158
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - UFBA FACULDADE DE DIREITO Programa de Pós-Graduação em Direito Doutorado em Direito Público VALDIR FERREIRA DE OLIVEIRA JUNIOR DIREITO FUNDAMENTAL TRANSINDIVIDUAL AO DESENVOLVIMENTO: PROTEÇÃO INTEGRAL, SOLIDÁRIA E PLURALISTA Salvador 2015

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - UFBA FACULDADE DE … final UFBA... · (In: Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Trad. Carlos Alberto Medeiros

  • Upload
    vonhi

  • View
    215

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - UFBA

FACULDADE DE DIREITO

Programa de Pós-Graduação em Direito

Doutorado em Direito Público

VALDIR FERREIRA DE OLIVEIRA JUNIOR

DIREITO FUNDAMENTAL TRANSINDIVIDUAL AO DESENVOLVIMENTO:

PROTEÇÃO INTEGRAL, SOLIDÁRIA E PLURALISTA

Salvador

2015

2

VALDIR FERREIRA DE OLIVEIRA JUNIOR

DIREITO FUNDAMENTAL TRANSINDIVIDUAL AO DESENVOLVIMENTO:

PROTEÇÃO INTEGRAL, SOLIDÁRIA E PLURALISTA

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito

da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para obtenção do grau de

Doutor em Direito Público.

Orientador: Professor Doutor Manoel Jorge e Silva Neto.

Linha de Pesquisa: Proteção Constitucional dos Interesses Transindividuais.

Salvador

2015

3

O48 Oliveira Júnior, Valdir Ferreira de,

Direito fundamental transindividual ao desenvolvimento: proteção integral,

solidária e pluralista / por Valdir Ferreira de Oliveira Júnior. – 2015.

158 f.

Orientador: Professor Doutor Manoel Jorge e Silva Neto.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito, 2015.

1. Direitos fundamentais. 2. Políticas públicas. 2. Direito constitucional.

3. Solidariedade. I. Universidade Federal da Bahia

CDD- 342.085

4

TERMO DE APROVAÇÃO

VALDIR FERREIRA DE OLIVEIRA JUNIOR

DIREITO FUNDAMENTAL TRANSINDIVIDUAL AO DESENVOLVIMENTO:

PROTEÇÃO INTEGRAL, SOLIDÁRIA E PLURALISTA

Tese aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Direito Público,

Universidade Federal da Bahia pela seguinte

BANCA EXAMINADORA

Manoel Jorge e Silva Neto (Orientador) ____________________________________________

Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

Universidade Federal da Bahia

Saulo José Casali Bahia_________________________________________________________

Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

Universidade Federal da Bahia

Ricardo Maurício Freire Soares __________________________________________________

Doutor em Direito pela Universidade Federal da Bahia – UFBA

Universidade Federal da Bahia

André de Carvalho Ramos ______________________________________________________

Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo - USP

Universidade de São Paulo

Ana Paula de Barcellos _________________________________________________________

Doutora em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

5

Dedico esse trabalho aos destinatários e aplicadores das normas de direitos transindividuais

para que se diversifiquem as opções hermenêuticas de ampliação da sua força normativa e

possibilite a construção da cultura e sentimento interconstitucionais necessários à realização do

objetivo fundamental, valor supremo e direito fundamental, humano e comunitário

transindividual do desenvolvimento.

6

AGRADECIMENTOS

Agradeço inicialmente a Deus, por tudo que representa em minha vida.

Ao Professor Manoel Jorge e Silva Neto, o grande responsável por despertar meu interesse

acadêmico pelo pensamento solidarista e por continuamente desafiar-me com questões

essenciais à aproximação do texto constitucional brasileiro à realidade do seu povo, em

especial a proteção constitucional dos interesses transindividuais. Sou-lhe imensamente grato

pela paciência, zelo e preocupação demonstrados ao longo da pesquisa.

Aos demais Professores do Programa de Pós-graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da

Universidade Federal da Bahia por terem proporcionado momentos de profunda reflexão

teórica, com seus brilhantes ensinamentos e compromisso com a busca incansável pela

transformação do Direito num instrumento de libertação, solidariedade e realização da

dignidade existencial humana. Especialmente aos Professores Saulo José Casali Bahia, Ricardo

Maurício Freire Soares, Dirley da Cunha Junior, Heron Santana, Mônica Aguiar, Maria

Auxiliadora Minahim, Walber Araújo, Marília Muricy, Selma Santana, Alessandra Rapassi,

Paulo Pimenta, Edvaldo Brito, Paulo Cesar Bezerra, Rodolfo Pamplona e Fredie Didier Junior.

Aos Professores e Alunos da Universidade Estadual de Santa Cruz e Faculdade Independente

do Nordeste com quem pude compartilhar o exercício da docência de Direito Constitucional,

em especial aos Professores Carlos Valder do Nascimento, Eduardo Viana Portela e Laurício

Alves Pedrosa pelo convívio, amizade e companheirismo.

Aos Alunos e Servidores do PPGD/UFBA pela incansável luta no processo de construção de

um dos melhores programas de pós-graduação em direito do Brasil e do mundo.

Aos meus pais Valdir e Liete pelo exemplo constante de amor e presença em minha vida.

Minhas irmãs Áurea, Valéria e Vanilda, minha tia Zilda e meus queridos sobrinhos Marlon,

Giltinho, Leon, Túlio, Tácio, Morgana e Natália. Especialmente à minha esposa Mayara e aos

meus filhos Gustavo e Heitor.

7

We, heads of State and Government, ...are committed to making

the right to development a reality for everyone and to freeing

the entire human race from want.

UN Millennium Declaration

O que é irreversível no Brasil como no mundo é o empoderamento dos cidadãos,

sua autonomia comunicativa e a consciência dos jovens

de que tudo que sabemos do futuro é que eles o farão. Móbil-izados.

Manuel Castells

(In: Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet.

Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013).

8

RESUMO

No âmbito da tese se promoverá estudo de teoria dos direitos fundamentais, humanos e

comunitários em suas dimensões transindividual, dialógica e integral, buscando critérios

constitucionais para otimização da proteção ao desenvolvimento através das políticas

públicas e seu controle judicial. Propiciará, à luz pensamento solidarista e com

fundamento na teoria normativa das políticas públicas, reflexões críticas para aumento da

força normativa, social e política do núcleo axiológico fundamental da Constituição da

República Federativa do Brasil composto pelo sistema constitucional de proteção dos

direitos essenciais à dignidade existencial humana. O modelo contemporâneo de

organização e procedimento que se propõe constitucionalmente adequado ao controle

judicial das políticas públicas de desenvolvimento possui bases solidaristas. Assim,

compreender-se-á o desenvolvimento como solidariedade, inserido no contexto integral

de proteção dos direitos fundamentais transindividuais. A análise crítica constitucional,

normativamente orientada, permitirá a construção do modelo pluralista de alternativas,

oferecendo, à luz do pensamento possibilista, novos caminhos para maximização dos

efeitos substanciais das normas constitucionais, internacionais e comunitárias que

comporá o sistema constitucional integral de proteção do direito fundamental

transindividual ao desenvolvimento. O dever de progresso existencial, a vedação do

retrocesso, o controle da omissão dos poderes públicos, além dos critérios de aferição de

inexistência, ineficiência, deficiência e insustentabilidade econômico-social das políticas

públicas de desenvolvimento, serão, dentre outras, propostas de sistematização deste

modelo constitucional integral de proteção, com o consequente aumento da cultura

constitucional. O constitucionalismo em redes constitui novo mecanismo de

democratização dos debates e demandas sociais para a sociedade multicultural na teoria

de proteção integral, consolidando a ideia de cibercidadania e democracia digital . De

igual modo, impõe ao Estado a desburocratização e celeridade na resposta às novas

necessidades sociais, com “empoderamento” dos usuários do serviço público, transpondo

sua condição de sujeito passivo das políticas públicas para cidadão solidariamente

integrado ao processo de desenvolvimento. O Estado de bem-estar social clássico com

seu inadequado modelo de intervenção na sociedade não mais atende às perspectivas de

desenvolvimento do novo milênio. Torna-se fundamental a construção do modelo

sustentável de progresso existencial humano com bases solidaristas, com intervenções no

processo de distribuição das responsabilidades públicas e privadas relativas ao

desenvolvimento. O direito constitucional, para além da sua expressão literal, deve

constituir-se em fator positivo de estímulo ao desenvolvimento sustentável e solidarista.

PALAVRAS-CHAVE

Desenvolvimento humano; direitos fundamentais transindividuais; constitucionalismo integral;

políticas públicas; cultura constitucional; solidariedade; empoderamento; progresso existencial.

9

ABSTRACT

On the thesis will be promoted a study of fundamental rights theory, human and community in

their transindividual dimensions, dialogic and integral, seeking constitutional criteria for

optimizing the protection and development through public policies and its judicial control. It

will provide, in the light thinking solidarity and based on normative theory of public policy,

critical reflections to increase the normative, social strength and fundamental axiological core

policy of the Constitution of the Federative Republic of Brazil, comprises the constitutional

system of protection of essential rights to human existential dignity. The contemporary model

of organization and procedure that aims to constitutionally adequate judicial control of public

development policies has solidaristic bases. Thus, development will be understood as

solidarity, inserted in the full context of protection of fundamental rights. The constitutional

review, normatively oriented, allow the construction of the pluralistic model of alternatives,

offering the light of possibilistic thinking, new ways to maximize the substantial effects of

constitutional norms, international and community compose the entire constitutional system of

protection of the transindividual fundamental right to development. The existential progress

duty, the seal kicker, the default control of public authorities, in addition to lack of

benchmarks, inefficiency, disability and socio-economic unsustainability of public

development policies will, among others, systematization of proposals in this full constitutional

protection model, with a consequent increase of the constitutional culture. Constitutionalism in

networks is a new democratization mechanism of discussions and social demands for

multicultural society in the full protection theory, consolidating the idea of cyber citizenship

and digital democracy. Similarly, requires the State to reduce bureaucracy and speed in

responding to changing social needs, to "empowerment" of public service users, transposing

their status as taxable person of public policies for jointly integrated national development

process. The State of classic social welfare with its inadequate intervention model in society no

longer meets the new millennium development prospects. The construction of sustainable

model of human existential progress becomes essential with solidaristic bases, with

interventions in distribution of public and private responsibilities for the development.

Constitutional law, in addition to its literal expression, should become a positive factor

stimulating sustainable and solidarity development.

KEYWORD

Human development; transindividual fundamental rights; Full constitutionalism; public policy;

constitutional culture; solidarity; empowerment; existential progress.

10

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADC – Ação Declaratória de Constitucionalidade.

ADIn – Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Agrv. – Agravo.

Art. – Artigo.

Cfr. – Conferir.

CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil.

Min. – Ministro(a).

ONU – Organização das Nações Unidas

PPGD – Programa de Pós-graduação em Direito

RE – Recurso Extraordinário

Recl. – Reclamação.

Reg. – Regimental.

STF – Supremo Tribunal Federal.

STJ – Superior Tribunal de Justiça

TIDH – Tratado Internacional de Direitos Humanos

TJ – Tribunal de Justiça.

UFBA – Universidade Federal da Bahia

11

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 13

1.1 Delimitação do Tema 13

1.2 Proposta de Trabalho 15

2 DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO 18

2.1 Direito fundamental ao desenvolvimento e sua proteção constitucional 19

2.2 Direito ao desenvolvimento humano e sua proteção internacional 25

2.3 Direito ao desenvolvimento e sua proteção comunitária 28

2.4 Dos limites e possibilidades de uma teoria constitucional integral de proteção 31

2.5 Âmbito de proteção, conteúdo, restrições e eficácia do direito ao desenvolvimento 37

3 JURISDIÇÃO INTERCONSTITUCIONAL E DESENVOLVIMENTO 44

3.1 Diálogo interconstitucional, interconstitucionalidade e jurisdição interconstitucional 45

3.2 Neoconstitucionalismo como marco teórico da jurisdição interconstitucional 51

3.3 Estrutura interconstitucional do direito transindividual ao desenvolvimento 55

3.4 Sistema de precedentes obrigatórios na Jurisdição Interconstitucional 58

3.5 Supralegalidade e status interconstitucional dos direitos humanos 64

3.6 As possibilidades do transconstitucionalismo na Jurisdição Interconstitucional 66

3.7 Abertura hermenêutica em ambiente plural e possibilidades da diatópica 68

3.8 Neofederalismo supranacional e interconstitucional 72

4 ESTADO CONSTITUCIONAL SOLIDARISTA E DESENVOLVIMENTO 79

4.1 Introdução ao pensamento solidarista 80

4.2 Fundamentos teóricos e filosóficos do Estado Constitucional Solidarista 94

4.3 A solidariedade na Constituição de 1988 101

12

4.4 O direito ao desenvolvimento econômico no constitucionalismo solidarista 105

4.4 Desenvolvimento como solidariedade 115

5 PLURALISMO E DESENVOLVIMENTO 119

5.1 O pluralismo na construção do desenvolvimento 119

5.2 Cibercidadania e (re)construção dos espaços públicos por demandas sociais 120

6 DIREITO AO DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS 125

6.1 A teoria normativa das políticas públicas 125

6.2 Parâmetros de controle judicial de políticas públicas 132

6.3 Políticas públicas e direito fundamental transindividual ao desenvolvimento 136

6.4 Teorias do mínimo e máximo existencial: adoção do progresso existencial 137

6.5 Ativismo administrativo como respostas sistêmicas ao controle judicial 140

7. CONCLUSÃO 143

7.1 Síntese das teses apresentadas 143

7.2 Considerações Finais 149

REFERÊNCIAS 151

13

1 INTRODUÇÃO

1.1 Delimitação do Tema

A presente tese tem por objeto de estudo o direito fundamental transindividual ao

desenvolvimento. Seu propósito inicial é demonstrar que o constitucionalismo integral, plural e

solidarista são pressupostos constitucionalmente adequados à transição da apatia e ausência de

pertencimento do povo à sua Constituição para afirmação da sua cultura constitucional e

cidadania participativa. Participação e pertencimento são pressupostos necessários à construção

do direito fundamental transindividual ao desenvolvimento no constitucionalismo emergente,

tendo o desafio de conciliar, de forma solidária, o âmbito de intervenção estatal com o domínio

da liberdade individual de autoafirmação das escolhas existenciais.

A proteção (inter)constitucional ao direito fundamental transindividual ao

desenvolvimento situará seu marco teórico no pensamento solidarista, agregando as conquistas

do neoconstitucionalismo e aprimorando a expansão da jurisdição constitucional dos direitos

transindividuais para os espaços internacional e comunitário, criando o que passaremos a

denominar “constitucionalismo integral” ou “teoria integral de proteção” (modelo que

estabelece diálogo hermenêutico aberto e diatópico entre as ordens interna, internacional e

comunitária).

Numa teoria integral de proteção, presente a expansão da jurisdição constitucional

dos direitos transindividuais para o domínio comunitário e internacional, a análise sobre o

âmbito de proteção, restrições, conteúdo e eficácia do direito fundamental ao desenvolvimento,

recai necessariamente em abordagem zetética, integral de proteção, pluralista de alternativas e

solidarista.

Tal abordagem deve-se ao fato de estar o direito ao desenvolvimento sujeito às

interferências dos fatores culturais, econômicos, políticos, jurídicos, sociológicos,

antropológicos, geográficos e até mesmo relacionados à psicologia das massas (visão zetética).

Sua proteção integral encontra-se juridicamente consolidada em espaços jurídicos

dialógicos e interculturais a exemplo das ordens interna, internacional e comunitária,

constituindo o direito fundamental ao desenvolvimento o valor supremo que consolida os

demais direitos fundamentais necessários ao progresso existencial humano (visão integral de

proteção).

14

O direito fundamental ao desenvolvimento demanda concretização pluralista de

alternativas. Fenômenos como a globalização, efeitos climáticos, terrorismo, demandas sociais

por novos direitos e crises econômicas devem constituir riscos calculáveis, previsíveis,

inseridos e dimensionados no seu domínio normativo para melhor definição do âmbito de

proteção, restrições e eficácia em sociedades complexas (visão plural).

O desenvolvimento no século XXI impõe a projeção das forças produtivas num

agir sustentável, a organização estatal desburocratizada, transparente e aberta aos avanços

tecnológicos, além da sociedade interligada em redes democráticas de cibercidadania para

consolidação de novos espaços públicos fundamentais para defesa dos valores comuns

considerados essenciais ao desenvolvimento, através dos laços de solidariedade envolvendo

direitos e deveres para além das nações e nacionalismos (visão solidarista).

As políticas públicas de redução das desigualdades sociais e regionais, erradicação

da pobreza e da marginalização, garantia do desenvolvimento nacional, construção de uma

sociedade livre, justa e solidária, promoção do bem de todos (art. 3º da CRFB – norma jurídica

do tipo política pública) constituem o marco constitucional determinante da atividade estatal e

parâmetro de aferição de (in)constitucionalidade integral das ações e omissões do poder

público. Tais ações e omissões perdem sua discricionariedade em sentido forte ao se

vincularem a estes mandamentos constitucionais. Na presente tese será demonstrado o caráter

normativo das políticas públicas e, por consequência, seus parâmetros de controle judicial.

O Estado Constitucional Solidarista se afirma democraticamente através do

fortalecimento e consolidação dos laços de solidariedade social – pela divisão social do

trabalho sustentável, por similitude, pelo pluralismo e pela justiça equânime na distribuição de

direitos e deveres. O desenvolvimento é construído, aprimorado e expandido nesses laços

constitucionais solidários de proteção, reflexivo das necessidades humanas existenciais em

equilibro sustentável com a continuidade da vida em todas as suas formas e igual dignidade.

Diante dessa primeira dedução sobre o desenvolvimento e principal hipótese de

trabalho, restam as seguintes hipóteses secundárias a serem investigadas nos capítulos

seguintes:

(I) O direito fundamental transindividual ao desenvolvimento orienta-se pelo

princípio constitucional da solidariedade;

(II) A jurisdição constitucional de proteção do direito fundamental ao

desenvolvimento consolida-se de forma dialógica entre as jurisdições interna, internacional e

15

comunitária possibilitando o constitucionalismo integral através da jurisdição

interconstitucional;

(III) Há relação direta entre aumento da cultura constitucional com consequente

fortalecimento da normatividade constitucional e a presença do constitucionalismo em redes de

cibercidadania criando novos espaços públicos de proteção dos direitos fundamentais;

(IV) O pensamento pluralista de alternativas é adequado ao regime jurídico-

constitucional integral de proteção do direito fundamental ao desenvolvimento;

(V) O direito é objeto cultural que se constrói através do tratamento lógico-

linguístico num processo de condicionamento recíproco entre ser e dever-ser, e que não deve

estar fechado à abordagem zetética (multidisciplinar);

(VI) O pensamento solidarista produz reflexos jurídicos na concretização do direito

fundamental transindividual ao desenvolvimento, oferecendo novas possibilidades de efetivá-

lo.

1.2 Proposta de Trabalho

Nosso propósito inicial é determinar qual o alcance e significado constitucional

contemporâneo do direito fundamental transindividual ao desenvolvimento que emerge de uma

teoria integral de proteção envolvendo os espaços jurídicos interno, internacional e

comunitário.

No capítulo II se adiantará uma hipótese central da tese: o direito fundamental

transindividual ao desenvolvimento expressa a opção do constituinte originário por inseri-lo

como valor supremo da sociedade (Preâmbulo) e objetivo fundamental da República (art. 3º).

Consolida a ideia de progresso existencial e reúne em seu âmbito de proteção, restrições,

eficácia e conteúdo, a indivisível e constante permanência dos demais direitos fundamentais

num patamar dinâmico de proteção que garanta a promoção de projetos existenciais de vida

coerentes com a necessidade humana por progresso e evolução.

No segundo capítulo será também realizada a análise comparativa entre as normas

constitucionais e os demais documentos jurídicos internacionais e comunitários que tratam do

desenvolvimento, fortalecendo a teoria integral de proteção e potencializando a jurisdição em

nível interconstitucional. Seu âmbito de proteção, restrições, conteúdo e eficácia passará por

16

abordagem crítica em face do pluralismo de teorias dos direitos fundamentais, para oferecer

adequada resposta à eficácia vedativa do retrocesso no contexto do direito ao desenvolvimento.

O capítulo III estará dedicado a precisar os contornos da jurisdição

interconstitucional de proteção ao direito fundamental transindividual ao desenvolvimento.

Partindo da concepção integral de proteção, será repensada a teoria da interconstitucionalidade,

agregando a dimensão internacional, diatópica e neofederativa para conformação do modelo

proposto na tese.

No capítulo IV cuidar-se-á dos institutos que fundamentam a compreensão do

pensamento solidarista, com a prévia análise da vinculação e condicionamento recíproco entre

o pensamento jurídico contemporâneo e o ideal de solidariedade, que, como ideal, transcende

as barreiras da ciência do direito. Ao final será feita breve incursão nos reflexos jurídicos do

pensamento solidarista em face da teoria integral de proteção, redefinindo, em alguns aspectos,

o regime constitucional do desenvolvimento. Nele serão identificados os novos fundamentos

teóricos e filosóficos do Estado Constitucional Solidarista, partindo das implicações da

solidariedade nas decisões políticas fundamentais que impactam o direito fundamental ao

desenvolvimento.

O Capítulo V ficará reservado aos estudos sobre constitucionalismo em redes de

cibercidadania com a construção de novos espaços públicos, além da perspectiva pluralista de

alternativas para compreensão do direito fundamental transindividual ao desenvolvimento. Ao

final do capítulo será feita análise sobre o novo modelo de organização estatal para o

desenvolvimento, sua estrutura desburocratizada, participativa, transparente e permeável às

novas tecnologias, numa realidade constitucionalmente adequada à teoria integral de proteção

ao desenvolvimento em ambiente plural.

O Capitulo VI encerrará a tese ao identificar o sistema constitucional de proteção e

concretização do direito ao desenvolvimento através de políticas públicas, estabelecendo

inicialmente novos parâmetros de aferição do seu conteúdo, como a proibição de retrocesso, o

dever de solidariedade e a inaplicabilidade da reserva do possível, todos filosófica e

juridicamente reorientados pelo pensamento possibilista desenvolvido por Häberle em seu

Pluralismo y Constitución. Estabelecerá a normatividade das políticas públicas estabelecendo

novos parâmetros de controle judicial.

17

Também abandonará a falsa perspectiva de direito ao mínimo e ao máximo

existencial enquanto direitos subjetivos, adotando a perspectiva do progresso existencial, mais

adequado constitucionalmente ao valor supremo do desenvolvimento.

A tese em alguns momentos deixará em aberto o caminho para a concretização do

direito fundamental ao desenvolvimento, compreendendo a historicidade das ideias-força que o

impulsionarão, sem, no entanto, nos anularmos para que a história se revele em nosso lugar,

mas refletindo dialeticamente sobre a historicidade da própria compreensão, apresentando a

visão de solidariedade, cidadania e jurisdição constitucional tanto útil quanto necessária à

realização do objetivo fundamental de garantia do desenvolvimento nacional para que o ser

humano possa ter uma vida em progresso existencial.

18

2 DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO

O presente capítulo oferece a análise situacional e prospectiva do direito ao

desenvolvimento, desde sua proteção constitucional, internacional e comunitária até a

definição do seu âmbito de proteção, conteúdo, restrições e eficácia enquanto direito

fundamental transindividual.

O contexto intelectual da ideia de progresso é formulado pela primeira vez na

história por Turgot1 em conferência pronunciada em Sorbona em 1750, onde passa a formular,

pela primeira vez uma lei de progresso, antecipando em mais de cem anos a famosa lei dos três

estados de Comte2 (teológico, metafísico e positivo). Para Turgot o progresso é, todavia

processo dependente em grande medida de circunstâncias acidentais, se as circunstâncias são

propícias o progresso não pode ser detido, em sua concepção o fim do progresso é a felicidade

e nitidamente vinculado ao conceito de liberdade, embora a ideia de progresso e liberdade seja

melhor desenvolvida em Condorcet3.

Serão Popper e Hayek, dois grandes pensadores sobre o progresso no século XX

que romperão com a perspectiva de leis condicionantes do progresso. Para Hayek a razão

humana é incapaz de predizer nem dar forma ao seu próprio futuro4. Segundo Popper não pode

haver teoria científica do desenvolvimento histórico que sirva de base para predizê-la5.

Outra forma de conceber o desenvolvimento como liberdade no novo liberalismo é

aquela que sustenta que a chave do progresso encontra-se na intervenção política6.

1 TURGOT, A. R. J. Discursos sobre el progreso humano (1750). Tecnos: Madrid, 1991.

2 Cfr. BURRY, John. La idea del progreso. Alianza editorial: Madrid, 1971, p. 143.

3 Nesse sentido: TEJADA, Javier Tajadura. El preâmbulo constitucional. Editorial Comares: Granada, 1997, p.

188. Sobre CONDORCET como filósofo da liberdade, NISBET, R. História de la idea de progreso. Gedisa:

Barcelona:1981, p. 291-299. Condorcet deixa claro que a liberdade não é possível sem igualdade, considerando a

igualdade formal como insuficiente, em sua obra defende a igualdade de direitos entre homem e mulher, também

combatendo o racismo e o imperialismo, em suas palavras “os povos saberão que não podem converter-se em

conquistadores sem perder sua liberdade”. CONDORCET. Bosquejo de um cuadro historico sobre los progresos

del espíritu humano (1795). Editora Nacional: Madrid, 1990. 4 HAYEK, F. A. Los fundamentos de la libertad. (1959). Unión Editorial: Madrid, 1991, p. 59-60.

5 POPPER, Karl. La miséria del historicismo. Tratus: Madrid, 1961, p. 12.

6 Cfr. TEJADA, Op. Cit. p. 200. No livro de Freedem, The new liberalism, se mostra a origem desta tese na

Inglaterra graças a obra de Hobson e Hobhouse. HOBSON fascinado pela ideia de uma sociedade em progresso

contínuo, sustentou a necessidade de que a ideologia liberal evoluísse no sentido de acelerar o progresso mediante

a ação dos poderes públicos. HOBHOUSE manteve a tese de que havia chegado a hora de utilizar os avanços do

conhecimento e o Estado democrático para o cumprimento do que denominava finalidade social. Resumidamente,

para tornar possível a continuidade do progresso é necessário criar um Estado capaz de intervir mediante políticas

de redistribuição nos processos sociais.

19

A formulação da expressão direito ao desenvolvimento e sua bases conceituais

foram formuladas pelo senegalês Keba M’Baye7 em conferência inaugural do Curso de

Direitos Humanos do Instituto Internacional de Direitos do Homem de Estrasburgo de 19728.

Contemporaneamente, Amartya Sen conceituará desenvolvimento como expansão

das liberdades substantivas. Assim, o desenvolvimento requer que se removam as principais

fontes de privação da liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e

destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência

excessiva de Estados repressivos9.

O desenvolvimento consagra-se no novo milênio como a questão central da

humanidade, núcleo convergente das principais teorias e movimentos sociais nos contextos

global, local e regional, produzindo reflexos jurídicos na democracia, liberdade, segurança,

propriedade, saúde, educação e mais acentuadamente no sistema de proteção aos direitos de

solidariedade (transindividuais).

2.1 Direito fundamental ao desenvolvimento e sua proteção constitucional

O direito fundamental ao desenvolvimento representa, para além de doutrina do

progresso existencial, o marco unificador dos direitos fundamentais presentes e dos demais

direitos humanos e comunitários convergentes para seu sistema aberto e integral de proteção.

Ele é fruto de nova geração de direitos que reclama sua integral proteção num regime

solidarista. Corretamente identificado como direito de solidariedade ou direito de terceira

geração/dimensão, assume feição transindividual.

Na Constituição da República Federativa do Brasil o desenvolvimento possui

diversas perspectivas sistêmicas, o que lhe permite dialogar com outras normas constitucionais

em ambiente plural de possibilidades normativas. É tratado como valor supremo, objetivo

7 M’BAYE, Keba. Le droit au développement comme un droit de l’homme. Revue des droits del’homme, v. V,

1972, p. 505-534. 8 Cfr. PELLOUX, Robert. Vraiset faux droits de l’Homme. Revue du Droit Public et de la Science Politique em

France ET à l’étranger. Paris: Libr. Générale, 1981, p. 61; ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. Direito ao

Desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 197; FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos

fundamentais. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 59. 9 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das

Letras, 2000, p. 17-18.

20

fundamental, direito fundamental transindividual e princípio estruturante de diversos regimes

constitucionais, desde o ambiental ao econômico, sua tarefa e concretização não são simples.

Para conhecer suas principais potencialidades sociais e normativas é necessário

referir-se ao sistema constitucional aberto, plural e democrático no qual está inserido e

principalmente, repensar a equívoca decisão da nossa jurisdição constitucional que atribuiu

ineficácia jurídica ao preâmbulo constitucional.

A Constituição Federal de 1988 divide-se estruturalmente em sua forma codificada

em: Preâmbulo Constitucional, Dispositivos Constitucionais Fixos (art. 1º ao 250) e

Dispositivos Constitucionais Transitórios (ADCT – art. 1º ao 98). Em sua Estrutura não

codificada (integrando parte do bloco de interconstitucionalidade10

) divide-se em: Dispositivos

Constitucionais decorrentes (conforme art. 5º, §2º, CRFB) que são os direitos fundamentais

decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição Federal, ou dos tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, exceto os Tratados

Internacionais de Direitos Humanos incorporados na forma do art. 5º, §3º da CRFB, que

constituem os Dispositivos Constitucionais equivalentes ou direitos fundamentais equivalentes.

Conforme o citado §3º do art. 5º, os tratados e convenções internacionais sobre direitos

humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três

quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Os Tratados Internacionais de Direitos Humanos decorrentes (art. 5º, §2º) e

equivalentes (art. 5º, § 3º) possuem o mesmo status interconstitucional (dialogam com as

demais normas constitucionais e comunitárias em idêntico patamar deontológico, passando por

ponderação no patamar axiológico objetivando a melhor proteção do ser humano no contexto

ontológico de aplicação).

Surgem, no nosso ordenamento jurídico, duas categorias de Tratados Internacionais

de Direitos Humanos, na incorreta visão do Supremo Tribunal Federal11

, uma com status

10

Fazendo referência em nível interconstitucional à conhecida expressão bloco de constitucionalidade (utilizada

pela primeira vez em 16 de junho de 1971 em decisão do Conselho Constitucional da França que integrou à

Constituição de 1958 a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e o Preâmbulo da Constituição

de 1946. Nesse sentido: FAVOREAU, Luis; LLORENTR, Francisco Rubio. El Bloque de la Constitucionalidad.

Madrid: Civitas, 1991). O bloco de interconstitucionalidade é formado por normas de direitos humanos,

fundamentais e comunitários, com forte vínculo intersistêmico, plural e unitário de proteção, destituído de

hierarquia recíproca e inserido num processo hermenêutico diatópico. 11

A tese da supralegalidade dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos prevaleceu no Supremo Tribunal

Federal no RE 466343/SP. Para a compreensão das diversas correntes doutrinárias sobre a posição desses tratados

no ordenamento jurídico verificar o voto vencedor do Ministro Gilmar Ferreira Mendes. Prevaleceu a tese da

21

supralegal e infraconstitucional – art. 5º, §2º e outra com status constitucional – art. 5º, § 3º.

Em nosso ponto de vista, já explicitado, os direitos humanos qualquer que tenha sido o seu

processo de incorporação à ordem interna, não estão situados no plano deontológico em

patamar inferior, tampouco superior aos direitos fundamentais e aos direitos comunitários.

A Constituição Federal de 1988 é pluritextual (possui mais de um conjunto

normativo ou articulado que determina seu conteúdo formal e material) por força da

Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo

Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, incorporada nos termos do art.

5º, §3º da Constituição por decreto legislativo equivalente à emenda constitucional (Decreto nº

6.949, de 25.8.2009 Publicado no DOU de 25.8.2009), e a esse se soma o conjunto de Tratados

Internacionais de Direitos Humanos incorporados à ordem interna pelo procedimento exigido à

época em que não se fazia presente o citado § 3º do art. 5º da CRFB.

O desenvolvimento encontra-se referido no preâmbulo constitucional brasileiro de

1988 como valor supremo de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos nos

seguintes termos:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia

Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado

a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a

segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça

como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem

preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem

interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,

promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO

DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Os preâmbulos constitucionais estabelecem as ideias-força fundamentais que

conduzem o texto constitucional e neles estão estabelecidas diversas normas jurídicas de

conteúdo impositivo, pois nos preâmbulos constitucionais encontramos a síntese do sentimento

constitucional criador da nova ordem jurídica fundamental. Possuem eficácia como qualquer

outra norma constitucional12

.

infraconstitucionalidade (estão abaixo da Constituição) e suprelegalidade (estão acima das leis) dos Tratados

Internacionais de Direitos Humanos (nos termos do art. 5º, §2º da CRFB). Quanto aos Tratados Internacionais de

Direitos Humanos incorporados nos termos do art. 5º, § 3º da CRFB, estes possuem status constitucional (ex:

Tratado Internacional de Proteção à Pessoa Deficiente) e passam a integrar norma constitucional fora do texto

constitucional formal-codificado. 12

Também defendem a relevância jurídica do preâmbulo constitucional: SILVA NETO, Manoel Jorge. Curso de

Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 218; CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito

22

Segundo Jorge Miranda, a doutrina distribui-se entre três posições: A tese da

irrelevância jurídica (o preâmbulo não se situa no domínio do Direito, situa-se no domínio da

política ou da história); a tese da eficácia idêntica à de quaisquer disposições constitucionais

(é também conjunto de preceitos); entre as duas a tese da relevância jurídica específica ou

indireta, não confundindo preâmbulo e preceituado constitucional (participa das características

jurídicas da Constituição, mas sem se confundir com o articulado)13

.

Para Jorge Miranda, o preâmbulo é parte integrante da Constituição, com todas as

suas consequências; dela não se distingue nem pela origem, nem pelo sentido, nem pelo

instrumento em que se contém. Distingue-se (ou pode distinguir-se) apenas pela sua eficácia ou

pelo papel que desempenha. Tudo é constituição em sentido formal14

.

O Conselho Constitucional Francês admite a fiscalização de constitucionalidade em

face da violação aos princípios do preâmbulo. Este, porém, não foi o entendimento da nossa

Corte Constitucional. O Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 2076-5/AC, de

relatoria do Ministro Carlos Veloso, trazendo lições de Jorge Miranda, Manoel Gonçalves

Ferreira Filho e José Wilson Ferreira Sobrinho, decidiu pela tese da irrelevância jurídica do

preâmbulo. Afirmou o relator em seu voto: “O preâmbulo, ressai das lições transcritas, não se

situa no âmbito do Direito, mas no domínio da política, refletindo posição ideológica do

constituinte (...). Não contém o preâmbulo, portanto, relevância jurídica.

Importante observar que Jorge Miranda não se filia à corrente defendida pelo

Ministro relator da citada Ação Direta de Inconstitucionalidade, apesar de ter sido citado entre

as lições transcritas. A tese da irrelevância jurídica é rechaçada por Jorge Miranda e acolhida

pelo Supremo Tribunal Federal.

A opção pelos valores supremos de concretização dos direitos sociais e individuais,

da liberdade, da justiça, do bem-estar e da igualdade, torna tais valores, princípios

constitucionais de eficácia plena, judicialmente exigíveis, afinal, como afirmado no próprio

preâmbulo, esta é a razão de existência do Estado Democrático.

Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 108; BRITO, Edvaldo. Limites da Revisão Constitucional. Porto

Alegre: FABRIS, 1993, p. 38-39. Edvaldo Brito relaciona aqueles que defendem a função normativa do

preâmbulo: Aristides Milton, Carlos Maximiliano, João Barbalho, José Duarte, Georges Vedel, Georges Burdeau,

Jorge Miranda e Josaphat Marinho. Pensam contrariamente: Aurelino Leal, Corwin, Hans Kelsen, Paulo

Bonavides, Pedro Lenza e Alexandre de Moraes. 13

MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 437. 14

MIRANDA, Jorge. Op. Cit. p. 437-438.

23

Outro não foi o caminho adotado pela Constituição espanhola de 1978, que trouxe

no preâmbulo diversos preceitos que expressam a opção constituinte pela ideia de progresso e

desenvolvimento. Opção que se depreende da análise semântica de seus termos (consolidar,

fortalecer, progresso, avançada). Conforme Javier Tejada, dito progresso alcança sua plenitude

de significado em sua concepção global, como progresso social e político, aplicada ao conceito

de democracia15

.

A constituição brasileira de 1988 caracteriza o desenvolvimento como valor

supremo da sociedade. Ao estabelecer no contexto do seu preâmbulo, uma ordem objetiva de

valores constitucionais vinculantes, passa a constituir o desenvolvimento como decisão política

valorativa (wertentscheidungen), que expressa conteúdo axiológico universal com validez para

todos os âmbitos do direito. O desenvolvimento concretiza essa expressão valorativa (decisão

axiomática) no próprio texto constitucional como norma objetiva de princípio (objektive

Grundsatznormen), como direito fundamental transindividual (direito subjetivo de

solidariedade frente ao Estado e dotado de eficácia horizontal interprivada) e como objetivo

fundamental (norma programática ou política pública).

O art. 3º da Constituição Federal de 1988 estabelece dentre os objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil, o de garantir o desenvolvimento nacional.

Trata-se de norma fundamental programática, vinculante objetivamente para os poderes

públicos (com importante função sistêmica institucional, assumindo deveres de proteção e

garantia do progresso existencial, além de intervir positivamente nos processos político,

judicial, formativo das leis, econômico e administrativo) e subjetivamente para a sociedade

(em termos de direitos e deveres de solidariedade).

Esse objetivo fundamental cresce em dimensão normativa e importância

interconstitucional quando edifica sua proteção em níveis também comunitário e internacional,

como se expressasse necessidade comum da humanidade.

Nesse sentido, o constituinte originário de 1988, no art. 4º, IX, estabeleceu o

princípio de cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. Progresso e

cooperação somam-se de forma indissociáveis à prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II).

15

TEJADA, Javier Tajadura. El preâmbulo constitucional. Editorial Comares: Granada, 1997, p. 175 et seq. O

autor apresenta uma dupla perspectiva para o progresso: setorial (progresso da economia e da cultura) e global

(sociedade democrática avançada), Op. Cit. p. 176.

24

Os direitos humanos são pressupostos necessários ao progresso humano e condição

necessária para formação dos laços de solidariedade entre povos e nações.

O artigo 4º da Constituição Federal estabelece princípios estruturantes de regência

das relações internacionais e realça orientação internacionalista jamais vista na história

constitucional brasileira16

. Insere programaticamente (norma do tipo política pública) em seu

parágrafo único a busca por uma “comunidade latino-americana de nações” através da

integração econômica, política, social e cultural. Constrói, também de forma inédita, o marco

jurídico-constitucional comunitário.

Ao inserir no mesmo dispositivo constitucional (art. 4º) as orientações

internacional e comunitária, presente a abertura integrativa dos direitos fundamentais (art. 5º, §

2º) ao regime de comunitário e internacional de proteção ao progresso e ao desenvolvimento

existencial humano, nossa ordem constitucional consagrou o interconstitucionalismo multinível

(constitucional, internacional e comunitário).

O avanço contínuo do conhecimento humano é condição fundamental do

desenvolvimento. A vinculação das atividades de ensino, pesquisa e extensão e consequente

divisão social do progresso, situa a perspectiva solidarista para o desenvolvimento sustentável

na revisão das metas educacionais, onde a educação para o progresso humano produz reflexos

jurídicos na compreensão do direito fundamental à educação.

Os objetivos fundamentais (normas programáticas constitucionais ou políticas

públicas constitucionais) servem como paramentos de aferição da constitucionalidade das

demais políticas públicas (normas programáticas infraconstitucionais).

A sustentabilidade ambiental coloca a humanidade consciente dos riscos que deve e

é capaz de assumir para o progresso. Posturas muitas vezes indemonstráveis, como o princípio

da precaução (deixar de agir diante da incerteza científica), podem conduzir a momentos em

que, numa análise contextual, o deixar de agir poderá demonstrar-se infinitamente mais

catastrófico do que decidir arriscar-se diante da incerteza, principalmente quando as

possibilidades de proteção evidenciam-se mais favoráveis ao comportamento ativo.

O raciocínio para garantia e proteção de objetivos fundamentais, dentre eles o

desenvolvimento, é necessariamente análise de riscos e estabelecimento de metas estabelecidas

em políticas públicas projetadas por sistema organizativo, que deve ser capaz de oferecer

16

Nesse sentido: PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13. ed. São

Paulo: Saraiva, 2012, p. 95.

25

respostas coerentes com o sistema interconstitucional e integral de proteção do progresso

existencial humano – não é tarefa fácil. A sociedade é por demais complexa para adoção de

modelo universal, muito menos nacional para suprir eficazmente suas necessidades, daí a

importância do modelo pluralista de alternativas proposto por Peter Häberle e a hermenêutica

diatópica de R. Panikkar.

O crescente avanço tecnológico presente no século XXI constitui fator favorável ao

desenvolvimento. Impulsionada pelas redes de indignação e esperança17

que se formaram entre

os jovens das diversas nações do mundo por meio das redes sociais em luta por direitos e

democracia, a internet permitiu a consolidação de novas formas de exercício de cidadania e

luta por progresso existencial.

A Constituição em sua abertura principiológica de escolhas normativas conduz

inegavelmente ao pluralismo e a solidariedade como fatores determinantes da integral proteção

do progresso existencial humano.

2.2 Direito ao desenvolvimento humano e sua proteção internacional

A Comissão de Direitos do Homem da ONU em 1977 apontou o direito ao

desenvolvimento em relação à cooperação internacional. No âmbito da UNESCO, em 1978, o

direito ao desenvolvimento foi inserido na Declaração sobre a raça e os preconceitos raciais.

Em 1981 a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos, aprovada na 18ª

Conferência de Chefes de Estado e Governo, reunida no Quênia, dispôs em seu artigo 22 o

direito ao desenvolvimento18

.

A Organização das Nações Unidas passa a adotar em 1986 através 146 Estados

favoráveis, um voto contrário dos Estados Unidos da América e oito abstenções (incluindo

Alemanha, Reino Unido e Japão) a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento. Logo em

seu artigo 2º estabelece: “a pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e deve ser

ativa participante e beneficiária do direito ao desenvolvimento”.

17

Cfr. CASTELLS, Manuel. Redes de Indignação e Esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de

Janeiro: Zahar, 2013. 18

Art. 22 – 1. Todos os povos têm direito ao desenvolvimento econômico social e cultural, no devido respeito à

sua liberdade e identidade, e na igual fruição da herança comum da humanidade. 2. Os Estados têm o dever de

assegurar, individual ou coletivamente, o exercício do direito ao desenvolvimento. (Expressão isolada sobre o

desenvolvimento, ainda distante da sua contemporânea concepção de direito transindividual, esteve presentes na

Carta da ONU de 1945 em seu art. 55 – condições de progresso e desenvolvimento econômico).

26

O preâmbulo da Declaração de 1986 conceitua o desenvolvimento como processo

econômico, social, cultural e político abrangente, que visa o constante incremento do bem-estar

de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e

significativa no desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí resultantes.

Trata-se de direito inalienável, indivisível e interdependente que situa o ser humano

como participante ativo e beneficiário do seu processo de construção. O art. 2, 3 da Declaração

impõe o dever e direito estatal de formular políticas nacionais adequadas para o

desenvolvimento e reafirma a participação ativa, livre e significativa de todos os indivíduos no

desenvolvimento e na distribuição equitativa dos benefícios daí resultantes.

A Declaração da ONU estabelecerá as bases solidaristas e cooperativas para

assegurar o desenvolvimento e eliminar seus obstáculos. Propõe nova ordem econômica

internacional baseada na igualdade soberana, interdependência, interesse mútuo e cooperação

entre todos os Estados. Nasce para os Estados a responsabilidade primária pela criação das

condições nacionais e internacionais favoráveis à realização do direito ao desenvolvimento

(art. 3, 3) e o dever de eliminar os obstáculos ao desenvolvimento resultantes da falha na

observância dos direitos civis e políticos, assim como dos direitos econômicos, sociais e

culturais (art. 6, 3).

Na destacada visão de Flávia Piovesan, a concepção contemporânea de direitos

humanos caracteriza-se pelos processos de universalização e internacionalização destes

direitos, compreendidos pelo prisma da sua indivisibilidade19

. A Declaração de Direitos

Humanos de Viena, de 1993, afirma em seu parágrafo 5º: “Todos os direitos humanos são

universais, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os

direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com mesma

ênfase”.

A universalidade, interdependência e inter-relação também ocorrem no nível

interconstitucional entre os direitos humanos, fundamentais e comunitários no ambiente

pluralista, solidário e integral de proteção.

19

PIOVESAN, Flávia. Direito ao desenvolvimento – desafios contemporâneos. In: PIOVESAN, Flávia;

SOARES, Inês Virgínia Prado (Coordenadoras). Direito ao Desenvolvimento. Belo Horizonte: Editora Forum,

2010., p. 100.

27

Afirmará Flavia Piovesan, aproximando-se da visão habermasiana de democracia,

que “não há direitos humanos sem democracia e nem tampouco democracia sem direitos

humanos”20

. Essa premissa se confirma facilmente com a simples análise estatística dos

indicadores de desenvolvimento nos países de índole democrática.

As crises globais (climáticas, econômicas e endêmicas, apenas para citar algumas)

reforçam a necessidade primordial de manutenção de laços de solidariedade entre as nações.

Criam a atmosfera propícia à expansão das conquistas civilizatórias para o desenvolvimento

conjunto dos países (sem protagonismos), estabelecendo deveres correspondentes de

cooperação na construção da ordem global(izada) de desenvolvimento equitativo das nações

desenvolvidas e em progresso para o desenvolvimento.

Presente uma série de Tratados Internacionais de Direitos Humanos

indivisivelmente conectados à proteção integral ao desenvolvimento, a concretização do citado

direito fundamental transindividual encontra-se integrada de forma multinível e

interconstitucional com tais documentos jurídicos transnacionais e mais aproximadamente a

Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento no âmbito da ONU.

No plano internacional, a solidariedade entre as nações constituirá a base

existencial de construção e progresso dos Estados Constitucionais Cooperativos. Rüdiger

Wolfrum insere a solidariedade como princípio estrutural emergente no sistema internacional

de proteção da paz, no direito ambiental internacional e no ambiente de intervenção e

assistência humanitária21

.

O Consenso Europeu para o Desenvolvimento de 20 de dezembro de 2005 em seu

parágrafo 13 estabelece: “Solidarity. Global challenges must be managed in a way that

distributes thee cost and burdens fairly in accordance with basic principles of equity and

social justice. Those who suffer or who benefit least deserve help from those who benefit

most”22

.

20

Op. Cit. p.100. 21

Cfr. WOLFRUM, Rüdiger. Solidarity amongst States: an emerging structural principle of international Law.

In:PIOVESAN, Flávia; SOARES, Inês Virgínia Prado (Coordenadoras). Direito ao Desenvolvimento. Belo

Horizonte: Editora Forum, 2010, p. 57-72. Nessa mesma obra coletiva, porém mais direcionado ao contexto do

direito internacional do desenvolvimento: DANN, Philipp. Solidarity and the Law of Institutional Development

Cooperation. p. 73-93. 22

“Solidariedade. Os desafios globais devem ser geridos de uma forma que a distribuição dos custos e

responsabilidades aconteça de acordo com os princípios básicos de equidade e justiça social. Aqueles que

sofrem ou que beneficiam menos merecem a ajuda dos que mais se beneficiam "

28

A parte inicial do Consenso de Monterrey é dedicado a uma concreta lista de

deveres internos para os Estados receptores (nota 23, parágrafos 10-19). Essa lista cobre uma

série de aspectos, como garantia de consistência das políticas públicas macroeconômicas,

aumento da produtividade e práticas de boa governança, cuidar de instituições democráticas

sólidas de combate à corrupção. Conforme Phillip Dann, responsabilidade mútua entre as

nações é importante elemento dessa ideia23

.

2.3 Direito ao desenvolvimento e sua proteção comunitária

A proteção comunitária ainda é projeto embrionário na União Sul-Americana. Faz-

se presente no direito comum da União Europeia. Assim, faremos breve análise crítica do

direito comunitário europeu, com vistas à expansão da rede comunitária latino-americana.

Portanto, o que virá a seguir será muito mais propositivo que propriamente elucidativo da

realidade comunitária local.

O direito comunitário não é como o direito internacional público, trata-se, na lição

de Konrad Hesse de complexo jurídico autônomo, dotado de índole própria, cujo fundamento

de validez é sua proveniência do poder comunitário público24

. Sua validez intra-estatal assenta-

se sobre a decisão constitucional para a instituição em ato coletivo das comunidades25

. Ocorre

em nosso sentir, o fenômeno político de transnacionalização de parcela da soberania dos

Estados formando a dinâmica soberania compartilhada supranacional do bloco comunitário.

Percebe-se claramente que a retomada dos espaços transnacionais comunitários

pelo direito constitucional ocorre sempre em virtude de proteção deficiente dos direitos

fundamentais. Nesse sentido, observa-se o vasto debate na jurisprudência alemã (BVerfGE 37,

271; 58, 1; 73, 339) discutindo a reserva imanente do art. 24 da Lei Fundamental de Bonn para

proteção dos direitos fundamentais em face do seu conteúdo essencial, quando a proteção

comunitária não for suficiente, estabelece-se, em nosso ponto de vista, inadequada cisão entre

as ordens constitucional e comunitária, intervindo a norma constitucional enquanto o standard

de direitos fundamentais, geralmente obrigatório, do direito comunitário ainda não possui nível

23

Solidarity and the Law of Institutional Development Cooperation. Cit. p. 83. 24

HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. da 20ª edição

alemã de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 96. 25

HESSE, Konrad. Cit. p. 97. No direito alemão a autorização constitucional de participação encontra-se no art.

24, alínea l, da Lei Fundamental. No direito brasileiro, conforme já citamos, no artigo 4º, parágrafo único da

Constituição Federal.

29

adequado de proteção compatível com as exigências estabelecidas no marco constitucional

interno. A inadequação reside apenas na falta de diálogo interconstitucional, onde a proteção

insuficiente ou deficiente em nível comunitário poderia ser suprida através da integração

dialógica com as normas constitucionais internas no próprio espaço comunitário e vice-versa.

A cisão institucional entre as ordens internacional, constitucional e comunitária não

parece ser a melhor solução. O direito comunitário não deve buscar primazia sobre o direito

nacional como pressuposto da capacidade funcional da comunidade26

. O pressuposto da sua

capacidade funcional reside no diálogo interconstitucional diatópico destituído de hierarquia,

objetivando sempre a melhor proteção do ser humano. A base cooperativa de criação de uniões

supranacionais orienta-se por uma carta de direitos que amplia e reconhece tantos os tratados

internacionais de direitos humanos quanto os direitos fundamentais dos Estados que

solidariamente compõem a Comunidade de Nações.

A União Europeia, nos termos do art. 6º do Tratado de Maastricht, respeitará os

direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos

do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, e

tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-membros, enquanto

princípios gerais de direito comunitário.

A falta de uma teoria integral dialógica de proteção de direitos multinível acarreta

alguns equívocos conceituais. O primeiro deles é identificar direitos essenciais à dignidade

existencial do ser humano no âmbito comunitário, ora como direitos fundamentais, ora como

direito humanos, afastando-lhe o caráter de autonomia dogmática.

O direito comunitário é formado não apenas por normas de organização e

procedimento, mas fundamentalmente por normas atributivas de direitos aos cidadãos

supranacionais, que vão desde o voto e a participação na composição da comunidade e

instituições, até a garantia de progresso existencial em solidariedade com seus concidadãos.

A preocupação comunitária encontra-se mais diretamente associada à proteção de

direitos transindividuais, conectados aos problemas transfronteiriços.

Porém, a inter-relação, sistematicidade, interdependência, unidade e

indivisibilidade dos direitos humanos, fundamentais e comunitários sobelevam a atuação

comunitária para o contexto integral de proteção dos direitos em nível interconstitucional.

26

Em sentido contrário, em defesa da primazia como pressuposto da capacidade funcional: HESSE, Konrad. Cit.

p. 98.

30

O Direito ao desenvolvimento reencontra e amplia seu âmbito de proteção27

no

direito comunitário. A ideia de progresso e desenvolvimento é estruturante da própria

identidade constitutiva da comunidade de nações, encontra tipificação expressa nos principais

documentos jurídicos das uniões supranacionais.

O Acordo de Cotonou (Acordo 2000/483/CE) de parceria entre os Estados de

África, das Caraíbas e do Pacífico e a Comunidade Europeia e seus Estados-Membros trata das

relações de cooperação da União Europeia com vistas ao desenvolvimento econômico, social e

cultural dos citados países.

Em oito de setembro de 2000, a Assembleia Geral da ONU adotou a Declaração do

Milênio, com o compromisso de adesão a um projeto mundial de redução da pobreza extrema

sob todas as suas formas. Associados à Declaração do Milênio, os Objetivos de

Desenvolvimento do Milênio são os seguintes:

Reduzir a pobreza e a fome no mundo;

Garantir o ensino primário para todos;

Promover a igualdade entre homens e mulheres;

Reduzir a mortalidade infantil;

Melhorar a saúde materna;

Combater o HIV/AIDS e outras doenças;

Assegurar a sustentabilidade ambiental;

Participar numa parceria mundial para o desenvolvimento28

.

Conforme dados da própria União Europeia, ela contribui com 55% da ajuda

pública ao desenvolvimento mundial29

. A atividade da União Europeia na área do

desenvolvimento não é apenas compromisso político fundamental no contexto dos Objetivos

de Desenvolvimento do Milênio, é essencialmente compromisso jurídico-comunitário

assumido em seu Tratado constitutivo (artigo 178).

27

A definição do âmbito de proteção de um direito fundamental responde a pergunta acerca de que atos, fatos,

estados, sujeições, situações ou posições jurídicas são protegidos pela norma que garante o referido direito (Cfr.

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo:

Malheiros, 2011, p. 72). 28

Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comitê Econômico e Social Europeu de

12 de abril de 2005. COM (2005) 132 final. 29

Comunicação citada. p. 2.

31

Os laços de solidariedade interconstitucionais entre a ordem interna, internacional e

comunitária para garantia de proteção integral ao desenvolvimento, são por demais intensos,

para permitir o inadequado isolamento das jurisdições e organizações estatais na proteção de

direitos e atribuição de responsabilidades.

2.4 Dos limites e possibilidades de uma teoria constitucional integral de

proteção

Conforme observa Flávia Piovesan, uma das maiores fragilidades do sistema

internacional de direitos humanos atém-se às dificuldades de implementação de direitos – o

chamado implementation gap. Nesse sentido, destaca-se o desafio de implementação do direito

ao desenvolvimento30

.

Destaca-se a importante advertência de André de Carvalho Ramos:

Sem uma teoria sistematizada de direitos humanos repleta de marcos de

orientação para decisões futuras, deslegitima-se o próprio intérprete

internacional, que muitas vezes terá que avaliar atos estatais aprovados

por maiorias democráticas, mas violadores de direitos humanos de

minorias31

.

Nesse sentido, buscamos aliar ao desafio da implementação de direitos a teoria

sistematizada de proteção integral. O “constitucionalismo integral” ou “teoria integral de

proteção” nasce da necessidade de promover a organização sistêmica multinível para proteção

de direitos fundamentais, humanos e comunitários (direitos interconstitucionais).

Os direitos interconstitucionais, em sua maioria, possuem conteúdos axiológicos

coincidentes e em todos os casos, igual hierarquia deontológica. Porém, são protegidos

institucionalmente por jurisdições diversas (constitucional, internacional e comunitária), que

marcam seu ponto de vista normativo sobre o conteúdo, alcance, limites e possibilidades

hermenêuticas fora do sistema solidariamente integrado de jurisdições e distante das realidades

locais.

30

PIOVESAN, Flávia. Direito ao desenvolvimento – desafios contemporâneos. In: PIOVESAN, Flávia;

SOARES, Inês Virgínia Prado (Coordenadoras). Direito ao Desenvolvimento. Belo Horizonte: Editora Forum,

2010, p. 106. 31

RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 2014, p. 29. André de Carvalho Ramos destaca, na mesma passagem, a importância de sistematizar uma

teoria baseada na iuris prudentia para que possamos expor as insuficiências e tibiezas das decisões dos intérpretes

internacionais, que não podem nunca ser invocadas com temor reverencial ou como definitivo argumento de

autoridade. (a teoria da decisão em nível interconstitucional será tratada no próximo capítulo).

32

Equivocadamente, as diversas jurisdições (interna, internacional e comunitária)

estabelecem justificação heurística para sobrepor-se às demais jurisdições. Perdem-se no inútil

debate sobre o monismo versus dualismo, buscando para si inadequado protagonismo, quando

esse deve residir no ser humano e sua integral proteção.

A teoria integral de proteção estabelece diálogo hermenêutico aberto e diatópico

entre as ordens interna, internacional e comunitária no âmbito da jurisdição interconstitucional.

Numa teoria integral de proteção, presente a expansão da jurisdição constitucional

dos direitos transindividuais para o domínio comunitário e internacional, a análise sobre o

âmbito de proteção, restrições, conteúdo e eficácia do direito fundamental ao desenvolvimento,

recai necessariamente em abordagem zetética, integral de proteção, pluralista de alternativas e

solidarista.

Aproxima-se da perspectiva integral de proteção os deveres solidários dos

particulares na promoção do direito ao desenvolvimento. Hoje o Direito Privado reapresenta-

se, conforme Giorgio Oppo, como direito sim dos particulares, mas dos particulares uti cives;

direito dos particulares como portadores da sua própria singularidade, mas também da

necessidade de comunicá-la aos outros; da necessidade de isolar-se (que é algo a ser

respeitado) mas também de associar-se; da necessidade de defender a própria personalidade,

mas também de desenvolvê-la na comunidade que a enriquece e não a comprime32

.

As garantias instrumentais de proteção dos direitos, presentes no sistema

interconstitucional, são legitimamente utilizáveis no seu universo amplo de aplicação. Desta

forma, seria possível ao Ministério Público de qualquer país, propor Ação Civil Pública perante

a Corte Interamericana de Direitos Humanos utilizando-se dos instrumentos jurídicos

constitucionais, internacionais e comunitários de proteção mais eficazes do bloco de

interconstitucionalidade.

É reciprocamente possível a aplicação do controle de convencionalidade presente

na jurisdição internacional no âmbito interno de cada país. A jurisdição interna de proteção

integral dos direitos humanos, fundamentais e comunitários, em face do art. 5º, § 2º (cláusula

de abertura) combinado com o art. 102, III (controle difuso), ambos da Constituição Federal,

possibilita aos magistrados brasileiros o exercício do controle difuso de convencionalidade.

32

OPPO, Giorgio. Diritto privato e interessi pubblici. In: Revista di Diritto Civile, 1994, n 1, p. 26. No mesmo

sentido, repensando a responsabilidade sob essa mesma perspectiva: RICOER, Paul. Lê Concept de

Responsabilité. Essai d’Analyse Sémantique. In: Lê Juste. Espirit, 1992, p. 41-70.

33

No controle difuso de convencionalidade a questão interconstitucional é prejudicial

(deve ser decidida pelo juiz antes de julgar o pedido principal), trata-se de incidente de

interconstitucionalidade (por atingir direito humano ou comunitário que a República Federativa

do Brasil resolveu proteger). Voltaremos ao tema do controle de convencionalidade no capítulo

seguinte.

A teoria integral de proteção impõe a responsabilidade dos participantes do

processo judiciais envolvendo direitos interconstitucionais em contraditório cooperativo. As

novas concepções de devido processo legal cooperativo e de garantia do contraditório fazem-se

presentes no § 139 da ZPO33

Alemã que trata da condução material do processo. O art. 266 do

CPC de Portugal estabelece que a condução e intervenção no processo, devem os magistrados,

os mandatários judiciais e as próprias partes cooperarem entre si, concorrendo para se obter,

com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.

Os dispositivos acima indicados refletem o que denominamos cooperative due

process, que também se faz presente no Novo Código de Processo Civil francês, em seu art.

16: O juiz deve, em todas as circunstâncias, fazer observar, e observar ele mesmo o princípio

do contraditório. Ele não pode considerar, na sua decisão, as questões, as explicações e os

documentos invocados ou produzidos pelas partes a menos que estes tenham sido objeto de

contraditório. Ele não pode fundamentar sua decisão em questões de direito que suscitou de

ofício, sem que tenha, previamente, intimado as partes a apresentar suas observações.

Contemporaneamente relativiza-se o antigo postulado: dá-me o fato que te darei o

direito. Mesmo questões de direito (submetidas à intensa atividade interpretativa e criativa por

parte dos sujeitos processuais) devem submeter-se ao contraditório cooperativo, principalmente

numa teoria integral de proteção de direitos humanos, fundamentais e comunitários, onde o(s)

titular(es) dos direitos são os verdadeiros protagonistas do processo de concretização da norma

33

(1) O órgão judicial deve discutir com as partes, na medida do necessário, os fatos relevantes e as questões em

litígio, tanto do ponto de vista jurídico quanto fático, formulando indagações, com a finalidade de que as partes

esclareçam de modo completo e em tempo suas posições concernentes ao material fático, especialmente para

suplementar referências insuficientes sobre fatos relevantes, indicar meios de prova, e formular pedidos baseados

nos fatos afirmados. (2) O órgão judicial só poderá apoiar sua decisão numa visão fática ou jurídica que não tenha

a parte, aparentemente, se dado conta ou considerado irrelevante, se tiver chamado a sua atenção para o ponto e

lhe dado oportunidade de discuti-lo, salvo se se tratar de questão secundária. O mesmo vale para o entendimento

do órgão judicial sobre uma questão de fato ou de direito, que divirja da compreensão de ambas as partes. (3) O

órgão judicial deve chamar a atenção sobre as dúvidas que existam a respeito das questões a serem consideradas

de ofício. (4) As indicações conforme essas prescrições devem ser comunicadas e registradas nos autos tão logo

seja possível.Tais comunicações só podem ser provadas pelos registros nos autos. Só é admitida contra o conteúdo

dos autos prova de falsidade. (5) Se não for possível a uma das partes responder prontamente a uma determinação

judicial de esclarecimento, o órgão judicial poderá conceder um prazo para posterior esclarecimento por escrito.

34

no ambiente plural de possibilidades e democrático de intérpretes, na conhecida formulação

teórica de Peter Häberle.

O princípio da cooperação também decorre da boa-fé processual, que é standard

institucional de conduta, princípio que agrupa certas regras que exigem determinada atuação

das partes em suas relações, determinando postura ética e socialmente valorada de cooperação

e lealdade objetivando o exercício dos deveres solidários de proteção dos direitos

interconstitucionais envolvidos.

Outro aspecto relevante da teoria integral é o estabelecimento do standard inicial

de proteção ou delimitação prévia do conteúdo essencial. O núcleo intangível dos direitos

humanos, fundamentais e comunitários deve ser preliminarmente identificado e imediatamente

protegido em nível judicial, legislativo ou administrativo, antes de qualquer tomada de decisão.

Mantida a proteção do conteúdo essencial, a determinação do âmbito de proteção, conteúdo e

eficácia passará por processo democrático e cooperativo de decisão estatal,

argumentativamente orientado por processos transparentes de ponderação.

A teoria integral de proteção, com direitos inseridos numa complexidade estrutural

multinível de interconstitucionalidade, assume relevância o modelo de intervenção estatal

solidária, onde se busca o pleno desenvolvimento com o compartilhamento de tarefas e

responsabilidade, em grande parte, assumidas pelo Estado, de outro lado, vinculadas às

empresas transnacionais e ao setor privado interno em função do seu dever transindividual de

promoção do desenvolvimento social, cultural e econômico da sociedade que possibilitou a

expansão do seu capital.

A teoria de proteção integral é receptiva à teoria da eficácia direta e imediata dos

direitos fundamentais nas relações privadas – eficácia horizontal direta. Essa tese foi defendida

inicialmente na Alemanha por Hans Carl Nipperdey, a partir do início da década de 50.

Nipperdey justifica sua afirmação com base na constatação de que os perigos que espreitam os

direitos fundamentais no mundo contemporâneo não provem apenas do Estado, mas também

dos poderes sociais e de terceiros em geral34

.

A teoria da eficácia horizontal mediata ou indireta dos direitos fundamentais foi

desenvolvida originariamente na doutrina alemã por Günter Dürig, em obra publicada em

34

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no

Brasil. In: BARROSO, Luis Roberto. A nova Interpretação Constitucional - Ponderação, Direitos Fundamentais

e Relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 220

35

195635

, trata-se de construção intermediária entre a que simplesmente nega a vinculação dos

particulares aos direitos fundamentais e aquela que sustenta a incidência direta destes direitos

na esfera privada.

Diante da multiplicidade de empresas transnacionais com relevante participação no

processo econômico produtivo, sua vinculação direta à garantia do desenvolvimento é algo

inseparável da teoria integral.

Hoje, importante segmento da doutrina alemã, vem defendendo a tese de que a

doutrina dos deveres de proteção do Estado, em relação aos direitos fundamentais, constitui a

forma mais exata para solucionar a questão da projeção destes direitos no âmbito das relações

privadas, entre eles, autores com Joseph Isensee, Stefan Oeter, Klaus Stern e Claus-Wilhelm

Canaris36

.

Canaris, em obra dedicada ao estudo das relações entre os direitos fundamentais e o

direito privado, defende a natureza “imediata” da vinculação do legislador de direito privado

aos direitos fundamentais e a eficácia normativa destes como proibição de intervenção e

imperativos de tutela37

. Canaris refuta a doutrina da “eficácia imediata em relação a terceiros”,

mas afirma uma imediata vinculação do legislador de direito privado aos direitos

fundamentais. Para o autor, só deve falar-se de eficácia imediata em relação a terceiros se os

direitos fundamentais se dirigem imediatamente contra sujeitos de direito privado, como no

caso do art. 9º, nº 3, 2ª frase, da Lei Fundamental alemã38

.

Diferentemente de Canaris, entendemos que, destinatários das normas dos direitos

fundamentais são, não apenas o Estado e os seus órgãos, mas também os sujeitos de direito

privado, mesmo quando a norma fundamental não esteja dirigida imediatamente a estes

últimos, porém, decorra do sistema interconstitucional de proteção e seja razoável, adequada,

necessária e proporcional em sentido estrito a sua aplicação interprivada, para melhor proteção

ao bem jurídico lesado ou ameaçado de lesão numa relação jurídica entre particulares.

A construção de uma sociedade livre, justa e solidária demanda um conjunto de

tarefas conformadoras, direcionadas a assegurar a dignidade social do cidadão através da

igualdade de oportunidades. A justiça social e distributiva fortalecida pelos laços de

35

DÜRIG, Günther. Grundrechteund Zivilrechtsprechung. In: MAUNZ, Theodor. Festchrift für Hans Nawaiasky.

München: Beck, 1956. p. 157 et seq. 36

SARMENTO, Op. cit. p. 236 37

CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos Fundamentais e Direito Privado. Tradução: Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo

Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2006, p. 28 et seq. 38

Ibidem, p. 55.

36

solidariedade, através do apoio mútuo entre as instituições sociais, governamentais e os

indivíduos, proporciona a igualdade de chances (garantidora das condições iniciais de

liberdade – através de políticas públicas que tornem intangível o conteúdo essencial dos

direitos fundamentais, principalmente em contextos de vulnerabilidade social); a igualdade de

resultados39

(garantidora das condições do bem-estar social em progresso existencial coletivo –

através do dever de proteção transindividual – ponderando a proteção individual em face da

coletividade e da distribuição global dos recursos) e a igualdade solidária (garantidora das

condições de participação ativa no desenvolvimento – através da intensificação dos laços de

solidariedade social).

O modelo federalista de cooperação (federalismo cooperativo) atribui aos entes

federados nova competência interconstitucional para proteção de direitos constitucionais

federativos como a redução das desigualdades regionais e o direito transindividual ao

desenvolvimento sustentável. Do dever de proteção integral às comunidades locais e regionais

na ordem interconstitucional, decorre a obrigação de promover simetria legislativa e

institucional-federativa com a eficácia ótima dos direitos humanos, fundamentais e

comunitários. Cria-se o correspondente direito federativo de participação ativa e representação

no âmbito interconstitucional. Nasce a relação de interconstitucionalidade federal externa -

diálogo de proteção integral entre Constituição Comunitária, Constituição Federal, Tratados

Internacionais de Direitos Humanos, Leis Orgânicas e Constituições dos entes federados.

Permanece a relação entre Constituição Federal e Constituições dos Estados –

interconstitucionalidade federal interna40

.

Por fim, diante da demanda crescente por direitos essenciais ao desenvolvimento, é

imprescindível à teoria integral de proteção a implementação de sistema transparente para

determinação dinâmica (alterável conforme necessidade e possibilidade da sociedade – setores

público e privado), porém substancial, de percentual do Produto Interno Bruto de cada país a

ser investido na promoção do direito ao desenvolvimento. A erradicação da pobreza e a

39

Na opinião de Ricardo Lobo Torres, a igualdade de resultados compõe a ideia de justiça. A sua obtenção

depende do nível de riqueza do país e da reserva da lei. Dworkin, em obra recente (A Virtude Soberana), distingue

entre igualdade de bem-estar e igualdade de recursos; a igualdade de bem-estar se aproxima da ideia de igualdade

de resultados. (A metamorfose dos direitos sociais em mínimo existencial. In: Direitos Fundamentais Sociais:

Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado. Cit., p. 37.) 40

Sobre a relação de interconstitucionalidade federal interna (artigo 25 da Constituição Federal): OLIVEIRA

JUNIOR, Valdir Ferreira de. Constitucionalismo multinível – contribuição para a compreensão da

Interconstitucionalidade no Estado Constitucional. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE). Salvador:

Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 10, 2007, p. 9.

37

expansão das capacidades humanas para participação ativa e solidária no processo de

desenvolvimento são fundamentais na consolidação da sua permanência.

2.5 Âmbito de proteção, conteúdo, restrições e eficácia do direito ao

desenvolvimento

Na concepção de Pieroth e Schlink o âmbito de proteção é aquela fração da vida

protegida por uma garantia fundamental41

. Quanto mais amplo for o âmbito de proteção do

direito ao desenvolvimento, maior o número de atos possíveis de qualificação como restrição.

Concebemos o direito fundamental ao desenvolvimento como princípio dotado de

suporte fático amplo (posição prima facie – aplica-se por ponderação) e não como regra

(posição definitiva – aplica-se por subsunção)42

.

Alexy trabalha com a hipótese de que todos os direitos fundamentais possuem a

natureza jurídica de princípio. Nas palavras do professor da Universidade de Kiel: direitos

fundamentais como princípios são mandamentos de otimização. Como mandamentos de

otimização, princípios são normas que ordenam que algo seja realizado, relativamente às

possibilidades fáticas e jurídicas, em medida tão alta quanto possível43

.

Importante esclarecer que também as regras devem ser realizadas de maneira

otimizada44

, principalmente as regras constitucionais em face do princípio da máxima

efetividade. Tal percepção levou Alexy a concluir que a diferença entre regra e princípio é

qualitativa e não de grau45

. Com relação às regras não se processa ponderação: ou elas são

cumpridas ou não. Não ocorre ponderação em sentido técnico-jurídico46

.

41

Nesse sentido: PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Grundrechte – Staatsrechte II. 21. ed. Heidelberg: C. F.

Muller, 2005, p. 53-54. 42

Cfr. ALEXY, Robert. . Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,

2008. P. 117 et seq. 43

ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais, Ponderação e Racionalidade. Revista de Direito Privado. São Paulo:

RT, nº 24, 2005, p. 339. In: Teoria de los derechos fundamentales: el derecho y la justicia. Madrid: CEPC, 2002,

p. 83 et seq, Alexy fará a seguinte distinção: As regras são comandos de definição e os princípios são comandos

de otimização. Os princípios são normas com grau de generalidade relativamente alto, e as regras são normas com

grau de generalidade baixo. 44

Cf.: SILVA NETO, Manoel Jorge. O princípio da máxima efetividade e a Interpretação Constitucional. São

Paulo: LTr, 1999. 45

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales…, p. 87. “(…) las reglas contienen determinaciones en

el ámbito de lo fáctica y jurídicamente posible. Esto significa que la diferencia entre reglas y principios es

cualitativa y no de grado. Toda norma es o bien una regla o un principio. 46

Em sentido contrário: ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios

jurídicos. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 52.

38

Aponta Claus–Wilhelm Canaris que os princípios não devem, fundamentalmente,

ser colocados num quadro de exclusividade. Os princípios ostentam o seu sentido próprio

apenas numa combinação de complementação e restrição recíprocas47

.

Ressalte-se que a ponderação não se confunde com a interpretação. Ensina

Canotilho que:

A actividade interpretativa começa por uma reconstrução e qualificação

dos interesses ou bens conflituantes procurando, em seguida, atribuir

um sentido aos textos normativos a aplicar. Por sua vez, a ponderação

visa elaborar critérios de ordenação para, em face dos dados normativos

e factuais, obter a solução justa para o conflito de bens 48

.

Constituindo a ponderação processo normativa e racionalmente orientado e

conformado pela harmonização ou concordância prática entre os valores constitucionais

fundamentais, a construção da norma de decisão, que se dará sempre no processo de

concretização da norma, deverão ser observados os fatores jurídicos e racionais que orientam a

ponderação.

Nesse ponto nos afastamos da ideia de suporte fático restrito de Friederich Müller

em sua teoria estruturante do direito. Para Müller, restrições pressupõem algo externo ao

direito fundamental, algo que não faz parte do seu conteúdo, ponto de vista que deve ser

rejeitado, já que a interpretação do programa da norma e a definição do âmbito da norma

seriam suficientes para definir, ao mesmo tempo, o conteúdo e os limites de cada direito

fundamental. A tese de Müller é, portanto, incompatível com a ideia de ponderação49

.

O amplo espaço de regulação ou de conformação (Regelung oder Ausgestaltung)

do direito ao desenvolvimento em nível interconstitucional, principalmente através de políticas

públicas, ausente reserva legal expressa, explicitando a possibilidade de intervenção legislativa

limitadora do desenvolvimento, faz surgir perigos decorrentes dos abusos e omissões capazes

de intervir no âmbito de proteção desse direito fundamental. Dessa forma apenas a colisão de

direitos fundamentais, comunitários e humanos com o direito ao desenvolvimento ou outros

47

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. 3. ed.,

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 92-93. 48

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional... Cit., p. 1221. 49

Nesse sentido SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais. Cit. p.87. Müller define programa da

norma como resultado do tratamento de todos os dados linguísticos do texto normativo; já o âmbito da norma

seria a porção da realidade social em sua estrutura básica, a qual o programa da norma autoriza definir a partir do

domínio geral de regulamentação (Juristische Methodik, p. 142).

39

valores jurídicos de hierarquia interconstitucional pode, excepcionalmente estabelecer

restrições, sempre num processo de ponderação normativa e concretamente orientado.

O caráter dinâmico e pendular do desenvolvimento aponta como uma de suas

garantias contra intervenções estatais excessivas a intangibilidade do seu conteúdo essencial. A

consolidação do regime interconstitucional do desenvolvimento expressa, a partir das suas

mais variadas funções, caráter multidimensional, com similar orientação axio-deontológica,

fundamentada na dignidade humana50

.

Em sentido diverso, porém muito próximo às nossas ideias, Duguit já afirmara:

“todo individuo tem a obrigação de cumprir na sociedade certa função em razão direta do lugar

que ocupa. O possuidor da riqueza pode realizar trabalho, que em função dessa riqueza, só ele

pode realizar. Só ele pode aumentar a riqueza geral fazendo valer o capital que possui. Está

socialmente obrigado a realizar essa tarefa”. A propriedade não é o direito subjetivo do

proprietário; é a função social do possuidor da riqueza. O Direito positivo não protege o

pretendido direito subjetivo do proprietário; mas garante a liberdade do possuidor da riqueza

para cumprir a função social que lhe incumbe pelo fato mesmo dessa posse, podendo-se dizer

que a propriedade se socializa51

.

O princípio da solidariedade oferece o fundamento às diversas funções, decorrentes

do exercício do direito-dever de propriedade, expressas nos artigos da Constituição Federal: 3º,

IV (função social trabalhista) 5º, XXII (função individual), XXIII (função social fundamental),

XXV (função garantística); 170, II (função principiológica da ordem econômica); 182, §2º

(função social urbanística); 186 (função social rural); 185, I (função de intangibilidade – com

fundamento no mínimo existencial); 185, II (função de intangibilidade – com fundamento no

desenvolvimento e dever de progresso); 216, I ao V, §1º (função cultural: artística, paisagística,

urbanística, histórica, arqueológica, paleontológica e científica); 225 (função ambiental).

O direito fundamental ao desenvolvimento decorre do objetivo fundamental

estabelecido no art. 3º, II da CRFB, tornando o dispositivo constitucional multifuncional.

Cumpre dupla função sistêmica: é direito fundamental transindividual (com todas as

consequências possíveis e decorrentes da inserção dos direitos fundamentais numa teoria

50

Para uma visão mais ampla dos diversos desdobramentos do princípio da dignidade da pessoa humana:

SOARES, Ricardo Maurício Freire. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo:

Saraiva, 2010. BARCELLLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da

dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. 51

DUGUIT, León. Las Transformaciones del Derecho (Público y Privado). Buenos Aires: Editorial Heliasta, 1975,

p. 240.

40

integral de proteção) e também é política pública fundamental (parâmetro de controle para

todas as políticas públicas de promoção do desenvolvimento).

Dirley da Cunha Junior, ao tratar dos direitos de terceira dimensão, que ele também

denomina direitos de solidariedade, ensina que tais direitos encerram poderes de titularidade

coletiva ou difusa atribuídos genericamente a todas as formações sociais – consagram o

princípio da solidariedade ou fraternidade e correspondem a momento de extrema importância

no processo de desenvolvimento e afirmação dos direitos fundamentais, notabilizados pelo

estigma de sua irrecusável inexauribilidade52

.

Manoel Jorge e Silva Neto irá inserir o direito ao desenvolvimento na categoria dos

interesses transindividuais, de natureza difusa, integrante da terceira geração de direitos

fundamentais e pensará a quarta geração fundamentada na busca da isonomia substancial

(direitos das minorias). Em suas palavras:

Embora tenham sido os direitos de caráter prestacional aqueles que, de

forma pioneira, exigiram que o Estado se afastasse do laisser-faire

laisser-passer, a própria natureza dos direitos fundamentais de terceira

e quarta gerações impôs a persistência de modelo de sociedade política

igualmente comprometida com a efetivação dos direitos da coletividade

(direitos ou interesses difusos – terceira geração) e com a busca da

isonomia substancia (direitos das minorias- quarta geração). Se é assim,

torna-se evidente que o abstencionismo estatal se põe em rota de

colisão com a concretização dos direitos fundamentais atuais53

.

Há um conteúdo essencial em todo direito fundamental cuja garantia torna incompatível à

constituição qualquer limite que invada o referido conteúdo54

. Nesse mesmo sentido preceitua a

Constituição alemã: Art. 19, § 2º, da Constituição de Bonn: “Em nenhum caso pode um direito

fundamental ser violado em seu conteúdo essencial” (“In keinem Falle darf ein Grundrecht in

seinem Wesensgehalt angetastet werden”).

A Constituição portuguesa também estabeleceu seu marco constitucional de

proteção ao conteúdo essencial no art. 18, § 3º: “As leis restritivas de direitos, liberdades e

garantias têm de revestir caráter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo nem diminuir

a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”.

52

CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2014, p.

483 53

SILVA NETO, Manoel Jorge. Curso de Direito Constitucional. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 672-673. 54

SILVA NETO, Manoel Jorge. Op. Cit. p. 675.

41

O conteúdo essencial do direito fundamental transindividual ao desenvolvimento é

formado por uma projeção mínima de progresso existencial e vedação do retrocesso social.

Portanto, mantidas as conquistas sociais civilizatórias já alcançadas, deve o Estado intervir na

sociedade para melhoria dos padrões existenciais.

Mantidos os programas normativos interconstitucionais (enunciados linguísticos)

que integram o regime do desenvolvimento, eventuais mudanças no âmbito normativo

(realidade social) em situações críticas, são capazes de provocar retrocessos sociais. Nesse

ponto, a vedação do retrocesso provoca o dever estatal de planejar a retomada do progresso,

incluindo os direitos fundamentais de forma global e indivisível num processo inicial de

momentânea limitação recíproca, para, a seguir reestabelecer seu momento eficacial anterior à

crise. De igual modo, os saltos qualitativos de progresso e crescimento econômico, devem

provocar expansão e celeridade no cumprimento das metas de desenvolvimento, especialmente

nas áreas mais críticas ligadas à erradicação da pobreza, mortalidade infantil e combate às

endemias.

O mínimo existencial (existenzminimum) se confunde com o conteúdo essencial de

do direito fundamental ao desenvolvimento55

possuindo intangibilidade em face da reserva do

possível. A reserva do possível é aplicável apenas ao médio e máximo existencial, sempre

aferível no caso concreto envolvendo processo de ponderação, portanto, sua aplicabilidade fica

restrita ao âmbito de eficácia transcendente ao mínimo existencial.

No caso do Brasil, em que surgem políticas públicas como “O Brasil sem miséria”,

no momento em que a UNESCO em seu relatório sobre o desenvolvimento humano (Human

Development Report 1994. New York: United Nations Development Programme, 1994, p. 19)

apontou que: “Nas sociedades pobres o que está em risco não é a qualidade de vida — mas a

própria vida”, presentes os direitos fundamentais transindividuais ao desenvolvimento à

erradicação da pobreza (art. 3º, CRFB), é impensável relativização do núcleo essencial dos

55

Nesse sentido: PIEROTH/SCHLINK (Grundrechte Staatsrecht II. Heidelberg: C. F. Müller, 1999, p. 65)

afirmam que ”o conceito de limites dos limites (Schranken-Scranken) indica as restrições para o legislador quando

ele restringe o exercício dos direitos fundamentais” e nele incluem: - a reserva parlamentar; - o princípio da

proporcionalidade (proibição de excesso – Übermassverbot); - a garantia do conteúdo essencial (art. 19, § 2º, da

Lei Fundamental); - a proibição de leis casuísticas (art. 19, § 1º, alínea 1); - o dever estatal de clareza e plena

determinação do suporte fático e da consequência jurídica (princípio da determinação – Bestimmtheitsgrundsatz).

No mesmo sentido: Robert Alexy, Martin Borowski, Peter Häberle, G. Leisner (tais autores, mesmo divergindo em

pontos específicos, sobre o aspecto das restrições a partir das teorias interna e externa dos direitos fundamentais,

consideram intangível o núcleo essencial ou mínimo existencial. Existe doutrina que distingue conteúdo essencial

(presente em todos os direitos fundamentais) do mínimo existencial (ligados apenas às condições de existência e

sobrevivência do ser humano).

42

direitos fundamentais em face, tanto da reserva de orçamento, quanto da reserva do

economicamente possível.

A expressão “reserva do possível” (Vorbehalt des Möglichen) surgiu na decisão do

Tribunal Constitucional alemão (Bundesverfassungsgericht) envolvendo a possibilidade de o

Judiciário criar vagas na Faculdade de Medicina para estudantes habilitados no vestibular, mas

não classificados56

. Tal expressão foi adotada pela doutrina germânica57

e tem sido utilizada em

Portugal58

.

Todos os direitos sociais são fundamentais, que dependem de conjunturas

econômicas, jurídicas, políticas, sociais e culturais propícias à sua máxima efetividade. O fato

de existir retrocesso no plano ontológico (crises econômicas) não implica necessariamente a

diminuição de sua potencialidade normativa (em termos deontológicos e de proteção do seu

conteúdo essencial). A vedação do retrocesso social demanda análise complexa de ponderação

de interesses em ambiente pluralista de alternativas (realidade-necessidade-possibilidade),

jamais a retirada da sua fundamentalidade formal ou material.

J. Isensee afirma que as prestações sociais dependem da “soberania orçamentária

do legislador” (Haushaltssouveranität des Gesetzgebers), observa que a proteção dos direitos

sociais depende da conjuntura econômica (Wirtschaftkonjunktur) e que as “normas

constitucionais não afastam as crises econômicas (Verfassungsnormen banen nicht

56

Cf. BVerfGE 33: 303-333: Decisão (Urteil) do Primeiro Senado de 18 de julho de 1972:“Os direitos a

prestações (Teilhaberecht) ... não são determinados previamente, mas sujeitos à reserva do possível (Vorberhalt

des Möglichen), no sentido de que a sociedade deve fixar a razoabilidade da pretensão. Em primeiro linha

compete ao legislador julgar, pela sua própria responsabilidade, sobre a importância das diversas pretensões da

comunidade, para incluí-las no Orçamento, resguardando o equilíbrio financeiro geral ... Por outro lado, um tal

mandamento constitucional não obriga, contudo, a prover a cada candidato, em qualquer momento, a vaga do

ensino superior por ele desejada, tornando, desse modo, os dispendiosos investimentos na área do ensino superior

dependentes exclusivamente da demanda individual frequentemente flutuante e influenciável por variados fatores.

Isso levaria a um entendimento errôneo da liberdade, junto ao qual teria sido ignorado que a liberdade pessoal, em

longo prazo, não pode ser realizada alijada da capacidade funcional e do balanceamento do todo, e que o

pensamento das pretensões subjetivas ilimitadas às custas da coletividade é incompatível com a ideia do Estado

Social... Fazer com que os recursos públicos só limitadamente disponíveis beneficiem apenas uma parte

privilegiada da população, preterindo-se outros importantes interesses da coletividade, afrontaria justamente o

mandamento de justiça social, que é concretizado no princípio da igualdade”. In: SCHWABE, Jürgen (Org.).

Cinquenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Tradução de Beatriz Hennig e

outros. Montevideo: Fundação Konrad Adenauer, 2005, p. 658/667. Mesmo sentido: TORRES, Cit, p. 15. 57

ISENSEE, J. “Verfassung ohne soziale Grundrecht”. Der Staat 19: 372, 1980; BADURA, Peter. “Das Prinzip

der sozialen Grundrechte und seine Verwirklichung im Recht der Bundesrepublik Deutschland”. Der Staat 14: 36,

1975. Nesse sentido, com vasto referencial teórico no direito alemão: TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao

mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. 58

ANDRADE, J. C. Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra:

Almedina, 1983, p. 201.

43

Wirtschaftskrisen)59

. Conforme aponta Ricardo Lobo Torres, a reserva do possível não é

princípio jurídico, nem limite dos limites, mas conceito heurístico aplicável aos direitos sociais

que não seriam, em sua opinião, fundamentais60

, tese com a qual não concordamos.

Tais observações, no entanto ficam restritas ao âmbito de proteção dos direitos

fundamentais sociais em sua média e máxima efetividade, tratando-se de mínimo existencial, a

sua proteção antecede a própria elaboração do orçamento público. Flexibiliza o próprio

orçamento em face de futuras demandas para proteção do núcleo essencial dos direitos

fundamentais.

A consequente intervenção judicial no orçamento é sempre aferível concretamente

em face das necessidades existenciais individuais e coletivas (a exemplo do contingenciamento

de recursos referentes à realização de festas populares para enfrentamento de epidemias,

combate à seca e desastres naturais), jamais ponderável em abstrato, afinal, o orçamento

público integra a ordem material fundamental de proteção intergral dos direitos, constitui sua

base econômica tecnicamente planejada para suprir as necessidades individuais e

transindividuais.

Assim, o direito fundamental social à educação poderia sofrer retrocesso em face

de efeitos climáticos, epidemias e até mesmo crises econômicas. Mas, seu reestabelecimento

progressivo, por tratar-se de direito social fundamental, demanda atitude estatal cooperativa e

pluralista para proteção do seu conteúdo essencial e dever de progresso existencial decorrente

do direito fundamental ao desenvolvimento.

Decorre naturalmente do direito ao desenvolvimento, inserindo-se em seu âmbito

de proteção, o dever estatal de planejamento e intervenção em crises de retrocesso social. Os

retrocessos são sucedidos por deveres de retomada do progresso, num ritmo ponderável com o

dever global e indivisível de proteção dos direitos fundamentais e respectivos núcleos

essenciais.

59

ISENSEE, J. “Verfassung ohne soziale Grundrechte”, cit., p. 372 e 381. 60

Cfr. TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial como conteúdo essencial dos direitos fundamentais. (texto

cedido pelo autor ao programa de mestrado/doutorado da Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Rio de

Janeiro: UERJ, 2008, p. 15.

44

3 JURISDIÇÃO INTERCONSTITUCIONAL E DESENVOLVIMENTO

A concretização dos direitos fundamentais, comunitários e humanos,

principalmente nos países em que tais direitos são constitucionalizados em virtude de sua

carência no plano fático, deve passar por critérios diferenciados de ponderação e concretização,

oferecendo novos contornos para definição do que se entende por norma constitucional,

analisando-a sob o prisma do pensamento possibilista filosófico kantiano (realidade-

necessidade-possibilidade)61

e normativo-estruturante62

(diferenciando texto de norma) para se

chegar à construção de um sistema constitucionalmente adequado de jurisdição

interconstitucional63

, capaz de oferecer integral proteção ao desenvolvimento.

No momento de superação da dogmática positivista pelo pós-positivismo e da

inserção da dignidade humana como qualificativo central do sistema de proteção do direito ao

desenvolvimento, surgem novos mecanismos para que o Poder Judiciário possa exercer seu

papel ativo na definição do conteúdo, restrições, eficácia, necessidade e possibilidade dos

direitos fundamentais, comunitários e humanos. Trata-se de expansão da jurisdição

(inter)constitucional numa estrutura dialógica de concretização desses direitos como marco

essencial do neoconstitucionalismo e da teoria integral de proteção.

A teoria integral de proteção une as diversas perspectivas (internacional,

constitucional e comunitária) do direito ao desenvolvimento num sistema interconstitucional

expandido de três níveis, sem hierarquia deontológica. Absorve as diversas possibilidades

oferecidas no plano multinível em pontes de transição intercultural no ambiente hermenêutico

diatópico, com participação popular em redes de cibercidadania, tendo a solidariedade e o

pluralismo como marcos teóricos.

61

O pensamento possibilista filosófico kantiano foi desenvolvido por Peter Häberle em sua obra Pluralismo y

Constitución: estudios de teoría constitucional de la sociedad abierta. Trad. Emilio Mikunda. Madrid: Tecnos,

2002, p. 62 et seq. O texto é tradução da versão revisada pelo autor em 2000 do seguinte texto original: Die

Verfassung dês Pluralismus. Studien zur Verfassungstheorie der offenen Gesellschaft, Athenäum TB-

Rechtswissenschaft, Könistein/Ts, 1980. 62

Nesse sentido: MÜLLER, Friedrich. Teoria Estruturante do Direito. 3. ed. Tradução de Peter Naumann e

Eurides Avance de Souza. São Paulo: RT, 2011. 63

A ideia de interconstitucionalidade foi inicialmente desenvolvida por Francisco Lucas Pires, Introdução ao

Direito Constitucional Europeu, Coimbra, 1998. Expressão também utilizada por Gomes Canotilho em seu

Direito Constitucional e teoria da Constituição. p. 1407, e na sua nova obra: “Brancosos” e

Interconstitucionalidade – Itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional. Coimbra: Almedina,

2006.

45

O sistema constitucional e interconstitucional de garantias e concretização dos

direitos fundamentais e humanos, enquanto criação humana, jamais poderia divergir da

natureza do seu criador: falível e em constante mutação, em busca de respostas mais eficazes

para proteção dos mais diversos interesses. Saúde, lazer, moradia, liberdade, democracia,

dignidade, educação, alimento, família, segurança, propriedade-função social, trabalho, vida,

igualdade, paz, meio ambiente sadio e sustentável e os demais bens jurídicos fundamentais,

constituem, de maneira interdependente, o núcleo de necessidades básicas existenciais de

qualquer ser humano. A maximização dos seus efeitos se revela como projeto de vida dos

integrantes das mais diversas culturas e diferentes sistemas jurídicos contemporâneos.

3.1 Diálogo interconstitucional, interconstitucionalidade e jurisdição

interconstitucional

A jurisdição interconstitucional busca estabelecer o diálogo intersistêmico de

proteção dos direitos humanos, comunitários e fundamentais em diferentes realidades culturais,

econômicas, políticas e sociais, porém não tão distintas do ponto de vista jurídico-normativo,

pois, as diversas ordens jurídicas dos Estados Constitucionais contemporâneos compartilham

princípios fundamentais comuns a exemplo do democrático, republicano, da dignidade humana

e os mais diversos direitos fundamentais, além de unirem-se cooperativa e solidariamente na

proteção internacional e comunitária dos direitos humanos. Passam assim, a estruturar o centro

do seu sistema jurídico a partir de suas soberanas escolhas constitucionais (direitos

fundamentais), comunitárias (direitos comunitários) e internacionais (direitos humanos) com

forte interferência nas múltiplas tradições jurídicas.

Há que se questionar a própria efetividade dos parâmetros constitucionais e

internacionais estabelecidos para tutela dos direitos fundamentais, comunitários e humanos

através, respectivamente, das jurisdições interna, comunitária e internacional, propiciando

tutela adequada às necessidades humanas, com o objetivo de conferir maior proximidade entre

46

texto constitucional, constituição supranacional comunitária, tratados de direitos humanos e

contexto social e assim criar o que Canotilho chama de identidade reflexiva64

.

O modelo de jurisdição interconstitucional proposto estabelece o diálogo

necessário aos sistemas interno, comunitário e internacional de proteção, adequando soluções

locais ao contexto amplo de significação dos direitos humanos em nível internacional, sem,

contudo, fechar aos debates internacionais a (re)significação dos direitos humanos partindo do

seu contexto de aplicação em realidades locais.

É com a autodescrição65

das identidades nacionais que as várias constituições dos

variados países reentram em formas organizativas superiores, com vistas à manutenção do

valor e função das constituições dos Estados66

. O fenômeno da interconstitucionalidade

pressupõe o fenômeno da interculturalidade constitucional67

.

A intercultura realça a ideia fundamental de partilha de cultura, de ideias ou

formas de encarar o mundo e os outros, rejeita a impossibilidade lógica de um

transculturalismo68

, sem, contudo, afastar a aplicação das variadas possibilidades oferecidas

pelo transconstitucionalismo69

, que adota modelo de diálogo transversal permanente entre

ordens jurídica em torno de problemas constitucionais comuns.

A teoria da interconstitucionalidade70

estuda as relações entre as diversas

constituições dentro do mesmo espaço político, a convergência, concorrência, justaposição e

conflitos de várias constituições e de vários poderes constituintes nesse mesmo espaço.

64

A identidade reflexiva, termo que Canotilho vai buscar em Luhman (Selbstreflexion dês Rechtssystems, in

Rechtstheorie, 1979, p. 159 et seq), se garante no momento em que se dota a constituição da capacidade de

prestação em face da sociedade e dos cidadãos. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da

Constituição. 5. ed., Coimbra: Almedina, 2002. 65

Produção de texto com o qual e através do qual determinada organização se identifica com si própria (sentido

luhmanniano). 66

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. p. 1408. 67

Op. Cit. p. 1409. 68

Não existem valores transculturais, pela simples razão de que um valor existe como tal apenas em um dado

contexto cultural. Cf. R. Panikkar, Aporias in the Comparative Philosophy of Religion, Man in World, XIII, 3-4

(1980), 357-383. Assim, Panikkar estabelecerá uma crítica intercultural, pela possibilidade de existência de

valores interculturais em seu texto: Seria a noção de direitos humanos um conceito ocidental? In: Direitos

Humanos na Sociedade Cosmopolita. Org. César Augusto Baldi. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 221. 69

Cf. NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. Marcelo Neves recorre ao

conceito de “razão transversal” de Wolfgang Welsh em: Vernunft: Die zeitgenössische Vernunftkritik und das

Konzept der transversalen Vernunft. 2. Aufl. Frankfurt: Suhrkamp, 1996. 70

Interconstitucionalidade não é o mesmo que direito comparado, pois servem a finalidades diversas, apesar de

empregarem métodos similares. Enquanto no primeiro existe uma vinculação necessária entre as constituições, no

segundo uma determinada constituição serve de paradigma dogmático para estudo e aprofundamento de questões

jurídicas sem uma necessária vinculação. A interconstitucionalidade é fenômeno constitucional. O direito

47

Nosso objetivo é expandir o fenômeno da interconstitucionalidade (atualmente

situado entre constituições internas dos países e a constituição supranacional comunitária

desses mesmos países que formam a União Supranacional no exemplo paradigmático da União

Europeia) para o espaço internacional, dialogando cooperativamente com as convenções

internacionais de direitos humanos.

Os direitos humanos não deixam de integrar a ordem constitucional e comunitária;

primeiro, por coincidir em diversos aspectos com o núcleo de proteção dos direitos

fundamentais e comunitários; segundo, por existir nos principais Estados Constitucionais

contemporâneos norma constitucional e comunitária que recepciona ou incorpora material e

formalmente as convenções de direitos humanos ao seu sistema interno e regional de proteção,

sempre de forma dialógica e cooperativa, sem introduzir o elemento hierárquico71

.

A interconstitucionalidade é fenômeno apontado em mandamento constitucional

finalístico (política pública72

ou norma programática73

) de caráter fundamental: art. 4º,

parágrafo único da Constituição Federal: A República Federativa do Brasil buscará a

integração econômica, política, social e cultural dos povos da América latina, visando à

formação de uma comunidade latino-americana de nações.

As consequências e expansão da interconstitucionalidade no domínio federativo

(art. 25 da CRFB) que denominaremos interconstitucionalidade federal interna e

interconstitucionalidade federal externa serão analisadas no item 3.8.

comparado é método de estudo importantíssimo para identificação das famílias de Direito e os diversos sistemas

jurídicos. (nota do autor). 71

O elemento hierárquico na estrutura interconstitucional de proteção diminui o diálogo intercultural e

cooperativo entre direitos humanos, fundamentais e comunitários. Daí a incorreção e inutilidade do debate sobre o

status supraconstitucional, constitucional, infraconstitucional e supralegal, infraconstitucional, legal ou infralegal.

Os direitos humanos, fundamentais e comunitários possuem o mesmo e único status: interconstitucional, ou seja,

situam-se dialogicamente no contexto de unidade intercambiável, orientado axiologicamente pelo necessário e

presente pluralismo jurídico e cultural dos povos contemporâneos. 72

Em Ronald Dworkin, Levando os direitos a sério, publicado em 2002 pela editora Martins Fontes, a “política

pública” é espécie do gênero norma jurídica. Tal circunstância fora anteriormente percebida por Karl Loewenstein

em Political Power and the Governmental Process publicado em 1957 pela University of Chicago Press, onde

ressalta a substituição da lei pela política pública, mantendo-se a mesma separação entre a declaração, a execução

e o controle. A teoria jurídica de Ronald Dworkin encontra-se sistematizada em sua obra O Império do Direito. 73

Na perspicaz observação de Paulo Roberto Lyrio Pimenta, em Eficácia e aplicabilidade das normas

constitucionais programáticas, São Paulo: Max Limonad, 2009, p. 138: “tais programas além de obrigarem os

órgãos estatais, determinam o modo e as diretrizes através das quais o legislador ordinário deve legislar,

observando certos princípios”, com base nessa ideia inserimos o constituinte supranacional vinculado às diretrizes

constitucionais internacionais programáticas a exemplo do art. 4º, parágrafo único da Constituição Federal. Sobre

o tema ver importante trabalho de Vezio Crisafulli: Le norme “programmatiche” della costituzione. In: Stato,

popolo, governo – ilusioni e desilusioni costituzionale. Milano: Giufrè, 1985.

48

A construção em progresso do modelo supranacional de União Sul-americana

(UNASUL) implicará na futura formação da Constituição Comunitária para os povos da

América Latina em harmonia com os modelos constitucionais nacionais favorecendo o

constitucionalismo comunitário e intercultural.

Porém, a interconstitucionalidade aqui defendida já é possibilitada através dos

diversos sistemas constitucionais sul-americanos e do seu sistema internacional de proteção

dos direitos humanos.

Uma constituição supranacional para os povos latino-americanos apenas reforçaria

o diálogo interconstitucional em nível comunitário. Esse diálogo será fortalecido pala

identidade cultural e jurídica estabelecidas no sistema interamericano de proteção dos direitos

humanos, que impacta a ordem interna dos diversos países latino-americanos através do

exercício da jurisdição interconstitucional de defesa desses direitos em caso de conflito com as

leis nacionais e demais atos infraconstitucionais.

Nessa perspectiva nos esclarece Saulo Casali que desde o início, segue o Mercosul

um modelo de integração pouco arrojado. Nas suas exatas palavras “ao invés de seguir o

modelo supranacional (exemplo europeu atual), preferiu seguir o modelo interestatal”74

.

Já existe verdadeiramente uma jurisdição interconstitucional dos direitos humanos

e fundamentais, o aprimoramento do exercício dessa jurisdição na via tanto concentrada quanto

difusa e o cabimento de eventual recurso para Tribunais Internacionais, criando precedentes

para as ordens jurídicas locais, constitui paradigma constitucional e internacionalmente

adequado de conexão entre os diversos sistemas jurídicos contemporâneos. Esse diálogo

ocorrerá necessariamente em bases constitucionais solidaristas75

e internacionais

cooperativas76

.

O Human Rights Act de 1998, a nova carta de direitos fundamentais do Reino

Unido, é o maior exemplo de contribuição para o convívio interconstitucional, onde aquele

74

BAHIA, Saulo José Casali. O Mercosul e seus projetos institucionais. In:BAHIA, Saulo José Casali

(Coordenador). A efetividade dos direitos fundamentais no Mercosul e na União Europeia. Salvador: Paginae

editora, 2010, p. 531. Outra importante observação faz Saulo Casali: O fato da institucionalização do Mercosul

haver ocorrido apenas no plano intergovernamental e não supranacional faz do Mercosul um ente de existência

meramente diplomática. Inexiste controle político direto (deputados Mercosulinos eleitos diretamente, faltando no

processo, por completo, a participação da sociedade civil (Op. Cit. p. 537). 75

Sobre o pensamento solidarista ver nosso: O Estado Constitucional Solidarista: estratégias para sua efetivação

In: Tratado de direito constitucional. Tomo I. 2. ed. Coordenadores: Gilmar Ferreira Mendes; Ives Gandra da

Silva Martins e Carlos Valder do Nascimento. São Paulo: Saraiva, 2012. 76

Cfr. Peter Häberle. Estado Constitucional Cooperativo. Trad. Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio

de Janeiro: Renovar, 2007.

49

país, tradicionalmente dotado de constituição flexível, começa a permitir a existência de

declaração de incompatibilidade entre as leis e a carta de direitos fundamentais, criando nova

espécie de supremacia constitucional através da declaração de incompatibilidade de lei em face

dos direitos previstos no Human Rights Act (ressalte-se que tal declaração não acarreta a

nulidade da lei).

A Corte Constitucional do Reino Unido, criada em outubro de 2008, revela ao

Parlamento a contrariedade da lei aos direitos humanos, cabendo ao Parlamento revogá-la ou

modificá-la77

.

Atualmente, já se pode falar em exercício de jurisdição constitucional no Reino

Unido através do controle de incompatibilidade. A centralidade dos direitos humanos,

enquanto característica do neoconstitucionalismo, relativiza o princípio que perdurou por mais

de trezentos anos no sistema britânico: o princípio da supremacia do parlamento. Tal realidade

demonstra a importância dos direitos humanos, comunitários e fundamentais no novo

constitucionalismo global e multinível.

Também a Nova Zelândia acompanhou o novo paradigma constitucional de

centralidade dos direitos fundamentais ao estabelecer seu Human Rights Amendment Act em

2001. A flexibilidade constitucional (ausência de hierarquia entre norma constitucional e leis

ordinárias) tem sido superada através da supralegalidade78

ou análise de incompatibilidade das

leis em face dos direitos fundamentais nos países de constituição flexível.

Tal fenômeno ocorre de forma diversa em nosso sistema: a supralegalidade dos

direitos humanos incorporados por decreto legislativo simples insere novo mecanismo para o

exercício da jurisdição constitucional: possibilidade de declaração de incompatibilidade da lei

em face dos Tratados de Direitos Humanos, que não difere substancialmente do controle de

constitucionalidade das leis e dos atos do poder público, mas apresenta critérios diferenciados

de aplicação e recursos interpostos perante Tribunais Internacionais.

77

Nesse sentido: BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva,

2009, p. 14. 78

A tese da supralegalidade dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos prevaleceu no Supremo Tribunal

Federal no RE 466343/SP. Para a compreensão das diversas correntes doutrinárias sobre a posição desses tratados

no ordenamento jurídico, verificar o voto vencedor do Ministro Gilmar Ferreira Mendes. Prevaleceu a tese da

infraconstitucionalidade (estão abaixo da Constituição) e supralegalidade (estão acima das leis) dos Tratados

Internacionais de Direitos Humanos (nos termos do art. 5º, §2º da CRFB). Quanto aos Tratados Internacionais de

Direitos Humanos incorporados nos termos do art. 5º, § 3º da CRFB, este possuem status constitucional (ex:

Tratado Internacional de Proteção à Pessoa Deficiente) e passam a integrar norma constitucional fora do texto

constitucional formal-codificado.

50

Possuindo, tanto os direitos humanos quanto os direitos fundamentais e

comunitários, natureza principiológica, o seu desdobramento, detalhamento e concretização em

nível infraconstitucional ocorre, muitas vezes, através de normas de natureza finalística

(políticas públicas) que passam por controle judicial de imposição de existência (diante da

omissão do poder público em criá-las legislativamente ou executá-las adequadamente pela via

administrativa); dever de progresso (diante da estagnação do poder público); vedação do

retrocesso (diante da contração do poder público); dever de proteção do núcleo essencial

(diante das reservas impostas ao mínimo existencial pelo poder público em busca de

maximização permanente dos efeitos existenciais, impedindo política “eleitoreira” de eternizar

a miséria através de equivocada aplicação da teoria do mínimo existencial, convertendo o

mínimo existencial e o máximo potencial na ideia de progresso existencial); princípio da

diferença79

(diante da violação dos interesses das minorias excluídas das conquistas

civilizatórias).

O progresso existencial pressupõe a dimensão jurídica concretizável da dignidade

da pessoa humana como valor expansível para as demais normas do ordenamento e da própria

constituição naquilo que Ricardo Maurício Freire Soares identifica como marco axiológico

fundamental e valor-fonte de todos os demais valores jurídicos, convertendo-se em verdadeira

fórmula de justiça substancial 80

.

O exercício dialógico e intersistêmico da jurisdição interconstitucional será

fundamentada e explicitada nos tópicos seguintes, por consolidar numa única jurisdição o

marco normativo constitucional, comunitário e internacional que estabelece a proteção integral

do direito fundamental transindividual ao desenvolvimento.

79

No que se refere especificamente ao princípio da diferença, é preciso corrigir o equívoco ainda presente em

nossas Instituições que é o fato de não estarem, com raras exceções, a serviço das camadas sociais menos

favorecidas. Realizando o que Rawls denomina princípio de igualdade de oportunidades equitativas, reforçado por

um princípio de redistribuição ou princípio de diferença, segundo o qual as únicas desigualdades aceitáveis são

aquelas que beneficiam aos mais desfavorecidos (RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. 4. ed. São Paulo:

Martins Fontes, 2002, §§ 11-13 e 46.) 80

SOARES, Ricardo Maurício Freire. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.São Paulo:

Saraiva, 2010, p.131.

51

3.2 Neoconstitucionalismo como marco teórico da jurisdição

interconstitucional

No aspecto pragmático, a primeira jurisprudência (verdadeiro marco do

neoconstitucionalismo) que apresenta a concepção de Constituição como ordem de valores ou

ordem objetiva axiológica, que conforma a vida social e demanda sua aplicação em todos os

âmbitos do Direito, vem do Tribunal Constitucional Federal alemão, através da sentença Luth

(BVerfGE 7, 198 – Luth) de 1958, onde se estabelecem os conceitos centrais de valor,

ordenamento valorativo, hierarquia valorativa e sistema de valores, em que se apoiará

posteriormente o Tribunal Constitucional em numerosas decisões81

.

Sob o aspecto teórico, segundo Susanna Pozzolo82

, o neoconstitucionalismo

caracteriza-se, dentre outro fatores, pelo reconhecimento da força normativa à Constituição,

passa por distinção qualitativa e forte entre regras e princípios83

, ressaltando a expressão

valorativa dos princípios. Afirma a precedência e pertinência da moral no contexto jurídico84

.

Na perspectiva neoconstitucionalista, o jurisdição interconstitucional exerce papel

(cri)ativo85

. Não existem questões insuscetíveis de apreciação judicial, principalmente em face

da constitucionalidade (art. 5º, §3º da Constituição Federal) e da supralegalidade (art. 5º, § 2º

da Constituição Federal) dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, com ressalva do

nosso entendimento sobre a idêntica hierarquia deontológica86

entre direitos humanos,

fundamentais e comunitários.

81

Nesse sentido: CRUZ, Luis M. La constitución como orden de valores, problemas jurídicos y políticos: un

estúdio sobre las orígenes del neoconstitucionalismo. Granada: Editorial Comares, 2005, p. 9. O autor cita outras

sentenças de 1952, 1956 e 1957 que perfilavam o entendimento que se consolidou no caso Luth. 82

POZZOLO, Susanna. Neocostituzionalismo e positivismo giuridico. Torino: Giappichelli, 2001. 83

Op. Cit. p. 45 et seq. 84

Ibidem. p. 61, 147, 155 e 159. 85

O papel (cri)ativo dos intérpretes da constituição no neoconstitucionalismo refere-se à criação de novas

possibilidades de efetivar e harmonizar direitos fundamentais em conflito perante a realidade (possibilidades

fáticas – adequação e necessidade; possibilidades jurídicas – proporcionalidade em sentido estrito). Não se

confunde com discricionariedade em sentido forte (fruto do positivismo ainda impregnado na Lei de Introdução às

Normas do Direito Brasileiro), onde na ausência da lei o juiz cria o direito aplicando analogia, costumes e

princípios gerais do direito (como se princípio não fosse lei-norma). No neoconstitucionalismo, a

discricionariedade é aplicada em seu sentido fraco (Ronald Dworkin – Levando os direitos a sério), existe maior

segurança jurídica, pois, o juiz e os demais intérpretes da constituição devem decidir com base nos princípios

estabelecidos normativamente na Constituição e seus respectivos desdobramentos. 86

O mesmo não pode ser afirmado com relação ao plano axiológica (valores), onde a hierarquia axiológica se faz

presente no momento da ponderação entre interesses contrapostos diante de situações concretas de incidência do

plano deontológico (dever ser) no plano ontológico (ser).

52

Guastini, acertadamente, identifica nesse atual momento constitucional a

constitucionalização do ordenamento jurídico87

, conforme tal perspectiva, todas as normas

infraconstitucionais além de se submeter à “filtragem constitucional” são permeáveis aos

valores constitucionais que transcendem o âmbito dogmático de uma disciplina jurídica

específica, não será, portanto, através das garantias constitucionais do contribuinte, apenas para

exemplificar, que será possível afirmar a constitucionalização do direito tributário, mas através

de valores especificamente constitucionais estranhos ao conteúdo dogmático daquela disciplina

como dignidade humana, democracia, cidadania e solidariedade. Aqui se adota a perspectiva de

interconstitucionalização do ordenamento, permeando as diversas disciplinas jurídicas à

proteção integral comunitária, internacional e constitucional oferecida ao desenvolvimento

enquanto direito transindividual.

Ausente o sentimento de pertencimento ao texto constitucional de 1988 por parte

da maioria da população brasileira e em face de cultura constitucional ainda incipiente no

contexto de interpretação e aplicação das normas constitucionais em toda potencialidade

normativa que oferece a teoria integral de proteção dos direitos fundamentais, em destaque os

transindividuais, objeto de maior preocupação nas ordens internacional e comunitária, ainda é

leviana a afirmação de que efetivamente estamos vivendo a (inter)constitucionalização do

ordenamento jurídico. Muitos dos caminhos aqui propostos constituem, num universo plural de

possibilidades hermenêuticas, alternativas possíveis para o futuro alcance da sobredita

interconstitucionalização.

Susanna Pozzolo insere a Corte Constitucional como verdadeiro gestor desse novo

constitucionalismo88

. Tudo passa a ter referencial constitucional – exemplo claro dessa nova

realidade é a interpretação conforme a Constituição. A mudança aqui proposta, impõe

internacionalização através dos direitos humanos, filtrando as decisões internas através das

convenções internacionais de direitos humanos e do sistema de precedentes dos Tribunais

Internacionais, expandindo os valores internacionalmente reconhecidos nessas convenções para

87

A constitucionalização do ordenamento jurídico consiste num “proceso de transformación de un ordenamiento

al término del cual el ordenamiento en cuestión resulta totalmente ‘impregnado’ por las normas constitucionales”

(GUASTINI, Riccardo. La “Constitucionalización” del Ordenamiento Jurídico: el caso italiano. Trad.: José María

Lujambio. In: Neoconstitucionalismo(s). Edición de Miguel Carbonell, Madrid: Editorial Trotta, 2003, p. 49). 88

POZZOLO, Susanna. Neocostituzionalismo e positivismo giuridico. Cit. p. 104.

53

os diversos ramos do direito de forma dialógica, estabelecendo também o diálogo

compreensivo e dúctil89

com as normas constitucionais e comunitárias.

A Carta Magna, através dos seus princípios fundamentais, passa a produzir efeito

irradiante sobre todas as normas infraconstitucionais. Tal percepção é importantíssima para

defesa do efeito irradiante do objetivo fundamental de construção da sociedade solidária sobre

o ordenamento jurídico e reconhecimento do desenvolvimento como valor supremo, direito

fundamental transindividual e objetivo constitucional fundamental.

Aqui se insere também a centralidade dos direitos fundamentais e a importância do

discurso racional90

. Direitos fundamentais que se traduzem em princípios. Discurso racional

que se concretiza e se orienta pelo raciocínio jurídico denominado ponderação91

.

Outro marco teórico importante que percebemos no neoconstitucionalismo é a

relação entre linguagem e interpretação. A linguagem deve ser percebida enquanto ser

(existencial), e não como terceira coisa que se interpõe entre o pesquisador e seu objeto de

estudo, como a percebeu Heidegger e Gadamer. A linguagem é constituinte e possibilitadora da

compreensão, através dela estabelecemos o nosso “ser-no-mundo”. Dirá Witgenstein: os

limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo92

, enquanto Gadamer

afirmará: o ser que pode ser compreendido é linguagem93

.

89

Sobre o caráter dúctil ver ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Ley, derechos, justicia. 7. ed. Madrid:

Editorial Trotta, 2007, p. 14. Essa caráter dúctil permite uma coexistência pluralista entre os diversos valores e

princípios constitucionais, como forma de não renunciar sua unidade e integração. Nesse ponto o autor estabelece

um diálogo com o pensamento pluralista de alternativas ou possibilista de Peter Häberle também citado neste

trabalho. 90

SANCHÍS, Luis Prieto. Neoconstitucionalismo y ponderación judicial. In: Neoconstitucionalismo(s). Edición de

Miguel Carbonell, Madrid: Editorial Trotta, 2003. p. 157: Adverte o autor sobre a necessidade de: “depurada

teoría de la argumentación capaz de garantizar la racionalidad y de suscitar el consenso en torno a las

decisiones judiciales”. 91

Nossa proposta de raciocínio por ponderação passa pelo que denominamos: fatores de ponderação. Propomos a

inserção da razoabilidade no plano jurídico e existência e a proporcionalidade no plano jurídico de validade,

assim, a sanção por violação à razoabilidade é a inexistência, enquanto que a violação à proporcionalidade

acarreta nulidade. Nesse sentido: OLIVEIRA JUNIOR, Valdir Ferreira de. Fatores de ponderação na interpretação

e concretização dos preceitos fundamentais – procedimentos normativo e discursivo. Revista do Programa de

Pós-graduação em Direito – Universidade Federal da Bahia. Salvador: UFBA, Nº 13, 2006. 92

WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratado Lógico-Filosófico e Investigações Filosóficas. Tradução e prefácio: M. S.

Lourenço. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987, proposição 5.6. 93

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I – Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Trad.

Enio Paulo Giachini. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 512. Gadamer parte do postulado, criado por Heidegger, de

que a compreensão já é sempre interpretação. Nesse ponto encontra-se sua divergência com Emilio Betti, para

esse último, a interpretação é o caminho para se chegar à compreensão (BETTI, Emilio. A interpretação da lei e

dos atos jurídicos. São Paulo: Martins Fontes, 2007).

54

A linguagem não serve a uma série de reproduções verbais de fatos. Cada

linguagem expressa determinada forma de vida: a colaboração de indivíduos por compartir

modos de ação estabelecidos por convenções entendidas comumente. O fenômeno

hermenêutico desenvolve aqui a sua própria universalidade à constituição ontológica do

compreendido, na medida em que a determina, num sentido universal, como linguagem, e

determina sua própria referência ao ente como interpretação94

.

Gadamer95

conclui afirmando que não existe nenhuma compreensão totalmente

livre de preconceitos, embora a vontade do nosso conhecimento deva sempre buscar escapar de

todos os nossos preconceitos.

Afinal, quem quiser compreender um texto, realiza sempre um projetar. Tão logo

apareça um primeiro sentido no texto, o intérprete, partindo da sua pré-compreensão, antecipa

um sentido do todo. Naturalmente que o sentido somente se manifesta porque quem lê o texto

lê a partir de determinadas expectativas e na perspectiva de um sentido determinado. A

compreensão do que está posto no texto consiste precisamente na elaboração desse projeto

prévio (pré-compreensão), que, obviamente, tem que ir sendo constantemente revisado com

base no que se dá conforme se avança na penetração do sentido. Nesse projeto de revisão

constante é que Gadamer desenvolverá a sua ideia de círculo hermenêutico96

.

Afirma Engish, na conclusão dos seus estudos em Introdução ao pensamento

jurídico, naquela que seja talvez a lição mais importante de sua obra:

(...) trata-se de superar um puro positivismo legalista e de permitir à voz do

espírito objetivo ressonância no Direito. Mas a dilucidação teorética e a

legitimação destes esforços conduz inegavelmente para além da heurística e

da metódica jurística enquanto tais, conduzem para o domínio do pensamento

filosófico e dos particulares modos de conhecimento. Este domínio tem o

jurista na verdade que o abranger no seu olhar e de o manter presente na sua

visão como pano de fundo das suas reflexões97

.

94

GADAMER, Hans-Georg. Op. Cit., p. 612. 95

Ibidem, p. 631. 96

Ibidem, p. 356. 97

ENGISH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. Trad. J. Batista Machado. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian, 2004, p. 387.

55

O Direito é um dos campos do conhecimento mais próximos da sociedade, sujeito

aos influxos da pluralidade moral da humanidade, refletindo as diferentes necessidades e

valores que a integram e aberto às contribuições das demais ciências sociais, identificando-se

como ciência compreensiva e fundada no ideal de solidariedade.

Os processos formais e informais de mudança da Constituição representam, ou

devem representar os reflexos da constante atualização do texto constitucional, para adaptá-lo

ao contexto social em que é aplicado, principalmente pela centralidade que os direitos

fundamentais ocupam no ordenamento jurídico.

Nessa mesma perspectiva, afirma Canotilho que a identidade da constituição não

significa a continuidade ou permanência do “sempre igual”, pois, num mundo sempre

dinâmico, a abertura à evolução é elemento estabilizador da própria identidade98

.

3.3 Estrutura interconstitucional do direito transindividual ao

desenvolvimento

O direito transindividual ao desenvolvimento é espécie do gênero direito

interconstitucional (possui âmbito de proteção multinível – direito humano, fundamental e

comunitário).

A estrutura interconstitucional dos direitos fundamentais, comunitários e humanos

deriva da convergência de interesses locais, transnacionais e internacionais em sua integral

proteção; legitimamente inseridos nesse sistema interconstitucional por múltiplos fatores

históricos, econômicos, sociais, políticos e culturais, que transcendem a análise do presente

trabalho. Tais direitos representam a necessidade de reconhecimento de cada nação da sua

condição humana em progresso e comunhão com outros povos. É a confirmação de que seu

projeto de vida enquanto sociedade encontra-se integrado com valores que historicamente

foram solidificados nos mais diversos textos e culturas constitucionais contemporâneos,

enquanto expressão de conquistas civilizatórias para o progresso existencial da humanidade.

O caráter estrutural interconstitucional afasta a hierarquia entre direitos humanos,

fundamentais e comunitários, portanto, todos eles devem derivar de manifestação do mesmo

poder constituinte em competente exercício reformador (poder constituinte derivado). Desta

98

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5. ed., Coimbra: Almedina, 2002,

p. 1057.

56

forma, devem ser introduzidos mecanismos formais de incorporação de direitos humanos e

comunitários (os direitos fundamentais já o são) através do processo legislativo próprio das

Emendas Constitucionais nos países que adotarem o modelo de jurisdição interconstitucional.

Qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito fundamental ou humano merece o

mesmo tratamento jurídico-constitucional, é o que se extrai da interpretação da cláusula de

abertura constitucional presente no art. 5ª, § 2º da Constituição, portanto, entendemos como

obrigatória a incorporação dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos obedecendo ao

processo legislativo próprio das Emendas Constitucionais, sendo aqueles Tratados

Internacionais de Direitos Humanos anteriores à Emenda Constitucional 45/2004 (emenda que

inseriu, dentre outros dispositivos, o §3º ao art. 5º), recepcionados com status constitucional,

em consonância com a própria jurisprudência do STF sobre a inexistência de

inconstitucionalidade formal superveniente. Esta seria, em nosso ponto de vista, a interpretação

conforme a constituição do novo dispositivo constitucional (§3º do art. 5º) inserido por

Emenda99

.

Cabe observar que o Supremo Tribunal Federal adota atualmente a tese da

supralegalidade dos direitos humanos incorporados ao sistema jurídico por decreto legislativo

aprovado por maioria simples, enquanto aqueles incorporados pelo processo legislativo da

Emenda Constitucional possuem status constitucional (são material e formalmente decretos

legislativos equivalentes às emendas Constitucionais).

Apesar de defender o status (inter)constitucional de todos os Tratados de Direitos

Humanos atualmente incorporados ao nosso sistema jurídico, divergindo do atual entendimento

do STF sobre a supralegalidade, tal posição não desvirtua, tampouco diminui o papel da

jurisdição interconstitucional, desde que o status supralegal ofereça proteção eficiente e

adequada em face da legislação infraconstitucional e dos demais atos do poder público.

Os problemas de ordem recursal (Recurso Extraordinário) e do direito de ação

(ADI, ADPF, ADC, ADO), principalmente no que se refere ao regime constitucional do

controle de constitucionalidade difuso e concentrado, presente um sistema constitucionalmente

expresso de controle de convencionalidade (art. 5º, § 2º e 102, III da CRFB), necessariamente

levará o Supremo a duas alternativas igualmente adequadas: a) aplicar por simetria as normas

99

Nesse mesmo sentido: Manoel Jorge e Silva Neto defende a tese da recepção com status constitucional, em aula

do programa de pós-graduação do doutorado em direito público da Faculdade de Direito da UFBA, na disciplina

Teoria da Constituição, em janeiro de 2013.

57

do controle difuso e concentrado ao controle de convencionalidade (supralegalidade)

admitindo inclusive Reclamação Constitucional em face dos precedentes dos Tribunais

Internacionais de Direitos Humanos, ou b) modificar sua jurisprudência para adotar a tese aqui

defendida sobre o status (inter)constitucional superveniente dos Tratados Internacionais de

Direitos Humanos em face da Emenda Constitucional 45/2004 (art. 5º, § 3º da Constituição) ou

adotar o status constitucional em interpretação conforme o art. 5º, § 2º, conforme voto vencido

do Min. Celso de Melo, fundamentado em conhecidas e inspiradoras lições de Flávia

Piovesan100

e Cançado Trindade101

.

A alternativa “a” foi adotada no julgamento do Recurso Extraordinário 466.343

onde ficou definida a supralegalidade dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, pois

nesse recurso alagava-se violação a direito humano previsto no Pacto de San José da Costa

Rica102

.

A supralegalidade dos Direitos Humanos em matéria tributária foi discutida no RE

460.320/PR – Rel. Min. Gilmar Mendes (Informativo 638)103

. A cooperação internacional

viabilizaria o combate à dupla tributação internacional enquanto garantia fundamental do

contribuinte e preservação da capacidade contributiva, reforçando o incentivo ao

desenvolvimento nacional.

Nesse contexto, ficou registrado que, tanto quanto possível, o Estado

Constitucional Cooperativo reivindicaria a manutenção da boa-fé e da segurança dos

compromissos internacionais, ainda que diante da legislação infraconstitucional, notadamente

no que se refere ao direito tributário, que envolve garantias fundamentais dos contribuintes e

cujo descumprimento colocaria em risco os benefícios de cooperação cuidadosamente

articulada no cenário internacional. Reputou que a tese da legalidade ordinária, na medida em

que permite às entidades federativas internas do Estado brasileiro o descumprimento unilateral

de acordo internacional, conflitaria com princípios internacionais fixados pela Convenção de

Viena sobre Direito dos Tratados (art. 27). Dessa forma, reiterou que a possibilidade de

100

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 4. ed. São Paulo: Max

Limonad, 2000. Mais especificamente, sobre os impactos do direito comunitário, seu recente trabalho: Proteção

dos direitos sociais: desafios do ius commune sul-americano. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Vol.

77, nº 4, out/dez 2011. Brasília: TST, 2011, p. 102. 101

TRINDADE, A. A. Cançado: A interação entre direito internacional e o direito interno na proteção dos

direitos humanos. Arquivos do Ministério da Justiça, 182, p. 27-54, 1993. 102

Em decisão recente (RE 460320/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 31.08.2011), o STF voltou a debater a questão

da supralegalidade dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. 103

RE 460320/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 31.8.2011

58

afastamento da incidência de normas internacionais tributárias por meio de legislação ordinária

(treaty override), inclusive em sede estadual e municipal, estaria defasada com relação às

exigências de cooperação, boa-fé e estabilidade do atual panorama internacional. Concluiu,

então, que o entendimento de predomínio dos tratados internacionais não vulneraria os

dispositivos tidos por violados. Enfatizou que a República Federativa do Brasil, como sujeito

de direito público externo, não poderia assumir obrigações nem criar normas jurídicas

internacionais à revelia da Constituição. Observou, ainda, que a recepção do art. 98 do CTN

pela ordem constitucional independeria da desatualizada classificação em tratados-contratos e

tratados-leis.

Essa decisão embrionária expõe através dos argumentos construídos pelo Min.

Gilmar Mendes, razões fortes e suficientes para adoção do modelo interconstitucional de

jurisdição, objetivando expandir a proteção constitucional do direito fundamental

transindividual ao desenvolvimento para os âmbitos internacional e comunitário.

3.4. Sistema de precedentes obrigatórios na jurisdição interconstitucional

O sistema de precedentes obrigatórios na jurisdição interconstitucional, estabelece

a harmonização necessária ao convívio interconstitucional de parcelas igualmente legítimas da

soberania estatal: a jurisdição interna, a jurisdição internacional e eventualmente a jurisdição

comunitária. Poderíamos exemplificar com a coincidência entre os âmbitos de proteção,

conteúdo, restrições e eficácia do direito à liberdade de expressão em níveis interno

(constitucional), internacional (convenções de direitos humanos) e comunitário (cartas

comunitárias de direito) formando assim o bloco de interconstitucionalidade104

.

Nesse processo destaca-se a importância da previsibilidade das decisões judiciais.

A “adesão ao precedente deve ser a regra, e não a exceção, supondo-se que os litigantes devam

ter fé na administração imparcial da justiça das cortes”; do contrário, “o trabalho dos juízes

aumentaria quase até a exaustão se toda decisão tomada pudesse ser reaberta em todo caso, e

alguém não pudesse delinear seu próprio caminho na segurança dos caminhos traçados por

outros que vieram antes dele” 105

.

104

Cfr. Nota 08. 105

CARDOZO, Benjamin N. The Nature of judicial process. New Haven: Yale University Press, 1921, p. 34 e

149.

59

Constitui a segurança jurídica verdadeiro direito fundamental marcado por

multifuncionalidade capaz de produzir reflexões que vão desde o conceito constitucionalmente

adequado de direito adquirido, coisa julgada, da estabilidade das relações jurídicas até questões

sobre a proteção de direitos fundamentais, a proibição de retrocesso social, além de sua própria

eficácia e efetividade106

.

A modificação dos precedentes (overruling) e seus efeitos (modulação) no sistema

de precedentes obrigatórios são problematizados por Humberto Ávila a partir proteção da

segurança jurídica. No que se refere à segurança jurídica e a proteção da confiança, o problema

não é a mudança jurisprudencial em si, mas os seus efeitos. Se ela surpreender o indivíduo que

exerceu intensamente os seus direitos de liberdade e de propriedade confiando e podendo

confiar na sua permanência, a mudança de orientação pode ter efeitos negativos expressivos.

No âmbito tributário a mudança pode afetar desfavoravelmente quem atuou confiando na

mantença da decisão anterior e efetuou todos os seus cálculos econômicos com base no quadro

normativo anterior. A aplicação do novo entendimento também a esses casos causa efeitos

restritivos de direitos fundamentais. Em suas palavras: “a mudança jurisprudencial provoca um

déficit de confiabilidade e de calculabilidade do ordenamento jurídico”107

.

A modulação de efeitos (prospectivos, pro futuro, ex nunc, etc.) e a instituição de

regras de transição108

(diminuindo os efeitos impactantes) em qualquer grau de jurisdição

interna e até mesmo interconstitucional é o instrumento adequado para garantia da

harmonização entre o princípio de proteção da confiança (vedação de surpresa para os que

depositaram legítimas expectativas nos precedentes obrigatórios) e as mudanças

jurisprudenciais que ocasionalmente possam ocorrer no sistema de precedentes obrigatórios.

O precedente é enunciado normativo dinâmico, recorte da realidade jurídica que

discursivamente construiu a norma de decisão num contexto de aplicação plural de premissas

maiores válidas (programas normativos) em face da premissa menor (contexto ou situação

fática) que servirá como ponto de partida para futuras construções normativas.

106

Nesse sentido: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da

pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no Direito Constitucional brasileiro.

Revista de Direito Constitucional e Internacional, Ano 14, Número 57. São Paulo: RT, 2006, pp. 5-48. 107

ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica – Entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. 2.

ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 471. 108

Sobre a citada técnica vide a importante decisão do Supremo Tribunal Federal sobre terras indígenas (Petição

3.388-4 Roraima) proferida no processo de demarcação de Raposa Serra do Sol.

60

É na decisão judicial (norma jurídica concretizada) e não na norma abstratamente

considerada (programa normativo) que a segurança jurídica se consolidará para proteção da

confiança e estabilidade do sistema de precedentes em nível interconstitucional.

O novo modelo de precedentes deve inserir-se num sistema aberto, orientado a

valores, capaz de estabelecer, em caráter persuasivo e não vinculante109

, permeabilidade aos

precedentes dos Tribunais de outros países (fora do espaço integrador da jurisdição

interconstitucional) que tenham enfrentado problemas similares aos surgidos em nosso sistema.

O aprimoramento do diálogo transconstitucional (Marcelo Neves,

Transconstitucionalismo) e interconstitucional (Canotilho, Brancosos e

Interconstitucionalidade) entre as principais Cortes Internacionais de proteção aos direitos

humanos, deve fundar-se necessariamente na garantia do desenvolvimento humano existencial,

construída na e a partir da diversidade cultural e do pluralismo, respeitando a soberania de cada

país e projetando-a na perspectiva solidarista e cooperativa.

A existência de jurisdição interconstitucional reflete o modelo neoconstitucional de

centralidade na proteção dos direitos humanos, comunitários e fundamentais, coerente com o

modelo constitucional aberto pelos artigos 5º, §2º e 4º, I ao X e seu parágrafo único, tudo da

Constituição Federal de 1988, realidade já presente em algumas Cortes Constitucionais

europeias.

Aqui no Brasil, a supralegalidade dos Tratados Internacionais de Direitos

Humanos, já provoca a construção desse novo modelo, que, em boa hora, poderia ser referido

no novo sistema de precedentes como forma de abertura axiológica do processo civil aos

valores constitucionais, internacionais e comunitários naquilo que denominamos

interconstitucionalização do direito.

O principal efeito dos precedentes obrigatórios é o vinculante. A vinculação aos

precedentes é algo que decorre naturalmente do sistema constitucional de repartição de

competências do Poder Judiciário, reforçando a conformidade funcional estabelecida pelo

representante constituinte originário e consolidando a confiança do povo na coerência e

eficácia das normas constitucionais estruturantes desse mesmo Poder.

109

DIDIER JR. Fredie, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, Vol. II. 7.

ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 394: O precedente persuasivo (persuasive precedent) não tem eficácia

vinculante; possui apenas força persuasiva (persuasive authority), na medida em que nenhum magistrado está

obrigado a segui-lo (artigos 285-A, 476 a 479, 546 todos do CPC e art. 105, III, c da CF).

61

O convívio, num espaço de harmonização e concordância prática entre a liberdade

oferecida aos juízes de primeiro grau para decidirem as novas demandas e a segurança jurídica

fixada pelos Tribunais internos, comunitários e internacionais através de sistema

interconstitucionalmente adequado de precedentes, decorrerá da liberdade oferecida aos juízes

de primeiro grau através de mecanismos de distinguishing, overruling, prospective overruling,

overriding, modulação de efeitos, estabelecimento de regras de transição etc. e o necessário

aumento na carga argumentativa da decisão judicial na proposta inicial de superação/revogação

ou não incidência de precedentes obrigatórios, ocorrendo ganho na liberdade sem o sacrifício

da segurança jurídica oferecida por um sistema de precedentes, afinal, tal segurança não requer

a imutabilidade.

Luiz Guilherme Marinoni adverte que embora a eficácia direta da decisão não se

confunda com a coisa julgada, a primeira necessita da segunda para permitir a indiscutibilidade

e a estabilidade da decisão transitada em julgado110

.

Do ponto de vista subjetivo, a eficácia obrigatória dos precedentes garante a

previsibilidade aos jurisdicionados, enquanto a coisa julgada garante à parte a segurança de que

o resultado que lhe foi conferido pela jurisdição não será alterado111

.

Enquanto a decisão judicial opera diversos efeitos de natureza objetiva, subjetiva,

inter partes, erga omnes, que dizem respeito diretamente à situação jurídica controvertida, seja

declarando, constituindo, modificando ou extinguindo-as, o precedente transcende às situações

jurídicas tratadas na decisão transitada em julgado, para produzir efeitos em situações futuras

substancialmente semelhantes àquelas tratadas no precedente. A coisa julgada conforme Daniel

Mitidiero produz três efeitos: positivo (impede que a questão principal decidida, quando

retorna como questão incidental num novo processo, seja decidida de maneira diversa),

negativo (impede que a questão principal decidida seja novamente julgada como questão

principal em outro processo) e preclusivo (impossibilidade de rediscutir argumentos –

alegações e defesas – que já foram discutidos e aqueles que o poderiam ser, mas não o

foram)112

.

A interpretação e a aplicação do precedente remetem a uma complexa

hermenêutica de segundo grau, onde ocorrerá não construção, mas reconstrução da norma de

110

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 299. 111

Op. Cit., p.311. 112

MITIDIERO, Daniel. Coisa Julgada, limites objetivos e eficácia preclusiva. Introdução ao estudo do Processo

Civil – primeiras linhas de um paradigma emergente. Porto Alegre: Fabris, 2004, p. 204 et seq.

62

decisão (com fundamento na igualdade – mesma razão, mesmo direito; e segurança jurídica –

necessidade de previsibilidade e permanência diante do mesmo quadro fático e normativo),

modificando a fórmula clássica da metódica estruturante de Müller: programa normativo113

(texto da norma abstrata) + âmbito normativo (realidade social) = norma de decisão, para a

seguinte fórmula: programa normativo + âmbito normativo + programa jurisprudencial

(sistema de precedentes – enunciados textuais) = norma de decisão.

A hermenêutica desse novo espaço (programa jurisprudencial) deve considerar

novas mudanças ocorridas nos dois itens iniciais da fórmula (modificações legislativas e

mudanças sociais para produção de overruling, muito comum no processo informal de

modificação da constituição, conhecido por mutação constitucional) além de considerações

doutrinárias sobre o conteúdo, restrições e eficácia dos programas normativos, e, por fim, a

visão sociológica, antropológica, psicológica (zetética) no que se refere aos fatos sociais ou

âmbito de aplicação desses mesmos programas com objetivo de otimizar os efeitos jurídicos

socialmente desejados (daí a importância do distinguishing e também do overruling).

O precedente obedece a processo subsuntivo similar à aplicação das regras, aplica-

se por subsunção, sem constitui per se norma jurídica dessa espécie, precedente não é lei, não

se confunde com programas normativos abstratos do tipo regra, princípio ou política pública,

também não é norma de decisão senão especificamente nos casos que provocaram a sua

criação. Precedente é texto criado pelo Poder Judiciário através dos seus tribunais, destinado a

fixar teses aplicáveis aos futuros casos idênticos.

Embora de precedentes possamos extrair regras, a exemplo da razoabilidade e da

proporcionalidade, onde passou o STF a fundamentá-las no direito fundamental ao devido

processo legal, caracterizando-os como princípios constitucionais implícitos dotados de força

normativa, o precedente não se confunde com o princípio ou a regra, apenas reconhece, por

vezes, a sua existência por desdobramento de outro princípio expresso (a tese em si, o stare

decisis, o precedente aponta a força normativa dos programas normativos abstratos implícitos

ou decorrentes, ou regras114

da razoabilidade e da proporcionalidade). Nessas decisões não

constitui o precedente uma norma jurídica, apesar de aplicar-se da mesma forma que as regras

113

Apenas o programa normativo pode ser classificado em regra, princípio ou política pública. A norma de

decisão é sempre aplicada por subsunção, portanto é norma concretizada formulada para incidir no caso carente de

decisão, traz a regra concreta no dispositivo e, por vezes, fixa, reafirma, modifica ou afasta teses jurídicas (criando

precedentes) em sua fundamentação. 114

Robert Alexy em sua Teoria dos Direitos Fundamentais refere-se à razoabilidade e à proporcionalidade como

regras e não princípios – pois se aplicam por subsunção

63

(por subsunção) aos casos futuros idênticos. Medida provisória e lei possuem a mesma força

normativa e mesma forma de aplicação, nem por isso medida provisória é lei, apenas tem força

de lei quando altera provisoriamente o ordenamento jurídico.

Não temos juízes legisladores, mas concretizadores, que por força dos princípios

estruturantes aqui discutidos, devem estar inseridos num sistema de precedentes que preservem

a autoridade e permanência das decisões dos Tribunais a que estejam vinculados,

especialmente as decisões da jurisdição interconstitucional dos direitos humanos, fundamentais

e comunitários.

A hermenêutica dos precedentes transcende à lógica dedutiva presente nas leis,

mesmo com toda complexidade das novas conquistas da hermenêutica filosófica

gadameriana115

, pois leva necessariamente a processo de análise lógico-indutivo em sua

formação, gerando raciocínio “particular-particular” para identificar a similitude entre os casos

e observar os pontos capazes de fundamentar a distinção, particularidade ou similitude que irão

conduzir à subsunção do precedente ao novo caso carente de decisão.

Sendo o precedente norma de decisão que fez atuar num determinado contexto

histórico (âmbito, setor ou domínio normativo) o programa normativo, ao servir de fundamento

para futuras tomadas de decisão, ele participa como um enunciado normativo dinâmico, onde o

intérprete atribuirá significado ao seu texto de forma indissociável de dois momentos histórico-

circunstanciais completamente distintos (do precedente e do novo caso similar).

Toda aplicação e interpretação de precedente é processo de reconstrução da norma

jurídica, que se diferencia da construção do lead case (caso original que se firmou o stare

decisis). Pelo respeito à igualdade, segurança jurídica, democracia, solidariedade e integridade

do sistema jurídico interconstitucional, obriga o juiz a observá-lo, seja para afastá-lo, modificá-

lo, superá-lo ou fazer que nele se exerça qualquer processo hermenêutico objetivando a

(re)construção de uma ordem interjurídica substancialmente justa.

115

GADAMER, Hans-Gregor. Verdade e Método I – Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Trad.

Flávio Paulo Meurer. 7. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.

64

3.5 Supralegalidade e status interconstitucional dos direitos humanos

A Corte Interamericana de Direitos Humanos utilizou pela primeira vez a

expressão “controle de convencionalidade” 116

em 25.11.2003 no caso “Myrna Mack Chang

versus Guatemala”. No caso CIDH Lacayo versus Nicarágua, sentença de 25.01.1995 a Corte

afastou a possibilidade de controle abstrato de convencionalidade. Em Suárez Rosero versus

Equador, sentença de 12.11.1997 a Corte reconheceu sua competência para exercício de

controle abstrato de convencionalidade117

.

Portanto, a teoria do controle de convencionalidade não é tão nova como se

pensa118

, muito menos posterior à Emenda Constitucional 45/2004 que adicionou o § 3ª ao

artigo 5º da Constituição de 1988, tampouco contemporânea à decisão do Supremo Tribunal

Federal sobre a supralegalidade dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos incorporados

por decreto legislativo simples (diferente dos decretos legislativos equivalente às Emendas

Constitucionais do citado §3º).

A expressão controle de incompatibilidade é apresentada no Human Rights Act

britânico de 1998, nesse controle se afere a (in)compatibilidade vertical entre os atos do

Parlamento e a Constituição do Reino Unido (declaration of incompatibility).

116

Sobre controle de convencionalidade: ANDREWS, Neil. A Suprema Corte do Reino Unido: reflexões sobre o

papel da mais alta Corte Britânica. Revista de Processo. Nº 186. São Paulo: RT, 2010. BAHIA, Saulo Casali

(Coord.). A efetividade dos direitos fundamentais no Mercosul e na União Europeia. Salvador: Paginae, 2010.

SAGUÉS, Néstor Pedro. El “control de convencionalidad” como instrumento para la elaboración de um ius

commune interamericano. In: BOGDANDY, Armin Von; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer; ANTONIAZZI,

Mariela Morales (Coord.). La Justicia Constitucional y su internacionalización hacia un ius contitutionale

commune em América Latina? México: Instituto de Investigaciones Jurídicas de la Unam, 2010. t. 2;

CAPPELLETTI, Mauro. Giustizia costituzionale soprannazionale. Rivista di Diritto Processuale, 1978, p. 1-32. 3

– SUDRE, Frédéric. A propôs Du “dialougue de juges” et du controle de conventionalite. Paris: Pedone, 2004.

Destaca-se no Brasil a tese pioneira de André de Carvalho Ramos: A responsabilidade internacional do Estado

por violação de direitos humanos. 1999. Tese (Doutorado) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo,

São Paulo. p. 132. André de Carvalho Ramos foi um dos primeiros autores brasileiros a defender a existência de

“controle de convencionalidade” inclusive de crivo de normas constitucionais em face de violação às normas

internacionais de direitos humanos. 117

Cfr. SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito

Constitucional. São Paulo: RT, 2012, p. 1180 et seq. Na parte específica da obra em que aprofundam o tema, os

citados autores buscam sistematizar os estudos sobre controle de convencionalidade para o direito constitucional

brasileiro, com vasto referencial teórico. Cite-se também o importante trabalho de MAZUOLI, Valério de

Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 2. ed. São Paulo: RT, 2011. 118

A novidade é equivocada mesmo quando referida ao controle exercido pela jurisdição interna, pois, várias

decisões judiciais no contexto latino-americano já aplicavam, em diversos âmbitos, os Tratados Internacionais de

Direitos Humanos internalizados em seu respectivo sistema como norma parâmetro para afastar a incidência e até

mesmo efetuar o controle de (in)compatibilidade vertical da lei interna em face da convenção de direitos humanos.

65

A importância do controle de convencionalidade para o sistema interconstitucional

de proteção e efetividade dos direitos, sobreleva o controle de incompatibilidade das leis e atos

do poder público e até mesmo dos particulares em face do direito constitucional, internacional

e comunitário ao nível interconstitucional.

Defendemos a ampliação do objeto de proteção do sistema interno de controle de

constitucionalidade dos atos do poder público e dos particulares para abranger também os

direitos humanos e comunitários (todos indistintamente, por ser a Constituição interna de cada

país a fonte jurídica de soberania através da qual tais direitos se expressam), da mesma maneira

as Cortes Internacionais e Comunitárias devem utilizar as fontes constitucionais internas para

solução dos conflitos sob sua jurisdição (interconstitucional)119

.

Reserva-se o controle de convencionalidade para as Cortes Internacionais de

Direitos Humanos (Tratados de Direitos Humanos, além dos direitos fundamentais e

comunitários que constituam desdobramento de direitos humanos) e o controle de

incompatibilidade para os Tribunais Comunitários (Constituição supranacional, além dos

direitos humanos e fundamentais que constituam desdobramento de direitos comunitários).

Nos citados desdobramentos deve necessariamente existir diálogo compreensivo

entre as decisões internas, internacionais e comunitárias e pluralismo transversal para dialogar

com as comunidades locais e espaços decisórios ultraestatais, num ambiente hermenêutico

diatópico, do qual trataremos mais adiante.

Essa dimensão intersistêmica também foi referida quando tratamos do sistema de

precedentes para a jurisdição interconstitucional. Cabe aqui apenas observar que, independente

do modelo ou termo adotado, seja controle de incompatibilidade, constitucionalidade ou

convencionalidade, tal controle, onde quer que ocorra, deve necessariamente harmonizar em

sua decisão o conteúdo, restrição, limites e eficácia dos direitos humanos, fundamentais e

comunitários, conduzindo-os a uma concordância prática, maximizando seus efeitos

valorativamente orientados para o progresso existencial, num contexto dialógico e destituído

de hierarquia deontológica entre os três planos normativos que integram a jurisdição

interconstitucional.

A solidariedade entre órgãos de proteção de direitos humanos, fundamentais e

comunitários, consolidada numa mesma jurisdição interconstitucional, permite à Comissão

119

Em sentido diverso, defendendo modelo específico de controle de convencionalidade: MAZZUOLI, Valério de

Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 2. ed. São Paulo: RT, 2011.

66

Interamericana de Direitos Humanos (nos termos do artigo 61.1 da Convenção Americana de

Direitos Humanos combinado com os artigos 4º, II, 5º, § 2º da CRFB), promover a defesa tanto

interna quanto internacional do direito transindividual ao desenvolvimento, exercendo o

controle difuso de convencionalidade nas jurisdições interna, internacional e comunitária,

inclusive por meio de Ação Civil Pública, contribuindo assim, para formação da cultura

interconstitucional de pertencimento ao modelo expansivo, dialógico e integral de proteção dos

direitos interconstitucionais.

3.6 As possibilidades do transconstitucionalismo na jurisdição

interconstitucional

A jurisdição interconstitucional estabelece relações entre três planos normativos

específicos da jurisdição (constitucional, internacional e comunitária) através do seu núcleo

comum (direitos humanos, fundamentais e comunitários120

) num diálogo interconstitucional.

Apesar das autonomias do direito constitucional, internacional e comunitário,

compreende-se que a soberania estatal juridicamente presente e delimitada nas constituições

internas como fundamento e elemento constitutivo do próprio Estado é o ponto de partida para

construção dos sistemas de direito internacional e comunitário.

Portanto, tais ramos autônomos devem necessariamente referir-se a valores

constitucionais materiais comuns estabelecidos nas ordens internas dos países que a integram,

além de respeitar a sua soberana escolha constitucional de ingresso e retirada do espaço

120

Por direitos comunitários entendemos todos os direitos essenciais à dignidade humana existencial no espaço

comunitário, consolidados cultural, social, política, econômica e historicamente numa determinada união

supranacional comunitária como expressão das conquistas civilizatórias comuns aos diversos países dessa mesma

comunidade. Tais direitos podem se constituir em desdobramento de direitos humanos e fundamentais do seu

locus comunitário, a exemplo do direito de participação política e voto nas suas instituições como expressão da

cidadania comunitária, que, mesmo não presente na constituição comunitária, poderia desdobra-se do direito de

cidadania previsto no Pacto de Direitos Civis e Políticos (nível internacional) ou dos direitos fundamentais de

participação (nível constitucional dos Estados membros da comunidade), como reflexo das relações de

interconstitucionalidade. Para estudo mais aprofundado e específico sobre sistema jurídico comunitário ver a

importante e sólida obra de José Souto Maior Borges: Curso de Direito Comunitário. 2. ed. São Paulo: Saraiva,

2009. No mesmo sentido, referindo-se às regras comunitárias e defendendo a criação do parlamento mercosulino:

Saulo José Casali Bahia: O Mercosul e seus projetos institucionais. Cit. p. 529.

67

internacional e comunitário, sempre numa avaliação estratégica do próprio Estado, limitada e

materializada pela vontade constituinte permanente do povo121

.

O modelo constitucional cooperativo aberto para recepção e incorporação de

tratados internacionais na ordem jurídica interna em termos constitucionais delimitados e a

formação de comunidades de nações orientada por preceitos constitucionais programáticos, a

exemplo do art. 4º, incisos e parágrafo único da Constituição Federal brasileira, favorece os

fenômenos da inter e transconstitucionalidade, adotando o paradigma emergente da formação

de Uniões Supranacionais com respectiva carta de direitos, passa a produzir reflexões sobre

esse novo espaço dialógico de decisões comunitárias e sua relação com as ordens interna e

internacional.

A transconstitucionalidade possui duas concepções possíveis e distintas. Na

primeira concepção ela seria a transcendência das disciplinas autônomas para formação do

novo modelo constitucional sem fronteiras, próximo à ideia de constitucionalismo global, onde

desaparecem os limites entre as disciplinas internacional, constitucional e comunitária,

ultrapassando e superando o plano relacional e interacional entre elas, constituindo o nível

superior e futuro de constitucionalismo.

Na segunda concepção temos a relevante contribuição de Marcelo Neves com sua

teoria do transconstitucionalismo, onde defenderá a existência de pontes de transição entre as

ordens constitucional, internacional e comunitária, tendo como ponto de partida metodológico

a “dupla contingência”, presente na relação de observação recíproca entre ego e alter na

interação dos sistemas sociais, buscando formas transversais de articulação para a solução do

problema, cada uma delas observando a outra, para compreender seus próprios limites e

possibilidades de contribuir para solucioná-lo122

. Nessa última concepção, o

transconstitucionalismo é pressuposto essencial e necessário para o adequado exercício da

jurisdição interconstitucional.

O modelo de constitucionalismo societário de Gunther Teubner, para quem, a

constitucionalização é primeiramente processo social e apenas em segundo lugar processo

121

O esboço da materialização dessa vontade constituinte permanente do povo será apresentada no capítulo V que

tratará do constitucionalismo em redes de cibercidadania, ampliando o espaço público de democracia direta e

participativa. 122

NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 270 et seq.

68

jurídico123

, existe a proposta de aplicação de uma ordem pública transnacional para solução dos

conflitos interconstitucionais aplicável não por uma autoridade hierárquica central a todos, mas

por cada um dos sistemas em seus correspondentes conflitos, o princípio desse metadireito

constitucional que tem por objeto a resolução do conflito seria o princípio da sustentabilidade

dos regimes interconstitucionais reforçando a solidariedade orgânica de cada um face aos

demais124

.

3.7 Abertura hermenêutica em ambiente plural e possibilidades da diatópica

A teoria da interconstitucionalidade com referência a autonomia dos espaços

jurídicos constitucionais, comunitário e internacional, parte da concepção de sistema aberto e

orientado a valores comuns, formando o sistema complexo125

de inter-relação entre os direitos

humanos, fundamentais e comunitários no ambiente dialógico e diatópico126

. O propósito deste

item é situar algumas propostas de ordenação e redução dessa complexidade.

A constituição de cada Estado deve conferir fundamento axiológico e normativo ao

direito comunitário e internacional, passando a caracterizar-se como Estado Constitucional

Cooperativo127

e a exercer função unificadora, menos hierarquizante, mais compreensiva e

dúctil entre os diversos valores tutelados.

Os direitos fundamentais, humanos e comunitários, possuem natureza normativa

principiológica, são normas jurídicas da espécie princípio, distingue-se, portanto, das regras e

123

TEUBNER, Gunther. Consitutional Fragments: Societal Constitucionalism and Globalization. Trad. G.

Nordury. Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 102-103. O termo constitucionalismo societal é atribuído a D.

Scully, Theory of Societal Constitucionalism: Foundations of a Non-Marxistic Critical Theory, Cambridge,

Cambridge University Press, 1992. 124

Em sentido similar: TEUBNER, Cit. p. 157; p. 171 et seq. 125

A racionalidade e a cientificidade começaram a ser redefinidas e complexificadas a partir dos trabalhos de

Bachaelard, Popper, Khun, Holton, Lakatos, Feyerabend. Nesse sentido: MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita:

repensar a reforma, reformar o pensamento.Trad. Eloá Jacobina. 19. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011, p.

90. Para o autor do pensamento complexo, a constituição de um objeto e de um projeto, ao mesmo tempo

interdisciplinar e transdisciplinar, é que permite criar o intercâmbio, a cooperação, a policompetência (Op. Cit., p.

110). 126

Atribuímos o mesmo sentido presente no termo “hermenêutica diatópica” de R. Panikkar em seu: Seria a noção

de direitos humanos um conceito ocidental? In: Direitos Humanos na Sociedade Cosmopolita. Org. César

Augusto Baldi. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. 127

Para compreensão do Estado Cooperativo, ver: HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Trad.

Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

69

das políticas públicas128

. A abertura hermenêutica129

conferida pela estrutura dos princípios

encontra-se no seu caráter possibilístico de normas de desdobramento130

dotadas de força

constitutiva fora do que elas literalmente significam131

.

Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado, relativamente às

possibilidades fáticas e jurídicas, em medida tão alta quanto possível. Princípios são

mandamentos de otimização132

.

Alexy deixa claro em seus estudos que todos os direitos fundamentais são

princípios133

, o que reafirma o conteúdo essencial da constituição como texto aberto e

concretizável, na qual prevalece o raciocínio por ponderação134

para os princípios e por

subsunção para as regras.

Na hermenêutica diatópica, proposta por R. Panikkar, parte-se de uma reflexão

temática sobre o fato de que os loci (topoi ou lugares comuns) de culturas historicamente não

relacionadas tornam problemáticas a compreensão de uma tradição com as ferramentas de

outra e as tentativas hermenêuticas de preencher essas lacunas135

.

Esclarece Panikkar, ao propor sua abordagem hermenêutica diatópica: um

problema é como, a partir do topos de uma cultura, compreender os construtos de outra136

. O

128

Sobre a distinção entre regras, políticas públicas e princípios: DWORKIN, Ronald: Levando os direitos a sério.

Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Distinguindo regras de princípios: ALEXY, Robert. Teoria

dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. 129

No que se refere à abertura subjetiva ou pluralidade de intérpretes: HABERLE, Peter. Hermenêutica

Constitucional – A sociedade aberta dos Interpretes da Constituição: contribuição para a interpretação

pluralista e “procedimental” da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio

Fabris Editor, 1997. 130

Nesse sentido: Edvaldo Brito parte da ideia de sistema para localizar os princípios e sua função, tendo por base

o estudo de 1967 de Claus Wilhelm Canaris sobre os sistemas na ciência do direito, avança e diferencia normas-

princípio de normas-regras: BRITO, Edvaldo. Limites da revisão constitucional. Porto Alegre: Fabris Editor,

1993, p. 64-65. Em aula do doutorado em direito da UFBA, semestre 2012.2, na disciplina sistema constitucional

tributário, conceituou princípios como normas de desdobramento, por sempre produzir uma série de

consequências não previstas no seu preceito primário (programa normativo textualmente expresso). 131

Cfr. ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Ley, derechos, justicia. 7. ed. Madrid: Editorial Trotta,

2007, p. 110. Para Zagrebelsky, as regras, com efeito, se esgotam em si mesmas, não possuem nenhuma força

constitutiva fora do que elas mesmo significam. 132

ALEXY, Robert, Theorie der Grundrechte. Traduzida para o espanhol: Teoria de los derechos fundamentales:

el derecho y la justicia. Madrid: CEPC, 2002, p.86. 133

Op. Cit. p. 86 et seq. Importante observar que o autor refere-se aos direitos fundamentais da Constituição

alemã. 134

Friederich Müller (metódica estruturante), Jürgen Habermas (teoria da ação comunicativa), Konrad Hesse

(método hermenêutico concretizador), dentre outros, não aceitam a teoria da ponderação na forma proposta por

Robert Alexy em sua Teoria dos direitos fundamentais. 135

Cfr. Panikkar. Myth, Faith and Hermeneutics. New York: Paulist Press, 1979, p. 8 et seq. 136

PANIKAR, R. Seria a noção de direitos humanos um conceito ocidental? In:BALDI, Cesar Augusto

(Organizador). Direitos Humanos na Sociedade Cosmopolita. Rio de Janeiro Renovar, 2004, p. 208.

70

método de investigação num ambiente multicultural deve buscar os equivalentes

homeomórficos em detrimento das analogias. Nas exatas palavras de Panikkar

“homeomorfismo não é o mesmo que analogia; ele representa um equivalente funcional

específico, descoberto através de uma transformação topológica”137

. Portanto, no

estabelecimento de diálogos interculturais mutuamente compreensíveis, é preciso entender

quais valores são essenciais em cada contexto cultural para alcançar o desenvolvimento e o que

funcionalmente, em termos de proteção jurídica, se exige ou propõe para o progresso

existencial dos seus integrantes.

Em jurisdição interconstitucional a hermenêutica jurídica será necessariamente

diatópica, pois a referência a valores comuns concretizáveis em espaços sociais diversos, deve

observar a perspectiva intercultural, compreendendo discursivamente as estruturas e

construções culturais de cada povo a partir dos lugares comuns (topoi) de outra cultura e vice-

versa.

Afinal, quem fala tem de poder justificar sua fala. Só o preenchimento dos deveres

discursivos, especialmente a observação dos deveres de defesa e esclarecimento, garante

suficientemente afirmações confiáveis. Só deste modo permanece um diálogo racional em

andamento, o qual possibilita a justificação de afirmações teóricas e práticas numa medida

considerada ótima138

.

A técnica do pensamento problemático funda-se no senso comum, na idéia de

acordo entre a maioria, acentua-se o caráter retórico como critério decisivo para o acerto na

solução de determinado problema. Afirma Viehweg que as premissas fundamentais são

legitimadas através da aceitação do parceiro na conversa139

.

Os processos formais e informais de mudança das constituições e convenções

internacionais de direitos humanos em convívio interconstitucional representam, ou devem

representar os reflexos da constante atualização dos programas normativos interconstitucionais,

para adaptá-los ao contexto social em que são aplicados, principalmente pela centralidade que

137

PANIKAR, R. The Intrareligious Dialogue. New York: Paulist Press, 1978, p. XXII. Seu exemplo de

homeomorfismo é esclarecedor: As palavras brâman e Deus, não são análogas nem simplesmente equívocas (nem

unívocas, certamente). Elas também não são precisamente equivalentes; são homeomórficas, desempenham um

certo tipo de função respectivamente correspondente nas duas tradições diferentes onde estão vivas. 138

VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência. Tradução: Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Brasília:

Departamento de Imprensa Nacional, 1979, p. 105. 139

Op. Cit. p. 24

71

os direitos fundamentais, comunitários e humanos ocupam nos sistemas jurídicos

contemporâneos e a forte demanda social por sua efetividade e implementação.

A interpretação e concretização dos direitos interconstitucionais, principalmente

nos países em que os direitos essenciais à realização da condição humana são

constitucionalizados e internacionalmente protegidos em virtude de sua carência no plano

fático, devem passar por critérios diferenciados de exercício da jurisdição interconstitucional

tanto difusa quanto concentrada, legitimando o modelo pós-liberal de exercício dessa

jurisdição, através do ativismo judicial interconstitucionalmente adequado e necessário

conforme as demandas locais, nacionais e comunitárias.

Através da existência de direitos fundamentais equivalentes (Tratados

Internacionais de Direitos Humanos equivalentes às Emendas Constitucionais – art. 5º, §3º da

Constituição Federal) e de integração latino-americana através de direitos fundamentais

decorrentes (Tratados Internacionais de Direitos Humanos incorporados pelo processo

legislativo simples – art. 5º, §2º, da Constituição Federal, com status supralegal ou, conforme

defendemos, constitucional) possibilita-se o exercício da jurisdição interconstitucional com

deveres de proteção da ordem internacional dos direitos humanos em face das leis e atos do

poder público.

A efetivação da constituição plural e intercultural identificada reflexivamente na

proteção dos direitos humanos para os povos da América Latina cria novos parâmetros para o

exercício jurisdicional.

Os novos institutos jurídicos comunitários e o avanço do neoconstitucionalismo no

reforço do âmbito de proteção e a centralidade dos direitos humanos têm produzido reflexos na

ordem jurídica interna do Brasil. Sistematizar os critérios que favorecem o diálogo

interconstitucional para estabelecer deveres de proteção ao progresso existencial humano e

novas possibilidades hermenêuticas para o direito fundamental transindividual ao

desenvolvimento (em nível nacional, internacional e comunitário) é vital para a construção do

modelo de jurisdição interconstitucional contemporânea e edificação da teoria integral de

proteção.

72

3.8 Neofederalismo supranacional e interconstitucional

O Estado Federal teve seu marco inicial em 1787 com a famosa Convenção da

Filadélfia, que, como solução proposta à superação das dificuldades inicialmente encontradas

pelas treze colônias inglesas ao se libertarem, formaram uma confederação de Estados

soberanos através de um tratado celebrado em 1776 e ratificado em 1781, conhecido como

“Artigos de Confederação”.

A Confederação transmudou-se em Federação. Este foi o primeiro e grande passo

para a consolidação da forma de Estado Federal. O segundo e não menos importante foi a

materialização dos acordos e compromissos firmados na Convenção de Filadélfia, através da

substituição dos Artigos de Confederação, pela Constituição dos Estados Unidos de 1787, a

primeira constituição escrita do mundo, um dos marcos do constitucionalismo liberal.

A constituição é, pois, a base jurídica do sistema federativo, consolida o acordo

firmado e recepciona as regras essenciais da convivência entre a unidade e as entidades

componentes140

. A Constituição Federal é o pacto federativo do tipo de Estado Federal.

São características do federalismo: o bicameralismo141

(existência de câmara –

Senado Federal – que representa os interesses dos respectivos Estados-membros e que participa

da formação da vontade nacional através do processo legislativo ao lado dos representantes do

povo – Câmara de Deputados); a proibição de secessão (é vedado ao Estado-membro separar-

se da União, declarar-se independente, afinal, a Federação é indissolúvel); a autonomia dos

entes federados (os entes são dotados de autonomia política, administrativa, financeira e

normativa); a repartição de competência (toda federação pressupõe certa partilha de

competências que se orienta de acordo com o princípio da predominância do interesse); a

cláusula de proteção (aqui pressupomos a super-rigidez constitucional que mantém o pacto

federativo afastado de reformas constitucionais tendentes a aboli-lo, constituindo verdadeira

cláusula-pétrea – art. 60, § 4º, I da CRFB, que se completa pela existência de órgão(s)

encarregado(s) do controle de constitucionalidade).

140

MONTERIO, Yara Darcy Police. Partilha de competência na Constituição de 1988. Normas Gerais:

Características e elementos configuradores. In: Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política – 21. São

Paulo: RT, 1999, p. 148. 141

Louis Le Fur. État Federal et Confédération d’États. Paris: Marchal et Billard, 1896, p. 679. Com relação às

comunidades locais afirmará: “elles son appelées à prendre part à la volonté de l’État, participant ainsi à la

substance même de la souveraineté fédérale”.

73

Numa sequência necessária à compreensão do neofederalismo supranacional e

interconstitucional, passaremos a tratar do princípio da solidariedade no atual federalismo

cooperativo brasileiro.

A repartição de competências é a pedra angular do sistema federativo, daí a

necessidade de compreendermos inicialmente o modelo federativo e sua evolução para que

possamos compreender as consequentes mudanças no sistema de repartição de competências

em nível interconstitucional.

A competência envolve a atribuição de determinadas tarefas bem como os meios de

ação (poderes) necessários para sua persecução. Além disso, a competência delimita o quadro

jurídico de atuação de uma unidade organizatória relativamente à outra.

No modelo neofederativo vigora a descentralização política, ou seja, a competência

legislativa conferida às unidades parciais (União – Leis Federais, Estados – Leis Estaduais,

Distrito Federal – Leis Distritais e Municípios – Leis Municipais), coexistindo com a

competência legislativa constitucionalmente conferida à unidade total (República Federativa do

Brasil – Leis Nacionais) 142

e integrada ao ordenamento comunitário (normas supranacionais) e

internacional (Tratados Internacionais de Direitos Humanos) através das relações de

interconstitucionalidade federal externa.

O neofederalismo supranacional reclama maior capacidade de servir e de

consolidar o processo de integração interconstitucional na União Supranacional.

Para Guidens, que defende uma Europa federal, no âmbito das relações

internacionais, a União Europeia deve deixar de renunciar ao poder, inclusive o militar. A nova

narrativa para a UE, de fato, pressupõe o poder – o poder de praticar o bem num mundo que

não é um paraíso kantiano de paz eterna, nem uma guerra hobbesiana de todos contra todos143

.

Em Häberle, federalismo e regionalismo são princípios de estruturação interna do

Estado Constitucional. É fato que certos Estados unitários ou centralistas clássicos, como

142

Não devemos confundir União (ente da federação) responsável em matéria legislativa pelas Leis Federais (ex:

Lei 8112/90 – Estatuto dos Servidores Públicos Federais; Lei dos Juizados Especiais Federais etc.) com a

República Federativa do Brasil (Estado Federal) responsável em matéria legislativa pelas Leis Nacionais (ex:

Código Civil, Código Penal, Estatuto do Idoso, Estatuto da Criança e do Adolescente etc.). Muitos confundem

devido ao fato de tanto a União quanto o Estado Federal possuírem o mesmo órgão legislativo (Congresso

Nacional). Tecnicamente, a distinção se justifica. 143

GUIDENS, Anthony. Continente turbulento e poderoso: qual o futuro da Europa?Trad. Gilson César Cardoso

de Sousa. São Paulo: Editora UNESP, 2014, p. 20-21.

74

França e Itália, encontram-se em vias de regionalização. A força impulsora desse processo

decorre, em último termo, da própria Europa e suas instituições144

.

A União Supranacional possui características próprias, seu modelo federativo de

organização, contando com representação das nações soberanas na composição do parlamento,

rodízio de países na presidência da União, economia integrada para o desenvolvimento global

da comunidade, não permite confundi-lo com o federalismo clássico, tampouco o federalismo

nacional contemporâneo. Sua estrutura e função sistêmica demandam compartilhamento de

competências com os países soberanos que a integram.

O convívio interconstitucional neofederativo implica, como se pode observar, em

divisão de competências. Para que não descaracterize o Estado federal, há que ser mantida a

unidade do todo através da comunhão de interesses nacionais e supranacionais. Tal comunhão

ocorre naturalmente através da convergência de interesses da Comunidade de Nações para o

desenvolvimento sustentável dos países que a compõem. A ação comunitária orienta-se para o

progresso existencial solidário e permanente, seu elo fundamental encontra-se nos direitos

interconstitucionais (fundamentais, humanos e comunitários) que determinará o modelo

cooperativo de divisão de competências e responsabilidades.

A República Federativa do Brasil (Estado Federal) é dotada de soberania145

, ao

contrário das unidades parciais que possuem apenas autonomia (administrativa, política,

financeira e normativa), ao passo que a União Supranacional é dotada de soberania de

convergência (parcela da soberania dos países que a integram converge para sua formação

permitindo o exercício de poderes de integração econômica, cultural, social e política

objetivando o desenvolvimento global da comunidade).

Neste sentido, apresenta-se o neofederalismo como modo de preservar a

particularidade no âmbito de uma união supraestatal maior, mantendo o equilíbrio entre a

soberania da nação como um todo e a autonomia dos entes federados, concomitantemente à sua

interdependência e integração interconstitucional com a União Supranacional, que em nosso

entendimento é fortalecido pelos laços de solidariedade que deve existir entre os entes.

A solidariedade constitui a base do pacto federativo e das relações de

interconstitucionalidade. Não foi por acaso que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 3º,

144

HÄBERLE, Peter. Puralismo y Constitución. Cit., p. 123 145

Relembrando que, na concepção solidarista, a noção de soberania não se fundamenta no poder de mando, mas

na capacidade de servir, passando necessariamente pela noção de serviço público.

75

estabeleceu o objetivo fundamental de redução das desigualdades entre as diversas regiões do

país.

O art. 43 da CFRB preceitua que, para efeitos administrativos, a União poderá

articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu

desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais.

No mesmo sentido, concretizando o pensamento solidarista, a CFRB em seu art.

159, I, c estabeleceu:

A União entregará, do produto da arrecadação dos impostos sobre renda

e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados,

quarenta e sete por cento na seguinte forma: três por cento, para

aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das

Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições

financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de

desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a

metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei

estabelecer146

.

O modelo federativo nasceu inicialmente da necessidade da integração de campos

de poder exclusivos e limitados, conformadores de uma unidade detentora, igualmente, de um

campo de poder exclusivo e restrito. Trata-se do federalismo dual.147

Aqui existia uma

igualdade absoluta, em matéria de competência, entre as esferas governamentais estaduais e a

União, nesse momento não se falava em competência comum ou concorrente, apenas em

exclusiva (enumeradas ou remanescentes) – daí o seu modelo horizontal de divisão de

competências – o que fosse competência do Estado-membro não seria da União.

Registrando o exemplo dos Estados Unidos, que por força do momento histórico

vivido durante a Grande Depressão em 1929, verificou a imperiosa necessidade de fortalecer o

poder central, podemos perceber a tônica do federalismo cooperativo, marcado pela

interferência do poder federal em esfera de atribuições antes consideradas exclusivas dos

Estados148

.

Essa experiência cooperativa já se fazia presente na Constituição alemã de Weimar

de 1919, e Austríaca de 1920, que já traçavam modelo de federalismo cooperativo e que

146

No mesmo sentido, CFRB, Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: Art. 42. Durante 25 (vinte e

cinco) anos, a União aplicará, dos recursos destinados à irrigação: I - vinte por cento na Região Centro-Oeste; II -

cinquenta por cento na Região Nordeste, preferencialmente no semi-árido. 147

MONTERIO, Yara Darcy Police. Op. Cit., p. 150.

148 Nesse sentido: ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 2. ed. São

Paulo: Atlas. 2000, p. 36.

76

serviram de modelo para a nossa Constituição Federal de 1934. Em momentos constitucionais

anteriores, vínhamos seguindo o clássico modelo federalista norte-americano de federalismo

dualista rígido.

No federalismo cooperativo, não ocorre o completo abandono da técnica de

repartição de competência horizontal, apenas surge nova técnica, denominada vertical, onde se

prevê área de competências que pode ser compartilhada – competências comuns ou

concorrentes149

.

No modelo neofederativo e interconstitucional é possível existir tanto as

competências privativas e exclusivas do ente supranacional, quanto as comuns e concorrentes.

Apesar da tendência centrípeta150

desse último modelo de federalismo, Fernanda

Almeida, citando Berard Schwartz151

, ressalta que, embora essa expansão seja uma realidade, é

muito improvável que num futuro previsível o sistema federativo seja substituído por uma

forma unitária de governo, com a eliminação da autonomia estadual. É que remanesce

profundamente arraigada na sociedade norte-americana a tradição federalista, formada

exatamente à base da preservação da autonomia das entidades federadas, de cuja importância

há uma consciência, à medida que a manutenção de governos estaduais fortes confere ao

sistema americano força democrática não encontrada na administração centralizada,

monolítica152

.

No federalismo norte-americano percebe-se claramente a colaboração

intergovernamental recíproca de base consensual, com consequente preservação da higidez dos

princípios e práticas da federação.

No que cabe à Federação brasileira, embora tenha ela se formado diversamente da

matriz norte-americana, já que aqui houve processo de formação centrífugo, espelhou a nossa

Federação, que nasceu com a República (Constituição de 1891), no modelo americano,

149

Nesse sentido: MELLO, Rafael Munhoz de. Características essenciais do federalismo. In: Revista de Direito

Constitucional e Internacional. São Paulo: RT, nº 4, 2002, p. 151. 150

Não devemos confundir tendência centrípeta, com federalismo centrípeto, enquanto o primeiro traduz-se na

tendência que possui a federação em atribuir um maior número de competências ao ente central (centralização), o

segundo refere-se à origem do federalismo, dito centrípeto por ter se originado “de fora para dentro”, ou seja, os

Estados, antes soberanos abrem mão de suas respectivas soberanias para forma um único Estado soberano: o

Estado Federal (exemplo: EUA), opõe-se a esta última concepção, o federalismo centrífugo, onde um Estado

Unitário desmembra-se em vários estados autônomos para formar a federação, conservando a sua soberania

(exemplo: Brasil). 151

American Constitutional Law.

152 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Op. Cit., p. 36, et seq.

77

inicialmente no dual federalism. Foi com a Constituição de 1934 que fomos buscar inspiração

no federalismo cooperativo alemão da Constituição de Weimar de 1919 e austríaco de 1920.

Porém, os caminhos da Federação brasileira orientaram-se por novo norte, em que

se verifica a coexistência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, tal qual não ocorre

no modelo norte-americano, tampouco no modelo alemão. Por tal fato atribui-se ao

federalismo brasileiro o termo federalismo de segundo grau153

- tipo de federalismo em que o

município é ente da federação dotado de autonomia e competências próprias derivadas

diretamente do pacto federativo (CRFB).

Entre nós o sistema do federalismo dual só encontrou acolhida no Texto

Constitucional de 1891, já que a Carta de 1934 recepciona as influências dos movimentos que

levaram ao surgimento do intervencionismo estatal, iniciando o deslocamento centrípeto de

competências e poderes, passando ao modelo cooperativo.

A interconstitucionalidade federativa externa cria o sentimento de expansão da

cultura constitucional de proteção de direitos para os Municípios, realidade ausente nas

respectivas leis orgânicas. O empoderamento dos cidadãos nos espaços públicos locais decorre

do fortalecimento das relações interconstitucionais no âmbito municipal.

A tarefa que se seguiu com a assembleia nacional constituinte, instalada em

01.02.1987, no que se refere à partilha de competências e a umbilicalmente ligada restauração

da Federação foi algo de extraordinário, e tendo sido cumprida veio a dar nova feição a nossa

Federação. O principal aspecto do federalismo cooperativo brasileiro, retomado pela

Constituição Federal de 1988, é a absorção do pensamento solidarista e interconstitucional na

busca da redução das desigualdades regionais e da proteção integral ao desenvolvimento.

Temos que buscar o federalismo cooperativo de equilíbrio (solidarista), estruturado

em laços interconstitucionais de expansão dos direitos humanos, fundamentais e comunitários

nas realidades locais, onde as regiões menos favorecidas desenvolvam seu potencial produtivo

para saírem da situação de dependência, contribuindo para o desenvolvimento econômico do

país. Portanto, as políticas públicas, em todos os níveis, quando, ingenuamente, distribuem

recursos sem contraprestação produtiva, são fraternalistas (mínimo existencial), jamais

solidaristas (máximo potencial). Para concretizar o princípio solidarista é necessária a

153

Contrariamente, entendendo que município não é ente da Federação: SILVA, José Afonso da. Curso de Direito

Constitucional Positivo.São Paulo: Malheiros, 2005, p. 101.

78

existência de contraprestação, ideia reforçada pelo princípio constitucional da eficiência e do

dever de progresso (CFRB, respectivamente: art. 37, caput e art. 3º, II).

Outro aspecto relevante do neofederalismo é a solidariedade educacional, científica

e tecnológica que deve existir entre os entes da federação, tanto em nível vertical (União,

Estados, Distrito Federal e Municípios), horizontal (Estados ou Municípios entre si), quanto

interconstitucional (Entes federados e União supranacional) através de “protocolos de

cooperação para o desenvolvimento”. Algo que também deve ser estendido à Administração

Pública Direta e Indireta dos entes federados integradas interconstitucionalmente ao projeto

comunitário.

Os deveres interconstitucionais comuns de transparência, desburocratização,

abertura democrática para participação ativa do cidadão no desenvolvimento, responsabilidade

financeira, pluralismo, solidariedade social e progresso existencial humano, passam a condição

de princípios estruturante do novo federalismo de integração, despertando a consciência dos

cidadãos de pertencimento a uma entidade política durável com propostas viáveis de proteção

integral do direito transindividual ao desenvolvimento.

79

4 ESTADO CONSTITUCIONAL SOLIDARISTA E DESENVOLVIMENTO

Do ensinamento de Zenão – escoliasta, Proculus retira uma imagem cosmológica

da solidariedade: Se o mundo é constituído por uma alma única, é necessário que haja

simpatia entre as partes que a compõem. Um século mais tarde, Panécio de Rodes, amigo do

historiador Políbio, dos círculos aristotélicos de Roma, evocará o sonho de uma sociedade

universal e fraternal154

.

Cultiva-se a ideia de sociedade universal onde o indivíduo é elemento tanto mais

ativo quanto estiver consciente de nela participar, como bem observa Duvignaud155

. Essa

solidariedade do homem para com a humanidade é claramente perceptível em Cícero no seu

Tratado dos deveres:

É importante, pensam os estoicos, que se saiba bem que é a natureza

que faz com que as crianças sejam amadas pelos pais: é o ponto inicial

donde procede a sociedade universal do gênero humano que

descrevemos (...) Donde se segue que, em geral, os homens são

confiados pela natureza uns aos outros: pelo fato mesmo de ser homem,

um homem não deve ser estranho a outro homem.

Marco Aurélio vai além no sonho de uma solidariedade universal, aproximando-se

da virtude próxima à caridade ou do amor ao próximo: “Num sentido, o homem é o ser mais

próximo de nós, de tal modo que devemos ser benfeitores e tolerantes para com os homens”

(Pensamentos)156

.

A solidariedade que hoje se constrói já superou a mera fraternidade da Revolução

liberal burguesa, é a sua evolução. Não obstante o grande lema da revolução francesa estar

expresso na trilogia liberté, egalité et fraternité (liberdade, igualdade e fraternidade), este

último termo não se fazia presente na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do

Cidadão de 1789. Ela irá reaparecer em 1948, quando da Declaração Universal dos Direitos do

Homem, da ONU, que em seu art. 1º dispôs: Todos os seres humanos nascem livres e iguais

em dignidade e em direitos. Eles são dotados de razão e de consciência e devem agir uns em

relação aos outros com espírito de fraternidade.

154

DUVIGNAUD, Jean. A solidariedade – Laços de Sangue e Laços de Razão. Trad. Vasco Casimiro. Lisboa:

Piaget, 1986, p. 16. 155

Ibidem, p. 18 156

Cfr.: Op. Cit. p. 19

80

4.1 Introdução ao pensamento solidarista

Nascido do choque de ideias e diversas formulações teóricas ao longo do século

XVIII e XIX157

, ressurge o solidarismo, através da ideia de direito social que emerge com

Grotius, com Leibniz158

, com os fisiocratas do século XVIII, com os enciclopedistas, que

animam a Revolução Americana e dá forma a essa federação, que inflama a França de 1789 a

1791, e que os jacobinos perverterão. Ideia que ressurge entre filósofos e pensadores sociais, de

Fichte a Proudhon, que Marx admite e depois recusa, que reencontramos na Comuna de Paris.

Uma imagem nova, sem dúvida, que evoca simultaneamente a autonomia dos grupos perante o

Estado e a cumplicidade dos homens face aos poderes159

.

Viu-se no termo “solidariedade”160

a deformação do latino solidus, que designa,

entre os juristas romanos, o laço que une entre si os devedores de uma quantia, de uma

obrigação, em relação à qual cada um é responsável pelo todo161

. Sua etimologia é apontada

por Jean Arnaud como substantivo abstrato formado sobre o adjetivo solidário, por sua vez

derivado do latim in solidum, que equivale a “totalidade”, “o todo” (Cícero). Neste sentido, os

primeiros textos do Digeste: “in solidum esse” (D. 13, 6, 5, 15) significa simplesmente a

indivisibilidade no uso162

.

Curiosidade histórica nos aponta Nicoletti ao afirmar que “solidariedade” foi pela

primeira vez utilizada em 1840, no contexto da filosofia social, por um são-simonense, P.

Leroux, que diz tê-la pedido emprestado aos legistas para introduzi-la em filosofia; trata-se de

substituir a caridade cristã pela solidariedade humana. Porém, isto já era possível de ser

encontrado nos textos de Voltaire ou de Chateaubriand, embora não num sentido específico.

Leroux usa precisamente a solidariedade como elemento constitutivo essencial da sociedade e

157

Nesse sentido: FARIAS, José Fernando de Castro. A Origem do Direito de Solidariedade. Rio de Janeiro:

Renovar, 1998, p. 187; DUVIGNAUD, Jean. Op. Cit., p. 11. 158

Essa ideia de reabilitação do direito social em Grotius e Leibniz deve-se a Georges Gurvitch: L’Idée de droit

social. Paris: Librairie du Recueil, 1931. 159

DUVIGNAUD, Jean. Op. Cit., p. 11 et seq. 160

Traduções: Alemão: Solidarität; Inglês: Solidarity; Espanhol: Solidaridad; Francês: Solidarité; Italiano:

Solidarietà; Holandês: Solidariteit; Grego: Αλληλεγγυη; Russo: Солидарность; Japonês: 連帯; Coreano: 연대;

Árabe: التضامن . 161

Op. Cit. p. 11-12. 162

ARNAUD, Jean. Dicionário enciclopédico de teoria e de sociologia do direito. Tradução: Patrice Charles, F.

X. Willlaume. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 766.

81

princípio do progresso de humanidade, antecipando assim a visão de Comte163

e, parcialmente,

a de Durkheim164

.

A solidariedade é termo plurissignificativo. Em ética, é compreendida como

“sentimento do grupo que supõe simpatia mútua e disposição para combater e lutar uns pelos

outros” (Ibn Khaldoun, em Moccad-dimat-Prolégomènes, citado por Bell). Em teoria política,

é “consciência acrescentada de direitos e de responsabilidades” (Cerroni). Em teoria do direito

privado, é categoria específica de relações de obrigação, caracterizada pela unidade-integridade

do vínculo obrigatório e a pluralidade de sujeitos. Em sociologia, é consenso entre unidades

semelhantes que somente pode ser assegurado através do sentimento de cooperação que deriva

necessariamente da similitude e da divisão do trabalho (Comte, Curso... L. XLVIII); é fato

social que consiste no consenso espontâneo das partes do todo social (Durkheim); traduz-se em

características das relações sociais onde a ação de cada um dos participantes implica todos os

outros (Weber); é a Integração institucionalizada da cooperação (Parsons)165

.

Próxima à ideia de solidariedade, conforme sugerem Solari e Petrone, está a noção

fischtiana de Gemeinde der Iche, que irá dar em Hegel, cuja reflexão sobre o “nós” terá

influência decisiva sobre a reflexão filosófica ulterior, de Husserl a Sartre, passando por

Bérgson, Scheler e Ortega. Também a noção de comunicação proposta por Jaspers relaciona-se

com a solidariedade166

.

A solidariedade é fato social, dirá Durkheim, seu estudo pertence ao domínio da

sociologia167

, fato que só pode ser bem conhecido por intermédio dos seus efeitos sociais. O

direito reproduz as principais formas de solidariedade social. Classificando as diferentes

espécies de direito, o professor em Bordeaux e depois em Paris, identificará as diferentes

espécies de solidariedade, em obra publicada em 1893 – La division du travail social.

O que faz com que, mesmo sendo mais autônomo, o indivíduo dependa mais

intimamente da sociedade? Como pode ser cada vez mais individual e, ao mesmo tempo,

sempre mais vinculado por laços de solidariedade? Questiona Durkheim168

.

163

Comte considera a solidariedade como a grande lei natural que governa o conjunto dos fatos sociais, do ponto

de vista tanto estático quanto dinâmico, a linha divisória entre a simples expressão biológica e a dignidade

humana (ARNAUD, Jean, Dicionário..., cit., p. 768). 164

Ibidem, p. 766-768. 165

Ibidem, p. 766. 166

Nesse sentido: ARNAUD, Jean: Op. Cit., p. 767. 167

DURKHEIM, Emile. Da Divisão do Trabalho Social. Trad. Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo: Martins

Fontes, 1999, p. 34. 168

Ibidem, p. 50.

82

A vida em sociedade não pode se estender em nenhum campo sem que a vida

jurídica a siga simultaneamente nos mesmos relacionamentos. Em Durkheim, o direito é o

“símbolo visível” da solidariedade social. Para analisar as diversas formas de solidariedade é

que passa a analisar as diversas formas de direito169

.

Criticando a clássica divisão do direito em público e privado (tal divisão baseia-se

numa noção tanto obscura quanto mal-analisada), Durkheim irá propor uma classificação da

solidariedade social seguindo a classificação das regras jurídicas de acordo com as diferentes

sanções que são ligadas a elas170

.

Há dois tipos de sanção. Umas consistem essencialmente numa dor ou numa

diminuição infligida ao agente, privando-o de algo de que desfruta. Diz-se que são repressivas

– é o caso do direito penal. Quanto ao outro tipo, consiste no restabelecimento das relações

perturbadas sob sua forma normal, estando ligada à reparação das coisas. Existem, portanto,

sanções repressivas organizadas ou sanções apenas restitutivas171

.

O vínculo de solidariedade social a que corresponde o direito repressivo é aquele

cuja ruptura constitui o crime. Assim, o direito penal simboliza a solidariedade por similitude,

a que Durkheim denomina solidariedade mecânica. Todos os membros do grupo são

individualmente atraídos uns pelos outros, por se assemelharem, mas também são apegados ao

que é a condição de existência desse tipo coletivo, isto é, a sociedade que formam por sua

reunião. A solidariedade, nascida das semelhanças, vincula diretamente o individuo à

sociedade172

.

Afirma Durkheim que é essa solidariedade que o direito repressivo exprime, pelo

menos no que ela tem de vital. De fato, os atos que ele proíbe e qualifica de crimes são de dois

tipos: ou manifestam diretamente a dessemelhança demasiado violenta contra o agente que as

realiza e o tipo coletivo, ou ofendem o órgão da consciência comum. Essa força que é chocada

pelo crime e que o reprime é a mesma; ela é produto das similitudes sociais mais essenciais e

tem por efeito manter a coesão social que resulta dessas similitudes173

.

169

TREVES, Renato. Sociologia do Direito. Tradução: Marcelo Branchini. São Paulo: Manole, 2004, p. 57. 170

Da Divisão do Trabalho Social. p. 36. Durkheim não admite a existência de direito privado, acredita que todo

direito é público, porque todo direito é social. Todas as funções da sociedade são sociais. (Op. Cit. p. 103) 171

Ibidem, p. 37. 172

Ibidem, Capítulo II, p. 76-78. 173

Ibidem, p. 80.

83

Essa conexão que se estabelece entre os indivíduos, criando vínculo entre

consciências individuais e consciência coletiva é fundamental para compreensão da

solidariedade por similitude defendida por Durkheim e situa-se num nível mais psicológico que

propriamente sociológico.

Já a solidariedade devida à divisão do trabalho ou orgânica corresponde à sanção

restitutiva. As relações reguladas pelo direito contratual, comercial, processual, administrativo

e constitucional exprimem concurso positivo, cooperação que deriva essencialmente da divisão

do trabalho174

.

Parte do direito civil tem, pois, como objeto determinar a maneira como se

distribuem as diferentes funções familiares e o que elas devem ser em suas relações mútuas;

isso quer dizer que exprime a solidariedade particular que une entre si os membros da família

em consequência da divisão do trabalho doméstico, exemplifica Durkheim175

. Essa divisão do

trabalho familiar domina todo o desenvolvimento da família. O direito administrativo

estabelece a divisão funcional dita administrativa. O mesmo ocorre com o direito

constitucional no caso das funções governamentais e o sistema de divisão de competências.

A divisão do trabalho cria entre os homens todo o sistema de direitos e deveres que

os ligam uns aos outros de maneira duradoura. Do mesmo modo que as similitudes sociais dão

origem a um direito e a uma moral que as protegem. A divisão do trabalho social dá origem a

regras que asseguram o concurso pacífico e regular das funções divididas176

.

Ao final de sua obra, Durkheim faz referência à ideia de justiça, que será

desenvolvida por seu discípulo, Léon Duguit. Afirma Durkheim, que não basta haver regras,

elas têm de ser justas e, para tanto, é necessário que as condições externas de concorrência

sejam iguais. Muitas das construções teóricas de Durkheim, em especial o seu conceito de

“consciência coletiva”, serão revistas por Gurvitch177

, Hauriou e tantos outros que se orientam

pelo pensamento solidarista.

O grande mérito de Durkheim, a despeito das críticas que lhe foram dirigidas,

constituiu em apresentar a concepção de solidariedade bem próxima da sociedade, constituindo

quase que a identidade reflexiva da própria sociedade, fundando as bases do que se denominou

174

Cfr. DURKHEIM, Émile. Op. Cit., p. 98. 175

Ibidem, p. 99. 176

Ibidem, p. 429. 177

GURVITCH, Georges. La Vocation Actualle de la Sociologie. Antécédents et Perspectivas. Paris: Presses

Universitaires. 2. ed. 1963. Tomo I, p. 2 et seq.

84

solidarismo sociológico e que, posteriormente, Duguit desenvolveria para construir o seu

solidarismo jurídico178

.

A solidariedade aparece hoje como atualização da fraternidade. Diferencia-se do

solidarismo fundamentalmente por seu referencial cristão179

(importância decisiva das noções

de caridade e comunhão)180

.

A fraternidade é vista por Derrida como a amizade que reúne as vontades e oferece

solidez ao poder. É também postulado não cumprido da Revolução burguesa de 1789181

.

Ser solidário é assumir responsabilidades comuns para com o outro e desse para

conosco, num vigiar constante e recíproco entre parceiros da sociedade, onde cada tarefa

cumprida no interesse de servir ao próximo faz parte da edificação democrática e pluralista do

Estado Constitucional Solidarista.

O fato de Robespierre, Couthon, Saint-Just, terem, em nome da moralidade cujos

segredos detinham, utilizado o terror e a guilhotina como instrumento de controle social, foi o

que lhes permitiu liquidar fisicamente os seus opositores, conduzir Condorcet ao suicídio e

abater mesmo o criador do tribunal contra-revolucionário – Danton. Uma moralidade

exasperada que, mais tarde, encontrou estímulos no mundo entre ditadores políticos, racistas ou

religiosos. “Não pode haver liberdade para os inimigos da liberdade”, proclama um deles; mas

quem a define?182

. No Brasil, uma placa pendurada no saguão de delegacia paulista no auge

dos “anos de chumbo” afirmou: “Contra a pátria não há direitos”183

, lema que insiste em

perdurar nos processos judiciais que reclamam qualquer pretensão indenizatória em face do

Estado, através do sistema inconstitucional de precatórios em prática no país.

178

Apesar de Durkheim se interessar pelo fenômeno jurídico, está bastante próximo do pensamento sociológico

de Comte – todo empenhado no estudo do problema do consensus – muito distante das concepções individualistas

e contratualistas de Spencer, a quem Durkheim dirige muitas das suas críticas. Nesse sentido: Renato Treves:

Socilologia del Diritto, p. 60; R. Aron: Lês étapes de la pensée sociologique, p. 372 et seq; J. Davignaud, F.

Farrarotti e A. Izzo, Individuo e società in Durkheim. 179

Pensamento presente em 1891, com a promulgação da Rerum novarum. Leão XIII inaugura nova época para a

doutrina social cristã, fundadas sobre três pilares: justiça, amor e solidariedade. Justiça, porque ela expressa o

direito básico de todo homem para o seu desenvolvimento; amor, porque ele recria as forças interiores para o

exercício das virtudes; solidariedade, porque, fruto da justiça e do amor, ela impele para a doação desinteressada.

(ULLMANN, Reinholdo; BOHNEN, Aloysio. O solidarismo. São Leopoldo: Unisinos, 1993, p.159) 180

Para melhor compreensão do solidarismo cristão ver: Reinholdo Ullmann e Pe. Aloysio Bohnen: O

solidarismo; Pe. Fernando Bastos de Ávila: Solidarismo – Alternativa para a globalização. 181

DERRIDA, Jaques. Politiques de l’amitié. Paris: Galilée,1994. 182

DUVIGNAUD, Jean. Solidariedade – laços de sangue e laços de razão. Tradução: Vasco Casimiro. Lisboa:

Piaget, 1986, p. 92 183

GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

85

O Solidarismo oferecerá uma via diferente da dos fanáticos do individualismo

exasperado que alarga a consciência de si até às dimensões de uma consciência de todos.

Afirmará Duvignaud: “O sonho de Platão na República, onde confia aos sábios a direção da

cidade, não é diferente do dos adeptos do Terror de 1793, nem do das ditaduras que encontram

no princípio de uma razão ou de uma moral absolutas a legitimidade de um poder

extorquido”184

. O Estado se constrói democrática e solidariamente nos degraus do pluralismo

político, num processo de desenvolvimento edificado na ampla participação popular e

transparência das ações estatais, retirando sua legitimação através da garantia de acesso

universal ao progresso existencial humano.

Discípulo de Émile Durkheim (1858-1917), Léon Duguit (1859-1928) também

receberá influência de outro grande representante da “Escola sociológica francesa”, Auguste

Comte (1798-1857).Sua doutrina fornecerá as bases do solidarismo jurídico chegando mesmo a

constituí-lo.

A compreensão do solidarismo de base constitucionalista edificado por Duguit será

fundamental para solidificar a teoria integral de proteção do direito fundamental

transindividual ao desenvolvimento, reconhecidamente, o direito de solidariedade de maior

amplitude normativa, multicitado nas constituições nacionais, comunitárias e tratados

internacionais185

.

Em sua crítica da doutrina individualista, Duguit afirma que o homem natural,

isolado, que nasce livre e independente dos outros homens, e com direitos constituídos por essa

mesma liberdade e essa mesma independência, é abstração alheia à realidade. De fato, o

homem nasce membro da coletividade; viveu sempre em sociedade e só pode viver em

sociedade, e o ponto de partida de qualquer doutrina sobre o fundamento do direito deve ser,

sem dúvida, o indivíduo implicado nos laços de solidariedade social186

.

Aqui a sociedade humana é fato primário e natural, e não o produto da vontade

humana. Percebe Duguit que a humanidade está muito dividida em certo número de grupos

sociais, e o homem só se concebe como verdadeiramente solidário daqueles homens que

184

DUVIGNAUD, Jean. Op. Cit. p. 93. 185

O solidarismo também produzirá reflexos na compreensão do federalismo, provocando mudanças em suas

bases cooperativas, nas relações de interconstitucionalidade federativa interna (Constituições Estaduais em

diálogo com as Constituições Federais) e de interconstitucionalidade federativa externa (Constituições estaduais

em diálogo com os Tratados Internacionais de Direitos Humanos e Constituição Comunitária). 186

DUGUIT, Léon. Fundamentos do Direito. Tradução: Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN Editora, 2003,

p. 11.

86

pertencem ao seu grupo. Esses grupos revestiram diversas formas contingentes, sendo as

principais na ordem cronológica: a horda, a família, a cidade, a nação187

.

Os homens do mesmo grupo social são solidários uns com os outros: primeiro,

porque têm necessidades comuns que só podem garantir satisfação pela vida em comunidade;

segundo, porque têm necessidades diferentes e aptidões diferentes pela troca de serviços

recíprocos, devidos ao desenvolvimento e emprego das suas diferentes aptidões188

, ao primeiro

motivo (igualdade de necessidades) liga-se a solidariedade por similitude, ao segundo, a

solidariedade por divisão do trabalho social189

.

A solidariedade por similitude, que nasce da igualdade de necessidades satisfeitas

pela existência da vida em comum, pressupõe a união de esforços. Já a divisão do trabalho se

orienta pela diversidade de aptidões em face de interesse comum. A solidariedade é fato porque

os homens estão submetidos a esta força que os fazem sentirem-se membros do todo social;

mas, ao mesmo tempo, a solidariedade é ideia, pensamento individual, representação de um

estado, ao qual, como critério de suprema justiça, deve acomodar-se a conduta dos homens190

.

Além de ter a solidariedade como fundamento do direito, expressada tanto pela

similitude quanto pela divisão do trabalho social, Duguit, ao discutir a distinção (com a qual

não concorda) entre direito público e direito privado, afirmará a importância do espírito de

justiça:

Diz-se muitas vezes: - o espírito que deve presidir ao estudo do direito

público não é o mesmo que deve inspirar o estudo do direito privado.

Na verdade, não compreendemos o que isso quer dizer. Sempre

julgamos que o espírito que se deve aplicar ao estudo do direito é o

espírito de justiça. É seguramente com esse espírito que se deve estudar

o direito privado. Pretenderá alguém que se deva estudar o direito

público com espírito diferente? Não podemos acreditá-lo191

.

187

Op. Cit. p. 16. 188

Op. Cit. p. 17. 189

DUGUIT, Léon. L’Etat, le droit objectif et la loi positive. Paris: Albert Fontemoing Éditeur, 1901, p. 40-49.

Manual de Derecho Constitucional. Tradução: José G. Acuña. Granada: Editorial Comares, 2005, p. 6. Na

tradução brasileira: Fundamentos do Direito. Tradução: Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN Editora, 2003,

p. 17 existe um equívoco na tradução dessa passagem do pensamento de Duguit, apontando a primeira espécie de

solidariedade por divisão do trabalho, quando na verdade Duguit a afirma por similitude, por esse motivo nossa

pesquisa foi efetuada em obra original em francês e na tradução espanhola, acima citadas. 190

DUGUIT, Léon. Manual de Derecho Constitucional. Tradução: José G. Acuña. Granada: Editorial Comares,

2005, p. 6. et seq 191

Ibidem. p. 36 et seq.

87

Duguit retira da soberania o seu poder de mando para convertê-la em capacidade de

servir192

. Momento em que converte a própria noção de soberania em noção de serviço

público193

, paralelamente opera a transformação do conceito de liberdade, fundamento

indestrutível da autonomia individual.

Seguindo os ensinamentos de Durkheim, Duguit afirma que a solidariedade que

existe entre os homens do mesmo grupo é dupla: os homens estão unidos entre si por: primeiro

por laços de solidariedade os quais Durkheim denomina mecânica ou por similitude e, ademais,

por laços de solidariedade chamada orgânica, ou por divisão do trabalho.

A solidariedade por similitude resulta do fato de que os homens, vivendo em

sociedade, são, em muitos aspectos, semelhantes uns aos outros, unem-se através dessa

igualdade.

A solidariedade orgânica ou por divisão do trabalho além de unir os indivíduos,

estabelece a interdependência inserindo-os como membros da mesma sociedade, relacionando-

os através da diferenciação. Esta última classe de solidariedade é característica das sociedades

que tenham alcançado alto grau de civilização.

O Estado encontra-se submetido à regra de desenvolvimento da solidariedade

assim como o são os próprios indivíduos, sendo a vontade dos governantes, “uma vontade

jurídica capaz de impor constrição somente no momento em que se manifesta nos limites que

lhe são traçados pela regra do direito”194

.

O Estado não é outra coisa senão o produto da diferenciação natural entre os

homens do mesmo grupo do qual deriva o que se chama de potência pública, que não pode, de

nenhum modo, ser legitimada por sua origem, mas somente pelos serviços que presta de acordo

com a regra de direito195

.

Muitas ideias de Duguit refletirão em Adolfo Posada, no tratamento que este último

confere à concepção teleológica de Estado196

. O Estado surge idealmente da decisão consciente

192

DUGUIT, Léon. Soberania y libertad. Tradução e Prólogo: José G. Acuña. Madrid: Francisco Beltran, 1924. 193

O Estado não é poder de mando, soberania; é cooperação de serviços públicos organizados e controlados pelos

governantes, afirmará Duguit. Manual de Derecho Constitucional..., p. 72 et seq. Trate..., t. II, p. 54. 194

Op. Cit. p. 259. 195

Cfr.: TREVES, Renato. Sociología del Diritto. p. 131; DUGUIT, Léon. Trate..., p. VII. 196

POSADA, Adolfo. La crisis del Estado y el Derecho Político. Madrid: C. Bermejo, 1934, p. 25: “sumergido en

el derecho, y más ceñido al hombre” se defiende una Política y un Derecho político de contenido social, de

cimentación histórica y realista, pero volcados hacia el ideal y las exigencias éticas.

88

de estabelecer meio idôneo a serviço da realização dos fins da vida humana e, antes de tudo,

para garantia da liberdade e do progresso existencial humano (direito fundamental

transindividual ao desenvolvimento). Daí que para Posada o Estado seja constitutivamente

Estado serviçal, de serviços públicos oferecidos aos cidadãos. O Estado seria desse modo o

reflexo da solidariedade197

. Aqui se percebe a confluência entre os pensamentos de Duguit e

Posada198

.

Para Posada a forma de Estado constitucional social refletiria a implicação

constitucional e ética na realização da justiça social e na harmonização jurídica da esfera

individual e social do homem em seus diversos papeis sociais, estabelecendo sistema de

garantias dos direitos e liberdades essenciais, com vistas a mais ampla realização dos fins

humanos. Sua “ideia pura de Estado” reflete seu compromisso com o regime de Estado de

Direito comprometido com os direitos humanos199

, sendo a substância condicionante de sua

forma jurídica. Nesse aspecto, cresce em relevância a junção solidária de perspectivas

constitucionais, internacionais e comunitárias no processo de proteção do desenvolvimento.

No mesmo sentido, Duguit afirmará a reforma social como tarefa central do

Estado, revisando o constitucionalismo liberal individualista200

, fornecendo as bases para o

constitucionalismo social e solidário.

Chegará o dia em que a solidariedade humana absorverá as solidariedades locais,

regionais ou nacionais; dia em que o homem se considere cidadão do mundo? Duguit observa

que “em todas as formas de agrupamento humano existe uma única realidade, a pessoa

humana, isto é, a consciência e a vontade do indivíduo” e conclui afirmando que “essa

individualidade parece mais viva e mais ativa quanto mais coerente, complexo e compreensivo

é o grupo social”201

. Construir esse ideal universal passa necessariamente por três fenômenos

relacionados à nossa concepção de solidariedade: o pluralismo, a cooperação

interconstitucional-intercultural e a teoria integral de proteção.

197

Nesse sentido: José Luis Monero Pérez e José Calvo Gonzáles. La Teoría Jurídica de León Duguit. In:

DUGUIT, Leon. Manual de Derecho Constitucional. Tradução: José G. Acuña. Granada: Editorial Comares,

2005, estudio preliminar, p. XLII. 198

Adolfo Posada, em boa medida, foi um dos introdutores do pensamento “deguitiano” na Espanha. 199

POSADA, Adolfo. La Idea Pura del Estado. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1935. 200

Cfr. MONERO PÉREZ, José Luis, e CALVO GONZÁLES, José. “León Duguit (1859-1928) Jurista de una

sociedad en transformación. Revista de Derecho Constitucional Europeo, N. 04, 2005. 201

DUGUIT, León. L´État, le droit objectif et la loi positive. Paris: Albert Fontemoing Éditeur, 1901, p. 80.

89

Maurice Hauriou (1856-1929), professor em Toulouse, colocou-se contra as

concepções de direito e de Estado de Duguit, que ele chama de subjetivistas na medida em que

concebem “as regras de direito com a volição subjetiva da pessoa do Estado”. Também

condena o objetivismo por colocar tudo sobre a regra de direito, pois, para Hauriou, o

verdadeiro elemento objetivo do sistema jurídico é a instituição, e afirmará: “são as instituições

que fazem as regras de direito e não tais regras que fazem as instituições“. As instituições são

substancialmente o centro e a fonte da juridicidade202

.

A instituição (Estado, igreja, família, sindicato etc.) é fato incontestável, ideia

objetiva transformada em obra social por um fundador, ideia que recruta adesões no meio

social e sujeita a seu serviço vontades subjetivas indefinidamente renovadas, afirmará

Hauriou203

.

As instituições sociais, na concepção de Hauriou, duram um tempo mais ou menos

longo, segundo a melhor ou pior resposta apresentada às necessidades do meio social e

conforme as suas ideias se aproximem da verdade e da justiça204

.

Com relação à fraternidade, Hauriou refere-se às instituições de beneficência

pública para os indigentes, os enfermos, menores abandonados e idosos.

Para Hauriou, o processo de institucionalização é composto por três formas de

solidariedade: a solidariedade orgânica, a solidariedade representativa e a solidariedade ética.

Essas formas de solidariedade estão em perpétua articulação e interação, formando a

conciliação prática e teórica na sociedade global. O mundo social será processo de construção,

trazendo em si as raízes de uma ordem institucional em expansão205

.

A instituição possui obra a realizar no meio social, que se traduz na afirmação do

princípio da solidariedade. A proximidade desse ideal é que determinará a sua continuidade e

permanência, transformação ou extinção, sempre refletindo as novas necessidades sociais.

A dinâmica e institucionalização das Forças Tarefas estabelecidas pela ONU para o

desenvolvimento global constituem reflexo dessa última concepção de solidariedade. Em

setembro de 2000, os líderes mundiais comprometeram suas nações com oito Objetivos de

Desenvolvimento do Milênio (ODM) a serem alcançados até 2015. Essas políticas públicas

202

HAURIOU, Maurice. Princípios de Derecho Público y Constitucional. Tradução: Carlos Ruiz del Castillo.

Granada: Editorial Comares, 2003, p. 28 et seq. 203

Ibidem, p. 91. 204

Ibidem. p. 97. Mais adiante Hauriou substituirá o termo verdade por verdade moral e, por fim, apenas Moral. 205

Cf.: FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998,

p. 249-251

90

internacionais buscaram reduir para metade a pobreza extrema, impedir a propagação do HIV /

AIDS (com 24,7 milhões de pessoas vivendo com HIV na África Subsariana em 2013, a região

continua sendo a mais afetada pela epidemia de AIDS conforme dados da UNAIDS206

) e

prover educação primária universal. Para conseguí-los ao Secretário-Geral lançou diversas

iniciativas, incluindo o Desafio Fome Zero.

Entre os anos de 2004 a 2010 destacam-se os trabalhos da High-Level Task Force

on the implementation of rights to development. O Working Group on the Right to

Development permanece em atividade desde 2000. Também integra o sistema de forças tarefas

o UN System Task Team on the Post-2015 UN Development Agenda. Mais informações sobre a

agenda de desenvolvimento pós-2015 podem ser encontraras no “World We Want 2015” (site

de propriedade conjunta de agências das Nações Unidas e organizações da sociedade civil –

associação igualitária de colaboração).

Gurvitch, rompendo com a tradição clássica, e com Duguit mais do que com

Durkheim, fala de socialidade ao invés de solidariedade, que seria uma de suas formas. Ele faz

distinção entre a socialidade por fusão parcial dentro do “nós” – interpenetração – e a

socialidade por simples interdependência – relação, comunicação207

.

Ainda sugere Gurvitch que o único sentido preciso de solidariedade distinto da

coesão/interdependência não pode estar isento de parentesco com aquilo que, depois de

Hauriou, ele chama de “ordem integrativa”, cuja expressão organizada são as associações

igualitárias de colaboração208

.

Toda a construção teórica de Gurvitch e sua concepção solidarista passam pela

compreensão de direito social.

O direito social é direito autônomo de comunhão integrando, de maneira objetiva,

cada totalidade ativa do real, que encara valor positivo extratemporal. Esse direito se desprende

diretamente do “todo” em questão para regular sua vida interior. O direito social precede, na

sua camada primária, toda organização do grupo e só pode se exprimir de maneira organizada

se a associação é fundada sobre o direito da comunidade subjacente objetiva e pela penetração

desse direito na comunidade. O direito social se endereça, na sua camada organizada, a sujeitos

206

Disponível em: http://www.unaids.org/sites/default/files/20150123_Champions_PR2_en.pdf. Acesso em 12 de

janeiro de 2015. 207

ARNAUD, Jean, Dicionário enciclopédico de teoria e de sociologia do direito. Tradução: Patrice Charles; F.

X. Willlaume. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 769. 208

Ibidem. p. 770-771.

91

específicos que observam a multiplicidade de seus membros na vontade única da cooperação

ou do estabelecimento209

. Essa concepção de Gurvitch afirma a ideia de superação do “direito

de dominação ou subordinação” próprio do direito romano pelo “direito de integração ou de

comunhão de interesses” presente na realidade interconstitucional de proteção integral ao

desenvolvimento.

Na participação de todos em torno da construção do que Gurvitch denomina “fato

normativo” de “relação com outrem” e na participação direta do “todo”, fundada sobre o

direito social, que se manifesta a ligação especial entre os sujeitos desse direito; isto é, a

interdependência mútua e a fusão parcial de suas pretensões e de seus deveres

correspondentes210

.

Em L’Expérience Jurídique et Philosophie Pluraliste, Gurvitch desenvolverá

estudos sobre pluralismo jurídico e democracia, chegando a designar o “reino do direito” como

verdadeiro “astro condutor” do Estado democrático.211

Nesse ponto, descobre novas

possibilidades para jurisdição interconstitucional de proteção.

Gurvitch acrescenta três novas dimensões à problemática sociológica do pluralismo

jurídico: (i) A pluralidade dos ordenamentos do direito social não repousa apenas na

multiplicidade dos grupos ou associações. O direito social pode corresponder a quadros sociais

supra-funcionais, como a nação, as classes sociais e a comunidade internacional; (ii) Junto ao

direito social, cuja fonte é essencialmente coletiva, manifesta-se o direito interindividual que se

baseia no intercâmbio entre os indivíduos. Ora, se o direito social tende a predominar no seio

dos grupos e dos outros quadros sociais, o direito interindividual seria essencialmente

desenvolvido no ordenamento jurídico do Estado, particularmente no estágio do liberalismo

econômico; (iii) A clivagem formal/informal na realidade social do direito não fornece

representação adequada da relação direito do Estado/direito da sociedade, pois cada quadro de

direito social, estatal ou não, revela ser a morada da dinâmica constante entre o direito

organizado e o direito inorganizado que lhe é subjacente212

.

209

GURVITCH,Georges. L’Idée du Droit Social. Paris: Librairie du Recueil, 1931, p. 15 et seq. 210

Ibidem. p. 22. 211

Cf.: FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998,

p. 275. 212

GURVITCH, Georges. Élements de sociologie juridique. Paris: Aubier, 1940. Ver também: BELLEY, Jean-

Guy. “Georges Gurvitch et les professionels de la pensée juridique”, In: Droit et Societé. Paris: LGDJ, 1986, nº 4,

p. 353-371

92

Cabe-nos apreender com Ricoer que o sentido de um texto não está por detrás do

texto, mas à sua frente. Não é algo de oculto, mas algo de descoberto. O que importa

compreender não é a situação inicial do discurso, mas o que aponta para um mundo possível,

graças à referência não ostensiva do texto. A compreensão tem menos do que nunca a ver com

o autor e sua situação. Procura apreender as posições de mundo descortinadas pela referência

do texto. Compreender um texto é seguir seu movimento do sentido para referência: do que ele

diz para aquilo de que ele fala. Neste processo, o papel mediador desempenhado pela análise

estrutural constitui a justificação da abordagem objetiva e a retificação da abordagem subjetiva

ao texto213

.

O texto fala de mundo possível e de modo possível de alguém nele se orientar. Os

horizontes oferecidos pelo pensamento solidarista em nossos estudos pretendem ser o caminho

para se chegar a esse mundo possível que nos foi prometido – de uma sociedade livre, justa e

solidária em progresso existencial.

O fundamento do princípio da solidariedade é compreendido de diferentes formas.

Seja considerando-o fundamento do direito ou base de sustentação da sociedade. Nada é mais

comum e próprio da solidariedade do que o ideal de contribuição para o crescimento

psicológico, material, cultural, espiritual, filosófico, físico, sentimental, enfim, de todas as

potencialidades humanas, respeitando sempre o pluralismo de concepções e modos de vida que

se afirmam no progresso existencial através do direito fundamental transindividual ao

desenvolvimento.

Tudo que se faz e que se constrói, tanto científica quanto culturalmente, deve

buscar reafirmar sempre o pensamento solidarista, na busca do bem comum, na afirmação da

justiça, na liberdade conciliada pelo respeito e ajuda ao próximo, jamais pelo egoísmo pessoal.

À luz desse novo paradigma, muitas ideias classicamente afirmadas pela teoria do

direito carecem de revisão epistemológica e filosófica. Mesmo porque nosso entendimento

aproxima-se cada vez mais da compreensão da teoria do direito enquanto disciplina filosófica,

distanciando-se da concepção dogmática.

A solidariedade se concretiza no compartilhar – modos de vida, interesses comuns,

papéis sociais, sentimentos, conquistas, conhecimentos, experiências – refletindo o que

passamos a denominar solidariedade pela afirmação do pluralismo, tema que será aprofundado

213

RICOER, Paul. Teoria da Interpretação – o discurso e o excesso de significação. Tradução: Artur Morão.

Lisboa: Edições 70. 1976, p. 99

93

em tópico específico. De modo que a sociedade venha a constituir-se num espaço de

cooperação e solidariedade, até mesmo na vertente abandonada pelo Estado Constitucional

Pluralista que buscamos recuperar.

Michael Walzer, em Êxodo e revolução, afirma o seguinte:

Primeiro, onde quer que vivas é provavelmente o Egito. Segundo, que

sempre há um lugar melhor, um mundo mais atrativo, uma terra

prometida. E, terceiro, que o caminho a essa terra é através do deserto.

Não há forma de chegar aí exceto unindo-se e caminhando214

.

Para nós que desejamos observar a solidariedade enquanto princípio do progresso

da humanidade e de realização da própria condição humana concretizar-se ainda nesta vida,

não poderíamos deixar de referenciar o pensamento pragmatista, já presente em Duguit215

e

com o qual tivemos contato a partir dos debates entre Rorty e Habermas em Filosofia,

Racionalidade e Democracia e que, decisivamente, influenciaram muitas das nossas

construções teóricas.

Em breve síntese, o pragmatismo vincula todo o discurso de legitimação e

pretensão de correção das diversas teorias com a verificação empírica de sua aptidão para

produzir transformações na realidade, no caso específico do nosso estudo, a concretização

constitucional do pensamento solidarista integra a teoria integral de proteção em ambiente

plural e democraticamente consolidado em redes de cibercidadania participativa objetivando

garantir o progresso existencial humano através do direito fundamental transindividual ao

desenvolvimento.

A solidariedade há que ser vivida muito mais que contemplada, afinal, o Estado

Solidarista é algo em que nos transformamos.

Se um dia o pensamento de Hannah Arendt sobre a concepção de poder sem

violência foi capaz de se concretizar através das ações de Gandhi em sua “desobediência

pacífica”, negando o que outrora pensou Max Weber, também a solidariedade há que

converter-se em ação.

214

WALZER, Michael. Exodus and Revolution. USA: Basic Books, 1985, p. 149. 215

A teoria pragmática do direito fora exposta por Duguit em conferências pronunciadas na Universidade de

Madrid em novembro de 1923. Nesse sentido: SALDAÑA, Quintiliano. El Pragmatismo jurídico – Conferencias

pronunciadas en la Universidad de Madrid. Madrid: Francisco Beltran, 1924.

94

A solidariedade concretizada é que confere identidade e força normativa aos textos

interconstitucionais contemporâneos, constituindo seu novo marco teórico e a via possível de

afirmação do desenvolvimento no novo milênio.

4.2 Fundamentos teóricos e filosóficos do Estado Constitucional Solidarista

As formações conceituais aqui apresentadas refletem não apenas o real, o já

seguramente alcançado. O Estado Solidarista não é apenas possível forma (futura) de

desenvolvimento do tipo “Estado Constitucional”216

; ele já assumiu conformação na realidade

e é, necessariamente, a forma necessária de estatalidade legítima do amanhã, de reafirmação da

justiça social, do pluralismo e dos direitos fundamentais.

Muito mais importante que fortalecer a solidariedade no âmbito estatal é fortalecê-

la na (e a partir da) sociedade, compreendendo a sua complexidade e o seu pluralismo.

Complexidade que não se reduz à falaciosa dicotomia Estado-Sociedade. Pluralismo que se

afirma na ideia de alteridade compreensiva, respeito às diferenças, luta pelas minorias

excluídas do acesso aos mais diversos direitos fundamentais, diversidade de ideias e

expectativas de vida e, acima de tudo, pelo fortalecimento dos laços de solidariedade social.

Toda mudança institucional será vã se não partir dessas premissas. Tais premissas constituem

verdadeiro paradigma na interpretação e concretização do texto constitucional em seu

conjunto.

O Estado possui razão de existir, fundamento que lhe confere legitimidade e

permanência. O Contratualismo, em termos gerais, afirma que o Estado é produto da decisão

racional do homem em face da necessidade social. Dentre os filósofos políticos que seguem tal

corrente de pensamento estão: Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Jean-

Jacques Rousseau (1712-1778).

Em Hobbes tal razão será a paz e a segurança que deve o Estado garantir perante a

sociedade beligerante, afinal, em sua concepção, “o homem é o lobo do próprio homem”. Sem

a espada os pactos não são senão palavras, dirá Hobbes. Na sua concepção, os termos do

contrato se darão da seguinte forma: o Estado assume estrutura institucional que na prática se

apresentará virtualmente auto-suficiente, pela magnitude das suas atribuições, auto-referencial

216

Parafraseando Peter Häberle. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução: Marcos Augusto Maliska e Elisete

Antoniuk. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 5

95

pelos fundamentos do seu poder, hermética por sua impermeabilidade aos reclamos dos

súditos, incondicional porque o cumprimento dos seus fins é incompatível com a formulação

de reservas por parte dos contratantes no momento de contratar, impune, pois, toda sanção

pretendida aplicável ao soberano seria uma sanção do súdito contra si mesmo, e irreversível

devido aos perigos de retorno à situação pré-contratual217

. Seu produto institucional é o Estado

absolutista218

.

Locke fundamenta a existência do Estado na garantia da liberdade, propriedade e

igualdade entre os indivíduos. Os homens em estado de natureza são livres para ordenar seus

atos e para dispor de suas propriedades conforme sua própria vontade, dentro dos limites da lei

natural, sem necessidade de pedir permissão e sem depender da vontade de outra pessoa e são

iguais, posto que não haja coisa mais evidente que o fato de seres da mesma espécie e idêntica

natureza, nascidos para participar sem distinção de todas as vantagens da natureza e para

servir-se das mesmas faculdades sejam também iguais entre si, sem subordinação ou

sujeição219

. Seu modelo de Estado é o liberal (mínimo) e o homem é por natureza um ser

egoísta que quer apenas o seu progresso pessoal. O Estado deve fixar as regras (legislação),

difundir seu conhecimento (educação), evitar sua violação (segurança) e castigar seu

descumprimento (justiça) 220

. Locke também afirma o direito de resistir à opressão do

governante que descumpre os termos estabelecidos no contrato221

.

Rousseau afirmará a incompatibilidade entre igualdade e propriedade, pois é nesta

última que se encontra a origem da desigualdade222

entre os homens, no momento em que um

deles cercou determinado espaço territorial e afirmou: “isso é meu” e encontrou pessoas

suficientemente simples para acreditá-lo, foi esse o fundador da sociedade civil. Quantos

crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele

que, arrancando as estacas, tivesse gritado aos seus semelhantes: “Defendam-se de ouvir esse

impostor; estarão perdidos se esquecerem que os frutos são de todos e que a terra não pertence

217

HOBBES, Thomas. Leviatán. Trad. Antônio Escohotado. Madrid: Ed. Nacional, 1983, p. 223 et. seq. 218

Nesse sentido: ROSATTI, Horacio Daniel. Teorías sobre el origen y justificación del Estado. In: Revista de

Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: RT, nº 35, 2001, p. 55. 219

LOCKE, John. Ensayo sobre el gobierno civil. Trad. Amando Lázaro. Madrid: Ed. Aguilar, p. 5 220

Ibidem, p. 73 et seq. 221

Ibidem, Capítulo XVIII (“De la tiranía”), p. 155. 222

Originariamente Rousseau percebe dois tipos de desigualdade: a primeira, natural ou física, decorre da

diferença de idade, da saúde, das forças do corpo ou qualidades do espírito, esta não lhe interessa em nada; a

segunda, moral ou política, parece estar estabelecida com o consentimento dos homens, após uma espécie de

convenção e é a única que merece que sejam descritos a sua origem e seu processo. Nesse sentido: PISIER,

Evelyne. História das Idéias Políticas. Trad. Maria Alice Farah Calil. Barueri: Manole, 2004, p. 82.

96

a ninguém”. Serão, portanto, a liberdade e a igualdade, os fundamentos do Estado para

Rousseau, em sua percepção, o homem é bom por natureza223

, e cada um, unindo-se a todos, só

obedece, contudo, a si mesmo, daí que a lei, na concepção de Rousseau, é a expressão da

vontade geral224

. Obedecendo à lei que se prescreveu a si mesmo o homem torna-se livre.

Os contratualistas e outros pensadores políticos dos séculos XVII e XVIII, a

exemplo de Montesquieu, Voltaire, Sieyès, contribuíram historicamente para a formação do

Estado Constitucional, fruto do movimento conhecido por constitucionalismo, concretizado na

Inglaterra após a Revolução Gloriosa de 1688 e que resultou na Monarquia Constitucional

daquele país; reafirmado no movimento de Independência das Treze Colônias Inglesas em

1776 que deu origem aos Estados Unidos da América e a primeira constituição escrita do

mundo em 1787; e, por fim, a Revolução Francesa de 1789, marco histórico do final de uma

era, que se inicia sob novos ideais e novas esperanças, que se fizeram presentes na Declaração

Universal de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, incorporada à Constituição da França

de 1791.

Com o fim do absolutismo na Inglaterra e França, com a incorporação da teoria da

tripartição dos poderes estabelecida por Montesquieu225

nos diversos textos constitucionais do

mundo, as sociedades modernas partem em busca da liberdade através limitação do poder do

Estado em face do indivíduo, liberdade expressada nos direitos e garantias individuais. O

modelo de Estado que se seguirá, após o absolutismo, será o Estado Liberal – laisser faire

laisser passer que le monde va de lui même (deixai fazer deixai passar que o mundo se

autogoverna), seu marco teórico no campo econômico será a obra A riqueza das nações de

Adam Smith, onde ficou afirmado que a maior contribuição que o indivíduo poderia oferecer

ao Estado seria a contribuição do seu egoísmo pessoal (o liberalismo econômico é uma das

grandes conquistas da burguesia).

O Estado Constitucional passará por nova mudança de paradigma. Após as duas

grandes guerras mundiais, revoluções ocorridas no México (1910) e na Rússia (1917), o

capitalismo encontrará seus primeiros limites, expressos na segunda geração de direitos

223

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 6. 224

Conforme Pisier, interpretando Rousseau: A vontade geral dá a vida ao corpo político: a soberania é o seu

exercício, e a legislação, seu movimento.Op. Cit, p. 86. 225

O Espírito das Leis. São Paulo: Martins Fontes, 2005. As idéias de Montesquieu, expressas no Livro XI de O

espírito das leis, sobre as funções de legislar, administrar o Estado e aplicar as leis, já se faziam presentes em

Aristóteles e Locke. O que ele trouxe de novidade foi a execução destas três funções por órgãos distintos, como

forma de evitar abuso do poder, através da desconcentração do poder num único órgão.

97

fundamentais (sociais, econômicos e culturais) e nesse momento o Estado precisava fortalecer-

se para atender essas novas demandas sociais que agora lhe impunha obrigação de fazer e não

apenas abster-se de interferir na liberdade dos indivíduos. Os indivíduos passam a titularizar

direitos fundamentais sociais (saúde, moradia, lazer, previdência, trabalho), exigindo do Estado

prestações positivas. Surge o Estado Social. O Poder Executivo, neste tipo de Estado, passa a

executar novo tipo de norma jurídica: a política pública (criada pelo Poder Legislativo e

controlada pelo Poder Judiciário, com participação ativa do Ministério Público, Defensoria

Pública e do povo na otimização dos seus efeitos).

A “grande depressão” dos EUA (1929), por outro lado, apontará a falência do

liberalismo econômico, em seu lugar surge o intervencionismo estatal. Verifica-se a falência do

modelo Liberal. O Estado passa a ser dualista: busca o desenvolvimento econômico para

garantir o bem-estar social.

O Estado afirmar-se-á enquanto Estado Constitucional Social, buscando a sua

legitimidade na realização dos direitos sociais, econômicos e culturais, na conquista da

igualdade material, superando a mera igualdade formal.

Agora o Estado é chamado a intervir na sociedade para garantir a igualdade, afinal,

os direitos de segunda geração constituem direitos a uma prestação positiva (status positivo de

Jellinek226

).

A primeira constituição do mundo a incorporar os direitos de segunda geração

(econômicos, sociais e culturais) foi a Constituição do México de 1917, seguida da

Constituição da Alemanha de 1919.

Os principais avanços em termos de constitucionalismo social foram incorporados

na nossa Constituição de 1934, como a nova dinâmica aplicada às relações de trabalho, saúde,

educação, família etc.

Na Constituição de 1946, ao disciplinar a ordem econômica, o constituinte

prescreveu a sua organização de acordo com o postulado da justiça social, promovendo a

conciliação da livre iniciativa com os valores sociais do trabalho227

.

226

Teoria dos quatro status de Jellinek (Teoria General del Estado, p. 306 et seq): Negativo (fazer tudo que a lei

não proíbe); Positivo (exigir do Estado aquilo a que está obrigado); Ativo (participar das ações do Estado);

Passivo (acatar as ações do Estado). Tese que também é seguida por José Carlos Vieira de Andrade em relação

aos direitos fundamentais: Direitos de defesa; Diretos a uma prestação; Direitos de participação. 227

Nesse sentido: SILVA NETO, Manoel Jorge. Curso de Direito Constitucional. Cit., p. 56.

98

É chegado o momento do Estado Constitucional Solidarista. Estado

necessariamente envolvido por práticas interconstitucionais e pluralistas, voltadas para a

concretização dos direitos fundamentais, comunitários e humanos. Em nossa concepção, o

legítimo fundamento do Estado encontra-se na solidariedade, tendo a dignidade humana como

valor fonte e finalidade última de sua atuação. Encontra-se também no caminhar constante e

eficaz rumo ao cumprimento dos objetivos fundamentais (políticas públicas) de construção de

uma sociedade livre, justa e solidária, garantia do desenvolvimento nacional, erradicação da

pobreza e da marginalização, redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do

bem de todos sem quaisquer formas de discriminação.

A solidariedade, em teoria política, é às vezes invocada como princípio de

coexistência democrática. É nesta qualidade que ela é retomada nos textos constitucionais (p.

ex. a Constituição espanhola de 1978, art. 2) 228

.

A Constituição Federal Suíça de 1998 consagrou em seu preâmbulo:

“Independência e Paz em solidariedade e abertura para o mundo”.

A crítica da razão constitucional obriga-nos a perguntar pela relevância do

conteúdo da teoria para o mundo real. O desenvolvimento constitucional toma em consideração

o arranjo de novas formas de organização, de novos processos político-sociais e de novas

soluções para os problemas nascidos dentro dos sistemas ou subsistemas sociais. Se quisermos

captar em poucas palavras a dança molecular da teoria da constituição diríamos que ela tem de

lidar com problemas de complexidade dinâmica, adaptabilidade, auto-organização, emergência

e evolução229

.

A ponte evolutiva da teoria da constituição reside no constitucionalismo solidarista.

O fundamento do direito é solidariedade ou a interdependência social, todos os membros da

sociedade, pela regra de direito, são obrigados a nada fazer em contrário à solidariedade social

e fazer tudo o que está em sua capacidade para que assegure a sua realização230

.

A solidariedade pertence ao nível constitucional. É o seu referencial e primeiro

fundamento, experiência presente e nunca acabada, em constante construção.

228

ARNAUD, Jean, Dicionário enciclopédico de teoria e de sociologia do direito. Tradução: Patrice Charles, F.

X. Willlaume. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 769. 229

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5. ed., Coimbra: Almedina, 2002,

p. 1315-1316. 230

DUGUIT, Léon. Traité de Droit Constitutionnel. Paris: Éditeurs E. de Boccard, 1930, p. 640.

99

A constituição italiana de 1948 refere-se à solidariedade em seu artigo 2º:

A República reconhece e garante os direitos invioláveis do homem, seja

como indivíduo, seja nas formas pelas quais se desenvolve a sua

personalidade e exige o cumprimento de deveres inderrogáveis de

solidariedade política, econômica e social.

O constituinte italiano afirmou o dever de solidariedade como político, econômico

e social. A distinção dimensiona os possíveis reflexos do princípio solidarista nos mais

diversos campos da vida em sociedade.

Como se lê no relatório da Comissão Econômica da Assembleia Constituinte

italiana, sobre a prestação tributária, foi dito que: “o critério lógico preferível é fazer

referência à pertinência do sujeito à entidade impositora, declarando esta pertinência nos seus

três aspectos: político (cidadania), econômico (produção, comércio e/ou consumo de bens) e

social (participação na vida da sociedade nacional)” 231

.

O artigo 3º da Constituição italiana nos ajuda a compreender o papel do Estado na

construção desta festejada solidariedade multidimensional:

É tarefa da República remover os obstáculos de ordem econômica e

social que, limitando de fato, a liberdade e a igualdade dos cidadãos,

impedem o pleno desenvolvimento da pessoa humana e a efetiva

participação de todos os trabalhadores na organização política e

econômica e social do país.

Trata-se de objetivo inafastável de qualquer Estado que se queira Constitucional e

Solidarista. Nesse mesmo sentido caminhou a Constituição Portuguesa.

A atual Constituição portuguesa faz expressa referência ao princípio da

solidariedade em seu artigo 66.º, 2, d, que trata do Ambiente e Qualidade de Vida,

estabelecendo o seguinte:

Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um

desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de

organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos

231

VANONI, Ezio. Opere Giuridiche, vol. II. Milão: Giuffrè, 1962, p. 475. No mesmo sentido: GIUFFRÈ, Felice.

La solidarietà nell’Ordinamento Costituzionale. Milão: Giuffrè, 2002, p. 1: “o estudo dos princípios fundamentais

da Constituição permanece sempre atual, pois eles parecem representar, se não a dogmática política do Estado ou

o ceticismo político do cidadão, ao menos a fisionomia sintética da instituição soberana, portanto a organização

essencial das relações entre cidadãos e o Estado” citando G. Dossetti nos trabalhos preparatórios da Assembleia

Constituinte italiana.

100

cidadãos: Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais,

salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade

ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações.

A afirmação de proteção e defesa do meio ambiente é direito fundamental de

terceira geração, expressão do ideal de fraternidade da revolução francesa, atualmente

concretizado através do princípio da solidariedade.

Foi em artigo específico (art. 71º, 2) sobre a proteção dos cidadãos portadores de

deficiência que a Constituição portuguesa reafirmou o princípio da solidariedade ao dispor:

O Estado obriga-se a realizar uma política nacional de prevenção e de

tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de

deficiência e de apoio às suas famílias, a desenvolver uma pedagogia

que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e

solidariedade para com eles e a assumir o encargo da efectiva

realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres dos

pais ou tutores.

A preocupação com a pessoa deficiente deve ser objeto de políticas públicas e

ações afirmativas concretas de realização da suas necessidades sociais. Rampas de acesso aos

transportes coletivos e a todo e qualquer local de acesso público, reserva de vagas em concurso

público e programas de inserção no mercado de trabalho, integração com a sociedade, tudo

isso, quando efetivamente realizado, caracteriza a concretização do princípio da solidariedade e

constitui direito fundamental do cidadão portador de deficiência.

É no capítulo III (dos direitos e deveres culturais), artigo 73º (da educação, cultura

e ciência) que a Lei Fundamental portuguesa avança no tratamento do princípio da

solidariedade reafirmando aquela que pensamos ser a melhor via de concretização do princípio

da solidariedade: a educação. Assim dispôs o texto constitucional:

O Estado promove a democratização da educação e as demais

condições para que a educação, realizada através da escola e de outros

meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a

superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o

desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de

compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o

progresso social e para a participação democrática na vida colectiva.

A Constituição Federal de 1988 não se filiou a nenhuma concepção específica de

solidariedade, aproxima-se, no entanto, da tese defendida por Duguit. A solidariedade a ser

101

concretizada no texto constitucional demonstra infinitas possibilidades de aplicação, afinal, a

nossa Constituição é texto vivo, aberto e pluralista.

4.3 A solidariedade na Constituição de 1988

O preâmbulo constitucional brasileiro de 1988232

faz referência à sociedade

fraterna, enquanto o art. 3º, I preceitua como objetivo expresso da República Federativa do

Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Afirma o pluralismo no art. 1º,

IV como fundamento da República Federal e Democrática.

Sociedade solidária, em nossa concepção, constitui o centro de gravidade de

desenvolvimento e efetividade do direito233

. Unindo a perspectiva sociológica à perspectiva

jurídica podemos defini-la como a instituição determinante das condições de possibilidade da

vida social que serão tão amplas quanto maiores forem os laços de solidariedade que unem

seus indivíduos para o cumprimento do projeto político fundamental estabelecido em nossa

Constituição para o progresso existencial humano.

A sociedade solidária se constrói na percepção de que os vínculos de solidariedade

que a mantém é que determinam o seu grau de desenvolvimento e, consequentemente, o

fortalecimento do seu subsistema social, político, jurídico, econômico, cultural, psicológico,

filosófico e científico.

A sociedade solidária possui seu aspecto mais significativo na sua vinculação com

a sociedade livre e justa.

A vinculação entre liberdade, justiça e solidariedade não é gratuita. Liberdade sem

justiça social é ilusória e opressora. A Justiça que se afirma na ausência da liberdade impõe o

medo e o descrédito. A sociedade que se constrói egoisticamente, refratária às ideias e

232

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado

Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-

estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e

sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução

pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

FEDERATIVA DO BRASIL. 233

Cf.: E. Ehrlich, em prefácio de seu Grundlegung der Soziologie des Rechts, München u. Leipzig: [s.e.], 1913,

p. 3, afirma: “Nos tempos atuais, como em qualquer outra época, o centro de gravidade do desenvolvimento do

direito não se situa nem na legislação, nem na ciência jurídica, nem tampouco na jurisprudência, porém na própria

sociedade”.

102

concepções solidaristas, não é justa, tampouco livre, porque a liberdade pressupõe que o outro

igualmente o seja.

Assim, a busca pelo equilíbrio e reciprocidade entre justiça, liberdade e

solidariedade é essencial para concretização do projeto constitucional de sociedade

estabelecido no art. 3º da CFRB.

Numa sociedade marcada pela exclusão social, denegação de justiça,

desigualdades, pessoas que vivem em situação de subsistência, a solidariedade, muito mais que

o novo marco teórico do pensamento constitucional, constitui a nova possibilidade de

afirmação da dignidade humana e concretização do Estado Constitucional Solidarista. Estado

que deve, necessariamente, estar a serviço dos pobres, vítimas do atual sistema ecológico,

social, cultural, político e econômico, vítimas do Estado que clama por transformações

institucionais. É preciso solidarizar a nossa Democracia, nossa República, nossa Federação.

Já com relação aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, eles refletem o

equilíbrio de dois subsistemas: o liberal e o social. Duguit acreditava firmemente que as

sociedades modernas estivessem evoluindo para este projeto solidarista234

.

No entanto, a concepção individualista de liberdade, que motivou a construção da

doutrina sobre o fundamento do direito e à limitação do Estado, com grandes repercussões na

Revolução de 1789, tem lugar de relevo na história das ideias políticas, com reflexos no atual

sistema político brasileiro. Essa concepção é ainda a base da legislação, ainda que esta seja

cada dia mais convergindo para o solidarismo – veja o princípio da socialidade no novo Código

Civil brasileiro. Permanece, por vezes, o erro de alguns teóricos e dos legisladores em

considerar a liberdade individual como dogma intangível e definitivo, universal.

Estamos em época de transição na qual o fundamento individualista de limitação ao

poder é substituído pouso a pouso pelo fundamento solidarista. Na doutrina individualista se o

Estado pode fazer certas leis é porque o individuo tem certos direitos subjetivos contra ele, que

se conservam na medida em que se fazem leis que limitando o direito de uns, preservam a

liberdade de todos. Exemplo disso é o direito de propriedade. Ao contrario, na concepção

solidarista da liberdade, o individuo não tem nenhum direito, ele tem deveres sociais, e o

Estado não pode fazer nada que o impeça de cumprir estes deveres, notadamente o dever de

234

DUGUIT, Léon. Fundamentos do Direito. p. 11 et seq. Traité de Droit Constitutionnel. Paris: Éditeurs E. de

Boccard, 1930, p. 640.

103

realizar livremente suas atividades. Não há aqui direito subjetivo do individuo contra o

Estado235

.

Esta diferença teórica tem reflexos na prática. Na concepção individualista cada um

tem o direito de agir, trabalhar, atuar em todos os domínios, mas não está obrigado a isso. Esta

concepção não pode prosperar na consciência moderna. O homem que tem capacidade física e

idade para trabalhar não pode restar inativo, sob pena de ser inútil à sociedade236

.

O projeto político fundamental estabelecido no artigo 3º da Constituição Federal é

dever de todas as instituições sociais e do próprio indivíduo imbuído do seu dever de

solidariedade decorrente da divisão social do trabalho.

Se o homem é obrigado a trabalhar ele não está, no entanto, obrigado a trabalhar no

que está além de suas forças. Se um homem abusa do outro na exploração de seu trabalho

compromete os valores sociais. Aqui reside a legitimidade de todas as leis da época moderna

de todos os países que organizam o exercício do trabalho237

.

Convergindo para a concretização do pensamento solidarista, o constituinte

originário estabeleceu no art. 4º, IX da Constituição Federal o princípio da cooperação entre os

povos para o progresso da humanidade. Aqui o Brasil passa a integrar o conjunto dos Estados

Constitucionais Cooperativos.

Mas é preciso ir além. A ideia expressa no supracitado dispositivo constitucional

demanda a existência de novo constitucionalismo, que busca manter o equilíbrio entre três

fenômenos: a interconstitucionalidade, a interculturalidade e a solidariedade traduzida em

cooperação internacional.

Solidariedade, fraternidade e cooperação são termos que o legislador constituinte

utilizou para conferir maior densidade fenomenológica ao pensamento solidarista.

Constituindo a solidariedade o fundamento do próprio direito, podemos perceber

em todos os dispositivos constitucionais a influência do pensamento solidarista. Afinal, a

solidariedade é via de concretização de muitos dispositivos constitucionais, principalmente

aqueles que reafirmam a solidariedade por similitude, atribuindo deveres de proteção a toda

sociedade.

235

DUGUIT, Léon . Traité de Droit Constitutionnel. Cit., p. 642 236

Ibidem, p. 643. 237

Op. Cit. p. 645. Conclui Duguit: se o individuo tem o dever de trabalhar, de se instruir, o Estado deve garantir a

todos um mínimo de instrução gratuita e deve enfrentar o problema do desemprego. Se o individuo tem ainda o

direito a assistência, o Estado deve intervir para lhe proporcionar esta assistência.

104

É com fundamento no pensamento solidarista que Manoel Jorge e Silva Neto

supera a literalidade estabelecida no caput238

do art. 5º da Lei Fundamental brasileira, para,

com base no princípio da proteção isonômica, estender as garantias e direitos nele

estabelecidos, também aos estrangeiros não residentes no país239

.

Questiona o autor: Que espécie de sociedade solidária é esta que desrespeita as

garantias mínimas da pessoa humana pelo mero e simples fato de ser estrangeiro sem

residência no país? Responde com a seguinte colocação: (...) o estrangeiro não residente é, sem

dúvida alguma, destinatário das garantias individuais mencionadas no art. 5º da Constituição,

(...) se tivermos em conta o fato de o constituinte originário, por alguma razão, um dia, ter

inscrito como objetivo fundamental do Brasil a construção de uma sociedade solidária240

.

O primeiro aspecto da solidariedade reside na preocupação com o outro, criando

entre pessoas de contextos socioculturais estranhos entre si (nacional e estrangeiro), espécie de

coesão solidária, decorrente do fato comum que lhe atribui a sua simples condição humana.

Muitos autores atribuem à terceira geração ou dimensão dos direitos fundamentais

o ideal de solidariedade. Outros afirmam a existência da quarta geração em que também se

percebe a influência do pensamento solidarista, todos estão igualmente corretos.

Nesse sentido, manifestou-se o Supremo Tribunal Federal:

“O direito a integridade do meio ambiente — típico direito de terceira

geração — constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva,

refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a

expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo

identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente

mais abrangente, a própria coletividade social.

Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) —

que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais —

realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração

(direitos econômicos, sociais e culturais) — que se identifica com as

liberdades positivas, reais ou concretas — acentuam o princípio da

igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes

238

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos

termos seguintes:” 239

SILVA NETO, Manoel Jorge e. O princípio da máxima efetividade e a Interpretação Constitucional. São

Paulo: LTr, 1999, p. 37. 240

Ibidem, p. 39.

105

de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações

sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um

momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e

reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto

valores fundamentais indisponíveis, nota de uma essencial

inexauribilidade.” (MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, DJ

17/11/95)241

.

O direito fundamental transindividual ao desenvolvimento no Estado Solidarista,

objeto de estudo no nosso próximo item, deve ser compreendido em suas múltiplas

dimensões242

, conferindo-lhes unidade e sistematicidade, sem, no entanto, abandonar a

densidade epistemológica que a correta classificação em direito de terceira geração oferece

para a compreensão da sua historicidade.

O direito ao desenvolvimento é em sua essência um direito de solidariedade.

Pressupõe, no entanto a expansão das liberdades substantivas já referidas por Amartya Sen, a

exemplo do acesso à educação, que se vincula diretamente à ideia de sociabilidade e interação

com o outro através da comunicação. Seu ambiente de consolidação é o espaço democrático,

pluralista e participativo, onde impera o reino das liberdades, e permite ao ser humano

construir o seu progresso existencial, sem o qual estaria comprometida toda a ordem objetiva

de valores estabelecidos na Constituição.

Os laços de solidariedade se fortalecem quando as opiniões se manifestam num

ambiente democrático, pluralista, culturalmente fortalecido, tolerante, livre de discriminações,

num debate livre e racional capaz de fortalecer a própria construção da cidadania participativa.

4.4 O direito ao desenvolvimento econômico no constitucionalismo solidarista

A inserção da Constituição Federal como projeto estrutural fundamental de uma

sociedade solidária, pluralista e sem preconceitos, num Estado Democrático destinado a

241

No mesmo sentido: "Meio ambiente — Direito à preservação de sua integridade (CF, art. 225) — Prerrogativa

qualificada por seu caráter de metaindividualidade — Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que

consagra o postulado da solidariedade. ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 03/02/06.No mesmo

entendimento: RE 134.297, 22/09/95. 242

Dentre as possíveis dimensões dos direitos fundamentais podemos destacar: espacial, temporal, eficacial,

procedimental, institucional, discursiva, positiva, negativa, ativa, passiva, axiológica, ontológica, deontológica,

teleológica, filosófica e existencial.

106

assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o

desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos dessa mesma sociedade,

demanda a existência de sistema constitucional que propicie a concretização desses valores.

O Direito Constitucional Econômico trata da disciplina jurídica que a Ordem

econômica (mundo do ser) recebeu da Lei Fundamental, passando essa parcela da ordem

jurídica a denominar-se Constituição Econômica.

Para Vital Moreira, a Constituição Econômica é o conjunto de preceitos e

instituições jurídicas que, garantindo os elementos definidores de determinado sistema

econômico, instituem determinada forma de organização e funcionamento da economia e

constituem, por isso mesmo, determinada ordem econômica, assim, para o citado autor, da

Constituição Econômica de economia capitalista orientada, faz parte não só as normas que

asseguram a propriedade e disposição privada dos meios de produção e outros direitos

fundamentais econômicos (liberdade de empresa, liberdade de trabalho), mas também aquelas

que determinam o papel do mercado e do Estado na orientação do processo econômico, aquelas

que definem os princípios fundamentais da organização econômica stricto sensu (associações

econômicas), das finanças do Estado, sob o ponto de vista da sua relevância econômica

(constituição financeira), do estatuto da empresa nos seus aspectos externos e internos

(constituição da empresa), da posição do trabalhador (constituição do trabalho) 243

.

Ensina Josaphat Marinho que a Constituição econômica traduz-se no complexo de

normas básicas reguladoras do fato econômico e das relações principais dele decorrentes 244

.

A proximidade entre os conceitos de ordem econômica (mundo do dever ser) e de

Constituição econômica é obvia. Eros Roberto Grau afirma que, compreendendo a

Constituição Econômica como conjunto de preceitos que institui determinada ordem

econômica (mundo do ser) ou conjunto de princípios e regras essenciais ordenadoras da

economia, é de se esperar que, como tal, opere a consagração de determinado sistema

econômico. Cuida-se de sistema afetado por determinado regime econômico, que se caracteriza

243

MOREIRA, Vital. Economia e Constituição: para o conceito de Constituição econômica. Coimbra: Faculdade

de Direito, 1974, p. 32. 244

MARINHO, Josaphat. Constituição econômica. Separata de Revista de Direito Administrativo. São Paulo, n.

156, pp. 2-15, 1984, p. 2.

107

numa moldura explicativa dos princípios da intervenção do Estado e da sua atuação financeira,

tanto no plano das ideologias inspiradoras como nos das instituições de enquadramento245

.

O intervencionismo estatal teve seu ápice na Constituição de 1967, com as

alterações que lhe foram feitas pela Emenda Constitucional número 1 de 1969. A Constituição

de 1988, porém, estruturou o regime constitucional de intervenção muito mais liberal do que o

anteriormente vigente, adotando o sistema capitalista de economia descentralizada, baseada no

livre mercado.

O modelo de Estado intervencionista do pós-guerra buscará o desenvolvimento

econômico para poder realizar o bem-estar social, realidade presente na Constituição mexicana

de 1917, e na alemã de 1919 (primeiras constituições a incorporarem os direitos fundamentais

sociais, econômicos e culturais). Ocorrem reflexos jurídicos246

em razão dessa atuação estatal

no domínio econômico, podendo-se citar as transformações nas estruturas política e econômica

da sociedade. Temos como exemplo concreto dessa transformação (Estado Liberal – Estado

Intervencionista), os Estados Unidos da América após a “grande depressão” de 1929.

No que se referem às normas constitucionais de conteúdo econômico, seus reflexos

repercutem no direito positivo infraconstitucional. Tais repercussões traduzem-se na

introdução de novos conceitos, na ordem jurídica, operando como princípios gerais, tais como

a noção de boa-fé objetiva, a de causa, também, no sentido objetivo, o dirigismo contratual e a

teoria do abuso de direito 247

.

Já no preâmbulo da Lei Fundamental estabeleceu o poder constituinte originário o

objetivo de instituir o Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos

sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a

justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,

fundada na harmonia social.

245

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e crítica). 9ª ed. revista e

atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 72-73. 246

Nesse sentido: BRITO, Edvaldo. Reflexos Jurídicos da Atuação do Estado no Domínio Econômico. São Paulo:

Saraiva, 1982, p. 18. 247

BRITO, Edvaldo. Aspectos da Tutela da Concorrência no Estado Dualista. In: MARTINS, Ives Gandra e

NALINI, José Renato (organizadores). Dimensões do Direito Contemporâneo: estudos em homenagem a Geraldo

de Camargo Vidigal. São Paulo: Editora IOB, 2001, p.251.

108

Prossegue o art. 1° estabelecendo como fundamentos da República Federativa do

Brasil: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores

sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

O art. 3° preceitua como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III

- erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV -

promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer

outras formas de discriminação. Todos, objetivos conformadores do regime jurídico do bem-

estar social.

Todos os direitos sociais como a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer,

a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos

desamparados, previstos no art. 6°, bem como os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,

além de outros que visem à melhoria de sua condição social, previstos no art. 7° compõem o

supracitado regime.

O art. 170 funda a ordem econômica na valorização do trabalho humano e na livre

iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça

social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III -

função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa

do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental

dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) VII - redução das desigualdades regionais e

sociais; VIII - busca do pleno emprego.

Importante ressaltar as interconexões que em 1961, Orlando Gomes já fazia entre

direito e desenvolvimento, com profunda análise sobre o regime jurídico civilista e o processo

de desenvolvimento. Destacou a expansão do consumo e os novos modelos de organização da

economia em face da multiplicação das empresas de grandes dimensões, com o Estado

abandonando sua atitude abstencionista e passando a intervir na vida econômica, fazendo-se

empresário, dirigindo a economia, controlando ou fiscalizando certos setores da atividade

econômica e estimulando a iniciativa privada. Percebe-se em todas as classes a aspiração de

109

melhoria do “standard de vida”248

. Expande-se o interesse da sociedade no processo de

desenvolvimento.

O art. 170, VI implica no desenvolvimento de ordem econômica sustentável,

conforme preceitua o art. 225, artigo referente ao bem-estar ambiental.

O art. 174 prescreve que: como agente normativo e regulador da atividade

econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e

planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. O

§ 1º do citado art. estabelece que: a lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do

desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos

nacionais e regionais de desenvolvimento. O § 3º determina que o Estado favorecerá a

organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio

ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros.

No que se refere à Política Urbana o art. 182 preceitua que a política de

desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais

fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da

cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento

equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o

compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que

disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram,

conforme o art. 192.

Por fim, estando caracterizadas muitas das normas constitucionais de conteúdo

econômico que compõem o regime jurídico do bem-estar social e do desenvolvimento

econômico, apesar de terem suas particularidades, eles mais se interpenetram do que se

separam. Tal fato nos leva a concluir pela existência de regime único, havendo uma vinculação

necessária entre desenvolvimento econômico e bem-estar social.

A legitimidade da ordem econômica e, por consequência, do superávit primário

mínimo (receitas menos despesas, sem considerar o pagamento de juros) com vistas à

realização do bem-estar social e do desenvolvimento econômico, possui orientação axiológica.

248

GOMES, Orlando. Direito e Desenvolvimento. Salvador: Publicações da Universidade da Bahia, Serie II – 24,

1961, p. 42-43.

110

A manutenção do superávit não poderá afetar a adequada e necessária prestação dos serviços

públicos essenciais e o direito fundamental transindividual ao desenvolvimento.

Essa orientação axiológica nada mais é do que os valores fundamentais

estabelecidos na Constituição conformadores das ordens econômica e social, e que vincula

tanto a intervenção estatal na ordem econômica quanto o setor privado na condução dos seus

negócios jurídicos e no exercício do direito de propriedade com vistas à concretização do

Estado Constitucional Solidarista promotor do desenvolvimento.

Os investimentos devem superar as propostas “fraternalistas” a exemplo de

programas como o Bolsa Família249

, fazendo com que o povo brasileiro alcance sua dignidade

e realize a sua função solidária, contribuindo diretamente para o desenvolvimento do país

através da divisão social do trabalho, penso que é chegado o momento de afirmarmos, como o

fez a Constituição Portuguesa, o direito fundamental ao trabalho. Assim, concretizando o

direito fundamental ao trabalho, alcançaremos grande parte das promessas constitucionais

ainda não cumpridas, conferindo maior legitimidade às políticas públicas estatais.

Ainda sobre a legitimidade, não podemos ignorar a lição de Manoel Jorge e Silva

Neto ao trata do planejamento em sua obra Direito Constitucional Econômico: “será

imprescindível considerar o planejamento econômico em sua bimembridade constituinte: é

resultado da opção política do governo em face da conjuntura econômica, mas não poderá ser

aceito como mito pela sociedade se se distanciar excessivamente dos desígnios da comunidade

em tema de condução da economia” e diz que: “para ser considerado um mito, o planejamento

econômico terá de obter um nível de consensualidade bastante elevado em torno de suas

diretrizes250

”.

Portanto, a legitimidade da ordem econômica também se fundamenta no consenso

que deve existir em torno dos seus valores fundamentais.

Canotilho afirma que a constituição confere legitimidade à ordem política e dá

legitimação aos respectivos titulares do poder político. Precisamente por isso se diz que a

constituição se assume como estatuto jurídico do político (Castanheira Neves) num duplo

sentido – o da legitimidade e da legitimação. O esforço de constituir a ordem política segundo

249

As políticas públicas que garantem o mínimo existencial são adequadas em situações emergenciais, porém,

devem ser acompanhadas por políticas públicas de inclusão social e desenvolvimento capazes de evoluir

processualmente para o máximo existencial, favorecendo a máxima efetividade dos direitos fundamentais. Sobre

tal gradação, em sentido similar, ver: ALEXY, Robert. Teoria de los derecho fundamentales. Cit., p. 468. 250

Direito constitucional econômico. São Paulo: LTr, 2001, pp. 58 e 59. Também reconhecendo o planejamento

como mito: BURDEAU, Georges. Trate de Science Politique.2. ed. Paris: LGDJ, Tomo IV, 1969.

111

princípios justos consagrados na constituição confere a esta ordem indispensável bondade

material (legitimidade) e ao vincular juridicamente os titulares do poder, justifica o poder de

“mando”, de “governo”, de “autoridade” destes titulares (legitimação)251

.

Quando a lei constitucional logra obter validade como ordem justa e aceitação, por

parte da coletividade, da sua “bondade intrínseca”, diz-se que a constituição tem

legitimidade252

.

A legitimidade, porém, não reside simplesmente no consenso, tampouco na sua

bondade intrínseca, ela também reside na sua efetividade e na realização do que Renato Alessi

denomina interesse público primário253

, compreendido, em nosso entendimento, pela soma dos

interesses individuais vinculados ao ideal solidarista. A ideia de existir interesse público

secundário (puramente estatal desvinculado do interesse primário da sociedade) é

contraditória e perverte a atividade pública, provocando aumento considerável da litigiosidade

ente indivíduo/coletividade e o Estado. A defesa do interesse “público” secundário constitui

grave ofensa ao sistema integral de proteção do direito ao desenvolvimento.

A livre iniciativa encontra sua disciplina jurídico-constitucional de forma ampla

nos espaços normativos referentes à liberdade, especificamente nos arts. 5°, II, VI, IX, XIII,

XIV, XV, XVI, XVII, XX e 206, II da CRFB. Portanto, ela não se reduz, como aponta Eros

Roberto Grau, a liberdade econômica ou liberdade de iniciativa econômica254

.

A liberdade de iniciativa econômica é liberdade pública precisamente ao expressar

não sujeição a qualquer restrição estatal senão em virtude de lei, esquece a doutrina de

completar o entendimento: senão em virtude da lei conforme a Constituição, mais precisamente

em conformidade com os valores que compõem o arbítrio conformador do Estado

Constitucional Solidarista.

Nesse sentido, cite-se o acórdão lavrado na Ação Direta de Inconstitucionalidade

n° 319-4 – Distrito Federal:

251

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5. ed., Coimbra: Almedina, 2002,

p. 1421. 252

CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. Cit., p. 1421. 253

O jurista italiano Renato Alessi em conhecida tese expôs a distinção entre interesse público primário (o

interesse geral da coletividade) e interesse público secundário (o interesse do Estado). Sistema istituzionale del

diritto amministrativo italiano. 3. ed. Milano: Dott. A. Giuffrè. Editore, 1960, p.197. 254

Op. Cit., p. 186.

112

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 8.039, de 30 de maio de

1990, que dispõe sobre critérios de reajuste das mensalidades

escolares e da outras providencias. - Em face da atual Constituição,

para conciliar o fundamento da livre iniciativa e do princípio da livre

concorrência com os da defesa do consumidor e da redução das

desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça

social, pode o Estado, por via legislativa, regular a política de preços

de bens e de serviços, abusivo que é o poder econômico que visa ao

aumento arbitrário dos lucros. - Não e, pois, inconstitucional a Lei

8.039, de 30 de maio de 1990, pelo só fato de ela dispor sobre critérios

de reajuste das mensalidades das escolas particulares.

Considera a presente decisão, a livre iniciativa como valor constitucionalmente

conformado pelos demais valores fundamentais que integram a ordem econômica, como a

justiça social e a redução das desigualdades sociais, percorrendo o caminho que lhe traça o

regime jurídico constitucional de bem-estar social e desenvolvimento econômico,

aproximando-o do pensamento solidarista.

Não foi outro o entendimento adotado, que não o de conciliar a ordem econômica

com a ordem social, buscando a vinculação recíproca entre as mesmas, chegando a tratar

especificamente dos valores sociais da livre iniciativa.

Aqui se percebe claramente o quanto se torna importante a identificação do regime

jurídico constitucional de bem-estar social e desenvolvimento econômico, pois são os valores

fundamentais que compõem esse regime que conformarão não só a atividade estatal, mas

também e principalmente a atividade econômica desenvolvida pelos particulares (eficácia

direita e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas).

O planejamento qualifica a intervenção do Estado sobre e no domínio econômico,

na medida em que esta, quando consequente ao prévio exercício dele, resulta mais racional255

.

A planificação se caracteriza por processo de intervenção sistemática do Estado no

domínio econômico, no qual não existe a figura da liberdade de mercado. A planificação

econômica pressupõe a inexistência de mercado, a exemplo da ex-URSS.

255

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. Cit., p. 161.

113

Já o planejamento é modalidade de intervenção indireta do Estado no domínio

econômico que se opera por meio da indução dos agentes privados à obediência à normativa

econômica256

.

O que de mais importante a Constituição estabelece para o planejamento

econômico é o seguinte: como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado

exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este

determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. A lei estabelecerá as

diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual

incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento (art. 174,

caput e § 1°).

Essa “indicatividade” não se traduz em mero conselho, posto que é norma com

status constitucional, devendo, portanto, ser interpretado como norma constitucional de

conteúdo econômico e inserida dentro do regime jurídico constitucional do bem-estar social e

do desenvolvimento econômico.

Grande passo nesse sentido foi dado por Miguel Reale, ao afirmar que o princípio

da indicatividade estatuído no art. 174 da CFRB não se trata de indicação irrelevante ou sem

consequências. Ela traduz rumo preferencial de ação que não pode deixar de ser levado em

conta pelos empresários ao assumirem os riscos de uma operação à margem do plano oficial,

não podendo contar, por exemplo, com os incentivos criados pelo Estado para fins de

desenvolvimento257

.

O planejamento é instrumento de racionalização que o Estado dispõe pra

intervenção na ordem econômica, axiologicamente orientado pelos ditames fundamentais

conducentes à realização do desenvolvimento e do bem-estar social, que nesse aspecto indica e

determina de forma direta as atividades do setor privado.

Existe relação de eficácia horizontal entre o setor privado e os direitos

fundamentais, o que nos leva a crer que o planejamento econômico só é indicativo para o setor

privado quanto aos meios e às técnicas dispostos pelo Estado para consecução de determinados

objetivos. Quando esses objetivos traduzem-se em direitos fundamentais, eles também

vinculam os particulares em suas respectivas atividades.

256

SILVA NETO, Manoel Jorge e. (comunicação pessoal em exame de qualificação). No mesmo sentido ver seu:

Direito Constitucional Econômico. São Paulo: LTr, 2001, p. 46 et seq. 257

REALE, Miguel. O Estado Democrático de Direito e o Conflito de Ideologias. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2005,

p. 45.

114

Para que tal mudança ocorra, é importante que o setor público tome consciência

desta possibilidade e estabeleça planejamento específico para o setor privado ligado à

efetividade dos direitos fundamentais, trabalhando com normas de direito premial258

(incentivos fiscais, subvenções, parcerias público-privadas etc.), buscando conciliar o direito

fundamental de propriedade como sua função social e solidarista.

É com fundamento no pensamento solidarista, e nos dispositivos constitucionais

relativos à solidariedade e à justiça social, observados em diversas passagens da Lei

Fundamental, mas principalmente naquilo que se identifica como regime

interconstitucional do bem-estar social e do desenvolvimento econômico, que devemos

promover a releitura do princípio da indicatividade dos planos.

A solidariedade transnacional é outro aspecto importante já destacado quando

tratamos do sistema internacional e comunitário integral de proteção ao desenvolvimento259

.

Objetivando a concretização desse regime é que o presente tópico visa oferecer a

sua contribuição para a realização da Constituição e concretização do pensamento solidarista.

Afinal, como Duguit já afirmara, todo individuo tem a obrigação de cumprir na

sociedade certa função em razão direta do lugar que ocupa. O possuidor da riqueza pode

realizar trabalho, que em função dessa riqueza, só ele pode realizar. Só ele pode aumentar a

riqueza geral fazendo valer o capital que possui. Está socialmente obrigado a realizar essa

tarefa. A propriedade não é o direito subjetivo do proprietário; é a função social do possuidor

da riqueza. O Direito positivo não protege o pretendido direito subjetivo do proprietário; mas

garante a liberdade do possuidor da riqueza para cumprir a função social que lhe incumbe pelo

fato mesmo dessa posse, podendo-se dizer que a propriedade se socializa260

.

É o Estado intervencionista que busca o desenvolvimento econômico para poder

realizar o bem-estar social. Ocorrem reflexos jurídicos em razão dessa atuação estatal no

domínio econômico, podendo-se citar as transformações nas estruturas política e econômica da

sociedade, por duas tendências destacadas pelo autor: a primeira, a de o Estado apossar-se do

258

Para maior compreensão do direito premial ver: BOBBIO, Norberto. Da Estrutura à Função – Novos Estudos

de Teoria do Direito. Tradução: Daniela Beccaccia Versiani. Barueri: Manole, 2007, p. 14 et seq. 259

Nesse sentido: Rüdiger Wolfrum. Solidarity amongst States. Cit. Também Philipp Dann. Solidarity and the law

of institutional development cooperation. Cit. 260

DUGUIT. Léon. Las Transformaciones del Derecho (Público y Privado). Buenos Aires: Editorial Heliasta,

1975, p. 240.

115

indivíduo e tomando-lhe a posição de protagonista indiscutível; a segunda, a de dirigir a

sociedade passando a modelá-la como um tutor261

.

O crescimento econômico liga-se aos aspectos quantitativos da economia, de

incremento da produção e exportação, entrada de ativos financeiros, aumento do superávit etc.,

sem uma correspondente vinculação aos aspectos qualitativos tais quais os aumentos

sucessivos dos indicadores de desenvolvimento humano, a redução das desigualdades sociais,

mobilidade etc., essenciais à existência do desenvolvimento econômico. Não existe

desenvolvimento econômico com retrocesso ou estagnação do bem-estar social, pode até

existir desenvolvimento econômico sem crescimento econômico, e vice-versa. Assim,

crescimento não é sinônimo de desenvolvimento.

O crescimento econômico não é um fim em si, ele deve estar vinculado aos

objetivos fundamentais e ao regime jurídico-constitucional do bem-estar social e do

desenvolvimento econômico para traduzir-se na concepção de direito fundamental

transindividual ao desenvolvimento aqui apresentada.

4.5 Desenvolvimento como solidariedade

Sociedades de grande escala, especializadas numa complexa divisão do trabalho

social e criadas numa cultura solidarista, estabelecem a comunidade na qual os indivíduos

podem descobrir a textura da vida moral, compreender a verdadeira solidariedade ou

transcender à anomia do individualismo sem essência, em que se faz presente a seguinte

máxima kantiana: “Age de forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa, como de

qualquer outro, sempre também como fim e nunca unicamente como meio” 262

.

O desenvolvimento projeta-se na condição de direito fundamental transindividual

de solidariedade. As perspectivas e novas propostas para o desenvolvimento encontra-se na

nova dinâmica de concretizar os direitos fundamentais pela via solidarista, de reafirmar sob

novas bases o pacto federativo de índole cooperativa, aproximar o direito da ideia de justiça,

oferecendo novos mecanismos de redução das desigualdades sociais e regionais em ambiente

plural de possibilidades oferecidas pela teoria integral de proteção.

261

Cfr. BRITO, Edvaldo. Reflexos Jurídicos da Atuação do Estado no Domínio Econômico. Cit. p. 18. 262

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. 2. ed. Lisboa: Edições 70, 2007, p. 59. Trata-

se do 2º imperativo categórico.

116

Favorecendo a realização do objetivo fundamental de construir uma sociedade

livre, justa e solidária, na realidade pluralista, caminhamos em direção ao novo

constitucionalismo integral, aproximando as comunidades vulneráveis da afirmação da sua

cidadania solidária e participativa na construção do seu próprio progresso existencial e

cumprindo deveres de solidariedade ao participar como sujeito ativo do desenvolvimento.

Duguit já afirmara: “todo individuo tem a obrigação de cumprir na sociedade certa

função em razão direta do lugar que ocupa. O possuidor da riqueza pode realizar trabalho, que

em função dessa riqueza, só ele pode realizar. Só ele pode aumentar a riqueza geral fazendo

valer o capital que possui. Está socialmente obrigado a realizar essa tarefa”. A propriedade não

é o direito subjetivo do proprietário; é a função social do possuidor da riqueza. O Direito

positivo não protege o pretendido direito subjetivo do proprietário; mas garante a liberdade do

possuidor da riqueza para cumprir a função social que lhe incumbe pelo fato mesmo dessa

posse, podendo-se dizer que a propriedade se socializa263

, ou, no que é próprio da sua visão: se

solidariza.

O desenvolvimento como solidariedade de dimensão transindividual ultrapassa o

âmbito da juridificação constitucional e das leis internas de cada nação264

. Por mais que o

pluralismo de Peter Häberle, e a teoria estruturante de Friedrich Müller remetam a aspectos

relevantes da realidade social como parte integrante da norma de decisão, é preciso ir além. A

solidariedade é antes de tudo fenômeno social integrativo.

É necessário que os impulsos do constitucionalismo societal (societal

constitutionalism) sejam expandidos de forma interconstitucional para os subsistemas sociais

globais (economia, ciência, cultura, política, religião, mídia). Questionará Teubner: os atuais

subsistemas globais estão desenvolvendo uma dinâmica de crescimento descontrolado que

deve ser submetida a restrições constitucionais?265

Entendemos que sim, porém essa dinâmica

deve ocorrer no espaço diatópico interconstitucional, em que a vinculação aos valores

263

DUGUIT, León. Las Transformaciones del Derecho (Público y Privado). Buenos Aires: Editorial Heliasta,

1975, p. 240. 264

Em sentido diverso da nossa tese, apresentando profunda abordagem sob o prisma da Constituição Federal e

das leis internas: RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento: antecedentes, significados e

consequências. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. A autora justifica sua abordagem sob o prisma interno por

entender que existe falta de implementação e ausência de garantias dos direitos humanos, que sofre críticas de

legitimidade (necessidade de haver legislação que os garanta), de coerência (ausência de mecanismos que os dote

de exigibilidade) e cultural (por não traduzirem valores universais (Op. Cit. p. 522). 265

TEUBNER, Gunther.Constitutional Fragmente: societal constitutionalism and Globalization. Cit., p. 10.

117

constitucionais transnacionais sejam horizontalizados (eficácia interprivada direta266

), com

participação autônoma dos subsistemas sociais com foco no seu desenvolvimento em regime

de solidariedade.

Nesse ponto parece concordar Teubner ao defender que a agenda para o

constitucionalismo transnacional muda no seguinte contexto: não é a criação, mas sim a

transformação fundamental de uma pré-existente ordem constitucional267

(em nossa concepção,

interconstitucional). Com os parâmetros normativos atualmente existentes já é possível

expandir o paradigma integral, solidário e pluralista da proteção interconstitucional ao

desenvolvimento.

O contexto não hierárquico se expande da interconstitucionalidade (enquanto

expressão da esfera jurídica) para os subsistemas sociais solidariamente participantes do

desenvolvimento (enquanto expressão da esfera social) e destinatário das normas

internacionais, constitucionais e comunitárias, sem protagonismos.

As decisões que resguardam o interesse público devem ser tomadas não apenas por

governos, mas por diversos subsistemas sociais, em particular, o econômico268

. A

fragmentação faz com que cada área de ação desenvolva sua própria racionalidade, em intensa

competição por posições de poder e influência social. Daí a necessidade de

interconstitucionalizar as relações entre atores sociais organizados de forma a promover sua

autonomia e assegurar sua compatibilidade mútua numa contemporânea divisão social do

trabalho para a sociedade complexa269

.

A tecelagem dos fragmentos é também possibilidade oferecida por Marcelo Neves

em sua teoria da transconstitucionalidade, ao promover diálogos entre ordens jurídicas em

questões constitucionais através de pontes de transição270

.

266

Grande impulso interconstitucional para implementação da eficácia interprivada dos valores

interconstitucionais foi produzido pela ONU: UN Human Rights Committe, General Comment N. 31, Nature of

the General Obligation Imposed on States Parties to the Covenant, 26 de maio de 2004, UN Doc. CCPR/C/21/

Rev. 1/Add. 13, par. 6-8 (The Comment emphasizes that States Parties are not only required to refrain from

violating the rights of individuals, but must also prevent the violation of individual rights by private persons).

Sobre o tema: CLAPHAM, Andrew. Human Rights in the Private Sphere. Oxford: Oxford University Press, 1996

e também seu Human Rights Obligations of Non-State Actors. Oxford: Oxford University Press, 2006. 267

TEUBNER, Cit. p. 11. 268

Ibidem, p. 33. 269

No mesmo sentido, porém destacando o aspecto apenas constitucional: TEUBNER, Cit. p. 40. SCULLI,

Theory of Societal Constitutionalism. Cit. p.208. Não é pro acaso que Teubner conclui seu Constitutional

Fragments, cit. p. 173, afirmando, a partir de Emile Durkheim (1933), que a moderna divisão do trabalho exige

um constitucionalismo societal de solidariedade orgânica. 270

NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. Cit. p. 290-291.

118

Não se pode perder de vista que a integração interconstitucional através da unidade

ética de valores convergentes (direitos humanos, fundamentais e comunitários) em face da

confluência social heterogênea de interesses (convergentes, divergentes e mesmo insurgentes)

não pressupõe o consenso global mundial ou mesmo comunitário sobre determinado modelo de

progresso ou desenvolvimento, ele pressupõe um projeto solidarista de defesa de setores

sociais excluídos do progresso existencial como sujeitos ativos do seu próprio

desenvolvimento.

O que se exige na sociedade mundial do presente, como bem observou Marcelo

Neves, é a promoção da inclusão, reduzindo o crescente setor de exclusão, trata-se da

integração social no sentido da teoria dos sistemas (Luhmann) – chance da consideração social

de pessoas, de incluí-las no acesso aos benefícios dos sistemas funcionais271

.

Mas não se trata de incluí-los de maneira a torná-los hiperdependentes dos sistemas

(necessitados, sem liberdade), mas, de intensificar os laços de solidariedade orgânica ou por

diferenciação, para que cada indivíduo possua a responsabilidade e o dever de projetar seu

progresso na dimensão transindividual de cooperação para o progresso coletivo.

De outro lado, a solidariedade mecânica ou por similitude (que fundamenta a

existência de um direito interconstitucional sancionador – decorrente dos deveres integrais de

proteção) coibirá as práticas dos modelos sistêmicos patológicos, inicialmente vinculando-os

diretamente ao projeto interconstitucional, solidário, pluralista, diatópico e integral de proteção

dos direitos humanos, fundamentais e comunitários, posteriormente intervindo na sua atuação

para direcioná-lo ao modelo de desenvolvimento sustentável inclusivo (fundamentando a

existência de um direito interconstitucional premial).

271

Ibidem. p. 292. Nesse sentido Niklas Luhmann alerta para o perigo da “avalanche de exclusão” em face da

desmontagem do Estado Social, mesmo nas regiões mais desenvolvidas do globo (Die Politik der Gesellschaft.

Frankfurt: Suhrkamp, 2000, p. 427 et seq.

119

5 PLURALISMO E DESENVOLVIMENTO

5.1 O pluralismo na construção do desenvolvimento

Manoel Jorge e Silva Neto afirma que o pensamento possibilista, enquanto forma

de compreender a constituição, parte da ideia de que a norma não é algo perfeito e acabado,

senão simplesmente “pura possibilidade jurídica”. Consubstancia-se tal ideia na tríade:

“realidade-possibilidades-necessidades” e apoia-se no racionalismo crítico kantiano,

desenvolvido por Peter Häberle em Pluralismo y Constitución272

.

O pensamento possibilista oferece ao sistema interconstitucional de proteção

integral ao desenvolvimento uma análise jurídico-funcional do alcance de metas que refletem

diretamente na situação concreta dos indivíduos e seus laços de solidariedade para o

fortalecimento da dimensão transindividual do progresso, já que as normas jurídicas,

especialmente as de natureza principiológica, somente podem ser conhecidas mediante sua

confrontação com a própria realidade.

Este modo de reflexão desenvolve enormes potencialidades produtivas. O

pensamento possibilista ou pluralista de alternativas significa pensar em e desde alternativas,

ampliando o horizonte visual para dar espaço a outras novas realidades, já que considera que

estas corrigirão a trajetória da anterior, especialmente no que diz respeito as que se englobam

sob a dimensão do temporal a nível normativo, adaptando-as e adequando-as.

Consequentemente, quanto mais aberta, plural e política for determinada ordem constitucional

– junto com sua correspondente parte dogmática – tanto mais relevante será este tipo de

reflexão, quanto mais a Ciência jurídica vai elaborando e perfilando com mais nitidez seus

próprios conceitos, entre eles, o de alteridade compreensiva (superando a ideia tolerância que

hierarquiza inadequadamente as concepções éticas do tolerante e do tolerado), pluralismo,

direitos das minorias, representatividade de interesses não organizados ou institucionalizados e

finalmente, os de direitos sociais e interculturais fundamentais ou básicos273

.

272

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. Cit., p. 98. 273

Nesse sentido: HÄBERLE, Peter. Pluralismo y Constitución. Cit., p. 62-64.

120

O raciocínio possibilista oferece ao sistema interconstitucional do desenvolvimento

a análise jurídico-funcional do alcance de metas que refletem diretamente na situação concreta

do progresso existencial coletivo, já que as normas jurídicas somente podem ser conhecidas

mediante sua confrontação com a própria realidade.

O pluralismo de alternativas pressupõe a sociedade aberta e a concepção de normas

interconstitucionais como processo público. A natureza normativa programática e

principiológica dos diversos mandamentos interconstitucionais, próprios do marco dirigente e

processual de garantia integral do desenvolvimento, envolve planejamento técnico mais

próximo da realidade de instituições abertas e processos democráticos participativos.

A impossibilidade concreta de alcançar objetivos normativamente estabelecidos

remete a outras possibilidades de reforço da garantia que se busca proteger ou maximar os

efeitos, nesse caso, as políticas públicas de desenvolvimento. Daí a multiplicidade de caminhos

oferecidos, em nível doutrinário, jurisprudencial e legislativo, para que o direito transindividual

ao desenvolvimento torne-se funcionalmente efetivo, factível. Como exemplos de

possibilidades e alternativas surgem diversas técnicas, critérios e princípios integrativos do

âmbito de aplicação do desenvolvimento: dever de progresso, vedação contextualizada do

retrocesso e proporcionalidade, imunidade do mínimo vital, isonomia, justiça fiscal,

solidariedade tributária, dever de concorrer para os gastos públicos, eficácia horizontal ou

interprivada direta etc.

5.2 Cibercidadania e (re)construção dos espaços públicos por demandas

sociais

Nosso objetivo é propor a analise crítica das possibilidades de construção de novos

espaços públicos para consolidação da democracia participativa e direta. Partiremos dos

estudos sobre cibercidadania de Pérez Luño274

e da análise sociológica dos movimentos sociais

na era da internet de Manuel Castells275

, para produzir conclusões decorrentes de uma teoria

integral, solidária e plural de proteção ao direito fundamental transindividual ao

desenvolvimento.

274

LUÑO, Antonio-Enrique Pérez. ?Cierciudadani@ o [email protected]? Barcelona: Editorial Gedisa, 2012. 275

CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de

Janeeiro: Zahar, 2013.

121

Por que hoje um conceito tão antigo, como o de cidadania, atrai novamente a

atenção dos constitucionalistas e dos filósofos práticos? Esse conceito tem sido central no

âmbito da filosofia moral e política. Cidadão é aquele que pertence a uma comunidade política

moderna, cujas instituições pretendem ser justas e precisamente adquirem sua legitimidade

dessa pretensão de justiça276

. Exercer cidadania é participar ativamente desse processo de

construção.

O sonho grego da cidadania cosmopolita é concretizado no novo modelo de

cidadania adotado na Europa – a cidadania multicultural, onde se busca conciliar a diversidade

de culturas com a necessidade de uma ética universal.

A partir do mundo filosófico, foram empreendidos três caminhos para construir

uma ética universal com força normativa ou, ao menos, para refletir sobre a possibilidade de

construí-la277

:

1) Tomar como ponto de partida uma determinada cultura e tentar estender as suas

hipóteses éticas às restantes (Liberalismo Político278

).

2) Detectar nas diferentes culturas os valores e princípios éticos que já

compartilham e construir, a partir deles, uma ética global (Crítica Social Imanente279

).

3) Tomar como ponto de partida um fato e descobrir, mediante reflexão

transcendental, um núcleo racional normativo que não possa negar-se sem entrar em

contradição (Pragmática transcendental280

).

Partindo para construção do modelo de ética cívica na sociedade pluralista, Adela

Cortina, se aproxima mais da ideia de cidadania solidária. O direito na perspectiva pós-

positivista deve pretender estar justificado dentro de um referencial moral e ético.

As características dessa ética cívica são, resumidamente, as seguintes281

:

276

CORTINA, Adela. Ética e Cidade Cosmopolita. Trad. Cláudio Molz. In: Direito e Legitimidade. MERLE,

Jean-Christophe; MOREIRA, Luiz. São Paulo: Landy, 2003, p. 275. 277

Ibidem, p.278. A classificação que segue é proposta por Adela Cortina. 278

John Rawls, em The Law of Peoples, tenta aplicar no âmbito internacional o procedimento de contornar as

diferenças entre doutrinas que abrangem o bem, construindo uma concepção moral de justiça, extensiva a países

não liberais. RAWLS, John. The Law of Peoples. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1999, p. 279. 279

WALZER, Michael. Thick and Thin: moral argument at home abroad. Notre Dame: Notre Dame Press, 1994.,

identifica as moralidades densas (thick morality), encarnadas em cada sociedade particular, e a moralidade tênue

(thin morality), extensível além das fronteiras, afirma ser possível, através dessa última, chegar a um conjunto de

mandamentos negativos, que poderiam ser estendidos a todas as sociedades. (Op. Cit., p. 280) 280

Nesse ponto se reconhece o caráter dialógico da razão, através da argumentação se discute as possibilidades da

moralidade tênue, fundamentando a obrigatoriedade de uma ética universal (CORTINA, Adela. Cit., p. 281). 281

CORTINA, Adela. Op. Cit., p. 284 et seq. Ver também, da mesma autora: Ética mínima. Madrid: Tecnos,

1986; Ética aplicada y democracia radical. Madrid: Tecnos, 1993.

122

1) É realidade social e não construção filosófica; faz parte do mundo vital de uma

sociedade pluralista. Conjunto de valores e princípios que os grupos dessa sociedade, que

propõe modelos de uma vida boa, já compartilham;

2) É o tipo de ética que vincula as pessoas como cidadãos e não como súditos nem

vassalos;

3) É dinâmica. Constitui a cristalização dos valores compartilhados por diversas

propostas de vida boa;

4) A ética cívica é uma ética pública (de se fazer conhecida ao público através da

opinião pública, com razões compreensíveis e admissíveis);

5) É uma ética dos cidadãos, portanto própria dos membros da sociedade civil, não

uma ética estatal;

6) É uma ética laica, que não aposta em nenhuma determinada confissão religiosa,

mas também não se propõe a eliminá-las.

A democracia plural é produto do compromisso ético e humanístico com a

efetividade dos direitos fundamentais pela via solidarista, que dinamiza o sonho kantiano de

comunidade ética cosmopolita na exata medida que a cidadania tende a ser interconstitucional

e ciberparticipativa, integrada em redes tecnológicas expansivas das possibilidades de inclusão

e empoderamento sociais.

Vencem o sentimento constitucional de pertencimento ao processo público

desenvolvimentista e a empatia solidária de contribuir para o progresso existencial humano.

Perdem as decisões autocráticas e de retrocesso social das oportunidades equitativas, em

decorrência das redes de indignação e esperança por direitos de participação no processo

democrático de desenvolvimento que se formarão no constitucionalismo plural.

Existindo maior integração entre os Estados Constitucionais Cooperativos, onde os

princípios conformadores da efetividade dos direitos humanos constituem a sua base ética, o

direito internacional público deixa de ser o conjunto de normas e princípios que regulam as

relações entre as nações para adquirir o contorno de um “direito internacional dos direitos

humanos”, garantindo status específico aos cidadãos dos diversos países282

.

A democracia na perspectiva solidarista de proteção integral se materializa, em

termos gerais, quando o conteúdo dos atos dos representantes faz-se justo em face dos

282

Nesse sentido: TORRES, Ricardo Lobo. A Cidadania Multidimensional na Era dos Direitos. In: Teoria dos

Direitos Fundamentais. Ricardo Lobo Torres (organizador). 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 310.

123

cidadãos283

possibilitando o pleno desenvolvimento da condição humana em termos sociais,

econômicos e culturais, respeitando as liberdades fundamentais e fortalecendo os laços de

solidariedade para o progresso transparente.

A existência de mecanismos deslegitimadores (impeachment, recall,

responsabilidade política, destituição, moção de censura284

), como instrumento necessário ao

exercício da cibercidadania em favor da efetividade dos direitos fundamentais, está diretamente

relacionada ao fortalecimento da democracia.

Nas palavras de Bobbio: “Enquanto as liberdades civis são uma condição

necessária para o exercício da liberdade política, a liberdade política – ou seja o controle

popular do poder político – é uma condição necessária para, primeiro, obter e depois, conservar

as liberdades civis”285

.

A possibilidade de exercício e o efetivo exercício dos direitos fundamentais é uma

condição necessária da democracia: isto significa que os direitos humanos não substituem a

democracia; mas uma democracia digna desse nome se baseia nos direitos humanos286

.

A cidadania solidária também se concretiza na forma de participação política

reivindicatória das condições básicas de vida digna para todos, garantindo o acesso aos bens

indispensáveis ao mínimo existencial. Efetiva-se na satisfação das expectativas dos menos

favorecidos, proporcionando-lhes justa igualdade de oportunidades, pois, onde a exclusão

social se faz presente, a liberdade e a justiça não se manifestam, senão para poucos.

O mundo atual atravessa revolução informacional, com impactos que vão da

substituição do capitalismo industrial pelo capitalismo informacional em redes globais à

transformação dos laços de amizade e afetividade.

283

Nesse mesmo sentido: CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Cit., p.

294. 284

Canotilho denomina tais mecanismos de procedimentos constitucionais deslegitimadores, reconhecendo-lhes a

sua importância em termos iguais ou maiores que os procedimentos eleitorais legitimadores. A fórmula de Popper

é a expressão mais sugestiva deste modo de conceber o princípio democrático: “A democracia nunca foi a

soberania do povo, não o pode ser, não o deve ser”. A justificação da democracia em termo negativos e

basicamente procedimentais, pretende por em relevo que a essência da democracia consiste na estruturação de

mecanismos de seleção dos governantes e, concomitantemente, de limitação prática do poder, com instituições

políticas adequadas e eficazes para um governo sem tentações tirânicas. (Op. Cit., p. 292) 285

BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997, p. 65. 286

MÜLLER, Friedrich. Teoria e interpretação dos direitos humanos nacionais e internacionais – especialmente

na ótica da teoria estruturante do direito. In: Direitos Humanos e Democracia. Clemerson Merlin Clève et. al

(organizador). Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 50.

124

As novas tecnologias e a comunicação global em redes sociais abertas permitem a

proximidade e o contato imediato com fatos nunca antes perceptíveis ao espírito crítico.

Representaram o principal instrumento de luta pela democracia no Egito e muito possivelmente

provocará profundas transformações na reivindicação democrática por direitos e liberdades.

A sociedade democrática avançada e pluralista requer a superação do agnosticismo

axiológico e do formalismo positivista287

impondo ao Estado integrado em redes de

cibercidadania a realização de fins materiais éticos de igualdade e liberdade, que contribuam

para reforma social e econômica justa das condições para o progresso humano.

Não se trata aqui de impor determinado sistema econômico. É evidente que a

conjuntura econômica é determinante para o progresso e desenvolvimento, como também é

evidente que a apatia participativa reflete no aumento das desigualdades sociais. Trata-se de

projetar os valores interconstitucionais fundamentais de igualdade material e proteção integral

do desenvolvimento para todo e qualquer modelo econômico que se venha adotar, expandindo

os instrumentos e formas de democracia direta e participativa.

A solidariedade estabelece o vínculo (social, político e cultural) de

ciberparticipação democrática entre nações livres e iguais, sem protagonismos ou heróis, na

constante presença do espírito crítico de indignação e consequente luta por valores, objetivos e

direitos interconstitucionais, construídos no ambiente pluralista, intercultural, complexo e

diatópico de múltiplos interesses transindividuais estabelecidos e em processo de construção na

e para a sociedade.

O elemento democrático no processo de desenvolvimento é dos seus principais

possibilitadores, princípio de humanização das ações estatais que consolida a intercultura

constitucional participativa no atual estágio de luta por progresso, em redes de indignação e

esperança. Para além de “ouvir as vozes das ruas”, é necessário conferir ao povo o

empoderamento participativo e solidário na construção da ordem interconstitucional em

expansão.

287

Cfr. ARAGÓN REYES, M. Constitución y Democracia. Madrid: Tecnos, 1989, p.42. No mesmo sentido:

LUÑO, A. Perez. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución. 4. ed. Madrid: Tecnos, 1991, p. 224;

TEJADA, Javier Tajadura. El Preámbulo constitucional. Cit., p. 227

125

6 DIREITO AO DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

6.1 A teoria normativa das políticas públicas

O Poder Executivo, no Estado Solidarista, passa a executar novo tipo de norma

jurídica: a política pública288

(criada pelo Poder Legislativo e controlada pelo Poder Judiciário,

com participação ativa do Ministério Público, Defensoria Pública e do povo na otimização dos

seus efeitos). A política pública é mandamento finalístico, estabelece fim ou objetivo que

fomenta ou realiza determinado direito, passando a compor seu regime jurídico. As políticas

públicas constitucionais possuem natureza constitucional-fundamental conforme ínsito nos

artigos 3º e 4º, parágrafo único, da CRFB ou constitucional-geral, também previstos nos

artigos 23, 43, 182, 193, 196, 201, 203, 205, 206 e 207, 210, 217, 218, da CRFB.

A concepção normativa de policy (política pública) que Ronald Dworkin289

introduziu na estrutura da norma jurídica ao lado das regras e dos princípios, tem peso relativo

e se abre para a ponderação, porém no contexto de metas, de forma distinta da norma princípio.

Argumentos de política não se confundem com argumentos de princípios. Nossa proposta de

controle judicial de políticas públicas estabelece critérios coerentes com tais diferenciações.

Mas, os argumentos de policy não têm sido desenvolvidos pela doutrina brasileira,

que ficou presa ao debate algum tanto estéril sobre os princípios e as regras conforme observa

Ricardo Lobo Torres290

.

A Constituição da Irlanda de 1937 em seu art. 45, § 1º, fez referência expressa às

políticas públicas sociais: “The principles of social policy set forth in this Article are intended

for the general guidance of the (Parliament). The application of those principles… shall not be

cognisable by any Court under any of the provision of this Constitution”.

288

Karl Loewenstein possui interessante obra sobre esse assunto: Political Power and the Governmental Process

publicado em 1957 pela University of Chicago Press, onde ressalta a substituição da lei pela política pública,

mantendo-se a mesma separação entre a declaração, a execução e o controle. Em Ronald Dworkin, a política

pública (policy) é espécie do gênero norma jurídica (O Império do Direito; Levando os direitos a sério). 289

DWORKIN, Ronald. Taking Rights Serionsly. Cambridge: Harvard University Press, 1980, p. 26 290

Cfr. TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial como conteúdo essencial dos direitos fundamentais. (texto

cedido pelo autor), p. 11. Para um debate mais amplo: TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial.

Rio de Janeiro: Renovar, 2008. Na concepção do citado autor o processo de ponderação para policy é o mesmo

aplicável aos princípios.

126

Nas lições de Ran Hirschl sobre o novo constitucionalismo, irá arguir que a

tendência global no sentido da autorização judicial (judicial empowermant) através da

constitucionalização pode ser entendida como parte e parcela de um processo em larga escala

pelo qual a autoridade para realizar a política pública (policy-making authority) é

crescentemente transferida pelas elites hegemônicas da arena política majoritária (majoritarian

policy-making arenas) para os corpos semi-antônomos e profissionais da política pública

(semiautonomons, profissional policy-making bodies), com o objetivo primário de isolar as

suas preferências pelas políticas públicas (policy preferences) das vicissitudes da política

democrática (democratic politics)” 291

.

As atuais políticas públicas infraconstitucionais (bolsa família, fome zero,

educação para todos, centro de apoio à família, habitação popular, incentivo ao pequeno

produtor, etc.) em nossa concepção, devem ocupar o referencial concretizador dos direitos

fundamentais e humanos, sujeitas aos parâmetros de controle judicial fundamentado nos

princípios da proteção eficiente, da cláusula impeditiva de retrocesso e do dever de

maximização dos efeitos diante das possibilidades fáticas e preservando o núcleo essencial

mínimo (mínimo existencial) de cada direito fundamental ou humano.

O direito fundamental ao progresso existencial impõe às políticas de mínimo

existencial a sua gradual redução de usuários: quem ingressa no programa “bolsa família” deve

ser inserido num programa ou política pública de acesso ao emprego e renda para não mais

necessitar daquele amparo social mínimo.

Todas as normas estabelecidas nos artigos 1º ao 17 e 37 caput da Constituição

Federal de 1988 são normas do tipo princípio (standards, mandamentos de otimização), com

exceção dos artigos 3º e 4º, parágrafo único, que são normas do tipo política pública

(mandamentos finalísticos com objetivos para o futuro). O correto exercício do ativismo

administrativo partindo de argumentos de princípios ou de política impõe tal compreensão.

A ausência de políticas públicas concretizadoras dos direitos fundamentais

importam em omissão inconstitucional sujeita a controle judicial. Tal controle pode ser

provocado em sede de ação civil pública, ação popular, mandado de segurança, mandado de

injunção, habeas dignitate, ou exercício do direito de ação, demandando do magistrado a

coragem necessária à proteção e à efetivação das políticas publicas de proteção aos direitos

291

HIRSCHL, Ran. Towards Juristocracy. The Origins and Consequences of the New Constitutionalism.

Cambridge: Harvard University Press, 2004, p. 16.

127

fundamentais. Podemos citar como exemplo a manutenção de transporte coletivo gratuito para

universitários que estudam em município diverso de seu município de origem (política pública

de fomento ao direito fundamental à educação superior). Tal política pública deve ser criada no

âmbito legislativo (ou suprida a omissão legislativa inconstitucional através de decisão judicial

no exercício do controle difuso de constitucionalidade292

), não pode sofrer retrocesso social e

deve passar pelo dever de otimização e de progresso diante das possibilidades fáticas do

município, preservando o núcleo essencial mínimo de proteção. O mesmo raciocínio se aplica

às políticas públicas de doação de medicamentos, tratamento de saúde, proteção ao

consumidor, saneamento básico etc.

Ao Judiciário atribui-se papel mais (cri)ativo para que sua função se identifique

solidariamente com a concretização dos direitos fundamentais e que a jurisdição se afirme

como novo elemento de inclusão social293

, contribuindo diretamente na consecução dos

objetivos fundamentais da República.

O Poder Judiciário não atua apenas com legislador negativo (declaração de

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo), atua também como legislador positivo (decisão

em mandado de injunção para suprir a omissão legislativa, atuando na concretização do

direito).

De igual modo, atua como administrador negativo (declaração de

inconstitucionalidade e ilegalidade dos atos do Poder Executivo) e administrador positivo

(decisão em que impõe a execução do orçamento para garantia de direitos – Lei Orçamentária

como lei material; controle da omissão, do dever de otimização/progresso, da

insuficiência/eficiência na execução das leis e políticas públicas, condenando o Estado em

obrigação de fazer).

Não estamos defendendo aqui a possibilidade de “Governo dos Juízes”, mas a

atuação razoável e proporcional do Poder Judiciário, através do ativismo judicial em face das

omissões dos demais Poderes em concretizar os direitos expressos na Constituição Federal que

comprometem a existência digna do ser humano.

292

Sobre o controle de constitucionalidade das omissões: FARIA, Luiz Alberto Gurgel de. O controle da

constitucionalidade na omissão legislativa: instrumentos de proteção judicial e seus efeitos. Curitiba: Juruá

Editora, 2001. 293

Sobre o último aspecto, identificando a Jurisdição como elemento de inclusão social: MOREIRA DE PAULA,

Jônatas Luiz. A jurisdição como elemento de inclusão social: revitalizando as regras do jogo democrático. São

Paulo: Manole, 2002.

128

Ao Ministério Público cabe maior participação na proteção dos interesses das

minorias carentes, passando de fiscal da lei a construtor do projeto constitucional de uma

ordem jurídica materialmente justa, esse o sentido solidarista a ser atribuído ao art. 129, III da

CFRB294

. As Ações Civis Públicas constituem remédio fundamental no processo de

fiscalização e defesa dos cidadãos em face das omissões inconstitucionais.

A Defensoria Pública na defesa dos necessitados, com os novos instrumentos que

as recentes reformas infraconstitucionais lhe proporcionaram (legitimidade para propor ação

civil pública295

, comunicação em no máximo vinte e quatro horas das prisões em flagrantes de

pessoas que não possam pagar advogado, etc.) tem acompanhado a nova tendência das

reformas constitucionais no sentido de fortalecer a dimensão institucional de proteção aos

direitos fundamentais.

Ao Legislativo cabe a tarefa de concretizar, em nível político-legislativo, a partir

do texto da norma constitucional, através de decisões políticas com densidade normativa, os

atos legislativos, os preceitos da Constituição296

. Posteriormente lhe incumbe o dever

democrático de produzir leis simples e acessíveis às camadas sociais mais carentes, num

diálogo aberto à participação ativa de todos os destinatários da norma; em suma, é preciso

legislar objetivando atingir o interesse público primário (do povo) e fundamentalmente em

defesa das comunidades carentes de amparo social, político e econômico.

Destarte, realizar os direitos fundamentais partindo de atividade legislativa torna-se

possível com uma maior democratização dos processos legislativos e do próprio direito, mas,

acima de tudo, em não havendo participação popular no diálogo formativo das leis, respeitando

adequadamente a autonomia dos cidadãos individuais, fortalecendo os laços de solidariedade.

Afinal, os juristas podem certamente contribuir para a realização da razão e da justiça, mas não

podem fazer isso sozinhos. Isto pressupõe uma ordem racional e justa297

.

Em nível executivo, com base no texto da norma constitucional e das subsequentes

concretizações desta a nível legislativo (também a nível regulamentar, estatutário), desenvolve-

294

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: III - promover o inquérito civil e a ação civil

pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e

coletivos. 295

Para uma interpretação conforme a constituição da legitimidade da Defensoria Pública para propor a ação civil

pública, esta deve estar voltada para defesa dos necessitados, sob pena de violar o princípio de interpretação

constitucional da correção ou conformidade funcional. 296

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Cit., p. 1206. 297

ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação

jurídica. São Paulo: Landy Editora, 2005, p. 281.

129

se o trabalho concretizador, de forma a obter uma norma de decisão solucionadora dos

problemas concretos298

. Nossa Constituição é notadamente dirigente; portanto, grande parte da

concretização dos seus preceitos se dá através de políticas públicas ou programas de ações

governamentais desenvolvidas pelo Governo299

. Política pública (preceito normativo que

estabelece fins, objetivos ou programas) é espécie do gênero norma jurídica e pode ser objeto

de controle judicial, atribuindo-se ao Legislador o dever de estabelecer normatividade

suficiente para concretização das políticas públicas fundamentais (art. 3º da CFRB e demais

normas programáticas) sob pena de incorrer em omissão inconstitucional.

Assim, conforme ensina Dirley da Cunha Junior, a expansão do papel do Juiz é

exigência da sociedade contemporânea, que tem dele reclamado, mais do que mera e passiva

inanimada atividade de pronunciar as palavras da lei, um destacado dinamismo ou ativismo na

efetivação dos preceitos constitucionais, em geral, e na defesa dos direitos fundamentais, em

especial, frequentemente inviabilizados por inação dos órgãos de direção política300

.

As políticas públicas constitucionais e infraconstitucionais exercem função

essencial no sistema de proteção aos direitos fundamentais, passando por novos critérios de

elaboração, execução e controle. A execução adequada de políticas públicas concretizadoras de

direitos fundamentais e humanos constitui a principal função administrativa a ser

desempenhada em nível executivo. Análises, projeções, definição de metas e estudos de

impacto coletivo na maximização dos efeitos relativos à aplicação de direitos fundamentais, e

principalmente a garantia do seu núcleo essencial, constituem o marco jurídico-constitucional

do exercício do que passaremos a denominar “ativismo administrativo”.

Realizar direitos fundamentais partindo de práticas administrativas constitui dever

muitas vezes negligenciado em face da equivocada percepção do caráter exclusivamente

infralegal dos atos administrativos. Cabe observar que todo ato infralegal é, antes de tudo,

infraconstitucional, portanto atos administrativos são também atos jurídicos densificadores de

direitos fundamentais e encontram-se diretamente vinculados às escolhas normativas

constitucionais, internacionais e comunitárias, em especial ao desenvolvimento humano.

298

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Cit., p. 1206. 299

Karl Loewenstein possui interessante obra sobre esse assunto: Political Power and the Governmental Process

publicado em 1957 pela University of Chicago Press, onde ressalta a substituição da lei pela política pública,

mantendo-se a mesma separação entre a declaração, a execução e o controle. Em Ronald Dworkin, a política

pública é espécie do gênero norma jurídica (O Império do Direito). 300

CUNHA JUNIOR, Dirley da. Controle Judicial das Omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004, p.

336.

130

A ausência de legislação específica para detalhar a concretização de direitos

fundamentais não é argumento válido para negar sua aplicabilidade em nível administrativo,

principalmente em virtude da aplicabilidade imediata desses direitos. Caberá a administração

pública aumentar a sua pré-compreensão constitucional para estabelecer seu correto conteúdo,

as restrições constitucionalmente admitidas e alcance eficacial, independente de legislação

específica, e na presença desta realizar a sua interpretação em conformidade com a

constituição, afastando conteúdos e interpretações com ela conflitantes.

A interpretação e concretização dos direitos fundamentais, principalmente nos

países em que os direitos essenciais à realização da condição humana são constitucionalizados

em virtude de sua carência no plano fático, devem passar por critérios diferenciados de

exercício da função administrativa, legitimando o modelo pós-liberal e solidarista de

Administração Pública, através do ativismo administrativo constitucionalmente adequado,

cabendo aos poderes públicos no exercício do ativismo (administrativo ou judicial) inserir na

fundamentação de suas decisões argumentos de política (alcance de metas, objetivos ou

programas interconstitucionais estabelecidos) ou argumentos de princípios (otimização de bem

jurídico interconstitucionalmente protegido).

A Constituição Administrativa é o conjunto de princípios, regras, políticas públicas

e instituições jurídicas que, garantindo os elementos definidores de determinado modelo

funcional administrativo, instituem determinada forma de organização e funcionamento para a

Administração Pública e constituem, por isso mesmo, determinada forma de atuar

concretamente os interesses públicos primários, assim, faz parte não só as normas que regulam

diretamente a função administrativa (artigos 37 ao 43 da Constituição Federal), mas também os

direitos fundamentais (art. 5º ao 17, 145, 150, 225, 226 todos da Constituição Federal, além

dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e normas comunitárias) que constituem a

razão suficiente e eficiente das práticas administrativas, além daquelas que definem os

princípios fundamentais da organização estatal (artigos 1º ao 4º da Constituição Federal).

Canotilho afirma que a constituição confere legitimidade à ordem política e dá

legitimação aos respectivos titulares do poder político. Precisamente por isso se diz que a

constituição se assume como estatuto jurídico do político (Castanheira Neves) num duplo

sentido – o da legitimidade e da legitimação. O esforço de constituir a ordem política segundo

princípios justos consagrados na constituição confere a esta ordem indispensável bondade

131

material (legitimidade) e ao vincular juridicamente os titulares do poder, justifica o poder de

“mando”, de “governo”, de “autoridade” destes titulares (legitimação)301

.

Quando a lei constitucional logra obter validade como ordem justa e aceitação, por

parte da coletividade, da sua “bondade intrínseca”, diz-se que a constituição tem

legitimidade302

.

A crise institucional que compromete diretamente a eficiência do sistema

constitucional de proteção aos direitos fundamentais é, em grande parte, atribuída ao fato de

não contarmos com um eficiente sistema de proteção ao patrimônio público, temos um sistema

de segurança pública que carece de tecnologias, valorização profissional e formação técnica e

humanística adequadas, que, por consequência, apresenta taxas de esclarecimento (clearence

rate303

) próximas à impunidade e inadequado modelo institucional redutor de criminalidade.

Faz-se necessária a atribuição de autonomia orçamentária e administrativa aos

órgãos de segurança pública (controlada externamente pelos demais poderes, com fiscalização

direta do Ministério Público, e orientação estratégica de um Conselho Nacional de Segurança

Pública com amplos poderes disciplinares). A segurança pública deve atuar de forma integrada

e estrategicamente orientada por questões de política criminal capazes de reduzir e inibir

práticas delitivas.

A autonomia e integração entre os diversos órgãos estatais e federais de segurança

pública, com um Conselho Nacional de Segurança Pública nos moldes do Conselho Nacional

de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público é o pressuposto para o equilíbrio entre

o direito fundamental coletivo e social de segurança com os demais direitos fundamentais de

liberdade, num momento em que o próprio Estado é vítima da violência que ele não teve

capacidade de conter. É preciso repensar o Estado, sua estrutura, funcionamento e a própria

ideia de separação de poderes para a garantia e fortalecimento dos direitos fundamentais,

humanos e comunitários.

301

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5. ed., Coimbra: Almedina, 2002,

p. 1421. 302

Op. Cit., p. 1421. 303

Taxa que mede a eficácia da polícia e os níveis de impunidade, equivalendo ao percentual de crimes

esclarecidos, calculado a partir do número de crimes que a polícia registra: levando-se em conta o total de

ocorrências registradas, que proporção resultou em inquéritos encaminhados ao Judiciário, com a indicação de um

provável culpado.

132

6.2 Parâmetros de controle judicial de políticas públicas

A concretização dos direitos fundamentais a partir de políticas públicas

infraconstitucionais passa, inicialmente, pela análise da compatibilidade entre tais políticas e o

sistema constitucional de proteção aos direitos fundamentais e, nesse contexto, pode-se

depreender que as políticas públicas definidas legislativamente, num espaço de democracia

participativa, devem otimizar os mandamentos constitucionais fundamentais, favorecendo a

sua aplicabilidade imediata e impondo aos poderes públicos a impossibilidade de retrocesso

social em termos daquilo que já foi alcançado e o dever de progresso para alcançar novas

possibilidades de concretização.

A omissão do poder público na garantia de direitos fundamentais (liberdade,

segurança, saúde, moradia, educação, lazer, proteção integral às minorias etc.) impõe controle

judicial efetivo, permitindo ao Poder Judiciário exercer ativamente o controle dos demais

Poderes304

. As ações civis públicas constituem o principal instrumento de controle destas

omissões inconstitucionais.

Por maior que seja o esforço em revelar novas possibilidades de concretização dos

direitos fundamentais e compreender o fenômeno constitucional, será vã sem a clara percepção

de que a as políticas públicas passam por controle de constitucionalidade difuso e

concentrado em virtude de sua:

a) Inexistência: a omissão inconstitucional impõe ao poder judiciário o dever de condenar

o poder omisso em obrigação de fazer, quando se tratar de omissão executiva, atuando

como administrador positivo; em se tratando de omissão legislativa, a partir do

mandado de injunção e da ação de inconstitucionalidade por omissão, cabe suprir a

ausência de lei atuando como legislador positivo, tendo o sistema constitucional de

proteção aos direitos fundamentais como critério de orientação axiológica (valor) e

deontológica (dever-ser), fixando o plano ontológico (ser) para estabelecer o âmbito

normativo (contexto fático) que exercerá forte influência no processo de construção da

norma jurídica;

304

Cfr. OLIVEIRA JUNIOR, Valdir Ferreira de. Administração Pública no neoconstitucionalismo. In: Tratado de

Direito Administrativo. 2 vol. Coord. Adilson Abreu Dallari, Carlos Valder do Nascimento e Ives Gandra da Silva

Martins. São Paulo: Saraiva 2013.

133

b) Deficiência: controle da otimização e do dever de progresso305

– com fundamento no

princípio constitucional da eficiência e no valor fundamental do desenvolvimento, toda

atuação do poder público deve ser sempre otimizada. Mesmo os atos administrativos

vinculados e principalmente os discricionários, passam por controle judicial, legislativo

e administrativo de proteção integral (proibição de proteção deficiente e deveres de

proteção integral). As políticas públicas impõe dever de transparência (sua execução

deve estar aberta ao acompanhamento popular), dever de justificação conjuntural (a

respectiva reserva orçamentária deve ser destacada do orçamento global de proteção de

direitos fundamentais, justificando seu percentual de aplicação em face da real

necessidade conjuntural da população – daí sua dimensão transindividual), dever de

resultado (suas metas devem ser avaliadas em face dos resultados alcançados,

permitindo reformulação técnica dos métodos de alcance no universo plural de

possibilidades), dever de responsabilidade (atribuição de responsabilidades políticas e

sociais mútuas - accountability); dever de progresso (as políticas devem ser formuladas

em coerência com a necessidade de progresso existencial humano – cultural,

econômico, político, social e ético); dever de sustentabilidade (as políticas devem

possuir pluralidade de fontes de custeio e financiamento através da integração

interconstitucional – inclusive federativa, para manter seus padrões de proteção em face

das demandas sociais, obedecer a critérios técnicos de economicidade e projetar o

padrão ético-constitucional de defesa intergeracional do meio ambiente).

c) Extinção: vedação de desamparo social – as política públicas existentes não podem

sofrer extinção sem que sejam substituídas por outra capaz de oferecer igual ou melhor

proteção aos direitos fundamentais. Existe cláusula vedativa de extinção expressamente

imposta ao Poder Constituinte Derivado (CRFB, art. 60, §4º, IV) com relação aos

direitos fundamentais e por consequência ao seu sistema de proteção;

d) Retrocesso: A vedação do retrocesso significa que diante das possibilidades fáticas e

jurídicas, as políticas públicas existentes não podem sofrer retrocesso. Aquilo que já foi

305

Sobre os deveres de otimização: ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgilio Afonso da

Silva. São Paulo: Malheiros, 2008; Sobre os deveres de progresso e proibição de retrocesso: SARLET, Ingo

Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

134

conquistado em termos de proteção e concretização de direitos fundamentais e

humanos, por meio de políticas públicas, deve ser mantido ou substituído, no universo

pluralista de alternativas por técnicas mais aprimoradas e reorientadas pela

economicidade (dever de progresso)306

. André de Carvalho Ramos insere a proibição

do retrocesso como característica inata dos direitos humanos, e nesse tema destaca a

importância da cláusula do “desenvolvimento progressivo” prevista no artigo 2.1 do

Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais e no artigo 1º do

Protocolo de Direitos Sociais, econômicos e Culturais da Convenção Americana de

Direitos Humanos (Protocolo de San Salvador). Em suas palavras: “o conceito de

progressividade abarca dois sentidos: por um lado, sugere-se a gradualidade da plena

efetividade; de outro, impõe-se o dever ao Estado de garantir o progresso, ou seja,

veda-se consequentemente o retrocesso”307

.

Não há caminhos para a humanidade concretizar a dignidade humana, que não seja

o da realização dos seus direitos fundamentais através de políticas públicas que ofereçam

proteção adequada e eficiente, orientadas pelos princípios instrumentais da vedação de

retrocesso, do dever de otimização, da garantia do núcleo essencial mínimo dos direitos

(mínimo existencial) e da proteção às minorias.

Devemos oferecer uma via interpretativa que confira maior efetividade ao regime

jurídico-constitucional de proteção aos direitos fundamentais, com vistas à adequação da

realidade social ao Texto Constitucional. Aprimorar os instrumentos constitucionais

garantidores da concretização desses direitos, verificando seu alcance e eficácia é o objetivo

deste tópico.

Analisando a eficácia das atuais políticas públicas infraconstitucionais que

concretizam direitos fundamentais, tendo como parâmetro de controle (por via de ação ou

omissão) as políticas públicas fundamentais estabelecidas no art. 3º da Constituição Federal,

306

A vedação do retrocesso ao desenvolvimento passa por fortes interferências do âmbito normativo (Friedrich

Müller - teoria estruturante do direito). Portanto, em virtude de determinados contextos fáticos pode existir

retrocesso econômico, político e até mesmo social. A vedação do retrocesso encontra-se presente, porém, de

forma permanente, no contexto dos programas normativos interconstitucionais e integrais de proteção ao direito

fundamental ao desenvolvimento (não podem sofrer mutações que retrocedam sem justificativa jusfundamental).

Ele orienta a intervenção estatal nos momentos de crise, impõe deveres solidaristas de cooperação e remete

necessariamente ao contexto social amplo (global, regional, local) de múltiplas necessidades de proteção, para

construção da norma de decisão. Em contextos de retrocesso impõe-se o dever de retomada do progresso. 307

RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos. Cit. p. 253-254.

135

percebemos a falta de interdependência entre o sistema constitucional de proteção dos direitos

fundamentais e as políticas públicas infraconstitucionais (sejam elas federais, estaduais ou

municipais). Muitos membros do Poder Executivo, e até mesmo do Judiciário, ainda

confundem política pública com política de governo. Política pública é espécie de norma

jurídica.

É fundamental para compreensão do sistema constitucional de proteção dos direitos

fundamentais, sistematizar os critérios de solução de conflitos entre tais direitos, já que um

direito fundamental só é passível de restrição em conflito com outro direito fundamental de

igual ou superior relevância (concretamente estabelecida), a partir de uma ponderação de

interesses, orientada pelos critérios da razoabilidade (afastar decisões absurdas) e da

proporcionalidade (dentre decisões não absurdas, escolher a mais adequada – resolve o

problema ou fomenta a sua solução; necessária – menos gravosa; e proporcional em sentido

estrito – quanto maior a restrição de determinado direito, maior deve ser a realização do

outro)308

.

Devemos compreender os direitos fundamentais em suas múltiplas dimensões

(interprivada ou horizontal, vertical, institucional, procedimental, objetiva, subjetiva, negativa,

positiva, ativa e passiva), conferindo-lhes unidade e sistematicidade, sem, no entanto,

abandonar a densidade epistemológica que a correta classificação em gerações oferece para a

compreensão da historicidade e evolução dos direitos fundamentais.

Após estas observações, concluímos que é necessário identificar o sistema

constitucional de proteção e concretização do progresso existencial, estabelecendo

inicialmente novos parâmetros de aferição do seu conteúdo, como a proibição de retrocesso, o

dever de solidariedade e a inaplicabilidade da reserva do possível, todos filosófica e

juridicamente orientados pelo pensamento possibilista (na construção da norma jurídica buscar

a interseção entre realidade, necessidade e possibilidade).

308

Sobre aplicação das regras (aplicam-se por subsunção) da razoabilidade e proporcionalidade consultar:

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.

136

6.3 Políticas Públicas e Desenvolvimento

Para Inácio Rangel, o impulso para o desenvolvimento tem origem, não no

processo de produção, mas no processo de distribuição, que é fato estritamente social, por que

diz exclusivamente respeito às relações entre os homens309

. Porém, a distribuição das

responsabilidades sociais presente no regime jurídico-constitucional (integral e

multidimensional) da propriedade inclui, dentre outras, a dimensão social e solidária,

constituindo reflexo de intervenção positiva do direito no processo de desenvolvimento.

As políticas públicas, dado seu caráter normativo abstrato de cumprimento de

metas ou objetivos, sempre vinculados ao paradigma constitucional do desenvolvimento

estabelecido no artigo 3º da CRFB, possuem natureza transindividual e estão sempre

associadas a algum dever estatal de proteção de direitos ou fixação de deveres de solidariedade

social. O que torna, portanto, desnecessário maior esforço argumentativo para estabelecer as

relações entre políticas públicas e desenvolvimento.

Nesse sentido Ana Paula de Barcellos propõe, no ambiente plural de possibilidades

hermenêuticas das políticas públicas, cinco objetos que podem sofrer controle jurídico e

judicial (sem prejuízo de outros), são eles: a fixação de metas e prioridades por parte do Poder

Público em matéria de direitos fundamentais; o resultado final esperado das políticas públicas;

a quantidade de recursos a ser investida em políticas públicas vinculadas à realização de

direitos fundamentais, em termos absolutos ou relativos; o atendimento ou não das metas

fixadas pelo próprio Poder Público; a eficiência mínima (entendida como economicidade) na

aplicação dos recursos públicos destinados a determinada finalidade310

.

Manoel Jorge e Silva Neto defende o controle judicial de políticas públicas a partir

dos parâmetros constitucionais programáticos e dos princípios constitucionais fundamentais.

Ao analisar a omissão municipal em não contemplar política pública destinada à erradicação do

trabalho infantil no âmbito da norma de planejamento econômico, o autor defende a

309

RANGEL, Inácio. Introdução ao estudo do desenvolvimento econômico brasileiro. Salvador: Publicações da

Universidade da Bahia, 1957, p. 27. 310

BARCELLLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos

fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. Revista de Direito do

Estado. Rio de Janeiro, v. 1, n. 3, jul./set. 2006, p. 17-54.

137

possibilidade instrumental de controle judicial dessa omissão através da ação civil pública311

.

No que se refere ao desenvolvimento e o sistema de responsabilização pela edição ou pela

prática da ação ofensiva ao desenvolvimento, o Estado ofensor terá de arcar com os custos

decorrentes de sua deletéria iniciativa, seja por meio de imposição de indenização dirigida à

diminuição dos efeitos daquela atitude, seja ainda através do fomento econômica via remessa

de bens ou prestação de serviços ao país vitimado312

.

As políticas públicas interconstitucionais multiníveis (local, regional, nacional,

comunitário e internacional) de desenvolvimento, receptiva aos avanços institucionais de

proteção integral, devem possuir plataformas integradas de compartilhamento de informações e

tecnologias, dotadas de ampla transparência (ações, investimentos, metas, indicadores e

resultados) além de possuir a indispensável abertura para participação popular e sistema de

responsabilização política e social.

6.4 Teorias do mínimo e máximo existencial: adoção do progresso existencial

O progresso existencial assume a feição mais próxima e coerente com o sistema

constitucional de proteção integral ao direito fundamental transindividual ao desenvolvimento.

Vale destacar a advertência de Ricardo Lobo Torres, ao afirmar que os direitos

sociais se transformam em mínimo existencial quando são tocados pelos interesses

fundamentais ou pela jusfundamentalidade. Em sua teoria a ideia de mínimo existencial, por

conseguinte, se confunde com a de direitos fundamentais sociais stricto sensu. Os direitos

fundamentais originários, ao contrário, são válidos e eficazes em sua dimensão máxima313

.

Apesar de discordar do pensamento de Ricardo Lobo Torres, expresso na citada

obra, quando o mesmo afirma que os direitos sociais não são fundamentais, senão numa

parcela mínima e apenas para os que vivem em estado de pobreza, entendemos o louvável

objetivo do autor, que é a busca pela efetividade dos direitos fundamentais sociais nas

comunidades carentes. Diferentemente, para nós, os direitos sociais são fundamentais em sua

dimensão tanto mínima, quanto máxima para todos os cidadãos (inclusive estrangeiros não

311

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Controle de políticas públicas na Justiça do Trabalho. Revista Eletrônica sobre

Reforma do Estado (RERE). N. 18. Salvador: IBDP, 2009, p. 10. Disponível em:

http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-18-JUNHO-2009-MANOEL-JORGE.pdf. Acesso em 12/12/2014. 312

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Direito ao desenvolvimento e responsabilidade do Estado: o dano nacional.

Artigo cedido pelo autor (não publicado), 2014, p. 9. 313

TORRES, Ricardo Lobo. Op. Cit., p. 2.

138

residentes no país) que transitem em território nacional brasileiro e principalmente no espaço

comunitário, local e internacional de exercício da jurisdição interconstitucional.

A proteção do conteúdo essencial ou mínimo existencial, embora esteja conectada

mais diretamente ao direito à vida, deve ser compreendida também em relação a outros direitos

fundamentais, humanos e comunitários, a exemplo da moradia, lazer, educação, formação

profissional, assistência médica, cidadania, salário mínimo (este último já constitui mínimo

existencial) etc.314

.

Afinal, como assevera Ana Paula Barcelos, para quem vive no absoluto desamparo

e ignorância, a distância que o separa da dignidade, ainda que em seu conteúdo mínimo, é todo

caminho de volta à sua própria humanidade315

. A máxima efetividade316

dos direitos

fundamentais, humanos e comunitários, traduz-se em dever de progresso existencial, que fática

e juridicamente se consolidará nos promissores caminhos oferecidos pela jurisdição

interconstitucional.

Inexiste direito ao mínimo existencial como afirma Ricardo Lobo Torres. Adotar

tal perspectiva seria afirmar o direito à permanência numa situação de subsistência

incompatível com o direito ao desenvolvimento. O que existe na verdade é um dever de

proteção ao mínimo existencial (conteúdo essencial) dos direitos fundamentais que resulta em

sua intangibilidade.

Com a proteção do núcleo essencial intangível, surge imediatamente o direito ao

progresso existencial (busca pela máxima efetividade) até o que científica, social e

economicamente se projeta como máximo existencial em equilíbrio sustentável e solidário com

os demais sistemas vivos.

Nesse processo se destaca o direito ao máximo existencial317

na original visão de

Miguel Calmon Dantas. O máximo existencial, na concepção aqui adotada, constitui meta ou

objetivo (policy). Representa a máxima efetividade do direito fundamental ao

desenvolvimento, o ponto (dinâmico e em constante transformação) de chegada do direito

314

Nesse sentido: ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Cit., p. 466 et seq. 315

BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. 2. Ed. Renovar: Rio de Janeiro,

2008, p. 355. 316

Sobre o princípio da máxima efetividade, ver o importante trabalho de Manoel Jorge e Silva Neto: O princípio

da máxima efetividade e a Interpretação Constitucional. São Paulo: LTr, 1999. 317

DANTAS, Miguel Calmon. Direito ao máximo existencial. Tese de doutoramento apresentada ao Programa de

Pós-graduação (mestrado e doutorado) da Universidade Federal da Bahia. Salvador: UFBA, 2011.

139

transindividual ao progresso existencial, se é que algum dia o ser humano dará por encerrada

sua expectativa de progresso.

É na eficácia e permanência das intervenções estatais garantidoras das conquistas

constitucionais civilizatórias de progresso (individual, social e solidário) que reside o âmbito

de proteção do direito fundamental transindividual ao desenvolvimento. O direito ao

desenvolvimento individual é expressão da sua indivisibilidade coletiva e difusa e dela decorre.

Robert Alexy aponta critérios mínimo e máximo dos direitos fundamentais sociais:

o programa mínimo compreende o espaço vital mínimo (minimalen Lebensraumes), os direitos

mínimos (Minimalrechte) ou os pequenos direitos sociais (kleine Sozialrechte); o máximo,

quando se fala de “plena realização dos direitos fundamentais” (volle(n) Verwirklichung der

Grundrechte) ou quando o direito à educação se caracteriza como pretensão à emancipação

cultural-intelectual318

.

A determinação do núcleo mínimo dos direitos fundamentais pode ser definido

legislativamente, com ou sem critérios normativos ou sociopolíticos (exemplos: salário

mínimo, ensino fundamental público e gratuito, moradia). Porém, apesar de expressamente

positivados, os direitos fundamentais se constroem na realidade social de cada país e

dependem, inegavelmente, do seu nível de desenvolvimento econômico.

No Brasil já podemos afirmar que o mínimo existencial em termos de direito

fundamental à educação pública e gratuita (direito público subjetivo – art. 208, § 1º da CRFB)

não é mais o ensino fundamental e sim o ensino médio, administrativa, legislativa e

judicialmente exigível, e em certos contextos de ponderação integrados ao desenvolvimento

existencial, também o ensino universitário (atualmente fomentado através de políticas públicas

que democratizam o acesso ao ensino). Tal perspectiva decorre das cláusulas de vedação de

retrocesso social e do dever de otimização e de progresso dos direitos fundamentais,

alcançando, cada direito fundamental a sua dimensão máxima em termos de efetividade no

ambiente dinâmico de proteção integral do pluralismo de alternativas.

Importante indicador divulgado pela Organização para a Cooperação e o

Desenvolvimento Econômico - OCDE (Organisation for Economic Co-operation and

Development - OECD), na publicação Education at a glance 2014, é a proporção de pessoas de

25 a 34 anos com ensino superior completo ou mais em 2012. Na comparação com os países

318

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Cit. Termos em alemão do original: Theorie der

Grundrechte, cit., p. 455 et seq.

140

membros da OCDE (a entidade reúne atualmente 34 membros), o Brasil, identificado pela

Organização, ao lado da China e Índia como um dos gigantes emergentes, possui a menor

proporção de pessoas com ensino superior dessa faixa etária dentre todos os países319

.

6.5 Ativismo Administrativo como resposta sistêmica ao controle judicial

Não está afastado, mas sim reforçado, na perspectiva integral, solidária e pluralista,

o exercício da função administrativa convergente e ativamente orientada para proteção de

direitos interconstitucionais (ponderando interesses individuais, coletivos e difusos em

concordância com o interesse público primário). A existência de direitos “contra” o Estado é

uma contradição em termos, pois cabe ao mesmo protegê-los em seu conteúdo mínimo

essencial (independente de qualquer limitação fático-orçamentária) e efetivá-los gradualmente

(diante das possibilidades fáticas e jurídicas) em progresso existencial orientado à sua máxima

efetividade em sede administrativa.

Portanto, muitas das decisões tomadas no exercício do ativismo judicial (garantia

de tratamentos de saúde, proteção das minorias, ações afirmativas, moradia básica etc.)

poderiam ser deferidas em processos administrativos no exercício do ativismo administrativo,

onde o espaço discricionário estaria reduzido pela vinculação do Poder Executivo ao sistema

interconstitucional integral de proteção dos direitos fundamentais (afinal o juízo de

ponderação, partindo da razoabilidade e da proporcionalidade é legalmente determinado na

própria Lei de Processo Administrativo – Lei 9784/99, decorre do princípio constitucional do

devido processo legal substancial e dos deveres de interconstitucionais de proteção).

A construção de uma sociedade livre, justa e solidária demanda um conjunto de

tarefas conformadoras, muitas delas já citadas ao longo do trabalho, direcionadas a assegurar a

dignidade social do cidadão através da igualdade de oportunidades. A justiça social e

distributiva fortalecida pelos laços de solidariedade, através do apoio mútuo entre as

instituições sociais, governamentais e os indivíduos, proporciona a igualdade de chances

(garantidora das condições iniciais de liberdade – através de políticas públicas); a igualdade de

319

A média da OCDE é de 39,2%, O Brasil, em último lugar, encontra-se com a proporção de 15,2%. Fonte:

Education at a glance 2014: OECD indicators. Paris: Organisation for Economic Co-operation and Development -

OECD, 2014. Disponível em: <http://www.oecd.org/edu/Education-at-a-Glance-2014.pdf>. Acesso em: dez.

2014.

141

resultados320

(garantidora das condições do bem-estar social – através da garantia do mínimo

existencial) e a igualdade solidária (garantidora das condições de desenvolvimento do ser

humano – através da intensificação dos laços de solidariedade social321

).

A ausência ou negação dos direitos fundamentais do cidadão em face de eventual

omissão ou inativismo administrativo representa o eclipse constitucional da liberdade e da

justiça, a presença do ativismo, impactada pela nova forma de atuação administrativa frente a

aplicação direta dos direitos fundamentais, torna possível a construção do novo modelo de

Administração Pública, encarregada de irradiar os efeitos das normas constitucionais

fundamentais na ordem jurídica infralegal. O direito administrativo contemporâneo será o

reflexo da cultura constitucional-administrativa, construída nos degraus do pensamento

solidarista e partindo da legítima expectativa de desenvolvimento pessoal através do progresso

existencial.

Porém, o ativismo administrativo demanda outro conteúdo eficacial para o direito

fundamental transindividual ao desenvolvimento: a garantia de proteção ao patrimônio mínimo

familiar em progresso existencial permanente (moradia, alimento, salário, lazer e demais bens

materiais fundamentais que garantam sua condição digna de existência) na perspectiva de

dever fundamental de proteção à propriedade mínima. A conquista de direitos deve partir de

oportunidades oferecidas pelo Estado e pela Sociedade, que, para os indivíduos que ainda

percorrem o caminho em busca da dignidade humana (a exemplo dos milhões de brasileiros

que se encontram em situação de insegurança alimentar grave322

), deve partir de políticas

públicas garantidoras do progresso existencial e desenvolvimento do indivíduo para não mais

necessitar de amparo social mínimo.

320

Na opinião de Ricardo Lobo Torres, a igualdade de resultados compõe a ideia de justiça. A sua obtenção

depende do nível de riqueza do país e da reserva da lei. Dworkin, em obra recente (A Virtude Soberana), distingue

entre igualdade de bem-estar e igualdade de recursos; a igualdade de bem-estar se aproxima da ideia de igualdade

de resultados. (A metamorfose dos direitos sociais em mínimo existencial. In: Direitos Fundamentais Sociais:

Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado. Cit., p. 37.) 321

Cfr.: OLIVEIRA JUNIOR, Valdir Ferreira de. Tratado de Direito Constitucional, 2 Volumes. (Vários Autores)

Coordenação: Ives Gandra da Silva Martins; Gilmar Ferreira Mendes e Carlos Valder do Nascimento. 2. Ed. São

Paulo: Saraiva, 2012. 322

Insegurança alimentar diminui, mas ainda atinge 30,2% dos domicílios brasileiros. No nordeste o índice atinge

46,1 % (leve, moderada e grave). Dados do PNAD, 2009: do total de domicílios, 5,0% (2,9 milhões) foram

classificados como insegurança alimentar grave. Esta situação atingia 11,2 milhões de pessoas (5,8% dos

moradores de domicílios particulares). Para compreensão da atual distribuição de renda no Brasil consultar: IBGE.

Síntese dos indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2014, disponível para

download em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Indicadores_Sociais/Sintese_de_Indicadores_Sociais_2014/SIS_2014.pdf.

142

Seria possível, nessa perspectiva, a contratação temporária de indivíduos em

situação de insegurança alimentar ou sem acesso ao mercado de trabalho, para serviços

públicos de pequena complexidade e sua inserção em programas de treinamento e capacitação

por parte da administração pública323

para posterior desenvolvimento profissional e acesso ao

mercado de trabalho, incentivando o setor privado (eficácia horizontal) com benefícios fiscais e

tributários a participar com o poder público neste projeto político fundamental de inclusão

social e redução das desigualdades, contribuindo diretamente para o desenvolvimento do país

através da divisão social do trabalho. Penso que é chegado o momento de afirmarmos no Brasil

o direito fundamental a um patrimônio em progresso existencial a ser concretizado pelos

poderes públicos e sociedade como caminho necessário à concretização do direito fundamental

transindividual ao desenvolvimento.

As dimensões transindividual, interconstitucional e transnacional do direito ao

desenvolvimento impõem ação coletiva das administrações públicas integradas em redes de

cooperação e solidariedade (os textos constitucionais, internacionais e comunitários

determinam juridicamente essa ação). Os valores fundamentais que integram esse sistema

interconstitucional cooperativo conduzem à compreensão de que, antes de implementar

qualquer projeto sério de desenvolvimento (nos termos propostos pela ONU no UN System

Task Team on the Post-2015 UN Development Agenda), há que se resolver o problema dos

países com alto índice de vulnerabilidade social no que se refere a manutenção da própria vida

(principalmente em contextos agravados pela miséria absoluta, violência e conflitos armados).

As soluções científicas, tecnológicas, sociais, jurídicas, interculturais e políticas para o

desenvolvimento nos países mais vulneráveis possuem bases solidaristas – impõe ao receptor

de cooperação o direito/dever de tornar-se participante ativo do processo global de

desenvolvimento.

143

7. CONCLUSÃO

7.1 Síntese das teses apresentadas

O desenvolvimento no século XXI impõe a projeção das forças produtivas num

agir sustentável, a organização estatal desburocratizada, transparente e aberta aos avanços

tecnológicos, além da sociedade interligada em redes democráticas de cibercidadania para

consolidação de novos espaços públicos fundamentais para defesa dos valores comuns

considerados essenciais ao desenvolvimento, através dos laços de solidariedade envolvendo

direitos e deveres para além das nações e nacionalismos.

O Estado Constitucional Solidarista se afirma democraticamente através do

fortalecimento e consolidação dos laços de solidariedade social – pela divisão social do

trabalho sustentável, por similitude, pelo pluralismo e pela justiça equânime na distribuição de

direitos e deveres. O desenvolvimento é construído, aprimorado e expandido nesses laços

constitucionais solidários de proteção, reflexivo das necessidades humanas existenciais em

equilibro sustentável com a continuidade da vida em todas as suas formas e igual dignidade.

O desenvolvimento consagra-se no novo milênio como a questão central da

humanidade, núcleo convergente das principais teorias e movimentos sociais nos contextos

global, local e regional, produzindo reflexos jurídicos na democracia, liberdade, segurança,

propriedade, saúde, educação e mais acentuadamente no sistema de proteção aos direitos de

solidariedade (transindividuais).

O direito fundamental ao desenvolvimento representa, para além de doutrina do

progresso existencial, o marco unificador dos direitos fundamentais presentes e dos demais

direitos humanos e comunitários convergentes para seu sistema aberto e integral de proteção.

Os preâmbulos constitucionais estabelecem as ideias-força fundamentais que

conduzem o texto constitucional e neles estão estabelecidas diversas normas jurídicas de

conteúdo impositivo, pois nos preâmbulos constitucionais encontramos a síntese do sentimento

constitucional criador da nova ordem jurídica fundamental.

A constituição brasileira de 1988 caracteriza o desenvolvimento como valor

supremo da sociedade. Ao estabelecer no contexto do seu preâmbulo, uma ordem objetiva de

valores constitucionais vinculantes, passa a constituir o desenvolvimento como decisão política

valorativa, que expressa conteúdo axiológico universal com validez para todos os âmbitos do

144

direito. O desenvolvimento concretiza essa expressão valorativa (decisão axiomática) no

próprio texto constitucional como norma objetiva de princípio, como direito fundamental

transindividual (direito subjetivo de solidariedade frente ao Estado e dotado de eficácia

horizontal interprivada) e como objetivo fundamental (norma programática ou política

pública).

A Constituição em sua abertura principiológica de escolhas normativas conduz

inegavelmente ao pluralismo e a solidariedade como fatores determinantes da integral proteção

do progresso existencial humano.

Presente uma série de Tratados Internacionais de Direitos Humanos

indivisivelmente conectados à proteção integral ao desenvolvimento, a concretização do citado

direito fundamental transindividual encontra-se integrada de forma multinível e

interconstitucional com tais documentos jurídicos transnacionais e mais aproximadamente a

Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento no âmbito da ONU.

O direito comunitário não deve buscar primazia sobre o direito nacional como

pressuposto da capacidade funcional da comunidade. O pressuposto da sua capacidade

funcional reside no diálogo interconstitucional diatópico destituído de hierarquia, objetivando

sempre a melhor proteção do ser humano. A base cooperativa de criação de uniões

supranacionais orienta-se por uma carta de direitos que amplia e reconhece tantos os tratados

internacionais de direitos humanos quanto os direitos fundamentais dos Estados que

solidariamente compõem a Comunidade de Nações.

O direito comunitário é formado não apenas por normas de organização e

procedimento, mas fundamentalmente por normas atributivas de direitos aos cidadãos

supranacionais, que vão desde o voto e a participação na composição da comunidade e

instituições, até a garantia de progresso existencial em solidariedade com seus concidadãos.

O Direito ao desenvolvimento reencontra e amplia seu âmbito de proteção no

direito comunitário. A ideia de progresso e desenvolvimento é estruturante da própria

identidade constitutiva da comunidade de nações, encontra tipificação expressa nos principais

documentos jurídicos das uniões supranacionais.

Os laços de solidariedade interconstitucionais entre a ordem interna,

internacional e comunitária para garantia de proteção integral ao desenvolvimento, são por

demais intensos, para permitir o inadequado isolamento das jurisdições e organizações estatais

na proteção de direitos e atribuição de responsabilidades.

145

O “constitucionalismo integral” ou “teoria integral de proteção” nasce da

necessidade de promover a organização sistêmica multinível para proteção de direitos

fundamentais, humanos e comunitários (direitos interconstitucionais).

Numa teoria integral de proteção, presente a expansão da jurisdição

constitucional dos direitos transindividuais para o domínio comunitário e internacional, a

análise sobre o âmbito de proteção, restrições, conteúdo e eficácia do direito fundamental ao

desenvolvimento, recai necessariamente em abordagem zetética, integral de proteção, pluralista

de alternativas e solidarista.

É possível a aplicação do controle de convencionalidade presente na jurisdição

internacional no âmbito interno de cada país. A jurisdição interna de proteção integral dos

direitos humanos, fundamentais e comunitários, em face do art. 5º, § 2º (cláusula de abertura)

combinado com o art. 102, III (controle difuso), ambos da Constituição Federal, possibilita aos

magistrados brasileiros o exercício do controle difuso de convencionalidade.

A teoria integral de proteção, com direitos inseridos numa complexidade

estrutural multinível de interconstitucionalidade, assume relevância o modelo de intervenção

estatal solidária, onde se busca o pleno desenvolvimento com o compartilhamento de tarefas e

responsabilidade, em grande parte, assumidas pelo Estado, de outro lado, vinculadas às

empresas transnacionais e ao setor privado interno em função do seu dever transindividual de

promoção do desenvolvimento social, cultural e econômico da sociedade que possibilitou a

expansão do seu capital.

Nasce a relação de interconstitucionalidade federal externa - diálogo de

proteção integral entre Constituição Comunitária, Constituição Federal, Tratados

Internacionais de Direitos Humanos e as Leis Orgânicas e Constituições dos entes federados.

Permanece a relação entre Constituição Federal e Constituições dos Estados –

interconstitucionalidade federal interna.

Diante da demanda crescente por direitos essenciais ao desenvolvimento, é

imprescindível à teoria integral de proteção a implementação de sistema transparente para

determinação dinâmica (alterável conforme necessidade e possibilidade da sociedade – setores

público e privado), porém substancial, de percentual do Produto Interno Bruto de cada país a

ser investido na promoção do direito ao desenvolvimento.

O caráter dinâmico e pendular do desenvolvimento aponta como uma de suas

garantias contra intervenções estatais excessivas a intangibilidade do seu conteúdo essencial. A

146

consolidação do regime interconstitucional do desenvolvimento expressa, a partir das suas

mais variadas funções, caráter multidimensional, com similar orientação axio-deontológica,

fundamentada na dignidade humana.

O direito fundamental ao desenvolvimento decorre do objetivo fundamental

estabelecido no art. 3º, II da CRFB, tornando o dispositivo constitucional multifuncional.

Cumpre dupla função sistêmica: é direito fundamental transindividual (com todas as

consequências possíveis e decorrentes da inserção dos direitos fundamentais numa teoria

integral de proteção) e também é política pública fundamental (parâmetro de controle para

todas as políticas públicas de promoção do desenvolvimento).

O conteúdo essencial do direito fundamental transindividual ao

desenvolvimento é formado por uma projeção mínima de progresso existencial e vedação do

retrocesso social. Portanto, mantidas as conquistas sociais civilizatórias já alcançadas, deve o

Estado intervir na sociedade para melhoria dos padrões existenciais.

Todos os direitos sociais são fundamentais, que dependem de conjunturas

econômicas, jurídicas, políticas, sociais e culturais propícias à sua máxima efetividade. O fato

de existir retrocesso no plano ontológico (crises econômicas) não implica necessariamente a

diminuição de sua potencialidade normativa (em termos deontológicos e de proteção do seu

conteúdo essencial). A vedação do retrocesso social demanda análise complexa de ponderação

de interesses em ambiente pluralista de alternativas (realidade-necessidade-possibilidade).

A intervenção judicial no orçamento é sempre aferível concretamente em face

das necessidades existenciais individuais e coletivas (a exemplo do contingenciamento de

recursos referentes à realização de festas populares para enfrentamento de epidemias, combate

a seca e desastres naturais), jamais ponderável em abstrato, afinal, o orçamento público integra

a ordem material fundamental de proteção intergral dos direitos, constitui sua base econômica

tecnicamente planejada para suprir as necessidades individuais e transindividuais.

Decorre naturalmente do direito ao desenvolvimento, inserindo-se em seu

âmbito de proteção, o dever estatal de planejamento e intervenção em crises de retrocesso

social. Os retrocessos são sucedidos por deveres de retomada do progresso, num ritmo

ponderável com o dever global e indivisível de proteção dos direitos fundamentais e

respectivos núcleos essenciais.

A jurisdição interconstitucional busca estabelecer o diálogo intersistêmico de

proteção dos direitos humanos, comunitários e fundamentais em diferentes realidades culturais,

147

econômicas, políticas e sociais, porém não tão distintas do ponto de vista jurídico-normativo,

pois, as diversas ordens jurídicas dos Estados Constitucionais contemporâneos compartilham

princípios fundamentais comuns, além de unirem-se cooperativa e solidariamente na proteção

internacional e comunitária dos direitos humanos. Passam assim, a estruturar o centro do seu

sistema jurídico a partir de suas soberanas escolhas constitucionais (direitos fundamentais),

comunitárias (direitos comunitários) e internacionais (direitos humanos) com forte

interferência nas múltiplas tradições jurídicas.

Possuindo, tanto os direitos humanos quanto os direitos fundamentais e

comunitários, natureza principiológica, o seu desdobramento, detalhamento e concretização em

nível infraconstitucional ocorre, muitas vezes, através de normas de natureza finalística

(políticas públicas) que passam por controle judicial de imposição de existência; dever de

progresso; vedação do retrocesso; dever de proteção do núcleo essencial; princípio da

diferença.

O sistema de precedentes obrigatórios na jurisdição interconstitucional,

estabelece a harmonização necessária ao convívio interconstitucional de parcelas igualmente

legítimas da soberania estatal: a jurisdição interna, a jurisdição internacional e eventualmente a

jurisdição comunitária.

A teoria da interconstitucionalidade com referência a autonomia dos espaços

jurídicos constitucionais, comunitário e internacional, parte da concepção de sistema aberto e

orientado a valores comuns, formando o sistema complexo de inter-relação entre os direitos

humanos, fundamentais e comunitários no ambiente dialógico e diatópico.

A República Federativa do Brasil (Estado Federal) é dotada de soberania, ao

contrário das unidades parciais que possuem apenas autonomia (administrativa, política,

financeira e normativa), ao passo que a União Supranacional é dotada de soberania de

convergência (parcela da soberania dos países que a integram converge para sua formação

permitindo o exercício de poderes de integração econômica, cultural, social e política

objetivando o desenvolvimento global da comunidade).

Apresenta-se o neofederalismo como modo de preservar a particularidade no

âmbito de uma união supraestatal maior, mantendo o equilíbrio entre a soberania da nação

como um todo e a autonomia dos entes federados, concomitantemente à sua interdependência e

integração interconstitucional com a União Supranacional, que em nosso entendimento é

fortalecido pelos laços de solidariedade que deve existir entre os entes.

148

A interconstitucionalidade federativa externa cria o sentimento de expansão da

cultura constitucional de proteção de direitos para os Municípios, realidade ausente nas

respectivas leis orgânicas. O empoderamento dos cidadãos nos espaços públicos locais decorre

do fortalecimento das relações interconstitucionais no âmbito municipal.

Os deveres interconstitucionais comuns de transparência, desburocratização,

abertura democrática para participação ativa do cidadão no desenvolvimento, responsabilidade

financeira, pluralismo, solidariedade social e progresso existencial humano, passam a condição

de princípios estruturante do novo federalismo de integração, despertando a consciência dos

cidadãos de pertencimento a uma entidade política durável com propostas viáveis de proteção

integral do direito transindividual ao desenvolvimento.

A ponte evolutiva da teoria da constituição reside no constitucionalismo

solidarista. O fundamento do direito é solidariedade ou a interdependência social, todos os

membros da sociedade, pela regra de direito, são obrigados a nada fazer em contrário à

solidariedade social e fazer tudo o que está em sua capacidade para que assegure a sua

realização.

O direito ao desenvolvimento é em sua essência um direito de solidariedade.

Pressupõe, no entanto a expansão das liberdades substantivas. Seu ambiente de consolidação é

o espaço democrático, pluralista e participativo, onde impera o reino das liberdades, e permite

ao ser humano construir o seu progresso existencial, sem o qual estaria comprometida toda a

ordem objetiva de valores estabelecidos na Constituição.

O pensamento possibilista oferece ao sistema interconstitucional de proteção

integral ao desenvolvimento uma análise jurídico-funcional do alcance de metas que refletem

diretamente na situação concreta dos indivíduos e seus laços de solidariedade para o

fortalecimento da dimensão transindividual do progresso, já que as normas jurídicas,

especialmente as de natureza principiológica, somente podem ser conhecidas mediante sua

confrontação com a própria realidade.

O raciocínio possibilista oferece ao sistema interconstitucional do

desenvolvimento a análise jurídico-funcional do alcance de metas que refletem diretamente na

situação concreta do progresso existencial coletivo, já que as normas jurídicas somente podem

ser conhecidas mediante sua confrontação com a própria realidade.

A democracia plural é produto do compromisso ético e humanístico com a

efetividade dos direitos fundamentais pela via solidarista, que dinamiza o sonho kantiano de

149

comunidade ética cosmopolita na exata medida que a cidadania tende a ser interconstitucional

e ciberparticipativa, integrada em redes tecnológicas expansivas das possibilidades de inclusão

e empoderamento sociais.

A política pública é mandamento finalístico, estabelece fim ou objetivo que

fomenta ou realiza determinado direito, passando a compor seu regime jurídico. As políticas

públicas constitucionais possuem natureza constitucional-fundamental ou constitucional-geral.

Com a proteção do núcleo essencial intangível, surge imediatamente o direito ao

progresso existencial (busca pela máxima efetividade) até o que científica, social e

economicamente se projeta como máximo existencial em equilíbrio sustentável e solidário com

os demais sistemas vivos.

O ativismo administrativo demanda outro conteúdo eficacial para o direito

fundamental transindividual ao desenvolvimento: a garantia de proteção ao patrimônio mínimo

do administrado em progresso existencial permanente na perspectiva de dever fundamental de

proteção à propriedade mínima. A conquista de direitos deve partir de oportunidades oferecidas

pelo Estado e pela Sociedade, que, para os indivíduos que ainda percorrem o caminho em

busca da dignidade humana, deve partir de políticas públicas garantidoras do progresso

existencial e desenvolvimento do indivíduo para não mais necessitar de amparo social mínimo.

7.2 Considerações Finais

O direito fundamental transindividual ao desenvolvimento é interconstitucional e

multinível, sintetiza solidariamente as principais preocupações comunitárias, internacionais e

constitucionais. Expande, numa teoria integral de proteção, seu universo plural de

possibilidades sociais e normativas.

A participação cidadã no progresso existencial humano através de oportunidades

equitativas é indissociável do interconstitucionalismo em redes de cibercidadania, da

transparência das ações interconstitucionais (compreendidas como processo público), no

empoderamento coletivo possibilitado pela compreensão do desenvolvimento como

solidariedade.

O neofederalismo interconstitucional convergente e as possibilidades oferecidas

pela teoria integral de proteção fortalecem os Municípios ao inseri-los num sistema que

secularmente os excluiu do processo decisório.

150

O Estado Constitucional Solidarista e seu sistema integral de proteção ao

desenvolvimento são conformados pela Constituição Federal de 1988 em seu preâmbulo, nos

artigos 1º ao 4º (princípios fundamentais), bem como nos demais dispositivos do direito

constitucional organizatório e principalmente no diálogo interconstitucional entre direitos

humanos, comunitários e fundamentais. Legitima-se na exata medida que conseguem garantir e

tornar eficazes os direitos e garantias interconstitucionais. Seus limites, diretrizes,

possibilidades e funções institucionais estão todos vinculados ao fortalecimento dos laços de

solidariedade social e à expansão do mínimo vital num constante dever de progresso

existencial da condição humana. Porém, compreendê-los em sua essência, é compreendê-los

como o móvel das aspirações políticas, sociais, culturais, econômicas e normativas do seu povo

em constante desenvolvimento.

Devemos caminhar na direção de uma República interconstitucional de

responsabilidade compartilhada e multilateralmente exercitada, construída por um povo que

governa a si próprio, que decide seus destinos e contribui solidariamente nas decisões políticas

fundamentais do Estado324

para o desenvolvimento e o progresso existencial.

Quando o Estado e seu sistema de proteção de direitos não forem capazes de

garantir a existência digna e o progresso do seu povo é o momento de repensar a sua própria

razão de existência e descobrir novas possibilidades organizatórias, afinal o Estado constitui

meio para se alcançar os fins interconstitucionalmente estabelecidos.

O processo plural e interconstitucional de desenvolvimento tem por diretriz a

dignificação do ser humano, há que percebê-lo como sujeito ativo do seu próprio

desenvolvimento, agregar as circunstâncias necessárias a torná-lo livre das necessidades

existenciais básicas para que possa participar do universo de oportunidades equitativas de

progresso e escolher livre e solidariamente o seu projeto de vida digna em cooperação

sustentável com a humanidade.

324

Nesse sentido: NICOLET, Claude. L’Idée republicaine en France (1789-1824). Broché: Gallimard, 1995.

Afirma Claude Nicolet que a república não se constitui em se deixar governar por um ‘dono’, uma ‘casta’ e, a

fortiori, um ‘Estado diferenciado’. A República é povo que governa a si próprio. p. 398 et seq.

151

REFERÊNCIAS

ALESSI, Renato. Sistema istituzionale del diritto amministrativo italiano. 3. ed. Milano:

Dott. A. Giuffrè. Editore, 1960

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São

Paulo: Malheiros, 2008.

ANDREWS, Neil. A Suprema Corte do Reino Unido: reflexões sobre o papel da mais alta

Corte Britânica. Revista de Processo. Nº 186. São Paulo: RT, 2010.

ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. Direito ao Desenvolvimento. São Paulo: Saraiva,

2013.

ARNAUD, Jean. Dicionário enciclopédico de teoria e de sociologia do direito. Tradução:

Patrice Charles, F. X. Willlaume. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica – Entre permanência, mudança e realização no

Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Trad. e nota prévia de José

Manuel M. Cardoso da Costa. Coimbra: Almedina, 1994.

BAHIA, Saulo Casali. O Mercosul e seus projetos institucionais. In:BAHIA, Saulo José

Casali (Coordenador). A efetividade dos direitos fundamentais no Mercosul e na União

Europeia. Salvador: Paginae editora, 2010.

BARCELLLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o

princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

_____. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o

controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. Revista de Direito do

Estado. Rio de Janeiro, v. 1, n. 3, jul./set. 2006, p. 17-54.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo:

Saraiva, 2009.

BELLEY, Jean-Guy. “Georges Gurvitch et les professionels de la pensée juridique”, In:

Droit et Societé. Paris: LGDJ, 1986, nº 4.

BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Temas Atuais de Direitos Fundamentais. 2. Ed. Ilhéus:

Editus, 2007.

BOBBIO, Norberto. Da Estrutura à Função – Novos Estudos de Teoria do Direito.

Tradução: Daniela Beccaccia Versiani. Barueri: Manole, 2007.

_____. Igualdade e Liberdade. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.

BORGES, José Souto Maior. Curso de Direito Comunitário. 2. ed. São Paulo: Saraiva,

2009.

BRITO, Edvaldo. Limites da revisão constitucional. Porto Alegre: Fabris Editor, 1993.

_____. Reflexos Jurídicos da Atuação do Estado no Domínio Econômico. São Paulo:

Saraiva, 1982.

_____. Aspectos da Tutela da Concorrência no Estado Dualista. In: MARTINS, Ives

Gandra e NALINI, José Renato (organizadores). Dimensões do Direito Contemporâneo:

estudos em homenagem a Geraldo de Camargo Vidigal. São Paulo: Editora IOB, 2001.

BURRY, John. La idea del progreso. Alianza editorial: Madrid, 1971.

CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento Sistemático e conceito de Sistema na ciência do

Direito. 3ª ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.

CAPPELETTI, Mauro. O controle de constitucionalidade das leis no direito comparado. 2.

ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999.

_____. Giustizia costituzionale soprannazionale. Rivista di Diritto Processuale, 1978.

152

_____. Juízes legisladores? Trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio

Antonio Fabris Editor, 1993.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5. ed.,

Coimbra: Almedina, 2002.

_____. “Brancosos” e Interconstitucionalidade – Itinerários dos discursos sobre a

historicidade constitucional. Coimbra: Almedina, 2006.

CASTELLS, Manuel. Redes de Indignação e Esperança: movimentos sociais na era da

internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

CLAPHAM, Andrew. Human Rights in the Private Sphere. Oxford: Oxford University

Press, 1996.

_____. Human Rights Obligations of Non-State Actors. Oxford: Oxford University Press,

2006.

CONDORCET. Bosquejo de um cuadro historico sobre los progresos del espíritu humano

(1795). Editora Nacional: Madrid, 1990.

CORTINA, Adela. Ética e Cidade Cosmopolita. Trad. Cláudio Molz. In: Direito e

Legitimidade. MERLE, Jean-Christophe; MOREIRA, Luiz. São Paulo: Landy, 2003.

CRISAFULLI, Vezio. Le norme “programmatiche" della costituzione. In: Stato, popolo,

governo – ilusioni e desilusioni costituzionale. Milano: Giufrè, 1985.

CRUZ, Luis M. La constitución como orden de valores, problemas jurídicos y políticos: un

estúdio sobre las Orígenes del neoconstitucionalismo. Granada: Editorial Comares, 2005.

CUNHA JUNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público: em busca

de uma dogmática constitucional transformadora à luz do direito fundamental à efetivação

da constituição. São Paulo: Saraiva, 2004.

_____. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2014.

DANN, Philipp. Solidarity and the Law of Institutional Development Cooperation.

In:PIOVESAN, Flávia; SOARES, Inês Virgínia Prado (Coordenadoras). Direito ao

Desenvolvimento. Belo Horizonte: Editora Forum, 2010.

DANTAS, Miguel Calmon. Direito ao máximo existencial. Tese de doutoramento

apresentada ao Programa de Pós-graduação (mestrado e doutorado) da Universidade

Federal da Bahia. Salvador: UFBA, 2011.

DERRIDA, Jaques. Politiques de l’amitié. Paris: Galilée,1994.

DIDIER JR. Fredie, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito

Processual Civil, Vol. II. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2012.

DUGUIT, Léon . Traité de Droit Constitutionnel. Paris: Éditeurs E. de Boccard, 1930.

_____. Las Transformaciones del Derecho (Público y Privado). Buenos Aires: Editorial

Heliasta.

_____. Fundamentos do Direito. Tradução e notas de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas:

LZN Editora, 2003.

_____. L’Etat, le droit objectif et la loi positive. Paris: Albert Fontemoing Éditeur, 1901.

_____. Soberania y libertad. Tradução e Prólogo: José G. Acuña. Madrid: Francisco

Beltran, 1924.

DURKHEIM, Emile. Da Divisão do Trabalho Social. Trad. Eduardo Brandão. 2. ed. São

Paulo: Martins Fontes, 1999.

DUVIGNAUD, Jean. A solidariedade – Laços de Sangue e Laços de Razão. Trad. Vasco

Casimiro. Lisboa: Piaget, 1986.

DWORKIN, Ronald. O Império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo:

Martins Fontes, 1999.

153

_____. Uma questão de princípio. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes,

2001.

_____. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

E. Ehrlich. Grundlegung der Soziologie des Rechts, München u. Leipzig: [s.e.], 1913.

ENGISH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 9ª ed., Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian, 2004.

FARIA, Luiz Alberto Gurgel de. O controle da constitucionalidade na omissão

legislativa:instrumentos de proteção judicial e seus efeitos. Curitiba: Juruá Editora, 2001.

FARIAS, José Fernando de Castro. A Origem do Direito de Solidariedade. Rio de Janeiro:

Renovar, 1998.

FAVOREU, Louis. As Cortes Constitucionais. Trad. Dunia Marinho Silva. São Paulo:

Landy, 2004.

FAVOREAU, Luis; LLORENTR, Francisco Rubio. El Bloque de la Constitucionalidad.

Madrid: Civitas, 1991.

GADAMER, Hans-Gregor. El Giro Hermenéutico. Madrid: Ediciones Cátedra, 1995.

_____. Verdade e Método I – Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Trad.

Enio Paulo Giachini. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2005.

GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

GIUFFRÈ, Felice. La solidarietà nell’Ordinamento Costituzionale. Milão: Giuffrè, 2002.

GOMES, Orlando. Direito e Desenvolvimento. Salvador: Publicações da Universidade da

Bahia, Serie II – 24, 1961.

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e

crítica). 9ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.

GRIMM, Dieter. Derecho constitucional para la sociedad multicultural.Madrid: editorial

Trotta, 2007.

GUASTINI, Riccardo. La “Constitucionalización” del Ordenamiento Jurídico: el caso

italiano. Trad: José María Lujambio. In: Neoconstitucionalismo(s). Edición de Miguel

Carbonell, Madrid: Editorial Trotta, 2003.

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 3ª

ed. São Paulo:Celso Bastos Editor, 2003.

GUIDENS, Anthony. Continente turbulento e poderoso: qual o futuro da Europa?Trad.

Gilson César Cardoso de Sousa. São Paulo: Editora UNESP, 2014.

GURVITCH, Georges. La Vocation Actualle de la Sociologie. Antécédents et Perspectivas.

Paris: Presses Universitaires. 2. ed. 1963. Tomo I.

_____. L’Idée du Droit Social. Paris: Librairie du Recueil, 1931.

_____. Élements de sociologie juridique. Paris: Aubier, 1940.

HABERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – A sociedade aberta dos Interpretes da

Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da

Constituição.Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,

1997.

_____. Pluralismo y constitución: Estudios de teoría constitucional de la sociedad abierta.

Trad. Emilio Mikunda. Madrid: Tecnos, 2002.

_____. Estado Constitucional Cooperativo. Trad. Marcos Augusto Maliska e Elisete

Antoniuk. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

HAURIOU, Maurice. Princípios de Derecho Público y Constitucional. Tradução: Carlos

Ruiz del Castillo. Granada: Editorial Comares, 2003.

HAYEK, F. A. Los fundamentos de la libertad. (1959). Unión Editorial: Madrid.

154

HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha.

Trad. (da 20ª edição alemã) Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,

1998.

_____. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:

Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.

HIRSCHL, Ran. Towards Juristocracy. The Origins and Consequences of the New

Constitutionalism. Cambridge: Harvard University Press, 2004.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. 2. ed. Lisboa: Edições 70,

2007.

KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. Trad. Alexandre Krug. São Paulo: Martins

Fontes, 2003.

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3ª ed., Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian, 1997.

LOEWENSTEIN, Karl. Political power and the governmental process. Chicago:

University of Chicago Press, 1957.

LUÑO, Antonio-Enrique Pérez. ?Cierciudadani@ o [email protected]? Barcelona:

Editorial Gedisa, 2012.

MARINHO, Josaphat. Constituição econômica. Separata de Revista de Direito

Administrativo. São Paulo, n. 156, pp. 2-15, 1984.

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: RT, 2011.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis.

2. ed. São Paulo: RT, 2011.

MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

_____. Os Direitos Fundamentais – sua dimensão individual e social. Cadernos de Direito

Constitucional e Ciência Política. São Paulo: RT, nº 01: 198-208, 1993.

MITIDIERO, Daniel. Coisa Julgada, limites objetivos e eficácia preclusiva. Introdução ao

estudo do Processo Civil – primeiras linhas de um paradigma emergente. Porto Alegre:

Fabris, 2004.

MONERO PÉREZ, José Luis, e CALVO GONZÁLES, José. “León Duguit (1859-1928)

Jurista de una sociedad en transformación. Revista de Derecho Constitucional Europeo, N.

04, 2005.

MORAIS, Carlos Blanco. Justiça Constitucional. Tomo I. Garantia da Constituição e

Controlo da Constitucionalidade. Coimbra: Coimbra editora, 2002.

MOREIRA, Vital. Economia e Constituição: para o conceito de Constituição econômica.

Coimbra: Faculdade de Direito, 1974.

MOREIRA DE PAULA, Jônatas Luiz. A jurisdição como elemento de inclusão social:

revitalizando as regras do jogo democrático. São Paulo: Manole, 2002.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento.Trad.

Eloá Jacobina. 19. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. Trad. Peter Naumann.

3. ed. rev. e ampliada. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

_____. Teoria Estruturante do Direito. 3. ed. Tradução de Peter Naumann e Eurides

Avance de Souza. São Paulo: RT, 2011.

_____. Teoria e interpretação dos direitos humanos nacionais e internacionais –

especialmente na ótica da teoria estruturante do direito. In: Direitos Humanos e

Democracia. Clemerson Merlin Clève et. al (organizador). Rio de Janeiro: Forense, 2007.

155

NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

NICOLET, Claude. L’Idée republicaine en France (1789-1824). Broché: Gallimard, 1995.

NISBET, R. História de la idea de progreso. Gedisa: Barcelona:1981.

OLIVEIRA JUNIOR, Valdir Ferreira de. O Estado Constitucional Solidarista: estratégias

para sua efetivação In: Tratado de direito constitucional. Tomo I. 2. ed. Coordenadores:

Gilmar Ferreira Mendes; Ives Gandra da Silva Martins e Carlos Valder do Nascimento. São

Paulo: Saraiva, 2012.

_____. Administração Pública no neoconstitucionalismo. In: Tratado de Direito

Administrativo. 2 vol. Coord. Adilson Abreu Dallari, Carlos Valder do Nascimento e Ives

Gandra da Silva Martins. São Paulo: Saraiva 2013.

_____. Jurisdição no Estado Interconstitucional: a construção do modelo de jurisdição e

precedentes nos sistemas de controle de (inter)constitucionalidade. In: Estudos sobre o

direito constitucional contemporâneo. Org. Ives Gandra da Silva Martins, Carlos Valder do

Nascimento e Dircêo Torrecillas Ramos. Ilhéus: Editus, 2014.

_____. Repensando o Estado Constitucional: controle judicial de políticas públicas através

da proibição do retrocesso, inexistência, extinção e deficiência. Revista Brasileira de

Direito Administrativo. N. 29. Belo Horizonte: Forum, 2010.

_____. Constitucionalismo multinível – contribuição para a compreensão da

Interconstitucionalidade no Estado Constitucional. Revista Eletrônica de Direito do Estado

(REDE). Salvador: Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 10, 2007. Disponível em:

<http/www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em: 10 de novembro de 2014.

_____. Fatores de ponderação na interpretação e concretização dos preceitos fundamentais:

procedimentos normativo e discursivo. Revista do Programa de Pós-graduação em Direito

da Universidade Federal da Bahia. N. 13. Salvador: UFBA, 2006.

_____. Bioconstitucionalismo: considerações teóricas sobre os fundamentos constitucionais

da bioética. Revista do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal

da Bahia. N. 12. Salvador: UFBA, 2005. p. 329-356.

ORTEGA Y GASSET, Jose. O homem e a gente. Lisboa: J. Carlos

Libro Ibero, 1973.

PANIKKAR. R. Seria a noção de direitos humanos um conceito ocidental? In: Direitos

Humanos na Sociedade Cosmopolita. Org. César Augusto Baldi. Rio de Janeiro: Renovar,

2004.

_____. Myth, Faith and Hermeneutics. New York: Paulist Press, 1979.

_____. The Intrareligious Dialogue. New York: Paulist Press, 1978.

PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Teoria Política do Processo Civil: a objetivização da

justiça social. Curitiba: JM, 2011.

PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Grundrechte – Staatsrechte II. 21. ed. Heidelberg:

C. F. Muller, 2005.

PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais

programáticas. Rio de Janeiro: Max Limonad, 1999.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 4. ed. São

Paulo: Max Limonad, 2000.

_____. Proteção dos direitos sociais: desafios do ius commune sul-americano. In: Revista

do Tribunal Superior do Trabalho. Vol. 77, nº 4, out/dez 2011. Brasília: TST, 2011.

_____. Direito ao desenvolvimento – desafios contemporâneos. In: PIOVESAN, Flávia;

SOARES, Inês Virgínia Prado (Coordenadoras). Direito ao Desenvolvimento. Belo

Horizonte: Editora Forum, 2010.

156

POPPER, Karl. La miséria del historicismo. Tratus: Madrid, 1961.

POSADA, Adolfo. La crisis del Estado y el Derecho Político. Madrid: C. Bermejo, 1934.

_____. La Idea Pura del Estado. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1935.

POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambiguo. Trad. Miguel Carbonell. In:

Neoconstitucionalismo(s). Edición de Miguel Carbonell, Madrid: Editorial Trotta, 2003.

_____. Neocostituzionalismo e positivismo giuridico. Torino: Giappichelli, 2001.

RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem

Internacional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

_____. A responsabilidade internacional do Estado por violação de direitos humanos.

1999. Tese (Doutorado) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo.

RANGEL, Inácio. Introdução ao estudo do desenvolvimento econômico brasileiro.

Salvador: Publicações da Universidade da Bahia, 1957.

RAWLS, John. Justiça e Democracia. Trad. Irene Paternot. São Paulo: Martins Fontes,

2002.

_____. Uma Teoria da Justiça. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

_____. The Law of Peoples. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1999.

REALE, Miguel. O Estado Democrático de Direito e o Conflito de Ideologias. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2005.

RICOER, Paul. Teoria da Interpretação – o discurso e o excesso de significação.

Tradução: Artur Morão. Lisboa: Edições 70. 1976.

RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento: antecedentes, significados e

consequências. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

ROCHA, Leonel Severo e STRECK, Lenio Luiz (organizadores). Constituição, Sistemas

Sociais e Hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

SAGUÉS, Néstor Pedro. El “control de convencionalidad” como instrumento para la

elaboración de um ius commune interamericano. In: BOGDANDY, Armin Von; MAC-

GREGOR, Eduardo Ferrer; ANTONIAZZI, Mariela Morales (Coord.). La Justicia

Constitucional y su internacionalización hacia un ius contitutionale commune em América

Latina? México: Instituto de Investigaciones Jurídicas de la Unam, 2010. t. 2.

SANCHÍS, Luis Prieto. Neoconstitucionalismo y ponderación judicial. In:

Neoconstitucionalismo(s). Edición de Miguel Carbonell, Madrid: Editorial Trotta, 2003

SARLET, Ingo Wolfgang (organizador). Direitos fundamentais sociais: estudos de direito

constitucional Internacional e Comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

_____. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa

humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no Direito Constitucional

brasileiro. Revista de Direito Constitucional e Internacional, Ano 14, Número 57. São

Paulo: RT, 2006.

SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de

Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2012.

SCHWABE, Jürgen (Org.). Cinquenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional

Federal Alemão. Tradução de Leonardo Martins e outros. Montevideo: Fundação Konrad

Adenauer, 2005.

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São

Paulo: Companhia das Letras, 2000.

SILVA, Luis Virgílio Afonso da. Interpretação Constitucional. São Paulo: Malheiros,

2005.

_____. Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros: 2009.

157

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Proteção Constitucional dos Interesses Transindividuais

Trabalhistas - Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos. São Paulo: LTr. Editora, 2ª

tiragem, 2004.

_____. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

_____. O princípio da máxima efetividade e a Interpretação Constitucional. São Paulo:

LTr, 1999.

_____. Direito constitucional econômico. São Paulo: LTr, 2001.

_____. Controle de políticas públicas na Justiça do Trabalho. Revista Eletrônica sobre

Reforma do Estado (RERE). N. 18. Salvador: IBDP, 2009, p. 10. Disponível em:

http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-18-JUNHO-2009-MANOEL-JORGE.pdf.

Acesso em 12/12/2014.

_____. Direito ao desenvolvimento e responsabilidade do Estado: o dano nacional. Artigo

cedido pelo autor (não publicado), 2014.

SOARES, Ricardo Maurício Freire. O princípio constitucional da dignidade da pessoa

humana. São Paulo: Saraiva, 2010.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma exploração hermenêutica

da construção do Direito. 6ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2005.

SUDRE, Frédéric. A propôs Du “dialougue de juges” et du controle de conventionalite.

Paris: Pedone, 2004.

TEJADA, Javier Tajadura. El preâmbulo constitucional. Editorial Comares: Granada,

1997.

TEUBNER, Gunther. Consitutional Fragments: Societal Constitucionalism and

Globalization. Trad. G. Nordury. Oxford: Oxford University Press, 2012.

TORRES, Ricardo Lobo. O Direito ao Mínimo Existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

_____. A metamorfose dos Direitos Sociais em Mínimos Existenciais. In: Direitos

Fundamentais Sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado.

Ingo Wolfgang Sarlet (Org.). Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

_____. O mínimo existencial como conteúdo essencial dos direitos fundamentais. (texto

cedido pelo autor ao programa de mestrado/doutorado da Universidade Estadual do Rio de

Janeiro). Rio de Janeiro: UERJ, 2008.

_____. A Cidadania Multidimensional na Era dos Direitos. In: Teoria dos Direitos

Fundamentais. Ricardo Lobo Torres (organizador). 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001

TREVES, Renato. Sociologia do Direito. Tradução: Marcelo Branchini. São Paulo:

Manole, 2004.

TRINDADE, A. A. Cançado: A interação entre direito internacional e o direito interno na

proteção dos direitos humanos. Arquivos do Ministério da Justiça, 182, p. 27-54, 1993.

TURGOT, A. R. J. Discursos sobre el progreso humano (1750). Tecnos: Madrid, 1991.

ULLMANN, Reinholdo; BOHNEN, Aloysio. O solidarismo. São Leopoldo: Unisinos,

1993.

WALZER, Michael. Exodus and Revolution. USA: Basic Books, 1985.

_____. Thick and Thin: moral argument at home abroad. Notre Dame: Notre Dame Press,

1994.

WELSH, Wolfgang. Vernunft: Die zeitgenössische Vernunftkritik und das Konzept der

transversalen Vernunft. 2. Aufl. Frankfurt: Suhrkamp, 1996.

WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratado Lógico-Filosófico e Investigações Filosóficas.

Tradução e prefácio: M. S. Lourenço. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.

158

WOLFRUM, Rüdiger. Solidarity amongst States: an emerging structural principle of

international Law. In:PIOVESAN, Flávia; SOARES, Inês Virgínia Prado (Coordenadoras).

Direito ao Desenvolvimento. Belo Horizonte: Editora Forum, 2010.

VANONI, Ezio. Opere Giuridiche, vol. II. Milão: Giuffrè, 1962.

VELLOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade. Belo Horizonte: Del

Rey, 2003.

VERDU, Pablo Lucas. O sentimento constitucional – aproximação ao estudo do sentir

constitucional como modo de integração política. Trad. Agassiz Almeida Filho. Rio de

Janeiro: Forense, 2004.

VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência. Trad. de Tércio Sampaio Ferraz Júnior.

Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1979.

ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Ley, derechos, justicia. 7. ed. Madrid:

Editorial Trotta, 2007.

ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia da sentença na jurisdição constitucional. São Paulo:

RT, 2001.