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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA
INSTITUTO DE LETRAS- ILUFBA
PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E CULTURA- PPGLINC
MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS – PROFLETRAS
Fabrício de Carvalho Pimenta
VARIEDADES LINGUÍSTICAS:
UMA PROPOSTA DE TRABALHO PARA A SALA DE AULA.
Salvador
2015
FABRÍCIO DE CARVALHO PIMENTA
VARIEDADES LINGUÍSTICAS:
UMA PROPOSTA DE TRABALHO PARA A SALA DE AULA.
Memorial Acadêmico para apresentação em banca como requisito para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa pela UFBA. Área: Linguagens e Letramentos. Linha de Pesquisa: Teorias da Linguagem e Ensino.
Orientadora: Profª Drª Alvanita Almeida.
Salvador
2015
FABRÍCIO DE CARVALHO PIMENTA
VARIEDADES LINGUÍSTICAS:
UMA PROPOSTA DE TRABALHO PARA A SALA DE AULA.
Memorial Acadêmico apresentado à banca examinadora como requisito final
obrigatório para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa pelo Instituto
de Letras da Universidade Federal da Bahia, sob orientação da Profª. Drª Alvanita
Almeida.
Salvador, ____ de ___________ de 20___.
______________________________________________
Prof. Dr. Márcio Ricardo Coelho Muniz
Coordenador do PROFLETRAS - Mestrado Profissional em Letras
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________
Profª Drª Alvanita Almeida.
Orientadora – Presidente da Banca
________________________________________________
Profª Drª Constância Souza.
Membro - UNEB.
_______________________________________________
Prof. Dr. Henrique Freitas.
Membro - UFBA.
Dedico este trabalho aos meus alunos, que usam a língua portuguesa brasileira
falada gostosa e lindamente a seu bel-prazer com seus traços graduais e
descontínuos; colaboradores diretos da minha pesquisa e sem os quais não seria
possível concluir esta caminhada.
AGRADECIMENTOS
À Rosana Cardial, amiga de uma vida e companheira de trabalho na Rede UAB/
Polo Esplanada, que foi generosa e insistentemente a incentivadora para eu
embarcar neste mar de conhecimentos e não ficar ancorado no cais a idealizar
“mares nunca dantes navegados”... Foi o limiar de tudo para o mergulho!
À CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior – por custear
meus estudos e , assim, possibilitar a realização deste trabalho e a conclusão do
Mestrado Profissional.
Aos professores do Profletras, meus mestres: profª Drª Simone Bueno, profª Drª
Simone Assumpção, profª Drª Mônica Menezes, prof. Dr. Julio Neves e prof. Dr.
Henrique Freitas, que foram alimento e estímulo para rever conceitos, preceitos e
preconceitos, desconstruindo-os e reconstruindo saberes para a construção de
um profissional em constante processo de formação.
À banca de qualificação que apontou o norte, o caminho a seguir a fim de se
percorrer uma estrada mais clara; foi o guia que acompanha, a bússola que
orienta: profª Drª Constância Souza e prof. Dr. Henrique Freitas.
À minha orientadora profª Drª Alvanita Almeida, pelo olhar atento e pelo olho
clínico e crítico que me fez enxergar além da superficialidade da visão óbvia e me
proporcionou uma nova ótica...
Aos colegas de caminhada, que se tornaram amigos de jornada e crescimento:
Camila Gonzaga, Claudia Ramos, Denise Claudete e Jacqueline Carvalho.
À amada Gilmara Carvalho, por me receber com o afeto e carinho de sempre
todas as semanas durante dois anos.
O meu enternecido obrigado!
Vício da fala
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.
Oswald de Andrade
RESUMO
Este memorial acadêmico é resultado de um projeto de intervenção realizado numa escola pública do interior do estado da Bahia e que aborda a temática da variação linguística. O objetivo primordial é apresentar uma reflexão sobre a abordagem deste conteúdo em sala de aula. Além disto, as atividades desenvolvidas servem como sugestão de trabalho a ser realizado em sala de aula por meio de sequência didática dentro do modelo proposto pelos estudiosos Dolz e Scheneuwly. Alguns traços graduais e descontínuos de nossa língua foram os aspectos estudados nas atividades realizadas. Os estudos dos linguistas Marcos Bagno e Maria Stella Bortoni-Ricardo serviram de base para o desenvolvimento das atividades. Dentre os descontínuos, trabalhei com os alunos: a) não nasalização de sílabas postônicas; b) o rotacismo; c) eliminação do plural redundante, marcado em geral apenas nos determinantes; e os graduais estudados foram: a) a monotongação; b) a ditongação; c) o apagamento do /r/ em final de palavras, principalmente em final de verbos no infinitivo. Por meio do gênero textual entrevista, os alunos realizaram uma pesquisa com a minha mediação na tentativa de trazer para a sala de aula o modo de falar de nossa comunidade linguística, analisando-o sob a luz das contribuições mais recentes da sociolinguística a fim de colaborar para uma aprendizagem significativa desta questão e aliar teoria à pratica docente. Palavras-chave: Variação. Etnolinguística. Traços graduais. Traços descontínuos, Sequência didática.
ABSTRACT
This academic memorial is the results of an intervention project carried out at a public
school in Bahia´s Town the state and it approaches the linguistic variation issue. The
primary objective is to present a reflection on this content approach in the classroom.
Besides, the activities developed are a working suggestion to be done in the classroom
through didactic sequence within the model proposed by experts as Dolz and
Scheneuwly. Some gradual and discontinuous lines of our language were the aspects
studied in activities performed. Studies of linguists and Marcos Bagno Maria Stella
Bortoni-Ricardo are the basis for the activities development. Among the discontinuous, I
worked with students: a) not nasalization of post-stressed syllables; b) the rhotacism; c)
elimination of redundant plural, generally marked by determinants; and the gradual
studied were: a) monophthongization; b) diphthongization; c) the erasing of /r/ at the word
send, especially at the end of verbs in the infinitive form. Through textual interview genre,
students carried out a research under my mediation trying to bring to the classroom the
speaking way of our linguistic community, analyzing it in the light of the most recent
sociolinguistics contributions in order to collaborate for significative learning of this issue
and to combining theory and teaching practice.
Keywords: Variation. Etnolinguistics. Gradual lines. Discontinuous lines. Didactic
sequence.
LISTA DE SIGLAS
AVE – Artes Visuais na Escola.
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
DIREC – Diretoria Regional de Educação.
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio.
ENCANTE – Encontro de Canto Coral.
EPA – Educação Patrimonial e Artística.
FACE – Festival Anual da Canção Estudantil.
GT – Grupo de Trabalho.
JERP – Jogos Estudantis da Rede Pública.
NRE – Núcleo Regional de Educação.
PROFLETRAS – Mestrado Profissional em Letras.
PROVE – Produção de Vídeos Estudantis.
REDA – Regime Especial de Direito Administrativo.
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais.
PST – Prestador de Serviço Temporário.
SEC/BA – Secretaria da Educação e Cultura do Estado da Bahia.
TAL – Tempos de Artes Literárias.
UFBA – Universidade Federal da Bahia.
SUMÁRIO
1 PARA INÍCIO DE CONVERSA..........................................................................11
2 TRAJETÓRIA DE UM PROFESSOR EM PROCESSO DE FORMAÇÃO.........17
2.1 Uma pequena história: a tartaruga etnógrafa...................................23
2.2 O Pesquisador-etnógrafo: o raio X do nosso espaço.....................26
3 NÃO HÁ PRÁTICA SEM TEORIA.....................................................................31
3.1 Desatando nós: a gramática nossa de cada dia...............................31
3.2 Gramática da língua ou língua da gramática?..................................36
3.3 Pedagogia da variação: por um ensino de variedades linguísticas
em sala de aula..........................................................................................38
4 A SEQUÊNCIA DIDÁTICA................................................................................48
4.1 Descrição das atividades....................................................................53
4.2 Análise dos resultados obtidos.........................................................73
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................79
REFERÊNCIAS.....................................................................................................84
APÊNDICE.............................................................................................................87
ANEXOS..............................................................................................................100
11
1 PARA INÍCIO DE CONVERSA
O trabalho que ora se apresenta é fruto de uma intervenção realizada em
sala de aula como proposta do Mestrado Profissional em Letras – PROFLETRAS
– e que ganha formato de memorial acadêmico como produto final de
sistematização da experiência vivenciada no curso e posta em prática numa
escola da rede pública com o objetivo claro de refletir sobre o ensino de língua
portuguesa e a minha prática em sala de aula com o firme propósito de unir teoria
à prática.
Tendo como área de pesquisa Linguagens e Letramentos, escolhi a linha
Teorias da Linguagem e Ensino, pelo fato de me propor a estudar e pesquisar
sobre o ensino de variedades linguísticas em sala de aula, trazendo as teorias
mais recentes da área para redimensionar a minha prática, refletindo sobre ela e
construindo-a paulatinamente a partir da proposta de sequências didáticas
elaborada por Dolz e Schneuwly (2004).
Ao mesmo tempo que reflito sobre minha prática e vou construindo uma
possibilidade de ensino sobre variedades linguísticas, este material tem também a
finalidade de apresentar uma proposta de trabalho com esta temática por meio de
sequências didáticas e se constitui num material complementar ao livro didático e,
portanto, de apoio ao professor que queira desenvolver um olhar mais
sociolinguístico nas aulas de língua portuguesa, visto que o livro didático
apresenta, muitas vezes, a temática de forma breve e caricata.
Dentro da disciplina língua portuguesa, o tema escolhido por mim foi a
variedade linguística, em virtude do preconceito linguístico percebido em nossa
comunidade (mais adiante isto será retomado) e o aspecto de interesse a ser
trabalhado neste tema foi o âmbito fonético/fonológico e semântico. A etnografia
foi o método desenvolvido e o procedimento foi a proposta de sequência didática
dos autores supracitados. Por fim, decidi pelo gênero da entrevista por perceber
que seria uma excelente oportunidade de os alunos vivenciarem o fenômeno da
variação na prática, sendo eles mesmos os sujeitos do processo de construção de
conhecimento. Desta forma, haverá um estímulo ao desenvolvimento da
12
habilidade investigativa, da análise crítica, da interpretação e do questionamento
de conceitos já cristalizados, contribuindo assim para o combate ao preconceito
linguístico. Além disso, proporciono a mim também o desenvolvimento da
autonomia em relação ao material didático que vem pronto para a escola.
O objetivo do trabalho que me proponho a realizar como produto de minha
experiência no Mestrado não se limita apenas ao conhecimento sobre variedades
linguísticas, mas num letramento do indivíduo a partir delas e que oportunize a ele
variadas práticas sociais de leitura, escrita, ampliando assim o letramento desses
alunos e aprimorando sua competência comunicativa. Sobre isto, escreveu
Bortoni-Ricardo (2004, p 73): “...a competência comunicativa de um falante lhe
permite saber o que falar e como falar com quaisquer interlocutores em quaisquer
circunstâncias.” E mais adiante a linguista amplia esta questão afirmando que:
Ao chegar à escola, a criança, o jovem ou o adulto já são usuários competentes de sua língua materna, mas têm ampliar a gama de seus recursos comunicativos para poder atender às convenções sociais, que definem o uso linguístico adequado a cada gênero textual, a cada tarefa comunicativa, a cada tipo de interação. (BORTONI-RICARDO: 2004, p.75)
Foi pensando nas reflexões acima que a presente intervenção surgiu com o
objetivo primordial de proporcionar ao educando o desenvolvimento de sua
capacidade comunicativa e o reconhecimento da mutabilidade da língua,
possibilitando, por meio das práticas de leitura e escuta (rodas de conversa), o
progresso da prática de exposição oral, e a adequação da linguagem de acordo
com o contexto em que esteja inserido. Além disso, acredito ser necessário
oportunizar ao aluno, por meio de atividades, a percepção do conhecimento
linguístico que ele possui, tornando-o mais crítico em relação ao prestígio que é
dado a uma das variantes de uma mesma língua. O aluno precisa perceber que a
língua varia no tempo e no espaço e nos diversos contextos em que é utilizada e
que necessitará, em alguns momentos, fazer uso de uma dessas variações, por
exemplo, o uso da norma padrão gramatical em algumas situações sociais sem,
contudo, repudiar e/ou desconsiderar as variedades linguísticas. Compete a mim,
como professor, oportunizar ao aluno o desenvolvimento das capacidades leitora
e escritora por meio de textos e situações que façam uso das diversas
13
modalidades de uso da língua, possibilitando a ele, dessa forma, o contato com
diversas formas de uso da língua e discussões em sala de aula que poderão
despertar o repúdio a qualquer forma de preconceito.
A escolha do tema da variação linguística para esta proposta de intervenção
se deu por perceber em minha realidade social, na escola, e em minha
comunidade, um preconceito linguístico deliberado e não só por parte dos alunos,
mas principalmente por parte dos professores. Preconceito este percebido nas
conversas do intervalo, quando os professores (mesmo graduados e com
especialização) se reportavam aos alunos com as seguintes afirmações: “ele não
sabe falar direito”, “eles não escrevem bem” “mal sabem o português”. Percebi
que precisava dar significado maior e mais amplo às aulas de língua materna em
minha sala de aula.
Como abordagem metodológica, escolhi o viés etnográfico, uma pesquisa
qualitativa, por perceber que só saindo de minha zona de conforto de professor de
Língua Portuguesa (que aborda somente a variação trazida nos livros didáticos) e
passando para o “outro lado”, conhecendo de fato a realidade linguística dos
alunos e fazendo-os refletir sobre ela, é que minha ação teria sentido. Além disso,
só sendo sujeito e objeto de minha prática ela teria uma significativa
transformação e daria sentido ao curso e as discussões realizadas nas aulas do
Mestrado.
A turma escolhida para aplicar a intervenção foi a última turma do
fundamental existente na escola (9º ano vespertino), que em 2014 passou para o
1º ano do Ensino Médio. A escolha do turno se justifica pelo fato de os alunos em
sua maioria serem provenientes da zona rural e justamente por isso serem
também mais suscetíveis ao preconceito linguístico, em virtude da estigmatização
do falar deles, assim como também é no turno da tarde que os alunos menos
participam oralmente das aulas, ou seja, há menos interação com uso da língua
nas aulas.
Ao escolher o tema da variação linguística optei por trabalhar o aspecto dos
traços linguísticos presentes no português brasileiro, proposto por Bagno (2007) e
Bortoni-Ricardo (2004) em graduais e descontínuos. Ambos estudiosos agrupam
os traços nesses dois grandes conjuntos, sendo que o primeiro traço refere-se
àqueles que aparecem na fala de todos os brasileiros, independente de sua
14
origem social, regional, dentre outros fatores; e o segundo refere-se a aspectos
linguísticos que aparecem principalmente na fala dos brasileiros de origem social
humilde, de pouca ou nenhuma escolaridade ou de antecedentes rurais1. Resolvi
abordar este tema pelo fato de o mesmo ser um desafio para mim, já que em
minha prática de sala de aula eu ainda valorizava a norma dita culta e não me
sentia seguro para desenvolver um trabalho com variação linguística que não
fosse tão limitado, simples e muitas vezes equivocado como os livros didáticos
apresentam.
Por meio de questionário2 elaborado por mim e respondido pelos alunos e
por meio de sequências didáticas previamente elaboradas e reelaboradas com
orientação da Professora Drª Alvanita Almeida, desenvolvi o projeto de
intervenção por meio de sequências didáticas em 18 aulas, culminando com uma
entrevista realizada pelos alunos que a organizou num quadro ilustrativo3 os
traços linguísticos graduais e descontínuos do português brasileiro a partir da
comunidade em que estamos inseridos (Acajutiba) e isto promoveu uma
discussão sobre este tema com o propósito de por um lado oferecer aos alunos
uma reflexão sobre a língua viva, falada por eles e pelos seus pares e por sua
comunidade e, por outro lado, apresentar uma proposta de sequência didática
para o trabalho com variedades linguísticas na disciplina de Língua Portuguesa
para alunos do Ensino Fundamental II e/ou Ensino Médio.
Foi a partir das respostas do questionário aplicado que fui desenvolvendo
uma metodologia e decidi aplicar a minha pesquisa por meio de sequências
didáticas como procedimento e a entrevista como gênero textual oral por entender
que esta atividade estimula o exercício da habilidade investigativa, da intuição, da
análise crítica, da interpretação, do questionamento de conhecimentos
cristalizados, da abertura para o novo. Como bem define Schneuwly e Dolz
(2004, p 82), “sequência didática é um conjunto de atividades escolares
1 Os traços graduais estudados neste trabalho foram: a) a monotongação; b) a ditongação; c) o
apagamento do /r/ em final de palavras, principalmente em final de verbos no infinitivo; e os traços descontínuos foram: a) não nasalização de sílabas postônicas; b) o rotacismo; c) eliminação do plural redundante, marcado em geral apenas nos determinantes 2 Há no site do Projeto ALiB (Atlas Linguístico do Brasil), no tópico “Metodologia”, um material
riquíssimo com exemplos de questionários que foram utilizados na pesquisa do Atlas e que podem servir para trabalhos como este que apresento, fazendo as devidas adaptações. Consultar http://twiki.ufba.br/twiki/bin/view/Alib/MetodologiaQuestionarios. 3 O quadro ilustrativo foi feito na lousa da sala de aula em colaboração com os alunos e foi o ponto
de partida para as discussões que foram transformadas em texto na seção “Análise dos dados”.
15
organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou
escrito.” A pesquisa em sala de aula favorece ainda a autonomia do professor,
promove a independência em relação ao material didático já existente. O docente
pode criar seu próprio material didático, pode ser autor de seu próprio material,
pode recorrer a múltiplas fontes de informação no momento de dirimir dúvidas e
levantar hipóteses explicativas. Além disso, é uma excelente oportunidade de ir
além da gramática e demonstrar que não há livro algum “que dê conta de todas
as variedades linguísticas do português brasileiro nem de seus incontáveis usos
nos inúmeros gêneros textuais em que ela pode se manifestar” (BAGNO: 2007, p
196).
Com isso, pretendi proporcionar aos alunos uma reflexão sobre o
funcionamento da língua a partir das variedades linguísticas, ou seja, em seu uso
real e não da maneira como prescreve a gramática, aquela língua idealizada que
não é falada por ninguém. Como bem pontuaram Schneuwly e Dolz (2004, p 92)
para fundamentar a sequência didática como princípio teórico: “toda língua se
adapta às situações de comunicação e funciona, portanto, de maneira bastante
diversificada. Ela não é abordada como objeto único, que funciona sempre de
amaneira idêntica”. Além do que a mudança de postura em minha práxis
pedagógica hoje me dá mais segurança para tratar desta questão.
O foco da entrevista realizada pelos alunos e que servirá como material para
esta pesquisa será a análise dos traços graduais e descontínuos de nossa língua,
que são as regras fonológicas que caracterizam o português brasileiro, segundo
Bortoni-Ricardo (2004) e Bagno (2007). Utilizarei como suporte as contribuições
destes pesquisadores, levando-se em consideração não apenas o contínuo de
urbanização, mas também o contínuo de oralidade-letramento e o contínuo de
monitoração estilística.
Dentre os traços descontínuos levados em conta na elaboração da
entrevista feita pelos alunos e que servirá como ponto de partida e reflexão para
os estudos sobre variedades, destaco-os aqui: a) a não-nasalização de sílabas
postônicas; b) o rotacismo; c) eliminação do plural redundante, marcado em geral
apenas nos determinantes. E os traços graduais serão: a) a monotongação; b) a
ditongação; c) o apagamento do /r/ em final de palavras, principalmente em final
de verbos no infinitivo.
16
A segunda seção deste trabalho se constitui no memorial propriamente
dito, que procura destacar a minha trajetória como professor de língua portuguesa
e como estudante do Mestrado Profissional, que se coloca como um acadêmico-
pesquisador-etnográfo. Na seção seguinte, apresento a fundamentação teórica
utilizada para respaldar a pesquisa. Esta seção possui três subseções que
procuram destacar uma tríplice questão no trabalho com a língua materna em
sala de aula: o uso da gramática normativa, reflexões sobre a gramática da língua
e a pedagogia da variação. A seção quatro traz a sequência didática aplicada com
a descrição das atividades realizadas e a respectiva análise dos resultados
obtidos. Por fim, teço as considerações finais, apresentando algumas conclusões
a que cheguei com relação ao trabalho feito e as perspectivas para o ensino de
língua materna para os próximos anos.
Utilizarei, a título de preservação da identidade dos alunos envolvidos, a
numeração arábica progressiva para designá-los.
17
2 TRAJETÓRIA DE UM PROFESSOR EM PROCESSO DE
FORMAÇÃO
Lecionar língua portuguesa após os grandes avanços da Linguística e sua
consolidação apresentados nos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) não é
tarefa simples e fácil. Ao refletir sobre minha prática atual em sala de aula,
percebi que depois de passar por duas fases – às quais chamo aqui
subjetivamente de “gramaticista” e a outra “gramatico-textual”, hoje me encontro
numa terceira fase que denomino de “reconstrução e consolidação do ensino de
língua”.
A primeira fase, a gramaticista, ocorreu quando iniciei a regência em sala
de aula, há aproximadamente 20 anos! Tinha convicção de que era aquela a
forma adequada (e única) de se trabalhar gramática em sala de aula, afinal de
contas foi assim que meus professores me ensinaram até o Ensino Médio e eu
não conhecia outra forma, já que não tinha ingressado ainda numa universidade.
Ensinar conceitos, dar exemplos, citar regras e exceções, aplicar lista de
exercícios com frases isoladas para se detectar o sujeito da oração eram práticas
constantes. Eu acreditava que se podia aprender (e ensinar) gramática por
“justaposição”; com aulas expositivas e sem refletir sobre a língua, que eu via
apenas como código, como expressão do pensamento, como elemento de
comunicação.
Quando ingressei na universidade, veio o choque... Percebi-me
gramaticista; deparei-me com a teoria variacionista, a funcionalista, a pragmática.
Conheci Bagno, Bakhtin e Marcuschi. Apaixonei-me pela Linguística textual.
Tentei mudar a minha prática, contudo não é nada confortável mudar. A mudança
foi motivada por eu perceber que a metodologia utilizada para ensinar língua
portuguesa não condizia com as novas descobertas na área da Linguística e
perceber também que não trazia resultados satisfatórios a maneira como se
ensinava esta disciplina, desvinculada da realidade dos alunos e eminentemente
pautada em conceitos, regras e exceções.
18
Passei então para a segunda fase que, a meu ver, era mais plausível e
melhor que a primeira, contudo havia ainda um ranço do ensino da gramática
normativa, pois apesar de eu utilizar o texto como matéria-prima para as aulas de
língua portuguesa, percebi que o uso dos textos não passava de um pretexto para
eu ensinar a minha amada, mal usada e abusada gramática.
Por fim, passei a observar melhor a língua dos meus alunos e suas escritas
e comecei a utilizar o texto produzido por eles para dar sentido à gramática. E
assim reorientei minha prática. Atualmente, encontro-me a refletir sobre tudo o
que fiz até o momento no que se refere ao ensino da língua e da gramática e
como redimensionar o ensino de gramática com as novas descobertas e
aprendizagens do mestrado. O mais importante, para mim, é que deixei de
ensinar a gramática pela gramática e isso para mim já faz uma diferença enorme.
Geralmente parto das necessidades que eles apresentam em seus textos, assim
consolido o que propõem os PCN de Língua Portuguesa no que se refere ao eixo
a ser estudado em sala de aula: uso-reflexão-uso. Dou relevâncias aos gêneros
textuais e a escrita e reescrita de textos. Vez por outra surge um assunto que está
lá no “manual” de gramática, mas que aparece porque algum texto produzido por
eles retomou alguma questão da variedade de prestígio. Enfatizo em minhas
aulas aspectos como a história da língua, os fatores sociais e a questão do
contexto como preponderante para se definir o que é adequado ou não adequado
numa interlocução. Mesmo assim, utilizo algumas gramáticas normativas como,
por exemplo, a de Cegalla, Bechara, Roberto Melo Mesquita e Celso Cunha.
Utilizo ainda a gramática aplicada aos textos de Ulisses Infante e a de José de
Nicola, complementando, obviamente, com as contribuições dos estudos de
Bagno, Travaglia, Celso Pedro Luft e Faraco no que se refere ao estudo da
língua. E assim vou tentando dar sentido ao estudo da gramática normativa,
respeitando a gramática descritiva e trazendo a gramática reflexiva e funcionalista
para o seio da sala de aula.
A aprovação no Mestrado Profissional em Letras possibilitou-me
descobertas e crescimento. Voltar a estudar e investir na minha formação
continuada era desejo constante desde que terminei a minha terceira
especialização no final de 2012. Ingressar na UFBA foi motivador por me
19
perceber doravante um pesquisador de uma instituição de grande know-how e
que goza de prestígio e respeito não só no Estado, mas no país e com
profissionais renomados da Linguística (Sociolinguística, Linguística Histórica,
Dialetologia), a exemplo da professora Drª Rosa Virgínia Mattos e Silva e a
professora Drª Jacyra Andrade Mota, ambas da área a que me propus estudar e
desenvolver o meu Projeto de Intervenção como resultado dos estudos no curso.
A oportunidade de poder pesquisar foi ainda mais forte do que simplesmente
estar em processo de formação continuada. Pela primeira vez estaria na condição
de pesquisador de campo; o que faltava em minha formação, já que as pesquisas
das especializações tinham sido bibliográficas. Ficou esta lacuna também na
graduação e agora poderia ser preenchida. O Mestrado Profissional me faria
colocar em prática, por meio de um projeto de intervenção, toda a teoria
estudada. Era o curso que eu procurava: unir teoria à prática, duas faces de uma
mesma moeda que, na verdade, são indissociáveis e complementares, assim
como também poder rever, questionar, interpretar e analisar o meu exercício
profissional concomitante ao estudo das teorias, algo que talvez o Mestrado
Acadêmico não proporcionasse.
O primeiro semestre, em seu início, foi marcado pela novidade e pela
empolgação frente ao novo. A disposição e a curiosidade tomaram conta de mim.
Apesar de algumas dificuldades (a licença do Estado para estudos de Mestrado
indeferida e, no fim do semestre, a banca da 1ª avaliação dos projetos me fez
refazê-lo e enxergar que era preciso amadurecê-lo), aos poucos tudo foi sendo
superado. Ao longo do processo, percebi e compreendi que era necessária mais
dedicação. O excelente desempenho numa prova escrita da disciplina
Alfabetização e Letramento, ministrada por uma professora exigente ao extremo,
levantou meu moral e minha autoestima. O trabalho final da disciplina Fonética,
Fonologia e Variação exigiu dedicação e esforço jamais desenvolvidos por mim
antes. Li como nunca ao longo de minha formação. O resultado foi gratificante e a
média condizente com o empenho demonstrado: uma nota acima da média,
alcançada nos mais minuciosos critérios de avaliação do professor. Isto me deu
mais autoconfiança, motivou-me deveras a seguir adiante, mesmo com todos os
empecilhos que se impuseram.
20
Veio o segundo semestre: o mais difícil e, paradoxalmente, o mais produtivo.
As disciplinas mais agradáveis, a meu ver, os melhores textos porque dialogavam
diretamente com minhas angústias e minha prática em sala de aula e também as
maiores exigências. Por não residir em Salvador e por trabalhar a semana inteira
nos três turnos no interior (com exceção das segundas e terças-feiras, dias de
aula do Mestrado), sobravam-me os fins de semana: que foram aproveitados
dedicando-me aos estudos, leituras, pesquisas e atividades que neste semestre
foram um pouco mais intensas e exigiram de mim uma dedicação ainda maior. A
demanda de atividades a serem realizadas foi grande e constante; os
professores, comprometidos com a qualidade do curso, exigiam excelência e
fomos levados a um grau de produção acadêmica dentro dos parâmetros de um
Mestrado mesmo não sendo acadêmico. Apesar das dificuldades pessoais de
cada um, como a carga-horária que tínhamos que dar conta por não estarmos de
licença, acredito que em tudo que fizemos (eu e meus colegas) respondemos à
altura com trabalhos primorosos e de excelência semelhantes à da exigência.
As afinidades entre os colegas se solidificaram, os laços se estreitaram, os
grupos se formaram e com um apoiando-se no ombro do outro e dividindo as
angústias, chegamos firmes ao final do semestre no ritmo a que um pesquisador
sério e dedicado precisa aprender a desenvolver. Apesar de exaustos, o que não
poderia ser diferente, uma sensação de dever cumprido. A prova disso, para mim,
foi atingir uma média excelente na disciplina que mais cobrou de nós todos:
Aspectos Sociocognitivos e Metacognitivos da Leitura e da Escrita e outro
conceito acima da média na disciplina Leitura do Texto Literário, ministrada pela
também exímia professora, tanto em competência e conhecimento quanto em
criticidade e perfeccionismo, Simone Assumpção. Ressalto as notas alcançadas
não por dar valor ao mensurável, mas por ver e perceber que, além do meu
esforço ter sido reconhecido e avaliado devidamente, os professores são bastante
criteriosos em atribuí-las e elas são uma representação do grau de exigência
deles, que não as dão sem seguir critérios bem definidos e minuciosos e um
acompanhamento muito rigoroso.
Comprar livros tornou-se um hábito constante, a cada semana um exemplar
adquirido ou encomendado na visita às livrarias da capital para enriquecer a
minha biblioteca particular, graças à bolsa CAPES e à ampla bibliografia indicada
21
e sugerida pelos professores durante as aulas. Os melhores livros abriram-me
possibilidades de desconstrução e reconstrução de sentidos e conceitos: “Norma
Culta Brasileira”, de Faraco e “Cultura Letrada”, de Márcia Abreu deram-me
embasamento e nortearam meu projeto.
A disciplina Gramática, Variação e Ensino, ministrada pelo professor Dr.
Júlio Neves foi extraordinariamente decisiva e pragmática para mim. Pude
perceber e entender a confusão que se faz em torno dos conceitos de norma
padrão, norma culta e norma popular, ou como sugere Bagno (2007): norma
padrão, variedade de prestígio e variedade estigmatizada. As discussões dos
textos lidos e as atividades realizadas durante as aulas promoveram uma reflexão
sobre o ensino de língua portuguesa em sala de aula. A disciplina Leitura do texto
Literário quebrou paradigmas e propiciou releituras jamais feitas antes. Os textos
me propiciaram pensar sobre o que é literário e o que é literatura numa
concepção mais contemporânea, a reconhecer o cânone, mas ter olhos novos
para a contemporaneidade e a para a quebra de paradigmas dentro da literatura e
a perceber a importância da recepção na interpretação do texto literário. Três
disciplinas, três profissionais profundamente preparados e exigentes ao extremo.
Excelência nas aulas ministradas, nas discussões provocadas, nas ideias
levantadas: minha formação mais uma vez alimentada e renovada. Um desses
professores, tão criterioso e metódico quanto sensato, passou trabalhos tão
interessantes quanto inovadores a cada semestre. Atividades trabalhosas, mas
eminentemente salutares, úteis, válidas e significativas para minha práxis
pedagógica.
Outra professora cobrou-nos dedicação incondicional em suas atividades e
esforço elevado ao máximo. A disciplina foi marcada pela realização de leituras e
produções escritas constantes; lemos e escrevemos e discutimos e pesquisamos
e apresentamos seminários... E completando a tríade de excelência, veio a
professora das sequências didáticas à moda Schneuwly e Dolz. Com seu nível de
formação altamente apurado, a criticidade e a cobrança não ficavam por menos.
Dona dos comentários mais objetivos por sua sinceridade extrema, fez-me
esmerar-me cada vez mais em cada coisa que eu tinha que fazer. Para equilibrar
a pressão, veio a orientadora de que eu precisava: humana e paciente, mas
22
também racional e objetiva e tão preparada quanto os demais, que foi ajudando-
me a modelar e sistematizar a minha pesquisa e a refletir criticamente sobre ela.
Os trabalhos finais não foram diferentes, em exigência e complexidade,
daqueles do primeiro semestre. Estas atividades nos deram base fundamental
para elaborar e trabalhar com sequências didáticas de maneira mais
sistematizada. Tanto em Leitura do Texto Literário (criticidade e perfeccionismo
desenvolvidos) quanto em Gramática, Variação e Ensino (elaboração criteriosa ao
extremo, minuciosa e metódica).
O terceiro semestre chegou num ritmo acelerado e a intervenção, que
caminhava a passos curtos no semestre anterior em virtude da quantidade de
textos e atividades para dar conta, passou a exigir velocidade acelerada e
resultados. Os trabalhos intensificaram-se em nome da pesquisa etnográfica,
elaboração de sequências didáticas, aplicação de atividades, análises, registros.
Para dar conta do ritmo, seguimos escrevendo, lendo, fundamentando
teoricamente a intervenção e o memorial entre uma refeição e outra. Entre um
café e outro: leituras, no intervalo da escola: leituras; antes de dormir: leituras, no
sonho: releitura das leituras! Mesmo assim os fins de semana eram pouco e
aproveitei as minhas viagens de 04 horas de toda semana para Salvador, em
meio a paisagens vistas da janela do ônibus, para ler e escrever sem perder um
minuto sequer. Era preciso cumprir as exigências e chegar “preparado” para a
aula com as leituras em dia e na ponta da língua! Aprendi a otimizar o tempo, a
dividi-lo, sistematizá-lo, organizá-lo para dar conta do que me comprometi a fazer.
Impossível continuar o mesmo depois de ter vivido esta experiência
intelectual e afetiva de encontros, desencontros e reencontros com o outro e
conosco mesmo, encontro com o conhecido e com o desconhecido, com o
conhecimento e a ignorância, com os limites e as limitações (e a superação
destas), com os afetos e desafetos...Não há como a prática pedagógica não ser
afetada de alguma forma. Não só reflexões sobre a nossa formação e atuação em
sala de aula foram proporcionadas, mas um sentimento de necessidade de
ressignificar a nossa prática, de mudar o que era preciso mudar.
A variação linguística e os multiletramentos foram os temas que mais me
fizeram refletir sobre a minha profissão. Mesmo porque o material didático a que
todo professor tem acesso com maior facilidade (o livro didático) explora muito
23
superficialmente o fenômeno da variação. Quando a aborda quase sempre é de
maneira estigmatizada, anedótica, caricaturada, o que reforça estereótipos e nada
contribuem para se combater o preconceito linguístico e ainda desenvolve um
ensino que em nada agrega de positivo para o desenvolvimento da competência
comunicativa do aluno, além do mais o inibe e o reprime de tal forma que nega a
sua identidade.
Ser poliglota na própria língua conhecendo sua variedade e sabendo utilizá-
la, considerando as situações de comunicação em que o indivíduo se encontra,
parece-me ser o objetivo de um trabalho que se pauta na variação. O estudo da
língua não pode mais ser desvinculado das práticas sociais de interação.
2.1 Uma pequena história: a tartaruga etnógrafa.
Street (2010) apresenta-nos, a partir de um conto budista (uma fábula, na
verdade) uma tartaruga verdadeiramente etnógrafa, que nos faz refletir sobre a
abordagem etnográfica. Nele, a tartaruga resolve sair do lago, da sua convivência
com os peixes (da sua zona de conforto) e resolve conhecer a terra seca, algo
fora de sua realidade. Quando retorna, é indagada pelos peixes sobre o que viu e
viveu, mas por não responder pragmaticamente provoca curiosidade nos peixes
que resolvem conhecer também a terra seca. O mais curioso na resposta da
tartaruga quando é interrogada pelos peixes é o fato de dizer que não tem uma
língua para descrever o que é, mas sim o que não é.
A partir da leitura do conto, Street (2010) revela a verdadeira essência e
atitude do pesquisador-etnógrafo, que deve ser a mais investigativa e menos
julgadora possível. Da leitura da fábula depreendo que a ideia de língua está
relacionada à vivência de cada um e que é preciso nos encontrarmos com o outro
mundo (linguístico e cultural) que não conhecemos, porque sempre estamos
presos ao nosso próprio mundo, ao nosso modo de vida e à nossa própria língua,
desconhecendo e desvalorizando a língua desconhecida, aquela que não é
nossa, que é diferente. Se passarmos a vida inteira com a gramática, assim como
os peixes e tartaruga viviam na água, como entender a variação, a língua que
muda em virtude dos contextos? A tartaruga etnógrafa é aquela que sai de seu
mundo e vai ao encontro de outro para entendê-lo e é preciso conhecer este outro
24
mundo linguístico a partir dos termos desta língua porque se entrarmos com os
termos e conceitos a que estamos acostumados e que já conhecemos
provavelmente iremos distorcer esta realidade, como afirma Street (2010). Estas
ideias corroboram o que diz Fino (2008):
(...) que outra maneira haveria de compreender a cultura escolar, presumindo-se que sou nativo dela, sem a tornar estranha? E, paradoxalmente, como entendê-la sem me submergir nela e olhá-la de dentro? O problema era, e continua a ser, o como se concretiza essa contradição, apenas aparente, entre afastar-me, para ser estranho, e integrar-me para (voltar a) ser um com o objecto do meu estudo, ao ponto de me tornar, eu, o novo estrangeiro, numa voz legítima, de dentro. (FINO: 2008, p.09)
É preciso estudar a língua não a partir de meu ponto de vista, do ponto de
vista de minha vivência, do lado de cá, mas a partir da realidade que a mim se
apresenta. Preciso começar a estudar a língua a partir deles, dos alunos, e não
do que entendo como língua. Para isso um bom começo é determinar a
concepção que tenho de língua: se ela é expressão do pensamento, instrumento
de comunicação ou processo de interação. Se assumo esta última postura,
valorizo a língua do outro e dela parto para os estudos de reflexões sobre ela. A
terra seca metaforicamente representa a norma estigmatizada (norma popular) e
nós, professores, dificilmente queremos sair do nosso mundo particular e
confortável (a água dos peixes), achamos que a água, metáfora aqui da norma
padrão (idealização de uma língua) ou da variedade prestigiada (norma culta), é o
que deve ser ensinado. Por isso é necessário ir além e começar a se perguntar,
como bem pontua Street (2010, p 44) “Que outras categorias podem existir para
se entender o mundo e estar no mundo”?
Como já afirmei na introdução, é bastante perceptível a presença do
preconceito linguístico em nosso contexto escolar e a supervalorização que a
comunidade faz do “falar bem”, associando isto ao uso da norma padrão (livro/
idealização da língua) ou norma culta (variedade prestigiada). Principalmente por
parte dos professores que, na conversa informal do intervalo ou nas reuniões,
deixam claro a concepção tradicional que possuem de língua (instrumento de
comunicação e/ou expressão do pensamento) e nitidamente o preconceito
linguístico que carregam para a sala de aula.
25
Fino (2008), por meio de um questionamento e na defesa de uma
metodologia etnográfica, nos faz refletir sobre a necessidade desta abordagem na
educação e sobre a importância do observar, descrever e interpretar a realidade
estudada:
Que outra maneira, que não a de sondar directamente a complexa realidade social que constitui uma turma, por exemplo, será mais adequada para compreender esses pontos de vista de seus nativos – alunos e professores – e poder descrever e interpretar as suas práticas, localizá-las, ou não, na corrente da doxa, entender em que se afastam ou em que medida se integram na ortodoxia vigente? (FINO, 2008, p. 04)
Para realização deste trabalho dentro do viés etnográfico, situo a
comunidade em sua estrutura física, político-econômica e humana e caracterizo
os falantes de língua portuguesa dentro de nosso contexto sócio-cultural, bem
como propus o contato dos mesmos com a língua falada por diversas pessoas de
nossa comunidade (por meio de entrevista para montagem do nosso quadro
ilustrativo): alunos, professores, pessoas com formações escolares diversificadas,
idades variadas e de poder aquisitivo também diverso a fim de analisar os
seguintes traços linguísticos: graduais (que aparecem em todos os falantes de
língua portuguesa do Brasil, independente de origem social ou regional) e os
descontínuos (aparecem principalmente em pessoas de origem social humilde),
como caracteriza Bagno (2007).
A etnografia é uma abordagem de investigação científica que traz várias
contribuições para o campo das pesquisas qualitativas, como bem afirmou Mattos
(2001), dentre outras coisas:
(...) por introduzir os atores sociais com uma participação ativa e dinâmica no processo modificador das estruturas sociais. O ‘objeto’ de pesquisa agora sujeito é considerado como ‘agência humana’ imprescindível no ato de ‘fazer sentido das contradições sociais. (MATTOS, 2001, p. 01)
Este tipo de abordagem metodológica pressupõe o estudo pela observação
direta, mas etnografar não se restringe a descrever, mas principalmente
interpretar a fim de encontrar o significado da ação, como sugere Mattos (2001) e
para isto é necessário estar aberto ao outro, ao novo; é imprescindível
26
sensibilidade no encontro com o outro, neste caso: o aluno, como também o
conhecimento sobre o contexto estudado. Nas palavras de Mattos (2001, p 09):
“Ao escrevermos uma narrativa temos que colocar os atores como eles se
apresentam sob a perspectiva deles. Para isso é importante se conhecer o
significado social da ação”.
No que diz respeito à consolidação epistemológica da etnografia enquanto
método de investigação em educação e à importância da interpretação da
realidade observada a partir das anotações de campo, Fino (2008) deixa claro a
amplitude da pesquisa etnográfica que não se limita a mera descrição de ações.
Nas palavras dele:
(...) a Etnografia da Educação, investigando de e sobre instituições, grupos e organizações sociais, supera a estrita dependência descritiva ao ser entendida como devedora de um enfoque pluridisciplinar, uma vez que é pluridisciplinar o saber disponível sobre essas instituições, grupos e organizações. De modo que se mantém a dependência descritiva, mas como base sobre a qual se interpreta (...) a finalidade consciencializadora e dialética da investigação sobre o conjunto dos fenômenos educativos conferem à investigação etnográfica uma intencionalidade distinta da etimológica: a interpretação e a crítica. (FINO, 2008, p. 03)
2.2 O Pesquisador-etnógrafo: o raio X do nosso espaço.
O município de Acajutiba, cidade na qual trabalho 40h pelo Estado, fica
aproximadamente a 200 km da capital baiana, possui cerca de 15 mil habitantes e
sua economia é basicamente agrícola. É considerado o maior produtor de coco
verde do estado.
O Colégio estadual Antônio da Costa Brito está situado na Rua São Paulo,
145, no centro da cidade e conta com 07 turmas de Ensino Médio (no matutino),
01 turma de Ensino Fundamental II no vespertino (remanescente de um colégio
Estadual que foi municipalizado) e mais 06 turmas de Ensino Médio também no
vespertino. Não funciona à noite. Foi fundado em 2006 pelas portarias nº 34/06
(criação) e nº 018/07 de 28/09/07 (autorização e funcionamento) e destaca-se
pela sua estrutura física.
27
O seu espaço físico é adequado, possui equipamentos e mobiliário
confortável em todos os ambientes: uma biblioteca com acervo literário e didático
(embora ainda muito incipiente), uma sala de áudio e vídeo (transformada em sala
de aula desde 2011 devido à demanda de estudantes), um laboratório equipado
para as aulas de Química, Física e Biologia, um laboratório de Informática
climatizado e equipado com mobiliário confortável com 18 computadores com
acesso à internet (a partir de 2011), 06 salas de aula amplas e ventiladas, bem
iluminadas e equipadas com TV pen drive.Temos ainda uma cozinha, 06
sanitários adequados também para pessoas com necessidades especiais, uma
quadra poliesportiva (em processo de cobertura), um pátio amplo e coberto,
corredores de circulação, uma área administrativa com 04 salas, 01 sala para
professores, 04 depósitos e 04 sanitários para funcionários. Falta-nos apenas um
auditório (já solicitado à SEC/BA) para atividades e apresentações culturais, em
virtude da grande demanda de projetos eventos aqui realizados. O colégio possui
uma área externa murada que propicia a construção de um grande auditório.
Possui ainda 01 caixa amplificada, 02 aparelhos de DVD, 01 retroprojetor, 01 data
show, 01 aparelho de som. Necessita, porém, de recursos didáticos audiovisuais:
livros de literatura em quantidade de volumes e exemplares.
O corpo docente é formado por professores graduados, mas em sua maioria
contratados (REDA e PST). Apenas cinco (05) são efetivos.
Caracterizar a nossa comunidade é fator fundamental para se compreender
a nossa realidade sociocultural. Ela é formada por famílias que, em sua maioria,
pertencem a uma classe desfavorecida economicamente: assalariados,
trabalhadores rurais, feirantes, donas de casa, pedreiros, etc. Há também uma
parcela de nossos alunos que é composta por famílias com maior poder
aquisitivo: comerciantes, profissionais liberais, funcionários públicos, que ainda
preferem matricular seus filhos em nossa unidade escolar pelo prestígio de que
goza o corpo docente da instituição, recentemente premiada com o Selo de Ouro
pelo Governo do Estado, em novembro passado. É, inclusive, a única escola da
DIREC 03 (que compreende 16 municípios do Agreste alagoinhense e Litoral
Norte e mais 03 que foram agregados recentemente) a receber este prêmio. Hoje,
as DIREC são denominadas de NRE (Núcleos Regionais de Educação) e a nossa
passa a ter ma denominação de NRE 18.
28
Como não há na cidade atividades desportivas e/ou culturais em grande
escala, o colégio sempre desenvolveu por meio de projetos educacionais ações
ligadas à cultura, ao esporte e lazer, e entretenimento, como “A noite da Poesia”,
“Literatura no Palco”, “Campeonato de Dança”, “Gincanas Culturais”, “Concurso
de Quadrilhas Juninas”, “Feira das Nações”, “Torneios Esportivos”, “Reforço para
o ENEM”, “Caminhada Ecológica”. E hoje desenvolve outros projetos4. Os
estudantes têm uma relação amistosa com os professores e funcionários, não há
índice de violência, indisciplina, agressão ou uso de drogas, não praticam atos de
desrespeito e demonstram afeto e carinho pela figura do professor, apesar de o
rendimento escolar não ser o esperado pelo corpo docente. Os pais, em sua
maioria, participam de reuniões e estão presentes na escola quando solicitados,
mas poucos vão à escola em outros momentos para acompanhar a vida escolar
de seus filhos, mesmo porque são pais que trabalham durante o dia.
Apesar da relação amistosa entre professores e alunos e mesmo com a boa
formação do corpo docente, é notório o baixo rendimento dos alunos em todas as
disciplinas. O índice de reprovação é grande e aumenta a cada ano.
Especificamente na disciplina Língua Portuguesa, os mesmos apresentam
dificuldades na formação de sentenças simples para responder questões nas
avaliações escritas e como não foram estimulados ao debate e à expressão oral,
quase nunca expõem suas dúvidas e angústias. Isso talvez se deva à concepção
de língua transmitida pelos professores de língua portuguesa em suas aulas
durante o Ensino Fundamental, concepção esta que faz o aluno pensar que não
sabe falar, já que acredita que não domina a gramática da língua, quando na
verdade ele não domina é a língua da gramática5.
É perceptível a presença do preconceito linguístico em nosso contexto
escolar e a supervalorização que a comunidade faz do “falar bem” associando isto
ao uso da norma padrão (livro/ idealização da língua) ou norma culta (variedade
prestigiada). Esta atitude interfere no desempenho do estudante, vez que ele não
se sente à vontade para expor suas ideias no momento em que é solicitado, já
4 FACE, TAL, AVE, JERP, EPA, COMVIDA, ENCANTE e PROVE são projetos estruturantes da SEC/BA e que são
adotados pela escola; têm como objetivo desenvolver atividades artísticas (música, literatura, dança pintura) e desportivas. As siglas estão explicadas na página 08. 5 Isto foi percebido pela análise das respostas dada por eles ao questionário que apliquei, no qual algumas
questões apontavam para a concepção de língua que trazem com eles.
29
que sua linguagem é discriminada por alguns colegas e até mesmo por alguns
professores. Dessa forma, sente-se excluído por não dominar uma variedade da
língua que é valorizada na escola e na sociedade. Diante disso, é preciso, pois,
fazê-lo perceber o funcionamento da língua e que a variedade falada por ele é tão
eficiente na interação entre os sujeitos como a valorizada e exigida pela
sociedade e pela escola, mas que ele precisa também conhecer outra variedade e
se apropriar da língua de prestígio para ter acesso aos bens culturais e de
consumo em sua sociedade para, dessa forma, poder participar efetivamente
desta mesma sociedade.
Assim sendo, em que medida as conversas dos alunos nas rodas de
conversas durante as discussões de textos sobre variação linguística nas aulas
de Língua Portuguesa e a fala de sua comunidade linguística podem ser
aproveitadas para as práticas de escuta e reflexão sobre a língua, a fim de se
desenvolver um trabalho com as variedades linguísticas e a adequação da língua
ao contexto, tendo em vista os traços graduais e descontínuos presentes no
português brasileiro falado em Acajutiba?
Como sou fruto de uma educação tradicional centrada no ensino de língua
materna limitada ao ensino de gramática focada no conteudismo, será necessário
agora olhar diferente para as aulas de língua portuguesa, pensando no enfoque
do letramento e das variedades linguísticas e dando espaço à língua falada pelos
estudantes em seu dia a dia e na sala de aula. Isso não quer dizer que já não se
trabalhe a variação linguística e a norma denominada culta nos contextos que a
exigem, mas a intervenção pretende enfocá-la de maneira mais apurada e
planejada, pois quando o trabalho com variedades e adequação da linguagem ao
contexto eram feitos/desenvolvidos por mim em sala de aula, acontecia em
momentos estanques e isolados, como é o caso dos seminários, que ocorrem em
uma unidade apenas. As aulas expositivas (que ocupam grande parcela das aulas
de todo o ano letivo) precisavam ser, paulatinamente, substituídas por práticas de
leitura e escuta. Um problema, porém, persiste: quando se passa um vídeo para
se debater/comentar, poucos são os que expressam oralmente o que
entenderam. O mesmo acontece com os textos lidos em sala de aula. Foi com um
trabalho sistematizado (sequências didáticas planejadas estrategicamente) que
acredito ter começado a desenvolver mais amplamente esta competência
30
comunicativa (que os alunos, obviamente, já possuem) de forma que começaram
a participar mais das aulas sem medo de falar e até pensando em prepará-los
melhor para uma situação de exposição oral, como, por exemplo, o seminário ou
debate posterior ou ainda outra situação comunicativa.
Muitos professores queixam-se [...] da dificuldade que grande parte dos alunos têm em participar, em tomar a palavra em público, em discutir problemas com os outros, em corroborar ou refutar um ponto de vista. (SCHNEUWLY & DOLZ, 2004, p. 83).
Foi preciso, pois, proporcionar ao aluno situações de exposição oral e
adequação da sua linguagem a contextos diversificados para que os mesmos
percebessem a mutabilidade e flexibilidade a que a língua que ele utiliza está
sujeita, promovendo assim o domínio da adequação da linguagem utilizada ao
contexto.
Acredito ainda que o baixo rendimento em todas as disciplinas se dê por três
motivos básicos já discutidos em reuniões de Colegiado: a falta de base dos
alunos nos anos anteriores, a falta de participação dos pais nas atividades diárias
dos filhos e no acompanhamento da vida escolar deles, pois muitos pais só vão
às reuniões marcadas pela direção e não vão mais em nenhum outro momento e ,
principalmente, a baixa autoestima provocada pela visão que têm de si mesmo no
que se refere à própria linguagem, pois acreditam equivocadamente que não
sabem falar o português “corretamente”.
Este problema se deve ao fato de terem vivenciado desde que entraram na
escola uma visão tradicional de língua apresentada pelos professores de língua
portuguesa que pautavam suas aulas tão somente no ensino da gramática. Os
alunos têm demonstrado muita criatividade e motivação na hora de participar de
projetos, e não têm a mesma disposição na sala de aula com os conteúdos
abordados. Isso por si só já nos revela algo: é necessário trabalhar por projetos. E
a minha ideia é a efetivação da metodologia das sequências didáticas dentro de
uma pedagogia de projetos na escola, porque os projetos ainda são feitos
(embora muito bons) de maneira pontual, descontextualizada, solta e sem a
reflexão sobre ele (avaliação do projeto), ficando limitado ao “projeto pelo projeto”,
ou projeto pela pontuação. É necessário, pois, reelaborar esta maneira de
conceber a pedagogia de projetos de classe, como denominam Schneuwly e Dolz
31
(2004) como metodologia de trabalho para se efetivar a aprendizagem e, a meu
ver, os letramentos múltiplos.
Considerando que a pesquisa é de cunho etnográfico, em que me coloquei
como pesquisador que iria refletir e analisar a sua própria práxis e nela intervir a
fim de propor alternativas propícias para resolução dos problemas detectados,
pontuo, a princípio, que muito do que foi sendo pensado por mim, para uma
efetiva concretização, dependeu consideravelmente do contexto da sala de aula
na qual realizei a intervenção e, obviamente, na recepção dos alunos frente à
intencionalidade da pesquisa, do interesse deles e das reais necessidades dos
mesmos. A intervenção continuou a se desenvolver num trabalho junto a um
grupo de estudantes do 1º ano de Ensino Médio, mas que foram meus alunos no
ano anterior, do 9º ano, quando iniciei a elaboração do projeto e comecei a refletir
sobre as questões discutidas nas aulas da disciplina Elaboração de Projeto de
Pesquisa (e das demais estudadas no Mestrado que se iniciou no 2º semestre do
ano de 2013) que iriam nortear o meu trabalho.
É importante destacar que a referida turma é do turno vespertino, turno este
que recebe, em sua maioria, pessoas oriundas da zona rural e que apresentam
um rendimento menor do que o do turno matutino, além de um índice maior de
reprovação e de não participação oral nas discussões feitas em sala de aula.
Contudo, há na sala de aula alguns alunos que são da sede do município e, entre
estes, alguns que frequentaram escola particular em boa parte do Ensino
Fundamental.
3. NÃO HÁ PRÁTICA SEM TEORIA
3.1 Desatando nós: a gramática nossa de cada dia.
Faraco (2008), em seu livro “Norma Culta Brasileira: desatando nós”, traz à
tona alguns conceitos estereotipados que nos foram passadas ao longo dos anos
durante a nossa formação e propõe-nos uma reflexão sobre a nossa prática e,
obviamente, sobre aquela que tem sido o grande nó no ensino de língua
portuguesa: a gramática.
Acredito que a reflexão e reformulação de conceitos (equivocados) e de
velhos e conhecidos termos de nossa área se faz necessária, já que estamos
32
“mergulhados” em estereótipos conceituais que tornam nossa prática
ultrapassada. A concepção equivocada que possuímos sobre gramática precisa
ser esclarecida e necessário se faz entender a ideologia por trás de um
determinado tipo de ensino. Sem rever esses conceitos e sem refletir sobre eles,
não haverá mudança de pensamento e, consequentemente, de postura.
A expressão norma culta deve ser evitada, pois pode ser associada,
pejorativamente, a inculto e oposto a popular, devendo assim ser questionada,
vez que traz em sua terminologia um caráter tão preconceituoso quanto
excludente. Além disso, é usada como sinônimo de gramática (norma padrão). É
preciso se levar em conta que uma língua não é apenas sistema/estrutura, não é
homogênea tampouco imutável; é, na verdade, um conjunto de variedades e uma
entidade sociocultural e política. O que há, de fato, segundo Faraco (2008, p.92),
é uma norma “curta”, que limita a língua e não considera toda a sua riqueza e
que está a serviço de uma elite dominante que possui interesses políticos e que,
infelizmente, determina os programas educacionais do país, provocando uma
exclusão e um preconceito linguístico. O que deveria ser visto como riqueza é
visto como “erro”. O que existe, verdadeiramente, é um conjunto de normas que
circulam simultaneamente, porque mudança e variação são elementos inerentes à
língua, ou seja, o uso “culto” da língua tem várias formas alternativas, embora
muitos professores de português (gramatiqueiros, puristas e conservadores) não
considerem este fato.
As ideias de Faraco (2008) se cruzam com as de Bagno (2007), pois para
ambos a norma padrão não é uma variedade; é um conjunto de regras
padronizadas, descritas e prescritas pela gramática, mas que não é língua
falada/usada por ninguém: foram inspiradas em estágios pretéritos da língua e,
principalmente, nas opções de um grupo restrito de escritores consagrados, mas
que não é utilizada nem mesmo pelas pessoas que têm níveis de escolaridade
mais elevados.
A norma culta6 deve ser entendida como variedade linguística reaL,
empiricamente observável, autêntica, que caracteriza a fala e a escrita dos
6 É importante ressaltar a importância do projeto NURC (Norma Linguística Urbana Culta), que existe desde
1969 e se desenvolve em cinco cidades brasileiras, objetivando descrever os padrões reais de uso na comunicação oral, considerando falantes com escolaridade de nível superior. Ver https://twiki.ufba.br/twiki/bin/view/Alib/AlibNurc.
33
cidadãos urbanos letrados e socioeconomicamente privilegiados, o que também
pode ser chamada de variedades prestigiadas7. O conjunto de variedades
estigmatizadas é o que é, de modo geral, desprezado pelas escolas e pelos
professores de português.
Faraco (2008) não se mostra contrário ao ensino de uma norma padrão se
considerarmos que padrão é aquilo que é falado com frequência e naturalidade
por uma comunidade linguística. O que se deve combater é o caráter artificial da
norma (o que é normativo), já que o padrão é engessado e não condiz com a
chamada norma culta/comum/standard. Afinal normal também pode ser
considerado como aquilo que é normal para falantes de determinada comunidade.
É bom lembrar que a língua (em seus usos pelos falantes dela) precede qualquer
instrumento normativo, portanto a norma gramatical (padrão) deveria se adequar
ao uso da língua, pois a autoridade maior da língua é o seu uso, isto é, a maneira
corriqueira com que os seus usuários a utilizam, seja na fala seja na escrita.
É importante considerar a origem da gramática para entender como o
conceito de norma culta foi sendo construído de forma arbitrária, ao longo dos
séculos, no Brasil, e que se perpetua até hoje para a manutenção do status quo
que sequer considera a historicidade desse povo tampouco a forma como ele lida
com uma língua que para muitos ainda é muito estranha.
Limitar-me-ei a fazer um recorte histórico aqui apenas para ficar mais clara
a ideia da concepção tradicional de ensino de língua pautado na gramática
normativa e que valoriza a sobre norma padrão que existe até hoje nas escolas e
também na concepção de muitos professores de língua portuguesa, pois para
este trabalho o mais importante é detectar onde, como e por que surgiu esta ideia
de ensino de gramática para entender por que as práticas continuam. Foi em
Roma que surgiu a gramática tradicional, fruto do grande acervo cognitivo deixado
pelos alexandrinos que desenvolveram vários estudos durante o período em que
estavam em ascensão. Foi nesse período também que foi criada a primeira
gramática latina, a partir da concepção de que só poderia ser considerado culto
7 Esta terminologia é utilizada por Faraco (2008) e para Rosa Virgínia Matos e Silva (2004) é norma culta
plural e norma vernácula plural, respectivamente. Para Luchesi (2002), norma culta e popular. Nos três, contudo, é adotada a concepção tripartida de língua, na qual todos denominam norma padrão para se referir à gramática normativa.
34
(pessoa culta) aquele que dominasse a “arte de escrever e falar corretamente, e
de compreender os poetas”.
Segundo Faraco (2008), dois fatos se destacavam nesse contexto: a) o de
que “ser culto era atributo exclusivo dos homens de posse”; b) e o de que “o
ensino da língua tinha um caráter eminentemente prático, ou seja, o
conhecimento gramatical estava subordinado a esse objetivo maior”. Daí que
nesse período houve uma grande produção de várias gramáticas do latim com
finalidade pedagógica.
É importante lembrar, nessa trajetória histórica, que o mundo medieval é
marcado pela queda do Império Romano e pela criação dos reinos germânicos.
Esses fatos são de extrema relevância porque sinalizam a fixação do latim erudito
como língua de referência, sobretudo na forma escrita. Dessa maneira, o
panorama linguístico na Europa latina vivia um grande contraste, pois se de um
lado os conservadores lutavam pela consolidação do latim erudito como língua
formal a ser seguida no ensino, na administração política e religiosa e na
diplomacia; do outro lado surgiam as novas línguas vernáculas marcando a
identidade de um povo e, com ela, o florescimento de uma rica produção literária
nessas línguas e a democratização da atividade letrada. Contudo, é no século
XV/XVI que surge a gramática das línguas modernas, daí já começa a haver uma
necessidade muito grande de sistematização dessas línguas e em 1536 surge a
primeira gramática do português de Portugal. É nesse período também que o
primeiro dicionário de português-latim-português é criado (1562) e só no século
XVIII, então, é que o grande dicionário da língua portuguesa foi publicado, em
Lisboa.
A necessidade de se fixar um padrão de língua fez com que os gramáticos
da época combinassem dois aspectos para essa padronização: o prestígio social
da variedade falada em situações monitoradas pela aristocracia (centro político do
país) e o cultivo de uma escrita vernácula latinizada (imitação adaptada dessas
línguas modernas ao estilo dos escritores latinos clássicos).
...à medida que mudanças socioeconômicas (industrialização e urbanização) trouxeram a necessidade de ampliar o acesso da população à escola e se propagou o conceito moderno de cidadania (que inclui o direito de todos aos bens culturais), um tal modelo passou a ser um problema grave, como no Brasil de hoje,
35
em que ele não faz sentido para a maioria da população e, por isso, acaba por embaraçar não só o ensino do português, como o próprio funcionamento social da norma culta/comum/ standart ( FARACO:2008, p. 186).
Conforme Faraco, o modelo pedagógico medieval herdado pelos países de
língua portuguesa são vícios pedagógicos, os quais ele conceitua como
gramatiquice e normativismo. Como gramatiquice, ele entende “o estudo da
gramática como um fim em si mesmo”, e normativismo como “a atitude tomada
diante da norma culta/comum/standart, na medida em que o falante nativo não
consegue aprendê-la (ou não se consegue ensiná-la) apenas uma das variedades
da língua com usos sociais determinados”.
Esses vícios pedagógicos dão origem, então, ao que se institui chamar
“norma culta”, onde a cultura do erro prevalece, haja vista este ser considerado
como “toda e qualquer forma que foge ao padrão culto da língua”. Nessa, a língua
é vista como elemento pétreo (invariável e inflexível). A consequência disso é que
se “transferiu para o ensino de língua materna uma metodologia que servia para o
ensino de uma língua artificial” herdada dos clássicos.
O nosso modelo de ensino da língua continua sendo o medieval. Segundo
Faraco (2008), este modelo é a continuação da prática pedagógica dos jesuítas e
que consolida a exclusão. O direito à educação escolar era e continuou sendo,
por alguns séculos apenas para muito poucos. Educação era entendida como
adereço sociocultural (modelo elitista e artificial) difícil de ser rompido, o que
acaba gerando uma crise aguda no ensino. Como consequência desse processo,
Faraco (2008) aponta uma criação maciça de “consultórios gramaticais”
preocupados em difundir a norma culta, em virtude das duas premissas básicas
tomadas como verdadeiras: “ninguém fala bem o português no Brasil” e “os
brasileiros falam errado”. Daí a necessidade de se criar um modelo padrão de
língua a ser cultivado.
A escola do século XXI continua a ensinar um estado de língua que não
existe há pelo menos 700 anos, sem se dar conta dos fatos da língua real. A
preocupação que era do século XIX e que permanece até hoje é: Que modelo de
língua se deveria (deve) adotar na escrita? Naquela época, preferiu-se imitar o
padrão escrito lusitano descartando qualquer possibilidade de se adotar um
português abrasileirado com características da fala culta/comum/standard
36
brasileira. E hoje? A lusitanização da língua escrita, no Brasil, segundo Faraco
(2008, p 150) “artificializou nossa referência linguística e gerou um fosso profundo
entre o modo como falamos e o modo como acreditamos que devemos escrever”.
A remissão aos clássicos, no Brasil, em vez de motivar uma revisão da
normatização padronizadora, levou a descartar qualquer possibilidade de certos
usos brasileiros serem legitimados na escrita com base no “bom senso” e/ou no
estudo empírico, desmerecendo o trabalho linguístico dos escritores brasileiros,
como Alencar e Mário de Andrade.
Os vícios pedagógicos não são apenas concepções e atitudes ligadas à
língua e ao ensino, mas que têm um caráter conservador, impositivo e excludente.
A crise do ensino é muito mais uma questão de baixa autoestima da população
menos favorecida do que uma dificuldade de aprendizagem, embora os
professores ainda insistam em ensinar uma língua que não é a nossa. Nesse
sentido, Faraco (2008) diz que enfrentar essa crise no ensino implica ter sempre
claro que a questão da língua é política e, como tal, deve ser tratada. Para tanto,
é preciso reverberá-la criticamente em todas as esferas de representações
socioculturais, sobretudo nas universidades e na imprensa.
Faraco (2008) pontua que a crítica à gramatiquice e à normatividade não
representa o abandono da reflexão gramatical, tampouco do ensino da norma
culta/comum/standard. Ao contrário, ele corrobora a ideia de que
“refletir sobre a estrutura da língua e sobre seu funcionamento social é atividade auxiliar indispensável para o domínio fluente da fala e da escrita. [...] conhecer a norma culta/comum/standard é parte integrante do amadurecimento das nossas competências linguístico-culturais, (FARACO, 2008, p. 25)
Sendo assim, o lema é a reflexão gramatical sem gramatiquices e estudo
da norma culta/comum/standard sem normativismo. Se os conteúdos gramaticais
não podem desaparecer do ensino, também não podem ser arrolados e
repassados como no ensino tradicional, como assinala Faraco. Longe disso
deixar a norma padrão de lado ou a reflexão gramatical ser abolida.
3.2 Gramática da Língua ou língua da gramática?
37
Assumir uma postura de ensino de língua portuguesa a partir da diversidade
linguística existente no país não é tarefa fácil, primeiro porque falta-nos material
cientificamente preparado que possa conduzir um trabalho pedagógico criativo e
enriquecedor para os alunos e segundo em virtude da formação dos professores
no curso de Letras que não têm uma orientação e aprofundamento adequados
para trilhar por este caminho quando saírem da graduação. É sabido que “o
ensino de gramática está falido, mas não se criou ainda um aparelho pedagógico
adequado, fundamentado e consequente, a partir dos princípios e métodos das
linguísticas contemporâneas” (SILVA: 2004, p. 87).
É necessário, pois, uma reforma no currículo dos cursos de Letras, uma
melhor orientação aos professores no que se refere ao trabalho com as
variedades prestigiadas, que no geral é confundida com a norma padrão (a
gramática livro) e uma reformulação também na confecção dos livros didáticos,
principal material que guia as práticas do professor, que ainda traz o tema de
forma caricaturizada, estigmatizada. Além disso, os linguistas precisariam pensar
também no pedagógico e não apenas no teórico como contribuição para o ensino
de língua. Somos carentes de material de qualidade que deem conta de um
ensino de língua dentro do viés sociolinguista. Sobre isto, pontua Silva (2004):
Os professores mais conscientes da problemática sociolingüística brasileira procuram trabalhar a partir dessa realidade diversificada, sem estigmatizar a variação dialetal, pelo contrário, valorizando-a, ao tempo em que desenvolvem o seu trabalho numa linha crítica que assume de fato o que alguns têm chamado de situação diaglóssica, já que se tem diante e, de fato, indivíduos que são portadores de determináveis normas dialetais, mas que devem, entretanto, estar pelo menos conscientes da existência de outra socialmente exigida a um indivíduo escolarizado, sobretudo em determinadas situações sociais, entre elas a de ser professor de português, que muitos objetivam ser. (SILVA, 2004, p.18)
Assim como Silva (2004), acredito que os dialetos podem conviver
harmonicamente e de forma natural por meio de leitura sem a pressão do
“certo/errado”, mas na percepção da adequação/inadequação. Assim o saber da
língua surgiria pela sistematização não da gramática prescritiva (o livro arbitrário),
mas na comunhão dela com os dialetos existentes nas comunidades escolares.
Isto seria o que Magda Soares (1986) denominou de bidialetalismo funcional. De
38
nada adiantam os extremismos: de um lado os puristas da língua e do outro “o
populismo linguístico que renega qualquer norma e admite qualquer uso
linguístico como adequado a qualquer usuário, em qualquer situação de
comunicação”, como pontua Silva (2004, p 34).
É bom ressaltar que a língua é algo vivo e não estático como propõem
alguns professores de língua portuguesa ao trabalhar aquilo que está na
gramática (livro). “Não existe língua, dialeto nem variedades sem falantes reais”,
como afirma Bagno (2007, p 19). É, pois, da fala dessas pessoas (os falantes de
uma língua) que deve partir o ensino de língua nas escolas do país. Assim não
faz sentido ensinar língua a partir de uma norma que não existe em falantes reais.
Como bem assinala Bagno (2007, p 22):
(...) do direito que tem toda e qualquer pessoa com cidadania brasileira de falar e escrever a(s) sua(s) língua(s) materna(s), do jeito que ela(s) existe(m) hoje no século XXI, e não como quer um ideologia linguística autoritária e excludente, imposta séculos atrás por uma potência colonial escravagista.
Conforme Bagno (2007), o que se convencionou a chamar de língua nas
sociedades ditas letradas e também no ensino de língua portuguesa em sala de
aula é um produto social artificial que não corresponde ao que de fato a língua é
na realidade. É ilusão, pois, acreditar que se pode num livro contemplar a
totalidade definitiva e a riqueza de uma língua. O que existe no livro (gramática) é
um modelo idealizado de língua que não corresponde aos seus usos reais. A
escrita de uma língua não dá conta inteiramente a nenhum de seus dialetos. Para
finalizar é sempre bom lembrar que “a língua é uma atividade funcional (...) as
línguas estão a serviço das pessoas, de seus propósitos interativos reais (...) o
que existe (...) é (...) a língua concretizada em atividades, em ações e em
atuações comunicativas”. (ANTUNES, 2009, p 35)
3.3 Pedagogia da variação: por um ensino de variedades linguísticas
na sala de aula.
Tendo em vista as mudanças ocorridas no processo de ensino-
aprendizagem nos últimos anos e os avanços nos estudos da Linguística
39
(sociolinguística), da alfabetização e do letramento (novo campo de investigação
em consolidação no Brasil) provenientes de pesquisas na área da Linguística
Aplicada e, até mesmo, da Educação, faz-se necessário redimensionar o ensino
de língua portuguesa nas salas de aula do ensino básico de todo o Brasil.
Essas pesquisas causaram forte impacto na sociedade e foram base para
formulação de vários documentos e produções bibliográficas, a exemplo dos
PCN. Desde 1997, quando foi lançada a 1ª “safra” de PCN (para o Ensino
Fundamental I) que se divulga a ideia de se trabalhar as práticas de leitura,
escrita, escuta e reflexão sobre a língua e o estudo dos gêneros textuais (escritos
e orais) dentro da perspectiva textual-interativa, já que “os textos são o meio pelo
qual a língua funciona” (KOCK, TRAVAGLIA, 2007). Esses devem ser os
“conteúdos” de língua portuguesa. Desde as séries iniciais o que se deve ensinar
ao aluno é ler, escrever, interpretar e expressar-se verbalmente (seja por escrito
ou oralmente). O problema é que herdamos a concepção estruturalista de
linguagem e assumimos uma postura conteudista que faz uso do sistema
tradicional da língua que é anterior aos nossos avanços e descobertas na
educação. “Saber falar, não importa em que língua, é dominar os gêneros que
nela emergiram historicamente, dos mais simples, aos mais complexos”.
(SCHNEUWLY, 2004, p. 138)
É sabido que a língua portuguesa falada no Brasil não tem unidade e está
longe de ser homogênea. Contudo nas aulas de língua portuguesa é comum os
professores de língua materna fazerem uso da gramática como instrumento de
ensino, desprezando as variedades existentes em nossa língua e não
considerando que a própria norma é uma variação da língua. Muitos são os mitos
que permeiam as aulas de língua portuguesa. O principal deles, em se tratando
de escolas públicas e de onde são oriundos os estudantes que nela estudam, é
pensar e difundir a ideia de que as pessoas sem instrução ou provenientes de
classes populares não sabem falar o português. Outro mito muito comum entre os
professores de língua materna é acreditar que só existe uma maneira certa de
falar e que esta maneira é a que a gramática ensina. Decorrente desse mito vem
a ideia de que só fala bem quem sabe gramática e de que a escrita é o espelho
da fala. Falar e escrever são modalidades diferentes. Além do mais, saber
40
gramática não garante que o um indivíduo seja um escritor proficiente da língua
ou que seja um bom orador.
Ora, se a língua muda conforme o contexto e a intencionalidade, obviamente
que ninguém precisa falar o tempo todo como prescreve a gramática. Por outro
lado, é lógico que a gramática não precisa ser abolida da escola. O problema não
está nela e sim na maneira como é utilizada. O aluno precisa conhecer a norma
dita culta e a padrão para ter acesso a textos em que ela é utilizada. É papel da
escola não negligenciar este estudo, contudo valorizar a língua que o aluno traz
de casa é valorizar a sua identidade, a sua cultura. Além do que existe uma
ideologia por trás desses mitos e dos discursos elitistas que apontam a norma dita
culta como sendo aquela mais importante e que ela promove a ascensão social.
Refletindo sobre a minha prática docente e de colegas a partir da troca de
experiências por meio dos diálogos e discussões e comparando-a com os estudos
mais recentes sobre o ensino da língua portuguesa, surgiram alguns
questionamentos vitais que são a tônica deste memorial: como se define na
atualidade a competência comunicativa? Como desenvolver em sala de aula a
competência comunicativa dos alunos? De que forma pode-se realizar uma
prática de ensino da língua que contribua efetivamente para a competência
comunicativa do aluno, considerando as variedades linguísticas?
Ao refletir sobre a variação linguística e a interação discursiva, é
imprescindível citar Bakhtin (2003, p. 265) quando menciona que “a língua passa
a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente
através de enunciados concretos que a vida entra na língua”. Assim, como a
interação constitui-se como uma realidade primordial da língua, é, justamente,
nesses enunciados concretos que se efetivam as relações intersubjetivas entre os
indivíduos.
Conforme assinala Marcuschi (2003), a língua é um fenômeno heterogêneo,
variável, indeterminado sob o ponto de vista semântico e sintático e que está
situado em contextos concretos tais como o texto e o discurso. Esse caráter
dinâmico encontra um campo para aumentar as fronteiras do domínio do
repertório linguístico de muitas sociedades. Assim sendo, fico a refletir por que
não consideramos, nós professores de língua portuguesa, esta variação nas aulas
41
de língua portuguesa e valorizamos apenas a variedade de prestígio ou norma
padrão.
O conhecimento consciente de uma língua (por quem dela queira ser mais
do que usuário) implica o reconhecimento dessa dinâmica diversificante que torna
qualquer língua resistente à normatização. De fato, as variantes normativas são,
como as não normativas, eventualmente passageiras, mudando ao longo do
tempo o modo como os falantes encaram os mesmos fatos linguísticos. Sem esta
consciência, fica mais difícil redimensionar as aulas de língua portuguesa e o uso
da gramática em sala de aula.
As primeiras bases teóricas e metodológicas para estudo do estilo no âmbito
dos estudos variacionistas são de Labov (1966). Segundo o autor, o estilo norteia
os instrumentos de coleta de dados, procurando separar o uso da língua em seus
aspectos formais e informais. Do lado formal, teremos a fala mais monitorada e
cuidada; e, do informal, teremos a fala mais casual. Suas contribuições foram
decisivas para o avanço do pensamento estruturalista no ensino da língua.
O material/trabalho que ora se apresenta é uma tentativa de conceber a sala
de aula num grande laboratório de investigação, onde conhecer não é um ato
individual, mas uma ação cooperativa, como sugere Marcuschi (2008, p 13) que
defende a ideia de que “o conhecimento é elaborado em encontros, trocas e
interações”, por isso não pode haver conteúdo antes de se conhecer os sujeitos
de aprendizagem, pois os “assuntos”, as aprendizagens são construídas em
razão dos interlocutores. Ou como afirma Geraldi (2006, p 19) “A sala de aula é
uma oficina de dizer coisas”. A concepção de língua como processo de interação
se faz necessária, afinal o indivíduo não apenas traduz e exterioriza o
pensamento, “os interlocutores interagem enquanto sujeitos que ocupam lugares
sociais” (TRAVAGLIA: 1996). E a linguagem que o aluno utiliza é reflexo de sua
cultura, de sua identidade e revela a variedade que a língua sofre,
inevitavelmente.
Nos PCN constam que uma das funções da escola no que diz respeito à
área de língua portuguesa é fazer com que o aluno seja um usuário competente
da língua e defende isso como sendo aquele aluno que é capaz de adequar a sua
linguagem às diferentes situações comunicativas. Infelizmente, a escola ainda
carrega alguns mitos – como aquele de que a escrita é o espelho da fala ou então
42
de que existe uma única maneira certa de falar e esta deve ser equivalente à
escrita – que prejudica o desenvolvimento de tal habilidade.
É inegável a importância de se trabalhar com a expressão oral dos alunos,
uma vez que sempre estamos em situação comunicativa, o que exige uma
adequação do discurso à situação. Contudo, como assinala Val (191):
a escola negligencia essa atividade por três motivos: 1.
Despreparo dos professores que desconhecem os avanços da Linguística; 2. Ineficácia da prática da linguagem escrita, pois a escola privilegia esta modalidade, mas não oferece orientação devida; 3. O ensino ainda se prende a princípios e conceitos já superados, como os já citados acima.
Há muitos preconceitos decorrentes do valor social que é atribuído aos
diferentes modos de falar: é muito comum se considerarem as variedades
linguísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas. A questão não é falar
certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar, considerando as
características do contexto de comunicação e de interação, ou seja, saber
adequar o registro às diferentes situações comunicativas; é saber coordenar
satisfatoriamente o que falar e como fazê-lo, considerando a quem e por quê se
diz determinada coisa; é saber, portanto, quais variedades e registros de língua
oral são pertinentes em função da situação comunicativa, do contexto e dos
interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é de correção da forma,
mas de utilização eficaz da linguagem: falar bem é falar adequadamente; é
produzir o efeito pretendido.
As instituições sociais fazem diferentes usos da linguagem oral: um cientista,
um político, um professor, um religioso, um feirante, um repórter, um radialista,
enfim todos aqueles que tomam a palavra para falar em voz alta utilizam
diferentes registros em razão das também diferentes instâncias nas quais essa
prática se realiza. A própria condição de aluno exige o domínio de determinados
usos da linguagem oral.
Fica claro, portanto, que tanto a intenção quanto a situação de comunicação
exercem influência decisiva no processo de elocução do discurso. É necessário,
para a implantação de um trabalho de aprendizagem da língua que valorize e
respeite as variedades linguísticas, que o professor tenha convicção do porquê se
está ensinando a língua naquela modalidade, e que fique claro para o estudante
43
que é necessário a adequação do ato verbal às necessidades de cada situação
comunicativa e a percepção da diversidade de registros e das regras de emprego
da língua, a partir de escutas cotidianas nas mais variadas situações
comunicativas. Dessa forma, o aluno se torna consciente do que é intuitivo nele a
respeito da língua oral para que, assim, aperfeiçoe suas habilidades
comunicativas em seu meio social. E o professor deve ter como tarefa
desenvolver nos alunos capacidades de observar, de forma objetiva, o
funcionamento da língua enquanto instrumento não apenas de comunicação, mas
antes: de interação, como propõe Bakhtin (2003), para quem linguagem é diálogo.
O caráter sociointeracionista da linguagem oral aponta para uma opção
metodológica de verificação do saber linguístico do aluno como ponto de partida
para a decisão daquilo que será desenvolvido, tendo como referência o valor da
linguagem nas diferentes esferas sociais. O processo de ensino/aprendizagem de
língua portuguesa deve basear-se em propostas interativas língua/linguagem,
consideradas em seu processo discursivo de construção do pensamento
simbólico, constitutivo de cada aluno em particular e da sociedade em geral.
Essa concepção destaca a natureza social e interativa da linguagem, em
contraposição às concepções tradicionais deslocadas de uso social. O trabalho do
professor centra-se no objetivo de desenvolvimento e sistematização da
linguagem interiorizada pelo aluno, incentivando a verbalização da mesma e o
domínio de outras utilizadas em diferentes esferas sociais. A interação é o que faz
com que a linguagem seja comunicativa. Esse princípio anula qualquer
pressuposto que tenta referendar o estudo de uma língua isolada do ato
interlocutivo. Semelhante distorção é responsável pelas dificuldades dos alunos
em compreender estatisticamente a gramática da língua que falam no cotidiano.
Por causa da mudança na concepção de ensino de língua, a
variação linguística, como objeto e objetivo de ensino, veio para
ficar. Daí a necessidade de se conhecer o fenômeno da variação
com base em conceitos bem definidos e sistematizados. (BAGNO:
2007, p 34).
44
É preciso considerar a especificidade da língua oral e dissociar a ideia de
que só se fala a língua bem a partir da escrita, afinal esta não é o espelho da fala.
Assim como é importante ouvir a fala dos alunos para propiciar a diversidade do
oral, pois assim os alunos podem perceber a grande variedade de produções
orais que existem na mesma situação comunicativa. “É interessante que se leve o
aluno a refletir sobre três pontos: 1) quanto aos registros; 2) quanto às funções; 3)
quanto à situação comunicativa” (PCN, 1997, p.29).
Hoje temos o acréscimo de uma nova noção de competência comunicativa
(linguística), que é a competência de comunicação não só do conhecimento do
sistema gramatical, mas também e principalmente as regras de emprego e a
capacidade de utilizá-los.
Para que haja interação oral é preciso que o professor abandone aquela
postura tradicional de ser o centro do processo comunicativo sempre assumindo a
palavra com exclusividade e com uma preocupação excessiva na correção
gramatical. Dessa forma, não há interação. A fala do aluno precisa ser ouvida,
explorada, estimulada e expandida e não corrigida, restringida ou reprimida.
Talvez fosse preciso mudar o centro da comunicação para o aluno, e o professor
passasse a ouvi-lo mais.
Considerando que o objetivo do ensino da língua é o de ampliar a
competência linguística (pressuposto estruturalista) do falante e que cada falante
deve adequar sua expressão comunicativa aos diferentes contextos nos quais
circula, o ensino não pode concentrar-se no estudo da língua como um fenômeno
autônomo e desvinculado das práticas sociais de interação, como muitas vezes
ainda ocorre nas nossas salas de aula. Nessa perspectiva, a sociolinguística tem
trazido algumas contribuições relevantes na medida em que considera a reflexão
das relações socioculturais que envolvem, a língua mais importante, para a
discussão do ensino, do que dos aspectos meramente estruturais.
Nesse sentido, Aryon Rodrigues apud Faraco (2008) postula que a
propriedade na expressão falada e escrita é mais importante do que a correção,
visto que os falantes não são monoestilísticos e adéquam a forma de sua
expressão às circunstâncias. Assim, afirma que não há em língua um padrão
absoluto de correção, mas padrões relativos às circunstâncias. Isso tem gerado
equívocos na sociedade, tanto dentro quanto fora dos muros escolares, e os
45
lingüistas têm sido acusados injustamente de permissivos, de defender o “vale
tudo na língua” e, consequentemente, de serem contrários ao ensino das
variedades ditas cultas.Esta polêmica em relação aos linguistas, justifica-se pelo
fato de seus acusadores não distinguirem a norma culta e a norma padrão como
duas realidades distintas.
É possível notar que este equívoco se constituiu e se cristalizou na
representação social de uma língua homogênea, única, monolítica, que vê a
variação como um mal a ser combatido. Para isso, utiliza-se os preceitos
gramaticais da norma curta. Infelizmente, esta ainda se configura uma realidade
no ensino de língua em parte das escolas públicas do nosso país que prioriza
uma discussão equivocada de língua – baseada, muitas vezes, nos preceitos da
norma culta – em vez de focar nos usos reais que dela fazemos nos diversos
contextos de interação social e comunicativa. E esta prática, por sua vez,
encontra respaldo no viés altamente normativista da nossa cultura, na qual a
noção de adequação é secundarizada ou até mesmo condenada pela noção de
correção. Acredito que este é um dos grandes desafios que precisamos enfrentar
se quisermos um ensino de língua mais humanizado e produtivo.
Em 1980, os linguistas trataram a questão numa perspectiva do
bidialetalismo, em que a variedade culta era um dialeto social e cabia ao ensino a
tarefa de incorporá-la a outras variedades, tornando os falantes bidialetais. Essa
visão restrita foi superada e os linguistas brasileiros desenvolveram um quadro de
referências bem mais refinado dos fenômenos da variação linguística,
substituindo-a por um continuum que melhor permitia apreender a distribuição
social das variedades.
É sabido que o letramento do sujeito implica, como destaca Britto apud
Faraco (2008), muito mais do que dispor de um conhecimento sobre variedade
linguística, pois quanto maior for o letramento do sujeito, maiores serão a
capacidade e as oportunidades do sujeito em realizar tarefas que exijam
monitoração, inferências diversas e ajustamento constante.
Faraco (2008) enfatiza que seria preciso investir em uma pedagogia que
permitia a ampliação do letramento dos alunos e, mesmo que isso represente o
desafio, não deverá estar restrito ao trabalho em Língua Portuguesa, mas,
principalmente, de todas as disciplinas escolares, pois só assim transformaríamos
46
a escola em uma instância letradora, ou seja, que toma as práticas socioculturais
da cultura escrita como o principal eixo organizador. Ao tratar da questão da
norma padrão, ele conceitua-a como um constructo idealizado, ou seja, não é um
dialeto, como é a norma culta, mas uma codificação taxonômica de formas
tomadas como um modelo linguístico ideal, que responde a um projeto político
que visa a impor uma certa uniformidade, quando a heterogeneidade é sentida
como negativa. Esta ideia de homogeneização surgiu no Brasil do século XIX
quando determinada elite letrada, ao ver-se diante das variedades populares e a
um complexo jogo ideológico (projeto de um país branco e europeizado),
trabalhou pela fixação de uma norma padrão.
Por razões que parecem óbvias, linguistas, filólogos e escritores foram e
continuam sendo críticos contumazes desta norma padrão, hoje tachada de
norma curta, por considerá-la impraticável, inócua, disfuncional e difusora do erro
e , consequentemente, um instrumento de violência simbólica desmedido, embora
defendam o acesso escolar às variedades cultas, postulando a fixação de uma
norma padrão que represente o efetivo reflexo da norma culta brasileira. O
combate aos preceitos da norma curta é de natureza política, pois segundo
Lucchesi (2002, p 88), o estigma sempre recairia sobre a norma popular o que,
seria nada mais do que a mais crua manifestação da discriminação econômica e
da ideologia da exclusão social.
Nesse contexto, fica evidente “porque continuamos todos assombrados pela
norma padrão escrita fixada no século XIX, pela violência simbólica que a
acompanha e pelo temor histórico de uma suposta desagregação da língua e do
país” (FARACO, 2004, p 07) e, portanto, ainda insistimos em um projeto de
padronização. Acredito que é urgente exorcizar esse espectro por considerar o
caráter altamente rarefeito de um padrão e a urgente necessidade de a sociedade
brasileira democratizar o letramento como uma das condições vitais para o seu
desenvolvimento pleno.
Embora possamos reconhecer avanços razoáveis no trabalho com leitura e
produção textual graças à contribuição dos estudos linguísticos, não podemos
dizer o mesmo em relação à construção de uma pedagogia da variação
linguística, pois o trabalho realizado na escola ainda se mostra inadequado e
insuficiente. Isso ocorre, talvez, em função da ausência de uma discussão mais
47
ampla, nos cursos de formação, sobre a nossa realidade linguística no tocante à
sua heterogeneidade e à violência simbólica que a atravessa.
Os livros didáticos trazem os fenômenos da variação de forma marginal,
embasados, muitas vezes, na cultura do erro. Assim, observa-se uma
predominância da abordagem da variação geográfica apresentada muito mais de
forma anedótica do que como expressão linguística da história das comunidades
de cada região. Nesse sentido, destaca-se a abordagem do português rural que
se dá de forma caricaturada, o que acaba reforçando estereótipos e colaborando
para uma compreensão equivocada das diferenças entre os falares urbanos e os
falares rurais. Além disso, pouco contribuem para a crítica dos preconceitos
linguísticos que recobrem esses falares.
Além disso, os livros exploram superficialmente a variação estilística.
Dificilmente consideram que, em língua, o que ocorre são contínuos de variação e
não recortes estanques e que a exploração estilística é um dos meios que os
falantes utilizam para gerar sentidos. Da mesma forma, raramente tratam da
variação social, buscando discutir os contrastes, conflitos, aproximações e
distanciamentos entre a norma popular e a norma culta/comum/standard da nossa
língua.
O nosso grande desafio hoje é lutar pela construção de uma pedagogia que
reconheça o nosso país como multilíngue e dê destaque crítico à variação social
do português, não dê tratamento anedótico ou estereotipado aos fenômenos da
variação (como ocorre com o personagem Chico Bento, que é uma imagem
caricaturada do homem do campo), localize adequadamente os fatos da norma
culta/comum/standard no quadro amplo da variação e no contexto das práticas
sociais que a pressupõe, abandone criticamente o cultivo da norma padrão e
estimule a percepção do potencial estilístico dos fenômenos da variação.
Como professor de língua, eu não poderia ficar indiferente às reflexões aqui
expostas nem deixar de concluir que preciso reavaliar minha prática pedagógica
no tocante ao trabalho com a variação linguística na sala de aula, a fim de que eu
posa contribuir, de fato, com a construção de uma pedagogia da variação que
leve nossos estudantes a formularem uma representação positiva de nossa língua
em suas múltiplas variedades, que se tornem sensíveis à variação e atuem como
agentes de combate ao preconceito linguístico e todas as formas de violência
48
simbólica que atravessam as nossas relações sociais. Para isso, preciso rever
não só as minhas próprias crenças quanto aos fenômenos da variação, mas
também a forma como lido com a diversidade. Enfim, preciso buscar novas
alternativas pedagógicas que, de fato, contemplem essas novas orientações para
o ensino de língua e que se aproximem a teoria da prática. Este é, sem dúvida,
um dos grandes desafios do nosso tempo.
4. A SEQUÊNCIA DIDÁTICA8:
PÚBLICO ALVO: Alunos do 9º ano do CEACB, em Acajutiba/BA.
CONTEÚDO: Variedades Linguísticas
TEMPO: 18 aulas organizadas em 09 encontros, cada um com duas aulas
geminadas.
GÊNERO: Entrevista/Quadro Comparativo dos Traços Graduais e Contínuos do
Português Brasileiro falado em Acajutiba.
PROBLEMA: Em que medida a fala dos alunos na roda de conversa realizada
durante as aulas de Língua Portuguesa e a fala da sua comum idade linguística
podem ser aproveitadas em sala de aula para as práticas de escuta e reflexão
sobre a língua a fim de se desenvolver um trabalho com as variedades
linguísticas e a adequação da língua ao contexto?
OBJETIVO GERAL:
• Proporcionar uma reflexão sobre o funcionamento e a variação da língua a
partir das variedades linguísticas.
METODOLOGIA:
1. Aplicação de questionário;
8 Há nesta sequência didática atividades orais e de escrita, que não desmembrei em virtude de se correr o
risco de perder a sequenciação e o entendimento da proposta no que se refere ao estudo da variação linguística e o trabalho com norma prestigiada e norma popular.
49
2. Roda de conversa;
3. Sequência didática:
3.1 Entrevista.
3.2 Quadro Comparativo.
SEQUÊNCIA DIDÁTICA:
1º momento (02 aulas)
Objetivo específico: Elaborar roteiro e questões para entrevista gravada.
1. Exibição de um vídeo retirado do youtube sobre entrevistas feitas por alunos.
2. A primeira produção (simulação de uma entrevista com os colegas de sala a
partir de um roteiro criado por eles e pelo que já sabem do gênero em questão,
tendo como tema a Variação Linguística)
3. Elaboração de entrevista gravada9. Elaboração do roteiro. Orientação para a
realização. Quem será entrevistado? Quantos? Quais perguntas? Divisão dos
grupos e dos aspectos a serem observados por eles.
Sugestão de análise e/ou perguntas para fazer emergir o estilo menos
monitorado e/ou mais monitorado:
a. avaliar a variação fonológica de algumas palavras Eis as palavras: bicicleta,
folha, peixe, sandália, esmalte, relógio, botão e arroz;
b. analisar a pronúncia final das palavras terminadas em dígrafos nasais / /, ou
seja, o /m/ como marca de nasalização da vogal anterior e não como consoante;
c. observar e constatar se o /R/10 pós vocálico em final de sílaba em infinitivos é
suprimido, independente da pronúncia, da escolaridade e da região; se é um traço
gradual;
9 A intenção era fazer a entrevista gravada, vez que estou trabalhando com traços graduais e descontínuos
na fala dos entrevistados. Contudo isto não foi possível porque os participantes se recusaram a gravar a entrevista, de forma que tive que adaptar a atividade para retextualização.
50
d. observar se o /o/ átono numa palavra paroxítona passa ao som de /u/;
e. observar a realização fonética do /R/. Se é consoante posterior articulada na
garganta ou consoante anterior articulada com vibrações na ponta da língua ou
ainda articulada com a língua dobrada para trás (retroflexa/ o “r” caipira).
2º momento (02 aulas)
Objetivo específico: Discutir sobre o contínuo oralidade/escrita a partir de um
texto e produzir um parágrafo sobre as discussões em torno dele.
Texto: “O FAX DO NIRSO”
Leitura realizada pelo professor, discussão e registro no caderno pelos alunos
(por escrito e em um parágrafo) do que foi discutido.
Leitura voluntária das produções e intervenção (comentários) minha.
3º momento (02 aulas)
Objetivo específico: Identificar os provérbios ilustrados nos emotions, relacioná-
los aos diferentes contextos linguísticos e analisar estrutura linguística (sintática e
semântica).
Provérbios em forma de emotions ( conferir no anexo C)
a. exibição de slide em tv pen drive;
b. decifração em duplas e trios;
c. exploração da linguagem não-verbal, aspectos sintáticos formais da língua
presentes nos ditos populares;
d. Interpretação do uso dos provérbios e seus contextos;
e. Provérbios com léxico na Linguagem formal.
4º momento (02 aulas)
10
Optei pela transcrição fonológica, que é feita utilizando barras inclinadas.
51
Objetivo específico: Descrever as ideias do vídeo apresentado e produzir texto
(resumo) registrando as informações e impressões sobre ele.
1. Exibição do vídeo sotaques do Brasil, extraído do site do Jornal Hoje do dia
12/08/1411:
2. Registro no caderno (por parte dos alunos) sobre as impressões do vídeo após
uma breve discussão de ideias.
5º momento (02 aulas)
Objetivo específico: Discutir com os educandos as ideias do texto “Nóis
mudemo”, interpretando-o e promovendo uma reflexão sobre a língua portuguesa
falada no Brasil.
A utilização do texto “Nóis Mudemo”12 proporcionará uma reflexão sobre a
variedade linguística do português brasileiro e oportunizará uma discussão sobre
o preconceito linguístico a fim de se combater o mito que afirma que “as pessoas
sem escolaridade falam errado”.
1.Exploração do título na lousa (inferências hipóteses e perguntas);
2. Apresentação de uma breve biografia do autor na tv pen drive em forma de
slides;
3. Serão distribuídas cópias do texto;
4. Leitura Individual/Leitura Compartilhada;
5.Confirmação/refutamento das hipóteses iniciais;
6. Questionamentos Orais para motivar a discussão:
a. O pai do personagem Lúcio Afirma “ Nós da roça fala tudo errado”. Vocês
concordam com ele?
11
O vídeo encontra-se disponível em: http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2014/08/sotaques-do-
brasil-desvenda-diferentes-formas-de-falar-dobrasileiro.html
12
O texto encontra-se disponibilizado na seção Anexo”.
52
b. Para vocês, existe uma forma certa e outra errada de falar?
c. O que vocês acharam da atitude da professora quando em sala de aula corrigiu
a maneira de falar de Lúcio na presença dos colegas?
d. Por que Lúcio falava diferente do restante da turma?
e. A que conclusão chega a professora ao final da história?
f. Gramática normativa e língua são a mesma coisa?
g. É possível falar sempre de acordo como a gramática normativa prescreve?
7. Considerações finais/ Interpretação de texto.
6º momento (02 aulas)
Objetivo específico: Identificar os mitos de que fala o vídeo e comentar sobre
eles
1. Exibição do vídeo Preconceito Linguístico, extraído do Youtube13:
2. Produção de cartaz com frases retiradas do vídeo e imagens de revistas
disponibilizadas pelo professor;
7º momento (02 aulas)
Objetivo específico: Analisar textos literários que trazem a variedade linguística
estigmatizada, a fim de promover uma reflexão e localizar a ideia central de cada
um deles.
1. Distribuição de pequenos textos (poemas) por grupos14:
a. Aula de Português, de Carlos Drummond de Andrade.
b. Erro de Português, de Oswald de Andrade.
c. Pronominais, de Oswald de Andrade.
13 Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=QLsmAGq5jZw
14 Os textos utilizados encontram-se disponibilizados na seção Anexos.
53
d. Evocação do Recife, de Manuel Bandeira.
e. O Portuguêis, de Jô Soares.
2. Apresentação por grupo de cada um dos poemas e comentários feitos
por eles no momento em que discutiram a ideia central de cada um e as
impressões que tiveram ao ter contato com os poemas.
8º momento (02 aulas)
Objetivo Específico: Analisar o material coletado a partir dos critérios
selecionados .
1. Discussão em sala de aula do material coletado nas entrevistas e dos
resultados.
9º momento (02 aulas)
Objetivo específico: construir um quadro ilustrativo na lousa, demonstrando o
“mapeamento linguístico” da comunidade de Acajutiba a partir do paralelo: norma
estigmatizada X norma prestigiada, ressaltando as semelhanças presentes nos
dois registros.
1. Produção, pelo professor (na lousa), de um quadro ilustrativo dos traços
graduais e descontínuos existentes no português do Brasil e presentes nos
falares dos entrevistados, abordando palavras e expressões que fazem parte não
só do universo rural ou não-escolarizado, mas também da fala urbana
escolarizada (pais, professores...)
4.1 Descrição das atividades
Em meados de abril, após várias orientações, passei a fazer a pesquisa
etnográfica, que se iniciou em maio e durou o mês inteiro. Assim pude
caracterizar o público de minha intervenção e o cenário pedagógico onde estamos
inseridos. Foi então que em junho elaborei um questionário a fim de colher
informações, por meio de material escrito, a fim de se descobrir a concepção que
cada aluno possuía sobre língua, linguagem, gramática e variação linguística.
54
Este questionário foi aplicado e a partir dele começou o processo de intervenção
no início de julho, assim que o recesso junino terminou e voltamos às aulas.
Percebi, por meio da análise das respostas dadas no questionário (apêndice
A) que em sua grande maioria os alunos possuíam uma visão de língua como
algo relacionado apenas à gramática normativa e não havia um discernimento
sobre algumas questões-chave no aprendizado de língua materna, tais como: o
que é falar bem, escrever bem, relação oralidade/escrita, dentre outras. Alguns
acreditavam que a forma “correta” de usar a língua é na escrita, demonstrando
total desprezo (e preconceito) à modalidade falada. Por outro lado,
contraditoriamente, afirmava saber usar a língua portuguesa muito bem na fala,
mas não na escrita.
ALUNOS (AS) QUANTITATIVO Z. URBANA Z RURAL
RAPAZES 09 03 06
MOÇAS 22 06 16
TOTAL 31 09 22
As questões foram assim agrupadas por mim: as de nº 7, 8, 9, 10, 11 e 23
são relativas ao falar; as de nº 17, 18, 19, 20, 21 e 22 referem-se ao escrever; e
as de nº 14, 16 e 30 estão relacionadas à variação linguística. Todas estas de
alguma forma estão tentando fazer emergir a concepção de língua que os
estudantes possuem.
A questão 07 que trata da questão do “falar bem”, e pergunta se eles
consideram que falam bem a língua portuguesa, obtive os seguintes resultados:
SIM NÃO NÃO SOUBERAM
RESPONDER
13 12 06
13 (06 rapazes e 07 moças) responderam sim; 12 (02 rapazes e 10 moças)
responderam não e 06 (03 meninos e 03 meninas) não souberam ou não
quiseram responder. Selecionei algumas respostas dadas a esta questão:
Aluna 1: “as aulas de português é que ensinam a falar bem”.
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Aluno 2: “é o professor que ensina a falar”.
Aluna 3: “diz que fala bem porque não usa gírias”.
Aluna 4: “diz que fala bem porque todos a entendem”.
Aluno 5: “diz que fala bem porque todos o entendem”.
Aluna 6: “afirma que fala bem porque escreve bem”.
A questão 8 quer saber dos estudantes o que é, para eles, falar bem.
Dentre as respostas selecionadas (as mais curiosas) para análise, temos:
Alunas 7, 8 e 9 têm a mesma ideia: afirmam que é saber se expressar e ser
entendido.
Aluna 10 relaciona o bem falar à questão da leitura em voz alta quando afirma
que está relacionado à entonação, ritmo e ortografia/pronúncia.
Aluna 11 afirma que falar bem é obedecer a norma padrão.
Aluno 12 diz que é saber verbos.
Aluna 13 afirma que é falar bonito.
A questão 9 pergunta se há uma forma correta de falar e qual seria?
SIM NÃO NÃO SOUBERAM
RESPONDER
18 10 03
Dentre os 18 que responderam que sim, alguns indicaram qual seria a forma
“correta” de falar:
A forma correta de falar é
a da gramática
É de acordo com o lugar
e com os hábitos
É a do interior; da minha
cidade
06 01 01
A questão 10 quer saber qual o objetivo da escola ensinar uma língua que
eles já falam. Em sua maioria os alunos responderam que era para aprender a ler
melhor ou ampliar o conhecimento, contudo algumas respostas chamaram mais
atenção porque estavam voltadas a uma concepção tradicional de língua que
ainda separa o que é “certo” do que é “errado” na língua. Um respondeu que era
para consertar os erros de ortografia, outro afirmou que era ensinar o modo certo
56
de falar, e outro disse que era para aperfeiçoar e atualizar as regras e normas da
língua. A mais estarrecedora foi a resposta da aluna que afirmou que era para
“consertar nossos erros” [sic].
Paradoxalmente a estas respostas acima, na questão 11, onde pergunto se
no Brasil as pessoas falam sempre do mesmo jeito e qual a diferença que eles
percebem, as respostas foram assim contabilizadas:
SIM NÃO Não souberam
responder
02 26 03
Este resultado acima demonstra que há o reconhecimento de que apesar de
a língua ser a mesma, não é falda da mesma forma pelos milhões de brasileiros.
As respostas que mais chamaram minha atenção foram:
“Não, á muitas diferenças linguísticas no Brasil, tais como sutaque, modo de
falar, etc.” [sic];
“Não. O jeito das pessoas falarem se diferem de acordo com a região na qual
elas vivem. Um exemplo é o Sul e o Nordeste”. [sic]
Surpreendentemente, na questão 23, ao perguntar se as pessoas sem
instrução falam tudo errado ou não sabem falar o português, 17 alunos
responderam que sim e 12 responderam que não, enquanto que apenas 02 não
souberam responder. As respostas mais interessantes e inusitadas dos que
responderam “não” e que fugiu à concepção tradicional de língua foram as
seguintes:
Aluna 15: “Não, pois na convivência com as outras pessoas os fazem aprender”
[sic];
Aluna 16: “Na verdade ninguém fala errado, mis sim da forma que foi ensinado”
[sic];
Aluna 17: “Sabem falar, mas com gírias e sem concordância”;
Aluna 18: “Não todas não, porque minha avó não é alfabetizada e fala bem”.
57
Com relação às questões 14, 16 e 30, que tratam mais especificamente da
variação linguística, considerei importante destacar algumas respostas que me
chamaram mais a atenção. Na questão 14, a grande maioria respondeu que nas
aulas de língua portuguesa são consideradas as variedades linguísticas e não se
restringe ao ensino da gramática normativa, outros simplesmente responderam
“sim”, por isso não reproduzi aqui nenhuma das respostas, pois não houve
nenhuma de destaque. Na questão 16, poucos foram os que admitiram já ter
passado por uma situação de discriminação pela maneira como falam. Na
questão 30, a maior parte dos alunos acredita que usa a mesma língua sem
alterar em nada a maneira como fala nos diversos contextos em que se encontra.
Questão 16: Você já sofreu algum tipo de discriminação por causa da
maneira como você fala?
Aluno 19: “Sim porque tem muitas pessoas que não gosta do jeito que eu falo”.
[sic]
Aluno 20: “Não. Discriminação não! Mas já corrigiram o meu modo de falar”.
Aluno 21: “Sim, muitas vezes por pessoas de outras cidades como: Salvador e
São Paulo”.
Aluno 22: “Já quando falei amalero para amarelo”.
Aluno 23: “Sim, muitas vezes”.
Aluno 24: “Sim, muitas vezes até por colegas”.
Questão 30: Fora da escola você usa a mesma língua do mesmo jeito ou
usa de maneira diferente?
Aluno 25: “Depende da situação”.
Aluno 26: “As vezes sim quando estou no face abreviu as palavras, quando estou
em casa relaxo e não me importo com a forma como falo”. [sic]
Aluno 27: “A mesma, ou melhor, dependendo do local que esteja ou de com
quem eu esteja”. [sic]
Aluno 28: “Uma língua diferente. Eu uso gírias”.
Aluno 29: “Uma língua diferente, a linguagem popular”.
Aluno 30: “Não. Porque sempre utilizo minhas gírias”.
Aluno 31: “A mesma. Eu não falo diferente em ambientes diferentes”.
58
A partir desta constatação, parti para a intervenção propriamente dita, e
realizei uma roda de conversa (duas aulas geminadas) que teve como ponto de
partida a leitura de um capítulo do livro didático adotado pela escola e posterior
discussão com a sala organizada em círculo para que todos pudessem se ver e
também para propiciar uma maior participação de todos. O capítulo tem como
título: Uma língua: muitas línguas/Variação linguística, do livro Ser Protagonista,
da Editora Santa Maria. (anexo A). A partir dele provocações foram sendo feitas
por mim para promover uma reflexão sobre aquilo que eles tinham lido e
principalmente sobre o que tinham dado como resposta no questionário. Mesmo
com a leitura do capítulo, ficou claro na fala dos alunos que as concepções que
possuíam não tinham mudado apenas com a leitura daquele capítulo do livro
didático e que além da conversa ali realizada, precisaria realizar algumas
atividades que fizessem com que eles pudessem vivenciar situações de uso da
língua que derrubassem alguns mitos revelados por eles e mostrasse como a
língua muda de acordo com o contexto. Eis algumas consideração feitas
oralmente por eles:
Depoimento 1: “(...) todas as pessoas do Brasil falam a mesma língua, mas
algumas aprenderam a falar errado e é essa a diferença de falar a mesma língua
e não falar: uns falam certo e outros falam errado”. (aluno de 16 anos)
Depoimento 2: “ (...) as pessoas que não se formaram, os mais velhos não
falam muito bem”. (aluno de 14 anos)
Depoimento 3: “Professor, pessoas que estudaram falam melhor que o
analfabeto”.
Depoimento 4: “No meu entender muitas pessoas falam errado a própria
língua materna”.
A partir daí perguntei à turma se eles conheciam o gênero oral entrevista.
Após ouvir as considerações dos que se pronunciaram, perguntei se eles
gostariam de realizar uma entrevista com a comunidade a fim de observar a
linguagem das pessoas e trazermos apara sala de aula o que eles coletassem
para estudarmos e avaliarmos alguns aspectos da língua. Foi assim que elaborei
as sequências didáticas que norteariam a nossa produção final e na aula seguinte
59
levei dois vídeos didáticos retirados da internet15 para exemplificar o que é uma
entrevista, discutimos as ideias apresentadas no vídeo e em seguida expliquei
sobre a linguagem utilizada nos diversos tipos de entrevistas e disse que eles
precisariam vivenciar esta situação de gênero oral para entendê-lo melhor e fazer
um roteiro para executar a entrevista. Este foi o primeiro momento da sequência:
apresentação da situação, como denominam e propõem Schneuwly e Dolz
(2004). Aproveitei a situação do preconceito linguístico evidenciado no
questionário aplicado para servir de tema para nossa entrevista, já que
“as sequências visam ao aperfeiçoamento das práticas de escrita e produção oral (...) não podem assumir a totalidade do trabalho necessário para levar os alunos a um melhor domínio da língua e devem apoiar-se em certos conhecimentos, construídos em outros momentos (...) as sequências didáticas propõem numerosas atividades de observação, de manipulação e de análise de unidades linguísticas”. (SCHENEUWLY E DOLZ: 2004, p. 96)
A partir daí surgiram as três etapas seguintes da sequência didática,
seguindo o modelo proposto pelos autores anteriormente citados: a primeira
produção (simulação de uma entrevista com os colegas de sala a partir de um
roteiro criado por eles e pelo que já sabem do gênero em questão, tendo como
tema a Variação Linguística), os módulos (atividades que darão embasamento
para domínio do gênero e do conteúdo a ser abordado na entrevista) até chegar à
última, que é a produção final: a entrevista em si para daí fazermos um quadro
comparativo dos traços graduais e descontínuos existentes no português do Brasil
e presentes nos falares dos entrevistados. Sobre os módulos que compõem a
sequência didática, os autores consideram:
O caráter modular das atividades não deverá obscurecer o fato de que a ordem dos módulos de uma sequência didática não é aleatória. Se vários itinerários são possíveis, certas atividades apresentam uma base para a realização de outras. (idem, p. 94)
Foi então que na aula seguinte levei e li o texto o Fax do Nirso (anexo B)
para iniciar a discussão sobre variedades linguísticas (discutir as diferenças entre
o oral e o escrito) de maneira descontraída e gerar mais algumas reflexões sobre 15
Os vídeos encontram-se disponíveis em: https://www.youtube.com/watch?v=wLz1dsj7Tn0 e
https://www.youtube.com/watch?v=G0gWgvRkmLI.
60
os usos da língua, afinal o Nirso obtém sucesso naquilo que se propõe a fazer
mesmo sem dominar a ortografia oficial. Solicitei então que registrassem por
escrito (em um parágrafo) o que foi discutido e me trouxessem na aula seguinte
para finalizarmos esta atividade e assim eles pudessem perceber a necessidade
do uso formal da língua na escrita e a diferença entre esta modalidade de uso da
língua e a exposição oral. Na aula seguinte (02 aulas) alguns alunos
voluntariamente leram suas considerações sobre o que foi discutido e eu fui
fazendo observações acerca dos ajustes linguísticos, explicando a necessidade
do uso formal ou não da língua na situação de comunicação que eles iriam
realizar, considerando os interlocutores que iriam entrevistar e a utilizada na
produção escrita deles. Segue abaixo dois textos produzidos por dois grupos,
após toda a discussão relatada acima. No 1º texto, os alunos relacionam a
discussão oral ao livro didático que trata da relação entre oralidade e escrita,
assim como fica clara no texto a necessidade do uso da variedade de prestígio –
que aparece representada pela palavra “gramática” – na situação apresentada.
No 2º texto, o grupo deixa claro a diferença das duas modalidades de texto (oral e
escrito), ressaltando sua complementaridade.
61
Para justificar a atividade que segue, necessário se faz registrar que, como
foi relatado na etnografia, os alunos (aqui deste interior) em sua maioria fazem
parte de um universo agrícola, esta é base econômica da região, são
provenientes da zona rural em que a escrita não é tão desenvolvida e os
ensinamentos por meio de provérbios é muito intenso e recorrente nos diálogos
deles. Desta forma, a utilização dos provérbios nas aulas que seguem faz parte
de uma estratégia para mostrar que mesmo sendo populares estes ditos mantém
uma estrutura linguística formal, mesmo que em alguns o vocabulário seja muito
mais próximo do popular. Mesmo porque, como já foi dito anteriormente, alguns
alunos acreditam que não sabem escrever e que a única forma de “saber língua
portuguesa” é por meio da escrita e utilização da norma padrão/formal, que eles
acreditam não dominarem e acham que a língua falada por eles não serve para a
escola, para os usos sociais da língua, revelando preconceito linguístico que pode
ter sido desenvolvido na própria escola em anos anteriores.
Embora alguns vivam em áreas rurais, outros (ou até eles mesmos)
possuem celulares, e como se utilizam de ditos populares em sua comunidade,
desenvolvi uma atividade (04 aulas em dois dias) que consistia em utilizar
emotions para decifração dos ditos populares que estavam sendo utilizados na
brincadeira (anexo C). Os emotions foram expostos na TV pendrive em forma de
slide e eles (em duplas ou trios) iam socializando o que sabiam sobre provérbios
com aqueles que não o conheciam tão bem mas que conheciam os emotions por
utilizarem celular com maior frequência e dominavam a comunicação mista
(verbal e não-verbal) das redes sociais. Após a socialização das respostas, fomos
analisando a estrutura linguística de cada provérbio até eles perceberem que
apesar de serem ditos populares, apresentavam uma estrutura gramatical que
estava convergente com a gramática normativa. Ou seja: chegaram à conclusão
de que falavam norma padrão sem ter convicção ou plena consciência e assim
perceberam que são falantes também da norma dita culta. Se um dos objetivos do
trabalho com língua portuguesa é proporcionar o contato com a variedade padrão,
acredito que este trabalho tenha contemplado isto.
Ainda assim solicitei que decifrassem alguns provérbios, mas que estavam
numa linguagem mais formal (o vocabulário foi modificado propositalmente)
62
apenas para ilustrar que os mesmos são objetivos e curtos e que na modalidade
mais formal, com palavras mais rebuscadas, eles não atingem o seu objetivo de
ser breve e claro. E ainda: em algumas situações o vocabulário mais rebuscado
não irá servir, assim como em algumas situações a formal não ajuda, pode
inclusive até atrapalhar, considerando os objetivos da situação comunicativa e os
envolvidos nela. Para concluir esta atividade detivemo-nos em cada provérbio
para tentar exemplificar situações em que eles seriam empregados, enfatizando o
caráter poético, metafórico de sua linguagem. É importante observar que, a partir
desta atividade, foi evidenciado para os alunos que o processo de variação ocorre
em todos os níveis de funcionamento da linguagem, sendo mais perceptível na
pronúncia e no vocabulário. Esse fenômeno da variação se torna mais complexo
porque os níveis não se apresentam de maneira estanque, eles se superpõem.
São eles: nível fonológico, nível morfossintático e nível vocabular.
Antes da aplicação das atividades seguintes, que será com textos, resolvi
apresentar um vídeo (02 aulas) que foi exibido no Jornal Hoje, rede Globo, sobre
os sotaques do Brasil16. Este vídeo foi postado no grupo do facebook “Língua
Portuguesa”17, criado por mim no início deste ano com o intuito de postar textos,
vídeos, informações e dicas sobre a língua para que eles tivessem um material
complementar às aulas do colégio. E foi no Laboratório de Informática que
assistimos a este vídeo18 com a utilização da rede social, propiciando também, a
meu ver, o letramento digital.
A partir daí uma nova discussão, desta vez a partir de um vídeo, foi feita e,
para mim, ficou claro, por meio das falas dos alunos, que tinham não só entendido
o vídeo que trata da variação linguística do Brasil com relação ao sotaque ou ao
vocabulário, mas também percebido a necessidade do respeito às diferenças
linguísticas e que elas fazem parte de nosso cotidiano, queiramos ou não. Alguns
alunos fizeram uma relação entre o vídeo e o que foi discutido na aula anterior na
roda de conversa a partir do capítulo do livro didático, que aborda a riqueza da
língua portuguesa do Brasil e fizeram associações também com palavras que
usam em seu cotidiano e que varia em outros estados, lembraram a diferença de
16
disponível em: http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2014/08/sotaques-do-brasil-desvenda-
diferentes-formas-de-falar-do-brasileiro.html. 17
A página do grupo continua ativa em: https://www.facebook.com/groups/582135608552122/ 18
As fotos desta aula encontram-se na seção Anexos como material pessoal do pesquisador.
63
pronúncia das letras do alfabeto, já que na sala havia um aluno que veio de São
Paulo, além de outros que vieram de outros estados mais próximos e que deram
exemplos de como se falam alguns vocábulos e expressões por lá: pão,
geladinho, biscoito, frango, enrabar, tangerina, aipim, “comer um trem”, “se avexe
não”, dentre outros.
O objetivo ao trabalhar este vídeo é proporcionar uma reflexão a fim de que
chegassem à conclusão de que a língua não é usada de modo homogêneo por
todos os seus falantes. O uso de uma língua varia de época para época, de
região para região, de classe social para classe social, e assim por diante. Nem
individualmente podemos afirmar que o uso seja uniforme. Dependendo da
situação, uma mesma pessoa pode usar diferentes variedades de uma só forma
da língua. Solicitei aos alunos que pesquisassem na internet e trouxessem (quem
não tivesse acesso à internet a escola o disponibilizaria no turno oposto ou no
intervalo) de casa uma lista de algumas expressões dos diferentes estados do
Brasil para socializar na aula seguinte ou produzissem um texto sobre o que
tínhamos discutido sobre os sotaques do Brasil19
Após socialização das expressões, foi o momento de distribuir entre eles
(dupla) o texto “Nóis Mudemo”, de Fidêncio Bogo para realização de uma tarefa
de interpretação em dupla (anexo D), e para posteriormente à leitura do texto
abordar mitos sobre a língua (em forma de vídeo animado baixado do site
youtube) e propor a confecção de um cartaz, contendo os mitos abordados,
diferentemente da atividade de produção textual que foi feita na atividade após a
roda de conversa. Desta vez a discussão foi em torno do ensino/uso da gramática
em sala de aula. O texto deixa clara a rigidez com que ela é utilizada na escola e
por meio desta crônica ilustra como o preconceito linguístico levou à evasão de
um aluno e a uma reflexão da professora-personagem sobre o ensino de língua
materna. Após a apresentação de uma breve exposição da biografia do autor,
destacamos alguns elementos do gênero em questão: personagem, espaço,
tempo, narrador, etc e exploramos o texto com algumas perguntas orais:
a) A professora agiu corretamente ao corrigir o aluno na frente da turma?
b) O que revela para nós este comportamento da professora?
19
Algumas produções dos alunos sobre esta aula, que abordou os sotaques do Brasil, encontram-se em Apêndice C.
64
c) Na sua opinião, qual deveria ser a atitude da professora diante do aluno Lúcio?
d) O pai do personagem Lúcio afirma que não sabe falar, que fala tudo errado. O
que você acha desta afirmação?
e) Ao final da crônica, a professora chega a uma conclusão a respeito da
gramática e de suas aulas de língua portuguesa. Que conclusão é esta? Em
seguida uma atividade escrita (e em dupla) de interpretação de texto.
Após isto, apresentei o vídeo animado sobre Preconceito Linguístico20 e, em
seguida, com papel metro, revistas, tesoura, cola e piloto, os alunos passaram a
fazer a produção dos cartazes, que ficaram exibidos na sala de aula.
No encontro seguinte (02 aulas) após dividir a sala em seis grupos, distribuí
cinco textos (anexo E), um para cada grupo. Ei-los: Aula de Português, de Carlos
Drummond de Andrade; Erro de Português, de Oswald de Andrade; Pronominais,
de Oswald de Andrade; Evocação do Recife, de Manuel Bandeira; O Portuguêis,
de Jô Soares. A escolha destes textos se deu em virtude da provocação de uma
aluna na aula anterior, que questionou o fato de os livros e textos literários dos
que consideramos grandes escritores não estarem numa linguagem mais
acessível, pois eles utilizam a norma culta e não a norma popular. Citou para isso
Machado de Assis e José de Alencar. O objetivo desta aula foi analisar textos
literários que trazem a variedade linguística para reflexão e localizar a ideia
central de cada um deles. Foi dado o tempo de 10 minutos para cada grupo ler e
discutir com seu grupo sobre as ideias do texto, relacionando com o que já tinha
sido discutido nas aulas anteriores. Feito isto, cada grupo elegeu um relator para
ler o texto para a turma e proferir em nome do grupo as conclusões a que
chegaram, que descrevo a seguir:
O grupo 01, após ler o poema para a classe, quis saber quem era o
professor Carlos Góis que estava citado no poema. Após eu explicar, eles
continuaram dizendo que chegaram à conclusão que aquela aula de português do
autor do poema era uma aula era antiga e que o sujeito do poema (eu lírico, na
verdade) estava triste com a aula que estava assistindo porque não era a mesma
linguagem que ele falava: a do namoro com a prima. E que no Brasil parece que
existem duas línguas portuguesas mesmo: uma é a linguagem do aluno e a outra
20
O vídeo está disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=QLsmAGq5jZw
65
é a formal que ninguém aprende. O grupo foi aplaudido enquanto eu anotava
essas considerações para, ao final, fazer as minhas intervenções.
O grupo 02, após ler o poema para a classe, seguiu com seu comentário
afirmando que o português vestiu o índio não só com roupas, mas também
impondo a sua língua que na mistura com o tupi virou a língua brasileira. Citaram
a relação de poder entre os povos e que a chuva é apenas uma metáfora para
afirmar o poder de um povo sobre o outro, pois se o sol estivesse brilhando para
os nativos eles é que despiriam o português. Pontuaram que o evento do poema
se refere ao encontro entre índios e portugueses na época do descobrimento do
Brasil.
O grupo 03 leu o poema “Pronominais” e iniciou seu comentário dizendo que
ninguém fala assim: Dê-me um cigarro e ainda exemplificou que a expressão “me
poupe” além de ser mais fácil de falar é mais gostosa de se usar e que até os
atores da novela falam assim e não apenas quem não vai à escola. Finalizam
afirmando que a gramática diz uma coisa, mas as pessoas falam como querem.
Mas que se não escrever como a gramática quer, perde no ENEM.
O grupo 04 leu o poema “Evocação do Recife” e justamente neste grupo
havia um aluno que morou lá e tinha chegado em 2014 para o município de
Acajutiba. O grupo destacou os versos: “a língua errada do povo/ a língua certa
do povo” e “o que fazemos é macaquear a sintaxe lusíada” para fazer as suas
considerações. E resumiram dizendo que o que é certo para o povo é errado para
a gramática, mas o povo se entende falando sem seguir a gramática. O aluno
falou da passagem que se refere aos rios Capibaribe e Beberibe e o fato de
Manuel Bandeira ser um poeta recifense. Finalizaram dizendo que o poema falava
da infância do poeta e que era um poema simples que falava de coisas do dia a
dia e que por isso nem parecia poema. Não sabiam, segundo a representante do
grupo, que um poema poderia contar uma coisa como se fosse uma narração.
Por fim, o grupo 05 leu o texto “U Portuguêis”, de Jô Soares. Disseram que
acharam engraçado porque as apalavras estavam estranhas, pois estavam
escritas como se fala. E opinaram que seria mais fácil se a gente escrevesse
como se fala, mas que a escrita é diferente da fala.
Surgiu o momento de eu fazer os comentários sobre a participação e
observações dos grupos. Comecei pelo último a se apresentar e disse que Jô
66
Soares fez um texto cômico a fim de brincar com a diferença entre o português
falado e escrito e que, na verdade, em todas as línguas, as pessoas falam de um
jeito e escrevem de outro. Escrever e falar são modalidades diferentes e que não
há nenhuma escrita que corresponda ou represente a fala de qualquer pessoa e
que cada modalidade possui suas estratégias e regras próprias no processo de
comunicação e interação. Finalizei dizendo que não existem só essas diferenças
na língua, mas outras que dependem de diversos fatores como, por exemplo, as
região, a idade, o grupo social, dentre outros.
Aproveitei para associar isto ao poema de Manuel Bandeira a partir do que
eles explanaram. Informei que a língua falada pelo povo é sempre certa, que não
existe erro linguístico, mas erro gramatical e que nós, algumas vezes,
precisaremos usar esse conhecimento gramatical em algumas situações, contudo
não existe erro de português, mas diferentes situações de uso.
Aproveitei esta ideia e destaquei o uso do pronome oblíquo como regra do
português de Portugal e que está em nossa gramática normativa, mas o nosso
povo usa a língua da maneira que mais lhe convém e que o importante é saber
que a próclise neste caso já se tornou comum e geral e não é só quem não vai à
escola que fala assim; é, pois, um traço gradual no português falado no Brasil.
Contudo é preciso saber usar a forma gramatical quando necessário, afinal tudo
depende do contexto comunicativo. Falei do (des)encontro em portugueses e
nativos em 1.500 e superficialmente sobre a quantidade de línguas aqui
existentes na época da colonização, aproveitei para citar palavras de origem tupi
que até hoje fazem parte de nosso idioma e falei também das relações de poder
de uma língua e o que determina o prestígio de uma variedade sobre outra são
questões políticas e ideológicas e que a língua é um poderoso instrumento de
controle social, de manutenção ou ruptura dos vínculos sociais, basta olhar para o
passado e ver o que ocorreu não só com os indígenas, mas também com os
negros quando eram trazidos em navios negreiros para a colônia: eram
separados os que falavam a mesma língua e pertenciam a uma mesma rede
social para evitar que se rebelassem contra os que escravizavam.
Por fim cheguei às considerações do 1º poema lido: Aula de Português. E foi
com o último verso que iniciei as minhas observações: O português são dois; o
outro, mistério. Na verdade existem três português – e me baseei em Dante
67
Lucchesi (2002), Bagno (2007) e em Rosa Virgína (2004) para explicar esta visão
tripartida da língua portuguesa. Aproveitei para explicar o adjetivo “culta” que está
presente na expressão “norma culta” e todas as implicações no uso dele.Preferi
usar a terminologia sugerida por Bagno (2007): norma padrão, variedade
prestigiada e variedade estigmatizada em vez de norma culta e norma popular
para as duas últimas. Aproveitei para desfazer o equívoco entre as expressões
“norma padrão” e “norma culta” Os alunos prestaram atenção enquanto eu falava,
mas interrompiam também e eu aproveitava a fala deles para dar prosseguimento
a respeito do que era a nossa rica língua portuguesa cheia de variedades. E fui
provocando-os com questionamentos, do tipo: O que é norma e o que é regra?
Quem determina a norma? Existe um jeito certo de falar ou adequado? A língua
escrita é formal e a oral é informal? A variedade só ocorre nos falantes da zona
rural? Nós também não fazemos vários usos de uma mesma língua adequando-a
aos contextos?
Na semana seguinte em duas aulas geminadas, passamos a construir os
critérios da entrevista a ser realizada por eles, selecionamos o corpus do trabalho:
coleta de dados (levantamento de material) pela entrevista (evidências da
realidade) e dividimos a sala em grupos para que cada um deles pudesse
entrevistar uma pessoa das que havíamos selecionado. Elaboramos as perguntas
e/ou atividades a serem realizadas e orientei quanto à postura que deveriam ter
ao se dirigir ao possível entrevistado, a linguagem que deveriam utilizar, a
autorização do entrevistado para gravar e o que deveriam informar sobre a
entrevista. O objetivo desta aula foi elaborar roteiro e questões para entrevista
gravada para depois analisar o material coletado a partir dos critérios
selecionados e construir um quadro comparativo demonstrando o mapeamento
linguístico da comunidade de Acajutiba a partir do paralelo: traços graduais X
traços descontínuos, ressaltando o contínuo de urbanização nos registros das
variedades rurais, rurbanas e urbanas padronizadas. Para a entrevista, os
critérios a serem observados e avaliados pelos alunos com a orientação do
professor foram discutidos e decididos conjuntamente em sala, após discussão
sobre alguns aspectos fonéticos, morfossintáticos e semânticos da língua. Tomei
por base os estudos de Bagno (2007):
68
Traços linguísticos: descontínuos (aqueles que aparecem na fala de todos os
brasileiros independente de sua origem social, regional, etc) e graduais do
vernáculo geral brasileiro (que aparecem na fala dos brasileiros de origem
social humilde, de pouca ou nenhuma escolaridade, de antecedentes rurais,
etc)21.
Os grupos de trabalho (GT) foram assim divididos:
GT 01 entrevistou 03 pessoas que possuíam a 4ª série (5º ano) do Ensino
Fundamental: um senhor de idade, uma senhora de idade e uma criança em
idade regular. Foi considerada aí a escolarização e a faixa etária, além do turno
em que estudavam.
GT 02 entrevistou 03 pessoas que possuíam a 8ª série (9º ano) do Ensino
Fundamental e mais uma vez decidimos que seriam entrevistados também um
senhor e uma senhora e mais um estudante em idade regular.
GT 03 entrevistou alunos do 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio da escola
onde eles estudam, podendo ser do sexo masculino e feminino.
GT 04 entrevistou um grupo de professores da própria escola e que
possuem graduação: uma professora licenciada em História oriunda de São
Paulo, uma professora licenciada em Letras/Inglês da própria cidade e uma
professora licenciada em Letras/Português.
GT 05 entrevistou profissionais liberais de outras áreas que não eram a
educação: um advogado, um médico (ambos da capital) e uma dentista gaúcha.
GT 06 entrevistou 03 membros de casa, todos da zona rural. Foram
escolhidas os parentes das pessoas do grupo que iriam ser entrevistados e
decidiram fazer a entrevista com a mãe de um, o avô de outro componente e a tia
de uma outra componente deste grupo.
Os alunos procuraram as pessoas selecionadas por nós em sala de aula
para marcar a entrevista e encontraram um obstáculo para realização da mesma:
nenhum dos entrevistados permitiu que gravasse a entrevista, pois foi dito,
segundos os estudantes, que se fosse para gravar não concederiam a entrevista.
Os alunos, ao trazer a informação para sala de aula, foram orientados como
21
Utilizei o agrupamento proposto por Marcos Bagno em seu livro “Nada na Língua é por acaso” (2007), assim como as considerações de Stella Maris Bortoni-Ricado feitas em seu livro “Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula, 2004.
69
proceder neste tipo de situação, passaram então a fazer o registro por escrito
enquanto um dos alunos fazia as perguntas. As entrevistas tiveram duração
média de uma hora (no máximo) para cada 3 pessoas entrevistadas, e os alunos
transcreveram (na medida do possível sem interromper a fala do entrevistado) o
que eles iam falando, desenvolvendo assim uma atividade de retextualização. Em
diferentes situações sociais do cotidiano, os indivíduos produzem textos orais que
podem se transformar em produções escritas. Durante uma aula, as produções
verbais orais realizadas por um professor e anotadas no caderno pelos alunos
ilustram tal ocorrência: os alunos transformam texto oral em texto escrito. Nesta
atividade de produção de texto, os alunos estarão desenvolvendo uma atividade
de retextualização. Entendo como retextualização a produção de um texto a partir
de outro. Algumas outras definições tratam da retextualização como a
“transformação de um texto em outro”, mas não gosto muito desta perspectiva.
Muitos teóricos restringem-se a tratar desse fenômeno como passagem, do
registro oral para o registro escrito, como propõe Marcuschi (2004) e, na
transformação de um registro para outro, ocorre a retextualização. Foi isto que
tentei fazer com os alunos. Ressalto ainda que retextualização não visa, a meu
ver, à organização do texto oral, pois fala e escrita são duas modalidades de uso
interativo da língua com suas características próprias e que mantém semelhanças
e diferenças. É engano pensar que o uso formal da língua é característica apenas
do registro escrito, assim como o informal ser restrito ao registro oral.
As perguntas comuns a todos os entrevistados foram: nome, idade,
profissão, grau de escolaridade e naturalidade.
As perguntas/atividades foram as seguintes:
GT 01: Foram apresentadas imagens para que o entrevistado dissesse o
que estava vendo. Nesta atividade queríamos avaliar a variação fonológica de
algumas palavras selecionadas prévia e intencionalmente para depois analisar se
era traço gradual ou descontínuo na comparação com outros entrevistados. Eis as
palavras: bicicleta, folha, peixe, sandália, esmalte, relógio, botão e arroz. Na
primeira palavra queríamos verificar a presença do rotacismo, na segunda o
fenômeno da despalatalização, na terceira a monotongação, na terceira o
fenômeno da palatalização, na quarta o /e/ átono antes da sílaba tônica com som
de /i/, na quinta a supressão da vogal /i/ após a consoante/g/, na sexta a mudança
70
de som do /o/ átono de palavras paroxítonas para /u/ e na última a ditongação de
palavras terminadas em /z/.
Ainda neste grupo palavras foram mostrados enunciados (E) aos
entrevistados para que os pronunciasse:
E1: O homem saiu da garagem.
E2: Ivete Sangalo vai cantar em Acajutiba.
E3: Eu pus o livro na mochila.
E4: Nós estamos aqui.
E5: A porta está torta.
E6: Eu não gosto de ameixa, mas gosto de caranguejo.
No E1 a proposta é analisar a pronúncia final das palavras terminadas em
dígrafos nasais /em/, ou seja o /m/ como marca de nasalização da vogal anterior e
não como consoante. Confirmar (ou não) se o travamento nasal foi suprimido. No
E2 observar e constatar se o /r/ pós vocálico em final de sílaba em infinitivos é
suprimido, independente da pronúncia, da escolaridade e da região é um traço
gradual; no E3 observar se o /o/ átono numa palavra paroxítona passa ao som de
/u/; no E4 observar a ditongação; no E5 observar a realização fonética do /r/. Se é
consoante posterior articulada na garganta ou consoante anterior articulada com
vibrações na ponta da língua ou ainda articulada com a língua dobrada para trás
(retroflexa/ o “r” caipira).
Estes mesmos enunciados foram propostos para os entrevistados que
possuíam o 9º ano do Fundamental (GT 02), contudo as imagens para pronunciar
as palavras se modificaram. Foram apresentadas as imagens de um garfo, da
calvície, de uma planície, de um dente com cárie. O objetivo foi detectar o
lambdacismo (troca do /r/ pelo /l/ em garfo) e a monotongação como traço gradual
nas palavras restantes ao compará-las com a pronúncia dos outros entrevistados.
GT 03: Os estudantes do 1ª, 2º e 3º anos tiveram que responder às
seguintes perguntas (P) ou realizar as seguintes atividades (A):
P1: Você já esteve diante de uma experiência de morte? Como foi?
A ideia é fazer surgir o contínuo de monitoração estilística e daí poder
emergir algumas situações a serem observadas pelos entrevistadores:
concordância não redundante (aquela em que apenas um elemento do sintagma
nominal e/ou verbal fica no plural, geralmente o determinante que acompanha o
71
substantivo, a realização do som do /s/ na posição pós-vocálica que pode soar
como consoante surda diante de outra consoante surda e soando como
consoante sonora diante de outra consoante sonora ou de uma vogal. Ou ainda
como chiante ou sibilante, a supressão do /r/ nos infinitivos (aférese), e a
pronúncia das vogais /e/ e /o/ em sílabas átonas antes ou depois de sílaba tônica
que são pronunciadas como /i/ e /u/ como sendo traços graduais.
P2: Se você precisasse sair neste exato momento para utilizar o banheiro,
como você me pediria para ir lá?
O objetivo é fazer o entrevistador perceber que o uso de algumas regências,
neste caso do verbo ir, é um traço gradual na língua portuguesa.22
A1: Os entrevistadores apresentaram cartolinas de algumas cores e
perguntaram aos entrevistados qual o nome da cor que estava sendo
apresentada. Foram apresentas pedaços de cartolina da cor amarela e vermelha
com o claro objetivo de se perceber dois processos fonológicos: metátese e
despalatalização como traço descontínuo ao comparar a pronúncia com falares
rurais.
A2: Apresentar um pedaço de cartolina com três palavras desordenadas
para que o entrevistado pudesse juntá-las e formar uma sentença, um enunciado
com sentido. Após isto fazer a seguinte pergunta ao entrevistado: Juntando as
palavras (bebedouro, eu, vou) que estão soltas na cartolina e colocando-as no
plural que sentença formaríamos? Mais uma vez a intenção clara de constatar se
o uso da regência do verbo ir sem a preposição é um traço gradual do português
brasileiro falado em Acajutiba.
GT 04: os estudantes entrevistadores tiveram que realizar sua entrevista
com três professores do próprio colégio: uma professora licenciada em História do
interior paulista que utiliza o famoso /r/ caipira (retroflexo) visto no vídeo de uma
das aulas na série “sotaques do Brasil”, uma professora da cidade licenciada em
Letras/Inglês que necessita usar este mesmo /r/ em palavras do inglês mesmo
22
Os alunos, embora não possuam o repertório teórico fonético-fonológico para realizar a entrevista seguindo os métodos de transcrição, anotaram em seus diários de bordo, à sua maneira, o que percebiam , tendo por base a orientação que dei na aula anterior à entrevista e, depois, com seus escritos informais relataram-me as respostas dos entrevistados. Foi quando eu lancei mão do conhecimento fonético fonológico de pesquisador para embasar teoricamente a tarefa deles. Como o objetivo maior desta atividade (para eles) não era a realização da transcrição, pois são alunos do Fundamental II e sim a observância à variação, tentei dentro das possibilidades analisar conforme os dados que a mim foram apresentados.
72
não o utilizando no português brasileiro, e uma professora da cidade de
Alagoinhas licenciada em Letras/Português que ensina português baseada na
gramática normativa e guiada pelo livro didático. Foram feitas duas perguntas (P)
e foi aplicada uma atividade (A) com este grupo de professoras, a saber:
P1: A senhora já esteve diante de uma experiência de morte ou já
presenciou uma morte ou já passou por algum procedimento cirúrgico sério que
provocou esta sensação? O objetivo desta pergunta é fazer surgir o estilo menos
monitorado.23
P2: Se a senhora estivesse neste momento numa entrevista de emprego
para a sua párea de formação, o que me diria para me convencer de que devo
contratá-la? O objetivo desta pergunta é fazer surgir um estilo mais monitorado.
A1: Foram apresentados alguns enunciados (E) às professoras para que as
mesmas (em separado) as pronunciasse:
E1: Nós estamos aqui!
E2: A porta está torta.
E3: Ivete Sangalo vai cantar na festa de Acajutiba.
E4: Eu não gosto de ameixa, mas gosto de caranguejo.
E5: The number of my car is four.
E6: What’s your name?
Os quarto primeiros enunciados têm o mesmo objetivo que foi aplicado ao
grupo 01, contudo os dois últimos servem para comprovar que enquanto o /r/
caipira é visto aqui no Brasil preconceituosamente como “grosseiro”, “feio” e
“coisa de jeca”, este mesmo /r/ é pronunciado quando pessoas querem falar a
língua inglesa, que é vista como “chique”, “bonita” e coisa de elite. Ou seja, é o
mesmo /r/ retroflexo pronunciado, mas fica claro que usamos dois pesos e duas
medidas na hora de observar os sons da língua e as variedades regionais.
GT 05: As perguntas e/ou atividades realizadas com os profissionais liberais
que são privilegiados economicamente e ocupam na pirâmide social um lugar
mais elevado foram feitas atividades voltadas não só para abordar o aspecto
fonológico, mas também para abordar o léxico. Foram apresentadas imagens
para que os profissionais as pronunciassem a fim de se observar a variação
geográfica no léxico: tangerina, aipim, pão francês; e a variação geográfica na
23
Este é um dos modelos de questão apresentados pelo NURC para realização de pesquisa com entrevista de cunho sociolinguista.
73
pronúncia: /s/ e /r/: Salvador, calor, porta, escada, casca. E a seguinte frase para
ser pronunciada: “Esqueci o isqueiro na esquina esquerda da escola”. As três
perguntas (P) feitas foram as seguintes:
P1: Se o sr/ a sra for chamar alguém para vir cá agora dando uma ordem, como
diria?
P1: Se o sr/ a sra não entender a minha pergunta, como construirá uma frase
para eu repeti-la?
P3: Vamos imaginar que o sr/ a sra quer me perguntar se vou à festa em sua
companhia, como perguntaria?
Nestas três perguntas o que está em jogo é o uso dos pronomes “Tu” e “Você” e
as formas verbais no imperativo de 2ª e 3ª pessoa.
GT 06: os três entrevistados da zona rural são parentes de cada um dos
entrevistados. E para eles foi mostrado a mesma atividade 1 do grupo 3 e a 1ª
atividade do grupo 01. Além delas foram apresentadas as seguintes imagens para
que os mesmos as pronunciasse: telha, bloco, ameixa, beijo, caranguejo, xícara. O
objetivo é fazer os entrevistados perceber se há (ou não) traços graduais na
pronúncia das palavras beijo, ameixa e caranguejo e se em xícara telha e bloco
realmente se constituem traços descontínuos da língua portuguesa falada no Brasil,
na cidade de Acajutiba. E para finalizar foram apresentadas duas frases (F) para que
os entrevistados a lessem de maneira rápida:
F1: Os meninos estavam comendo e falando ao mesmo tempo.
F2: As meninas fizeram as atividades e chegaram cedo a casa.
O que deve se observar nessas frases é se a concordância redundante está
presente na fala das pessoas da zona rural, constituindo assim um traço gradual da
língua portuguesa falada em Acajutiba.
4.2 Análise dos resultados obtidos
Foi durante a terceira unidade, entre os meses de setembro e outubro, que
organizamos as questões que fariam parte da entrevista e como a mesma seria
realizada. Após várias discussões em sala de aula, enfim, terminamos o roteiro,
aplicamos a entrevista como foi exposta acima detalhadamente e, por fim, chegou
a hora de analisar o material coletado. A análise, feita coletivamente com os
74
alunos em sala de aula, só foi possível por causa das aulas e discussões
anteriores à realização da entrevista, desenvolvidas nas sequências didáticas. Da
análise feita oralmente em sala de aula, tivemos os seguintes dados analisados:
GT 01: Optamos por exibir as imagens em vez das palavras, assim como
propõe a metodologia da dialectologia, a fim de não induzir os entrevistados a
uma pronúncia silabada, o que comprometeria a neutralidade da pesquisa
resposta.
Os três entrevistados pronunciaram as palavras: bicicleta e folha exatamente
como são escritas, ou seja, sem variação. Já na palavra peixe houve a
monotongação na fala de todos os entrevistados, segundo o grupo de alunos.
Todos palatizaram a palavra sandália; e com a palavra esmalte, os três
entrevistados transformaram o /e/ átono da primeira sílaba em /i/. No caso da
palavra relógio, os alunos-pesquisadores dizem ter ouvido apenas o estudante
em idade regular pronunciar o /i/ do ditongo; os outros dois monotongaram. Em
botão, todos transformaram o /o/ átono em /u/.
Os alunos entrevistadores foram orientados a pedir para os entrevistados
repetirem as palavras até três vezes, caso não permitissem de maneira alguma a
gravação.
Comparando este grupo com o grupo 06, composto por entrevistados
residentes na zona rural e que tiveram as mesmas ilustrações de palavras, houve
algumas alterações interessantes nas pronúncias. Em bicicleta, houve a troca do
/l/ pelo /r/ (rotacismo) em dois entrevistados. A palavra folha foi despalatizada na
pronúncia pelos mesmos dois entrevistados anteriores, exceto a tia. UM dado a
ser considerado é que a tia de um dos entrevistados frequentou a escola até a 8ª
série. Em peixe, todos monotongaram, sem exceção. Todos também palatizaram
a palavra sandália. Com esmalte ocorreu o mesmo do GT 01. Com a palavra
relógio apenas a tia pronunciou o /i/ do ditongo, segundo os entrevistadores. Em
botão e arroz ocorreu o mesmo do grupo 01.
Conclusão: A palavra peixe monotongada é um traço gradual nos falares de
Acajutiba tanto na sede quanto na zona rural, que também monotonga beijo e
ameixa. Assim também o é com a palavra sandália palatizada, esmalte com som
75
inicial de /i/, botão com o /o / átono pronunciado com som de /u/ e a palavra arroz
ditongada. Contudo é traço descontínuo as seguintes palavras: bicicleta, folha,
bloco, telha.
Comparando o GT 06 (pessoas da zona rural) com o GT 03 (estudantes do
Ensino Médio), que tiveram uma mesma atividade (a da cartolina em cores),
confirmamos que nas palavras amarela e vermelha houve a metátese e a
despalatalização, respectivamente, no grupo 06, constituindo assim um traço
descontínuo, já que os alunos entrevistados, (1º, 2º e 3º anos) pronunciaram as
palavras como elas são escritas, sem variação.
Na segunda atividade do GT 01 (pessoas que possuem a 4ª série do
Fundamental) comparada com a Atividade 01 do GT 04, chegamos às seguintes
conclusões:
a) No enunciado “Nós estamos aqui”, apenas a professora (paulista) de
História não ditongou o “nós”;
b) No enunciado “A porta está torta”, apenas a professora de História
(paulista) pronunciou o /r/ retroflexo;
c) No enunciado “Ivete Sangalo irá cantar na festa de Acajutiba”, todos
suprimiram o /r/ final do verbo cantar, mas o /e/ da preposição “de” foi
pronunciado fechado apenas pela professora de História;
d) No enunciado “Eu não gosto de ameixa”, o ditongo de ameixa foi
pronunciado pelos professores talvez pelo fato de estarem numa situação
que exigia um estilo mais monitorado.
Quanto ao enunciado “Eu pus o livro na mochila” (presente no GT 01) e “O
homem saiu da garagem”, a palavra mochila foi pronunciada com /o/ fechado
pela professora (paulista) de História e com som de /u/ pelas demais. Homem e
garagem forma pronunciadas pelas professoras com a nasalização final, talvez
por estarem fazendo uso de um estilo mais monitorado. Pelos demais (alunos do
5º e do 9º ano) houve supressão do “m” final.
Com relação às frases em inglês, do GT 04, ficou claro para a turma que o
/r/ “caipira” da professora de História estava presente nas palavras do inglês
76
pronunciadas tanto pela professora de inglês quanto pela professora de
português.
No GT 02 a palavra garfo foi pronunciada com o /r/ vibrante e não houve
troca do /l/; já em calvície, planície e cárie, o /e/ final não foi pronunciado.
No GT 03 (estudantes de Ensino Médio) a pergunta 01 não pode ser bem
avaliada porque não foi gravada. Assim como a pergunta 01 do grupo 04. A
pergunta 02 foi respondida; apenas um entrevistado construiu a frase de acordo
com o que prescreve a gramática normativa, ou seja: “Com licença, posso ir ao
banheiro?” com a regência do verbo ir acompanhado da preposição “a”. Os
demais utilizaram: “Posso ir no banheiro?”
Na atividade 02, ainda do GT 03, os entrevistados formaram sentenças
com as palavras “bebedouro”, “vou”, “eu”. Surgiram três construções distintas:
a) No bebedouro eu vou;
b) Eu vou no bebedouro;
c) Eu vou ao bebedouro (o mesmo aluno que também falou: Ir ao
banheiro).
A P02 do GT 04, as professoras construíram sentenças organizadas
gramaticalmente em virtude da pergunta exigir um estilo mais monitorado. Eis as
respostas das três professoras:
a) “Boa tarde! sou professora licenciada em História e possuo
especialização em História Política. Sou uma pessoa organizada e
pontual, gosto de lecionar e estou apta a ministrar aulas neste
estabelecimento de Ensino”.
b) “Sou professora de Inglês e gosto do que faço. Estou disposta a dar o
melhor de mim para que os alunos aprendam uma língua estrangeira”.
c) “Coloco-me à disposição desta escola o meu currículo para avaliação e
adianto para a sra que tenho experiência e formação para preencher a
vaga que estão oferecendo. Obrigada pela atenção”.
77
No GT 05 havia uma gaúcha e dois baianos da capital (sendo que um
desses morou em São Paulo). Quando as imagens foram apresentadas, os dois
baianos denominaram a primeira imagem como tangerina, e a gaúcha como
bergamota, mas esta afirmou saber que a fruta também se chamava tangerina. A
imagem do aipim foi chamada assim pelos três, mas o que morou em São Paulo
afirmou que lá se chama mandioca. E a imagem do pão foi chamada de
“cacetinho” pela dentista gaúcha; pelo baiano que morou em São Paulo foi
chamada de pãozinho, mas pelo outro baiano foi chamada de “pão francês”.
Ainda no GT 05, as palavras “Salvador” e “calor” foram pronunciadas
pelos baianos com a supressão do /r/ final e pela gaúcha o/r/ foi pronunciado sem
muita vibração (fraco), segundo os entrevistadores. As palavras “escada” e
“casca” foram pronunciadas com um /s/ um pouco chiado (menos que o chiado
do carioca) pelos baianos e pela gaúcha não houve pronúncia chiada do “s”. Com
relação à frase: “Esqueci o isqueiro na esquina esquerda da escola”, isso ficou
mais claro, segundo eles.
A palavra “porta” foi pronunciada pelos baianos com um /r/ suave (gutural)
e pela gaúcha saiu um som com a ponta da língua vibrando. As três perguntas
foram assim respondidas:
P 01 foi respondida pelos baianos: venha cá
P 01 foi respondida pela gaúcha: vem cá.
P 02 foi respondida pelos baianos: repita.
P 02 foi respondida pela gaúcha: repete.
P 03 foi respondida pelo 1º baiano: Você vai à festa comigo?
P 03 foi respondida pelo 2º baiano: Você vai comigo pra festa?
P 03 foi respondida pela gaúcha: Tu vai à festa comigo?
Aproveitei a oportunidade para explicar aos alunos o uso do imperativo e o
uso das pessoas “tu” e você”
As frases dos entrevistados pelo GT 06 (os meninos estavam comendo e
falando ao mesmo tempo/ As meninas fizeram as atividades e chegaram cedo a
casa) foram pronunciadas. O 1º não sabia ler (o avô), a mãe demorou para ler a
78
sentença, mas falou lentamente cada palavra e, fazendo uso do estilo mais
monitorado, fez a concordância nominal, contudo pronunciou o gerúndio dos dois
verbos (comendo e falando) sem a consoante /d/. A tia também fez a
concordância e, ao contrário da mãe, pronunciou o /d/ dos verbos no gerúndio.
As aulas com explicações teóricas agora faziam sentido, pois partíamos da
realidade local para analisar a língua portuguesa falada. Muitas perguntas foram
feitas pelos alunos, muitas dúvidas iam sendo expostas e eu ia, aos poucos, por
meio da teoria estudada fazendo um elo com os exemplos que eles mesmos
trouxeram das entrevistas.
Os alunos revelaram, por meio de seus comentários, que as pessoas falam
diferente daquilo que se ensina na escola, referindo-se à gramática normativa. E
lançaram o questionamento chave de toda discussão: Por que se ensina tanta
regra gramatical se na prática as pessoas não as usam? Pergunta esta que não
ficou sem resposta e que veio por meio de algumas provocações minha: Vocês
acham que a escrita é o espelho da fala? Vocês acham que existe uma única
forma de se falar determinada coisa? Nós falamos sempre a mesma língua em
todas as situações? Mas se não houvesse uma normatização, critérios e uma
convenção escrita como avaliar um texto feito por pessoas que submetem a um
vestibular, por exemplo?
O que me deixou mais satisfeito não foram meus questionamentos, mas
uma frase que saiu do meio deles e que para mim valeu todo o trabalho. Eis que
uma aluna diz: “Não existe nada errado com a língua, tudo depende, então do
contexto, porque o importante é comunicar e entender”. E eu aproveitei para
complementar: Não só comunicar, mas também interagir, pois os interlocutores
trocam de papel constantemente.
As aulas que se seguiram a este trabalho ainda guardavam resquícios de
toda discussão e intervenção realizada. O assunto parecia não querer calar a voz
deles e nem acabar a discussão. Chegamos a novembro e outros conteúdos
tinham que ser abordados em sala de aula, pois as provas da quarta unidade
estavam muito próximas, mas volta e meia aparecia uma frase, um comentário
entre eles, dentro da sala de aula, demonstrando para mim que o trabalho não foi
79
em vão e que aquela experiência ficou gravada na vida deles, inclusive em
mudança de comportamento.
Para ilustrar essa mudança de comportamento, não me furto ao direito de
ilustrar uma situação emblemática em que eles me provaram que estavam
atentos ao que os colegas falavam em sala de aula, a partir agora mais
criticamente, e podiam relacionar com o que foi estudado. Num momento
qualquer da aula em que eu estava a escrever algo, um aluno solta
espontaneamente a palavra bloco trocando o “l” pelo “r”, num exemplo claro de
rotacismo, e entre eles surge um colega que ri e repete a palavra em tom irônico
de reprovação e nem precisou que eu fizesse a intervenção em favor do aluno,
pois os outros colegas quase em unanimidade, mesmo sendo numa celeuma
total, trataram logo de explicar que aquela palavra também estava correta. Outro
complementou que estaria certa se tivesse num determinado lugar: a casa dele.
Outro ainda disse que aquilo era preconceito linguístico e que cada um falava do
jeito que sabia e podia e se dirigiu a mim, inquirindo: “não é, professor?”
Diante disso, acredito que os alunos estavam preparados não só para se
defender quando fossem vítimas de preconceito linguístico com uma explicação
lacônica, mas muito mais do que isto: estavam preparados para não praticarem o
preconceito linguístico tampouco em permitir que o fizessem. Se isso realmente
acontecerá não sei dizer, mas estou otimista em acreditar que é bastante possível
que sim.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de construção do conhecimento nos propicia muitas
descobertas, faz-nos rever conceitos e reelaborá-los constantemente. A atividade
de pesquisador é um exercício de construção, desconstrução e reconstrução do
saber, que é algo inerente à própria condição de um professor-pesquisador em
formação. A pesquisa foi duplamente vital neste trabalho, pois ao mesmo tempo
em que eu pesquisava e me propiciava rever minha prática e criar um material
alternativo e complementar ao livro didático para minha atuação em sala de aula,
também proporcionava ao aluno, por meio do gênero entrevista, o
80
desenvolvimento de várias habilidades como, por exemplo, torná-lo pesquisador e
sujeito do processo de aprendizagem, pois assim ele assume a condição de
interlocutor, com autoria e poder de participação. Quando uma atividade em sala
de aula promove que o aluno seja pesquisador, está-se promovendo também
nesta atividade uma reflexão sobre a língua, e o aluno além de estar num
processo investigativo, desenvolve o senso reflexivo e crítico.
Este trabalho foi triplamente significativo para minha atuação em sala de
aula e de importância crucial para redimensionar a minha prática, porque pude
rever alguns conceitos decisivos que norteiam uma prática inovadora em sala de
aula no ensino de língua materna: pude assim rever minha concepção de língua e
linguagem como prática social, interativa e de construção de sentidos e relacioná-
las com o que eu estava a fazer em minha sala de aula, revi também minha visão
de texto e o percebi doravante como unidade de sentido ou unidade de interação
e pude ainda aprofundar a noção de gênero textual, hoje visto por mim como
forma de ação social, assim como propõe Marcuschi (2008), e não como
conteúdo formal desvinculado de práticas sociais.
Desta forma, defendo que o trabalho com língua materna deva partir dos
gêneros textuais – assim como defende Antunes (2009), visto que a língua se
manifesta em nossa sociedade por meio deles e assim, em contato com eles, os
alunos poderão desenvolver melhor sua competência linguística e comunicativa.
A linguagem existe para promover a interação e essas coisas acontecem em
forma de textos, sejam eles orais ou escritos, mediados entre os interlocutores.
Concordo ainda com Silva (2004) quando propõe o trabalho com a oralidade (e
com a escuta) como sendo primordial nas escolas e o ponto de partida para o
estudo de língua materna, pois assim o aluno se sentirá seguro para entender que
sabe usar a sua língua. O procedimento de sequência didática está dentro de
uma perspectiva textual, visto que elas visam ao aperfeiçoamento das práticas de
escrita e de produção oral.
Com relação à competência linguística e comunicativa, para mim ficou
claro que, de acordo com novos estudos da Linguística, a segunda é mais
abrangente, pois reformula o conceito da primeira e o amplia, considerando a
variação linguística e incluindo o conceito de adequação nas interações verbais.
81
Acredito que o curso em si tenha cumprido o seu papel de possibilitar uma
relação mais sistemática da teoria com a prática. Diferentemente do mestrado
acadêmico, este mestrado profissional teve como premissa a aplicação, na escola
da rede pública, de teorias estudadas, por meio de um projeto de intervenção, ou
seja, a pesquisa foi algo pragmático; teve aplicação prática e concomitante ao
estudo das teorias desenvolvidas e abordadas no decorrer do curso.
Outra observação que é imprescindível registrar nesta pesquisa é com
relação à importância do NURC, como Projeto pioneiro desde a década de
setenta (1970) como referência para qualquer trabalho que venha se fazer nesta
área da Linguística. É sem dúvida um corpus básico para qualquer publicação
que venha tratar da relação entre língua e sociedade e sua variação. Para mim,
houve a confirmação da importância da metodologia, atentando-se para os
aspectos já longamente observados e testados pelos pesquisadores do projeto e
que garantem sua seriedade e eficácia, principalmente em relação aos tipos e
objetivos de cada questionário.
No que tange à questão das variedades linguísticas, uma coisa, talvez, seja
definitiva (embora nada o seja em nenhuma pesquisa): a língua muda sempre,
pois a única coisa imutável é a própria mudança. A variação e a mudança não são
um “problema” e sim algo natural que faz parte da natureza de qualquer língua e
se modificam ao longo do tempo como tudo na nossa cultura e na sociedade e,
por meio da atividade de pesquisa em sala de aula, o aluno passa a refletir sobre
isso de maneira mais clara do que simplesmente por meio da prática tradicional
de exposição teórica sobre ela. Mas o professor saber isto e dizer ao aluno não
basta; é preciso viver situações de uso real da fala para perceber e refletir os usos
da língua. E numa atividade de pesquisa por meio do gênero entrevista feita pelos
alunos e orientada pelo professor devidamente preparado e com sequências
didáticas previamente elaboradas, o trabalho ganha forma e logra êxito.
Com a abordagem dos traços linguísticos graduais e descontínuos foi
possível refletir com os alunos sobre alguns processos fonológicos e variações
semânticas que ocorrem com a língua portuguesa falada em nosso país, mesmo
o Brasil tendo “uma língua” apenas como oficial. Por meio da atividade de
pesquisa realizada pelos alunos foram trazidas questões de uso real da fala da
82
comunidade linguística da qual fazemos parte para percebermos que mesmo
sendo falantes de uma mesma língua, ela se modifica quando falada por seus
diversos usuários em função de vários fatores e que isso não se constitui num
erro ou problema, mas que faz parte do dinamismo que é inerente a ela.
Além disso, foi salutar a percepção de que independente de escolaridade
ou origem social, algumas apalavras são pronunciadas igualmente por todos os
falantes de nossa língua e a discussão foi proveitosa quando girou em torno da
questão: quando é uma pessoa sem escolaridade que fala tal palavra é vista
como ignorante e quando é uma pessoa que possui alta escolaridade nem é
percebida a variação. E o mais importante disso tudo foi perceber que nós
mesmos não falamos de uma forma o tempo todo; modificamos nossa maneira de
falar de acordo com a situação na qual estamos inseridos e em função do
interlocutor, dentre outros fatores. E isto pôde ser percebido pelos alunos porque
viveram uma situação diferente da que ocorre na sala de aula, ou seja, houve um
preparo para uma situação formal de entrevista, mas foi percebido também que
mesmo dentro desta situação a linguagem variou em função dos entrevistados.
Obviamente este material não está completo tampouco acabado nem
aborda todas as questões pertinentes ao tema e também não pretende apresentar
uma fórmula para se trabalhar a questão da variedade linguística em sala de aula.
É apenas uma proposta. Acredito que há muitas lacunas, assim como há muito
ainda o que se acrescentar, melhorar, ampliar, adaptar, mas sem dúvida já é um
caminho de uso e ensino/aprendizagem da língua em sala de aula dentro de uma
perspectiva sociolinguística. Uma possibilidade de trabalho que se apresenta com
um olhar contemporâneo com pressupostos teóricos recentes e que pode servir
de apoio e sugestão de trabalho para os professores de língua portuguesa da
educação básica.
Enfim, quando parece que se chegou ao fim, percebo que agora é que se
inicia uma nova caminhada. O trabalho final é o ponto de partida para uma nova
postura, uma nova maneira de encarar o ensino/aprendizagem da língua
portuguesa plural falada no Brasil para que, desta forma, os alunos se tornem, por
meio da palavra, cidadãos capazes de perceber o poder que se pode ter quando
se assume a palavra na interação com os outros e quando se tem consciência de
83
sua língua e do que ela é capaz de fazer, consciência de que existem várias
formas diferentes de se usar a língua falada por eles e cada uma é adequada a
uma situação de comunicação específica.
Mas existe uma pergunta que não quer calar: E em termos práticos qual o
resultado deste trabalho de intervenção, como esta atividade de pesquisa
impactou no comportamento (e na aprendizagem) dos alunos? Será que as
informações se transformaram em conhecimento? Logo após as discussões em
torno da entrevista realizada, vieram as provas de fim do ano e o recesso, mas no
pequeno intervalo de contato com eles que ainda restou pude perceber (e quero
acreditar que isso seja um reflexo do trabalho) por meio do contato informal nos
corredores, nas brincadeiras feitas por eles, que algo tinha ficado, principalmente
quando repetiam um bordão que ficou durante algumas semanas durante a
realização da entrevista e antes do encerramento do ano letivo: “tudo depende do
contexto, não é professor?” E eu respondia afirmativamente com um simples
sorriso, complementando: O contexto é tudo!
84
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TRAVAGLIA, L. C. Concepções de linguagem. In: Gramática e interação: uma
proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1996.
87
APÊNDICE
88
APÊNDICE A – Modelo de Questionário
UFBA: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA.
ILUFBA: INSTITUTO DE LETRAS DA UFBA.
PPGLINC: PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇAO EM LÍNGUA E CULTURA.
MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS - PROFLETRAS
PESQUISADOR: FABRÍCIO PIMENTA.
ORIENTADORA: PROF. DRA. ALVANITA ALMEIDA SANTOS
LOCAL PESQUISADO: COLÉGIO ESTADUAL ANTÔNIO DA COSTA BRITO
SÉRIE: 1º ANO
PROJETO: Uma proposta de Sequência Didática para trabalhar as Variedades Linguísticas em sala de aula.
QUESTIONÁRIO
Prezado (a) aluno (a),
A finalidade deste questionário é obter informações sobre o seu desempenho
como falante de língua portuguesa, dentro e fora da escola, e sobre a sua relação com as
variedades linguísticas de nosso idioma. Essas informações serão de fundamental
importância para a pesquisa que estou desenvolvendo no Mestrado Profissional em Letras,
na Universidade Federal da Bahia, com o objetivo de melhorar o ensino de Língua
Portuguesa nesta Unidade Escolar.
Peço que responda com sinceridade as questões, a fim de que os dados
permitam ter uma visão clara da realidade. Agradeço a sua colaboração.
NOME:___________________________________________________________________
SÉRIE: ___________________________________________________________________
DATA DE NASCIMENTO:______________________________________________________
NATURALIDADE:____________________________________________________________
1.Você gosta da matéria Língua Portuguesa? Justifique.
89
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
2.Você gosta mais de ler, escrever ou falar?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
3.As aulas de língua portuguesa e as atividades desenvolvidas nela são
interessantes/atraentes? Explique.
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
4. Como são suas aulas de Português? Descreva-as.
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
5. Você é estimulado a falar nas aulas de língua portuguesa?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
6. Você costuma participar das aulas emitindo a sua opinião?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
7. Você acha que fala bem a sua língua? Por quê?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
8. Para você, o que é falar bem?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
90
9. Para você, existe uma forma correta de falar? Se sim, qual?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
10. Em sua opinião qual é o objetivo da escola em ensinar a língua que você já fala?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
11. Você acha que, no Brasil, as pessoas falam sempre do mesmo jeito? Consegue
perceber alguma diferença? Quais?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
12. Você acha que as aulas de língua portuguesa ensinam o que você gostaria de
aprender?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
13. As aulas de língua portuguesa priorizam o ensino de gramática ou discussões e
reflexões sobre o uso da língua em seus diversos contextos?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
14. As aulas de língua portuguesa consideram as variedades linguísticas ou apenas se
restringe ao ensino da gramática e da norma padrão?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
15. Nas aulas de LP, o professor relaciona os conteúdos com situações do
cotidiano?Explique.
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
16. Você já sofreu algum tipo de discriminação por causa da maneira como você fala?
91
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
17. Você acredita que escreve bem?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
18. Em sua opinião o que é escrever bem?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
19. Você acha que usa melhor o português quando fala ou quando escreve?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
20. Você acredita que escrever é a mesma coisa que falar?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
21. Você acha que devemos falar como a gente escreve? Ou escrever como a gente fala?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
22. Para você, é preciso saber gramática para falar e escrever bem?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
23. Você acha que as pessoas sem instrução falam tudo errado e não sabem falar
português?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
24. Que sugestões de textos e/ou assuntos você daria para serem trabalhados na escola,
nas aulas de Língua Portuguesa?
92
_________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
25. O que você costuma fazer em seu tempo livre para se distrair?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
26. Você tem acesso ao computador e à internet? Que tipos de atividades você realiza por
meio deles?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
27. Acessa e/ou usa sites, e-mail, MSN, facebook, blogs, YOUTUBE? Com que frequência e
que tipos de atividades de leitura realiza por meio deles?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
28. O que você gostaria de aprender nas aulas de Língua Portuguesa que não aprendeu
ainda?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
29. O que você já aprendeu este ano nas aulas de Língua Portuguesa que não sabia ainda?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
30. Fora da escola você usa a mesma língua ou usa uma língua diferente? Explique.
93
APÊNDICE B – SELEÇÃO DE ALGUNS QUESTIONÁRIOS RESPONDIDOS PELOS ALUNOS.
94
95
96
97
APÊNDICE C – ALGUMAS PRODUÇÕES DE ALUNOS SOBRE O VÍDEO
“SOTAQUES DO BRASIL”.
Recorte de textos de alunos: Arquivo pessoal do pesquisador
98
Texto de aluno: Arquivo pessoal do pesquisador.
99
Texto de aluno: Arquivo pessoal do pesquisador.
100
ANEXOS
101
ANEXO A – CAPÍTULO 17 DO LIVRO “SER PROTAGONISTA”.
102
103
ANEXO B – TEXTO “FAX DO NIRSO”
O FAX DO NIRSO
Autor desconhecido
O gerente de vendas recebeu o seguinte fax de um dos seus novos vendedores:
'Seo Gomis o criente de Belzonte pidiu mais cuatrucenta pessa. Faz favor toma as providenssa, Abrasso, Nirso.'
Aproximadamente uma hora depois, recebeu outro:
'Seo Gomis, os relatório di venda vai xega atrazado proqueto fexando umas venda. Temo que manda treis miu pessa. 'Amanhã tô xegando. Abrasso, Nirso. '
No dia seguinte:
'Seo Gomis, num xeguei pucausa de que vendi maiz deis miu em Beraba. To indo pra Brazilha. Abrasso, Nirso.'
No outro:
'Seo Gomis, Brazilha fexo 20 miu. Vo pra Frolinoplis e delá pra Sum Paulo no vinhão das cete hora. Abrasso, Nirso'.
E assim foi o mês inteiro.
O gerente, muito preocupado com a imagem da empresa, levou ao presidente as mensagens que recebeu do vendedor.
O presidente escutou atentamente o gerente e disse:
'Deixa comigo, que eu tomarei as providências necessárias'.
E tomou.
Redigiu de próprio punho um aviso e fixou no mural da empresa, juntamente com as mensagens de fax do vendedor:
'A parti de oje nois tudo vamo fazê feito o Nirso. Si priocupá menos em iscrevê serto, mod vendê maiz.
Acinado,
O Prizidenti.'
104
ANEXO C – DITOS POPULARES EM EMOTIONS.
105
ANEXO D – TEXTO “NÓIS MUDEMO” e QUESTÕES PARA INTERPRETAÇÃO.
COLÉGIO ESTADUAL ANTÔNIO DA COSTA BRITO.
ATIVIDADE DE PESQUISA.
CONTEÚDO: VARIAÇÃO LINGUÍSTICA.
PROFESSOR: FABRÍCIO PIMENTA.
DATA: _______________________
ESTUDANTE:____________________________________
“NOIS MUDEMO”
O ônibus da transbrasiliana deslizava pela Belém-Brasília rumo a Porto
Nacional. Era abril, mês das derradeiras chuvas. No céu, uma luazona enorme
pra namorado nenhum botar defeito. Sob o luar generoso, o cerrado verdejante
era um presépio, todo poesia e misticismo. Mas minha alma estava
profundamente amargurada. O encontro daquela tarde, a visão daquele jovem
marcado pelo sofrimento, precocemente envelhecido, a crua recordação de um
episódio que parecia tão banal. Meus olhos percorriam a paisagem enluarada,
mas ela nada mais era para mim que o pano de fundo de um drama estúpido e
trágico
As aulas tinham começado numa segunda-feira. Escola de perife-
ria, classes heterogêneas, retardatários. Entre eles, uma criança crescida, quase
um rapaz.
- Por que você faltou esses dias todos?
- É que nóis mudemo onti, fessora. Nóis veio da fazenda.
Risadinhas da turma.
- Não se diz "nóis mudemo" menino! A gente deve dizer: nós mudamos, tá?
- Tá fessora!
106
- No recreio, as chacotas dos colegas: Oi, nóis mudemo! Até amanhã, nóis
mudemo!
No dia seguinte, a mesma coisa: risadinhas, cochichos, gozações.
-Pai, não vô mais pra escola.
-Oxente! Módi quê?
Ouvida a história, o pai coçou a cabeça e disse:
- Meu fio, num deixa a escola por uma bobagem dessa. Não liga pras gozações
da mininada! Logo eles esquece.
Não esqueceram.
Na quarta-feira, dei pela falta do menino. Ele não apareceu no resto da
semana, nem na segunda-feira seguinte. Aí me dei conta de que eu nem sabia o
nome dele. Procurei no diário de classe e soube que se chamava Lúcio - Lúcio
Rodrigues Barbosa. Achei o endereço. Longe, um dos últimos casebres do bairro.
Fui lá , uma tarde . O rapazola tinha partido no dia anterior para casa de
um tio, no sul do Pará.
- É, professora, meu fio não aguentou as gozações da mininada. Eu tentei fazê
ele continuá, mas não teve jeito. Ele tava chatiado demais. Bosta de vida! Eu
devia di tê ficado na fazenda coa famia. Na cidade nóis não tem veis. Nóis fala
tudo errado.
Inexperiente, confusa, sem saber o que dizer, engoli em seco e me despedi .O
episódio ocorrera há dezessete anos e tinha caído em total esquecimento , ao
menos de minha parte .
Uma tarde, num povoado à beira da Belém-Brasília, eu ia pegar o ônibus,
quando alguém me chamou. Olhei e vi, acenando para mim, um rapaz
pobremente vestido, magro, com aparência doentia.
- O que é, moço?
- A senhora não se lembra de mim , fessora ?
107
Olhei para ele, dei tratos à bola. Reconstituí num momento meus longos
anos de sacerdócio, digo de magistério. Tudo escuro.
- Não me lembro não , moço . Você me conhece? De onde? Foi meu aluno?
Como se chama?
Para tantas perguntas, uma resposta lacônica:
- Eu sou “Nóis Mudemo”, lembra?
Comecei a tremer.
- Sim, moço. Agora lembro. Como era mesmo seu nome?
- Lúcio - Lúcio Rodrigues Barbosa.
- O que aconteceu? Ah! fessora ! É mais fácil dizê o que não aconteceu. Comi
o pão que o diabo amassô. E êta diabo bom de padaria! Fui garimpeiro, fui bóia-
fria, um "gato" me arrecadou e levou num caminhão pruma fazenda no meio da
mata . Lá trabaiei como escravo, passei fome, fui baleado quando consegui fugi.
Peguei fugi. Peguei tudo quanto é doença. Até na cadeia já fui pará . Nóis
ignorante às véis fais coisa sem querê fazê. A escola fais uma farta danada. Eu
não devia de tê saído daquele jeito, fessora, mas não aguentei as gozações da
turma. Eu vi logo que nunca ia consegui falá direito. Ainda hoje não sei.
- Meu Deus!
Aquela revelação me virou do avesso. Foi demais para mim.
Descontrolada, comecei a soluçar convulsivamente. Como eu podia ter sido tão
burra e má? E abracei o rapaz, que me olhava atarantado.
O ônibus buzinou com insistência. O rapaz afastou-me de si suavemente.
- Chora não, fessora! A senhora não tem curpa .
- Como? Eu não tenho culpa? Deus do céu!
Entrei no ônibus apinhado. Cem olhos eram flechas vingadoras apontadas
para mim. O ônibus partiu. Pensei na minha sala de aula. Eu era uma assassina a
caminho da guilhotina.
108
Hoje tenho raiva da gramática. Eu mudo, tu mudas, ele muda , nós
mudamos , mudamos, mudaamoos, mudaaamooos... Super usada, mal usada,
abusada, ela é uma guilhotina dentro da escola. A gramática faz gato e sapato da
língua materna - a língua que a criança aprendeu com seus pais e irmãos e
colegas - e se torna o terror dos alunos. Em vez de estimular e fazer crescer,
comunicando, ela reprime e opri-
me, cobrando centenas de regrinhas estúpidas para aquela idade.
E os Lúcios da vida, os milhares de Lúcios da periferia e do interior,
barrados nas salas de aula: "Não é assim que se diz, menino!" Como se o
professor quisesse dizer : "Você está errado ! Os seus pais estão errados ! Seus
irmãos e amigos estão errados ! A certa sou eu ! Imite-me ! Copie-me ! Fale como
eu ! Você não seja você ! Renegue suas raízes ! Diminua-se ! Desfigure-se !
Fique no seu lugar ! Seja uma sombra !"
E siga desarmado para o matadouro da vida...
Fidêncio Bogo
INTERPRETAÇÃO DE TEXTO
A norma padrão é o conceito tradicional, idealizado pelos gramáticos, aos quais a
tratam como modelo enquanto a linguagem popular é alvo de preconceitos. Como
disse a professora, todos os dias milhares de “Lúcios” são barrados nas salas de
aulas. O texto nós mudemos nos faz refletir sobre nossas atitudes quanto ao falar
popular. A seguir temos algumas situações de reflexão.
1.“Não se diz “nóis mudemo”, menino! A gente deve dizer; nós mudamos, tá?”
Essa foi atitude tomada pela professora diante da fala de Lucio e que
comprometeu seu futuro, uma vez que isso ajudou o garoto a desistir da escola.
Em relação a essa atitude e com base nos assuntos discutidos em sala de
aula julguem as afirmativas a seguir e assinale a mais adequada.
a) A professora agiu corretamente, pois não deveria deixar o Lúcio falar errado.
b) Lucio agiu errado, além de não aceitar a professora lhe corrigir ainda
abandonou a escola.
109
c) Lucio foi ignorante, preferiu continuar falando errado que aceitar a ajuda da
professora.
d) Lúcio é apenas uma vítima da situação e a professora não deveria ter agido
daquela forma.
e) Os alunos foram os responsáveis pela saída de Lúcio, deveriam receber
punição por isso.
2. Em relação à atitude da professora...
a) Ela agiu corretamente, pois tinha o dever de ensinar Lúcio a falar o português
correto.
b) Deveria ter castigado os demais alunos que abusavam do Lúcio, pois eles
foram covardes.
c) Não agiu corretamente, se quisesse chamar a atenção do garoto deveria ser de
outra forma.
d) Apenas cumpriu com seu papel de professora Lúcio é que foi ignorante.
3. Na sua opinião, qual seria a melhor atitude a ser tomada pela professora?
4. “Bosta de vida! Na cidade nós não tem ‘veis’. Nós fala tudo errado”.
Essa foi uma afirmação do pai do garoto quando a professora foi procurar pelo
menino. A partir das questões abaixo julguem a mais adequada. É verídica a
afirmação do pai de Lucio que quem mora na roça fala errado? Comente.
5. “Eu era uma assassina a caminho da guilhotina. Hoje tenho raiva da
gramática. Eu mudo, tu mudas, ele mudo, nós mudamos, mudamos,
mudaaamoos, mudaaamooos..., Super usada, mal usada, abusada, (......) em
vez de estimular e fazer crescer, comunicando, ela reprime e oprime,
cobrando centenas de regrinhas estúpidas para aquela idade.”
Essa é a fala da professora de Lucio quanto deparou com o rapaz naquela
situação. O que fez mudar de comportamento em relação ao ensino da
gramática?
6. “Eu mudo, tu mudas, ele mudo”. Essa foi uma conclusão da professora
em relação ao ensino da gramática normativa. Através da fala da professora
podemos inferir que:
a) a professora não acredita mais em um ensino focado apenas da gramática
normativa.
110
b) a gramática normativa condena a norma popular e dessa forma pessoas como
Lúcio com medo de sofrer preconceitos podem evitar dar opiniões para não serem
alvos de chacotas.
c) a professora condena a forma que a gramática normativa trata o ensino da
Língua Portuguesa.
d) a professora não dá importância ao ensino da Língua Portuguesa baseado em
normas gramaticais.
e) todas as alternativas estão corretas.
7. A partir das informações abaixo, marque a(s) alternativa(s) correta(s)
I) O uso de uma língua varia de época para época, de região para região, de
classe social para classe social, e assim por diante.
II) Dependendo da situação, uma mesma pessoa pode usar diferentes variedades
de uma só forma da língua.
III) Fatores como, região, faixa etária, classe social e profissão são os
responsáveis pela variação da língua.
IV) A língua não é usada de modo homogêneo por todos os seus falantes.
V) O indivíduo graduado fala somente o linguajar culto enquanto o indivíduo
analfabeto fala somente o dialeto popular.
VI) Fatores como região, faixa etária, classe social e profissão, são
responsáveis pela variação da língua;
VII) O que determina a escolha de uma ou de outra variedade linguística é a
situação concreta de comunicação.
VIII) O uso das vogais abertas em algumas regiões do Nordeste como ménino em
vez de menino – quérida em vez de querida e o s chiado carioca e o s sibilado
mineiro são exemplos de variações regionais.
a) Todas as afirmativas são verdadeiras
b) Somente as afirmativas I – III – IV e VIII são verdadeiras.
c) Nenhuma alternativa é verdadeira.
d) Somente a alternativa V é falsa.
e) Não há alternativa falsa.
111
ANEXO E - TEXTOS LITERÁRIOS TRABALHADOS.
TEXTO 1: “AULA DE PORTUGUÊS
A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.
A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, esquipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, sequestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério. Carlos Drummond de Andrade
TEXTO 2: ERRO DE PORTUGUÊS
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
112
O português. Oswald de Andrade
TEXTO 3: PRONOMINAIS
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro. Oswald de Andrade
TEXTO 4: EVOCAÇÃO DO RECIFE
[…] Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
113
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada. Manuel Bandeira
TEXTO 5: U PURTUGUÊIS
"Português é fácil de aprender porque é uma língua que se escreve exatamente como se fala."
Pois é. U purtuguêis é muinto fáciu di aprender, purqui é uma língua qui a genti iscrevi ixatamenti cumu si fala. Num é cumu inglêis qui dá até vontadi di ri quandu a genti discobri cumu é qui si iscrevi algumas palavras. Im purtuguêis não. É só prestátenção. U alemão pur exemplu. Qué coisa mais doida? Num bate nada cum nada. Até nu espanhol qui é parecidu, si iscrevi muinto diferenti. Qui bom qui a minha língua é u purtuguêis. Quem soubé falá sabi iscrevê. Jô Soares
O texto acima é um comentário do humorista Jô Soares, para a revista Veja. Ele
brinca com a diferença entre o português falado e escrito. Na verdade, em todas
as línguas, as pessoas falam de um jeito e escrevem de outro. A fala e a escrita
são duas modalidades diferentes da língua e é com esse fato que o Jô brincou.
Na língua escrita há mais exigências, em relação às regras da gramática
normativa. Isso acontece porque, ao falar, as pessoas podem ainda recorrer a
outros recursos para que a comunicação ocorra - pode-se pedir que se repita o
que foi dito, há os gestos, etc. Já na linguagem escrita, a interação é mais
complicada, o que torna necessário assegurar que o texto escrito dê conta da
comunicação.
A escrita não reflete a fala individual de ninguém e de nenhum grupo social. Por
essa razão, a fala e a escrita exigem conhecimentos diferentes. A maioria de nós,
brasileiros, falamos, por exemplo, "Eli me ensinô". O português na variante
padrão exige, no entanto, que se escreva assim: "Ele me ensinou". Essas
diferenças geram muitos conflitos.
114
A leitura de um trecho do poema de Antonino Sales, "Malinculia", mostra as
interferências da fala na escrita e como elas não anulam a expressividade poética
de suas imagens.
Malinculia, Patrão, É um suspiro maguado Qui nace no coração! É o grito
safucado Duma sodade iscundida Qui nos fala do passado Sem se torná
cunhicida! É aquilo qui se sente Sem se pudê ispricá! Qui fala dentro da
gente Mas qui não diz onde istá! (...)
(BAGNO, Marcos. "A Língua de Eulália: Uma Novela Sociolinguística)
A língua muda, ainda, conforme o grupo social, a região, e o contexto histórico.
São as chamadas variações linguísticas. A gíria e o jargão são algumas
dessas variações.
Disponível em: http://educacao.uol.com.br/disciplinas/portugues/lingua-escrita-e-
oral-nao-se-fala-como-se-escreve.htm Acesso em 05/12/2014.
115
ANEXO F – FOTOS
Foto: Sala de aula. Arquivo pessoal do pesquisador.
116
Foto: Sala de aula. Arquivo pessoal do pesquisador.
Foto: Sala de aula. Arquivo pessoal do pesquisador
117
Foto: Sala de aula. Arquivo pessoal do pesquisador.