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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE
ANIBAL PAGAMUNICI
ESTUDO DOS REFERENCIAIS DE PRODUÇÃO COLETIVO
E INDIVIDUAL DOS ASSENTAMENTOS SANTA MARIA E
OZIEL ALVES PEREIRA
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ANIBAL PAGAMUNICI
ESTUDO DOS REFERENCIAIS DE PRODUÇÃO
COLETIVO E INDIVIDUAL DOS ASSENTAMENTOS
SANTA MARIA E OZIEL ALVES PEREIRA
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Geografia, com área de concentração em Desenvolvimento Ambiental e linha de pesquisa em Estudos Agrários, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista – FCT/UNESP – Campus de Presidente Prudente para obtenção do título de mestre.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Thomaz Júnior
PRESIDENTE PRUDENTE
2001
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ANIBAL PAGAMUNICI
ESTUDO DOS REFERENCIAIS DE PRODUÇÃO COLETIVO E INDIVIDUAL DOS ASSENTAMENTOS SANTA MARIA E OZIEL ALVES PEREIRA
COMISSÃO JULGADORA
DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU
DE MESTRE
______________________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Antonio Thomaz Júnior
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
Presidente Prudente, 2001.
5
DEDICATÓRIA
Aos esfarrapados do mundo, e aos que neles se descobrem, e
assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas sobretudo, com eles lutam.
(Paulo Freire)
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Luciana, minha esposa, Caroline, Ana e Lílian,
nossas filhas e a todos que contribuíram, nesta caminhada, rumo ao nosso
aperfeiçoamento humano e profissional.
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DADOS CURRICULARES
ANÍBAL PAGAMUNICI
NASCIMENTO 23.2.1950 – Marília/SP FILIAÇÃO Atílio Pagamunci Irene Policarpo Pagamunci 1972/1975 Curso de Graduação Faculdade Estadual Ciência e Letras de Paranavaí
1986/1988 Curso de Pós-Graduação em Geografia Física do
Estado do Paraná na Universidade Estadual de Maringá-UEM, Paraná.
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AUTORIZAÇÃO
Autorizo a quem queira fazer uso e cópias desta dissertação,
desde que não omita o nome do autor e não a utilize para fins lucrativos
particulares.
Presidente Prudente, 2001.
Aníbal Pagamunici
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LISTA DE SIGLAS
CEBs - Comunidades Eclesiais de Bases
CEGeT - Centro de Estudos da Geografia do Trabalho
CEPAG- Centro de Formação e Pesquisa Ernesto Cheguevara
COANA - Cooperativa de Comércio e Reforma Agrária Avante Ltda
CONCRAB - Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil
COPAVI - Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória
CPT - Comissão Pastoral da Terra
CPA- Cooperativa de Produção Agropecuária
ENGE - Encontro Nacional de Geógrafos
FAFIPA - Faculdade Estadual de Educação Ciências e Letras de Paranavaí
FETAEP - Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do Paraná
GOE- Grupo de Operações Especiais
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INCRA- Instituto de Colonização e Reforma Agrária
IPARDES- Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
ITR- Imposto Territorial Rural
MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores
MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
NERA - Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária
OMS - Organização Mundial da Saúde
PROCERA - Programa de Crédito Especial à Reforma Agrária
UEM- Universidade Estadual de Maringá
UNESP - Universidade Estadual Paulista
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância
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APRESENTAÇÃO
Na perspectiva geográfica, este trabalho faz um estudo sobre os
assentamentos Santa Maria (de referencial coletivo) e Oziel Alves Pereira (de
referencial individual). Buscamos apreender aspectos de suas realidades que,
embora oriundas da mesma luta, apresentam diferenças na maneira do uso e
exploração da terra como também nas suas perspectivas.
Para que pudéssemos realizá-lo, revisamos a literatura referente
ao processo de ocupação do campo no Paraná, objetivando entender os fatores que
provocaram a concentração da propriedade da terra e a exclusão daqueles que
lutam por ela.
A consecução desta pesquisa é uma contribuição ao nosso
referencial acadêmico nas dimensões Pesquisa e Extensão. Isto porque, nossa
experiência profissional universitária, no campo da geografia, estava centrada,
sobretudo, na dimensão Ensino.
Ingressamos no mestrado por intermédio do Convênio
Interinstitucional, firmado, no ano de 1998, entre a UNESP (Universidade
Estadual Paulista)-Presidente Prudente-SP e a FAFIPA (Faculdade Estadual,
Ciências e Letras de Paranavaí-PR) - instituição na qual exercemos a função de
professor do Departamento de Geografia, há mais de treze anos.
Tínhamos dois anos para desenvolver este trabalho. Entendemos
que esse tempo era insuficiente para obter conclusões sobre o fato social ao qual
dedicamos nossas pesquisas. Isso porque, dentre outros fatores, o Convênio
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Interinstitucional não nos permitiu o afastamento das atividades docentes em sala
de aula.
Porém, nem tudo foi dificuldade. Tivemos a colaboração dos
nossos familiares, colegas, professores do curso de mestrado, assentados e
dirigentes do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), e, especialmente,
a colaboração do orientador, professor doutor Antonio Thomaz Junior, que, logo
no primeiro momento, percebeu nosso contexto acadêmico. Entendeu-nos e, pari
passu, conduziu-nos ao mundo da academia, propiciando-nos avanços
significativos e aperfeiçoamento profissional que, hoje, é sem dúvida nenhuma
muito maior.
Com relação à nossa visão da luta pela propriedade da terra,
obtivemos um grande avanço. Anteriormente, nossa militância se dava de forma
passional. Atualmente, nosso referencial teórico nos permite entender melhor as
questões que permeiam a luta pela terra, ou seja, permite-nos uma militância
contextualizada, concreta e objetiva. Isto se deu graças aos novos contatos que
tivemos com outros pesquisadores na UNESP e na participação em encontros,
cursos, seminários, congressos e palestras; como por exemplo: Seminários do
CEGeT (Centro da Geografia do Trabalho); do NERA (Núcleo de Estudos,
Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária); Seminário com o Professor Rui
Moreira-“Diferença e Geografia”; Seminários promovidos pela UNESP no curso
de Mestrado; Encontro “Fala Professor”, realizado em Curitiba; XII ENGE
(Encontro Nacional de Geógrafos), realizado em Florianópolis. Tudo isso dilatou
nosso universo de entendimento, trocas de experiências ficaram mais suscetíveis;
13
melhorou, consideravelmente, o relacionamento com os colegas do Departamento
de Geografia da faculdade na qual somos professores. Nossa prática, em sala de
aula, avançou qualitativamente: nossas aulas passaram a ser preparadas com rigor
teórico tornando-se contextualizadas e interessantes, propiciando-nos um
expressivo salto de qualidade profissional.
Os trabalhos executados, na consecução da pesquisa de campo,
foram a maior surpresa para nós, uma vez que nos colocou em contato direto com
o objeto da ciência com a qual, trabalhamos a Geografia. Olhar para o fato social e
enxergá-lo com os “olhos da Geografia” foi uma experiência interessante. Um
exercício que, num primeiro momento, angustiou-nos, mas após os colóquios com
o orientador, fomos entendendo como abstrair do fato empírico a possibilidade do
seu entendimento, por intermédio das teorias científicas existentes. Esta
constatação foi-nos surpreendente, porque não tínhamos a experiência do convívio
com este universo. Imaginávamos como era o mundo das pesquisas, mas nos
deparamos com fatos surpreendentes, como por exemplo: a linguagem simples do
homem do campo, o prenúncio de complexas teorias, algumas por nós estudadas.
Foi impressionante constatar que é da realidade mais simples que surgem bases de
teorias complexas. O contato com este mundo, para nós, foi um exercício
impressionante e compensador.
Neste trabalho, influenciado por quatro fatores, optamos em
estudar a problemática agrária. São eles: por ser esta uma questão complexa e de
fundamental importância à compreensão da dinâmica regional do Noroeste do
Estado do Paraná; pelo fato de ministrarmos a disciplina de Geografia Agrária na
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FAFIPA; pela nossa militância de apoio aos que lutam pela terra e pela
possibilidade de contribuir, mesmo diante das nossas limitações, com as pesquisas
relativas à problemática da luta pela propriedade da terra.
A fim de que os resultados da pesquisa, como um todo, sejam
melhores elucidados, o trabalho, aqui apresentado, encontra-se estruturado em
quatro capítulos. Estes apresentam subdivisões que estabelecem fases importantes
para compreensão do contexto social-geográfico dos assentamentos Santa Maria
e Oziel Alves Pereira, dentro do processo social no qual se constituíram.
No primeiro capítulo – “O Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra (MST): Resistência e Esperança” abordamos o contexto no qual surgiu o
MST. Um movimento que aparece como reflexo do processo de concentração da
propriedade da terra e do processo de excludência, realizado pelo sistema
capitalista. Mostramos, também, dados quantitativos sobre o Movimento e sobre a
Luta pela terra.
No segundo capítulo – “Do Acampamento ao Assentamento: A
Realidade dos Assentamentos Santa Maria e Oziel Alves Pereira” - apresentamos
as evidências socioeconômicas e geográficas dos Assentamentos, quando se
percebe com clareza, na configuração territorial, que existem, nestes, formas
diversas, com relação ao sistema do uso e exploração da terra. Além disso,
realizamos um estudo das condições históricas dos assentados, mostrando que,
embora os dois grupos apresentem aspectos históricos semelhantes, guardam
peculiaridades, diferenciando-os entre si.
15
No terceiro capítulo - “A Organização do Espaço Rural no
Noroeste do Estado do Paraná: Poder Público e Violência – Estratégia de
Intimidação à Luta Pela Terra”, tentamos desvendar o cenário político, marcado
pela violência que atinge o MST, abordando a congregação de forças entre o
poder político e o poder econômico dos latifundiários para impedir o avanço das
conquistas dos que lutam pela terra. Partindo do contexto de formação dos
assentamentos, neste capítulo, traçamos o perfil da luta dos assentados e,
assumindo como referencial o contexto social e histórico dos assentamentos,
apresentamos alguns apontamentos com o objetivo de traçarmos possíveis
perspectivas sobre eles.
Finalmente, no capítulo quarto – “As Novas Perspectivas do
Trabalho: O Uso da Terra nos Assentamentos Santa Maria e Oziel Alves Pereira”
- procuramos contextualizar os assentamentos em estudo no sistema de produção
vigente do capital. Relatamos ainda, neste capítulo, os aspectos gerais sobre a
relação capital/trabalho e os principais resultados econômicos sociais destes
assentamentos.
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INTRODUÇÃO
No Brasil, os principais fatores que contribuíram para o
surgimento dos problemas agrários foram: o modelo de colonização e exploração
do trabalho, inicialmente dos índios, depois dos negros, migrantes, mestiços,
nativos, enfim, a escravidão imperante com todos os desdobramentos político-
sociais dos 500 anos.
Entendemos que a problemática agrária atual, como escreve
Martins (2000, p. 13) ... é um problema suprapartidário, decorrência e resultado
do modo insuficiente como foi resolvida a questão agrária .
O país encontra-se mergulhado numa realidade agrária
intrigante, conforme escreve Thomaz Junior (2001, p. 1):
O escorchante quadro que assinala a concentração da renda no país, ao se somar, por exemplo, à concentração fundiária, pode-se ter a real dimensão do que significa não se ter feito ainda a reforma agrária, tampouco se apostar nisso, e, portanto, sustentar a marca dos 50% mais pobres deterem 13,5% do bolo, 1% mais rico da população se apoderar de 14%, ou ainda, como aponta estudos concluído em maio de 2000, pela UNICEF “Situação Mundial da Infância”, a renda anual dos 10% mais ricos é 30 vezes superior à dos 40% mais pobre, sendo que esses 10% da população possuem 53% da renda nacional e 93% das riquezas do país.
E, ainda, entendemos que a problemática agrária é
conseqüência do paradoxo: O Brasil é um país de grandes riquezas naturais e
potencial econômico, utiliza apenas 20% de suas terras agricultáveis, e tem a
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maioria dos seus habitantes excluídos socialmente, ou seja, sem acesso às
necessidades básicas. Isso porque, segundo Martin (1987, p.14), O Brasil é o
único país do mundo onde os 10% mais ricos consomem mais da metade da
riqueza nacional.
Muito embora haja pensamentos divergentes nesta questão,
como escreve Germer (2000, p. 2):
Penso que existe amplo acordo sobre a tese de que a questão agrária deixou de ser um problema estrutural para o capital. Isto é óbvio quando se observa que não há qualquer segmento significativo da burguesia brasileira lutando por ela. (...)A interpretação de Martins sobre a perda do caráter estrutural da questão agrária: (...) a questão agrária constitui um problema estrutural geralmente enfrentado pelo capitalismo no seu processo de gênese e consolidação, e assim ocorreu no Brasil. A reforma agrária não foi feita, mas a questão agrária foi resolvida por outro meio, pelo capital e para o capital. Hoje a economia brasileira é uma economia capitalista consolidada, o que significa que o capitalismo brasileiro não mais enfrenta problema de gênese, inclusive na agricultura.
De acordo com Thomaz Junior (2000, p. 5):
De todo modo, a crise estrutural do capital que abateu fortemente todo o planeta no início dos anos 70, levou o capital a implementar um amplo processo de reestruturação, reordenando e redefinindo seu metabolismo societário, com vistas à recuperação do seu ciclo reprodutivo e que afetou sobremaneira o trabalho ou o conjunto das relações sociais que se interpenetram no mundo do trabalho propriamente dito, fragmentando ainda mais os trabalhadores.
18
No Brasil, os efeitos do modo capitalista de produção causaram
seqüelas indeléveis na classe trabalhadora que sofre, hoje, de carências,
principalmente, na alimentação e saúde. Nas palavras de Pimentel (apud Guhur,
1998, p. 32):
O ponto central de tanta miséria é a derrocada do atual modelo agropecuário brasileiro. Em 10 anos, 10 milhões de hectares deixarem de ser cultivados. Apenas 11,8 milhões dos estabelecimentos agrícolas do país são cultivados com lavouras, sendo que mais de 15 milhões de hectares de terras viraram pastagens. (...) Por outro lado, a simples distribuição de terras a quem necessita não é suficiente para resolver os problemas nacionais.
Uma das maneiras de suprir tais carências, em curto prazo, seria
o uso de tecnologias, hoje, existentes em prol dos menos favorecidos
economicamente e da racionalização do uso do solo brasileiro. Melhorando a
qualidade da alimentação e possibilitando o seu acesso, melhorariam as condições
de saúde da população.
Não é preciso ser nenhum catedrático para saber disso.
Sendo assim, seria temerário imaginar que a questão agrária se
confunde com as diferentes propostas de reforma agrária que estão presentes no
cenário político-social brasileiro. É preciso reconhecer que a questão agrária que
se propõe conhecer é a chave para se aportar, ou mesmo endossar uma política de
reforma agrária.
Como escreve Martins (2000, p. 90), A questão agrária é em
termos clássicos o bloqueio que a propriedade da terra representa ao
19
desenvolvimento do capital, à reprodução ampliada do capital, aliás, expressão
cruenta das contradições sociais do capitalismo.
Portanto, segundo Thomaz Junior (2001, p. 1),
É nesse processo que o capital experimenta mais uma de suas crises, sendo que uma das respostas está assentada no liberalismo e na reestruturação produtiva da era da acumulação flexível. Pensa-se, ser possível apreender o conteúdo contraditório da luta pela terra no Brasil, no final do ano 2000, por dentro da processualidade social, que nos impõe entender o conjunto heterogêneo e complexificado do trabalho social hoje.
Porém, a utilização da tecnologia também está condicionada a
uma lei de mercado internacional que controla a sua aplicação. E mais, a aplicação
dos conhecimentos tecnológicos depende da vontade política dos governantes para
realizar novo planejamento do uso e exploração das terras agricultáveis do país,
ou seja, apontar novos caminhos. Segundo Alves (2000, p. 69),
...em virtude da mundialização do capital, as empresas, conglomerados e corporações transnacionais no Terceiro Mundo, como é o caso da indústria automobilística, tendem adotar, cada vez mais, em maior ou menor proporção os mesmos padrões tecnológico-organizacionais do centro capitalista (desenvolve-se no Brasil dos anos 80 o que denominamos mais adiante um ‘toyotismo restrito’.
Inserido nesse contexto, encontra-se o Estado do Paraná, hoje, o
grande incentivador das instalações da indústria automobilística, e que, nas
décadas de 70 e 80, foi denominado de “celeiro do Brasil”. Ao passo que suas
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terras produziam safras recordes, delas eram expulsas, para outros estados,
milhares de famílias, fazendo do Paraná o grande emissor de migrantes da
federação.
O paradoxo entre safras recordes e migração populacional era
um sintoma de que se processava, no campo paranaense, a concentração da
propriedade da terra. Com relação a isso, Martin (1987, p. 33) escreve:
Em 1970, existiam mais de 550 mil propriedades rurais no Paraná, sendo que os estabelecimentos com menos de 50 hectares ocupavam 43 por cento da área agrícola do Estado. Cinco anos depois havia no Estado apenas 106 mil propriedades com menos de 50 hectares e tais estabelecimentos ocupavam menos de 30 por cento da área agrícola. (...) A Secretaria de Agricultura do Paraná diz que até 1980 mais de 60 mil pequenos proprietários já haviam abandonado suas terras e se transformado em bóias-frias ou migrantes, subindo agora com as levas de gaúchos e paulistas rumo ao Mato Grosso, Rondônia ou Amazonas.
Esta realidade foi a fonte geradora dos conflitos entre
latifundiários e excluídos da terra, do surgimento de movimentos sociais pela
conquista da terra e da violência que vitimou milhares de trabalhadores.
Tendo como base o contexto social no qual se processou a
concentração da propriedade de terras no estado do Paraná, este trabalho, do ponto
de vista geográfico, busca desvendar as diferenças existentes entre dois
assentamentos rurais: Santa Maria de referencial coletivo na organização do
trabalho e de uso e exploração da terra e, Oziel Alves Pereira de referencial
individual - ambos coordenados pelo Movimento dos Sem Terra (MST), e
21
localizados na região Noroeste do Paraná, nos municípios de Paranacity e Santa
Cruz do Monte Castelo, respectivamente. As diferenças serão analisadas,
considerando-se a estrutura, o funcionamento, a produtividade, o trabalho, a
eficiência da inserção mercadológica e, sobretudo, os componentes político-
ideológicos e culturais que fundamentam cada um dos assentamentos e a
perspectiva da luta pela terra.
A escolha por assentamentos do MST se deu porque
entendemos que este movimento, hoje, representa a principal resistência ao
processo de excludência social que ocorre no país. E, também, por acreditarmos
que é possível contribuir para o enriquecimento da luta do MST, mediante estudos
e pesquisas que fortalecerão a relevância dos seus objetivos. Nesse sentido, por
meio deste trabalho, pretendemos, além de comparar os assentamentos, contribuir
com o Movimento e nos juntarmos aos que buscam soluções para a problemática
da questão agrária no Brasil, particularmente, no Paraná.
A Figura 1 nos permite localizar os assentamentos (objeto deste
estudo), os municípios do Noroeste paranaense e, por extensão, a sua proximidade
com o Pontal do Paranapanema, Estado de São Paulo, área de tensões sociais no
campo.
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O primeiro fator que motivou essa escolha foi o referencial de
produção desses dois assentamentos. O assentamento Santa Maria está embasado
no referencial coletivo e o assentamento Oziel Alves Pereira no referencial
individual. Outro fator, foi a possibilidade de desvendar as variáveis que levam os
militantes de um movimento como o MST, que tem como princípios básicos: a
partilha, a união, o comunitário, enfim de perfil socialista, optarem pelo
referencial individual, quando conquistam a terra. No depoimento colhido, em
trabalho de campo, no assentamento Oziel Alves Pereira, percebe-se a indignação
nas palavras de Jaime Coelho, agrônomo e coordenador do MST:
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É difícil de entender o porquê dos assentados preferirem a forma individual, quando esta, sem nenhuma dúvida, é a mais arriscada, mais penosa e a mais incerta, sem contar que a forma coletiva vem dando mais resultados positivos entre os relatos de outros assentados sobre os avanços conseguidos. Há uma forte tendência entre os assentados pela forma individual do uso da terra e gestão da terra.
Essa preferência dos assentados, se não contraria os rumos do
movimento, não segue sua meta principal: a construção de uma sociedade
socialista.
Atrelados a isso, encontram-se os enunciados básicos da
consciência que permitem o trabalhador compreender as relações sociais que o
cercam, portanto, as condições materiais que estão postas no mundo a sua volta. É
oportuno recordar Martins (2000, p.159):
São as contradições do capital que engendram alguma consciência da exploração, mesmo que essa consciência apareça incompleta, como desconforto, como sensação de que há algo errado na realidade social; sobretudo na consciência do desencontro que há entre a autoproclamacão de que a sociedade capitalista é igualitária e a impossibilidade de esconder que a inserção real das pessoas nas relações sociais é desigual.
Estas foram algumas questões que nos instigaram neste estudo.
A fim de que fosse possível realizar a comparação entre os assentamentos, o
trabalho foi desenvolvido a partir do levantamento e leitura da bibliografia
disponível, participação nas reuniões com os assentados, realizações de
entrevistas, pesquisa secundária em órgãos públicos e participação em eventos,
24
ligados à questão da terra. Foram realizadas inúmeras visitas ao campo: 21 ao
assentamento Santa Maria, 15 ao assentamento Oziel Alves Pereira, 8 à
Cooperativa de Comércio de Reforma Agrária Avante Limitada (COANA) e 1 ao
assentamento Ribeirinha, formado por dissidentes do MST, localizado no
município de Icaraíma, Estado do Paraná.
A coleta de dados foi realizada, nessas visitas, por meio de
entrevistas semi-dirigidas com assentados, dirigentes e com pessoas que residem
próximas às regiões dos assentamentos. Ou seja, dirigimos perguntas, cujos temas
foram: história de vida, trajetória na luta pela terra, resistência, violência,
organização do trabalho coletivo e individual, opções de entretenimento no
assentamento, renda familiar, tempo de trabalho, questões políticas (locais
regionais e nacionais), perspectivas, entre outros.
Portanto, nossos estudos foram pautados nos parâmetros da
análise geográfica, e concordamos com Thomaz Junior (2000, p. 10), quando
escreve:
A Geografia pode contribuir sobremaneira para o desvendamento das manifestações territoriais do processo em curso, possibilitando-nos, assim, o entendimento das transformações em pauta a partir dos arranjos que dão formas, contornos e fundamenta-se sobre conteúdos sociais diversos, ou seja, enquanto processo histórico de construção e transformação, que por sua vez substantiva-se em ordenamento territorial diferencial.
25
CAPÍTULO I - O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES
SEM-TERRA (MST): RESISTÊNCIA E ESPERANÇA
A agricultura, que dominava a economia nacional no início da
década de 30, ao final da década de 50, foi sendo substituída pelas atividades
industriais. Isso porque, nesse período, a prioridade das políticas governamentais
era incentivar o processo de industrialização da agricultura. Segundo Silva (1990,
p.26),
O período que se estende de 1933 a 1955 marca uma nova fase na transição da economia brasileira. Nesse período, o setor industrial vai-se consolidando paulatinamente e o centro das atividades econômicas começa vagarosamente a se deslocar do setor cafeeiro - exportador. A indústria gradativamente vai assumindo o comando do processo de acumulação de capital: o país vai deixando de ser ‘eminentemente agrícola’(como alguns ainda crêem ser a sua ‘vocação histórica’).
Uma das conseqüências desse processo foi a concentração
fundiária da propriedade da terra que ficou evidenciada, sobretudo, a partir da
década de 60. Conforme escreve Silva (1981, p.52) os índices de concentração
crescem continuamente no período de 1965/1976, passando de 0,820 para 0,849
(Índice Gini).
Na primeira metade dos anos sessenta, que corresponde ao período da crise econômica de
26
1961/1967, há um aumento praticamente generalizado de todos os tamanhos de propriedade. Mas ainda assim podemos notar que o crescimento das grandes propriedades é maior que o das pequenas (...). Já no período seguinte, 1967/1972, que corresponde ao período de crescimento e auge do que ficou conhecido como “milagre” brasileiro, aumenta apenas o número de grandes propriedades. (...) No período 1972/1976, que coincide com uma forte expansão da fronteira agrícola na Amazônia Legal (incluindo aí parte da Região Centro-Oeste), há novamente uma multiplicação das pequenas propriedades, embora haja também um crescimento ainda maior das grandes, especialmente as ligadas às empresas multinacionais. (Id.Ibid., p.31-32)
Como conseqüência da concentração da propriedade da terra,
ocorreu o agravamento da questão social no campo. Silva (1990, p.38) escreve
que a manutenção do padrão econômico industrial para o Brasil:
Significou que milhares de pequenos posseiros, parceiros, arrendatários e mesmo pequenos proprietários que iam perdendo as terras que possuíam não tiveram nova oportunidade na agricultura. Em outras palavras, que tiveram de se mudar para as cidades em busca de uma nova maneira (nem sempre satisfatória) de ganhar a vida.
Assim, a busca da modernização da agricultura brasileira,
pautada no modelo econômico que privilegiava a indústria, além de agravar a
situação social no campo, favoreceu (como conseqüência) o êxodo dos
expropriados da terra para os grandes centros urbanos.
27
Porém, não foi somente a modernização conservadora da
agricultura que “expulsou” os pequenos proprietários da zona rural. A classe
dominante, os detentores do capital, para adquirir a terra, teve como aliados o
poder judiciário e o próprio Estado. De forma que houve uma articulação entre o
poder econômico e o Estado, mediada pela conivência de parte do poder judiciário
que se calou em relação aos expropriados da terra e defendeu os direitos dos
detentores do capital.
Essa parcialidade do poder judiciário pôde ser observada,
quando o presidente do Tribunal Federal, Tourinho Neto, em entrevista à revista
“Isto é” (conforme Boletim do Sindicato dos Advogados 2000, p.6), falando sobre
a função do juiz e a sua atuação com relação à classe dominante, afirmou que: ...a
justiça sempre tomou partido dos dominantes, interpretando a lei de forma linear
sem levar em consideração a sua finalidade, o seu sentido (...). Nem tudo que é
legal é justo.
A aplicação linear da lei, ou seja, a aplicação literal, por parte do
juiz, do texto da Constituição, sem levar em consideração as condições sociais nas
quais ela está sendo aplicada, muitas vezes, no que diz respeito à questão da posse
de terra, promoveu a injustiça e legitimou a violência.
A ocupação do espaço rural do Oeste brasileiro, no início da
década de 60, constitui um exemplo. De acordo com Oliveira (1997), muitos
posseiros foram presos ao tentarem defender as suas propriedades dos jagunços,
contratados pela elite agrária que, mesmo agindo com violência física, por
28
intermédio desses, foi isenta das penalidades legais aos danos causados aos
posseiros.
Sabedores de que há nas terras índios e/ou posseiros, os proprietários dos títulos passam a contratar jagunços/pistoleiros para fazer a ‘limpeza’ das terras. A violência é um instrumento do processo de grilagem e dele não pode ser dissociado. A luta se instaura (...). Aqui reside uma parte da grande farsa desempenhada pelos órgãos de repressão do Estado. Quem é preso? Claro! Os posseiros. (Oliveira, 1997, p.65).
Diante da articulação entre poder econômico e Estado, apoiada
pelo poder judiciário, formam-se duas categorias distintas: os poderosos
(detentores do capital, amparados pelo Estado) e os excluídos (expropriados da
terra). Resultantes da parcialidade do poder judiciário, elas irão se confrontar,
gerando conflitos sociais no campo e na cidade. Confrontos que se expressam não
só por meio da violência explícita (física), mas da violência implícita, que é
percebida no embate das idéias e das estratégias de dominação.
A partir da década de 60, a repressão política que se abateu sobre
a sociedade brasileira, durante a ditadura militar, causou refreamento no avanço
de muitos movimentos sociais. Através da militarização, o governo tenta
controlar e domesticar o demônio político que ele libertou com sua política
agrária e econômica (Martins, 1984 apud Fernandes, 1999b, p.54) o que
provocou, em meados dos anos 80, uma escalada vertiginosa dos conflitos sociais,
em especial no campo, provocando o aumento do número de assassinatos de
centenas de trabalhadores e trabalhadoras na luta pela terra.
29
As Figuras 2, 3 e 4 demonstram a evolução espacial e o crescente
número de mortes causadas pela violência contra os trabalhadores sem terra no
Brasil.
32
Por meio dessas figuras (2, 3 e 4) é possível visualizar o aumento
do número de mortos, em conflitos pela terra que, no período de 1964 –1973,
ocorreu de forma esparsa mais na porção leste do país. Em 1974-1983, direcionou
para a região central do país com elevação muito grande do número de vítimas. E,
em 1984-1989, alastra-se pelo país inteiro com índices muito maiores.
Para entendermos melhor a escalada da violência contra os
camponeses, buscamos o entendimento de Oliveira (1997, p.13):
O Estatuto da Terra era uma espécie de bandeira militar levada ao campo em luta para, através da guerra, impor a “paz na terra”. Mais de 20 anos se foram e os militares não permitiram sequer que o Estatuto se tornasse Plano. A ‘Nova República’ se incumbiu dessa missão histórica, mas se esqueceu de pedir a fiança do PMDB, do PFL, dos latifundiários, da UDR, enfim, esqueceu-se que para o Estatuto sair do Plano/papel para a realidade em reforma, havia o fosso controlado pelos especuladores rentistas. Aliás, mais do que isto, o fosso estava controlado pela aliança entre os setores nacionais do capital internacionalizado do mundo, agora territorializados. O número de mortos nos campos, pelas batalhas da terra, foi crescendo, dobrando. E se transformando qualitativamente.
A violência, nesse período, deixa de ser quantitativa para se
tornar qualitativa. A fim de impedir o avanço do Movimento, seu alvo torna-se as
lideranças. O Quadro 1 apresenta, no tempo, a quantificação da violência contra
os trabalhadores entre 1985 e 1996.
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Quadro 1 - Demonstrativo dos Assassinatos, Tentativas de Assassinato e Ameaças de Morte Contra Os Sem-Terra - Brasil - 1985/1996
Ano Assassinatos Tentativas de Assassinatos Ameaçados de Morte 1985 139 37 361 1986 122 27 241 1987 161 77 228 1988 110 76 197 1989 67 106 194 1990 82 90 232 1991 54 217 263 1992 47 48 173 1993 52 37 156 1994 47 62 212 1995 41 43 155 1996 54 71 88
Total 976 891 2500
Média 81,3 74,2 208,3 Fonte: Setor de Documentação da CPT, 1996, p.51
O Quadro 1 mostra que, em meados da década de oitenta, o
número de assassinatos atingiu expressão máxima 139, o período entre 90 e 94
mostra um certo decréscimo da violência no campo, baixando as sinistras cifras
de mais de 100 assassinatos para pouco menos de 50. (Oliveira, 1997, p.46).
O Gráfico 1 nos dá a visão da tétrica realidade da violência
contra os trabalhadores sem terra entre os anos 1964-1994.
0
50
100
150
200
250
300
nº
mort
os
a64
a66
a68
a70
a72
a74
a76
a78
a80
a82
a84
a86
a88
a90
a92
a94
Gráfico 1- Mortos em Conflitos no Campo 1964- 1994 Brasil
Fonte: Oliveira, 1997, p. 29
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No entanto, comparece em cena uma nova e nefasta dimensão
da violência, como observa Oliveira (1997, p. 460), mediante o que determina de
assassinato seletivo:
Tratava-se de matar ou de mandar matar principalmente as lideranças sindicais no campo. Cerca de oito dirigentes sindicais foram assassinados e entre eles estava Francisco ‘Chico’ Mendes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri-AC..
Os assassinatos, a partir desse período, ocorreram em menor
número, mas com “precisão cirúrgica”, atingindo, principalmente, as lideranças,
padres e advogados do movimento com o objetivo de desmontar a estrutura
organizacional do MST, que iniciava sua consolidação.
Sendo assim, é num contexto de luta, violência e resistência às
políticas econômicas e sociais do Estado, que a categoria dos excluídos se
organiza para exigir o cumprimento dos seus direitos legais. Frutos dessa
organização popular surgem movimentos de luta pela terra, e, à medida que vão se
concretizando, constituem resistência ao sistema excludente.
Exemplo disso é o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
que, na década 80, nasceu do descontentamento ao processo de modernização
conservadora da agricultura que privilegiava as grandes extensões de terras e os
produtos agroindustrializados; e/ou com a inserção no mercado internacional de
commodities e do descontentamento ao contexto de repressão política, pelo qual
passava o país.
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Desta forma, no Estado do Paraná, as bases de criação do MST
deu-se no Primeiro Encontro Regional, no período de 9 a 11 de julho de 1982, em
Medianeira. Fundado, oficialmente, em janeiro de 1984, na cidade de Cascavel,
onde se realizou o primeiro Encontro Nacional. Um ano depois, foi realizado o 1º
Congresso Nacional do MST no período de 29 a 31 de janeiro, na cidade de
Curitiba, com a participação de 23 Estados do Brasil1.
De acordo com Fernandes (1998, p.26), o surgimento e
formação do MST constituíram
... um processo de enfrentamento e resistência contra a política de desenvolvimento agropecuário, implantada durante o regime militar. Esse processo é atendido no seu caráter mais geral, na luta contra a exploração do desenvolvimento do capitalismo.
Isso porque, este movimento retoma a bandeira da luta pela terra
como fator de distribuição de oportunidades e, por meio desta, realiza sua
territorialização. O MST nasceu da ocupação da terra. (Fernandes, 1999a, p. 8).
Sendo por isso uma marca de “resistência”. ... frente à intensificação da
concentração fundiária e contra a exploração, que marcam uma luta histórica na
busca de vida e uma sociedade justa. (idem, p. 14).
Por estar inserido num contexto histórico de lutas, O MST que
nascia como um novo movimento popular e parecia constituir um fato “novo”,
não poderia ser assim entendido. Isso porque, embora causasse impacto ao cenário
da abertura política, iniciada após o período da ditadura Militar (1964-1983), e
1 Mais detalhes, Fernandes (1999b).
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representasse uma nova força aos trabalhadores rurais, seus objetivos traduziam a
continuação de inúmeras lutas pela terra, ocorridas no Brasil2. Conforme Thomaz
Junior (2001, p. 2):
É importante salientar as formas que a questão da terra expressou, no Brasil, ao longo dos últimos 500 anos, para que se possa apreender a dominação de classe e a subordinação do trabalho ao metabolismo societário do capital, processo esse que pode ser entendido a partir da dinâmica sócio-territorial que envolveu os diversos personagens, tanto o latifundiário/patronato, quanto as diferentes categorias de trabalhadores.
A esse respeito, Pasquetti (1998, p.36-37) escreve:
O surgimento do MST não pode ser visto como algo novo na história do Brasil. Na verdade, representa a continuidade das lutas camponesas em uma nova fase de nossa história. No período colonial até o final de 1800, foram os índios e negros que protagonizaram essa luta. No final do século XIX e início do nosso século, são exemplares os movimentos dos Canudos, do Contestado, o Cangaço, entre outras luta. Entre 1950 e 1964, o movimento camponês organizou-se enquanto classe, fazendo a luta pela terra de forma organizada. Surgem as Ligas Camponesas, a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas no Brasil (ULTABs) e o Movimento dos Agricultores Sem Terra (MASTER). Esses movimentos foram esmagados pela ditadura militar após 1964, e seus principais líderes foram assassinados, presos ou exilados.
Sendo assim, para podermos entender o MST e a forma como
ele se organiza, é preciso que não o encaremos somente como um movimento
2 Podemos dizer, no entanto, que o MST é um fato novo dada à sua intensidade e abrangência territorial, embora com a essência de outros movimentos pela terra.
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atual. Ele é atual, por estar ocorrendo na atualidade, no entanto, seu significado
para o contexto social brasileiro o torna antigo, uma vez que ele adquire o mesmo
significado dos movimentos que o antecederam: luta pela posse da terra, mas,
sobretudo, resistência ao modelo econômico capitalista.
Nesse sentido, escreve Fernandes (1999a, p.14)
A história da formação do Brasil é marcada pela invasão do território indígena, pela escravidão e pela produção do território capitalista. Nesse processo de formação de nosso País, a luta de resistência começou com a chegada do colonizador europeu, há 500 anos, desde quando os povos indígenas resistem ao genocídio histórico. Começaram, então, as lutas contra o cativeiro, contra a exploração e, por conseguinte, contra o cativeiro da terra, contra a expropriação, contra a expulsão e contra exclusão, que marcam a história dos trabalhadores desde a luta dos escravos, da luta dos imigrantes, da formação das lutas camponesas. Lutas e guerras, uma após a outra ou ao mesmo tempo, sem cessar, no enfrentamento constante contra o capitalismo. Essa é a memória que nos ajuda a compreender o processo de formação do MST.
Nos primeiros momentos da luta, a ação do MST se restringia ao
espaço do campo. Porém, ao perceber que as decisões políticas, as instâncias
judiciais e as verbas de custeio para plantação estão no meio urbano, os
agricultores têm invadido cidades com suas máquinas para bloquearem bancos
(do Brasil, por exemplo) para reivindicarem melhores condições financeiras para
seus empréstimos. (Oliveira, 1997, p. 72).
Nesse sentido, o MST, através de suas manifestações, mostra
que a luta pela terra torna-se mais efetiva se ocorre, também, nos centros de
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decisões políticas. Dessa forma, Fernandes (1998, p. 34) escreve que o processo
de conquista da terra não acontece só no campo, mas principalmente na cidade.
Nos centros urbanos, o MST recebe o apoio de setores
progressistas da sociedade e da Igreja Católica - da CPT (Comissão Pastoral da
Terra) e das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base). Esses apoios consolidam a
sua territorialização .
No entanto, a posição da Igreja, favorável ao MST, custou a vida
de muitos padres, assassinados a mando dos latifundiários. Hoje, o MST recebe
apoio amplo das Igrejas, o que ficou expresso na Carta ao Povo Brasileiro,
resultado do Seminário das Igrejas Cristãs, realizado em 1996 (Boletim da
Comissão da Pastoral da Terra, jun.1997, n.143, p. 13). Segue um trecho da carta
Reconhecemos como evangélica e teimosa a luta dos muitos sem terra existentes em nosso país, ao lado de posseiros, índios, remanescentes de quilombos, extrativistas e tantos outros que lutam pelo direito do uso diferenciado da terra.
O MST não faz distinção de crença ou religião. Acolhe os
excluídos que pretendem viver da terra. Isso ficou constatado nos resultados do IV
Congresso Nacional do MST, realizado nos dias 07 a 11 de agosto de 2000, em
Brasília, com a presença de mais de onze mil delegados, oriundos de vinte e três
Estados e cento e sete representantes de vinte e cinco países da América, da
África, da Ásia e da Europa, representando quarenta e cinco Organizações,
particularmente a via campesina. A presença da homenageada Aleida Guevara e
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de outros convidados estrangeiros mostrou o reconhecimento internacional do
Movimento.
Nesse Congresso, confirmaram-se as principais linhas políticas
de atuação do movimento como, por exemplo: preparar militante e constituir
brigadas para fazer ocupações massivas permanentemente; construir a unidade no
campo e desenvolver novas formas de luta; fortalecer os movimentos sociais
existentes no campo, especialmente o MPA (Movimento dos Pequenos
Agricultores); combater o modelo das elites, que representa os produtos
transgênicos, as importações de alimentos, os monopólios e as multinacionais
entre outras3. Além disso, foi elaborada uma Carta aos Sem Terra do Brasil,
ratificando a palavra de ordem: ‘Reforma Agrária: Por Um Brasil Sem Latifúndio’.
(JORNAL DO MST, ago.2000, p. 20).
Atualmente, o MST está organizado em 23 estados do Brasil,
conquistou terra para 299.323 famílias que estão distribuídas em 2.750
assentamentos, sobre uma área de 13.612.877 hectares. Só no estado do Paraná,
existem 109 assentamentos, 3,96% do total do país, que abrigam 6.708 famílias,
perfazendo um índice de 2,24% do país e compreendendo uma área de 146.498
ha, que representa 1,07% da área nacional dos assentamentos. (Fernandes, 1999a,
p. 268).
Nos Municípios de Querência do Norte e Santa Cruz do Monte
Castelo existem 11 assentamentos e 4 acampamentos que abrigam, ao todo, 613
famílias, conforme mostra o Quadro 2.
3 Mais detalhes, Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, ago. 200, n. 203, p.19
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Quadro 2 - Assentamentos na Área de Abrangência da COANA Nos Municípios de Querência do Norte e Santa Cruz do Monte Castelo
Município Assentamento Acampamentos Sócio da COANA
Número de Famílias
Querência do Norte
Chico Mendes - sim 79
Querência do Norte
Pontal do Tigre - sim 328
Querência do Norte
Che Guevara - sim 79
Querência do Norte
Zumbi dos Palmares - não 23
Querência do Norte
Santa Ana - não 21
Querência do Norte
Luiz Carlos Prestes - não 50
Querência do Norte
Margarida Alves - não 19
Querência do Norte
- Água da Prata -
Querência do Norte
- Perdigão -
Querência do Norte
- Santa Terezinha -
Querência do Norte
- Porangaba II -
Sta C. do M. Castelo
Oziel Alves Pereira não 14
Sta C. do M. Castelo
Paraná não *
Sta C. do M. Castelo
17 de Abril não *
Sta C. do M. Castelo
Teixeira não *
TOTAL 11 4 3 613 Fonte: Pesquisa de Campo, 2000.
Esses números ilustram a forma de luta do MST pela
propriedade da terra: ocupar, resistir e produzir. As ocupações e os
acampamentos4 organizados por dezenas, centenas e milhares de famílias
garantem o sucesso da maioria dos assentamentos e uma reforma agrária
implementada mediante pressão popular.
4 Ocupação é o ato pelo qual os Sem Terra tomam posse de uma área de terras considerada própria para a reforma agrária. Acampamento é o período que antecede o assentamento. O Acampamento pode se dar às margens de uma rodovia, ou de uma área a ser ocupada. Assentamento é o momento em que, definitivamente, conquistam a terra.
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1.1 Concentração Fundiária e Sonegação Fiscal: Elementos de Lesão Social
Dados recentes, publicados pelo jornal O Estado de São Paulo
(5 jan. 2001), mostram que houve diminuição da concentração da terra no Brasil.
A notícia vem estampada como comemoração do governo a um recorde na
questão agrária.
Noticia o jornal que o Brasil deixou de ser o quinto para ser o
12º país das três Américas que possui o maior índice de concentração da
propriedade de terras. Pelo índice de Gini, em dezembro de 1999, a concentração
era da ordem de 0,848; ao final de dezembro de 2000 passou para 0,802. O
governo FHC (Fernando Henrique Cardoso) também comemorou, nesta ocasião, a
queda da violência no campo que registrou dez mortes no ano 2000. Levando-se
em conta que estamos num país democrático, sem guerras “declaradas”, é de se
estranhar tais comemorações.
O refreamento às lutas e conquistas sociais, no período da
ditadura militar, não conseguiu atenuar o ânimo dos que lutam pela terra, uma vez
que o contingente de Sem Terra aumentou. Nesse sentido, escreve Oliveira (1997
p. 63):
O número de posseiros tem aumentado muito, às vezes, a contragosto de determinados esquemas de análises de teóricos que preferiam vê-los proletarizados. Este retirantes muitas vezes negam o rumo à proletarização e buscam na aventura em direção à fronteira, força para recuperar a condição de trabalhador. (...) O Censo Agropecuário de 1985 registrou um novo aumento: 1,05 milhão de posseiros no território brasileiro.
42
Sua distribuição não tem sido homogênea, mas todas as unidades da federação têm em áreas a presença de posseiros.
Com base nos censos agropecuários de 1985 e 1995/96, o
INCRA calcula que o número de famílias sem terra, no Brasil, perfaz um total de
4.816.821 e 4.208.821, respectivamente. A diferença de, aproximadamente,
quinhentas mil famílias a menos, de acordo com Silva (1999, p.59), não se trata de
um erro, mas de um indicador da população residente em áreas que foram
consideradas rurais em 80 e que passaram a ser urbanas no recenseamento de
1991.
No entanto, o que poderia ser um indicador de que houve
redução no número de famílias que lutam pela terra parece não revelar a verdade,
porque o MST, no período 1990-1994, organizou 421 ocupações de terras com
74.247 famílias e, no período de 1995-1999, 1.855 ocupações com 256.467
famílias (Fernandes, 1999a, p. 267-269). Portanto, houve considerável aumento
no número de pessoas que lutam pela terra. Isso confirma a tese, ou dito popular,
entre os militantes do Movimento de que: Sem Terra é igual formiga quanto mais
mata mais aparece5.
O contingente de expropriados da terra revela uma outra face: a
concentração da propriedade da terra e a falta de uma política agrícola nacional,
voltada para os pequenos e médios produtores rurais.
5 Esta frase foi pronunciada várias vezes, pelos assentados durante o Trabalho de Campo, tanto no assentamento Santa Maria como no assentamento Oziel Alves Pereira.
43
Sendo assim, o que mantém a chama da luta pela terra, no
Brasil, é a contradição entre a extensão territorial do país (quinto lugar do mundo
em terras contínuas) e o número de trabalhadores excluídos da terra. Esse
paradoxo foi construído ao longo dos 500 anos de existência do país, quando a
elite econômica sempre teve, em suas mãos, o comando das decisões políticas.
Esse fato, dentre outras conseqüências, garantiu a formação de uma estrutura
fundiária fortemente concentrada.
Essa estrutura fundiária concentrada, construída ao longo do
tempo, é causa de preocupação para aqueles que sonham ver o Brasil como um
país justo. Isto porque, não ocorre, concomitante a esta evolução, uma distribuição
igualitária6 da terra. Na Tabela 1, pode-se visualizar os números que demonstram
a disparidade entre o aumento das pequenas e das grandes propriedades entre
1966 e 1992.
Tabela 1 - Demonstrativo da Evolução da Estrutura Fundiária - Brasil-1966/1992
Distribuição das Terras Rurais 1966 1972 1978 1992 Propriedades com menos de 100 hectares 20,4 % 16,4 % 13,5 % 15,4 % Propriedades com mais de 1000 hectares 45,1 % 47,0 % 53,3 % 55,2 %
Fonte: Stédille, 1997, p.22
Na Tabela 1, podemos verificar que, no ano de 1992, as
pequenas propriedades perfaziam um total de 15,4%, enquanto as grandes
propriedades perfaziam 55,2%. Em 95/96, as pequenas propriedades
representavam 19,9% e as grandes propriedades representavam 68, 5% do total
das propriedades. A evolução desta concentração pode ser observada na Tabela 2.
6 O termo igualitária se refere à forma de acesso à terra. Aqui está sendo utilizado para dizer que, todos que desejam ou necessitam viver da terra devem ter as mesmas possibilidades concretas para adquirí-la.
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Tabela 2 - Estrutura Fundiária – Brasil 1985 e 1995/1996
1985 1995/1996
Extrato de Área
Nº Estab. % Área (há) % Nº Estab. % Área (há)
%
- 10 a 100 5.224.712 90,2 79.551.796 21,2 4.318.861 89,3 70.575.780
19,9
de 101 a 5000
562.179 9,75 217.098.815 33,8 513.450 10,6 123.360.180
68,5
Fonte: IBGE, 1985, 1995/1996
A Tabela 2 mostra a concentração da propriedade da terra. Em
1985, os estabelecimentos com área entre menos de 10 a 100 hectares
representavam 90,2%, em 1995/1996, esse índice caiu para 89,3%. Enquanto os
estabelecimentos de 101 a 5000 hectares em 1985 correspondiam a 9,75%, em
1995/1996, aumentaram para 10,6%, ou seja, a evolução se deu aumentando o
número de grandes propriedades, portanto houve a concentração da propriedade
da terra.
No Estado do Paraná, o quadro da concentração da propriedade
de terras não é diferente do observado no país. Isto pode ser verificado na Tabela
2 que ilustra a concentração de terra nesta unidade da federação.
45
Tabela 3 - Proporção do Número e da Área dos Estabelecimentos, por Grupos da Área Total - Paraná – 1970 e 1995/96
Proporção do Número de Estabelecimentos em 31.12
(%)
Proporção da Área dos Estabelecimentos em 31.12
(%)
Grupos de área total (ha)
1970
1995/1996
1970
1995/1996
menos de 10 53,2 41,8 10,8 5,0 10 a menos de 100 43,5 50,9 41,7 33,9 100a menos de 1000 3,1 6,9 28,9 41,1
1000 a menos de 10 000 0,2 0,4
15,6
17,3
10 000 e mais 0,0 0,0 3,0 2,7 Total 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: IBGE, 1970, 1995/1996
A Tabela 3 retrata a progressiva concentração da propriedade da
terra, quando os estabelecimentos com menos de 10 sofrem uma redução do
número de estabelecimentos e da área no período 1970 e1995/1996, porém, a
redução da área foi desproporcional no mesmo período, ou seja, de quase 50%.
Logo, essa redução não acompanhou, proporcionalmente, a diminuição dos
estabelecimentos e da área. Enquanto os estabelecimentos, compreendidos na
faixa de 1000 a menos de 10.000 hectares, tiveram um aumento de 100% na
proporção do número de estabelecimento e na área um aumento de 0,7%, ou seja,
a concentração da propriedade que ocorria, nacionalmente, ocorria também no
Estado do Paraná. O processo de concentração da propriedade de terras teve como
conseqüência o agravamento das condições sociais. De acordo com Thomaz
Júnior (2001, p. 3-4), a partir desses números
...têm-se os referenciais estruturais e a base fundante do contingente crescente de trabalhadores e de brasileiros excluídos, que se aproxima de 5,5 milhões de famílias ou vinte e cinco milhões de pessoas e mais uma porção significativa de trabalhadores precarizados, que
46
somados alcançariam 40 milhões de pessoas, que engrossam as fileiras dos postulantes à luta pela terra, às ocupações e à reforma agrária.
Em termos qualitativos, esses dados mostram que a
concentração de terras no Estado do Paraná e no Brasil é significativa e
progressiva. Significativa, porque essa concentração da terra é um dos males
sociais que provocam prejuízos à sociedade. Ela cria uma elite econômica muito
forte que, muitas vezes, encontra meios para negar sua participação na
distribuição da renda social, por meio da sonegação fiscal. Isso pode ser
verificado em Oliveira (1998, p. 493), quando escreve que
... no que se refere à estrutura fundiária concentrada e à truculência desses grandes proprietários de terras, que estes latifundiários são, na sua grande maioria, sonegadores do único imposto a que a propriedade fundiária rural está submetida no Brasil: o ITR (Imposto Territorial Rural).
Os Gráficos 2 e 3 mostram o nível de sonegação fiscal que se
dá, proporcionalmente ao tamanho das propriedades, ou seja, proprietários de
áreas menores sonegam menos impostos, enquanto os de áreas maiores sonegam
mais impostos.
47
até 10 ha10-100 ha
100-1000
ha mais
1000 ha
Pagam
Sonegam0
10
20
30
40
50
60
70e
m %
Gráfico 2 - Relação Entre Pagamento e Sonegação (%) do Imposto Territorial Rural (ITR) - Brasil -1997
Pagam
Sonegam
%
Fonte: Oliveira, 1998, p. 494
O Gráfico 3 mostra a relação entre o pagamento e a sonegação
do ITR, segundo as características das propriedades. Os latifúndios (por
exploração e por dimensão) são os que mais sonegam, enquanto a empresa rural,
seguida dos minifúndios, é a que menos sonega o ITR.
48
MinifúndioEmpresa Rural
Latifúndios porExploração Latifúndios por
Dimensão
Pagam
Sonegam0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Gráfico 3 - Relação Entre Pagamento e Sonegação do Imposto Territorial Rural (ITR) Brasil-1997
Pagam
Sonegam
Fonte: Oliveira, 1998, p. 494
Independente dos impostos serem justos ou não, a sonegação
fiscal lesa a sociedade, principalmente, no que se refere à questão fundiária. Isso
porque, na sociedade brasileira, o homem do campo depende, sobretudo, da ação
do poder público. Esta dependência pode ser causada pela inexistência de política
agrária e agrícola no país que garanta, aos agricultores, condições de
planejamento.
49
1.2 Vislumbrando o Sonho e Enfrentando a “Ordem” Estabelecida
Para o MST, a questão agrária transcende a concentração da
propriedade da terra e só sua redistribuição não alteraria, substancialmente, a
condição dos trabalhadores expropriados. Embora renomados pesquisadores7
consideram a propriedade da terra como sendo principal elemento da questão
agrária, concordamos com o ponto de vista de Germer (2000, p. 2), quando
defende que ... a questão essencial não é o tamanho, mas o caráter jurídico da
propriedade, que se expressa, no plano institucional, as relações sociais de
produção, isto é, as relações de exploração da classe proprietária sobre a classe
não-proprietária.
Assim, não é somente a propriedade da terra “nas mãos” de
poucos privilegiados que fundamenta a luta pela reforma agrária, mas os fatores
que implicam a concentração da propriedade. Por isso, faz-se necessário discutir
os fundamentos que referenciam a reforma agrária, ou seja, a desapropriação das
grandes propriedades e sua repartição entre os trabalhadores rurais. A esse
respeito, o MST, alguns estudiosos e pesquisadores da questão agrária8 são
unânimes no entendimento de que a reforma agrária deve estar associada à
transformação da sociedade como um todo. Essa transformação ultrapassa os
limites da mera distribuição de terras aos trabalhadores e visa a sua libertação da
exploração capitalista. De acordo com Oliveira (1991, p. 15),
7 Como por exemplo, Martins (2000) e Graziano Neto (1999) 8 Tais como: Germer (2000) e Thomaz Junior (2000)
50
A luta pela propriedade coletiva dos meios de produção, é passo fundamental no processo de luta contra os capitalistas e seus aliados, os rentistas. Mas os trabalhadores têm mostrado na prática que não basta apenas a propriedade coletiva, é preciso o controle, posse e administração coletiva desses meios de produção; numa palavra: toda soberania às assembléias dos trabalhadores.
Expropriados dos meios de produção e sem autonomia para
readquiri-los, os trabalhadores vagueiam errantes no fim do século -
parafraseando Silva (1999) - e tentam sobreviver, retornando às suas origens
camponesas, e/ou aqueles que tiveram origem em atividades tipicamente urbanas;
buscando, nos movimentos de luta pela terra, a força necessária para reverter a
realidade de exclusão a que estão sendo submetidos.
O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) surge como
uma alternativa que abriga a esperança e a determinação de milhares de
trabalhadores sem terra que se submetem aos riscos e às incertezas no
enfrentamento à “ordem” estabelecida pelo sistema, para conseguir um pedaço de
terra e, com ele, a possibilidade da sua inclusão social. Além disso, destaca-se
pela sua credibilidade e pela projeção dos resultados socioeconômicos de sua luta.
Segundo pesquisa publicada pela Revista Veja (abr. 1997, n. 16, p. 16), o MST
contava, em final de 1997, com o apoio de mais de 80% da população brasileira.
Nos depoimentos coletados durante a realização da pesquisa de
campo, nos assentamentos Santa Maria e Oziel Alves Pereira, percebemos que as
incertezas, as quais estão submetidos os assentados, provocam angústia, mas
encorajam os trabalhadores a romperem com todas as amarras que os excluem.
51
Exemplos disso podem ser verificados nas palavras dos
assentados do Oziel Alves Pereira, Marino Rachi (53) e sua esposa Maria Luiza
Rachi (48), que estão no MST desde 1996. Logo que ingressaram no movimento,
ficaram acampados às margens da rodovia por mais de dois anos. Nos momentos
de maiores dificuldades, na condição de acampado, dizia Marino Rachi: só saio
desta luta morto, vou ficá aqui até conseguir nosso lote. Sua esposa sempre lhe
aconselhava: vamo imbora daqui, nóis num semo acustumados nessa vida de
acampamento, era muito difícil ali. Hoje vejo que valeu a pena, temo nosso lote e
queremo trazê todos os filhos com nóis.
No assentamento Santa Maria não é diferente, percebemos que a
luta é necessária e contínua, quando Solange Pellens, declarou: quando nós estava
no acampamento, às margens da rodovia, nunca pensemos em desistir, pois nós
sabia que a gente tinha direito e ia conseguir um pedaço de terra.
Após a conquista da terra, segundo Solange, a preocupação hoje
é se o grupo debandar, porque rico não vamos ficar, mas o social é o mais
importante. Seu esposo, Jacques Pellens, descarta a preocupação e diz que agora
só tende a melhorar, pois muita coisa já conseguimos, fazemos muitas reuniões e
vamos acertando as coisas que vão aparecendo.
Verificamos, nesses depoimentos, palavras que demonstram
coragem e perseverança por parte dos assentados. Além disso, percebemos muita
disposição daqueles que mudaram a rotina em busca de melhoras condições de
vida, com a esperança de um dia poder dirigir seus próprios destinos, deixando de
pertencer ao contingente de pessoas excluídas do sistema.
52
Sendo assim, ao depositarem a esperança, o sonho e a
determinação de viverem dignamente da terra, nas fileiras do MST, os assentados
do Santa Maria e Oziel Alves Pereira constituem, junto ao Movimento, a
esperança e a resistência à “ordem” social vigente.
53
CAPÍTULO II – DO ACAMPAMENTO AO ASSENTAMENTO:
A REALIDADE DOS ASSENTAMENTOS SANTA MARIA E
OZIEL ALVES PEREIRA
2. l Aspectos Socioespaciais dos Assentamentos Santa Maria e Oziel Alves
Pereira
De acordo com Görgen & Stédile (1991), os assentamentos do
MST podem se materializar, segundo política de ocupação e uso da terra, sob três
referenciais: a) individual, cada um recebe seu lote e passa a trabalhar individual
e separadamente, apenas utilizando a mão-de-obra familiar; b) coletivo, aquele
que se estrutura, por meio do ajuntamento das famílias dos trabalhadores para a
execução da lavra agropecuária; c) misto, no qual se mesclam as duas formas. As
experiências têm demonstrado que, em todas elas, existem casos de sucessos e de
insucessos.
A forma de exploração da terra, nos assentamentos Santa Maria
e Oziel Alves Pereira, são, respectivamente, coletiva e individual.
O projeto do assentamento Santa Maria, inicialmente, objetivava
assentar 25 famílias. Hoje, há 19 famílias trabalhando a terra sob a forma coletiva,
numa área de 256,52 ha. A maioria é oriunda do Oeste e Sudoeste do Paraná, com
exceção de uma família que entrou para o grupo, no primeiro semestre do ano
2000, originária da cidade de Maringá.
54
No assentamento Oziel Alves Pereira, foram, inicialmente,
assentadas onze famílias. Atualmente, há 14 famílias assentadas, cada uma
responsável por um lote de 29,9 ha. Dessas famílias, treze são originárias do Sul,
Sudoeste e Oeste do Paraná e duas do Noroeste do Estado, da cidade de Querência
do Norte.
Os dois grupos de assentados advêm, majoritariamente, da
mesma região do estado do Paraná (Sul, Sudoeste e Oeste). Apresentam traços
culturais comuns como, por exemplo, a semelhança aos costumes “gaúchos”: o
sotaque da fala, o hábito de tomar chimarrão, a cumplicidade no trato com os
animais e com a terra, etc. A forma como tratam a terra e os animais está explícita
nas palavras de Afonso (assentado do Oziel A. Pereira), em entrevista concedida
durante o trabalho de campo:
A terra é tudo pra nóis. Dela que nóis tira nosso sustento, nossa vida. É da terra que depende o futuro das famílias. Sem a terra você não é nada, você vive só trabalhando pros outros e ganhando um salário que num dá nem pra come. Com a terra não, hoje, eu vivo com fartura, comida não falta. Os bichos também vejam aquele perdigueiro dormindo ali, êta cachorro bão, é só iscá e ele vai em cima. Pode ir lá, que o tatu ta acuado. É um cumpanheirão.
A mesma origem regional representa um forte elo, devido à
história de vida comum, de aproximação e consolidação dos objetivos almejados
pelos assentados.
O convívio entre as famílias parece ser respeitoso em ambos os
assentamentos, porque há regras implícitas na organização dos mesmos (muitas
55
delas incorporadas no período do acampamento) que impõem que todos devem ser
respeitados nas suas especificidades culturais e sociais, devendo prevalecer o
sentimento de cooperação, uma vez que são iguais na carência material e nas
necessidades básicas.
2.2 Assentamento Santa Maria
2.2.1 Histórico e Formação
O Assentamento Santa Maria, localizado no município de
Paranacity, limita-se com a área urbana da cidade sede, Paranacity, fazendo parte
da Microrregião Geográfica de Paranavaí e situa-se às margens da rodovia PR-
164, que faz a ligação entre Paranacity e Inajá (Figura 5). A área do assentamento
é de 256,52ha. Sua desapropriação se deu pelo Decreto Presidencial n. 96.259,
em 30 de junho 1988, por ser considerada latifúndio improdutivo.
57
Quando a área foi desapropriada, um grupo de trabalhadores
sem terra de Paranacity ocupou a fazenda. Nesse momento, o proprietário Michel
Sayão conseguiu que o prefeito, José Bonifácio Mourão, juntamente com os
representantes administrativos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Paranacity, negociassem a saída dos ocupantes que, de forma incauta, deixaram a
área. Michel Sayão havia contestado a desapropriação e, aproveitando-se do
momento, firmou um contrato de arrendamento por 10 anos com a usina de açúcar
Santa Terezinha.
Com sentença favorável à contestação feita pelo INCRA, a
justiça concedeu a imissão de posse no dia 27 de agosto de 1992, confirmada pela
resolução n. 306, de 12 de novembro de 1992.
Com a publicação da imissão de posse no Diário Oficial, o
grupo de Sem Terra de Paranacity voltou, novamente, à área e o prefeito Mourão,
mais uma vez, negociou a saída do mesmo.
De acordo com a pesquisa feita pelo Movimento dos
Trabalhadores Rurais - MST, nos arquivos do Incra, essa área encontrava-se
desapropriada desde 1988. Numa vistoria, constataram que, no local, não havia
nenhum habitante, apenas uma plantação de cana-de-açúcar que atendia à usina
Santa Terezinha.
Diante dessas informações, em 1992, o MST voltou para
vistoriar a área e constatou que nada havia mudado. Soube também, que a
58
estratégia da usina era manter a plantação de cana-de-açúcar para dificultar a
ocupação da fazenda.
A imobilidade das autoridades responsáveis por realizar o
assentamento estimulou o MST a efetivar a ocupação no dia 19 de janeiro de
1993, com vinte e cinco famílias oriundas do Sul, Sudoeste e Centro-Sul
paranaense. O assentado Jaques Pellens, durante pesquisa de campo, relatou-nos a
ocupação.
Nós viemo numa madrugada e fizemos todos os barracos bem mais lá embaixo, perto do rio. Isso tudo era cana. Avisemos a usina para retirar a cana, umas quantas vezes e nada. Fizemos uma reunião e decidimos, nós mesmo vamos fazer o serviço. Pedimo ajuda da companheirada e numa madrugada mais de 250 pessoas tava tudo aqui ajudando a queimar o canavial. Foi um fogo grande. A cidade que fica aqui do lado se assustou, aí eles viram que nós não tava brincando. Foi muito trabalho, mas conseguimos empilhar tudo nos eito. Passou alguns dias e nada da usina vir recolher a cana. Foi quando apareceu um parente do usineiro e comprou quase tudo, dizendo que estava com uns problemas com a usina e por isso mesmo ia comprar. O que não vendeu fizemos tudo rapadura e, ainda, tivemos um dinheirinho pra começar.
Após oito meses de ocupação da terra, no dia 16 de outubro de
1993, foi fundada a Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória (COPAVI).
Atualmente, as famílias do Santa Maria residem na agrovila,
esta corresponde à urbanização das moradias, que é compreendida como a
organização das residências no assentamento. Construída à cabeceira do
assentamento (conforme ilustra a Figura 5), está organizada em dois blocos de 19
59
habitações, sendo: 12 casas de alvenaria, 03 mistas e 04 de madeira (tábuas), com
70 m2 de área construída e 60 m2 (em média) destinados aos quintais. Entre os
blocos de casas, há uma rua central que liga os mesmos e serve de espaço comum
para o lazer dos assentados. Em função de investimentos particulares, algumas
casas foram ampliadas e outras possuem melhor acabamento.
No assentamento, há um projeto paisagístico de embelezamento
da agrovila, tanto na entrada central como na área de integração que o torna
aconchegante. Essa preocupação com o visual é um dos valores prezados pelo
MST. De acordo com o Setor de Documentação do MST (jun. 2000, p.17):
Nossa casa, nosso assentamento tem que ser bonito e agradável. Precisamos viver em harmonia com a natureza. As pessoas têm que achar bonito e se sentir bem. Faz parte dessa beleza a limpeza e a presença dos símbolos da nossa organização.
2.2.2 Condições Socioeconômicas dos Assentados
Em menos de uma década de existência, nota-se que os
assentados do Santa Maria superaram a condição de miséria dos tempos de
acampamento. Todos possuem, atualmente, em suas casas: água encanada,
oriunda de poço artesiano (perfurado no assentamento); fossa séptica; energia
elétrica; geladeira; fogão a gás; lavadora de roupas; chuveiro e ferro elétricos,
60
televisão; e alguns: antena parabólica e automóvel. A gente dá prioridade para os
eletrodomésticos, porque faz sobrar tempo para o trabalho na cooperativa,
revelou a assentada Solange. No escritório central, há um computador e um
telefone comunitário.
Por estarem organizados na forma de cooperativa, existe um
sistema de rodízio na condução das tarefas. Quando alguém necessita de se
ausentar do trabalho por motivos particulares ou para atender a uma solicitação do
Movimento, põe-se em prática o sistema de cobertura de turnos. No período de
férias (trinta dias por ano), a maioria viaja, geralmente, para visitar parentes.
Muitos, ao retornar, antes mesmo do término de suas férias, alegam que não
costumam ficar muito tempo longe do assentamento e do trabalho.
Por um lado, este é um indicativo de que a cooperativa já está
incorporada na “nova” história de vida dos assentados. Por outro, transparece a
sua inserção num contexto capitalista de produção, visto que o próprio ‘tempo
livre’ é subordinado ao universo e à lógica do capital. O retorno ao assentamento é
decorrente das necessidades da própria cooperativa, ou seja, do modelo de
produção pelo qual optaram. Como diz o assentado João: o boi só engorda com o
olho do dono, por isso saio muito pouco.
A racionalização do uso do tempo é uma preocupação central
entre os assentados. Foi planejando o uso do tempo que optaram pela construção
de um refeitório comunitário. Nele, são servidos café da manhã e almoço de
segunda a sexta-feira, o jantar fica por conta de cada família, em sua própria casa.
61
As despesas comunitárias do restaurante são pagas pelo associado,
proporcionalmente, ao consumo de sua família.
A utilização do tempo de lazer, no cotidiano do assentamento,
não tem sido pensada de forma profunda, por estarem assentados há pouco menos
de 10 anos e pelas necessidades de organização da infraestrutura no que concerne
à produção. Sendo assim, o lazer fica restrito à espontaneidade, ou seja, as opções
restringem-se às partidas de futebol masculino, na área do próprio assentamento e
na vizinhança, praticadas nos finais de semana. As mulheres limitam-se em
assistir a esses jogos. Algumas vezes, os mais jovens se organizam para assistirem
a filmes na cidade de Maringá e, também participam, muitas vezes, de eventos
realizados na cidade de Paranacity.
Diante dessa realidade, pode-se afirmar que o tempo de lazer
desses trabalhadores em nada difere dos trabalhadores urbanos. Porém, as
condições de sobrevivência se diferenciam, sendo melhores para os assentados,
que auferem renda maior do que a média dos trabalhadores urbanos.
No Brasil, os que vivem-do-trabalho recebem salários baixos e,
muitas vezes, não conseguem planejar gastos com lazer pessoal e familiar. Ficam
relegados à sorte de fazê-lo, na maioria das vezes, de forma gratuita. Na lógica
capitalista, é o que ocorre, porque ao trabalhador é dado o mínimo para que se
mantenha e reproduza (e nem todos conseguem). A força de trabalho, ao mesmo
tempo que se constitui na sua forma de sobreviver, é mercadoria, ou seja, o bem
que o capital utiliza para a expropriação e reprodução. Nesse sentido, Martins
(1991, p.16) escreve:
62
Enquanto a mercadoria do operário é a força de trabalho, a mercadoria do lavrador é o produto do trabalho. (...) O capital é essa força que procura expropriar o lavrador, ou pelo menos submeter o seu trabalho, da terra, que procura divorciá-lo dos instrumentos de trabalho, da terra, para que, ao invés do lavrador trabalhar livremente para si mesmo, passe trabalhar para ele, capital, como acontece com os operários.
Outra preocupação dos trabalhadores do assentamento Santa
Maria é o nível de escolaridade do grupo, o que já se consumou em projeto
específico de criação de escola própria para o ensino fundamental e médio, que
está em estágio de elaboração inicial. Incentivos e condições são oferecidos
àqueles que se propõem voltar à escola e continuar seus estudos. Essa
oportunidade para estudar, de acordo com Élcio Borges Soares (em trabalho de
campo), tem levado muitos assentados para os bancos escolares.
Do nosso grupo, 95% estão estudando, a maioria no ensino fundamental e médio, mas temos um grupo também no terceiro grau, mas ainda tem uns ‘preguiçosos’, no bom sentido, que estão muito acomodados, mas ainda vamos fazê-los voltar aos bancos escolares..
As escolas que os assentados freqüentam se localizam na cidade
de Paranacity (ensino fundamental e médio) e nas cidades vizinhas de Paranavaí e
Maringá, principalmente, sendo que alguns cursam o ensino superior e há um
formado em Agronomia pela Universidade Estadual de Maringá-UEM.
63
2.2.3 Frentes de Produção do Assentamento
Os trabalhadores do assentamento Santa Maria, desde a
implantação da COPAVI, vêm desenvolvendo várias frentes de produção.
Atualmente, o assentamento conta com: 01- Criação de gado bovino, pelo sistema
de confinamento (120 cabeças aproximadamente); 02- Lacticínio (produzindo em
média 20.000 litros/mês, média de 23 litros/vaca) que pasteuriza e comercializa o
leite e seus derivados (doce de leite, queijos e iogurte); 03- Aviário de corte com
produção média mensal de 3,5 toneladas de carne; 04- Pocilga de corte com
capacidade de produzir em média, por mês, 1,2 toneladas de carne e derivados;
05- Unidade de Beneficiamento e Secagem de Frutas, produzindo em torno de 300
quilos de passas de banana e derivados9; 06- Produção de melado de cana-de-
açúcar, em torno de 1,1 tonelada/mês, e 800 quilos de rapadura, (sendo que a
capacidade instalada é de 25 toneladas/mês de melado e 15 toneladas/mês de
rapadura); 07- Produção de cachaça de cana-de-açúcar, à média de 3 mil litros/ano
de aguardente; 08- Produção de hortaliças e legumes, que são cultivados pelo
método orgânico de adubação e combate de pragas, atingindo, em média, 8,5
toneladas/mês; 09- Comercializam ainda, anualmente, em média, 900 toneladas de
mandioca; 10- Silagem de capim napier com cana-de-açúcar, produção de 650
toneladas para consumo do próprio gado do assentamento; 11- Produção para
consumo interno de milho, feijão, batata-doce, etc.
9 Em função das geadas de 2000 essa produção foi interrompida, aguardando a renovação dos bananais do assentamento e das cercanias que oferecem a matéria-prima.
64
Os solos do assentamento encontram-se degradados,
conseqüentemente com baixa fertilidade natural, decorrência da prática da
monocultura da cana-de-açúcar realizada na área, anteriormente. Para amenizar
essa situação, os assentados aplicam técnicas de recuperação e manutenção de
solos. Cerca de 30% da área total do assentamento é destinada à aplicação de
corretivos do solo. Nessa área, é realizado o plantio de diversas forrageiras que
protegem o solo, no assentamento, são feitas curvas de nível e adubação orgânica.
Graças aos resultados positivos, o assentamento Santa Maria
está se tornando um dos referenciais do MST. A COPAVI, hoje, é objeto de várias
pesquisas acadêmicas, sendo que algumas delas proporcionam benefícios ao
assentamento e contribuem para o MST. A esse respeito, vale lembrar o projeto de
Secagem de Frutas por meio da energia solar, coordenado pelo Professor Jorge
Vila Lobos, da Universidade Estadual de Maringá do Departamento de Geografia,
em convênio com a Associação dos Engenheiros Industriais da Catalunha,
Universidade da Catalunha-Espanha.
Instalada no assentamento, a unidade industrial foi inaugurada
no dia 29 de julho de 2000, com uma grande festa que reuniu, aproximadamente,
mil pessoas. Dentre elas, representantes do MST (Ricardo Baggio); da CPT (Darci
Frigo); advogados da rede autônoma de apoio ao MST; pesquisadores; estudantes
brasileiros e espanhóis (autores do projeto); além de convidados da cidade de
Paranacity e região.
Além da instalação da Estação de Secagem de Frutas, esse
projeto rendeu à COPAVI um prêmio internacional no valor de dez mil dólares,
65
porque contempla os três conceitos básicos exigidos pelos critérios de seleção do
concurso: compromisso social, sustentabilidade e desenvolvimento.
2.3 Assentamento Oziel Alves Pereira
2.3.1 Histórico e Formação
O assentamento Oziel Alves Pereira, localizado no município de
Santa Cruz do Monte Castelo, Estado do Paraná, recebeu este nome em
homenagem ao jovem militante de 17 anos do MST, assassinado no massacre de
Eldorado dos Carajás, Estado do Pará. O assassinato ocorreu no dia 17 de abril de
1996, em decorrência da violência praticada pela polícia militar, a mando dos
poderosos senhores, contra os que lutam pela terra.
Neste assentamento, vivem 14 famílias, a maioria oriunda do
sul, Sudoeste e Oeste do Estado do Paraná, com exceção de duas famílias que
vieram da cidade de Querência do Norte, Estado do Paraná.
Todas as famílias que compõem o assentamento ficaram, quase
três anos, acampadas às margens da rodovia BR 376, sob barracos de lona
plástica. A ocupação da área (Fazenda São Sebastião) ocorreu no dia 28/08/1997,
no entanto, a imissão de posse foi publicada, somente, em 11/12/1997.
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A fazenda ocupada possuía uma área de 358 há. Na organização
do assentamento, o MST destinou 72,6 ha para a construção do Centro de
Formação e Pesquisa Ernesto Che Guevara (CEPAG) do Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra – MST e 82 ha destinados à reserva florestal que,
atualmente, não estão sendo utilizados para tal fim - têm servido de pastagem
coletiva para o gado dos assentados. O restante da terra foi dividido entre as
famílias assentadas que receberam, em média, 14,3 ha cada uma.
Após a luta pela conquista da terra, estando nela, inicia-se uma
nova fase: a definição da forma de organizar a produção e uso da terra do
assentamento. Segundo Masselli (1998 p. 118):
... uma vez obtida a terra, começaram a emergir as diferenças internas do grupo e, em função delas, os conflitos. A terra conquistada - a razão até então de sua união - passou a se inserir de forma diferenciada, e quase sempre ocultada, nos diferentes projetos de que os trabalhadores eram individualmente portadores: terra para acumular, terra para produzir o que comer, terra para fazer o que gosta etc. (...) pessoas que não aceitavam o coletivo, comunitário (...) diziam ‘eu quero a minha terra! Eu reivindiquei terra para ter o meu sítio!’
Foi o que aconteceu com esses trabalhadores. Nos primeiros
momentos da organização do assentamento, realizaram várias reuniões para
definir a forma de uso e exploração da terra conquistada. Alguns pretendiam a
forma coletiva, porém, a maioria estava convicta de que a terra deveria-lhes
pertencer, individualmente. O depoimento do assentado Afonso, colhido durante a
realização do trabalho de campo, talvez expresse a vontade de muitos assentados:
67
Homem, nóis lutemos tanto pra quê? Ora, queremo a terra pra nóis. Cada um tem seu jeito de trabaiá e você tano no que é seu você não tem que dá as horas prá ninguém. Agora, unido nóis semo mesmo, mas só na luta, agora no trabaio cada um cuida do seu lote. Claro, se precisá qualquer um de nóis pode ajudá o outro, as vezes numa tarefa da roça, no caso de uma doença, aí num tem problema.
A opção por um referencial, quase sempre, está condicionada ao
contexto cultural de cada grupo. O que se verifica é que quanto mais interação
(econômica e sócio-cultural) houver entre os membros do grupo, mais chances
terão de ser bem sucedidos. A esse respeito, Görgen & Stédille (1991, p. 170)
afirmam:
É verdade que muitos grupos se organizam porque seus componentes possuem um alto nível de consciência, mas também é verdade que muitos grupos se organizam simplesmente por influência das lideranças. Dentro do MST houve experiência dos dois tipos, e ambas se desfizeram. A primeira, por conter excesso de militantes e, assim, poucos ficavam diretamente na produção. A segunda, porque, na hora de ir para a prática, vieram à tona vários vícios e problemas que são próprios do camponês.
Os componentes história de vida e origem de cada grupo
assentado são elementos que determinam, num primeiro momento, a opção pela
forma de organização e uso da terra; mais tarde, porém, as determinantes poderão
ser outras. Assim, para entender os ingredientes que compõem a subjetividade do
trabalho, com desdobramentos para as noções mais gerais de sociedade e o
68
sentimento de pertencer a uma classe, faz-se necessário considerar, como no
entendimento de Görgen & Stédille (1991, p.157), que há um número
significativo de trabalhadores que:
... trabalharam muito tempo nas fazendas dos patrões e dizem que não querem trabalhar mais coletivamente porque “não dá certo”. Na fazenda do patrão trabalhavam coletivamente, e dava certo. Porém, lá existiam normas, plano de produção e coordenação do trabalho. Como artesão não gosta de cumprir normas, quase nunca programa algo. Faz tudo na hora que tem vontade; não quer trabalhar no grupo coletivo porque isso significa mudar muitos de seus hábitos.
Assim, os trabalhadores do Oziel Alves Pereira optaram pelo
referencial individual para uso e exploração da terra.
Com relação ao formato do assentamento, podemos dizer que
tem uma configuração geográfica retilínea (de acordo com Figura 6), tendo na
cabeceira da área a parte destinada ao Movimento, onde está construído o Centro
de Formação Política do MST, incluindo uma destilaria de álcool, horta com
plantas medicinais, biblioteca e alojamento, cuja infraestrutura conta com energia
elétrica e água encanada, oriunda de poço artesiano da antiga fazenda São
Sebastião. Na continuidade desta área, seguem-se os lotes individuais, de
configuração retilínea, separada por uma estrada central.
70
As habitações são de alvenaria e foram construídas a 40 metros
de distância da estrada. Medem, em média, 36 m2, sendo que algumas foram
ampliadas com investimentos próprios das famílias. Além disso, cada assentado
possui um pequeno galpão que funciona de depósito para uns e, para outros,
transformou-se em moradia.Todas as casas possuem água encanada, oriunda de
poço artesiano, todavia não existe energia elétrica no assentamento. Não existe
uma área comum para reuniões sociais ou de lazer.
Há uma substancial diferença na localização dos assentamentos
Santa Maria e Oziel Alves Pereira. O primeiro está na área limítrofe do perímetro
urbano da cidade de Paranacity, o que facilita a comercialização e o acesso à
cidade pelos trabalhadores, enquanto o assentamento Oziel Alves Pereira dista
cerca de 8 km das cidades de Querência do Norte e 11 km da cidade de Santa
Cruz do Monte Castelo, esta localização dificulta o acesso às cidades, como
também a comercialização das colheitas.
2.3.2 Atividades de Subsistência e Produção Comercial
O maior problema que os assentados do Oziel Alves Pereira
enfrentam, hoje, é a falta da energia elétrica que, além de não propiciar o uso dos
eletrodomésticos e eletrônicos, não permite a utilização de motores elétricos que
poderiam auxiliar na lida como bombas d’água, trituradores de ração, iluminação
do assentamento, etc. Todos reclamam dessa situação, principalmente pela
71
impossibilidade de ter, em casa, uma geladeira. A rede elétrica dista um
quilômetro do assentamento, mais precisamente, no Centro de Formação, local da
antiga sede da fazenda. No entanto, a condição financeira dos assentados não
permite que eles a instalem em seus lotes. Além disso, os assentados encontram
dificuldades em se deslocarem até a cidade de Santa Cruz do Monte Castelo, por
não possuírem meio de transporte e os horários do transporte coletivo serem
escassos.
Os assentados não priorizam a obtenção do título da terra,
porque entendem que o lote se tornou, para eles, propriedade definitiva. Não
pretendem fazer financiamentos bancários, alegando que não querem correr o
risco de perder a terra para o Banco, caso haja imprevistos e insucesso no plantio
da produção/comercialização.
O trabalho individual acarreta-lhes algumas impossibilidades
como, por exemplo, não poder ausentar-se do labor da roça. Em viagens de
emergência, nos casos de doença ou para visitar parentes, em épocas de colheitas,
contam com a solidariedade do grupo e, às vezes, necessitam da contratação de
mão-de-obra volante, advinda das cidades vizinhas.
Quanto às atividades de produção comercial, estas se limitam ao
cultivo da mandioca, do feijão e do milho, cuja comercialização é feita, parte com
a COANA e parte com terceiros.
Quanto à produção de subsistência, todos os assentados criam
porcos, galinhas; cultivam arroz, feijão e uma pequena horta. Além disso, alguns
72
deles iniciaram uma pequena plantação de café, porém, as geadas do ano 2000
fizeram com que o cultivo dessa lavoura não fosse mais efetuado.
Os assentados não dispõem de recursos econômicos, portanto,
não possuem, na grande maioria, máquinas e implementos agrícolas, são
obrigados, quando necessário, alugar de proprietários da região: trator, arado e
grade.
2.3.2.1 O Individual e a Consciência da Luta no Assentamento
O processo capitalista, por meio da divisão do trabalho, provoca
a concorrência e, com isso, a supervalorização do individual em detrimento ao
coletivo. Inseridos num contexto de produção, cuja forma é individualista, os
trabalhadores do assentamento Oziel Alves Pereira correm o risco de se isolarem
da comunidade na qual vivem, supervalorizando a sua própria produção na busca
de capital, sem levar em consideração o coletivo do grupo assentado. Sinais disso
foram verificados no processo de comercialização da lavoura, observados durante
a pesquisa de campo.
A comercialização da produção do leite é realizada junto à
COANA, localizada na cidade de Querência do Norte e os cereais para terceiros.
Esta segunda opção pode evidenciar a falta de consciência política do grupo,
porque ao repassar sua produção para terceiros, deixa de proporcionar
rendimentos para a própria cooperativa, além de não apostar no fortalecimento da
73
organização política do Movimento. Mesmo que a obtenção de recursos fosse
menor, ao dar exclusividade para a COANA na venda da produção, os assentados
poderiam obter um ganho político, já que estariam unindo e fortalecendo os seus
pares. Porém, consciência política tem dimensão social e se adquire com o tempo,
por meio de um processo cultural, que é lento e depende do aperfeiçoamento
intelectual do grupo. Mas é importante ressaltar, como vimos anteriormente, a
exploração do trabalho não é imediatamente visível nem a quem trabalha, nem a
quem não trabalha, todavia a consciência da exploração não deixa de existir, mas
tem, no entanto, uma certa ligação com a escolaridade dos trabalhadores.
É importante destacar, neste particular, que o nível de
escolaridade é inferior ao prevalecente no assentamento Santa Maria. Dentre os
trinta e seis assentados em idade escolar, apenas 13,8% concluíram as primeiras
quatro séries do ensino fundamental; 2,7% concluíram o ensino fundamental e
83,5% cursaram duas séries do ensino fundamental.
Diante desses dados, supomos que, nesse assentamento,
depoimentos como o do assentado Marino, observado durante a realização do
trabalho de campo, quando questionado a respeito da comercialização da lavoura
para a COANA ... ela é pobre que nem nóis, não tem dinheiro, por isso nóis
procura outros compradores, pode evidenciar que a defasagem na escolaridade e
no nível intelectual do grupo acarreta dificuldades no entendimento da conjuntura
em que vivem. Isso porque, no assentamento Santa Maria, onde o nível de
escolaridade é superior, nota-se a preocupação com o social, com a estruturação
política do assentamento e do Movimento.
74
Embora não defendemos o ideal de que a educação formal e
moral fundamenta e promove a ordem na sociedade, suspeitamos que, nesse
assentamento, o processo educacional, com o crescimento do nível de
escolaridade dos assentados, poderia contribuir para uma melhor avaliação do
contexto político e socioeconômico no qual estão inseridos.
Além disso, o aumento no nível de escolaridade, poderia ser
impulsionador do desenvolvimento da cooperativa local, a COANA, de acordo
com Viana (2000, p.39),
... a desvantagem dos países subdesenvolvidos em relação aos demais no que tange a implantação e desenvolvimento das cooperativas, sobretudo, porque neles, o índice de educação formal do camponês é bastante baixo, quando não totalmente ausente, o que faz com que os mesmos estejam à mercê da vontade política dos órgãos governamentais, dirigidos, salvo raras exceções por equipes de técnicos/burocratas que na maioria das vezes desconhecem as necessidades concretas da realidade camponesa.
No assentamento Oziel Alves Pereira, o fato dos assentados não
priorizarem as ações coletivas, deixando de lado, muitas vezes, até mesmo sua
cooperativa, sob a alegação de que a mesma não atende às suas necessidades por
ser também pobre, pode evidenciar três situações: a) os trabalhadores não têm a
consciência de classe, portanto não acreditam serem capazes de lutar pelos seus
direitos e interesses; b) falta ou ausência de um projeto político por parte da
direção do Movimento; c) os assentados necessitam de um planejamento para que
a cooperativa atenda às suas reais necessidades.
75
Quanto ao tempo de trabalho e tempo livre, percebemos que,
enquanto no assentamento Santa Maria, uma das metas da cooperativa é
contabilizar o máximo de tempo possível para ascensão econômica, porque os
assentados entendem que horas de trabalho significam produção; no assentamento
Oziel Alves Pereira, o tempo é o tempo da “semente”, ou seja, uma vez plantada é
só manter os cuidados necessários e aguardar a época da colheita. Sendo assim, os
assentados do Oziel Alves Pereira não vislumbram um ritmo frenético à lavra, o
que ficou expresso nas palavras do assentado Gilmar, ao ser questionado a
respeito da possibilidade das nossas visitas atrapalharem o andamento do trabalho,
respondeu-nos: Quando vocês quiserem vir aqui ficam à vontade, nós sempre
estamos aqui, a roça já está plantada, agora é só ver crescer. Tempo prá
conversar nós temos, é o que não falta.
A partir disso, nota-se que o ritmo da natureza é o ritmo do dia-
a-dia do assentamento. Os assentados deixam transparecer que, estando as
necessidades básicas garantidas, a vida com facilidades se torna um sonho sem
muita pressa para ser realizado, como afirma a assentada Maria Luíza Rachi (50):
A gente sente a falta de muita coisa aqui em casa, uma geladeira, uma máquina de lavar, um liquidificador, um veículo, mas pra quem vivia debaixo de lona preta, nós estamos no paraíso. Tá vendo aquele pé de mamão pertinho da janela, quando quero um mamão pra fazer doce ta ali pertinho, isso não é uma coisa de Deus? Ganância não é uma coisa boa, meu pai já dizia isto.
Essa falta de ambição por uma vida melhor, pode ser reflexo do
contexto cultural, que não lhes permite a busca de novos valores para construir um
76
futuro com mais facilidades ou, quem sabe, da vontade de permanecer nas
condições atuais.
Embora todos os assentados concordem que não há, no
assentamento, opções de entretenimento, a não utilização do tempo em atividades
de lazer parece não incomodar e nem tem sido pensada de forma profunda.
Exemplo disso é expresso nas palavras do assentado Brás, ... a gente se diverte é
no trabalho, aqui mesmo, mas tem dia que agente cansa até de ficar parado,
sabia? Outro exemplo fica claro, quando o assentado Valdecir, pai de cinco filhos,
diz que não se interessa por festas, porque estas acabam sempre em confusão.
Quando quer fazer alguma comemoração, compra as coisas e faz na sua casa com
sua família.
Com relação ao uso do tempo livre, o assentamento Oziel Alves
Pereira se assemelha ao Santa Maria. Em ambos, o tempo livre está subordinado
à lógica do capital10, já que o lazer (entretenimento) é confundido com o trabalho
produtivo.
Eis aí um indicativo implícito da exploração capitalista, num
modelo de produção familiar. A subordinação à lógica do capital se dá porque o
assentamento está inserido num sistema capitalista, portanto aprisionado ao
sistema de produção mercantil.
Martins (1980, p. 54-55 apud Oliveira 1991, p.110) mostra a
relação entre capital e trabalho, escrevendo que:
10 Detalhes, ver Antunes (2000)
77
O capital só pode crescer, só pode se reproduzir, à custa do trabalho, porque só o trabalho é capaz de criar riqueza. Por isso, uma lei básica do capital é subjugar o trabalho. Não há capitalismo sem subjugação do trabalho.
Nesse sentido, Antunes (2000, p. 19) diz que o sistema de
metabolismo social do capital nasceu como resultado da divisão social que
operou a subordinação estrutural do trabalho ao capital.
Dentro desse contexto, insere-se a realidade do assentamento.
Isso fica perceptível quando conhecemos melhor seu cotidiano e constatamos que,
no assentamento, nenhuma data social da sua luta é comemorada, exceto festa
junina que comemoram, modestamente, embora já tenham pensado nisso. A
organização, neste sentido, poderia ser uma estratégia de organização social do
grupo para fazer frente à subordinação imposta pelo sistema capitalista cada vez
mais global. De acordo com Antunes (2000, p.115-116):
Assim como o capital é um sistema global, o mundo do trabalho e seus desafios são também cada vez mais transnacionais, embora a internacionalização da cadeia produtiva não tenha, até o presente, gerado uma resposta internacional por parte da classe trabalhadora, que ainda se mantém predominantemente em sua estruturação nacional, o que é um limite enorme para a ação dos trabalhadores. Como a reconfiguração, tanto do espaço quanto do tempo de produção, dada pelo sistema global do capital, há um processo de re-territorialização e também de des-territorialização.
78
Ou seja, a prática do cotidiano, da forma como ocorre com esses
trabalhadores, pode não ser suficiente para a superação das barreiras impostas à
promoção social do grupo.
Quando questionados, por que ainda não se organizaram sobre
essas estratégias de superação aos entraves de inserção ao sistema de produção,
respondem que a roça não lhes permite perder tempo com isso. Aí a contradição,
vez que em outros momentos, afirmaram que se cansam até de não fazer nada.
Isto parece sinalizar falta de consciência de classe e sintoma de que estão no curso
normal da sua subsunção ao sistema produtivo capitalista.
79
CAPÍTULO III - A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO RURAL DO
NOROESTE DO ESTADO DO PARANÁ: PODER PÚBLICO E
VIOLÊNCIA – ESTRATÉGIA DE INTIMIDAÇÃO À LUTA
PELA TERRA
A interpretação geográfica nos permite entender a organização
do espaço geográfico e indicar as variáveis que contribuem para a formatação do
arranjo espacial. De acordo com Santos (1997), a organização do espaço
geográfico é o resultado dos embates das forças sociais atuantes no espaço que
configuram uma área, região ou país.
Portanto, entender o arranjo espacial agrário da região Noroeste
do Paraná, sob um prisma geográfico, é compreender o entrelaçamento dessas
variáveis que atuam, impondo suas condições e, conseqüentemente, formatando a
paisagem.
Dentre as forças sociais que atuaram na configuração espacial
do Noroeste do Paraná, destacamos o poder do Estado com políticas
“desenvolvimentistas” e a influência do poder econômico, subjugando, em grande
parte, todos aqueles que mostraram resistência à sua vontade, ou que foram
contrários à sua trajetória.
No embate de forças, os excluídos são os que mais sofrem,
porque as necessidades dos que “vivem-do-trabalho” são quase sempre
descartadas nas decisões administrativas do Estado. Elas ficam à mercê das
80
normas dos poderes constituídos que se baseiam em leis “aprovadas” pelas
influências dos grupos, economicamente, privilegiados.
Sendo os trabalhadores, em sua maioria, pobres e
desconhecedores do contexto em que vivem, muitos ficam imobilizados,
resignando-se à sorte que lhes resta: viver à margem dos benefícios sociais que a
justiça, por direito, dever-lhes-ia garantir.
A administração do Estado age, quase sempre, em consonância
com os interesses dos grandes capitalistas. Isto fica claro, quando retornamos aos
meados deste século, no período em que o Brasil entrou na rota da expansão
capitalista internacional. Conforme Colnagui (1984, p. 26)
No alargamento das bases produtivas do capitalismo brasileiro o Estado optou por buscar respaldo na grande empresa internacional que decidiu aplicar no Brasil. Surge daí, a política brasileira de concessões de grandes lotes de terras devolutas como complementação de pagamentos aos trabalhos realizados por empresas estrangeiras construtoras de ferrovias. Por termos contratuais essas empresas poderiam dispor dessas terras tanto para desenvolver projeto de colonização como explorar as reservas naturais do solo.
À frente do poder político e econômico, protegendo o capital
estrangeiro e obedecendo a uma “nova” ordem do capitalismo internacional, a
elite governante relega, quase sempre, para segundo plano os interesses da maioria
dos trabalhadores que, excluída dos benefícios sociais, compulsoriamente, migra,
para as cidades em busca de um lugar para viver dignamente.
81
Por outro lado, o fato desta categoria ser deixada para segundo
plano, no atendimento de suas necessidades e não ter à sua disposição os
instrumentos políticos e econômicos, nem sempre garante a sua submissão
pacifica às “leis” e aos “comandos” do grupo dominante na organização do
espaço. Exemplo disso é o que está ocorrendo, atualmente, no campo brasileiro,
onde existem inúmeros conflitos, cuja violência atinge proporções alarmantes.
Neste contexto, estruturou-se o arranjo espacial do Noroeste do
Estado do Paraná. Região marcada pelos conflitos no campo, desde as décadas de
40 e 50, cujo processo ainda é ativo: a concentração da propriedade da terra
continua alta e a tensão social é perceptível.
3.1 Poder Público, Violência e Estratégia de Intimidação
A propriedade das terras brasileiras, por estar concentrada nas
mãos da elite econômica, amparada e protegida pelas forças Estado, constitui-se
em motivo para conflitos de interesses de classes. Assim, a história da luta pela
posse da propriedade da terra, no país, está manchada de sangrentos conflitos
entre o grupo dominante (os latifundiários), que impõe as condições à população
excluída (os sem terra) e esta que aceita as condições impostas.
Dessa forma, ao recusar as condições impostas pelo grupo
dominante, surgem os enfrentamentos que se verificaram, ao longo da história,
82
como a Guerra de Canudos (Bahia-1896/1897), Guerra do Contestado (Paraná e
Santa Catarina-1912/1916), Trombas e Formoso (Goiás - década de 50 a 70 e
l957, respectivamente), Massacre de Corumbiara (Rondônia-1995), Eldorado de
Carajás (Pará-l996); além dos que acontecem por todo país.
Põem-se, em relevo, as variáveis que permitem compreender a
organização espacial, construída sob tensão social da região Noroeste do Estado
do Paraná, a partir da luta pela posse terra, que teve como um dos desdobramentos
os assentamentos Santa Maria e Oziel Alves Pereira.
O Paraná, como os outros estados brasileiros, foi e está sendo
palco de grandes conflitos sociais pela posse da terra. Não poderia ser diferente,
levando-se em conta a alta concentração da propriedade da terra no país que, pelo
índice Gini, está na faixa de 0.802, constatado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de
Cartografia e Estatística) no Censo Agropecuário 1999/2000. No Paraná, o Censo
do IBGE, dos anos de 1995/1996, aponta pelo mesmo índice uma concentração na
ordem de 0,741. Mesmo sendo um número menor, as terras paranaenses ainda se
mantém na faixa de concentração muito forte.
Esses índices são importantes, porque um dos geradores dos
conflitos no campo paranaense é o alto índice de concentração da propriedade da
terra. Conflitos que pontuam a história do Paraná desde o final do século XIX,
agravando-se nos anos 20 do século XX e perdurando, com grande intensidade,
até nossos dias, como por exemplo, as desocupações violentas realizadas pela
polícia militar do Estado do Paraná na década de 90.
83
Para entendermos como isso ocorreu no Paraná, faz-se
necessário compreender o processo de ocupação do espaço agrário paranaense.
Machado (apud Colnagui, 1984, p.42) demonstra as três formas de expansão e
ocupação do território paranaense:
O Paraná tradicional, de ocupação antiga e genuinamente paranaense; a região norte vista como um prolongamento da economia paulista; e, por último, a região sudoeste, povoada pelo fluxo migratório originado principalmente no Rio Grande do Sul.
A gênese da ocupação das terras no Paraná deu-se, em grande
parte, pelo deslocamento expansionista de atividades econômicas de outros
estados brasileiros. Este fato contribuiu para o recrudescimento das relações dos
recém chegados “proprietários” que traziam o título da terra, em mãos, enquanto a
população local, constituída, em sua maioria, por posseiros, não possuía o título
legal da terra. Os novatos, investidos do “poder legal”, mediante falsas escrituras,
desalojavam posseiros e pequenos proprietários que há anos viviam na área.
Colnagui (1984) ilustra a situação das propriedades e posse dos títulos, quando
transcreve parte do Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara
dos Deputados de 1965, destinada a investigar os conflitos no campo.
Havia no Paraná, os célebres vários andares em que a superposição da titulação era fenômeno ocorrente normal. Abaixo desses andares existia o posseiro, o ocupante da terra que não sabia com qual dos proprietários de diversos andares devia tratar, pois que todos se julgavam donos, todos exibiam documentos. Só ele não possuía
84
documento algum. Toda a população do Oeste e do Sudoeste do Paraná estava judiciariamente sujeita a despejo, baseada naqueles títulos anárquicos, confusos e superpostos, expedidos pelo Estado e pela União, através de simples protocolo, mediante os quais o serviço de Patrimônio da União, sem nenhum critério, doava ou reconhecia também a estranhos a área, propriedades, verdadeiros latifúndios, com mais de dois mil hectares, nas terras mais férteis do País. (Colnagui, 1984, p.52).
No Paraná, a aliança entre poder do Estado e elite dominante
consolidou-se no início do século XX e institucionalizou-se a partir dos anos
cinqüenta.
A doação de terras e o favoritismo do Estado tornam-o
conivente com o grupo econômico dominante, garantindo-lhe privilégios.
Ao camuflar sua atuação junto à população, os governantes
assumem o papel de “mediadores” dos conflitos sociais e, por meio dos aparelhos
de dominação, garantem a reprodução do sistema de privilégios da elite
dominante. Essa forma de atuação do Estado é uma das fontes das tensões sociais.
Como foi dito, anteriormente, a busca da terra é uma expressão
da luta de classes. O enfrentamento entre as classes tem sacrificado milhares de
pessoas, vítimas da ganância de uma elite econômica e da situação desesperadora
em que vivem os excluídos. Além disso, esse enfrentamento tem gerado muitos
protestos por parte da comunidade nacional e internacional.
O Quadro 3 nos dá uma noção da violência que os deserdados
da terra enfrentam, vez que nos permite relacionar os conflitos por município,
com o número de pessoas e famílias mortas nos embates.
85
Quadro 3 - Relação das Áreas de Conflitos na Região Noroeste do Paraná - 1996 Tipo Nome do Conflito Município Total
Hectares Total
Pessoas Total
Famílias TE* Fazenda Doralúcia Cruzeiro do sul 882 90 TE Fazenda Porangaba II Querência do
Norte 2.332 155
TE Fazenda Santa Amélia Querência do Norte
887 220
TE Fazenda Piedade Querência do Norte
800 860
TE Fazenda Pontal do Tigre
Querência do Norte
10.595 350
TR** COOCAROL Rondon 1.000 TE Fazenda
Florença/Junqueira Sta Cruz do
Monte Castelo
2.030 350
TE Fazenda Saudade Sta Izabel do Ivaí
1.022 43
TR Destilaria Vale do Ivaí Ltda
São Pedro do Ivaí
1.000
Total Conflitos: 9 18.548 2.000 2068 TE*= terra TR**= trabalhista Fonte: Setor de Documentação da CPT, 1996, p.21-22 Org. Pagamunici, 2000
Com base nos dados apresentados pelo Quadro 3, verifica-se
que, dos conflitos ocorridos no Paraná, 9 aconteceram na região Noroeste,
atingindo 2.000 pessoas. Em todo o Estado do Paraná, ocorreram 53 conflitos que
atingiram 46.021 pessoas (Setor de Documentação da CPT, 1996).
A lentidão do Poder Público, nas resoluções dos impasses,
possibilita que os conflitos se espalhem por todo o país. O Gráfico 4 ilustra o
crescimento da violência no campo no período de 1991 a 1996 (comparando o
número de conflitos que ocorreram em cada ano). Enquanto, em 1991, ocorreram
453 conflitos, em 1996, o número quase duplicou, uma vez que foram registrados
750 casos.
86
Gráfico 4 - Conflitos no Brasil - 1991-1996 (número de casos)
453 433
545
485
554
750
0
100
200
300
400
500
600
700
800
1991 1992 1993 1994 1995 1996
Fonte: Setor de Documentação da CPT, 1996, p.29
O Gráfico 5 ilustra como a violência no campo cresceu de 1991 a
1996, comparando o número de pessoas envolvidas em conflitos no período.
Gráfico 5 - Conflitos no Brasi 1991-1996 (número de pessoas)
554.202
185.996
391.126
308.619
381.066
935.134
0
100.000
200.000
300.000
400.000
500.000
600.000
700.000
800.000
900.000
1.000.000
1991 1992 1993 1994 1995 1996
Fonte: Setor de Documentação da CPT, 1996, p.30
87
Percebe-se, pelo do Gráfico 5, que há uma oscilação entre o
número de pessoas envolvidas desde 1991 até 1996. Em 1991, cerca de 554.202
pessoas foram envolvidas em conflitos. Em 1992, com o decréscimo de conflitos
de 453 para 433, conforme indica o Gráfico 4, o número de pessoas registradas foi
185.996 - o menor do período. Em 1996, no entanto, com o considerável aumento
dos conflitos (de 554 para 750, de acordo com o Gráfico 4), registrou-se o maior
número de pessoas envolvidas, 935.134.
Embora os dados apresentados pelos Gráficos 4 e 5 sejam
recentes, a prática da violência, no campo paranaense, acontece desde a década de
50. Colnagui (1984, p.112), transcrevendo o depoimento do colono Lindolfo
Vicente Muller (Revista “O Cruzeiro”, 12 out. 1957), deixa claro o clima de
desespero na época:
Desde 1948 moro em Capanema. Naquela época quem colocava os colonos nas terras eram o sr. Percy Scherer, Subprefeito do distrito de Santo Antônio, e o guarda florestal Alfredo Yagncheski. Um colono desistiu e eu comprei a posse de suas glebas por 20 mil cruzeiros. No início deste ano chegou a CITLA e disse que minhas terras lhe pertenciam. Teria que pagar 80 mil cruzeiros pelos meus 10 alqueires, 30% em meio ano e o resto no prazo de 12 meses. Como não tivesse dinheiro para pagar, me ameaçaram de morte e acabaram por me espancar barbaramente. Eram uns tais de Arlindo Silva, Abrahão, Vilmar Pereira e Machado.
Mais recentemente, o Paraná está, cada vez mais, estampado nas
manchetes dos principais meios de comunicação do país. Ele aparece como palco
de derramamento de sangue na luta pela democratização da posse da terra. Em
88
reportagem especial a Revista Caros Amigos, Arbex Junior (maio de 1999, p. 10)
relata com detalhes a truculência do poder do Estado, no uso de seus aparelhos de
dominação e repressão, sobre as pessoas do grupo de excluídos da terra e que
lutam pela sobrevivência nela:
Está acontecendo uma operação de guerra no Paraná, movida pelo aparelho do Estado contra os sem-terra. Localidades cercadas pela Polícia Militar, helicópteros, carros, cães treinados, homens encapuzados armados de escopetas, fuzis, bombas de gás, 41 sem-terra presos no momento em que fechávamos esta última edição (26 de maio último). No governo atual, de Jaime Lerner, já foram presos mais de duzentos deles, seis foram torturados, quinze foram mortos, houve trinta atentados e 41 ameaças de morte. A violência policial atinge até as crianças e se traduz em outros gestos tão mesquinhos como covardes: tomam das pessoas bonés, e camisetas com inscrições pró reforma agrária, queimam pertences, alimentos e barracas e destroem as lavouras das famílias desarmadas. Para contar os detalhes dessa investida aterrorizante, os jornalistas José Arbex Jr. e Marcos e Marco Frenette foram ao cenário das ações.
Este trecho da abertura da reportagem dá-nos idéia da dimensão
das conseqüências dos conflitos que vêm ocorrendo, neste Estado, desde a década
de 50. Com relação a eles, Arbex Junior (1999, p.13) escreve: Para além de toda
a retórica, o quadro geral que emerge dessa situação, em seu conjunto, é terrível:
no noroeste do Paraná desapareceu qualquer vestígio do estado de direito.
No entanto, não é somente a violência física que caracteriza os
conflitos. A violência ideológica também compõe o quadro dos maus tratos,
oferecidos aos excluídos da terra. As mentiras, veiculadas por parte dos órgãos
89
representativos do estado de direito, quando justificadas à opinião publica,
confundem a verdade e legitimam a injustiça. Essas “verdades mentirosas”,
avalizadas pelo poder judiciário, são a técnica que o grupo dominante utiliza com
eficiência e parcialidade para neutralizar qualquer ação popular contrária aos seus
interesses.
Um exemplo de como a mídia confunde as notícias, poderíamos
retomar o fato da divulgação dos dados do IBGE com relação ao índice de
concentração da propriedade da terra. O governo anunciou, festivamente, a
redução da concentração da terra no Brasil que, conforme o índice de Gini, passou
de 0,848 registrado em dezembro de 1999, para 0, 802, sob o pretexto de passar a
falsa imagem de que a reforma agrária está sendo feita no país. (Carneiro, 05 jan.
2001, p. A9).
Esses dados, porém, são contestados em artigo escrito por Frei
Beto (14 jan. 2001, p.1) :
As estatísticas do Incra demonstram ter havido considerável crescimento da concentração de terra entre 1992 e 1998. Incomodado com essa constatação, o ministro Raul Jungmann decidiu agir como o governo faz com os procuradores: já que se teme punir o criminoso, melhor é proibir a denúncia do crime. O ministro preferiu desqualificar o trabalho do Incra, condenando a credibilidade das Estatísticas Cadastrais. Pelas tabelas do Cadastro do Incra de 1992 e 1998, a área total pelos imóveis rurais maiores de 2.000ha foi ampliada em 56 milhões de ha. O que equivale a uma extensão três vezes superior aos 18 milhões de ha que o governo teria desapropriado e transferido para o programa de reforma agrária durante seis anos. Como no caso dos procuradores a corrupção tende a crescer mais que a apuração.
90
No mesmo artigo, Frei Beto (idem, p.2) conclui:
Enfim, o governo gabou-se de haver assentado, desde 1995, 482.206 famílias. De acordo com a CPT e os relatórios do Incra, a cifra não ultrapassa de 237.299. No mesmo período, segundo o IBGE, 840 mil famílias abandonaram o campo (cerca de 4,2 milhões de pessoas), por falta de política agrícola.
Diante dessas afirmações contraditórias, entre Frei Beto e o
Jornal Folha de São Paulo, percebemos que há um jogo de interesses na contra
informação e nas discrepâncias dos dados relativos à terra. Isso porque, os meios
de comunicação são “controlados” e monopolizados. A mídia quase sempre
informa dando a versão dos acontecimentos sob a ótica da classe dominante (da
burguesia, dos latifundiários), ficando a classe dos dominados (os trabalhadores e
os sem-terra, em particular) impedidos de se comunicarem, com o público,
apresentando sua versão sobre os fatos.
A mídia é parcial e parece manifestar-se contra o MST, quando
não publica fatos que beneficiam o Movimento. Os meios de comunicação não
destacaram a manifestação em favor dos sem terra pela sociedade de Querência do
Norte e nem quando a Câmara dos Vereadores desta cidade enviou
correspondência ao governador do Estado, Jaime Lerner, assinada por todos os
representantes do Legislativo Municipal, pedindo o fim do desrespeito aos direitos
dos trabalhadores sem terra. Também, não noticiou a manifestação dos
comerciantes da cidade que fecharam as portas de seus estabelecimentos no dia
em que a polícia fez desocupações violentas.
91
Talvez a mídia não tenha relatado esse caso, porque ele foi uma
demonstração de que não é hegemônico o pensamento contrário à redistribuição
das terras no Noroeste do Paraná.
Sejam as informações contraditórias, verdadeiras ou não, o fato
do MST estar presente no Noroeste do Paraná é sinal de que existe, nesta área,
grande concentração da propriedade da terra.
Segundo Arbex Junior (1999, p.11), o Noroeste do Paraná
tornou-se um foco de tensão social por ser a área de maior concentração da
propriedade da terra e, como conseqüência desse desequilíbrio, propiciou ao
Movimento a transformação desta área, em
... um dos pólos mais ativos, economicamente, de todo o MST (é o terceiro estado em número de famílias assentadas-2.472-, atrás apenas de Pernambuco e Alagoas - 5.023 e 3.254 famílias, respectivamente, do total de 71.036 no país). E mais dentro do Paraná, a região Noroeste, palco dos mais recentes conflitos, é um dos centros mais fortes e organizados do movimento, com 866 famílias assentadas e outras 1.134 acampadas em 25 áreas (isto é, antes das operações de 21 de maio) sem contar com o pólo de Paranacity, também pertencente ao Noroeste, mas abrangido por outra regional.
A existência desse número de assentamentos e acampamentos
deve-se ao afirmado anteriormente: esta região é uma área de concentração
fundiária muito-forte. Dentre as principais conseqüências desta concentração,
têm-se: a fome e a miséria, decorrentes do fato da produção fundiária ser voltada
para atender às necessidades do mercado externo e não às locais.
92
Os procedimentos utilizados pelo Estado para reprimir, intimidar,
ou seja, para prescrever, a um só tempo, a violência e a moral, têm sido o uso
ostensivo da polícia militar, articulada com o poder judiciário e a classe
dominante. Um exemplo de união entre justiça e poder, no combate à população,
ficou claro no flagrante à juíza Elizabeth Khater. De acordo com Arbex Junior
(1999, p. 12)
... é a mesma juíza que determinou 45 mandatos de reintegração de posse na região e que foi ‘flagrada’ por um repórter, no dia 7 de maio, quando comemorava com amigos fazendeiros o ‘sucesso’ da operação em Querência do Norte, no restaurante Balaio de Frango, em Loanda. Segundo a notícia, publicada na seção Contraponto da Folha de S.Paulo (14/05), sob o sugestivo título ‘Justiça Cega’, a coisa aconteceu da seguinte forma: ‘Durante o jantar’, um repórter se aproximou dela. A Juíza o confundiu com um policial e elogiou: ‘Parabéns pelo serviço! Eu estava agora mesmo elogiando o trabalho de vocês aos meus amigos fazendeiros. Estamos aqui comemorando. Pode ser o início de uma união entre fazendeiros e a PM’.
Geralmente, a polícia executa a sentença judicial de despejo e
reintegração de posse nas altas horas da madrugada, ou seja, à margem da lei.
Nessas desocupações, a polícia, investida do poder legal, intimida os
trabalhadores, acordando-os a pontapés e ameaçando-os de morte.
Arbex Junior (idem, p. 15) relata o depoimento de Adelina
Ventura Nunes, 34 anos, viúva do acampado Sebastião Maia (38). Ela conta que
seu marido estava recebendo ameaças de morte, que se concretizaram no dia 17 de
dezembro de 2000. No momento da desocupação da fazenda Água da Prata,
93
quando os sem terras já estavam dominados e se retirando do local, aos olhos da
polícia militar, o jagunço José Luiz Carneiro, contratado por fazendeiros, atingiu a
cabeça de Sebastião com um tirou pelas costas, deixando-o morto no local.
Sebastião Maia foi mais uma vítima da violência explícita,
causada pela lentidão e passividade do Estado na resolução das tensões sociais.
Este fato fica expresso no caso da morte de Sebastião Maia. Sua mulher havia
denunciado às autoridades, quando esteve depondo na delegacia, que ele seria
assassinado, e um ano depois a ameaça se consumou sem que a justiça tivesse
tomado alguma atitude para evitar esse assassinato. No depoimento da viúva, após
o despejo da fazenda Rio Novo, município de Querência do Norte11, percebe-se a
brutalidade por parte dos policiais.
Na madrugada de talvez 1 hora, 1 e pouco da manhã. Nós tava dormindo nesse horário, tava eu com as crianças sozinha na minha casa, só esse menino que tá ali e a menina de dez anos, eles chegaram com facão, com facas na mão, gritando muito alto e desesperado, assim: ‘Polícia, Polícia. Sai todo mundo com as mãos pra cima!’ (...) Aí eles conseguiram entrar com umas espingarda assim virada pro meu lado, alguns com uns pedaços de pau que tava na mão e já gritaram: ‘Sai, sai! Todo mundo com a mão na cabeça’. (...) ‘Ó, teu marido é um dos líder do movimento, nóis qué ele’. Daí eu falei: ‘Mas ele não tá, ele foi viajar’. Daí ele falou assim: ‘Ó, nós vamo dá uma busca por aí, se nós encontrá o teu marido, se tiver mentindo pra nóis, eu vou pegar esse revolver aqui e você vai chupar esse revolve até o cano ficar vermelho’. (...) Aí eu fui com eles até lá (na casa dela no acampamento), aí ele pegou e revirou tudo, sabe , bagunçou tudo...
11 Depoimento dado ao secretário nacional dos direitos humanos, José Gregório, no dia 7 de junho de 1999, em audiência na cidade de Curitiba-PR
94
‘Pois é como o teu marido num tá, vou fazer que nem vocês fazem, vocês chegam na fazenda, o fazendeiro não tá, cês viram dono da fazenda. Agora, nós ficamo aqui, o teu marido num tá, nós podemo sê o dono de tu, nós podemo fazer com tu o que nós bem quisé, estuprá...’ E ele foi indo pro meu lado, assim , um daquele da GOE (Grupo de Operações Especiais), foi bem pertinho de mim, e aí quando ele chegou perto de mim, disse: ‘Podemos estuprá, porque o teu marido não tá, agora nós podemo sê dona da senhora...’. Daí quando ele chegou bem pertinho de mim, assim, eu comecei a tremer e chorar, né, e ele falou: ‘Ah, agora cês têm medo, quando é pra vocês vir aqui ocupar a terra alheia, daí vocês não tem medo, agora que tá com medo? Teu marido não é homem, não, teu marido é um rato’.
O contingente do GOE (Grupo de Operações Especiais),
periodicamente, transita uniformemente vestido e armado ostensivamente, pelas
cidades próximas das áreas dos conflitos. Para realizar a ronda, os policiais
militares utilizam dezenas de viaturas e permanecem agrupados (10 soldados por
grupo). Diante dessa situação, tem-se a impressão de que os militantes do MST
constituem uma grande ameaça à sociedade, sendo necessário manter a polícia a
postos para proteger a população dos “perigosos inimigos” e garantir a segurança
nacional. O quadro que se configura é o seguinte: de um lado os Sem Terra –
“ameaçadores da segurança” e, de outro, os policiais – “os protetores da nação”.
Diante dessa situação, a tranqüilidade da população assume a
faceta do medo e terror, isso faz com que muitos busquem isolar-se do que está
acontecendo, evitando falar a respeito, demonstrando, apenas, apoio velado aos
sem terra. Como por exemplo, o fechamento do comércio nos momentos de
manifestações dos militantes do MST.
95
Assim, com o objetivo de proteger e garantir a segurança da
região, funcionários públicos, remunerados com recursos da sociedade, portando
armas para cumprir as ordens recebidas, intimidam as pessoas e instalam o terror.
Com o uso da violência, trava-se um combate entre “Golias e Davi”, ou seja, entre
o poder repressivo do Estado e os excluídos, que lutam pela garantia de sobreviver
na terra. Nesse clima de terror, cenas chocantes são assistidas por mulheres,
crianças e idosos, acontecimentos que jamais se apagarão da memória das vítimas
dessa violência.
Enfim, ao agir dessa forma, governantes e Estado deixam de
exercer suas reais funções e se tornam, apenas, intermediários do grupo dominante
e da exploração capitalista sobre os trabalhadores. Isso porque, além de fortalecer
o poder de classe, executam ações que privilegiam exclusivamente a classe
dominante.
3.2 Perfil da Luta: O Contexto de Formação dos Assentamentos Santa Maria
e Oziel Alves Pereira
Com o objetivo de colher informações que subsidiassem a
análise comparativa do perfil das famílias assentadas na região Noroeste, no dia
10 de junho de 2000, visitamos o assentamento “Ribeirinha”, composto por
dissidentes do MST, localizado no município de Icaraíma-PR, distante 50 km do
assentamento Oziel Alves Pereira.
96
Fomos a esse assentamento com o intuito de melhor
compreender os motivos que levaram o grupo à dissidência do MST.
Na data da visita, os assentados comemoravam a entrega do
título de posse da terra pelo Incra, por isso, o clima no assentamento era de muita
alegria. Entre as formalidades da festa, entrevistamos o presidente do Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Querência do Norte que acompanhou o grupo
durante vários anos.
Na opinião do sindicalista, a dissidência ocorreu porque os dois
grupos (do MST e os dissidentes) possuem diferentes estratégias para conquistar a
terra. Disse ele:
A grande diferença entre o nosso grupo e o MST, é que somos contra a violência, queremos a terra sem derramamento de sangue. Se hoje estamos adquirindo o título da terra, é porque Deus esteve conosco o tempo todo. Não foi preciso a guerra, nem mortes, nem a invasão de prédios ou qualquer baderna. Somos pela paz no campo. É uma honra para nós, estar, hoje, recebendo a visita do pessoal do Incra, dos políticos, da Fetaep(...). Isto prova que é a negociação que vai dar a terra para quem nela quer viver. Outra diferença que eu vejo com o MST é que eles vêm do Sul já com uma experiência muito grande de briga pela terra, por isso não tem muita paciência de esperar. Eles querem a terra logo, mas tudo tem um tempo. Não vê a natureza? A gente planta a semente e precisa esperar um tempo para ela nascer e depois dar o fruto. Tudo tem seu tempo. O nosso grupo já é de pessoas mais simples, prefere respeitar as leis e, graças, a Deus estamos hoje aqui nesta festa maravilhosa de vitória.
97
Por outro lado, a posição defendida pelos trabalhadores
assentados no Oziel Alves Pereira sobre esse fato, particularmente, da dissidência
e dos procedimentos adotados pelo grupo, é contrária a do grupo dissidente como
relata o assentado Afonso, em entrevista realizada no trabalho de campo:
O que acontece é que quando se tem um objetivo é preciso ir logo no ponto e não ficar de rodeio. Aquele grupo se fiava na conversa fiada dos políticos e do Incra. Eles prometia que ia assentar e os dias passava e nada. Ninguém queria fazer manifestação, e a gente tem que fazer pressão senão, não sai nada, e você fica a vida inteira num barraco de lona. Os caras atrapalhavam tudo. A gente combinava uma coisa e eles não cumpriam e ainda entregava os planos da manifestação. Chegou uma hora que não deu mais e o grupo se separou. O negócio teve feio, mas eles foram levados para outra área, pelas autoridades, para evitar um conflito.
Estes depoimentos evidenciam as divergências ideológicas e os
diferentes procedimentos adotados entre os grupos, no processo de luta e
conquista da terra. Isso ratifica a opinião do sindicalista, quanto ao motivo da
dissidência.
Se compararmos a forma de luta pela terra, adotada pelos grupo,
com a sua experiência de vida, percebemos que esta última influencia na maneira
de conduzir a luta para conquistar a terra.
O grupo do Ribeirinha é formado, majoritariamente, por pessoas
oriundas do município de Querência do Norte, Noroeste do Paraná, demonstra
uma incipiente história de luta política pela terra. Os assentados do Oziel Alves
Pereira, por outro lado, demonstram maior tradição na luta pela terra, visto que
98
seus antepassados viveram a expropriação das terras no Sul e Sudoeste do Paraná,
quando do processo capitalista de ocupação das terras da Região Sul.
O grupo do MST duvida da vontade das autoridades constituídas
em realizar os assentamentos, ao tempo das necessidades e, conforme opinião de
Görgen & Stédille (1991, p. 47):
Percebem que a solução dos problemas dos trabalhadores depende deles mesmos. Que o problema é de ordem política e não meramente técnica. E é na luta política que os trabalhadores percebem que a causa dos problemas é a exploração, e que a solução dos problemas é a organização, a pressão e a resistência coletiva.
Portanto, assumir a posição de enfrentamento à “ordem” social
estabelecida, como no caso das ocupações de prédios públicos, bancos, terras
ociosas, entre outros, como forma de pressão, para a realização da reforma
agrária, tem sido um imperativo para o sucesso da luta do Movimento.
O grupo dissidente, no entanto, acredita no poder constituído e
espera, pacientemente, a iniciativa deste na resolução dos conflitos. O resultado
dessa confiança incondicional, nas intenções do governo, foi a espera de quase
dez anos para conquistar a terra, enquanto o grupo do MST, para isso, em menos
de dois anos estava assentado.
Assim, ao acreditar, incondicionalmente, em todas as
determinações das autoridades governamentais, os dissidentes, ao mesmo tempo,
que se tornam vítimas do Estado, legitimam a dominação desse grupo,
concretizando sua exclusão social. Isso porque, a prática do poder do Estado em
99
protelar, muitas vezes, a realização de assentamentos e da reforma agrária, faz
parte da articulação existente, quase sempre de forma velada, entre o poder
político e o poder econômico para a exploração do trabalhador. Negar a terra, para
quem nela quer trabalhar, faz parte da estratégia de dominação.
Enquadrando-se no perfil do grupo do MST, os assentamentos
Santa Maria e Oziel Alves Pereira surgem da obstinação e consciência de
trabalhadores rurais que, contudo, superaram grande parte das imposições de um
sistema excludente.
Oriundos, na sua grande maioria, do Sul, Oeste e Sudoeste do
Paraná, os trabalhadores trouxeram, na bagagem, a memória de uma história de
luta, vivida por seus antepassados. Muitos vieram do extremo Sul do Brasil, onde
a luta pela terra há muito tempo vinha se consolidando, o que pode ter contribuído
para que esses trabalhadores e seus familiares se transformassem em pessoas
resignadas aos sacrifícios impostos, no período de acampamento e de luta,
tornando-as solidárias e destemidas para o enfrentamento da conquista da terra.
Explicitado o contexto de formação e manutenção dos
assentamentos, resta-nos verificar se sobreviverão à exploração do sistema
capitalista de produção e se constituem como alternativa viável para a inclusão
social e econômica dos trabalhadores sem terra. A fim de que isso seja discutido,
é necessário que, inicialmente, entendamos a relação entre capital e trabalho que
estrutura o sistema capitalista.
100
3.3 A Relação Capital - Trabalho no Processo de Luta Pela Terra
O capital e o trabalho constituem duas faces de uma mesma
moeda, embora antagônicos nos interesses. Os trabalhadores, para garantir sua
sobrevivência e reprodução, vendem seu único bem: sua força de trabalho,
enquanto os capitalistas, para garantir sua reprodução, ascensão social e
econômica, exploram os trabalhadores, ou seja, um mesmo processo com
objetivos antagônicos.
Ambos parecem ter interesses comuns, porém, o que os difere é
a forma como se dá a convivência entre capital e trabalho para cada um deles.
Enquanto o capitalista visa a mais-valia, por meio da exploração dos que vivem-
da-força-do-trabalho, os trabalhadores, à disposição dos capitalistas, vendem sua
força de trabalho para garantir a sobrevivência.
O capital está concentrado nas mãos de poucos, os trabalhadores
são centenas de milhares. Os capitalistas exploram os trabalhadores, porque estão
amparados nos privilégios assegurados pela estrutura econômica e política. A
maioria dos explorados, por sua vez, debatem-se com “fantasmas reais” que ela
mesma criou quando, inconseqüentemente, fez do seu voto um objeto de negócio.
Assim, sem perceber a existência muito viva da luta de classes,
ao venderem seus votos nas eleições, elegem para ser seus representantes, na
elaboração das leis que regularão a relação capital/trabalho, justamente aqueles
cujos interesses são contrários aos seus: os capitalistas. Prova de que há uma
101
disparidade entre bandeiras de luta e resultados eleitorais, foram, conforme
Thomaz Junior (2001, p.10), as eleições de 2000.
O resultado das eleições 2000 demonstra mais uma vez, no Pontal do Paranapanema e no Brasil de maneira geral, que há uma ruptura entre as palavras de ordem, as bandeiras de lutas deliberadas em Congressos e o desenho político que se consuma a partir do voto dos trabalhadores.
Diante de um poder que não luta pela melhoria da qualidade de
vida dos trabalhadores, esses se transformam em “Dom Quixotes”, enfrentando
um inimigo imaginário sempre à espreita, mas real. Não percebem que é da sua
prática inconsciente12 e da sua alienação política que nasce o seu algoz.: o sistema
que não lhes permite ascensão social.
O capital, amparado pelo aparelho legal do Estado que é
legitimado pela população por meio do voto popular, não encontra limites para a
exploração do trabalhador. Este é vigiado e mantido num patamar que lhe garante
apenas a reprodução da sua força de trabalho. Nesse sentido, o capital é
privilegiado ao adquirir maior importância que o trabalhador. De acordo com
Thomaz Junior (1996, p.2):
Em meio a esse cenário, capital e trabalho, coabitantes de um mesmo processo contraditório, mas enraizados em esferas diferentes do processo social de produção, um, ao se expressar no outro - elo fundamental de sustentação da contradição -
12 O termo inconsciente está sendo, aqui utilizado, para denominar o que não é consciente, no sentido que Marx atribuiu à consciência, ou seja, aquele que não possui consciência da realidade a qual pertence, da exploração que sofre.
102
se materializam sobre bases qualitativamente diferentes. O Capital, de um lado, hegemoniza o processo, conformando assim, sob seu controle, a totalidade produtiva. O trabalho, por outro lado, ao inserir-se nesse processo, entra subsumido, real ou formalmente, dependendo do desenvolvimento das forças produtivas.
A lei maior (Constituição Federal) institucionaliza o limite
territorial para a organização dos trabalhadores, enquanto deixa livre a
territorialização do capital que, sem fronteiras, no caso da cana-de-açúcar,
espalha-se, buscando mão-de-obra barata, independentemente, dos limites
políticos dos Municípios, dos Estados, dos países. ... o capital se organizou em
nível mundial, à sua maneira, ou seja, achou seu jogo, seu espaço, é como se
falasse a mesma língua em todos os lugares. (Thomaz Junior, 1997, p.5).
Ganhando liberdade internacional, facilitou ainda mais a exploração sobre o
trabalho, agora em caráter universal.
Esta dicotomia dominação/exploração contribui para as tensões
sociais, que, de acordo com a convivência, intensificam-se ou se amenizam,
dependendo do poder de organização de cada classe.
O Estado de direito nem sempre garante o equilíbrio entre os
interesses do capital e do trabalho. As leis que regem a sociedade são elaboradas
pela maioria dos representantes do capital que adquiriram esse direito, por meio
das eleições.
Desta forma, os atuais paradigmas da relação capital/trabalho se
processam numa velocidade tal que provocam o desmonte das conquistas sociais
dos trabalhadores que, sem perceber a extensão das transformações, confundem-se
103
na tentativa de sair da exploração que lhes é imposta, o que concorre para maior
disposição à expropriação capitalista.
3.4 - A Viabilidade Socioeconômica dos Assentamentos
A conjugação dos elementos do poder do Estado, do poder
econômico e do “poder” dos trabalhadores vai se configurando espacialmente e
formatando a territorialização das classes sociais que se reproduzem, à medida em
que apresentam eficientes resistências ao sistema que lhes impõe subordinação ou
sucumbência.
Os sem-terra, o MST, os acampamentos e os assentamentos
constituem, hoje, a maior resistência nacional ao modelo social vigente que exclui
pessoas e concentra a riqueza. Isso porque, lutam contra a concentração da
propriedade da terra, um dos fatores responsáveis pelo problema social do país.
A reportagem do Jornal Gazeta do Povo (22 dez. 2000, p. 21)
mostra dados do Censo 2000 do IBGE, que comprovam que o Estado do Paraná
teve uma taxa de urbanização de 166%, em trinta anos. Nessa reportagem, Rosa
Moura, técnica do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
(IPARDES), falando a respeito da migração da cidade para o campo, afirma que:
A grande evasão da zona rural começou na década de 60 e início de 70. O homem do campo saiu e continua saindo de suas cidades natais em busca de emprego nos centros urbanos. Que o
104
esvaziamento do campo é resultado das mudanças do perfil econômico do país.
Esta é uma comprovação de que a exclusão social, no Brasil, é
crescente. A situação político-social do país que parecia estar definida é apenas
uma ilusão. As pressões dos grupos dominantes que neutralizaram, nas três
últimas décadas, as ações de políticas classistas das tradicionais categorias de
trabalho, embora excluindo cada vez mais trabalhadores, não conseguem
enfraquecer ou impedir o avanço da luta, principalmente daqueles que lutam pela
reforma agrária.
Essa constatação é evidenciada pelos protestos que reúnem,
cada vez mais, manifestantes e que ganham espaço na mídia. Essas manifestações
têm mostrado a produção dos alimentos plantados nos assentamentos, cujas terras,
antes de ocupadas, serviam apenas para especulação, deixando claro que os
excluídos não aceitam a condição de vida que o sistema econômico lhes impõe.
Portanto, a reforma agrária não se realiza apenas por questões
políticas, vez que esta é viável e, tecnicamente, possível de ser implantada. Os
assentamentos do MST têm demonstrado, mediante resultados obtidos, que a
inclusão social dos trabalhadores sem terra é possível.
Exemplificando essa afirmação, o Quadro 4 nos permite
estabelecer comparações entre a renda média dos assentamentos brasileiros por
regiões e, também, a renda específica13 por atividade.
Conceito de renda ver Guanziroli ,1991, p. 23
105
Quadro 4 - Comparativo da Renda Média nos Assentamentos (em Salários Mínimos) - Brasil/1990-1991
Regiões Norte Nordeste Centro-Oeste
Sudeste Sul Brasil
Renda agrícola líquida 11,27 4,77 8,92 10,75 20,61 9,78 Renda animal líquida 8,25 3,87 9,64 4,75 7,01 6.71 Renda de consumo 19,52 9,69 14,87 21,08 24,31 16,43 Outros Trabalhos 3,80 5,04 4,50 8,43 6,41 4,96 Outras Receitas 6,78 4,54 9,27 4,58 9,13 6,51 Renda Total 50,11 27,91 46,19 49,59 67,47 44,39 Renda Mensal Média 4,18 2,33 3,85 4,13 5,62 3,70 Coeficiente de Variação 0,90 0,85 0,95 0,69 0,81 0,94 Custo/Produção (agrícola) 0,14 0,20 0,22 0,06 0,14 0,15
Fonte: Guanziroli, 1991, p.23
De acordo com o Quadro 4, a renda mensal média nos
assentamentos, no ano de 1991, foi de 3,70 salários mínimos. Essa renda é maior
do que a maioria dos trabalhadores do Brasil, segundo Sampaio (1993, p. 16), o
IBGE apontava em março de 1993, que 52,9% da população ativa brasileira
ganhava menos de dois salários mínimos ao mês.
Alguns índices de desenvolvimento humano dos assentamentos
são compatíveis aos parâmetros exigidos pela OMS (Organização Mundial de
Saúde). Nestes, a fome não está presente, o índice de mortalidade infantil é menor
do que a média do país, a violência é quase nula. Índices que adquirem
significância no confronto com outras realidades. Segundo a diretora da Creche
Municipal de Paranacity, entrevistada durante o trabalho de campo, as crianças
vindas do assentamento, raramente ficam doentes, porque são bem alimentadas e
bem cuidadas, diferentemente, das demais.
Nos municípios que possuem assentamentos, grande parte da
administração municipal afirma a preferência pelos sem-terra no município, aos
106
latifundiários, residindo nos grandes centros e mantendo suas fazendas para
especulação. Um exemplo deste apoio aos Sem Terra foi o documento expedido,
em 1999, pelos vereadores de Querência do Norte, solicitando ao Governador do
Paraná, Jaime Lerner, o fim das perseguições ao MST na região Noroeste.
Experiências têm demonstrado que, nos municípios onde
existem vários assentamentos, ocorreu acréscimo das atividades comerciais. Por
exemplo, existia até 1992, apenas uma metalúrgica na cidade de Querência do
Norte, atualmente, este número aumentou para três metalúrgicas, nesse mesmo
período, existia um pequeno supermercado, hoje, a cidade conta com mais de
cinco supermercados de porte médio14. Conseqüentemente, houve aumento da
arrecadação de impostos, atributos e crescimento do número de habitantes.
Exemplo disso pode ser apontado para o Pontal do Paranapanema, com destaque
para Teodoro Sampaio e Mirante do Paranapanema, e Querência do Norte.
Este último município, antes da implantação do assentamento
Oziel Alves Pereira, estava em decadência: a cidade tornava-se deserta, o
comércio enfraquecia e os estabelecimentos eram obrigados a fechar. Essa
decadência foi relatada pelo microempresário Cezar Matos, durante o trabalho de
campo:
Querência há uns dez anos atrás não era nada, estava desaparecendo, todo mundo estava se mudando. Hoje não, Querência tem muito movimento, muitos armazéns viraram grandes supermercados, a cidade ganhou outro ritmo. Na região, a gente nota, foi a que mais cresceu nos
14 Dados coletados no trabalho de campo.
107
últimos tempos e tudo foi depois que os sem terra chegaram aqui.
Esta constatação pode ser comprovada pelos dados do Censo do
IBGE 2000, que apontam Querência do Norte como o município que teve a maior
taxa de crescimento populacional, em relação aos municípios vizinhos, conforme
mostra a Tabela 4.
Tabela 4 – População Residente - 1996 e 2000 Município Total (1996) Total (2000) Taxa de Crescimento
Anual Icaraíma 10.494 10.017 - 1.16 Porto Rico 2.714 2.547 - 1.58 Querência do Norte 10.448 11.439 2.29 Sta Cruz do Monte Castelo 8.378 8.604 0.67 São Pedro do Paraná 2.809 2.734 - 0.67
Fonte: IBGE, 2000.
De acordo com a Tabela 4, dentre Icaraíma, Porto Rico e São
Pedro do Paraná, Querência do Norte e Santa Cruz do Monte Castelo, municípios
onde existem assentamentos, foram os únicos que não apresentaram decréscimo
da taxa anual de crescimento populacional, em relação aos municípios vizinhos.
Segundo os dados divulgados pela prefeitura, a produção de boi para abate, milho, arroz e mandioca dos assentados do MST em Querência do Norte - produção organizada, centralizada e comercializada por sua própria cooperativa, a COANA foi responsável, em 1998, por uma arrecadação de ICMS equivalente por quase um salário mínimo por habitante da cidade, como demonstra a tabela à esquerda, sem contar os benefícios diretos e indiretos gerados pelo comércio. (Arbex Junior, 1999, p.13).
108
O Quadro 5 ilustra as produções de boi para abate, milho,
mandioca e arroz comercializadas pela COANA, o que permite apreender que a
produção dos assentamentos é relevante, levando-se em conta a recente
implantação dos mesmos (pouco mais de três anos).
Quadro 5 - Produção da Cooperativa do MST em Querência do Norte Produto Total Produzido Preço por
unidade (R$) Total (R$) ICMS (R$)
Bois para abate 1.600 cabeças 540,00 864.000,00 34.560,00 (4%) Milho 155.000 sacas 7,00 1.085.000,00 130.200,00
(12%) Mandioca 70.000 toneladas 55,00 3.850.000,00 462.000,00 (7%) Arroz 150.000 sacas 15,00 2.700.000,00 324.000,00
(12%) Total Geral 8.499.000,00 950.760,00
Fonte: Arbex Junior, 1999, p. 13 * A taxa se aplica quando a venda é efetuada para as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste do Brasil, quando a venda é para as regiões Sul e Sudeste, o ICMS é de 12%. Para efeito de cálculo, utilizamos aqui a menor taxa.
Entrevistando, durante o trabalho de campo, habitantes das
cidades de Querência do Norte e Santa Cruz do Monte Castelo, percebemos que
todos aqueles com os quais falamos demonstraram satisfação com a presença dos
assentados. Disseram que graças aos produtos agropecuários dos assentamentos,
muitos destes, no comércio local, tiveram seus preços reduzidos.
Embora os bons resultados econômicos produzidos pelos
assentamentos sejam evidentes, os assentados contam com restritos mecanismos
financeiros de apoio. O mecanismo de apoio de grande expressão no MST,
materializa-se por intermédio da CONCRAB (Confederação das Cooperativas de
Reforma Agrária do Brasil), órgão de grande importância para a territorialização
109
do movimento, responsável pela dinamização da produção/circulação dos
produtos. Nas palavras de Ribas (1999, p. 6),
A criação da CONCRAB significou a consecução do aparato legal, vislumbrando, do ponto de vista organizativo a posterior consolidação e implementação, em escala nacional, do SCA, cujo sentido ideológico é acoplar uma totalidade de assentados para a continuação do debate do vir a ser do desenvolvimento das práticas políticas voltadas à cooperativização, já que a CONCRAB limita a participação aos associados ‘O SCA seria uma estrutura única, dirigida pelo MST ( um setor do Movimento ), e deveria trabalhar para que a cooperação aumentasse (todos os assentados deveriam estar ligados a uma forma de cooperação, nem que seja mínima) e que poderia se constituir de diferentes formas’.
A CONCRAB é muito mais do que uma bandeira de luta ou de
uma cooperativa pura e simples, ela figura como estratégia geral para todos os
assentamentos sob a égide do MST.
Outro mecanismo que os sem terra utilizavam era o PROCERA
(Programa de Crédito Especial à Reforma Agrária) que, nos últimos anos, foi a
fonte de recursos mais utilizada para a estruturação dos assentamentos. Nesse
Programa, o assentado poderia levantar dos cofres públicos R$ 7.500, 00 para
investimentos e mais R$ 2.000,00 para custeio da lavoura, estes valores seriam
pagos com dois anos de rebate (carência) e, a partir deste prazo, mais cinco anos
para o pagamento. Caso o pagamento fosse efetivado dentro dos prazos pré-
estabelecidos, haveria desconto de 50% do valor total financiado.
110
Segundo Giovani Braun, coordenador da COANA (Querência
do Norte) e Jaques Pelens, coordenador da COPAVI (Assentamento Santa Maria),
o PROCERA facilitou a plantação de produtos agrícolas nos assentamentos.
Porém, com a decisão do governo federal de substituir este programa pelo
PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), cujas
verbas nunca chegaram aos pequenos produtores, conforme o Jornal dos
Trabalhadores Sem Terra (n. 206, dez/jan. 2000/2001, p. 8):
O governo fez muita propagando do PRONAF (Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Mas não conseguiu iludir muita gente. As principais organizações dos pequenos agricultores, a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) e suas federações, e o MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores) passaram o ano nas estradas de Brasília, porque no banco nunca chegaram os recursos.
E, conforme justificou Braun, os assentados estão receosos em
utilizar os recursos do governo, porque têm medo de perder a terra por
inadimplência do contrato. Com a criação do Banco da Terra, em 1999, o governo
conseguiu, mais uma vez, relegar as necessidades dos pequenos agricultores e
tentar desmobilizar o Movimento. Segundo Carvalho (1999):
Desorientado pela impossibilidade de dissuadir suas ações pela repressão político-militar, o Governo Federal, com o apoio dos setores civil-militar e do Banco Mundial, entra com nova estratégia governamental, não mais dando ênfase às iniciativas no campo político-administrativo e ideológico, mas sim no econômico através com o
111
programa Cédula da Terra e a criação do Banco da Terra, ambos formas institucionais da proposta de reforma agrária pelo mercado. Qual o objetivo da reforma agrária pelo mercado, ou sejam, dos em execução e a dos executados pela Cédula da Terra e o Banco da Terra? A Possibilidade de mudar a correlação de forças político-ideológicas, a partir de iniciativas diretamente no econômico junto aos trabalhadores rurais sem terra desorganizados. E, nessa mudança de correlação de forças, deslegitimar socialmente o MST.
A assistência aos agricultores assentados é a mesma oferecida
aos pequenos agricultores. No entanto, os sem terra assentados exercem, por meio
de manifestações, pressão sobre os órgãos públicos, responsáveis pelos
financiamentos agrícolas, a fim de conseguir o que a lei lhes garante e é protelado
pela burocracia governamental. Dessa forma, eles conseguem mais recursos que
os pequenos produtores que agem, individualmente, e de forma isolada, ou seja,
independente de referenciais coletivos.
Segundo Miranda (1999, p. 21):
A valentia do MST na organização dos trabalhadores e na ocupação de terras improdutivas é conhecida, Pouquíssima gente sabe, que os caboclos (de todas as tonalidades de pele e de olhos) são bons de enxada. Reclamam que não se divulga seu crescente nível de produção e a expansão silenciosa, mas efetiva, de sua rede de comercialização. Querem vender mais, para produzir ainda mais. O levantamento preliminar da safra 98/99, que ainda está em andamento - e somente em algumas regiões de assentamento.
112
O Quadro 6 mostra, nacionalmente, a dimensão econômica nos
assentamentos do MST que, mesmo sob pressões e ameaças, produzem
quantidades de cereais que o país não pode prescindir:
Quadro 6 - A Produção nos Assentamentos do MST Produto Colheita Parcial Região
Arroz 100 mil sacas 100 mil sacas
Porto Alegre – RS Querência do Norte – PR
Feijão 35 mil sacas 100 mil sacas 120 mil sacas
Itapeva – SC Oeste e Planalto – SC COAGRI – PR
Milho 600 mil sacas 6 mil sacas
COAGRI - PR COANOL – RS
Soja 136 mil sacas 50 mil sacas 60 mil sacas
COANOL – RS Jóia COAGRI - PR
Leite 15 mil litros/dia 10 mil litros/dia 8 mil litros/dia 1 mil litros/dia
COOPEROESTE - SC COANOL – RS COAGRI – PR Porto Alegre - RS
Fonte: Cadernos do Terceiro Mundo, 1999, n.211, p.21.
No que se refere à produção de arroz, o Quadro 6 mostra a
produção nas regiões de Porto Alegre-RS e de Querência do Norte - Paraná. Em
ambas, a produção é a mesma (100 mil sacas) e, em relação a outros produtos, as
produções são significativas.
Outros resultados positivos dos assentamentos podem ser
constatados nos assentamentos Oziel Alves Pereira e Santa Maria. O primeiro,em
1999, produziu em torno de 6.500 toneladas de mandioca15, e embora não filiado à
COANA, como cooperado, participa com a mesma na estruturação do MST em
Querência do Norte.
15 Informação colhida no trabalho de campo.
113
Esta cooperativa foi fundada em dezembro de 1995 e, hoje, é
um referencial do Movimento no extremo Noroeste do Estado do Paraná. Além de
ser um ponto de apoio às necessidades básicas econômicas dos assentados, vem
realizando, basicamente, a compra de parte do leite, produzido nos assentamentos
sob sua influência, atualmente, em torno de 8.000 litros/dia e, com a instalação da
unidade de resfriamento do leite, que deverá ocorrer nos próximos meses,
pretende-se atingir a marca dos 20.000 litros/dia e ainda, está sendo instalada na
sede da COANA, infraestrutura de alojamento e refeitório para o apoio aos
militantes em trânsito.
O Quadro 7 mostra os assentamentos e acampamentos sob a
influência da COANA
114
Quadro 7 - Assentamentos na Área de Abrangência da COANA Município Assentamento Acampamentos Sócio da
COANA Número de
Famílias Querência do Norte Chico Mendes sim 79 Querência do Norte Pontal do Tigre sim 328 Querência do Norte Che Guevara sim 79 Querência do Norte Zumbi dos Palmares não 23 Querência do Norte Santa Ana não 21 Querência do Norte Luiz Carlos Prestes não 50 Querência do Norte Margarida Alves não Querência do Norte Água da Prata - *- Querência do Norte Perdigão - *- Querência do Norte Santa Terezinha - *- Querência do Norte Porangaba II - *-
Sta. Cruz do M. Castelo
Oziel Alves Pereira não 14
Sta. Cruz do M. Castelo
Paraná não *
Sta. Cruz do M. Castelo
17 de Abril não *
Sta Cruz do M. Castelo
Teixeira não *
Mirador Monte Azul não 28 Marilena Sebastião Camargo não 41 Marilena Santo Ângelo não 37 Marilena Quatro Irmão não 29
Nova Londrina Brizanta não * Sta Mônica Ilgo Peruso não 37
Planaltina do Paraná Sumatla não 96 Amaporã Antônio
Conselheiro não 35
Total 19 04 - 916 Fonte: Pesquisa de Campo, 2001. * Dados não conhecidos pelo coordenador Giovani Braun.
O assentamento Santa Maria, sede da COPAVI, Paranacity-
Paraná, na safra 2000/2001 obteve resultados significantes na produção de leite:
24.000 litros/mês, de carne suína: 650kg/mês, de carne de frango: 2300kg/mês, de
melado de cana-de-açúcar: 1500kg/mês e de hortaliças em torno de
8.500kg/mês16. Dentre os bons resultados desse assentamento, destacamos, ainda,
16 Dados fornecidos por Valmir Stronzake, escriturário e sócio da COPAVI.
115
prêmio internacional recebido pela COPAVI, no dia 29 de julho de 2000, pelo
projeto: “Secagem de Frutas por Energia Solar Térmica”.
Mesmo sob a intensa repressão de uma classe social, articulada
com o poder econômico para manter o sistema vigente, os sem terra mostram que
a reforma agrária é uma das saídas para solucionar grande parte dos problemas da
população excluída.
Os bons resultados verificados, nos assentamentos, é a prova de
que a persistência obstinada, daqueles que querem viver da terra é a esperança
para viabilizar novos referenciais para os trabalhadores brasileiros.
Sendo assim, percebemos que é possível acreditar. Mais ainda, é
possível entender que a “uniformização” da desesperança é retórica ideológica do
monopólio dos meios de comunicação, controlado pelo grupo dominante.
116
CAPÍTULO IV – AS NOVAS PERSPECTIVAS DO
TRABALHO: O USO DA TERRA NOS ASSENTAMENTOS
SANTA MARIA E OZIEL ALVES PEREIRA
Para podermos pensar as perspectivas dos assentamentos Santa
Maria e Oziel Alves Pereira, torna-se necessário contextualizá-los no sistema
econômico ao qual estão inseridos. Para que isso seja possível, inicialmente,
faremos uma breve síntese da relação mercado/capital, tendo como base o
processo de industrialização da agricultura brasileira.
As transformações ocorridas no modo de produção, a partir da
revolução industrial, têm evidenciado a tendência ao esvaziamento do campo e a
concentração da população rural nas cidades.
O capital se territorializa em nível regional, nacional e
internacional, fracionando o trabalho, ou seja, criando mecanismos legais como,
por exemplo, a limitação espacial da jurisdição dos sindicatos dos trabalhadores,
enquanto o capital não encontra barreiras legais na sua territorialização,
extrapolando os limites políticos territoriais (Thomaz, 1999) e, ainda,
especializando as atividades produtivas e promovendo, com isso, a divisão social
e territorial do trabalho, que sustenta a hegemonia dos grandes capitalistas.
No entendimento de Andrade (1992, p.31),
117
A Revolução industrial, deflagrada no século XVIII, iria consolidar a evolução capitalista e consagrar a divisão internacional do trabalho. Desse modo os países centrais, metropolitanos, consolidariam seu domínio sobre os países colonizados transformando-os não só em fornecedores de matérias primas como também em consumidores de produtos industrializados.
Nas três últimas décadas, a reestruturação produtiva do capital
repercutiu, fortemente, no universo do trabalho com variáveis que formataram o
novo modelo fabril, tal como a passagem do fordismo para o toyotismo - a
agricultura “part-time”. De acordo com Thomaz Junior (2001, p.11), esse
processo
... criou, portanto, uma classe trabalhadora que se fragmentou, se heterogeneizou e se complexificou, a ponto de apresentar-se mais qualificada em determinados setores, inclusive com relativa intelectualização do trabalho e desqualificada e extremamente precarizada em outros, evidências do que se denominou de sociedade dual e assegura à categoria trabalho, papel central na sociedade do trabalho.
Sendo assim, a divisão internacional do trabalho provocou um
grande êxodo rural na história da humanidade.
A Tabela 5 mostra a evolução da urbanização do Brasil, no
período de 1940-2000.
118
Tabela 5 - Demonstrativo da Urbanização no Brasil - 1940-2000 Ano Urbanização (%) 1940 31,24 1950 36,16 1960 44,67 1970 55,92 1980 67,57 1990 77,13 2000 81,22
Fonte: IBGE, 2000.
Percebe-se, por intermédio da tabela 5, que, em mais de
cinqüenta anos, 40,5% do total da população do campo foi transferida para as
cidades. Essa transferência representou, no ano 2000, 137,3 milhões de pessoas,
equivalente a 81,22%. Esse processo de mobilização, ocorrido no Brasil, trouxe
grandes complicações sociais, causadas pelo descompasso entre a chegada desse
contingente humano e as condições de infraestrutura das cidades, porém, em
países desenvolvidos não representou grandes problemas, visto que a
infraestrutura das cidades, nesses países, foi capaz de neutralizar o impacto do
aumento rápido da população urbana. Assim, nos países periféricos, esse
processo sacrificou o bem estar de várias gerações, expondo-as ao pior das
aglomerações humanas: a falta de assistência às necessidades básicas. Essa
excludência se expressa nas periferias das cidades, onde os trabalhadores e suas
famílias ficam relegados à sorte, submetendo-se às condições subumanas na busca
da sobrevivência.
Essa urbanização exagerada foi ruim para as questões sociais.
No entanto, para o capital, o grande contingente humano advindo do campo,
constituiu-se no modo mais fácil e barato de garantir sua reprodução ampliada.
Isso porque, formou-se um contingente excedente de mão-de-obra que garantia o
119
rebaixamento dos salários e a continuidade da exploração em níveis satisfatórios,
seguidos da manutenção dos índices de mais-valia.
O reflexo maior se verificou no campo e, de acordo com Silva
(2000), o status da agricultura sofreu impacto transformador muito grande com a
tendência de industrialização do campo. Nesse período,
A indústria gradativamente vai assumindo o comando do processo de acumulação de capital: o país vai deixando de ser “eminentemente agrícola” (...) Durante essa fase, a industrialização se faz pela ‘substituição das importações”: um determinado produto, que era comprado no exterior, passa a ter sua produção estimulada no país através de barreiras alfandegárias, que incluíam desde impostos elevados até a própria proibição da importação. Mas vai ficando cada vez mais difícil essa substituição. Antes eram tecidos, louças, chapéus; agora são eletrodomésticos, carros que precisam ser produzidos internamente. E para isso se faz necessário primeiro implantar a indústria pesada no país: siderurgia, petroquímica, material elétrico, etc. - o que é feito no período de 1955/61. Resolvido o problema da indústria, vai-se iniciar o que se poderia chamar de industrialização da agricultura. (SILVA, 2000, p.26-27).
No Estado do Paraná, ocorreram mudanças consideráveis. O
processo de industrialização atingiu, frontalmente, os interesses dos produtores de
café. Esses agricultores, por mais de quarenta anos, acostumaram-se ao cultivo em
terras naturalmente férteis, enfrentaram dificuldades a partir dos anos 70, quando
se debateram com dois problemas: 1) esgotamento do solo, 2) com a alternativa
que a indústria lhes oferecia, ou seja, a possibilidade de “fabricá-lo”. Para isso,
bastava a utilização dos novos produtos industriais, ou seja, insumos agrícolas,
120
fertilizantes químicos, tratores, arados, medicamentos veterinários, herbicidas e
inseticidas, como expressa Silva (2000, p. 27-28):
O importante é que, a partir, da constituição desses ramos industriais no próprio país, a agricultura brasileira iria ter que criar um mercado consumidor para esses novos meios de produção. Para garantir a ampliação desse mercado, o Estado implementou um conjunto de políticas agrícolas destinadas a incentivar a aquisição dos produtos desses novos rumos da indústria, acelerando o processo de incorporação de modernas tecnologias pelos produtores rurais. A industrialização brasileira entrava assim numa outra etapa.
Essa dimensão do processo capitalista, sem dúvida, provocou
avanços tecnológicos; grandes safras agrícolas; aumento vertiginoso da produção
na indústria. Porém, provocou o confronto entre os modos de produção capitalista
e socialista, que disputavam a hegemonia mundial. Esse confronto culminou em
duas guerras mundiais que se findaram, quando as grandes potências econômicas
perceberam que era inviável o domínio pela força. A partir de então, estava sendo
preparado o palco para o advento da “globalização”17.
Nesta “nova” ordem da divisão do trabalho, o campo foi
perdendo cada vez mais mão-de-obra, face à entrada maciça das máquinas
(colheitadeiras, plantadeiras, implementos, insumos) fabricadas pelos operários
urbanos. As indústrias atraíam, cada vez mais, populações liberadas do meio rural,
enquanto sofisticava a produção agrícola, batendo recordes em toneladas a cada
17 Com base no entendimento de Andrade (1996), o termo Globalização, aqui utilizado, tem o significado de Transnacionalizacão de empresas, ou seja, do capital na busca da exploração e reprodução ampliada noutros países.
121
safra, dando a certeza que os males do mundo se resolveriam pelo avanço do
conhecimento tecnológico da humanidade e do mercado. No entanto, Rodrigues
(2000, p.24) lembra que Os progressos da ciência e da técnica quase excederam o
imaginável (...) Entretanto, neste patamar do terceiro milênio, o saber não se
encontra colocado a serviço de um projeto humanista planetário.
A mecanização da agricultura, embora tenha sido eficiente no
aumento da produção mundial de cereais, provocando liberação de mão-de-obra e
transferência de milhões de pessoas para as cidades, não conseguiu resolver o
problema da fome que atinge, atualmente, 4/5 da população humana mundial.
Sob as condições impostas por um sistema econômico, cuja
prioridade é o capital, numa atitude de rebeldia e resistência, o Movimento se
estruturou, surgindo inúmeros acampamentos e assentamentos. O futuro e a
sobrevivência dependerão da autonomia do trabalho conquistada por eles, ou seja,
da sua capacidade de organização.
Os trabalhadores dos assentamentos Santa Maria e Oziel Alves
Pereira vivem contextos diferentes em relação ao ritmo de trabalho. O tempo de
trabalho e o tempo livre, dos grupos, referenciam-se de forma particular. No
assentamento Santa Maria, tanto o tempo de trabalho como o tempo livre é
controlado pelo relógio e registrados nas pranchetas da administração. No
assentamento Oziel Alves Pereira, por outro lado, o tempo não é rigorosamente
controlado por uma administração central. A forma de produção individual
permite que cada assentado determine, juntamente com sua família, a maneira
como irá utilizar o tempo. As lides do assentamento não são controladas, nem
122
registradas em pranchetas. O controlador do tempo é um relógio biológico, o
tempo no compasso da natureza, é o tempo da “vida da semente”, ou seja, do
plantio, da formação da lavoura e da colheita, muito embora, está submetido num
contexto maior do sistema capitalista de produção.
4.1 O Assentamento Santa Maria
Assentamento Santa Maria que se constitui numa cooperativa
de produção agrícola (CPA) COPAVI, concebida para se inserir no mercado de
produção e comercialização de produtos agropecuários para enfrentar a
concorrência de empresas, tradicionalmente, competentes.
Para entender melhor o processo de transformação que se
desenvolve, é preciso entender o contexto da formação histórica do assentamento,
que se inicia no tempo de convivência destes com a terra e, ainda, no tempo em
que ficaram acampados.
Historicamente, esses trabalhadores vêm de famílias de
pequenos agricultores ou de experiências nas grandes fazendas. Antes de serem
assentados, participavam de organizações coletivas, por meio de movimentos
sociais, conforme demonstra o Gráfico 6.
123
Gráfico 6 - Participação da População Adulta do Assentamento Santa Maria em Outra Organização
6
10
2
11
5
0
1
3
7
1
6
8
1
3
0
2
4
6
8
10
12
Sindica
to
Coope
rativ
aIg
reja
Outro
s
Nenhu
ma
N. d
e P
esso
as
Homem
Mulher
Fonte: Guhur, 1999, p.11
Como se constata, no Gráfico 6, havia um número elevado de
pessoas militantes em sindicatos e partidos políticos. Essas participações podem
ter colaborado na decisão pelo sistema de cooperativa, como expressa o
depoimento da assentada Claudete, colhido na COPAVI .
A gente sempre pensava, temo que tá todo mundo unido. A união deixa a gente mais forte. Isso nosso pai sempre dizia. O pessoal do movimento também nos ajudou muito, sempre falavam para nós, que o jeito melhor de enfrentar tudo é estar unido. Daí eu penso a vida no tempo no acampamento também ajudou o grupo a decidir pelo o coletivo. E como você tá vendo, tá dando certo. A gente trabalha mais, mas vê crescer mais também.
124
Os assentados da COPAVI, ao optarem pela forma de
cooperativa, vislumbraram um ritmo diferente nas suas atividades, daquele ao
qual estavam submetidos. A Cooperativa, ao alterar a forma de produzir, alterou a
vida dos seus filiados, transformando-a em um grande desafio: deixar a condição
de trabalhadores volante sem terra, para tornarem-se empresários competitivos no
mercado. Em menos de dez anos de existência da COPAVI, o desafio parece estar
sendo, parcialmente, vencido, porque a cooperativa conseguiu inserir-se no
mercado, por meio da comercialização de vários produtos, tais como: frango, leite,
iogurte, aguardente entre outros.
Observando a rotina da cooperativa, vê-se que os associados têm
um ritmo de trabalho semelhante ao ritmo de um operário urbano, cujas horas
trabalhadas são controladas na “ponta do lápis”. Trabalham, ininterruptamente
durante oito horas diárias, complementando-as, muitas vezes, com horas extras. O
ritmo para o desenvolvimento das tarefas e cumprimento das metas de produção
da cooperativa é estabelecido de acordo com os objetivos do grupo. Esses
objetivos são influenciados pela necessidade de produção para atender ao
mercado.
Sendo assim, a estrutura organizativa de produção da COPAVI
recebe influências do mercado e do momento de transição do método de produção
Fordista (Estados Unidos) para o Toyotista (JAPÃO), como acontece na maioria
dos países.
125
Por conta disso, as alterações estruturais nas relações
capital/trabalho, as alterações nas formas do trabalho rural/urbano passam por
reformulações conceituais. Sendo assim, Silva (1999, p. 1) escreve:
Está cada vez mais difícil delimitar o que é rural e o que é urbano. Mas o tema que aparentemente poderia ser relevante, não o é: diferença entre o rural e o urbano é cada vez menos importante. Pode-se dizer que o rural hoje só pode ser entendido como um continuun do urbano, do ponto de vista espacial; e do ponto de vista da organização da atividade econômica, as cidades não podem mais ser identificadas apenas com a atividade industrial, nem os campos com a agricultura. Em poucas palavras, pode-se dizer que o meio rural brasileiro se urbanizou nas duas últimas décadas, como resultado processo de industrialização da agricultura, de um lado, e, de outro, do transbordamento do mundo urbano naquele espaço que tradicionalmente era definido como rural.
Nos dias de convivência com os associados da COPAVI, o que
se percebeu foi o ritmo intenso como esses trabalhadores desenvolvem suas
atividades. O horário de descanso coincide com o horário de refeição (1 hora e 30
minutos). Porém, as metas exigem, fazem horas de trabalho extras que são
registradas e computadas no momento da divisão dos lucros.
As despesas pessoais com a alimentação são socializadas na
proporção do consumo de cada família. O cumprimento e produtividade nas lides
para a produção da cooperativa são feitos segundo características próprias de cada
trabalhador e, também, pelas metas traçadas pelos filiados, em planejamento
conjunto. A administração do tempo livre, ou seja, o tempo de liberação do
126
trabalho e o de férias anuais dos filiados dão-se pelas normas vigentes na
cooperativa, dentro dos parâmetros legais.
A rotina do assentamento está pautada em torno da produção e
da superação das dificuldades de competir num mercado bastante concorrido.
Segundo o trabalhador Ildo ...as dificuldades são resolvidas através de reuniões,
informações vindas da coordenação do Movimento, visita em outras cooperativas
e correções de rumos traçados nas reuniões de planejamento da cooperativa..
Portanto, em pouco mais de nove anos de existência, parece
existir vida própria no desenvolvimento das metas da cooperativa.
A COPAVI, dentro do contexto de produção capitalista,
constantemente, cria estratégias para sua territorialização no mercado que exige,
cada vez mais, criatividade, aperfeiçoamento e competitividade. Exemplo disso
será o lançamento do selo de qualidade da produção para seus produtos, com isso
deverá dar mais um passo rumo à concretização de seus objetivos.
Os trabalhadores da COPAVI praticam a autonomia do trabalho,
da produção e da comercialização de seus produtos dentro da lógica capitalista. O
diferencial deste empreendimento está no fato dela mesma, por enquanto, poder
produzir e comercializar sua produção sem explorar os associados. Isso lhes
confere maior lucro e promove, conseqüentemente, a inclusão dos mesmos no
sistema.
127
4. 2 O Assentamento Oziel Alves Pereira
Os trabalhadores do assentamento Oziel Alves Pereira, ao
elegerem a forma individual para a exploração da terra, não vislumbraram
perspectivas de inserção competitiva no mercado capitalista, pelo menos no
primeiro momento de vida do grupo. As referências individuais de utilização da
terra concorreram para que os trabalhadores não ousassem em suas metas para a
exploração econômica dos seus lotes, o que fez com que o assentamento não
apresentasse grandes avanços.
Embora quase todos os assentados tenham a mesma origem
regional, Sul, Sudoeste e Oeste do Estado do Paraná, e antepassados com a mesma
origem camponesa, que viveram, por quase três anos, comunitariamente, sob
barracas de lona plástica no acampamento, essa história comum não garantiu, ao
grupo, a opção pelo referencial coletivo de uso e exploração da terra.
Algumas reuniões foram realizadas pela coordenação do
Movimento no sentido de indicar a opção coletiva, porém, sem sucesso. O grupo,
desde o primeiro momento, optou pelo sistema individual. Isso fica evidente no
depoimento de Antonio Canabarra:
O coletivo não é para nós. Nós não semos estudado o bastante para isso. O coletivo é só pra quem tem entendimento. O nosso negócio é cada uma pra si e Deus pra todos. Quando a terra é da gente a gente trabalho o dia que quer e quando não quer fica dormindo e ninguém te perturba.
128
Dentre todos os assentados, apenas o Beto concorda com o
sistema coletivo. Disse ele, em entrevista realizada no assentamento,
É, a gente entende que o certo seria o trabalho coletivo aqui pra nós, mas ninguém quis. Quem toma porre são os capitalistas, pois quanto mais dividido nós estiver, mais fácil a exploração da nossa mão-de-obra. Um dia ainda quero fazer parte de um grupo coletivo. Quem sabe mais tarde aqui mesmo o pessoal não muda, né?
O que se percebeu, entre os assentados, foi a falta de
participação política em movimentos coletivos. Apenas um deles tem essa
experiência, os demais nunca tiveram participação ativa nessas organizações.
Vários assentados estão trazendo parentes para morarem junto,
nos lotes, alegam que, além de ajudá-los a conseguir um lugar para trabalhar, estes
vêm somar à mão-de-obra e, ainda, permite a possibilidade do revezamento, em
caso da necessidade de se ausentarem do assentamento, o que é complicado
quando só uma família mora no lote.
Os assentados, trabalhando individualmente e sem capacidade
própria de investimentos econômicos, produzem no limite da subsistência,
utilizando apenas os incentivos do PROCERA. Com este financiamento
construíram suas casas e aplicou parte do incentivo na lavoura de mandioca,
primeira atividade econômica do assentamento.
Atualmente, plantam a mandioca (em 100% dos lotes), milho
(em 100% dos lotes), café (em 40% dos lotes), feijão (em 100% dos lotes) e a
criação do gado bovino leiteiro é praticada por todos, porém, somente 80% dos
129
assentados têm algum investimento neste setor. Nas atividades de subsistência,
criam porcos, galinhas e cultivam hortaliças e pomares.
A falta de poder econômico do grupo, a inexistência da energia
elétrica, o trabalho individual e as mudanças nos programas governamentais de
incentivos à agricultura fez com que os assentados deixassem de contratar
empréstimos, devido ao risco pelas suas condições de pagamento, o que não tem
permitido expansão das atividades econômicas.
Nesse contexto, os trabalhadores do Oziel Alves Pereira,
desprovidos de maquinários e implementos agrícolas praticam agricultura semi-
artesanal. Estão inseridos no mercado capitalista na condição de submissão. Não
poder concorrer no mercado com seus produtos faz com que, comercialmente, os
assentados fiquem expostos aos especuladores que, ao procurar seus produtos,
submete-os a preços estipulados unilateralmente. Sem alternativa, os assentados
vendem a produção, levando-se em conta apenas a sobrevivência.
Esta condição, embora pareça um tanto incômoda, não tira dos
assentados a satisfação de estarem na terra. Lembram do tempo anterior ao
assentamento, quando a fome os espreitava e, hoje, contudo, essa ameaça não
mais existe. O tempo todo agradecem à vida e à fartura de alimentos básicos que
possuem. Consideram esse fato como a grande conquista da luta que
empreenderam. Para o futuro, esperam, pacientemente, as instalações da rede de
energia elétrica, pois com sua instalação farão uma retomada nos rumos das suas
atividades econômicas.
130
A comparação entre as condições socioeconômicas e entre a
autonomia do trabalho nos assentamentos Santa Maria e Oziel Alves Pereira
mostra que o Santa Maria, cuja forma de produção é coletiva, foi o que mais
obteve resultados positivos, levando-se em conta os aspectos econômicos. A união
do grupo parece ter encorajado os assentados a investirem na terra e a inserirem
seus produtos no mercado consumidor. Isso não aconteceu com o Oziel Alves
Pereira, que se manteve pautado no modelo de produção individual, ou seja, no
modelo de economia artesanal.
Diante disso, vemos que as perspectivas de sobrevivência e
manutenção do Santa Maria são mais favoráveis que as do Oziel Alves Pereira.
Isso porque, de acordo com Görgen & Stédille (1991, p.151),
... .os assentados só resistirão ao capitalismo no campo se estiverem capacidade de sair da agricultura artesanal e modernizar as relações sociais de produção; caso contrário, serão tragados novamente e expelidos paras periferias das grandes cidades.
131
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O MST é um movimento social que não vê a conquista da terra
apenas pela terra. Quer ir mais longe com a luta, quer a terra, busca ampliar os
desdobramentos políticos da luta e da conquista da terra, mas quer, ainda, a
transformação do modo de produção. Quer, enfim, a transformação da sociedade
como um todo, buscando neutralizar o processo de excludência social. Nesse
sentido, o estudo que realizamos, a respeito dos assentamentos Santa Maria e
Oziel Alves Pereira, revelou aspectos importantes da realidade dessa luta e da vida
dos assentados.
Face à complexidade que demanda o tema, muitos aspectos
dessa realidade ainda ficaram obscuros, pelo menos neste momento preliminar dos
estudos, como por exemplo: a inserção independente dos assentados no sistema
capitalista; o que é viável a economia ou o bem estar social dos trabalhadores?
Qual é o referencial ideal de uso e exploração da terra? Os assentamentos se
reproduzirão como foram implantados? O Movimento se reproduzirá nos moldes
da sua ideologia?
Dentre algumas constatações que conseguimos alcançar, foi
possível perceber que, na trajetória do acampamento ao assentamento, os
trabalhadores e suas famílias manifestam contentamento por terem conseguido a
terra. São unânimes em afirmar que a vida deles mudou, substancialmente, e que a
luta pela terra compensou. A realidade dos assentamentos Oziel Alves Pereira e
Santa Maria são realidades de uma mesma luta, mas que apresentam diferenças
132
explícitas. O fato de serem constituídos por referenciais diferentes, individual e
coletivo, não contraria as metas do MST, vez que este Movimento viveu a fase da
conquista da terra, da produção de subsistência, da produção comercial, o
individual, o coletivo, enfim, dado seu tempo de existência, seria, praticamente,
impossível que já estivesse com todas suas metas consolidadas.
Outro aspecto visível é a condição financeira dos assentados que
ganham bem acima da média do trabalhador brasileiro. Isto se percebe no
assentamento Oziel Alves Pereira, quando os assentados, de forma prática
calculam seus rendimentos anuais dizendo: ... aqui todo mundo planta mandioca,
em média uns seis alqueires. A produção por alqueires é de 70 toneladas,
vendemos por média de R$ 60,00, por aí você vê que estamos ganhando bem. Já
no assentamento Santa Maria, os cálculos são totalmente diferentes. Em primeiro
lugar, os trabalhadores pensam na capitalização da cooperativa, somente depois é
que ponderam sobre os rendimentos dos sócios. Constatamos que retiram menos
em termos de salários, mas capitalizam mais como sócios da COPAVI. Esta é
uma das principais diferenças entre os assentamentos. Isso se fundamenta, tendo
em vista, as metodologias de organização do trabalho para a produção, adotadas
pelos trabalhadores, ou seja, o referencial individual e coletivo de organização do
trabalho no assentamento.
Na dimensão do MST, os trabalhadores do assentamento Santa
Maria, em relação aos objetivos econômicos da luta, parecem estar mais alinhados
com as metas propostas pelo Movimento; enquanto os trabalhadores do Oziel
Alves Pereira, embora em sintonia com a luta, ainda, encontram-se num estágio
133
menos avançado, em relação à organização do trabalho e, conseqüentemente, da
apropriação econômica da luta. Isto denota um descompasso na aparente
capitalização dos dois assentamentos, parecendo que na COPAVI há uma
modernização da produção e no Oziel Alves Pereira ainda impera a produção
semi-artesanal, ou seja, esta se dá nos moldes da agricultura tradicional. Esse
descompasso, observado no aspecto econômico, também produz outros
desdobramentos que, por sua vez, expressam outras diferenças entre os
assentamentos em apreço.
Embora, aparentemente, estejam num mesmo patamar social, os
assentados vivem grandes diferenças, motivadas pela falta da energia elétrica no
Oziel Alves Pereira, que impõe às famílias uma rotina de muitas dificuldades. Por
outro lado, este fator impõe aos trabalhadores do assentamento Santa Maria um
ritmo de trabalho intenso nas jornadas diárias, causada pela possibilidade de
usufruírem a mecanização. Portanto, a questão posta sem resposta é: Estes
assentados conseguirão se reproduzir? O referencial praticado no uso e na
exploração da terra individual, predominante nos assentamentos do MST, dará a
resposta que o Movimento necessita ou busca? Os assentamentos terão
sustentabilidade política e econômica? Todos os assentados, envolvidos neste
estudo, progrediram social e economicamente, de forma substancial, em relação
ao seu status anterior?
Em linhas gerais, a pesquisa reafirmou o que tínhamos como
hipótese, ou seja, a luta pela terra é necessária e imprescindível e os
assentamentos ainda são uma forma de promoção humana.
134
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