escravização do negro africano. As lavouras do arroz e do algodão

trouxeram a opulência e a riqueza necessárias para a eclosão desse momento de

intelectualidade entre os maranhenses, momento esse que trouxe o título de “Atenas

Maranhense” e alçou esta província ao reconhecimento nacional. Sobre tal fato,

Ferreira (2007, p.18) reintera que:

Maranhão passa por um deslumbramento cultural decorrente da euforia econômica da agro-exportação, passando a cultivar o gosto pelas artes e a adotar um modelo de comportamento e de valores que seria responsável por conferir à Província maranhense uma singularidade que a destacaria no cenário nacional. As habilidades refinadas de escrita e leitura vão estar presentes não só na literatura, mas também na imprensa que se dizia na época uma das mais brilhantes do Império.

Importante lembrar que o desenvolvimento da imprensa no Maranhão é

um reflexo da imprensa nacional. Acompanha o progresso que grassa as

instituições públicas e privadas e o desenrolar do estabelecimento da República,

entre outros fatores. Imprensa essa que surgiu somente em 1808 – a Imprensa

Régia - com a finalidade de divulgação de documentos e atos oficiais. A partir daí,

fora do Rio de Janeiro aos poucos se desencadeou “[...] o surgimento de inúmeros

jornais na Capital do Reino e também nas províncias: Bahia, Pernambuco,

Maranhão, São Paulo” (CAPELATO apud FERREIRA, 2007, p.19).

O jornal adquire nesse contexto, uma importância geral que era

“informar”. Todavia poucas pessoas detêm o “poder” da leitura. É de praxe que se

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use o jornal para dar informações – os avisos - conforme se encontra no Chrônica

Maranhense15.

Com linguagem prolixa e rebuscada - característica predominante nesse

período – os jornais tratavam assuntos relacionados à política e economia, trazia

notícias de outras províncias, publicava crônicas, discursos, orçamentos aprovados

para as despesas da nossa província – e muitos outros documentos oficiais – além

de anedotas, direitos de respostas a interpelações variadas. Em todas as edições,

após o encerramento dos assuntos tratados, havia duas colunas: as “variedades” e

os “avisos”. Sua edição, diária e o uso era recorrente por todos que buscavam

informações.

Seguem alguns avisos no Chrônica, que mostram assuntos de relevância

pública, como os avisos da negociação de letras de câmbio, o convite e a

programação das festividades do Senhor Jesus dos Navegantes:

Pela Thezouraria da Fazenda se pretende negociar Letras para Londres: as pessoas, a quem convier dar as referidas Letras, poderão concorrer nos dias 08, 10 e 12 do corrente mez das 9 horas da manhã até às 2 da tarde, a fim de se tratar do competente ajuste. E para que se chegue ao conhecimento de todos, mandou o Snr. Contador servindo de Inspector de Fazenda affixar o presente. Secretaria da Thezouraria de Fazenda do Maranhão 2 de janeiros de 1838 – Francisco Joze Cezar ao Amaral, official maior (CHRÔNICA MARANHENSE, 09.01.1838). A mesa da Irmandade do Senhor Jesus dos Navegantes, faz sciente ao respeitável público, que no dia 28 do corrente mez de Janeiro terá lugar, na Igreja do convento de Stº Antonio, a Festividade que se costuma celebrar em louvor e glória do mesmo Senhor; havendo na noite antecedente as respectivas vésperas, tudo com a decência possível: prevenindo-se outro sim, que no mesmo dia da Festividade, haverão missas resadas das 5 horas da manhã athe as 8 (CHRÔNICA MARANHENSE, 09.01.1838).

Ferreira (2007, p.20) diz que “[...] A estrutura jornalística era quase que

exclusivamente dedicada a uma causa específica, o que ficava evidente na escolha

dos temas e na linguagem empregada”. Os jornais – e as suas publicações – não

eram imparciais, quase sempre estavam a serviço de um grupo político/partidário.

Há um posicionamento e partidarismo político explícito:

Os longos artigos, a linguagem carregada e panfletária, o estilo incisivo na defesa da opinião, ataques aos jornais de idéias contrárias ao governo ou, a defesa intransigente das medidas oficiais, caracterizaram as páginas dos

15

“Jornal Chrônica Maranhense, assigna-se no escriptorio do Tabelião o Snr Joaquim Batista da Cunha, na Rua da Paz, numero 20, Maranhão, na Typographia de I. J. Ferreira. Controle bibliotecário nº 151” (CRHÔNICA MARANHENSE, 01.01.1838).

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periódicos maranhenses. O tom agressivo das críticas, em geral, endereçadas sem qualquer dissimulação a um determinado nome da administração pública ou da alta sociedade, o uso de extenso cardápio de figuras de linguagem, o ataque claro e direto a outros periódicos de idéias divergentes, os artigos extensos e por vezes complexos e os discursos inflamados, marcaram o modo de fazer jornalismo na São Luís da época (FERREIRA, 2007, p.21).

A importância da imprensa nesse contexto representa o posicionamento

do jornalista, um intelectual atuante, o qual foi forjado quando do desenvolvimento

da economia maranhense e foi possível transformar o trabalho escravo em

intelectualidade e crescimento cultural.

Mesmo ressaltando a importância da imprensa, é salutar reconhecer que

o termo “quarto poder” não é apropriado ao período – 1830 a 1841. Afinal, não havia

ainda um estabelecimento formal dos outros três poderes ao lado dos quais a dita

imprensa ocuparia seu lugar: Executivo, Judiciário e Legislativo. Entende-se que tal

expressão refere-se mais propriamente a discussões contemporâneas sobre mídias.

Após tal ressalva, é necessário retomar o fio da discussão, pois segundo Ferreira:

Não por menos denominada de ‘o quarto poder’, a imprensa tem o domínio da palavra impressa no século XIX. Os jornais são carregados de discursos e ideologias que só expressam o movimento de ideias circulantes numa determinada época e interagem na complexidade de um contexto histórico e social (FERREIRA, 2007, p.13).

Mas, nem sempre esses jornais mereceram papel de destaque nas

pesquisas históricas, os mesmos suscitavam desconfianças enquanto objeto

historiográfico “[...] esta fonte-objeto não mereceu maiores considerações no debate

historiográfico brasileiro, mesmo nos anos subsequentes a 1931, período de

significativas transformações na historiografia brasileira” (IGLESIAS apud CHECHE,

2004, p. 66).

Foi necessário que se mudasse a visão sobre um documento histórico,

assim como “[...] da própria concepção de História” (CHECHE, 2004 p.67). Questões

como a falta de objetividade, a curta duração e/ou inconstância desses jornais, uma

possível dependência econômica do poder público e as ideologias político-

partidárias das cabeças pensantes “atrás” das edições, ajudaram a disseminar

essas desconfianças.

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Nesta Província, os jornais também se apresentam como fonte

inesgotável de estudos. A imprensa adquire seu destaque nesse cenário, conforme

trecho do Jornal Chrônica Maranhense (01.01.1838):

Além dos artigos sobre a política da província e do Império, cujo sentido e tendência acabamos de descrever, outros publicaremos nos, próprios ou tradusidos sobre a legislação, a moral, e a literatura propriamente ditas. Não faltarão notícias tanto políticas como comerciaes; as estrangeiras se darão quando se obtiverem e forem importantes.

E, conforme modelo “vigente”, os jornalistas posicionam-se de acordo

com as suas convicções, como mostra mais um trecho retirado do referido jornal.

Nele, o editor reafirma que defenderá a causa oposicionista:

[...] quanto á parte doctrinária e às opiniões, continuaremos a deffender os interesses da oposição, e por conseqüência, da liberdade e da ordem, a quem ella deffende; a pugnar pela obseervância das nossas leis e pelo progressivo aperfeiçoamento dellas [...] procuraremos em geral guardar a decência e moderação que todo escriptor a si e ao povo deve guardar [...] (CHRÔNICA MARANHENSE, 15.12.1838).

E, nesta Província, os intelectuais travavam uma luta político/partidária.

Conforme nos esclarece Ferreira (2007, p.16), havia uma tensão entre esses

intelectuais, divididos em partidos políticos:

[...] as tensões entre as elites regionais e locais [...] caracterizaram as lutas entre portugueses e nacionais se mantiveram vivas e, pelos anos de 1830, se agrupavam em dois partidos: os conservadores chamados Cabanos e os liberais mais conhecidos como Partido Bem-te-vi. Ideologicamente essas facções políticas que se formaram a partir das camadas sociais enriquecidas no final do século XVIII, viviam uma indefinição política, que tinha em comum a criação de uma consciência nacional que se calcava no ódio aos portugueses.

Essas tensões e lutas entre facções políticas contrárias, muitas delas

oriundas das camadas sociais abastadas podem ter levado as classes populares -

escravos, sertanejos miseráveis - que estavam atreladas a ricos proprietários rurais,

a insatisfações variadas. E a decisão política por parte dos conservadores de

aumentar o poder dos prefeitos culminou na revolta popular conhecida como

Balaiada, conforme já tratado em capítulo anterior.

E conforme o conflito avançada, perdurava e recrudesciam os

combates, se percebe a preocupação da sociedade, especialmente a elite. O editor

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do Crhônica Maranhense assim demonstra, quando escreve “[...] Adiamos a

publicação de vários artigos prometidos, para podermos dar as importantes notícias

de Brejo, de Tutoya, Caxias, Miritiba” (CRHÔNICA MARANHENSE, 06.01.1839).

Era o jornal cumprindo seu papel de informar. Fazia parte das suas

atribuições divulgar as notícias, mesmo com as dificuldades inerentes: a distância, o

tempo e a forma para que as notícias chegassem à redação, muitas vezes através

de cartas:

[...] o descontentamento de alguns, a turbulência de outros, a audácia de alguns faccinorosos [...] eis o que provavelmente deu causa a esta desagradável occorrencia. Como quer que seja não há motivo algum para se nutrirem sérios receios [...] depois de havermos escripto o artigo acima, soubemos que o chefe dos amotinados da Manga é um tal Raimundo Gomes que foi vaqueiro do padre Ignacio no Miarim [...] já correm por ahi uns vagos rumores que essa tropa já se eleva a 70 homens e que tem por um dos seus cabeças o famoso João Nunes [...] mas ainda assim insistimos em dizer que não há motivos para grandes receios (CHRÔNICA MARANHENSE, 21.12.1838).

E, se tratando das questões sobre os escravos, as mesmas se apoiam

em anúncios de jornais maranhenses, em princípios do século XIX, especificamente

entre os anos 1830 e 1841. Eles nos mostram esse universo dos escravos, eles

apresentam detalhes da vida desse segmento social.

Através dos anúncios dos jornais, é possível perceber que as

características físicas e/ou comportamentais dos escravos são ressaltadas, com o

objetivo de identificá-los. Identificar para realizar bons negócios, mostrando a melhor

imagem dos escravos para vender ou alugar, ou ainda, ajudar a capturar mais rápido

em caso de fugas.

Como já foi dito, para a sociedade da época, havia uma suspeição

generalizada em relação ao escravo, ele era quase sempre um “sujeito” passível de

cometer crimes, havia uma desconfiança latente... Era o estigma da escravidão a

segregar – ainda nos dias atuais, o sabemos.

Então como realizar bons negócios, com o “objeto” escravo? Através dos

anúncios em jornais, era possível interferir nesse processo, ressaltando as melhores

características físicas e/ou comportamentais do escravo, como nos dois anúncios

abaixo:

Huma molatinha de 13 anos de idade, faz bem renda, goma alguma couza, e tem todas as proporçoens para ser aplicada a tudo quanto he precizo,

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acha-se a venda em casa de Franciscos Ferreira de Carvalho, Largo do Palácio. O mesmo preciza comprar duas pretas mossas (CHRÔNICA MARANHENSE, 10.02.1838). [...] vende hum escravo criollo official de marcineiro idade de 26 a 28 annos de boa figura (...); também se vende hum molato crioulo de 30 annos, pouco mais, embarcadiço e que trabalha (...) bem apessoado e sadio; quem pretender a ambos ou a algum delles (CHRÔNICA MARANHENSE, 05.04.1838).

O mesmo se vê no anúncio da venda de uma negra, apta aos serviços

domésticos. Segundo a publicação: “[...] Vende-se huma negra moça, sadia, de bons

costumes, que sabe lavar, gomar, cozinhar, cozinhar e entende de todo arranjo de

uma caza” (CHRÔNICA MARANHENSE, 07.05.1840).

Como se percebe são muitas as características físicas, morais,

comportamentais, que são levadas em consideração nos anúncios dos jornais do

século XIX sobre os escravos. Apesar da “intenção” de informar – para se realizar

bons negócios e/ou recuperar negros fugidos – esses anúncios dão a oportunidade

de revelar a vida, o dia a dia dos escravos.

Diante desse quadro, torna-se importante analisar as relações entre

esses escravos e a sociedade maranhense – formada por grandes proprietários

rurais e comerciantes – a qual sabemos era escravocrata e patriarcal. Detinha o

capital escravista mercantil e consequentemente, o poder político local e de decisão.

É necessário apreender os sentidos e as representações vinculadas nos

anúncios de compra e venda, troca e aluguel de escravos, constantes nesses jornais

pesquisados. A partir das descrições detalhadas desses anúncios se busca perceber

as rupturas e continuidades das imagens elaboradas em torno do escravo.

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4 A IMPRENSA NO SÉCULO XIX: o “quarto poder” na sociedade e as

representações sobre os escravos

“A imprensa foi um setor da sociedade que se manteve atento para o

desenvolvimento de todas as questões que sacudiram o país no início do século

XIX” (FERREIRA, 2007, p.19). Esse momento histórico corresponde a um período

de substanciais mudanças ocorrendo em nosso país, com base em ideais

propaladas na Europa, mas com grandes possibilidades de assimilação.

Afinal, trata-se de um período em que a cultura, a política e outros

aspectos da vida social se modernizam, a partir dos modelos vigentes trazidos de

fora do país. Aqui desembarcavam tecidos, móveis e utensílios, revistas de moda,

acessórios, roupas e concepções diversas expressas em literatura específica.

Convém lembrar que é o momento da implantação de melhorias nas estruturas de

urbanização e os jovens estão na Europa bebendo das fontes da intelectualidade e

da modernidade vigentes por lá.

Nesse processo, a imprensa não ficou alheia. Ainda de acordo com

Ferreira (2007, p.21,) em um artigo publicado no jornal carioca A Imprensa, transcrito

do jornal O Progresso de 12 de outubro de 1850, a imprensa é comparada a uma

verdadeira “obra divina” cujo papel é lançar luz à escuridão reinante. É considerada

também, como o “quarto poder” 16, apesar de algumas ressalvas em contrário.17

Dentre outras considerações, o artigo ressalta a importância da Europa e

dos Estados Unidos nesse processo, sendo essas regiões consideradas “símbolos

de civilização” e “progresso” (FERREIRA, 2007, p.21), pois compreenderam melhor

que todos os demais países a importância extrema da imprensa.

Segundo Pereira (2006, p.14-15), a imprensa é “[...] no século XIX, o

locus de discussão e de circulação de ideias [...] [pois] cumpria a função de um

circuito de interatividade”, ou seja, os jornais cumpriam o papel de informar,

disseminar o caráter político vigente. Eles propiciavam a formação de opiniões,

16

Essa expressão “quarto poder”, faz alusão à liberdade das mídias, do jornalismo e a sua capacidade de manipulação da opinião pública. É uma comparação aos outros três poderes que regem a sociedade democrática, o Legislativo, o Judiciário e o Executivo. Através da imprensa, é possível mudar comportamentos, não somente individuais, como da própria sociedade, coforme nos esclarece Cleves (2012). 17

C.f, p. 53.

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registravam as atividades diárias necessárias, divulgavam as ideias do grupo político

a que serviam, criticavam duramente os outros periódicos quando estes não

partilhavam da mesma opinião. Enfim, relacionavam-se de forma dinâmica com

aquela sociedade na qual estavam inseridos.

Tanto o é, que ainda no século XIX os jornais também denunciavam. Por

exemplo, a falta de ética na política. Como o caricaturista ítalo-brasileiro Angelo

Agostini, o qual chegou ao Brasil com 16 anos e aos 21 já editava jornais ilustrados,

em São Paulo, como o Dom Quixote. Foram mais de 40 anos de uma carreira

jornalística pautada no humor ilustrado, onde não poupava político nenhum, de

acordo com a realidade da época:

Dom Quixote, publicado de 1895 a 1903 [...] esse jornal usava textos e imagens para reproduzir as notícias de um país em crise, com conflitos e revoltas de Norte a Sul, sem deixar de lado o bom humor [...] o centro das denúncias do periódico era um país cheio de políticos que não demonstravam qualquer compromisso com a ética (IPANEMA, 2010, p.68, e 69).

Outra situação inusitada, apresentada pela imprensa brasileira a qual

seria o inverso da situação acima: quando o próprio governante sendo muito

atacado e criticado pela imprensa, cria um jornal a seu favor, como Getulio Vargas.

O mesmo “[...] criou um jornal a favor do governo [...] A última Hora, fundada em

1951, pelo jornalista Samuel Wainer, com a ajuda de Getúlio Vargas” (RHBN, 2010,

p. 11). Por medo que o arquivo desse material fosse destruído pelos inimigos que o

próprio Getúlio colecionou, o mesmo foi guardado em segurança durante anos.

Circulou de 1951 a 1971, ano em que foi vendido. Esses fatos são contados por

Medeiros (RHBN, 2010, p.11), o qual informa que todo esse material está sob a

responsabilidade do Arquivo Público de São Paulo, desde 1990. Está sendo

organizado, sendo que uma parte já se encontra digitalizada e disponível, de graça,

na internet.

Outra característica relevante é que a liberdade de imprensa sempre

caminhou lado a lado com a censura. Conforme já dito anteriormente, a criação da

imprensa deu-se em 1808 e foi um mecanismo para divulgar os atos e fatos

referentes à realeza que por aqui se instalara.

Surgiu, assim, a Imprensa Régia no país o “[...] primeiro número da

Gazeta do Rio de Janeiro, que inaugurou a imprensa escrita no país [...] criada para

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divulgar as informações oficiais [...] o poder real já mantinha cada letra sob seu

rigoroso controle” (REVISTA DE HISTÓRIA DA BIBLIOTECA NACIONAL, 2010,

p.86).

Somente por volta de 1821, foi decretada por D. João VI, a abolição da

censura prévia, a qual foi recebida com entusiasmo pelos jornalistas e editores.

Afinal, era a primeira amostra do que seria a liberdade de imprensa. Infelizmente,

fora um engano: a censura só mudara de posição. A partir daquela data, a mesma

passou a acontecer nas formas já impressas e não mais nos manuscritos. Mas, de

qualquer forma, essas discussões estavam apenas no início, muitos decretos e

várias leis surgiram para dar novos rumos, uma nova nomenclatura à liberdade de

imprensa, imbróglio que persiste até os dias atuais.

4.1 Imprensa jornalística no Maranhão

Essas construções, essas percepções acerca da imprensa e

consequentemente, dos jornais, também aconteceram nesta província. Aqui,

também a imprensa e os jornais floresceram acompanhando o ritmo do restante do

país. Conforme expõe Ferreira (2007, p.19), a “[...] imprensa maranhense

acompanhou de muito perto todo o desenvolvimento da imprensa nacional” 18. Aqui,

os jornais foram, ao mesmo tempo, um meio limitado de informações – já que

poucas pessoas tinham acesso às letras – e um meio poderoso de cristalizar a

opinião pública. Um feito conseguido pelos intelectuais jornalistas, especialmente, no

caso da política partidária, já que os mesmos quase sempre pertenciam e defendiam

um grupo específico.

Levando-se em consideração o florescimento intelectual que se

desenvolveu aqui, em meados do século XIX, é natural que se perceba a imprensa

acompanhando tal fenômeno. Nos jornais, se reunia a intelectualidade maranhense.

Há uma estreita relação entre esse crescimento intelectual e os jornais. Esse

18

“A imprensa maranhense acompanhou de muito perto todo o desenvolvimento da imprensa nacional e também estava dividida entre os adeptos da causa emancipacionista e os contrários à independência, ou seja, os periódicos do período estavam sensivelmente ligados às discussões em voga nas primeiras décadas do século XIX. Sua gênese esta associada às disputas políticas entre facções rivais, à lusofobia e estruturação do Estado, e acompanha as transformações em andamento no âmbito nacional” (FERREIRA, 2007, p.19).

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jornalista suscitava as discussões no seio da sociedade, situação bastante comum,

no período estudado, como nos apresenta Ferreira (2007, p.19): “[...] o papel do

jornalista, confundia-se, portanto, com a figura do intelectual engajado, movido por

convicções políticas, funcionando como uma espécie de incitador dos debates”

Usando uma linguagem rebuscada, discursos inflamados e radicais,

defesa exacerbada das opiniões – contrárias ou a favor da causa em evidência

naquele momento – críticas agressivas a determinadas figuras, o jornalismo

maranhense se sobressaía e acompanhava o tom nacional. Era esse o papel dos

intelectuais/jornalistas que habitavam o universo jornalístico do Maranhão, entre os

anos 1830 a 184119.

4.2 Jornais como fonte histórica

Mesmo sabendo a trajetória – inclusive social - que a imprensa detém e

reconhecendo os jornais como fonte profunda de estudos é válido se conhecer

algumas nuances que adquirem salutar importância no entendimento deste estudo.

Durante muito tempo os jornais não mereceram essa pecha de

instrumento histórico devido, entre outros fatores à sua suposta instabilidade – curta

duração, poucas e breves edições – assim como à sua provável dependência ao

poder público, como esclarece Galves (2004, p.66). Esse autor reafirma que, mesmo

com as inovações no debate historiográfico brasileiro e com a história adquirindo

outro caráter – o de ciência em construção - os jornais continuaram carregando o

estigma de “fonte suspeita”.

Afinal, seriam necessárias mudanças estruturais para que o historiador

pudesse pesquisar e interpretar o jornal como documento histórico, passível de

credibilidade. Podem-se citar questões metodológicas como um dos fatores que

impediam esse olhar. Além de que a tendência era se analisar grandes jornais –

maiores tiragens, tempo maior de duração e consequentemente, mais (suposta)

credibilidade – o que dificultava ainda mais o estudo.

19

“A imprensa era o principal núcleo dos intelectuais maranhenses na primeira metade do século XIX,

ao mesmo tempo em que dela se utilizaram para expressar o modo como viam ou percebiam a

sociedade” (FERREIRA, 2007, p.20).

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Felizmente, se inicia o processo inverso a tudo isso, em que os conceitos

sobre a História e as pesquisas históricas se ampliam: ”[...] a compreensão da

História como ciência em construção, passível de interpretações díspares, a partir de

fontes, abordagens e problemáticas diferentes” (GALVES, 2004, p.67).

Uma questão primordial precisa ser citada, pois foi observada quando da

pesquisa: a dificuldade de recolher dados nos pequenos jornais. Há inconstância

nas edições, faltam números, folhas e/ou transcrições ou as mesmas estão ilegíveis.

Possivelmente, essa questão foi uma das que contribuíram e geraram desconfianças

em relação a esse objeto de pesquisa, o jornal de pequeno porte.

Mas, quando estudiosos se propuseram a analisar jornais foi perceptível

que muitas possibilidades e véus se descortinavam. Era um mundo novo a ser

pesquisado. Percebeu-se que esse tipo de fonte histórica abria novas possibilidades

de análise do seu conteúdo, historiograficamente falando. Afinal, “[...] a história do

Brasil do século XIX, está nos anúncios dos jornais [...] eles constituem os nossos

primeiros clássicos, especialmente, os anúncios relativos a escravos” (FREYRE,

1979, p. 7).

E se torna possível usá-los para novas abordagens, novos

questionamentos e percepções histórico/culturais. E se descobre que é possível

reconstruir, refazer caminhos não somente a partir dos ofícios e falas de Presidentes

de província e dos discursos político/partidários – geralmente, exaltados - dos

jornalistas que os escrevem. É possível fazer reconstruções sobre os escravos,

objetivo deste trabalho, apesar de que:

[...] durante muitos anos a experiência de vida dos escravos foi excluída da historiografia da escravidão. Só, muito recentemente os avanços da história social possibilitaram o aprofundamento das análises sobre diversos temas que valorizam a subjetividade dos escravos (LOPES, 2010, p.13).

Portanto, analisar esses anúncios de jornais sobre escravos leva o

leitor/pesquisador a empreender várias “viagens”. Torna-se possível analisar muitos

vieses e novas (re) interpretações surgiriam já que são encontrados detalhes

inconfundíveis sobre esses sujeitos, os quais podem levam a entender melhor essas

relações escravos-senhores e a sociedade pertinente aos dois. Para Freyre (1979,

p. XV), os jornais:

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[...] abrem perspectivas inesperadas. Sugere novas abordagens de assuntos [...] Oferece bases ou apoios para interpretações em profundidade [...] Por exemplo: com relação aos tipos constitucionais de homens mais presentes entre anúncios de escravos [...] os longilíneos [...] os brevilíneos [...] os muitos de dentes bons [...] os vários tipos de cabelos [...] os sinais de castigos [...] os trajados como e fossem quase fidalgos [...] os contentes da vida (FREYRE, 1979, p. XV).

Outra questão que pode ser questionada a partir dos anúncios sobre

escravos é a existência da tal “benignidade” entre estes e seus senhores, a qual foi

levantada pelo autor citado. Os anúncios revelam a “crueldade” existente nesse

sistema escravista, pois o escravo era tratado como objeto e, em vários casos, como

animal. Naturalmente, que não há surpresa ou mesmo indignação, já que se está

tratando de relação escravo/senhor, dentro de uma sociedade escravocrata e

patriarcal. Essa percepção é encontrada na obra de Freyre (1979, p.XII):

A verdade, porém, é que dos anúncios de escravos à venda ou que pudessem ser comprados ou alugados, em jornais brasileiros do séc. XIX há uns tantos que revelam o que, na verdade, houve de cruel, em contraste com aquelas evidências de benignidade nas relações de não poucos senhores com seus escravos. A benignidade nas relações de senhores com escravos, no Brasil patriarcal não é para ser admitida, é claro, senão em termos relativos. Senhor é sempre senhor.

Desde o começo do século em questão esses tipos de anúncios –

compra/venda, leilões, troca, fugas e aluguel de escravos - revestiam os jornais do

Império bem mais que outros assuntos, permitindo-se fazer levantamentos acerca

da natureza dessas relações escravocratas, das representações que

permaneceram, as quais advém desse período20. E há o esforço para apreender não

somente sobre essas relações, mas as “entrelinhas”, o “não dito”. Poderá ser

mostrado o caráter antropológico resultante desse período permeado por conflitos e

negociações, mas que não trabalhava ainda com o caráter de conflito racial em toda

a sua pujança.

4.3 O escravo e o negro como mercadoria na propaganda brasileira

20

Segundo explica Freyre (1979, p. XIV) o estudo dos anúncios, presentes em jornais do século XIX e referentes aos escravos, permitiu “[...] chegar-se a importantes conclusões ou interpretações de caráter antropológico, quer psicossomático, quer de todo cultural, à base das descrições oferecidas das figuras, falas e gestos dos negros – ou mestiços – à venda e, sobretudo, fugidos: altura, forma de corpo, pés, mãos, cabeças, dentes, modo de falar, gesticulação [...]”.

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O negro na propaganda de jornais – inclusive aqui nesta província – vem

de longas datas. Ao longo desse estudo, várias publicações do período estudado

bem como anteriores e/ou posteriores mostram isso. Cadena (2008, p.1), explica

que data de 1809 a “descoberta” do jornal como importante mecanismo de

informação sobre a população negra do Rio de Janeiro:

Em 25 de janeiro de 1809, ou seja, cinco meses após a estreia da Gazeta do Rio de Janeiro, o Sr. Vicente descobria que o jornal era um veículo para atingir um número maior de pessoas do que o boca-a-boca tradicional ou o manuscrito, à intempérie, colado num prédio público. Então, publicava o primeiro anúncio de escravos da imprensa brasileira, reportando a fuga, durante o carnaval de uma mulata com educação acima da média: ‘No dia do entrudo [...] fugio a Vicente Guedes de Souza, uma mulata [...] estatura ordinária, clara e com sinais de sardas pela cara, fala português e inglês [...] este anúncio inaugura um estilo (a descrição minuciosa com requintes de ficha policial).

É importante ressaltar que um dos mais importantes espaços “recheado”

de anúncios de escravos, estudado por Freyre (1979, p.16) foi o periódico intitulado

“[...] Diário de Pernambuco – jornal particularmente valioso para esse tipo de estudo,

da vida brasileira, do seu período escravocrático, sem interrupção, de 1825 a 1888

[...]”. Foi esse um dos jornais brasileiros a oferecer material para tão valiosos

estudos, como explica o próprio Freyre (1979, p.XXIX e XXXVII):

[...] sesquicentenário Diário de Pernambuco [...] esse jornal do Recife, fundado em 1825, durante anos e anos publicou anúncios e mais anúncios de escravos à venda ou para alugar ou fugidos [...] Diário de Pernambuco apareceu em 1825 como publicação destinada principalmente a acolher anúncios comerciais. Crescentemente noticioso se tornaria esse Diário fundado por Antonino José de Miranda Falcão”.

Com base nos argumentos de Cadena (2008, p.1), em 1809, vê-se que a

presença do negro enquanto mercadoria passou a ser uma constante nos jornais. Ali

ele dividia espaço e atenção dos leitores com anúncios de fretes, vendas de casas e

fazendas. E, um pouco mais tarde, em 1840 com anúncios de remédios.

Possivelmente, foram mais de um milhão de anúncios publicados nesse período -

apesar de que, esse autor, não soube precisar o autor de tal levantamento e/ou

estudo. Ele esclarece que até 1851, foram muitas publicações de anúncios, os quais

foram diminuindo a partir desse período. Foi um processo tão intenso que os

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fabricantes europeus de “tipos” 21 logo providenciaram para o Brasil, a vinheta de um

negro em fuga e sua trouxa à costa, imagem bastante usada para ilustrar os

anúncios.

O romance “Os Tambores de São Luis” apresenta um exemplo peculiar

dessa forma de anunciar um escravo fugido. O personagem Sarnambi, assim diz a

uma dama que vai até o jornal Diário do Maranhão mandar publicar um anúncio

onde busca recuperar sua escrava: “[...] Eu, se fosse a senhora [...] punha em cima

do anúncio aquela figurinha do negro com um pau no ombro, levando uma trouxa

[...] a Chica, assim, será agarrada mais depressa” (MONTELO, 1985, p.391).

Nessa lógica, Cadena (2008, p.4) explica que o regime de escravidão,

“[...] seria o mais rentável negócio, o mais abrangente mercado da primeira metade

do século XIX. Anúncios de compra e venda, recompensas, anúncios de fretes, de

companhias de seguros, de serviços de empreitada, anúncios marítimos... tudo tinha

a ver com o comércio ilícito”.

Como o trabalho requer e referindo-se às permanências advindas desse

período, convém lembrar que o negro aparece de outras formas nas propagandas.

Podemos citar a falta de visibilidade do mesmo, no papel de consumidor. Sendo

mercadoria por tanto tempo, tendo ilustrado as páginas dos jornais em praticamente

todo o século em questão – o XIX – ele foi ignorado enquanto público alvo. Afinal, o

negro comprava produtos de segunda mão ou somente consumia produtos já

usados, isso sem falar que o alvo dos comerciais eram os ditos brancos,

consumidores em potencial. Obedecendo a essa lógica, como e porque se

preocupar com propagandas direcionadas aos negros? Porque fazê-lo?

Outra situação a ser destacada, que se entende como uma permanência

engendrada em séculos de legitimação do sistema escravista corresponde a pouca

presença de modelos negros em comerciais. Geralmente, os modelos usados são

brancos, loiros, de olhos azuis, o qual apresenta os mais variados produtos.

Provavelmente, o medo de quedas nas vendas, provocada pelo racismo implícito ou

mesmo explícito no seio da sociedade, leva os responsáveis por agências a

evitarem modelos negros, aumentando e alimentando o preconceito racial22.

21

“[...] Por “tipos”, entende-se os caracteres individuais de uma família tipográfica [...] remonta aos tipos móveis [...] para a composição de palavras nas prensas tipográficas” (GUNTHER, 2006, p.11). 22

Felizmente, esse quadro vem mudando na atualidade e, ”[...] pouco a pouco, moças e rapazes bonitos ganham espaço em áreas que nada tem a ver com rebolado e ziriguindum” (MOHERDAUI, 2001), e a sociedade já vê com bons olhos – e aprecia – a beleza negra estampada em comerciais e

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Esse problema é visível e latente em uma sociedade que “embranquece”

e cria subcategorias de negros: mulatos, sararás, não brancos, jambos, etc. Ou na

categoria brancos: louros, castanhos, ruivos, etc. Mas, apesar de se perceber essa

dualidade proveniente da relação negro/escravo e toda a carga negativa que aí

persiste, ainda se forjam padrões estéticos na propaganda brasileira. Processo esse,

iniciado lá no século XIX, nos anúncios dos jornais a partir da imagem suspeita e

negativa do escravo.

4.4 Anúncios dos escravos nos jornais maranhenses

Como não é o mote deste trabalho averiguar e/ou interpretar o tempo de

vida desses periódicos, suas trajetórias, discursos proferidos e suas convicções

políticas, o jornal que mais chamou a atenção e permitiu encontrar as informações

necessárias ao desenvolvimento da pesquisa foi o Chrônica Maranhense.

Suas edições foram às ruas entre 1838 até 1841. Esse periódico estava

vinculado ao Partido Liberal (os chamados Bem-te-vis), na política daquele período.

Foi fundado por João Francisco Lisboa, um dos mais influentes

intelectuais/jornalistas da província do Maranhão, naqueles tempos. O jornal

Chrônica Maranhense envolveu-se sobremaneira no episódio Balaiada e por causa

dos discursos veementes proferidos, o seu fundador e ao mesmo tempo jornalista e

redator “[...] foi acusado de insuflar as massas e de ser o influenciador teórico do

movimento” (FERREIRA, 2007, p.24).

Mesmo antes de o conflito eclodir, o Chrônica já publicava suas

impressões acerca das questões sociais e políticas que grassavam aquele

período23. Aliás, é importante afirmar que esse periódico – Chrônica Maranhense -

foi o que mais divulgou o conflito da Balaiada e o ano de 1839, como o período onde

mais houve notícias sobre esse assunto. Igualmente, se observa que em 1940,

não somente os relaciona a escolas de samba. Felizmente, os negros avançam em outras esferas sociais e já se tornou comum vê-los atuando em áreas anteriormente “reservadas” aos brancos. O publicitário Washington Olivetto esclarece que “[...] Sempre foi difícil colocar personagens negros nas campanhas. Os clientes não aprovavam. Hoje, eles pedem para incluir negros e já existem vários comerciais em que todos os atores são negros" (REVISTA VEJA ON LINE, 2001). 23

Como exemplo da divulgação dos conflitos sociais da época, citamos a seguinte nota publicada no jornal: “[...] Ainda não sabemos ao certo da ocasião e motivos desse desaguisado [...] o descontentamento de uns, a turbulência de outros, a audácia de alguns facinorosos [...] eis o que provavelmente deu causa a esta desagradável occorrencia” (CHRÔNICA MARANHENSE, 21.12.1838).

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aumentaram as chamadas “Ordens do Dia”, referentes às batalhas que ora

aconteciam, com a consequente diminuição dos avisos.

Tanto o é que foi realizado o seguinte levantamento, onde é mostrada a

incidência desses avisos, repassando para a população as informações acerca da

Balaiada, especificamente:

ANO MÊS QUANTIDADE DE

AVISOS TOTAL

1839

ABRIL 2 2

MAIO 3 3

JUNHO 7 7

JULHO 4 4

AGOSTO 4 4

SETEMBRO 2 2

OUTUBRO 2 2

NOVEMBRO 1 1

DEZEMBRO 1 1

1840

JANEIRO 3 3

FEVEREIRO 4 4

MARÇO 6 6

MAIO 3 3

SETEMBRO 1 1

DEZEMBRO 1 1

1841

JANEIRO 3 3

FEVEREIRO 1 1

Tabela 2. Incidência nos jornais de avisos sobre a Balaiada Fonte: Chrônica Maranhense (1839, 1840, 1841)

E para exemplificar essas afirmações sobre a exposição desse conflito

nas páginas do Chrônica Maranhense, estão transcritos abaixo alguns desses

avisos, apesar de que pesquisas específicas sobre o conflito Balaiada não serem o

objetivo do trabalho:

Hontem, 23 do corrente chegou a esta capital a notícia do desastre acontecido as nossas forças em Miritiba. Um grupo de rebeldes, cujo

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número se avalia em 300 surpreendeu o destacamento [...] matando-nos, muitos soldados e a gente que existia na povoação, inclusive mulheres e crianças, as cazas foram invadidas [...] (CHRÔNICA MARANHENSE, 26.03.1840). Foi finalmente pacificada a província do Maranhão, pois que de todas as partes officiaes que temos visto, não consta que nas Comarcas que forão invadidas pela rebeldia nenhum grupo se encontre, restando apenas estes dous numerosos que se acabarão de apresentar [...] (CHRÔNICA MARANHENSE, 29.01.1841).

Ressalvada a importância do Chrônica Maranhense em fornecer material

para a pesquisa (anúncios), retoma-se a análise dos anúncios dos escravos nesse e

em outros jornais.

Mesmo com as dificuldades que toda pesquisa histórica demanda, se

conseguiu apreender e organizar as informações sobre as fugas, compra, venda e

aluguel de escravos dispostas nos jornais. Pareceu relevante sistematizar os

documentos submetidos ao estudo em “categorias”, com o intuito de analisar

separadamente já que os avisos mudam de acordo com os interesses do

proprietário de escravos.

Nessa direção existem anúncios que versam sobre a recuperação de

negros fugidos. Do mesmo modo, existem outros sobre comprar e/ou vender e

alugar escravos. Portanto foi organizada a tabela abaixo para facilitar a visualização

dos diferentes tipos de anúncios nos jornais nesse período:

JORNAL ANO FUGAS COMPRA

VENDA

ALUGUEL

LEILÃO

OUTROS

AVISOS TOTAL

A ESTRELA DO NORTE DO

BRASIL

1830 06 08 0 03 17

O PUBLICADOR

OFFICIAL 1833 03 04 01 01 09

ECHO DO NORTE 1834 10 05 01 0 16

1836 11 06 01 01 19

O INVESTIGADOR

MARANHENSE 1836 01 01 01 0 03

1838 07 11 01 03 21

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CHRÔNICA

MARANHENSE

1839 07 05 03 0 15

1840 10 11 02 0 23

1841 02 02 0 0 04

Tabela 3. Diferentes categorias de anúncios sobre os escravos nos jornais

Fonte: A Estrela do Norte do Brasil (1830); O Publicador Official (1833); Echo do Norte (1834,1836); O Investigador Maranhense (1836), Chrônica Maranhense (1838; 1841)

Também se considerou oportuno referir alguns exemplos de anúncios

sobre os escravos, os quais apresentam situações diferenciadas envolvendo os

mesmos. Na nota a seguir, há o caso onde um Juiz avisa que recolheu um escravo

fugido, identificando-o a quem interessar possa para que seu dono o receba de

volta:

Pelo Juízo de Direito da Comarca do Brejo, se faz público [...] que na cadeia da Villa se acha recolhido o escravo cafuz de nome Romão, baixo de idade de vinte annos, olhos pequenos, sem barba, rosto um tanto largo para baixo, rendido de huma verilha, pés e mãos a proporcionados, sem mais signaes (ECHO DO NORTE, 01.10.1836).

Na lógica da oferta de serviços de natureza escrava, outra forma dos

jornais se referirem ao negro é a procura de amas de leite na condição de escravas,

para que pudessem suprir as necessidades, por exemplo, da Santa Casa de

Misericórdia. O anúncio a seguir destinava-se à procura de amas de leites para os

órfãos abandonados na roda dos expostos:

A meza da Caza de Santa Misericordia desta cidade, querendo prevenir imenços malles a que estão sujeitos os inocenttes expostos na roda da mesma caza [...] athe o presente não se tem descuberto amma para delle tomar conta e dar-lhe os primeiros alimentos; por isso roga as pessoas que tiverem escravas com bastante leite e querão cenpallar neste serviço [...] por caridade ou por ajuste a dinheiro (O PUBLICADOR OFFICIAL, 23.01.1833).

Dentre os vários tipos de anúncios, se publicam os dois abaixo, onde

os senhores buscam encontrar seus escravos, mas explicitam que os mesmos não

fugiram das suas fazendas: foram roubados pelos rebeldes durante a Balaiada,

juntamente com vários animais.

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Marcelino Jose da Silva e Nicolau Jose Teixeira fazem sientes que de suas fazendas do Munim e São Lourenço, lhe foram roubados pelos rebeldes dez escravos e huma grande porção de cavallos, éguas, poldros, burros [...] rogão a todas pessoas que tiverem alguns dos dittos escravos ou animaes [...] (CHRÔNICA MARANHENSE, 01.03.1840).

quanto aos rebeldes, em número de mais de 150 se retiraram, levando cerca de 80 escravos da fazenda dos srs Jansem (CHRÔNICA MARANHENSE, 30.05.1840).

Mas é necessário retornar aos anúncios, alvo desta pesquisa. Nos avisos

de fuga de escravos, o objetivo do senhor é recuperar seu bem. Para tanto, ele

anuncia no jornal e detalha as informações sobre esse escravo, tanto as suas

características físicas como as comportamentais. Ele descreve tal como o considera:

um objeto, um bem, uma mercadoria. E esse bem lhe custou caro, por isso lhe é

importante, o que justifica a oferta de recompensa a quem souber alguma notícia ou

capturar o fugitivo.

E essa característica de anunciar detalhadamente nos jornais, a fuga do

escravo, se encontra inclusive na obra Os Tambores de São Luís, de Josué Montelo.

Nesse romance, encontramos a trajetória de vida do personagem Damião, filho do

negro Julião. É a saga de um negro inicialmente escravizado, depois forro.

Inteligente, tenta vencer através do estudo, mas não encontra seu lugar no mundo

dos ditos brancos.

Nesse romance, passado e presente do Damião se misturam, além da

narrativa da escravidão em si: desde a chegada dos negros nos navios tumbeiros, o

martírio sofrido, além da história de vida do Damião. Paralelo a tudo isso vai

acontecendo a narrativa de fatos históricos ocorridos no Maranhão. Tem como pano

de fundo a sonoridade constante dos tambores, oriunda da Casa das Minas. É a

religião do Damião, trazida da África.

Nesse romance, tem-se um trecho interessante: o personagem

Prudêncio, ao chegar ao quilombo onde todos se refugiaram após a fuga, informa ao

escravo Julião, pai do ainda pequeno Damião que “[...] tem sordado do Governo te

procurando – preveniu o Prudêncio [...] nós apanhou como bicho, e não disse onde

tu tava. Até nos jorná de São Luís se falou que tu fugiu, depois de tocar fogo na casa

do teu sinhô (MONTELO, 1985, p.21).

Esse detalhamento das características do escravo certamente ajudava a

localizar o tal negro fujão, especialmente se ele possuía algo que o diferenciasse

dentre os outros, como no exemplo abaixo, onde o mesmo era gago:

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Fugiu da casa do Major João Serra, na Rua da Cruz, um moleque de nome Baltasar, preto, baixo, de boa figura, com uma cicatriz no braço direito e nas costas. Vestia calça azul e camisa branca. É meio gago. Quem o apreender e levar ao seu senhor será bem gratificado (MONTELO, 1985, p.389).

Ou no caso abaixo onde o escravo, além das características “básicas”

detalhadas, possuía marcas de ferro com as iniciais do seu dono:

Tendo desaparecido hum negro por nome Joze do Gentio de Angola [...] 25 a 30 annos, estatura ordinária, seco de corpo, rosto comprido e descarnado e tem os dentes do queixo de cima abertos a maneira de forquilha, canellas finas, calcanhares rachados [...] bem vizivel huma verruga [...] possui a contramarca S. P. ou D.[...] quem o aprehender (ECHO DO NORTE, 23.11.1834 – Grifo nosso)

Ou se pode reconhecer a severidade dos castigos a que os escravos

estavam submetidos, onde muitos dos senhores eram cruéis, papel social “natural”

naquela sociedade escravocrata, conforme abaixo. Nesse caso, o escravo fugira

com a mordaça de flandres:

Com as mãos no rosto para não gritar, depois de ler o anúncio em que o Major Mundico Rego pedia a captura e seu escravo Lourenço, que lhe havia fugido de casa levando na boca uma mordaça de folhas-de-flandres e tendo nas costas e nos tornozelos as marcas de castigos recentes (MONTELO, 1985, p. 390).

Certamente que nessa pesquisa se encontrou muitos anúncios

detalhando marcas de castigos:

No domingo fugio huma escrava de nome Leopoldina, não muito retinta, terá 12 ou 16 annos; peito atacado mas pequeno, o lugar das orelhas onde se poe os brincos he grosso [...] tem marcas de chicote pelos ombros e costas, levou vestido um mandrião de riscado azul [...] e não he muito alta [...] quem a trouxer (CRHÔNICA MARANHENSE, 16.08.1840 – Grifo nosso.) Ao capitão Joze Lopes de Carvalho, fugio hum escravo por nome Vicente, nação crioulo, com signaes seguintes: estatura baixa, nariz largo, cor retinta e com alguns signaes nas nádegas, de castigo, quem o apanhar terá boas alvíssaras (A ESTRELLA DO NORTE DO BRASIL, 06.03.1830 – Grifo nosso). Acha-se fugido hum escravo de nome Manoel João, crioulo preto [...] 28 annos [...] boa altura e de bom corpo, cabeça aproporcionada, olhos negros, nariz chato e uma das ventas franzidas [...] nas costas da mão direita junto ao dedo polegar tem leve signal de um talho [...] he canhoto e tem igualmente signaes brancos de surra (ECHO DO NORTE, 29.05.1836 – Grifo nosso).

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Fugio nesta cidade [...] molato de idade 20 annos [...] magro, carrancudo, huma cruz de tinta no braço esquerdo, falta de dois dentes adiante [...] algumas vergalhadas no lombo [...] quem o pegar ou delle souber (ECHO DO NORTE, 10.07.1834 – Grifo nosso).

Mas, em certos momentos, parece perceptível certa ternura nessa

relação. No caso abaixo, a senhora parece sentir falta da sua negrinha Chica, o que

é imediatamente rechaçado quando se lê que a pequena escrava já possuía marcas

de ferro e cicatrizes de castigos pelo corpo, ou seja, a única intenção é recuperar o

seu bem, a sua mercadoria:

Eu quero que tu me ajudes a descobrir minha negrinha. Chama-se Chica o diabo da pequena. Têm na bunda esquerda duas marcas de ferro e nas costas uma cicatriz de relho. A Chica é tudo para mim. Sem ela, estou no mato sem cachorro; não sei como me arranjar (MONTELO, 1985, p. 391).

E no desenrolar da pesquisa, continuou a chamar a atenção o

detalhamento das características dos escravos, constantes nos anúncios dos

jornais24. E foi necessário se fazer os seguintes questionamentos: a necessidade de

detalhar as características dos escravos estaria assentada na “coisificação” imposta

aos mesmos, pelos ditos brancos? No universo urbano – ou mesmo rural - desses

negros, todos “pareciam” iguais? Certamente, que a intenção dos seus senhores era

identificá-los o mais rápido possível e recuperar esse bem que tantos lucros

geravam aos mesmos.

Para Freyre (1979, p. XIV), é possível efetuar uma ampla análise desses

anúncios, chegando-se a interpretações antropológicas discursivas, seja quando se

tenta encontrar um negro fugido, seja quando se tenta vender, comprar ou alugar:

[...] a análise sistemática de anúncios relativos a escravos nos jornais brasileiros do século passado veio permitir chegar-se a importantes conclusões ou interpretações de caráter antropológico, quer psicossomático, quer de todo cultural, à base das descrições oferecidas das figuras, falas e gestos dos negros – ou mestiços – à venda e, sobretudo,

24

Não somente nos avisos referentes a fugas, compra e/ou vendas, se percebe esse detalhamento. Encontramos, também, no enredo de literaturas sobre a época essa forma de descrever o negro escravizado: “[...] vestido com simplicidade, a camisa de algodão por cima das calças de riscado, os pés espalhados nas sandálias abertas, tinha, contudo uma dignidade natural, própria da sua figura esguia [...] destacava-lhe a orelha pequena, o pescoço rijo alongando-se para o ombro, os lábios carnudos levemente avermelhados, o nariz meio achatado [...] a pele muito negra [...] confirmativa da estirpe superior da sua raça africana [...] só por traição jogados um dia no porão de um navio negreiro [...]” (MONTELO, 1979, pp.155-156). Parece ser uma característica da época, como podemos ver nesse trecho do romance Os Tambores de São Luís.

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fugidos: altura, forma de corpo, pés, mãos, cabeças, dentes, modo de falar, gesticulação.

Esse detalhamento das características dos escravos deve estar

diretamente ligado à representação de “mercadoria” que eles carregam, pois

enquanto “um bem” eles precisam ser recuperados o mais rápido possível em caso

de fuga.

Nessa lógica, se for necessário e/ou lucrativo vendê-los ou alugá-los, é

necessário que sejam dotados das melhores qualidades, sejam físicas ou de

personalidade, pois convinha ressaltar as “vantagens”, escamotear os “vícios”,

transformando os ditos em excelentes produtos:

Os anúncios foram sintomáticos desta questão, ao venderem seus escravos, os anunciantes qualificando-os enquanto mercadorias, como sem vícios, de bons costumes, boa conduta e qualidade, trabalhador, de boa figura, sem defeito, moléstia ou lesão alguma; e para comprá-los, exigindo que fossem muito fieis, ágil e sadio, que não fosse bêbado, ladrão, fujão. Todas estas são características que designam um escravo e chegam a ser consideradas como próprias dessa 'classe' (FERREIRA, 2007, p.55)

Mesmo com todo arsenal de informações disponíveis para estudos, o qual

pode ser encontrado nos jornais, se entende que esse material deva ser analisado

com a devida cautela e parcimônia necessária, já que nos casos de venda, aluguel

ou troca de escravos suas qualidades eram ressaltadas, a fim de se obter o melhor

negócio possível. Aliás, desde a chegada dos lotes de africanos aos nossos portos,

os comerciantes já se preocupavam com essas tentativas de engodo25.

Nesses anúncios, “[...] suas mentiras, são, porém, mais sutis”

(FREYRE,1979, p.18), ou seja, há deformações da verdade, com o intuito de

esconder idades de escravos, suas reais condições de saúde e vitalidade, suas

predisposições e habilidades para serem empregados em serviços domésticos ou na

lavoura, etc.

Importante lembrar que esses problemas podiam advir da penosa

travessia do Atlântico, já que era necessário reduzir ao máximo o estoque de víveres

25

Devido a essas artimanhas, os compradores tentavam prevenir-se de maus negócios. Portanto, encontramos relatos de que os mesmos preocupavam-se “[...] em fazer os negros, quase nus, muitos só de tanga, escancararem os dentes, botarem a língua de fora, saltarem, tossirem, rirem, dançarem [...]” (FREYRE,1979, p.20), com o intuito de avaliarem a real condição dos lotes que pretendiam adquirir.

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e água a bordo economizando assim, espaço para caberem mais peças, o que,

invariavelmente levava a casos de inanição e várias doenças entre os subjugados26 .

Levando-se em consideração essas questões nos casos de fugas em que

havia a necessidade de recuperação do escravo, geralmente as características

descritas se aproximavam ao máximo da realidade. Era importante ressaltar, de

forma nua e crua as piores características do fugitivo, pois “[...] fosse o anunciante

embelezar a figura do fujão que era capaz de ficar sem ele para toda a vida”

(FREYRE, 1979, p.26).

E, nos anúncios presentes nos periódicos maranhenses, não se foge à

regra: aqui também se ressalta tais características, em toda a sua plenitude. É

relatado o tempo da fuga, como ele se trajava, aonde poderiam ter ido, quais sinais

apresentava no corpo, como é o seu temperamento, sua idade, quem é o seu

senhor e, principalmente que haverá recompensa para quem o trouxer, as tais

“boas alvíssaras”.

No anúncio abaixo, além da descrição física - como de praxe - verifica-se

o detalhe dele ser mulato claro e, especialmente, do fato do mesmo andar bem

vestido para passar como liberto.

Fugio em Dezembro de 1834, hum escravo de nome Marcelino, molato claro [...] 22 annos alto e robusto, cabeça pequena e de cabellos ingrovinhados,cara puxada, pouca barba, olhos negros subrancelhudo, nariz afillado, beiços grossos, pescoço um tanto comprido, joelhudo e pez direitos [...] anda bem vestido para passar como liberto [...] quem o pegar e apresentar terá boas alvíssaras [...] (ECHO DO NORTE, 29.05.1836).

Ou se reconhece nos anúncios abaixo, não somente as características do

sujeito, como os defeitos físicos que o mesmo traz, provavelmente resultante de

trabalhos penosos ou mesmo castigo, onde lhe foi deslocado o pulso. Mas também

se avisa que o mesmo possui alguns ofícios.

Em julho de 1831, fugio desta cidade hum cafuz amulatado [...] cabello alaranjado, de nome Wenceslau, crioulo de Alcântara [...] 30 annos, estatura ordinária para mais baixo que alto, a cabessa traz por cima da nuca muito sahida para fora como uma ponta de martello; uma das juntas da munheca foi deslocada, ficando na mesma parte a mão torcida para um dos lados [...] cicatrizes de assoutes nas nadigas e coxa, uma das pernas quebrada na

26

“[...] se desenvolverem entre os negros, principalmente entre os moleques e crias que sobreviviam ao horror de tais viagens, doenças e deformações [...] o ‘mal-de-luanda’, o escorbuto, as ‘pernas tortas’, os ‘braços finos’ os ‘joelhos tronchos’ [...] cabeças deformadas, cabeças quadradas [...] peitos estreitos, as doenças dos pulmões” (FREYRE, 1979, p. 23).

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junta [...] as pontas dos pés metidas para dentro [...] alfaiate, tecelão e também entende de carpina e vaqueiro [...] quem dele souber [...] (ECHO DO NORTE, 24.08.1836).

No caso abaixo, devido o escravo representar uma mercadoria, um bem

para seu dono o mesmo não desiste de recuperá-lo. Quatro anos depois, o escravo

fugido ainda é procurado, sua fuga e características ainda são anunciadas nos

periódicos ludovicenses.

A D. Maria Clara Alves F. de Alcântara, fugiu haverá quatro annos hum preto escravo de nome Ventura, idade pouco mais ou menos 36 annos, espadaúdo, cabeça chata, baixo, um pouco fulla e he crioullo [...] (CHRÔNICA MARANHENSE, 20.05.1840).

Reitera-se que os anúncios continham toda a identificação possível do

negro fujão, cujo intuito era recuperá-lo o mais breve possível, por isso “[...] a

linguagem dos anúncios de negros fugidos, é franca, exata e às vezes, crua [...]

minuciosa e até brutal nas minúcias” (FREYRE, 1979, p.26). E, usando essa

linguagem brutal para localizar esses negros, detalhavam suas marcas de castigos

ou tribais, algumas trazidas da África, suas deformidades por causa do trabalho

penoso e o que mais pudesse ajudar na localização dessa mercadoria27.

Convém lembrar que quando se trata de vender, comprar ou alugar esse

escravo, a linguagem e o enredo do aviso se alteram. Ele passa a representar as

conveniências do negócio, mostra as melhores características do sujeito, amplia a

capacidade e o “profissionalismo” que o escravo possui para diversas tarefas.

Era comum que o proprietário de escravos direcionasse seus cativos para

o aprendizado de ofícios e em pouco tempo tirasse proveito dessa condição do

escravo. Conforme esclarece Ferreira (2006, p.44) “[...] os escravos são cada vez

mais cedo entregues aos mestres profissionais para aprenderem um oficio que

futuramente dariam grandes lucros aos seus senhores pelo aluguel de seus

serviços”.

27

“[...] Um fato é evidente: um número considerável desses escravos eram indivíduos em quem o excesso de trabalho deixara marcas ou deformações profundas [...] destaca-se em muitos anúncios, o estigma do trabalho: a deformação por assim dizer profissional das mãos, dos pés, do andar, do corpo inteiro do escravo [...] de nome Joaquim, torado por não ter dedo nos pés, por ter amassado cal com os mesmos e a cal lhe ter aberto feridas e comido os dedos [...] dois molequinhos fugidos, todos dois com “crôa na molleira de carregar areia [...] de muitos negros fugidos, o anunciante dá como traço identificador a marca de surra, a ferida ou cicatriz de “anjinho” de tronco, de corrente no pescoço, de ferro nos pés [...] as tatuagens, os talhos, as marcas de fogo de tribo ou nação africanas de sua origem, os sinais de ferros quente dos compradores” (FREYRE, 1979, p. 29-30; 34-35).

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Nesses discursos – os anúncios de compra, venda e aluguel - nada de

depreciar os escravos, nada de defeitos físicos, nada de “maus modos”, somente

boa saúde e vitalidade. O negro era visto como detentor de bons ofícios, dentre

outras qualidades, como nos exemplos transcritos a seguir.

Quando se vende ou aluga, se ressalta as qualidades das negras. As

mesmas são oferecidas, levando-se em conta suas habilidades para cozinhar, lavar,

passar. Ou a escrava pode ser oferecida com um detalhe a mais: é excelente

doceira, além de boa para serviços de casa.

Manoel Luis dos Santos [...] tem para vender duas negras [...] huma sabe bem lavar gomar e cosinhar [...] a outra sabe lavar e serviço de rossa, idade de 20 a 24 annos [...] pode dirigir-se à dita casa (A ESTRELLA DO NORTE DO BRASIL, 27.03.1830).

Quem quizer comprar uma negra com as habilidades de boa rendeira, boa doceira, boa cosinheira, coze, e lava alguma coisa mal [...] tem um filho mulato de 14 annos bom para ofício [...] (ECHO DO NORTE, 29.09.1834).

Nos anúncios a seguir, os escravos oferecidos estão relacionados a

algum tipo de ofício, tanto para quem deseja comprar como para quem quer vende-

los: pode ser oleiro, próprios para trabalho na roça, alfaiate, etc. Mas é necessário

ser sadio, com bons costumes, além de que pode ser adquirido a prazo.

Quem pretende comprar um escravo abil para vaqueiro, fale a Joze Martins de Lemos [...] Quem tiver algum escravo oleiro [...] que saiba fazer telha e tijolo e o quizer vender, pode dirigir-se a [...] (CHRÔNICA MARANHENSE, 13.10.1839). Vende-se hum escravo molato official de alfaiate, sadio, de bons costumes, de idadde de 20 a 21 annos, quem o pretender [...] Joze Maria Faria de Mattos preciza comprar hum escravo de bons costumes [...] (CHRÔNICA MARANHENSE, 29.03.1940). Antonio Pinto F. Viana [...] tem escravos ladinos, próprios para roça, para vender a vista ou a prazo boas firmas; e entre elles hum preto official de pedreiro e de carapina (CHRÔNICA MARANHENSE, 05.02.1841).

Mas, quando se analisa esses avisos e suas nuances, os ditos e não

ditos, uma questão precisa ficar clara: é necessário lembrar que nessa época não

havia a contestação da escravidão, a ninguém perpassava a ideia de que havia algo

errado. A sociedade era escravocrata, pautada na mão de obra escrava com todas

as prerrogativas necessárias ao senhor.

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Por isso, existia a “[...] condição dos cativos, considerados propriedade e

comparados a animais, dos quais seu senhor tem supremo poder, sem direito a

ações ou mesmo pensamentos próprios” (FERREIRA, 2007, p.54), algo que não

causava espanto ou mesmo incômodo a essa sociedade. Ou, como diz Farias

(2010, p.17), os escravos eram do ponto de vista dos direitos, “[...] iguais ao gado, à

enxada e a quaisquer instrumentos de trabalho nas mãos de um senhor, que deles

poderia fazer o que bem quisesse”.

Todavia, um fato importante a ser mencionado é que segundo Freyre,

(1979, p.16), com o passar dos anos – e quanto mais recrudescia a campanha

abolicionista - esses anúncios sobre escravos foram diminuindo a intensidade e

desapareceram aos poucos. Ainda de acordo com o autor, os jornais foram aderindo

ao movimento emancipador e “[...] os negros fugidos foram se sumindo aos poucos,

escondendo-se nos cantos das páginas [...] deixando de aparecer com títulos em

negrita [...] Até que desapareceram de todo. Era a Abolição que se aproximava”.

Opinião igualmente partilhada por Soares (1988, p.4) ao dizer que “[...] a

publicação nos jornais dos anúncios dos escravos (vendas, compras, leilão, fugas)

reduziu-se paralelamente à desintegração do escravismo no Brasil”. Essa sociedade

– assim como as ações de proprietários dos folhetins e seu rentável negócio dos

avisos – começa a perceber essa mudança e seu inevitável desfecho.

Não é necessário se concentrar nesse pormenor por não fazer parte da

proposta deste trabalho além de fugir à temporalidade escolhida. Inclusive, porque

uma das pretensões nesse estudo após se pesquisar e transcrever tantos avisos, é

mostrar que a partir dali se forjaram imagens negativas sobre o escravo, as quais

permanecem até os dias atuais, engendrando diferentes conflitos raciais.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É perceptível que o africano, o negro e o escravo tiveram suas imagens

fundidas. Elas foram diluídas a partir das representações sociais construídas em

mais de três séculos de escravidão em nosso país. Obviamente que, durante a

análise nos periódicos maranhenses, se encontrou essas características

representativas impregnadas nos mesmos.

As imagens disseminadas pelos anúncios de jornais do início do Século

XIX – anos 1831 a 1840 – ajudaram a construir percepções acerca desses sujeitos

escravizados as quais perduraram ininterruptamente, encaminhando-os fatalmente à

discriminação e ao preconceito. Sequer foram levadas em consideração as

situações degradantes as quais os negros foram submetidos, já que se está a

dialogar acerca de uma sociedade patriarcal, pautada na mão de obra escrava,

situação considerada absolutamente “normal”.

Os jornais e seus anúncios foram uma espécie de instituição efetivada a

partir de várias nuances: a intelectualidade reinante no período, a necessidade da

informação, o sistema escravista plenamente inserido no imaginário popular, entre

outros.

Mais interessante é o poder que a imprensa jornalística ainda possui:

basta uma olhada nos jornais atuais para se captar as imagens negativas do agora

chamado afro descendente, disseminadas indiscriminadamente contribuindo para o

preconceito.

A partir do momento em teorias raciais adentraram o país, ameaçando o

futuro deste, os intelectuais de várias áreas saíram em “campo” para estudarem as

tais raças inferiores ou mestiçagem e tentar encontrar algo que fosse a cara desse

país.

No final do século XIX foram muitas as situações controversas

envolvendo a mistura das raças. Pode-se dizer que todo esse processo ajudou a

gerar os pensamentos raciais. Ferreira diz que houve uma espécie de divisão, a qual

ajuda a:

[...] evidenciar o preconceito que marcou todo o século XIX, o eurocentrismo que colocava de um lado o europeu civilizado e cordato, e do outro o

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africano bárbaro e violento, um jogo de imagens contrárias que foi bastante utilizado nos discursos dos jornais (FERREIRA, 2007, p.32).

Sempre houve uma estrutura social baseada na permanência do escravo,

a qual perdura até os dias atuais. Para Lopes (apud LIMA; ELIAS 2010, p.53),

muitas atitudes atuais ainda permitem que se relacione intrinsecamente negro e

escravo. O “elogio à mestiçagem” em detrimento da cultura negra é uma dessas

formas, algo que camufla a desigualdade racial ainda existente e diminui o avanço

dos direitos civis dos negros. Ainda de acordo com Lopes (apud LIMA; ELIAS 2010,

p.55), “[...] outra coisa perversa é um incensamento da periferia, da cultura de rua.

Em vez de trazer essas manifestações para o centro, acham melhor deixar ela lá,

onde não incomodam [...]”.

Felizmente há uma enorme tentativa de se repensar conceitos arraigados,

de se revisar a literatura específica – e se incluir outras fontes “não oficiais” - de se

refazerem determinadas imagens construídas ao longo do tempo. Afinal, são

construções históricas alicerçadas fortemente na mentalidade escravocrata, por

mais de três séculos. E ainda persiste no imaginário que o negro e escravo são um

só, que estão intrinsecamente ligados, que o negro está relacionado à violência, à

sensualidade!

Mas, apesar de tudo, há projetos de inclusão e autonomia sociais

referentes aos negros. A educação é um deles e desde o Império já se pensou

nisso. Segundo Reis (2004), o jurisconsulto Perdigão Malheiros já questionava de

que forma as crianças negras poderiam se tornar futuros cidadãos, que educação

receberiam e como deveria ser essa educação28.

Para Santos, possuir, valorizar a educação formal foi uma das técnicas

sociais - ou estratégias – para ascender verticalmente “[...] houve uma propensão

dos negros em valorizar a escola e a aprendizagem escolar como um ’bem supremo’

[...] um ‘abre-te sésamo’ da sociedade moderna [...] (2005, p.22). A escola adquire

28

SILVA (2010, pp.80,81) nos diz em “Uma escola diferente” que: “A pedido de pais de alunos, em

1853 foi aberto no Rio de Janeiro um colégio para ‘meninos da cor preta e parda’ [...] o ingresso e a permanências das populações não bancas nas escoas brasileiras mobilizam importantes discussões [...] no tempo da escravidão, um grupo de pais de meninos ‘ pretos e pardos’, [...] enfrentou o desafio de escolher um professor ‘preto’ para seus filhos [...] e de ajudá-lo a manter uma escola específica para eles [...] o professor relata que em algumas escolas ou colégios, os pais dos alunos de cor branca não queriam que seus filhos ombreiem com os de cor preta [...]”.

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um status de ascensão social para esse negro ansioso em superar a séria exclusão

social a que foi submetido.

Felizmente um logo caminho já foi percorrido e hoje é possível se pensar

em melhorias nessa área, dentro das chamadas ações afirmativas. O sistema de

cotas para o excludente ensino superior do país é uma dessas ações.

Desde 1995, começou-se a falar das tais ações afirmativas, mas apenas

2,2% dos pardos e 1,8 % dos negros estavam diplomados ou nas universidades

contra 11,4% dos ditos brancos. Essas distorções chamaram a atenção e foram

buscadas formas de atenuar ou resolver o problema. Agora [...] a nova regra, até

2016, 50% das vagas das universidades federais serão reservadas para alunos de

escolas públicas, sendo até 25% para negros [...] (COSTA, 2012, pp.86-87)

Ele indica outras situações que mostram melhorias no universo

afrodescendente: a lei nº 10.639 de 09 de Janeiro de 2003, sancionada pelo então

Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva, alterando a Lei nº 9.394/96,

acrescendo-lhe alguns artigos29. A dita Lei rege que no ensino fundamental e médio,

tanto oficial como particular torna-se obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-

brasileira, incluindo a História da África e dos africanos. Outrossim, estabelece o dia

20 de Novembro como “Dia da Consciência Negra”.

E em outros aspectos já se percebe avanços relacionados às políticas de

inclusão. O respeito às religiões afro é mais um desses fatores: atualmente a

tolerância às religiões afro alcançou um nível admirável, onde é possível falar

abertamente sobre, praticar, divulgar, pesquisar cientificamente inclusive em

grandes instituições de ensino superior. Chegou-se ao nível de possuir a Umbanda30

como a primeira religião brasileira. Mas antes, a situação era absolutamente

desfavorável:

29

LEI nº 9.394/96 - Art 26-A, Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-brasileira; §1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. §2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras Art 79-B O calendário escolar incluirá o dia 20 de Novembro como “Dia da Consciência Negra”. 30

A umbanda é considerada uma religião tipicamente brasileira. Surgiu no início do século 20, em

centros urbanos da região Sudeste e pode ser entendida como uma religião formada pela mistura das crenças e práticas do Candomblé, do Kardecismo (Espiritismo), da chamada macumba carioca e seus rituais afro-indígenas, do catolicismo popular (Projeto História da PUC – Programa de Estudos Pós Graduados em História).

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[...] o africano Manoel liderou uma insurreição quilombola no vale do Paraíba em 1838 [...] sua liderança pode estar relacionada a elemento os culturais [...] essa influência talvez significasse reconhecimento de alguma função religiosa [...] quase sempre acusados de feiticeiros, esses líderes realizavam rituais para recém nascidos, curas, diagnósticos, para enfermidades [...] preparavam feitiços para proteção contra mordidas de cobra, ataques de animais, acidentes de trabalho, inveja de companheiros ou a ira de feitores e senhores[...] (MACHADO; GOMES, 2010, 28-29 – Grifo nosso).

Sempre é imprescindível lembrar que essas conquistas atuais é uma

“resposta” às imagens imprecisas e negativas acerca do africano/negro/escravo as

quais foram forjadas desde o tempo da escravidão e estavam expostas nos

anúncios dos jornais, segundo Ferreira (2007, p.36):

O preconceito realmente existia nessa sociedade, é nisso que os portugueses chamados, no artigo, de "Marinheiros e Corcundões", se fundamentaram e aproveitaram para atiçar a “gente de cor” e criar cisões entre as camadas populares e os liberais maranhenses. Muitos estigmas recaíam sobre os mulatos no Maranhão, considerados como ‘classe perigosa’, e chamados sarcasticamente de cabras ou bodes.

Sabe-se que a capoeira ganhou o mundo a partir do Brasil, mostrou a

ginga da afro descendência, é praticada em escolas, ONG’s e instituições, mas já

foi perseguida e seus praticantes confundidos com facínoras:

A “luta” que lembrava o passado escravocrata e colonial aparentemente destoaria dos textos e fotografias que serviam como uma reafirmação do projeto de modernizar o país [...] O artigo “A capoeira” assinado pelo escritor simbolista Lima Campos [...] ilustrações do caricaturista Calisto Cordeiro (1877-1957) [...] trata de inseri-la no melhor das nossas tradições brasileiras e recompor um quadro em que o capoeirista deixa de ser um elemento perigoso, pertencente a maltas sanguinárias, para se tornar um símbolo unificador da nação. [...] o escritor revela seu verdadeiro objetivo: transformar a capoeira em um símbolo de um Brasil mestiço (DEALTRY, 2010, p.62-63).

Ou se pode citar o samba. Foi muito criticado pelos requebrados sensuais

das negras no início do século XX e por ser derivado da cultura negra, mas hoje é

usado em salas de aula especialmente o chamado samba enredo. Catani (2010,

p.80-83) diz que a maioria dos sambas enredo continuou falando sobre os fatos

históricos brasileiros:

Sambas-enredo abrem inúmeras possibilidades de interpretação histórica e inspiram atividades de sala de aula [...] Sempre às voltas com assuntos

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históricos, os sambas de enredo funcionam como uma ferramenta didática diferenciada [...] se o carnaval criou escolas para ensinar samba, por que o samba não pode virar instrumento pedagógico?

Enfim, é possível se falar de vários eventos de políticas públicas de

inclusão, conquistadas pelos afro descendentes nos dias atuais. Sempre lembrando

que essa luta é de todos e que essas imagens negativas que permaneceram, advém

das imagens e das representações negativas construídas em mais de três séculos

de escravidão africana.

Mas essa luta por melhores condições de vida, políticas públicas,

inserção – social, profissional, religiosa, educacional e outras – ainda é incipiente.

Há um longo caminho a ser percorrido e que muito do que é “oferecido” pelo Estado,

muito do que é bandeira de luta do Movimento Negro continua aquém do

necessário.

Afinal, “[...] os negros ajudaram a construir esta nação. A independência

também foi conquistada pelos homens de cor! Eles deram seu suor e seu sangue

para que o Brasil prosperasse e se emancipasse [...]” (MONTELO, 1985, p.349).

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ANEXOS

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ANEXO A – Depoimento do Sr. Raimundo Nonato – Comunidade

Itamoari, de Cachoeira do Piriá – PA (Encerramento do I Encontro Nacional de

Lideranças das Comunidades Remanescentes de Quilombos Tituladas)31.

“Muita coisa no nosso país é herança da nossa raça, não só do ponto de

vista cultural, mas do ponto de vista econômico, porque afinal nossos ancestrais é

que durante muito tempo eram a única força econômica no país, eram a única força

de trabalho existente no país. Então, na verdade, a gente construiu este país em

todos os seus aspectos. Alguém já falou aqui ontem: ‘Os nossos ancestrais

trouxeram a metalurgia’. Tudo isso foi apagado, e a gente não aprende isso, aqueles

que tem a felicidade de chegar aos bancos das escolas, da escola de hoje com o

currículo de hoje, não aprende essas coisas. Aqueles que chegam aos bancos das

escolas com esse currículo de hoje, às vezes, são capazes de sair pensando que

negro é sinônimo de escravo, que africano é sinônimo de escravo, e não é assim,

quer dizer, os africanos foram tornados escravos por causa de uma contingência

política, econômica, sobretudo econômica por causa da colonização europeia.

Poderia não ser africano, poderia ser um outro continente. Da mesma forma como o

continente americano foi invadido por causa dessa política e muitas comunidades

indígenas foram dizimadas, nós, também estamos aí nesse caldo, mas não somos

inferiores a ninguém. Por isso, temos que ter tratamento igualitário, tratamento

equânime, por isso nós queremos ter direito à cidadania plena. Só que para isso,

nós temos várias tarefas, porque além da gente lutar com o Poder Público para que

ele resgate conosco a dívida que tem com a nossa população, nós temos que

demonstrar à sociedade que o resgate dessa dívida não é um favor, é um direito à

justiça. A sociedade considera que a pobreza e a indigência é o nosso lugar normal,

e isso nós temos que mostrar que não é normal, nós fomos jogados a esse lugar

mas não queremos ficar nele e vamos trabalhar para sair dele. Trabalhar para ter de

fato tratamento igualitário, vamos trabalhar para que a nossa Constituição brasileira

31

I Encontro Nacional de Lideranças das Comunidades Remanescentes de Quilombos Tituladas –

Organizado pelo Ministério da Cultura/Fundação Cultural Palmares, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, por intermédio do Instituto de Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA e representantes quilombolas de várias comunidades brasileiras, representantes de órgãos governamentais, militantes da causa negra,nas suas mais diversas vertentes e parlamentares comprometidos com a causa quilombola. Brasília, de 12 a 14 de Dezembro de 2001 (Fundação Cultural Palmares, 2002, p.7).

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possa por em prática aquela grande máxima que diz que todos são iguais perante a

lei. Muitos de nós não fazemos juz nem a esse preceito máximo da Constituição.

Então precisamos de uma série de lutas para conseguir alcançar esse patamar de

igualdade, para podermos fazer juz àquela igualdade que é o preceito máximo da

Carta Magna. Para isso a gente precisa lutar, a gente não tem que deixar o estado

nem a União dormirem tranquilos. Quando eu falo Estado, é a União, é o nosso

Estado lá, é o Mato Grosso, é Pernambuco, é a Bahia. A gente não pode deixar que

os dirigentes durmam tranquilos, a gente tem que ir lá aperrear em Cachoeira do

Piriá para que tenham políticas públicas para nos beneficiar, para nos valorizar.

Políticas Públicas específicas para valorizar a população negra, nós temos esse

direito e isso significa justiça. Esse povo que assume o poder e que passa a ser a

elite dirigente tem uma obrigação para com a população negra, e se a gente não

estiver lá batendo na porta, lógico que as coisas não vêm às nossas mãos; ou a

gente vai e luta – e não deixa ninguém dormir tranquilo enquanto a gente não tiver

tranquilidade – ou então as pessoas não vão dar de mãos beijadas, nada para nós.

A sociedade está tranquila com a nossa situação, e a gente está lá, ‘fumado’, sem

título de terra, sem acesso à saúde, sem acesso a educação, mas a sociedade

dorme tranquila e ninguém se preocupa com isso, porque no imaginário dessa

sociedade, aquele é o nosso lugar. Só que nós temos que reverter esse quadro, nós

temos que mostrar que aquele não é o nosso lugar, e nós não queremos mais ficar

nele. Nós temos que reverter isso. Mas enquanto a gente também se conformar que

aquele é o nosso lugar, é claro que ninguém vai dar nada pra gente. Na hora em que

se fala de cota, voces já que a cota assanha, aí todo mundo começa a falar. Parece

assim que está todo mundo dormindo tranquilo e de repente, ‘Cota para negro!

Peraí! Tá querendo o quê?’. Não, nós temos cota sim, só que nós temos cota zero.

Só que quando se fala de cota 20%, 30% para a população negra, aí a sociedade

acorda, porque no imaginário dessa sociedade, se negro tiver cota preferencial de

20%, 30%, seja o que seja, em tese ele está tirando o lugar daquele que se

considera dono daquele privilégio, o legítimo dono daquele direito. Então ‘cota para

negro em universidade’, 20%, aí o negócio pega, aí todo mundo acorda, mas não

pode, ‘porque vai facilitar que negro entre, imagine eu, que nem negro sou, sou até

claro, não cheguei na universidade, como é que negro vai entrar?!’ Então aquele que

se considera claro, ele acha que ele é o legítimo dono, então a gente tem que

reverter tudo isso e o esforço é muito grande. Nesse sentido vocês podem se

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articular com os movimentos negros que existem na área mais urbana, ir às

secretarias de saúde, exigir treinamento de agente de saúde, e junto com o

Movimento Negro da área urbana, que sabe onde está a Secretaria de Trabalho. A

Secretaria de Trabalho recebe dinheiro do FAT e nesse recurso existe uma linha de

qualificação para a comunidade quilombola, então a gente tem que ir lá cobrar e

acompanhar isso. Não é só o Carlos Moura ou a Zélia que a gente tem que aperrear;

a gente tem que aperrear o Carlos Moura, a Zélia, a gente tem que aperrear todo o

Estado em todos os níveis, município, federação, o Estado de cada um e a União,

todos tem que ser pressionados para que a gente, de fato possa alcançar uma vida

digna. Obrigado.”

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ANEXO B - Viagem de um Naturalista Inglês ao Rio de Janeiro e Minas

Gerais (1933-1835) - Charles James Fox Bumbury32

“Durante a minha estada neste país ouvi falar de diversos casos de

assassinatos, cometidos principalmente por escravos e mais por motivos de

vingança do que com o fim de roubo. Contaram-me casos notórios de homens que

empregavam os seus escravos para assassinar pessoas contra as quais tinham

ódio. Tão imperfeitas são a polícia e a administração da justiça que geralmente

esses ficam impunes. Com relação à condição e tratamento dos escravos no Brasil,

não posso dar informação alguma muito segura. Ouvi narrações muito contraditórias

feitas por diferentes pessoas residentes no país e as minhas próprias oportunidades

de observação não me permitem chegar a qualquer conclusão satisfatória. Sem

dúvida, ouvi falar de alguns casos de crueldades atrozes, mas não tenho meios para

julgar se esses casos eram exemplos ou exceções à regra.

Uma cousa podemos concluir com segurança: o senhor, tendo poder

ilimitado e irresponsável sobre seus escravos, é contrário à razão supor que muitas

vezes ele não abuse desse poder. Não sei, de fato, se as leis ostensivamente

concedem ao senhor o poder de vida ou morte; aliás, creio que não; mas se as leis

são tão ineficientes para a proteção dos cidadãos livres, é claro que não podem

oferecer segurança alguma a uma infeliz raça de homens que são privados de todos

os direitos sociais e políticos. Uma circunstância que parece indicar que a condição

dos escravos, se torna, muitas vezes, insuportável, é o número muito elevado de

fugitivos; quase que não se pode pegar um jornal do Rio sem ver os anúncios a

respeito deles. As florestas do Corcovado são o refúgio mais comum dos negros

fugidos, que, muitas vezes, dizem, roubam e maltratam as pessoas que encontram

pelos caminhos. Há alguns anos antes, eles ali se juntavam em tão grande número

que se tornaram o terror da vizinhança, frequentemente descendo e assaltando as

casas no vale; afinal o governo foi obrigado a mandar um destacamento de 200

soldados para capturá-los.

32

O autor partiu de Falmouth em Junho de 1833, fazendo uma viagem rápida e agradável, avistando

a 17 de julho, a cidade de Cabo Frio no Rio de Janeiro. O navio aportou em Cabo Frio nessa data e no Rio de Janeiro no dia 18/07/1833. No Jornal do Commercio, de 19/07 do mesmo ano, consta o

nome do paquete inglês Reynal, aportando entre nós.

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A Constituição proíbe o uso da tortura, açoite, marcação com ferro em

brasa, e todo castigo cruel; mas essa disposição humanitária se aplica apenas aos

livres. Um senhor que não quer ele mesmo castigar os seus escravos pode mandá-

los para a prisão a fim de serem açoitados pelo carrasco. Nenhuma acusação feita

por um escravo contra ao seu senhor pode ser aceita; nem pode o escravo ser

testemunha em tribunal de justiça, assim, pelo menos, era a lei quando estive no

Brasil”.