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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ-UNIOESTEportalpos.unioeste.br/media/File/ciencias_sociais/TEMPO DA CIÊNCIA... · CDD 20. ed. 300.5 Impressão e Acabamento Gráfica Universitária

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARAN-UNIOESTE

REITOR VICE-REITOR Paulo Srio Wolff Carlos Alberto Piacenti

PR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO

Silvio Csar Sampio

DIRETOR DO CAMPUS DE TOLEDO Jos Dilson Silva de Oliveira

DIRETOR DO CCHS CENTRO DE CINCIAS HUMANAS E SOCIAIS/CAMPUS

DE TOLEDO Rosalvo Schutz

COORDENADOR DO PROGRAMA DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU EM

CINCIAS SOCIAIS Osmir Dombrowski

TEMPO DA CINCIA Revista do Curso de Ps-Graduao em Cincias Sociais da Unioeste

EDITOR

Marco Antonio Arantes

CONSELHO EDITORIAL Dr. Allan de Paula Oliveira, Dr. Eric Gustavo Cardin, Dr. Erneldo Schallenberger, Dr. Geraldo

Magella Neres, Dr.Gustavo Biasoli Alves, Dr. Marco Antonio Arantes, Dr. Miguel Angelo

Lazzaretti, Dr. Osmir Dombrowski, Dr. Paulo Henrique Barbosa Dias, Dr. Paulo Roberto

Azevedo, Dra. Andria Vicente da Silva, Dra. Rosana Ktia Nazzari, Dra. Vania Sandeleia Vaz

da Silva, Dra. Yonissa Marmitt Wadi.

CONSELHO CONSULTIVO Dra. Ana Cleide Chiarotti Cesrio- UEL, Dra. Carla Ceclia Rodrigues Almeida-UEM, Dr. Celso Antonio Fvero- UNEB, Dra. Emilce Beatriz Cammarata- Universidade Nacional de Missiones/Argentina, Dr. Eric Sabourin - CIRAD, Frana, Dr. Evaldo Mendes da Silva- UFAL, Dra. Ileizi Luciana Fiorelli Silva- UEL, Dr. Joo Virglio Tagliavini- UFSCar, Dr. Jos Lindomar Coelho Albuquerque- UNIFESP, Dr. Juan Carlos Arriaga-Rodrguez- Universidad de Quintana Roo- Mxico, Dra. Mara Lois - Universidad Complutense de Madrid, Dra. Maria Salete Souza de Amorim - UFBA, Dr. Oscar Calavia Sez-UFSC, Dr. Otvio Velho - UFRJ, Dr. Ren E. Gertz - PUCRS e UFRGS, Dr. Ricardo Cid Fernandes - UFPR, Dr. Wagner Pralon Mancuso-USP.

Universidade Estadual do Oeste do Paran

UNIOESTE

Centro de Cincias Humanas e Sociais CCHS

Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em

Cincias Sociais

Campus de Toledo

Tempo da Cincia Volume 22 Nmero 44

2 semestre de 2015

EDUNIOESTE

CASCAVEL

2015

2015, EDUNIOESTE

Capa Alambique para Fazer leo de Hortel Toledo/PR - 1968

Diagramao

Deise Ellen Piatti Marco Antonio Arantes

Reviso Tcnica

Marco Antonio Arantes

Reviso Ortogrfica Deise Ellen Piatti

Ficha Catalogrfica

Marilene de Ftima Donadel CBR 9/924

Tempo da Cincia: revista de cincias sociais e humanas / Centro de Cincias Humanas e Sociais da UNIOESTE, Campus de Toledo. Revista de Cincias Sociais do Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincias Sociais da Unioeste/ Campus de Toledo v. 1, n. 1(1994) -, -- Toledo : Ed. Toledo, 1994.

Semestral. v.2, n.3 1 semestre de 1995 v.2, n.4 2 semestre de 1995 A partir do v. 4, n. 8 passou a ser editada pela EDUNIOESTE, Cascavel. ISSN: 1414-3089 Indexadores: Latindex Sumarios.org 1. Cincias Sociais Peridicos 2. Cincias Humanas Peridicos I. Universidade Estadual do Oeste do Paran Campus de Toledo II. Revista de Cincias Sociais do Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincias Sociais da Unioeste/ Campus de Toledo

CDD 20. ed. 300.5

Impresso e Acabamento

Grfica Universitria Rua Universitria, 1619 e-mail: [email protected]

Fone (45) 3220-3085 Cep. 85819-110 Cascavel/PR

Caixa Postal 701

Revista Tempo da Cincia Revista do Programa de Ps-Graduao

Stricto Sensu em Cincias Sociais

Estamos disponibilizando o Volume 22 nmero 44 - 2 Semestre de 2015 da Revista Tempo da Cincia, revista vinculada ao Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da UNIOESTE Campus de Toledo. O lanamento deste fascculo d continuidade ao projeto editorial de disponibilizar um conjunto de artigos selecionados com base no mrito acadmico e cientfico.

Ao longo dos anos, a revista Tempo da Cincia tem se caracterizado como um espao de discusso de diferentes perspectivas de conhecimento cientfico relacionados rea de Cincias Sociais. Com este nmero da revista Tempo da Cincia, publica-se um conjunto de textos que representam contribuies relevantes e instigantes sobre diferentes temas das Cincias Sociais.

Criada em 1994, a revista Tempo da Cincia uma publicao semestral do Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincias Sociais da UNIOESTE/Campus de Toledo/PR.

Tempo da Cincia tem como objetivo fomentar o debate acadmico de temas relevantes das Cincias Sociais.

Publica dossis temticos, com prazos definidos para o envio das submisses, alm de uma seo livre de artigos e uma de resenhas, ambas com fluxo contnuo.

As contribuies revista Tempo da Cincia devem ser inditas e podem ser apresentadas em Portugus e Espanhol.

As avaliaes so realizadas por pelo menos dois pareceristas ad hoc, especialistas no tema.

Misso: A Revista Tempo da Cincia tem por misso estimular e difundir a produo cientfica nas temticas pertinentes s Cincias Sociais.

Critrio de Publicidade: A revista Tempo da Cincia no comercializada e oferece acesso livre e integral ao seu contedo. Sua poltica segue o princpio de levar gratuitamente o conhecimento cientfico ao pblico, democratizando o acesso ao saber.

Distribuio: A revista Tempo da Cincia, em seu formato impresso, distribuda como permuta aos Programas de Ps-Graduao da rea, bibliotecas e instituies de ensino superior em geral. Em seu formato digital, pode ser acessada livremente atravs do endereo eletrnico: www.unioeste/br/pos/cienciassociais.

Endereo para Correspondncia Revista Tempo da Cincia Universidade Estadual do Oeste do Paran UNIOESTE Ncleo de Documentao, Informao e Pesquisa NDP. Rua da Faculdade, 645 Jardim La Salle 85.903-000 / Toledo Paran . E-mail: [email protected] ENDEREO PARA PERMUTA Biblioteca Universitria Universidade Estadual do Oeste do Paran - UNIOESTE Rua da Faculdade, 645 Jardim La Salle 85.903-000 / Toledo Paran E-mail: [email protected]

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SUMRIO

Cooperativismo e a adequao das propriedades rurais ao modelo de produo agroindustrial em Palotina - PR

Andr Lus Vendrame Erneldo Schallenberger

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Estudo de Fenmenos Sociais na perspectiva das Teorias da Prtica a partir dos apontamentos de Silvia Gherardi

Fabiana Regina Veloso Bscoli Roberto Bscoli

21

O ciclo da hortel na microrregio de Toledo 1959 - 1980 Francisco Andr Pedersen Voll

Erneldo Schallenberger 35

A sustentabilidade na agricultura familiar: indicadores e ndices econmicos e sociais de avaliao

Jaime Antonio Stoffel Silvio Antonio Colognese

47

Da fronteira imaginada fronteira a ser colonizada: ndios, imigrantes e colonos nos relatos de viajantes argentinos e brasileiros nos sculos XIX e XX

Leandro de Arajo Crestani 61

Brasil - Paraguai: consideraes sobre a fronteira do consumo Luana Caroline Knast Polon

71

A cidade e a arte: um espao de manifestao Manuela Lowenthal Ferreira

Annie Rangel Kopanakis 79

Segurana nacional na trplice fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai: exrcito brasileiro Orlando bispo dos santos Mauro Jos Ferreira Cury

89

Fronteras permeables durante la dcada del 70: el Plan Cndor

Virginia Sahores Avals 101

Resenha

Chavismo sem Chvez Marcos Wlian da Silva

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Padres editoriais 111

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ARTIGO Tempo da Cincia Volume 22 Nmero 44 2 semestre de 2015 ISSN: 1981-4798

COOPERATIVISMO E A ADEQUAO DAS PROPRIEDADES

RURAIS AO MODELO DE PRODUO AGROINDUSTRIAL EM

PALOTINA - PR

Andr Lus Vendrame1

Erneldo Schallenberger2

Resumo: O objetivo dessa pesquisa foi analisar as necessidades, a capacidade de adaptao e as atuais condies e aspiraes dos produtores associados cooperativa C. Vale de Palotina, Paran, em relao insero de suas unidades produtivas ao novo modelo de produo agroindustrial, competitiva e globalizada via cooperativismo. Visando o atendimento dos objetivos, usou-se de literatura especializada em relao ao tema para a construo da base terica do estudo, bem como de pesquisa de campo via estudo de caso para a caracterizao e anlise das unidades produtoras e de seu comportamento em relao questo de pesquisa. A pesquisa revela que a mo de obra familiar da pequena propriedade est direcionada, em grande parte, a setores no ligados unidade produtiva, sendo que a pluriatividade na agricultura familiar se apresenta como importante elemento para reproduo dessa categoria. A pesquisa assinalou, ainda, a grande concentrao da atividade avcola integrada, em propriedades com rea superior a 30 alqueires, o que sinaliza a existncia de obstculos insero da pequena propriedade neste ramo produtivo. Por ltimo, evidenciou-se a dificuldade que o agricultor familiar de Palotina, bem como de seus representantes sindicalistas e cooperativistas, tem em buscar outra forma de estruturao ou reestruturao da unidade produtiva, para alm da proposta do grande mercado, a partir de novos conceitos de produo.

Palavras-chave: Agroindustrializao; Modernizao Agrcola; Agricultura Familiar; Cooperativismo.

Abstract: The main goal of this research was to analyze the needs, the capacity of adaptation and the current conditions and aspirations of the members from the cooperative C.vale, from Palotina, Paran, related to its productive unities inclusion in the new role of production, agro industrial, competitive and globalized, as a cooperative method. In order to achieve the main goals of this study, it was used a literary review related to the theme as a construction of its theory part and a field research as a local study to the characterization and analyze of productive unities and its behavior related to this research. This study reveals that the labor in a small property is related in a high part to the sectors which are not related to the productive unity, in which the pluriativity in the familiar agriculture is represented as an important element to the reproduction of its category. The study pointed that there is a large number of concentration in integrated poultry activity, in proprieties with more than 30 bushels, what indicates the existence of obstacles in the insertion of a small propriety in this productive branch. Lastly, it was evidenced the difficult that the families farmer from Palotina, as its union and cooperative representatives, have in order to seek another way of restructuration of the productive unity, which aims to gain the higher market with new concepts of production.

Keyword: Agroindustrialisation; Agricultural Modernization; Family Agriculture; Cooperative.

1 Mestre em Desenvolvimento Regional e Agronegcio pela Universidade Estadual do Oeste do Paran UNIOESTE. 2 Doutor em Histria; docente do CCHS, do Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Regional e Agronegcio da Universidade Estadual do Oeste do Paran UNIOESTE e estagirio Ps-Doutoral em Histria pela UFPR.

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INTRODUO

A partir dos anos 1990, a cadeia produtiva do agronegcio brasileiro vem intensificando os projetos de reconstruo produtiva visando melhoria da competitividade do setor, buscando alterar a sua caracterstica vivenciada at ento de ser competitiva apenas em commodities, sendo incipiente em ramos mais dinmicos de produo (LOURENO, 2002).

Para Loureno (2002), esta postura de reconstruo da forma de produzir decorre da necessidade de aproveitamento das oportunidades abertas por um mercado mundial mais amplo, aberto, globalizado e mais integrado.

Este mercado globalizado induziu as cooperativas, a um grande processo de modernizao de sua base produtiva, buscando, por meio desta modernizao, a manuteno de sua competitividade, sob pena destas cooperativas serem substitudas ou, simplesmente, eliminadas (LOURENO, 2002).

visvel a marcha em direo a projetos de agroindustrializao e tecnificao da agropecuria, aes estas que incentivaram a diversificao das atividades nas unidades produtivas dos cooperados vinculados s cooperativas.

A empresa cooperativa tem suas margens de lucro substancialmente aumentadas pelo processo de industrializao dos produtos primrios produzidos pela cadeia a montante, assim como veraz o aumento da eficincia do processo produtivo. A maior eficincia derivada de um maior controle pela cooperativa via processo de integrao, das atividades e processos produtivos realizados pelo associado em sua unidade produtiva.

Em relao a este tema, Neto (2007) aponta que, para manterem-se no mercado, as organizaes cooperativas dependem de um novo arranjo institucional que permita uma diferente relao nos direitos de propriedade, maiores incentivos eficincia, monitoramento das aes dos associados, relaes contratuais mais estveis, menores custos de transao de coordenao e de governana do empreendimento.

Sob a tica capitalista, os fatores acima referidos indicam para um modelo eficiente, competitivo e extremamente vivel para ser utilizado neste novo contexto de economia global. Entretanto, os questionamentos que surgem a partir deste cenrio esto relacionados capacidade adaptativa dos proprietrios e de insero de suas unidades produtivas a este novo panorama, no que se relaciona primordialmente ao acesso tecnologia, investimentos e capacitao.

O cooperativismo agroindustrial est alicerado sob as bases do capitalismo, tendendo, assim, a privilegiar o grande mercado, fazendo com que suas aes sejam direcionadas para as unidades produtivas que estejam inseridas, ou aptas a se inserir, nesta nova dinmica de mercado. Com estes questionamentos em mente, buscou-se a caracterizao do problema de pesquisa e possveis hipteses.

Torna-se relevante a anlise da abrangncia destas aes cooperativas, de acordo com o perfil social, econmico e cultural de seus associados, assim como a percepo destes no que tange a sua capacidade de insero neste novo modelo, construindo, desta forma, um aparato terico que sirva de base para futuras aes que busquem a manuteno da relao entre cooperativa e associado, objetivando o crescimento econmico/social destes atores. Visando alcanar os resultados propostos, delimita-se como premissa fundamental do estudo a anlise das necessidades, da capacidade de adaptao e das atuais condies e aspiraes dos produtores associados cooperativa C.Vale de Palotina, Paran, em relao insero de suas unidades produtivas ao novo modelo de produo agroindustrial, competitiva e globalizada via cooperativismo. Neste estudo utilizou-se de literatura especializada em relao ao tema para a construo da base terica do estudo, bem como de pesquisa de campo via estudo de caso para caracterizao e anlise das unidades produtoras e de seu comportamento em relao ao objeto da pesquisa.

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1 O COOPERATIVISMO E A PARTICIPAO NA ECONOMIA NACIONAL Os nmeros do cooperativismo brasileiro divulgados pela OCB (2012) revelam a sua

importncia para a economia, sendo que, em dezembro de 2011, existiam no Brasil 6.586 mil cooperativas com registro na OCB.3

As cooperativas agropecurias so as mais numerosas, com 1.523 mil unidades, seguidas das de transporte, com 1.088 mil unidades. Quanto ao nmero de associados, utilizando as mesmas informaes da OCB base 2011, chegou-se ao nmero de 10.008.835 milhes de cooperados em todos os ramos de atividade cooperativa.

Com relao localizao das cooperativas, a Regio Sudeste destaca-se com o maior nmero, a Regio Sul ocupa o terceiro lugar em quantidade de cooperativas.

Em relao participao de todas as cooperativas do Brasil nas exportaes, no ano de 2013 as mesmas atingiram a sua maior marca da srie ps 2007, tendo um aumento de 2,7% em relao a 2012, aumentando, consequentemente, o saldo positivo da balana comercial das cooperativas. Entre os principais produtos da pauta de exportao das cooperativas brasileiras esto: acar, soja em gro, carne de frango, farelo de soja, etanol e caf em gros (MDIC, 2013).

relevante observar que os principais produtos exportados pelas cooperativas brasileiras esto relacionados agroindstria e agricultura, evidenciando a importncia desta base produtiva e da organizao cooperativa agroindustrial para a economia nacional. O Estado do Paran merece destaque, uma vez que este foi responsvel, em 2013, por 39% das exportaes das cooperativas brasileiras. Tendo em vista que a pauta de exportaes brasileiras liderada por produtos de origem agrcola e agroindustrial, reitera-se a importncia do Estado do Paran nestes ramos produtivos, dado sua representatividade no volume total das exportaes brasileiras.

1.1 AGROINDUSTRIALIZAO E O COOPERATIVISMO AGROPECURIO

A agroindustrializao nos moldes de atividade econmica inserida no contexto do agronegcio brasileiro foi analisada enquanto forma de organizao produtiva a partir da dcada de 80. Conforme estudos de Lauschner (1995), esta foi caracterizada, primeiramente, como um complexo agroindustrial, tomando forma e evoluindo nas suas relaes de produo, industrializao, armazenamento e comercializao, passando a caracterizar um sistema agroindustrial, tendo em sua formao diversos setores econmicos produtivos inter-relacionados.

Furtado (2002) afirma que, no Brasil, o setor primrio evoluiu a partir dos ciclos econmicos at atingir o estgio da agroindustrializao, sendo que o agronegcio indiscutivelmente impulsionado pela produo de mercadorias de exportao e pela agregao de valor aos produtos in natura por intermdio da agroindustrializao.

As cooperativas agropecurias brasileiras caracterizam uma forma organizacional de extrema importncia para o agronegcio nacional, pois estas instituies so formadas por produtores rurais que buscam opo para armazenagem, comercializao da produo, oportunidade de ganhos de escala e poder de barganha, fatores estes possveis de serem alcanados devido ao volume de comercializao da instituio ser mais representativo do que a comercializao individual dos associados. A possibilidade de industrializao da matria-prima pelas agroindstrias cooperativas permite agregao de valor ao produto primrio, tendo como consequncia uma maior rentabilidade da unidade produtiva agropecuria (NETO, 2007).

O processo de integrao/concentrao de organizaes cooperativas, se bem geridas, respeitando os reais objetivos para os quais foram criadas, geram uma ao que refora as condies para melhor redistribuio da renda e das oportunidades dentre os seus cooperados, como afirma Schneider (2013). O autor refere o cooperativismo como uma resposta para os problemas impostos

3 Aps a Constituio de 1988 as cooperativas no so mais obrigadas a registros.

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pela globalizao, uma vez que tem um grande potencial de gerar empregos e servir de contrapeso concentrao de riquezas.

Mas, da mesma forma que a economia global passa por mudanas, as organizaes cooperativas tambm esto expostas a este novo cenrio. Para Neto e Pinto (2012), o agronegcio brasileiro evoluiu nas ltimas dcadas tanto nas reas j consolidadas como nas novas fronteiras agrcolas, no somente em volume de produo e produtividade nas propriedades, mas tambm em desempenho, tecnologia e estratgias das empresas agroindustriais, adotando ousadas estratgias de gesto, incluindo fuses e incorporaes.

Este fenmeno, aliado s novas tendncias de gesto, deixou a propriedade rural familiar e a unidade agroprocessadora de pequeno porte em segundo plano, ficando a margem das oportunidades de crescimento e desenvolvimento econmico, pois estas unidades produtivas no so o foco dos sistemas agroindustriais (BATALHA; FILHO, 2005).

Se as cooperativas, em nome do princpio da integrao, buscam na concentrao ganho de escala, produtividade e aumento de competitividade, para Schneider (2013), tal concentrao no cooperativismo no representa a excluso, como no modelo capitalista.

de conhecimento que esta premissa hoje bastante contestvel, visto que, para o ingresso das propriedades rurais na cadeia agroindustrial via processo de integrao, necessrio um grande dispndio de capital para investimento em infraestrutura e adequao das atividades s exigncias da integradora, alm de capacitao e mo de obra qualificada.

Mas evidente que o processo de agroindustrializao tem grande relevncia no agronegcio brasileiro, quando observada a sua representatividade na organizao da cadeia produtiva e na agregao de valor aos produtos primrios oriundos das unidades produtivas agropecurias, contribuindo, desta forma, para o aumento da eficincia destes processos (NYCHAI, 2005).

O mesmo autor fundamenta que, na pauta de exportao, os produtos in natura so suscetveis a preos baixos, principalmente se forem consideradas as constantes variaes da taxa de cmbio, sendo que os produtos agroprocessados apresentam incremento de preos, e menor variao de mercado, ratificando a importncia da agroindustrializao para a economia do agronegcio brasileiro.

No ramo de produo agropecuria, mesclam-se as funes dos setores econmicos para obter bons resultados e usar de todos os recursos e elos que cada um pode oferecer, sendo que, no sistema do agronegcio, cada setor tem funes a desempenhar, de modo que a inter-relao fator crucial devido grande interdependncia dos elos deste sistema. Para Nychai (2005), cada elo, ou cada setor, produz resultados especficos, mas a inter-relao dos setores da atividade econmica, transformando-se numa cadeia de relaes produtivas, o que pode oferecer mais benefcios ao produtor e ao consumidor.

A discusso em torno da insero da pequena propriedade rural neste novo mbito do agronegcio configura-se, para Nychai (2005), como alternativa para a gerao de renda, visto que, por meio do processo de agroindustrializao, a pequena propriedade pode atingir certa competitividade para os produtos in natura aps passarem por algum processamento. Assim, fundamenta-se que a agroindustrializao, sob a tica de resultado econmico-financeiro, pode trazer um novo nimo propriedade rural familiar.

Torna-se relevante a anlise da capacidade de adaptao e insero destas pequenas unidades produtivas a esta nova forma de organizao produtiva, sendo que Nychai (2005) afirma, ainda, que um grande desafio ser contornar o fato de que o agronegcio, e o ramo de produo agroindustrial, estejam associados s grandes escalas de produo e aos grandes negcios realizados no contexto da agropecuria.

Em contraponto a esta viso, para Batalha e Filho (2005), a pequena unidade de produo, a qual busca a manuteno de sua base produtiva, tem como alternativa de renda a produo voltada pequena escala e utilizao de mo de obra familiar, buscando trabalhar com atividades focadas na diferenciao dos produtos processados na propriedade rural familiar e na diversificao da produo.

Ao caracterizar as cooperativas agropecurias brasileiras, Neto (2007) aponta que grande parte tem aspectos em comum, como, o grande nmero de cooperados, a baixa escolaridade dos associados,

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relativa dependncia financeira a capital externo e, em sua maioria, baixa rentabilidade sobre o patrimnio.

Tendo em vista este perfil de cooperativas, o grande nmero de pequenas propriedades e a importncia das mesmas para a regio oeste do Paran e para o agronegcio brasileiro, fica evidente a necessidade de pesquisa, anlise e monitoramento deste processo de agroindustrializao da agricultura, e em especfico das pequenas unidades produtivas rurais.

2 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS O estudo de caso teve como base os associados da C.Vale, Cooperativa do ramo Agroindustrial

localizada na Mesorregio Oeste do Paran. A pesquisa bibliogrfica foi utilizada com o intuito de conceituar e diagnosticar aspectos relacionados ao cooperativismo e suas atribuies. Valeu-se da pesquisa de campo exploratria para coleta de dados quantitativos, mas, sobretudo qualitativos, gerados atravs de entrevistas semiestruturadas com os associados da cooperativa em questo.

Para Gil (1987), a pesquisa exploratria tem como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idias com vistas formulao de problemas mais precisos ou hipteses pesquisveis para estudos posteriores. Esta forma de pesquisa pode envolver levantamento bibliogrfico e documental, entrevistas e estudo de caso, entre outros.

Por outro lado, para Richardson (1989), a abordagem qualitativa uma forma adequada para entender a natureza de um fenmeno social. Para o autor, tal abordagem utilizada em situaes complexas ou particulares (estudo de fatos do passado, anlise de atitudes ou motivaes). As pesquisas qualitativas de campo exploram particularmente as tcnicas de observao e entrevista.

O objetivo da pesquisa centra-se na anlise da capacidade de adaptao das unidades produtivas familiares lgica da produo em escala e da agroindustrializao. Para tanto, na pesquisa de campo, foram realizadas entrevistas com pequenos produtores de propriedades da agricultura familiar, assim como com produtores de mdias propriedades, visando caracterizao dos diferenciais produtivos e organizacionais de cada perfil de produo. O objetivo deste mtodo de coleta de dados centra-se na possibilidade de identificao das divergentes formas de produo entre os atores entrevistados, identificando, assim, os aspectos diferencias e as alternativas adotadas pela pequena propriedade para coexistir neste ambiente competitivo e excludente da agricultura.

As entrevistas foram realizadas entre os dias 20 de abril e 18 de junho de 2014. Os associados em questo foram escolhidos de forma aleatria tomando como base os registros de produtores rurais junto prefeitura municipal de Palotina, sendo que a mesma utiliza como referncia a base de dados do IBGE. Segundo dados do IBGE relacionados ao Censo Agropecurio 2006, em Palotina existem 1.421 mil unidades produtoras rurais, sendo que, destas, foram realizadas entrevistas em 28 unidades produtivas, subdivididas em pequenas e mdias propriedades. Uma frao destas propriedades possui atividades ligadas ao processo agroindustrial de transformao da cooperativa (processamento industrial de aves, sunos e leite), e, de forma geral, todos realizam atividade de produo de commodities de soja e milho.

3 A CAPACIDADE DE ADAPTAO DAS PROPRIEDADES RURAIS, AO MODELO DE PRODUO AGROINDUSTRIAL

3.1 CARACTERIZAO DA PROPRIEDADE De acordo com o caracterizado na metodologia, a pesquisa de campo no se direcionou somente a pequenas propriedades, de modo que foram visitadas, tambm, propriedades fora do contexto da Agricultura Familiar, visando uma maior abrangncia da amostra e possibilitando a construo de uma viso diferenciada da realidade pesquisada.

Segundo dados do INCRA (2014), os imveis rurais se classificam quanto ao tamanho, sendo que a pequena propriedade o imvel que tem entre 1 (um) e 4 (quatro) mdulos fiscais, a mdia

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propriedade est compreendida entre 4 (quatro) e 15 (quinze) mdulos fiscais e a grande propriedade trata-se do imvel com rea superior a 15 (quinze) mdulos fiscais. Considerando que o mdulo fiscal para o municpio de Palotina, segundo classificao do INCRA, de 18 hectares, as propriedades da amostra caracterizam-se, em sua maioria, 68% de pequenas propriedades.

3.2 CARACTERIZAO DO PROPRIETRIO E MEMBROS DA FAMLIA

Em relao idade dos proprietrios rurais, observa-se grande concentrao da amostra nas faixas etrias superiores a 40 anos, caracterizando 96% da amostra. Esta anlise evidencia a experincia do grupo em relao s atividades realizadas, mas tambm demonstra um desequilbrio etrio relacionado ao nmero de pessoas jovens a frente da explorao de atividades agropecurias.

Os filhos dos proprietrios com 18 anos ou mais so caracterizados por indivduos que exercem distintas funes dentro ou fora da propriedade agrcola. Pelos dados da pesquisa, observa-se que, embora os filhos dos proprietrios, em alguns casos, j tenham constitudo famlia e no moram mais com os pais, os mesmos continuam trabalhando na propriedade e nas atividades ligadas a ela, mas no como proprietrios legais da unidade produtiva, tampouco na qualidade de responsveis pela gesto e administrao da mesma, pois tal unidade ainda est centralizada na base da famlia. A mo de obra familiar da pequena propriedade est direcionada, em grande parte, a setores no ligados a unidade produtiva. Aliado a essa tendncia, observa-se que o ndice de trabalho pluriativo superior na amostra das pequenas propriedades quando comparado ao dos dados gerais. Ratifica-se, assim, a tendncia apresentada de uma lacuna etria no comando das unidades produtoras, visto que, em grande parte das pequenas propriedades visitadas, as atividades das mesmas so realizadas pelo proprietrio, esposa e por mo de obra terceirizada.

Essa tendncia de permanncia apenas do casal na formao do ncleo familiar e no desenvolvimento das atividades da propriedade, foi verificada em 36,84% das pequenas propriedades. Essa caracterstica resultado de, basicamente, dois fatores: O primeiro relaciona-se a sada dos filhos mais novos para estudo e trabalho em atividades no ligadas propriedade, e o segundo relaciona-se a constituio de famlia pelos filhos mais velhos e busca de novas formas de renda, visto que a pequena unidade familiar no gera a rentabilidade necessria para o sustento de todos.

Evidenciou-se durante a pesquisa que muitas das pequenas unidades produtivas possuem, ou j possuram, interesse na diversificao de atividades, ou no aumento de produtividade das atividades j realizadas na propriedade, mas, segundo dados da pesquisa, fato que as mesmas no dispem dos recursos necessrios ao investimento e no possuem condies (capital, bens, garantias legais) que os possibilite acesso a linhas de crdito para investimento em tais atividades. As mdias propriedades apresentam trs caractersticas bem diferenciais e relevantes para anlise. A primeira est relacionada parcela de filhos que trabalham apenas nas atividades da propriedade, sendo que, nesta amostra, este nmero atinge em torno de 50%. Este mesmo ndice, na amostra das pequenas propriedades representa aproximadamente 12%, caracterizando, assim, que a viabilidade econmica da unidade produtiva um fator determinante para a manuteno da mo de obra da famlia nas atividades produtivas. A segunda caracterstica est relacionada formao acadmica, na amostra das pequenas propriedades, o ndice de filhos que se dedicavam somente ao estudo foi de 2%, j na amostra relacionada s mdias propriedades este nmero atinge 15%; estes valores concentram-se na idade escolar relacionada faculdade, visto que, na pequena propriedade, a necessidade de trabalhar e estudar so proeminentes.

Pode-se observar que existe a preocupao para que os filhos alcancem nveis educacionais superiores aos dos pais, visando possibilidade de insero no mercado de trabalho atravs de outras atividades e/ou profisses por meio da qualificao, no alicerando, assim, as possibilidades dos mesmos a atividade agrcola.

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3.3 A PRODUO INTEGRADA E POSICIONAMENTO DAS UNIDADES PRODUTIVAS EM RELAO MESMA

O processo de agroindustrializao da produo tem como objetivo a industrializao da

matria-prima pela cooperativa, buscando, desta forma, agregar valor a este produto primrio, visando o aumento da rentabilidade das atividades agropecurias. Alm de maior valor agregado, o aumento da receita de produo resulta do volume de comercializao da instituio ser mais representativo do que a comercializao individual dos associados.

Para tanto, se buscou na pesquisa a caracterizao dos processos de integrao produtiva oportunizados pela cooperativa C.Vale. Na atualidade, a cooperativa oferece aos scios via processo de integrao produtiva (mediante adequao s normas estabelecidas pela integradora) o acesso produo de Aves de Corte para a industrializao no Complexo Avcola C.Vale, produo de leites e engorda de sunos para abate, assim como produo de leite para a industrializao, em parceria com a Cooperativa Frimesa4. Visado caracterizao do processo de integrao da cooperativa, buscaram-se algumas anlises. No Grfico 1, pode-se observar a caracterizao das propriedades em relao integrao de processos produtivos, e a estratificao fundiria das unidades integradas Cooperativa C.Vale. Observa-se maior nmero de propriedades integradas com rea inferior a 72 hectares. Este fenmeno resultado da maior concentrao de pequenas propriedades na amostra da pesquisa, as mesmas somam aproximadamente 68% do total. Em relao s atividades integradas das pequenas propriedades, verificou-se maior presena da atividade de bovinocultura leiteira. Esta maior concentrao derivada do menor investimento necessrio para a implantao, alm do tradicionalismo dos associados em tal atividade, bem como a possibilidade de execuo em pequena escala e a utilizao da mo de obra familiar para desempenho da mesma.

O maior nmero de pequenas propriedades representa uma constatao em relao classificao fundiria do municpio de Palotina como um todo, visto que, como fundamentado na pesquisa bibliogrfica, a delimitao das terras desta regio foi realizada de tal forma que privilegiasse a ocupao pela pequena propriedade, o que pode ser visualizado at os dias atuais.

O grande nmero de propriedades que no possuem atividades integradas cooperativa, aproximadamente 54% da amostra, , em sua maioria, das unidades produtivas formadas pelas pequenas propriedades. De acordo com a pesquisa de campo, esta tendncia resultante de, basicamente, trs pontos primordiais, acerca dos quais discorremos a seguir. O primeiro relaciona-se ao alto valor de investimento inicial destas atividades (principalmente na atividade de Avicultura), sendo que o mesmo no financiado pela cooperativa, ficando o produtor submetido s exigncias e taxas de juros das instituies financeiras. O segundo refere-se disponibilidade de mo de obra, que, nas pequenas propriedades, encontra-se primordialmente direcionada s atividades no ligadas unidade produtiva. Ao serem

4 Segundo informaes da Frimesa, as cooperativas da regio oeste procuraram as lideranas da Sudcoop com uma proposta de compra da massa falida do Frigorfico Medianeira S/A. Uniram-se Coagro (Capanema), Cotrefal, hoje Lar (Medianeira), Copagril (Marechal Cndido Rondon) a extinta Coopagro, atual Primato (Toledo), Copacol (Cafelndia) e C.Vale (Palotina), para fundar a atual Frimesa. Disponvel em: . Acesso em: 10 ago. 2015.

Grfico 1 - Organizao Produtiva e Classificao Fundiria das Propriedades.

Fonte: Elaborado pelo autor.

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questionados em relao contratao de mo de obra temporria ou algum tipo de terceirizao do trabalho relacionado s atividades integradas, os produtores enfatizaram que, mesmo sendo atividades de produo em escala, a tendncia de reduzidas margens de lucro proporcionadas pelas mesmas, inviabilizam a utilizao de mo de obra externa a propriedade, sendo que, para tanto, seria necessria a implantao de vrios avirios, grandes granjas de sunos, assim como um grande rebanho leiteiro, o que inviabilizaria ainda mais o investimento inicial das atividades. O terceiro relaciona-se s exigncias ambientais para a implantao de tais atividades, como sublinha Zilli (2003): a produo intensiva de animais, em algumas reas, pode ser desestimulada devido relevncia da questo ambiental imposta aos produtores, ainda que seja economicamente vivel. As unidades produtivas que possuem integrao com a cooperativa C.Vale exercem, em sua totalidade, outras atividades no integradas, sendo que a atividade de agricultura comercial est presente em todas as propriedades integradas, demonstrando, assim, a relevncia da mesma para a formao da renda dessas unidades produtivas, sejam elas de pequeno ou mdio porte. Evidencia-se, desta forma, que a produo de commodities, ainda que proporcionando reduzidas margens aos pequenos proprietrios, no cedeu espao a outras atividades produtivas.

O ndice de propriedades de pequeno porte que possuem pecuria leiteira integrada cooperativa superior ao das mdias propriedades. Este fenmeno resulta, primeiramente, da necessidade da compra a prazo dos insumos relacionados produo, visto que, para produtores integrados, a cooperativa cria a chamada conta leite, por meio da qual o produtor adquire os produtos necessrios atividade em determinado perodo e estes so descontados da remunerao da atividade no ms subsequente; resulta, ainda, pelo uso de mo de obra familiar e menor investimento inicial da atividade, se comparado avicultura e suinocultura. Em contrapartida, evidencia-se na amostra a tendncia de menor investimento da mdia propriedade na atividade de pecuria leiteira integrada, caracterstica essa derivada de dois fatores: o primeiro relaciona-se ao grande dispndio com a mo de obra necessria para a atividade em contrapartida da rentabilidade da mesma via integrao; o segundo fator constitui-se pela sazonalidade do mercado de laticnios, o que torna a atividade suscetvel s flutuaes do mercado, visto que a integrao produtiva, da forma como que realizada pela integradora, no garante um preo mnimo pago ao produtor. Observa-se, ainda, a realizao das atividades de piscicultura, no integrada, prestao de servios e a produo de bens de consumo, visando diversificao produtiva. Em relao ao total de pequenas propriedades da amostra (22 propriedades), 15 (quinze) destas no possuem atividades integradas cooperativa C.Vale. Observou-se que, assim como nas propriedades integradas, nas no integradas a agricultura comercial determinante para a formao da renda dessas unidades produtivas, sejam elas de pequeno ou mdio porte.

A atividade leiteira, ao contrrio do modo de produo integrada, agora mais presente nas mdias propriedades, tendncia justificada pela falta de segurana em relao rentabilidade da atividade no modelo integrado, de modo que, devido maior capacidade de investimento das mdias propriedades, a atividade torna-se mais rentvel fora do processo de integrao. Aliado a este fator, soma-se o menor controle fora da integrao sobre as tcnicas de manejo dos animais, infraestrutura produtiva, armazenamento da produo, estrutura de ordenha e diferenciao de produto5. Em relao produo de sunos, observou-se que, mesmo a cooperativa oportunizando a possibilidade de integrao desta atividade, a mesma realizada de forma autnoma pelas propriedades, sendo justificada pela dificuldade de adequao das estruturas produtivas j existentes ao padro das instalaes exigidas pela integradora, aliado baixa remunerao paga no sistema de integrao.

5 Na produo integrada, de acordo com os produtores, alm dos testes de qualidade do produto (leite), analisado o ndice de gordura e outros fatores que determinam a classificao do mesmo quanto s normas estabelecidas pela empresa processadora, tendo em vista o segmento de mercado e para que fim o produto ser direcionado, sendo o produtor penalizado no preo/litro caso este no atinja os nveis pr-estabelecidos.

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Nas pequenas propriedades, a diversificao das atividades limitada mo de obra familiar disponvel. Observou-se, ainda, que, alm da atividade de produo de soja e milho, as pequenas propriedades realizam uma ou, no mximo, duas atividades complementares (criao de sunos, peixes, leite, ou bens de consumo/venda do excedente).

3.4 A AGROINDUSTRIALIZAO E A SUA INFLUNCIA NA RENDA DAS PROPRIEDADES O processo de integrao produtiva via cooperativismo objetiva proporcionar alternativas de diversificao e renda s propriedades rurais e, neste sentido, verificou-se a percepo dos associados em relao cooperativa C.Vale e agroindustrializao. Observa-se pelas entrevistas que a melhora da rentabilidade das propriedades mais perceptvel pelo grupo de agricultores com propriedades de mdio porte, sendo que, na pequena propriedade, o grupo se divide entre os que perceberam alguma melhoria nas atividades e na renda e os que no observaram nenhuma mudana nas suas unidades produtivas. Corroborando com a anlise de que a atividade integrada, de forma geral, torna-se mais rentvel na mdia propriedade, pode-se citar que, em relao ao nmero de avirios presentes na amostra, aproximadamente 60% das granjas esto localizadas nas mdias propriedades, visto que estas representam apenas 32% da amostra, gerando uma concentrao de 2,55 avirios por propriedade. Nas pequenas propriedades esta concentrao cai para 0,79 avirio por propriedade. Evidenciou-se na pesquisa a falta de interesse da empresa integradora em relao elaborao de um estudo de viabilidade econmica das atividades integradas, visando obteno de ndices de escala mnima de produo, rentabilidade das atividades, capacidade de investimento das propriedades e demais informaes bsicas necessrias e imprescindveis a qualquer interessado a ingressar em tais atividades produtivas. Torna-se relevante ressalvar que os dados em relao rentabilidade e influncia do processo de integrao consistem em informaes fornecidas pelos associados, e que, durante a pesquisa, poucas foram as propriedades visitadas que possuam algum software de gesto financeira e de produo, ou alguma forma similar de controle financeiro e/ou das atividades produtivas. Deste modo, reconhece-se, ento, que os dados utilizados podem ser aproximados. Ainda no que tange renda, a agricultura comercial, at ento, a atividade que mais gera renda, sendo mais significava nas mdias propriedades. As principais culturas desenvolvidas nesta atividade so os gros, especialmente as commodities de soja, milho e trigo. Nas propriedades que realizam atividade de bovinocultura de leite paralela agricultura, esta serve de complemento atividade leiteira, visto que, no inverno, parte da cultura de milho utilizada para produo de silagem, visando suprir a alimentao do rebanho. Observa-se que, nas pequenas propriedades, a agricultura comercial representa menos da metade dos rendimentos da unidade produtiva, demonstrando, desta forma, uma maior diversificao das atividades e da formao da renda nesta classificao fundiria, como tambm os maiores custos operacionais da atividade agrcola na pequena propriedade se comparados aos da mdia propriedade, fenmeno este explicado pela relao inversa entre escala de produo e custos. A avicultura de corte a segunda maior formadora de renda das pequenas e mdias propriedades. Em relao a este dado, relevante analisarmos que, na pequena propriedade, devido sua menor rea de plantio, as atividades de produo de gros tm suas margens prejudicadas, sendo a avicultura uma via alternativa. Identificou-se na pesquisa a indignao dos pequenos produtores no que tange inviabilidade da atividade avcola, visto que, segundo os mesmos, tal atividade no gera a remunerao necessria quitao dos financiamentos adquiridos para a implantao das granjas. Ainda segundo os produtores, as pequenas propriedades que conseguem se inserir no contexto da avicultura de corte integrada, ainda que aps a quitao do financiamento referente implantao da atividade, tm a lucratividade elevada, se feita uma anlise em longo prazo.

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Os recursos previdencirios, a venda de mo de obra em perodos de safra e as atividades pluriativas desempenhadas somam 10,5% dos rendimentos das unidades produtivas. O processo de modernizao e tecnificao da agricultura transformaram drasticamente as tcnicas de produo e o trabalho na lavoura. Vive-se no momento da agricultura tecnolgica, com tcnicas de preciso em adubao e correo do solo. Massificou-se o uso de sementes de alto valor agregado, necessitando tcnicas de plantio que possam extrair ao mximo o seu potencial produtivo. As aplicaes de agrotxicos obedecem a parmetros ambientais, visando preservao da fauna e flora, a tecnologia de aplicao influencia diretamente na qualidade da aplicao realizada, o que repercute diretamente em custos. Na colheita, a utilizao de colhedoras automotrizes modernas proporciona o aproveitamento mximo da produo, sem desperdcios do produto acabado, e em tempo hbil, visando garantia de qualidade do produto final. Para tanto, so necessrios investimentos em maquinrios, o que inviabilizaria as pequenas unidades produtivas. Neste contexto que surge o mercado de prestao de servios agrcolas, via terceirizao de processos produtivos, proporcionando aumento de renda s propriedades que possuem os maquinrios e os utilizam para a prestao de servios s unidades produtivas que terceirizam tais processos.

As pequenas propriedades buscam via terceirizao de processos produtivos a insero no mercado de produo de commodities. Neste contexto a terceirizao surge como alternativa a dois fatores primordiais. O primeiro relaciona-se inviabilidade de investimento da pequena propriedade na atividade agrcola. A produo de gros, ps-modernizao da agricultura, est ligada ao grande uso de mquinas de alto valor agregado que se viabilizam somente em grandes reas de produo, sendo que a pequena propriedade ficaria totalmente alheia a este processo caso no terceirizasse, ainda que parcialmente, as suas atividades produtivas. J o segundo fator centra-se na questo da mo de obra, j que os filhos dos pequenos produtores exercem as mais distintas ocupaes, sendo que apenas 11% dos mesmos dedicam-se em tempo integral s atividades da propriedade, e, aliado a este dado, observou-se que 43% dos proprietrios entrevistados possuem idade superior a 60 anos. Neste caso, a terceirizao foi a alternativa encontrada pelos produtores para manterem ativa a atividade agrcola em suas propriedades. Aproximadamente 71% das propriedades entrevistadas terceirizam, no mnimo, uma parte de seus processos produtivos, e em torno de 29% das propriedades no terceirizam nenhuma atividade. Torna-se relevante observar que a parcela da amostra que no terceiriza nenhum processo produtivo est inserida nas mdias propriedades que possuem todo o aparato tecnolgico necessrio produo. A terceirizao caracterizada pelos pequenos produtores como uma alternativa para a manuteno da atividade agrcola, uma vez que os permite ter acesso s novas tecnologias de produo sem investimento em compra de maquinrios, mas a mesma acaba gerando custos adicionais atividade no curto prazo.

CONSIDERAES FINAIS

A premissa fundamental do estudo centrou-se na anlise da formao familiar, no comportamento associativo, na formao da renda e na configurao do espao produtivo das unidades de produo associadas cooperativa C.Vale de Palotina, Paran. As unidades produtivas entrevistadas formam-se, em sua maioria, de pequenas propriedades. Estes ncleos produtivos so constitudos predominantemente pelo agricultor proprietrio residente na unidade produtiva, dispondo, basicamente, da mo de obra familiar para a realizao das atividades na propriedade.

Nas pequenas propriedades, onde o ncleo familiar formado somente pelo casal, o trabalho cotidiano realizado pelos mesmos; j as atividades de produo ligadas agricultura comercial (soja e milho) so realizadas, em sua maioria, via terceirizao de produo.

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A mo de obra familiar da pequena propriedade est direcionada, em grande parte, a setores no ligados unidade produtiva, observando-se, ainda, o elevado ndice de trabalho pluriativo das pequenas propriedades, sendo superior ao da amostra das mdias propriedades.

A pluriatividade na agricultura familiar se apresenta como elemento de complementao da renda para essa categoria, visto que esta, somada ao recebimento de recursos previdencirios, representa mais de 10% das receitas obtidas pelos membros dos ncleos familiares, especialmente cnjuges e filhos, gerando a percepo da necessidade de complementao da renda obtida na agropecuria.

O setor rural atual cenrio da evaso do pblico jovem, especialmente aqueles que apresentam nvel de escolaridade mais elevado, demonstrando que os jovens, candidatos a sucessores titulares das unidades produtivas, esto se afastando do espao rural em troca da execuo de atividades no agropecurias no espao urbano, tendncia que agravada pela incapacidade das instituies ligadas categoria em proporcionar alternativas de renda e trabalho que visem a permanncia do jovem no campo.

Em consonncia a esta viso, de acordo com os entrevistados, a baixa remunerao proporcionada pelas pequenas propriedades nos dias atuais o principal motivador evaso do pblico jovem. As pequenas unidades produtivas no dispem dos recursos necessrios ao investimento na diversificao de atividades, ou aumento da produtividade das atividades j realizadas na propriedade, mesmo que via integrao de produo, o que, segundo a pesquisa de campo, no garantia de aumento de renda, dado o volume de investimentos necessrios, a necessidade de escala de produo e mo de obra.

A incapacidade de adaptao e/ou insero aos novos mercados e arranjos produtivos est diretamente relacionada falta de incentivo da entidade cooperativa em relao ao fomento das atividades da pequena propriedade. Ainda caracterizou-se na pesquisa um nivelamento de objetivos e gesto da empresa cooperativa com as de mercado, sendo este mais um fator motivador da no adeso a associao dos produtores mais jovens cooperativa, e do no investimento por parte dos produtores em atividades como a avicultura e suinocultura, uma vez que no h nenhuma garantia de lucratividade de tais atividades.

Em relao s atividades produtivas internas s propriedades, pode-se analisar que as atividades pecurias representam menor expresso em valor agregado renda total se comparada s agrcolas. Estas atividades fazem parte do conjunto de diversificao da unidade familiar e demandam mo de obra mais intensa e frequente. Diante deste cenrio, as atividades agrcolas representadas pela produo de gros, especialmente as culturas de soja e milho, aparecem como sendo as principais atividades das propriedades, estando a produo destas culturas intimamente relacionadas conjuntura do mercado nacional e internacional.

Estas atividades produtivas, aliadas integrao agroindustrial, com marcante presena dos complexos agroindustriais da avicultura de corte, so as responsveis, em grande medida, pela vulnerabilidade da produo e da renda das pequenas propriedades.

A atividade avcola realizada apenas em 44% das pequenas propriedades, perante o seguinte cenrio: em 17% delas a atividade avcola foi implantada em substituio a outras atividades, como, por exemplo, agricultura e pecuria, sendo que os valores referentes venda dos bens e insumos das atividades anteriores foram reinvestidos na nova atividade. As demais pequenas propriedades (27%) que trabalham com avicultura integrada tm esta atividade como complementar s j realizadas em suas unidades produtivas.

Neste contexto, possvel afirmar que a atividade integrada de avicultura se contextualiza como forma alternativa de renda em apenas 27% das pequenas propriedades. A atividade avcola caracterizada como a agricultura comercial pela necessidade de produo em escala e grande necessidade de capital para investimento. A pesquisa de campo assinalou a grande concentrao da atividade avcola em propriedades com rea superior a 30 alqueires, caracterizando, assim, a dificuldade de insero da pequena propriedade neste ramo produtivo.

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A agricultura comercial, ainda que vulnervel ao mercado e ao clima, a atividade que mais gera renda, tanto nas pequenas quando nas mdias propriedades. As principais culturas desenvolvidas nesta atividade so os gros, especialmente as commodities soja, milho e trigo. A prestao de servios tornou-se uma atividade complementar para a renda das unidades agropecurias que investiram nesta atividade, sendo, pois, importante para a manuteno da rentabilidade e competitividade das mesmas. Neste contexto, ressalta-se, ainda, que as alternativas criadas pelos produtores e a combinao de atividades na propriedade e extrapropriedade no tm sido suficiente para a manuteno dos descendentes nos ncleos da agricultura familiar. Observa-se claramente nas pequenas propriedades o processo de esvaziamento do campo pela parcela da populao mais jovem, a qual no tem encontrado condies suficientes para se inserir na lgica da produo familiar, de modo que a mesma possa lhe oferecer sustentabilidade econmica.

O setor rural atual no pode mais ser compreendido somente a partir dos mecanismos internos da atividade agrcola, como a partir da propriedade da terra, das tcnicas de produo, da segmentao de mercado e do posicionamento do produtor em relao a elas. As polticas pblicas direcionadas ao setor, por intermdio de seus rgos de classe, como cooperativas e sindicatos, no se configuram visando manuteno da produo e o incentivo s novas possibilidades de renda para as propriedades, visto que estas esto atreladas a subordinao da agricultura mercantilizao de sua produo e, qui, de sua propriedade.

Percebe-se, assim, a dificuldade que o agricultor familiar de Palotina, bem como seus representes sindicalistas e cooperativistas, tm em vislumbrar, para alm da proposta do grande comrcio, uma nova forma de estruturar ou reestruturar a unidade produtiva a partir de novos conceitos de produo.

J com relao ao futuro do rural, torna-se evidente a necessidade da agricultura familiar reestruturar-se ao tempo e espao das novas formas de produo. Para tanto, se faz necessrio que as polticas pblicas, assim como as cooperativas e sindicatos, assumam o papel de articuladores desse processo. Por fim, embora as perspectivas aqui apontadas abram um leque para trabalhos futuros, os apontamentos aqui expostos no devem ser generalizados para outras localidades, tratando-se especificamente do caso em questo.

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ESTUDO DE FENMENOS SOCIAIS NA PERSPECTIVA DAS

TEORIAS DA PRTICA A PARTIR DOS APONTAMENTOS DE

SILVIA GHERARDI

Fabiana Regina Veloso Bscoli1

Roberto Bscoli2

Resumo: Os Estudos Baseados em Prtica (EBP) oferecem uma perspectiva desafiadora para o entendimento dos fenmenos sociais. Silvia Gherardi (2000; 2001; 2009a; 2009b; 2011; 2012; 2014) representa uma relevante contribuio nos estudos sociais, especialmente aqueles dedicados aos estudos organizacionais, desenvolvendo argumentos para uma epistemologia da prtica, colocando a prtica como unidade central da anlise dos fenmenos sociais. O objetivo deste ensaio terico apresentar a abordagem da prtica em Gherardi, a partir do estudo da prtica situada, mediada pelas dimenses histrica, cultural, discursiva e esttica. Nesta perspectiva, compreende-se uma realidade complexa que revela uma ordem social que acontece no fazer cotidiano das prticas. Esta organizao em torno da prtica tanto constituda por sujeitos quanto os constitui, num processo de negociao, imerso num contexto de relaes entre humanos e no humanos, legitimando normas, regras, valores, discursos, desejos e aes que so materializados em artefatos simblicos e objetos. Deste modo, Gherardi demonstra que a prtica, como um fazer social, coletivo, cotidiano, revela o conhecimento socialmente construdo, e permite estudar os fenmenos sociais nas suas condies de produo, manuteno e transformao. Palavras-chave: Prtica; Epistemologia; Prtica situada. Abstract: Practice-based Studies (PBS) offer a challenging perspective for the understanding of social phenomena. Silvia Gherardi represents an important contribution to social studies, especially those devoted to organizational ones, developing arguments for an epistemology of practice, putting the practice as the central unit of the analysis of social phenomena. This theoretical essay aims at presenting the approach to practice in Gherardi, from the situated practice study, mediated by historical, cultural, discursive and aesthetic dimensions. In this perspective, there is a complex reality that reveals a social order that happens in daily practice tasks. This organization around the practice both constitutes the subjects and is constituted of them, in a negotiation process, immersed in a context of relations between humans and non-human, legitimizing norms, rules, values, discourses, desires and actions, which are materialized in symbolic artifacts and objects. Thus, Gherardi demonstrates that the practice, as a social, collective and daily task reveals a socially constructed knowledge, and allows to study social phenomena in their production, maintenance and transformation conditions. Keywords: Practice; Epistemology; Located practice.

1 Doutoranda no curso de Administrao da Universidade Positivo de Curitiba. Endereo eletrnico: [email protected] 2 Professor do Curso de Cincias Sociais da Universidade Estadual do Oeste do Paran UNIOESTE Cmpus de Toledo; Mestre em Cincias Sociais. Endereo eletrnico: [email protected]

mailto:[email protected]

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INTRODUO

Silvia Gherardi uma autora italiana que tem se dedicado sociologia das organizaes e sociologia do trabalho na Universidade de Trento. uma das fundadoras e responsvel pela unidade de pesquisa da Research Unit on Comunnication, Organizational Learning and Aesthetics (RUCOLA), que abarca como objeto central a aprendizagem e o conhecimento pela perspectiva da prtica. Neste grupo foi criada corrente de estudos intitulada Estudos Baseados em Prtica (EBP) (Practice Based Studies (PBS)), no campo dos estudos organizacionais, o qual passou a compor um crescente nmero de publicaes internacionais.

A fonte de estudos que a autora utiliza para sua abordagem traz contribuies das teorias da ao, que indicam uma intencionalidade dos atores, da qual deriva uma ao significativa na tradio de Weber e Parsons; e tambm das teorias da prtica, as quais entendem a prtica como fonte de padres significativos, como a conduta promulgada, realizada ou produzida, na tradio de Schutz, Dewey, Mead, Garfinkel e Giddens (GHERARDI, 2009a; 2009b; 2011).

Na base explicativa de uma epistemologia da prtica, Silvia Gherardi quer explicar que a prtica gera conhecimento, ou seja, ela a unidade central de anlise de fenmenos sociais. O conhecimento, neste caso, no algo reificado, que est l fora pronto para ser descoberto, mas o conhecimento se faz no exerccio da prtica, na interao entre sujeito e objeto. E ainda, este fazer prtico est fortemente mediado por fatores histricos, sociais, culturais e estticos, portanto, esta prtica se constri no nvel intersubjetivo, embora possa ser reconhecido e reconhecvel. (GHERARDI, 2009a).

A abordagem da prtica representa uma contribuio com ponto de vista que foge do mainstream, oferecendo uma viso ontolgica, epistemolgica e metodolgica alternativa para o campo da administrao. Silvia Gherardi aponta para uma ontologia relacional, em que a realidade contextual, construda num contexto de relaes que se do entre sujeitos e entre sujeitos e objetos, rompendo dicotomias como mente-objeto, estrutura-ao, teoria-prtica. Aliado a esta perspectiva, a epistemologia da prtica coloca na realizao prtica o locus onde o conhecimento gerado, socializado, mantido e transformado (GHERARDI, 2012). Coerente com esta perspectiva, para acessar o conhecimento prtico est uma abordagem metodolgica que se firma na anlise histrica, situada no contexto social, cultural, poltico e econmico, mas um contexto concreto, situado no tempo e no espao, materializado em discursos, artefatos, smbolos e objetos. Assim a anlise da prtica contribui para o entendimento da experincia situada, num fazer cotidiano, de prticas sociais. (SCHATZKI; KNORR-CETINA; VON SAVIGNY, 2005; NICOLINI, 2013; GHERARDI, 2012; GHERARDI; STRATI, 2014). Neste artigo pretende-se explorar e descrever a proposta de Estudos Baseados em Prtica, de modo que contribua para estudos organizacionais.

1 BASE EPISTEMOLGICA PARA O ENTENDIMENTO DA PRTICA EM SILVIA GHERARDI

A autora apresenta a prtica como epistemologia, posto que se preocupa com as condies

para a validade do conhecimento (lgica da verificao) ou, como no pragmatismo, com as condies para a produo do conhecimento (lgica da descoberta) (GHERARDI, 2011, p. 51). Embora a autora reconhea os limites da proposta quando afirma que o que ainda est alm do seu alcance o estudo das condies epistemolgicas para a circulao do conhecimento, ou, em outras palavras, como o conhecimento se transforma atravs de seu uso, o que eu chamo de uma lgica de transformao (op. cit.).

A autora constri argumentos que levam a compreender que esta lgica da transformao designa uma epistemologia relacional entre o conhecer e o praticar, afastando, assim, o privilgio da ao como produto de atores em um determinado contexto e coloca-o como base para qualquer tipo de conhecimento.

Para chegar a esta suposio Gherardi (2011) apresenta a distino entre teoria da ao e teoria da prtica, mostrando que a intencionalidade dos atores gera uma ao significativa, localizando as

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fontes dos padres significativos como conduta promulgada, executada e produzida no contexto social. Assim, as teorias da prtica assumem um modelo ecolgico em que a agncia distribuda entre os seres humanos e no-humanos e em que a relacionalidade entre o mundo social e a materialidade pode ser submetida a inqurito (GHERARDI, 2011, p. 51). Com isso, a autora explica que as teorias da ao conduzem ao entendimento da intencionalidade da ao e a teoria da prtica busca mostrar o movimento da ao localizada num espao e num tempo, no acontecer, ou no acontecendo, enquanto executada por uma rede de conexes, como na fenomenologia.

Para entender a converso entre as propostas de Gherardi e a fenomenologia, cabe destacar que a fenomenologia aceita a existncia dos fenmenos como dados no mundo, mas no aceita a ideia de que estes fenmenos representam, por si s, toda a universalidade do conhecimento. O conhecimento, segundo Husserl (1990), deve partir da conscincia do sujeito que passa a refletir sobre os fenmenos. Na fenomenologia o conhecimento deve ir alm de descrever mltiplas formas de espcies, formas e fenmenos, o conhecimento deve ser representado pelas relaes de suas essncias. J como cincia, o que diferencia a fenomenologia das demais a sua inquisio apriorstica, ou seja, o que deve nortear qualquer acesso ao conhecimento , antes de tudo, o questionamento, a reflexo que leva o pesquisador ao ver cientfico; portanto, no est nas ideias nem nas experincias, embora as vivncias e os fenmenos existam eles servem de base para o sujeito ver, mas o simples ver no corresponde tambm ao conhecimento. O questionamento sim apriorstico, e leva ao entendimento do que se v.

A ideia fenomenolgica de valorizar o movimento de tomar conscincia sobre o que se v, parece ser a relao com a prtica proposta por Gherardi (2011). Na fenomenologia de Husserl (1990) a essncia da reduo fenomenolgica ser encontrada pela anlise das correlaes, das conexes entre essncias, pela correlao que o pesquisador dever questionar, refletir e instigar, intencionar. A fenomenologia entende que todo indivduo nasce num mundo dado, repleto de fenmenos, que so a ele acessados por meio de vivncias. Essas vivncias so elementos que constituem os fenmenos, so tambm relaes entre sujeitos. Estas relaes entre sujeitos marcam, constroem e reconstroem os fenmenos. Deste modo, os fenmenos so significados culturalmente de modo intersubjetivo. Mas as experincias individuais tambm interferem na atribuio de sentido, pois cada sujeito no seu eu, no seu consciente, faz a sua interpretao do que est intersubjetivamente significado. Ento, compreender qualquer fenmeno por meio do entendimento de suas essncias, que so reflexo de uma construo intersubjetiva, pode ser investigado pela anlise do individual.

Em seu artigo intitulado Introduction: thecritical power of the practice lens, Gherardi (2009a) destaca a ideia de que prtica um termo que autores tm utilizado para se referir a fenmenos fundamentais da sociedade. Gherardi apresenta Bourdieu (1972), mostrando que o ponto de vista do ator depende do lugar que ele ocupa no espao social, e ainda na relao entre o conceito de campo e habitus, no sentido de que eles funcionam completamente apenas em relao ao outro. Giddens (1989) citado na sua anlise porque discute o modo como as estruturas mais profundas organizam as prticas sociais, buscando conhecer as estruturas no sentido em que elas determinam as relaes internas a um segmento social, ao tempo em que so determinadas por estas relaes num movimento de recursividade. Lyotard (1979) representa outra base que contribui para o entendimento da prtica como epistemologia desta autora, quando desenvolve a ideia dos movimentos discursivos ou jogos de linguagem. Assim tambm Foucault (1980), com abordagens sobre as genealogias de prticas, entendendo os saberes ou as prticas como resultado de relaes de poder, de uma estrutura maior que envolve o sujeito em prtica; Taylor (1995), que afirma que o mundo j traz significados com os quais o sujeito entra em contato no seu cotidiano e chamado a articular o senso moral sobre tais significados; e Garfinkel (1967), que apresenta a tendncia reflexiva da interao social que prev a constituio do sujeito atravs das prticas e representaes.

Ao analisar mais detalhadamente as ideias anteriores, a partir da contribuio de vrias teorias, uma prtica pode ser estudada em relao sua recursividade, hbitos socialmente sustentados, ao conhecimento implcito em um domnio de ao, aos valores que do a responsabilidade social para a ao, e as formas comuns de realizar qualquer prtica. Nesta conexo de abordagens sobre a prtica, Gherardi (2009a) esclarece:

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Dentro de um modelo ecolgico, a prtica pode ser descrita e analisada como uma textura de conexes em ao (GHERARDI, 2006), delineando um terceiro nvel de anlise, para alm das prticas 'de fora' e 'de dentro', um nvel que envolve a anlise de prticas em termos de suas consequncias intencionais e no intencionais, como e quando elas esto sendo praticadas. Por isso, a prtica vista como o efeito de uma malha de confraternizao de interconexes em ao, ou como um fazer da sociedade. [...] Este o nvel da reflexividade e reproduo da sociedade das prticas. (GHERARDI, 2009a, p. 116).

Um aspecto relevante na proposta de colocar a centralidade das prticas um pressuposto que

est presente em outras teorias mencionadas anteriormente, em que a reflexividade permite a constituio do contexto da prtica, tanto quanto permite a reproduo social das prticas. O contexto situado das prticas um aspecto-chave para conceber a epistemologia da prtica, pois, para tornar as prticas o lcus da realizao social, o lugar onde os fenmenos sociais acontecem, preciso perceber como ele constitudo. Ao lado desta concepo sobre contexto, importante perceber que Gherardi refora a ideia de que a prtica uma realizao social que gera conhecimento, e este conhecimento construdo intersubjetivamente, trazendo a ideia de mltiplos atores que negociam todos os aspectos dentro de uma coletividade. E esse processo o que possibilita a produo, reproduo e transformao da prtica.

Novamente, percebe-se nas citaes de Gherardi (2009a; 2011) que ela usa a concepo fenomenolgica de construo do conhecimento. Assim, a autora passa a apresentar uma base de entendimento da realidade, citando a recursividade, tambm mencionada nas bases explicativas da teoria de estruturao de Giddens (1989). Mas aqui Gherardi adiciona outra explicao, e coloca a recursividade como algo que remete ideia marxista de materialismo histrico dialtico. Gheradi (2000) destaca a viso marxista do termo, a qual se dirige prtica como sendo tanto a nossa produo do mundo como o resultado deste processo. Assim, est presente a episteme do pensamento relacional em que a prtica o locus para a produo e reproduo das relaes sociais (GHERARDI, 2011, p. 51).

Para melhor compreender esta base dialtica, pode-se citar Marx e Engels (1998) os quais abordam a dialtica como nica possibilidade de conhecimento. Para estes autores, o conhecimento s possvel a partir do que est materializado, objetivado, do que existe no mundo material, negando, portanto, a existncia das ideias. Os autores evidenciam a contradio existente na realidade, no mundo real, mas a contradio supera-se na sntese que a verdade dos momentos superados. Assim, abre-se um espao para a compreenso das contradies, e, neste espao de contradies possvel perceber os momentos de reflexo e ao do sujeito. Por isso, o sujeito est imerso numa relao recursiva em que envolto por influncias do mundo real no qual se insere, mas tambm tem potencial de influncia sobre este mundo material, quando reflete sobre ele.

Ao aprofundar argumentos sobre a base relacional da prtica como epistemologia, Gherardi (2011) afirma que

a principal caracterstica da prtica como epistemologia relacional o seu foco sobre a emergncia das relaes atravs da interao contnua e sua estabilizao normativa. No s o sujeito e o objeto que definem um ao outro dentro de um contexto de interao, mas a relao entre o material e o discursivo surge como um nico fenmeno no qual a materialidade social. (GHERARDI, 2011, p. 52).

Gherardi (2009a; 2011) destaca que, nesta perspectiva, o sujeito sempre o produto de

condies histricas especficas, resultantes da prtica anterior e transformado em prtica atual. Em alguns dos seus trabalhos, e tambm em trabalhos de outros tericos da prtica, especialmente Schatzki (2012), Gherardi destaca ainda a filosofia de Heiddeger sobre ser e tempo, segundo a qual o passado, o presente e o futuro esto sempre juntos na realizao prtica, de modo que o contexto de constituio da prtica faz transparecer a sua dimenso histrica e tambm reflexiva, contexto que permite a manuteno da prtica pelos mecanismos de legitimao, normatizao e perpetuao do seu

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contexto de realizao social, assim como permite a transformao dela num contexto relacional, em que diversos atores se conectam numa realizao coletiva e, ali, na realizao cotidiana.

A autora resgata novamente a recursividade das prticas (GIDDENS, 1984) como o elemento que permite que ambos os profissionais e pesquisadores reconheam a prtica como prtica, isto , uma maneira de fazer sustentado por cnones de boas prticas (a prestao de contas normativa) e prtica bonita (uma responsabilidade esttica conceito filosfico). Portanto, a prtica se torna tal quando socialmente reconhecida como um sistema institucionalizado do fazer, significado intersubjetivamente por causa do conjunto de relaes ativadas para produzir essa prtica e para sustentar a sua legitimidade e valor. Neste caso, o conhecimento sobre a prtica anterior ao praticante que ir coloc-lo em prtica, isto , execut-lo como atividade situada em conformidade com a lgica do contexto.

Em outras palavras, no contexto historicamente situado de uma prtica que o sujeito cognoscente, o objeto do conhecimento, e a sociomaterialidade esto envolvidos nos processos de tornar-se atravs do qual suas identidades so materialmente negociadas e (re)confirmadas (CHIA, 2003 apud GHERARDI, 2011, p. 52).

Outro aspecto a ser destacado a materialidade na compreenso da prtica como epistemologia. Silvia Gherardi afirma que a prtica torna-se prtica quando recorrente e funde-se em hbitos que devem ser negociados e reconfirmados constantemente; assim, as principais percepes ou especificidades da atividade tornam-se conhecidas da prtica, tornaram-se familiares ao praticante pela repetio da prtica: eles tem sido equipados, de modo a provocar a sua utilizao habitual. agora que os artefatos, ferramentas, objetos e tecnologias entram em jogo, e, portanto, a relao com a materialidade (GHERARDI, 2011, p. 55).

Desta explicao pode-se extrair dois aspectos fundamentais para a compreenso da epistemologia da prtica: a repetio e a materialidade. Na repetio, a funo de certas operaes prticas ajudar a no esquecer. Atravs da materializao a prtica e todo o conhecimento gerado por ela manifestam-se sinalizando artefatos e tecnologias que simbolizam e concretizam a organizao da prtica, revelando e reforando as regras, os smbolos, as relaes, o contexto, o contedo da prtica. Assim, ajudam tambm a lembrar o que vem depois desta atividade praticada pelo sujeito, ou seja, ajudam a perpetuar a prtica, uma vez que transmitem uma sensao de como os seres humanos e artefatos se entrelaam para o desempenho fluido de uma prtica.

Para este entrelaamento, Gherardi (2011) conclui que a dinmica de sintetizar representa a estabilizao de uma prtica isto , age sobre as circunstncias na expectativa de que elas voltaro a ocorrer e, portanto, formam um conhecimento histrico e cultural que apoia a prtica se baseia tanto em elementos sociais como os materiais. Estabilizao na materialidade ocorre atravs de ancoragens em prticas discursivas e tecnolgicas, nos artefatos da prtica, mas estes no so desconectados do processo cultural em que uma prtica institucionalizada atribui valores ticos e estticos para os modos de fazer e estabiliza-os como um sistema normativo (criando novos artefatos de prtica tais como cdigos, normas, sistemas de auditoria, regras). Finalmente, a prtica mais estabilizada por ser incorporada em uma textura de prtica que a ao se conecta e se lembra. (GHERARDI, 2011, p. 56).

Como concluso, a autora considera a prtica como um fenmeno emergente do emaranhado do saber e fazer [...] a epistemologia da prtica permite a explorao adequada de conhecimento sensvel e tcito promulgado em prtica, juntamente com o corpo como uma fonte ativa de conhecimento, assim como a materialidade e as relaes sociomateriais (GHERARDI, 2011, p. 60).

Para resumir, a epistemologia da prtica, da forma como Silvia Gherardi apresenta, consiste, pois, na prtica como o lcus onde os fenmenos sociais podem ser estudados e compreendidos. Este acesso se d pelo entendimento da ordem social que se constitui nas prticas cotidianas. Estas prticas geram um conhecimento que revela aspectos abstratos dos fenmenos sociais. E o conhecimento construdo na coletividade, nas relaes entre humanos e no humanos (objetos), considerando as dimenses histricas e culturais, mas tambm trazendo o sujeito que participa com engajamento e

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responsabilidade na prtica. Assim, evidencia-se uma ontologia relacional ou contextual (contexto de relaes).

Alguns dos elementos que podem ser utilizados no estudo das prticas e dos fenmenos sociais sero explorados na prxima seo.

2 DESVELANDO O CONCEITO DE PRTICA EM GHERARDI Gherardi uma pesquisadora que tem se dedicado ao estudo das prticas de trabalho e aos

fenmenos sociais. Ela tece em suas obras muitos aspectos que fazem parte do seu entendimento sobre compreender o mundo organizacional a partir do estudo baseado em prtica (EBP). Aps contato com as bases epistemolgicas do seu conceito, apresentam-se brevemente as temticas que circulam por entre as linhas do conceito.

Uma crtica positiva aos seus estudos apresenta esta perspectiva como mais ampla, menos reducionista, rompendo com a tradio dos estudos organizacionais. Geiger (2009) aponta a necessidade de resgatar o carter coletivo, historicamente contingente, institucionalizado e normativo, tal como a viso desenvolvida por Gherardi (2006), quando a autora descreve que as organizaes apresentam-se como surgimento histrico, socialmente construdas e interligadas por prticas. Aqui evidenciam-se os aspectos histricos e sociais como mediadores do conceito de prtica. Ao lado destes, a atividade situada no contexto organizacional e os aspectos estticos representam mais dois mediadores para o entendimento da prtica, os quais sero revelados ao longo deste ensaio.

Consideram-se relevantes porque os elementos mediadores da prtica no podem ser apreendidos isoladamente; pelo contrrio, devem ser analisados numa perspectiva que rompe dicotomias sujeito/objeto, estrutura/ao, e assim por diante.

Gherardi (2000, p. 220) apresenta a prtica como um sistema de atividades [...], constitudas por incoerncias, inconsistncias, paradoxos e tenses. Assim a mente, a cultura e a sociedade so constantemente reproduzidas em sistemas de atividades, que podem, portanto, ser descritos de vrias formas: prtica-como-trabalho (no que diz respeito ao de um determinado processo de trabalho), prtica como lngua (no que diz respeito linguagem profissional e interao dentro de um determinado processo de trabalho), prtica-como-moral (no que diz respeito poltica e ao poder dos diferentes grupos ou classes sociais envolvidos em um dado processo de trabalho). Percebe-se, novamente, a ligao estreita na mediao do social, do histrico e do poltico, representando a estrutura social como mediao importante no entendimento da prtica.

Neste sentido, o sujeito, no seu praticar, significa a sua prtica com base em aspectos pr-existentes, mas tambm com base nas relaes que estabelece ao desenvolver esta atividade, e ainda, pe em jogo os sentidos estticos. Gherardi (2011, p. 53) considera que a capacidade de ver um evento significativo o efeito de uma atividade socialmente situada realizada atravs de prticas discursivas que empregam vocabulrios profissionais especficas. Para ela, a dimenso discursiva, assim como a materialidade, torna visveis aspectos abstratos dos fenmenos sociais na prtica. Estas so as duas categorias analticas mais importantes para a apreenso do conhecimento gerado na prtica e para a compreenso sobre o modo de organizao que acontece na prtica.

Sobre este aspecto a autora se reporta ideia do jogo lingustico de Wittgenstein (1953), o qual traz a lngua no como um fato social privado, mas os termos lingusticos surgem dentro de uma prtica social de construo de sentido. Deste modo, continua a autora, participao de uma prtica implica tomar parte em um jogo de linguagem profissional, dominando as regras e sendo capaz de us-las. Ter um conceito significa que a pessoa aprendeu a obedecer s regras dentro de uma determinada prtica. Atos de fala, como unidade de linguagem e de ao, so, portanto, parte de uma determinada prtica, ao invs de descries dessa prtica.

neste sentido que a linguagem no apenas a expresso das relaes sociais, mas tambm o meio para a sua criao; por isso, Silvia Gherardi (2009a; 2009b; 2011; 2012) utiliza a expresso prticas discursivas. Gherardi e Strati (2014) ampliam a perspectiva das prticas discursivas nesta abordagem quando mostram que o sujeito precisa posicionar-se dentro de um contexto, dentro de um discurso,

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dentro de uma prtica. Este posicionamento, mesmo quando mais ou menos consciente, torna a participao do sujeito reflexiva, o que possibilita a estruturao, a organizao da prtica. Quando o sujeito segue uma regra cegamente, sem pensar, sem raciocinar sobre ela, ou quando ele decide no segui-la, ele precisa conhecer as regras do jogo. Para seguir cegamente ele reproduz a regra j constituda; para contest-la, quebr-la ou modific-la ele precisa conhec-la e tomar posio neste jogo.

Outro aspecto, de certo modo interligado ao posicionamento, remete ideia de apego e participao engajada na prtica. Quando se posiciona o sujeito age com responsabilidade pelo processo da prtica, seja para mant-la seja para modific-la. Este apego traz, ainda, outro elemento, o qual deve ser analisado para explicar a organizao social na prtica, e que est representado no tomar gosto pela prtica. A autora relaciona este aspecto ao lado esttico, tico, e emotivo da construo social. E, com isso, ela pretende

[...] ilustrar como o apego apaixonado de uma comunidade de praticantes para o objeto de sua prtica torna-se a base do gosto de deciso, ou seja, uma conquista coletiva que permite praticantes avaliarem as vrias performances de suas prticas de trabalho que, em sendo avaliada e contestada, so constantemente aperfeioados. (GHERARDI, 2009b, p. 536).

A autora esclarece que, mesmo esta caracterstica que, aparentemente, to subjetiva, o tomar

gosto uma capacidade que pode ser aprendida, um efeito de uma prtica social e um processo coletivo de aprendizagem e transmisso de conhecimento (GHERARDI, 2011, p. 54). Esta referncia social que o sujeito tem quando atribui sentido ou quando toma o sabor ou o gosto pela prtica serve, segundo a autora, por um lado, para enfatizar como um certo modo de praticar sustentado por critrios estticos (e ticos) intrnsecos e formulados durante a seu desempenho, e, por outro lado, como prticas discursivas situadas so intrinsecamente reflexivas, isto , proporciona a sua prpria responsabilidade (GHERARDI, 2011, p. 55).

Novamente, a discusso est contextualizada no aprender, no significar e no compartilhar com outras instituies j formadas em torno de determinada prtica. Assim, retoma-se a recursividade analtica na articulao dos elementos mediadores j tratados por Gherardi, como os aspectos estruturais, sociais, culturais e polticos, e tambm os aspectos discursivos, conversando com os aspectos estticos, emotivos e ticos.

O tomar gosto parte da ideia sociolgica do apego prtica, o envolvimento emocional do praticante prtica, dentro do seu contexto profissional, levando-o a uma relao prazerosa ou dolorosa, a qual resultado de uma elaborao e compartilhamento coletivo.

O apego no s a relao com o objeto da prtica e dos sentimentos associados; , tambm, a formao coletiva de gosto no momento em que os juzos estticos de apoio prtica so formados. Gosto pode, portanto, ser concebido em termos de sabor de deciso, ou seja, uma atividade situada que repousa sobre a aprendizagem e saber como avaliar desempenhos especficos de uma prtica. Apego socialmente apoiado pelas respectivas das comunidades, que desenvolveram vocabulrios e critrios especficos de gosto para se comunicar, compartilhar e refinar as maneiras em que tais prticas so decretadas (GHERARDI, 2009b, p. 538).

Esta perspectiva leva o pesquisador a compreender as prticas de trabalho observadas "de dentro", pois o que de interesse para o pesquisador o apaixonado apego intelectual, tico e esttico que une temas a objetos, as tecnologias, os locais de prticas e outros profissionais. Gherardi destaca, ainda, que o pesquisador deve prestar ateno no olhar do praticante, ou de uma comunidade de praticantes, pois ele poder demonstrar como a implantao de prticas discursivas usada para expressar juzos estticos, j que gosto aprendido e ensinado como parte do como se tornar um profissional, e realizada como processo coletivo, ou seja, uma atividade situada, tomando gosto, dentro de uma prtica. Por outras palavras, as prticas so significativas para os profissionais, que podem ser objetos de amor ou dio, e que sem dvida constitui relaes envolvendo-se emocionalmente (GHERARDI, 2011, p. 57).

Gherardi (2000) acrescenta, ainda, o conhecimento adquirido ao longo da experincia anterior do praticante, o conhecimento transmitido atravs dos sentidos, aquele que recorre a situaes

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anteriores e a um refinamento das sensibilidades em relao a essas situaes. Com isso, a autora refora a ideia da experincia, e que a prtica reflete o aprendizado da lgica dessa prtica, o que Bourdieu chama de sens pratique, em oposio lgica do discurso. Ao contrrio da lgica do discurso, que funciona, tornando o trabalho do pensamento explcito de uma srie linear de sinais, senso prtico pr-reflexivo (GHERARDI, 2000, p. 216). A autora continua em suas colocaes, trazendo Bourdieu no seu conceito de habitus (GHERARDI, 2011, p. 46) para mostrar que a prtica pressupe uma lgica que atribui o sentido de ordem e continuidade de uma organizao, o que mantm o conhecimento prtico dentro do habi