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U NIVERSIDADE F EDERAL DO A CRE P-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS NATURAIS Dissertação de Mestrado A BORRACHA VEGETAL EXTRATIVA NA AMAZÔNIA: Um estudo de caso dos novos encauchados de vegetais no Estado do Acre Francisco Samonek Rio Branco, Acre. 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS NATURAIS

Dissertação de Mestrado

A BORRACHA VEGETAL EXTRATIVA NA AMAZÔNIA: Um estudo de caso dos novos encauchados de vegetais no Estado

do Acre

Francisco Samonek

Rio Branco, Acre. 2006

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Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

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Universidade Federal do Acre Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação

Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais

A BORRACHA VEGETAL EXTRATIVA NA AMAZÔNIA: Um estudo de caso dos novos encauchados de vegetais no Estado

do Acre

Francisco Samonek

Rio Branco, Acre. 2006

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais da Universidade Federal do Acre, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais, tendo como orientador o Prof. Dr. Elder Andrade de Paula.

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SAMONEK, F. 2006.

Ficha catalográfica preparada pela Biblioteca Central da UFAC S191b

SAMONEK, Francisco. A borracha vegetal extrativa na Amazônia: um estudo de caso dos novos encauchados de vegetais no Estado do Acre. 2006. 160 f. Dissertação (Mestrado em Ecologia e Manejo dos Recursos Naturais) – Departamento de Ciências da Natureza, Universidade Federal do Acre, Rio Branco-Acre. Orientador: Prof. Dr. Elder Andrade de Paula 1. Látex nativo, 2. Povos indígenas e seringueiros, 3. Novos encauchados de vegetais, 4. Tecnologia social, 5. Desenvolvimento regional, 6. Sustentabilidade, I. Título.

CDU 581.5 (811.2)

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Elder Andrade de Paula, por acreditar na importância da borracha extrativa para

o desenvolvimento regional e por ter orientado o presente estudo.

Ao Prof. Dr. Jacó César Piccoli, UFAC/DFCCS, pela oportunidade e apoio, abrindo

importantes espaços e negociando parcerias estratégicas não só para a viabilizar o projeto das

pesquisas que deram embasamento ao presente trabalho, mas também para elaborar, aprovar e

executar projetos de extensão para o repasse da tecnologia, transformando, assim, os

resultados da pesquisa acadêmica em ações concretas em benefício dos povos indígenas.

Ao CNPq pela aprovação do projeto “Ciência e Saber Tradicional na Amazônia: Os novos

encauchados produzidos na TI Kaxinawá de Nova Olinda”, através da Seleção Pública de

Propostas para Apoio a Projetos de Tecnologias Sociais para Comunidades Tradicionais e

Povos Indígenas - Edital MCT/MMA/SEAP/SEPPIR/CNPq nº 26/2005, o que está

proporcionando condições para o repasse da tecnologia como resultado de nossas pesquisas.

Aos Coordenadores e representantes do PPTAL, que viabilizaram a inclusão de nossas

pesquisas no Projeto de Vigilância e Fiscalização de Terras Indígenas do rio Envira, apoiando

a montagem da infra-estrutura e o repasse da tecnologia dos novos encauchados de vegetais

para 11 aldeias indígenas, como atividade de uso sustentável dos recursos florestais, associada

às atividades de proteção das TIs.

Aos administradores e funcionários da FUNAI-AC, Sr. Antonio Ferreira da Silva (Apurinã),

Julio Barbosa (Kaxinawá), José Áureo Castro, que permitiram a execução do projeto dos

novos encauchados com o povo Kaxinawá e Shanenawa, do rio Envira, o que permitiu a

obtenção dos dados necessários para o presente relatório.

Aos povos indígenas Shanenawa e Kaxinawá do rio Envira, representados pelo Sr. Carlos

Brandão, do PIN Feijó e Jaime Barbosa, Administrador da OPIRE, que não mediram esforços

para a organização do seu povo para a implantação do presente projeto.

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Aos amigos da RESEX Cazumbá/Iracema, Nenzinho e ao casal Nonato e Leonora, pelo

esforço e dedicação na viabilização das atividades na referida comunidade, apesar das

dificuldades impostas pelos parceiros na continuidade do projeto.

Aos Profs. Drs. Elder Andrade de Paula, Jacó César Pícolli, Adailton de Souza Galvão,

Roberto Feres, Vicente Cruz Cerqueira, Marcos Silveira, Lisandro Juno Soares Vieira, pelas

contribuições nas fases de elaboração do projeto, qualificação e dissertação.

Aos meus mestres, Profs. Edmundo Cidade da Rocha (in memoriam) e Nilso José Pierozan,

do CETEPO-SENAI/RS, que, desde 1985, me ajudaram no domínio da tecnologia da

borracha.

À minha avó, Bronislava Samonek, a dona Samônica (in memoriam), que me acolheu em seu

convívio, e, com o seu carinho, dedicação e exemplo de vida, me deu o alicerce de minha

educação, cujos ensinamentos até hoje me orientam e pautam as decisões em minha vida.

Ao meu pai, João Samonek (in memoriam) pelo grande exemplo de vida, na luta e coragem

de enfrentar o trabalho e as vicissitudes impostas pela vida e à minha mãe, Helena Iankoski

Samonek pela fé em Deus, amor e dedicação à família, com resignação e humildade, mas com

coragem e sem nunca desistir.

À minha incansável companheira de todas as horas, Maria Zélia Machado Damasceno, que,

há mais de dez anos, não só vem acreditando, apoiando, estimulando e contribuindo na

tomada de decisões, mas também fazendo parte direta em todas as atividades, não só na

elaboração de um projeto de pesquisa e trabalho, como extensionista, mas na construção de

um projeto de vida em comum.

Aos meus filhos acreanos, João Victor e Lauro, pela compreensão, participação e estímulo no

dia a dia, mesmo nas constantes ausências necessárias para a realização das atividades.

Aos meus filhos curitibanos, Juliana e Jean, pela compreensão e apoio incondicional em todos

os momentos da minha vida, apesar da distância que a vida nos impôs.

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O pranto do seringueiro (Mário Maia) Não me derrube, seu moço, a seringueira... O seu leite me serve de sustento. Já estou velho, mas desde o nascimento Que esta árvore é minha companheira.... Olhe, é irmã daquela castanheira Cuja copa procura o firmamento... Ela também me dá o alimento Que mata a fome da família inteira... Ao dizer isto, emudeceu num canto Com a tristeza que uma saudade encerra. Foi tanto a dor e o sofrimento tanto, Quando feriu o tronco, a moto-serra, Que o seringueiro sucumbiu num pranto Tão orvalhado, que inundou a Terra...

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LISTA DE SIGLAS ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas ABTB Associação Brasileira de Tecnologia da Borracha AC Acre (Estado) ACOSMO Associação Comunitária Shanenawa de Morada Nova ADA Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ex-SUDAM) AM Amazonas (Estado) AP Amapá (Estado) APA Área de Preservação Ambiental APBNB Associação de Produtores de Borracha Natural no Brasil (ONG) APROKAP Associação dos Produtores Kaxinawá da Aldeia Paroá ASMIPRUT Associação Intercomunitária de Mini e Pequenos Produtores Rurais da

Margem Direita do Tapajós de Piquiatuba a Revolta ASPKANO Associação dos Produtores Kaxinawá da Aldeia Nova Olinda ASPROGOALPA Asociacion de Productores de Goma y Almendras de Pando ASTM D American Society for Testing Materials – Committee D BANACRE Banco do Estado do Acre BASA Banco da Amazônia BB Banco do Brasil BCB Banco de Crédito da Borracha, hoje BASA. BNCC Banco Nacional de Crédito Cooperativo BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CAETA Comissão Administrativa do Encaminhamento de Trabalhadores para a

Amazônia CAEX Cooperativa Agro-extrativista de Xapuri CAINAM Centro de Antropologia Indígena da Amazônia Ocidental (UFAC) CAP Circunferência na altura do peito CASA DO SERINGUEIRO

Usina de beneficiamento de Borracha Casa do Seringueiro (empresa)

CCB Crepe Claro Brasileiro CEB Crepe Escuro Brasileiro CETEPO Centro Tecnológico de Polímeros (SENAI/RS) CIMI Conselho Missionário Indigenista (ONG) CIP Controle Interministerial de Preços (órgão governamental) CNB Conselho Nacional da Borracha CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPT Centro Nacional de Desenvolvimento e Apoio às Populações

Tradicionais CNS Conselho Nacional dos Seringueiros COAEPA Cooperativa dos seringueiros e produtores rurais do Antimari COATR Cooperativa Agro-extrativista dos Trabalhadores Rurais de Sena

Madureira COBAL Companhia Nacional de Alimentos CONAB Companhia Nacional de Abastecimento COOPABOR Cooperativa Agrícola Mista de Borracha do Vale do Tarauacá COOPEC Cooperativa dos Produtores Rurais e Extrativistas do Estado do Acre COOPERACRE Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre COOPERECO Cooperativa Agro-ambiental, industrial e de Serviços Amazônia Viva. COUROFAT Cooperativa Cidadão Solidário do Bairro Calafate

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CVA Couro Vegetal da Amazônia S. A (empresa). CVP Cernambi Virgem Prensado DFCCS Departamento de Filosofia, Comunicação e Ciências Sociais (UFAC). DRC Dry rubber content (parte de sólidos no látex) EPDM Ethyllene-Propylene Terpolymer (borracha sintética) FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador FCB Folha Clara Brasileira FDA U.S. Food and Drug Administration FDL Folha de Defumação Líquida FEA Floresta Estadual do Antimari FETACRE Federação dos Trabalhadores em Agricultura do Estado do Acre FFB Folha Fumada Brasileira FLONA Floresta Nacional FOB Free on Board (pagamento do produto na sua origem, sem impostos e

frete). FPA Frente Popular do Acre FSC Forest Stewardship Council (certificadora) FUNAI Fundação Nacional do Índio FUNTAC Fundação de Amparo à Tecnologia do Acre GCB Granulado Claro Brasileiro GEB Granulado Escuro Brasileiro IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços IMAFLORA Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (ONG) INBRASFAMA Indústria Brasileira de Farinha de Madeira Ltda. (empresa). INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INPA Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia INPI Instituto Nacional da Propriedade Industrial (órgão governamental) MAP Madre de Dios(Peru)-Acre(Brasil)-Pando(Bolívia) (Estados amazônicos

da tríplice fronteira) MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. MCT Ministério da Ciência e Tecnologia. MMA Ministério do Meio Ambiente MT Mato Grosso (Estado) MTb Ministério do Trabalho NAEA Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (UFPA) NBR Nitrile Butadiene Rubber (borracha sintética) NIDAC Núcleo de Inovação, Design e Artesanato do Acre (ONG). NR Natural Rubber (borracha natural) ONG’ S Organizações não governamentais OPIRE Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira (ONG) OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público PA Pará (Estado) PAE Projeto de Assentamento Extrativista PBD Placa Bruta Defumada PDA Projetos Demonstrativos do Tipo “A” do PPG7 PFNM Produtos Florestais Não Madeireiros PHR Per hundred rubber (Partes por cem de borracha) PIN Posto Indígena

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POEMA Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia (UFPA) POLOPROBIO Pólo de Proteção da Biodiversidade e Uso Sustentável dos Recursos

Naturais (OSCIP) PPG7 Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil. PPTAL Programa Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da

Amazônia Legal PR Paraná (Estado) PROBOR Programa de Incentivo à Produção da Borracha Natural PRODEX Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Extrativismo REBRAF Rede Brasileira Agroflorestal (ONG) RO Rondônia (Estado) RESEX Reserva Extrativista RS Rio Grande do Sul (Estado) SBR Styrene-Butadiene Rubber (borracha sintética) SEAP Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca SEBRAE Serviço Nacional de Apoio às Micros e Pequenas Empresas SEFE Secretaria Executiva de Florestas e Extrativismo (Acre) SEMTA Serviço de Proteção de Mobilização de Trabalhadores SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SEPPIR Secretaria Especial de Políticas e Promoção da Igualdade Racial SMR-10 Standard Malaysian Rubber (tipo de borracha) SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação SNV-Bolivia Schweizerische Normen-Vereinigung Bolívia (ONG) SP São Paulo (Estado) SPVEA Superintendência de Proteção e Valorização Econômica da Amazônia SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia SUDENE Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste SUDHEVEA Superintendência para o Desenvolvimento da Borracha SUFRAMA Superintendência da Zona Franca de Manaus TCU Tribunal de Contas da União TECBOR Tecnologias alternativas para a Produção de Borracha na Amazônia TI Terra Indígena TORMB Taxa de Organização e Regulamentação do Mercado da Borracha UC Unidade de Conservação UFAC Universidade Federal do Acre UFPA Universidade Federal do Pará UnB Universidade de Brasília

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LISTA DE FIGURAS

ARTIGO 1 Figura 1 Art.1 Gráfico - Evolução da produção, em toneladas, de borracha extrativa na

Amazônia entre 1830 e 1942......................................................................

30 Figura 2 Art.1 Gráfico - Evolução da produção, em toneladas, de borracha extrativa na

Amazônia entre 1942 e 1980......................................................................

37 Figura 3 Art.1 Gráfico - Evolução da produção, em toneladas, de borracha extrativa na

Amazônia entre 1990 e 2002......................................................................

45 ARTIGO 2

Figura 1 Art 2 Diagrama dos conhecidos processos de tratamento do látex nativo.......... 58 Figura 2 Art.2 Fotos – Produzindo o saco encauchado...................................................... 61 Figura 3 Art.2 Foto - Transportando borracha bruta tipo Prancha no Acre....................... 65 Figura 4 Art.2 Foto - Granulado Escuro Brasileiro – GEB em fardos............................... 67 Figura 5 Art.2 Foto - Indústria de artefatos de borracha (Bunbury e prensas).................. 68 Figura 6 Art 2 Organograma da cadeia produtiva da borracha industrial.......................... 70 Figura 7 Art.2 Foto - Secando a FDL................................................................................ 72 Figura 8 Art 2 Organograma da cadeia produtiva da FDL................................................ 73 Figura 9 Art 2 Foto - Defumando o “couro” vegetal ........................................................ 75 Figura 10 Art.2 Foto - Organograma da cadeia produtiva do “couro” vegetal.................... 76 Figura 11 Art.2 Foto - Pré-vulcanizando o látex de campo................................................. 78 Figura 12 Art.2 Foto - Fabricando o tecido emborrachado, o “couro” ecológico............... 79 Figura 13 Art.2 Foto - Secando as fibras vegetais............................................................... 80 Figura 14 Art.2 Foto - Fabricando pigmentos vegetais....................................................... 80 Figura 15 Art.2 Foto - Mantas e objetos de borracha.......................................................... 81 Figura 16 Art 2 Organograma da cadeia produtiva dos novos encauchados de vegetais.... 82 Figura 17 Art.2 Gráfico - Comparativo dos preços das borrachas extrativas/R$/2 l látex.. 85

ARTIGO 3 Figura 1 Art.3 Imagem Satélite impactos ambientais entorno da TI Katukina/Kaxinawá 105 Figura 2 Art.3 Fotos - Produzindo a água de cinzas.......................................................... 119 Figura 3 Art.3 Fotos - Extraindo o látex nativo................................................................. 120 Figura 4 Art.3 Fotos - Colhendo, coando, temperando e pré-vulcanizando o látex.......... 123 Figura 5 Art.3 Fotos - Produzindo pigmentos vegetais..................................................... 127 Figura 6 Art.3 Fotos - Produzindo fibras vegetais curtas.................................................. 127 Figura 7 Art 3 Fotos – Preparando o composto de látex e fibras vegetais......................... 129 Figura 8 Art.3 Fotos – Preparando as folhas para serem reproduzidas.............................. 130 Figura 9 Art 3 Fotos – Fabricando moldes de alumínio reciclado..................................... 131 Figura 10 Art.3 Fotos – Reciclando o alumínio................................................................... 131 Figura 11 Art.3 Fotos - Pintando kenês indígenas nos produtos fabricados........................ 133 Figura 12 Art.3 Fotos - Produtos de látex e fibras vegetais................................................. 134 Figura 13 Art.3 Fotos – Mantas de fibras emborrachadas................................................... 135 Figura 14 Art.3 Fotos - Capacitando homens e mulheres Aldeias Paroá e Morada Nova... 142 Figura 15 Art.3 Gráfico - Receita bruta mensal para 150 litros látex (1 seringueiro)......... 140 Figura 16 Art.3 Mapa do Estado do Acre (UC´s X locais execução dos novos

encauchados de vegetais)...........................................................................

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LISTA DE TABELAS

ARTIGO 3 Tabela 1 Art.3 Planilha de Custos de produção dos novos encauchados de vegetais........ 137 Tabela 2 Art.3 Preços de venda dos produtos ao nível local.............................................. 138

LISTA DE QUADROS

ARTIGO 1 Quadro 1 Art.1 Resumo das metas programadas do PROBOR I, II e III............................ 36 Quadro 2 Art.1 Balanço Final do PROBOR I, II E III........................................................ 36 Quadro 3 Art.1 Legislação políticas econômicas para borracha extrativa (1912-2005)..... 51 Quadro 4 Art.1 Cronologia da economia da borracha extrativa na Amazônia.................... 51

ARTIGO 2 Quadro 1 Art.2 Organização esquemática do sistema produtivo da borracha indígena.... 62 Quadro 2 Art.2 Organização esquemática sistema produtivo da borracha convencional. 71 Quadro 3 Art.2 Organização esquemática do sistema produtivo da FDL......................... 73 Quadro 4 Art.2 Organização esquemática do sistema produtivo do “couro” vegetal....... 76 Quadro 5 Art.2 Organização esquemática do sistema produtivo dos novos encauchados 83 Quadro 6 Art.2 Preços pagos aos seringueiros p borrachas extrativas (2 litros de látex). 85

ARTIGO 3 Quadro 1 Art.3 Associações representativas dos seringueiros em áreas de produção...... 108 Quadro 2 Art.3 Kit sangria (uma colocação com três estradas de seringueiras)............... 116 Quadro 3 Art.3 Investimento construção da unidade fabril familiar (3 pessoas/32 m²).... 116 Quadro 4 Art.3 Kit permanente para uma unidade de produção dos novos encauchados 117 Quadro 5 Art.3 Kit custeio mensal unidade de produção dos novos encauchados........... 118 Quadro 6 Art.3 Matérias-primas e processos para fabricar as fibras vegetais curtas........ 125 Quadro 7 Art.3 Resíduos madeireiros utilizados como fibras vegetais curtas.................. 126 Quadro 8 Art.3 Resíduos de produtos agro-extrativos para fibras vegetais curtas........... 126 Quadro 9 Art.3 Plantas nativas que fornecem fibras vegetais curtas................................ 126 Quadro 10 Art.3 Plantas nativas que fornecem pigmentos vegetais................................... 128 Quadro 11 Art.3 Plantas nativas que fornecem odorantes................................................... 128 Quadro 12 Art.3 Plantas que fornecem folhas e cascas para a fabricação de moldes......... 132 Quadro 13 Art.3 Características produtos fabricados pelo novo sistema produtivo........... 136 Quadro 14 Art.3 Possibilidades de renda dos novos encauchados em unidade coletiva..... 138 Quadro 15 Art.3 Possibilidades de renda dos novos encauchados em unidade familiar..... 138 Quadro 16 Art.3 Possibilidade de renda com a borracha convencional.............................. 139 Quadro 17 Art.3 Possibilidade de renda com a FDL........................................................... 139 Quadro 18 Art.3 Possibilidade de renda com o “couro” vegetal........................................ 139 Quadro 19 Art.3 Possibilidade de renda mensal para o extrativista por produto................ 140 Quadro 20 Art.3 Ensaios laboratoriais do látex nativo pré-vulcanizado............................. 144 Quadro 21 Art.3 Ensaios laboratoriais e amostras de novos encauchados de vegetais....... 145 Quadro 22 Art.3 Ensaios laboratoriais (FDL-AC X Cargas vegetais) feitas em Bunbury.. 145 Quadro 23 Art.3 Lista de plantas utilizadas na fabricação dos novos encauchados........... 155 Quadro 24 Art.3 Situação em 2005 dos projetos dos novos encauchados em andamento. 156 Quadro 25 Art.3 Locais onde o projeto “novos encauchados” estão sendo executados.... 156 Quadro 26 Art.3 Relação das pessoas entrevistadas na TI Katukina/Kaxinawa................ 157 Quadro 27 Art.3 Comunidades onde o projeto já foi apresentado...................................... 157

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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO GERAL........................................................................................................ 14 1.1 Apresentação.................................................................................................................. 14 1.2 Hipótese......................................................................................................................... 17 1.3 Objetivo e delimitação das pesquisas............................................................................ 18 1.5 Embasamento teórico e estrutura do trabalho................................................................ 18 1.6 Referências Bibliográficas............................................................................................ 19 2. ARTIGO 1 – AS POLÍTICAS PÚBLICAS E SETORIAIS PARA A BORRACHA EXTRATIVA NA AMAZÔNIA................................................................................................ 21 Resumo................................................................................................................................... 21 Abstract................................................................................................................................... 22 2.1. Introdução................................................................................................................ 23 2.2. Os diversos ciclos da borracha extrativa na Amazônia........................................... 26 2.2.1 Os encauchados: até 1820............................................................................ 26 2.2.2 O “Ciclo da Borracha”: 1820/1912.............................................................. 26 2.2.3 A primeira grande crise: 1912/1942............................................................. 28 2.2.4 A “Batalha da Borracha”, um novo ciclo e uma nova crise: 1942/1967... 31 2.2.5 A “Operação Amazônia”, SUDHEVEA, PROBOR e a nova política econômica da borracha: 1967/1986............................................................................................ 34 2.2.6 Um “cruzado” contra a borracha: 1986/1997............................................... 38 2.2.7 A política subvencionista: 1997/2005.......................................................... 41 2.3. Conclusões............................................................................................................... 47 2.4. Referências Bibliográficas....................................................................................... 48 2.5. Anexos..................................................................................................................... 51 3. ARTIGO 2 – O SISTEMA PRODUTIVO CONVENCIONAL E OUTRAS POSSIBILIDADES DE USO DO LÁTEX NATIVO NA AMAZÔNIA........ 52 Resumo................................................................................................................................... 52 Abstract................................................................................................................................... 53 3.1. Introdução.............................................................................................................. 54 3.2. As diversas borrachas extrativas na Amazônia...................................................... 56 3.2.1 O látex nativo e os seus conhecidos processos de tratamento..................... 56 3.2.2 A borracha indígena..................................................................................... 59 3.2.3 A borracha industrial................................................................................... 62 A expansão comercial-capitalista européia e a redescoberta da borracha. 62 As borrachas brutas...................................................................................... 64 As borrachas beneficiadas em usinas........................................................... 66 As borrachas beneficiadas em mini-usinas.................................................. 67 Os artefatos e a borracha industrial............................................................ 68 Os preservativos de látex nativo.................................................................. 69 3.2.4 A FDL – Folha de defumação líquida.......................................................... 72 3.2.5 O tecido emborrachado defumado, o “couro” vegetal.................................. 74 3.2.6 Os novos encauchados de vegetais da Amazônia......................................... 77 A pré-vulcanização do látex de campo........................................................ 77 O tecido emborrachado do tipo “couro” ecológico.................................... 78 O composto aquoso polimérico de vegetais................................................ 79 As mantas e os pequenos objetos de fibras e látex de borracha................. 81 3.2.7 Mercados e Preços....................................................................................... 83 3.3. Conclusões........................................................................................................... 86 3.4. Referências Bibliográficas................................................................................... 87

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4. ARTIGO 3 – OS NOVOS ENCAUCHADOS DE VEGETAIS DA AMAZÔNIA.............. 91 Resumo.................................................................................................................................. 91 Abstract.................................................................................................................................. 92 4.1. Introdução............................................................................................................ 93 4.1.1 Apresentação............................................................................................ 93 4.1.2 Procedimentos metodológicos................................................................. 95 4.1.3 Conceito de sustentabilidade.................................................................... 97 4.2. O projeto dos novos encauchados de vegetais..................................................... 101 4.2.1 Locais da pesquisa................................................................................... 101 A RESEX Cazumbá/Iracema................................................................... 101 A TI Katukina/Kaxinawa do rio Envira................................................... 105 4.2.2 As buscas por uma borracha extrativa sustentável................................... 108 4.2.3 A ciência e o saber tradicional garantindo a produção sustentável da borracha extrativa..................................................................................... 112

4.2.4 Estrutura para implantação do novo sistema produtivo............................ 115

4.2.5 Processos e produtos do novo sistema produtivo..................................... 118 Água de cinzas: o conservante natural feito pelos seringueiros............... 118 A extração do látex de seringueiras nativas............................................. 119

A pré-vulcanização do látex: tecnologia para os extrativistas................ 121

O tecido emborrachado do tipo “couro” ecológico................................ 123

As fibras vegetais curtas, os pigmentos e odorantes vegetais................. 125 O composto aquoso polimérico de vegetais............................................ 129 Os moldes: Chapa e cilindro de alumínio, alumínio reciclado, madeira, MDF....................................................................................... 130

Os kenês e o visual dos novos encauchados de vegetais......................... 132 As mantas e os pequenos objetos de fibras e látex de borracha............. 134 4.2.6 Uma análise do sistema produtivo dos novos encauchados de vegetais... 137 Aspectos econômicos................................................................................. 137 Aspectos sociais........................................................................................ 141 Aspectos ambientais................................................................................. 142 Aspectos tecnológicos.............................................................................. 144 4.3. Conclusões.......................................................................................................... 146 4.4. Referências Bibliográficas.................................................................................. 150 Anexos................................................................................................................................. 155 5. CONCLUSÕES GERAIS.................................................................................................... 158

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1 - INTRODUÇÃO GERAL

1.1. Considerações Gerais

Neste trabalho fazemos um estudo sobre o extrativismo da borracha vegetal na

Amazônia, abordando desde as políticas setoriais, os sistemas produtivos e as tecnologias, até

as mais recentes experiências vivenciadas com as novas possibilidades de uso do látex nativo

para a fabricação dos tecidos emborrachados, conhecidos como “couros” vegetal e ecológico1,

a folha de defumação líquida – FDL, os preservativos e os novos encauchados de vegetais.

Damos ênfase para os novos encauchados de vegetais, que estão sendo desenvolvidos em fase

de experimentação na Reserva Extrativista (RESEX) do Cazumbá-Iracema, no município de

Sena Madureira2 - AC, com seringueiros, e na Terra Indígena (TI) Katukina/Kaxinawá do rio

Envira, no município de Feijó3 - AC, com os povos indígenas Kaxinawá/Shanenawa.

Para o desenvolvimento do presente trabalho, apresentamos as possibilidades de uso

do látex extraído de seringueiras nativas (Hevea brasiliensis4), que se encontram dispersas nas

florestas primárias, fazendo parte integrante do ecossistema amazônico. Denominamos neste

1 Justificamos o grifo na palavra “couro”, todas as vezes que a utilizamos neste trabalho, porque, segundo a legislação, o termo só pode ser utilizado para denominar produtos de origem animal ( Lei nº 4888/65 e Art. 8º da Lei nº 11.211, de 19.12.2005), porém os tecidos emborrachados, de origem vegetal, vem sendo inadvertidamente chamados de “couro” vegetal e “couro” ecológico. 2 Sena Madureira (AC) é um município central do Estado do Acre, distante 144 km da capital Rio Branco, com uma população de 35 mil habitantes e área de 25.278 km², às margens do rio Iaco, no Vale do Purus, com acesso permanente pela rodovia asfaltada BR 364. Tem boa infra-estrutura e sua economia está baseada na agropecuária e no extrativismo da borracha e da castanha. 3 Feijó (AC) é um município central do Estado do Acre, distante 350 km da capital Rio Branco, às margens do Rio Envira, na grande região do Vale de Juruá, com uma população de 29.480 habitantes e área de 24.202 km². O acesso é feito por rodovia (BR 364) durante três meses por ano (julho a setembro), sendo que nos demais meses só é possível por via aérea. O município tem sua economia baseada na agropecuária e no extrativismo. 4 Hevea brasiliensis, árvore nativa da Amazônia, conhecida como seringueira, da qual se extrai, com pequenas incisões em sua casca, o látex para fabricar a borracha vegetal, matéria prima utilizada pelas indústrias na fabricação de inúmeros produtos, como pneus e peças técnicas.

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trabalho de borracha extrativa, a borracha natural (NR)5 fabricada a partir de látex nativo,

através de qualquer sistema produtivo; de borracha indígena, a borracha extrativa fabricada

pelos nativos antes da chegada dos europeus na Amazônia; e de borracha industrial, a

borracha natural fabricada a partir da expansão capitalista européia no período da Revolução

Industrial através do modelo de produção convencional. Esta última pode ser de origem

extrativa ou da heveicultura6.

A borracha industrial, tanto extrativa quanto heveícola, tem o mesmo sistema

produtivo, porém, cada uma tem características próprias. Na heveicultura existem custos de

implantação, enquanto que no extrativismo, as seringueiras são nativas da floresta. A

racionalidade da heveicultura imprime maior competitividade à sua borracha. O extrativista7

amazônida, mesmo sendo, hoje, autônomo e tendo livre acesso às suas estradas de

seringueiras8, está longe dos mercados, depende de uma cadeia de intermediários e de

políticas subvencionistas. Além disso, as borrachas brutas, produzidas através do sistema

produtivo convencional, têm preços baixos, que, somados à baixa produtividade dos seringais

nativos, são insuficientes para formar uma renda mínima básica para o extrativista, que

garanta a sua subsistência da própria atividade. (MORCELI, 2003).

5 Segundo a ASTM D (American Society for Testing Materials through its Committee D), as borrachas (elastômeros), classificam-se em NR (Natural Rubber), borrachas naturais de origem vegetal, e em borrachas sintéticas fabricadas a partir do petróleo, tais como a SBR (Styrene Butadiene Rubber), a EPDM (Ethylene Propylene Terpolymer Rubber), a NBR (Nitrile Butadiene Rubber) (UNIROYAL, 1982). 6 Heveicultura é o plantio racional de seringueiras (Hevea brasiliensis) através da clonagem de espécies nativas da Amazônia. Foram levadas clandestinamente 70.000 sementes do Brasil para a Inglaterra e depois para suas colônias do Sudeste Asiático, que se tornaram, hoje, os maiores produtores mundiais de borracha vegetal. 7 Utilizamos o termo extrativista para denominar, de forma genérica, todos os extratores de látex na Amazônia, sejam índios ou seringueiros. 8 Estrada de seringueira ou estrada de seringa é “um caminho assoalhado de folhas, permanentemente coberto de sombra, largo o bastante para que se possa andar na mata com segurança e rapidez. As estradas de seringa não devem ser confundidas com caminhos de trânsito, muito mais estreitas e pisadas. Para conservar uma estrada, é preciso limpá-la duas vezes por ano, a isso se chama de roçar a estrada” (EMPERAIRE e ALMEIDA, 2002).

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Primeiro eram os povos indígenas que habitavam a região e manipulavam o látex,

quando produziam artesanatos e pequenos objetos de borracha, através de técnicas artesanais

próprias, saudáveis e não predatórias (ARAÚJO, 1998).

Depois vieram os europeus, e, nos séculos XVIII e XIX, na época do capitalismo

mercantil, desenvolveram novas técnicas, visando apenas à acumulação capitalista, para

manter a hegemonia dos países centrais, porém sem levar em consideração os saberes, as

práticas e o modo de vida das populações locais, que, segundo Leff (2000), eram economias

de natureza não acumulativa. Surge, assim, a borracha industrial, que abastece um dos mais

importantes setores da economia mundial, as indústrias pneumáticas e de artefatos, com uma

cadeia produtiva desenvolvida naquele período e que se mantém a mesma até hoje (2005).

Houve uma grande corrida para a Amazônia, especialmente de migrantes nordestinos, que

ocuparam a região, invadindo terras e aldeias, arregimentando, expulsando e exterminando

povos e etnias indígenas para produzir a borracha (SANTOS, 1995). Com a implantação de

seringais de cultivo no Sudeste Asiático e com a entrada no mercado da sua produção, no

início do século XX, o extrativismo da borracha na Amazônia entrou em decadência, ficando

dependente de políticas públicas que garantissem, mesmo que artificialmente, a sua produção

no sistema produtivo convencional9.

Porém, mais recentemente, surgem algumas iniciativas diferenciadas para o uso do

látex nativo, estruturadas de forma diferente e que possibilitam a fabricação de novos produtos,

mais elaborados na base produtiva. Estes novos tipos de borracha extrativa não estão

competindo diretamente com a borracha heveícola, que tem em suas mãos o grande mercado, o

da indústria pneumática e de artefatos, mas onde os preços são oligopolizados. São produtos

9 No sistema produtivo convencional, o extrativista colhe o látex e fabrica a borracha bruta, que, no seringais cultivados (heveicultura), é adquirida pelo proprietário da terra e, nos seringais nativos (extrativismo), pelo seringalista, marreteiro, ou associação, que vende às usinas de beneficiamento que a transformam em borracha beneficiada, matéria-prima para ser comercializada com as indústrias, que, com outras matérias-primas, produzem os compostos a serem utilizados na fabricação dos diversos tipos de artefatos.

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diferenciados direcionados para nichos específicos de mercado. Dentre esses, estão os novos

encauchados de vegetais, cuja produção se enquadra em princípios baseados na produtividade

ecotecnológica e social. Segundo Leff (2000, p.133) “estes princípios emergem das culturas

que habitaram diferentes ecossistemas e são recuperáveis através de uma nova racionalidade

produtiva, amálgama do tradicional e do moderno, que passa por processos de transformação e

assimilação cultural, em práticas produtivas no nível local”.

As novas técnicas utilizadas nos processos produtivos, segundo Leff (2000, p.132),

devem ser,

[...] ecologicamente apropriadas e culturalmente apropriáveis, pois permitem otimização da

unidade de produção através da incorporação de novos elementos às práticas tradicionais de

manejo, aumentando a produtividade e preservando a capacidade produtiva sustentável do

sistema […] A integração destes processos aparece como uma articulação sinergética de

processo de evolução ecológica, inovação tecnológica, reorganização produtiva e mudança

social, que geram novos potenciais produtivos no desenvolvimento sustentável.

A recuperação dos conhecimentos indígenas de manipulação do látex, a transformação

das tecnologias da vulcanização e da incorporação de cargas à borracha vegetal em técnicas

artesanais, simplificadas para uso no rústico ambiente da floresta, bem como a fusão das três,

transformam-se no sistema produtivo dos novos encauchados de vegetais. Este novo sistema

produtivo está buscando a sustentabilidade da produção da borracha extrativa.

1.2 Hipótese

Neste trabalho partimos da hipótese de que ainda existe espaço para o

extrativismo da borracha vegetal na Amazônia. Apesar das diversas crises enfrentadas pelo

setor, ao longo dos últimos 100 anos, essa atividade não se esgotou. Ainda há alternativas não

exploradas, que podem dar sustentabilidade à borracha extrativa, através de modelos não

convencionais de produção, que insiram em suas estratégias produtivas o homem e a natureza,

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revalorizando os saberes tradicionais e revitalizando as economias autogestionárias e

participativas.

1.3 Objetivo e delimitação das pesquisas

Pretendemos através da presente dissertação contribuir para a discussão sobre a

viabilidade do extrativismo da borracha na Amazônia. Para isto descrevemos as políticas

setoriais, as tecnologias e os novos usos do látex nativo, com destaque para o sistema

produtivo dos novos encauchados de vegetais em experimentação no Estado do Acre, que

adota um modelo alternativo de produção, onde as dimensões econômicas convencionais são

insuficientes para avaliar a sua viabilidade, devendo ser combinadas com outras dimensões

como a social, ambiental e tecnológica.

1.4 Embasamento teórico e estrutura do trabalho

Para compreender o contexto histórico e conceitual no qual se insere esta discussão,

realizamos uma revisão bibliográfica sobre as abordagens ao tema do extrativismo da

borracha na Amazônia. Além disso, discutimos o problema das inovações tecnológicas

segundo os parâmetros da sustentabilidade e sua aplicação em situações florestais.

Além desta introdução geral e das conclusões finais, desenvolvemos a presente

dissertação em três artigos, cada um com estrutura própria, porém todos convergentes para

comprovar ou refutar a nossa hipótese de que ainda existem espaços, na atualidade, para uma

produção sustentável da borracha extrativa.

No artigo 1 apresentamos as políticas setoriais implantadas no Brasil para a

borracha, desde o seu apogeu durante o “Ciclo da Borracha”, passando pela sua decadência e

as várias tentativas governamentais de reorganizar e reestruturar o setor, através de políticas

de incentivos fiscais, de monopólio estatal, de créditos subsidiados e de subvenções

econômicas nacionais e regionais.

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No artigo 2 descrevemos as possibilidades de uso do látex nativo, desde a fabricação

dos encauchados indígenas, passando pelo sistema produtivo convencional, até os mais

recentes sistemas produtivos alternativos em experimentação na região.

No artigo 3, sob uma abordagem da sustentabilidade, fazemos um estudo dos novos

encauchados de vegetais, descrevendo os processos que fazem parte deste sistema produtivo

alternativo.

Por fim, apresentamos as conclusões finais, onde realizamos uma articulação do

estudo de caso com a hipótese elencada. Um dos aspectos que ressaltamos na conclusão é a

necessidade de utilizar abordagens multidimensionais para avaliar o desenvolvimento e a

conservação. A análise dos dados e da literatura nos permite concluir que as populações

extrativistas recebem um pagamento monetário por produtos que têm mercado, e, embora

façam um uso múltiplo dos recursos da floresta, ao mesmo tempo mantém a floresta-em-pé,

contribuindo para a sua conservação. Esse é um dado importante, pois o seringueiro recebe

apenas pela borracha que produz com vistas ao mercado e não pelo "como produz":

manejando a floresta e prestando serviços de conservação.

1.5 Referências Bibliográficas

ARAÚJO, H. R. O mercado, a floresta e a ciência do mundo industrial. In: ARAUJO, H. R; SEILER, A. et al. (orgs.). Tecnociência e Cultura: ensaios sobre o tempo presente. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. p. 65-90. EMPERAIRE, L. e ALMEIDA M. B. Seringueiros e Seringas. In: CUNHA, C; ALMEIDA, M. B. (orgs.). Enciclopédia da Floresta. São Paulo: Cia. das Letras, 2002. LEFF, E. Ecologia, capital e cultura: racionalidade ambiental, democracia participativa e desenvolvimento sustentável. Blumenau: Ed. da FURB, 2000. 381 p.

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MORCELI, P. Borracha Natural: Situação atual e perspectivas. CONAB. Revista eletrônica Borracha Natural. Artigo 37. 2003. Disponível em: <http://www.borrachanatural.agr.br/artigos/artigos3.php>. Acesso em: 30 de jan. 2005. SANTOS, L.G. A Encruzilhada da Política ambiental Brasileira. In: D’INCÃO; SILVEIRA (orgs.). A Amazônia e a crise da modernização. Belém. Museu Emílio Goeldi. p. 135-153. 1995. STAHEL, A W. Capitalismo e entropia: os aspectos ideológicos de uma contradição e a busca de alternativas sustentáveis. In: CAVALCANTI, C. (org.). Desenvolvimento e natureza: estudos para uma sociedade sustentável. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2003. UNIROYAL C. CO. Rubber Compounding. Reprinted by John Wiley & Sons, Inc. from Kirk-Othmer: Encyclopedia of Chemical Technology, 3 ed., Midlebury. John Wiley & Sons, Inc., 1982. v. 20, p. 365-468.

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2. ARTIGO 1 - AS POLÍTICAS PÚBLICAS E SETORIAIS PAR A A

BORRACHA EXTRATIVA NA AMAZÔNIA .

Francisco Samonek10

RESUMO

No presente artigo analisamos os diversos momentos vivenciados pelo setor extrativista da

borracha na Amazônia, especialmente a partir de 1912, quando a borracha produzida no

Sudeste Asiático supera a produção extrativista brasileira e encerra o “Ciclo da Borracha” no

Brasil. Apresentamos os momentos em quatro etapas distintas: de 1912 a 1942, com a política

de estímulo à criação de indústrias de artefatos; de 1942 a 1967, com a “Batalha da

Borracha”, a criação do Banco de Crédito da Borracha – BCB e o monopólio estatal; de 1967

a 1986, com a criação da SUDHEVEA e do PROBOR, com o plantio racional da seringueira

em substituição às florestas; de 1986 até nossos dias (2005), com o esvaziamento dos

seringais, a falência do setor extrativista e as subvenções econômicas. Fazemos uma

abordagem sobre as conseqüências destas políticas para os povos da floresta e para o

ecossistema amazônico.

Palavras-chave: Extrativismo da borracha na Amazônia - O “Ciclo da Borracha” -

Decadência da atividade gumífera extrativa - Novas possibilidades para o uso do látex nativo

- Monopólio da borracha - Subvenções

10 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Manejo dos Recursos Naturais, Universidade Federal do Acre.

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PUBLIC AND SECTOR POLICIES FOR THE EXTRACTIVE RUBBE R

IN THE AMAZON REGION.

ABSTRACT

In the present article, we have analyzed the several moments experienced by the rubber-

extractive sector in the Amazon region, especially starting in 1912, when the rubber produced

in the Southeast Asia over-comes the Amazon extractive production and closes down the

"Rubber Cycle" in Brazil. We presented the current work in four different stages: from 1912

to 1942, with the incentive policies to the establishment of industries of artifacts; from 1942

to 1967, with the "Battle of the Rubber", the creation of the Bank of Credit for the Rubber -

BCB (Banco de Crédito da Borracha) and the state monopoly; from 1967 to 1986, with the

creation of SUDHEVEA and of PROBOR (Brazilian government pro-grams to support

rubber) with the rational planting of rubber tree plantations substituting the native trees; from

1986 up to now (2005), the emptying of the rubber plantations, the bankruptcy of the

extractive sector and the economical subsidies. We have made an approach on the

consequences of these policies for the people of the forest and for the Amazon ecosystem.

Key-word: Extractive rubber in the Amazon region - "Rubber cycle" - Decadence of the

rubber-extractive activity - New possibilities for the use of native latex - Monopoly of the

rubber - Subsidies.

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2.1. INTRODUÇÃO

Neste artigo fazemos uma abordagem histórica das políticas públicas e setoriais da

borracha extrativa, desde a borracha indígena, passando pelo “Ciclo da Borracha”, e dando

maior ênfase ao período a partir de 1912, quando os seringais implantados pela Inglaterra em

suas colônias no Sudeste Asiático e mais recentemente, os seringais de cultivo, através da

heveicultura, no Sudeste do Brasil, especialmente no Noroeste do Estado de São Paulo,

entram em franca produção e abastecem os mercados da grande indústria, deixando o setor

extrativista da Amazônia totalmente dependente de políticas governamentais, editadas de

acordo com interesses de uma elite dominante.

Até 1820, eram apenas os povos indígenas que fabricavam artefatos de borracha para

uso local. A partir daí, a borracha começou a ser utilizada como matéria-prima para uso

industrial. A economia na região prosperou entre os anos de 1820 até 1912. Nesse ano, a

borracha importada da Malásia pela Europa superou a exportada pelo Brasil. Com a queda nos

preços internacionais e com custos de produção mais elevados do que na borracha de cultivo,

a borracha extrativa deixou de ser competitiva e o governo, de lá para cá, vem intervindo no

setor, com medidas que deveriam estruturá-lo e alavancá-lo, tornando-o sustentável, de forma

definitiva, mas que, ao contrário, acabam funcionando como medidas paliativas, que não

garantem a sua sustentabilidade.

Entre os anos de 1912 e 1942, as políticas para a borracha, em vez de organizarem o

setor produtivo primário, foram direcionadas ao financiamento do setor industrial, apoiando a

criação de indústrias de artefatos para estimular o consumo interno, já que o setor externo não

estava adquirindo a borracha brasileira. Assim, os mais de quinhentos mil seringueiros que

migraram para a região amazônica e os milhares de índios, remanescentes de várias etnias,

que se incorporaram à atividade e dela dependiam para sobreviver, não tinham para quem

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vender a sua produção e são esquecidos, no meio da floresta, sem nenhum tipo de apoio. O

setor entrou em colapso, a miséria assolou todos os recantos da Amazônia, refletindo-se nos

níveis de produção, que caem vertiginosamente.

Em 1942, com a II Guerra Mundial, foram fechados os portos da do Sudeste Asiático,

cortando o suprimento da borracha asiática aos Estados Unidos. A Amazônia voltou, no

esforço de guerra, a reativar os seringais nativos, como uma alternativa para suprir a indústria

bélica americana. Pelo “Acordo de Washington”, os Estados Unidos financiaram a

reestruturação do setor no Brasil, quando foi criado o Banco do Crédito da Borracha - BCB e

com ele, o monopólio da borracha. Novos contingentes de seringueiros, os soldados da

borracha, foram recrutados para as frentes de produção na Amazônia. Porém, com o fim da

guerra, os Estados Unidos voltaram a comprar a matéria-prima oriunda dos seringais

asiáticos, com menos custos. Assim, mais uma vez, os seringueiros ficaram jogados no meio

da floresta, relegados à sua própria sorte, sem as mínimas condições de sobrevivência.

Com a instalação da indústria automobilística e das indústrias pneumáticas no Brasil,

aumentou a demanda interna pela borracha natural e nosso país passou de exportador a

importador, fazendo em 1951 a sua primeira compra de borracha da Malásia.

Em 1967, com base em diagnóstico extraído da realidade da economia gumífera

brasileira e mundial, o Governo acabou com o monopólio estatal da borracha, criado em 1942.

Porém, não foi capaz de implementar uma política setorial fiel ao diagnóstico. A opção foi por

uma política protecionista, que, em vez de resolver os problemas do setor, intensificou ainda

mais a crise, ao implantar seringais de cultivo improdutivos, através do Programa de Incentivo

à Produção da Borracha Natural - PROBOR. Tudo isso trouxe dificuldades ainda maiores

para ajustar o setor extrativista.

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Este cenário perdurou até 1986, quando, com o Plano Cruzado11, os preços da

borracha vegetal foram congelados e a SUDHEVEA foi fechada. Sem corrigir as distorções

provocadas e sem criar nenhum mecanismo que garantisse uma transição sem traumas, de

uma economia fechada para uma economia de livre mercado, o governo provocou o caos na

economia da borracha, não só na extrativa, mas em todo o setor a nível nacional.

Somente em 1997, quando a heveicultura nacional passava por sérias dificuldades e o

extrativismo totalmente paralisado, foi formulada uma nova política, através da concessão de

subvenções econômicas repassadas pelo governo diretamente às usinas de beneficiamento

para garantir a reestruturação da atividade. Para o extrativismo na Amazônia, as medidas

tomadas não foram suficientes, pela total desestruturação em que o setor produtivo se

encontrava. Então os governos locais, no Acre, a partir de 1999, em Rondônia e no

Amazonas, em 2000, adotaram outras medidas visando retomar a atividade.

O objetivo geral deste artigo é analisar as diversas políticas setoriais desenvolvidas na

Amazônia para a borracha extrativa, demonstrando as dificuldades com as quais o setor

produtivo conviveu e os seus reflexos na produção. Pretendemos mostrar que as políticas

setoriais não foram bem sucedidas. Os seringais nativos, densamente povoados, inicialmente

por indígenas, depois pelos migrantes nordestinos, com a desativação gradativa da atividade

gumífera, a partir de 1912, começam a ser despovoados. Os seringueiros sem nenhum apoio

fugiram da miséria e do caos que se instalou na zona rural e vieram inchar as periferias das

cidades amazônicas, que cresceram desordenadamente e sem nenhuma infra-estrutura. Grande

parte da floresta transformou-se em pastagens. Várias etnias indígenas inteiras desapareceram,

outras foram fortemente reduzidas. Perdeu-se grande parte de seus conhecimentos

tradicionais e práticas sustentáveis de manejo das florestas. A biodiversidade está

11 Plano Cruzado é um Plano econômico editado no Governo Sarney, em 1986, que congelou os preços dos produtos e confiscou os produtos para garantir o abastecimento. A população foi conclamada para ser os fiscais do Governo. A economia desarticulou-se, criando distorções no mercado, como foi o caso da borracha, que ficou 15 meses com os preços congelados com uma defasagem de 86%.

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desaparecendo, com inúmeras espécies da fauna e da flora diariamente entrando em extinção,

e um banco genético de valor incomensurável está exposto à biopirataria. E os extrativistas,

índios e seringueiros, continuam excluídos e marginalizados.

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As populações indígenas que habitavam a Amazônia já produziam inúmeros artefatos

de borracha, mesmo antes da chegada dos colonizadores europeus. As técnicas utilizadas

eram artesanais, saudáveis e não predatórias (ARAÚJO: 1998). A caça, a pesca, a colheita de

frutos silvestres, o cultivo do milho, da mandioca, do algodão, do tabaco, a colheita do látex,

tudo era feito coletivamente através de práticas milenares aprendidas com os antepassados,

seguindo um calendário próprio, no qual as espécies eram conservadas para não correr o risco

de sua extinção. Assim, obtinham uma produção diversificada, ajustada às condições

ecológicas e ao potencial ambiental de sua região. A natureza era cultuada e venerada, pois

dela dependiam para sobreviver.

2.2.2 O “Ciclo da Borracha”: De 1820 a 1912

Durante o século XIX e início do século XX, a Amazônia acabou por ser associada à

produção e exploração da borracha, produto extraído da seringueira, árvore típica da floresta

regional, fato que iria marcar grande parte de sua história de seus sucessos e insucessos.

Segundo D'Araújo, "desde que a região deixou de ser um alvo para a catequese e o

aldeamento de populações indígenas, a conquista territorial passou a ser feita por meio da

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seringueira, para a qual se voltaram migrantes do Nordeste em busca da realização do sonho

de enriquecimento rápido e de retorno às antigas paragens” (D’ARAÚJO, 1992, p.42).

Ainda segundo Araújo (1998), nas três últimas décadas do século XIX até a I Guerra

Mundial, a metade do consumo mundial era suprido pela borracha brasileira, sendo que 1912

foi o ano de maior produção quando foram exportadas cerca de quarenta mil toneladas, que

representaram 35% das exportações nacionais, ficando em segundo lugar, perdendo apenas

para o café.

Neste período, milhares de nordestinos migraram para a região amazônica fugindo de

prolongados períodos de estiagem na região nordeste brasileira. Pinto (1984), relata que entre

1872 e 1900 teria sido da ordem de 260 mil pessoas. Araújo (1998) estima que até 1910 foram

quinhentas mil, os trabalhadores emigrantes que se deslocaram à Amazônia para se juntar aos

índios arregimentados para o trabalho extrativo da borracha. Santos (1995) relata que, entre

1840 e 1910, cerca de seiscentos a setecentos mil nordestinos vieram para a região como mão-

de-obra quase escrava. O “Ciclo da Borracha” acarretou a drástica redução dos povos

indígenas e constituiu-se de uma atividade altamente predatória dos recursos naturais.

Ergueram-se muitos prédios. Grandes arquiteturas mudaram a fisionomia de algumas cidades

amazônicas, a exemplo do grande Teatro Amazonas, na cidade de Manaus - AM, e o

imponente Teatro da Paz, na cidade de Belém - PA.

“Embrenhados na floresta, munidos de machadinhas e de facas para fazer as incisões

nos troncos das seringueiras, de tigelas e baldes para recolher o látex, os seringueiros

perseguiam os índios e executavam o rude trabalho nas árvores, que se encontram dispersas

no meio da floresta” (ARAÚJO, 1998, p.81).

Outros aspectos a serem considerados são as peculiaridades da atividade extrativista

implementada através do sistema denominado de aviamento12:

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O constante fluxo dos gêneros necessários à atividade extrativista e do produto a ser

exportado era alimentado pelo crédito pessoal, na maioria das vezes liquidado após a entrega

da safra de borracha. [...] Nestas circunstâncias e auxiliada pela classificação fictícia do

seringueiro como agente autônomo, a extraordinária exploração a que se submete o trabalhador

extrativista é encoberta pelo manto de sucessivas operações comerciais. Ou seja, o excedente

por ele gerado é apropriado, fundamentalmente, através do rebaixamento dos preços de compra

da borracha produzida no seringal, e do encarecimento dos gêneros de subsistência que lhe são

vendidos pelo mesmo intermediário (PINTO, 1984, p. 23-24).

Depois de viver o seu período áureo até o seu apogeu no ano de 1912, a borracha

extrativa entrou em decadência. Com o início da produção em grande escala dos seringais

racionalmente plantados no Sudeste Asiático, a preços mais acessíveis, e com o

desenvolvimento da borracha sintética, originária do petróleo, a borracha extrativa na

Amazônia, entrou em colapso (PINTO, 1984), não se tornando mais viável, ao ter que

competir em igualdade de condições com a borracha de cultivo. A partir daí, passou a ter altos

e baixos, oscilando de acordo com interesses de políticas governamentais intervencionistas,

que a mantiveram artificialmente, até hoje (2005).

2.2.3 A primeira grande crise: De 1912 a 1942

A borracha extrativa viveu o seu grande apogeu até o início do século XX. Porém, a

partir do ano de 1912, quando entrou no mercado a borracha asiática produzida em seringais

implantados pelos Ingleses, o setor gumífero na região entrou em colapso. Os seus preços no

mercado internacional despencaram, provocando a maior e mais longa crise do setor. Neste

12 “Aviamento ou sistema de aviamento é o endividamento prévio e continuado do seringueiro com relação ao seringalista, estabelecendo laços múltiplos de dependência, formando uma cadeia de dominação pelo fornecimento antecipado de bens de consumo e instrumentos de trabalho, que serão pagos com a produção extrativista. A prisão pela dívida garantia a imobilização dessa mão-de-obra e constitui-se em um dos traços marcantes da empresa seringalista” (PAULA, 1991, p.36).

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período, as autoridades federais foram obrigadas a adotar providências, objetivando recuperar

mercado, preço e melhoria das condições da região.

Foi o que ocorreu em 1912, quando o governo criou a Superintendência da Defesa da

Borracha, através da qual propunha isentar de impostos os produtos importados de interesse à

extração, bem como criar incentivos e prêmios para a produtividade, para a plantação de

seringueiras e para a instalação de infra-estrutura, visando a melhoria dos transportes, da

saúde e da educação.

Foi dada a redução de 50% nos impostos estaduais sobre as exportações e foram

destinadas verbas através da abertura de créditos para instalações burocráticas. Mas, a

descontinuidade frustraria as iniciativas logo nos seus primeiros anos. "Dois anos depois, o

Congresso negou-se a aprovar novos créditos, e esse primeiro ensaio de uma política de

desenvolvimento para a região caiu no completo vazio” (COSTA, 1971; MAHAR, 1978 apud

D’ARAÚJO, 1992:42).

Segundo Pinto (1984), para dar saída à borracha nacional que não tinha mais o

mercado externo, o governo criou condições favoráveis para que indústrias de artefatos se

instalassem no país, a partir de 1912. A Lei nº 2.543-A, de 05.01.1912 e o Decreto Lei nº

9.521, de 17.04.1912 deram condições para o surgimento de indústrias de borracha em

Manaus e Belém e a Lei nº 4.242, de 05. 01.1921 e o Decreto Lei nº 16.763, de 31.12.1924

deram incentivos fiscais para a instalação de indústrias de artefatos no Brasil. Mesmo com o

consumo interno, os preços continuaram baixos e ocorreu uma vertiginosa queda na produção

de borracha no período, mesmo com as políticas governamentais que diziam estar apoiando e

incentivando a produção de borracha, através do estímulo e incentivos concedidos às

indústrias, mas que, na realidade, estavam transferindo recursos do setor produtivo gumífero

da Amazônia para o setor industrial. O parque industrial de São Paulo se solidificou, em

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detrimento do setor produtivo da Amazônia que continuou estagnado até o início da II Guerra

Mundial.

No grande “Ciclo da Borracha” a sua produção foi ascendente, graças à demanda

crescente em função da Revolução Industrial e da não-existência de concorrência. Em 1827, o

Brasil produziu 31 toneladas/ano chegando no seu apogeu em 1910 a atingir uma produção de

40.800 toneladas/ano (Figura 1). Com o início do ingresso no mercado da borracha de cultivo

da Malásia, a economia da borracha extrativa da Amazônia, a partir de 1912, se desarticulou.

Em 1915, a produção caiu para 37.220 toneladas, e em 1930 para 11 mil toneladas/ano,

deixando milhares de trabalhadores sem as mínimas condições de sobrevivência no meio da

floresta.

Essa crise teve sérios reflexos nas relações entre seringueiros, seringalistas e casas

aviadoras. Os seringueiros se desvencilharam dos laços de compromisso que os prendiam ao

seringalista e partiram para a produção autônoma. Surgiram os regatões ou marreteiros que

vieram substituir os seringalistas no fornecimento de bens de consumo aos seringueiros,

consolidando-se como uma alternativa para atendimento aos produtores autônomos.

Figura 1 - Evolução da produção, em toneladas, de borracha extrativa na Amazônia entre 1830 e 1942

0

10.000

20.000

30.000

40.000

50.000

1830

1840

1850

1860

1870

1880

1890

1900

1910

1912

1920

1930

1940

1941

Fonte: PINTO, 1984.

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2.2.4 A “Batalha da Borracha”, um novo ciclo e a nova crise: de 1942 a 1967.

O ataque japonês a Pearl Harbour provocou profundas mudanças na política da

borracha nos Estados Unidos e conseqüentemente no Brasil. Depois do auge da borracha e da

tentativa frustrada de investida por parte do setor privado13, somente com a II Guerra Mundial,

a borracha reconquista, ainda que por pouco tempo, o cenário mundial, fazendo com que o

Brasil participe, de certa forma da guerra, como produtor de matéria-prima.

Em 1942, o Brasil assinou um contrato com os Estados Unidos, tendo, entre outros

objetivos, a cooperação técnica, científica e financeira entre os dois países, além da criação de

um fundo para a expansão da produção da borracha. Os Estados Unidos exigiam, em

contrapartida, o exclusivismo da matéria-prima do Brasil e limitações para a sua

comercialização com a Alemanha. A borracha era um dos produtos mais importantes do

mercado da guerra. Assim o Brasil não apenas contribuiria com a guerra, como também

receberia recursos para investir na produção da borracha.

A II Guerra Mundial marcou, ainda, a primeira experiência de planejamento

governamental no Brasil. A criação, em 1939, do Plano Especial de Obras Públicas e

Aparelhamento da Defesa Nacional, plano qüinqüenal, complementado pela Coordenação da

Mobilização Econômica em 1942, apontou para uma forma relativa de intervenção do Estado.

No período correspondente aos anos de 1943 a 1948, surgiu o Plano de Obras e

Equipamentos. Em 1946, a nova Constituição fez referência ao planejamento, estabelecendo o

Conselho Nacional de Economia, que, apesar do limite no que diz respeito ao poder de

decisão, apresentou ao Executivo um quadro da situação da economia do país. A

Constituição, embebida nos ideais de "valorização", "desenvolvimento", e "aproveitamento

13 O Megaprojeto de Henry Ford (1927-1945)

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das possibilidades econômicas", assegurou uma política governamental de valorização da

Amazônia e do Vale do São Francisco.

Tem-se, então, a primeira grande intervenção do Estado na economia da Amazônia,

motivada pela situação internacional, que levou ao colapso do suprimento, para os

americanos, da borracha advinda da Ásia. A produção extrativista na Amazônia foi

estimulada através do programa denominado de “Batalha da Borracha14”, criando a Comissão

de Controle dos Acordos de Washington (Decreto-Lei nº 4.523, de 25.06.1942). Criou-se

ainda o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia - SEMTA

(Decreto-Lei nº 4.481, de 17.10.1942), seguido pela Comissão Administrativa do

Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia - CAETA, recrutando massivamente

mão-de-obra, especialmente de retirantes nordestinos, equiparando o extrativismo gumífero

ao serviço militar (PINTO, 1984). A migração foi positiva em decorrência da seca no

Nordeste. Foram criados, ainda, (Decreto-Lei nº 5.044, de 04.12.1942), para solucionar os

problemas de saúde e abastecimento nos seringais, o Serviço Especial de Saúde Pública e

programas de drenagem nas principais cidades, tais como a Superintendência de

Abastecimento do Vale Amazônico - SAVA, além de incentivos para a navegação. Porém, os

objetivos não foram alcançados e as conseqüências só não foram mais desastrosas porque, ao

final desse acordo, em 1947, o governo criou a Comissão Executiva de Defesa da Borracha,

comprando e estocando o produto excedente.

Paula (1991, p.35), assim descreveu esse novo ciclo:

Com o advento da Segunda Guerra Mundial e a invasão do nordeste asiático

pelos japoneses, os países industrializados do Ocidente foram duramente atingidos

pela falta de uma matéria-prima indispensável naquele momento para a indústria

bélica: a borracha. Para contornar a situação a curto prazo, o governo dos Estados

14 Batalha da Borracha foi um programa de desenvolvimento regional para a Amazônia, que criou o Banco de Crédito da Borracha e o monopólio da borracha, elevou os seus preços com a garantia de sua comercialização com os Estados Unidos, através dos Acordos de Washington e o recrutamento de trabalhadores, os “soldados da borracha”, através do SEMTA, regulamentando as relações de trabalho entre seringueiros e seringalistas. (PINTO, 1984, p.93, 95).

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Unidos estabeleceu um acordo com o governo brasileiro. Foi o “Tratado de

Washington”, com o objetivo de reativar a produção da borracha nativa na Amazônia.

Porém, o volume de produção de borracha que se conseguiu foi muito aquém do que

se esperava, não atingindo as metas desejadas. O modelo adotado foi o mesmo do início do

século, mantendo os seringueiros novamente à mercê dos seringalistas. Pinto declarou:

O governo federal recriou uma situação de iniqüidade social que já havia

causado indignação nos círculos mais conservadores do Congresso Nacional, durante

os primeiros anos deste século. Na verdade, o Banco de Crédito da Borracha veio

apenas substituir as tradicionais casas exportadoras, financiando o intermediário e

adquirindo a safra. O seringueiro continuou como antes, isolado de tudo e de todos,

totalmente à mercê das vontades de seu patrão – o seringalista (PINTO, 1984, p.102).

Com o final da II Guerra Mundial, e a substituição em grande escala da borracha

natural pela borracha sintética no mercado americano, os seus preços despencaram

novamente, e os seringueiros, ao estarem atrelados aos seringalistas e patrões, através do

sistema de “aviamento” patrocinado oficialmente pelo BNB, voltam a viver sob um regime de

escravidão, resultando em mais uma profunda crise para o setor gumífero na Amazônia.

O governo brasileiro trouxe a idéia de desenvolvimento planejado em seus projetos

desde a década de 1930, ganhando fôlego após a II Guerra Mundial. A Amazônia passa a ser

alvo dessa ação,

tornando-se então objeto de tratamento, à luz das modernas técnicas de planejamento. Como

resultado, tivemos não só a criação da SPVEA (Superintendência de Proteção e Valorização

Econômica da Amazônia), como a transformação do Banco de Crédito da Borracha em Banco

da Amazônia (1951) e a criação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA

(1952). (D'ARAÚJO 1992, p.40).

Em 1951, a borracha extrativa não conseguia atender a demanda interna e o Brasil de

grande exportador de borracha natural, passou a importar esta matéria-prima para atender as

necessidades das indústrias nacionais de artefatos, estimuladas e incentivadas por programas

governamentais a partir de 1920 (PINTO, 1984).

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O monopólio da borracha trouxe muitas conseqüências negativas para a região.

[...] não melhorou a qualidade e produção da borracha, não diminuiu o seu custo para

torná-la competitiva no mercado internacional e não melhorou a qualidade de vida dos

seringueiros e seringalistas. Concretamente esmagou o seringueiro, jogando-o numa

luta frontal com fazendeiros incentivados pela SUDAM e BASA, origem dos famosos

“empates”, conflitos que se originaram à época do monopólio estatal da borracha,

quando o Banco de Crédito da Borracha pagava pela borracha um preço vil,

impedindo que os donos de seringais (nordestinos originalmente famintos) pudessem

honrar seus financiamentos junto ao banco, quando então suas terras e seringais eram

tomados e vendidos aos fazendeiros do Sul/Sudeste do País para implantação de

grandes fazendas de gado, todas incentivadas pela SUDAM e BASA, conforme consta

nos relatórios oficiais do Banco da Amazônia (SOARES, 2002, p.9).

Os baixos preços praticados e a política implementada pelo BASA durante o

monopólio da borracha, segundo Soares (2002), proporcionaram condições para que o banco

auferisse, no período, lucros extraordinários, que, em vez de serem aplicados no setor

primário, financiavam a instalação de indústrias de artefatos. Assim era transferida

criminosamente a renda da base produtiva na Amazônia para o setor industrial no Sul/Sudeste

do País, falindo a economia da borracha nativa, deixando a região mais empobrecida e

dependente. Foi neste período que se deu o início ao processo de destruição da floresta

amazônica, seqüencialmente apoiado pela “Operação Amazônia”, nos governos militares, que

financiavam grandes projetos agropecuários, desmatando extensas áreas de floresta, para a

formação de pastagens para a criação de gado.

2.2.5 A “Operação Amazônia” - SUDHEVEA, TORMB, PROBOR e a nova

política econômica da borracha: De 1967 a 1986.

Até 1965, as indústrias de artefatos nacionais eram abastecidas em parte pela

importação de borracha, complementadas com a borracha proveniente do precário

extrativismo da Amazônia (PINTO 1984). Somente em 1967 foi implementada uma profunda

reformulação na política econômica da borracha, na qual os governos militares, visando

manter a ocupação física da região amazônica, implementaram grandes projetos

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desenvolvimentistas. A SUDHEVEA e o Conselho Nacional da Borracha - CNB foram

criados, através da Lei nº 5.227, de 18.01.1967. A Taxa de Organização e Regulamentação do

Mercado da Borracha - TORMB, cobrada sobre as borrachas importadas, a instituição de um

preço de garantia para a borracha vegetal, a extinção do monopólio de comercialização da

borracha e a formação de um estoque regulador para atender as demandas das indústrias de

artefatos foram medidas que trouxeram um novo ânimo à produção da borracha amazônica

(PINTO, 1984).

O setor extrativista foi movimentado por fartos recursos provenientes da TORMB,

gerados pela política implantada a partir de 1967, que contingenciava a borracha importada e

equalizava seus preços aos da borracha nacional. Assim a SUDHEVEA bancava o

funcionamento de vários projetos de apoio à borracha nativa, na área produtiva e social

(PROBOR I, II e III). Um dos Subprogramas para a recuperação de seringais nativos atendia

projetos, tais como, a abertura e reabertura de seringais, o custeio e a comercialização de

safra, o abastecimento de mercadorias a preços acessíveis pela Companhia Brasileira de

Alimentos - COBAL, os programas de saúde e educação, pelos convênios com os governos

estaduais, entre outros (PINTO, 1984).

Com os recursos arrecadados através da TORMB, também foi lançado um ambicioso

programa para a formação de seringais de cultivo, o PROBOR (I, II e III), com metas

audaciosas (Quadro 1), mas que não atingiram resultados nada auspiciosos, se analisarmos o

volume de recursos gastos (Quadro 2) e a produção atingida (Figura 2). De uma produção de

30.500 toneladas, no ano de 1967, quando o programa começou, caiu para 18.096 toneladas

no ano de 1975, e finalmente acabou tendo uma queda mais acentuada até 1991, quando

foram produzidas apenas 1.881 toneladas. Mesmo com os volumosos recursos aplicados no

programa, a produção despencou e não gerou a tão desejada auto-suficiência de borracha para

suprir a demanda das indústrias nacionais.

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O Estado Brasileiro teve muita responsabilidade sobre o setor de borracha na Amazônia:

A decadência acentuada da economia da borracha amazônica nos últimos

anos foi gestada pelo comportamento perverso dos preços fundamentalmente

determinados por decisões administrativas e não por situações endógenas do mercado.

A divisão de competência no controle de preços e o bloqueio exercido sobre eles

anularam os mecanismos de política setorial, levando o setor a uma situação de

inviabilidade econômica e financeira (BORREANI, 1984, apud SOARES, 2002,

p.15).

Quadro 1 – Resumo das metas programadas do PROBOR I, II e III.

PROBOR

PROBOR

PROBOR

PROBOR

I II III TOTAL Seringal de cultivo/

plantio

18.000 ha 120.000 ha 250.000 ha 388.000 ha

Seringal cultivo/ recuperação

5.000 ha 10.000 ha 6.000 ha 21.000 ha

Seringal nativo/ recuperação

10.176 colocações

10.000 colocações

5.000 colocações

25.176 colocações

Instalação de usinas 9 8 4 21

Instalação de mini-usinas 500 500

Enxertia de toco

27.500 27.500

Fonte: SOARES (2002)

Quadro 2 – Balanço Final do PROBOR I, II e III. Estimativa de uso de recursos US$ bilhões 1.3 a 2

Seringais de cultivo efetivamente implantados ha 215.810 Investimento estimado dos seringais implantados US$ milhões 700 Produção estimada de 215.810 há t/ano 172.648 Produção corrente estimada em 1997 t/ano 40.000 Produção estimada de 25.176 colocações t/ano 12.588 Produção corrente de borracha amazônica 1997 t/ano 4.000 Projeção de produção de 21 usinas financiadas t/ano 30.240 Estimativa de produção de 4 usinas residuais t/ano 2.880 Mini-usinas existentes nenhuma Nenhuma Fonte: SOARES (2002)

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Ao verificarmos a queda vertiginosa da produção de borracha nativa a partir dos anos

de 1980 e analisando a soma de recursos investidos no “setor” pelo Programa de Incentivo à

Produção da Borracha Natural - PROBOR, não foi uma política séria e honesta para com os

amazônidas:

[...] a ação predadora da SUDHEVEA e do IBAMA na economia extrativa da

borracha amazônica vem confirmar a nossa tese de que a política econômica da

borracha derivada da Lei nº 5.227/67, tinha como uma de suas metas principais a

erradicação da produção de borracha nativa, uma das causas da destruição da floresta

amazônica e do meio ambiente (SOARES, 2002, p.8).

O Brasil fechou os olhos para o que vinha acontecendo com a borracha produzida no

Sudeste Asiático a preços inferiores à nacional, apesar de sustentada por dumping social e

significativos subsídios governamentais.

[...] governo brasileiro e cadeia produtiva (produção e consumo) foram, no mínimo,

irresponsáveis e imprevidentes, todos satisfeitos com o modelo protetor adotado,

achando naturalmente, que esse modelo, voltado para o mercado interno, seria o

bastante para resguardar seus interesses infinitamente, como se o Brasil pudesse viver

isolado de outras economias e do comércio internacional. (SOARES, 2002, p.5).

D'Araújo, embora concorde com o fato de que tenha havido mudanças nas medidas

tomadas em relação à ocupação e desenvolvimento da região Amazônica, parte do princípio

Figura 2 - Evolução da produção, em toneladas, de borracha extrativa entre 1942 e 1980

0

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

30.000

35.000

1942 1946 1948 1950 1955 1960 1965 1967 1970 1975 1980

Fonte: Pinto, 1984.

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de que permaneceu a idéia da necessidade de integrar e desenvolver a região e de que as

estratégias a serem adotadas, bem como os objetivos básicos do governo, passaram apenas por

pequenas alterações. Ela faz uma comparação entre a política de desenvolvimento para a

Amazônia da década de 1930 e da década de 1980, afirmando que "de imediato podemos

antecipar que a 'novidade' dos anos 80 em diante, consiste em descartar uma política de

ocupação e de desenvolvimento generalizado, postura que servira de base para os programas

elaborados para a região desde os anos 30, e que foram encampados pelos governos militares"

(D`ARAÚJO, 1992, p.40–41).

Tanto entre os governos militares, quanto no período anterior à sua estada no poder, as

políticas voltadas para a Amazônia prenderam-se a uma ideologia de desenvolvimento

referente à idéia que concebe os recursos naturais coma algo inesgotável.

2.2.6 Um “cruzado” contra a borracha: De 1986 a 1997

Em 1986, o governo Sarney lançou o famigerado Plano Cruzado, tabelando e

congelando artificialmente e com alarmantes níveis de defasagem (86%) os preços da

borracha. Isso levou os produtores, usineiros e industriais, que captavam recursos em bancos a

juros de mercado, a um estado falimentar. Em Tarauacá, em 1987, os seringalistas e

seringueiros uniram-se para garantir a continuidade da produção da borracha por mais alguns

anos, e montaram a usina da Cooperativa Agrícola Mista de Borracha do Vale do Tarauacá

Ltda - COOPABOR, financiada pelo Banco Nacional de Crédito Cooperativo - BNCC.

Na seqüência, porém, quando o setor começou a se recuperar, veio o golpe de

misericórdia, com a extinção da SUDHEVEA e do CNB, no bojo de uma reforma

governamental visando a contenção de despesas do setor público. As atribuições da

SUDHEVEA foram repassadas ao recém-criado Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

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Recursos Naturais Renováveis - IBAMA. Todos os programas sociais, creditícios e de

fomento à borracha na Amazônia, que atendiam o setor, foram paralisados. A COBAL e a

SUDHEVEA, que estavam em todos os municípios da região, desmontaram suas estruturas,

fechando armazéns e escritórios e seus funcionários, altamente qualificados, foram relotados

para outros órgãos públicos federais em qualquer parte do Brasil. A maioria foi para o litoral

do Nordeste. Os bancos oficiais, Banco do Estado do Acre S.A. - BANACRE, Banco do

Brasil S. A. e Banco Nacional de Crédito Cooperativo - BNCC tiveram seus convênios

cancelados, deixando de receber os recursos da SUDHEVEA e não mais financiam as

atividades. Os Governos Estaduais tiveram seus convênios suspensos, deixando também de

receber os recursos, e paralisando importantes programas sociais na área de saúde e educação

levados ao interior das florestas através de educadores e agentes de saúde. Seringueiros,

seringalistas, regatões, usineiros, todos abandonaram a atividade. As usinas de beneficiamento

localizadas na região, que já vinham trabalhando com capacidade ociosa, em função do Plano

Cruzado, acabaram fechando em definitivo: em Cruzeiro do Sul – AC (Camelli e Pirelli), em

Eirunepé e Lábrea - AM (Mustafa Said), em Rio Branco - AC (Bonal, Helatex e Ibral), em

Guajará-Mirim - RO, (Chico Torres e Benesby), entre outras. Os seringueiros, sem nenhum

aviso prévio, sem saber o que estava acontecendo, ficaram jogados à sua própria sorte no

meio das florestas. Sem atendimento na saúde, na educação, no abastecimento, na

comercialização de sua borracha, a maioria fugiu do caos que se abateu sobre a floresta e veio

inchar as periferias das cidades. Os que insistiram em permanecer obrigaram-se a migrar para

outras atividades, transformando-se, uma minoria, em agricultores, criadores de pequenos

animais e de gado, e a grande maioria, em empregados eventuais, servindo de mão-de-obra

barata para madeireiros e fazendeiros.

A abertura da economia brasileira promovida pelo governo brasileiro derrubou o

“castelo de areia” protecionista do setor produtivo da borracha, pegando o setor inteiramente

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despreparado para conviver com uma economia de mercado globalizado, onde prevalece a

regra do mais apto e do mais produtivo (SOARES, 2002, p. 8).

Os movimentos sociais, com este novo cenário, adquiriram mais força. O Conselho

Nacional dos Seringueiros – CNS, os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais da região e os

partidos de esquerda, especialmente o Partido dos Trabalhadores - PT, buscaram alternativas

para garantir melhores condições aos seringueiros e assim foram criadas as primeiras

Reservas Extrativistas - RESEX, a do Alto Juruá, em Cruzeiro do Sul -AC e a Chico Mendes

em Xapuri - AC. Ao mesmo tempo foi criado o Centro de Apoio ao Desenvolvimento das

Populações Tradicionais - CNPT, ligado ao IBAMA, mas com autonomia financeira para

gerenciar as novas Reservas. O Projeto RESEX, financiado pela Comunidade Européia, foi

importante para a manutenção dos seringueiros dentro das reservas, mas não o suficiente para

promover o desenvolvimento sustentável. Não houve nenhum projeto dentro do programa que

contemplasse especificamente o extrativismo da borracha ou qualquer outra atividade

produtiva.

Com o fechamento das usinas, a senadora Marina Silva, em 1994, conseguiu que o

IBAMA financiasse, com recursos da TORMB, a instalação de 10 usinas de beneficiamento

de borracha na Amazônia, sendo que somente quatro foram efetivamente instaladas: duas no

Acre, da Cooperativa Agroextrativista de Xapuri – CAEX, em Xapuri e da Cooperativa

Agroextrativista dos Trabalhadores Rurais de Sena Madureira – COATR em Sena Madureira,

uma em Porto Velho - RO e outra em Santarém - PA. Porém, com máquinas e instalações

inadequadas, falta de pessoal técnico e sem matéria prima suficiente, acabaram funcionando

de forma precária, sem atingir os objetivos.

O setor produtivo da borracha extrativa foi por muito tempo operado dentro de uma

redoma, sob a tutela governamental. Isso fragilizou a carente base produtiva (seringueiro,

seringalista/marreteiro/associação, usineiro/cooperativa). O mesmo não aconteceu com o setor

consumidor (a indústria pneumática e de artefatos) que se modernizou, inovou e se preparou

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para enfrentar uma concorrência internacional. Assim, abriu-se um grande fosso entre os dois

setores, propiciando, como única alternativa para que a indústria mantivesse o seu nível de

competitividade diante de um mercado globalizado, a importação de borracha asiática de

menor custo. E o setor produtivo, não só da Amazônia, mas em nível nacional, entrou em

colapso.

2.2.7 Política subvencionista à borracha extrativa: De 1997 até presente data

(2005)

Só em 1997, quando o setor já está totalmente desestruturado na Amazônia, surgiu

uma nova política para a borracha no Brasil. A Lei nº 9.479, de 12.08.1997, extinguiu a

TORMB e criou uma subvenção econômica à borracha natural a ser repassada às usinas de

beneficiamento para que os preços da borracha nacional pudessem ser remunerados nos

mesmos preços da borracha no mercado internacional. Através da Portaria MF nº 187, de

29.06.1995, fixou o preço da borracha tipo GEB-1 em R$ 2,58 por quilo, tomando por base o

preço da borracha do tipo SMR-10 no mercado internacional. Como a borracha GEB-1 estava,

na época, sendo comercializada a R$ 1,68 por quilo, foi estipulado o valor da subvenção em

R$ 0,90/kg, sendo que, na medida em que os preços da borracha aumentassem, o valor da

subvenção diminuiria, na mesma proporção. A subvenção seria por 8 anos, sendo, nos

primeiros quatro anos de 100%, e, a partir daí reduzindo-se em 20% até o seu oitavo ano de

execução.

Além disto, a Lei nº 9.479 repassou ao Ministério da Agricultura, da Pecuária e do

Abastecimento - MAPA o controle e a gestão da heveicultura, mantendo o extrativismo dos

seringais nativos da Amazônia sob a gestão do MMA e do IBAMA. A Lei acima determinou

a tomada de medidas pelo Executivo, no sentido de criar mecanismos para a recuperação da

atividade na região. No caput do art. 7o e no Parágrafo Único, diz:

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Artigo 7º - O Poder Executivo deverá, no prazo de sessenta dias, contados a

partir da entrada em vigor desta Lei, adotar medidas destinadas a promover a ascensão

econômica e social dos seringueiros da Amazônia, por meio de mecanismos

específicos de incentivo ao uso múltiplo da floresta amazônica e de programas de

promoção social [...].

Parágrafo Único - O Poder Executivo garantirá os recursos financeiros

necessários à implantação de programas para o adensamento dos seringais nativos,

aprimoramento das técnicas de extração e preparo do látex, visando à melhoria da

qualidade da borracha, e diversificação das atividades econômicas na região

amazônica (BRASIL, 1997, p.7).

Assim, criaram-se as condições necessárias reivindicadas pelos movimentos sociais

para atendimento diferenciado aos seringueiros da Amazônia. Abriram-se espaços aos

governos locais para desenvolverem políticas públicas próprias. O MMA criou o Programa

Amazônia Solidária para desenvolver projetos através de Ong’s para os seringais nativos.

No Acre, em 1999, a Frente Popular do Acre - FPA, liderada pelo PT, assumiu o

Governo, que criou o subsídio estadual à borracha bruta, através da Lei nº 1.277, de 13.01.99,

conhecida como Lei Chico Mendes e reformada mais tarde pela Lei nº 1.427, de 27.12.2001

(SILVA E TEXEIRA, 2004) e recebeu recursos do Programa Amazônia Solidária, num total

de 6 milhões de 2000 a 2003 (BRASIL, 2004). Através da Secretaria Executiva de Florestas e

Extrativismo - SEFE firmou convênio com o Ministério da Agricultura e foi o único Estado

da federação a administrar os recursos da subvenção federal destinado à produção de borracha

do Estado15. Criou a Cooperativa dos Produtores Rurais e Extrativistas do Estado do Acre -

COOPEC, hoje, Cooperativa das Centrais de Associações de Seringueiros e Produtores Rurais

do Acre – COOPERACRE. Também em acordo com a empresa Pirelli, indústria pneumática

que produz na Bahia o pneu “Xapuri”, o Governo do Estado conseguiu a garantia da

comercialização de toda a produção de borracha do Estado. Ainda, há mais de quatro anos

vem desenvolvendo estudos e pesquisas, com o apoio dos Ministérios da Saúde e da Ciência e

15 A subvenção federal, criada pela lei 9.479/97, é repassada às usinas de borracha através da Companhia

Nacional de Abastecimento - CONAB ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA.

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Tecnologia, Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA, ex-Superintendência de

Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM e Superintendência da Zona Franca de Manaus -

SUFRAMA, para a implantação de uma unidade industrial para a fabricação de preservativos

em Xapuri - AC, que garantirá a aquisição subsidiada de todo o látex da região e a venda da

produção ao Ministério da Saúde (PEREZ e PEROZZI, 2003). Através da Lei 1.358, de

29.12.2000, criou uma redução de até 95% no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e

Serviços - ICMS, para aplicação em investimentos fixos, incentivando empresas que utilizam

matérias primas regionais, como é o caso da borracha. Dessa forma, a borracha do Acre, em

vez de ir, na forma de borracha bruta (CVP), para ser beneficiada em outros Estados, sai daqui

na forma de matéria prima (GEB). Estava consolidada uma política governamental com todas

as condições de fazer o Acre voltar a ser novamente um grande produtor de borracha vegetal

extrativa, como foi no passado. Esses programas, integrados, deveriam transformar os

seringais nativos em verdadeiros pólos de desenvolvimento local em favor das populações

extrativistas.

Porém, ao efetuar o pagamento das subvenções (estadual e federal) somente às

associações/cooperativas de seringueiros filiadas à FETACRE, e a obrigatoriedade de trânsito

e comercialização da borracha bruta através da COOPEC, cerceou o acesso ao programa de

outras instituições que não faziam parte da rede que se articulou, bem como não incluiu no

subsídio outros tipos de borracha, como a folha de defumação líquida - FDL, os tecidos

emborrachados e os artesanatos de borracha.

Assim, duas usinas de beneficiamento de borracha, de cooperativas tradicionais, que já

estavam cadastradas na CONAB e recebiam regularmente os valores da subvenção federal,

paralisaram suas atividades porque não conseguiram se cadastrar na SEFE, pois não eram

filiadas à FETACRE, exigências impostas por aquele órgão governamental para a efetivação

do cadastro. Assim não tiveram condições de competir com a estrutura montada, pois, ao não

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receberem os subsídios, não tinham como remunerar os produtores com o mesmo preço pago

pelos beneficiários do programa governamental. A usina da COOPERECO, em Rio Branco,

que produzia o Granulado Escuro Brasileiro - GEB e o Crepe Claro Brasileiro - CCB, vendeu

suas instalações à COAEPA (Cooperativa dos seringueiros e produtores rurais do Antimary)

que até hoje não conseguiu reativá-la. A usina da COOPABOR, em Tarauacá, que produzia

GEB, funcionou de 1987 a 1999, garantindo uma sobrevida aos seringueiros e à própria

atividade nos municípios de Tarauacá, Feijó, Jordão e Cruzeiro do Sul, no Acre e Envira -

AM, gerando impostos e empregos ao Estado e aos Municípios, deixou de funcionar em 1999

e hoje a produção naqueles municípios é muito pequena.

Por outro lado, somente duas usinas estão operando atualmente no Acre, a usina da

CAEX, em Xapuri, arrendada para um empresário do estado de São Paulo e a da COATR em

Sena Madureira que, hoje, como uma empresa particular tem a denominação de Usina de

Beneficiamento de Borracha Casa do Seringueiro. Esta última, através de financiamento

concedido pelo BASA, montou uma estrutura moderna, com máquinas e equipamentos atuais,

com capacidade instalada para beneficiar 300 toneladas por mês. Porém, mesmo com a

compra de borracha dos vizinhos Estados do AM e de RO, ambas estão operando com menos

de 50% de suas capacidades instaladas.

Segundo Morceli (2004), os subsídios federais foram pagos aos usineiros até agosto de

2002, quando os preços da borracha no mercado interno ultrapassaram a barreira dos R$ 2,58

fixados pela Lei. Assim, a subvenção federal cumpriu a sua função e permitiu que o setor

heveícola nacional sobrevivesse, se organizasse e pudesse competir em igualdade de

condições com a borracha importada (MORCELI 2003). Na Amazônia, mesmo com as

políticas regionais dos estados do Acre, Amazonas e Rondônia, o extrativismo da borracha

não reagiu como se esperava. A produção aumentou, porém não nos níveis desejados,

conforme podemos ver na figura 3, e os extrativistas continuam pauperizados.

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A Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI da borracha, criada no Congresso

Nacional para avaliar especificamente a sistemática de concessão de subvenção econômica

aos produtores da borracha concluiu que:

[...] se houve algum benefício, quem o recebeu foi seguramente o elo mais forte da cadeia

produtiva, ou seja, as indústrias de pneumáticos e de artefatos da borracha, sem quaisquer

transbordamentos desses benefícios para o setor de produção da matéria-prima, tanto na

atividade extrativista como na de cultivo, sabidamente, no caso de ambas, exercidas por

pequeno e médios produtores. A atual política para o setor é equivocada, não trouxe qualquer

benefício, pelo contrário, só prejuízos, aos seringueiros e às reservas extrativistas (BRASIL,

2003, p.204).

Além disso, os recursos dos subsídios estaduais não são pagos diretamente aos

seringueiros, mas às associações e cooperativas. Ao fazer uma análise da política de

subvenção implantada no Estado do Acre, através da determinação das variações que ocorrem

no bem-estar entre consumidores, produtores e os custos sociais advindos da sua

implementação, Silva e Texeira (2003, p.10) concluem que “a política é eficiente, pois possui

baixo custo social, porém é viesada pelo fato de os consumidores se apropriarem de, em

média, de mais de 60% dos benefícios do programa”. Perez (2004, p.1), ao analisar o artigo

Figura 3 - Evolução da produção, em toneladas, de borracha extrativia entre 1990 e 2002

0

1.000

2.000

3.000

4.000

5.000

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Fonte: Morceli, 2004.

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“Abordagem Microeconômica da Política de Subsídios à Borracha Natural do Acre”, de

Rubicleis Gomes da Silva e Erly Cardoso Texeira, relata:

Conforme informações dos autores, é necessário que a médio e longo prazos haja uma

reestruturação da cadeia produtiva da borracha natural no estado do Acre, sendo que no novo

cenário, a incorporação de tecnologia e substanciais aumentos de produtividade garantam

competitividade a esta atividade, tornando-a sustentável a longo prazo sem a utilização de

subsídios governamentais (PEREZ, 2004, p.1).

Também sobre o Programa Amazônia Solidária, segundo Relatório do Tribunal de

Contas da União – TCU, foram aplicados na Amazônia, R$ 16.236 mil (BRASIL 2004), no

período de 2000 a 2003, e conclui que,

Os critérios adotados para a aprovação dos projetos são deficientes tecnicamente e não

beneficiam os grupos mais vulneráveis [...] Além disso, parcela dos recursos não é alocada em

benefício direto das comunidades. É direcionada para organizações não governamentais

representativas do setor extrativista que atuam em toda a região amazônica, como Conselho

Nacional dos Seringueiros – CNS, o Grupo de Trabalho Amazônico – GTA, a Coordenação

das Nações Indígenas de Amazônia – COIAB, que são agências implementadoras do Projeto

BRA/99/025, e outras redes. Contudo não há um acompanhamento satisfatório dos resultados

das ações dessas entidades em benefício das comunidades extrativistas (BRASIL, 2004, p.17).

Morceli (2003, p.3), ao comparar a atividade extrativa com a atividade em seringal

cultivado, declara:

Entretanto, o mesmo não acontece com o seringueiro (extrativista), pois tem as

seguintes desvantagens: a exploração se dá na Região Amazônica onde não existe indústria

consumidora final (pneumáticas ou de artefatos) obrigando ao deslocamento até a Região

Centro-Sul; as árvores estão dispersas ao longo das “estradas” fazendo com que o seringueiro

tenha que andar longas distâncias para localizar as árvores para fazer o corte, resultando em

produção média de 500 kg de coágulo por ano para cada seringueiro; e as árvores não são

uniformes (da mesma variedade) de modo que o látex, muitas vezes, tem diferenças nas suas

características físico-químicas depreciando o produto.

Ao fazer uma análise da evolução da produção de borracha na Amazônia, Morceli

(2004, p.66) afirma que,

A situação não melhorou para o seringueiro (extrativista), pois mesmo com os preços

atuais médios de R$ 1,78 por quilo de coágulos virgem prensado, com 85% de DRC no Acre,

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já incluso a subvenção estadual, como a produção é muito baixa (cerca de 50 kg por mês por

extrativista), não conseguindo gerar renda para se manter na atividade.

Em sua análise sugere, para que a atividade se torne viável, a implantação de

tecnologias de produção e beneficiamento do látex que agreguem valor ao produto gerado e,

com isso, aumentem a renda do extrativista.

2.3 CONCLUSÕES

Pelo que constatamos no presente estudo, as políticas setoriais para a borracha

extrativa na Amazônia não tiveram seus resultados refletidos nos níveis de produção. Todos

os programas implantados, em todas as épocas, restringiram-se ao sistema produtivo

convencional da borracha industrial.

Os seringueiros continuam pobres e sem nenhuma estrutura produtiva. A produção

média de 75 kg/mes por seringueiro, comercializados no Acre a R$ 1,80 kg, incluindo os

subsídios, garante-lhes uma receita bruta mensal de R$ 135,00. Esse valor não os estimula a

reabrir suas estradas, investir em utensílios necessários para o início da atividade e muito

menos dá condições de sobreviver, de forma digna, somente desta atividade.

Por isso, a produção mantém-se em níveis baixos. Haverá produção enquanto durar o

subsídio. Se o programa acabar, a atividade não sobrevive, ao ter que competir em igualdade

de condições com a borracha produzida em seringais de cultivo, localizados mais próximo dos

centros consumidores e onde a produtividade é maior.

Se o objetivo da subvenção como prevê a Lei é “promover a ascensão econômica e

social dos seringueiros da Amazônia”, mantendo o seringueiro, na floresta, produzindo

borracha e sobrevivendo de maneira digna da atividade, é preciso inovar, transformando em

investimentos os recursos hoje canalizados para o pagamento de subvenções à atividade, e

que não são integralmente repassados para os seringueiros. Investimentos em estrutura e no

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desenvolvimento de novas tecnologias que permitam, como prevê a Lei, “o aprimoramento

das técnicas de extração e preparo do látex, visando a melhoria de sua qualidade”.

A promoção e ascensão econômica e social dos seringueiros e o aprimoramento das

técnicas de extração e preparo do látex, visando a melhoria de sua qualidade, podem muito

bem ser entendidos pelo conceito apregoado por Leff (2000, p.139), como “a revalorização

dos saberes tradicionais e das economias autogestionárias e participativas, para satisfazerem

as necessidades básicas das comunidades rurais através dos benefícios econômicos, sociais e

ambientais que resultam desta estratégia produtiva”.

É possível trabalhar estes conceitos na produção da borracha extrativa na Amazônia,

gerando autonomia aos extratores de borracha (índios e seringueiros), através de outras

possíveis alternativas de uso do látex nativo, como poderemos verificar nos próximos artigos.

2.4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, H. R. O mercado, a floresta e a ciência do mundo industrial. In: ARAUJO, H. R; SEILER, A. et al. (orgs.). Tecnociência e Cultura: ensaios sobre o tempo presente. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. p. 65-90. BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório de prestação de contas de programa: Ação Amazônia Sustentável/ Tribunal de Contas da União. Brasília: TCU. Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Governo, 2004. 106 p. ----------. Avaliação do TCU sobre o Amazônia Sustentável: Tribunal de Contas da União: Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Governo. Sumários Executivos – TCU/SEPROG. Brasília, DF v. 16, 21 p. BRASIL. Lei 9.479, de 12 de ago. 1997. Dispõe sobre a concessão de subvenção econômica a produtores de borracha natural. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF. 13 de ago. 1997. ----------. Lei 5.227, de 18 de jan. de 1967. Dispõe sobre a política econômica da borracha. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF. 19 de jan. 1967.

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D'ARAÚJO, M. C. Amazônia e desenvolvimento à luz das políticas governamentais: A experiência dos anos 50. Revista brasileira de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, n. 19, jun. 1992. LEFF, E. Ecologia, capital e cultura: racionalidade ambiental, democracia participativa e desenvolvimento sustentável. Blumenau: Ed. da FURB, 2000. 381 p. MAHAR, D. J. Desenvolvimento Econômico da Amazônia: Uma análise das políticas governamentais. Rio de Janeiro: IPEA, 1978. MORCELI, P. Borracha Natural: Situação atual e perspectivas. CONAB. Revista eletrônica Borracha Natural. Artigo 37. 2003. Disponível em: <http://www.borrachanatural.agr.br/artigos/artigos3.php>. Acesso em: 30 de jan. 2005. ---------------. Borracha Natural: Perspectiva para a safra 2004/05. Revista de política agrícola. v.13, n. 2, Abr./Jun., 2004, p. 56-67. ----------------. Considerações sobre o Programa de Concessão de Subvenção Econômica para a Borracha Natural. CONAB. Revista Eletrônica Borracha Natural. Artigo 12. 2002. Disponível em: <http://www.borrachanatural.agr.br/artigos/artigos4.php>. Acesso em: 30 de jan. 2005. PAULA, E. A. Seringueiros e Sindicatos: Um povo da floresta em busca da liberdade. Tese (Mestrado em Desenvolvimento Agrícola) - Instituto de ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Itaguaí, RJ, 1991. -------------. Estado do Desenvolvimento Insustentável na Amazônia Ocidental: dos missionários do progresso aos mercadores da natureza. Tese (Doutorado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade). Instituto Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ. 2003. PEREZ, P. Tecbor deve lançar produtos ecologicamente corretos. Borracha em foco. Revista eletrônica da borracha natural. 2003. Disponível em: <http://www.borrachanatural.agr.br/borrachaemfoco/030708.php>. Acesso em: 30 de nov. 2003. ------------. Resenha sobre o artigo “Abordagem Microeconômica da Política de Subsídios à Borracha Natural do Acre”, de SILVA, R.G; TEXEIRA, E.C. Borracha em foco. Revista eletrônica da borracha natural. 2004. Disponível em:

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<http://www.borrachanatural.agr.br/borrachaemfoco/040908.php>. Acesso em: 30 de jan. 2005. PEREZ, P; PEROZZI, M. Nova fábrica de preservativos impulsionará extrativismo no Acre. Borracha em foco. Revista eletrônica da borracha natural. 2003 <http://www.borrachanatural.agr.br/borrachaemfoco/031217.php>. Acesso 30 de nov 2004. PINTO, N. P. A. Política da Borracha no Brasil: a falência da borracha vegetal. São Paulo, HUCITEC, 1984. 168 p. SANTOS, L.G. Tecnologia, natureza e a “redescoberta” do Brasil. In: ARAUJO, H. R; SEILER, A et al. (orgs.) Tecnociência e Cultura: ensaios sobre o tempo presente. São Paulo: Estação Liberdade. p. 23-46.1998. ------------. A Encruzilhada da Política ambiental Brasileira. In: D’INCÃO; SILVEIRA (orgs.). A Amazônia e a crise da modernização. Belém. Museu Emílio Goeldi. p. 135-153. 1995. SILVA, R. G; TEXEIRA, E. C. Abordagem Microeconômica da política de Subsídios à Borracha Natural do Acre. Congresso da Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural, 42; 2004, Viçosa. ANAIS... Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 2004. 18 p. Disponível em: <http://www.borrachanatural.agr.br/artigos/index.php>. Acesso em: 30 de jan. 2005. SOARES, A.T. A questão da borracha. Os últimos 35 anos (1967 a 2002) da atividade econômica da borracha. Belém: APBNB, 2002.

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ANEXO I Quadro 3 – Legislação das políticas setoriais para borracha extrativa (1912-2005)

Dispositivo Legislação Conteúdo

Lei nº 2.543-A, de 05.01.1912 Reorganiza seringais nativos e apóia implantação de indústria de artefatos de borracha em Manaus e Belém

Decreto-Lei nº 9.521, de 17.04.1912 Reorganiza seringais nativos e apóia implantação de indústria de artefatos de borracha em Manaus e Belém

Lei nº 4.242, de 05. 01.1921 Incentivos fiscais para instalar indústrias de artefatos no Brasil Decreto-Lei nº 16.763, de 31.12.1924 Incentivos fiscais para instalar indústrias de artefatos no Brasil Decreto-Lei nº 4.451, de 09.06.1942 Cria o BCB (Banco de Crédito da Borracha) Decreto-Lei nº 4.523, de 25.06.1942 Cria a Comissão de Controle dos Acordos de Washington Decreto-Lei nº 4.481, de 17.10.1942 Cria o SEMTA (Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para

a Amazônia) Decreto-Lei nº 5.044, de 04.12.1942 Cria o SAVA (Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico)

Lei nº 5.227, de 18.01.67. Dispõe sobre a Política Econômica da Borracha Decreto-Lei nº 164, de 13.02.67. Modifica a legislação da Política Econômica da Borracha

Lei nº 5.459, de 21.06.68. Modifica dispositivos da Lei nº 5.227, de 18.01.67, que dispõe sobre a Política Econômica da Borracha.

Lei nº 9.479, de 12.08.1997. Dispõe sobre a concessão de subvenção econômica a produtores de borracha natural

Lei nº 1.277, de 13.01.99. Dispõe sobre a concessão de subvenção econômica aos seringueiros no Estado do Acre

Lei nº 2.611, de 04.07.2000. Dispõe sobre a concessão de subvenção econômica aos seringueiros do Estado do Amazonas

Lei nº 1.358, de 29.12.2000. Institui programa de Incentivos Tributários no Estado do Acre Decreto Lei nº 23.636, de 11.08.2003.

Fontes: Pinto, 1984; Morceli, 2003; Silva e Texeira, 2004; Governo do Amazonas.

ANEXO II Quadro 4 – Cronologia da economia da borracha nativa na Amazônia

Data Discriminação Até 1820 Encauchados indígenas 1820 a 1912 O “Ciclo da Borracha”

1912 Decadência da borracha nativa, Plano de Defesa da Borracha 1924 Instalação de indústrias de artefatos no Brasil 1942 “Batalha da borracha”, “Acordo de Washington”. 1942 Criação monopólio da borracha, BCB, Contingenciamento, equalização e Estoque regulador 1951 Primeira importação de borracha pelo Brasil 1967 Fim do monopólio da borracha 1967 Criação Sudhevea, CNB, TORMB 1972 PROBOR I 1978 PROBOR II 1982 PROBOR III 1986 a 1988 Desmonte da Sudhevea e do CNB 1989 Criação do Ibama 1990 a 1997 Total abandono do setor de borracha com desmandos do Ibama 1997 Extinção da TORMB e criação da subvenção à borracha 1997 a 2005 Concessão de subvenção econômica aos produtores de borracha natural nacional 1999 Concessão de subvenção econômica aos seringueiros no Acre 2000 Concessão de subvenção econômica aos seringueiros do Amazonas 2000 Concessão de incentivos fiscais para usina de beneficiamento de borracha no Acre Fonte: Pinto (1984); Soares (2002); Morceli (2004)

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3. ARTIGO 2 - SISTEMA PRODUTIVO CONVENCIONAL E

OUTRAS POSSIBILIDADES DE USO DO LÁTEX NATIVO NA

AMAZÔNIA

Francisco Samonek16

RESUMO

No presente artigo apresentamos um estudo sobre os diversos sistemas produtivos da borracha

extrativa e suas respectivas tecnologias, desde os encauchados produzidos pelos povos

indígenas que habitavam a região antes da chegada dos europeus, passando pela borracha

industrial convencional, desenvolvida e implantada no bojo da Revolução Industrial através

do sistema de acumulação capitalista, até as mais recentes iniciativas em experimentação,

como os tecidos emborrachados, conhecidos como “couros” vegetal e ecológico, a folha de

defumação líquida - FDL e os novos encauchados de vegetais.

Palavras-chave: Borracha extrativa - Processos tecnológicos - Tratamento do látex nativo -

Tecidos emborrachados – Encauchados - Látex nativo e fibras vegetais curtas.

1616 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Manejo dos Recursos Naturais, Universidade Federal do Acre.

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CONVENTIONAL PRODUCTIVE SYSTEM AND OTHER

POSSIBILITIES OF NATIVE LATEX USE IN THE AMAZON RE GION.

ABSTRACT

In the present article, we presented a study on the several productive systems of the extractive

rubber and its respective technologies, from rubberized fabrics produced by the indigenous

people that inhabited the area before the arrival of the Europeans, passing by the conventional

industrial rubber, which was developed and implanted during the Industrial Revolution

through the system of capitalist accumulation, up to the most recent initiatives in

experimentation, like the rubber-clad fabrics, known as vegetal and ecological "hides", the

smoked-liquid sheet - (SLS) and the new rubberized-vegetal ones.

Key-Word: Extractive rubber - Technological processes - Native latex processing - Rubber-

clad fabric – Rubberized - Native latex and short vegetal fibers.

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3.1 INTRODUÇÃO

Os povos que habitavam a Amazônia na época da chegada dos europeus já extraíam o

látex de várias espécies nativas e, através de técnicas culturais próprias, saudáveis e não

predatórias e num convívio harmônico com a natureza, transformavam-no em uma

diversidade de objetos de uso pessoal e local.

No século XVI, a Amazônia foi alvo de cobiças das nações européias que procuravam

produtos para alimentar o mercado daqueles países. Foi um período marcado pela

colonização, aprisionamento, aldeamento e escravização de diversos grupos indígenas.

No século XVII, foi concebida e idealizada como possuidora de uma natureza

majestática, desafiadora de cientistas e estudiosos, despertando a curiosidade de viajantes.

Nesse período, segundo Pinto (1984, p.10), “a Europa da expansão mercantil não criara ainda

condições para a incorporação da borracha ao seu desenvolvimento econômico”. As

dificuldades técnicas de processamento do látex solidificado fizeram com que ela não

despertasse o interesse comercial nos três primeiros séculos da Colonização.

Somente em fins do século XVIII, ela começa a ser estudada e apontada como

importante matéria-prima para uso industrial, sendo transformada num “filho pródigo” da

Revolução Industrial.

No século XIX, as grandes descobertas da era industrial, com a química melhorando a

qualidade da borracha pela vulcanização e a metalurgia construindo máquinas que permitiram

manipular a borracha sólida, possibilitaram fabricar novos materiais, provocando profundas

mudanças na nova sociedade européia emergente. Segundo Pinto (1984, p.10), “foi neste

contexto que a interação da acumulação capitalista e do progresso técnico-científico, deram

origem à grande indústria manufatureira, da qual faz parte o subsetor produtor de artefatos de

borracha”.

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Paralelamente, na Amazônia, são desenvolvidos processos produtivos, dentro do modo

de produção capitalista, para permitir o transporte da borracha para abastecer as indústrias nos

países centrais. Assim foi criada a borracha industrial e, a partir daí, tem início a atividade

extrativa comercial da borracha vegetal na Amazônia, cujo sistema produtivo, aqui

denominado de convencional, continua sendo o mesmo até nossos dias (2005).

Nos últimos quinze anos, algumas iniciativas, governamentais e não governamentais,

vêm desenvolvendo na Amazônia, em caráter experimental, tecnologias que garantem novos

usos para o látex nativo, com vantagens sobre o sistema produtivo convencional.

O objetivo deste estudo é demonstrar que, além do modelo de produção da borracha

convencional, desenvolvida com a expansão-capitalista européia e praticada desde aquela

época no extrativismo da Amazônia, cujo modelo passou para a heveicultura, existem outros

sistemas produtivos alternativos, com técnicas mais adequadas para a região. Para ser viável,

qualquer prática produtiva deve ser

[...] manejada pelas próprias comunidades na satisfação de suas necessidades básicas e de suas

aspirações dentro de diferentes estilos de vida. Trata-se da construção de uma racionalidade

produtiva alternativa, fundada em condições de produção ecologicamente sustentáveis, assim

como em critérios de equidade social e diversidade cultural (LEFF, 2000, p.133).

Neste artigo apresentamos todos os sistemas produtivos utilizados para a

transformação do látex nativo em algum tipo de borracha, bem como as suas respectivas

tecnologias, desde a fabricação da borracha indígena, os encauchados17, passando pelos

diversos tipos de borracha industrial, incluindo os preservativos, até as mais recentes

iniciativas, como a folha de defumação líquida - FDL, os tecidos emborrachados, conhecidos

como “couros”, vegetal e ecológico e os novos encauchados de vegetais.

17 Encauchados são os diversos artigos de borracha fabricados pelos indígenas, sem a utilização de máquinas, estufas, energia elétrica e sem o uso da defumação. Era utilizado o látex do caucho (Castilloa ulei), que era aplicado com penas de aves e secado na temperatura ambiente (SAMONEK, 2003, p.3-4).

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3.2 As diversas borrachas extrativas na Amazônia

3.2.1 O látex nativo e os seus conhecidos processos de tratamento.

O látex é um líquido viscoso, de cor amarelo-esbranquiçada, produzido pela natureza,

em estruturas especiais, denominadas de vasos laticíferos, de árvores catalogadas em famílias

classificadas como euforbiáceas, moráceas, apocináceas, entre outras. Quando seccionados, os

laticíferos deixam fluir o látex, que coagula e veda o ferimento feito na planta. A coagulação

resulta da ação de sistemas enzimáticos.

Estruturalmente, o látex é uma suspensão que contém partículas de hidrocarbonetos do

grupo dos terpenos numa matriz aquosa. Trata-se de um colóide, isto é, uma fase sólida

(soluto) dispersa em uma fase líquida (solvente). A fase sólida (de 30 a 50%) é o

hidrocarboneto borracha (C5H8), chamado isopreno. A fase líquida (de 50 a 70%) é o soro,

constituído em sua maior parte por água, ácidos orgânicos e enzimas. O látex tem outras

substâncias, como açúcares, alcalóides, protídeos, ceras, amido, cristais, taninos e resinas.

Como observa Emperaire e Almeida (2002), o látex é coletado através de várias

incisões na árvore, colocando junto ao corte tigelas de lata ou plástico para armazená-lo. Esta

etapa, nos seringais nativos, é realizada em três fases:

(a) Corte: O seringueiro sai de sua casa, ainda de madrugada, e, da esquerda para a direita,

com uma inclinação de 20º a 30º e na altura de 1.20m a 1.50m., em dias sem chuvas, corta de

80 a 120 árvores/dia e embute a tigela na parte inferior do corte.

(b) Sangria: Durante três a quatro horas, após o corte, no ferimento feito na casca, o látex fica

saindo lentamente e se acumula nas tigelas.

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(c) Coleta: Concluído o corte, na primeira metade da manhã, ele inicia a coleta. Com um

balde de zinco com capacidade para dois litros, ele recolhe o látex das tigelas e o armazena

em uma bolsa emborrachada, o saco defumado. Uma colheita diária oscila entre 10 e 20 litros

diários.

As principais propriedades físicas do látex de campo são: baixa densidade: 0.98

g/cm3; viscosidade (medida da fluidez), em função do teor de hidrocarboneto borracha

(concentração); pH (medida de alcalinidade ou acidez), normalmente por volta de 10 a 11, na

hora da coleta, podendo cair após breve período, devido à ação de micro-organismos e

enzimas, provocando a sua biodeterioração e alterando as propriedades físicas, químicas e

mecânicas. O látex é um dos produtos altamente suscetíveis ao ataque microbiano,

provocando mudanças de aspecto (cor, viscosidade), coagulação espontânea e cheiro

acentuado. Por isto, ao concluir a coleta, o seringueiro precisa imediatamente dar uma

destinação ao látex colhido, de acordo com o tipo de borracha que quer produzir.

Se for produzir a borracha convencional, mistura uma solução aquosa de ácido acético

para desestabilizá-lo e fazer uma coagulação uniforme. Se o destino for à venda para a fábrica

de preservativos, precisa conservá-lo com uma solução de amônia (NH3) a 1%, armazená-lo

em embalagem hermeticamente fechada e transportá-lo imediatamente até a indústria, onde

será feita a sua concentração através da centrifugação. Se for produzir o tecido emborrachado

defumado, o “couro” vegetal, precisa levá-lo imediatamente até as unidades de produção,

onde mistura os agentes vulcanizantes e onde é feita imediatamente a coagulação pela

defumação. Se for produzir a FDL, mistura uma solução aquosa de ácido pirolenhoso e o

coloca em pequenas bandejas de plástico, onde ocorrerá a sua coagulação. Se for fabricar os

novos encauchados de vegetais, mistura ½ litro de água de cinzas, 600 ml de uma solução de

agentes vulcanizantes, aquece por uma hora, até atingir uma temperatura próxima de 90ºC,

resfria e o armazena para, através da concentração pela evaporação, fabricar os produtos.

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Como podemos ver na Figura 1, existem dois conhecidos tipos de tratamento que

podem ser dados ao látex nativo de campo para transformá-lo em borracha sólida, a

coagulação e a concentração. A concentração é uma técnica indígena utilizada para fabricar

objetos usados pelos povos locais. A coagulação foi utilizada pelos europeus para facilitar o

transporte da borracha até seus países, onde estavam as indústrias de transformação. Pelo

processo de coagulação são fabricados a borracha convencional, a FDL e o tecido

emborrachado defumado, conhecido como “couro” vegetal. Pela concentração são fabricados

a borracha indígena, o tecido emborrachado, conhecido como “couro” ecológico, os novos

encauchados de vegetais e os preservativos.

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3.2.2 A borracha indígena.

Os povos que habitavam a Amazônia fabricavam e usavam vários produtos feitos de

borracha, os encauchados, também denominados de borracha indígena18. A denominação

encauchado deriva-se do nome da árvore do caucho (Castilloa ulei)19, e tem sua origem no

termo indígena “cahuctchu”, que quer dizer “madeira que chora”, em alusão ao látex que fica

escorrendo de sua casca, quando é realizada a sangria (SANTOS, 1998).

Segundo o relato de Pinto (1984, p.9), “eles confeccionavam bolas e seringas,

impermeabilizam artigos de vestuário, fabricavam tochas para iluminação e uma infinidade de

outros objetos de uso geral”. O látex utilizado era extraído da árvore do caucho e não da

seringueira (Hevea brasiliensis)20, a qual começou a ser explorada em escala comercial com a

introdução da borracha como matéria-prima para uso industrial. A fabricação dos

encauchados era feita através de uma técnica cultural própria, que secava o látex pela

evaporação na temperatura ambiente. Os habitantes da região Amazônica e parte da América

Central, já usavam uma espécie de sandália fabricada com um material que ficava pegajoso

em época quente e duro e quebradiço em época fria; além disso, embebiam seus próprios

tecidos num líquido aquoso que ao secar tornava-se impermeável, conhecido hoje como capa

de chuva. Assim, de forma natural, eles retiravam a parte líquida do látex e modelavam a

parte sólida no formato do produto desejado, sem a utilização de nenhum processo químico. A

sua aplicação era feita com as mãos ou com penas de aves, em finas e sucessivas camadas,

18 Borracha indígena é o sistema produtivo que transforma o látex nativo em diversos artigos de borracha, os encauchados, fabricados pelos nativos, antes do desenvolvimento da borracha industrial pelos pesquisadores europeus. 19 Caucho (Castilloa ulei), árvore amazônica, da qual se extraí um látex também utilizado para fabricar borracha. Tem propriedades diferentes do látex da seringueira (Hevea brasiliensis), é mais denso e não coagula tão rapidamente. Por estas características era utilizado pelos índios e seringueiros para fabricar os encauchados. 20 Seringueira (Hevea brasiliensis), árvore nativa da Amazônia, da qual se extrai, com pequenas incisões em sua casca, o látex para fabricar a borracha vegetal, matéria prima utilizada pelas indústrias para a fabricação de uma infinidade de produtos, como pneus, peças técnicas, entre outros.

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sobre moldes de madeira, planos ou entalhados. Após a secagem da primeira camada, era feita

outra aplicação, e assim sucessivamente, até atingir a espessura desejada. Esta técnica

permitia o uso do látex para a fabricação de numerosos objetos, como recipientes, garrafas,

vestimentas, calçados, cobertura de tendas e bolsas impermeáveis. As práticas utilizadas eram

saudáveis aos trabalhadores e não predatórias ao meio ambiente. Numa verdadeira simbiose

com a natureza, davam um caráter cultural à atividade extrativa. (ARAÚJO, 1998).

Santos (1998, p.25) declara que “os Maias, Astecas e índios das Antilhas utilizavam o

látex na confecção de ´bolotas saltadoras` do tamanho de uma bola de futebol. Esta era usada

em jogos rituais, cuja visão impressionou os espanhóis, que acompanhavam Cristóvão

Colombo na segunda viagem à América, no final do século XV”.

Todavia, segundo Rocha (1996, p.117), “esses artigos eram pobres em propriedades

físicas, não tinham resistência ao calor, à luz, aos líquidos. Quando expostos a baixas

temperaturas tornavam-se duros e a altas temperaturas, pegajosos”. Mesmo assim, os produtos

assim fabricados atendiam as necessidades locais, abastecendo as próprias comunidades.

Os índios cultivavam diversas plantas em roçados comunitários, tais como o milho, a

banana, o amendoim, a macaxeira, o algodão. De acordo com Franco (2002, p.277), o plantio

e beneficiamento do algodão por eles denominado de Shapu, eram atividades desenvolvidas

pelas mulheres, desde o plantio até a sua fiação e tecelagem. Os tecidos de algodão, no

formato de bolsas com fundo arredondado, eram impermeabilizados com látex, sem o uso da

defumação, como podemos ver na Figura 2. Para isto usavam moldes feitos de taboca, cipó e

paus roliços. Estas bolsas impermeáveis, amarradas com uma liga de borracha na parte

superior, eram utilizadas no transporte de utensílios pessoais e produtos perecíveis. Bem

vedada, funcionava como um isopor natural, pelo fato de ser impermeável, mantendo uma

temperatura constante, permitindo, por exemplo, a conservação da carne de caça, com

qualidade, durante o transporte do local do abate até chegar na aldeia.

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Os conhecimentos foram sendo repassados de geração em geração, inclusive para os

seringueiros que migraram para a região amazônica na época do “Ciclo da Borracha” e

posteriormente. Nesse período os encauchados passam a ser denominados pelos seringueiros

de saco encauchado21, quando introduzem o tecido industrializado (chitas de algodão) como

base para a sua fabricação para uso local e pessoal. Os seringueiros utilizavam-nas em viagens

para proteger da chuva, roupas, rede de dormir e objetos pessoais, além de servir de bóia

salva-vidas em caso de acidentes e até mesmo para suporte na travessia, a nado, de rios.

Emperaire e Almeida (2002, p.308) assim descrevem o processo de fabricação do

saco encauchado:

Também se usam sacos de viagem feitos com belos panos estampados e que, em vez

de serem defumados, recebem o látex de caucho (misturado com enxofre) em camadas

transparentes, aplicadas com uma pena, sendo então postos para secar ao sol e recebendo um

acabamento final com a goma da macaxeira.

Assim constatamos que o sistema produtivo era simples (Figura 2 e Quadro 1), onde o

extrativista colhe o látex, e em seguida, pelo aquecimento, na temperatura ambiente, faz a sua

21 Saco encauchado é uma bolsa de tecido colorido emborrachada pelos seringueiros, artesanalmente e sem defumação, secada na temperatura ambiente, utilizada para carregar seus pertences em viagens (EMPERAIRE e ALMEIDA, 2002, p.308).

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desidratação, sem máquinas e sem estufas e sua modelagem, artesanal. Todo o trabalho

realiza-se em regime comunitário ou familiar. Porém, segundo Pinto (1984), o resultado do

progresso indígena na manipulação do látex, representado pelo modo de fabricação dos

encauchados não foi levado em consideração no desenvolvimento dos processos industriais de

fabricação de artefatos de borracha.

3.2.3 A borracha industrial.

2.3.1 A expansão comercial-capitalista européia e a redescoberta da borracha

Os colonizadores do novo continente tinham como foco de maior interesse

mercadológico as especiarias e pedras preciosas e, no início, não deram nenhuma importância

à borracha, como um produto de valor comercial. Somente trezentos anos mais tarde, através

do sistema de acumulação capitalista, surgido no bojo da era industrial, nos séculos XVIII e

XIX, que ela começa a ser estudada e apontada como importante matéria-prima para uso

industrial. Charles Marie de La Condamine, em 1751, produz um minucioso relatório sobre a

borracha indígena, descrevendo os artefatos por eles produzidos e sugerindo sua aplicação

numa diversidade de outros artigos (ARAÚJO, 1998; PINTO, 1984).

Quadro 1 – Organização esquemática do sistema produtivo da borracha indígena

Agente

Matéria-prima

Processo Produto

Índio Seringueiro

Látex Concentração do látex por evaporação (sem

máquinas e/ou estufas)

Aquecimento e secagem temperatura ambiente Modelagem

artesanal

Encauchados, bolas lúdicas, tochas,

calçados, tendas, saco encauchado

Fonte: Pesquisa de campo, 2005; Pinto, 1984; Araújo, 1998;

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A partir daí, começam a ser desenvolvidas novas técnicas e novos sistemas produtivos

para que a borracha pudesse ser manipulada fora dos locais de sua extração. Nas pesquisas, os

saberes tradicionais, as práticas e o modo de vida das populações locais não foram levados em

consideração, pois não eram compatíveis com o sistema capitalista de acumulação e, de

acordo com Pinto (1984, p.9), só havia interesse para os “conquistadores, aqueles aspectos das

sociedades nativas aproveitáveis ou incorporáveis ao movimento de acumulação mercantil

europeu”.

Para facilitar o seu transporte, ela tinha que estar sólida. Para isto, foram

desenvolvidos processos de coagulação do látex, induzidos pela sua exposição à fumaça

(defumação), pela mistura com o látex da caxinguba (Ficus anthelmintica Mart.)22, ou, ainda,

pela mistura com soluções de ácido acético, cítrico ou pirolenhoso. Só assim ela poderia ser

armazenada e transportada em boas condições até as indústrias de transformação localizadas

nos países centrais.

A introdução do uso da benzina como solvente por Charles MacIntosh, o

desenvolvimento do processo mecânico de mastigação e moldagem da borracha por Thomas

Hancock e o desenvolvimento do processo de sua vulcanização através do uso do enxofre e do

calor por Charles Goodyear, nas primeiras décadas do século XIX (PINTO 1984, p.14),

proporcionaram condições tecnológicas para o surgimento das primeiras grandes indústrias de

artefatos de borracha, que se consolidaram, nas primeiras décadas do século XIX, na

Inglaterra, na segunda metade do século XIX, em toda a Europa e Estados Unidos e, a partir

do início do século XX, em todo o mundo.

A borracha vegetal transformou-se numa importante matéria prima, juntamente com o

petróleo e o aço, para atender as indústrias de artefatos de borracha, hoje, um dos mais

22 Caxinguba (Ficus anthelmintica Mart.) é uma árvore amazônica, da qual é extraída a seiva que tem propriedades coagulantes e é usada pelos seringueiros para coagular a borracha (EMPERAIRE E ALMEIDA, 2002, p. 292).

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importantes e pujantes setores industriais da economia mundial. Desta forma, iniciava-se a

mais louca corrida na busca do “ouro negro”, como era chamada a borracha no início de sua

exploração na Amazônia. Segundo Santos (1995) mais de quinhentas mil pessoas advindas,

especialmente do nordeste brasileiro migraram para a Amazônia durante o “Ciclo da

Borracha” no final do século XIX e início do século XX para trabalhar nos seringais nativos,

embrenhando-se nas densas florestas, enfrentando todos os tipos de adversidades, como

doenças, confronto com os índios arredios, regime de trabalho semi-escravo. Nesse contexto,

também os índios foram dominados e recrutados para o trabalho extrativo, sendo que aqueles

que não se sujeitassem a essas condições, ou fugiam para áreas mais distantes ou eram

exterminados, e suas terras ocupadas.

As borrachas brutas

Diariamente o seringueiro faz a sangria, com pequenas incisões sobre a casca da

seringueira. O látex que vai escorrendo sobre o corte, cai dentro de uma tigela ou caneca de

lata ou de plástico, que é fixada ao lado. Nos seringais nativos, o seringueiro recolhe todos os

dias o látex, que se armazenou nas tigelas, levando ao seu tapiri23, para transformá-lo em

borracha. No início, conforme podemos verificar em Emperaire e Almeida (2002), o látex era

coagulado por defumação, onde eram produzidas as pélas, grandes bolas de borracha com até

80 kg. O seringueiro, usando um coagulante natural, o látex extraído da caxinguba, que

desestabiliza o látex da seringueira provocando a sua imediata coagulação, produzia também

uma borracha crua, não defumada, que ele usava para fazer os princípios das pélas. Esta

borracha crua era conhecida como Cernambi Virgem Prensado - CVP. Com o abandono do

23Tapiri é uma construção rústica feita de paus roliços e coberta com folhas de palmeiras, onde o seringueiro guarda seus utensílios de trabalho e, onde ele, diariamente, coagula o látex pela defumação, transformando-o em pélas de borracha.

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processo de defumação, o seringueiro passou, em vez de defumar, a coagular a borracha com

o látex da caxinguba em cochos de madeira, fazendo as pranchas (Figura 3).

Finalmente na década de 1970, com a queda na qualidade da borracha bruta produzida

na Amazônia, sem a defumação, que era um processo árduo e penoso para o seringueiro, mas

que garantia a conservação da sua qualidade, a SUDHEVEA desenvolveu um novo processo,

coagulando-a com o ácido acético, fazendo pequenas placas de borracha e introduzindo-as em

um defumador, sem a presença do seringueiro. Com isto a qualidade da borracha estaria

assegurada e os riscos à saúde dos seringueiros estariam eliminados. A esta nova borracha

denominou-se placa bruta defumada - PBD.

Ultimamente os seringueiros têm utilizado a prática desenvolvida para os seringais de

cultivo, onde uma pequena quantidade de ácido acético é colocada diretamente na tigela.

Assim ele não recolhe nem processa o látex. Depois de uns 10 dias de corte ele recolhe o

coágulo que se formou na tigela. A este tipo de borracha denominou-se de coágulos de tigela

ou “biscoito”. Estas são as borrachas brutas, e precisam ainda ser beneficiadas em uma usina

de beneficiamento para poderem ser utilizados como matéria-prima pela indústria de

artefatos.

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Na Amazônia, especialmente no Acre e Amazonas, as borrachas brutas do tipo CVP,

pranchas e coágulos de caneca continuam sendo produzidos, com apoio de programas

governamentais que concedem subsídios aos seringueiros e incentivos fiscais e creditícios às

usinas de beneficiamento de borracha instaladas na própria região.

As borrachas beneficiadas em usinas

As borrachas brutas, com teores de umidade que oscilam entre 18% e 25% (pélas,

PBD), entre 30% e 40% (CVP, pranchas) e 45% e 55% (coágulos de caneca), necessariamente

precisam ser processadas em uma usina de beneficiamento para transformá-las em uma

borracha seca. O processamento é feito em máquinas instaladas em série seqüencial,

denominadas de calandras lavadoras e laminadoras, cada uma formada por dois cilindros de

aço, no meio dos quais ela é quebrada e lavada. No final um triturador de martelos faz a sua

mastigação, tornando-a granulada e porosa, que colocada em carrinhos é levada a uma estufa

de ar quente para a secagem. No final é prensada em fardos de 25 quilos e embalada, estando

pronta para ser consumida como matéria-prima pelas indústrias de artefatos (Figura 4).

Existem quatro tipos de borracha beneficiada produzida pela usina: O Granulado Escuro

Brasileiro - GEB, o Granulado Claro Brasileiro - GCB, o Crepe Escuro Brasileiro - CEB e o

Crepe Claro Brasileiro - CCB.

No Acre onde existe um programa governamental que subsidia a produção ao nível do

produtor e concede incentivo fiscal e creditícios através da redução de ICMS e da concessão

de financiamentos pelo BASA, há apenas duas usinas em funcionamento, a de Xapuri e a de

Sena Madureira. Porém, mesmo com produção de borracha bruta adquirida também dos

Estados do Amazonas e Rondônia, ambas operam com capacidade ociosa.

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As borrachas beneficiadas em mini-usinas

A Folha Clara Brasileira - FCB e a Folha Fumada Brasileira – FFB são borrachas

beneficiadas, coaguladas com o ácido acético, processadas em calandras manuais e secadas

em pequenas estufas. Esses processos foram desenvolvidos na Malásia e trazidos ao Brasil

pela SUDHEVEA não dependem de máquinas industriais nem usinas de beneficiamento. Sua

comercialização é feita diretamente pelos seringueiros através de suas organizações com as

indústrias de artefatos. Foram produzidas em grande escala nos anos de 1980, em toda a

Amazônia através de mini-usinas24 financiadas pela SUDHEVEA. Porém, devido aos

elevados custos de produção e as dificuldades de conservar o látex de campo e transportá-lo

em estado líquido e com boas qualidades até as mini-usinas, pararam de funcionar, ainda na

década de 1980.

24 Mini-usinas são unidades fabris familiares ou comunitárias, divididas em uma área de trabalho e uma estufa, onde o látex in natura é processado e transformado em borracha seca do tipo FFB (folha fumada brasileira), matéria prima pronta para ser consumida pela indústria de artefatos. As mini-usinas foram instaladas em toda a Amazônia, nos anos da década de 1970, através do Programa de Incentivo à Produção da Borracha Natural - PROBOR do Governo Federal.

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Os artefatos e a borracha industrial

Segundo Rocha (1996), na indústria, as borrachas beneficiadas podem gerar

composições com a borracha sintética25, com as cargas26, especialmente as minerais (sílica,

argilas e negro de fumo), mas, hoje, também as vegetais (fibras curtas e “farinha” de madeira)

e com outros ingredientes (enxofre, ativadores, aceleradores, óleos plastificantes,

antioxidantes). Juntos são homogeneizados nos misturadores (abertos ou fechados), formando

o composto de borracha, uma massa flexível, pegajosa e modelável, pronta para ser

transformada em um artefato. O misturador fechado é mais conhecido como Bunbury, como

pode ser visto na Figura 5.

25 Borracha sintética é a borracha originária do petróleo utilizada como matéria prima pelas indústrias para a fabricação de artefatos. Hoje (2005) 60% da borracha consumida no mundo pelas indústrias é originária do petróleo. 26 Cargas são as matérias primas utilizadas em composições com a borracha natural e/ou sintética para dar maior volume e reduzir os custos de seus artefatos. Podem ser de origem mineral ou vegetal. (ROCHA, 1996, p.19). Neste trabalho denominamos as cargas vegetais de fibras vegetais curtas.

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A formulação de um composto de borracha é feita de acordo com o produto final

desejado, alterando suas composições, de acordo com o que se quer, um artefato mais claro ou

mais escuro, mais ou menos resistente a abrasão, a rasgos, ao calor, ao intemperismo, ao fogo.

Uma composição normalmente é feita com a borracha vegetal (clara ou escura), borracha

sintética, cargas (mineral ou vegetal) e coadjuvantes de processo (enxofre, aceleradores,

antioxidantes).

Na linha de processamento, o composto será transformado em artefato. Os moldes são

fabricados por ferramenteiros, em aço, de acordo com o produto desejado, nos quais o

composto é colocado. Acoplados a prensas hidráulicas, recebem 150ºC de temperatura, dando

o formato e vulcanizando os produtos finais. No Acre não existe nenhuma indústria de

artefato de borracha que a transforme na própria região.

Os preservativos de látex nativo

O látex nativo também pode ser utilizado para a fabricação de preservativos. Colhido

pelo seringueiro é conservado com amônia, embalado em recipientes hermeticamente

fechados e transportado para ser processado na indústria. Na primeira fase do processamento,

já na indústria, o látex de campo preservado será concentrado a 60%, através de máquinas,

denominadas de centrífugas. A partir daí, mecanicamente, será pré-vulcanizado através de

uma solução de agentes vulcanizantes27. Em seguida, com moldes de imersão, será

desidratado em estufas, transformando-se em preservativos. Testado e embalado, estará

pronto para o mercado (WINSPEAR, 1954; UNIROYAL, 1982). Desde 2002, estão sendo

realizados estudos no município de Xapuri - AC, pelo Governo do Estado, para a implantação

27 Agentes vulcanizantes ou agentes da vulcanização, ou ainda, agentes de cura, são as substâncias que “promovem ligações cruzadas entre as macromoléculas dos elastômeros. Para cada tipo químico do elastômero, emprega-se um diferente tipo de agente vucanizante. Eles são os responsáveis pela grande transformação que ocorre com o elastômero de plástico para elástico, de solúvel para insolúvel” (ROCHA, 1996, p.15).

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de uma indústria de preservativos, a serem fabricados com o látex nativo da região,

especialmente da Reserva Extrativista Chico Mendes. Para ser viável, a atividade deverá ser

altamente subsidiada. Um litro de látex de campo no mercado está sendo comercializado a R$

1,20 (PEREZ, 2004). As dificuldades serão grandes, especialmente na coleta, conservação e

transporte do látex, de regiões distantes e sem acesso até a indústria em Xapuri - AC. São

necessários, também, a padronização e o controle de qualidade de látices originários de

diversas espécies e variedades existentes na região (CUNHA e ALMEIDA, 2002;

EMPERAIRE E ALMEIDA, 2002), de vez que os látices da maioria destas espécies têm

teores de resinas, acima do previsto pela Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT.

Percy Putz, produtor de borracha e ex-presidente da Associação Brasileira de

Tecnologia da Borracha – ABTB, em entrevista a Perez e Perozzi (2004, p.1), declara: “O

látex é extraído da seringueira com dois terços de água e muitas impurezas. Essas impurezas

não prejudicam a produção de pneus, mas impossibilitam a fabricação de preservativos, visto

que o látex utilizado para os preservativos precisa ser mais puro”. Se o empreendimento for

viabilizado, será uma excelente alternativa para os seringueiros, através de uma atividade

tradicional, obterem uma renda e melhorarem as condições de vida.

Na Figura 6 e no Quadro 2, podemos, além das matérias primas utilizadas, dos

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processos de transformação e dos produtos finais gerados, em cada etapa, verificar os quatro

diferentes agentes (seringueiro, seringalista/marreteiro/associação/cooperativa, usineiro,

industrial) que atuam na cadeia produtiva da borracha industrial.

Quadro 2 - Organização esquemática do sistema produtivo da borracha industrial

Agente Matéria-prima Processos

Produto

Conservação (amônia) Látex conservado Defumação (artesanal)

Pélas

CVP, PBD, Pranchas, coágulos

Índio,

Seringueiro

Látex

Coagulação (ácido acético, cítrico, pirolenhoso) Químico (artesanal)

FFB, FCB, FDL

Seringalista,

Marreteiro,

Associação,

Cooperativa

Abastecimento

Transporte

Usineiro

Pélas, CVP, PBD, pranchas, coágulos

Beneficiamento

Usinagem (com máquinas)

GEB, CEB, GCB, CCB

(GEB, CEB, GCB, CCB, FFB, FCB, FDL) +

Cargas minerais e vegetais

Composições

Homogeneízação (com

máquinas)

Compostos

Industrial

Compostos Transformação Vulcanização (com máquinas)

Artefatos (pneus, peças técnicas).

Fonte: Pesquisa campo, 2005; Rossman, 2005; Uniroyal, 1982; Winspear, 1954;

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3.2.4 A FDL - folha de defumação líquida

A FDL é uma tecnologia inovadora que permite maior agregação de valor na base

produtiva. O seringueiro usa o ácido pirolenhoso, produzido a partir da queima de material

lenhoso, para fazer a sua coagulação, dispensando a defumação. Ela se apresenta no formato

de finas folhas de borracha (Figura 7), processadas artesanalmente, em calandras manuais,

que secam ao abrigo do sol, na temperatura ambiente, sem a necessidade de estufas. É uma

borracha beneficiada, cuja tecnologia foi desenvolvida pelo pesquisador Floriano Pastore Jr.

da Universidade de Brasília - UnB (PEREZ, 2003; PASTORE, 2001). Encontra-se em

experimentação nos Estados do Acre, Pará, Amazonas. É uma borracha pura, sem cargas e

sem vulcanizar, matéria prima a ser usada pela indústria.

A FDL, hoje, também pode ser um artefato. Com o apoio da Fundação Banco do

Brasil e, para agregar maior valor, está incorporando a vulcanização ao nível de campo, no

projeto de Cruzeiro do Sul - AC (ALTHEMAN, 2003). A unidade de fabricação do ácido

pirolenhoso no município de Cruzeiro do Sul - AC tem facilitado a fabricação da FDL, na

região, além de reduzir significativamente seus custos de produção Assim deixa de ser uma

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borracha beneficiada e se transforma em um artefato. Segundo informações prestadas pelo

coordenador geral do projeto, o pesquisador Floriano Pastore Junior, com a introdução das

mais recentes pesquisas da pré-vulcanização do látex para a fabricação da FDL, os produtos

chegarão ao mercado não mais como matéria prima, mas como artefatos, agregando mais

valor para os seringueiros.

Assim a FDL, enquanto matéria-prima é comercializada com as indústrias de

artefatos, porém vulcanizada, agrega valor podendo ser comercializada diretamente com o

consumidor final. (Figura 8 e Quadro3).

Quadro 3 - Organização esquemática do sistema produtivo da FDL

Agente Matéria-prima Processos

Produto

Coagulação (ácido pirolenhoso) e

calandragem artesanal

Secagem (temperatura

ambiente)

Folhas de borracha

(matéria-prima)

Índio,

Seringueiro

Látex

Coagulação (ácido pirolenhoso)

Calandragem artesanal

Vulcanização (Agentes vulcanizantes)

Secagem (temperatura ambiente)

Folhas de borracha vulcanizada

FDL+cargas

Composição, mastigação

Homogeneização com máquinas

Compostos

Compostos

Transformação Vulcanização em estufas

Artefatos

Industrial

Folhas borracha vulcanizada

Transformação Logomarca, colagem acabamento

Jogos americanos, pad-mouse

Fonte: Altheman, 2003.

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3.2.5 O tecido emborrachado defumado, o “couro” vegetal.

O “couro” vegetal é fabricado por índios e seringueiros através do processo de

defumação. O látex é aplicado sobre um tecido de algodão cru, esticado sobre uma estrutura

de madeira. Em contato com a fumaça, que contém ácido fenólico, coagula-se imediatamente

formando uma película de borracha sobre o tecido. Os insumos e o tecido são fornecidos pela

empresa Couro Vegetal da Amazônia S. A. – CVA, que adquire a totalidade da produção para

a fabricação de artefatos. Pequenos grupos de seringueiros reúnem-se e montam uma unidade

fabril comunitária. O látex é colhido individualmente e vendido para a unidade que é

administrada por um gerente de estufa (Figura 10 e Quadro 4). Segundo Andrade (2003,

p.92),

Em geral os gerentes necessitam de fornecedores, não necessariamente

aparentados, para suprir seus estoques de matéria prima e para contratar mão-de-obra

para realizar tarefas. O gerente desdobra-se, assim, num “empreiteiro” de “dupla

jornada”, como organizador do processo produtivo em torno do couro vegetal e, como

comerciante, tendo por compradores os fornecedores de látex e de mão-de-obra, que

adquirem produtos a preços tabelados.

A defumação (Figura 9) é utilizada como estratégia produtiva e de marketing, e tem

sua base de produção nas comunidades extrativistas de Boca do Acre - AM e Cruzeiro do Sul

– AC, e nos Povos Kaxinawá do rio Jordão e Iwanawá do rio Gregório, em Jordão e Tarauacá

- AC. O processo de defumação do “couro” vegetal baseou-se no antigo, penoso, insalubre e

antiecológico processo de defumação da borracha em pélas28 e do saco defumado29.

28 Pélas são grandes bolas de borracha com até 80 kg fabricadas pelos seringueiros através do processo de defumação. Eram borrachas de excelente qualidade, classificadas de Acre Fina, a melhor classificação da época. Era fabricada por camadas, mantendo baixos níveis de umidade e conservando a sua qualidade original por longos períodos de armazenagem. 29 Saco defumado é uma mochila feita de tecido de algodão e impermeabilizada com o látex da Hevea brasiliensis, através da defumação, e usado diariamente pelo seringueiro para o transporte, no meio da floresta, do látex de sua colheita diária (SAMONEK, 2003).

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Reproduziu, ainda, com pequenas alterações o sistema de aviamento, como podemos

verificar em Andrade (2003):

O papel do gerente é liderar localmente a atividade comprando o látex e organizando a

mão-de-obra necessária à produção do couro vegetal. [...] O gerente recebe um adiantamento

(50%) do valor total estipulado da safra para “aviar” seu negócio. Desembolsa deste

adiantamento na aquisição de mercadorias (o “rancho” ou “estiva”) para trocar por látex de um

fornecedor ou para pagar mão-de-obra (ANDRADE, 2003, p. 91-92).

Ainda segundo Andrade (2003), o produto conseguiu ter grande penetração no

mercado graças à inserção política (Governo e Ong’s). Porém, problemas de qualidade, pela

dificuldade de fazer uma vulcanização uniforme, acarretaram o desgaste prematuro dos

produtos finais. Além disso, segundo o mesmo autor:

[...] a atividade do couro vegetal torna-se lucrativa quando os insumos são custeados pela

empresa, indicados pelo IEE (1,15). Isso quer dizer que para cada R$ 1,00 gasto, o produtor

recebe R$ 1,15. Mas se os custos dos insumos recaem sobre o produtor, atividade resulta num

pequeno prejuízo bem próximo da situação de equilíbrio, ou seja, praticamente o produtor

recebe o que gasta (ANDRADE, 2003, p.102).

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O forte endividamento da CVA e dos seringueiros da RESEX Alto Juruá, que

captaram recursos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social -

BNDES e ao Programa de Apoio ao Extrativismo - PRODEX do BASA (ANDRADE, 2003)

e a exclusividade da venda da totalidade da produção para a CVA, criando a dependência e a

falta de opções por mercados têm colocado em risco a viabilidade do projeto. Segundo

informações prestadas pelo IBAMA/AC E FUNAI - AER Rio Branco, hoje (2005) o “couro”

vegetal não está sendo mais produzido pelos povos indígenas Kaxinawá, no Jordão - AC e

Iwanawás do Rio Gregório, em Tarauacá – AC, nem pelos seringueiros da RESEX Alto

Juruá, em Cruzeiro do Sul - AC.

Quadro 4 – Organização esquemática do sistema produtivo do tecido emborrachado defumado, o “couro” vegetal.

Agente Matéria-prima Processos Produto

Látex

Conservação (amônia) Látex conservado

Índio

Seringueiro Látex + Tecido Coagulação (ácidos

fenólicos da fumaça)

Defumação artesanal “Couro” vegetal

cru

Gerente de estufa

“Couro” Vegetal cru

Secagem (em estufa) Vulcanização (em estufa)

“Couro” vegetal

Industrial

“Couro” Vegetal Transformação Corte e costura Artefatos

Fonte: Andrade, 2003.

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A certificação do produto pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola

- IMAFLORA, o selo verde do Forest Stewardship Council - FSC em Boca do Acre - AM e a

retirada da exclusividade da venda para a CVA permitiram aos seringueiros a transformação

do tecido emborrachado em peças acabadas na própria região, como bolsas, mochilas e outros

produtos, possibilitando maior agregação de valor na base produtiva e proporcionando

melhores condições de vida aos produtores. Por isto, a atividade continua sobrevivendo na

região de Boca do Acre - AM.

3.2.6 Os novos encauchados de vegetais

O sistema produtivo dos novos encauchados de vegetais consolidou-se através de

quatro etapas distintas, assim distribuídas: (a) a pré-vulcanização do látex de campo com o

uso de uma solução aquosa de agentes vulcanizantes; (b) a fabricação do tecido

emborrachado, o “couro” ecológico com o uso do látex pré-vulcanizado; (c) a fabricação de

um composto aquoso polimérico com o uso do látex pré-vulcanizado, de fibras vegetais

curtas, como cargas, e de essências vegetais, como corantes e odorantes; e (d) a fabricação de

mantas e pequenos objetos de borracha com o uso do composto aquoso polimérico.

A pré-vulcanização do látex de campo.

Em trabalhos anteriores, desenvolvemos um composto, através de uma formulação

própria, de agentes vulcanizantes, aceleradores, ativadores, anti-oxidantes (SAMONEK,

2003). Este composto garantiu uma boa vulcanização ao látex de campo, sem a necessidade

do uso de máquinas e/ou de estufas. Logo após a colheita, o composto é misturado ao látex de

campo, que é levado ao fogo e com uma temperatura controlada e sob constante agitação

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(Figura 11), tem uma rápida, porém, segura vulcanização, permitindo o seu armazenamento e

uso imediato ou posterior para a fabricação de vários produtos. Essa é uma técnica artesanal

de vulcanização da borracha, desenvolvida especialmente para atender aos índios e

seringueiros, nas rústicas condições do ambiente florestal.

O tecido emborrachado do tipo “couro” ecológico

Constatamos, em outros trabalhos desenvolvidos, que o látex pré-vulcanizado,

aplicado com as mãos ou com esponja sobre um tecido, preferentemente de algodão, gera um

tecido emborrachado, que ficou conhecido como “couro” ecológico (Figura 12). O látex não é

coagulado, nem pela defumação, nem com agentes químicos. Aplicado em camadas, ele vai

secando naturalmente na temperatura ambiente. A espessura é determinada em função do

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produto final desejado. É um sistema produtivo local, que tem como base a primitiva técnica

indígena de fabricação dos encauchados. (SAMONEK, 2003; SILVA, 1997).

O tecido emborrachado sem defumação, o “couro” ecológico, está em pleno

funcionamento desde 2002 na comunidade Maguari, FLONA Tapajós, em Belterra -PA, numa

parceria entre o IBAMA/ProManejo e a comunidade e na sede da RESEX Cazumbá/Iracema

em Sena Madureira - AC. (SAMONEK, 2003; FERNANDES, 2003).

O composto aquoso polimérico de vegetais

Desenvolvemos outros processos artesanais, tais como, (a) a fabricação de água de

cinzas para ser utilizada como conservante natural, em substituição à amônia (NH3) ou ao

hidróxido de potássio (KOH), (b) a fabricação de fibras vegetais curtas, utilizadas como

cargas, e (c) a fabricação de pigmentos e odorantes vegetais, para darem cor e cheiro aos

novos produtos.

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A água de cinzas é produzida com a filtragem da mistura de água com cinzas

recolhidas do fogão, do forno de casa de farinha ou dos roçados.

As fibras vegetais curtas são extraídas de espécies arbóreas nativas, como a taboca, a

embaúba e o algodoeiro, ou produzidas a partir de resíduos do processamento de produtos

agro-extrativos como o milho, o arroz, o feijão, o açaí, o buriti, o aricuri ou de resíduos

madeireiros descartados nas serrarias, como o pó-de-serra da sumaúma, do angelim, do breu,

do pau amarelo, do roxinho e secam ao sol (Figura 13).

Os pigmentos e odorantes vegetais são extraídos de folhas da anilina, de cascas do

breu, do jatobá, do aguano, de tubérculos da açafroa, de frutos do jenipapo e de sementes do

urucum, do abacateiro, do cedro, do cumaru de cheiro, da canela (Figura 14).

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As fibras são trituradas e peneiradas para ser incorporadas ao látex pré-vulcanizado.

Os pigmentos e odorantes são extraídos com o uso de água de cinzas e misturados ao

composto.

As mantas e os pequenos objetos de fibras e látex de borracha.

Da mistura manual do látex pré-vulcanizado com as fibras, pigmentos e odorantes

vegetais, através de formulações previamente ajustadas, produzimos um composto aquoso

polimérico, que servirá para fabricar as mantas emborrachadas e uma grande diversidade de

artefatos de borracha, como porta-lápis, tapetes, toalhas de mesa, jogos americanos,

luminárias, entre outros (Figura 15) (DAMASCENO e SAMONEK, 2005).

Por ser mais recente, o processamento do látex pré-vulcanizado com fibras, pigmentos

e odorantes vegetais foi inicialmente implantado na sede do Cazumbá/Iracema e no PAE

Santa Quitéria, em Brasiléia - AC, em parceria com o SEBRAE/AC e SENAI/AC, está

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funcionando apenas com uma pequena produção de artesanatos. (XANGAI, 2004; ZÍLIO,

2005).

Hoje, está em implantação nas TIs Kaxinawá de Nova Olinda e Katukina/Kaxinawá do

rio Envira, no município de Feijó - AC, pela FUNAI – AER/Rio Branco, em parceria com a

UFAC, através do Departamento de Filosofia, Comunicação e Ciências Sociais e do Centro de

Antropologia Indígena da Amazônia Ocidental - CAINAM e com o Pólo de Proteção da

Biodiversidade e Uso Sustentável dos Recursos Naturais - POLOPROBIO. Inicialmente, em

2004, foram treinados indígenas que atuarão como multiplicadores; depois, em 2005, foi

reforçada a capacitação dos extrativistas e, hoje (2006), está em fase inicial de implantação o

projeto de produção com o apoio do CNPq (TI Kaxinawá de Nova Olinda) e PPTAL

(Kaxinawá do Seringal Curralinho e TI Katukina/Kaxinawá), para a produção de mantas e

pequenos objetos de borracha (DAMASCENO e SAMONEK, 2005).

O sistema produtivo dos novos encauchados de vegetais permite que os produtos

fabricados pelos extrativistas, quer na forma de mantas de tecido ou de fibras, quer na forma

de produtos acabados, sejam comercializados diretamente com o consumidor final, não

existindo intermediários em sua cadeia produtiva (Figura 16 e Quadro 5).

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3.2.7 Mercados e preços

As borrachas brutas, CVP e Pranchas, hoje (2005) estão sendo pagas aos seringueiros

a R$ 1,80/kg, incluso o subsídio local. Para se produzir um Kg de borracha bruta são

necessários 2 litros de látex de campo. O GEB, borracha beneficiada com maior consumo no

mercado nacional, está sendo paga aos usineiros pelas indústrias a R$ 3,93/kg (ROSSMAN,

2005). No Estado do Acre apenas duas usinas estão comprando as borrachas brutas

produzidas no sistema convencional, a usina da CAEX em Xapuri e a usina da Casa do

Seringueiro em Sena Madureira.

A FDL, como matéria-prima, é comercializada por R$ 4,50/kg (PEREZ, 2003) e como

artefato, na forma de folhas de borracha vulcanizadas, por R$ 6,00/kg (ALTHEMAN, 2003),

que serão transformadas por empresas especializadas em suporte de mouse e jogos

americanos. Para se produzir um Kg de borracha seca, são necessários em média 3 litros de

Quadro 5 - Organização esquemática do sistema produtivo dos novos encauchados de vegetais

Agente Matéria-prima Processos

Produto

Látex + Agentes vulcanizantes

Aquecimento (sem estufa)

Pré-vulcanização (sem máquinas)

Látex pré-vulcanizado

Látex pré-vulcanizado+ Tecido

Concentração por evaporação (sem máquinas)

Secagem (sem estufa) Tecido emborrachado (“couro” ecológico)

Látex pré-vulcanizado + fibras

Concentração por composições (sem máquinas)

Homogeneízação (sem máquinas)

Compostos

Índio,

Seringueiro

Compostos

Concentração por evaporação (sem máquina)

Modelagem/Seca-gem (sem estufa)

Artefatos/utilidades domésticas Mantas emborrachadas

Industrial

Tecidos e mantas de fibras emborrachados

Transformação Corte e costura Artefatos

Fonte: Samonek, 2003; Damasceno e Samonek, 2004; Samonek, 2005.

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látex de campo. Segundo Erni Dombrowski, as folhas vulcanizadas estão sendo

comercializadas por R$ 6,00/kg.

Para a fabricação do “couro” vegetal, na época em que as unidades de produção de

Cruzeiro do Sul estavam em funcionamento, segundo Andrade (2003), os insumos eram

fornecidos pela CVA e a lâmina, medindo 0,60 m X 0,95 m, que consomem 2 litros de látex

de campo, eram adquiridas pela CVA por R$ 8,00/kg. Deste valor, era repassado ao

seringueiro R$ 1,50 por um litro de látex de campo e R$ 2,00 ao artesão pela mão-de-obra da

defumação de cada lâmina, sendo que a diferença bancava as despesas da estufa e de

administração. Segundo Wilson Manzoni, coordenador do projeto de Boca do Acre, ao

transformar parte da produção, na própria região, em produtos finais, como bolsas, mochilas,

podendo atingir preços bem melhores, garante-se melhores condições aos seringueiros, que

continuam produzindo.

As mantas de tecido emborrachado, o “couro” ecológico, medem 1,10 m X 1,90 m,

consomem 2 litros de látex pré-vulcanizado e estão sendo pagas aos seringueiros a R$ 35,00

por peça, deduzidos os custos do tecido e dos insumos (R$ 20,00), tem-se uma margem de

lucro bruto de R$ 15,00 por peça. As bolsas e mochilas confeccionadas na própria

comunidade estão sendo comercializadas por preços diversos, segundo informações obtidas

pela internet na página www.ecologicocouro.com.br e informações prestadas por Arimar,

coordenador de vendas da ASMIPRUT.

As mantas emborrachadas de fibras utilizadas para a fabricação de capas de agendas,

medem 1,20 m X 2,00 m, consomem 2 litros de látex pré-vulcanizado e 200 gramas de fibras

e estão sendo comercializadas a R$ 25,00 por peça, e, depois de deduzidos os custos dos

insumos de R$ 6,50, tem-se uma margem de lucro bruto de 18,70. Pequenos objetos de

borracha e fibras estão sendo comercializados, em média, por R$ 50,00/kg, e consomem 3

litros de látex. Feita a conversão para 2 litros de látex e deduzidos os custos dos insumos de

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R$ 9,00, tem-se uma margem de lucro bruto de R$ 24,50. Os dados foram obtidos com os

entrevistados na comunidade e através da Organização dos povos indígenas do rio Envira -

OPIRE.

Apresentamos, no Quadro 6 e na Figura 17, comparativamente, os preços brutos

pagos aos extrativistas, na floresta, para cada tipo de borracha extrativa, sem inclusão de frete

e impostos.

Figura 17 - Gráfico comparativo entre os preços das diversas borrachas extrativas(R$X2 litros latex)

0

5

10

15

20

25

30

Man

tas/t

ecido

Man

tas/f

ibras

Artesa

nato

Couro

vege

tal

FDL vu

lcaniz

ada

FDL se

m vu

lcaniz

ar

Novos encauchados de vegetais Couro Vegetal

FDL Borracha convencional

Quadro 6 – Preços pagos aos seringueiros pelas borrachas extrativas. Valores equivalentes a 2 litros de látex

Sistema Produto unidade Qtidade látex

Preço R$

R$ = 2 l

*Custo produção

R$

CVP, Pranchas (com subsídios). Kg 2 l 1,80 1,80 1,80 Borracha Industrial FDL Kg 3 l 6,00 4,50 (-1,35) 3,25 FDL vulcanizada

Jogos americanos, pad-mouse Peça 3 l 9,00 66,,0000 ((--11,,5500)) 44,,5500

Látex de campo Litro 1 l 1,50 3,00 3,00 Mão-de-obra defumação couro Peça 2,00 2,00

Tecido emborrachado defumado “Couro” vegetal seco (lâmina

0,60m X 0,95m) Peça 2 l 8,00 8,00 8,00

Látex de campo Litro 1 l 1,50 3,00 3,00 Mão-de-obra fabricar manta Peça 5,00 5,00 Tecido emborrachado (manta 1,10m X 1,90m)

Peça 2 l 35,00 35,00 (-20,00) 15,00

Mantas emborrachadas/fibras (manta 1,20m X 2,00m)

Peça 2 l 25,00 25,00 (-6,30) 18,70

Novos encauchados de vegetais

Artefatos diversos/fibras Kg 3 l 50,00 33,50 (-9,00) 24,50 *Ex-látex e mão-de-obra Fonte: Pesquisa campo; Andrade, 2003; Samonek, 2003; Altheman, 2003; Perez, 2003; Rossman, 2005; Damasceno e Samonek, 2005.

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3.3 CONCLUSÕES

O sistema convencional de produção da borracha extrativa tem baixa produtividade,

não agrega valor e gera uma borracha bruta, que, da mesma forma como a borracha produzida

nos seringais de cultivo, precisa passar por uma usina de beneficiamento para se tornar uma

matéria-prima para atender a grande indústria, pneumática e de artefatos, em mercados

altamente competitivos e oligopolizados. Desta forma, o sistema produtivo convencional é

viável para a produção de borracha nos seringais de cultivo, que tem maior produtividade e

estão localizados próximo dos centros consumidores. Porém, no precário extrativismo da

Amazônia, a borracha continua a ser produzida, graças aos subsídios concedidos aos

produtores pelos governos locais. Mesmo assim a atividade tornou-se obsoleta e não consegue

suprir as necessidades básicas dos seringueiros.

Existem outros sistemas produtivos alternativos para a produção da borracha

extrativa, que estão sendo desenvolvidos por instituições públicas e privadas e que vem sendo

experimentados, nos últimos quinze anos, em várias regiões da Amazônia e que merecem ser

estudados.

O tecido emborrachado demonstrou ser viável, quando não usa o processo de

defumação, que coagula o látex, mas quando o concentra e seca, na temperatura ambiente,

transformando-se em produtos, de forma verticalizada, no meio da floresta. Exemplo é a

comunidade Maguari, em Belterra – PA, onde os seringueiros colhem e preparam o látex,

produzem as mantas emborrachadas e as transformam em inúmeros produtos, que

comercializam através de sua associação, a ASMIPRUT, exportando para vários países. Eles

mesmos estão administrando o seu próprio negócio. Hoje, são 28 pessoas trabalhando

diretamente no projeto piloto.

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A FDL, desenvolvida através do Departamento de Química da UnB no projeto

TECBOR, é uma tecnologia inovadora; mesmo usando o processo de coagulação, reduz

custos de produção e é capaz de gerar, no meio da floresta, um produto pronto para o

mercado, com agregação de valor.

Os novos encauchados de vegetais, ao espelhar-se no primitivo modo indígena

de fazer borracha pela concentração e secagem do látex, estão respeitando a cultura, as

práticas e os costumes dos povos indígenas. Ao inserir as tecnologias da vulcanização e da

incorporação de fibras, pigmentos e odorantes vegetais à borracha, simplificadas e adaptadas

às condições locais, estão desenvolvendo uma inovação tecnológica, capaz de, ao mesmo

tempo, promover a inclusão social e usar os recursos naturais renováveis de forma

sustentável, mantendo a floresta-em-pé.

Assim, essas novas experiências em andamento poderão permitir às populações

tradicionais da Amazônia, a construção, com autonomia e solidariamente, de um projeto de

vida dentro da floresta que não interfira na estrutura sócio-antropológica da comunidade,

assegurando a sobrevivência não só da atual, mas também das futuras gerações.

3.4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALTHEMAN, L. Tecbor capacita produção de borracha vulcanizada no seringal. Borracha em foco. Revista eletrônica da borracha natural. 2003. Disponível em: <http://www.borrachanatural.agr.br/borrachaemfoco/0301715.php>. Acesso em: 30 de nov. 2004. ANDRADE, A A G. Artesãos da Floresta: População Tradicional e inovação tecnológica: O caso do “couro vegetal” na Reserva Extrativista do Alto Juruá, no Acre. 2003. 188 f. Dissertação (Mestrado em Economia) - Instituto de Economia, Universidade de Campinas. Campinas, 2003. ARAÚJO, H. R. O mercado, a floresta e a ciência do mundo industrial. In: ARAUJO, H. R; SEILER, A. et al. (orgs.). Tecnociência e Cultura: ensaios sobre o tempo presente. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. p. 65-90.

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-------------. De volta à floresta. Nova tecnologia leva seringueiros a reabrir estradas de borracha. Jornal Página 20. 2004. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/pagina20/24102004/especial.htm>. Acesso em: 30 de out. 2004. -------------. Cazumbá dedica prêmio Chico Mendes a padre Paolino. Comunidade do seringal tem conseguido melhorar na qualidade de vida através de projeto de manejo florestal e de animais silvestres. Jornal Página 20. 2004. Disponível em: <http://ww2.uol.com.br/pagina20/07122004/especial.htm>. Acesso em: 30 de dez. 2004. ZILIO, A. A arte artesanal de Cazumbá. Jornal Página 20. 2005. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/pagina20/10022005/variedades.htm> Acesso em: 10 de mar. 2005. WINSPEAR, G. George. The Vanderbilt Latex Handbook. New York: R. T. Vanderbilt Co., Inc., 1954. 331 p.

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4. ARTIGO 3 - OS NOVOS ENCAUCHADOS DE VEGETAIS DA

AMAZÔNIA

Francisco Samonek30

RESUMO

Neste artigo descrevemos os processos de fabricação dos novos encauchados de vegetais,

produzidos a partir do látex nativo, fibras, pigmentos e odorantes vegetais, como uma das

alternativas para a produção sustentável da borracha extrativa na Amazônia. O saber

tradicional dos povos indígenas na manipulação do látex está sendo recuperado, a partir da

técnica de fabricação dos encauchados, que não coagula o látex, mas faz a sua concentração

através da secagem pela evaporação. A ele somam-se elementos da ciência e tecnologia

modernas, quando a vulcanização industrial da borracha transforma-se em um simples e

acessível processo artesanal de pré-vulcanização acelerada do látex de campo e a complexa

incorporação de cargas à borracha nas indústrias de artefatos vira uma simplificada mistura

manual de fibras vegetais curtas ao látex pré-vulcanizado. A partir daí, surge um composto de

borracha, ainda aquoso, que é desidratado e se transforma, no meio da floresta, com o uso de

moldes artesanais, através de um processo diferenciado de tratamento do látex nativo, em uma

borracha vegetal sustentável. Esta é uma opção para os fazedores de políticas públicas para

recuperar e reativar a atividade extrativa da borracha na Amazônia.

Palavras-chave: Látex nativo - Povos indígenas e seringueiros - Pré-vulcanização - Fibras e

essências vegetais – Composições - Artesanatos e objetos de borracha.

30 30 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Manejo dos Recursos Naturais, Universidade Federal do Acre.

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THE NEW RUBBERIZED-VEGETAL PRODUCTS OF THE AMAZON

REGION

ABSTRACT

In this article, we describe the production processes of the new rubberized-vegetal products,

made from the native latex, fibers, pigments and aromatic plants, as one of the alternatives for

the sustainable production of the extractive rubber in the Amazon region. The traditional lore

of the indigenous people in the latex manipulation is being recovered, starting from the

technique of production of those rubberized fabrics, which does not coagulate the latex, but

makes it concentrate by drying through evaporation. Added to it, elements of modern science

and technology are, when the industrial rubber vulcanization becomes a simple and accessible

craft of accelerated pre-vulcanization process of the field latex and the complex incorporation

of fillers to the rubber in the industries of artifacts which turns to be a simplified manual

mixture of short vegetal fibers to the pre-vulcanized latex. Since then, it appears a composite

of rubber, still containing water, which is dehydrated and changes, in the middle of the forest,

by using craft molds, through a differentiated process of treatment of the native latex, in a

sustainable vegetal rubber. This is an option for the law makers of public policies to recover

and to reactivate the extractive activity of the Amazon rubber.

Key-words: Native latex - Indigenous people and rubber-tappers - Pre-vulcanization of the

native latex - Fibers and vegetal essences – Compositions - Crafts and rubber objects.

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4.1. INTRODUÇÃO

4.1.1 Apresentação

Neste artigo analisaremos uma experiência em curso em duas áreas piloto, uma com

seringueiros na sede da RESEX do Cazumbá-Iracema, em Sena Madureira -AC e outra com

povos indígenas, nas aldeias da TI Katukina/Kaxinawá do Rio Envira, em Feijó - AC,

sistematizando os processos produtivos dos novos encauchados de vegetais e fazendo uma

análise de sua viabilidade econômica, social, ambiental e tecnológica.

A partir do início do século XX, a borracha extrativa veio, aos poucos, perdendo

competitividade para a borracha produzida em seringais de cultivo. Políticas setoriais não

conseguem viabilizar em seringais nativos a produção de borracha no sistema produtivo

convencional, que, hoje, ainda é o mesmo, desde o início de sua implantação, quando abastecia

as indústrias sediadas nos países centrais, dentro do modelo capitalista de produção.

Atualmente, mesmo com as subvenções, a atividade não consegue mais atender as

necessidades básicas das populações tradicionais. Aos poucos, os seringais nativos, formados

de extensas áreas de florestas conservadas, que antes eram altamente produtivos, hoje,

esvaziados pela falta de opção de atividades sustentáveis geradoras de trabalho e renda aos

extrativistas, estão sendo destruídos. Primeiro vem os madeireiros que, com máquinas pesadas,

retiram as árvores de interesse comercial e, em seguida, o fogo, no período de verão

amazônico, se encarrega de destruir o restante da floresta. Finalmente, os fazendeiros,

utilizando as áreas destruídas pelo fogo, transformam-nas em pastagens. Assim a floresta vira

capim e a borracha é substituída pelo boi.

O patrimônio natural, representado pela mega biodiversidade da floresta amazônica,

vem aos poucos sendo reduzido. Diariamente várias espécies da fauna e da flora entram em

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extinção. Povos e etnias indígenas, com seus conhecimentos milenares, que manejavam os

recursos naturais, sem destruí-los, são subjugados e obrigados, para a sua própria

sobrevivência, a abandonar a sua riquíssima cultura, com todas as suas práticas, costumes e

modo de vida, passando a se inserir no mundo globalizado e capitalista da sociedade moderna,

onde a natureza deve servir ao capital, nem que para isto ela precise ser destruída.

Desta forma, os povos indígenas remanescentes31 são os que mais vêm sofrendo com a

desativação da atividade na região. As conseqüências estão sendo ainda mais perversas e

danosas para eles do que para os seringueiros. Além dos impactos provocados pela influência

da cultura da sociedade moderna em suas aldeias e no seu povo, o avanço dos desmatamentos

na região para o desenvolvimento da agricultura mecanizada e da formação de fazendas no

entorno de suas terras vem provocando impactos negativos. A caça e a pesca diminuem,

reduzem-se os espaços para a coleta de produtos extrativos. Os seus traços culturais,

influenciados pelos costumes da sociedade moderna, caem no esquecimento. Por não terem

uma renda suficiente, hoje necessária pela diminuição dos recursos básicos existentes nas

próprias aldeias, faltam-lhes condições de acesso a um mínimo necessário para uma

sobrevivência digna. Por isso o projeto dos novos encauchados de vegetais é bem recebido nas

aldeias e comunidades onde é apresentado e discutido.

O látex recolhido diariamente não será mais coagulado e transformado em uma

borracha bruta e sim, desidratado e transformado em um artefato de borracha, seja na forma de

pequenos objetos ou de mantas emborrachadas. Hoje, a pré-vulcanização do látex nativo de

campo e a incorporação de fibras, pigmentos e odorantes vegetais, técnicas desenvolvidas

especialmente para uso artesanal pelos povos da floresta, agregam valor, qualidade e

durabilidade à borracha extrativa, permitindo uma produção diferenciada para atender nichos

de mercados. Este novo modelo de produção, enquadra-se no conceito apregoado por Leff

31 Mais de 6 milhões de índios habitavam a Amazônia quando os Portugueses aqui desembarcaram em 1616. No Acre em meados do século XIX eram 150 mil. Em 1989, 5 mil, em 1996, 8.511 e em 2001, 10.478, crescimento em torno de 6,5% ao ano, distribuídos em 12 etnias diferentes (FUNAI-AC).

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(2000, p.98), segundo o qual a racionalidade da produção extrativa e das economias indígenas

e camponesas de auto-subsistência, de natureza não acumulativa,

[...] integram valores culturais orientados por objetivos de estabilidade, prestígio, solidariedade

interna e satisfação endógena de necessidades, assim como de distribuição e acesso eqüitativo

da comunidade aos recursos ambientais. A racionalidade cultural das práticas produtivas

tradicionais contrapõe-se à especialização e homogeneização da Natureza e à maximização do

benefício econômico.

Isso poderá assegurar a sustentabilidade às comunidades de seringueiros e povos

indígenas, garantia de sua manutenção na floresta, com qualidade de vida, com preservação

dos valores culturais, costumes e tradições, sem a destruição de suas áreas com

desmatamentos.

O objetivo deste artigo é descrever, de forma sistematizada, os processos e produtos que

fazem parte dos novos encauchados de vegetais e analisar a sua viabilidade sob a ótica da

sustentabilidade, abordando (a) nos aspectos econômicos, a renda das unidades coletivas e

familiares, o beneficiamento e a agregação de valor na base produtiva, o custo do trabalho, a

capacitação na produção, o cooperativismo e o potencial econômico dos produtos no mercado; (b)

nos aspectos sociais, a saúde do trabalhador, a participação comunitária e o bem estar social; (c)

nos aspectos ambientais, o manejo da floresta, as condições de manutenção da floresta-em-pé; e,

finalmente, (d) nos aspectos tecnológicos, a qualidade dos processos e produtos.

4.1.2 Procedimentos metodológicos

A metodologia que utilizamos para a alcançar os objetivos propostos neste trabalho

baseia-se no método do estudo de caso. As áreas que escolhemos para as nossas pesquisas são

os locais onde foram realizadas atividades para o repasse aos seringueiros das novas técnicas

de utilização do látex nativo. A sede do Cazumbá-Iracema, e a TI Katukina/Kaxinawá (Aldeia

Paroá, povo Kaxinawá e aldeia Morada Nova, povo Shanenawa), foram as duas áreas

escolhidas para a realização dos estudos. Fizemos duas visitas à sede do Cazumbá e três

visitas ao Paroá e Morada Nova, onde acompanhamos as suas atividades diárias, desde a

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extração e coleta do látex até a fabricação dos produtos finais, passando pela coleta e

fabricação das fibras, pigmentos e odorantes vegetais e fabricação das formas cilíndricas e dos

moldes de alumínio reciclado. Assim, observamos os detalhes dos processos e entrevistamos

os participantes do projeto para a obtenção dos dados necessários para a realização dos

trabalhos.

Os dados sócio-econômicos relativos ao Cazumbá foram retirados do Plano de Manejo

elaborado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis –

IBAMA para a criação da RESEX, e coletados diretamente com os seus moradores, através da

pesquisas de campo e de entrevistas realizadas durante os cursos de fabricação de moldes em

alumínio reciclado, de fibras vegetais e de mantas e pequenos objetos de látex, fibras e

pigmentos vegetais financiados pelo SEBRAE/AC (DAMASCENO e SAMONEK, 2004). Os

dados da TI Katukina/Kaxinawá foram coletados diretamente com os seus moradores, através

da pesquisa de campo e de entrevistas, onde participamos dos cursos de capacitação de

multiplicadores32 na transformação do látex nativo, fibras e pigmentos vegetais em mantas e

pequenos objetos de borracha financiados pela FUNAI/AC (DAMASCENO e SAMONEK,

2005). Além das observações, entrevistamos 24 participantes, conforme relação anexa

(Quadro 26, p.157), um por família, para o levantamento de dados sociais, culturais,

econômicos e ambientais, na área de abrangência do projeto, para subsidiar a fundamentação

do nosso trabalho.

Grande parte das informações aqui apresentadas tem sua origem em nossa experiência

profissional anterior no extrativismo da borracha, como produtor, pesquisador, professor e

32 Curso realizado na TI Katukina/Kaxinawá, financiado pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI-AC e realizado em parceria com a Universidade Federal do Acre – UFAC, através do Departamento de Filosofia, Comunicação e Ciências Sociais - DFCCS e Centro de Antropologia Indígena da Amazônia Ocidental - CAINAM e com o Pólo de Proteção da Biodiversidade e Uso Sustentável dos Recursos Naturais - POLOPROBIO, empresa cadastrada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP, responsável pelo repasse da tecnologia social dos novos encauchados de vegetais.

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cooperativista, além da convivência e relacionamento com vários atores do setor, cujo

conhecimento acumulado está sendo consubstanciado neste trabalho.

O estudo da tecnologia e da qualidade do látex pré-vulcanizado e do material

produzido com o uso de fibras, pigmentos e odorantes vegetais, foi realizado com base em

relatórios de ensaios laboratoriais de análise físico-mecânica emitidos pelo Centro

Tecnológico de Polímeros - CETEPO/SENAI/RS, através de testes de incorporação das

cargas, de vulcanização, de envelhecimento em estufa e de tração, de tensão de ruptura e do

alongamento.

4.1.3 Conceito de sustentabilidade

Neste trabalho a sustentabilidade está fundamentada em um novo paradigma de

produção, que se baseia na racionalidade ambiental. Essa racionalidade recupera potenciais

ecológicos incorporados aos estilos étnicos de aproveitamento sustentável dos recursos

naturais. Os valores culturais e as práticas produtivas das populações tradicionais33,

especialmente das sociedades indígenas, são valorizados. As práticas tradicionais de uso da

natureza agregam um potencial ecológico e cultural ao manejo produtivo sustentável dos

recursos naturais.

Os princípios ecológicos e culturais de um manejo sustentável dos recursos naturais são

aplicáveis a todas as modalidades de produção primária, [...] desde a produção para o mercado até às

estratégias de desenvolvimento endógeno e de manejo comunitário dos recursos na satisfação de suas

necessidades básicas (LEFF, 2000, p.135).

33 Populações Tradicionais, segundo a Organização Internacional do Trabalho, são grupos étnicos distintos que têm uma identidade diferente da nacional, tiram sua subsistência do uso dos recursos naturais e não são politicamente dominantes, ou ainda, segundo o Banco Mundial, são grupos sociais cuja identidade social e cultural é distinta da sociedade dominante que os torna vulneráveis por serem desfavorecidos pelos processos de desenvolvimento. (DIEGUES, 2000).

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Para que haja sustentabilidade é necessário impor limites biofísicos ao processo

econômico da globalização em curso. O desenvolvimento econômico é necessário, mas deve

estar atrelado à exploração não predatória dos recursos naturais. Segundo Leff (2000, p.123),

[...] a expansão da economia internacional gerou uma pressão crescente sobre o

equilíbrio dos ecossistemas, assim como sobre a capacidade de renovação e a

produtividade dos recursos naturais. Com a superexploração da Natureza

transformaram-na e destruíram-se as práticas produtivas dos povos e civilizações que

durante milênios mantiveram uma prática sustentável dos recursos ambientais. Assim,

por exemplo, a exploração dos produtos derivados da madeira e do desflorestamento

com o intuito de implantar sistemas de culturas comerciais e de pasto para a criação

extensiva de gado, levou a uma rápida destruição das matas tropicais do planeta.

Por outro lado, ainda, segundo o mesmo autor, as práticas de uso múltiplo e integrado

dos recursos naturais, levam ao conhecimento mais profundo das condições dos ecossistemas

locais, desenvolvendo práticas produtivas, que não só preservam a biodiversidade34, mas que

aumentam o nível de auto-satisfação das necessidades materiais da comunidade. Em seus

termos:

A natureza converte-se num recurso econômico e num patrimônio cultural.

Estas estratégias culturais de manejo produtivo da Natureza oferecem princípios para

otimizar a oferta sustentada de recursos, conservando as condições de sustentabilidade

da produção, com base numa apropriação diferenciada de satisfatores35, no tempo e

espaço e numa distribuição mais equitativa dos recursos e da riqueza (LEFF, 2000,

p.122).

De acordo com Cavalcanti (1999, p.35), “a ecologia sustenta a economia. Isto quer

dizer que o sistema econômico deve ter uma base estável de apoio e, tanto quanto possível, o

34 Biodiversidade é a soma de todos os produtos da evolução biológica: variação genética, riqueza de espécies, diversidade de sistemas naturais. (CUNHA e ALMEIDA, 2002, p.33). 35 Através da palavra satisfator o autor quer se referir a um “valor de uso” ou um “bem” mas sem ficar restrito seja à terminologia marxista, seja à economicista, onde os “bens” muitas vezes são ‘males” que não satisfazem nenhuma necessidade (LEFF, 2000, p.122).

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processo de desenvolvimento tem que imitar os processos da natureza”. Para isso o mesmo

autor defende a necessidade de

[...] existência de novas instituições que conservem os recursos naturais, encorajem a

regeneração dos recursos renováveis, protejam a biodiversidade, gerem tecnologias limpas,

promovam estilos de vida menos intensivos no uso de energia e materiais, mantenham

constante o capital da natureza e protejam o saber dos povos indígenas e tradicionais

(CAVALCANTI, 1999, p.32).

Desta forma, continua o referido autor, o modelo de desenvolvimento a ser buscado é

aquele que,

[...] desencoraja tudo o que possa ameaçar a saúde de longo prazo do ecossistema e a base

biofísica da economia, tais como a ineficiência, o lixo, a poluição, o uso excessivo de recursos

renováveis, a dissipação dos recursos esgotáveis. Ao contrário, tudo o que é desejado deve ser

estimulado, como a renda real, um trabalho saudável, o bem-estar, um ambiente limpo,

segurança pessoal, uso balanceado dos recursos naturais (CAVALCANTI, 1999, p.33).

Buarque (1994), ao referir-se à sustentabilidade, declara:

O desenvolvimento deve respeitar e se servir da natureza de forma duradoura.

Devemos olhar o consumo não somente como uma questão de satisfação individual, mas

também como uma postura ética. [...] Como os recursos naturais são finitos, precisamos

controlar os seus usos, permitindo que sejam conservados também para as futuras gerações.

Seria impossível imaginar uma estratégia séria de futuro que não levasse em consideração a

necessidade de conservar os recursos naturais, as fontes energéticas, a biodiversidade e o meio

ambiente (BUARQUE, 1994, p.113).

Se o capital natural for destruído, incapacitando o ecossistema de gerar os serviços que

nos permitem realizar a satisfação de nossas necessidades, esse processo não se sustenta. Isto

requer que as capacidades e taxas de regeneração e absorção da natureza sejam respeitadas. Se

não for assim, o processo econômico vai se tornar irremediavelmente insustentável, como

vem ocorrendo com o atual modelo econômico neoliberal da globalização, onde a economia é

subordinada às técnicas (BUARQUE, 1994, p.115).

Benchimol (2000, p.32), trabalhando com cenários futuros, numa antevisão da

Amazônia dos próximos cem anos, ao abordar a questão da sustentabilidade, descreve-na da

seguinte forma:

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Combinação do uso dos recursos naturais com a conservação dos

ecossistemas e que isto supra as necessidades e a solidariedade diacrônica da

população atual com as gerações futuras. [...] Precisamos desenvolver ciência,

educação e novas tecnologias tropicais e ambientais. Para isto precisamos introduzir

maneiras inovadoras de exploração racional e inteligente dos recursos naturais, que

sejam participativas, que causem menos impactos sobre o meio ambiente e que sejam

mais saudáveis aos trabalhadores.

Ainda segundo o autor acima, é necessário o nosso envolvimento,

[...] na busca de alternativas, opções e cadeias produtivas inovadoras que estejam

integradas com o desenvolvimento local em benefício das populações tradicionais.

Um modelo de desenvolvimento participativo e adaptado às condições e ao modo de

vida dessas populações. […] Não podemos desprezar ou ignorar as experiências e

práticas de convívio harmônico dos povos indígenas com a natureza; o domínio e o

conhecimento da biodiversidade, práticas de manejo não predatório desenvolvidas ao

longo das gerações, mas sim, somá-las e inseri-las, de forma participativa, às novas

tecnologias. Assim estaremos contribuindo para a construção de processos e produtos

sustentáveis, que não sejam invasivas nem poluidoras (BENCHIMOL, 2000, p.28).

Para garantir a sustentabilidade é preciso aproximar o homem da natureza,

proporcionando condições para a apropriação de tecnologias limpas e sociais produzidas com

a participação do saber tradicional e que sejam independentes. Segundo Leff (2000, p.131), “o

aproveitamento integrado e sustentado dos recursos naturais e suas formas efetivas de

utilização como meios de produção estão sujeitos às condições de assimilação cultural de

novas tecnologias”. O processo produtivo em que a produtividade ambiental se dá através da

apropriação coletiva e subjetiva dos meios ecotecnológicos de produção, “implica em

assimilação cultural de novas habilidades, a internalização de novos conhecimentos e a

possessão dos meios de produção e dos instrumentos de controle que possibilitem a

autogestão de seus recursos produtivos” (LEFF 2000, p.131). Continua o autor,

Numa perspectiva cultural do desenvolvimento sustentável dos recursos, a

produtividade tecnológica está associada à capacidade de recuperação e melhoramento

das práticas tradicionais de uso dos recursos. [...] A integração dos processos

ecológicos, tecnológicos e culturais aparece como uma articulação sinergética de

processo de evolução ecológica, inovação tecnológica, reorganização produtiva e

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mudança social, que geram novos potenciais produtivos no desenvolvimento

sustentável (LEFF, 2000, p.131-132).

A sustentabilidade somente estará assegurada em qualquer processo produtivo se os

saberes tradicionais forem “revalorizados e as economias autogestionárias e participativas

forem revitalizadas”, tendo como finalidade satisfazer as necessidades básicas dos atores da

base produtiva através dos benefícios econômicos, sociais e ambientais resultantes desta

estratégia produtiva (LEFF, 2000).

4.2 O projeto dos novos encauchados de vegetais

4.2.1 Locais das pesquisas

A RESEX do Cazumbá-Iracema

A Reserva Extrativista do Cazumbá-Iracema foi criada por Decreto Federal s/nº de 19

de setembro de 2002. Está localizada nos municípios de Sena Madureira e Manoel Urbano -

AC; limita-se ao norte com a TI do Alto Rio Purus e, ao sul, com a FLONA Macauã. A

RESEX está situada no domínio da floresta amazônica ocorrendo formações de floresta densa

e floresta aberta. Apresenta uma área de 748.817 hectares. Tem 193 famílias de seringueiros,

com uma população de aproximadamente 1.300 pessoas que moram em toda a área (BRASIL:

2003). Além de populações isoladas, existem quatro comunidades, sendo a do Cazumbá a

maior, com uma população próxima das 50 famílias. Durante a época das chuvas, o acesso

terrestre à sede, a partir de Sena Madureira, fica interrompido, no final da época seca, a

diminuição dos caudais impede o acesso fluvial.

A RESEX é formada basicamente de seringueiros que residiam em colocações do

antigo Seringal Iracema. A maioria de seus moradores está no local desde o nascimento,

assim como seus pais e avôs, vivendo quase exclusivamente de atividades extrativistas.

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Alguns deles se deslocaram para a margem do Rio Caeté, onde organizaram o núcleo

habitacional, conhecido como sede do Cazumbá, local onde está funcionando o projeto em

implantação. O Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária – INCRA

desapropriou alguns seringais para implantação de projetos de colonização, incluindo o

Seringal Iracema. Alguns dos líderes da Comunidade do Cazumbá se organizaram e

concentraram alguns moradores das colocações, a fim de impedir o loteamento da área.

“Considerando as peculiaridades da comunidade, principalmente em função trabalho e da

organização, por ser uma área essencialmente extrativista, destinou-se uma área aproximada

de 17.538 ha para titulação coletiva em nome da associação dos moradores” (SANTOS,

2005, p.31).

As principais atividades econômicas são a extração da borracha e castanha-do-pará, a

agricultura familiar e a pecuária. São extraídos também outros produtos florestais, para

consumo da comunidade, tais como, cipó-timbó, açaí, patauá, bacaba, cajá, cipó-de-ambe,

bacuri, sementes, jatobá, palmito, pupunha, copaíba, breu-branco, cupuaçu, sucuba e buriti. A

mandioca para produção de farinha é o principal produto da agricultura. A criação de gado é

praticada nesta unidade em aproximadamente 60 colocações. A maior parte das famílias cria

animais de pequeno porte, principalmente galinhas, patos e porcos. A caça tem um peso

importante na dieta dos moradores. Nesta unidade está sendo desenvolvido um projeto de

criação semi-extensiva de capivara (Hydrochoerus hydrochaeris), visando garantir o

suprimento de proteína animal aos moradores da reserva, reduzir a pressão exercida pela caça

e a comercialização de excedentes em Sena Madureira - AC. (ACRE: 2005; XANGAI: 2004).

Os negócios da comunidade da sede do Cazumbá realizam-se através da Associação

dos Seringueiros do Seringal Cazumbá, tendo como presidente Aldenir Cerqueira Maia, que

atua também como agente de saúde. Através da associação, são comercializados os produtos

locais, são apresentados projetos de interesse da comunidade e são repassados os recursos

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oriundos de projetos a serem administrados pela comunidade, inclusive os recursos do Plano

de Ação 5: Atividades Tradicionais – Borracha, do Programa Biodiversidade Brasil/Itália36,

em fase final de aprovação, que financiará a estrutura produtiva dos novos encauchados de

vegetais, que beneficiará 60 famílias da comunidade (BRASIL, 2002).

Os serviços de educação e saúde apresentam limitações. Existem duas escolas na

reserva que ministram cursos da 1a a 4a séries, um posto de saúde, água encanada, luz de

gerador próprio, telefones celulares. A taxa de analfabetismo na população adulta chega a

25%. Existe um posto de saúde na sede do Cazumbá e outro na cidade de Sena Madureira,

mantidos pela prefeitura municipal. As doenças com ocorrência mais freqüente na

comunidade são malária, verminose, hepatite, diarréia e doenças de pele causadas por picadas

de insetos.

Criada a Reserva, foram realizados vários estudos e levantamentos para a

caracterização da área, tendo como objetivo elaborar um Plano de Manejo que conduzisse à

utilização sustentável da floresta sem prejudicar os ecossistemas. Com a implementação dos

dados foram avaliadas as fragilidades e diversidades sócio-ambientais da RESEX, bem como

o seu potencial econômico. Com base nisto a comunidade discutiu e aprovou um Plano de

Manejo que tem por finalidade, dentre outros, os seguintes aspectos, conforme apontados no

documento:

Assegurar a sua sustentabilidade, conservando os recursos naturais para as presentes e

futuras gerações, promover melhores condições de vida para seus moradores e garantir o uso da

terra e da floresta para o extrativismo, especialmente a extração de óleos, látex, sementes,

folhas, cascas, frutos e raízes, com o uso de técnicas que não provoquem a morte dessas árvores

(BRASIL: 2003, p.25).

36 O Programa Biodiversidade é uma iniciativa de cooperação bilateral Brasil-Itália, materializada por ações de formulação, lançamento, implementação e avaliação do Programa para a Conservação e Valorização dos Recursos Fito-Genéticos das Espécies de Interesse Agro-Alimentar e Industrial para o Brasil. O Programa é operacionalizado através da ação conjunta do Instituto Agronômico per l´Oltremare-IAO, pelo lado italiano e do IBAMA e a EMBRAPA, pelo lado brasileiro, em conformidade com os termos de cooperação estabelecidos entre os órgãos de cooperação da Itália (DGCS) e do Brasil (ABC) (BRASIL, 2002).

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A aprovação do Plano de Manejo criou condições para a implementação de projetos

voltados para o desenvolvimento de novas tecnologias produtivas, para a prospecção de

nichos de mercado para os novos produtos, para o fortalecimento da organização comunitária

e para a melhoria da infra-estrutura e da oferta de serviços. Apesar da forte crise que se abateu

sobre o setor, que ocasionou a falência generalizada dos produtores e beneficiadores da

borracha extrativa, a atividade continua viva na comunidade. A colonização de toda a região

foi motivada pelo extrativismo da borracha, que foi por muitos anos a base da economia do

Estado do Acre. Apesar das seculares dificuldades enfrentadas pelo setor, os moradores da

sede do Cazumbá sempre mantiveram viva a esperança de um dia voltar a produzi-la e tê-la

como sua principal atividade. Raimundo Nonato Soares, um dos seringueiros mais

empolgados com a atividade no núcleo do Cazumbá, declara, em entrevista:

A seringueira é uma mãe pra mim. Eu desde os sete anos de idade ia junto com meu

pai cortar seringa. Todos os dias via o “leite” escorrendo. Com ele meus avós criaram meus

pais. Meus pais me criaram. E eu estou criando meus filhos. Fico muito contente quando vejo

um produto tão bonito feito com o “leite” da seringa. Não imaginava que isto fosse possível.

A atividade extrativa da borracha está arraigada na cultura dos seringueiros, por isto

existe grande receptividade pelo novo sistema produtivo. Não está em análise apenas a

questão econômica, mas, principalmente, a questão sócio-cultural. Assim ocorreu com o

lançamento do “couro” ecológico levado pelo IBAMA em 2002, só que até o momento não

conseguiu obter apoio para a montagem da estrutura produtiva necessária. A qualificação

de um grupo de produtores foi realizada pelo SEBRAE/AC e em parceria com o Núcleo de

Inovação, Design e Artesanato do Acre - NIDAC, que deu suporte inicial (XANGAI: 2004:

ZILIO: 2005). Hoje, a comunidade está aguardando a aprovação final do projeto da

Biodiversidade Brasil/Itália, para a montagem da infra-estrutura produtiva necessária e

expansão para outros núcleos dentro da RESEX.

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A TI Katukina/Kaxinawa do rio Envira

A TI Katukina/Kaxinawa está localizada na margem esquerda do rio Envira, nas

proximidades do município de Feijó (AC), iniciando na BR 364, sentido Feijó/Tarauacá, e

descendo o rio até adentrar no município de Envira (AM). Foi homologada em 1991, tem

23.474 hectares e é habitada por dois tipos de povos, os Kaxinawá, também conhecidos como

Huni Kui, com uma população de 486 pessoas e os Shanenawa com uma população de 454

pessoas. É formada por sete aldeias, sendo que as aldeias Paroá, Pupunha e Belo Monte são da

etnia Kaxinawá e as aldeias Morada Nova, Paredão, Cardoso e Nova Vida são da etnia

Shanenawa.

Os povos Kaxinawá e Shanenawa têm bastante contato com o homem branco, em

função de suas aldeias estarem localizadas próximas da cidade de Feijó - AC. Caçam e

pescam para consumo próprio. Usam armadilhas e espingardas para a caça e pescam com

anzóis, malhadeiras e, ainda usam o tingui para pesca em lagos. Colhem, para o seu sustento,

produtos da floresta, como açaí, patauá, bacaba e buriti. Praticam a agricultura de

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subsistência, em roçados coletivos, onde cultivam o milho, o arroz, o feijão de corda, a

macaxeira, a banana, o amendoim, o algodão e o tabaco. Produzem artesanatos de sementes,

fibras e palhas, como o arco e flecha, roupas para suas danças típicas, como o Mariri, brincos

de penas, colares de sementes de mulungu. Produzem uma bebida fermentada da mandioca e

do milho, a caiçuma, para uso em seus rituais. Também criam pequenos animais como o

porco, o pato e a galinha. Todo o excedente da sua produção é comercializado na cidade de

Feijó, onde realizam seus negócios e se abastecem dos gêneros básicos para a sua

sobrevivência.

A renda local é baixa, porém suficiente para adquirirem os produtos para suprir as suas

necessidades básicas. Segundo o levantamento sócio-econômico, a renda provém da prestação

de serviços e da venda de produtos agrícolas e extrativos e artesanatos, principalmente no

Festival de Praia e no Festival do Açaí na cidade de Feijó - AC. Além disso, existem muitos

que são funcionários públicos da Fundação Nacional do Índio, professores ou aposentados.

Ao realçar a importância do artesanato para o povo Shanenawa, Cruz (2002, p.38)

declara: “Do ponto de vista da preservação da cultura e da manutenção dos elos entre

tradições e costumes indígenas, o artesanato ganha destaque. Ao mesmo tempo ele garante a

sustentabilidade cultural e ainda pode viabilizar melhorias nas condições de vida para as

gerações mais jovens e as futuras comunidades”.

A aldeia Morada Nova tem rede de energia elétrica instalada através do Programa do

Governo Federal “Luz para todos”, e poço artesiano que fornece água de boa qualidade para

os seus moradores. As demais aldeias usam água de igarapé ou cacimba e não tem energia

elétrica, sendo que seus moradores usam a lamparina a querosene para a iluminação. Nas

aldeias Morada Nova e Paroá, foram construídos sanitários, tipo fossa séptica que seus

moradores usam para fazer as suas necessidades, sendo que nas demais aldeias, os moradores,

ainda fazem suas necessidades no mato. Isso vem provocando a contaminação das águas do

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rio e dos igarapés, que são consumidas pela população, provocando doenças como a

verminose, diarréia, vômito, entre outros.

As doenças que ocorrem com maior freqüência nas aldeias são gripe, diarréia e

doenças de pele causadas por picadas de insetos. Para o tratamento dessas doenças, tomam

remédios de farmácia, através de agentes de saúde indígenas treinados que moram nas aldeias

Paroá e Morada Nova. Casos mais graves são atendidos no Posto de Saúde e no Hospital da

cidade de Feijó – AC. Segundo informações obtidas nas entrevistas, não tomam remédios da

floresta, pois desconhecem os seus usos.

As aldeias Paroá e Morada Nova tem telefone público que funcionam com baterias

alimentadas por placa solar e as demais aldeias tem um sistema integrado de radiofonia,

também alimentado por placa solar, permitindo uma rápida comunicação entre si e os demais

povos indígenas da região.

Todas as aldeias têm unidades escolares que funcionam até a 4a. série do ensino

fundamental, nível de escolaridade da maioria de seus moradores. A continuidade dos estudos

a partir da 4a. série do ensino fundamental só é possível no município de Feijó – AC. Porém

poucos dão continuidade nos estudos, sendo que aqueles que o fazem destacam-se na

comunidade, como é o caso do Administrador Substituto da Regional do Acre, Julio Barbosa

(Kaxinawá da aldeia Paroá) e do responsável pelo Posto Indígena - PIN de Feijó, Carlos

Brandão (Shanenawa da aldeia Morada Nova).

O PIN de Feijó dá suporte na área de saúde e educação às famílias dos índios. A

organização social do povo Shanenawa e Kaxinawá ocorre através de associações de base

(Quadro 1), tendo uma do povo Shanenawa, a Associação Comunitária Shanenawa de Morada

Nova - ACOSMO, a outro do povo Kaxinawá de Nova Olinda, a Associação dos Produtores

Kaxinawá de Nova Olinda - ASPKANO, e a Associação dos Produtores Kaxinawá da Aldeia

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Paroá - APROKAP, que congrega o povo Kaxinawá da TI Katukina/Kaxinawa. Todas estão

associadas à Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira – OPIRE.

4.2.2 As buscas por novas alternativas para a borracha extrativa.

A Amazônia tem um enorme e insubstituível patrimônio ecológico. Com um

perímetro de mais de 4 milhões de km² de extensão, possui a maior reserva de biodiversidade

do planeta e a maior bacia hidrográfica do mundo, com 15% a 20% dos recursos hídricos,

28% das florestas tropicais e 1/3 de toda a biodiversidade do planeta (FREITAS, 2004, p.15).

Aqui é o berço da seringueira (Hevea brasiliensis), árvore nativa da qual se extrai o látex,

matéria-prima para a fabricação da borracha natural. Seringueiras centenárias, bem

manejadas, continuam vivas e altamente produtivas, no meio da floresta. Assim a seringueira,

Quadro 1 – Associações representativas dos seringueiros em áreas de produção dos novos encauchados de vegetais

Sigla Nome Nº Sócios

Abrangência Atuação

CAZUMBA Associação dos seringueiros do seringal Cazumbá

53 Sede e colocações do antigo seringal Iracema

Execução de projetos sociais, vendas produtos, apoio comunitário, feiras e eventos.

ACOSMO Associação Comunitária Shanenawa de Morada Nova

45 Aldeias Morada Nova, Nova Vida, Cardoso, Paredão.

Execução de projetos, apoio comunitário, vendas de produtos.

APROKAP Associação dos Produtores Kaxinawá da Aldeia Paroá

68 Aldeias Paroa, Belo Monte e Pupunha.

Execução de projetos, apoio comunitário e vendas de produtos.

ASPKANO Associação dos Produtores Kaxinawá de Nova Olinda

38 Aldeias Formoso e Nova Olinda.

Execução de projetos, apoio comunitário e vendas de produtos.

OPIRE Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira

7 asso-ciações

Rio Envira Execução de projetos, apoio às associações e vendas de produtos.

ASMIPRUT Associação Intercomunitária de Mini e Pequenos Produtores Rurais da Margem Direita do Tapajós de Piquiatuba a Revolta

56 Comunidade Maguari Execução projeto, agroindústria transformação, mercado.

Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005;

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fonte renovável e inesgotável da borracha, matéria-prima que alimenta um dos setores mais

fortes da economia mundial, a poderosa indústria pneumática e de artefatos de borracha, é um

dos vegetais mais importantes para o mundo atual. O consumo mundial da borracha vegetal

vem crescendo fortemente, se comparada com o consumo da borracha sintética, matéria-prima

proveniente do petróleo, não renovável e altamente poluente, que, segundo Freitas (2004), é a

principal responsável pela poluição dos solos, das águas e da atmosfera, com impactos em

todos os setores próprios da existência humana.

Estudos realizados no Acre por uma equipe formada por técnicos de várias instituições

locais concluíram que para a retomada sustentável do extrativismo da borracha na região seria

necessário aprimorar os processos produtivos, desenvolvendo novas técnicas de extração e

processamento do látex. (SANTOS, 2001).

A própria legislação atual prevê o apoio do Governo para a melhoria das condições do

extrativismo da borracha na Amazônia, quando através da Lei nº 9.479, art. 7º, Parágrafo

único determina que “o Poder Executivo garantirá os recursos financeiros necessários à

implantação de programas para o adensamento dos seringais nativos, aprimoramento das

técnicas de extração e preparo do látex, visando à melhoria da qualidade da borracha, e

diversificação das atividades econômicas na região amazônica” (BRASIL 1997, p.7).

Por outro lado, as recentes altas, elevando os preços do barril do petróleo para patamares

acima de US$ 70.00, estão acarretando a elevação dos preços de seus derivados, como a

borracha sintética. Os aumentos nos preços da borracha sintética estão dando condições para

que a borracha vegetal recupere, em curto prazo, o espaço perdido, nos últimos cinqüenta

anos, no cenário mundial, para a sintética, por ser renovável e não causar danos ao meio

ambiente. Em 1998 já respondia por 40% do consumo mundial total. Sua produção era da

ordem de seis milhões de toneladas, contra dez milhões de borracha sintética (SANTOS,

1998).

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O modelo de desenvolvimento econômico para a Amazônia, implantado a partir de

meados dos anos de 1960, pelos governos militares, com o intuito de ocupação e

desenvolvimento da Amazônia, demonstrou, nestes quase quarenta anos de existência, ser

incompatível com a realidade local. A substituição do extrativismo pelos projetos

agropecuários provocou o desflorestamento de extensas áreas para a formação de pastagens,

destruindo importantes recursos da biodiversidade, ainda totalmente desconhecidos pelo

homem e expulsando dos seringais milhares de índios e seringueiros que vieram inchar as

periferias das cidades.

Neste contexto, a Cooperativa Agro-ambiental, Industrial e de Serviços Amazônia

Viva - COOPERECO, sediada em Rio Branco - AC, formada por um grupo heterogêneo de

associados, como ex-seringueiros, artesãos, técnicos agrícolas e professores, pesquisou e

desenvolveu novos processos para a fabricação de artesanatos e pequenos objetos de

borracha. Esta pesquisa tinha por objetivo buscar novos usos para o látex nativo, que

gerassem produtos prontos para o mercado, com maior valor agregado, melhorando a renda

dos seringueiros e recuperando a atividade através de processos fáceis e assimiláveis.

Por exclusão foram eliminados os processos de fabricação da borracha convencional

e do tecido emborrachado defumado, o “couro” vegetal. O primeiro em função dos seus

baixos preços e o segundo, porque o processo de defumação é prejudicial à saúde do

seringueiro e predatória do meio ambiente. A conclusão do grupo foi de que, dentro do perfil

que se buscava, estava a técnica de fabricação dos encauchados, processo indígena de

manipulação do látex, sem o uso da defumação. Processo simples e artesanal, que gerava

produtos de uso pessoal, bonitos, mas com limitações de qualidade por se tratar de um

processo empírico.

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Então a pesquisa buscou integrar o conhecimento tradicional de manipulação do látex

pelos indígenas com as atuais tecnologias da vulcanização37 e da incorporação de cargas à

borracha, utilizadas pelas indústrias para a transformação da borracha vegetal em artefatos,

com o uso de máquinas, equipamentos e sofisticadas instalações industriais. As pesquisas

aprimoraram e simplificaram os dois processos para permitir a sua utilização de forma

artesanal, dentro das condições de rusticidade do meio rural, sem energia elétrica, máquinas

e/ou estufas, com fácil assimilação e execução por índios e seringueiros no meio da floresta.

A esta nova maneira de fabricar a borracha extrativa, inicialmente os seringueiros a

denominaram de “couro” ecológico, passou a ser chamada pelos povos indígenas Shanenawa

e Kaxinawá, no seu idioma, de Kurã-Kenê38 e a estamos denominando de novos encauchados

de vegetais, neste nosso trabalho. Com a sua assimilação, está sendo possível manter as

populações locais em suas áreas, com maior qualidade de vida e sem interferir nos seus

costumes e tradições. Os novos produtos gerados não estão competindo com a borracha

convencional, que é produzida para atender as indústrias pneumáticas e de peças técnicas. São

produtos diferenciados, produzidos de forma artesanal, que são direcionados para atender

nichos específicos de mercado, não tão exigentes e que pagam melhores preços,

possibilitando, de um lado, uma exploração não tão intensiva dos recursos naturais, e de

outro, um incremento na renda familiar nas comunidades envolvidas.

37 Vulcanização é uma reação química que, através de uma mudança na estrutura química da borracha, ocasiona a passagem do elastômero de seu estado original, predominantemente plástico, a um outro, onde as propriedades elásticas são atingidas, restabelecidas, melhoradas ou estendidas em uma faixa de temperatura maior (ROCHA, 1996, p.117). 38 Kurã-Kenê é um termo indígena Kaxinawá que quer dizer pintura na borracha. Os pigmentos vegetais produzidos pelos índios são misturados ao látex, e, através de técnicas próprias, transformam-se em diversos desenhos, os kenês, inseridos nos produtos caracterizando a cultura local.

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4.2.3 A ciência e o saber tradicional garantindo a produção sustentável da borracha

extrativa.

A ciência, como um conceito abrangente, pode ser definida como “um conjunto de

conhecimentos racionais, certos ou prováveis, obtidos metodicamente, sistematizados e

verificáveis, que fazem referência a objetos de uma mesma natureza" (LAKATOS e

MARCONI, 2003, p.75). Ainda segundo as autoras, o saber tradicional se distingue do

conhecimento científico não pela veracidade nem pela natureza do objeto conhecido. O que os

diferencia é a forma, o modo ou o método, e os instrumentos do “conhecer”. A ciência não é o

único caminho de acesso ao conhecimento e à verdade. Um mesmo objeto ou fenômeno pode

ser matéria de observação tanto pelo cientista quanto pelo homem comum. O que leva um ao

conhecimento científico e outro ao saber tradicional é a forma de observação. Na ciência, a

realidade passa a ser percebida, não de uma forma desordenada, esfacelada, fragmentada, mas

sob o enfoque de um critério orientador, de um princípio explicativo que esclarece e

proporciona a compreensão do tipo de relação que se estabelece entre os fatos, coisas e

fenômenos, unificando a visão de mundo. No saber tradicional, a visão que se tem da

realidade é mais subjetiva.

Os saberes tradicionais são conhecimentos do mundo natural e sobrenatural que se

aprendem fazendo, que são gerados no âmbito da sociedade não urbano/industrial,

transmitidos oralmente de geração em geração e têm como base de apoio as práticas, as

tradições e a experimentação. (CUNHA e ALMEIDA, 2002; DIEGUES, 2000).

As etnociências valorizam os saberes tradicionais e, hoje, muitos conhecimentos

científicos sobre a natureza e o meio ambiente estão fundamentados em pesquisas a partir dos

conhecimentos oriundos de práticas das populações tradicionais.

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As etnociências permitem revalorizar e recuperar um arsenal de conhecimentos

práticos, capazes de se inserir como “matéria-prima elaborada” na produção de conhecimentos

científicos sobre a produtividade dos ecossistemas, sobre o aproveitamento dos seus recursos

sobre os processos tecnológicos ecologicamente sustentáveis e sobre as condições culturais de

assimilação destes novos saberes e meios de produção, às práticas das comunidades indígenas e

camponesas. (LEFF, 2000, p.111).

No trabalho ora estudado, a consolidação do novo sistema produtivo para a borracha

extrativa, tanto o conhecimento científico como os saberes tradicionais estão sendo

fundamentais para garantir a sua sustentabilidade. Os índios entram com os conhecimentos

sobre a floresta, o manejo não predatório e as práticas saudáveis de colheita e manipulação do

látex e das fibras; já o conhecimento científico dá suporte para melhorar a sua qualidade,

colocando os produtos gerados em condições de atender as exigências do mercado.

Os vegetais são renováveis e biodegradáveis e não abrasivos, existem em abundância e

podem ser usados em composições com a borracha vegetal. Cargas, pigmentos, odorantes e

conservantes são extraídos de espécies arbóreas nativas, de forma artesanal. As cargas, na

forma de fibras curtas, podem ser fabricadas a partir do aproveitamento de resíduos

madeireiros e agro-extrativos e de partes de plantas coletadas na floresta, como cascas, folhas,

raízes. Os pigmentos e odorantes são fabricados de folhas, cascas, raízes, frutos, sementes de

plantas da floresta que contém cores e aromas especiais. As cinzas resultantes da combustão

de vegetais, em roçados, fornos, fogões são recolhidas e misturadas com água de fonte e

coadas transformando-se em água de cinzas.

As fibras vegetais curtas não são reforçantes, isto é, não melhoram o desempenho da

borracha, principalmente quando incorporadas à borracha ainda na fase líquida (látex). São

cargas inertes que tem a finalidade de dar volume e ajudar no processamento do látex.

Segundo Saheb (1999), as fibras vegetais tem baixo custo, baixa densidade e altas

propriedades específicas. São biodegradáveis e não abrasivas. As fibras vegetais curtas vem

sendo pesquisadas e utilizadas em composições com a borracha vegetal no Brasil e em outros

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Países (MARTINS, VISCONTE e NUNES, 2002; SAHEB, 1999; MURTY, 1982). A

empresa Inbrasfama, sediada em São José dos Pinhais – PR, desenvolveu e patenteou junto ao

Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, o processo de fabricação da “farinha” de

madeira de pinus e eucalipto, a partir de resíduos coletados em indústrias madeireiras, para a

fabricação de solados. (BALDAN, 1997).

Em trabalhos anteriores, desenvolvemos em projeto do SENAI/SEBRAETEC, para

atender comunidades extrativistas, fibras vegetais curtas de várias espécies nativas, desde o

pó-de-serra de madeiras regionais, como a sumaúma, o angelim, o cumaru ferro, o amarelinho

e o burdão, até fibras de resíduos como o papel de escritório usado, e resíduos de produtos e

frutos agro-extrativos, além de fibras coletadas e processadas de espécies nativas pioneiras

como a embaúba e o algodoeiro, de invasoras como a taboca. Todas demonstraram ter um

bom desempenho na fabricação de compostos a partir do látex pré-vulcanizado

(DAMASCENO e SAMONEK, 2004).

Os pigmentos e odorantes vegetais são originários de cascas, folhas, raízes, frutos e

sementes, gerando cores e aromas diversificados e combinam perfeitamente com o látex para

a fabricação dos novos encauchados de vegetais e são bastante utilizados pelos indígenas para

pinturas em tecido e no próprio corpo durante os rituais. Portanto é uma prática tradicional

nas aldeias. Podem ser adicionados ao látex na fabricação do composto de acordo com a

concentração desejada para fabricar um produto de cor única, ou podem ser usados em

mistura com pequenas quantidades de látex para fazer desenhos específicos, os kenês, sobre as

peças.

A água de cinzas é resultante da filtragem de cinzas misturadas com água. Em nossas

pesquisas de campo, constatamos que ela tem um bom desempenho, como conservante para o

látex, podendo substituir com vantagens a amônia (NH3) e o hidróxido de potássio (KOH),

como higienizante para as fibras, elevando o seu pH para não desestabilizar o látex durante o

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processamento e ainda, agente indutor para a fabricação dos pigmentos, em substituição ao

álcool.

Leff (2000) destaca a importância das práticas de uso múltiplo e intregrado dos

recursos naturais.

As práticas de uso múltiplo e integrado dos recursos, fundadas em normas

culturais e saberes tradicionais, levam a “descodificar a variedade de diversos micro-

ambientes, desenvolvendo práticas produtivas que não só preservam a biodiversidade,

mas que aumentam o nível de auto-satisfação das necessidades materiais da

comunidade”. A Natureza converte-se, assim, num recurso econômico e num

patrimônio cultural. Estas estratégias culturais de manejo produtivo da Natureza

oferecem princípios para otimizar a oferta sustentada de recursos, conservando as

condições de sustentabilidade da produção, com base numa apropriação diferenciada

de satisfatores, no tempo e espaço e numa distribuição mais eqüitativa dos recursos e

da riqueza (LEFF, 2000, p. 122).

Como podemos ver, no presente projeto, a floresta, continua a ter grande importância

para as comunidades extrativas. No passado, ela lhes era importante em função da caça,

pesca, extração de frutos silvestres; hoje, além disso, ela ainda lhes fornece materiais que

podem transformar-se em recursos econômicos. O látex, as fibras, os pigmentos, os odorantes,

o conservante, o higienizador, tudo é produzido pelo próprio seringueiro e transformado em

bens de uso.

4.2.4 Estrutura para implantação do novo sistema produtivo

Uma vez por ano, o seringueiro prepara as estradas de seringueiras, limpando os

caminhos, renovando as tigelas, preparando o painel, fazendo a raspagem da casca superficial

da seringueira, local onde, a cada dia de corte, fará a incisão para a extração do látex. Este

trabalho é realizado no início da safra, que ocorre no final do inverno amazônico, nos meses

de março/abril de cada ano (EMPERAIRE e ALMEIDA, 2002).

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As unidades de produção podem ser coletivas ou familiares. Além do kit sangria, no

valor de R$ 1.182,00 (Quadro 2), suficiente para organizar, pelo período de um ano, uma

colocação com três estradas de seringueiras, é preciso edificar uma unidade fabril familiar

rústica, ao custo orçado de R$ 931,00 (Quadro 3), com 32 m² de área construída. A estrutura é

de pau roliço colhido no local. A cobertura é feita com telhas produzidas com látex pré-

vulcanizado e fibras vegetais, processo desenvolvido através do presente projeto de pesquisa.

O piso é de chão batido lavado com água de cimento para não empoeirar. As mesas e padiolas

para o transporte das chapas de alumínio na fabricação das mantas são construídas com taboca

ou embaúba, colhidos no local.

Quadro 2 – Kit sangria (uma colocação com três estradas de seringueiras/ano)

Quantidade Unidade Material Valor R$ Total R$

1 Unid Bota 7 léguas 50,00 50,00 2 Unid Terçado 35,00 70,00

2.000 Unid Tigelas 0,40 800,00 5 Unid Lâminas de aço 5,00 25,00 2 Unid Facas de corte 15,00 30,00 2 Unid Pedra de amolar 6,00 12,00 3 M Pano tipo estopa 15,00 45,00 1 Unid Balde de zinco 50,00 50,00 10 Unid Balde plástico cap 12 l c/ tampa

vedação 10,00 100,00

Total 1.182,00 Fonte: Pesquisa de campo, 2004;

Quadro 3 – Investimento para construção da unidade fabril familiar (3 pessoas/32 m²)

Quantidade Unidade Material Valor R$ Total R$ 5 Diárias Carpinteiro 30,00 150,00 10 Diárias Braçal p/ retirada madeira/

ajudante de construção 15,00 150,00

2 Moldes Telhas de alumínio 45,00 90,00 100 L Látex in natura 1,50 150,00 10 Unid. Solução agente vulcanizante 20,00 200,00 5 Diárias Fabricar telha 15,00 75,00 10 Kg Fibras vegetais 3,00 30,00 2 Kg Prego de alumínio 15,00 30,00 2 Sc Cimento 28,00 56,00

Total 931,00 Fonte: Pesquisa de campo, 2004;

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A unidade acima tem capacidade para assimilar o trabalho de três pessoas sob um

regime de quatro a cinco horas diárias de trabalho e transformar em produtos elaborados 150

litros de látex por mês, média mensal de colheita de um seringueiro em uma colocação de

seringueiras.

Abertas e aparelhadas as estradas de seringueiras e construída a unidade fabril, o

extrativista precisa adquirir os kits de produção, o kit permanente orçado em R$ 1.898,00 e o

kit custeio mensal orçado em R$ 344,00 (Quadros 4 e 5). Só assim estará em condições de

desenvolver, com eficiência e eficácia, as suas atividades, preparando o látex, as fibras, os

pigmentos e os odorantes vegetais e fabricando as mantas e pequenos objetos de borracha. O

material permanente tem uma vida útil estimada para três anos e o material de custeio orçado

no Quadro 5 é para trinta dias.

Quadro 4 - Kit permanente para uma unidade de produção dos novos encauchados Quant Unid Material Un R$ Total R$

6 Unid Chapas de 1,20 Mx 2,00 em alumínio galvanizado 50,00 300,00 20 Unid Moldes em MDF 10,00 200,00 1 Unid Balde plástico com torneira cap 30 l 120,00 120,00 10 Unid Balde plástico boca pequena com tampa vedação cap 12 l para

armanezar látex

15,00

150,00 5 Unid Balde plástico boca grande c/ tampa cap 18 l 20,00 100,00 20 Unid Vasos de plásticos com tampa para armazenar cap 4 l 4,00 80,00 16 Unid Tigelas de plástico cap 900 ml manuseio látex/fibras 0,50 8,00 2 M Tecido atoalhado para coar água de cinza 12,00 24,00 1 Unid Panela alumínio cap 25 l p/ aquecer látex 180,00 180,00 5 M Lona plástica preta 2,00 10,00 2 Unid Baldes plástico com medidor cap 10 l 18,00 36,00 2 Unid Jarra plástica com medidor cap 3 l 10,00 20,00 3 Unid Peneira com tela de arame para fibras 15,00 45,00 3 Unid Peneira pequena de plástico para látex 5,00 15,00 1 Unid Tesoura de picote 90,00 90,00 1 Unid Tesoura comum 10,00 10,00 1 Unid Triturador elétrico ou manual, 120,00 120,00 1 Unid Caixa d´água cap 250 ml 180,00 180,00 1 Unid Um serrote para coleta fibras 80,00 80,00 1 Unid Pilão rústico para processar fibras 50,00 50,00 1 Unid Balança eletrônica para pesar fibras 180,00 180,00

Total 1.898,00 Fonte: Pesquisa de campo, 2004

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Assim os custos de sua instalação são relativamente baratos (Quadros 2, 3, 4 e 5), se

comparados com os demais sistemas produtivos. O sistema convencional usa calandras

industriais elétricas para o beneficiamento da borracha, que funcionam com energia elétrica; o

tecido emborrachado defumado, o “couro” vegetal, além de gastar com o corte de lenha para

fazer a defumação, utiliza estufas para complementar o processo de vulcanização; a FDL, o

mais simplificado, mesmo assim, usa calandras manuais e um kit de insumos, incluindo o

ácido pirolenhoso, que precisa de instalações especiais para ser produzido.

4.2.5 Processos e produtos do novo sistema produtivo

Água de cinzas: o conservante natural feito pelos seringueiros

O látex da seringueira apresenta-se de forma líquida e precisa, logo após a sua

colheita, ser estabilizado através de um conservante para não coagular. A amônia (NH3) e o

hidróxido de potássio(KOH), produtos altamente tóxicos, mas bastante utilizados pelos

seringueiros para conservar o látex, precisavam ser substituídos por um conservante menos

tóxico, que fosse de fácil manuseio e não oferecesse riscos à sua saúde.

Quadro 5 – Kit custeio mensal para uma unidade de produção dos novos

Encauchados

Quantidade Unidade Material Valor R$ Total R$ 1 Kg Embalagem plástico cap 1 litro para embalar fibras 8,00 8,00 1 Pc Sacos plásticos cap 50 litros para embalar fibras 5,00 5,00 15 Unid Solução para látex 20,00 300,00

5 Unid Pincel (para pintura de cabelo) para modelagem

5,00

25,00 1 M Tecido telado para coar látex 6,00 6,00

Total 344,00 Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005;

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Por isso, recuperamos um processo tradicional utilizado pelos seringueiros de

fabricação da água de cinzas. A técnica é artesanal, de fácil manuseio e não oferece riscos à

saúde dos trabalhadores, nem ao meio ambiente. Como podemos ver na Figura 2, é produzida

através da filtragem da mistura de cinzas com água de fonte ou de chuva, na proporção de

dois litros de água para um quilograma de cinzas, deixada por vários dias de molho. As cinzas

utilizadas podem ser originárias da combustão das coivaras na limpeza dos roçados anuais

para a formação da agricultura de subsistência, da combustão de lenha nos fogões caseiros e

fornos de casa de farinha. As cinzas assim geradas eram descartadas no ambiente sem

nenhuma utilização. Mas no passado eram utilizadas pelos seringueiros mais antigos para

conservar o látex, para retirar nódoas de roupas e para produzir sabão caseiro.

A produção e utilização de água de cinzas foi testada na sede do Cazumbá,

apresentando bons resultados na sua aplicação, seja como conservante para o látex, como

higienizador e estabilizante para as fibras e como agente coadjuvante do processo de extração

dos pigmentos de cascas, folhas, raízes, sementes.

A extração do látex de seringueiras nativas

Abertas e aparelhadas as estradas, adquiridos os kits, construída a unidade, o

seringueiro inicia o seu fabrico. A colheita do látex é realizada diariamente em apenas uma

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das três estradas de seringueiras existentes em cada colocação. Desta forma, faz a sangria de

cada árvore a cada três dias. A safra ocorre de abril a fevereiro de cada ano. Nos meses de

março e abril, faz a limpeza e manutenção de suas estradas, para não perder tempo no período

da safra. De novembro a fevereiro é um período de entressafra, coincidente com o período de

inverno amazônico, quando, às vezes, suas estradas ficam alagadas, ou a chuva não permite

realizar a sangria. Nesse período a produção do látex cai em torno de 50%, segundo pesquisas

de campo realizadas.

A extração de látex é capaz de perpetuar-se, mas essa extração sustentada

depende de técnicas precisas e de cuidados constantes. A faca que “dá no pau”, indo

milímetros além do certo, causa a broca e mata a madeira. Sangrar na friagem ou

quando a seringueira renova as folhas priva a árvore do leite necessário para que ela se

regenere. Não se corta em dias consecutivos, nem fora das leis de corte transmitidas

pela tradição (EMPERAIRE e ALMEIDA, 2002, p.287 ).

O tamanho do corte a ser realizado na casca da seringueira é de aproximadamente 30

cm, podendo ser mais de um em uma árvore, dependendo da sua circunferência na altura do

peito - CAP. A profundidade é de 1 mm antes de atingir o câmbio. (BRAZ, 2001).

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De acordo com Braz (2001) para que a seringueira continue a ser produtiva, sem ficar

suscetível a fungos e doenças, os cortes efetuados para a retirada do látex, conjuntamente, não

podem ultrapassar 50% da CAP da árvore. A sangria é feita 90 dias/ano, tendo 275 dias/ano

de descanso para sua recuperação. No ano seguinte a sangria é realizada do outro lado da

árvore, tendo mais um ano para a cicatrização total da casca. A largura e profundidade dos

cortes assinalados acima não oferecem riscos a sobrevivência das seringueiras nativas. As

árvores, sangradas nas especificações recomendadas, não são afetadas pela colheita do látex,

permanecendo vivas e produtivas por centenas de anos.

A pré-vulcanização do látex: a tecnologia nas mãos dos extrativistas

O seringueiro tem em suas mãos diariamente o látex de campo, recém-colhido, com

teores de DRC (Dry Rubber Content) acima de 40%. Ao preservá-lo, com água de cinzas,

evita o ataque de microorganismos que podem desestabilizá-lo, ocasionando a perda de sua

qualidade (SAMONEK e DAMASCENO, 2005).

As duas técnicas industriais de vulcanização existentes para a borracha exigem

máquinas sofisticadas e caras, com alto consumo de energia elétrica, e operam em grande

escala. Uma é realizada com a borracha sólida, exigindo duas linhas de máquinas

(misturadores e prensas). Para Uniroyal (1982) e Winspear (1954), os misturadores

incorporam os agentes vulcanizantes na borracha, as prensas moldam os artefatos através de

altas temperaturas. Assim são produzidos os pneus, as peças técnicas e a maioria dos artefatos

de borracha. A outra trabalha com o látex centrifugado a 60%. De acordo com Winspear

(1954), a centrifugação é uma técnica de concentração do látex do campo, onde depois de

conservado, retira-se parte de sua água, padronizando-o ao nível de 60% de sólidos. O látex,

em grandes quantidades, recebe uma composição de agentes vulcanizantes, é mantido sob

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constante agitação por mais de 36 horas, para se transformar num látex pré-vulcanizado,

também conhecido como látex industrial. E, segundo Mirica, Guimarães e Sato (1982), em

seguida, o látex pré-vulcanizado é aplicado em moldes de superfície, seca e vulcaniza em

estufas especiais. Esta técnica é utilizada pelas indústrias de transformação que necessitam

produtos com melhor qualidade, como luvas cirúrgicas, garrotes, preservativos, entre outros.

Nenhuma das técnicas acima, pelo alto grau tecnológico, com demanda de pessoas

qualificadas e máquinas elétricas, poderia ser utilizada pelos seringueiros da Amazônia para

vulcanizar o látex. Então nossa pesquisa realizada em trabalhos anteriores (SAMONEK,

2003), levou-nos a desenvolver uma formulação específica de agentes vulcanizantes, que

pudesse ser utilizada em pequenas quantidades e que fosse capaz de inferir qualidade ao látex

de campo (35% a 40% de sólidos). Mesmo assim, era preciso agitação constante deste látex

por, pelo menos 36 horas, para que os agentes vulcanizantes interagissem por inteiro com o

látex, atingindo uniformemente a borracha contida nele. Isto também seria inviável no

seringal por falta de energia elétrica. Então descobrimos que através do aquecimento, em

temperatura próxima do ponto de ebulição, e em constante agitação, este tempo de 36 horas

poderia ser reduzido para próximo de uma hora, obtendo-se assim um látex pré-vulcanizado

aceleradamente. Desta forma, o seringueiro, no meio da floresta, com 500 ml de um composto

de agentes vulcanizantes preparado para dez litros de látex de campo, média de sua colheita

diária, pode obter um látex pré-vulcanizado. A solução de agentes vulcanizantes, preservantes

e reforçantes contém os mesmos ingredientes empregados na produção de outros artefatos

elaborados a partir do látex, como na produção de luvas, balões entre outros, e segundo Rocha

e Pierozan (1995), “não oferecem nenhum risco ao meio ambiente ou à saúde dos

trabalhadores”.

Produtos sintéticos, como parafinas, óleos plastificantes, corantes e odorantes usados

no processamento industrial do látex, foram substituídos, com vantagens, por produtos

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naturais, tais como, resinas, óleos e essências vegetais, extraídos e processados na própria

região e incorporados aos agentes vulcanizantes.

Assim surge a pré-vulcanização acelerada e artesanal do látex, como podemos ver na

Figura 4, onde o seringueiro, sem colocar em risco o meio ambiente ou a sua saúde, sem

precisar de energia elétrica, de mão-de-obra especializada ou de máquinas caras e

sofisticadas, pode transformar o látex de campo de sua colheita diária em um látex com as

mesmas qualidades de um látex industrializado, para ser armazenado e transformado em

produtos prontos para o mercado.

O tecido emborrachado do tipo “couro” ecológico

Em trabalhos anteriores, desenvolvemos o tecido emborrachado, ao qual

denominamos de “couro” ecológico, similar aos encauchados, porém com a qualidade

necessária para atender demandas mercadológicas (SAMONEK, 2003).

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O tecido emborrachado sem defumação é fabricado pelo processo de concentração e

secagem do látex pré-vulcanizado, o qual é aplicado com as mãos ou com esponja; a parte

líquida se evapora pelo calor, da mesma forma como ocorria com os encauchados, produtos

de borracha fabricados pelos índios. O látex pré-vulcanizado é aplicado sobre um tecido, liso

ou estampado, camada por camada, que é fixado sobre um cilindro de chapa galvanizada de

alumínio. A produção é realizada ao abrigo do sol, de forma familiar ou comunitária, e sua

secagem ocorre na temperatura ambiente. É um sistema inovador, simples, de fácil

assimilação pelos índios e seringueiros, de baixo custo e que gera produtos de boa qualidade.

Os seringueiros com seus parceiros buscam desenvolver estratégias mercadológicas próprias,

de forma cooperativa, gerando autonomia às comunidades onde é implantado.

Em 1997, foi financiado através do PPG7, um Projeto Demonstrativo do Tipo A -

PDA, para a montagem da infra-estrutura produtiva do tecido emborrachado, na comunidade

da Floresta Estadual do Antimari – FEA. Porém, a partir de 1999, depois de ter sido

instalada toda a estrutura produtiva, com a nova política governamental implantada no Estado

do Acre para a borracha, o projeto sofreu sanções pela administração da Fundação de

Tecnologia do Acre – FUNTAC, gestora da área e acabou desestabilizado e sem condições de

ter continuidade (SAMONEK, 2003).

Outras comunidades em várias regiões da Amazônia receberam treinamentos,

demonstrações e apresentações sobre as técnicas de emborrachamento do tecido (Quadro 27,

p.158). Porém, o projeto está sendo bem sucedido apenas nas comunidades Maguari, na

FLONA Tapajós, em Belterra - PA, numa parceria entre o IBAMA/ProManejo e na sede do

Cazumbá em Sena Madureira - AC. (SAMONEK, 2003; FERNANDES, 2003).

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As fibras vegetais curtas, os pigmentos e odorantes vegetais.

As cargas vegetais para serem utilizadas com o látex pré-vulcanizado podem ser

produzidas a partir de papel de escritório usado, resíduos madeireiros descartados em

indústrias madeireiras, resíduos de produtos agro-extrativos e de material colhido

seletivamente de espécies arbóreas nativas. Alguns são materiais recicláveis e outros são de

fontes renováveis. O papel de escritório é transformado em pó-de-papel; os resíduos

madeireiros e de produtos agro-extrativos são processados, secados e peneirados,

transformando-se em pó, para poderem ser incorporados ao látex; e, as fibras vegetais curtas

de espécies arbóreas são colhidas, maceradas, secadas, refinadas, transformando-se em fibras

vegetais curtas, prontas para uso (Quadro 6).

Relacionamos e qualificamos as espécies nativas que fornecem material de boa

qualidade para a fabricação das fibras, sejam dos resíduos coletados nas indústrias, como o

angelim, o cedro, o cumaru de cheiro, a sumauma, o roxinho, o pau amarelo (Quadro 7),

sejam dos resíduos de produtos agro-extrativos, como do açaí (fibra), do arroz (casca), do

Quadro 6 – Matérias-primas e processos para fabricar as fibras vegetais curtas Tipo Origem Processo Produto final Papel de escritório usado

Escritórios, gráficas e escolas.

Reciclar com água de cinza, secar ao sol e refinar no triturador.

Pó de papel reciclado

Resíduos madeireiros

Serrarias e marcenarias

Secar ao sol e Peneirar

Pó de madeira

Resíduos de produtos agro-extrativos

Própria comunidade

Macerar em pilão, secar ao sol e refinar no triturador.

Pó de resíduos de produtos agro-extrativos

Espécies arbóreas

Estrutura florestal local

Coletar parte das plantas, macerar em pilão, secar ao sol e refinar no triturador.

Fibras vegetais curtas

Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005.

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milho (sabugo), da bananeira (tronco) (Quadro 8), sejam as fibras de espécies coletadas na

floresta, como as pioneiras (algodoeiro, embaúba), as invasoras (bambu) e as palmáceas

(buriti, aricuri) (Quadro 9). Todas as fibras são, antes de sua secagem e processamento,

Quadro 9 – Plantas nativas que fornecem fibras vegetais curtas

Quantidade em gramas de fibras secas p/litro látex

Nome vulgar Nome científico Parte da planta utilizada

mínimo máximo Açaí Euterpeoleracea Mart. Palha 50 150

Algodoeiro Gossypium sp Tronco 50 150 Aricuri Syagrus coronata Palha 50 150 Bambu (taboca) Guadua weberbaweri Colmo 50 150 Buriti Mauritia flexuosa Palha 50 150 Embauba Cecropea sp. Tronco 50 150 Tucumã Astrocaryum aculeatum Palha 50 150 Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005.

Quadro 7 – Resíduos madeireiros utilizados como fibras vegetais curtas

Quantidade em gramas de fibras secas p/litro látex

Nome Vulgar Nome Científico

Mínimo Máximo

Angelim Hymenolobium flavum Ducke 50 150 Cedro Cedrela odorata L 50 150 Cumaru de cheiro Dipterix intermédia Ducke 50 150 Pau amarelo Euxylophora paraensis Huber 50 150 Roxinho Peltogyne maranhensis Hub & Ducke 50 150 Sumaúma Ceiber pentandra Gaertn 50 150 Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005.

Quadro 8 – Resíduos de produtos Agro-extrativos utilizados como fibras vegetais curtas

Quantidade em gramas de fibras secas p/litro látex

Resíduos utilizados

Mínimo Máximo

Casca de arroz 30 180 Sabugo do milho 40 100 Casca da macaxeira 30 120 Tronco da bananeira 50 120 Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005.

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conforme podemos ver na Figura 5, lavadas com água de cinzas, para retirar a acidez,

tornando-a em condições de não provocar a desestabilização do látex durante o

processamento (SAMONEK e DAMASCENO, 2005).

Vários tipos de fibras, testadas pelo CETEPO, isoladamente ou combinadas, segundo

Pierozan (2004), demonstraram ter excelente desempenho na fabricação de compostos a partir

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do látex pré-vulcanizado, que podem ser utilizadas para a produção de uma linha diversificada

de artesanatos e pequenos objetos de borracha.

Existe também uma diversidade de espécies nativas em condições de fornecer

pigmentos, como o abacateiro, o jenipapo e o urucum (semente), a açafroa (raiz), o aguano, o

breu vermelho e o jatobá (casca), o pau-brasil (folha) (Quadro 10 e Figura 6).

Os odorantes utilizados para camuflar o cheiro da borracha são naturais e de

origem vegetal, extraídos de várias espécies nativas, tais como o angelim, o breu vermelho, a

QQuuaaddrr oo 1100 –– PPllaannttaass nnaatt iivvaass qquuee ffoorr nneecceemm ppiiggmmeennttooss vveeggeettaaiiss

Nome vulgar Nome científico Parte

utilizada Processo Cor

Abacateiro Persea americana Mill

Caroço Macerar em pilão e aquecer com água de cinza

Marron

Açafroa Guarea specaeflora Tubérculo Macerar em pilão e aquecer com água de cinza

Amarelo

Aguano Swietenia macrophilla King

Casca Macerar em pilão e aquecer com água de cinza

Vermelho

Breu vermelho Tetragastris altíssima Casca Macerar em pilão e aquecer com água de cinza

Vermelho

Jatobá Hyminaea oblongfolia Huber

Casca Macerar em pilão e aquecer com água de cinza

Marron

Jenipapo Genipa americana Fruto Macerar em pilão e aquecer com água de cinza

Preto

Pau-brasil/ anilina

Não identificado Folha Macerar em pilão e aquecer com água de cinza

Vermelho

Rinchão Sisymbrium officinale Folha Macerar em pilão e aquecer com água de cinza

Verde

Urucum Bixa orellana Semente Macerar em pilão e aquecer com água de cinza

Alaranjado

Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005;

Quadro 11 – Plantas nativas que fornecem odorantes

Nome vulgar

Nome científico Parte utilizada

Processo

Angelim Hymenolobium flavum Ducke

Casca Seca, tritura e incorpora composto.

Breu vermelho

Tetragastris altíssima

Casca Seca, tritura e incorpora composto.

Canela Não identificado Casca Seca, tritura e incorpora composto

Cedro Cedrela odorata L Pó-de-serra Seca e incorpora no composto

Jatobá Hyminaea oblongfolia Huber

Casca Seca, tritura e incorpora composto.

Cumaru de cheiro

Dipterix intermédia Ducke

Pó-de-serra Seca e incorpora no composto

Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005;

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canela, o cedro, o jatobá, o cumaru de cheiro (Quadro 11).

Todos os processos utilizados para a fabricação das fibras, dos pigmentos e dos

odorantes são artesanais e vem de práticas tradicionais (DAMASCENO E SAMONEK:

2005).

O composto aquoso polimérico de vegetais

Em trabalhos que realizamos anteriormente (SAMONEK e DAMASCENO, 2005), a

mistura do látex pré-vulcanizado, com as fibras vegetais curtas, em proporções que variam

entre 10 e 50 phr. e os pigmentos e odorantes vegetais e sua homogeneização, com as mãos ou

em liquidificador, gera uma massa pastosa, de fácil processamento, a qual denominamos de

composto aquoso polimérico, que servirá para a fabricação de mantas e pequenos artefatos de

borracha (Figura 7).

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Os moldes: Chapa e cilindro de alumínio, alumínio reciclado, madeira, MDF.

Estando solucionadas as questões relativas à qualidade do látex e à fabricação das

fibras, pigmentos e odorantes, era preciso desenvolver sistemas que proporcionassem

condições de transformar o composto em produtos finais, de forma artesanal, sem a

necessidade de máquinas, energia elétrica e/ou estufas. Os moldes de cipó, taboca e paus

roliços para a fabricação do saco encauchado ou de madeira, lisos ou entalhados, utilizados

pelos índios e seringueiros, continuam sendo usados nos atuais processos. Porém, também

em trabalhos anteriores, desenvolvemos outras maneiras de manusear o composto, com o

intuito de permitir a diversificação da linha de produtos. A manta de fibras é fabricada em

chapa de alumínio galvanizada que mede 1,20 m por 2,00 m. A fabricação do tecido

emborrachado é realizada em uma forma cilíndrica construída com chapas galvanizadas, de

1,20m X 2,00 m, e rebitada manualmente em estrutura de ferro (SAMONEK, 2003).

Também em trabalhos anteriores, patrocinados pelo SEBRAETEC e SENAI/AC,

desenvolvemos processos artesanais para a fabricação de moldes em alumínio reciclado. Duas

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pequenas unidades de fundição foram montadas, uma na sede da Resex Cazumbá e outra no

PAE Santa Quitéria. Sucata de alumínio é derretida e transformada em moldes para a

fabricação de pequenos artefatos. Folhas e cascas de árvores nativas podem ser transferidas

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para os moldes, que servirão para reproduzi-las com borracha, conforme podemos ver nas

Figuras 8, 9 e 10 (DAMASCENO e SAMONEK, 2004). Xangai (2004, p.3) assim se referiu

ao processo:

Paralelamente à oficina de látex, dois seringueiros do Santa Quitéria e dois da

Comunidade Cazumbá aprenderam como fabricar moldes de folhas e outros produtos vegetais

utilizando o alumínio. A utilização desse metal foi a que se mostrou mais eficiente na hora de

fabricar as peças de borracha que, por serem secadas ao sol, precisam que a fôrma conserve

bem a temperatura, apressando assim o feitio dos trabalhos.

As plantas catalogadas, cujas folhas e cascas estão sendo usadas para a fabricação dos

moldes são, o algodoeiro, a maparajuba, o currimboque, a taioba, a vitória-régia (folhas), a

seringueira, o angelim (casca) (Quadro 12).

Os kenês e o visual dos novos encauchados de vegetais

Para dar cores aos produtos são acrescentados pigmentos vegetais no composto, na

hora de sua fabricação. Desta forma, os produtos adquirem mais vida, porém, assim

fabricados, são produtos de uma única cor. No entanto, as culturas indígenas Kaxinawá e

Shenenawa têm uma grande variedade de desenhos denominados de kenês, e que, para eles,

representam a floresta, os animais, os pássaros, os peixes. Segundo Franco et al (2002, p.277)

“os kenês são desenhos tradicionais usados pelos Kaxinawá para bordar redes, lençóis, bolsas,

Quadro 12 – Plantas que fornecem folhas e cascas para a fabricação de moldes

Nome vulgar Nome científico Parte utilizada Algodoeiro Gossypium sp. Folha Angelim Hymenolobium flavum Ducke Casca Currimboque Cariana sp. Folha Maparajuba Chrysophilum sp. Folha Seringueira Hevea brasiliensis folha e casca Taioba Xanthosoma sagittifolium schott Folha Vitória-régia Eiryle amazônica Folha Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005;

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pulseiras e chapéus, através de sofisticadas técnicas de tecelagem, com algodão cultivado e

preparado nas próprias aldeias e com o uso de corantes naturais”. Durante a oficina de

capacitação na aldeia Paroá, desenvolvemos, com a participação dos treinandos, uma técnica

que permite inserir os desenhos nos produtos fabricados (Figura 11), dando mais vida e

valorizando-os ainda mais. Os participantes da oficina fabricaram através de suas próprias

técnicas os corantes vegetais. Aos corantes, são acrescentadas pequenas quantidades de látex

pré-vulcanizado, o que permitirá a fixação do desenho no produto final. Esta mistura é

utilizada para fazer as pinturas e desenhos, à mão, diretamente no molde, antes da aplicação

do composto. O composto só é aplicado, quando a pintura já está seca. Assim depois de

pronto, ao ser retirado do molde, o desenho fica impresso e fundido na peça acabada. Com

isso não há riscos de descolagem do desenho com a utilização do produto. Ao apresentar

características culturais dos povos indígenas, os produtos assim fabricados são bem mais

valorizados.

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As mantas e os pequenos objetos de fibras e látex de borracha.

A necessidade de substituir o tecido industrializado, matéria-prima utilizada na

fabricação do tecido emborrachado (SILVA, 1997), por matérias-primas locais e artesanais,

que dessem características diferentes e mais regionais aos artefatos e reduzissem os custos de

produção, levou-nos, em trabalhos anteriores, a pesquisar as fibras, pigmentos e odorantes

vegetais, a fabricação de compostos de látex para a fabricação de mantas e objetos de

borracha e os moldes de alumínio reciclado (SAMONEK e DAMASCENO, 2005).

No processo de transformação do composto aquoso polimérico em produtos acabados

não se usa a defumação, nem máquinas, nem há necessidade de estufas para sua secagem e

cura. A energia utilizada é o sol e o calor da temperatura ambiente. De acordo com as

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composições e os moldes utilizados podem ser fabricados, conforme podemos ver no Quadro

13 e nas Figuras 12 e 13, uma linha diversificada de produtos. Este processo resgata o

tradicional processo de fabricação dos encauchados e do saco encauchado pelos índios e

seringueiros, que não usavam a defumação em seu processamento. Torna-se mais saudável ao

não expô-los a um esforço físico excessivo, nem a um contato exagerado com o calor e com a

fumaça, prejudiciais à sua saúde (SAMONEK, 2003).

No sistema proposto são fabricadas, em unidades comunitárias ou familiares,

localizadas no meio da floresta, mantas emborrachadas de fibras e látex, além de diversos

tipos de artesanatos, pequenos objetos e utilidades domésticas. As mantas são produzidas em

chapas de alumínio galvanizado, que medem 1,20m X 2,00 m, colocadas sobre padiolas,

facilmente removíveis, que permitem trabalhar à sombra e secá-las ao sol. As mantas,

medindo 1,20 m X 2,00 m, estão sendo vendidas pela OPIRE a diversas empresas do ramo de

confecções que podem transformá-las em produtos acabados, tais como bolsas, mochilas,

saco-mochila, pastas para eventos, pastas de documentos, pochetes, porta-lápis, porta-CD´s,

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porta-níqueis, suporte de mouse, porta-produtos de toalete, aventais, crachás, coletes, casacos,

saias, shorts, biquínis, tapetes, tapetes para carro, bonés, chapéus, capas para computador,

capas de chuva, capas para instrumento musical, lençóis impermeáveis para hospitais, capas

de agendas, cortinas, solados, sandálias, botas, almofadas, revestimentos de sofás, entre

outros. Os artesanatos e os pequenos objetos de borracha, tais como brinquedos, utilidades

domésticas, peças de decorações, jogos americanos, caminhos de mesa, toalhas de mesa, porta

copos, porta-lápis, luminárias, aventais, telhas, sacos encauchados, telas de arte, pinturas em

camisetas, entre outros, podem ser produzidos diretamente pelos índios e seringueiros

utilizando moldes, lisos ou entalhados, de alumínio reciclado, de MDF ou de madeira,

(XANGAI, 2004; SAMONEK e DAMASCENO, 2005; ZILIO, 2005).

Quadro 13 – Características de alguns produtos fabricados pelo novo sistema Produto Composição Molde utilizado Peso seco Manta de fibra 1,20m X 2,00m

2 l látex 300 gr fibras/pigmento

Chapa 2,00 mX1,20m

De 750 a 900 gr

Manta de tecido 1,10m X 1,90m

2 l látex tecido/ pigmento

Forma cilíndrica De 900 a 1.200 gr

Saco encauchado

2 l látex bolsa de tecido de algodão

Armação taboca e cipó

De 600 a 750 gr

Luminária-Folha/casca

0,2 l látex/50 gr fibras/ estrutura de madeira/acessórios

Molde alumínio reciclado

200 a 250 gr

Porta-lápis 0,2 l látex 50 gr fibras/ pigmento

Molde de madeira 20 a 30 gr

Jogo americano

2 l látex 300 gr fibras/pigmento

Moldes MDF De 800 a 950 gr

Telha fibra 1,00mx2,00m

5 l látex 1 kg fibras

Telha alumínio De 3 a 3,5 kg

Camiseta /pintura

0,2 l látex camiseta/pigmento

Prejudicado

Prejudicado

Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005.

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4.2.6 Uma análise do sistema produtivo dos novos encauchados de vegetais.

Aspectos econômicos

Quando comparados com outros tipos de borrachas extrativas, os novos encauchados

de vegetais produzidos na TI Katukina/Kaxinawá são os que exigem menos investimentos

(Quadros 2, 3, 4, 5, p. 116-117) e os que mais agregam valor na base produtiva (Quadro 14 e

15, p.138-139). Ao estudá-los isoladamente, verificamos a diversidade de produtos que

podem ser fabricados e a renda mensal que pode ser auferida. Para a formação dos custos de

produção de alguns itens, apontados na Tabela 1, o valor da diária é de R$ 15,00, o litro de

látex de campo está sendo comercializado a R$ 1,50, a fibra a R$ 3,00 e a garrafa do agente

vulcanizante a R$ 20,00.

Na tabela 2, temos os custos de produção, os preços que a Associação local (OPIRE),

paga pelos produtos às unidades, coletivas ou familiares, a margem de lucro bruto da unidade,

os preços de venda pela OPIRE (ex-impostos e frete) e a margem de lucro bruto na

Associação.

Tabela 1 – Planilha de Custos de produção de alguns itens dos novos encauchados de vegetais

Insumos Un Manta fibra Manta tecido/ Saco encauchado

Porta lápis Jogo americano

Telha LumináriaFolha/ casca

Camiseta Pintura

Custo Custo Custo Custo Custo Custo Custo Látex Litr 2 3,0 2 3,0 0,2 0,3 2 3,0 5 7,5 0,2 0,3 0,1 0,2 Ag. Vul-canizante

Gfa 1/5 4,0 1/5 4,0 1/50 0,4 1/5 4,0 1/2 10,0 1/50 0,4 1/99 0,2

Fibra Kg 0,3 1,3 0,05 0,2 0,3 1,3 1 3,0 0,05 0,2 Tecido/ madeira

15,0 15,0 12,0

Confecção Dia 1/3 5,0 1/3 5,0 1/10 1,5 ½ 7,5 1 15,0 1/10 1,5 1/2 Pintura 0,3 8,0 7,5 Outros 1,0 1,0 0,3 1,5 3,0 0,3 1,5

Total 14,3 28,0 3,0 25,3 38,5 17,7 21,4 Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005;

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Com os dados levantados nas aldeias, fizemos algumas simulações de valores que

podem ser conseguidos, em alguns possíveis arranjos produtivos. No caso de uma unidade de

produção coletiva (Quadro 14), um seringueiro, cortando 15 dias por mês, colhe 150 litros de

látex e vendendo o seu látex a R$ 1,50/litro para a unidade recebe R$ 225,00/mês;

Tabela 2 – Preços de venda dos produtos ao nível local

Produto Custo Produção

R$

Preço/ Unidade produção

R$

Margem Aldeia

R$

Preço de Venda

R$

Margem Associação

R$

Manta de Fibras 14,30 25,00 10,70 35,00 10,00 Saco encauchado sem pintura 28,00 35,00 7,00 50,00 15,00 Saco encauchado com pintura 38,00 45,00 7,00 60,00 15,00 Tecido emborrachado 28,00 35,00 7,00 50,00 15,00 Porta lápis 3,00 5,00 2,00 7,00 2,00 Jogo americano sem pintura 25,30 35,00 9,70 50,00 15,00 Jogo americano com pintura 33,30 35,00 1,70 50,00 15,00 Telha 38,50 38,50 38,50 Luminária de Folha/casca 17,70 30,00 12,30 50,00 20,00 Camiseta pintada 21,40 25,00 3,60 40,00 15,00 Fonte: Pesquisa de campo, 2005.

Quadro 14 – Possibilidades de renda com os novos encauchados em unidade coletiva 1 seringueiro trabalhando 15 dias/mês na extração do látex e 10 dias na unidade como

diarista Produto Dias Quant Valor R$ Total R$ Látex 15 150 litros 1,50 225,00 Diária 10 15,00 150,00 Total 375,00

Fonte: Pesquisa campo, 2005.

Quadro 15 – Possibilidades de renda com os novos encauchados em unidade familiar

Simulação 1 1 seringueiro trabalhando 15 dias/mês na extração do látex (150 litros) e+1 pessoa na unidade

familiar Produto Dias Quant R$ Unid Total R$ Mantas 25 75 15,70 1.177,5 Total 1.177,50

Simulação 2 Simulação 3 1 seringueiro trabalhando 15 dias/mês na

extração do látex (150 litros) e+2 pessoas na unidade familiar

1 seringueiro trabalhando 15 dias/mês na extração do látex (150 litros) e+3 pessoas na unidade

familiar Produto Dias Quant. Valor R$ Total R$ Produto Dias Quant R$

Unid Total R$

Mantas 10 30 15,70 471,00 Mantas 10 30 15,70 471,00 Jogo

americano sem pintura

15 30 20,20 606,00 Jogo americano com pintura

30 30 28,20 846,00

Porta lápis 8 80 4,00 320,00 Porta-lápis 7 70 4,00 280,00 Camiseta 10 20 7,50 150,00 Camiseta 20 40 7,50 300,00

Total 1.547,00 Total 1.897,00 Fonte: Pesquisa campo, 2005.

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trabalhando os outros 10 dias na unidade, como diarista, recebe mais R$ 150,00, totalizando

R$ 375,00/mês. Ainda terá tempo disponível para exercer outras atividades, como botar

roçado, pescar, caçar, coletar frutos silvestres entre outros.

Caso a unidade seja familiar (Quadro 15), com os mesmos 150 litros de látex

transformados em 75 mantas de fibras, comercializando com a Associação a R$ 25,00/manta,

descontados os insumos gastos de R$ 9,70/manta (ex-mão-de-obra), pode obter uma renda

bruta familiar de R$ 1.177,50/mês. Se diversificar a linha de produtos, inserindo mais pessoas

de sua família, poderá, com os mesmos 150 litros de látex, obter uma renda bruta de até R$

1.897,00/mês. Porém, com a borracha convencional (Quadro 16), a FDL (Quadro 17) e o

“couro” vegetal (Quadro 18), com os mesmos 150 litros de látex colhidos no mês, o

seringueiro não tem nenhuma opção de diversificar a linha de produtos, e obtém uma renda

bruta de R$ 125,00/mês na borracha convencional e R$ 225,00/mês na FDL e R$ 375,00 no

“couro” vegetal.

Quadro 16 – Possibilidade de renda com a borracha convencional

1 seringueiro trabalhando 15 dias/mês na extração do látex (150 litros)+ 7 dias produz 75 kg borracha bruta

Produto Dias Quant. Valor R$

Total R$

Pranchas 22 75kg 1,80 135,00 Total 135,00

Fonte: Morceli, 2004; Pesquisa de campo, 2005

Quadro 18 – Possibilidade de renda com o “couro” vegetal 1 seringueiro trabalhando 15 dias/mês na extração do látex (150 litros) e + 7 dias para

fabricar o couro Produto Dias Quanti R$Unid Total R$ Lâminas 22 75 5,00 375,00

375,00 Fonte: Andrade (2003)

Quadro 17 – Possibilidade de renda com a FDL

Produto Dias Quant R$

Unid Total R$

FDL 22 50 kg 4,50 225,00 225,00 Fonte: Pesquisa campo, 2005; Perez, 2003.

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Assim, os valores que podem ser agregados com a produção dos novos encauchados,

em comparação com a produção da borracha convencional, chegam a ser superiores em até 15

vezes; em comparação com a produção da FDL em até 8 vezes e em comparação com o

“couro” vegetal, em até 5 vezes (Quadro 19 e Figura 14).

Figura 14 - Receita bruta mensal por 150 litros látex

0

500

1000

1500

2000

2500

Late

x

Man

tas

Mix

sem

pint

ura

Mix

com

pint

ura

FDLCVP

Novos encauchadosFDLCouro VegetalBorracha convencional

Quadro 19 – Possibilidade de Renda mensal por produto Sistema produtivo Tipo borracha unid Quant R$ Un R$ Total Borracha convencional CVP, Pranchas,

coágulos. kg 75 1,80 135,00

“Couro” vegetal Lâminas(mão obra + látex)

unid 75 5,00 375,00

FDL folhas kg 50 4,50 225,00 Látex lit 150 1,50 225,00 Mão-de-obra diária 25 15,00 375,00 Mantas unid 75 15,70 1.177,50

Mix sem pintura Divs. Quadro 11 – Simul.2

Divs. 1.547,00

Novos encauchados de vegetais

Mix com pintura Divs. Quadro 11 – Simul.3

Divs. 1.897,00

Fonte: Morceli, 2004; Andrade, 2003; Perez, 2003; Pesquisa de campo, 2005

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Os dados aqui apresentados vem sendo praticados na região, em pequena escala,

portanto, ainda em fase de construção. Para uma análise mais acurada é preciso que o

mercado assimile a totalidade da produção, que ocorrerá com a implantação integral do

projeto em fase de execução. Portanto, os resultados deste projeto só poderão ser mais bem

avaliados, a partir do seu integral funcionamento e através de um plano de negócios com

estudos mais aprofundados sobre a produção e os mercados.

No Cazumbá o projeto está paralisado. Os multiplicadores foram capacitados, porém a

comunidade aguarda a liberação dos recursos do programa Biodiversidade Brasil/Itália para

estruturar a atividade e promover, em paralelo, a abertura de mercado para os novos produtos.

Por isto deixamos de apresentar dados relativos àquela comunidade.

Aspectos sociais

O projeto dos novos encauchados de vegetais pode melhorar as condições de vida nas

aldeias e comunidades onde está sendo executado. As condições de trabalho são boas, não

oferecem nenhum risco à saúde dos trabalhadores. Segundo Rocha (1999, p.1) “não há riscos

aos seres humanos decorrentes da fabricação do couro ecológico”. Os processos

desenvolvidos são todos saudáveis e artesanais, envolvendo muitas pessoas em todas as suas

etapas. Trabalham com satisfação por ser uma atividade arraigada em sua cultura e baseada

em conhecimento tradicional. Não há necessidade de mudança nos seus costumes e no modo

de vida dos participantes. Não há obrigações relativas a cumprimento de horários de trabalho,

pois cada trabalhador flexibiliza o seu horário de acordo com as demais atividades. Somente

neste sistema produtivo, isso é possível, porque o látex pré-vulcanizado pode ser armazenado.

A atividade é realizada com mais desenvoltura em dias de sol, de calor mais intenso, mas

ocorre em um ambiente coberto, bem arejado, protegendo o trabalhador do sol e da chuva. As

pessoas trabalham bem à vontade, tendo tempo suficiente para realizar outras atividades,

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sejam de trabalho ou de lazer, realizar o seu roçado, caçar, pescar, jogar bola, reunir-se com

os demais membros da aldeia, entre outros.

O projeto assegura autonomia aos povos indígenas, vindo ao encontro de seus anseios,

recuperando e revalorizando os seus traços culturais, através das práticas de fabricação dos

encauchados e dos desenhos dos kenês. Nos cursos de capacitação, a criatividade indígena e o

trabalho feminino são estimulados, como se constata na Figura 16, onde os instrutores atuam

apenas como mediadores. O seu modo de vida e os seus costumes não são alterados,

simplesmente as condições de sobrevivência e a qualidade de vida é que são melhorados.

Aspectos ambientais

Os materiais utilizados nos processos, de origem vegetal, são extraídos da floresta de

maneira seletiva, sem riscos às espécies ou ao ecossistema. A sangria do látex é feita sem

cortar a árvore, de forma controlada e não tão intensivamente como no sistema convencional,

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para não prejudicar as árvores, que permanecem produtivas décadas e até centenas de anos,

sendo que novos indivíduos nascem, crescem e são incorporados regularmente ao processo

produtivo. As fibras primeiramente são produzidas a partir de resíduos madeireiros e agro-

extrativos, se existentes. Caso contrário, então serão produzidas a partir de espécies invasoras

(taboca), de pioneiras (embaúba e algodoeiro), e de palheiras de palmáceas, disponíveis nas

capoeiras e áreas de vegetação em formação, próximas das unidades de produção. Os

pigmentos e odorantes são produzidos a partir do uso de folhas, raízes, cascas, frutos, sem

precisar cortar as árvores. Os níveis de exploração, tanto para as fibras como para os

pigmentos e odorantes, são baixos não oferecendo riscos às espécies ou ao sistema ecológico

como um todo.

Também, os insumos usados para a pré-vulcanização do látex não são tóxicos, não

existindo nenhum risco à saúde dos trabalhadores, nem ao meio ambiente. Segundo se lê no

laudo do CETEPO:

Os tipos de ingredientes e os seus teores utilizados na formulação estão de acordo com

a regulamentação da FDA (U.S. Food and Drug Administration), de modo que pouco ou nada

destes produtos são emanados durante a produção do couro ecológico ou mesmo deste após sua

manufatura. Assim sendo não há riscos ao meio ambiente ou aos seres humanos decorrentes da

fabricação do couro ecológico ( ROCHA: 1999, p.1).

Entrevistados 24 participantes do curso (Anexo IV), todos responderam que, ao pré-

vulcanizar o látex e ao manusear o composto, não tiveram nenhum tipo de reação alérgica,

como coceira, vermelhidão, enjôo, vômito, mal-estar ou qualquer outro tipo de reação

provocada pelo contato direto com o látex pré-vulcanizado.

Por outro lado, todas as matérias primas utilizadas no novo sistema produtivo estão

próximas dos locais de produção. O látex é colhido em estradas de seringueiras existentes ao

redor da colocação, de forma contínua, com diminuição sazonal, em função do período

chuvoso, tempo que a seringueira tem para se recuperar. As fibras, pigmentos e odorantes são

produzidos de espécies existentes no local, em capoeiras, de árvores que se renovam a cada

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ano, como a taboca, as pioneiras ou as palhas das palmáceas. Os vegetais, colhidos através de

práticas saudáveis e de um manejo seletivo, são uma fonte renovável e inesgotável de

matérias-primas, não havendo riscos de escassez ou esgotamento dos recursos utilizados.

Aspectos tecnológicos

Analisado pelo Centro de Tecnologia de Polímeros do SENAI/RS - CETEPO, o látex

pré-vulcanizado através do método ASTM D 412-87, tipo C (Quadro 20), foi declarado que

“os resultados obtidos indicam que o látex natural in natura pré-vulcanizado apresenta um

bom grau de vulcanização, conferindo-lhe boas propriedades físico-mecânicas” (ROCHA e

PIEROZAN, 1995).

Os novos encauchados de vegetais foram analisados pelo CETEPO/SENAI/RS

(Quadro 21), através de unidades amostrais para ser aferida a sua qualidade físico-mecânica.

De acordo com os resultados apresentados o material foi considerado apto para as finalidades

a que se destinam (PIEROZAN E BRITO, 2004).

Quadro 20 – Ensaios laboratoriais para análise físico-mecânica do látex nativo pré-vulcanizado AMOSTRA NR-PRÉ* NR-S** NR-C***

Módulo a 300% Mpa 0,7 0,3 0,9 MPA 18,0 0,7 25,2 Kgf/cm2 184 7 257

Tensão de ruptura

Psi 2.610 100 3.660 Alongamento na ruptura, % 990 >1.000 900

*NR-PRÉ: látex nativo in natura pré-vulcanizado **NR-S: látex nativo in natura sem agentes de vulcanização

Método utilizado: ASTM D 412-87, tipo C

***NR-C: látex nativo “in natura” com agentes de vulcanização Fonte: Rocha e Pierozan, 1995

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Em uma análise comparativa das fibras vegetais curtas de madeiras do Acre,

comparadas com as fibras do pinus e do eucalipto (Quadro 22), e utilizando como matriz a

borracha extrativa FDL produzida no Acre, verificamos que as madeiras do Acre obtiveram

melhor desempenho do que as fibras de pinus e de eucalipto (PIEROZAN, 2003).

Quadro 22 – Ensaios laboratoriais para análise físico-mecânica de compostos de borracha vegetal extrativa FDL-Acre com cargas vegetais elaborados em bunbury a) Propriedades Originais IMB* ACR** Dureza, Shore A 76 74

Mpa 2,7 3,4 kgf/cm2 27 35

Tensão de ruptura Psi 390 490 Módulo 100%, Mpa 2,6 3,4 Alongamento na ruptura, % 120 150 b) Propriedades após envelhecimento acelerado em estufa (70h/70ºC) Dureza, Shore A 79 78

Mpa 3,5 4,2 Kgf/cm2 36 43

Tensão de ruptura

Psi 510 610 Alongamento na ruptura, % 100 130 Módulo 100%, Mpa 3,0 4,2 Variação dureza, pontos +3 +4 Variação tensão de ruptura, % +30 +24 Variação módulo 100%, % +15 +24 Variação alongamento, % -17 -13 *IMB : pó-de-serra de pinus e eucalipto **ACR: pó-de-serra de madeiras amazônicas Fonte: Pierozan, 2003

Quadro 21 – Ensaios laboratoriais para análise físico-mecânica de amostras de novos

encauchados de vegetais

1/1 2/1 2/10 3/7 Força na Ruptura – N/mm (mediana) 9,6 6,4 5,3 2,2 Alongamento na Ruptura, % (mediana). 1.470 840 630 200 Base DIN 53504 –94, corpo-de-prova Tipo S3A. Velocidade de afastamento das garras: 500mm/min.

*1/1: Látex pré-vulcanizado **2/1: Látex pré-vulcanizado+fibra de papel reciclado ***2/10: Látex pré-vulcanizado+fibra de papel reciclado+fibra sumaúma ****3/7: Látex pré-vulcanizado+fibra de papel reciclado+fibra de buriti Fonte: Pierozan e Brito, 2004.

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4.3 CONCLUSÕES

O projeto dos novos encauchados de vegetais, em seus dez anos de pesquisa

consolidou-se. Hoje busca parceiros para ser repassado às comunidades extrativistas. Em

todos os locais, onde foi apresentado (Quadro 27, p.157), não só nos Estados da Amazônia

brasileira, mas em outros países, como é o caso da região da tríplice fronteira, o MAP

(Madre de Dios-Peru, Acre-Brasil e Pando-Bolívia), a título de demonstração ou mesmo,

como cursos de capacitação, de curta duração (48 horas/aula) e aulas de campo (8 horas),

para os extrativistas e representantes de instituições afins, foi sempre recebido com muita

euforia, como uma alternativa, real e palpável, que pode dar respostas rápidas para a falta de

opções de atividades econômicas na região, que pudesse melhorar as condições e qualidade

de vida dos moradores da floresta e ao mesmo tempo manter a floresta-em-pé. Para isto

precisa ter respaldo e apoio dos parceiros e compromisso dos seringueiros. Houve respaldo e

apoio das instituições parceiras e compromisso dos beneficiários na comunidade Maguari, no

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Cazumbá e está havendo com os povos indígenas Kaxinawá e Shanenawa, proporcionando

condições para que os projetos ali executados sejam bem sucedidos.

Porém, mesmo tendo grande receptividade na base produtiva e sendo uma tecnologia

limpa e social, de fácil assimilação, de estar disponível para qualquer comunidade

extrativista, também enfrentou e continua enfrentando muitos problemas, que dificultam a

sua execução e ampliação.

Alguns gargalos na implantação de projetos podem ser verificados. Por se tratar de

produtos novos sem conhecimento do grande mercado consumidor, é necessário um bom

plano de negócios que realize um estudo das potencialidades e dos nichos de mercado para

os novos produtos, que apresente parceiros para o seu desenvolvimento, através de projetos

que viabilizem recursos para a montagem da estrutura produtiva, assistência técnica,

organização social, abastecimento e comercialização da produção.

Como resultado, os nossos trabalhos de pesquisa para o desenvolvimento de novos

processos e produtos de látex nativo, fibras, pigmentos e odorantes vegetais, projetos de

montagem da estrutura produtiva e repasse da tecnologia começam a ser aprovados. A

inserção do povo indígena Kaxinawá e Shanenawa, com o apoio da FUNAI/AC, a UFAC,

através do Departamento de Filosofia, Comunicação e Ciências Sociais, o Centro de

Antropologia Indígena da Amazônia Ocidental, Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos

Comunitários foi o primeiro passo na divulgação do projeto e capacitação de multiplicadores

em sociedades indígenas. O segundo passo foi a aprovação do projeto “Ciência e Saber

Tradicional na Amazônia: Os novos encauchados produzidos na TI Kaxinawá de Nova

Olinda”, através do Edital MCT. CNPq/MMA/SEAP/SEPPIR Nº 26/2005- Apoio a Projetos

de Tecnologias Sociais para Comunidades Tradicionais e Povos Indígenas, numa parceria

entre UFAC/FUNAI/POLOPROBIO, para repasse da tecnologia àquela comunidade e com

duração de 18 meses (SAMONEK, 2005). E, mais recentemente, o Programa Integrado de

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Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal – PPTAL incorporou as

atividades no projeto de Vigilância e Fiscalização das Terras Indígenas na região do Rio

Envira, no município de Feijó – AC, na TI Katukina/Kaxinawá, Kaxinawá do Seringal

Curralinho e TI Kaxinawá de Nova Olinda, financiando a capacitação e a estrutura produtiva

em todas as 11 aldeias que fazem parte daquelas TIs. A Organização dos Povos Indígenas do

Rio Envira - OPIRE é a executora do projeto e o POLOPROBIO será o parceiro e repassador

da tecnologia. Terá um prazo de duração de 14 meses e este é o único componente do projeto

que contempla uma atividade produtiva, possibilitando a sua continuidade posterior a

encerramento do projeto.

A aprovação desses novos projetos está dando condições para se consolidar um projeto

piloto bem abrangente com população indígena, para que os resultados possam ser mais bem

avaliados, nos próximos anos, em relação a sua sustentabilidade ao longo prazo. A

participação da UFAC abre espaços na academia para que novos alunos possam desenvolver

seus estudos e pesquisas, na graduação, mestrado ou doutorado. É um projeto inter e

transdisciplinar, envolvendo as ciências biológicas (ecologia, biologia, morfologia vegetal,

taxionomia vegetal, enzimologia), as ciências humanas (sociologia, economia, antropologia,

etnociências, educação profissional, ensino-aprendizagem), as engenharias (polímeros e

aplicações, processos de fabricação, borrachas, engenharia de produção, processos de

trabalho, desenvolvimento de produtos, estudos do mercado), ciências exatas e da terra

(química, polímeros e colóides), ciências agrárias (manejo florestal, economia florestal,

tecnologia de produtos vegetais, aproveitamento de subprodutos, conservação da natureza,

tecnologia e utilização florestal), artes (pintura, desenhos), outras ciências e materiais

(políticas públicas), além do que está sempre em evolução, tendo espaço para ser aperfeiçoado

em qualquer uma das áreas acima. Novos produtos com novos modelos podem ser

desenvolvidos, de acordo com as condições e exigências do mercado. Por outro lado, em

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sendo bem sucedido nos locais em experimentação, poderá ser replicado para outras regiões,

aldeias, comunidades extrativistas, podendo beneficiar milhares de pessoas, que hoje estão

excluídas de qualquer processo de inclusão social.

Esta é uma das possíveis alternativas para a produção sustentável da borracha

extrativa. Assim, o novo processamento da borracha é totalmente artesanal, não necessita de

energia elétrica, máquinas, estufas, ou qualquer outro aparato que dificulte ou torne cara a

estrutura básica da produção. Prioriza o uso intensivo de matérias-primas vegetais, locais e

renováveis; Serve-se do látex, das fibras e das essências vegetais, além de resíduos de

produtos agro-extrativos existentes no próprio local. Usa a cinza para produzir um

conservante natural para o látex. Coleta e pré-vulcaniza o látex. Colhe o material e fabrica a

fibra, o pigmento e o odorante. Faz as misturas e os compostos a partir de formulações

previamente preparadas. Pré-vulcaniza o látex pelo calor do fogo e seca as fibras e desidrata o

composto com o calor do sol. Faz desenhos nos produtos com pigmentos naturais.

Desta forma, a borracha assim produzida é diferente da borracha indígena, porque

acrescenta importantes inovações tecnológicas ao processo tradicional, a vulcanização e a

incorporação de cargas. É diferente da borracha convencional, porque não coagula o látex e

os mecânicos processos industriais são substituídos por processos artesanais simplificados, de

fácil aprendizagem e execução. É diferente do tecido emborrachado defumado, o “couro”

vegetal, porque não defuma o látex, nem utiliza estufas para vulcanizá-lo. É diferente da FDL,

porque não utiliza o processo de coagulação, e sim o da pré-vulcanização, concentração e

secagem do látex. Trata-se de uma inovação tecnológica, na qual os saberes tradicionais se

complementam e interagem com a participação do conhecimento científico. A borracha

indígena, em vez de uma borracha in natura pura, pouco resistente a intempéries, ao calor, à

água, passa a ser um produto composto com fibras vegetais e vulcanizado, mais resistente e

assim, mais competitivo, através de processos sustentáveis capazes de promover inclusão

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social e conservação da biodiversidade. Esta é uma das possibilidades para viabilizar, de

forma sustentável, o extrativismo da borracha na Amazônia.

4.4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ROCHA, E. C. Curso de Aplicação da Borracha e do Látex Natural. SENAI/CETEPO/RS/ IBAMA. 1996. 137 p. ---------------. Laudo CETEPO TEC 066/99, de 13 de out. 1999. Novo Hamburgo: SENAI/CETEPO/RS. 1999. ROCHA, E. C; PIEROZAN, N. J. Relatório nº PO64034/95. 1995. Ensaios látex natural pré-vulcanizado. Novo Hamburgo: CETEPO/SENAI/RS. 1995. SAMONEK, F. Ciência e Saber Tradicional na Amazônia: Os novos encauchados produzidos pelos Kaxinawá/Shanenawa do rio Envira. Projeto apresentado pela UFAC ao CNPq através do Edital MCT/ CNPq/MMA/SEAP/SEPPIR nº 26/2005 – Apoio a Projetos de Tecnologias Sociais para Comunidades Tradicionais e Povos Indígenas. Rio Branco, AC. 2005. -------------------- Couro Vegetal Ecológico: Perspectivas de desenvolvimento social dos povos da floresta. [Acre] 2003. 61 p. Monografia, Especialização em Gestão de Iniciativas Sociais, LTDS/PEP/COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ. 2003. SAMONEK F; DAMASCENO M Z M. Reinventando a borracha indígena: os novos encauchados. Rio Branco: UFAC/DFCCS, 2005. (Apostila para capacitação de extrativistas). 46 p. SAHEB, D. N.; JOG, J. P. Natural fiber polymer composites: A review. Advances in Polymer Technology. v. 18, n. 4. p. 351-36. 1999. Disponível em: <http://dx.doi.org./10.1002(SICI)1098-2329(199924)18:4<351::AID-ADV63.0.CO;2-X>. Acesso em: 25 de fev. 2006. SANTOS, E.V.P. De seringueiro a produtor agroextrativista. Um estudo sobre a comunidade da Reserva Extrativista do Cazumbá-Iracema, ACRE. 2004. 133 f. Monografia (Ciências Sociais). Departamento de Filosofia, Comunicação e Ciências Sociais da Universidade Federal do Acre. Rio Branco, 2004. SANTOS, J. C. et al. Demandas tecnológicas para o sistema produtivo da borracha extrativa (hevea spp.) no Estado do Acre. MAA/EMBRAPA - Acre. Embrapa Acre Documentos, n. 71. Rio Branco, 2001. 18 p. SANTOS, L.G. Tecnologia, natureza e a “redescoberta” do Brasil. In: ARAUJO, H. R; SEILER, A et al. (orgs.) Tecnociência e Cultura: ensaios sobre o tempo presente. São Paulo: Estação Liberdade. p. 23-46.1998.

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SANTOS, R. G. Especial: Látex. Editora borracha atual. Matérias técnicas. p. 27-37. Disponível em: <http://www.borrachanatural.com.br/>. Acesso em: 30 de jan. 2005. SILVA, B. E. Análise do Projeto “Couro Ecológico” da Coopereco. [Acre] 1997. Monografia. Economia – UFAC, Rio Branco, Ac, Brasil, 1997. UNIROYAL C. CO. Rubber Compounding. Reprinted by John Wiley & Sons, Inc. from Kirk-Othmer: Encyclopedia of Chemical Technology, 3 ed., Midlebury. John Wiley & Sons, Inc., 1982. v. 20, p. 365-468. XANGAI, J. Seringueiros vão a luta para salvar borracha. Jornal Página 20. 2004. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/pagina20/22062004/especial.htm>. Acesso em: 30 de out. 2004. -------------. De volta à floresta. Nova tecnologia leva seringueiros a reabrir estradas de borracha. Jornal Página 20. 2004. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/pagina20/24102004/especial.htm>. Acesso em: 30 de out. 2004. -------------. Cazumbá dedica prêmio Chico Mendes a padre Paolino. Comunidade do seringal tem conseguido melhorar na qualidade de vida através de projeto de manejo florestal e de animais silvestres. Jornal Página 20. 2004. Disponível em: <http://ww2.uol.com.br/pagina20/07122004/especial.htm>. Acesso em: 30 de dez. 2004. ZILIO, A. A arte artesanal de Cazumbá. Jornal Página 20. 2005. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/pagina20/10022005/variedades.htm> Acesso em: 10 de mar. 2005. WINSPEAR, G. George. The Vanderbilt Latex Handbook. New York: R. T. Vanderbilt Co., Inc., 1954. 331 p.

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ANEXO I Quadro 23 - Lista de plantas utilizadas na fabricação dos novos encauchados

Nome vulgar Nome científico Parte utilizada Finalidade Abacateiro Persea americana Mill Caroço Pigmento Açafroa Guarea specaeflora Raiz Pigmento Açaí Euterpeoleracea Mart. Palheira Fibra Aguano Swietenia macrophilla King Casca Pigmento, Odorante

Folha Matriz para molde Algodoeiro Gossypium sp. Tronco Fibra

Amarelão Aspidosperma vargassii Pó-de-serra Fibra Casca Matriz para molde, Odorante Angelim Hymenolobium flavum Ducke Pó-de-serra Fibra, Odorante

Aricuri Syagrus coronata Palheira Fibra Bambu (taboca) Guadua weberbaweri Colmo Fibra Breu vermelho Tetragastris altíssima Casca Pigmento, Odorante Buriti Mauritia flexuosa Palheira Fibra Cedro Cedrela odorata L Pó-de-serra Fibra, Pigmento, Odorante Currimboque Cariana sp. Folha Matriz para molde Embauba Cecropea sp. Tronco Fibra Jatobá Hyminaea oblongfolia Huber Casca Pigmento, Odorante Jenipapo Jenipa americana Fruto Pigmento Rinchão Sisymbrium officinale Folha Pigmento Cumaru de cheiro Dipterix intermédia Ducke Pó-de-serra Fibra, Pigmento, Odorante Maparajuba Chrysophillum sp. Folha Matriz para molde Pau amarelo Euxylophora paraensis Huber Pó-de-serra Fibra, Pigmento Pau-brasil/anilina Não identificado Folha Pigmento Roxinho Peltogyne maranhensis Hub & Ducke Pó-de-serra Fibra, Pigmento

Seiva Látex Seringueira Hevea brasiliensis Casca/Folha Matriz para molde

Sumaúma Ceiber pentandra Gaertn Pó-de-serra Fibra Taioba Xanthosoma sagittifolium schott Folha Matriz para molde Tucumã Astrocaryum aculeatum Palheira Fibra Vitória-régia Eiryle amazônica Folha Matriz para molde Urucum Bixa orellana Semente Pigmento Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005.

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ANEXO II Quadro 24 – Situação atual dos projetos dos novos encauchados em andamento

Nome da área Projetos em

negociação/execução Objeto

Nº Par-ticipantes

Situação atual do projeto

IBAMA Capacitação “couro” ecológico

25 Aguardando estrutura produtiva

SEBRAE e NAAD Design em artesanato e utilidades domésticas

10

Concluído

RESEX Cazumbá/Iracema- Sede Cazumbá Programa Biodiversidade

Brasil/Itália (IBAMA) Montagem estrutura produtiva

10

Aguardando contratação

PAE Santa Quitéria -Ramal Arraial dos Burros

SEBRAE e NAAD

Artesanato e utilidades domésticas

8

Funcionando e aguardando es-trutura produtiva

FLONA Tapajós-Comunidade Maguari

IBAMA Pro-Manejo

Capacitação e montagem estrutura “couro” ecológico

28

Concluído Funcionando

FUNAI-AC/UFAC Capacitação multiplicadores Em andamento Povo Shanenawa

PPTAL Infra-estrutura/ Assistência técnica

28

Em início de execução

FUNAI-AC/UFAC Capacitação multiplicadores Em andamento Povo Kaxinawá da TI Katukina/Kaxinawá PPTAL

Infra-estrutura/ Assistência técnica

35 Em início de

execução

PPTAL Infra-estrutura Em início de execução Povo Kaxinawá de

Nova Olinda CNPq/UFAC/FUNAI Repasse tecnologia

10 Em início de

execução Pesquisa de campo, 2004.

ANEXO III QQuuaaddrr oo 2255 –– LL ooccaaiiss oonnddee oo pprr oojj eettoo ““ nnoovvooss eennccaauucchhaaddooss”” eessttããoo sseennddoo eexxeeccuuttaaddooss

Nome da área Projetos em negociação/execução

Povo/ Família/língua

PPooppuullaaççããoo Área ha

Situação Fundiária

RESEX Cazumbá /Iracema (Sena Madureira-AC)

SEBRAE e NAAD Programa Biodiver-sidade Brasil/Itália

(IBAMA)

Seringueiros

897

750.794

Decreto s/nº, de 19.09.2002.

PAE Santa Quitéria (Brasiléia-AC)

SEBRAE e NAAD

Seringueiros

533

44.205

Portaria INCRA 886, de 24.06.88.

FLONA Tapajós-(Belterra -PA)

IBAMA Pro-Manejo

Seringueiros

3.654

545.00

Decreto 73.684, de Fevereiro/74

Shanenawa/ Pano 458 TI Katukina/ Ka-xinawá (Feijó-AC)

PPTAL/FUNAI/UFAC Kaxinawá/Pano 486

23.474

Homologada em 1991

TI Kaxinawá de Nova Olinda (Feijó – AC)

PPTAL/FUNAI/UFAC CNPq/UFAC/FUNAI

Kaxinawá/ Pano

247

27.533

Homologada em 1991

Fonte: Pesquisa de campo; Ibama; Funai; Sebrae.

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ANEXO IV Quadro 26 – Relação dos entrevistados

Nome Aldeia Idade Local Nascim Escolaridade 1 Antonio Carioca da Silva Morada Nova 55 Cas Tarauacá 7a 2 Ene Carla Brandão Morada Nova 35 Cas Feijó 2º Grau 3 José Rodrigues Pereira da Silva Morada Nova 34 Cas Tarauacá 1º Grau 4 Militão Brandão Silvino Morada Nova 54 Cas Feijó 4a 5 Sebastião Moreno de Souza Morada Nova 44 Solt Feijó 1º Grau 6 Valderlene Souza da Silva Morada Nova 28 Cas Feijó 2º Grau 7 Jucelino Carlos Brandão da Silva Paredão 25 Cas Feijó 5a 8 Romildo Mariano da Silva Cardoso 16 Solt Tarauacá 4a 9 Franciberto Pereira Maroque Grota 24 Cas Feijó 2a 10 Edílson Fontela Nova Esperança 31 Cas Tarauacá 3a 11 Adelson Aguiar Fontela Kaxinawá Paroá 33 Cas Feijó 2a 12 Antonio Fernandes Kaxinawá Paroá 26 Cas Feijó 3a 13 Francisco Fernandes Kaxinawá Paroá 40 Viu Feijó Não alfabetizado 14 Jucelino Frota de Oliveira Kaxinawá Paroá 46 Cas Tarauacá Não Alfabetizado 15 Raimundo Laécio Kaxinawá Paroá 28 Cas Feijó 1º Grau 16 Raimundo Nonato Silva Amorim Paroá 41 Cas Feijó 4a 17 Clecildo Barbosa da Silva Pupunha 14 Solt Feijó 4a 18 Névio Barbosa da Silva Pupunha 18 Solt Feijó 6a. 19 Francisco Pereira Damasceno Belo Monte 27 Solt Feijó 4a 20 Antonio da Silva Kaxinawá Formoso 29 Cas Feijó 4a 21 Raimundo Barbosa da Silva Kaxinawá Formoso 21 Cas Feijó 4a 22 Raimundo Nonato R. de Carvalho Formoso 25 Cas Feijó 4a 23 Antonio de Carvalho Nova Olinda 23 Cas Feijó 4a 24 Antonio José de Albuquerque Nova linda 42 Cas Jordão Não alfabetizado Pesquisa de campo, 2004;

ANEXO V Quadro 27 – Comunidades onde o projeto já foi apresentado

Locais Comunidade Ano

Tipo

Instituição

Pae Santa Quitéria-Brasiléia – AC Arraial dos Burros 2004 Fibras encauchadas Sebrae/AC Resex Chico Mendes-Xapuri - AC Palmari 2004 Tecido emborrachado UFAC

2002 Tecido emborrachado Ibama/AC Resex do Cazumbá/Iracema – Sena Madureira - AC

Sede 2004 Fibras encauchadas Sebrae/AC

Resex Rio Ouro Preto – Guajará Mirim - RO

Rio Ouro Preto 2002

Tecido emborrachado Sebrae/RO

Flona Tapajós – Belterra – PA Comunidade Maguari 2002 Tecido emborrachado Promanejo PAE Chico Mendes – Epitaciolândia - AC

Colocação “Chora Menino”

1998

Tecido emborrachado Mtb/FAT

Bolívia – Pando Porvenir 1998 Tecido emborrachado Asprogoalpa Bolívia – Pando Blanca Flor 2003 Tecido emborrachado SNV – Bolivia Bolívia – Pando Cobija 2003 Tecido emborrachado SNV – Bolivia Peru – Madre de Dios Ibéria 2003 Tecido emborrachado SNV – Bolívia Floresta Estadual do Antimari – Bujari – AC

Limoeiro 1997 Tecido emborrachado PD/A Mtb/FAT

Amapá Macapá 1998 Tecido emborrachado Rebraf TI Katukina/Kaxinawa – Feijó - AC Aldeia Paroá

Aldeia Morada Nova 2004/2005 Fibras encauchadas Funai/Ufac/

Poloprobio Fonte: Pesquisa de campo, 2005;

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4. CONCLUSÕES GERAIS

A hipótese elencada no início dessa dissertação, de que ainda existem alternativas não

exploradas que podem viabilizar o extrativismo da borracha na Amazônia, confirmou-se

através dos três artigos apresentados.

Inicialmente, no primeiro artigo, verificamos que as políticas setoriais desenvolvidas

a partir do “Ciclo da Borracha”, não surtiram efeitos duradouros, que pudessem alavancar e

reorganizar a atividade em níveis sustentáveis ao longo prazo. O sistema produtivo

implantado, tendo como matriz o modelo de acumulação capitalista, estruturado pelos países

centrais para atender interesses de grandes empresas transnacionais, não se preocupou com a

natureza, nem com a cultura das populações indígenas que habitavam a região. Os

conhecimentos milenares sobre o manejo e a produção local da borracha não foram inseridos,

muito pelo contrário, os nativos, bem como os migrantes nordestinos foram obrigados a

adotar o sistema de produção desenvolvido e imposto como única maneira de se produzir

borracha. Segundo Pinto (1984) e Morceli (2003), o modelo tornou-se obsoleto e

insustentável a partir do ingresso da borracha produzida racionalmente em seringais de

cultivo. Com isto a produção manteve-se artificialmente sob a tutela do Estado, até nossos

dias (2005). Hoje, a sua produção é pequena, em torno de 5 mil toneladas/ano (MORCELI,

2004), quando no seu apogeu foram produzidas mais de 40 mil toneladas/ano. As exuberantes

seringueiras nativas continuam na floresta, inexploradas, mas com todo o seu potencial

produtivo. Os índios e seringueiros continuam em suas aldeias e suas colocações e segundo o

levantamento sócio-econômico realizado na pesquisa de campo (2005), existe em média de 5

pessoas adultas por família, representando mão-de-obra disponível e semiqualificada, porém

pauperizada, por falta de opções de atividades econômicas viáveis, que possam promover um

desenvolvimento local, que, segundo Leff (2000, p.142), sejam “ecologicamente sustentável,

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economicamente sustentado e socialmente justo e eqüitativo”. Hoje existe uma forte pressão

das bases por políticas públicas voltadas para este modelo alternativo de desenvolvimento

local.

No segundo artigo, ao discorrer sobre as possibilidades de uso do látex nativo,

verifica-se a existência de duas diferentes técnicas que permitem a sua transformação em

borracha sólida, a concentração e a coagulação. A primeira desenvolvida e utilizada pelos

nativos, que fabricavam os encauchados, a segunda desenvolvida pelos cientistas para atender

os interesses das indústrias sediadas nos países centrais, dentro do modelo de acumulação

capitalista. Ao concentrar o látex, o seringueiro não precisa de grandes estruturas, nem

máquinas, nem energia elétrica, nem estufas. Os produtos são fabricados de forma artesanal e

as elevadas temperaturas que ocorrem na região, encarregam-se de desidratá-lo naturalmente,

dentro de técnicas apropriadas, constituindo-se este novo sistema produtivo em uma

racionalidade produtiva alternativa. No processo de coagulação, seja para a fabricação da

borracha convencional através do ácido acético, da FDL através do ácido pirolenhoso ou do

“couro” vegetal através do ácido fenólico (defumação), os coágulos retêm a umidade, criando

condições propícias ao ataque de microorganismos, necessitando de estruturas mais

sofisticadas e caras, de energia elétrica e/ou máquinas e/ou estufas para retirar a umidade

impregnada na borracha e evitar a degradação prematura dos produtos. Além disso, a borracha

convencional, ao ter que competir nos mesmos mercados com a borracha de cultivo, apesar

dos subsídios, não se sustenta (MORCELI, 2004).

Finalmente no terceiro artigo, fazemos um estudo na TI Katukina/kaxinawá do rio

Envira, em Feijó – AC, onde está sendo implantado um projeto experimental dos novos

encauchados de vegetais, no qual a técnica indígena de fabricação dos encauchados através da

concentração e secagem do látex nativo é combinada com as atuais tecnologias da

vulcanização e incorporação de cargas à borracha. Assim o conhecimento tradicional dos

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nativos sobre o processo produtivo é recuperado. Os sofisticados e onerosos processos

industriais de vulcanização e de incorporação de cargas à borracha são adaptados,

aprimorados e simplificados para possibilitar o seu uso nas rústicas condições no interior da

floresta. Assim surge o processo da pré-vulcanização artesanal do látex de campo, a

fabricação e incorporação de fibras vegetais curtas no látex pré-vulcanizado antes de sua

concentração e secagem, sem estufas, energia elétrica ou máquinas e a inserção de pigmentos

e kenês indígenas nos produtos. Este modelo vem de encontro aos anseios e à cultura

indígena, onde os povos da floresta encontram facilidade no aprendizado, pois as práticas

estão embasadas nos conhecimentos tradicionais e as inovações introduzidas foram

construídas com a sua efetiva participação. Os produtos assim fabricados têm grande

potencial mercadológico, com valor agregado na base produtiva. Faltam, apenas, políticas

públicas compromissadas que garantam aos extrativistas o acesso a estas tecnologias para a

promoção de sua inclusão social. Este novo sistema produtivo atende as condições

apregoadas por Leff (2000, p.141), quando ao se referir ao desenvolvimento sustentável

fundado numa concepção do ambiente como potencial produtivo, declara que “para isto é

necessário não só avançar nos direitos de apropriação das comunidades rurais, mas também

no incremento de suas capacidades de autogestão”. E na continuidade afirma que “isto

implica que se coloquem em prática estratégias de conhecimento para se conseguir uma alta

produtividade no manejo integrado dos recursos”.

Para concluir utilizamos as palavras de Galbraith, para nos referirmos ao modo de vida

que o novo sistema produtivo tem condições de proporcionar aos povos indígenas e

seringueiros, que “está se abrindo um caminho àqueles que se emanciparam a si próprios e

desejam levar uma vida conforme com os seus anseios e não com os da Tecnoestrutura. Pode

parecer bizarra a idéia de que as pessoas poderão um dia consumir menos, trabalhar menos e

viver mais” (GALBRAITH, 1972, p.77, apud STAHEL, 2003, p.126).

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