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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA E MANEJO DE RECURSOS NATURAIS
Dissertação de Mestrado
A BORRACHA VEGETAL EXTRATIVA NA AMAZÔNIA: Um estudo de caso dos novos encauchados de vegetais no Estado
do Acre
Francisco Samonek
Rio Branco, Acre. 2006
Livros Grátis
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Universidade Federal do Acre Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação
Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais
A BORRACHA VEGETAL EXTRATIVA NA AMAZÔNIA: Um estudo de caso dos novos encauchados de vegetais no Estado
do Acre
Francisco Samonek
Rio Branco, Acre. 2006
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais da Universidade Federal do Acre, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais, tendo como orientador o Prof. Dr. Elder Andrade de Paula.
SAMONEK, F. 2006.
Ficha catalográfica preparada pela Biblioteca Central da UFAC S191b
SAMONEK, Francisco. A borracha vegetal extrativa na Amazônia: um estudo de caso dos novos encauchados de vegetais no Estado do Acre. 2006. 160 f. Dissertação (Mestrado em Ecologia e Manejo dos Recursos Naturais) – Departamento de Ciências da Natureza, Universidade Federal do Acre, Rio Branco-Acre. Orientador: Prof. Dr. Elder Andrade de Paula 1. Látex nativo, 2. Povos indígenas e seringueiros, 3. Novos encauchados de vegetais, 4. Tecnologia social, 5. Desenvolvimento regional, 6. Sustentabilidade, I. Título.
CDU 581.5 (811.2)
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Elder Andrade de Paula, por acreditar na importância da borracha extrativa para
o desenvolvimento regional e por ter orientado o presente estudo.
Ao Prof. Dr. Jacó César Piccoli, UFAC/DFCCS, pela oportunidade e apoio, abrindo
importantes espaços e negociando parcerias estratégicas não só para a viabilizar o projeto das
pesquisas que deram embasamento ao presente trabalho, mas também para elaborar, aprovar e
executar projetos de extensão para o repasse da tecnologia, transformando, assim, os
resultados da pesquisa acadêmica em ações concretas em benefício dos povos indígenas.
Ao CNPq pela aprovação do projeto “Ciência e Saber Tradicional na Amazônia: Os novos
encauchados produzidos na TI Kaxinawá de Nova Olinda”, através da Seleção Pública de
Propostas para Apoio a Projetos de Tecnologias Sociais para Comunidades Tradicionais e
Povos Indígenas - Edital MCT/MMA/SEAP/SEPPIR/CNPq nº 26/2005, o que está
proporcionando condições para o repasse da tecnologia como resultado de nossas pesquisas.
Aos Coordenadores e representantes do PPTAL, que viabilizaram a inclusão de nossas
pesquisas no Projeto de Vigilância e Fiscalização de Terras Indígenas do rio Envira, apoiando
a montagem da infra-estrutura e o repasse da tecnologia dos novos encauchados de vegetais
para 11 aldeias indígenas, como atividade de uso sustentável dos recursos florestais, associada
às atividades de proteção das TIs.
Aos administradores e funcionários da FUNAI-AC, Sr. Antonio Ferreira da Silva (Apurinã),
Julio Barbosa (Kaxinawá), José Áureo Castro, que permitiram a execução do projeto dos
novos encauchados com o povo Kaxinawá e Shanenawa, do rio Envira, o que permitiu a
obtenção dos dados necessários para o presente relatório.
Aos povos indígenas Shanenawa e Kaxinawá do rio Envira, representados pelo Sr. Carlos
Brandão, do PIN Feijó e Jaime Barbosa, Administrador da OPIRE, que não mediram esforços
para a organização do seu povo para a implantação do presente projeto.
Aos amigos da RESEX Cazumbá/Iracema, Nenzinho e ao casal Nonato e Leonora, pelo
esforço e dedicação na viabilização das atividades na referida comunidade, apesar das
dificuldades impostas pelos parceiros na continuidade do projeto.
Aos Profs. Drs. Elder Andrade de Paula, Jacó César Pícolli, Adailton de Souza Galvão,
Roberto Feres, Vicente Cruz Cerqueira, Marcos Silveira, Lisandro Juno Soares Vieira, pelas
contribuições nas fases de elaboração do projeto, qualificação e dissertação.
Aos meus mestres, Profs. Edmundo Cidade da Rocha (in memoriam) e Nilso José Pierozan,
do CETEPO-SENAI/RS, que, desde 1985, me ajudaram no domínio da tecnologia da
borracha.
À minha avó, Bronislava Samonek, a dona Samônica (in memoriam), que me acolheu em seu
convívio, e, com o seu carinho, dedicação e exemplo de vida, me deu o alicerce de minha
educação, cujos ensinamentos até hoje me orientam e pautam as decisões em minha vida.
Ao meu pai, João Samonek (in memoriam) pelo grande exemplo de vida, na luta e coragem
de enfrentar o trabalho e as vicissitudes impostas pela vida e à minha mãe, Helena Iankoski
Samonek pela fé em Deus, amor e dedicação à família, com resignação e humildade, mas com
coragem e sem nunca desistir.
À minha incansável companheira de todas as horas, Maria Zélia Machado Damasceno, que,
há mais de dez anos, não só vem acreditando, apoiando, estimulando e contribuindo na
tomada de decisões, mas também fazendo parte direta em todas as atividades, não só na
elaboração de um projeto de pesquisa e trabalho, como extensionista, mas na construção de
um projeto de vida em comum.
Aos meus filhos acreanos, João Victor e Lauro, pela compreensão, participação e estímulo no
dia a dia, mesmo nas constantes ausências necessárias para a realização das atividades.
Aos meus filhos curitibanos, Juliana e Jean, pela compreensão e apoio incondicional em todos
os momentos da minha vida, apesar da distância que a vida nos impôs.
O pranto do seringueiro (Mário Maia) Não me derrube, seu moço, a seringueira... O seu leite me serve de sustento. Já estou velho, mas desde o nascimento Que esta árvore é minha companheira.... Olhe, é irmã daquela castanheira Cuja copa procura o firmamento... Ela também me dá o alimento Que mata a fome da família inteira... Ao dizer isto, emudeceu num canto Com a tristeza que uma saudade encerra. Foi tanto a dor e o sofrimento tanto, Quando feriu o tronco, a moto-serra, Que o seringueiro sucumbiu num pranto Tão orvalhado, que inundou a Terra...
LISTA DE SIGLAS ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas ABTB Associação Brasileira de Tecnologia da Borracha AC Acre (Estado) ACOSMO Associação Comunitária Shanenawa de Morada Nova ADA Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ex-SUDAM) AM Amazonas (Estado) AP Amapá (Estado) APA Área de Preservação Ambiental APBNB Associação de Produtores de Borracha Natural no Brasil (ONG) APROKAP Associação dos Produtores Kaxinawá da Aldeia Paroá ASMIPRUT Associação Intercomunitária de Mini e Pequenos Produtores Rurais da
Margem Direita do Tapajós de Piquiatuba a Revolta ASPKANO Associação dos Produtores Kaxinawá da Aldeia Nova Olinda ASPROGOALPA Asociacion de Productores de Goma y Almendras de Pando ASTM D American Society for Testing Materials – Committee D BANACRE Banco do Estado do Acre BASA Banco da Amazônia BB Banco do Brasil BCB Banco de Crédito da Borracha, hoje BASA. BNCC Banco Nacional de Crédito Cooperativo BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CAETA Comissão Administrativa do Encaminhamento de Trabalhadores para a
Amazônia CAEX Cooperativa Agro-extrativista de Xapuri CAINAM Centro de Antropologia Indígena da Amazônia Ocidental (UFAC) CAP Circunferência na altura do peito CASA DO SERINGUEIRO
Usina de beneficiamento de Borracha Casa do Seringueiro (empresa)
CCB Crepe Claro Brasileiro CEB Crepe Escuro Brasileiro CETEPO Centro Tecnológico de Polímeros (SENAI/RS) CIMI Conselho Missionário Indigenista (ONG) CIP Controle Interministerial de Preços (órgão governamental) CNB Conselho Nacional da Borracha CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPT Centro Nacional de Desenvolvimento e Apoio às Populações
Tradicionais CNS Conselho Nacional dos Seringueiros COAEPA Cooperativa dos seringueiros e produtores rurais do Antimari COATR Cooperativa Agro-extrativista dos Trabalhadores Rurais de Sena
Madureira COBAL Companhia Nacional de Alimentos CONAB Companhia Nacional de Abastecimento COOPABOR Cooperativa Agrícola Mista de Borracha do Vale do Tarauacá COOPEC Cooperativa dos Produtores Rurais e Extrativistas do Estado do Acre COOPERACRE Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre COOPERECO Cooperativa Agro-ambiental, industrial e de Serviços Amazônia Viva. COUROFAT Cooperativa Cidadão Solidário do Bairro Calafate
CVA Couro Vegetal da Amazônia S. A (empresa). CVP Cernambi Virgem Prensado DFCCS Departamento de Filosofia, Comunicação e Ciências Sociais (UFAC). DRC Dry rubber content (parte de sólidos no látex) EPDM Ethyllene-Propylene Terpolymer (borracha sintética) FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador FCB Folha Clara Brasileira FDA U.S. Food and Drug Administration FDL Folha de Defumação Líquida FEA Floresta Estadual do Antimari FETACRE Federação dos Trabalhadores em Agricultura do Estado do Acre FFB Folha Fumada Brasileira FLONA Floresta Nacional FOB Free on Board (pagamento do produto na sua origem, sem impostos e
frete). FPA Frente Popular do Acre FSC Forest Stewardship Council (certificadora) FUNAI Fundação Nacional do Índio FUNTAC Fundação de Amparo à Tecnologia do Acre GCB Granulado Claro Brasileiro GEB Granulado Escuro Brasileiro IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços IMAFLORA Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (ONG) INBRASFAMA Indústria Brasileira de Farinha de Madeira Ltda. (empresa). INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INPA Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia INPI Instituto Nacional da Propriedade Industrial (órgão governamental) MAP Madre de Dios(Peru)-Acre(Brasil)-Pando(Bolívia) (Estados amazônicos
da tríplice fronteira) MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. MCT Ministério da Ciência e Tecnologia. MMA Ministério do Meio Ambiente MT Mato Grosso (Estado) MTb Ministério do Trabalho NAEA Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (UFPA) NBR Nitrile Butadiene Rubber (borracha sintética) NIDAC Núcleo de Inovação, Design e Artesanato do Acre (ONG). NR Natural Rubber (borracha natural) ONG’ S Organizações não governamentais OPIRE Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira (ONG) OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público PA Pará (Estado) PAE Projeto de Assentamento Extrativista PBD Placa Bruta Defumada PDA Projetos Demonstrativos do Tipo “A” do PPG7 PFNM Produtos Florestais Não Madeireiros PHR Per hundred rubber (Partes por cem de borracha) PIN Posto Indígena
POEMA Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia (UFPA) POLOPROBIO Pólo de Proteção da Biodiversidade e Uso Sustentável dos Recursos
Naturais (OSCIP) PPG7 Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil. PPTAL Programa Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da
Amazônia Legal PR Paraná (Estado) PROBOR Programa de Incentivo à Produção da Borracha Natural PRODEX Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Extrativismo REBRAF Rede Brasileira Agroflorestal (ONG) RO Rondônia (Estado) RESEX Reserva Extrativista RS Rio Grande do Sul (Estado) SBR Styrene-Butadiene Rubber (borracha sintética) SEAP Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca SEBRAE Serviço Nacional de Apoio às Micros e Pequenas Empresas SEFE Secretaria Executiva de Florestas e Extrativismo (Acre) SEMTA Serviço de Proteção de Mobilização de Trabalhadores SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SEPPIR Secretaria Especial de Políticas e Promoção da Igualdade Racial SMR-10 Standard Malaysian Rubber (tipo de borracha) SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação SNV-Bolivia Schweizerische Normen-Vereinigung Bolívia (ONG) SP São Paulo (Estado) SPVEA Superintendência de Proteção e Valorização Econômica da Amazônia SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia SUDENE Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste SUDHEVEA Superintendência para o Desenvolvimento da Borracha SUFRAMA Superintendência da Zona Franca de Manaus TCU Tribunal de Contas da União TECBOR Tecnologias alternativas para a Produção de Borracha na Amazônia TI Terra Indígena TORMB Taxa de Organização e Regulamentação do Mercado da Borracha UC Unidade de Conservação UFAC Universidade Federal do Acre UFPA Universidade Federal do Pará UnB Universidade de Brasília
LISTA DE FIGURAS
ARTIGO 1 Figura 1 Art.1 Gráfico - Evolução da produção, em toneladas, de borracha extrativa na
Amazônia entre 1830 e 1942......................................................................
30 Figura 2 Art.1 Gráfico - Evolução da produção, em toneladas, de borracha extrativa na
Amazônia entre 1942 e 1980......................................................................
37 Figura 3 Art.1 Gráfico - Evolução da produção, em toneladas, de borracha extrativa na
Amazônia entre 1990 e 2002......................................................................
45 ARTIGO 2
Figura 1 Art 2 Diagrama dos conhecidos processos de tratamento do látex nativo.......... 58 Figura 2 Art.2 Fotos – Produzindo o saco encauchado...................................................... 61 Figura 3 Art.2 Foto - Transportando borracha bruta tipo Prancha no Acre....................... 65 Figura 4 Art.2 Foto - Granulado Escuro Brasileiro – GEB em fardos............................... 67 Figura 5 Art.2 Foto - Indústria de artefatos de borracha (Bunbury e prensas).................. 68 Figura 6 Art 2 Organograma da cadeia produtiva da borracha industrial.......................... 70 Figura 7 Art.2 Foto - Secando a FDL................................................................................ 72 Figura 8 Art 2 Organograma da cadeia produtiva da FDL................................................ 73 Figura 9 Art 2 Foto - Defumando o “couro” vegetal ........................................................ 75 Figura 10 Art.2 Foto - Organograma da cadeia produtiva do “couro” vegetal.................... 76 Figura 11 Art.2 Foto - Pré-vulcanizando o látex de campo................................................. 78 Figura 12 Art.2 Foto - Fabricando o tecido emborrachado, o “couro” ecológico............... 79 Figura 13 Art.2 Foto - Secando as fibras vegetais............................................................... 80 Figura 14 Art.2 Foto - Fabricando pigmentos vegetais....................................................... 80 Figura 15 Art.2 Foto - Mantas e objetos de borracha.......................................................... 81 Figura 16 Art 2 Organograma da cadeia produtiva dos novos encauchados de vegetais.... 82 Figura 17 Art.2 Gráfico - Comparativo dos preços das borrachas extrativas/R$/2 l látex.. 85
ARTIGO 3 Figura 1 Art.3 Imagem Satélite impactos ambientais entorno da TI Katukina/Kaxinawá 105 Figura 2 Art.3 Fotos - Produzindo a água de cinzas.......................................................... 119 Figura 3 Art.3 Fotos - Extraindo o látex nativo................................................................. 120 Figura 4 Art.3 Fotos - Colhendo, coando, temperando e pré-vulcanizando o látex.......... 123 Figura 5 Art.3 Fotos - Produzindo pigmentos vegetais..................................................... 127 Figura 6 Art.3 Fotos - Produzindo fibras vegetais curtas.................................................. 127 Figura 7 Art 3 Fotos – Preparando o composto de látex e fibras vegetais......................... 129 Figura 8 Art.3 Fotos – Preparando as folhas para serem reproduzidas.............................. 130 Figura 9 Art 3 Fotos – Fabricando moldes de alumínio reciclado..................................... 131 Figura 10 Art.3 Fotos – Reciclando o alumínio................................................................... 131 Figura 11 Art.3 Fotos - Pintando kenês indígenas nos produtos fabricados........................ 133 Figura 12 Art.3 Fotos - Produtos de látex e fibras vegetais................................................. 134 Figura 13 Art.3 Fotos – Mantas de fibras emborrachadas................................................... 135 Figura 14 Art.3 Fotos - Capacitando homens e mulheres Aldeias Paroá e Morada Nova... 142 Figura 15 Art.3 Gráfico - Receita bruta mensal para 150 litros látex (1 seringueiro)......... 140 Figura 16 Art.3 Mapa do Estado do Acre (UC´s X locais execução dos novos
encauchados de vegetais)...........................................................................
146
LISTA DE TABELAS
ARTIGO 3 Tabela 1 Art.3 Planilha de Custos de produção dos novos encauchados de vegetais........ 137 Tabela 2 Art.3 Preços de venda dos produtos ao nível local.............................................. 138
LISTA DE QUADROS
ARTIGO 1 Quadro 1 Art.1 Resumo das metas programadas do PROBOR I, II e III............................ 36 Quadro 2 Art.1 Balanço Final do PROBOR I, II E III........................................................ 36 Quadro 3 Art.1 Legislação políticas econômicas para borracha extrativa (1912-2005)..... 51 Quadro 4 Art.1 Cronologia da economia da borracha extrativa na Amazônia.................... 51
ARTIGO 2 Quadro 1 Art.2 Organização esquemática do sistema produtivo da borracha indígena.... 62 Quadro 2 Art.2 Organização esquemática sistema produtivo da borracha convencional. 71 Quadro 3 Art.2 Organização esquemática do sistema produtivo da FDL......................... 73 Quadro 4 Art.2 Organização esquemática do sistema produtivo do “couro” vegetal....... 76 Quadro 5 Art.2 Organização esquemática do sistema produtivo dos novos encauchados 83 Quadro 6 Art.2 Preços pagos aos seringueiros p borrachas extrativas (2 litros de látex). 85
ARTIGO 3 Quadro 1 Art.3 Associações representativas dos seringueiros em áreas de produção...... 108 Quadro 2 Art.3 Kit sangria (uma colocação com três estradas de seringueiras)............... 116 Quadro 3 Art.3 Investimento construção da unidade fabril familiar (3 pessoas/32 m²).... 116 Quadro 4 Art.3 Kit permanente para uma unidade de produção dos novos encauchados 117 Quadro 5 Art.3 Kit custeio mensal unidade de produção dos novos encauchados........... 118 Quadro 6 Art.3 Matérias-primas e processos para fabricar as fibras vegetais curtas........ 125 Quadro 7 Art.3 Resíduos madeireiros utilizados como fibras vegetais curtas.................. 126 Quadro 8 Art.3 Resíduos de produtos agro-extrativos para fibras vegetais curtas........... 126 Quadro 9 Art.3 Plantas nativas que fornecem fibras vegetais curtas................................ 126 Quadro 10 Art.3 Plantas nativas que fornecem pigmentos vegetais................................... 128 Quadro 11 Art.3 Plantas nativas que fornecem odorantes................................................... 128 Quadro 12 Art.3 Plantas que fornecem folhas e cascas para a fabricação de moldes......... 132 Quadro 13 Art.3 Características produtos fabricados pelo novo sistema produtivo........... 136 Quadro 14 Art.3 Possibilidades de renda dos novos encauchados em unidade coletiva..... 138 Quadro 15 Art.3 Possibilidades de renda dos novos encauchados em unidade familiar..... 138 Quadro 16 Art.3 Possibilidade de renda com a borracha convencional.............................. 139 Quadro 17 Art.3 Possibilidade de renda com a FDL........................................................... 139 Quadro 18 Art.3 Possibilidade de renda com o “couro” vegetal........................................ 139 Quadro 19 Art.3 Possibilidade de renda mensal para o extrativista por produto................ 140 Quadro 20 Art.3 Ensaios laboratoriais do látex nativo pré-vulcanizado............................. 144 Quadro 21 Art.3 Ensaios laboratoriais e amostras de novos encauchados de vegetais....... 145 Quadro 22 Art.3 Ensaios laboratoriais (FDL-AC X Cargas vegetais) feitas em Bunbury.. 145 Quadro 23 Art.3 Lista de plantas utilizadas na fabricação dos novos encauchados........... 155 Quadro 24 Art.3 Situação em 2005 dos projetos dos novos encauchados em andamento. 156 Quadro 25 Art.3 Locais onde o projeto “novos encauchados” estão sendo executados.... 156 Quadro 26 Art.3 Relação das pessoas entrevistadas na TI Katukina/Kaxinawa................ 157 Quadro 27 Art.3 Comunidades onde o projeto já foi apresentado...................................... 157
SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO GERAL........................................................................................................ 14 1.1 Apresentação.................................................................................................................. 14 1.2 Hipótese......................................................................................................................... 17 1.3 Objetivo e delimitação das pesquisas............................................................................ 18 1.5 Embasamento teórico e estrutura do trabalho................................................................ 18 1.6 Referências Bibliográficas............................................................................................ 19 2. ARTIGO 1 – AS POLÍTICAS PÚBLICAS E SETORIAIS PARA A BORRACHA EXTRATIVA NA AMAZÔNIA................................................................................................ 21 Resumo................................................................................................................................... 21 Abstract................................................................................................................................... 22 2.1. Introdução................................................................................................................ 23 2.2. Os diversos ciclos da borracha extrativa na Amazônia........................................... 26 2.2.1 Os encauchados: até 1820............................................................................ 26 2.2.2 O “Ciclo da Borracha”: 1820/1912.............................................................. 26 2.2.3 A primeira grande crise: 1912/1942............................................................. 28 2.2.4 A “Batalha da Borracha”, um novo ciclo e uma nova crise: 1942/1967... 31 2.2.5 A “Operação Amazônia”, SUDHEVEA, PROBOR e a nova política econômica da borracha: 1967/1986............................................................................................ 34 2.2.6 Um “cruzado” contra a borracha: 1986/1997............................................... 38 2.2.7 A política subvencionista: 1997/2005.......................................................... 41 2.3. Conclusões............................................................................................................... 47 2.4. Referências Bibliográficas....................................................................................... 48 2.5. Anexos..................................................................................................................... 51 3. ARTIGO 2 – O SISTEMA PRODUTIVO CONVENCIONAL E OUTRAS POSSIBILIDADES DE USO DO LÁTEX NATIVO NA AMAZÔNIA........ 52 Resumo................................................................................................................................... 52 Abstract................................................................................................................................... 53 3.1. Introdução.............................................................................................................. 54 3.2. As diversas borrachas extrativas na Amazônia...................................................... 56 3.2.1 O látex nativo e os seus conhecidos processos de tratamento..................... 56 3.2.2 A borracha indígena..................................................................................... 59 3.2.3 A borracha industrial................................................................................... 62 A expansão comercial-capitalista européia e a redescoberta da borracha. 62 As borrachas brutas...................................................................................... 64 As borrachas beneficiadas em usinas........................................................... 66 As borrachas beneficiadas em mini-usinas.................................................. 67 Os artefatos e a borracha industrial............................................................ 68 Os preservativos de látex nativo.................................................................. 69 3.2.4 A FDL – Folha de defumação líquida.......................................................... 72 3.2.5 O tecido emborrachado defumado, o “couro” vegetal.................................. 74 3.2.6 Os novos encauchados de vegetais da Amazônia......................................... 77 A pré-vulcanização do látex de campo........................................................ 77 O tecido emborrachado do tipo “couro” ecológico.................................... 78 O composto aquoso polimérico de vegetais................................................ 79 As mantas e os pequenos objetos de fibras e látex de borracha................. 81 3.2.7 Mercados e Preços....................................................................................... 83 3.3. Conclusões........................................................................................................... 86 3.4. Referências Bibliográficas................................................................................... 87
4. ARTIGO 3 – OS NOVOS ENCAUCHADOS DE VEGETAIS DA AMAZÔNIA.............. 91 Resumo.................................................................................................................................. 91 Abstract.................................................................................................................................. 92 4.1. Introdução............................................................................................................ 93 4.1.1 Apresentação............................................................................................ 93 4.1.2 Procedimentos metodológicos................................................................. 95 4.1.3 Conceito de sustentabilidade.................................................................... 97 4.2. O projeto dos novos encauchados de vegetais..................................................... 101 4.2.1 Locais da pesquisa................................................................................... 101 A RESEX Cazumbá/Iracema................................................................... 101 A TI Katukina/Kaxinawa do rio Envira................................................... 105 4.2.2 As buscas por uma borracha extrativa sustentável................................... 108 4.2.3 A ciência e o saber tradicional garantindo a produção sustentável da borracha extrativa..................................................................................... 112
4.2.4 Estrutura para implantação do novo sistema produtivo............................ 115
4.2.5 Processos e produtos do novo sistema produtivo..................................... 118 Água de cinzas: o conservante natural feito pelos seringueiros............... 118 A extração do látex de seringueiras nativas............................................. 119
A pré-vulcanização do látex: tecnologia para os extrativistas................ 121
O tecido emborrachado do tipo “couro” ecológico................................ 123
As fibras vegetais curtas, os pigmentos e odorantes vegetais................. 125 O composto aquoso polimérico de vegetais............................................ 129 Os moldes: Chapa e cilindro de alumínio, alumínio reciclado, madeira, MDF....................................................................................... 130
Os kenês e o visual dos novos encauchados de vegetais......................... 132 As mantas e os pequenos objetos de fibras e látex de borracha............. 134 4.2.6 Uma análise do sistema produtivo dos novos encauchados de vegetais... 137 Aspectos econômicos................................................................................. 137 Aspectos sociais........................................................................................ 141 Aspectos ambientais................................................................................. 142 Aspectos tecnológicos.............................................................................. 144 4.3. Conclusões.......................................................................................................... 146 4.4. Referências Bibliográficas.................................................................................. 150 Anexos................................................................................................................................. 155 5. CONCLUSÕES GERAIS.................................................................................................... 158
14
1 - INTRODUÇÃO GERAL
1.1. Considerações Gerais
Neste trabalho fazemos um estudo sobre o extrativismo da borracha vegetal na
Amazônia, abordando desde as políticas setoriais, os sistemas produtivos e as tecnologias, até
as mais recentes experiências vivenciadas com as novas possibilidades de uso do látex nativo
para a fabricação dos tecidos emborrachados, conhecidos como “couros” vegetal e ecológico1,
a folha de defumação líquida – FDL, os preservativos e os novos encauchados de vegetais.
Damos ênfase para os novos encauchados de vegetais, que estão sendo desenvolvidos em fase
de experimentação na Reserva Extrativista (RESEX) do Cazumbá-Iracema, no município de
Sena Madureira2 - AC, com seringueiros, e na Terra Indígena (TI) Katukina/Kaxinawá do rio
Envira, no município de Feijó3 - AC, com os povos indígenas Kaxinawá/Shanenawa.
Para o desenvolvimento do presente trabalho, apresentamos as possibilidades de uso
do látex extraído de seringueiras nativas (Hevea brasiliensis4), que se encontram dispersas nas
florestas primárias, fazendo parte integrante do ecossistema amazônico. Denominamos neste
1 Justificamos o grifo na palavra “couro”, todas as vezes que a utilizamos neste trabalho, porque, segundo a legislação, o termo só pode ser utilizado para denominar produtos de origem animal ( Lei nº 4888/65 e Art. 8º da Lei nº 11.211, de 19.12.2005), porém os tecidos emborrachados, de origem vegetal, vem sendo inadvertidamente chamados de “couro” vegetal e “couro” ecológico. 2 Sena Madureira (AC) é um município central do Estado do Acre, distante 144 km da capital Rio Branco, com uma população de 35 mil habitantes e área de 25.278 km², às margens do rio Iaco, no Vale do Purus, com acesso permanente pela rodovia asfaltada BR 364. Tem boa infra-estrutura e sua economia está baseada na agropecuária e no extrativismo da borracha e da castanha. 3 Feijó (AC) é um município central do Estado do Acre, distante 350 km da capital Rio Branco, às margens do Rio Envira, na grande região do Vale de Juruá, com uma população de 29.480 habitantes e área de 24.202 km². O acesso é feito por rodovia (BR 364) durante três meses por ano (julho a setembro), sendo que nos demais meses só é possível por via aérea. O município tem sua economia baseada na agropecuária e no extrativismo. 4 Hevea brasiliensis, árvore nativa da Amazônia, conhecida como seringueira, da qual se extrai, com pequenas incisões em sua casca, o látex para fabricar a borracha vegetal, matéria prima utilizada pelas indústrias na fabricação de inúmeros produtos, como pneus e peças técnicas.
15
trabalho de borracha extrativa, a borracha natural (NR)5 fabricada a partir de látex nativo,
através de qualquer sistema produtivo; de borracha indígena, a borracha extrativa fabricada
pelos nativos antes da chegada dos europeus na Amazônia; e de borracha industrial, a
borracha natural fabricada a partir da expansão capitalista européia no período da Revolução
Industrial através do modelo de produção convencional. Esta última pode ser de origem
extrativa ou da heveicultura6.
A borracha industrial, tanto extrativa quanto heveícola, tem o mesmo sistema
produtivo, porém, cada uma tem características próprias. Na heveicultura existem custos de
implantação, enquanto que no extrativismo, as seringueiras são nativas da floresta. A
racionalidade da heveicultura imprime maior competitividade à sua borracha. O extrativista7
amazônida, mesmo sendo, hoje, autônomo e tendo livre acesso às suas estradas de
seringueiras8, está longe dos mercados, depende de uma cadeia de intermediários e de
políticas subvencionistas. Além disso, as borrachas brutas, produzidas através do sistema
produtivo convencional, têm preços baixos, que, somados à baixa produtividade dos seringais
nativos, são insuficientes para formar uma renda mínima básica para o extrativista, que
garanta a sua subsistência da própria atividade. (MORCELI, 2003).
5 Segundo a ASTM D (American Society for Testing Materials through its Committee D), as borrachas (elastômeros), classificam-se em NR (Natural Rubber), borrachas naturais de origem vegetal, e em borrachas sintéticas fabricadas a partir do petróleo, tais como a SBR (Styrene Butadiene Rubber), a EPDM (Ethylene Propylene Terpolymer Rubber), a NBR (Nitrile Butadiene Rubber) (UNIROYAL, 1982). 6 Heveicultura é o plantio racional de seringueiras (Hevea brasiliensis) através da clonagem de espécies nativas da Amazônia. Foram levadas clandestinamente 70.000 sementes do Brasil para a Inglaterra e depois para suas colônias do Sudeste Asiático, que se tornaram, hoje, os maiores produtores mundiais de borracha vegetal. 7 Utilizamos o termo extrativista para denominar, de forma genérica, todos os extratores de látex na Amazônia, sejam índios ou seringueiros. 8 Estrada de seringueira ou estrada de seringa é “um caminho assoalhado de folhas, permanentemente coberto de sombra, largo o bastante para que se possa andar na mata com segurança e rapidez. As estradas de seringa não devem ser confundidas com caminhos de trânsito, muito mais estreitas e pisadas. Para conservar uma estrada, é preciso limpá-la duas vezes por ano, a isso se chama de roçar a estrada” (EMPERAIRE e ALMEIDA, 2002).
16
Primeiro eram os povos indígenas que habitavam a região e manipulavam o látex,
quando produziam artesanatos e pequenos objetos de borracha, através de técnicas artesanais
próprias, saudáveis e não predatórias (ARAÚJO, 1998).
Depois vieram os europeus, e, nos séculos XVIII e XIX, na época do capitalismo
mercantil, desenvolveram novas técnicas, visando apenas à acumulação capitalista, para
manter a hegemonia dos países centrais, porém sem levar em consideração os saberes, as
práticas e o modo de vida das populações locais, que, segundo Leff (2000), eram economias
de natureza não acumulativa. Surge, assim, a borracha industrial, que abastece um dos mais
importantes setores da economia mundial, as indústrias pneumáticas e de artefatos, com uma
cadeia produtiva desenvolvida naquele período e que se mantém a mesma até hoje (2005).
Houve uma grande corrida para a Amazônia, especialmente de migrantes nordestinos, que
ocuparam a região, invadindo terras e aldeias, arregimentando, expulsando e exterminando
povos e etnias indígenas para produzir a borracha (SANTOS, 1995). Com a implantação de
seringais de cultivo no Sudeste Asiático e com a entrada no mercado da sua produção, no
início do século XX, o extrativismo da borracha na Amazônia entrou em decadência, ficando
dependente de políticas públicas que garantissem, mesmo que artificialmente, a sua produção
no sistema produtivo convencional9.
Porém, mais recentemente, surgem algumas iniciativas diferenciadas para o uso do
látex nativo, estruturadas de forma diferente e que possibilitam a fabricação de novos produtos,
mais elaborados na base produtiva. Estes novos tipos de borracha extrativa não estão
competindo diretamente com a borracha heveícola, que tem em suas mãos o grande mercado, o
da indústria pneumática e de artefatos, mas onde os preços são oligopolizados. São produtos
9 No sistema produtivo convencional, o extrativista colhe o látex e fabrica a borracha bruta, que, no seringais cultivados (heveicultura), é adquirida pelo proprietário da terra e, nos seringais nativos (extrativismo), pelo seringalista, marreteiro, ou associação, que vende às usinas de beneficiamento que a transformam em borracha beneficiada, matéria-prima para ser comercializada com as indústrias, que, com outras matérias-primas, produzem os compostos a serem utilizados na fabricação dos diversos tipos de artefatos.
17
diferenciados direcionados para nichos específicos de mercado. Dentre esses, estão os novos
encauchados de vegetais, cuja produção se enquadra em princípios baseados na produtividade
ecotecnológica e social. Segundo Leff (2000, p.133) “estes princípios emergem das culturas
que habitaram diferentes ecossistemas e são recuperáveis através de uma nova racionalidade
produtiva, amálgama do tradicional e do moderno, que passa por processos de transformação e
assimilação cultural, em práticas produtivas no nível local”.
As novas técnicas utilizadas nos processos produtivos, segundo Leff (2000, p.132),
devem ser,
[...] ecologicamente apropriadas e culturalmente apropriáveis, pois permitem otimização da
unidade de produção através da incorporação de novos elementos às práticas tradicionais de
manejo, aumentando a produtividade e preservando a capacidade produtiva sustentável do
sistema […] A integração destes processos aparece como uma articulação sinergética de
processo de evolução ecológica, inovação tecnológica, reorganização produtiva e mudança
social, que geram novos potenciais produtivos no desenvolvimento sustentável.
A recuperação dos conhecimentos indígenas de manipulação do látex, a transformação
das tecnologias da vulcanização e da incorporação de cargas à borracha vegetal em técnicas
artesanais, simplificadas para uso no rústico ambiente da floresta, bem como a fusão das três,
transformam-se no sistema produtivo dos novos encauchados de vegetais. Este novo sistema
produtivo está buscando a sustentabilidade da produção da borracha extrativa.
1.2 Hipótese
Neste trabalho partimos da hipótese de que ainda existe espaço para o
extrativismo da borracha vegetal na Amazônia. Apesar das diversas crises enfrentadas pelo
setor, ao longo dos últimos 100 anos, essa atividade não se esgotou. Ainda há alternativas não
exploradas, que podem dar sustentabilidade à borracha extrativa, através de modelos não
convencionais de produção, que insiram em suas estratégias produtivas o homem e a natureza,
18
revalorizando os saberes tradicionais e revitalizando as economias autogestionárias e
participativas.
1.3 Objetivo e delimitação das pesquisas
Pretendemos através da presente dissertação contribuir para a discussão sobre a
viabilidade do extrativismo da borracha na Amazônia. Para isto descrevemos as políticas
setoriais, as tecnologias e os novos usos do látex nativo, com destaque para o sistema
produtivo dos novos encauchados de vegetais em experimentação no Estado do Acre, que
adota um modelo alternativo de produção, onde as dimensões econômicas convencionais são
insuficientes para avaliar a sua viabilidade, devendo ser combinadas com outras dimensões
como a social, ambiental e tecnológica.
1.4 Embasamento teórico e estrutura do trabalho
Para compreender o contexto histórico e conceitual no qual se insere esta discussão,
realizamos uma revisão bibliográfica sobre as abordagens ao tema do extrativismo da
borracha na Amazônia. Além disso, discutimos o problema das inovações tecnológicas
segundo os parâmetros da sustentabilidade e sua aplicação em situações florestais.
Além desta introdução geral e das conclusões finais, desenvolvemos a presente
dissertação em três artigos, cada um com estrutura própria, porém todos convergentes para
comprovar ou refutar a nossa hipótese de que ainda existem espaços, na atualidade, para uma
produção sustentável da borracha extrativa.
No artigo 1 apresentamos as políticas setoriais implantadas no Brasil para a
borracha, desde o seu apogeu durante o “Ciclo da Borracha”, passando pela sua decadência e
as várias tentativas governamentais de reorganizar e reestruturar o setor, através de políticas
de incentivos fiscais, de monopólio estatal, de créditos subsidiados e de subvenções
econômicas nacionais e regionais.
19
No artigo 2 descrevemos as possibilidades de uso do látex nativo, desde a fabricação
dos encauchados indígenas, passando pelo sistema produtivo convencional, até os mais
recentes sistemas produtivos alternativos em experimentação na região.
No artigo 3, sob uma abordagem da sustentabilidade, fazemos um estudo dos novos
encauchados de vegetais, descrevendo os processos que fazem parte deste sistema produtivo
alternativo.
Por fim, apresentamos as conclusões finais, onde realizamos uma articulação do
estudo de caso com a hipótese elencada. Um dos aspectos que ressaltamos na conclusão é a
necessidade de utilizar abordagens multidimensionais para avaliar o desenvolvimento e a
conservação. A análise dos dados e da literatura nos permite concluir que as populações
extrativistas recebem um pagamento monetário por produtos que têm mercado, e, embora
façam um uso múltiplo dos recursos da floresta, ao mesmo tempo mantém a floresta-em-pé,
contribuindo para a sua conservação. Esse é um dado importante, pois o seringueiro recebe
apenas pela borracha que produz com vistas ao mercado e não pelo "como produz":
manejando a floresta e prestando serviços de conservação.
1.5 Referências Bibliográficas
ARAÚJO, H. R. O mercado, a floresta e a ciência do mundo industrial. In: ARAUJO, H. R; SEILER, A. et al. (orgs.). Tecnociência e Cultura: ensaios sobre o tempo presente. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. p. 65-90. EMPERAIRE, L. e ALMEIDA M. B. Seringueiros e Seringas. In: CUNHA, C; ALMEIDA, M. B. (orgs.). Enciclopédia da Floresta. São Paulo: Cia. das Letras, 2002. LEFF, E. Ecologia, capital e cultura: racionalidade ambiental, democracia participativa e desenvolvimento sustentável. Blumenau: Ed. da FURB, 2000. 381 p.
20
MORCELI, P. Borracha Natural: Situação atual e perspectivas. CONAB. Revista eletrônica Borracha Natural. Artigo 37. 2003. Disponível em: <http://www.borrachanatural.agr.br/artigos/artigos3.php>. Acesso em: 30 de jan. 2005. SANTOS, L.G. A Encruzilhada da Política ambiental Brasileira. In: D’INCÃO; SILVEIRA (orgs.). A Amazônia e a crise da modernização. Belém. Museu Emílio Goeldi. p. 135-153. 1995. STAHEL, A W. Capitalismo e entropia: os aspectos ideológicos de uma contradição e a busca de alternativas sustentáveis. In: CAVALCANTI, C. (org.). Desenvolvimento e natureza: estudos para uma sociedade sustentável. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2003. UNIROYAL C. CO. Rubber Compounding. Reprinted by John Wiley & Sons, Inc. from Kirk-Othmer: Encyclopedia of Chemical Technology, 3 ed., Midlebury. John Wiley & Sons, Inc., 1982. v. 20, p. 365-468.
21
2. ARTIGO 1 - AS POLÍTICAS PÚBLICAS E SETORIAIS PAR A A
BORRACHA EXTRATIVA NA AMAZÔNIA .
Francisco Samonek10
RESUMO
No presente artigo analisamos os diversos momentos vivenciados pelo setor extrativista da
borracha na Amazônia, especialmente a partir de 1912, quando a borracha produzida no
Sudeste Asiático supera a produção extrativista brasileira e encerra o “Ciclo da Borracha” no
Brasil. Apresentamos os momentos em quatro etapas distintas: de 1912 a 1942, com a política
de estímulo à criação de indústrias de artefatos; de 1942 a 1967, com a “Batalha da
Borracha”, a criação do Banco de Crédito da Borracha – BCB e o monopólio estatal; de 1967
a 1986, com a criação da SUDHEVEA e do PROBOR, com o plantio racional da seringueira
em substituição às florestas; de 1986 até nossos dias (2005), com o esvaziamento dos
seringais, a falência do setor extrativista e as subvenções econômicas. Fazemos uma
abordagem sobre as conseqüências destas políticas para os povos da floresta e para o
ecossistema amazônico.
Palavras-chave: Extrativismo da borracha na Amazônia - O “Ciclo da Borracha” -
Decadência da atividade gumífera extrativa - Novas possibilidades para o uso do látex nativo
- Monopólio da borracha - Subvenções
10 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Manejo dos Recursos Naturais, Universidade Federal do Acre.
22
PUBLIC AND SECTOR POLICIES FOR THE EXTRACTIVE RUBBE R
IN THE AMAZON REGION.
ABSTRACT
In the present article, we have analyzed the several moments experienced by the rubber-
extractive sector in the Amazon region, especially starting in 1912, when the rubber produced
in the Southeast Asia over-comes the Amazon extractive production and closes down the
"Rubber Cycle" in Brazil. We presented the current work in four different stages: from 1912
to 1942, with the incentive policies to the establishment of industries of artifacts; from 1942
to 1967, with the "Battle of the Rubber", the creation of the Bank of Credit for the Rubber -
BCB (Banco de Crédito da Borracha) and the state monopoly; from 1967 to 1986, with the
creation of SUDHEVEA and of PROBOR (Brazilian government pro-grams to support
rubber) with the rational planting of rubber tree plantations substituting the native trees; from
1986 up to now (2005), the emptying of the rubber plantations, the bankruptcy of the
extractive sector and the economical subsidies. We have made an approach on the
consequences of these policies for the people of the forest and for the Amazon ecosystem.
Key-word: Extractive rubber in the Amazon region - "Rubber cycle" - Decadence of the
rubber-extractive activity - New possibilities for the use of native latex - Monopoly of the
rubber - Subsidies.
23
2.1. INTRODUÇÃO
Neste artigo fazemos uma abordagem histórica das políticas públicas e setoriais da
borracha extrativa, desde a borracha indígena, passando pelo “Ciclo da Borracha”, e dando
maior ênfase ao período a partir de 1912, quando os seringais implantados pela Inglaterra em
suas colônias no Sudeste Asiático e mais recentemente, os seringais de cultivo, através da
heveicultura, no Sudeste do Brasil, especialmente no Noroeste do Estado de São Paulo,
entram em franca produção e abastecem os mercados da grande indústria, deixando o setor
extrativista da Amazônia totalmente dependente de políticas governamentais, editadas de
acordo com interesses de uma elite dominante.
Até 1820, eram apenas os povos indígenas que fabricavam artefatos de borracha para
uso local. A partir daí, a borracha começou a ser utilizada como matéria-prima para uso
industrial. A economia na região prosperou entre os anos de 1820 até 1912. Nesse ano, a
borracha importada da Malásia pela Europa superou a exportada pelo Brasil. Com a queda nos
preços internacionais e com custos de produção mais elevados do que na borracha de cultivo,
a borracha extrativa deixou de ser competitiva e o governo, de lá para cá, vem intervindo no
setor, com medidas que deveriam estruturá-lo e alavancá-lo, tornando-o sustentável, de forma
definitiva, mas que, ao contrário, acabam funcionando como medidas paliativas, que não
garantem a sua sustentabilidade.
Entre os anos de 1912 e 1942, as políticas para a borracha, em vez de organizarem o
setor produtivo primário, foram direcionadas ao financiamento do setor industrial, apoiando a
criação de indústrias de artefatos para estimular o consumo interno, já que o setor externo não
estava adquirindo a borracha brasileira. Assim, os mais de quinhentos mil seringueiros que
migraram para a região amazônica e os milhares de índios, remanescentes de várias etnias,
que se incorporaram à atividade e dela dependiam para sobreviver, não tinham para quem
24
vender a sua produção e são esquecidos, no meio da floresta, sem nenhum tipo de apoio. O
setor entrou em colapso, a miséria assolou todos os recantos da Amazônia, refletindo-se nos
níveis de produção, que caem vertiginosamente.
Em 1942, com a II Guerra Mundial, foram fechados os portos da do Sudeste Asiático,
cortando o suprimento da borracha asiática aos Estados Unidos. A Amazônia voltou, no
esforço de guerra, a reativar os seringais nativos, como uma alternativa para suprir a indústria
bélica americana. Pelo “Acordo de Washington”, os Estados Unidos financiaram a
reestruturação do setor no Brasil, quando foi criado o Banco do Crédito da Borracha - BCB e
com ele, o monopólio da borracha. Novos contingentes de seringueiros, os soldados da
borracha, foram recrutados para as frentes de produção na Amazônia. Porém, com o fim da
guerra, os Estados Unidos voltaram a comprar a matéria-prima oriunda dos seringais
asiáticos, com menos custos. Assim, mais uma vez, os seringueiros ficaram jogados no meio
da floresta, relegados à sua própria sorte, sem as mínimas condições de sobrevivência.
Com a instalação da indústria automobilística e das indústrias pneumáticas no Brasil,
aumentou a demanda interna pela borracha natural e nosso país passou de exportador a
importador, fazendo em 1951 a sua primeira compra de borracha da Malásia.
Em 1967, com base em diagnóstico extraído da realidade da economia gumífera
brasileira e mundial, o Governo acabou com o monopólio estatal da borracha, criado em 1942.
Porém, não foi capaz de implementar uma política setorial fiel ao diagnóstico. A opção foi por
uma política protecionista, que, em vez de resolver os problemas do setor, intensificou ainda
mais a crise, ao implantar seringais de cultivo improdutivos, através do Programa de Incentivo
à Produção da Borracha Natural - PROBOR. Tudo isso trouxe dificuldades ainda maiores
para ajustar o setor extrativista.
25
Este cenário perdurou até 1986, quando, com o Plano Cruzado11, os preços da
borracha vegetal foram congelados e a SUDHEVEA foi fechada. Sem corrigir as distorções
provocadas e sem criar nenhum mecanismo que garantisse uma transição sem traumas, de
uma economia fechada para uma economia de livre mercado, o governo provocou o caos na
economia da borracha, não só na extrativa, mas em todo o setor a nível nacional.
Somente em 1997, quando a heveicultura nacional passava por sérias dificuldades e o
extrativismo totalmente paralisado, foi formulada uma nova política, através da concessão de
subvenções econômicas repassadas pelo governo diretamente às usinas de beneficiamento
para garantir a reestruturação da atividade. Para o extrativismo na Amazônia, as medidas
tomadas não foram suficientes, pela total desestruturação em que o setor produtivo se
encontrava. Então os governos locais, no Acre, a partir de 1999, em Rondônia e no
Amazonas, em 2000, adotaram outras medidas visando retomar a atividade.
O objetivo geral deste artigo é analisar as diversas políticas setoriais desenvolvidas na
Amazônia para a borracha extrativa, demonstrando as dificuldades com as quais o setor
produtivo conviveu e os seus reflexos na produção. Pretendemos mostrar que as políticas
setoriais não foram bem sucedidas. Os seringais nativos, densamente povoados, inicialmente
por indígenas, depois pelos migrantes nordestinos, com a desativação gradativa da atividade
gumífera, a partir de 1912, começam a ser despovoados. Os seringueiros sem nenhum apoio
fugiram da miséria e do caos que se instalou na zona rural e vieram inchar as periferias das
cidades amazônicas, que cresceram desordenadamente e sem nenhuma infra-estrutura. Grande
parte da floresta transformou-se em pastagens. Várias etnias indígenas inteiras desapareceram,
outras foram fortemente reduzidas. Perdeu-se grande parte de seus conhecimentos
tradicionais e práticas sustentáveis de manejo das florestas. A biodiversidade está
11 Plano Cruzado é um Plano econômico editado no Governo Sarney, em 1986, que congelou os preços dos produtos e confiscou os produtos para garantir o abastecimento. A população foi conclamada para ser os fiscais do Governo. A economia desarticulou-se, criando distorções no mercado, como foi o caso da borracha, que ficou 15 meses com os preços congelados com uma defasagem de 86%.
26
desaparecendo, com inúmeras espécies da fauna e da flora diariamente entrando em extinção,
e um banco genético de valor incomensurável está exposto à biopirataria. E os extrativistas,
índios e seringueiros, continuam excluídos e marginalizados.
22..22.. OOss ddiivveerr ssooss cciiccllooss ddaa bboorr rr aacchhaa eexxttrr aatt iivvaa nnaa AAmmaazzôônniiaa
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As populações indígenas que habitavam a Amazônia já produziam inúmeros artefatos
de borracha, mesmo antes da chegada dos colonizadores europeus. As técnicas utilizadas
eram artesanais, saudáveis e não predatórias (ARAÚJO: 1998). A caça, a pesca, a colheita de
frutos silvestres, o cultivo do milho, da mandioca, do algodão, do tabaco, a colheita do látex,
tudo era feito coletivamente através de práticas milenares aprendidas com os antepassados,
seguindo um calendário próprio, no qual as espécies eram conservadas para não correr o risco
de sua extinção. Assim, obtinham uma produção diversificada, ajustada às condições
ecológicas e ao potencial ambiental de sua região. A natureza era cultuada e venerada, pois
dela dependiam para sobreviver.
2.2.2 O “Ciclo da Borracha”: De 1820 a 1912
Durante o século XIX e início do século XX, a Amazônia acabou por ser associada à
produção e exploração da borracha, produto extraído da seringueira, árvore típica da floresta
regional, fato que iria marcar grande parte de sua história de seus sucessos e insucessos.
Segundo D'Araújo, "desde que a região deixou de ser um alvo para a catequese e o
aldeamento de populações indígenas, a conquista territorial passou a ser feita por meio da
27
seringueira, para a qual se voltaram migrantes do Nordeste em busca da realização do sonho
de enriquecimento rápido e de retorno às antigas paragens” (D’ARAÚJO, 1992, p.42).
Ainda segundo Araújo (1998), nas três últimas décadas do século XIX até a I Guerra
Mundial, a metade do consumo mundial era suprido pela borracha brasileira, sendo que 1912
foi o ano de maior produção quando foram exportadas cerca de quarenta mil toneladas, que
representaram 35% das exportações nacionais, ficando em segundo lugar, perdendo apenas
para o café.
Neste período, milhares de nordestinos migraram para a região amazônica fugindo de
prolongados períodos de estiagem na região nordeste brasileira. Pinto (1984), relata que entre
1872 e 1900 teria sido da ordem de 260 mil pessoas. Araújo (1998) estima que até 1910 foram
quinhentas mil, os trabalhadores emigrantes que se deslocaram à Amazônia para se juntar aos
índios arregimentados para o trabalho extrativo da borracha. Santos (1995) relata que, entre
1840 e 1910, cerca de seiscentos a setecentos mil nordestinos vieram para a região como mão-
de-obra quase escrava. O “Ciclo da Borracha” acarretou a drástica redução dos povos
indígenas e constituiu-se de uma atividade altamente predatória dos recursos naturais.
Ergueram-se muitos prédios. Grandes arquiteturas mudaram a fisionomia de algumas cidades
amazônicas, a exemplo do grande Teatro Amazonas, na cidade de Manaus - AM, e o
imponente Teatro da Paz, na cidade de Belém - PA.
“Embrenhados na floresta, munidos de machadinhas e de facas para fazer as incisões
nos troncos das seringueiras, de tigelas e baldes para recolher o látex, os seringueiros
perseguiam os índios e executavam o rude trabalho nas árvores, que se encontram dispersas
no meio da floresta” (ARAÚJO, 1998, p.81).
Outros aspectos a serem considerados são as peculiaridades da atividade extrativista
implementada através do sistema denominado de aviamento12:
28
O constante fluxo dos gêneros necessários à atividade extrativista e do produto a ser
exportado era alimentado pelo crédito pessoal, na maioria das vezes liquidado após a entrega
da safra de borracha. [...] Nestas circunstâncias e auxiliada pela classificação fictícia do
seringueiro como agente autônomo, a extraordinária exploração a que se submete o trabalhador
extrativista é encoberta pelo manto de sucessivas operações comerciais. Ou seja, o excedente
por ele gerado é apropriado, fundamentalmente, através do rebaixamento dos preços de compra
da borracha produzida no seringal, e do encarecimento dos gêneros de subsistência que lhe são
vendidos pelo mesmo intermediário (PINTO, 1984, p. 23-24).
Depois de viver o seu período áureo até o seu apogeu no ano de 1912, a borracha
extrativa entrou em decadência. Com o início da produção em grande escala dos seringais
racionalmente plantados no Sudeste Asiático, a preços mais acessíveis, e com o
desenvolvimento da borracha sintética, originária do petróleo, a borracha extrativa na
Amazônia, entrou em colapso (PINTO, 1984), não se tornando mais viável, ao ter que
competir em igualdade de condições com a borracha de cultivo. A partir daí, passou a ter altos
e baixos, oscilando de acordo com interesses de políticas governamentais intervencionistas,
que a mantiveram artificialmente, até hoje (2005).
2.2.3 A primeira grande crise: De 1912 a 1942
A borracha extrativa viveu o seu grande apogeu até o início do século XX. Porém, a
partir do ano de 1912, quando entrou no mercado a borracha asiática produzida em seringais
implantados pelos Ingleses, o setor gumífero na região entrou em colapso. Os seus preços no
mercado internacional despencaram, provocando a maior e mais longa crise do setor. Neste
12 “Aviamento ou sistema de aviamento é o endividamento prévio e continuado do seringueiro com relação ao seringalista, estabelecendo laços múltiplos de dependência, formando uma cadeia de dominação pelo fornecimento antecipado de bens de consumo e instrumentos de trabalho, que serão pagos com a produção extrativista. A prisão pela dívida garantia a imobilização dessa mão-de-obra e constitui-se em um dos traços marcantes da empresa seringalista” (PAULA, 1991, p.36).
29
período, as autoridades federais foram obrigadas a adotar providências, objetivando recuperar
mercado, preço e melhoria das condições da região.
Foi o que ocorreu em 1912, quando o governo criou a Superintendência da Defesa da
Borracha, através da qual propunha isentar de impostos os produtos importados de interesse à
extração, bem como criar incentivos e prêmios para a produtividade, para a plantação de
seringueiras e para a instalação de infra-estrutura, visando a melhoria dos transportes, da
saúde e da educação.
Foi dada a redução de 50% nos impostos estaduais sobre as exportações e foram
destinadas verbas através da abertura de créditos para instalações burocráticas. Mas, a
descontinuidade frustraria as iniciativas logo nos seus primeiros anos. "Dois anos depois, o
Congresso negou-se a aprovar novos créditos, e esse primeiro ensaio de uma política de
desenvolvimento para a região caiu no completo vazio” (COSTA, 1971; MAHAR, 1978 apud
D’ARAÚJO, 1992:42).
Segundo Pinto (1984), para dar saída à borracha nacional que não tinha mais o
mercado externo, o governo criou condições favoráveis para que indústrias de artefatos se
instalassem no país, a partir de 1912. A Lei nº 2.543-A, de 05.01.1912 e o Decreto Lei nº
9.521, de 17.04.1912 deram condições para o surgimento de indústrias de borracha em
Manaus e Belém e a Lei nº 4.242, de 05. 01.1921 e o Decreto Lei nº 16.763, de 31.12.1924
deram incentivos fiscais para a instalação de indústrias de artefatos no Brasil. Mesmo com o
consumo interno, os preços continuaram baixos e ocorreu uma vertiginosa queda na produção
de borracha no período, mesmo com as políticas governamentais que diziam estar apoiando e
incentivando a produção de borracha, através do estímulo e incentivos concedidos às
indústrias, mas que, na realidade, estavam transferindo recursos do setor produtivo gumífero
da Amazônia para o setor industrial. O parque industrial de São Paulo se solidificou, em
30
detrimento do setor produtivo da Amazônia que continuou estagnado até o início da II Guerra
Mundial.
No grande “Ciclo da Borracha” a sua produção foi ascendente, graças à demanda
crescente em função da Revolução Industrial e da não-existência de concorrência. Em 1827, o
Brasil produziu 31 toneladas/ano chegando no seu apogeu em 1910 a atingir uma produção de
40.800 toneladas/ano (Figura 1). Com o início do ingresso no mercado da borracha de cultivo
da Malásia, a economia da borracha extrativa da Amazônia, a partir de 1912, se desarticulou.
Em 1915, a produção caiu para 37.220 toneladas, e em 1930 para 11 mil toneladas/ano,
deixando milhares de trabalhadores sem as mínimas condições de sobrevivência no meio da
floresta.
Essa crise teve sérios reflexos nas relações entre seringueiros, seringalistas e casas
aviadoras. Os seringueiros se desvencilharam dos laços de compromisso que os prendiam ao
seringalista e partiram para a produção autônoma. Surgiram os regatões ou marreteiros que
vieram substituir os seringalistas no fornecimento de bens de consumo aos seringueiros,
consolidando-se como uma alternativa para atendimento aos produtores autônomos.
Figura 1 - Evolução da produção, em toneladas, de borracha extrativa na Amazônia entre 1830 e 1942
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
1830
1840
1850
1860
1870
1880
1890
1900
1910
1912
1920
1930
1940
1941
Fonte: PINTO, 1984.
31
2.2.4 A “Batalha da Borracha”, um novo ciclo e a nova crise: de 1942 a 1967.
O ataque japonês a Pearl Harbour provocou profundas mudanças na política da
borracha nos Estados Unidos e conseqüentemente no Brasil. Depois do auge da borracha e da
tentativa frustrada de investida por parte do setor privado13, somente com a II Guerra Mundial,
a borracha reconquista, ainda que por pouco tempo, o cenário mundial, fazendo com que o
Brasil participe, de certa forma da guerra, como produtor de matéria-prima.
Em 1942, o Brasil assinou um contrato com os Estados Unidos, tendo, entre outros
objetivos, a cooperação técnica, científica e financeira entre os dois países, além da criação de
um fundo para a expansão da produção da borracha. Os Estados Unidos exigiam, em
contrapartida, o exclusivismo da matéria-prima do Brasil e limitações para a sua
comercialização com a Alemanha. A borracha era um dos produtos mais importantes do
mercado da guerra. Assim o Brasil não apenas contribuiria com a guerra, como também
receberia recursos para investir na produção da borracha.
A II Guerra Mundial marcou, ainda, a primeira experiência de planejamento
governamental no Brasil. A criação, em 1939, do Plano Especial de Obras Públicas e
Aparelhamento da Defesa Nacional, plano qüinqüenal, complementado pela Coordenação da
Mobilização Econômica em 1942, apontou para uma forma relativa de intervenção do Estado.
No período correspondente aos anos de 1943 a 1948, surgiu o Plano de Obras e
Equipamentos. Em 1946, a nova Constituição fez referência ao planejamento, estabelecendo o
Conselho Nacional de Economia, que, apesar do limite no que diz respeito ao poder de
decisão, apresentou ao Executivo um quadro da situação da economia do país. A
Constituição, embebida nos ideais de "valorização", "desenvolvimento", e "aproveitamento
13 O Megaprojeto de Henry Ford (1927-1945)
32
das possibilidades econômicas", assegurou uma política governamental de valorização da
Amazônia e do Vale do São Francisco.
Tem-se, então, a primeira grande intervenção do Estado na economia da Amazônia,
motivada pela situação internacional, que levou ao colapso do suprimento, para os
americanos, da borracha advinda da Ásia. A produção extrativista na Amazônia foi
estimulada através do programa denominado de “Batalha da Borracha14”, criando a Comissão
de Controle dos Acordos de Washington (Decreto-Lei nº 4.523, de 25.06.1942). Criou-se
ainda o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia - SEMTA
(Decreto-Lei nº 4.481, de 17.10.1942), seguido pela Comissão Administrativa do
Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia - CAETA, recrutando massivamente
mão-de-obra, especialmente de retirantes nordestinos, equiparando o extrativismo gumífero
ao serviço militar (PINTO, 1984). A migração foi positiva em decorrência da seca no
Nordeste. Foram criados, ainda, (Decreto-Lei nº 5.044, de 04.12.1942), para solucionar os
problemas de saúde e abastecimento nos seringais, o Serviço Especial de Saúde Pública e
programas de drenagem nas principais cidades, tais como a Superintendência de
Abastecimento do Vale Amazônico - SAVA, além de incentivos para a navegação. Porém, os
objetivos não foram alcançados e as conseqüências só não foram mais desastrosas porque, ao
final desse acordo, em 1947, o governo criou a Comissão Executiva de Defesa da Borracha,
comprando e estocando o produto excedente.
Paula (1991, p.35), assim descreveu esse novo ciclo:
Com o advento da Segunda Guerra Mundial e a invasão do nordeste asiático
pelos japoneses, os países industrializados do Ocidente foram duramente atingidos
pela falta de uma matéria-prima indispensável naquele momento para a indústria
bélica: a borracha. Para contornar a situação a curto prazo, o governo dos Estados
14 Batalha da Borracha foi um programa de desenvolvimento regional para a Amazônia, que criou o Banco de Crédito da Borracha e o monopólio da borracha, elevou os seus preços com a garantia de sua comercialização com os Estados Unidos, através dos Acordos de Washington e o recrutamento de trabalhadores, os “soldados da borracha”, através do SEMTA, regulamentando as relações de trabalho entre seringueiros e seringalistas. (PINTO, 1984, p.93, 95).
33
Unidos estabeleceu um acordo com o governo brasileiro. Foi o “Tratado de
Washington”, com o objetivo de reativar a produção da borracha nativa na Amazônia.
Porém, o volume de produção de borracha que se conseguiu foi muito aquém do que
se esperava, não atingindo as metas desejadas. O modelo adotado foi o mesmo do início do
século, mantendo os seringueiros novamente à mercê dos seringalistas. Pinto declarou:
O governo federal recriou uma situação de iniqüidade social que já havia
causado indignação nos círculos mais conservadores do Congresso Nacional, durante
os primeiros anos deste século. Na verdade, o Banco de Crédito da Borracha veio
apenas substituir as tradicionais casas exportadoras, financiando o intermediário e
adquirindo a safra. O seringueiro continuou como antes, isolado de tudo e de todos,
totalmente à mercê das vontades de seu patrão – o seringalista (PINTO, 1984, p.102).
Com o final da II Guerra Mundial, e a substituição em grande escala da borracha
natural pela borracha sintética no mercado americano, os seus preços despencaram
novamente, e os seringueiros, ao estarem atrelados aos seringalistas e patrões, através do
sistema de “aviamento” patrocinado oficialmente pelo BNB, voltam a viver sob um regime de
escravidão, resultando em mais uma profunda crise para o setor gumífero na Amazônia.
O governo brasileiro trouxe a idéia de desenvolvimento planejado em seus projetos
desde a década de 1930, ganhando fôlego após a II Guerra Mundial. A Amazônia passa a ser
alvo dessa ação,
tornando-se então objeto de tratamento, à luz das modernas técnicas de planejamento. Como
resultado, tivemos não só a criação da SPVEA (Superintendência de Proteção e Valorização
Econômica da Amazônia), como a transformação do Banco de Crédito da Borracha em Banco
da Amazônia (1951) e a criação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA
(1952). (D'ARAÚJO 1992, p.40).
Em 1951, a borracha extrativa não conseguia atender a demanda interna e o Brasil de
grande exportador de borracha natural, passou a importar esta matéria-prima para atender as
necessidades das indústrias nacionais de artefatos, estimuladas e incentivadas por programas
governamentais a partir de 1920 (PINTO, 1984).
34
O monopólio da borracha trouxe muitas conseqüências negativas para a região.
[...] não melhorou a qualidade e produção da borracha, não diminuiu o seu custo para
torná-la competitiva no mercado internacional e não melhorou a qualidade de vida dos
seringueiros e seringalistas. Concretamente esmagou o seringueiro, jogando-o numa
luta frontal com fazendeiros incentivados pela SUDAM e BASA, origem dos famosos
“empates”, conflitos que se originaram à época do monopólio estatal da borracha,
quando o Banco de Crédito da Borracha pagava pela borracha um preço vil,
impedindo que os donos de seringais (nordestinos originalmente famintos) pudessem
honrar seus financiamentos junto ao banco, quando então suas terras e seringais eram
tomados e vendidos aos fazendeiros do Sul/Sudeste do País para implantação de
grandes fazendas de gado, todas incentivadas pela SUDAM e BASA, conforme consta
nos relatórios oficiais do Banco da Amazônia (SOARES, 2002, p.9).
Os baixos preços praticados e a política implementada pelo BASA durante o
monopólio da borracha, segundo Soares (2002), proporcionaram condições para que o banco
auferisse, no período, lucros extraordinários, que, em vez de serem aplicados no setor
primário, financiavam a instalação de indústrias de artefatos. Assim era transferida
criminosamente a renda da base produtiva na Amazônia para o setor industrial no Sul/Sudeste
do País, falindo a economia da borracha nativa, deixando a região mais empobrecida e
dependente. Foi neste período que se deu o início ao processo de destruição da floresta
amazônica, seqüencialmente apoiado pela “Operação Amazônia”, nos governos militares, que
financiavam grandes projetos agropecuários, desmatando extensas áreas de floresta, para a
formação de pastagens para a criação de gado.
2.2.5 A “Operação Amazônia” - SUDHEVEA, TORMB, PROBOR e a nova
política econômica da borracha: De 1967 a 1986.
Até 1965, as indústrias de artefatos nacionais eram abastecidas em parte pela
importação de borracha, complementadas com a borracha proveniente do precário
extrativismo da Amazônia (PINTO 1984). Somente em 1967 foi implementada uma profunda
reformulação na política econômica da borracha, na qual os governos militares, visando
manter a ocupação física da região amazônica, implementaram grandes projetos
35
desenvolvimentistas. A SUDHEVEA e o Conselho Nacional da Borracha - CNB foram
criados, através da Lei nº 5.227, de 18.01.1967. A Taxa de Organização e Regulamentação do
Mercado da Borracha - TORMB, cobrada sobre as borrachas importadas, a instituição de um
preço de garantia para a borracha vegetal, a extinção do monopólio de comercialização da
borracha e a formação de um estoque regulador para atender as demandas das indústrias de
artefatos foram medidas que trouxeram um novo ânimo à produção da borracha amazônica
(PINTO, 1984).
O setor extrativista foi movimentado por fartos recursos provenientes da TORMB,
gerados pela política implantada a partir de 1967, que contingenciava a borracha importada e
equalizava seus preços aos da borracha nacional. Assim a SUDHEVEA bancava o
funcionamento de vários projetos de apoio à borracha nativa, na área produtiva e social
(PROBOR I, II e III). Um dos Subprogramas para a recuperação de seringais nativos atendia
projetos, tais como, a abertura e reabertura de seringais, o custeio e a comercialização de
safra, o abastecimento de mercadorias a preços acessíveis pela Companhia Brasileira de
Alimentos - COBAL, os programas de saúde e educação, pelos convênios com os governos
estaduais, entre outros (PINTO, 1984).
Com os recursos arrecadados através da TORMB, também foi lançado um ambicioso
programa para a formação de seringais de cultivo, o PROBOR (I, II e III), com metas
audaciosas (Quadro 1), mas que não atingiram resultados nada auspiciosos, se analisarmos o
volume de recursos gastos (Quadro 2) e a produção atingida (Figura 2). De uma produção de
30.500 toneladas, no ano de 1967, quando o programa começou, caiu para 18.096 toneladas
no ano de 1975, e finalmente acabou tendo uma queda mais acentuada até 1991, quando
foram produzidas apenas 1.881 toneladas. Mesmo com os volumosos recursos aplicados no
programa, a produção despencou e não gerou a tão desejada auto-suficiência de borracha para
suprir a demanda das indústrias nacionais.
36
O Estado Brasileiro teve muita responsabilidade sobre o setor de borracha na Amazônia:
A decadência acentuada da economia da borracha amazônica nos últimos
anos foi gestada pelo comportamento perverso dos preços fundamentalmente
determinados por decisões administrativas e não por situações endógenas do mercado.
A divisão de competência no controle de preços e o bloqueio exercido sobre eles
anularam os mecanismos de política setorial, levando o setor a uma situação de
inviabilidade econômica e financeira (BORREANI, 1984, apud SOARES, 2002,
p.15).
Quadro 1 – Resumo das metas programadas do PROBOR I, II e III.
PROBOR
PROBOR
PROBOR
PROBOR
I II III TOTAL Seringal de cultivo/
plantio
18.000 ha 120.000 ha 250.000 ha 388.000 ha
Seringal cultivo/ recuperação
5.000 ha 10.000 ha 6.000 ha 21.000 ha
Seringal nativo/ recuperação
10.176 colocações
10.000 colocações
5.000 colocações
25.176 colocações
Instalação de usinas 9 8 4 21
Instalação de mini-usinas 500 500
Enxertia de toco
27.500 27.500
Fonte: SOARES (2002)
Quadro 2 – Balanço Final do PROBOR I, II e III. Estimativa de uso de recursos US$ bilhões 1.3 a 2
Seringais de cultivo efetivamente implantados ha 215.810 Investimento estimado dos seringais implantados US$ milhões 700 Produção estimada de 215.810 há t/ano 172.648 Produção corrente estimada em 1997 t/ano 40.000 Produção estimada de 25.176 colocações t/ano 12.588 Produção corrente de borracha amazônica 1997 t/ano 4.000 Projeção de produção de 21 usinas financiadas t/ano 30.240 Estimativa de produção de 4 usinas residuais t/ano 2.880 Mini-usinas existentes nenhuma Nenhuma Fonte: SOARES (2002)
37
Ao verificarmos a queda vertiginosa da produção de borracha nativa a partir dos anos
de 1980 e analisando a soma de recursos investidos no “setor” pelo Programa de Incentivo à
Produção da Borracha Natural - PROBOR, não foi uma política séria e honesta para com os
amazônidas:
[...] a ação predadora da SUDHEVEA e do IBAMA na economia extrativa da
borracha amazônica vem confirmar a nossa tese de que a política econômica da
borracha derivada da Lei nº 5.227/67, tinha como uma de suas metas principais a
erradicação da produção de borracha nativa, uma das causas da destruição da floresta
amazônica e do meio ambiente (SOARES, 2002, p.8).
O Brasil fechou os olhos para o que vinha acontecendo com a borracha produzida no
Sudeste Asiático a preços inferiores à nacional, apesar de sustentada por dumping social e
significativos subsídios governamentais.
[...] governo brasileiro e cadeia produtiva (produção e consumo) foram, no mínimo,
irresponsáveis e imprevidentes, todos satisfeitos com o modelo protetor adotado,
achando naturalmente, que esse modelo, voltado para o mercado interno, seria o
bastante para resguardar seus interesses infinitamente, como se o Brasil pudesse viver
isolado de outras economias e do comércio internacional. (SOARES, 2002, p.5).
D'Araújo, embora concorde com o fato de que tenha havido mudanças nas medidas
tomadas em relação à ocupação e desenvolvimento da região Amazônica, parte do princípio
Figura 2 - Evolução da produção, em toneladas, de borracha extrativa entre 1942 e 1980
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
30.000
35.000
1942 1946 1948 1950 1955 1960 1965 1967 1970 1975 1980
Fonte: Pinto, 1984.
38
de que permaneceu a idéia da necessidade de integrar e desenvolver a região e de que as
estratégias a serem adotadas, bem como os objetivos básicos do governo, passaram apenas por
pequenas alterações. Ela faz uma comparação entre a política de desenvolvimento para a
Amazônia da década de 1930 e da década de 1980, afirmando que "de imediato podemos
antecipar que a 'novidade' dos anos 80 em diante, consiste em descartar uma política de
ocupação e de desenvolvimento generalizado, postura que servira de base para os programas
elaborados para a região desde os anos 30, e que foram encampados pelos governos militares"
(D`ARAÚJO, 1992, p.40–41).
Tanto entre os governos militares, quanto no período anterior à sua estada no poder, as
políticas voltadas para a Amazônia prenderam-se a uma ideologia de desenvolvimento
referente à idéia que concebe os recursos naturais coma algo inesgotável.
2.2.6 Um “cruzado” contra a borracha: De 1986 a 1997
Em 1986, o governo Sarney lançou o famigerado Plano Cruzado, tabelando e
congelando artificialmente e com alarmantes níveis de defasagem (86%) os preços da
borracha. Isso levou os produtores, usineiros e industriais, que captavam recursos em bancos a
juros de mercado, a um estado falimentar. Em Tarauacá, em 1987, os seringalistas e
seringueiros uniram-se para garantir a continuidade da produção da borracha por mais alguns
anos, e montaram a usina da Cooperativa Agrícola Mista de Borracha do Vale do Tarauacá
Ltda - COOPABOR, financiada pelo Banco Nacional de Crédito Cooperativo - BNCC.
Na seqüência, porém, quando o setor começou a se recuperar, veio o golpe de
misericórdia, com a extinção da SUDHEVEA e do CNB, no bojo de uma reforma
governamental visando a contenção de despesas do setor público. As atribuições da
SUDHEVEA foram repassadas ao recém-criado Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
39
Recursos Naturais Renováveis - IBAMA. Todos os programas sociais, creditícios e de
fomento à borracha na Amazônia, que atendiam o setor, foram paralisados. A COBAL e a
SUDHEVEA, que estavam em todos os municípios da região, desmontaram suas estruturas,
fechando armazéns e escritórios e seus funcionários, altamente qualificados, foram relotados
para outros órgãos públicos federais em qualquer parte do Brasil. A maioria foi para o litoral
do Nordeste. Os bancos oficiais, Banco do Estado do Acre S.A. - BANACRE, Banco do
Brasil S. A. e Banco Nacional de Crédito Cooperativo - BNCC tiveram seus convênios
cancelados, deixando de receber os recursos da SUDHEVEA e não mais financiam as
atividades. Os Governos Estaduais tiveram seus convênios suspensos, deixando também de
receber os recursos, e paralisando importantes programas sociais na área de saúde e educação
levados ao interior das florestas através de educadores e agentes de saúde. Seringueiros,
seringalistas, regatões, usineiros, todos abandonaram a atividade. As usinas de beneficiamento
localizadas na região, que já vinham trabalhando com capacidade ociosa, em função do Plano
Cruzado, acabaram fechando em definitivo: em Cruzeiro do Sul – AC (Camelli e Pirelli), em
Eirunepé e Lábrea - AM (Mustafa Said), em Rio Branco - AC (Bonal, Helatex e Ibral), em
Guajará-Mirim - RO, (Chico Torres e Benesby), entre outras. Os seringueiros, sem nenhum
aviso prévio, sem saber o que estava acontecendo, ficaram jogados à sua própria sorte no
meio das florestas. Sem atendimento na saúde, na educação, no abastecimento, na
comercialização de sua borracha, a maioria fugiu do caos que se abateu sobre a floresta e veio
inchar as periferias das cidades. Os que insistiram em permanecer obrigaram-se a migrar para
outras atividades, transformando-se, uma minoria, em agricultores, criadores de pequenos
animais e de gado, e a grande maioria, em empregados eventuais, servindo de mão-de-obra
barata para madeireiros e fazendeiros.
A abertura da economia brasileira promovida pelo governo brasileiro derrubou o
“castelo de areia” protecionista do setor produtivo da borracha, pegando o setor inteiramente
40
despreparado para conviver com uma economia de mercado globalizado, onde prevalece a
regra do mais apto e do mais produtivo (SOARES, 2002, p. 8).
Os movimentos sociais, com este novo cenário, adquiriram mais força. O Conselho
Nacional dos Seringueiros – CNS, os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais da região e os
partidos de esquerda, especialmente o Partido dos Trabalhadores - PT, buscaram alternativas
para garantir melhores condições aos seringueiros e assim foram criadas as primeiras
Reservas Extrativistas - RESEX, a do Alto Juruá, em Cruzeiro do Sul -AC e a Chico Mendes
em Xapuri - AC. Ao mesmo tempo foi criado o Centro de Apoio ao Desenvolvimento das
Populações Tradicionais - CNPT, ligado ao IBAMA, mas com autonomia financeira para
gerenciar as novas Reservas. O Projeto RESEX, financiado pela Comunidade Européia, foi
importante para a manutenção dos seringueiros dentro das reservas, mas não o suficiente para
promover o desenvolvimento sustentável. Não houve nenhum projeto dentro do programa que
contemplasse especificamente o extrativismo da borracha ou qualquer outra atividade
produtiva.
Com o fechamento das usinas, a senadora Marina Silva, em 1994, conseguiu que o
IBAMA financiasse, com recursos da TORMB, a instalação de 10 usinas de beneficiamento
de borracha na Amazônia, sendo que somente quatro foram efetivamente instaladas: duas no
Acre, da Cooperativa Agroextrativista de Xapuri – CAEX, em Xapuri e da Cooperativa
Agroextrativista dos Trabalhadores Rurais de Sena Madureira – COATR em Sena Madureira,
uma em Porto Velho - RO e outra em Santarém - PA. Porém, com máquinas e instalações
inadequadas, falta de pessoal técnico e sem matéria prima suficiente, acabaram funcionando
de forma precária, sem atingir os objetivos.
O setor produtivo da borracha extrativa foi por muito tempo operado dentro de uma
redoma, sob a tutela governamental. Isso fragilizou a carente base produtiva (seringueiro,
seringalista/marreteiro/associação, usineiro/cooperativa). O mesmo não aconteceu com o setor
consumidor (a indústria pneumática e de artefatos) que se modernizou, inovou e se preparou
41
para enfrentar uma concorrência internacional. Assim, abriu-se um grande fosso entre os dois
setores, propiciando, como única alternativa para que a indústria mantivesse o seu nível de
competitividade diante de um mercado globalizado, a importação de borracha asiática de
menor custo. E o setor produtivo, não só da Amazônia, mas em nível nacional, entrou em
colapso.
2.2.7 Política subvencionista à borracha extrativa: De 1997 até presente data
(2005)
Só em 1997, quando o setor já está totalmente desestruturado na Amazônia, surgiu
uma nova política para a borracha no Brasil. A Lei nº 9.479, de 12.08.1997, extinguiu a
TORMB e criou uma subvenção econômica à borracha natural a ser repassada às usinas de
beneficiamento para que os preços da borracha nacional pudessem ser remunerados nos
mesmos preços da borracha no mercado internacional. Através da Portaria MF nº 187, de
29.06.1995, fixou o preço da borracha tipo GEB-1 em R$ 2,58 por quilo, tomando por base o
preço da borracha do tipo SMR-10 no mercado internacional. Como a borracha GEB-1 estava,
na época, sendo comercializada a R$ 1,68 por quilo, foi estipulado o valor da subvenção em
R$ 0,90/kg, sendo que, na medida em que os preços da borracha aumentassem, o valor da
subvenção diminuiria, na mesma proporção. A subvenção seria por 8 anos, sendo, nos
primeiros quatro anos de 100%, e, a partir daí reduzindo-se em 20% até o seu oitavo ano de
execução.
Além disto, a Lei nº 9.479 repassou ao Ministério da Agricultura, da Pecuária e do
Abastecimento - MAPA o controle e a gestão da heveicultura, mantendo o extrativismo dos
seringais nativos da Amazônia sob a gestão do MMA e do IBAMA. A Lei acima determinou
a tomada de medidas pelo Executivo, no sentido de criar mecanismos para a recuperação da
atividade na região. No caput do art. 7o e no Parágrafo Único, diz:
42
Artigo 7º - O Poder Executivo deverá, no prazo de sessenta dias, contados a
partir da entrada em vigor desta Lei, adotar medidas destinadas a promover a ascensão
econômica e social dos seringueiros da Amazônia, por meio de mecanismos
específicos de incentivo ao uso múltiplo da floresta amazônica e de programas de
promoção social [...].
Parágrafo Único - O Poder Executivo garantirá os recursos financeiros
necessários à implantação de programas para o adensamento dos seringais nativos,
aprimoramento das técnicas de extração e preparo do látex, visando à melhoria da
qualidade da borracha, e diversificação das atividades econômicas na região
amazônica (BRASIL, 1997, p.7).
Assim, criaram-se as condições necessárias reivindicadas pelos movimentos sociais
para atendimento diferenciado aos seringueiros da Amazônia. Abriram-se espaços aos
governos locais para desenvolverem políticas públicas próprias. O MMA criou o Programa
Amazônia Solidária para desenvolver projetos através de Ong’s para os seringais nativos.
No Acre, em 1999, a Frente Popular do Acre - FPA, liderada pelo PT, assumiu o
Governo, que criou o subsídio estadual à borracha bruta, através da Lei nº 1.277, de 13.01.99,
conhecida como Lei Chico Mendes e reformada mais tarde pela Lei nº 1.427, de 27.12.2001
(SILVA E TEXEIRA, 2004) e recebeu recursos do Programa Amazônia Solidária, num total
de 6 milhões de 2000 a 2003 (BRASIL, 2004). Através da Secretaria Executiva de Florestas e
Extrativismo - SEFE firmou convênio com o Ministério da Agricultura e foi o único Estado
da federação a administrar os recursos da subvenção federal destinado à produção de borracha
do Estado15. Criou a Cooperativa dos Produtores Rurais e Extrativistas do Estado do Acre -
COOPEC, hoje, Cooperativa das Centrais de Associações de Seringueiros e Produtores Rurais
do Acre – COOPERACRE. Também em acordo com a empresa Pirelli, indústria pneumática
que produz na Bahia o pneu “Xapuri”, o Governo do Estado conseguiu a garantia da
comercialização de toda a produção de borracha do Estado. Ainda, há mais de quatro anos
vem desenvolvendo estudos e pesquisas, com o apoio dos Ministérios da Saúde e da Ciência e
15 A subvenção federal, criada pela lei 9.479/97, é repassada às usinas de borracha através da Companhia
Nacional de Abastecimento - CONAB ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA.
43
Tecnologia, Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA, ex-Superintendência de
Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM e Superintendência da Zona Franca de Manaus -
SUFRAMA, para a implantação de uma unidade industrial para a fabricação de preservativos
em Xapuri - AC, que garantirá a aquisição subsidiada de todo o látex da região e a venda da
produção ao Ministério da Saúde (PEREZ e PEROZZI, 2003). Através da Lei 1.358, de
29.12.2000, criou uma redução de até 95% no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços - ICMS, para aplicação em investimentos fixos, incentivando empresas que utilizam
matérias primas regionais, como é o caso da borracha. Dessa forma, a borracha do Acre, em
vez de ir, na forma de borracha bruta (CVP), para ser beneficiada em outros Estados, sai daqui
na forma de matéria prima (GEB). Estava consolidada uma política governamental com todas
as condições de fazer o Acre voltar a ser novamente um grande produtor de borracha vegetal
extrativa, como foi no passado. Esses programas, integrados, deveriam transformar os
seringais nativos em verdadeiros pólos de desenvolvimento local em favor das populações
extrativistas.
Porém, ao efetuar o pagamento das subvenções (estadual e federal) somente às
associações/cooperativas de seringueiros filiadas à FETACRE, e a obrigatoriedade de trânsito
e comercialização da borracha bruta através da COOPEC, cerceou o acesso ao programa de
outras instituições que não faziam parte da rede que se articulou, bem como não incluiu no
subsídio outros tipos de borracha, como a folha de defumação líquida - FDL, os tecidos
emborrachados e os artesanatos de borracha.
Assim, duas usinas de beneficiamento de borracha, de cooperativas tradicionais, que já
estavam cadastradas na CONAB e recebiam regularmente os valores da subvenção federal,
paralisaram suas atividades porque não conseguiram se cadastrar na SEFE, pois não eram
filiadas à FETACRE, exigências impostas por aquele órgão governamental para a efetivação
do cadastro. Assim não tiveram condições de competir com a estrutura montada, pois, ao não
44
receberem os subsídios, não tinham como remunerar os produtores com o mesmo preço pago
pelos beneficiários do programa governamental. A usina da COOPERECO, em Rio Branco,
que produzia o Granulado Escuro Brasileiro - GEB e o Crepe Claro Brasileiro - CCB, vendeu
suas instalações à COAEPA (Cooperativa dos seringueiros e produtores rurais do Antimary)
que até hoje não conseguiu reativá-la. A usina da COOPABOR, em Tarauacá, que produzia
GEB, funcionou de 1987 a 1999, garantindo uma sobrevida aos seringueiros e à própria
atividade nos municípios de Tarauacá, Feijó, Jordão e Cruzeiro do Sul, no Acre e Envira -
AM, gerando impostos e empregos ao Estado e aos Municípios, deixou de funcionar em 1999
e hoje a produção naqueles municípios é muito pequena.
Por outro lado, somente duas usinas estão operando atualmente no Acre, a usina da
CAEX, em Xapuri, arrendada para um empresário do estado de São Paulo e a da COATR em
Sena Madureira que, hoje, como uma empresa particular tem a denominação de Usina de
Beneficiamento de Borracha Casa do Seringueiro. Esta última, através de financiamento
concedido pelo BASA, montou uma estrutura moderna, com máquinas e equipamentos atuais,
com capacidade instalada para beneficiar 300 toneladas por mês. Porém, mesmo com a
compra de borracha dos vizinhos Estados do AM e de RO, ambas estão operando com menos
de 50% de suas capacidades instaladas.
Segundo Morceli (2004), os subsídios federais foram pagos aos usineiros até agosto de
2002, quando os preços da borracha no mercado interno ultrapassaram a barreira dos R$ 2,58
fixados pela Lei. Assim, a subvenção federal cumpriu a sua função e permitiu que o setor
heveícola nacional sobrevivesse, se organizasse e pudesse competir em igualdade de
condições com a borracha importada (MORCELI 2003). Na Amazônia, mesmo com as
políticas regionais dos estados do Acre, Amazonas e Rondônia, o extrativismo da borracha
não reagiu como se esperava. A produção aumentou, porém não nos níveis desejados,
conforme podemos ver na figura 3, e os extrativistas continuam pauperizados.
45
A Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI da borracha, criada no Congresso
Nacional para avaliar especificamente a sistemática de concessão de subvenção econômica
aos produtores da borracha concluiu que:
[...] se houve algum benefício, quem o recebeu foi seguramente o elo mais forte da cadeia
produtiva, ou seja, as indústrias de pneumáticos e de artefatos da borracha, sem quaisquer
transbordamentos desses benefícios para o setor de produção da matéria-prima, tanto na
atividade extrativista como na de cultivo, sabidamente, no caso de ambas, exercidas por
pequeno e médios produtores. A atual política para o setor é equivocada, não trouxe qualquer
benefício, pelo contrário, só prejuízos, aos seringueiros e às reservas extrativistas (BRASIL,
2003, p.204).
Além disso, os recursos dos subsídios estaduais não são pagos diretamente aos
seringueiros, mas às associações e cooperativas. Ao fazer uma análise da política de
subvenção implantada no Estado do Acre, através da determinação das variações que ocorrem
no bem-estar entre consumidores, produtores e os custos sociais advindos da sua
implementação, Silva e Texeira (2003, p.10) concluem que “a política é eficiente, pois possui
baixo custo social, porém é viesada pelo fato de os consumidores se apropriarem de, em
média, de mais de 60% dos benefícios do programa”. Perez (2004, p.1), ao analisar o artigo
Figura 3 - Evolução da produção, em toneladas, de borracha extrativia entre 1990 e 2002
0
1.000
2.000
3.000
4.000
5.000
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Fonte: Morceli, 2004.
46
“Abordagem Microeconômica da Política de Subsídios à Borracha Natural do Acre”, de
Rubicleis Gomes da Silva e Erly Cardoso Texeira, relata:
Conforme informações dos autores, é necessário que a médio e longo prazos haja uma
reestruturação da cadeia produtiva da borracha natural no estado do Acre, sendo que no novo
cenário, a incorporação de tecnologia e substanciais aumentos de produtividade garantam
competitividade a esta atividade, tornando-a sustentável a longo prazo sem a utilização de
subsídios governamentais (PEREZ, 2004, p.1).
Também sobre o Programa Amazônia Solidária, segundo Relatório do Tribunal de
Contas da União – TCU, foram aplicados na Amazônia, R$ 16.236 mil (BRASIL 2004), no
período de 2000 a 2003, e conclui que,
Os critérios adotados para a aprovação dos projetos são deficientes tecnicamente e não
beneficiam os grupos mais vulneráveis [...] Além disso, parcela dos recursos não é alocada em
benefício direto das comunidades. É direcionada para organizações não governamentais
representativas do setor extrativista que atuam em toda a região amazônica, como Conselho
Nacional dos Seringueiros – CNS, o Grupo de Trabalho Amazônico – GTA, a Coordenação
das Nações Indígenas de Amazônia – COIAB, que são agências implementadoras do Projeto
BRA/99/025, e outras redes. Contudo não há um acompanhamento satisfatório dos resultados
das ações dessas entidades em benefício das comunidades extrativistas (BRASIL, 2004, p.17).
Morceli (2003, p.3), ao comparar a atividade extrativa com a atividade em seringal
cultivado, declara:
Entretanto, o mesmo não acontece com o seringueiro (extrativista), pois tem as
seguintes desvantagens: a exploração se dá na Região Amazônica onde não existe indústria
consumidora final (pneumáticas ou de artefatos) obrigando ao deslocamento até a Região
Centro-Sul; as árvores estão dispersas ao longo das “estradas” fazendo com que o seringueiro
tenha que andar longas distâncias para localizar as árvores para fazer o corte, resultando em
produção média de 500 kg de coágulo por ano para cada seringueiro; e as árvores não são
uniformes (da mesma variedade) de modo que o látex, muitas vezes, tem diferenças nas suas
características físico-químicas depreciando o produto.
Ao fazer uma análise da evolução da produção de borracha na Amazônia, Morceli
(2004, p.66) afirma que,
A situação não melhorou para o seringueiro (extrativista), pois mesmo com os preços
atuais médios de R$ 1,78 por quilo de coágulos virgem prensado, com 85% de DRC no Acre,
47
já incluso a subvenção estadual, como a produção é muito baixa (cerca de 50 kg por mês por
extrativista), não conseguindo gerar renda para se manter na atividade.
Em sua análise sugere, para que a atividade se torne viável, a implantação de
tecnologias de produção e beneficiamento do látex que agreguem valor ao produto gerado e,
com isso, aumentem a renda do extrativista.
2.3 CONCLUSÕES
Pelo que constatamos no presente estudo, as políticas setoriais para a borracha
extrativa na Amazônia não tiveram seus resultados refletidos nos níveis de produção. Todos
os programas implantados, em todas as épocas, restringiram-se ao sistema produtivo
convencional da borracha industrial.
Os seringueiros continuam pobres e sem nenhuma estrutura produtiva. A produção
média de 75 kg/mes por seringueiro, comercializados no Acre a R$ 1,80 kg, incluindo os
subsídios, garante-lhes uma receita bruta mensal de R$ 135,00. Esse valor não os estimula a
reabrir suas estradas, investir em utensílios necessários para o início da atividade e muito
menos dá condições de sobreviver, de forma digna, somente desta atividade.
Por isso, a produção mantém-se em níveis baixos. Haverá produção enquanto durar o
subsídio. Se o programa acabar, a atividade não sobrevive, ao ter que competir em igualdade
de condições com a borracha produzida em seringais de cultivo, localizados mais próximo dos
centros consumidores e onde a produtividade é maior.
Se o objetivo da subvenção como prevê a Lei é “promover a ascensão econômica e
social dos seringueiros da Amazônia”, mantendo o seringueiro, na floresta, produzindo
borracha e sobrevivendo de maneira digna da atividade, é preciso inovar, transformando em
investimentos os recursos hoje canalizados para o pagamento de subvenções à atividade, e
que não são integralmente repassados para os seringueiros. Investimentos em estrutura e no
48
desenvolvimento de novas tecnologias que permitam, como prevê a Lei, “o aprimoramento
das técnicas de extração e preparo do látex, visando a melhoria de sua qualidade”.
A promoção e ascensão econômica e social dos seringueiros e o aprimoramento das
técnicas de extração e preparo do látex, visando a melhoria de sua qualidade, podem muito
bem ser entendidos pelo conceito apregoado por Leff (2000, p.139), como “a revalorização
dos saberes tradicionais e das economias autogestionárias e participativas, para satisfazerem
as necessidades básicas das comunidades rurais através dos benefícios econômicos, sociais e
ambientais que resultam desta estratégia produtiva”.
É possível trabalhar estes conceitos na produção da borracha extrativa na Amazônia,
gerando autonomia aos extratores de borracha (índios e seringueiros), através de outras
possíveis alternativas de uso do látex nativo, como poderemos verificar nos próximos artigos.
2.4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, H. R. O mercado, a floresta e a ciência do mundo industrial. In: ARAUJO, H. R; SEILER, A. et al. (orgs.). Tecnociência e Cultura: ensaios sobre o tempo presente. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. p. 65-90. BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório de prestação de contas de programa: Ação Amazônia Sustentável/ Tribunal de Contas da União. Brasília: TCU. Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Governo, 2004. 106 p. ----------. Avaliação do TCU sobre o Amazônia Sustentável: Tribunal de Contas da União: Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Governo. Sumários Executivos – TCU/SEPROG. Brasília, DF v. 16, 21 p. BRASIL. Lei 9.479, de 12 de ago. 1997. Dispõe sobre a concessão de subvenção econômica a produtores de borracha natural. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF. 13 de ago. 1997. ----------. Lei 5.227, de 18 de jan. de 1967. Dispõe sobre a política econômica da borracha. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF. 19 de jan. 1967.
49
D'ARAÚJO, M. C. Amazônia e desenvolvimento à luz das políticas governamentais: A experiência dos anos 50. Revista brasileira de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, n. 19, jun. 1992. LEFF, E. Ecologia, capital e cultura: racionalidade ambiental, democracia participativa e desenvolvimento sustentável. Blumenau: Ed. da FURB, 2000. 381 p. MAHAR, D. J. Desenvolvimento Econômico da Amazônia: Uma análise das políticas governamentais. Rio de Janeiro: IPEA, 1978. MORCELI, P. Borracha Natural: Situação atual e perspectivas. CONAB. Revista eletrônica Borracha Natural. Artigo 37. 2003. Disponível em: <http://www.borrachanatural.agr.br/artigos/artigos3.php>. Acesso em: 30 de jan. 2005. ---------------. Borracha Natural: Perspectiva para a safra 2004/05. Revista de política agrícola. v.13, n. 2, Abr./Jun., 2004, p. 56-67. ----------------. Considerações sobre o Programa de Concessão de Subvenção Econômica para a Borracha Natural. CONAB. Revista Eletrônica Borracha Natural. Artigo 12. 2002. Disponível em: <http://www.borrachanatural.agr.br/artigos/artigos4.php>. Acesso em: 30 de jan. 2005. PAULA, E. A. Seringueiros e Sindicatos: Um povo da floresta em busca da liberdade. Tese (Mestrado em Desenvolvimento Agrícola) - Instituto de ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Itaguaí, RJ, 1991. -------------. Estado do Desenvolvimento Insustentável na Amazônia Ocidental: dos missionários do progresso aos mercadores da natureza. Tese (Doutorado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade). Instituto Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ. 2003. PEREZ, P. Tecbor deve lançar produtos ecologicamente corretos. Borracha em foco. Revista eletrônica da borracha natural. 2003. Disponível em: <http://www.borrachanatural.agr.br/borrachaemfoco/030708.php>. Acesso em: 30 de nov. 2003. ------------. Resenha sobre o artigo “Abordagem Microeconômica da Política de Subsídios à Borracha Natural do Acre”, de SILVA, R.G; TEXEIRA, E.C. Borracha em foco. Revista eletrônica da borracha natural. 2004. Disponível em:
50
<http://www.borrachanatural.agr.br/borrachaemfoco/040908.php>. Acesso em: 30 de jan. 2005. PEREZ, P; PEROZZI, M. Nova fábrica de preservativos impulsionará extrativismo no Acre. Borracha em foco. Revista eletrônica da borracha natural. 2003 <http://www.borrachanatural.agr.br/borrachaemfoco/031217.php>. Acesso 30 de nov 2004. PINTO, N. P. A. Política da Borracha no Brasil: a falência da borracha vegetal. São Paulo, HUCITEC, 1984. 168 p. SANTOS, L.G. Tecnologia, natureza e a “redescoberta” do Brasil. In: ARAUJO, H. R; SEILER, A et al. (orgs.) Tecnociência e Cultura: ensaios sobre o tempo presente. São Paulo: Estação Liberdade. p. 23-46.1998. ------------. A Encruzilhada da Política ambiental Brasileira. In: D’INCÃO; SILVEIRA (orgs.). A Amazônia e a crise da modernização. Belém. Museu Emílio Goeldi. p. 135-153. 1995. SILVA, R. G; TEXEIRA, E. C. Abordagem Microeconômica da política de Subsídios à Borracha Natural do Acre. Congresso da Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural, 42; 2004, Viçosa. ANAIS... Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 2004. 18 p. Disponível em: <http://www.borrachanatural.agr.br/artigos/index.php>. Acesso em: 30 de jan. 2005. SOARES, A.T. A questão da borracha. Os últimos 35 anos (1967 a 2002) da atividade econômica da borracha. Belém: APBNB, 2002.
51
ANEXO I Quadro 3 – Legislação das políticas setoriais para borracha extrativa (1912-2005)
Dispositivo Legislação Conteúdo
Lei nº 2.543-A, de 05.01.1912 Reorganiza seringais nativos e apóia implantação de indústria de artefatos de borracha em Manaus e Belém
Decreto-Lei nº 9.521, de 17.04.1912 Reorganiza seringais nativos e apóia implantação de indústria de artefatos de borracha em Manaus e Belém
Lei nº 4.242, de 05. 01.1921 Incentivos fiscais para instalar indústrias de artefatos no Brasil Decreto-Lei nº 16.763, de 31.12.1924 Incentivos fiscais para instalar indústrias de artefatos no Brasil Decreto-Lei nº 4.451, de 09.06.1942 Cria o BCB (Banco de Crédito da Borracha) Decreto-Lei nº 4.523, de 25.06.1942 Cria a Comissão de Controle dos Acordos de Washington Decreto-Lei nº 4.481, de 17.10.1942 Cria o SEMTA (Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para
a Amazônia) Decreto-Lei nº 5.044, de 04.12.1942 Cria o SAVA (Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico)
Lei nº 5.227, de 18.01.67. Dispõe sobre a Política Econômica da Borracha Decreto-Lei nº 164, de 13.02.67. Modifica a legislação da Política Econômica da Borracha
Lei nº 5.459, de 21.06.68. Modifica dispositivos da Lei nº 5.227, de 18.01.67, que dispõe sobre a Política Econômica da Borracha.
Lei nº 9.479, de 12.08.1997. Dispõe sobre a concessão de subvenção econômica a produtores de borracha natural
Lei nº 1.277, de 13.01.99. Dispõe sobre a concessão de subvenção econômica aos seringueiros no Estado do Acre
Lei nº 2.611, de 04.07.2000. Dispõe sobre a concessão de subvenção econômica aos seringueiros do Estado do Amazonas
Lei nº 1.358, de 29.12.2000. Institui programa de Incentivos Tributários no Estado do Acre Decreto Lei nº 23.636, de 11.08.2003.
Fontes: Pinto, 1984; Morceli, 2003; Silva e Texeira, 2004; Governo do Amazonas.
ANEXO II Quadro 4 – Cronologia da economia da borracha nativa na Amazônia
Data Discriminação Até 1820 Encauchados indígenas 1820 a 1912 O “Ciclo da Borracha”
1912 Decadência da borracha nativa, Plano de Defesa da Borracha 1924 Instalação de indústrias de artefatos no Brasil 1942 “Batalha da borracha”, “Acordo de Washington”. 1942 Criação monopólio da borracha, BCB, Contingenciamento, equalização e Estoque regulador 1951 Primeira importação de borracha pelo Brasil 1967 Fim do monopólio da borracha 1967 Criação Sudhevea, CNB, TORMB 1972 PROBOR I 1978 PROBOR II 1982 PROBOR III 1986 a 1988 Desmonte da Sudhevea e do CNB 1989 Criação do Ibama 1990 a 1997 Total abandono do setor de borracha com desmandos do Ibama 1997 Extinção da TORMB e criação da subvenção à borracha 1997 a 2005 Concessão de subvenção econômica aos produtores de borracha natural nacional 1999 Concessão de subvenção econômica aos seringueiros no Acre 2000 Concessão de subvenção econômica aos seringueiros do Amazonas 2000 Concessão de incentivos fiscais para usina de beneficiamento de borracha no Acre Fonte: Pinto (1984); Soares (2002); Morceli (2004)
52
3. ARTIGO 2 - SISTEMA PRODUTIVO CONVENCIONAL E
OUTRAS POSSIBILIDADES DE USO DO LÁTEX NATIVO NA
AMAZÔNIA
Francisco Samonek16
RESUMO
No presente artigo apresentamos um estudo sobre os diversos sistemas produtivos da borracha
extrativa e suas respectivas tecnologias, desde os encauchados produzidos pelos povos
indígenas que habitavam a região antes da chegada dos europeus, passando pela borracha
industrial convencional, desenvolvida e implantada no bojo da Revolução Industrial através
do sistema de acumulação capitalista, até as mais recentes iniciativas em experimentação,
como os tecidos emborrachados, conhecidos como “couros” vegetal e ecológico, a folha de
defumação líquida - FDL e os novos encauchados de vegetais.
Palavras-chave: Borracha extrativa - Processos tecnológicos - Tratamento do látex nativo -
Tecidos emborrachados – Encauchados - Látex nativo e fibras vegetais curtas.
1616 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Manejo dos Recursos Naturais, Universidade Federal do Acre.
53
CONVENTIONAL PRODUCTIVE SYSTEM AND OTHER
POSSIBILITIES OF NATIVE LATEX USE IN THE AMAZON RE GION.
ABSTRACT
In the present article, we presented a study on the several productive systems of the extractive
rubber and its respective technologies, from rubberized fabrics produced by the indigenous
people that inhabited the area before the arrival of the Europeans, passing by the conventional
industrial rubber, which was developed and implanted during the Industrial Revolution
through the system of capitalist accumulation, up to the most recent initiatives in
experimentation, like the rubber-clad fabrics, known as vegetal and ecological "hides", the
smoked-liquid sheet - (SLS) and the new rubberized-vegetal ones.
Key-Word: Extractive rubber - Technological processes - Native latex processing - Rubber-
clad fabric – Rubberized - Native latex and short vegetal fibers.
54
3.1 INTRODUÇÃO
Os povos que habitavam a Amazônia na época da chegada dos europeus já extraíam o
látex de várias espécies nativas e, através de técnicas culturais próprias, saudáveis e não
predatórias e num convívio harmônico com a natureza, transformavam-no em uma
diversidade de objetos de uso pessoal e local.
No século XVI, a Amazônia foi alvo de cobiças das nações européias que procuravam
produtos para alimentar o mercado daqueles países. Foi um período marcado pela
colonização, aprisionamento, aldeamento e escravização de diversos grupos indígenas.
No século XVII, foi concebida e idealizada como possuidora de uma natureza
majestática, desafiadora de cientistas e estudiosos, despertando a curiosidade de viajantes.
Nesse período, segundo Pinto (1984, p.10), “a Europa da expansão mercantil não criara ainda
condições para a incorporação da borracha ao seu desenvolvimento econômico”. As
dificuldades técnicas de processamento do látex solidificado fizeram com que ela não
despertasse o interesse comercial nos três primeiros séculos da Colonização.
Somente em fins do século XVIII, ela começa a ser estudada e apontada como
importante matéria-prima para uso industrial, sendo transformada num “filho pródigo” da
Revolução Industrial.
No século XIX, as grandes descobertas da era industrial, com a química melhorando a
qualidade da borracha pela vulcanização e a metalurgia construindo máquinas que permitiram
manipular a borracha sólida, possibilitaram fabricar novos materiais, provocando profundas
mudanças na nova sociedade européia emergente. Segundo Pinto (1984, p.10), “foi neste
contexto que a interação da acumulação capitalista e do progresso técnico-científico, deram
origem à grande indústria manufatureira, da qual faz parte o subsetor produtor de artefatos de
borracha”.
55
Paralelamente, na Amazônia, são desenvolvidos processos produtivos, dentro do modo
de produção capitalista, para permitir o transporte da borracha para abastecer as indústrias nos
países centrais. Assim foi criada a borracha industrial e, a partir daí, tem início a atividade
extrativa comercial da borracha vegetal na Amazônia, cujo sistema produtivo, aqui
denominado de convencional, continua sendo o mesmo até nossos dias (2005).
Nos últimos quinze anos, algumas iniciativas, governamentais e não governamentais,
vêm desenvolvendo na Amazônia, em caráter experimental, tecnologias que garantem novos
usos para o látex nativo, com vantagens sobre o sistema produtivo convencional.
O objetivo deste estudo é demonstrar que, além do modelo de produção da borracha
convencional, desenvolvida com a expansão-capitalista européia e praticada desde aquela
época no extrativismo da Amazônia, cujo modelo passou para a heveicultura, existem outros
sistemas produtivos alternativos, com técnicas mais adequadas para a região. Para ser viável,
qualquer prática produtiva deve ser
[...] manejada pelas próprias comunidades na satisfação de suas necessidades básicas e de suas
aspirações dentro de diferentes estilos de vida. Trata-se da construção de uma racionalidade
produtiva alternativa, fundada em condições de produção ecologicamente sustentáveis, assim
como em critérios de equidade social e diversidade cultural (LEFF, 2000, p.133).
Neste artigo apresentamos todos os sistemas produtivos utilizados para a
transformação do látex nativo em algum tipo de borracha, bem como as suas respectivas
tecnologias, desde a fabricação da borracha indígena, os encauchados17, passando pelos
diversos tipos de borracha industrial, incluindo os preservativos, até as mais recentes
iniciativas, como a folha de defumação líquida - FDL, os tecidos emborrachados, conhecidos
como “couros”, vegetal e ecológico e os novos encauchados de vegetais.
17 Encauchados são os diversos artigos de borracha fabricados pelos indígenas, sem a utilização de máquinas, estufas, energia elétrica e sem o uso da defumação. Era utilizado o látex do caucho (Castilloa ulei), que era aplicado com penas de aves e secado na temperatura ambiente (SAMONEK, 2003, p.3-4).
56
3.2 As diversas borrachas extrativas na Amazônia
3.2.1 O látex nativo e os seus conhecidos processos de tratamento.
O látex é um líquido viscoso, de cor amarelo-esbranquiçada, produzido pela natureza,
em estruturas especiais, denominadas de vasos laticíferos, de árvores catalogadas em famílias
classificadas como euforbiáceas, moráceas, apocináceas, entre outras. Quando seccionados, os
laticíferos deixam fluir o látex, que coagula e veda o ferimento feito na planta. A coagulação
resulta da ação de sistemas enzimáticos.
Estruturalmente, o látex é uma suspensão que contém partículas de hidrocarbonetos do
grupo dos terpenos numa matriz aquosa. Trata-se de um colóide, isto é, uma fase sólida
(soluto) dispersa em uma fase líquida (solvente). A fase sólida (de 30 a 50%) é o
hidrocarboneto borracha (C5H8), chamado isopreno. A fase líquida (de 50 a 70%) é o soro,
constituído em sua maior parte por água, ácidos orgânicos e enzimas. O látex tem outras
substâncias, como açúcares, alcalóides, protídeos, ceras, amido, cristais, taninos e resinas.
Como observa Emperaire e Almeida (2002), o látex é coletado através de várias
incisões na árvore, colocando junto ao corte tigelas de lata ou plástico para armazená-lo. Esta
etapa, nos seringais nativos, é realizada em três fases:
(a) Corte: O seringueiro sai de sua casa, ainda de madrugada, e, da esquerda para a direita,
com uma inclinação de 20º a 30º e na altura de 1.20m a 1.50m., em dias sem chuvas, corta de
80 a 120 árvores/dia e embute a tigela na parte inferior do corte.
(b) Sangria: Durante três a quatro horas, após o corte, no ferimento feito na casca, o látex fica
saindo lentamente e se acumula nas tigelas.
57
(c) Coleta: Concluído o corte, na primeira metade da manhã, ele inicia a coleta. Com um
balde de zinco com capacidade para dois litros, ele recolhe o látex das tigelas e o armazena
em uma bolsa emborrachada, o saco defumado. Uma colheita diária oscila entre 10 e 20 litros
diários.
As principais propriedades físicas do látex de campo são: baixa densidade: 0.98
g/cm3; viscosidade (medida da fluidez), em função do teor de hidrocarboneto borracha
(concentração); pH (medida de alcalinidade ou acidez), normalmente por volta de 10 a 11, na
hora da coleta, podendo cair após breve período, devido à ação de micro-organismos e
enzimas, provocando a sua biodeterioração e alterando as propriedades físicas, químicas e
mecânicas. O látex é um dos produtos altamente suscetíveis ao ataque microbiano,
provocando mudanças de aspecto (cor, viscosidade), coagulação espontânea e cheiro
acentuado. Por isto, ao concluir a coleta, o seringueiro precisa imediatamente dar uma
destinação ao látex colhido, de acordo com o tipo de borracha que quer produzir.
Se for produzir a borracha convencional, mistura uma solução aquosa de ácido acético
para desestabilizá-lo e fazer uma coagulação uniforme. Se o destino for à venda para a fábrica
de preservativos, precisa conservá-lo com uma solução de amônia (NH3) a 1%, armazená-lo
em embalagem hermeticamente fechada e transportá-lo imediatamente até a indústria, onde
será feita a sua concentração através da centrifugação. Se for produzir o tecido emborrachado
defumado, o “couro” vegetal, precisa levá-lo imediatamente até as unidades de produção,
onde mistura os agentes vulcanizantes e onde é feita imediatamente a coagulação pela
defumação. Se for produzir a FDL, mistura uma solução aquosa de ácido pirolenhoso e o
coloca em pequenas bandejas de plástico, onde ocorrerá a sua coagulação. Se for fabricar os
novos encauchados de vegetais, mistura ½ litro de água de cinzas, 600 ml de uma solução de
agentes vulcanizantes, aquece por uma hora, até atingir uma temperatura próxima de 90ºC,
resfria e o armazena para, através da concentração pela evaporação, fabricar os produtos.
58
Como podemos ver na Figura 1, existem dois conhecidos tipos de tratamento que
podem ser dados ao látex nativo de campo para transformá-lo em borracha sólida, a
coagulação e a concentração. A concentração é uma técnica indígena utilizada para fabricar
objetos usados pelos povos locais. A coagulação foi utilizada pelos europeus para facilitar o
transporte da borracha até seus países, onde estavam as indústrias de transformação. Pelo
processo de coagulação são fabricados a borracha convencional, a FDL e o tecido
emborrachado defumado, conhecido como “couro” vegetal. Pela concentração são fabricados
a borracha indígena, o tecido emborrachado, conhecido como “couro” ecológico, os novos
encauchados de vegetais e os preservativos.
59
3.2.2 A borracha indígena.
Os povos que habitavam a Amazônia fabricavam e usavam vários produtos feitos de
borracha, os encauchados, também denominados de borracha indígena18. A denominação
encauchado deriva-se do nome da árvore do caucho (Castilloa ulei)19, e tem sua origem no
termo indígena “cahuctchu”, que quer dizer “madeira que chora”, em alusão ao látex que fica
escorrendo de sua casca, quando é realizada a sangria (SANTOS, 1998).
Segundo o relato de Pinto (1984, p.9), “eles confeccionavam bolas e seringas,
impermeabilizam artigos de vestuário, fabricavam tochas para iluminação e uma infinidade de
outros objetos de uso geral”. O látex utilizado era extraído da árvore do caucho e não da
seringueira (Hevea brasiliensis)20, a qual começou a ser explorada em escala comercial com a
introdução da borracha como matéria-prima para uso industrial. A fabricação dos
encauchados era feita através de uma técnica cultural própria, que secava o látex pela
evaporação na temperatura ambiente. Os habitantes da região Amazônica e parte da América
Central, já usavam uma espécie de sandália fabricada com um material que ficava pegajoso
em época quente e duro e quebradiço em época fria; além disso, embebiam seus próprios
tecidos num líquido aquoso que ao secar tornava-se impermeável, conhecido hoje como capa
de chuva. Assim, de forma natural, eles retiravam a parte líquida do látex e modelavam a
parte sólida no formato do produto desejado, sem a utilização de nenhum processo químico. A
sua aplicação era feita com as mãos ou com penas de aves, em finas e sucessivas camadas,
18 Borracha indígena é o sistema produtivo que transforma o látex nativo em diversos artigos de borracha, os encauchados, fabricados pelos nativos, antes do desenvolvimento da borracha industrial pelos pesquisadores europeus. 19 Caucho (Castilloa ulei), árvore amazônica, da qual se extraí um látex também utilizado para fabricar borracha. Tem propriedades diferentes do látex da seringueira (Hevea brasiliensis), é mais denso e não coagula tão rapidamente. Por estas características era utilizado pelos índios e seringueiros para fabricar os encauchados. 20 Seringueira (Hevea brasiliensis), árvore nativa da Amazônia, da qual se extrai, com pequenas incisões em sua casca, o látex para fabricar a borracha vegetal, matéria prima utilizada pelas indústrias para a fabricação de uma infinidade de produtos, como pneus, peças técnicas, entre outros.
60
sobre moldes de madeira, planos ou entalhados. Após a secagem da primeira camada, era feita
outra aplicação, e assim sucessivamente, até atingir a espessura desejada. Esta técnica
permitia o uso do látex para a fabricação de numerosos objetos, como recipientes, garrafas,
vestimentas, calçados, cobertura de tendas e bolsas impermeáveis. As práticas utilizadas eram
saudáveis aos trabalhadores e não predatórias ao meio ambiente. Numa verdadeira simbiose
com a natureza, davam um caráter cultural à atividade extrativa. (ARAÚJO, 1998).
Santos (1998, p.25) declara que “os Maias, Astecas e índios das Antilhas utilizavam o
látex na confecção de ´bolotas saltadoras` do tamanho de uma bola de futebol. Esta era usada
em jogos rituais, cuja visão impressionou os espanhóis, que acompanhavam Cristóvão
Colombo na segunda viagem à América, no final do século XV”.
Todavia, segundo Rocha (1996, p.117), “esses artigos eram pobres em propriedades
físicas, não tinham resistência ao calor, à luz, aos líquidos. Quando expostos a baixas
temperaturas tornavam-se duros e a altas temperaturas, pegajosos”. Mesmo assim, os produtos
assim fabricados atendiam as necessidades locais, abastecendo as próprias comunidades.
Os índios cultivavam diversas plantas em roçados comunitários, tais como o milho, a
banana, o amendoim, a macaxeira, o algodão. De acordo com Franco (2002, p.277), o plantio
e beneficiamento do algodão por eles denominado de Shapu, eram atividades desenvolvidas
pelas mulheres, desde o plantio até a sua fiação e tecelagem. Os tecidos de algodão, no
formato de bolsas com fundo arredondado, eram impermeabilizados com látex, sem o uso da
defumação, como podemos ver na Figura 2. Para isto usavam moldes feitos de taboca, cipó e
paus roliços. Estas bolsas impermeáveis, amarradas com uma liga de borracha na parte
superior, eram utilizadas no transporte de utensílios pessoais e produtos perecíveis. Bem
vedada, funcionava como um isopor natural, pelo fato de ser impermeável, mantendo uma
temperatura constante, permitindo, por exemplo, a conservação da carne de caça, com
qualidade, durante o transporte do local do abate até chegar na aldeia.
61
Os conhecimentos foram sendo repassados de geração em geração, inclusive para os
seringueiros que migraram para a região amazônica na época do “Ciclo da Borracha” e
posteriormente. Nesse período os encauchados passam a ser denominados pelos seringueiros
de saco encauchado21, quando introduzem o tecido industrializado (chitas de algodão) como
base para a sua fabricação para uso local e pessoal. Os seringueiros utilizavam-nas em viagens
para proteger da chuva, roupas, rede de dormir e objetos pessoais, além de servir de bóia
salva-vidas em caso de acidentes e até mesmo para suporte na travessia, a nado, de rios.
Emperaire e Almeida (2002, p.308) assim descrevem o processo de fabricação do
saco encauchado:
Também se usam sacos de viagem feitos com belos panos estampados e que, em vez
de serem defumados, recebem o látex de caucho (misturado com enxofre) em camadas
transparentes, aplicadas com uma pena, sendo então postos para secar ao sol e recebendo um
acabamento final com a goma da macaxeira.
Assim constatamos que o sistema produtivo era simples (Figura 2 e Quadro 1), onde o
extrativista colhe o látex, e em seguida, pelo aquecimento, na temperatura ambiente, faz a sua
21 Saco encauchado é uma bolsa de tecido colorido emborrachada pelos seringueiros, artesanalmente e sem defumação, secada na temperatura ambiente, utilizada para carregar seus pertences em viagens (EMPERAIRE e ALMEIDA, 2002, p.308).
62
desidratação, sem máquinas e sem estufas e sua modelagem, artesanal. Todo o trabalho
realiza-se em regime comunitário ou familiar. Porém, segundo Pinto (1984), o resultado do
progresso indígena na manipulação do látex, representado pelo modo de fabricação dos
encauchados não foi levado em consideração no desenvolvimento dos processos industriais de
fabricação de artefatos de borracha.
3.2.3 A borracha industrial.
2.3.1 A expansão comercial-capitalista européia e a redescoberta da borracha
Os colonizadores do novo continente tinham como foco de maior interesse
mercadológico as especiarias e pedras preciosas e, no início, não deram nenhuma importância
à borracha, como um produto de valor comercial. Somente trezentos anos mais tarde, através
do sistema de acumulação capitalista, surgido no bojo da era industrial, nos séculos XVIII e
XIX, que ela começa a ser estudada e apontada como importante matéria-prima para uso
industrial. Charles Marie de La Condamine, em 1751, produz um minucioso relatório sobre a
borracha indígena, descrevendo os artefatos por eles produzidos e sugerindo sua aplicação
numa diversidade de outros artigos (ARAÚJO, 1998; PINTO, 1984).
Quadro 1 – Organização esquemática do sistema produtivo da borracha indígena
Agente
Matéria-prima
Processo Produto
Índio Seringueiro
Látex Concentração do látex por evaporação (sem
máquinas e/ou estufas)
Aquecimento e secagem temperatura ambiente Modelagem
artesanal
Encauchados, bolas lúdicas, tochas,
calçados, tendas, saco encauchado
Fonte: Pesquisa de campo, 2005; Pinto, 1984; Araújo, 1998;
63
A partir daí, começam a ser desenvolvidas novas técnicas e novos sistemas produtivos
para que a borracha pudesse ser manipulada fora dos locais de sua extração. Nas pesquisas, os
saberes tradicionais, as práticas e o modo de vida das populações locais não foram levados em
consideração, pois não eram compatíveis com o sistema capitalista de acumulação e, de
acordo com Pinto (1984, p.9), só havia interesse para os “conquistadores, aqueles aspectos das
sociedades nativas aproveitáveis ou incorporáveis ao movimento de acumulação mercantil
europeu”.
Para facilitar o seu transporte, ela tinha que estar sólida. Para isto, foram
desenvolvidos processos de coagulação do látex, induzidos pela sua exposição à fumaça
(defumação), pela mistura com o látex da caxinguba (Ficus anthelmintica Mart.)22, ou, ainda,
pela mistura com soluções de ácido acético, cítrico ou pirolenhoso. Só assim ela poderia ser
armazenada e transportada em boas condições até as indústrias de transformação localizadas
nos países centrais.
A introdução do uso da benzina como solvente por Charles MacIntosh, o
desenvolvimento do processo mecânico de mastigação e moldagem da borracha por Thomas
Hancock e o desenvolvimento do processo de sua vulcanização através do uso do enxofre e do
calor por Charles Goodyear, nas primeiras décadas do século XIX (PINTO 1984, p.14),
proporcionaram condições tecnológicas para o surgimento das primeiras grandes indústrias de
artefatos de borracha, que se consolidaram, nas primeiras décadas do século XIX, na
Inglaterra, na segunda metade do século XIX, em toda a Europa e Estados Unidos e, a partir
do início do século XX, em todo o mundo.
A borracha vegetal transformou-se numa importante matéria prima, juntamente com o
petróleo e o aço, para atender as indústrias de artefatos de borracha, hoje, um dos mais
22 Caxinguba (Ficus anthelmintica Mart.) é uma árvore amazônica, da qual é extraída a seiva que tem propriedades coagulantes e é usada pelos seringueiros para coagular a borracha (EMPERAIRE E ALMEIDA, 2002, p. 292).
64
importantes e pujantes setores industriais da economia mundial. Desta forma, iniciava-se a
mais louca corrida na busca do “ouro negro”, como era chamada a borracha no início de sua
exploração na Amazônia. Segundo Santos (1995) mais de quinhentas mil pessoas advindas,
especialmente do nordeste brasileiro migraram para a Amazônia durante o “Ciclo da
Borracha” no final do século XIX e início do século XX para trabalhar nos seringais nativos,
embrenhando-se nas densas florestas, enfrentando todos os tipos de adversidades, como
doenças, confronto com os índios arredios, regime de trabalho semi-escravo. Nesse contexto,
também os índios foram dominados e recrutados para o trabalho extrativo, sendo que aqueles
que não se sujeitassem a essas condições, ou fugiam para áreas mais distantes ou eram
exterminados, e suas terras ocupadas.
As borrachas brutas
Diariamente o seringueiro faz a sangria, com pequenas incisões sobre a casca da
seringueira. O látex que vai escorrendo sobre o corte, cai dentro de uma tigela ou caneca de
lata ou de plástico, que é fixada ao lado. Nos seringais nativos, o seringueiro recolhe todos os
dias o látex, que se armazenou nas tigelas, levando ao seu tapiri23, para transformá-lo em
borracha. No início, conforme podemos verificar em Emperaire e Almeida (2002), o látex era
coagulado por defumação, onde eram produzidas as pélas, grandes bolas de borracha com até
80 kg. O seringueiro, usando um coagulante natural, o látex extraído da caxinguba, que
desestabiliza o látex da seringueira provocando a sua imediata coagulação, produzia também
uma borracha crua, não defumada, que ele usava para fazer os princípios das pélas. Esta
borracha crua era conhecida como Cernambi Virgem Prensado - CVP. Com o abandono do
23Tapiri é uma construção rústica feita de paus roliços e coberta com folhas de palmeiras, onde o seringueiro guarda seus utensílios de trabalho e, onde ele, diariamente, coagula o látex pela defumação, transformando-o em pélas de borracha.
65
processo de defumação, o seringueiro passou, em vez de defumar, a coagular a borracha com
o látex da caxinguba em cochos de madeira, fazendo as pranchas (Figura 3).
Finalmente na década de 1970, com a queda na qualidade da borracha bruta produzida
na Amazônia, sem a defumação, que era um processo árduo e penoso para o seringueiro, mas
que garantia a conservação da sua qualidade, a SUDHEVEA desenvolveu um novo processo,
coagulando-a com o ácido acético, fazendo pequenas placas de borracha e introduzindo-as em
um defumador, sem a presença do seringueiro. Com isto a qualidade da borracha estaria
assegurada e os riscos à saúde dos seringueiros estariam eliminados. A esta nova borracha
denominou-se placa bruta defumada - PBD.
Ultimamente os seringueiros têm utilizado a prática desenvolvida para os seringais de
cultivo, onde uma pequena quantidade de ácido acético é colocada diretamente na tigela.
Assim ele não recolhe nem processa o látex. Depois de uns 10 dias de corte ele recolhe o
coágulo que se formou na tigela. A este tipo de borracha denominou-se de coágulos de tigela
ou “biscoito”. Estas são as borrachas brutas, e precisam ainda ser beneficiadas em uma usina
de beneficiamento para poderem ser utilizados como matéria-prima pela indústria de
artefatos.
66
Na Amazônia, especialmente no Acre e Amazonas, as borrachas brutas do tipo CVP,
pranchas e coágulos de caneca continuam sendo produzidos, com apoio de programas
governamentais que concedem subsídios aos seringueiros e incentivos fiscais e creditícios às
usinas de beneficiamento de borracha instaladas na própria região.
As borrachas beneficiadas em usinas
As borrachas brutas, com teores de umidade que oscilam entre 18% e 25% (pélas,
PBD), entre 30% e 40% (CVP, pranchas) e 45% e 55% (coágulos de caneca), necessariamente
precisam ser processadas em uma usina de beneficiamento para transformá-las em uma
borracha seca. O processamento é feito em máquinas instaladas em série seqüencial,
denominadas de calandras lavadoras e laminadoras, cada uma formada por dois cilindros de
aço, no meio dos quais ela é quebrada e lavada. No final um triturador de martelos faz a sua
mastigação, tornando-a granulada e porosa, que colocada em carrinhos é levada a uma estufa
de ar quente para a secagem. No final é prensada em fardos de 25 quilos e embalada, estando
pronta para ser consumida como matéria-prima pelas indústrias de artefatos (Figura 4).
Existem quatro tipos de borracha beneficiada produzida pela usina: O Granulado Escuro
Brasileiro - GEB, o Granulado Claro Brasileiro - GCB, o Crepe Escuro Brasileiro - CEB e o
Crepe Claro Brasileiro - CCB.
No Acre onde existe um programa governamental que subsidia a produção ao nível do
produtor e concede incentivo fiscal e creditícios através da redução de ICMS e da concessão
de financiamentos pelo BASA, há apenas duas usinas em funcionamento, a de Xapuri e a de
Sena Madureira. Porém, mesmo com produção de borracha bruta adquirida também dos
Estados do Amazonas e Rondônia, ambas operam com capacidade ociosa.
67
As borrachas beneficiadas em mini-usinas
A Folha Clara Brasileira - FCB e a Folha Fumada Brasileira – FFB são borrachas
beneficiadas, coaguladas com o ácido acético, processadas em calandras manuais e secadas
em pequenas estufas. Esses processos foram desenvolvidos na Malásia e trazidos ao Brasil
pela SUDHEVEA não dependem de máquinas industriais nem usinas de beneficiamento. Sua
comercialização é feita diretamente pelos seringueiros através de suas organizações com as
indústrias de artefatos. Foram produzidas em grande escala nos anos de 1980, em toda a
Amazônia através de mini-usinas24 financiadas pela SUDHEVEA. Porém, devido aos
elevados custos de produção e as dificuldades de conservar o látex de campo e transportá-lo
em estado líquido e com boas qualidades até as mini-usinas, pararam de funcionar, ainda na
década de 1980.
24 Mini-usinas são unidades fabris familiares ou comunitárias, divididas em uma área de trabalho e uma estufa, onde o látex in natura é processado e transformado em borracha seca do tipo FFB (folha fumada brasileira), matéria prima pronta para ser consumida pela indústria de artefatos. As mini-usinas foram instaladas em toda a Amazônia, nos anos da década de 1970, através do Programa de Incentivo à Produção da Borracha Natural - PROBOR do Governo Federal.
68
Os artefatos e a borracha industrial
Segundo Rocha (1996), na indústria, as borrachas beneficiadas podem gerar
composições com a borracha sintética25, com as cargas26, especialmente as minerais (sílica,
argilas e negro de fumo), mas, hoje, também as vegetais (fibras curtas e “farinha” de madeira)
e com outros ingredientes (enxofre, ativadores, aceleradores, óleos plastificantes,
antioxidantes). Juntos são homogeneizados nos misturadores (abertos ou fechados), formando
o composto de borracha, uma massa flexível, pegajosa e modelável, pronta para ser
transformada em um artefato. O misturador fechado é mais conhecido como Bunbury, como
pode ser visto na Figura 5.
25 Borracha sintética é a borracha originária do petróleo utilizada como matéria prima pelas indústrias para a fabricação de artefatos. Hoje (2005) 60% da borracha consumida no mundo pelas indústrias é originária do petróleo. 26 Cargas são as matérias primas utilizadas em composições com a borracha natural e/ou sintética para dar maior volume e reduzir os custos de seus artefatos. Podem ser de origem mineral ou vegetal. (ROCHA, 1996, p.19). Neste trabalho denominamos as cargas vegetais de fibras vegetais curtas.
69
A formulação de um composto de borracha é feita de acordo com o produto final
desejado, alterando suas composições, de acordo com o que se quer, um artefato mais claro ou
mais escuro, mais ou menos resistente a abrasão, a rasgos, ao calor, ao intemperismo, ao fogo.
Uma composição normalmente é feita com a borracha vegetal (clara ou escura), borracha
sintética, cargas (mineral ou vegetal) e coadjuvantes de processo (enxofre, aceleradores,
antioxidantes).
Na linha de processamento, o composto será transformado em artefato. Os moldes são
fabricados por ferramenteiros, em aço, de acordo com o produto desejado, nos quais o
composto é colocado. Acoplados a prensas hidráulicas, recebem 150ºC de temperatura, dando
o formato e vulcanizando os produtos finais. No Acre não existe nenhuma indústria de
artefato de borracha que a transforme na própria região.
Os preservativos de látex nativo
O látex nativo também pode ser utilizado para a fabricação de preservativos. Colhido
pelo seringueiro é conservado com amônia, embalado em recipientes hermeticamente
fechados e transportado para ser processado na indústria. Na primeira fase do processamento,
já na indústria, o látex de campo preservado será concentrado a 60%, através de máquinas,
denominadas de centrífugas. A partir daí, mecanicamente, será pré-vulcanizado através de
uma solução de agentes vulcanizantes27. Em seguida, com moldes de imersão, será
desidratado em estufas, transformando-se em preservativos. Testado e embalado, estará
pronto para o mercado (WINSPEAR, 1954; UNIROYAL, 1982). Desde 2002, estão sendo
realizados estudos no município de Xapuri - AC, pelo Governo do Estado, para a implantação
27 Agentes vulcanizantes ou agentes da vulcanização, ou ainda, agentes de cura, são as substâncias que “promovem ligações cruzadas entre as macromoléculas dos elastômeros. Para cada tipo químico do elastômero, emprega-se um diferente tipo de agente vucanizante. Eles são os responsáveis pela grande transformação que ocorre com o elastômero de plástico para elástico, de solúvel para insolúvel” (ROCHA, 1996, p.15).
70
de uma indústria de preservativos, a serem fabricados com o látex nativo da região,
especialmente da Reserva Extrativista Chico Mendes. Para ser viável, a atividade deverá ser
altamente subsidiada. Um litro de látex de campo no mercado está sendo comercializado a R$
1,20 (PEREZ, 2004). As dificuldades serão grandes, especialmente na coleta, conservação e
transporte do látex, de regiões distantes e sem acesso até a indústria em Xapuri - AC. São
necessários, também, a padronização e o controle de qualidade de látices originários de
diversas espécies e variedades existentes na região (CUNHA e ALMEIDA, 2002;
EMPERAIRE E ALMEIDA, 2002), de vez que os látices da maioria destas espécies têm
teores de resinas, acima do previsto pela Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT.
Percy Putz, produtor de borracha e ex-presidente da Associação Brasileira de
Tecnologia da Borracha – ABTB, em entrevista a Perez e Perozzi (2004, p.1), declara: “O
látex é extraído da seringueira com dois terços de água e muitas impurezas. Essas impurezas
não prejudicam a produção de pneus, mas impossibilitam a fabricação de preservativos, visto
que o látex utilizado para os preservativos precisa ser mais puro”. Se o empreendimento for
viabilizado, será uma excelente alternativa para os seringueiros, através de uma atividade
tradicional, obterem uma renda e melhorarem as condições de vida.
Na Figura 6 e no Quadro 2, podemos, além das matérias primas utilizadas, dos
71
processos de transformação e dos produtos finais gerados, em cada etapa, verificar os quatro
diferentes agentes (seringueiro, seringalista/marreteiro/associação/cooperativa, usineiro,
industrial) que atuam na cadeia produtiva da borracha industrial.
Quadro 2 - Organização esquemática do sistema produtivo da borracha industrial
Agente Matéria-prima Processos
Produto
Conservação (amônia) Látex conservado Defumação (artesanal)
Pélas
CVP, PBD, Pranchas, coágulos
Índio,
Seringueiro
Látex
Coagulação (ácido acético, cítrico, pirolenhoso) Químico (artesanal)
FFB, FCB, FDL
Seringalista,
Marreteiro,
Associação,
Cooperativa
Abastecimento
Transporte
Usineiro
Pélas, CVP, PBD, pranchas, coágulos
Beneficiamento
Usinagem (com máquinas)
GEB, CEB, GCB, CCB
(GEB, CEB, GCB, CCB, FFB, FCB, FDL) +
Cargas minerais e vegetais
Composições
Homogeneízação (com
máquinas)
Compostos
Industrial
Compostos Transformação Vulcanização (com máquinas)
Artefatos (pneus, peças técnicas).
Fonte: Pesquisa campo, 2005; Rossman, 2005; Uniroyal, 1982; Winspear, 1954;
72
3.2.4 A FDL - folha de defumação líquida
A FDL é uma tecnologia inovadora que permite maior agregação de valor na base
produtiva. O seringueiro usa o ácido pirolenhoso, produzido a partir da queima de material
lenhoso, para fazer a sua coagulação, dispensando a defumação. Ela se apresenta no formato
de finas folhas de borracha (Figura 7), processadas artesanalmente, em calandras manuais,
que secam ao abrigo do sol, na temperatura ambiente, sem a necessidade de estufas. É uma
borracha beneficiada, cuja tecnologia foi desenvolvida pelo pesquisador Floriano Pastore Jr.
da Universidade de Brasília - UnB (PEREZ, 2003; PASTORE, 2001). Encontra-se em
experimentação nos Estados do Acre, Pará, Amazonas. É uma borracha pura, sem cargas e
sem vulcanizar, matéria prima a ser usada pela indústria.
A FDL, hoje, também pode ser um artefato. Com o apoio da Fundação Banco do
Brasil e, para agregar maior valor, está incorporando a vulcanização ao nível de campo, no
projeto de Cruzeiro do Sul - AC (ALTHEMAN, 2003). A unidade de fabricação do ácido
pirolenhoso no município de Cruzeiro do Sul - AC tem facilitado a fabricação da FDL, na
região, além de reduzir significativamente seus custos de produção Assim deixa de ser uma
73
borracha beneficiada e se transforma em um artefato. Segundo informações prestadas pelo
coordenador geral do projeto, o pesquisador Floriano Pastore Junior, com a introdução das
mais recentes pesquisas da pré-vulcanização do látex para a fabricação da FDL, os produtos
chegarão ao mercado não mais como matéria prima, mas como artefatos, agregando mais
valor para os seringueiros.
Assim a FDL, enquanto matéria-prima é comercializada com as indústrias de
artefatos, porém vulcanizada, agrega valor podendo ser comercializada diretamente com o
consumidor final. (Figura 8 e Quadro3).
Quadro 3 - Organização esquemática do sistema produtivo da FDL
Agente Matéria-prima Processos
Produto
Coagulação (ácido pirolenhoso) e
calandragem artesanal
Secagem (temperatura
ambiente)
Folhas de borracha
(matéria-prima)
Índio,
Seringueiro
Látex
Coagulação (ácido pirolenhoso)
Calandragem artesanal
Vulcanização (Agentes vulcanizantes)
Secagem (temperatura ambiente)
Folhas de borracha vulcanizada
FDL+cargas
Composição, mastigação
Homogeneização com máquinas
Compostos
Compostos
Transformação Vulcanização em estufas
Artefatos
Industrial
Folhas borracha vulcanizada
Transformação Logomarca, colagem acabamento
Jogos americanos, pad-mouse
Fonte: Altheman, 2003.
74
3.2.5 O tecido emborrachado defumado, o “couro” vegetal.
O “couro” vegetal é fabricado por índios e seringueiros através do processo de
defumação. O látex é aplicado sobre um tecido de algodão cru, esticado sobre uma estrutura
de madeira. Em contato com a fumaça, que contém ácido fenólico, coagula-se imediatamente
formando uma película de borracha sobre o tecido. Os insumos e o tecido são fornecidos pela
empresa Couro Vegetal da Amazônia S. A. – CVA, que adquire a totalidade da produção para
a fabricação de artefatos. Pequenos grupos de seringueiros reúnem-se e montam uma unidade
fabril comunitária. O látex é colhido individualmente e vendido para a unidade que é
administrada por um gerente de estufa (Figura 10 e Quadro 4). Segundo Andrade (2003,
p.92),
Em geral os gerentes necessitam de fornecedores, não necessariamente
aparentados, para suprir seus estoques de matéria prima e para contratar mão-de-obra
para realizar tarefas. O gerente desdobra-se, assim, num “empreiteiro” de “dupla
jornada”, como organizador do processo produtivo em torno do couro vegetal e, como
comerciante, tendo por compradores os fornecedores de látex e de mão-de-obra, que
adquirem produtos a preços tabelados.
A defumação (Figura 9) é utilizada como estratégia produtiva e de marketing, e tem
sua base de produção nas comunidades extrativistas de Boca do Acre - AM e Cruzeiro do Sul
– AC, e nos Povos Kaxinawá do rio Jordão e Iwanawá do rio Gregório, em Jordão e Tarauacá
- AC. O processo de defumação do “couro” vegetal baseou-se no antigo, penoso, insalubre e
antiecológico processo de defumação da borracha em pélas28 e do saco defumado29.
28 Pélas são grandes bolas de borracha com até 80 kg fabricadas pelos seringueiros através do processo de defumação. Eram borrachas de excelente qualidade, classificadas de Acre Fina, a melhor classificação da época. Era fabricada por camadas, mantendo baixos níveis de umidade e conservando a sua qualidade original por longos períodos de armazenagem. 29 Saco defumado é uma mochila feita de tecido de algodão e impermeabilizada com o látex da Hevea brasiliensis, através da defumação, e usado diariamente pelo seringueiro para o transporte, no meio da floresta, do látex de sua colheita diária (SAMONEK, 2003).
75
Reproduziu, ainda, com pequenas alterações o sistema de aviamento, como podemos
verificar em Andrade (2003):
O papel do gerente é liderar localmente a atividade comprando o látex e organizando a
mão-de-obra necessária à produção do couro vegetal. [...] O gerente recebe um adiantamento
(50%) do valor total estipulado da safra para “aviar” seu negócio. Desembolsa deste
adiantamento na aquisição de mercadorias (o “rancho” ou “estiva”) para trocar por látex de um
fornecedor ou para pagar mão-de-obra (ANDRADE, 2003, p. 91-92).
Ainda segundo Andrade (2003), o produto conseguiu ter grande penetração no
mercado graças à inserção política (Governo e Ong’s). Porém, problemas de qualidade, pela
dificuldade de fazer uma vulcanização uniforme, acarretaram o desgaste prematuro dos
produtos finais. Além disso, segundo o mesmo autor:
[...] a atividade do couro vegetal torna-se lucrativa quando os insumos são custeados pela
empresa, indicados pelo IEE (1,15). Isso quer dizer que para cada R$ 1,00 gasto, o produtor
recebe R$ 1,15. Mas se os custos dos insumos recaem sobre o produtor, atividade resulta num
pequeno prejuízo bem próximo da situação de equilíbrio, ou seja, praticamente o produtor
recebe o que gasta (ANDRADE, 2003, p.102).
76
O forte endividamento da CVA e dos seringueiros da RESEX Alto Juruá, que
captaram recursos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social -
BNDES e ao Programa de Apoio ao Extrativismo - PRODEX do BASA (ANDRADE, 2003)
e a exclusividade da venda da totalidade da produção para a CVA, criando a dependência e a
falta de opções por mercados têm colocado em risco a viabilidade do projeto. Segundo
informações prestadas pelo IBAMA/AC E FUNAI - AER Rio Branco, hoje (2005) o “couro”
vegetal não está sendo mais produzido pelos povos indígenas Kaxinawá, no Jordão - AC e
Iwanawás do Rio Gregório, em Tarauacá – AC, nem pelos seringueiros da RESEX Alto
Juruá, em Cruzeiro do Sul - AC.
Quadro 4 – Organização esquemática do sistema produtivo do tecido emborrachado defumado, o “couro” vegetal.
Agente Matéria-prima Processos Produto
Látex
Conservação (amônia) Látex conservado
Índio
Seringueiro Látex + Tecido Coagulação (ácidos
fenólicos da fumaça)
Defumação artesanal “Couro” vegetal
cru
Gerente de estufa
“Couro” Vegetal cru
Secagem (em estufa) Vulcanização (em estufa)
“Couro” vegetal
Industrial
“Couro” Vegetal Transformação Corte e costura Artefatos
Fonte: Andrade, 2003.
77
A certificação do produto pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola
- IMAFLORA, o selo verde do Forest Stewardship Council - FSC em Boca do Acre - AM e a
retirada da exclusividade da venda para a CVA permitiram aos seringueiros a transformação
do tecido emborrachado em peças acabadas na própria região, como bolsas, mochilas e outros
produtos, possibilitando maior agregação de valor na base produtiva e proporcionando
melhores condições de vida aos produtores. Por isto, a atividade continua sobrevivendo na
região de Boca do Acre - AM.
3.2.6 Os novos encauchados de vegetais
O sistema produtivo dos novos encauchados de vegetais consolidou-se através de
quatro etapas distintas, assim distribuídas: (a) a pré-vulcanização do látex de campo com o
uso de uma solução aquosa de agentes vulcanizantes; (b) a fabricação do tecido
emborrachado, o “couro” ecológico com o uso do látex pré-vulcanizado; (c) a fabricação de
um composto aquoso polimérico com o uso do látex pré-vulcanizado, de fibras vegetais
curtas, como cargas, e de essências vegetais, como corantes e odorantes; e (d) a fabricação de
mantas e pequenos objetos de borracha com o uso do composto aquoso polimérico.
A pré-vulcanização do látex de campo.
Em trabalhos anteriores, desenvolvemos um composto, através de uma formulação
própria, de agentes vulcanizantes, aceleradores, ativadores, anti-oxidantes (SAMONEK,
2003). Este composto garantiu uma boa vulcanização ao látex de campo, sem a necessidade
do uso de máquinas e/ou de estufas. Logo após a colheita, o composto é misturado ao látex de
campo, que é levado ao fogo e com uma temperatura controlada e sob constante agitação
78
(Figura 11), tem uma rápida, porém, segura vulcanização, permitindo o seu armazenamento e
uso imediato ou posterior para a fabricação de vários produtos. Essa é uma técnica artesanal
de vulcanização da borracha, desenvolvida especialmente para atender aos índios e
seringueiros, nas rústicas condições do ambiente florestal.
O tecido emborrachado do tipo “couro” ecológico
Constatamos, em outros trabalhos desenvolvidos, que o látex pré-vulcanizado,
aplicado com as mãos ou com esponja sobre um tecido, preferentemente de algodão, gera um
tecido emborrachado, que ficou conhecido como “couro” ecológico (Figura 12). O látex não é
coagulado, nem pela defumação, nem com agentes químicos. Aplicado em camadas, ele vai
secando naturalmente na temperatura ambiente. A espessura é determinada em função do
79
produto final desejado. É um sistema produtivo local, que tem como base a primitiva técnica
indígena de fabricação dos encauchados. (SAMONEK, 2003; SILVA, 1997).
O tecido emborrachado sem defumação, o “couro” ecológico, está em pleno
funcionamento desde 2002 na comunidade Maguari, FLONA Tapajós, em Belterra -PA, numa
parceria entre o IBAMA/ProManejo e a comunidade e na sede da RESEX Cazumbá/Iracema
em Sena Madureira - AC. (SAMONEK, 2003; FERNANDES, 2003).
O composto aquoso polimérico de vegetais
Desenvolvemos outros processos artesanais, tais como, (a) a fabricação de água de
cinzas para ser utilizada como conservante natural, em substituição à amônia (NH3) ou ao
hidróxido de potássio (KOH), (b) a fabricação de fibras vegetais curtas, utilizadas como
cargas, e (c) a fabricação de pigmentos e odorantes vegetais, para darem cor e cheiro aos
novos produtos.
80
A água de cinzas é produzida com a filtragem da mistura de água com cinzas
recolhidas do fogão, do forno de casa de farinha ou dos roçados.
As fibras vegetais curtas são extraídas de espécies arbóreas nativas, como a taboca, a
embaúba e o algodoeiro, ou produzidas a partir de resíduos do processamento de produtos
agro-extrativos como o milho, o arroz, o feijão, o açaí, o buriti, o aricuri ou de resíduos
madeireiros descartados nas serrarias, como o pó-de-serra da sumaúma, do angelim, do breu,
do pau amarelo, do roxinho e secam ao sol (Figura 13).
Os pigmentos e odorantes vegetais são extraídos de folhas da anilina, de cascas do
breu, do jatobá, do aguano, de tubérculos da açafroa, de frutos do jenipapo e de sementes do
urucum, do abacateiro, do cedro, do cumaru de cheiro, da canela (Figura 14).
81
As fibras são trituradas e peneiradas para ser incorporadas ao látex pré-vulcanizado.
Os pigmentos e odorantes são extraídos com o uso de água de cinzas e misturados ao
composto.
As mantas e os pequenos objetos de fibras e látex de borracha.
Da mistura manual do látex pré-vulcanizado com as fibras, pigmentos e odorantes
vegetais, através de formulações previamente ajustadas, produzimos um composto aquoso
polimérico, que servirá para fabricar as mantas emborrachadas e uma grande diversidade de
artefatos de borracha, como porta-lápis, tapetes, toalhas de mesa, jogos americanos,
luminárias, entre outros (Figura 15) (DAMASCENO e SAMONEK, 2005).
Por ser mais recente, o processamento do látex pré-vulcanizado com fibras, pigmentos
e odorantes vegetais foi inicialmente implantado na sede do Cazumbá/Iracema e no PAE
Santa Quitéria, em Brasiléia - AC, em parceria com o SEBRAE/AC e SENAI/AC, está
82
funcionando apenas com uma pequena produção de artesanatos. (XANGAI, 2004; ZÍLIO,
2005).
Hoje, está em implantação nas TIs Kaxinawá de Nova Olinda e Katukina/Kaxinawá do
rio Envira, no município de Feijó - AC, pela FUNAI – AER/Rio Branco, em parceria com a
UFAC, através do Departamento de Filosofia, Comunicação e Ciências Sociais e do Centro de
Antropologia Indígena da Amazônia Ocidental - CAINAM e com o Pólo de Proteção da
Biodiversidade e Uso Sustentável dos Recursos Naturais - POLOPROBIO. Inicialmente, em
2004, foram treinados indígenas que atuarão como multiplicadores; depois, em 2005, foi
reforçada a capacitação dos extrativistas e, hoje (2006), está em fase inicial de implantação o
projeto de produção com o apoio do CNPq (TI Kaxinawá de Nova Olinda) e PPTAL
(Kaxinawá do Seringal Curralinho e TI Katukina/Kaxinawá), para a produção de mantas e
pequenos objetos de borracha (DAMASCENO e SAMONEK, 2005).
O sistema produtivo dos novos encauchados de vegetais permite que os produtos
fabricados pelos extrativistas, quer na forma de mantas de tecido ou de fibras, quer na forma
de produtos acabados, sejam comercializados diretamente com o consumidor final, não
existindo intermediários em sua cadeia produtiva (Figura 16 e Quadro 5).
83
3.2.7 Mercados e preços
As borrachas brutas, CVP e Pranchas, hoje (2005) estão sendo pagas aos seringueiros
a R$ 1,80/kg, incluso o subsídio local. Para se produzir um Kg de borracha bruta são
necessários 2 litros de látex de campo. O GEB, borracha beneficiada com maior consumo no
mercado nacional, está sendo paga aos usineiros pelas indústrias a R$ 3,93/kg (ROSSMAN,
2005). No Estado do Acre apenas duas usinas estão comprando as borrachas brutas
produzidas no sistema convencional, a usina da CAEX em Xapuri e a usina da Casa do
Seringueiro em Sena Madureira.
A FDL, como matéria-prima, é comercializada por R$ 4,50/kg (PEREZ, 2003) e como
artefato, na forma de folhas de borracha vulcanizadas, por R$ 6,00/kg (ALTHEMAN, 2003),
que serão transformadas por empresas especializadas em suporte de mouse e jogos
americanos. Para se produzir um Kg de borracha seca, são necessários em média 3 litros de
Quadro 5 - Organização esquemática do sistema produtivo dos novos encauchados de vegetais
Agente Matéria-prima Processos
Produto
Látex + Agentes vulcanizantes
Aquecimento (sem estufa)
Pré-vulcanização (sem máquinas)
Látex pré-vulcanizado
Látex pré-vulcanizado+ Tecido
Concentração por evaporação (sem máquinas)
Secagem (sem estufa) Tecido emborrachado (“couro” ecológico)
Látex pré-vulcanizado + fibras
Concentração por composições (sem máquinas)
Homogeneízação (sem máquinas)
Compostos
Índio,
Seringueiro
Compostos
Concentração por evaporação (sem máquina)
Modelagem/Seca-gem (sem estufa)
Artefatos/utilidades domésticas Mantas emborrachadas
Industrial
Tecidos e mantas de fibras emborrachados
Transformação Corte e costura Artefatos
Fonte: Samonek, 2003; Damasceno e Samonek, 2004; Samonek, 2005.
84
látex de campo. Segundo Erni Dombrowski, as folhas vulcanizadas estão sendo
comercializadas por R$ 6,00/kg.
Para a fabricação do “couro” vegetal, na época em que as unidades de produção de
Cruzeiro do Sul estavam em funcionamento, segundo Andrade (2003), os insumos eram
fornecidos pela CVA e a lâmina, medindo 0,60 m X 0,95 m, que consomem 2 litros de látex
de campo, eram adquiridas pela CVA por R$ 8,00/kg. Deste valor, era repassado ao
seringueiro R$ 1,50 por um litro de látex de campo e R$ 2,00 ao artesão pela mão-de-obra da
defumação de cada lâmina, sendo que a diferença bancava as despesas da estufa e de
administração. Segundo Wilson Manzoni, coordenador do projeto de Boca do Acre, ao
transformar parte da produção, na própria região, em produtos finais, como bolsas, mochilas,
podendo atingir preços bem melhores, garante-se melhores condições aos seringueiros, que
continuam produzindo.
As mantas de tecido emborrachado, o “couro” ecológico, medem 1,10 m X 1,90 m,
consomem 2 litros de látex pré-vulcanizado e estão sendo pagas aos seringueiros a R$ 35,00
por peça, deduzidos os custos do tecido e dos insumos (R$ 20,00), tem-se uma margem de
lucro bruto de R$ 15,00 por peça. As bolsas e mochilas confeccionadas na própria
comunidade estão sendo comercializadas por preços diversos, segundo informações obtidas
pela internet na página www.ecologicocouro.com.br e informações prestadas por Arimar,
coordenador de vendas da ASMIPRUT.
As mantas emborrachadas de fibras utilizadas para a fabricação de capas de agendas,
medem 1,20 m X 2,00 m, consomem 2 litros de látex pré-vulcanizado e 200 gramas de fibras
e estão sendo comercializadas a R$ 25,00 por peça, e, depois de deduzidos os custos dos
insumos de R$ 6,50, tem-se uma margem de lucro bruto de 18,70. Pequenos objetos de
borracha e fibras estão sendo comercializados, em média, por R$ 50,00/kg, e consomem 3
litros de látex. Feita a conversão para 2 litros de látex e deduzidos os custos dos insumos de
85
R$ 9,00, tem-se uma margem de lucro bruto de R$ 24,50. Os dados foram obtidos com os
entrevistados na comunidade e através da Organização dos povos indígenas do rio Envira -
OPIRE.
Apresentamos, no Quadro 6 e na Figura 17, comparativamente, os preços brutos
pagos aos extrativistas, na floresta, para cada tipo de borracha extrativa, sem inclusão de frete
e impostos.
Figura 17 - Gráfico comparativo entre os preços das diversas borrachas extrativas(R$X2 litros latex)
0
5
10
15
20
25
30
Man
tas/t
ecido
Man
tas/f
ibras
Artesa
nato
Couro
vege
tal
FDL vu
lcaniz
ada
FDL se
m vu
lcaniz
ar
Novos encauchados de vegetais Couro Vegetal
FDL Borracha convencional
Quadro 6 – Preços pagos aos seringueiros pelas borrachas extrativas. Valores equivalentes a 2 litros de látex
Sistema Produto unidade Qtidade látex
Preço R$
R$ = 2 l
*Custo produção
R$
CVP, Pranchas (com subsídios). Kg 2 l 1,80 1,80 1,80 Borracha Industrial FDL Kg 3 l 6,00 4,50 (-1,35) 3,25 FDL vulcanizada
Jogos americanos, pad-mouse Peça 3 l 9,00 66,,0000 ((--11,,5500)) 44,,5500
Látex de campo Litro 1 l 1,50 3,00 3,00 Mão-de-obra defumação couro Peça 2,00 2,00
Tecido emborrachado defumado “Couro” vegetal seco (lâmina
0,60m X 0,95m) Peça 2 l 8,00 8,00 8,00
Látex de campo Litro 1 l 1,50 3,00 3,00 Mão-de-obra fabricar manta Peça 5,00 5,00 Tecido emborrachado (manta 1,10m X 1,90m)
Peça 2 l 35,00 35,00 (-20,00) 15,00
Mantas emborrachadas/fibras (manta 1,20m X 2,00m)
Peça 2 l 25,00 25,00 (-6,30) 18,70
Novos encauchados de vegetais
Artefatos diversos/fibras Kg 3 l 50,00 33,50 (-9,00) 24,50 *Ex-látex e mão-de-obra Fonte: Pesquisa campo; Andrade, 2003; Samonek, 2003; Altheman, 2003; Perez, 2003; Rossman, 2005; Damasceno e Samonek, 2005.
86
3.3 CONCLUSÕES
O sistema convencional de produção da borracha extrativa tem baixa produtividade,
não agrega valor e gera uma borracha bruta, que, da mesma forma como a borracha produzida
nos seringais de cultivo, precisa passar por uma usina de beneficiamento para se tornar uma
matéria-prima para atender a grande indústria, pneumática e de artefatos, em mercados
altamente competitivos e oligopolizados. Desta forma, o sistema produtivo convencional é
viável para a produção de borracha nos seringais de cultivo, que tem maior produtividade e
estão localizados próximo dos centros consumidores. Porém, no precário extrativismo da
Amazônia, a borracha continua a ser produzida, graças aos subsídios concedidos aos
produtores pelos governos locais. Mesmo assim a atividade tornou-se obsoleta e não consegue
suprir as necessidades básicas dos seringueiros.
Existem outros sistemas produtivos alternativos para a produção da borracha
extrativa, que estão sendo desenvolvidos por instituições públicas e privadas e que vem sendo
experimentados, nos últimos quinze anos, em várias regiões da Amazônia e que merecem ser
estudados.
O tecido emborrachado demonstrou ser viável, quando não usa o processo de
defumação, que coagula o látex, mas quando o concentra e seca, na temperatura ambiente,
transformando-se em produtos, de forma verticalizada, no meio da floresta. Exemplo é a
comunidade Maguari, em Belterra – PA, onde os seringueiros colhem e preparam o látex,
produzem as mantas emborrachadas e as transformam em inúmeros produtos, que
comercializam através de sua associação, a ASMIPRUT, exportando para vários países. Eles
mesmos estão administrando o seu próprio negócio. Hoje, são 28 pessoas trabalhando
diretamente no projeto piloto.
87
A FDL, desenvolvida através do Departamento de Química da UnB no projeto
TECBOR, é uma tecnologia inovadora; mesmo usando o processo de coagulação, reduz
custos de produção e é capaz de gerar, no meio da floresta, um produto pronto para o
mercado, com agregação de valor.
Os novos encauchados de vegetais, ao espelhar-se no primitivo modo indígena
de fazer borracha pela concentração e secagem do látex, estão respeitando a cultura, as
práticas e os costumes dos povos indígenas. Ao inserir as tecnologias da vulcanização e da
incorporação de fibras, pigmentos e odorantes vegetais à borracha, simplificadas e adaptadas
às condições locais, estão desenvolvendo uma inovação tecnológica, capaz de, ao mesmo
tempo, promover a inclusão social e usar os recursos naturais renováveis de forma
sustentável, mantendo a floresta-em-pé.
Assim, essas novas experiências em andamento poderão permitir às populações
tradicionais da Amazônia, a construção, com autonomia e solidariamente, de um projeto de
vida dentro da floresta que não interfira na estrutura sócio-antropológica da comunidade,
assegurando a sobrevivência não só da atual, mas também das futuras gerações.
3.4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALTHEMAN, L. Tecbor capacita produção de borracha vulcanizada no seringal. Borracha em foco. Revista eletrônica da borracha natural. 2003. Disponível em: <http://www.borrachanatural.agr.br/borrachaemfoco/0301715.php>. Acesso em: 30 de nov. 2004. ANDRADE, A A G. Artesãos da Floresta: População Tradicional e inovação tecnológica: O caso do “couro vegetal” na Reserva Extrativista do Alto Juruá, no Acre. 2003. 188 f. Dissertação (Mestrado em Economia) - Instituto de Economia, Universidade de Campinas. Campinas, 2003. ARAÚJO, H. R. O mercado, a floresta e a ciência do mundo industrial. In: ARAUJO, H. R; SEILER, A. et al. (orgs.). Tecnociência e Cultura: ensaios sobre o tempo presente. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. p. 65-90.
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90
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91
4. ARTIGO 3 - OS NOVOS ENCAUCHADOS DE VEGETAIS DA
AMAZÔNIA
Francisco Samonek30
RESUMO
Neste artigo descrevemos os processos de fabricação dos novos encauchados de vegetais,
produzidos a partir do látex nativo, fibras, pigmentos e odorantes vegetais, como uma das
alternativas para a produção sustentável da borracha extrativa na Amazônia. O saber
tradicional dos povos indígenas na manipulação do látex está sendo recuperado, a partir da
técnica de fabricação dos encauchados, que não coagula o látex, mas faz a sua concentração
através da secagem pela evaporação. A ele somam-se elementos da ciência e tecnologia
modernas, quando a vulcanização industrial da borracha transforma-se em um simples e
acessível processo artesanal de pré-vulcanização acelerada do látex de campo e a complexa
incorporação de cargas à borracha nas indústrias de artefatos vira uma simplificada mistura
manual de fibras vegetais curtas ao látex pré-vulcanizado. A partir daí, surge um composto de
borracha, ainda aquoso, que é desidratado e se transforma, no meio da floresta, com o uso de
moldes artesanais, através de um processo diferenciado de tratamento do látex nativo, em uma
borracha vegetal sustentável. Esta é uma opção para os fazedores de políticas públicas para
recuperar e reativar a atividade extrativa da borracha na Amazônia.
Palavras-chave: Látex nativo - Povos indígenas e seringueiros - Pré-vulcanização - Fibras e
essências vegetais – Composições - Artesanatos e objetos de borracha.
30 30 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Manejo dos Recursos Naturais, Universidade Federal do Acre.
92
THE NEW RUBBERIZED-VEGETAL PRODUCTS OF THE AMAZON
REGION
ABSTRACT
In this article, we describe the production processes of the new rubberized-vegetal products,
made from the native latex, fibers, pigments and aromatic plants, as one of the alternatives for
the sustainable production of the extractive rubber in the Amazon region. The traditional lore
of the indigenous people in the latex manipulation is being recovered, starting from the
technique of production of those rubberized fabrics, which does not coagulate the latex, but
makes it concentrate by drying through evaporation. Added to it, elements of modern science
and technology are, when the industrial rubber vulcanization becomes a simple and accessible
craft of accelerated pre-vulcanization process of the field latex and the complex incorporation
of fillers to the rubber in the industries of artifacts which turns to be a simplified manual
mixture of short vegetal fibers to the pre-vulcanized latex. Since then, it appears a composite
of rubber, still containing water, which is dehydrated and changes, in the middle of the forest,
by using craft molds, through a differentiated process of treatment of the native latex, in a
sustainable vegetal rubber. This is an option for the law makers of public policies to recover
and to reactivate the extractive activity of the Amazon rubber.
Key-words: Native latex - Indigenous people and rubber-tappers - Pre-vulcanization of the
native latex - Fibers and vegetal essences – Compositions - Crafts and rubber objects.
93
4.1. INTRODUÇÃO
4.1.1 Apresentação
Neste artigo analisaremos uma experiência em curso em duas áreas piloto, uma com
seringueiros na sede da RESEX do Cazumbá-Iracema, em Sena Madureira -AC e outra com
povos indígenas, nas aldeias da TI Katukina/Kaxinawá do Rio Envira, em Feijó - AC,
sistematizando os processos produtivos dos novos encauchados de vegetais e fazendo uma
análise de sua viabilidade econômica, social, ambiental e tecnológica.
A partir do início do século XX, a borracha extrativa veio, aos poucos, perdendo
competitividade para a borracha produzida em seringais de cultivo. Políticas setoriais não
conseguem viabilizar em seringais nativos a produção de borracha no sistema produtivo
convencional, que, hoje, ainda é o mesmo, desde o início de sua implantação, quando abastecia
as indústrias sediadas nos países centrais, dentro do modelo capitalista de produção.
Atualmente, mesmo com as subvenções, a atividade não consegue mais atender as
necessidades básicas das populações tradicionais. Aos poucos, os seringais nativos, formados
de extensas áreas de florestas conservadas, que antes eram altamente produtivos, hoje,
esvaziados pela falta de opção de atividades sustentáveis geradoras de trabalho e renda aos
extrativistas, estão sendo destruídos. Primeiro vem os madeireiros que, com máquinas pesadas,
retiram as árvores de interesse comercial e, em seguida, o fogo, no período de verão
amazônico, se encarrega de destruir o restante da floresta. Finalmente, os fazendeiros,
utilizando as áreas destruídas pelo fogo, transformam-nas em pastagens. Assim a floresta vira
capim e a borracha é substituída pelo boi.
O patrimônio natural, representado pela mega biodiversidade da floresta amazônica,
vem aos poucos sendo reduzido. Diariamente várias espécies da fauna e da flora entram em
94
extinção. Povos e etnias indígenas, com seus conhecimentos milenares, que manejavam os
recursos naturais, sem destruí-los, são subjugados e obrigados, para a sua própria
sobrevivência, a abandonar a sua riquíssima cultura, com todas as suas práticas, costumes e
modo de vida, passando a se inserir no mundo globalizado e capitalista da sociedade moderna,
onde a natureza deve servir ao capital, nem que para isto ela precise ser destruída.
Desta forma, os povos indígenas remanescentes31 são os que mais vêm sofrendo com a
desativação da atividade na região. As conseqüências estão sendo ainda mais perversas e
danosas para eles do que para os seringueiros. Além dos impactos provocados pela influência
da cultura da sociedade moderna em suas aldeias e no seu povo, o avanço dos desmatamentos
na região para o desenvolvimento da agricultura mecanizada e da formação de fazendas no
entorno de suas terras vem provocando impactos negativos. A caça e a pesca diminuem,
reduzem-se os espaços para a coleta de produtos extrativos. Os seus traços culturais,
influenciados pelos costumes da sociedade moderna, caem no esquecimento. Por não terem
uma renda suficiente, hoje necessária pela diminuição dos recursos básicos existentes nas
próprias aldeias, faltam-lhes condições de acesso a um mínimo necessário para uma
sobrevivência digna. Por isso o projeto dos novos encauchados de vegetais é bem recebido nas
aldeias e comunidades onde é apresentado e discutido.
O látex recolhido diariamente não será mais coagulado e transformado em uma
borracha bruta e sim, desidratado e transformado em um artefato de borracha, seja na forma de
pequenos objetos ou de mantas emborrachadas. Hoje, a pré-vulcanização do látex nativo de
campo e a incorporação de fibras, pigmentos e odorantes vegetais, técnicas desenvolvidas
especialmente para uso artesanal pelos povos da floresta, agregam valor, qualidade e
durabilidade à borracha extrativa, permitindo uma produção diferenciada para atender nichos
de mercados. Este novo modelo de produção, enquadra-se no conceito apregoado por Leff
31 Mais de 6 milhões de índios habitavam a Amazônia quando os Portugueses aqui desembarcaram em 1616. No Acre em meados do século XIX eram 150 mil. Em 1989, 5 mil, em 1996, 8.511 e em 2001, 10.478, crescimento em torno de 6,5% ao ano, distribuídos em 12 etnias diferentes (FUNAI-AC).
95
(2000, p.98), segundo o qual a racionalidade da produção extrativa e das economias indígenas
e camponesas de auto-subsistência, de natureza não acumulativa,
[...] integram valores culturais orientados por objetivos de estabilidade, prestígio, solidariedade
interna e satisfação endógena de necessidades, assim como de distribuição e acesso eqüitativo
da comunidade aos recursos ambientais. A racionalidade cultural das práticas produtivas
tradicionais contrapõe-se à especialização e homogeneização da Natureza e à maximização do
benefício econômico.
Isso poderá assegurar a sustentabilidade às comunidades de seringueiros e povos
indígenas, garantia de sua manutenção na floresta, com qualidade de vida, com preservação
dos valores culturais, costumes e tradições, sem a destruição de suas áreas com
desmatamentos.
O objetivo deste artigo é descrever, de forma sistematizada, os processos e produtos que
fazem parte dos novos encauchados de vegetais e analisar a sua viabilidade sob a ótica da
sustentabilidade, abordando (a) nos aspectos econômicos, a renda das unidades coletivas e
familiares, o beneficiamento e a agregação de valor na base produtiva, o custo do trabalho, a
capacitação na produção, o cooperativismo e o potencial econômico dos produtos no mercado; (b)
nos aspectos sociais, a saúde do trabalhador, a participação comunitária e o bem estar social; (c)
nos aspectos ambientais, o manejo da floresta, as condições de manutenção da floresta-em-pé; e,
finalmente, (d) nos aspectos tecnológicos, a qualidade dos processos e produtos.
4.1.2 Procedimentos metodológicos
A metodologia que utilizamos para a alcançar os objetivos propostos neste trabalho
baseia-se no método do estudo de caso. As áreas que escolhemos para as nossas pesquisas são
os locais onde foram realizadas atividades para o repasse aos seringueiros das novas técnicas
de utilização do látex nativo. A sede do Cazumbá-Iracema, e a TI Katukina/Kaxinawá (Aldeia
Paroá, povo Kaxinawá e aldeia Morada Nova, povo Shanenawa), foram as duas áreas
escolhidas para a realização dos estudos. Fizemos duas visitas à sede do Cazumbá e três
visitas ao Paroá e Morada Nova, onde acompanhamos as suas atividades diárias, desde a
96
extração e coleta do látex até a fabricação dos produtos finais, passando pela coleta e
fabricação das fibras, pigmentos e odorantes vegetais e fabricação das formas cilíndricas e dos
moldes de alumínio reciclado. Assim, observamos os detalhes dos processos e entrevistamos
os participantes do projeto para a obtenção dos dados necessários para a realização dos
trabalhos.
Os dados sócio-econômicos relativos ao Cazumbá foram retirados do Plano de Manejo
elaborado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis –
IBAMA para a criação da RESEX, e coletados diretamente com os seus moradores, através da
pesquisas de campo e de entrevistas realizadas durante os cursos de fabricação de moldes em
alumínio reciclado, de fibras vegetais e de mantas e pequenos objetos de látex, fibras e
pigmentos vegetais financiados pelo SEBRAE/AC (DAMASCENO e SAMONEK, 2004). Os
dados da TI Katukina/Kaxinawá foram coletados diretamente com os seus moradores, através
da pesquisa de campo e de entrevistas, onde participamos dos cursos de capacitação de
multiplicadores32 na transformação do látex nativo, fibras e pigmentos vegetais em mantas e
pequenos objetos de borracha financiados pela FUNAI/AC (DAMASCENO e SAMONEK,
2005). Além das observações, entrevistamos 24 participantes, conforme relação anexa
(Quadro 26, p.157), um por família, para o levantamento de dados sociais, culturais,
econômicos e ambientais, na área de abrangência do projeto, para subsidiar a fundamentação
do nosso trabalho.
Grande parte das informações aqui apresentadas tem sua origem em nossa experiência
profissional anterior no extrativismo da borracha, como produtor, pesquisador, professor e
32 Curso realizado na TI Katukina/Kaxinawá, financiado pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI-AC e realizado em parceria com a Universidade Federal do Acre – UFAC, através do Departamento de Filosofia, Comunicação e Ciências Sociais - DFCCS e Centro de Antropologia Indígena da Amazônia Ocidental - CAINAM e com o Pólo de Proteção da Biodiversidade e Uso Sustentável dos Recursos Naturais - POLOPROBIO, empresa cadastrada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP, responsável pelo repasse da tecnologia social dos novos encauchados de vegetais.
97
cooperativista, além da convivência e relacionamento com vários atores do setor, cujo
conhecimento acumulado está sendo consubstanciado neste trabalho.
O estudo da tecnologia e da qualidade do látex pré-vulcanizado e do material
produzido com o uso de fibras, pigmentos e odorantes vegetais, foi realizado com base em
relatórios de ensaios laboratoriais de análise físico-mecânica emitidos pelo Centro
Tecnológico de Polímeros - CETEPO/SENAI/RS, através de testes de incorporação das
cargas, de vulcanização, de envelhecimento em estufa e de tração, de tensão de ruptura e do
alongamento.
4.1.3 Conceito de sustentabilidade
Neste trabalho a sustentabilidade está fundamentada em um novo paradigma de
produção, que se baseia na racionalidade ambiental. Essa racionalidade recupera potenciais
ecológicos incorporados aos estilos étnicos de aproveitamento sustentável dos recursos
naturais. Os valores culturais e as práticas produtivas das populações tradicionais33,
especialmente das sociedades indígenas, são valorizados. As práticas tradicionais de uso da
natureza agregam um potencial ecológico e cultural ao manejo produtivo sustentável dos
recursos naturais.
Os princípios ecológicos e culturais de um manejo sustentável dos recursos naturais são
aplicáveis a todas as modalidades de produção primária, [...] desde a produção para o mercado até às
estratégias de desenvolvimento endógeno e de manejo comunitário dos recursos na satisfação de suas
necessidades básicas (LEFF, 2000, p.135).
33 Populações Tradicionais, segundo a Organização Internacional do Trabalho, são grupos étnicos distintos que têm uma identidade diferente da nacional, tiram sua subsistência do uso dos recursos naturais e não são politicamente dominantes, ou ainda, segundo o Banco Mundial, são grupos sociais cuja identidade social e cultural é distinta da sociedade dominante que os torna vulneráveis por serem desfavorecidos pelos processos de desenvolvimento. (DIEGUES, 2000).
98
Para que haja sustentabilidade é necessário impor limites biofísicos ao processo
econômico da globalização em curso. O desenvolvimento econômico é necessário, mas deve
estar atrelado à exploração não predatória dos recursos naturais. Segundo Leff (2000, p.123),
[...] a expansão da economia internacional gerou uma pressão crescente sobre o
equilíbrio dos ecossistemas, assim como sobre a capacidade de renovação e a
produtividade dos recursos naturais. Com a superexploração da Natureza
transformaram-na e destruíram-se as práticas produtivas dos povos e civilizações que
durante milênios mantiveram uma prática sustentável dos recursos ambientais. Assim,
por exemplo, a exploração dos produtos derivados da madeira e do desflorestamento
com o intuito de implantar sistemas de culturas comerciais e de pasto para a criação
extensiva de gado, levou a uma rápida destruição das matas tropicais do planeta.
Por outro lado, ainda, segundo o mesmo autor, as práticas de uso múltiplo e integrado
dos recursos naturais, levam ao conhecimento mais profundo das condições dos ecossistemas
locais, desenvolvendo práticas produtivas, que não só preservam a biodiversidade34, mas que
aumentam o nível de auto-satisfação das necessidades materiais da comunidade. Em seus
termos:
A natureza converte-se num recurso econômico e num patrimônio cultural.
Estas estratégias culturais de manejo produtivo da Natureza oferecem princípios para
otimizar a oferta sustentada de recursos, conservando as condições de sustentabilidade
da produção, com base numa apropriação diferenciada de satisfatores35, no tempo e
espaço e numa distribuição mais equitativa dos recursos e da riqueza (LEFF, 2000,
p.122).
De acordo com Cavalcanti (1999, p.35), “a ecologia sustenta a economia. Isto quer
dizer que o sistema econômico deve ter uma base estável de apoio e, tanto quanto possível, o
34 Biodiversidade é a soma de todos os produtos da evolução biológica: variação genética, riqueza de espécies, diversidade de sistemas naturais. (CUNHA e ALMEIDA, 2002, p.33). 35 Através da palavra satisfator o autor quer se referir a um “valor de uso” ou um “bem” mas sem ficar restrito seja à terminologia marxista, seja à economicista, onde os “bens” muitas vezes são ‘males” que não satisfazem nenhuma necessidade (LEFF, 2000, p.122).
99
processo de desenvolvimento tem que imitar os processos da natureza”. Para isso o mesmo
autor defende a necessidade de
[...] existência de novas instituições que conservem os recursos naturais, encorajem a
regeneração dos recursos renováveis, protejam a biodiversidade, gerem tecnologias limpas,
promovam estilos de vida menos intensivos no uso de energia e materiais, mantenham
constante o capital da natureza e protejam o saber dos povos indígenas e tradicionais
(CAVALCANTI, 1999, p.32).
Desta forma, continua o referido autor, o modelo de desenvolvimento a ser buscado é
aquele que,
[...] desencoraja tudo o que possa ameaçar a saúde de longo prazo do ecossistema e a base
biofísica da economia, tais como a ineficiência, o lixo, a poluição, o uso excessivo de recursos
renováveis, a dissipação dos recursos esgotáveis. Ao contrário, tudo o que é desejado deve ser
estimulado, como a renda real, um trabalho saudável, o bem-estar, um ambiente limpo,
segurança pessoal, uso balanceado dos recursos naturais (CAVALCANTI, 1999, p.33).
Buarque (1994), ao referir-se à sustentabilidade, declara:
O desenvolvimento deve respeitar e se servir da natureza de forma duradoura.
Devemos olhar o consumo não somente como uma questão de satisfação individual, mas
também como uma postura ética. [...] Como os recursos naturais são finitos, precisamos
controlar os seus usos, permitindo que sejam conservados também para as futuras gerações.
Seria impossível imaginar uma estratégia séria de futuro que não levasse em consideração a
necessidade de conservar os recursos naturais, as fontes energéticas, a biodiversidade e o meio
ambiente (BUARQUE, 1994, p.113).
Se o capital natural for destruído, incapacitando o ecossistema de gerar os serviços que
nos permitem realizar a satisfação de nossas necessidades, esse processo não se sustenta. Isto
requer que as capacidades e taxas de regeneração e absorção da natureza sejam respeitadas. Se
não for assim, o processo econômico vai se tornar irremediavelmente insustentável, como
vem ocorrendo com o atual modelo econômico neoliberal da globalização, onde a economia é
subordinada às técnicas (BUARQUE, 1994, p.115).
Benchimol (2000, p.32), trabalhando com cenários futuros, numa antevisão da
Amazônia dos próximos cem anos, ao abordar a questão da sustentabilidade, descreve-na da
seguinte forma:
100
Combinação do uso dos recursos naturais com a conservação dos
ecossistemas e que isto supra as necessidades e a solidariedade diacrônica da
população atual com as gerações futuras. [...] Precisamos desenvolver ciência,
educação e novas tecnologias tropicais e ambientais. Para isto precisamos introduzir
maneiras inovadoras de exploração racional e inteligente dos recursos naturais, que
sejam participativas, que causem menos impactos sobre o meio ambiente e que sejam
mais saudáveis aos trabalhadores.
Ainda segundo o autor acima, é necessário o nosso envolvimento,
[...] na busca de alternativas, opções e cadeias produtivas inovadoras que estejam
integradas com o desenvolvimento local em benefício das populações tradicionais.
Um modelo de desenvolvimento participativo e adaptado às condições e ao modo de
vida dessas populações. […] Não podemos desprezar ou ignorar as experiências e
práticas de convívio harmônico dos povos indígenas com a natureza; o domínio e o
conhecimento da biodiversidade, práticas de manejo não predatório desenvolvidas ao
longo das gerações, mas sim, somá-las e inseri-las, de forma participativa, às novas
tecnologias. Assim estaremos contribuindo para a construção de processos e produtos
sustentáveis, que não sejam invasivas nem poluidoras (BENCHIMOL, 2000, p.28).
Para garantir a sustentabilidade é preciso aproximar o homem da natureza,
proporcionando condições para a apropriação de tecnologias limpas e sociais produzidas com
a participação do saber tradicional e que sejam independentes. Segundo Leff (2000, p.131), “o
aproveitamento integrado e sustentado dos recursos naturais e suas formas efetivas de
utilização como meios de produção estão sujeitos às condições de assimilação cultural de
novas tecnologias”. O processo produtivo em que a produtividade ambiental se dá através da
apropriação coletiva e subjetiva dos meios ecotecnológicos de produção, “implica em
assimilação cultural de novas habilidades, a internalização de novos conhecimentos e a
possessão dos meios de produção e dos instrumentos de controle que possibilitem a
autogestão de seus recursos produtivos” (LEFF 2000, p.131). Continua o autor,
Numa perspectiva cultural do desenvolvimento sustentável dos recursos, a
produtividade tecnológica está associada à capacidade de recuperação e melhoramento
das práticas tradicionais de uso dos recursos. [...] A integração dos processos
ecológicos, tecnológicos e culturais aparece como uma articulação sinergética de
processo de evolução ecológica, inovação tecnológica, reorganização produtiva e
101
mudança social, que geram novos potenciais produtivos no desenvolvimento
sustentável (LEFF, 2000, p.131-132).
A sustentabilidade somente estará assegurada em qualquer processo produtivo se os
saberes tradicionais forem “revalorizados e as economias autogestionárias e participativas
forem revitalizadas”, tendo como finalidade satisfazer as necessidades básicas dos atores da
base produtiva através dos benefícios econômicos, sociais e ambientais resultantes desta
estratégia produtiva (LEFF, 2000).
4.2 O projeto dos novos encauchados de vegetais
4.2.1 Locais das pesquisas
A RESEX do Cazumbá-Iracema
A Reserva Extrativista do Cazumbá-Iracema foi criada por Decreto Federal s/nº de 19
de setembro de 2002. Está localizada nos municípios de Sena Madureira e Manoel Urbano -
AC; limita-se ao norte com a TI do Alto Rio Purus e, ao sul, com a FLONA Macauã. A
RESEX está situada no domínio da floresta amazônica ocorrendo formações de floresta densa
e floresta aberta. Apresenta uma área de 748.817 hectares. Tem 193 famílias de seringueiros,
com uma população de aproximadamente 1.300 pessoas que moram em toda a área (BRASIL:
2003). Além de populações isoladas, existem quatro comunidades, sendo a do Cazumbá a
maior, com uma população próxima das 50 famílias. Durante a época das chuvas, o acesso
terrestre à sede, a partir de Sena Madureira, fica interrompido, no final da época seca, a
diminuição dos caudais impede o acesso fluvial.
A RESEX é formada basicamente de seringueiros que residiam em colocações do
antigo Seringal Iracema. A maioria de seus moradores está no local desde o nascimento,
assim como seus pais e avôs, vivendo quase exclusivamente de atividades extrativistas.
102
Alguns deles se deslocaram para a margem do Rio Caeté, onde organizaram o núcleo
habitacional, conhecido como sede do Cazumbá, local onde está funcionando o projeto em
implantação. O Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária – INCRA
desapropriou alguns seringais para implantação de projetos de colonização, incluindo o
Seringal Iracema. Alguns dos líderes da Comunidade do Cazumbá se organizaram e
concentraram alguns moradores das colocações, a fim de impedir o loteamento da área.
“Considerando as peculiaridades da comunidade, principalmente em função trabalho e da
organização, por ser uma área essencialmente extrativista, destinou-se uma área aproximada
de 17.538 ha para titulação coletiva em nome da associação dos moradores” (SANTOS,
2005, p.31).
As principais atividades econômicas são a extração da borracha e castanha-do-pará, a
agricultura familiar e a pecuária. São extraídos também outros produtos florestais, para
consumo da comunidade, tais como, cipó-timbó, açaí, patauá, bacaba, cajá, cipó-de-ambe,
bacuri, sementes, jatobá, palmito, pupunha, copaíba, breu-branco, cupuaçu, sucuba e buriti. A
mandioca para produção de farinha é o principal produto da agricultura. A criação de gado é
praticada nesta unidade em aproximadamente 60 colocações. A maior parte das famílias cria
animais de pequeno porte, principalmente galinhas, patos e porcos. A caça tem um peso
importante na dieta dos moradores. Nesta unidade está sendo desenvolvido um projeto de
criação semi-extensiva de capivara (Hydrochoerus hydrochaeris), visando garantir o
suprimento de proteína animal aos moradores da reserva, reduzir a pressão exercida pela caça
e a comercialização de excedentes em Sena Madureira - AC. (ACRE: 2005; XANGAI: 2004).
Os negócios da comunidade da sede do Cazumbá realizam-se através da Associação
dos Seringueiros do Seringal Cazumbá, tendo como presidente Aldenir Cerqueira Maia, que
atua também como agente de saúde. Através da associação, são comercializados os produtos
locais, são apresentados projetos de interesse da comunidade e são repassados os recursos
103
oriundos de projetos a serem administrados pela comunidade, inclusive os recursos do Plano
de Ação 5: Atividades Tradicionais – Borracha, do Programa Biodiversidade Brasil/Itália36,
em fase final de aprovação, que financiará a estrutura produtiva dos novos encauchados de
vegetais, que beneficiará 60 famílias da comunidade (BRASIL, 2002).
Os serviços de educação e saúde apresentam limitações. Existem duas escolas na
reserva que ministram cursos da 1a a 4a séries, um posto de saúde, água encanada, luz de
gerador próprio, telefones celulares. A taxa de analfabetismo na população adulta chega a
25%. Existe um posto de saúde na sede do Cazumbá e outro na cidade de Sena Madureira,
mantidos pela prefeitura municipal. As doenças com ocorrência mais freqüente na
comunidade são malária, verminose, hepatite, diarréia e doenças de pele causadas por picadas
de insetos.
Criada a Reserva, foram realizados vários estudos e levantamentos para a
caracterização da área, tendo como objetivo elaborar um Plano de Manejo que conduzisse à
utilização sustentável da floresta sem prejudicar os ecossistemas. Com a implementação dos
dados foram avaliadas as fragilidades e diversidades sócio-ambientais da RESEX, bem como
o seu potencial econômico. Com base nisto a comunidade discutiu e aprovou um Plano de
Manejo que tem por finalidade, dentre outros, os seguintes aspectos, conforme apontados no
documento:
Assegurar a sua sustentabilidade, conservando os recursos naturais para as presentes e
futuras gerações, promover melhores condições de vida para seus moradores e garantir o uso da
terra e da floresta para o extrativismo, especialmente a extração de óleos, látex, sementes,
folhas, cascas, frutos e raízes, com o uso de técnicas que não provoquem a morte dessas árvores
(BRASIL: 2003, p.25).
36 O Programa Biodiversidade é uma iniciativa de cooperação bilateral Brasil-Itália, materializada por ações de formulação, lançamento, implementação e avaliação do Programa para a Conservação e Valorização dos Recursos Fito-Genéticos das Espécies de Interesse Agro-Alimentar e Industrial para o Brasil. O Programa é operacionalizado através da ação conjunta do Instituto Agronômico per l´Oltremare-IAO, pelo lado italiano e do IBAMA e a EMBRAPA, pelo lado brasileiro, em conformidade com os termos de cooperação estabelecidos entre os órgãos de cooperação da Itália (DGCS) e do Brasil (ABC) (BRASIL, 2002).
104
A aprovação do Plano de Manejo criou condições para a implementação de projetos
voltados para o desenvolvimento de novas tecnologias produtivas, para a prospecção de
nichos de mercado para os novos produtos, para o fortalecimento da organização comunitária
e para a melhoria da infra-estrutura e da oferta de serviços. Apesar da forte crise que se abateu
sobre o setor, que ocasionou a falência generalizada dos produtores e beneficiadores da
borracha extrativa, a atividade continua viva na comunidade. A colonização de toda a região
foi motivada pelo extrativismo da borracha, que foi por muitos anos a base da economia do
Estado do Acre. Apesar das seculares dificuldades enfrentadas pelo setor, os moradores da
sede do Cazumbá sempre mantiveram viva a esperança de um dia voltar a produzi-la e tê-la
como sua principal atividade. Raimundo Nonato Soares, um dos seringueiros mais
empolgados com a atividade no núcleo do Cazumbá, declara, em entrevista:
A seringueira é uma mãe pra mim. Eu desde os sete anos de idade ia junto com meu
pai cortar seringa. Todos os dias via o “leite” escorrendo. Com ele meus avós criaram meus
pais. Meus pais me criaram. E eu estou criando meus filhos. Fico muito contente quando vejo
um produto tão bonito feito com o “leite” da seringa. Não imaginava que isto fosse possível.
A atividade extrativa da borracha está arraigada na cultura dos seringueiros, por isto
existe grande receptividade pelo novo sistema produtivo. Não está em análise apenas a
questão econômica, mas, principalmente, a questão sócio-cultural. Assim ocorreu com o
lançamento do “couro” ecológico levado pelo IBAMA em 2002, só que até o momento não
conseguiu obter apoio para a montagem da estrutura produtiva necessária. A qualificação
de um grupo de produtores foi realizada pelo SEBRAE/AC e em parceria com o Núcleo de
Inovação, Design e Artesanato do Acre - NIDAC, que deu suporte inicial (XANGAI: 2004:
ZILIO: 2005). Hoje, a comunidade está aguardando a aprovação final do projeto da
Biodiversidade Brasil/Itália, para a montagem da infra-estrutura produtiva necessária e
expansão para outros núcleos dentro da RESEX.
105
A TI Katukina/Kaxinawa do rio Envira
A TI Katukina/Kaxinawa está localizada na margem esquerda do rio Envira, nas
proximidades do município de Feijó (AC), iniciando na BR 364, sentido Feijó/Tarauacá, e
descendo o rio até adentrar no município de Envira (AM). Foi homologada em 1991, tem
23.474 hectares e é habitada por dois tipos de povos, os Kaxinawá, também conhecidos como
Huni Kui, com uma população de 486 pessoas e os Shanenawa com uma população de 454
pessoas. É formada por sete aldeias, sendo que as aldeias Paroá, Pupunha e Belo Monte são da
etnia Kaxinawá e as aldeias Morada Nova, Paredão, Cardoso e Nova Vida são da etnia
Shanenawa.
Os povos Kaxinawá e Shanenawa têm bastante contato com o homem branco, em
função de suas aldeias estarem localizadas próximas da cidade de Feijó - AC. Caçam e
pescam para consumo próprio. Usam armadilhas e espingardas para a caça e pescam com
anzóis, malhadeiras e, ainda usam o tingui para pesca em lagos. Colhem, para o seu sustento,
produtos da floresta, como açaí, patauá, bacaba e buriti. Praticam a agricultura de
106
subsistência, em roçados coletivos, onde cultivam o milho, o arroz, o feijão de corda, a
macaxeira, a banana, o amendoim, o algodão e o tabaco. Produzem artesanatos de sementes,
fibras e palhas, como o arco e flecha, roupas para suas danças típicas, como o Mariri, brincos
de penas, colares de sementes de mulungu. Produzem uma bebida fermentada da mandioca e
do milho, a caiçuma, para uso em seus rituais. Também criam pequenos animais como o
porco, o pato e a galinha. Todo o excedente da sua produção é comercializado na cidade de
Feijó, onde realizam seus negócios e se abastecem dos gêneros básicos para a sua
sobrevivência.
A renda local é baixa, porém suficiente para adquirirem os produtos para suprir as suas
necessidades básicas. Segundo o levantamento sócio-econômico, a renda provém da prestação
de serviços e da venda de produtos agrícolas e extrativos e artesanatos, principalmente no
Festival de Praia e no Festival do Açaí na cidade de Feijó - AC. Além disso, existem muitos
que são funcionários públicos da Fundação Nacional do Índio, professores ou aposentados.
Ao realçar a importância do artesanato para o povo Shanenawa, Cruz (2002, p.38)
declara: “Do ponto de vista da preservação da cultura e da manutenção dos elos entre
tradições e costumes indígenas, o artesanato ganha destaque. Ao mesmo tempo ele garante a
sustentabilidade cultural e ainda pode viabilizar melhorias nas condições de vida para as
gerações mais jovens e as futuras comunidades”.
A aldeia Morada Nova tem rede de energia elétrica instalada através do Programa do
Governo Federal “Luz para todos”, e poço artesiano que fornece água de boa qualidade para
os seus moradores. As demais aldeias usam água de igarapé ou cacimba e não tem energia
elétrica, sendo que seus moradores usam a lamparina a querosene para a iluminação. Nas
aldeias Morada Nova e Paroá, foram construídos sanitários, tipo fossa séptica que seus
moradores usam para fazer as suas necessidades, sendo que nas demais aldeias, os moradores,
ainda fazem suas necessidades no mato. Isso vem provocando a contaminação das águas do
107
rio e dos igarapés, que são consumidas pela população, provocando doenças como a
verminose, diarréia, vômito, entre outros.
As doenças que ocorrem com maior freqüência nas aldeias são gripe, diarréia e
doenças de pele causadas por picadas de insetos. Para o tratamento dessas doenças, tomam
remédios de farmácia, através de agentes de saúde indígenas treinados que moram nas aldeias
Paroá e Morada Nova. Casos mais graves são atendidos no Posto de Saúde e no Hospital da
cidade de Feijó – AC. Segundo informações obtidas nas entrevistas, não tomam remédios da
floresta, pois desconhecem os seus usos.
As aldeias Paroá e Morada Nova tem telefone público que funcionam com baterias
alimentadas por placa solar e as demais aldeias tem um sistema integrado de radiofonia,
também alimentado por placa solar, permitindo uma rápida comunicação entre si e os demais
povos indígenas da região.
Todas as aldeias têm unidades escolares que funcionam até a 4a. série do ensino
fundamental, nível de escolaridade da maioria de seus moradores. A continuidade dos estudos
a partir da 4a. série do ensino fundamental só é possível no município de Feijó – AC. Porém
poucos dão continuidade nos estudos, sendo que aqueles que o fazem destacam-se na
comunidade, como é o caso do Administrador Substituto da Regional do Acre, Julio Barbosa
(Kaxinawá da aldeia Paroá) e do responsável pelo Posto Indígena - PIN de Feijó, Carlos
Brandão (Shanenawa da aldeia Morada Nova).
O PIN de Feijó dá suporte na área de saúde e educação às famílias dos índios. A
organização social do povo Shanenawa e Kaxinawá ocorre através de associações de base
(Quadro 1), tendo uma do povo Shanenawa, a Associação Comunitária Shanenawa de Morada
Nova - ACOSMO, a outro do povo Kaxinawá de Nova Olinda, a Associação dos Produtores
Kaxinawá de Nova Olinda - ASPKANO, e a Associação dos Produtores Kaxinawá da Aldeia
108
Paroá - APROKAP, que congrega o povo Kaxinawá da TI Katukina/Kaxinawa. Todas estão
associadas à Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira – OPIRE.
4.2.2 As buscas por novas alternativas para a borracha extrativa.
A Amazônia tem um enorme e insubstituível patrimônio ecológico. Com um
perímetro de mais de 4 milhões de km² de extensão, possui a maior reserva de biodiversidade
do planeta e a maior bacia hidrográfica do mundo, com 15% a 20% dos recursos hídricos,
28% das florestas tropicais e 1/3 de toda a biodiversidade do planeta (FREITAS, 2004, p.15).
Aqui é o berço da seringueira (Hevea brasiliensis), árvore nativa da qual se extrai o látex,
matéria-prima para a fabricação da borracha natural. Seringueiras centenárias, bem
manejadas, continuam vivas e altamente produtivas, no meio da floresta. Assim a seringueira,
Quadro 1 – Associações representativas dos seringueiros em áreas de produção dos novos encauchados de vegetais
Sigla Nome Nº Sócios
Abrangência Atuação
CAZUMBA Associação dos seringueiros do seringal Cazumbá
53 Sede e colocações do antigo seringal Iracema
Execução de projetos sociais, vendas produtos, apoio comunitário, feiras e eventos.
ACOSMO Associação Comunitária Shanenawa de Morada Nova
45 Aldeias Morada Nova, Nova Vida, Cardoso, Paredão.
Execução de projetos, apoio comunitário, vendas de produtos.
APROKAP Associação dos Produtores Kaxinawá da Aldeia Paroá
68 Aldeias Paroa, Belo Monte e Pupunha.
Execução de projetos, apoio comunitário e vendas de produtos.
ASPKANO Associação dos Produtores Kaxinawá de Nova Olinda
38 Aldeias Formoso e Nova Olinda.
Execução de projetos, apoio comunitário e vendas de produtos.
OPIRE Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira
7 asso-ciações
Rio Envira Execução de projetos, apoio às associações e vendas de produtos.
ASMIPRUT Associação Intercomunitária de Mini e Pequenos Produtores Rurais da Margem Direita do Tapajós de Piquiatuba a Revolta
56 Comunidade Maguari Execução projeto, agroindústria transformação, mercado.
Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005;
109
fonte renovável e inesgotável da borracha, matéria-prima que alimenta um dos setores mais
fortes da economia mundial, a poderosa indústria pneumática e de artefatos de borracha, é um
dos vegetais mais importantes para o mundo atual. O consumo mundial da borracha vegetal
vem crescendo fortemente, se comparada com o consumo da borracha sintética, matéria-prima
proveniente do petróleo, não renovável e altamente poluente, que, segundo Freitas (2004), é a
principal responsável pela poluição dos solos, das águas e da atmosfera, com impactos em
todos os setores próprios da existência humana.
Estudos realizados no Acre por uma equipe formada por técnicos de várias instituições
locais concluíram que para a retomada sustentável do extrativismo da borracha na região seria
necessário aprimorar os processos produtivos, desenvolvendo novas técnicas de extração e
processamento do látex. (SANTOS, 2001).
A própria legislação atual prevê o apoio do Governo para a melhoria das condições do
extrativismo da borracha na Amazônia, quando através da Lei nº 9.479, art. 7º, Parágrafo
único determina que “o Poder Executivo garantirá os recursos financeiros necessários à
implantação de programas para o adensamento dos seringais nativos, aprimoramento das
técnicas de extração e preparo do látex, visando à melhoria da qualidade da borracha, e
diversificação das atividades econômicas na região amazônica” (BRASIL 1997, p.7).
Por outro lado, as recentes altas, elevando os preços do barril do petróleo para patamares
acima de US$ 70.00, estão acarretando a elevação dos preços de seus derivados, como a
borracha sintética. Os aumentos nos preços da borracha sintética estão dando condições para
que a borracha vegetal recupere, em curto prazo, o espaço perdido, nos últimos cinqüenta
anos, no cenário mundial, para a sintética, por ser renovável e não causar danos ao meio
ambiente. Em 1998 já respondia por 40% do consumo mundial total. Sua produção era da
ordem de seis milhões de toneladas, contra dez milhões de borracha sintética (SANTOS,
1998).
110
O modelo de desenvolvimento econômico para a Amazônia, implantado a partir de
meados dos anos de 1960, pelos governos militares, com o intuito de ocupação e
desenvolvimento da Amazônia, demonstrou, nestes quase quarenta anos de existência, ser
incompatível com a realidade local. A substituição do extrativismo pelos projetos
agropecuários provocou o desflorestamento de extensas áreas para a formação de pastagens,
destruindo importantes recursos da biodiversidade, ainda totalmente desconhecidos pelo
homem e expulsando dos seringais milhares de índios e seringueiros que vieram inchar as
periferias das cidades.
Neste contexto, a Cooperativa Agro-ambiental, Industrial e de Serviços Amazônia
Viva - COOPERECO, sediada em Rio Branco - AC, formada por um grupo heterogêneo de
associados, como ex-seringueiros, artesãos, técnicos agrícolas e professores, pesquisou e
desenvolveu novos processos para a fabricação de artesanatos e pequenos objetos de
borracha. Esta pesquisa tinha por objetivo buscar novos usos para o látex nativo, que
gerassem produtos prontos para o mercado, com maior valor agregado, melhorando a renda
dos seringueiros e recuperando a atividade através de processos fáceis e assimiláveis.
Por exclusão foram eliminados os processos de fabricação da borracha convencional
e do tecido emborrachado defumado, o “couro” vegetal. O primeiro em função dos seus
baixos preços e o segundo, porque o processo de defumação é prejudicial à saúde do
seringueiro e predatória do meio ambiente. A conclusão do grupo foi de que, dentro do perfil
que se buscava, estava a técnica de fabricação dos encauchados, processo indígena de
manipulação do látex, sem o uso da defumação. Processo simples e artesanal, que gerava
produtos de uso pessoal, bonitos, mas com limitações de qualidade por se tratar de um
processo empírico.
111
Então a pesquisa buscou integrar o conhecimento tradicional de manipulação do látex
pelos indígenas com as atuais tecnologias da vulcanização37 e da incorporação de cargas à
borracha, utilizadas pelas indústrias para a transformação da borracha vegetal em artefatos,
com o uso de máquinas, equipamentos e sofisticadas instalações industriais. As pesquisas
aprimoraram e simplificaram os dois processos para permitir a sua utilização de forma
artesanal, dentro das condições de rusticidade do meio rural, sem energia elétrica, máquinas
e/ou estufas, com fácil assimilação e execução por índios e seringueiros no meio da floresta.
A esta nova maneira de fabricar a borracha extrativa, inicialmente os seringueiros a
denominaram de “couro” ecológico, passou a ser chamada pelos povos indígenas Shanenawa
e Kaxinawá, no seu idioma, de Kurã-Kenê38 e a estamos denominando de novos encauchados
de vegetais, neste nosso trabalho. Com a sua assimilação, está sendo possível manter as
populações locais em suas áreas, com maior qualidade de vida e sem interferir nos seus
costumes e tradições. Os novos produtos gerados não estão competindo com a borracha
convencional, que é produzida para atender as indústrias pneumáticas e de peças técnicas. São
produtos diferenciados, produzidos de forma artesanal, que são direcionados para atender
nichos específicos de mercado, não tão exigentes e que pagam melhores preços,
possibilitando, de um lado, uma exploração não tão intensiva dos recursos naturais, e de
outro, um incremento na renda familiar nas comunidades envolvidas.
37 Vulcanização é uma reação química que, através de uma mudança na estrutura química da borracha, ocasiona a passagem do elastômero de seu estado original, predominantemente plástico, a um outro, onde as propriedades elásticas são atingidas, restabelecidas, melhoradas ou estendidas em uma faixa de temperatura maior (ROCHA, 1996, p.117). 38 Kurã-Kenê é um termo indígena Kaxinawá que quer dizer pintura na borracha. Os pigmentos vegetais produzidos pelos índios são misturados ao látex, e, através de técnicas próprias, transformam-se em diversos desenhos, os kenês, inseridos nos produtos caracterizando a cultura local.
112
4.2.3 A ciência e o saber tradicional garantindo a produção sustentável da borracha
extrativa.
A ciência, como um conceito abrangente, pode ser definida como “um conjunto de
conhecimentos racionais, certos ou prováveis, obtidos metodicamente, sistematizados e
verificáveis, que fazem referência a objetos de uma mesma natureza" (LAKATOS e
MARCONI, 2003, p.75). Ainda segundo as autoras, o saber tradicional se distingue do
conhecimento científico não pela veracidade nem pela natureza do objeto conhecido. O que os
diferencia é a forma, o modo ou o método, e os instrumentos do “conhecer”. A ciência não é o
único caminho de acesso ao conhecimento e à verdade. Um mesmo objeto ou fenômeno pode
ser matéria de observação tanto pelo cientista quanto pelo homem comum. O que leva um ao
conhecimento científico e outro ao saber tradicional é a forma de observação. Na ciência, a
realidade passa a ser percebida, não de uma forma desordenada, esfacelada, fragmentada, mas
sob o enfoque de um critério orientador, de um princípio explicativo que esclarece e
proporciona a compreensão do tipo de relação que se estabelece entre os fatos, coisas e
fenômenos, unificando a visão de mundo. No saber tradicional, a visão que se tem da
realidade é mais subjetiva.
Os saberes tradicionais são conhecimentos do mundo natural e sobrenatural que se
aprendem fazendo, que são gerados no âmbito da sociedade não urbano/industrial,
transmitidos oralmente de geração em geração e têm como base de apoio as práticas, as
tradições e a experimentação. (CUNHA e ALMEIDA, 2002; DIEGUES, 2000).
As etnociências valorizam os saberes tradicionais e, hoje, muitos conhecimentos
científicos sobre a natureza e o meio ambiente estão fundamentados em pesquisas a partir dos
conhecimentos oriundos de práticas das populações tradicionais.
113
As etnociências permitem revalorizar e recuperar um arsenal de conhecimentos
práticos, capazes de se inserir como “matéria-prima elaborada” na produção de conhecimentos
científicos sobre a produtividade dos ecossistemas, sobre o aproveitamento dos seus recursos
sobre os processos tecnológicos ecologicamente sustentáveis e sobre as condições culturais de
assimilação destes novos saberes e meios de produção, às práticas das comunidades indígenas e
camponesas. (LEFF, 2000, p.111).
No trabalho ora estudado, a consolidação do novo sistema produtivo para a borracha
extrativa, tanto o conhecimento científico como os saberes tradicionais estão sendo
fundamentais para garantir a sua sustentabilidade. Os índios entram com os conhecimentos
sobre a floresta, o manejo não predatório e as práticas saudáveis de colheita e manipulação do
látex e das fibras; já o conhecimento científico dá suporte para melhorar a sua qualidade,
colocando os produtos gerados em condições de atender as exigências do mercado.
Os vegetais são renováveis e biodegradáveis e não abrasivos, existem em abundância e
podem ser usados em composições com a borracha vegetal. Cargas, pigmentos, odorantes e
conservantes são extraídos de espécies arbóreas nativas, de forma artesanal. As cargas, na
forma de fibras curtas, podem ser fabricadas a partir do aproveitamento de resíduos
madeireiros e agro-extrativos e de partes de plantas coletadas na floresta, como cascas, folhas,
raízes. Os pigmentos e odorantes são fabricados de folhas, cascas, raízes, frutos, sementes de
plantas da floresta que contém cores e aromas especiais. As cinzas resultantes da combustão
de vegetais, em roçados, fornos, fogões são recolhidas e misturadas com água de fonte e
coadas transformando-se em água de cinzas.
As fibras vegetais curtas não são reforçantes, isto é, não melhoram o desempenho da
borracha, principalmente quando incorporadas à borracha ainda na fase líquida (látex). São
cargas inertes que tem a finalidade de dar volume e ajudar no processamento do látex.
Segundo Saheb (1999), as fibras vegetais tem baixo custo, baixa densidade e altas
propriedades específicas. São biodegradáveis e não abrasivas. As fibras vegetais curtas vem
sendo pesquisadas e utilizadas em composições com a borracha vegetal no Brasil e em outros
114
Países (MARTINS, VISCONTE e NUNES, 2002; SAHEB, 1999; MURTY, 1982). A
empresa Inbrasfama, sediada em São José dos Pinhais – PR, desenvolveu e patenteou junto ao
Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, o processo de fabricação da “farinha” de
madeira de pinus e eucalipto, a partir de resíduos coletados em indústrias madeireiras, para a
fabricação de solados. (BALDAN, 1997).
Em trabalhos anteriores, desenvolvemos em projeto do SENAI/SEBRAETEC, para
atender comunidades extrativistas, fibras vegetais curtas de várias espécies nativas, desde o
pó-de-serra de madeiras regionais, como a sumaúma, o angelim, o cumaru ferro, o amarelinho
e o burdão, até fibras de resíduos como o papel de escritório usado, e resíduos de produtos e
frutos agro-extrativos, além de fibras coletadas e processadas de espécies nativas pioneiras
como a embaúba e o algodoeiro, de invasoras como a taboca. Todas demonstraram ter um
bom desempenho na fabricação de compostos a partir do látex pré-vulcanizado
(DAMASCENO e SAMONEK, 2004).
Os pigmentos e odorantes vegetais são originários de cascas, folhas, raízes, frutos e
sementes, gerando cores e aromas diversificados e combinam perfeitamente com o látex para
a fabricação dos novos encauchados de vegetais e são bastante utilizados pelos indígenas para
pinturas em tecido e no próprio corpo durante os rituais. Portanto é uma prática tradicional
nas aldeias. Podem ser adicionados ao látex na fabricação do composto de acordo com a
concentração desejada para fabricar um produto de cor única, ou podem ser usados em
mistura com pequenas quantidades de látex para fazer desenhos específicos, os kenês, sobre as
peças.
A água de cinzas é resultante da filtragem de cinzas misturadas com água. Em nossas
pesquisas de campo, constatamos que ela tem um bom desempenho, como conservante para o
látex, podendo substituir com vantagens a amônia (NH3) e o hidróxido de potássio (KOH),
como higienizante para as fibras, elevando o seu pH para não desestabilizar o látex durante o
115
processamento e ainda, agente indutor para a fabricação dos pigmentos, em substituição ao
álcool.
Leff (2000) destaca a importância das práticas de uso múltiplo e intregrado dos
recursos naturais.
As práticas de uso múltiplo e integrado dos recursos, fundadas em normas
culturais e saberes tradicionais, levam a “descodificar a variedade de diversos micro-
ambientes, desenvolvendo práticas produtivas que não só preservam a biodiversidade,
mas que aumentam o nível de auto-satisfação das necessidades materiais da
comunidade”. A Natureza converte-se, assim, num recurso econômico e num
patrimônio cultural. Estas estratégias culturais de manejo produtivo da Natureza
oferecem princípios para otimizar a oferta sustentada de recursos, conservando as
condições de sustentabilidade da produção, com base numa apropriação diferenciada
de satisfatores, no tempo e espaço e numa distribuição mais eqüitativa dos recursos e
da riqueza (LEFF, 2000, p. 122).
Como podemos ver, no presente projeto, a floresta, continua a ter grande importância
para as comunidades extrativas. No passado, ela lhes era importante em função da caça,
pesca, extração de frutos silvestres; hoje, além disso, ela ainda lhes fornece materiais que
podem transformar-se em recursos econômicos. O látex, as fibras, os pigmentos, os odorantes,
o conservante, o higienizador, tudo é produzido pelo próprio seringueiro e transformado em
bens de uso.
4.2.4 Estrutura para implantação do novo sistema produtivo
Uma vez por ano, o seringueiro prepara as estradas de seringueiras, limpando os
caminhos, renovando as tigelas, preparando o painel, fazendo a raspagem da casca superficial
da seringueira, local onde, a cada dia de corte, fará a incisão para a extração do látex. Este
trabalho é realizado no início da safra, que ocorre no final do inverno amazônico, nos meses
de março/abril de cada ano (EMPERAIRE e ALMEIDA, 2002).
116
As unidades de produção podem ser coletivas ou familiares. Além do kit sangria, no
valor de R$ 1.182,00 (Quadro 2), suficiente para organizar, pelo período de um ano, uma
colocação com três estradas de seringueiras, é preciso edificar uma unidade fabril familiar
rústica, ao custo orçado de R$ 931,00 (Quadro 3), com 32 m² de área construída. A estrutura é
de pau roliço colhido no local. A cobertura é feita com telhas produzidas com látex pré-
vulcanizado e fibras vegetais, processo desenvolvido através do presente projeto de pesquisa.
O piso é de chão batido lavado com água de cimento para não empoeirar. As mesas e padiolas
para o transporte das chapas de alumínio na fabricação das mantas são construídas com taboca
ou embaúba, colhidos no local.
Quadro 2 – Kit sangria (uma colocação com três estradas de seringueiras/ano)
Quantidade Unidade Material Valor R$ Total R$
1 Unid Bota 7 léguas 50,00 50,00 2 Unid Terçado 35,00 70,00
2.000 Unid Tigelas 0,40 800,00 5 Unid Lâminas de aço 5,00 25,00 2 Unid Facas de corte 15,00 30,00 2 Unid Pedra de amolar 6,00 12,00 3 M Pano tipo estopa 15,00 45,00 1 Unid Balde de zinco 50,00 50,00 10 Unid Balde plástico cap 12 l c/ tampa
vedação 10,00 100,00
Total 1.182,00 Fonte: Pesquisa de campo, 2004;
Quadro 3 – Investimento para construção da unidade fabril familiar (3 pessoas/32 m²)
Quantidade Unidade Material Valor R$ Total R$ 5 Diárias Carpinteiro 30,00 150,00 10 Diárias Braçal p/ retirada madeira/
ajudante de construção 15,00 150,00
2 Moldes Telhas de alumínio 45,00 90,00 100 L Látex in natura 1,50 150,00 10 Unid. Solução agente vulcanizante 20,00 200,00 5 Diárias Fabricar telha 15,00 75,00 10 Kg Fibras vegetais 3,00 30,00 2 Kg Prego de alumínio 15,00 30,00 2 Sc Cimento 28,00 56,00
Total 931,00 Fonte: Pesquisa de campo, 2004;
117
A unidade acima tem capacidade para assimilar o trabalho de três pessoas sob um
regime de quatro a cinco horas diárias de trabalho e transformar em produtos elaborados 150
litros de látex por mês, média mensal de colheita de um seringueiro em uma colocação de
seringueiras.
Abertas e aparelhadas as estradas de seringueiras e construída a unidade fabril, o
extrativista precisa adquirir os kits de produção, o kit permanente orçado em R$ 1.898,00 e o
kit custeio mensal orçado em R$ 344,00 (Quadros 4 e 5). Só assim estará em condições de
desenvolver, com eficiência e eficácia, as suas atividades, preparando o látex, as fibras, os
pigmentos e os odorantes vegetais e fabricando as mantas e pequenos objetos de borracha. O
material permanente tem uma vida útil estimada para três anos e o material de custeio orçado
no Quadro 5 é para trinta dias.
Quadro 4 - Kit permanente para uma unidade de produção dos novos encauchados Quant Unid Material Un R$ Total R$
6 Unid Chapas de 1,20 Mx 2,00 em alumínio galvanizado 50,00 300,00 20 Unid Moldes em MDF 10,00 200,00 1 Unid Balde plástico com torneira cap 30 l 120,00 120,00 10 Unid Balde plástico boca pequena com tampa vedação cap 12 l para
armanezar látex
15,00
150,00 5 Unid Balde plástico boca grande c/ tampa cap 18 l 20,00 100,00 20 Unid Vasos de plásticos com tampa para armazenar cap 4 l 4,00 80,00 16 Unid Tigelas de plástico cap 900 ml manuseio látex/fibras 0,50 8,00 2 M Tecido atoalhado para coar água de cinza 12,00 24,00 1 Unid Panela alumínio cap 25 l p/ aquecer látex 180,00 180,00 5 M Lona plástica preta 2,00 10,00 2 Unid Baldes plástico com medidor cap 10 l 18,00 36,00 2 Unid Jarra plástica com medidor cap 3 l 10,00 20,00 3 Unid Peneira com tela de arame para fibras 15,00 45,00 3 Unid Peneira pequena de plástico para látex 5,00 15,00 1 Unid Tesoura de picote 90,00 90,00 1 Unid Tesoura comum 10,00 10,00 1 Unid Triturador elétrico ou manual, 120,00 120,00 1 Unid Caixa d´água cap 250 ml 180,00 180,00 1 Unid Um serrote para coleta fibras 80,00 80,00 1 Unid Pilão rústico para processar fibras 50,00 50,00 1 Unid Balança eletrônica para pesar fibras 180,00 180,00
Total 1.898,00 Fonte: Pesquisa de campo, 2004
118
Assim os custos de sua instalação são relativamente baratos (Quadros 2, 3, 4 e 5), se
comparados com os demais sistemas produtivos. O sistema convencional usa calandras
industriais elétricas para o beneficiamento da borracha, que funcionam com energia elétrica; o
tecido emborrachado defumado, o “couro” vegetal, além de gastar com o corte de lenha para
fazer a defumação, utiliza estufas para complementar o processo de vulcanização; a FDL, o
mais simplificado, mesmo assim, usa calandras manuais e um kit de insumos, incluindo o
ácido pirolenhoso, que precisa de instalações especiais para ser produzido.
4.2.5 Processos e produtos do novo sistema produtivo
Água de cinzas: o conservante natural feito pelos seringueiros
O látex da seringueira apresenta-se de forma líquida e precisa, logo após a sua
colheita, ser estabilizado através de um conservante para não coagular. A amônia (NH3) e o
hidróxido de potássio(KOH), produtos altamente tóxicos, mas bastante utilizados pelos
seringueiros para conservar o látex, precisavam ser substituídos por um conservante menos
tóxico, que fosse de fácil manuseio e não oferecesse riscos à sua saúde.
Quadro 5 – Kit custeio mensal para uma unidade de produção dos novos
Encauchados
Quantidade Unidade Material Valor R$ Total R$ 1 Kg Embalagem plástico cap 1 litro para embalar fibras 8,00 8,00 1 Pc Sacos plásticos cap 50 litros para embalar fibras 5,00 5,00 15 Unid Solução para látex 20,00 300,00
5 Unid Pincel (para pintura de cabelo) para modelagem
5,00
25,00 1 M Tecido telado para coar látex 6,00 6,00
Total 344,00 Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005;
119
Por isso, recuperamos um processo tradicional utilizado pelos seringueiros de
fabricação da água de cinzas. A técnica é artesanal, de fácil manuseio e não oferece riscos à
saúde dos trabalhadores, nem ao meio ambiente. Como podemos ver na Figura 2, é produzida
através da filtragem da mistura de cinzas com água de fonte ou de chuva, na proporção de
dois litros de água para um quilograma de cinzas, deixada por vários dias de molho. As cinzas
utilizadas podem ser originárias da combustão das coivaras na limpeza dos roçados anuais
para a formação da agricultura de subsistência, da combustão de lenha nos fogões caseiros e
fornos de casa de farinha. As cinzas assim geradas eram descartadas no ambiente sem
nenhuma utilização. Mas no passado eram utilizadas pelos seringueiros mais antigos para
conservar o látex, para retirar nódoas de roupas e para produzir sabão caseiro.
A produção e utilização de água de cinzas foi testada na sede do Cazumbá,
apresentando bons resultados na sua aplicação, seja como conservante para o látex, como
higienizador e estabilizante para as fibras e como agente coadjuvante do processo de extração
dos pigmentos de cascas, folhas, raízes, sementes.
A extração do látex de seringueiras nativas
Abertas e aparelhadas as estradas, adquiridos os kits, construída a unidade, o
seringueiro inicia o seu fabrico. A colheita do látex é realizada diariamente em apenas uma
120
das três estradas de seringueiras existentes em cada colocação. Desta forma, faz a sangria de
cada árvore a cada três dias. A safra ocorre de abril a fevereiro de cada ano. Nos meses de
março e abril, faz a limpeza e manutenção de suas estradas, para não perder tempo no período
da safra. De novembro a fevereiro é um período de entressafra, coincidente com o período de
inverno amazônico, quando, às vezes, suas estradas ficam alagadas, ou a chuva não permite
realizar a sangria. Nesse período a produção do látex cai em torno de 50%, segundo pesquisas
de campo realizadas.
A extração de látex é capaz de perpetuar-se, mas essa extração sustentada
depende de técnicas precisas e de cuidados constantes. A faca que “dá no pau”, indo
milímetros além do certo, causa a broca e mata a madeira. Sangrar na friagem ou
quando a seringueira renova as folhas priva a árvore do leite necessário para que ela se
regenere. Não se corta em dias consecutivos, nem fora das leis de corte transmitidas
pela tradição (EMPERAIRE e ALMEIDA, 2002, p.287 ).
O tamanho do corte a ser realizado na casca da seringueira é de aproximadamente 30
cm, podendo ser mais de um em uma árvore, dependendo da sua circunferência na altura do
peito - CAP. A profundidade é de 1 mm antes de atingir o câmbio. (BRAZ, 2001).
121
De acordo com Braz (2001) para que a seringueira continue a ser produtiva, sem ficar
suscetível a fungos e doenças, os cortes efetuados para a retirada do látex, conjuntamente, não
podem ultrapassar 50% da CAP da árvore. A sangria é feita 90 dias/ano, tendo 275 dias/ano
de descanso para sua recuperação. No ano seguinte a sangria é realizada do outro lado da
árvore, tendo mais um ano para a cicatrização total da casca. A largura e profundidade dos
cortes assinalados acima não oferecem riscos a sobrevivência das seringueiras nativas. As
árvores, sangradas nas especificações recomendadas, não são afetadas pela colheita do látex,
permanecendo vivas e produtivas por centenas de anos.
A pré-vulcanização do látex: a tecnologia nas mãos dos extrativistas
O seringueiro tem em suas mãos diariamente o látex de campo, recém-colhido, com
teores de DRC (Dry Rubber Content) acima de 40%. Ao preservá-lo, com água de cinzas,
evita o ataque de microorganismos que podem desestabilizá-lo, ocasionando a perda de sua
qualidade (SAMONEK e DAMASCENO, 2005).
As duas técnicas industriais de vulcanização existentes para a borracha exigem
máquinas sofisticadas e caras, com alto consumo de energia elétrica, e operam em grande
escala. Uma é realizada com a borracha sólida, exigindo duas linhas de máquinas
(misturadores e prensas). Para Uniroyal (1982) e Winspear (1954), os misturadores
incorporam os agentes vulcanizantes na borracha, as prensas moldam os artefatos através de
altas temperaturas. Assim são produzidos os pneus, as peças técnicas e a maioria dos artefatos
de borracha. A outra trabalha com o látex centrifugado a 60%. De acordo com Winspear
(1954), a centrifugação é uma técnica de concentração do látex do campo, onde depois de
conservado, retira-se parte de sua água, padronizando-o ao nível de 60% de sólidos. O látex,
em grandes quantidades, recebe uma composição de agentes vulcanizantes, é mantido sob
122
constante agitação por mais de 36 horas, para se transformar num látex pré-vulcanizado,
também conhecido como látex industrial. E, segundo Mirica, Guimarães e Sato (1982), em
seguida, o látex pré-vulcanizado é aplicado em moldes de superfície, seca e vulcaniza em
estufas especiais. Esta técnica é utilizada pelas indústrias de transformação que necessitam
produtos com melhor qualidade, como luvas cirúrgicas, garrotes, preservativos, entre outros.
Nenhuma das técnicas acima, pelo alto grau tecnológico, com demanda de pessoas
qualificadas e máquinas elétricas, poderia ser utilizada pelos seringueiros da Amazônia para
vulcanizar o látex. Então nossa pesquisa realizada em trabalhos anteriores (SAMONEK,
2003), levou-nos a desenvolver uma formulação específica de agentes vulcanizantes, que
pudesse ser utilizada em pequenas quantidades e que fosse capaz de inferir qualidade ao látex
de campo (35% a 40% de sólidos). Mesmo assim, era preciso agitação constante deste látex
por, pelo menos 36 horas, para que os agentes vulcanizantes interagissem por inteiro com o
látex, atingindo uniformemente a borracha contida nele. Isto também seria inviável no
seringal por falta de energia elétrica. Então descobrimos que através do aquecimento, em
temperatura próxima do ponto de ebulição, e em constante agitação, este tempo de 36 horas
poderia ser reduzido para próximo de uma hora, obtendo-se assim um látex pré-vulcanizado
aceleradamente. Desta forma, o seringueiro, no meio da floresta, com 500 ml de um composto
de agentes vulcanizantes preparado para dez litros de látex de campo, média de sua colheita
diária, pode obter um látex pré-vulcanizado. A solução de agentes vulcanizantes, preservantes
e reforçantes contém os mesmos ingredientes empregados na produção de outros artefatos
elaborados a partir do látex, como na produção de luvas, balões entre outros, e segundo Rocha
e Pierozan (1995), “não oferecem nenhum risco ao meio ambiente ou à saúde dos
trabalhadores”.
Produtos sintéticos, como parafinas, óleos plastificantes, corantes e odorantes usados
no processamento industrial do látex, foram substituídos, com vantagens, por produtos
123
naturais, tais como, resinas, óleos e essências vegetais, extraídos e processados na própria
região e incorporados aos agentes vulcanizantes.
Assim surge a pré-vulcanização acelerada e artesanal do látex, como podemos ver na
Figura 4, onde o seringueiro, sem colocar em risco o meio ambiente ou a sua saúde, sem
precisar de energia elétrica, de mão-de-obra especializada ou de máquinas caras e
sofisticadas, pode transformar o látex de campo de sua colheita diária em um látex com as
mesmas qualidades de um látex industrializado, para ser armazenado e transformado em
produtos prontos para o mercado.
O tecido emborrachado do tipo “couro” ecológico
Em trabalhos anteriores, desenvolvemos o tecido emborrachado, ao qual
denominamos de “couro” ecológico, similar aos encauchados, porém com a qualidade
necessária para atender demandas mercadológicas (SAMONEK, 2003).
124
O tecido emborrachado sem defumação é fabricado pelo processo de concentração e
secagem do látex pré-vulcanizado, o qual é aplicado com as mãos ou com esponja; a parte
líquida se evapora pelo calor, da mesma forma como ocorria com os encauchados, produtos
de borracha fabricados pelos índios. O látex pré-vulcanizado é aplicado sobre um tecido, liso
ou estampado, camada por camada, que é fixado sobre um cilindro de chapa galvanizada de
alumínio. A produção é realizada ao abrigo do sol, de forma familiar ou comunitária, e sua
secagem ocorre na temperatura ambiente. É um sistema inovador, simples, de fácil
assimilação pelos índios e seringueiros, de baixo custo e que gera produtos de boa qualidade.
Os seringueiros com seus parceiros buscam desenvolver estratégias mercadológicas próprias,
de forma cooperativa, gerando autonomia às comunidades onde é implantado.
Em 1997, foi financiado através do PPG7, um Projeto Demonstrativo do Tipo A -
PDA, para a montagem da infra-estrutura produtiva do tecido emborrachado, na comunidade
da Floresta Estadual do Antimari – FEA. Porém, a partir de 1999, depois de ter sido
instalada toda a estrutura produtiva, com a nova política governamental implantada no Estado
do Acre para a borracha, o projeto sofreu sanções pela administração da Fundação de
Tecnologia do Acre – FUNTAC, gestora da área e acabou desestabilizado e sem condições de
ter continuidade (SAMONEK, 2003).
Outras comunidades em várias regiões da Amazônia receberam treinamentos,
demonstrações e apresentações sobre as técnicas de emborrachamento do tecido (Quadro 27,
p.158). Porém, o projeto está sendo bem sucedido apenas nas comunidades Maguari, na
FLONA Tapajós, em Belterra - PA, numa parceria entre o IBAMA/ProManejo e na sede do
Cazumbá em Sena Madureira - AC. (SAMONEK, 2003; FERNANDES, 2003).
125
As fibras vegetais curtas, os pigmentos e odorantes vegetais.
As cargas vegetais para serem utilizadas com o látex pré-vulcanizado podem ser
produzidas a partir de papel de escritório usado, resíduos madeireiros descartados em
indústrias madeireiras, resíduos de produtos agro-extrativos e de material colhido
seletivamente de espécies arbóreas nativas. Alguns são materiais recicláveis e outros são de
fontes renováveis. O papel de escritório é transformado em pó-de-papel; os resíduos
madeireiros e de produtos agro-extrativos são processados, secados e peneirados,
transformando-se em pó, para poderem ser incorporados ao látex; e, as fibras vegetais curtas
de espécies arbóreas são colhidas, maceradas, secadas, refinadas, transformando-se em fibras
vegetais curtas, prontas para uso (Quadro 6).
Relacionamos e qualificamos as espécies nativas que fornecem material de boa
qualidade para a fabricação das fibras, sejam dos resíduos coletados nas indústrias, como o
angelim, o cedro, o cumaru de cheiro, a sumauma, o roxinho, o pau amarelo (Quadro 7),
sejam dos resíduos de produtos agro-extrativos, como do açaí (fibra), do arroz (casca), do
Quadro 6 – Matérias-primas e processos para fabricar as fibras vegetais curtas Tipo Origem Processo Produto final Papel de escritório usado
Escritórios, gráficas e escolas.
Reciclar com água de cinza, secar ao sol e refinar no triturador.
Pó de papel reciclado
Resíduos madeireiros
Serrarias e marcenarias
Secar ao sol e Peneirar
Pó de madeira
Resíduos de produtos agro-extrativos
Própria comunidade
Macerar em pilão, secar ao sol e refinar no triturador.
Pó de resíduos de produtos agro-extrativos
Espécies arbóreas
Estrutura florestal local
Coletar parte das plantas, macerar em pilão, secar ao sol e refinar no triturador.
Fibras vegetais curtas
Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005.
126
milho (sabugo), da bananeira (tronco) (Quadro 8), sejam as fibras de espécies coletadas na
floresta, como as pioneiras (algodoeiro, embaúba), as invasoras (bambu) e as palmáceas
(buriti, aricuri) (Quadro 9). Todas as fibras são, antes de sua secagem e processamento,
Quadro 9 – Plantas nativas que fornecem fibras vegetais curtas
Quantidade em gramas de fibras secas p/litro látex
Nome vulgar Nome científico Parte da planta utilizada
mínimo máximo Açaí Euterpeoleracea Mart. Palha 50 150
Algodoeiro Gossypium sp Tronco 50 150 Aricuri Syagrus coronata Palha 50 150 Bambu (taboca) Guadua weberbaweri Colmo 50 150 Buriti Mauritia flexuosa Palha 50 150 Embauba Cecropea sp. Tronco 50 150 Tucumã Astrocaryum aculeatum Palha 50 150 Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005.
Quadro 7 – Resíduos madeireiros utilizados como fibras vegetais curtas
Quantidade em gramas de fibras secas p/litro látex
Nome Vulgar Nome Científico
Mínimo Máximo
Angelim Hymenolobium flavum Ducke 50 150 Cedro Cedrela odorata L 50 150 Cumaru de cheiro Dipterix intermédia Ducke 50 150 Pau amarelo Euxylophora paraensis Huber 50 150 Roxinho Peltogyne maranhensis Hub & Ducke 50 150 Sumaúma Ceiber pentandra Gaertn 50 150 Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005.
Quadro 8 – Resíduos de produtos Agro-extrativos utilizados como fibras vegetais curtas
Quantidade em gramas de fibras secas p/litro látex
Resíduos utilizados
Mínimo Máximo
Casca de arroz 30 180 Sabugo do milho 40 100 Casca da macaxeira 30 120 Tronco da bananeira 50 120 Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005.
127
conforme podemos ver na Figura 5, lavadas com água de cinzas, para retirar a acidez,
tornando-a em condições de não provocar a desestabilização do látex durante o
processamento (SAMONEK e DAMASCENO, 2005).
Vários tipos de fibras, testadas pelo CETEPO, isoladamente ou combinadas, segundo
Pierozan (2004), demonstraram ter excelente desempenho na fabricação de compostos a partir
128
do látex pré-vulcanizado, que podem ser utilizadas para a produção de uma linha diversificada
de artesanatos e pequenos objetos de borracha.
Existe também uma diversidade de espécies nativas em condições de fornecer
pigmentos, como o abacateiro, o jenipapo e o urucum (semente), a açafroa (raiz), o aguano, o
breu vermelho e o jatobá (casca), o pau-brasil (folha) (Quadro 10 e Figura 6).
Os odorantes utilizados para camuflar o cheiro da borracha são naturais e de
origem vegetal, extraídos de várias espécies nativas, tais como o angelim, o breu vermelho, a
QQuuaaddrr oo 1100 –– PPllaannttaass nnaatt iivvaass qquuee ffoorr nneecceemm ppiiggmmeennttooss vveeggeettaaiiss
Nome vulgar Nome científico Parte
utilizada Processo Cor
Abacateiro Persea americana Mill
Caroço Macerar em pilão e aquecer com água de cinza
Marron
Açafroa Guarea specaeflora Tubérculo Macerar em pilão e aquecer com água de cinza
Amarelo
Aguano Swietenia macrophilla King
Casca Macerar em pilão e aquecer com água de cinza
Vermelho
Breu vermelho Tetragastris altíssima Casca Macerar em pilão e aquecer com água de cinza
Vermelho
Jatobá Hyminaea oblongfolia Huber
Casca Macerar em pilão e aquecer com água de cinza
Marron
Jenipapo Genipa americana Fruto Macerar em pilão e aquecer com água de cinza
Preto
Pau-brasil/ anilina
Não identificado Folha Macerar em pilão e aquecer com água de cinza
Vermelho
Rinchão Sisymbrium officinale Folha Macerar em pilão e aquecer com água de cinza
Verde
Urucum Bixa orellana Semente Macerar em pilão e aquecer com água de cinza
Alaranjado
Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005;
Quadro 11 – Plantas nativas que fornecem odorantes
Nome vulgar
Nome científico Parte utilizada
Processo
Angelim Hymenolobium flavum Ducke
Casca Seca, tritura e incorpora composto.
Breu vermelho
Tetragastris altíssima
Casca Seca, tritura e incorpora composto.
Canela Não identificado Casca Seca, tritura e incorpora composto
Cedro Cedrela odorata L Pó-de-serra Seca e incorpora no composto
Jatobá Hyminaea oblongfolia Huber
Casca Seca, tritura e incorpora composto.
Cumaru de cheiro
Dipterix intermédia Ducke
Pó-de-serra Seca e incorpora no composto
Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005;
129
canela, o cedro, o jatobá, o cumaru de cheiro (Quadro 11).
Todos os processos utilizados para a fabricação das fibras, dos pigmentos e dos
odorantes são artesanais e vem de práticas tradicionais (DAMASCENO E SAMONEK:
2005).
O composto aquoso polimérico de vegetais
Em trabalhos que realizamos anteriormente (SAMONEK e DAMASCENO, 2005), a
mistura do látex pré-vulcanizado, com as fibras vegetais curtas, em proporções que variam
entre 10 e 50 phr. e os pigmentos e odorantes vegetais e sua homogeneização, com as mãos ou
em liquidificador, gera uma massa pastosa, de fácil processamento, a qual denominamos de
composto aquoso polimérico, que servirá para a fabricação de mantas e pequenos artefatos de
borracha (Figura 7).
130
Os moldes: Chapa e cilindro de alumínio, alumínio reciclado, madeira, MDF.
Estando solucionadas as questões relativas à qualidade do látex e à fabricação das
fibras, pigmentos e odorantes, era preciso desenvolver sistemas que proporcionassem
condições de transformar o composto em produtos finais, de forma artesanal, sem a
necessidade de máquinas, energia elétrica e/ou estufas. Os moldes de cipó, taboca e paus
roliços para a fabricação do saco encauchado ou de madeira, lisos ou entalhados, utilizados
pelos índios e seringueiros, continuam sendo usados nos atuais processos. Porém, também
em trabalhos anteriores, desenvolvemos outras maneiras de manusear o composto, com o
intuito de permitir a diversificação da linha de produtos. A manta de fibras é fabricada em
chapa de alumínio galvanizada que mede 1,20 m por 2,00 m. A fabricação do tecido
emborrachado é realizada em uma forma cilíndrica construída com chapas galvanizadas, de
1,20m X 2,00 m, e rebitada manualmente em estrutura de ferro (SAMONEK, 2003).
Também em trabalhos anteriores, patrocinados pelo SEBRAETEC e SENAI/AC,
desenvolvemos processos artesanais para a fabricação de moldes em alumínio reciclado. Duas
131
pequenas unidades de fundição foram montadas, uma na sede da Resex Cazumbá e outra no
PAE Santa Quitéria. Sucata de alumínio é derretida e transformada em moldes para a
fabricação de pequenos artefatos. Folhas e cascas de árvores nativas podem ser transferidas
132
para os moldes, que servirão para reproduzi-las com borracha, conforme podemos ver nas
Figuras 8, 9 e 10 (DAMASCENO e SAMONEK, 2004). Xangai (2004, p.3) assim se referiu
ao processo:
Paralelamente à oficina de látex, dois seringueiros do Santa Quitéria e dois da
Comunidade Cazumbá aprenderam como fabricar moldes de folhas e outros produtos vegetais
utilizando o alumínio. A utilização desse metal foi a que se mostrou mais eficiente na hora de
fabricar as peças de borracha que, por serem secadas ao sol, precisam que a fôrma conserve
bem a temperatura, apressando assim o feitio dos trabalhos.
As plantas catalogadas, cujas folhas e cascas estão sendo usadas para a fabricação dos
moldes são, o algodoeiro, a maparajuba, o currimboque, a taioba, a vitória-régia (folhas), a
seringueira, o angelim (casca) (Quadro 12).
Os kenês e o visual dos novos encauchados de vegetais
Para dar cores aos produtos são acrescentados pigmentos vegetais no composto, na
hora de sua fabricação. Desta forma, os produtos adquirem mais vida, porém, assim
fabricados, são produtos de uma única cor. No entanto, as culturas indígenas Kaxinawá e
Shenenawa têm uma grande variedade de desenhos denominados de kenês, e que, para eles,
representam a floresta, os animais, os pássaros, os peixes. Segundo Franco et al (2002, p.277)
“os kenês são desenhos tradicionais usados pelos Kaxinawá para bordar redes, lençóis, bolsas,
Quadro 12 – Plantas que fornecem folhas e cascas para a fabricação de moldes
Nome vulgar Nome científico Parte utilizada Algodoeiro Gossypium sp. Folha Angelim Hymenolobium flavum Ducke Casca Currimboque Cariana sp. Folha Maparajuba Chrysophilum sp. Folha Seringueira Hevea brasiliensis folha e casca Taioba Xanthosoma sagittifolium schott Folha Vitória-régia Eiryle amazônica Folha Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005;
133
pulseiras e chapéus, através de sofisticadas técnicas de tecelagem, com algodão cultivado e
preparado nas próprias aldeias e com o uso de corantes naturais”. Durante a oficina de
capacitação na aldeia Paroá, desenvolvemos, com a participação dos treinandos, uma técnica
que permite inserir os desenhos nos produtos fabricados (Figura 11), dando mais vida e
valorizando-os ainda mais. Os participantes da oficina fabricaram através de suas próprias
técnicas os corantes vegetais. Aos corantes, são acrescentadas pequenas quantidades de látex
pré-vulcanizado, o que permitirá a fixação do desenho no produto final. Esta mistura é
utilizada para fazer as pinturas e desenhos, à mão, diretamente no molde, antes da aplicação
do composto. O composto só é aplicado, quando a pintura já está seca. Assim depois de
pronto, ao ser retirado do molde, o desenho fica impresso e fundido na peça acabada. Com
isso não há riscos de descolagem do desenho com a utilização do produto. Ao apresentar
características culturais dos povos indígenas, os produtos assim fabricados são bem mais
valorizados.
134
As mantas e os pequenos objetos de fibras e látex de borracha.
A necessidade de substituir o tecido industrializado, matéria-prima utilizada na
fabricação do tecido emborrachado (SILVA, 1997), por matérias-primas locais e artesanais,
que dessem características diferentes e mais regionais aos artefatos e reduzissem os custos de
produção, levou-nos, em trabalhos anteriores, a pesquisar as fibras, pigmentos e odorantes
vegetais, a fabricação de compostos de látex para a fabricação de mantas e objetos de
borracha e os moldes de alumínio reciclado (SAMONEK e DAMASCENO, 2005).
No processo de transformação do composto aquoso polimérico em produtos acabados
não se usa a defumação, nem máquinas, nem há necessidade de estufas para sua secagem e
cura. A energia utilizada é o sol e o calor da temperatura ambiente. De acordo com as
135
composições e os moldes utilizados podem ser fabricados, conforme podemos ver no Quadro
13 e nas Figuras 12 e 13, uma linha diversificada de produtos. Este processo resgata o
tradicional processo de fabricação dos encauchados e do saco encauchado pelos índios e
seringueiros, que não usavam a defumação em seu processamento. Torna-se mais saudável ao
não expô-los a um esforço físico excessivo, nem a um contato exagerado com o calor e com a
fumaça, prejudiciais à sua saúde (SAMONEK, 2003).
No sistema proposto são fabricadas, em unidades comunitárias ou familiares,
localizadas no meio da floresta, mantas emborrachadas de fibras e látex, além de diversos
tipos de artesanatos, pequenos objetos e utilidades domésticas. As mantas são produzidas em
chapas de alumínio galvanizado, que medem 1,20m X 2,00 m, colocadas sobre padiolas,
facilmente removíveis, que permitem trabalhar à sombra e secá-las ao sol. As mantas,
medindo 1,20 m X 2,00 m, estão sendo vendidas pela OPIRE a diversas empresas do ramo de
confecções que podem transformá-las em produtos acabados, tais como bolsas, mochilas,
saco-mochila, pastas para eventos, pastas de documentos, pochetes, porta-lápis, porta-CD´s,
136
porta-níqueis, suporte de mouse, porta-produtos de toalete, aventais, crachás, coletes, casacos,
saias, shorts, biquínis, tapetes, tapetes para carro, bonés, chapéus, capas para computador,
capas de chuva, capas para instrumento musical, lençóis impermeáveis para hospitais, capas
de agendas, cortinas, solados, sandálias, botas, almofadas, revestimentos de sofás, entre
outros. Os artesanatos e os pequenos objetos de borracha, tais como brinquedos, utilidades
domésticas, peças de decorações, jogos americanos, caminhos de mesa, toalhas de mesa, porta
copos, porta-lápis, luminárias, aventais, telhas, sacos encauchados, telas de arte, pinturas em
camisetas, entre outros, podem ser produzidos diretamente pelos índios e seringueiros
utilizando moldes, lisos ou entalhados, de alumínio reciclado, de MDF ou de madeira,
(XANGAI, 2004; SAMONEK e DAMASCENO, 2005; ZILIO, 2005).
Quadro 13 – Características de alguns produtos fabricados pelo novo sistema Produto Composição Molde utilizado Peso seco Manta de fibra 1,20m X 2,00m
2 l látex 300 gr fibras/pigmento
Chapa 2,00 mX1,20m
De 750 a 900 gr
Manta de tecido 1,10m X 1,90m
2 l látex tecido/ pigmento
Forma cilíndrica De 900 a 1.200 gr
Saco encauchado
2 l látex bolsa de tecido de algodão
Armação taboca e cipó
De 600 a 750 gr
Luminária-Folha/casca
0,2 l látex/50 gr fibras/ estrutura de madeira/acessórios
Molde alumínio reciclado
200 a 250 gr
Porta-lápis 0,2 l látex 50 gr fibras/ pigmento
Molde de madeira 20 a 30 gr
Jogo americano
2 l látex 300 gr fibras/pigmento
Moldes MDF De 800 a 950 gr
Telha fibra 1,00mx2,00m
5 l látex 1 kg fibras
Telha alumínio De 3 a 3,5 kg
Camiseta /pintura
0,2 l látex camiseta/pigmento
Prejudicado
Prejudicado
Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005.
137
4.2.6 Uma análise do sistema produtivo dos novos encauchados de vegetais.
Aspectos econômicos
Quando comparados com outros tipos de borrachas extrativas, os novos encauchados
de vegetais produzidos na TI Katukina/Kaxinawá são os que exigem menos investimentos
(Quadros 2, 3, 4, 5, p. 116-117) e os que mais agregam valor na base produtiva (Quadro 14 e
15, p.138-139). Ao estudá-los isoladamente, verificamos a diversidade de produtos que
podem ser fabricados e a renda mensal que pode ser auferida. Para a formação dos custos de
produção de alguns itens, apontados na Tabela 1, o valor da diária é de R$ 15,00, o litro de
látex de campo está sendo comercializado a R$ 1,50, a fibra a R$ 3,00 e a garrafa do agente
vulcanizante a R$ 20,00.
Na tabela 2, temos os custos de produção, os preços que a Associação local (OPIRE),
paga pelos produtos às unidades, coletivas ou familiares, a margem de lucro bruto da unidade,
os preços de venda pela OPIRE (ex-impostos e frete) e a margem de lucro bruto na
Associação.
Tabela 1 – Planilha de Custos de produção de alguns itens dos novos encauchados de vegetais
Insumos Un Manta fibra Manta tecido/ Saco encauchado
Porta lápis Jogo americano
Telha LumináriaFolha/ casca
Camiseta Pintura
Custo Custo Custo Custo Custo Custo Custo Látex Litr 2 3,0 2 3,0 0,2 0,3 2 3,0 5 7,5 0,2 0,3 0,1 0,2 Ag. Vul-canizante
Gfa 1/5 4,0 1/5 4,0 1/50 0,4 1/5 4,0 1/2 10,0 1/50 0,4 1/99 0,2
Fibra Kg 0,3 1,3 0,05 0,2 0,3 1,3 1 3,0 0,05 0,2 Tecido/ madeira
15,0 15,0 12,0
Confecção Dia 1/3 5,0 1/3 5,0 1/10 1,5 ½ 7,5 1 15,0 1/10 1,5 1/2 Pintura 0,3 8,0 7,5 Outros 1,0 1,0 0,3 1,5 3,0 0,3 1,5
Total 14,3 28,0 3,0 25,3 38,5 17,7 21,4 Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005;
138
Com os dados levantados nas aldeias, fizemos algumas simulações de valores que
podem ser conseguidos, em alguns possíveis arranjos produtivos. No caso de uma unidade de
produção coletiva (Quadro 14), um seringueiro, cortando 15 dias por mês, colhe 150 litros de
látex e vendendo o seu látex a R$ 1,50/litro para a unidade recebe R$ 225,00/mês;
Tabela 2 – Preços de venda dos produtos ao nível local
Produto Custo Produção
R$
Preço/ Unidade produção
R$
Margem Aldeia
R$
Preço de Venda
R$
Margem Associação
R$
Manta de Fibras 14,30 25,00 10,70 35,00 10,00 Saco encauchado sem pintura 28,00 35,00 7,00 50,00 15,00 Saco encauchado com pintura 38,00 45,00 7,00 60,00 15,00 Tecido emborrachado 28,00 35,00 7,00 50,00 15,00 Porta lápis 3,00 5,00 2,00 7,00 2,00 Jogo americano sem pintura 25,30 35,00 9,70 50,00 15,00 Jogo americano com pintura 33,30 35,00 1,70 50,00 15,00 Telha 38,50 38,50 38,50 Luminária de Folha/casca 17,70 30,00 12,30 50,00 20,00 Camiseta pintada 21,40 25,00 3,60 40,00 15,00 Fonte: Pesquisa de campo, 2005.
Quadro 14 – Possibilidades de renda com os novos encauchados em unidade coletiva 1 seringueiro trabalhando 15 dias/mês na extração do látex e 10 dias na unidade como
diarista Produto Dias Quant Valor R$ Total R$ Látex 15 150 litros 1,50 225,00 Diária 10 15,00 150,00 Total 375,00
Fonte: Pesquisa campo, 2005.
Quadro 15 – Possibilidades de renda com os novos encauchados em unidade familiar
Simulação 1 1 seringueiro trabalhando 15 dias/mês na extração do látex (150 litros) e+1 pessoa na unidade
familiar Produto Dias Quant R$ Unid Total R$ Mantas 25 75 15,70 1.177,5 Total 1.177,50
Simulação 2 Simulação 3 1 seringueiro trabalhando 15 dias/mês na
extração do látex (150 litros) e+2 pessoas na unidade familiar
1 seringueiro trabalhando 15 dias/mês na extração do látex (150 litros) e+3 pessoas na unidade
familiar Produto Dias Quant. Valor R$ Total R$ Produto Dias Quant R$
Unid Total R$
Mantas 10 30 15,70 471,00 Mantas 10 30 15,70 471,00 Jogo
americano sem pintura
15 30 20,20 606,00 Jogo americano com pintura
30 30 28,20 846,00
Porta lápis 8 80 4,00 320,00 Porta-lápis 7 70 4,00 280,00 Camiseta 10 20 7,50 150,00 Camiseta 20 40 7,50 300,00
Total 1.547,00 Total 1.897,00 Fonte: Pesquisa campo, 2005.
139
trabalhando os outros 10 dias na unidade, como diarista, recebe mais R$ 150,00, totalizando
R$ 375,00/mês. Ainda terá tempo disponível para exercer outras atividades, como botar
roçado, pescar, caçar, coletar frutos silvestres entre outros.
Caso a unidade seja familiar (Quadro 15), com os mesmos 150 litros de látex
transformados em 75 mantas de fibras, comercializando com a Associação a R$ 25,00/manta,
descontados os insumos gastos de R$ 9,70/manta (ex-mão-de-obra), pode obter uma renda
bruta familiar de R$ 1.177,50/mês. Se diversificar a linha de produtos, inserindo mais pessoas
de sua família, poderá, com os mesmos 150 litros de látex, obter uma renda bruta de até R$
1.897,00/mês. Porém, com a borracha convencional (Quadro 16), a FDL (Quadro 17) e o
“couro” vegetal (Quadro 18), com os mesmos 150 litros de látex colhidos no mês, o
seringueiro não tem nenhuma opção de diversificar a linha de produtos, e obtém uma renda
bruta de R$ 125,00/mês na borracha convencional e R$ 225,00/mês na FDL e R$ 375,00 no
“couro” vegetal.
Quadro 16 – Possibilidade de renda com a borracha convencional
1 seringueiro trabalhando 15 dias/mês na extração do látex (150 litros)+ 7 dias produz 75 kg borracha bruta
Produto Dias Quant. Valor R$
Total R$
Pranchas 22 75kg 1,80 135,00 Total 135,00
Fonte: Morceli, 2004; Pesquisa de campo, 2005
Quadro 18 – Possibilidade de renda com o “couro” vegetal 1 seringueiro trabalhando 15 dias/mês na extração do látex (150 litros) e + 7 dias para
fabricar o couro Produto Dias Quanti R$Unid Total R$ Lâminas 22 75 5,00 375,00
375,00 Fonte: Andrade (2003)
Quadro 17 – Possibilidade de renda com a FDL
Produto Dias Quant R$
Unid Total R$
FDL 22 50 kg 4,50 225,00 225,00 Fonte: Pesquisa campo, 2005; Perez, 2003.
140
Assim, os valores que podem ser agregados com a produção dos novos encauchados,
em comparação com a produção da borracha convencional, chegam a ser superiores em até 15
vezes; em comparação com a produção da FDL em até 8 vezes e em comparação com o
“couro” vegetal, em até 5 vezes (Quadro 19 e Figura 14).
Figura 14 - Receita bruta mensal por 150 litros látex
0
500
1000
1500
2000
2500
Late
x
Man
tas
Mix
sem
pint
ura
Mix
com
pint
ura
FDLCVP
Novos encauchadosFDLCouro VegetalBorracha convencional
Quadro 19 – Possibilidade de Renda mensal por produto Sistema produtivo Tipo borracha unid Quant R$ Un R$ Total Borracha convencional CVP, Pranchas,
coágulos. kg 75 1,80 135,00
“Couro” vegetal Lâminas(mão obra + látex)
unid 75 5,00 375,00
FDL folhas kg 50 4,50 225,00 Látex lit 150 1,50 225,00 Mão-de-obra diária 25 15,00 375,00 Mantas unid 75 15,70 1.177,50
Mix sem pintura Divs. Quadro 11 – Simul.2
Divs. 1.547,00
Novos encauchados de vegetais
Mix com pintura Divs. Quadro 11 – Simul.3
Divs. 1.897,00
Fonte: Morceli, 2004; Andrade, 2003; Perez, 2003; Pesquisa de campo, 2005
141
Os dados aqui apresentados vem sendo praticados na região, em pequena escala,
portanto, ainda em fase de construção. Para uma análise mais acurada é preciso que o
mercado assimile a totalidade da produção, que ocorrerá com a implantação integral do
projeto em fase de execução. Portanto, os resultados deste projeto só poderão ser mais bem
avaliados, a partir do seu integral funcionamento e através de um plano de negócios com
estudos mais aprofundados sobre a produção e os mercados.
No Cazumbá o projeto está paralisado. Os multiplicadores foram capacitados, porém a
comunidade aguarda a liberação dos recursos do programa Biodiversidade Brasil/Itália para
estruturar a atividade e promover, em paralelo, a abertura de mercado para os novos produtos.
Por isto deixamos de apresentar dados relativos àquela comunidade.
Aspectos sociais
O projeto dos novos encauchados de vegetais pode melhorar as condições de vida nas
aldeias e comunidades onde está sendo executado. As condições de trabalho são boas, não
oferecem nenhum risco à saúde dos trabalhadores. Segundo Rocha (1999, p.1) “não há riscos
aos seres humanos decorrentes da fabricação do couro ecológico”. Os processos
desenvolvidos são todos saudáveis e artesanais, envolvendo muitas pessoas em todas as suas
etapas. Trabalham com satisfação por ser uma atividade arraigada em sua cultura e baseada
em conhecimento tradicional. Não há necessidade de mudança nos seus costumes e no modo
de vida dos participantes. Não há obrigações relativas a cumprimento de horários de trabalho,
pois cada trabalhador flexibiliza o seu horário de acordo com as demais atividades. Somente
neste sistema produtivo, isso é possível, porque o látex pré-vulcanizado pode ser armazenado.
A atividade é realizada com mais desenvoltura em dias de sol, de calor mais intenso, mas
ocorre em um ambiente coberto, bem arejado, protegendo o trabalhador do sol e da chuva. As
pessoas trabalham bem à vontade, tendo tempo suficiente para realizar outras atividades,
142
sejam de trabalho ou de lazer, realizar o seu roçado, caçar, pescar, jogar bola, reunir-se com
os demais membros da aldeia, entre outros.
O projeto assegura autonomia aos povos indígenas, vindo ao encontro de seus anseios,
recuperando e revalorizando os seus traços culturais, através das práticas de fabricação dos
encauchados e dos desenhos dos kenês. Nos cursos de capacitação, a criatividade indígena e o
trabalho feminino são estimulados, como se constata na Figura 16, onde os instrutores atuam
apenas como mediadores. O seu modo de vida e os seus costumes não são alterados,
simplesmente as condições de sobrevivência e a qualidade de vida é que são melhorados.
Aspectos ambientais
Os materiais utilizados nos processos, de origem vegetal, são extraídos da floresta de
maneira seletiva, sem riscos às espécies ou ao ecossistema. A sangria do látex é feita sem
cortar a árvore, de forma controlada e não tão intensivamente como no sistema convencional,
143
para não prejudicar as árvores, que permanecem produtivas décadas e até centenas de anos,
sendo que novos indivíduos nascem, crescem e são incorporados regularmente ao processo
produtivo. As fibras primeiramente são produzidas a partir de resíduos madeireiros e agro-
extrativos, se existentes. Caso contrário, então serão produzidas a partir de espécies invasoras
(taboca), de pioneiras (embaúba e algodoeiro), e de palheiras de palmáceas, disponíveis nas
capoeiras e áreas de vegetação em formação, próximas das unidades de produção. Os
pigmentos e odorantes são produzidos a partir do uso de folhas, raízes, cascas, frutos, sem
precisar cortar as árvores. Os níveis de exploração, tanto para as fibras como para os
pigmentos e odorantes, são baixos não oferecendo riscos às espécies ou ao sistema ecológico
como um todo.
Também, os insumos usados para a pré-vulcanização do látex não são tóxicos, não
existindo nenhum risco à saúde dos trabalhadores, nem ao meio ambiente. Segundo se lê no
laudo do CETEPO:
Os tipos de ingredientes e os seus teores utilizados na formulação estão de acordo com
a regulamentação da FDA (U.S. Food and Drug Administration), de modo que pouco ou nada
destes produtos são emanados durante a produção do couro ecológico ou mesmo deste após sua
manufatura. Assim sendo não há riscos ao meio ambiente ou aos seres humanos decorrentes da
fabricação do couro ecológico ( ROCHA: 1999, p.1).
Entrevistados 24 participantes do curso (Anexo IV), todos responderam que, ao pré-
vulcanizar o látex e ao manusear o composto, não tiveram nenhum tipo de reação alérgica,
como coceira, vermelhidão, enjôo, vômito, mal-estar ou qualquer outro tipo de reação
provocada pelo contato direto com o látex pré-vulcanizado.
Por outro lado, todas as matérias primas utilizadas no novo sistema produtivo estão
próximas dos locais de produção. O látex é colhido em estradas de seringueiras existentes ao
redor da colocação, de forma contínua, com diminuição sazonal, em função do período
chuvoso, tempo que a seringueira tem para se recuperar. As fibras, pigmentos e odorantes são
produzidos de espécies existentes no local, em capoeiras, de árvores que se renovam a cada
144
ano, como a taboca, as pioneiras ou as palhas das palmáceas. Os vegetais, colhidos através de
práticas saudáveis e de um manejo seletivo, são uma fonte renovável e inesgotável de
matérias-primas, não havendo riscos de escassez ou esgotamento dos recursos utilizados.
Aspectos tecnológicos
Analisado pelo Centro de Tecnologia de Polímeros do SENAI/RS - CETEPO, o látex
pré-vulcanizado através do método ASTM D 412-87, tipo C (Quadro 20), foi declarado que
“os resultados obtidos indicam que o látex natural in natura pré-vulcanizado apresenta um
bom grau de vulcanização, conferindo-lhe boas propriedades físico-mecânicas” (ROCHA e
PIEROZAN, 1995).
Os novos encauchados de vegetais foram analisados pelo CETEPO/SENAI/RS
(Quadro 21), através de unidades amostrais para ser aferida a sua qualidade físico-mecânica.
De acordo com os resultados apresentados o material foi considerado apto para as finalidades
a que se destinam (PIEROZAN E BRITO, 2004).
Quadro 20 – Ensaios laboratoriais para análise físico-mecânica do látex nativo pré-vulcanizado AMOSTRA NR-PRÉ* NR-S** NR-C***
Módulo a 300% Mpa 0,7 0,3 0,9 MPA 18,0 0,7 25,2 Kgf/cm2 184 7 257
Tensão de ruptura
Psi 2.610 100 3.660 Alongamento na ruptura, % 990 >1.000 900
*NR-PRÉ: látex nativo in natura pré-vulcanizado **NR-S: látex nativo in natura sem agentes de vulcanização
Método utilizado: ASTM D 412-87, tipo C
***NR-C: látex nativo “in natura” com agentes de vulcanização Fonte: Rocha e Pierozan, 1995
145
Em uma análise comparativa das fibras vegetais curtas de madeiras do Acre,
comparadas com as fibras do pinus e do eucalipto (Quadro 22), e utilizando como matriz a
borracha extrativa FDL produzida no Acre, verificamos que as madeiras do Acre obtiveram
melhor desempenho do que as fibras de pinus e de eucalipto (PIEROZAN, 2003).
Quadro 22 – Ensaios laboratoriais para análise físico-mecânica de compostos de borracha vegetal extrativa FDL-Acre com cargas vegetais elaborados em bunbury a) Propriedades Originais IMB* ACR** Dureza, Shore A 76 74
Mpa 2,7 3,4 kgf/cm2 27 35
Tensão de ruptura Psi 390 490 Módulo 100%, Mpa 2,6 3,4 Alongamento na ruptura, % 120 150 b) Propriedades após envelhecimento acelerado em estufa (70h/70ºC) Dureza, Shore A 79 78
Mpa 3,5 4,2 Kgf/cm2 36 43
Tensão de ruptura
Psi 510 610 Alongamento na ruptura, % 100 130 Módulo 100%, Mpa 3,0 4,2 Variação dureza, pontos +3 +4 Variação tensão de ruptura, % +30 +24 Variação módulo 100%, % +15 +24 Variação alongamento, % -17 -13 *IMB : pó-de-serra de pinus e eucalipto **ACR: pó-de-serra de madeiras amazônicas Fonte: Pierozan, 2003
Quadro 21 – Ensaios laboratoriais para análise físico-mecânica de amostras de novos
encauchados de vegetais
1/1 2/1 2/10 3/7 Força na Ruptura – N/mm (mediana) 9,6 6,4 5,3 2,2 Alongamento na Ruptura, % (mediana). 1.470 840 630 200 Base DIN 53504 –94, corpo-de-prova Tipo S3A. Velocidade de afastamento das garras: 500mm/min.
*1/1: Látex pré-vulcanizado **2/1: Látex pré-vulcanizado+fibra de papel reciclado ***2/10: Látex pré-vulcanizado+fibra de papel reciclado+fibra sumaúma ****3/7: Látex pré-vulcanizado+fibra de papel reciclado+fibra de buriti Fonte: Pierozan e Brito, 2004.
146
4.3 CONCLUSÕES
O projeto dos novos encauchados de vegetais, em seus dez anos de pesquisa
consolidou-se. Hoje busca parceiros para ser repassado às comunidades extrativistas. Em
todos os locais, onde foi apresentado (Quadro 27, p.157), não só nos Estados da Amazônia
brasileira, mas em outros países, como é o caso da região da tríplice fronteira, o MAP
(Madre de Dios-Peru, Acre-Brasil e Pando-Bolívia), a título de demonstração ou mesmo,
como cursos de capacitação, de curta duração (48 horas/aula) e aulas de campo (8 horas),
para os extrativistas e representantes de instituições afins, foi sempre recebido com muita
euforia, como uma alternativa, real e palpável, que pode dar respostas rápidas para a falta de
opções de atividades econômicas na região, que pudesse melhorar as condições e qualidade
de vida dos moradores da floresta e ao mesmo tempo manter a floresta-em-pé. Para isto
precisa ter respaldo e apoio dos parceiros e compromisso dos seringueiros. Houve respaldo e
apoio das instituições parceiras e compromisso dos beneficiários na comunidade Maguari, no
147
Cazumbá e está havendo com os povos indígenas Kaxinawá e Shanenawa, proporcionando
condições para que os projetos ali executados sejam bem sucedidos.
Porém, mesmo tendo grande receptividade na base produtiva e sendo uma tecnologia
limpa e social, de fácil assimilação, de estar disponível para qualquer comunidade
extrativista, também enfrentou e continua enfrentando muitos problemas, que dificultam a
sua execução e ampliação.
Alguns gargalos na implantação de projetos podem ser verificados. Por se tratar de
produtos novos sem conhecimento do grande mercado consumidor, é necessário um bom
plano de negócios que realize um estudo das potencialidades e dos nichos de mercado para
os novos produtos, que apresente parceiros para o seu desenvolvimento, através de projetos
que viabilizem recursos para a montagem da estrutura produtiva, assistência técnica,
organização social, abastecimento e comercialização da produção.
Como resultado, os nossos trabalhos de pesquisa para o desenvolvimento de novos
processos e produtos de látex nativo, fibras, pigmentos e odorantes vegetais, projetos de
montagem da estrutura produtiva e repasse da tecnologia começam a ser aprovados. A
inserção do povo indígena Kaxinawá e Shanenawa, com o apoio da FUNAI/AC, a UFAC,
através do Departamento de Filosofia, Comunicação e Ciências Sociais, o Centro de
Antropologia Indígena da Amazônia Ocidental, Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos
Comunitários foi o primeiro passo na divulgação do projeto e capacitação de multiplicadores
em sociedades indígenas. O segundo passo foi a aprovação do projeto “Ciência e Saber
Tradicional na Amazônia: Os novos encauchados produzidos na TI Kaxinawá de Nova
Olinda”, através do Edital MCT. CNPq/MMA/SEAP/SEPPIR Nº 26/2005- Apoio a Projetos
de Tecnologias Sociais para Comunidades Tradicionais e Povos Indígenas, numa parceria
entre UFAC/FUNAI/POLOPROBIO, para repasse da tecnologia àquela comunidade e com
duração de 18 meses (SAMONEK, 2005). E, mais recentemente, o Programa Integrado de
148
Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal – PPTAL incorporou as
atividades no projeto de Vigilância e Fiscalização das Terras Indígenas na região do Rio
Envira, no município de Feijó – AC, na TI Katukina/Kaxinawá, Kaxinawá do Seringal
Curralinho e TI Kaxinawá de Nova Olinda, financiando a capacitação e a estrutura produtiva
em todas as 11 aldeias que fazem parte daquelas TIs. A Organização dos Povos Indígenas do
Rio Envira - OPIRE é a executora do projeto e o POLOPROBIO será o parceiro e repassador
da tecnologia. Terá um prazo de duração de 14 meses e este é o único componente do projeto
que contempla uma atividade produtiva, possibilitando a sua continuidade posterior a
encerramento do projeto.
A aprovação desses novos projetos está dando condições para se consolidar um projeto
piloto bem abrangente com população indígena, para que os resultados possam ser mais bem
avaliados, nos próximos anos, em relação a sua sustentabilidade ao longo prazo. A
participação da UFAC abre espaços na academia para que novos alunos possam desenvolver
seus estudos e pesquisas, na graduação, mestrado ou doutorado. É um projeto inter e
transdisciplinar, envolvendo as ciências biológicas (ecologia, biologia, morfologia vegetal,
taxionomia vegetal, enzimologia), as ciências humanas (sociologia, economia, antropologia,
etnociências, educação profissional, ensino-aprendizagem), as engenharias (polímeros e
aplicações, processos de fabricação, borrachas, engenharia de produção, processos de
trabalho, desenvolvimento de produtos, estudos do mercado), ciências exatas e da terra
(química, polímeros e colóides), ciências agrárias (manejo florestal, economia florestal,
tecnologia de produtos vegetais, aproveitamento de subprodutos, conservação da natureza,
tecnologia e utilização florestal), artes (pintura, desenhos), outras ciências e materiais
(políticas públicas), além do que está sempre em evolução, tendo espaço para ser aperfeiçoado
em qualquer uma das áreas acima. Novos produtos com novos modelos podem ser
desenvolvidos, de acordo com as condições e exigências do mercado. Por outro lado, em
149
sendo bem sucedido nos locais em experimentação, poderá ser replicado para outras regiões,
aldeias, comunidades extrativistas, podendo beneficiar milhares de pessoas, que hoje estão
excluídas de qualquer processo de inclusão social.
Esta é uma das possíveis alternativas para a produção sustentável da borracha
extrativa. Assim, o novo processamento da borracha é totalmente artesanal, não necessita de
energia elétrica, máquinas, estufas, ou qualquer outro aparato que dificulte ou torne cara a
estrutura básica da produção. Prioriza o uso intensivo de matérias-primas vegetais, locais e
renováveis; Serve-se do látex, das fibras e das essências vegetais, além de resíduos de
produtos agro-extrativos existentes no próprio local. Usa a cinza para produzir um
conservante natural para o látex. Coleta e pré-vulcaniza o látex. Colhe o material e fabrica a
fibra, o pigmento e o odorante. Faz as misturas e os compostos a partir de formulações
previamente preparadas. Pré-vulcaniza o látex pelo calor do fogo e seca as fibras e desidrata o
composto com o calor do sol. Faz desenhos nos produtos com pigmentos naturais.
Desta forma, a borracha assim produzida é diferente da borracha indígena, porque
acrescenta importantes inovações tecnológicas ao processo tradicional, a vulcanização e a
incorporação de cargas. É diferente da borracha convencional, porque não coagula o látex e
os mecânicos processos industriais são substituídos por processos artesanais simplificados, de
fácil aprendizagem e execução. É diferente do tecido emborrachado defumado, o “couro”
vegetal, porque não defuma o látex, nem utiliza estufas para vulcanizá-lo. É diferente da FDL,
porque não utiliza o processo de coagulação, e sim o da pré-vulcanização, concentração e
secagem do látex. Trata-se de uma inovação tecnológica, na qual os saberes tradicionais se
complementam e interagem com a participação do conhecimento científico. A borracha
indígena, em vez de uma borracha in natura pura, pouco resistente a intempéries, ao calor, à
água, passa a ser um produto composto com fibras vegetais e vulcanizado, mais resistente e
assim, mais competitivo, através de processos sustentáveis capazes de promover inclusão
150
social e conservação da biodiversidade. Esta é uma das possibilidades para viabilizar, de
forma sustentável, o extrativismo da borracha na Amazônia.
4.4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACRE. Governo do Estado do Acre. Secretaria de Comunicação. Criação de animais silvestres e trabalho artesanal com a borracha consorciam preservação e tecnologia. 2004. Disponível em: <www.ac.gov.br/secom/notícias/agos2004/n03_3lagos2004.html>. Acesso em: 13 de mar. 2005. ANDRADE, A A G. Artesãos da Floresta: População Tradicional e inovação tecnológica: O caso do “couro vegetal” na Reserva Extrativista do Alto Juruá, no Acre. 2003. 188 f. Dissertação (Mestrado em Economia) - Instituto de Economia, Universidade de Campinas. Campinas, 2003. BALDAN, A S. Processo de obtenção na utilização de farinha de madeira como carga em solados e palmilhas para calçados. BR nº PI 9701837-6. 1997. Disponível em: <http://www.inpi.br>. Acesso em: 25 de jan. 2006. BENCHIMOL, S. A Amazônia e o Terceiro Milênio. Revista Parcerias Estratégicas. n. 9. p. 22-34. Out. 2000. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Plano de Manejo da Reserva Extrativista do Cazumbá-Iracema. Brasília. DF. v. 1 e 2, 2003. ----------. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Programa Biodiversidade Brasil/Itália. Proposta Preliminar e Formulação e Lançamento do Programa para a Conservação e Valorização dos Recursos Fito-genéticos das Espécies de Interesse Agro-alimentar e Industrial. Brasília, DF. 2002. BRAZ, E.M. et al. Manejo dos Produtos Florestais não Madeireiros da Floresta Estadual do Antimary : A busca de um modelo. Rio Branco: FUNTAC. 1998. BUARQUE, C. Da Modernidade Técnica à Modernidade Ética. In: --------. A Revolução nas Prioridades. São Paulo, Ed. Paz e Terra, 1994, p. 91-121.
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155
ANEXO I Quadro 23 - Lista de plantas utilizadas na fabricação dos novos encauchados
Nome vulgar Nome científico Parte utilizada Finalidade Abacateiro Persea americana Mill Caroço Pigmento Açafroa Guarea specaeflora Raiz Pigmento Açaí Euterpeoleracea Mart. Palheira Fibra Aguano Swietenia macrophilla King Casca Pigmento, Odorante
Folha Matriz para molde Algodoeiro Gossypium sp. Tronco Fibra
Amarelão Aspidosperma vargassii Pó-de-serra Fibra Casca Matriz para molde, Odorante Angelim Hymenolobium flavum Ducke Pó-de-serra Fibra, Odorante
Aricuri Syagrus coronata Palheira Fibra Bambu (taboca) Guadua weberbaweri Colmo Fibra Breu vermelho Tetragastris altíssima Casca Pigmento, Odorante Buriti Mauritia flexuosa Palheira Fibra Cedro Cedrela odorata L Pó-de-serra Fibra, Pigmento, Odorante Currimboque Cariana sp. Folha Matriz para molde Embauba Cecropea sp. Tronco Fibra Jatobá Hyminaea oblongfolia Huber Casca Pigmento, Odorante Jenipapo Jenipa americana Fruto Pigmento Rinchão Sisymbrium officinale Folha Pigmento Cumaru de cheiro Dipterix intermédia Ducke Pó-de-serra Fibra, Pigmento, Odorante Maparajuba Chrysophillum sp. Folha Matriz para molde Pau amarelo Euxylophora paraensis Huber Pó-de-serra Fibra, Pigmento Pau-brasil/anilina Não identificado Folha Pigmento Roxinho Peltogyne maranhensis Hub & Ducke Pó-de-serra Fibra, Pigmento
Seiva Látex Seringueira Hevea brasiliensis Casca/Folha Matriz para molde
Sumaúma Ceiber pentandra Gaertn Pó-de-serra Fibra Taioba Xanthosoma sagittifolium schott Folha Matriz para molde Tucumã Astrocaryum aculeatum Palheira Fibra Vitória-régia Eiryle amazônica Folha Matriz para molde Urucum Bixa orellana Semente Pigmento Fonte: Pesquisa de campo, 2004-2005.
156
ANEXO II Quadro 24 – Situação atual dos projetos dos novos encauchados em andamento
Nome da área Projetos em
negociação/execução Objeto
Nº Par-ticipantes
Situação atual do projeto
IBAMA Capacitação “couro” ecológico
25 Aguardando estrutura produtiva
SEBRAE e NAAD Design em artesanato e utilidades domésticas
10
Concluído
RESEX Cazumbá/Iracema- Sede Cazumbá Programa Biodiversidade
Brasil/Itália (IBAMA) Montagem estrutura produtiva
10
Aguardando contratação
PAE Santa Quitéria -Ramal Arraial dos Burros
SEBRAE e NAAD
Artesanato e utilidades domésticas
8
Funcionando e aguardando es-trutura produtiva
FLONA Tapajós-Comunidade Maguari
IBAMA Pro-Manejo
Capacitação e montagem estrutura “couro” ecológico
28
Concluído Funcionando
FUNAI-AC/UFAC Capacitação multiplicadores Em andamento Povo Shanenawa
PPTAL Infra-estrutura/ Assistência técnica
28
Em início de execução
FUNAI-AC/UFAC Capacitação multiplicadores Em andamento Povo Kaxinawá da TI Katukina/Kaxinawá PPTAL
Infra-estrutura/ Assistência técnica
35 Em início de
execução
PPTAL Infra-estrutura Em início de execução Povo Kaxinawá de
Nova Olinda CNPq/UFAC/FUNAI Repasse tecnologia
10 Em início de
execução Pesquisa de campo, 2004.
ANEXO III QQuuaaddrr oo 2255 –– LL ooccaaiiss oonnddee oo pprr oojj eettoo ““ nnoovvooss eennccaauucchhaaddooss”” eessttããoo sseennddoo eexxeeccuuttaaddooss
Nome da área Projetos em negociação/execução
Povo/ Família/língua
PPooppuullaaççããoo Área ha
Situação Fundiária
RESEX Cazumbá /Iracema (Sena Madureira-AC)
SEBRAE e NAAD Programa Biodiver-sidade Brasil/Itália
(IBAMA)
Seringueiros
897
750.794
Decreto s/nº, de 19.09.2002.
PAE Santa Quitéria (Brasiléia-AC)
SEBRAE e NAAD
Seringueiros
533
44.205
Portaria INCRA 886, de 24.06.88.
FLONA Tapajós-(Belterra -PA)
IBAMA Pro-Manejo
Seringueiros
3.654
545.00
Decreto 73.684, de Fevereiro/74
Shanenawa/ Pano 458 TI Katukina/ Ka-xinawá (Feijó-AC)
PPTAL/FUNAI/UFAC Kaxinawá/Pano 486
23.474
Homologada em 1991
TI Kaxinawá de Nova Olinda (Feijó – AC)
PPTAL/FUNAI/UFAC CNPq/UFAC/FUNAI
Kaxinawá/ Pano
247
27.533
Homologada em 1991
Fonte: Pesquisa de campo; Ibama; Funai; Sebrae.
157
ANEXO IV Quadro 26 – Relação dos entrevistados
Nome Aldeia Idade Local Nascim Escolaridade 1 Antonio Carioca da Silva Morada Nova 55 Cas Tarauacá 7a 2 Ene Carla Brandão Morada Nova 35 Cas Feijó 2º Grau 3 José Rodrigues Pereira da Silva Morada Nova 34 Cas Tarauacá 1º Grau 4 Militão Brandão Silvino Morada Nova 54 Cas Feijó 4a 5 Sebastião Moreno de Souza Morada Nova 44 Solt Feijó 1º Grau 6 Valderlene Souza da Silva Morada Nova 28 Cas Feijó 2º Grau 7 Jucelino Carlos Brandão da Silva Paredão 25 Cas Feijó 5a 8 Romildo Mariano da Silva Cardoso 16 Solt Tarauacá 4a 9 Franciberto Pereira Maroque Grota 24 Cas Feijó 2a 10 Edílson Fontela Nova Esperança 31 Cas Tarauacá 3a 11 Adelson Aguiar Fontela Kaxinawá Paroá 33 Cas Feijó 2a 12 Antonio Fernandes Kaxinawá Paroá 26 Cas Feijó 3a 13 Francisco Fernandes Kaxinawá Paroá 40 Viu Feijó Não alfabetizado 14 Jucelino Frota de Oliveira Kaxinawá Paroá 46 Cas Tarauacá Não Alfabetizado 15 Raimundo Laécio Kaxinawá Paroá 28 Cas Feijó 1º Grau 16 Raimundo Nonato Silva Amorim Paroá 41 Cas Feijó 4a 17 Clecildo Barbosa da Silva Pupunha 14 Solt Feijó 4a 18 Névio Barbosa da Silva Pupunha 18 Solt Feijó 6a. 19 Francisco Pereira Damasceno Belo Monte 27 Solt Feijó 4a 20 Antonio da Silva Kaxinawá Formoso 29 Cas Feijó 4a 21 Raimundo Barbosa da Silva Kaxinawá Formoso 21 Cas Feijó 4a 22 Raimundo Nonato R. de Carvalho Formoso 25 Cas Feijó 4a 23 Antonio de Carvalho Nova Olinda 23 Cas Feijó 4a 24 Antonio José de Albuquerque Nova linda 42 Cas Jordão Não alfabetizado Pesquisa de campo, 2004;
ANEXO V Quadro 27 – Comunidades onde o projeto já foi apresentado
Locais Comunidade Ano
Tipo
Instituição
Pae Santa Quitéria-Brasiléia – AC Arraial dos Burros 2004 Fibras encauchadas Sebrae/AC Resex Chico Mendes-Xapuri - AC Palmari 2004 Tecido emborrachado UFAC
2002 Tecido emborrachado Ibama/AC Resex do Cazumbá/Iracema – Sena Madureira - AC
Sede 2004 Fibras encauchadas Sebrae/AC
Resex Rio Ouro Preto – Guajará Mirim - RO
Rio Ouro Preto 2002
Tecido emborrachado Sebrae/RO
Flona Tapajós – Belterra – PA Comunidade Maguari 2002 Tecido emborrachado Promanejo PAE Chico Mendes – Epitaciolândia - AC
Colocação “Chora Menino”
1998
Tecido emborrachado Mtb/FAT
Bolívia – Pando Porvenir 1998 Tecido emborrachado Asprogoalpa Bolívia – Pando Blanca Flor 2003 Tecido emborrachado SNV – Bolivia Bolívia – Pando Cobija 2003 Tecido emborrachado SNV – Bolivia Peru – Madre de Dios Ibéria 2003 Tecido emborrachado SNV – Bolívia Floresta Estadual do Antimari – Bujari – AC
Limoeiro 1997 Tecido emborrachado PD/A Mtb/FAT
Amapá Macapá 1998 Tecido emborrachado Rebraf TI Katukina/Kaxinawa – Feijó - AC Aldeia Paroá
Aldeia Morada Nova 2004/2005 Fibras encauchadas Funai/Ufac/
Poloprobio Fonte: Pesquisa de campo, 2005;
158
4. CONCLUSÕES GERAIS
A hipótese elencada no início dessa dissertação, de que ainda existem alternativas não
exploradas que podem viabilizar o extrativismo da borracha na Amazônia, confirmou-se
através dos três artigos apresentados.
Inicialmente, no primeiro artigo, verificamos que as políticas setoriais desenvolvidas
a partir do “Ciclo da Borracha”, não surtiram efeitos duradouros, que pudessem alavancar e
reorganizar a atividade em níveis sustentáveis ao longo prazo. O sistema produtivo
implantado, tendo como matriz o modelo de acumulação capitalista, estruturado pelos países
centrais para atender interesses de grandes empresas transnacionais, não se preocupou com a
natureza, nem com a cultura das populações indígenas que habitavam a região. Os
conhecimentos milenares sobre o manejo e a produção local da borracha não foram inseridos,
muito pelo contrário, os nativos, bem como os migrantes nordestinos foram obrigados a
adotar o sistema de produção desenvolvido e imposto como única maneira de se produzir
borracha. Segundo Pinto (1984) e Morceli (2003), o modelo tornou-se obsoleto e
insustentável a partir do ingresso da borracha produzida racionalmente em seringais de
cultivo. Com isto a produção manteve-se artificialmente sob a tutela do Estado, até nossos
dias (2005). Hoje, a sua produção é pequena, em torno de 5 mil toneladas/ano (MORCELI,
2004), quando no seu apogeu foram produzidas mais de 40 mil toneladas/ano. As exuberantes
seringueiras nativas continuam na floresta, inexploradas, mas com todo o seu potencial
produtivo. Os índios e seringueiros continuam em suas aldeias e suas colocações e segundo o
levantamento sócio-econômico realizado na pesquisa de campo (2005), existe em média de 5
pessoas adultas por família, representando mão-de-obra disponível e semiqualificada, porém
pauperizada, por falta de opções de atividades econômicas viáveis, que possam promover um
desenvolvimento local, que, segundo Leff (2000, p.142), sejam “ecologicamente sustentável,
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economicamente sustentado e socialmente justo e eqüitativo”. Hoje existe uma forte pressão
das bases por políticas públicas voltadas para este modelo alternativo de desenvolvimento
local.
No segundo artigo, ao discorrer sobre as possibilidades de uso do látex nativo,
verifica-se a existência de duas diferentes técnicas que permitem a sua transformação em
borracha sólida, a concentração e a coagulação. A primeira desenvolvida e utilizada pelos
nativos, que fabricavam os encauchados, a segunda desenvolvida pelos cientistas para atender
os interesses das indústrias sediadas nos países centrais, dentro do modelo de acumulação
capitalista. Ao concentrar o látex, o seringueiro não precisa de grandes estruturas, nem
máquinas, nem energia elétrica, nem estufas. Os produtos são fabricados de forma artesanal e
as elevadas temperaturas que ocorrem na região, encarregam-se de desidratá-lo naturalmente,
dentro de técnicas apropriadas, constituindo-se este novo sistema produtivo em uma
racionalidade produtiva alternativa. No processo de coagulação, seja para a fabricação da
borracha convencional através do ácido acético, da FDL através do ácido pirolenhoso ou do
“couro” vegetal através do ácido fenólico (defumação), os coágulos retêm a umidade, criando
condições propícias ao ataque de microorganismos, necessitando de estruturas mais
sofisticadas e caras, de energia elétrica e/ou máquinas e/ou estufas para retirar a umidade
impregnada na borracha e evitar a degradação prematura dos produtos. Além disso, a borracha
convencional, ao ter que competir nos mesmos mercados com a borracha de cultivo, apesar
dos subsídios, não se sustenta (MORCELI, 2004).
Finalmente no terceiro artigo, fazemos um estudo na TI Katukina/kaxinawá do rio
Envira, em Feijó – AC, onde está sendo implantado um projeto experimental dos novos
encauchados de vegetais, no qual a técnica indígena de fabricação dos encauchados através da
concentração e secagem do látex nativo é combinada com as atuais tecnologias da
vulcanização e incorporação de cargas à borracha. Assim o conhecimento tradicional dos
160
nativos sobre o processo produtivo é recuperado. Os sofisticados e onerosos processos
industriais de vulcanização e de incorporação de cargas à borracha são adaptados,
aprimorados e simplificados para possibilitar o seu uso nas rústicas condições no interior da
floresta. Assim surge o processo da pré-vulcanização artesanal do látex de campo, a
fabricação e incorporação de fibras vegetais curtas no látex pré-vulcanizado antes de sua
concentração e secagem, sem estufas, energia elétrica ou máquinas e a inserção de pigmentos
e kenês indígenas nos produtos. Este modelo vem de encontro aos anseios e à cultura
indígena, onde os povos da floresta encontram facilidade no aprendizado, pois as práticas
estão embasadas nos conhecimentos tradicionais e as inovações introduzidas foram
construídas com a sua efetiva participação. Os produtos assim fabricados têm grande
potencial mercadológico, com valor agregado na base produtiva. Faltam, apenas, políticas
públicas compromissadas que garantam aos extrativistas o acesso a estas tecnologias para a
promoção de sua inclusão social. Este novo sistema produtivo atende as condições
apregoadas por Leff (2000, p.141), quando ao se referir ao desenvolvimento sustentável
fundado numa concepção do ambiente como potencial produtivo, declara que “para isto é
necessário não só avançar nos direitos de apropriação das comunidades rurais, mas também
no incremento de suas capacidades de autogestão”. E na continuidade afirma que “isto
implica que se coloquem em prática estratégias de conhecimento para se conseguir uma alta
produtividade no manejo integrado dos recursos”.
Para concluir utilizamos as palavras de Galbraith, para nos referirmos ao modo de vida
que o novo sistema produtivo tem condições de proporcionar aos povos indígenas e
seringueiros, que “está se abrindo um caminho àqueles que se emanciparam a si próprios e
desejam levar uma vida conforme com os seus anseios e não com os da Tecnoestrutura. Pode
parecer bizarra a idéia de que as pessoas poderão um dia consumir menos, trabalhar menos e
viver mais” (GALBRAITH, 1972, p.77, apud STAHEL, 2003, p.126).
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