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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA INSTITUTO DE LETRAS- ILUFBA PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E CULTURA- PPGLINC MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS PROFLETRAS Fabrício de Carvalho Pimenta VARIEDADES LINGUÍSTICAS: UMA PROPOSTA DE TRABALHO PARA A SALA DE AULA. Salvador 2015

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Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA INSTITUTO DE LETRAS

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA

INSTITUTO DE LETRAS- ILUFBA

PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E CULTURA- PPGLINC

MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS – PROFLETRAS

Fabrício de Carvalho Pimenta

VARIEDADES LINGUÍSTICAS:

UMA PROPOSTA DE TRABALHO PARA A SALA DE AULA.

Salvador

2015

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FABRÍCIO DE CARVALHO PIMENTA

VARIEDADES LINGUÍSTICAS:

UMA PROPOSTA DE TRABALHO PARA A SALA DE AULA.

Memorial Acadêmico para apresentação em banca como requisito para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa pela UFBA. Área: Linguagens e Letramentos. Linha de Pesquisa: Teorias da Linguagem e Ensino.

Orientadora: Profª Drª Alvanita Almeida.

Salvador

2015

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA INSTITUTO DE LETRAS

FABRÍCIO DE CARVALHO PIMENTA

VARIEDADES LINGUÍSTICAS:

UMA PROPOSTA DE TRABALHO PARA A SALA DE AULA.

Memorial Acadêmico apresentado à banca examinadora como requisito final

obrigatório para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa pelo Instituto

de Letras da Universidade Federal da Bahia, sob orientação da Profª. Drª Alvanita

Almeida.

Salvador, ____ de ___________ de 20___.

______________________________________________

Prof. Dr. Márcio Ricardo Coelho Muniz

Coordenador do PROFLETRAS - Mestrado Profissional em Letras

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________

Profª Drª Alvanita Almeida.

Orientadora – Presidente da Banca

________________________________________________

Profª Drª Constância Souza.

Membro - UNEB.

_______________________________________________

Prof. Dr. Henrique Freitas.

Membro - UFBA.

Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA INSTITUTO DE LETRAS

Dedico este trabalho aos meus alunos, que usam a língua portuguesa brasileira

falada gostosa e lindamente a seu bel-prazer com seus traços graduais e

descontínuos; colaboradores diretos da minha pesquisa e sem os quais não seria

possível concluir esta caminhada.

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA INSTITUTO DE LETRAS

AGRADECIMENTOS

À Rosana Cardial, amiga de uma vida e companheira de trabalho na Rede UAB/

Polo Esplanada, que foi generosa e insistentemente a incentivadora para eu

embarcar neste mar de conhecimentos e não ficar ancorado no cais a idealizar

“mares nunca dantes navegados”... Foi o limiar de tudo para o mergulho!

À CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior – por custear

meus estudos e , assim, possibilitar a realização deste trabalho e a conclusão do

Mestrado Profissional.

Aos professores do Profletras, meus mestres: profª Drª Simone Bueno, profª Drª

Simone Assumpção, profª Drª Mônica Menezes, prof. Dr. Julio Neves e prof. Dr.

Henrique Freitas, que foram alimento e estímulo para rever conceitos, preceitos e

preconceitos, desconstruindo-os e reconstruindo saberes para a construção de

um profissional em constante processo de formação.

À banca de qualificação que apontou o norte, o caminho a seguir a fim de se

percorrer uma estrada mais clara; foi o guia que acompanha, a bússola que

orienta: profª Drª Constância Souza e prof. Dr. Henrique Freitas.

À minha orientadora profª Drª Alvanita Almeida, pelo olhar atento e pelo olho

clínico e crítico que me fez enxergar além da superficialidade da visão óbvia e me

proporcionou uma nova ótica...

Aos colegas de caminhada, que se tornaram amigos de jornada e crescimento:

Camila Gonzaga, Claudia Ramos, Denise Claudete e Jacqueline Carvalho.

À amada Gilmara Carvalho, por me receber com o afeto e carinho de sempre

todas as semanas durante dois anos.

O meu enternecido obrigado!

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA INSTITUTO DE LETRAS

Vício da fala

Para dizerem milho dizem mio

Para melhor dizem mió

Para pior pió

Para telha dizem teia

Para telhado dizem teiado

E vão fazendo telhados.

Oswald de Andrade

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA INSTITUTO DE LETRAS

RESUMO

Este memorial acadêmico é resultado de um projeto de intervenção realizado numa escola pública do interior do estado da Bahia e que aborda a temática da variação linguística. O objetivo primordial é apresentar uma reflexão sobre a abordagem deste conteúdo em sala de aula. Além disto, as atividades desenvolvidas servem como sugestão de trabalho a ser realizado em sala de aula por meio de sequência didática dentro do modelo proposto pelos estudiosos Dolz e Scheneuwly. Alguns traços graduais e descontínuos de nossa língua foram os aspectos estudados nas atividades realizadas. Os estudos dos linguistas Marcos Bagno e Maria Stella Bortoni-Ricardo serviram de base para o desenvolvimento das atividades. Dentre os descontínuos, trabalhei com os alunos: a) não nasalização de sílabas postônicas; b) o rotacismo; c) eliminação do plural redundante, marcado em geral apenas nos determinantes; e os graduais estudados foram: a) a monotongação; b) a ditongação; c) o apagamento do /r/ em final de palavras, principalmente em final de verbos no infinitivo. Por meio do gênero textual entrevista, os alunos realizaram uma pesquisa com a minha mediação na tentativa de trazer para a sala de aula o modo de falar de nossa comunidade linguística, analisando-o sob a luz das contribuições mais recentes da sociolinguística a fim de colaborar para uma aprendizagem significativa desta questão e aliar teoria à pratica docente. Palavras-chave: Variação. Etnolinguística. Traços graduais. Traços descontínuos, Sequência didática.

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA INSTITUTO DE LETRAS

ABSTRACT

This academic memorial is the results of an intervention project carried out at a public

school in Bahia´s Town the state and it approaches the linguistic variation issue. The

primary objective is to present a reflection on this content approach in the classroom.

Besides, the activities developed are a working suggestion to be done in the classroom

through didactic sequence within the model proposed by experts as Dolz and

Scheneuwly. Some gradual and discontinuous lines of our language were the aspects

studied in activities performed. Studies of linguists and Marcos Bagno Maria Stella

Bortoni-Ricardo are the basis for the activities development. Among the discontinuous, I

worked with students: a) not nasalization of post-stressed syllables; b) the rhotacism; c)

elimination of redundant plural, generally marked by determinants; and the gradual

studied were: a) monophthongization; b) diphthongization; c) the erasing of /r/ at the word

send, especially at the end of verbs in the infinitive form. Through textual interview genre,

students carried out a research under my mediation trying to bring to the classroom the

speaking way of our linguistic community, analyzing it in the light of the most recent

sociolinguistics contributions in order to collaborate for significative learning of this issue

and to combining theory and teaching practice.

Keywords: Variation. Etnolinguistics. Gradual lines. Discontinuous lines. Didactic

sequence.

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA INSTITUTO DE LETRAS

LISTA DE SIGLAS

AVE – Artes Visuais na Escola.

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

DIREC – Diretoria Regional de Educação.

ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio.

ENCANTE – Encontro de Canto Coral.

EPA – Educação Patrimonial e Artística.

FACE – Festival Anual da Canção Estudantil.

GT – Grupo de Trabalho.

JERP – Jogos Estudantis da Rede Pública.

NRE – Núcleo Regional de Educação.

PROFLETRAS – Mestrado Profissional em Letras.

PROVE – Produção de Vídeos Estudantis.

REDA – Regime Especial de Direito Administrativo.

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais.

PST – Prestador de Serviço Temporário.

SEC/BA – Secretaria da Educação e Cultura do Estado da Bahia.

TAL – Tempos de Artes Literárias.

UFBA – Universidade Federal da Bahia.

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA INSTITUTO DE LETRAS

SUMÁRIO

1 PARA INÍCIO DE CONVERSA..........................................................................11

2 TRAJETÓRIA DE UM PROFESSOR EM PROCESSO DE FORMAÇÃO.........17

2.1 Uma pequena história: a tartaruga etnógrafa...................................23

2.2 O Pesquisador-etnógrafo: o raio X do nosso espaço.....................26

3 NÃO HÁ PRÁTICA SEM TEORIA.....................................................................31

3.1 Desatando nós: a gramática nossa de cada dia...............................31

3.2 Gramática da língua ou língua da gramática?..................................36

3.3 Pedagogia da variação: por um ensino de variedades linguísticas

em sala de aula..........................................................................................38

4 A SEQUÊNCIA DIDÁTICA................................................................................48

4.1 Descrição das atividades....................................................................53

4.2 Análise dos resultados obtidos.........................................................73

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................79

REFERÊNCIAS.....................................................................................................84

APÊNDICE.............................................................................................................87

ANEXOS..............................................................................................................100

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1 PARA INÍCIO DE CONVERSA

O trabalho que ora se apresenta é fruto de uma intervenção realizada em

sala de aula como proposta do Mestrado Profissional em Letras – PROFLETRAS

– e que ganha formato de memorial acadêmico como produto final de

sistematização da experiência vivenciada no curso e posta em prática numa

escola da rede pública com o objetivo claro de refletir sobre o ensino de língua

portuguesa e a minha prática em sala de aula com o firme propósito de unir teoria

à prática.

Tendo como área de pesquisa Linguagens e Letramentos, escolhi a linha

Teorias da Linguagem e Ensino, pelo fato de me propor a estudar e pesquisar

sobre o ensino de variedades linguísticas em sala de aula, trazendo as teorias

mais recentes da área para redimensionar a minha prática, refletindo sobre ela e

construindo-a paulatinamente a partir da proposta de sequências didáticas

elaborada por Dolz e Schneuwly (2004).

Ao mesmo tempo que reflito sobre minha prática e vou construindo uma

possibilidade de ensino sobre variedades linguísticas, este material tem também a

finalidade de apresentar uma proposta de trabalho com esta temática por meio de

sequências didáticas e se constitui num material complementar ao livro didático e,

portanto, de apoio ao professor que queira desenvolver um olhar mais

sociolinguístico nas aulas de língua portuguesa, visto que o livro didático

apresenta, muitas vezes, a temática de forma breve e caricata.

Dentro da disciplina língua portuguesa, o tema escolhido por mim foi a

variedade linguística, em virtude do preconceito linguístico percebido em nossa

comunidade (mais adiante isto será retomado) e o aspecto de interesse a ser

trabalhado neste tema foi o âmbito fonético/fonológico e semântico. A etnografia

foi o método desenvolvido e o procedimento foi a proposta de sequência didática

dos autores supracitados. Por fim, decidi pelo gênero da entrevista por perceber

que seria uma excelente oportunidade de os alunos vivenciarem o fenômeno da

variação na prática, sendo eles mesmos os sujeitos do processo de construção de

conhecimento. Desta forma, haverá um estímulo ao desenvolvimento da

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habilidade investigativa, da análise crítica, da interpretação e do questionamento

de conceitos já cristalizados, contribuindo assim para o combate ao preconceito

linguístico. Além disso, proporciono a mim também o desenvolvimento da

autonomia em relação ao material didático que vem pronto para a escola.

O objetivo do trabalho que me proponho a realizar como produto de minha

experiência no Mestrado não se limita apenas ao conhecimento sobre variedades

linguísticas, mas num letramento do indivíduo a partir delas e que oportunize a ele

variadas práticas sociais de leitura, escrita, ampliando assim o letramento desses

alunos e aprimorando sua competência comunicativa. Sobre isto, escreveu

Bortoni-Ricardo (2004, p 73): “...a competência comunicativa de um falante lhe

permite saber o que falar e como falar com quaisquer interlocutores em quaisquer

circunstâncias.” E mais adiante a linguista amplia esta questão afirmando que:

Ao chegar à escola, a criança, o jovem ou o adulto já são usuários competentes de sua língua materna, mas têm ampliar a gama de seus recursos comunicativos para poder atender às convenções sociais, que definem o uso linguístico adequado a cada gênero textual, a cada tarefa comunicativa, a cada tipo de interação. (BORTONI-RICARDO: 2004, p.75)

Foi pensando nas reflexões acima que a presente intervenção surgiu com o

objetivo primordial de proporcionar ao educando o desenvolvimento de sua

capacidade comunicativa e o reconhecimento da mutabilidade da língua,

possibilitando, por meio das práticas de leitura e escuta (rodas de conversa), o

progresso da prática de exposição oral, e a adequação da linguagem de acordo

com o contexto em que esteja inserido. Além disso, acredito ser necessário

oportunizar ao aluno, por meio de atividades, a percepção do conhecimento

linguístico que ele possui, tornando-o mais crítico em relação ao prestígio que é

dado a uma das variantes de uma mesma língua. O aluno precisa perceber que a

língua varia no tempo e no espaço e nos diversos contextos em que é utilizada e

que necessitará, em alguns momentos, fazer uso de uma dessas variações, por

exemplo, o uso da norma padrão gramatical em algumas situações sociais sem,

contudo, repudiar e/ou desconsiderar as variedades linguísticas. Compete a mim,

como professor, oportunizar ao aluno o desenvolvimento das capacidades leitora

e escritora por meio de textos e situações que façam uso das diversas

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modalidades de uso da língua, possibilitando a ele, dessa forma, o contato com

diversas formas de uso da língua e discussões em sala de aula que poderão

despertar o repúdio a qualquer forma de preconceito.

A escolha do tema da variação linguística para esta proposta de intervenção

se deu por perceber em minha realidade social, na escola, e em minha

comunidade, um preconceito linguístico deliberado e não só por parte dos alunos,

mas principalmente por parte dos professores. Preconceito este percebido nas

conversas do intervalo, quando os professores (mesmo graduados e com

especialização) se reportavam aos alunos com as seguintes afirmações: “ele não

sabe falar direito”, “eles não escrevem bem” “mal sabem o português”. Percebi

que precisava dar significado maior e mais amplo às aulas de língua materna em

minha sala de aula.

Como abordagem metodológica, escolhi o viés etnográfico, uma pesquisa

qualitativa, por perceber que só saindo de minha zona de conforto de professor de

Língua Portuguesa (que aborda somente a variação trazida nos livros didáticos) e

passando para o “outro lado”, conhecendo de fato a realidade linguística dos

alunos e fazendo-os refletir sobre ela, é que minha ação teria sentido. Além disso,

só sendo sujeito e objeto de minha prática ela teria uma significativa

transformação e daria sentido ao curso e as discussões realizadas nas aulas do

Mestrado.

A turma escolhida para aplicar a intervenção foi a última turma do

fundamental existente na escola (9º ano vespertino), que em 2014 passou para o

1º ano do Ensino Médio. A escolha do turno se justifica pelo fato de os alunos em

sua maioria serem provenientes da zona rural e justamente por isso serem

também mais suscetíveis ao preconceito linguístico, em virtude da estigmatização

do falar deles, assim como também é no turno da tarde que os alunos menos

participam oralmente das aulas, ou seja, há menos interação com uso da língua

nas aulas.

Ao escolher o tema da variação linguística optei por trabalhar o aspecto dos

traços linguísticos presentes no português brasileiro, proposto por Bagno (2007) e

Bortoni-Ricardo (2004) em graduais e descontínuos. Ambos estudiosos agrupam

os traços nesses dois grandes conjuntos, sendo que o primeiro traço refere-se

àqueles que aparecem na fala de todos os brasileiros, independente de sua

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origem social, regional, dentre outros fatores; e o segundo refere-se a aspectos

linguísticos que aparecem principalmente na fala dos brasileiros de origem social

humilde, de pouca ou nenhuma escolaridade ou de antecedentes rurais1. Resolvi

abordar este tema pelo fato de o mesmo ser um desafio para mim, já que em

minha prática de sala de aula eu ainda valorizava a norma dita culta e não me

sentia seguro para desenvolver um trabalho com variação linguística que não

fosse tão limitado, simples e muitas vezes equivocado como os livros didáticos

apresentam.

Por meio de questionário2 elaborado por mim e respondido pelos alunos e

por meio de sequências didáticas previamente elaboradas e reelaboradas com

orientação da Professora Drª Alvanita Almeida, desenvolvi o projeto de

intervenção por meio de sequências didáticas em 18 aulas, culminando com uma

entrevista realizada pelos alunos que a organizou num quadro ilustrativo3 os

traços linguísticos graduais e descontínuos do português brasileiro a partir da

comunidade em que estamos inseridos (Acajutiba) e isto promoveu uma

discussão sobre este tema com o propósito de por um lado oferecer aos alunos

uma reflexão sobre a língua viva, falada por eles e pelos seus pares e por sua

comunidade e, por outro lado, apresentar uma proposta de sequência didática

para o trabalho com variedades linguísticas na disciplina de Língua Portuguesa

para alunos do Ensino Fundamental II e/ou Ensino Médio.

Foi a partir das respostas do questionário aplicado que fui desenvolvendo

uma metodologia e decidi aplicar a minha pesquisa por meio de sequências

didáticas como procedimento e a entrevista como gênero textual oral por entender

que esta atividade estimula o exercício da habilidade investigativa, da intuição, da

análise crítica, da interpretação, do questionamento de conhecimentos

cristalizados, da abertura para o novo. Como bem define Schneuwly e Dolz

(2004, p 82), “sequência didática é um conjunto de atividades escolares

1 Os traços graduais estudados neste trabalho foram: a) a monotongação; b) a ditongação; c) o

apagamento do /r/ em final de palavras, principalmente em final de verbos no infinitivo; e os traços descontínuos foram: a) não nasalização de sílabas postônicas; b) o rotacismo; c) eliminação do plural redundante, marcado em geral apenas nos determinantes 2 Há no site do Projeto ALiB (Atlas Linguístico do Brasil), no tópico “Metodologia”, um material

riquíssimo com exemplos de questionários que foram utilizados na pesquisa do Atlas e que podem servir para trabalhos como este que apresento, fazendo as devidas adaptações. Consultar http://twiki.ufba.br/twiki/bin/view/Alib/MetodologiaQuestionarios. 3 O quadro ilustrativo foi feito na lousa da sala de aula em colaboração com os alunos e foi o ponto

de partida para as discussões que foram transformadas em texto na seção “Análise dos dados”.

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organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou

escrito.” A pesquisa em sala de aula favorece ainda a autonomia do professor,

promove a independência em relação ao material didático já existente. O docente

pode criar seu próprio material didático, pode ser autor de seu próprio material,

pode recorrer a múltiplas fontes de informação no momento de dirimir dúvidas e

levantar hipóteses explicativas. Além disso, é uma excelente oportunidade de ir

além da gramática e demonstrar que não há livro algum “que dê conta de todas

as variedades linguísticas do português brasileiro nem de seus incontáveis usos

nos inúmeros gêneros textuais em que ela pode se manifestar” (BAGNO: 2007, p

196).

Com isso, pretendi proporcionar aos alunos uma reflexão sobre o

funcionamento da língua a partir das variedades linguísticas, ou seja, em seu uso

real e não da maneira como prescreve a gramática, aquela língua idealizada que

não é falada por ninguém. Como bem pontuaram Schneuwly e Dolz (2004, p 92)

para fundamentar a sequência didática como princípio teórico: “toda língua se

adapta às situações de comunicação e funciona, portanto, de maneira bastante

diversificada. Ela não é abordada como objeto único, que funciona sempre de

amaneira idêntica”. Além do que a mudança de postura em minha práxis

pedagógica hoje me dá mais segurança para tratar desta questão.

O foco da entrevista realizada pelos alunos e que servirá como material para

esta pesquisa será a análise dos traços graduais e descontínuos de nossa língua,

que são as regras fonológicas que caracterizam o português brasileiro, segundo

Bortoni-Ricardo (2004) e Bagno (2007). Utilizarei como suporte as contribuições

destes pesquisadores, levando-se em consideração não apenas o contínuo de

urbanização, mas também o contínuo de oralidade-letramento e o contínuo de

monitoração estilística.

Dentre os traços descontínuos levados em conta na elaboração da

entrevista feita pelos alunos e que servirá como ponto de partida e reflexão para

os estudos sobre variedades, destaco-os aqui: a) a não-nasalização de sílabas

postônicas; b) o rotacismo; c) eliminação do plural redundante, marcado em geral

apenas nos determinantes. E os traços graduais serão: a) a monotongação; b) a

ditongação; c) o apagamento do /r/ em final de palavras, principalmente em final

de verbos no infinitivo.

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA INSTITUTO DE LETRAS

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A segunda seção deste trabalho se constitui no memorial propriamente

dito, que procura destacar a minha trajetória como professor de língua portuguesa

e como estudante do Mestrado Profissional, que se coloca como um acadêmico-

pesquisador-etnográfo. Na seção seguinte, apresento a fundamentação teórica

utilizada para respaldar a pesquisa. Esta seção possui três subseções que

procuram destacar uma tríplice questão no trabalho com a língua materna em

sala de aula: o uso da gramática normativa, reflexões sobre a gramática da língua

e a pedagogia da variação. A seção quatro traz a sequência didática aplicada com

a descrição das atividades realizadas e a respectiva análise dos resultados

obtidos. Por fim, teço as considerações finais, apresentando algumas conclusões

a que cheguei com relação ao trabalho feito e as perspectivas para o ensino de

língua materna para os próximos anos.

Utilizarei, a título de preservação da identidade dos alunos envolvidos, a

numeração arábica progressiva para designá-los.

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2 TRAJETÓRIA DE UM PROFESSOR EM PROCESSO DE

FORMAÇÃO

Lecionar língua portuguesa após os grandes avanços da Linguística e sua

consolidação apresentados nos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) não é

tarefa simples e fácil. Ao refletir sobre minha prática atual em sala de aula,

percebi que depois de passar por duas fases – às quais chamo aqui

subjetivamente de “gramaticista” e a outra “gramatico-textual”, hoje me encontro

numa terceira fase que denomino de “reconstrução e consolidação do ensino de

língua”.

A primeira fase, a gramaticista, ocorreu quando iniciei a regência em sala

de aula, há aproximadamente 20 anos! Tinha convicção de que era aquela a

forma adequada (e única) de se trabalhar gramática em sala de aula, afinal de

contas foi assim que meus professores me ensinaram até o Ensino Médio e eu

não conhecia outra forma, já que não tinha ingressado ainda numa universidade.

Ensinar conceitos, dar exemplos, citar regras e exceções, aplicar lista de

exercícios com frases isoladas para se detectar o sujeito da oração eram práticas

constantes. Eu acreditava que se podia aprender (e ensinar) gramática por

“justaposição”; com aulas expositivas e sem refletir sobre a língua, que eu via

apenas como código, como expressão do pensamento, como elemento de

comunicação.

Quando ingressei na universidade, veio o choque... Percebi-me

gramaticista; deparei-me com a teoria variacionista, a funcionalista, a pragmática.

Conheci Bagno, Bakhtin e Marcuschi. Apaixonei-me pela Linguística textual.

Tentei mudar a minha prática, contudo não é nada confortável mudar. A mudança

foi motivada por eu perceber que a metodologia utilizada para ensinar língua

portuguesa não condizia com as novas descobertas na área da Linguística e

perceber também que não trazia resultados satisfatórios a maneira como se

ensinava esta disciplina, desvinculada da realidade dos alunos e eminentemente

pautada em conceitos, regras e exceções.

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA INSTITUTO DE LETRAS

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Passei então para a segunda fase que, a meu ver, era mais plausível e

melhor que a primeira, contudo havia ainda um ranço do ensino da gramática

normativa, pois apesar de eu utilizar o texto como matéria-prima para as aulas de

língua portuguesa, percebi que o uso dos textos não passava de um pretexto para

eu ensinar a minha amada, mal usada e abusada gramática.

Por fim, passei a observar melhor a língua dos meus alunos e suas escritas

e comecei a utilizar o texto produzido por eles para dar sentido à gramática. E

assim reorientei minha prática. Atualmente, encontro-me a refletir sobre tudo o

que fiz até o momento no que se refere ao ensino da língua e da gramática e

como redimensionar o ensino de gramática com as novas descobertas e

aprendizagens do mestrado. O mais importante, para mim, é que deixei de

ensinar a gramática pela gramática e isso para mim já faz uma diferença enorme.

Geralmente parto das necessidades que eles apresentam em seus textos, assim

consolido o que propõem os PCN de Língua Portuguesa no que se refere ao eixo

a ser estudado em sala de aula: uso-reflexão-uso. Dou relevâncias aos gêneros

textuais e a escrita e reescrita de textos. Vez por outra surge um assunto que está

lá no “manual” de gramática, mas que aparece porque algum texto produzido por

eles retomou alguma questão da variedade de prestígio. Enfatizo em minhas

aulas aspectos como a história da língua, os fatores sociais e a questão do

contexto como preponderante para se definir o que é adequado ou não adequado

numa interlocução. Mesmo assim, utilizo algumas gramáticas normativas como,

por exemplo, a de Cegalla, Bechara, Roberto Melo Mesquita e Celso Cunha.

Utilizo ainda a gramática aplicada aos textos de Ulisses Infante e a de José de

Nicola, complementando, obviamente, com as contribuições dos estudos de

Bagno, Travaglia, Celso Pedro Luft e Faraco no que se refere ao estudo da

língua. E assim vou tentando dar sentido ao estudo da gramática normativa,

respeitando a gramática descritiva e trazendo a gramática reflexiva e funcionalista

para o seio da sala de aula.

A aprovação no Mestrado Profissional em Letras possibilitou-me

descobertas e crescimento. Voltar a estudar e investir na minha formação

continuada era desejo constante desde que terminei a minha terceira

especialização no final de 2012. Ingressar na UFBA foi motivador por me

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA INSTITUTO DE LETRAS

19

perceber doravante um pesquisador de uma instituição de grande know-how e

que goza de prestígio e respeito não só no Estado, mas no país e com

profissionais renomados da Linguística (Sociolinguística, Linguística Histórica,

Dialetologia), a exemplo da professora Drª Rosa Virgínia Mattos e Silva e a

professora Drª Jacyra Andrade Mota, ambas da área a que me propus estudar e

desenvolver o meu Projeto de Intervenção como resultado dos estudos no curso.

A oportunidade de poder pesquisar foi ainda mais forte do que simplesmente

estar em processo de formação continuada. Pela primeira vez estaria na condição

de pesquisador de campo; o que faltava em minha formação, já que as pesquisas

das especializações tinham sido bibliográficas. Ficou esta lacuna também na

graduação e agora poderia ser preenchida. O Mestrado Profissional me faria

colocar em prática, por meio de um projeto de intervenção, toda a teoria

estudada. Era o curso que eu procurava: unir teoria à prática, duas faces de uma

mesma moeda que, na verdade, são indissociáveis e complementares, assim

como também poder rever, questionar, interpretar e analisar o meu exercício

profissional concomitante ao estudo das teorias, algo que talvez o Mestrado

Acadêmico não proporcionasse.

O primeiro semestre, em seu início, foi marcado pela novidade e pela

empolgação frente ao novo. A disposição e a curiosidade tomaram conta de mim.

Apesar de algumas dificuldades (a licença do Estado para estudos de Mestrado

indeferida e, no fim do semestre, a banca da 1ª avaliação dos projetos me fez

refazê-lo e enxergar que era preciso amadurecê-lo), aos poucos tudo foi sendo

superado. Ao longo do processo, percebi e compreendi que era necessária mais

dedicação. O excelente desempenho numa prova escrita da disciplina

Alfabetização e Letramento, ministrada por uma professora exigente ao extremo,

levantou meu moral e minha autoestima. O trabalho final da disciplina Fonética,

Fonologia e Variação exigiu dedicação e esforço jamais desenvolvidos por mim

antes. Li como nunca ao longo de minha formação. O resultado foi gratificante e a

média condizente com o empenho demonstrado: uma nota acima da média,

alcançada nos mais minuciosos critérios de avaliação do professor. Isto me deu

mais autoconfiança, motivou-me deveras a seguir adiante, mesmo com todos os

empecilhos que se impuseram.

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA INSTITUTO DE LETRAS

20

Veio o segundo semestre: o mais difícil e, paradoxalmente, o mais produtivo.

As disciplinas mais agradáveis, a meu ver, os melhores textos porque dialogavam

diretamente com minhas angústias e minha prática em sala de aula e também as

maiores exigências. Por não residir em Salvador e por trabalhar a semana inteira

nos três turnos no interior (com exceção das segundas e terças-feiras, dias de

aula do Mestrado), sobravam-me os fins de semana: que foram aproveitados

dedicando-me aos estudos, leituras, pesquisas e atividades que neste semestre

foram um pouco mais intensas e exigiram de mim uma dedicação ainda maior. A

demanda de atividades a serem realizadas foi grande e constante; os

professores, comprometidos com a qualidade do curso, exigiam excelência e

fomos levados a um grau de produção acadêmica dentro dos parâmetros de um

Mestrado mesmo não sendo acadêmico. Apesar das dificuldades pessoais de

cada um, como a carga-horária que tínhamos que dar conta por não estarmos de

licença, acredito que em tudo que fizemos (eu e meus colegas) respondemos à

altura com trabalhos primorosos e de excelência semelhantes à da exigência.

As afinidades entre os colegas se solidificaram, os laços se estreitaram, os

grupos se formaram e com um apoiando-se no ombro do outro e dividindo as

angústias, chegamos firmes ao final do semestre no ritmo a que um pesquisador

sério e dedicado precisa aprender a desenvolver. Apesar de exaustos, o que não

poderia ser diferente, uma sensação de dever cumprido. A prova disso, para mim,

foi atingir uma média excelente na disciplina que mais cobrou de nós todos:

Aspectos Sociocognitivos e Metacognitivos da Leitura e da Escrita e outro

conceito acima da média na disciplina Leitura do Texto Literário, ministrada pela

também exímia professora, tanto em competência e conhecimento quanto em

criticidade e perfeccionismo, Simone Assumpção. Ressalto as notas alcançadas

não por dar valor ao mensurável, mas por ver e perceber que, além do meu

esforço ter sido reconhecido e avaliado devidamente, os professores são bastante

criteriosos em atribuí-las e elas são uma representação do grau de exigência

deles, que não as dão sem seguir critérios bem definidos e minuciosos e um

acompanhamento muito rigoroso.

Comprar livros tornou-se um hábito constante, a cada semana um exemplar

adquirido ou encomendado na visita às livrarias da capital para enriquecer a

minha biblioteca particular, graças à bolsa CAPES e à ampla bibliografia indicada

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e sugerida pelos professores durante as aulas. Os melhores livros abriram-me

possibilidades de desconstrução e reconstrução de sentidos e conceitos: “Norma

Culta Brasileira”, de Faraco e “Cultura Letrada”, de Márcia Abreu deram-me

embasamento e nortearam meu projeto.

A disciplina Gramática, Variação e Ensino, ministrada pelo professor Dr.

Júlio Neves foi extraordinariamente decisiva e pragmática para mim. Pude

perceber e entender a confusão que se faz em torno dos conceitos de norma

padrão, norma culta e norma popular, ou como sugere Bagno (2007): norma

padrão, variedade de prestígio e variedade estigmatizada. As discussões dos

textos lidos e as atividades realizadas durante as aulas promoveram uma reflexão

sobre o ensino de língua portuguesa em sala de aula. A disciplina Leitura do texto

Literário quebrou paradigmas e propiciou releituras jamais feitas antes. Os textos

me propiciaram pensar sobre o que é literário e o que é literatura numa

concepção mais contemporânea, a reconhecer o cânone, mas ter olhos novos

para a contemporaneidade e a para a quebra de paradigmas dentro da literatura e

a perceber a importância da recepção na interpretação do texto literário. Três

disciplinas, três profissionais profundamente preparados e exigentes ao extremo.

Excelência nas aulas ministradas, nas discussões provocadas, nas ideias

levantadas: minha formação mais uma vez alimentada e renovada. Um desses

professores, tão criterioso e metódico quanto sensato, passou trabalhos tão

interessantes quanto inovadores a cada semestre. Atividades trabalhosas, mas

eminentemente salutares, úteis, válidas e significativas para minha práxis

pedagógica.

Outra professora cobrou-nos dedicação incondicional em suas atividades e

esforço elevado ao máximo. A disciplina foi marcada pela realização de leituras e

produções escritas constantes; lemos e escrevemos e discutimos e pesquisamos

e apresentamos seminários... E completando a tríade de excelência, veio a

professora das sequências didáticas à moda Schneuwly e Dolz. Com seu nível de

formação altamente apurado, a criticidade e a cobrança não ficavam por menos.

Dona dos comentários mais objetivos por sua sinceridade extrema, fez-me

esmerar-me cada vez mais em cada coisa que eu tinha que fazer. Para equilibrar

a pressão, veio a orientadora de que eu precisava: humana e paciente, mas

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também racional e objetiva e tão preparada quanto os demais, que foi ajudando-

me a modelar e sistematizar a minha pesquisa e a refletir criticamente sobre ela.

Os trabalhos finais não foram diferentes, em exigência e complexidade,

daqueles do primeiro semestre. Estas atividades nos deram base fundamental

para elaborar e trabalhar com sequências didáticas de maneira mais

sistematizada. Tanto em Leitura do Texto Literário (criticidade e perfeccionismo

desenvolvidos) quanto em Gramática, Variação e Ensino (elaboração criteriosa ao

extremo, minuciosa e metódica).

O terceiro semestre chegou num ritmo acelerado e a intervenção, que

caminhava a passos curtos no semestre anterior em virtude da quantidade de

textos e atividades para dar conta, passou a exigir velocidade acelerada e

resultados. Os trabalhos intensificaram-se em nome da pesquisa etnográfica,

elaboração de sequências didáticas, aplicação de atividades, análises, registros.

Para dar conta do ritmo, seguimos escrevendo, lendo, fundamentando

teoricamente a intervenção e o memorial entre uma refeição e outra. Entre um

café e outro: leituras, no intervalo da escola: leituras; antes de dormir: leituras, no

sonho: releitura das leituras! Mesmo assim os fins de semana eram pouco e

aproveitei as minhas viagens de 04 horas de toda semana para Salvador, em

meio a paisagens vistas da janela do ônibus, para ler e escrever sem perder um

minuto sequer. Era preciso cumprir as exigências e chegar “preparado” para a

aula com as leituras em dia e na ponta da língua! Aprendi a otimizar o tempo, a

dividi-lo, sistematizá-lo, organizá-lo para dar conta do que me comprometi a fazer.

Impossível continuar o mesmo depois de ter vivido esta experiência

intelectual e afetiva de encontros, desencontros e reencontros com o outro e

conosco mesmo, encontro com o conhecido e com o desconhecido, com o

conhecimento e a ignorância, com os limites e as limitações (e a superação

destas), com os afetos e desafetos...Não há como a prática pedagógica não ser

afetada de alguma forma. Não só reflexões sobre a nossa formação e atuação em

sala de aula foram proporcionadas, mas um sentimento de necessidade de

ressignificar a nossa prática, de mudar o que era preciso mudar.

A variação linguística e os multiletramentos foram os temas que mais me

fizeram refletir sobre a minha profissão. Mesmo porque o material didático a que

todo professor tem acesso com maior facilidade (o livro didático) explora muito

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superficialmente o fenômeno da variação. Quando a aborda quase sempre é de

maneira estigmatizada, anedótica, caricaturada, o que reforça estereótipos e nada

contribuem para se combater o preconceito linguístico e ainda desenvolve um

ensino que em nada agrega de positivo para o desenvolvimento da competência

comunicativa do aluno, além do mais o inibe e o reprime de tal forma que nega a

sua identidade.

Ser poliglota na própria língua conhecendo sua variedade e sabendo utilizá-

la, considerando as situações de comunicação em que o indivíduo se encontra,

parece-me ser o objetivo de um trabalho que se pauta na variação. O estudo da

língua não pode mais ser desvinculado das práticas sociais de interação.

2.1 Uma pequena história: a tartaruga etnógrafa.

Street (2010) apresenta-nos, a partir de um conto budista (uma fábula, na

verdade) uma tartaruga verdadeiramente etnógrafa, que nos faz refletir sobre a

abordagem etnográfica. Nele, a tartaruga resolve sair do lago, da sua convivência

com os peixes (da sua zona de conforto) e resolve conhecer a terra seca, algo

fora de sua realidade. Quando retorna, é indagada pelos peixes sobre o que viu e

viveu, mas por não responder pragmaticamente provoca curiosidade nos peixes

que resolvem conhecer também a terra seca. O mais curioso na resposta da

tartaruga quando é interrogada pelos peixes é o fato de dizer que não tem uma

língua para descrever o que é, mas sim o que não é.

A partir da leitura do conto, Street (2010) revela a verdadeira essência e

atitude do pesquisador-etnógrafo, que deve ser a mais investigativa e menos

julgadora possível. Da leitura da fábula depreendo que a ideia de língua está

relacionada à vivência de cada um e que é preciso nos encontrarmos com o outro

mundo (linguístico e cultural) que não conhecemos, porque sempre estamos

presos ao nosso próprio mundo, ao nosso modo de vida e à nossa própria língua,

desconhecendo e desvalorizando a língua desconhecida, aquela que não é

nossa, que é diferente. Se passarmos a vida inteira com a gramática, assim como

os peixes e tartaruga viviam na água, como entender a variação, a língua que

muda em virtude dos contextos? A tartaruga etnógrafa é aquela que sai de seu

mundo e vai ao encontro de outro para entendê-lo e é preciso conhecer este outro

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mundo linguístico a partir dos termos desta língua porque se entrarmos com os

termos e conceitos a que estamos acostumados e que já conhecemos

provavelmente iremos distorcer esta realidade, como afirma Street (2010). Estas

ideias corroboram o que diz Fino (2008):

(...) que outra maneira haveria de compreender a cultura escolar, presumindo-se que sou nativo dela, sem a tornar estranha? E, paradoxalmente, como entendê-la sem me submergir nela e olhá-la de dentro? O problema era, e continua a ser, o como se concretiza essa contradição, apenas aparente, entre afastar-me, para ser estranho, e integrar-me para (voltar a) ser um com o objecto do meu estudo, ao ponto de me tornar, eu, o novo estrangeiro, numa voz legítima, de dentro. (FINO: 2008, p.09)

É preciso estudar a língua não a partir de meu ponto de vista, do ponto de

vista de minha vivência, do lado de cá, mas a partir da realidade que a mim se

apresenta. Preciso começar a estudar a língua a partir deles, dos alunos, e não

do que entendo como língua. Para isso um bom começo é determinar a

concepção que tenho de língua: se ela é expressão do pensamento, instrumento

de comunicação ou processo de interação. Se assumo esta última postura,

valorizo a língua do outro e dela parto para os estudos de reflexões sobre ela. A

terra seca metaforicamente representa a norma estigmatizada (norma popular) e

nós, professores, dificilmente queremos sair do nosso mundo particular e

confortável (a água dos peixes), achamos que a água, metáfora aqui da norma

padrão (idealização de uma língua) ou da variedade prestigiada (norma culta), é o

que deve ser ensinado. Por isso é necessário ir além e começar a se perguntar,

como bem pontua Street (2010, p 44) “Que outras categorias podem existir para

se entender o mundo e estar no mundo”?

Como já afirmei na introdução, é bastante perceptível a presença do

preconceito linguístico em nosso contexto escolar e a supervalorização que a

comunidade faz do “falar bem”, associando isto ao uso da norma padrão (livro/

idealização da língua) ou norma culta (variedade prestigiada). Principalmente por

parte dos professores que, na conversa informal do intervalo ou nas reuniões,

deixam claro a concepção tradicional que possuem de língua (instrumento de

comunicação e/ou expressão do pensamento) e nitidamente o preconceito

linguístico que carregam para a sala de aula.

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Fino (2008), por meio de um questionamento e na defesa de uma

metodologia etnográfica, nos faz refletir sobre a necessidade desta abordagem na

educação e sobre a importância do observar, descrever e interpretar a realidade

estudada:

Que outra maneira, que não a de sondar directamente a complexa realidade social que constitui uma turma, por exemplo, será mais adequada para compreender esses pontos de vista de seus nativos – alunos e professores – e poder descrever e interpretar as suas práticas, localizá-las, ou não, na corrente da doxa, entender em que se afastam ou em que medida se integram na ortodoxia vigente? (FINO, 2008, p. 04)

Para realização deste trabalho dentro do viés etnográfico, situo a

comunidade em sua estrutura física, político-econômica e humana e caracterizo

os falantes de língua portuguesa dentro de nosso contexto sócio-cultural, bem

como propus o contato dos mesmos com a língua falada por diversas pessoas de

nossa comunidade (por meio de entrevista para montagem do nosso quadro

ilustrativo): alunos, professores, pessoas com formações escolares diversificadas,

idades variadas e de poder aquisitivo também diverso a fim de analisar os

seguintes traços linguísticos: graduais (que aparecem em todos os falantes de

língua portuguesa do Brasil, independente de origem social ou regional) e os

descontínuos (aparecem principalmente em pessoas de origem social humilde),

como caracteriza Bagno (2007).

A etnografia é uma abordagem de investigação científica que traz várias

contribuições para o campo das pesquisas qualitativas, como bem afirmou Mattos

(2001), dentre outras coisas:

(...) por introduzir os atores sociais com uma participação ativa e dinâmica no processo modificador das estruturas sociais. O ‘objeto’ de pesquisa agora sujeito é considerado como ‘agência humana’ imprescindível no ato de ‘fazer sentido das contradições sociais. (MATTOS, 2001, p. 01)

Este tipo de abordagem metodológica pressupõe o estudo pela observação

direta, mas etnografar não se restringe a descrever, mas principalmente

interpretar a fim de encontrar o significado da ação, como sugere Mattos (2001) e

para isto é necessário estar aberto ao outro, ao novo; é imprescindível

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sensibilidade no encontro com o outro, neste caso: o aluno, como também o

conhecimento sobre o contexto estudado. Nas palavras de Mattos (2001, p 09):

“Ao escrevermos uma narrativa temos que colocar os atores como eles se

apresentam sob a perspectiva deles. Para isso é importante se conhecer o

significado social da ação”.

No que diz respeito à consolidação epistemológica da etnografia enquanto

método de investigação em educação e à importância da interpretação da

realidade observada a partir das anotações de campo, Fino (2008) deixa claro a

amplitude da pesquisa etnográfica que não se limita a mera descrição de ações.

Nas palavras dele:

(...) a Etnografia da Educação, investigando de e sobre instituições, grupos e organizações sociais, supera a estrita dependência descritiva ao ser entendida como devedora de um enfoque pluridisciplinar, uma vez que é pluridisciplinar o saber disponível sobre essas instituições, grupos e organizações. De modo que se mantém a dependência descritiva, mas como base sobre a qual se interpreta (...) a finalidade consciencializadora e dialética da investigação sobre o conjunto dos fenômenos educativos conferem à investigação etnográfica uma intencionalidade distinta da etimológica: a interpretação e a crítica. (FINO, 2008, p. 03)

2.2 O Pesquisador-etnógrafo: o raio X do nosso espaço.

O município de Acajutiba, cidade na qual trabalho 40h pelo Estado, fica

aproximadamente a 200 km da capital baiana, possui cerca de 15 mil habitantes e

sua economia é basicamente agrícola. É considerado o maior produtor de coco

verde do estado.

O Colégio estadual Antônio da Costa Brito está situado na Rua São Paulo,

145, no centro da cidade e conta com 07 turmas de Ensino Médio (no matutino),

01 turma de Ensino Fundamental II no vespertino (remanescente de um colégio

Estadual que foi municipalizado) e mais 06 turmas de Ensino Médio também no

vespertino. Não funciona à noite. Foi fundado em 2006 pelas portarias nº 34/06

(criação) e nº 018/07 de 28/09/07 (autorização e funcionamento) e destaca-se

pela sua estrutura física.

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O seu espaço físico é adequado, possui equipamentos e mobiliário

confortável em todos os ambientes: uma biblioteca com acervo literário e didático

(embora ainda muito incipiente), uma sala de áudio e vídeo (transformada em sala

de aula desde 2011 devido à demanda de estudantes), um laboratório equipado

para as aulas de Química, Física e Biologia, um laboratório de Informática

climatizado e equipado com mobiliário confortável com 18 computadores com

acesso à internet (a partir de 2011), 06 salas de aula amplas e ventiladas, bem

iluminadas e equipadas com TV pen drive.Temos ainda uma cozinha, 06

sanitários adequados também para pessoas com necessidades especiais, uma

quadra poliesportiva (em processo de cobertura), um pátio amplo e coberto,

corredores de circulação, uma área administrativa com 04 salas, 01 sala para

professores, 04 depósitos e 04 sanitários para funcionários. Falta-nos apenas um

auditório (já solicitado à SEC/BA) para atividades e apresentações culturais, em

virtude da grande demanda de projetos eventos aqui realizados. O colégio possui

uma área externa murada que propicia a construção de um grande auditório.

Possui ainda 01 caixa amplificada, 02 aparelhos de DVD, 01 retroprojetor, 01 data

show, 01 aparelho de som. Necessita, porém, de recursos didáticos audiovisuais:

livros de literatura em quantidade de volumes e exemplares.

O corpo docente é formado por professores graduados, mas em sua maioria

contratados (REDA e PST). Apenas cinco (05) são efetivos.

Caracterizar a nossa comunidade é fator fundamental para se compreender

a nossa realidade sociocultural. Ela é formada por famílias que, em sua maioria,

pertencem a uma classe desfavorecida economicamente: assalariados,

trabalhadores rurais, feirantes, donas de casa, pedreiros, etc. Há também uma

parcela de nossos alunos que é composta por famílias com maior poder

aquisitivo: comerciantes, profissionais liberais, funcionários públicos, que ainda

preferem matricular seus filhos em nossa unidade escolar pelo prestígio de que

goza o corpo docente da instituição, recentemente premiada com o Selo de Ouro

pelo Governo do Estado, em novembro passado. É, inclusive, a única escola da

DIREC 03 (que compreende 16 municípios do Agreste alagoinhense e Litoral

Norte e mais 03 que foram agregados recentemente) a receber este prêmio. Hoje,

as DIREC são denominadas de NRE (Núcleos Regionais de Educação) e a nossa

passa a ter ma denominação de NRE 18.

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Como não há na cidade atividades desportivas e/ou culturais em grande

escala, o colégio sempre desenvolveu por meio de projetos educacionais ações

ligadas à cultura, ao esporte e lazer, e entretenimento, como “A noite da Poesia”,

“Literatura no Palco”, “Campeonato de Dança”, “Gincanas Culturais”, “Concurso

de Quadrilhas Juninas”, “Feira das Nações”, “Torneios Esportivos”, “Reforço para

o ENEM”, “Caminhada Ecológica”. E hoje desenvolve outros projetos4. Os

estudantes têm uma relação amistosa com os professores e funcionários, não há

índice de violência, indisciplina, agressão ou uso de drogas, não praticam atos de

desrespeito e demonstram afeto e carinho pela figura do professor, apesar de o

rendimento escolar não ser o esperado pelo corpo docente. Os pais, em sua

maioria, participam de reuniões e estão presentes na escola quando solicitados,

mas poucos vão à escola em outros momentos para acompanhar a vida escolar

de seus filhos, mesmo porque são pais que trabalham durante o dia.

Apesar da relação amistosa entre professores e alunos e mesmo com a boa

formação do corpo docente, é notório o baixo rendimento dos alunos em todas as

disciplinas. O índice de reprovação é grande e aumenta a cada ano.

Especificamente na disciplina Língua Portuguesa, os mesmos apresentam

dificuldades na formação de sentenças simples para responder questões nas

avaliações escritas e como não foram estimulados ao debate e à expressão oral,

quase nunca expõem suas dúvidas e angústias. Isso talvez se deva à concepção

de língua transmitida pelos professores de língua portuguesa em suas aulas

durante o Ensino Fundamental, concepção esta que faz o aluno pensar que não

sabe falar, já que acredita que não domina a gramática da língua, quando na

verdade ele não domina é a língua da gramática5.

É perceptível a presença do preconceito linguístico em nosso contexto

escolar e a supervalorização que a comunidade faz do “falar bem” associando isto

ao uso da norma padrão (livro/ idealização da língua) ou norma culta (variedade

prestigiada). Esta atitude interfere no desempenho do estudante, vez que ele não

se sente à vontade para expor suas ideias no momento em que é solicitado, já

4 FACE, TAL, AVE, JERP, EPA, COMVIDA, ENCANTE e PROVE são projetos estruturantes da SEC/BA e que são

adotados pela escola; têm como objetivo desenvolver atividades artísticas (música, literatura, dança pintura) e desportivas. As siglas estão explicadas na página 08. 5 Isto foi percebido pela análise das respostas dada por eles ao questionário que apliquei, no qual algumas

questões apontavam para a concepção de língua que trazem com eles.

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que sua linguagem é discriminada por alguns colegas e até mesmo por alguns

professores. Dessa forma, sente-se excluído por não dominar uma variedade da

língua que é valorizada na escola e na sociedade. Diante disso, é preciso, pois,

fazê-lo perceber o funcionamento da língua e que a variedade falada por ele é tão

eficiente na interação entre os sujeitos como a valorizada e exigida pela

sociedade e pela escola, mas que ele precisa também conhecer outra variedade e

se apropriar da língua de prestígio para ter acesso aos bens culturais e de

consumo em sua sociedade para, dessa forma, poder participar efetivamente

desta mesma sociedade.

Assim sendo, em que medida as conversas dos alunos nas rodas de

conversas durante as discussões de textos sobre variação linguística nas aulas

de Língua Portuguesa e a fala de sua comunidade linguística podem ser

aproveitadas para as práticas de escuta e reflexão sobre a língua, a fim de se

desenvolver um trabalho com as variedades linguísticas e a adequação da língua

ao contexto, tendo em vista os traços graduais e descontínuos presentes no

português brasileiro falado em Acajutiba?

Como sou fruto de uma educação tradicional centrada no ensino de língua

materna limitada ao ensino de gramática focada no conteudismo, será necessário

agora olhar diferente para as aulas de língua portuguesa, pensando no enfoque

do letramento e das variedades linguísticas e dando espaço à língua falada pelos

estudantes em seu dia a dia e na sala de aula. Isso não quer dizer que já não se

trabalhe a variação linguística e a norma denominada culta nos contextos que a

exigem, mas a intervenção pretende enfocá-la de maneira mais apurada e

planejada, pois quando o trabalho com variedades e adequação da linguagem ao

contexto eram feitos/desenvolvidos por mim em sala de aula, acontecia em

momentos estanques e isolados, como é o caso dos seminários, que ocorrem em

uma unidade apenas. As aulas expositivas (que ocupam grande parcela das aulas

de todo o ano letivo) precisavam ser, paulatinamente, substituídas por práticas de

leitura e escuta. Um problema, porém, persiste: quando se passa um vídeo para

se debater/comentar, poucos são os que expressam oralmente o que

entenderam. O mesmo acontece com os textos lidos em sala de aula. Foi com um

trabalho sistematizado (sequências didáticas planejadas estrategicamente) que

acredito ter começado a desenvolver mais amplamente esta competência

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comunicativa (que os alunos, obviamente, já possuem) de forma que começaram

a participar mais das aulas sem medo de falar e até pensando em prepará-los

melhor para uma situação de exposição oral, como, por exemplo, o seminário ou

debate posterior ou ainda outra situação comunicativa.

Muitos professores queixam-se [...] da dificuldade que grande parte dos alunos têm em participar, em tomar a palavra em público, em discutir problemas com os outros, em corroborar ou refutar um ponto de vista. (SCHNEUWLY & DOLZ, 2004, p. 83).

Foi preciso, pois, proporcionar ao aluno situações de exposição oral e

adequação da sua linguagem a contextos diversificados para que os mesmos

percebessem a mutabilidade e flexibilidade a que a língua que ele utiliza está

sujeita, promovendo assim o domínio da adequação da linguagem utilizada ao

contexto.

Acredito ainda que o baixo rendimento em todas as disciplinas se dê por três

motivos básicos já discutidos em reuniões de Colegiado: a falta de base dos

alunos nos anos anteriores, a falta de participação dos pais nas atividades diárias

dos filhos e no acompanhamento da vida escolar deles, pois muitos pais só vão

às reuniões marcadas pela direção e não vão mais em nenhum outro momento e ,

principalmente, a baixa autoestima provocada pela visão que têm de si mesmo no

que se refere à própria linguagem, pois acreditam equivocadamente que não

sabem falar o português “corretamente”.

Este problema se deve ao fato de terem vivenciado desde que entraram na

escola uma visão tradicional de língua apresentada pelos professores de língua

portuguesa que pautavam suas aulas tão somente no ensino da gramática. Os

alunos têm demonstrado muita criatividade e motivação na hora de participar de

projetos, e não têm a mesma disposição na sala de aula com os conteúdos

abordados. Isso por si só já nos revela algo: é necessário trabalhar por projetos. E

a minha ideia é a efetivação da metodologia das sequências didáticas dentro de

uma pedagogia de projetos na escola, porque os projetos ainda são feitos

(embora muito bons) de maneira pontual, descontextualizada, solta e sem a

reflexão sobre ele (avaliação do projeto), ficando limitado ao “projeto pelo projeto”,

ou projeto pela pontuação. É necessário, pois, reelaborar esta maneira de

conceber a pedagogia de projetos de classe, como denominam Schneuwly e Dolz

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(2004) como metodologia de trabalho para se efetivar a aprendizagem e, a meu

ver, os letramentos múltiplos.

Considerando que a pesquisa é de cunho etnográfico, em que me coloquei

como pesquisador que iria refletir e analisar a sua própria práxis e nela intervir a

fim de propor alternativas propícias para resolução dos problemas detectados,

pontuo, a princípio, que muito do que foi sendo pensado por mim, para uma

efetiva concretização, dependeu consideravelmente do contexto da sala de aula

na qual realizei a intervenção e, obviamente, na recepção dos alunos frente à

intencionalidade da pesquisa, do interesse deles e das reais necessidades dos

mesmos. A intervenção continuou a se desenvolver num trabalho junto a um

grupo de estudantes do 1º ano de Ensino Médio, mas que foram meus alunos no

ano anterior, do 9º ano, quando iniciei a elaboração do projeto e comecei a refletir

sobre as questões discutidas nas aulas da disciplina Elaboração de Projeto de

Pesquisa (e das demais estudadas no Mestrado que se iniciou no 2º semestre do

ano de 2013) que iriam nortear o meu trabalho.

É importante destacar que a referida turma é do turno vespertino, turno este

que recebe, em sua maioria, pessoas oriundas da zona rural e que apresentam

um rendimento menor do que o do turno matutino, além de um índice maior de

reprovação e de não participação oral nas discussões feitas em sala de aula.

Contudo, há na sala de aula alguns alunos que são da sede do município e, entre

estes, alguns que frequentaram escola particular em boa parte do Ensino

Fundamental.

3. NÃO HÁ PRÁTICA SEM TEORIA

3.1 Desatando nós: a gramática nossa de cada dia.

Faraco (2008), em seu livro “Norma Culta Brasileira: desatando nós”, traz à

tona alguns conceitos estereotipados que nos foram passadas ao longo dos anos

durante a nossa formação e propõe-nos uma reflexão sobre a nossa prática e,

obviamente, sobre aquela que tem sido o grande nó no ensino de língua

portuguesa: a gramática.

Acredito que a reflexão e reformulação de conceitos (equivocados) e de

velhos e conhecidos termos de nossa área se faz necessária, já que estamos

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“mergulhados” em estereótipos conceituais que tornam nossa prática

ultrapassada. A concepção equivocada que possuímos sobre gramática precisa

ser esclarecida e necessário se faz entender a ideologia por trás de um

determinado tipo de ensino. Sem rever esses conceitos e sem refletir sobre eles,

não haverá mudança de pensamento e, consequentemente, de postura.

A expressão norma culta deve ser evitada, pois pode ser associada,

pejorativamente, a inculto e oposto a popular, devendo assim ser questionada,

vez que traz em sua terminologia um caráter tão preconceituoso quanto

excludente. Além disso, é usada como sinônimo de gramática (norma padrão). É

preciso se levar em conta que uma língua não é apenas sistema/estrutura, não é

homogênea tampouco imutável; é, na verdade, um conjunto de variedades e uma

entidade sociocultural e política. O que há, de fato, segundo Faraco (2008, p.92),

é uma norma “curta”, que limita a língua e não considera toda a sua riqueza e

que está a serviço de uma elite dominante que possui interesses políticos e que,

infelizmente, determina os programas educacionais do país, provocando uma

exclusão e um preconceito linguístico. O que deveria ser visto como riqueza é

visto como “erro”. O que existe, verdadeiramente, é um conjunto de normas que

circulam simultaneamente, porque mudança e variação são elementos inerentes à

língua, ou seja, o uso “culto” da língua tem várias formas alternativas, embora

muitos professores de português (gramatiqueiros, puristas e conservadores) não

considerem este fato.

As ideias de Faraco (2008) se cruzam com as de Bagno (2007), pois para

ambos a norma padrão não é uma variedade; é um conjunto de regras

padronizadas, descritas e prescritas pela gramática, mas que não é língua

falada/usada por ninguém: foram inspiradas em estágios pretéritos da língua e,

principalmente, nas opções de um grupo restrito de escritores consagrados, mas

que não é utilizada nem mesmo pelas pessoas que têm níveis de escolaridade

mais elevados.

A norma culta6 deve ser entendida como variedade linguística reaL,

empiricamente observável, autêntica, que caracteriza a fala e a escrita dos

6 É importante ressaltar a importância do projeto NURC (Norma Linguística Urbana Culta), que existe desde

1969 e se desenvolve em cinco cidades brasileiras, objetivando descrever os padrões reais de uso na comunicação oral, considerando falantes com escolaridade de nível superior. Ver https://twiki.ufba.br/twiki/bin/view/Alib/AlibNurc.

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cidadãos urbanos letrados e socioeconomicamente privilegiados, o que também

pode ser chamada de variedades prestigiadas7. O conjunto de variedades

estigmatizadas é o que é, de modo geral, desprezado pelas escolas e pelos

professores de português.

Faraco (2008) não se mostra contrário ao ensino de uma norma padrão se

considerarmos que padrão é aquilo que é falado com frequência e naturalidade

por uma comunidade linguística. O que se deve combater é o caráter artificial da

norma (o que é normativo), já que o padrão é engessado e não condiz com a

chamada norma culta/comum/standard. Afinal normal também pode ser

considerado como aquilo que é normal para falantes de determinada comunidade.

É bom lembrar que a língua (em seus usos pelos falantes dela) precede qualquer

instrumento normativo, portanto a norma gramatical (padrão) deveria se adequar

ao uso da língua, pois a autoridade maior da língua é o seu uso, isto é, a maneira

corriqueira com que os seus usuários a utilizam, seja na fala seja na escrita.

É importante considerar a origem da gramática para entender como o

conceito de norma culta foi sendo construído de forma arbitrária, ao longo dos

séculos, no Brasil, e que se perpetua até hoje para a manutenção do status quo

que sequer considera a historicidade desse povo tampouco a forma como ele lida

com uma língua que para muitos ainda é muito estranha.

Limitar-me-ei a fazer um recorte histórico aqui apenas para ficar mais clara

a ideia da concepção tradicional de ensino de língua pautado na gramática

normativa e que valoriza a sobre norma padrão que existe até hoje nas escolas e

também na concepção de muitos professores de língua portuguesa, pois para

este trabalho o mais importante é detectar onde, como e por que surgiu esta ideia

de ensino de gramática para entender por que as práticas continuam. Foi em

Roma que surgiu a gramática tradicional, fruto do grande acervo cognitivo deixado

pelos alexandrinos que desenvolveram vários estudos durante o período em que

estavam em ascensão. Foi nesse período também que foi criada a primeira

gramática latina, a partir da concepção de que só poderia ser considerado culto

7 Esta terminologia é utilizada por Faraco (2008) e para Rosa Virgínia Matos e Silva (2004) é norma culta

plural e norma vernácula plural, respectivamente. Para Luchesi (2002), norma culta e popular. Nos três, contudo, é adotada a concepção tripartida de língua, na qual todos denominam norma padrão para se referir à gramática normativa.

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(pessoa culta) aquele que dominasse a “arte de escrever e falar corretamente, e

de compreender os poetas”.

Segundo Faraco (2008), dois fatos se destacavam nesse contexto: a) o de

que “ser culto era atributo exclusivo dos homens de posse”; b) e o de que “o

ensino da língua tinha um caráter eminentemente prático, ou seja, o

conhecimento gramatical estava subordinado a esse objetivo maior”. Daí que

nesse período houve uma grande produção de várias gramáticas do latim com

finalidade pedagógica.

É importante lembrar, nessa trajetória histórica, que o mundo medieval é

marcado pela queda do Império Romano e pela criação dos reinos germânicos.

Esses fatos são de extrema relevância porque sinalizam a fixação do latim erudito

como língua de referência, sobretudo na forma escrita. Dessa maneira, o

panorama linguístico na Europa latina vivia um grande contraste, pois se de um

lado os conservadores lutavam pela consolidação do latim erudito como língua

formal a ser seguida no ensino, na administração política e religiosa e na

diplomacia; do outro lado surgiam as novas línguas vernáculas marcando a

identidade de um povo e, com ela, o florescimento de uma rica produção literária

nessas línguas e a democratização da atividade letrada. Contudo, é no século

XV/XVI que surge a gramática das línguas modernas, daí já começa a haver uma

necessidade muito grande de sistematização dessas línguas e em 1536 surge a

primeira gramática do português de Portugal. É nesse período também que o

primeiro dicionário de português-latim-português é criado (1562) e só no século

XVIII, então, é que o grande dicionário da língua portuguesa foi publicado, em

Lisboa.

A necessidade de se fixar um padrão de língua fez com que os gramáticos

da época combinassem dois aspectos para essa padronização: o prestígio social

da variedade falada em situações monitoradas pela aristocracia (centro político do

país) e o cultivo de uma escrita vernácula latinizada (imitação adaptada dessas

línguas modernas ao estilo dos escritores latinos clássicos).

...à medida que mudanças socioeconômicas (industrialização e urbanização) trouxeram a necessidade de ampliar o acesso da população à escola e se propagou o conceito moderno de cidadania (que inclui o direito de todos aos bens culturais), um tal modelo passou a ser um problema grave, como no Brasil de hoje,

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em que ele não faz sentido para a maioria da população e, por isso, acaba por embaraçar não só o ensino do português, como o próprio funcionamento social da norma culta/comum/ standart ( FARACO:2008, p. 186).

Conforme Faraco, o modelo pedagógico medieval herdado pelos países de

língua portuguesa são vícios pedagógicos, os quais ele conceitua como

gramatiquice e normativismo. Como gramatiquice, ele entende “o estudo da

gramática como um fim em si mesmo”, e normativismo como “a atitude tomada

diante da norma culta/comum/standart, na medida em que o falante nativo não

consegue aprendê-la (ou não se consegue ensiná-la) apenas uma das variedades

da língua com usos sociais determinados”.

Esses vícios pedagógicos dão origem, então, ao que se institui chamar

“norma culta”, onde a cultura do erro prevalece, haja vista este ser considerado

como “toda e qualquer forma que foge ao padrão culto da língua”. Nessa, a língua

é vista como elemento pétreo (invariável e inflexível). A consequência disso é que

se “transferiu para o ensino de língua materna uma metodologia que servia para o

ensino de uma língua artificial” herdada dos clássicos.

O nosso modelo de ensino da língua continua sendo o medieval. Segundo

Faraco (2008), este modelo é a continuação da prática pedagógica dos jesuítas e

que consolida a exclusão. O direito à educação escolar era e continuou sendo,

por alguns séculos apenas para muito poucos. Educação era entendida como

adereço sociocultural (modelo elitista e artificial) difícil de ser rompido, o que

acaba gerando uma crise aguda no ensino. Como consequência desse processo,

Faraco (2008) aponta uma criação maciça de “consultórios gramaticais”

preocupados em difundir a norma culta, em virtude das duas premissas básicas

tomadas como verdadeiras: “ninguém fala bem o português no Brasil” e “os

brasileiros falam errado”. Daí a necessidade de se criar um modelo padrão de

língua a ser cultivado.

A escola do século XXI continua a ensinar um estado de língua que não

existe há pelo menos 700 anos, sem se dar conta dos fatos da língua real. A

preocupação que era do século XIX e que permanece até hoje é: Que modelo de

língua se deveria (deve) adotar na escrita? Naquela época, preferiu-se imitar o

padrão escrito lusitano descartando qualquer possibilidade de se adotar um

português abrasileirado com características da fala culta/comum/standard

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brasileira. E hoje? A lusitanização da língua escrita, no Brasil, segundo Faraco

(2008, p 150) “artificializou nossa referência linguística e gerou um fosso profundo

entre o modo como falamos e o modo como acreditamos que devemos escrever”.

A remissão aos clássicos, no Brasil, em vez de motivar uma revisão da

normatização padronizadora, levou a descartar qualquer possibilidade de certos

usos brasileiros serem legitimados na escrita com base no “bom senso” e/ou no

estudo empírico, desmerecendo o trabalho linguístico dos escritores brasileiros,

como Alencar e Mário de Andrade.

Os vícios pedagógicos não são apenas concepções e atitudes ligadas à

língua e ao ensino, mas que têm um caráter conservador, impositivo e excludente.

A crise do ensino é muito mais uma questão de baixa autoestima da população

menos favorecida do que uma dificuldade de aprendizagem, embora os

professores ainda insistam em ensinar uma língua que não é a nossa. Nesse

sentido, Faraco (2008) diz que enfrentar essa crise no ensino implica ter sempre

claro que a questão da língua é política e, como tal, deve ser tratada. Para tanto,

é preciso reverberá-la criticamente em todas as esferas de representações

socioculturais, sobretudo nas universidades e na imprensa.

Faraco (2008) pontua que a crítica à gramatiquice e à normatividade não

representa o abandono da reflexão gramatical, tampouco do ensino da norma

culta/comum/standard. Ao contrário, ele corrobora a ideia de que

“refletir sobre a estrutura da língua e sobre seu funcionamento social é atividade auxiliar indispensável para o domínio fluente da fala e da escrita. [...] conhecer a norma culta/comum/standard é parte integrante do amadurecimento das nossas competências linguístico-culturais, (FARACO, 2008, p. 25)

Sendo assim, o lema é a reflexão gramatical sem gramatiquices e estudo

da norma culta/comum/standard sem normativismo. Se os conteúdos gramaticais

não podem desaparecer do ensino, também não podem ser arrolados e

repassados como no ensino tradicional, como assinala Faraco. Longe disso

deixar a norma padrão de lado ou a reflexão gramatical ser abolida.

3.2 Gramática da Língua ou língua da gramática?

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37

Assumir uma postura de ensino de língua portuguesa a partir da diversidade

linguística existente no país não é tarefa fácil, primeiro porque falta-nos material

cientificamente preparado que possa conduzir um trabalho pedagógico criativo e

enriquecedor para os alunos e segundo em virtude da formação dos professores

no curso de Letras que não têm uma orientação e aprofundamento adequados

para trilhar por este caminho quando saírem da graduação. É sabido que “o

ensino de gramática está falido, mas não se criou ainda um aparelho pedagógico

adequado, fundamentado e consequente, a partir dos princípios e métodos das

linguísticas contemporâneas” (SILVA: 2004, p. 87).

É necessário, pois, uma reforma no currículo dos cursos de Letras, uma

melhor orientação aos professores no que se refere ao trabalho com as

variedades prestigiadas, que no geral é confundida com a norma padrão (a

gramática livro) e uma reformulação também na confecção dos livros didáticos,

principal material que guia as práticas do professor, que ainda traz o tema de

forma caricaturizada, estigmatizada. Além disso, os linguistas precisariam pensar

também no pedagógico e não apenas no teórico como contribuição para o ensino

de língua. Somos carentes de material de qualidade que deem conta de um

ensino de língua dentro do viés sociolinguista. Sobre isto, pontua Silva (2004):

Os professores mais conscientes da problemática sociolingüística brasileira procuram trabalhar a partir dessa realidade diversificada, sem estigmatizar a variação dialetal, pelo contrário, valorizando-a, ao tempo em que desenvolvem o seu trabalho numa linha crítica que assume de fato o que alguns têm chamado de situação diaglóssica, já que se tem diante e, de fato, indivíduos que são portadores de determináveis normas dialetais, mas que devem, entretanto, estar pelo menos conscientes da existência de outra socialmente exigida a um indivíduo escolarizado, sobretudo em determinadas situações sociais, entre elas a de ser professor de português, que muitos objetivam ser. (SILVA, 2004, p.18)

Assim como Silva (2004), acredito que os dialetos podem conviver

harmonicamente e de forma natural por meio de leitura sem a pressão do

“certo/errado”, mas na percepção da adequação/inadequação. Assim o saber da

língua surgiria pela sistematização não da gramática prescritiva (o livro arbitrário),

mas na comunhão dela com os dialetos existentes nas comunidades escolares.

Isto seria o que Magda Soares (1986) denominou de bidialetalismo funcional. De

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nada adiantam os extremismos: de um lado os puristas da língua e do outro “o

populismo linguístico que renega qualquer norma e admite qualquer uso

linguístico como adequado a qualquer usuário, em qualquer situação de

comunicação”, como pontua Silva (2004, p 34).

É bom ressaltar que a língua é algo vivo e não estático como propõem

alguns professores de língua portuguesa ao trabalhar aquilo que está na

gramática (livro). “Não existe língua, dialeto nem variedades sem falantes reais”,

como afirma Bagno (2007, p 19). É, pois, da fala dessas pessoas (os falantes de

uma língua) que deve partir o ensino de língua nas escolas do país. Assim não

faz sentido ensinar língua a partir de uma norma que não existe em falantes reais.

Como bem assinala Bagno (2007, p 22):

(...) do direito que tem toda e qualquer pessoa com cidadania brasileira de falar e escrever a(s) sua(s) língua(s) materna(s), do jeito que ela(s) existe(m) hoje no século XXI, e não como quer um ideologia linguística autoritária e excludente, imposta séculos atrás por uma potência colonial escravagista.

Conforme Bagno (2007), o que se convencionou a chamar de língua nas

sociedades ditas letradas e também no ensino de língua portuguesa em sala de

aula é um produto social artificial que não corresponde ao que de fato a língua é

na realidade. É ilusão, pois, acreditar que se pode num livro contemplar a

totalidade definitiva e a riqueza de uma língua. O que existe no livro (gramática) é

um modelo idealizado de língua que não corresponde aos seus usos reais. A

escrita de uma língua não dá conta inteiramente a nenhum de seus dialetos. Para

finalizar é sempre bom lembrar que “a língua é uma atividade funcional (...) as

línguas estão a serviço das pessoas, de seus propósitos interativos reais (...) o

que existe (...) é (...) a língua concretizada em atividades, em ações e em

atuações comunicativas”. (ANTUNES, 2009, p 35)

3.3 Pedagogia da variação: por um ensino de variedades linguísticas

na sala de aula.

Tendo em vista as mudanças ocorridas no processo de ensino-

aprendizagem nos últimos anos e os avanços nos estudos da Linguística

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(sociolinguística), da alfabetização e do letramento (novo campo de investigação

em consolidação no Brasil) provenientes de pesquisas na área da Linguística

Aplicada e, até mesmo, da Educação, faz-se necessário redimensionar o ensino

de língua portuguesa nas salas de aula do ensino básico de todo o Brasil.

Essas pesquisas causaram forte impacto na sociedade e foram base para

formulação de vários documentos e produções bibliográficas, a exemplo dos

PCN. Desde 1997, quando foi lançada a 1ª “safra” de PCN (para o Ensino

Fundamental I) que se divulga a ideia de se trabalhar as práticas de leitura,

escrita, escuta e reflexão sobre a língua e o estudo dos gêneros textuais (escritos

e orais) dentro da perspectiva textual-interativa, já que “os textos são o meio pelo

qual a língua funciona” (KOCK, TRAVAGLIA, 2007). Esses devem ser os

“conteúdos” de língua portuguesa. Desde as séries iniciais o que se deve ensinar

ao aluno é ler, escrever, interpretar e expressar-se verbalmente (seja por escrito

ou oralmente). O problema é que herdamos a concepção estruturalista de

linguagem e assumimos uma postura conteudista que faz uso do sistema

tradicional da língua que é anterior aos nossos avanços e descobertas na

educação. “Saber falar, não importa em que língua, é dominar os gêneros que

nela emergiram historicamente, dos mais simples, aos mais complexos”.

(SCHNEUWLY, 2004, p. 138)

É sabido que a língua portuguesa falada no Brasil não tem unidade e está

longe de ser homogênea. Contudo nas aulas de língua portuguesa é comum os

professores de língua materna fazerem uso da gramática como instrumento de

ensino, desprezando as variedades existentes em nossa língua e não

considerando que a própria norma é uma variação da língua. Muitos são os mitos

que permeiam as aulas de língua portuguesa. O principal deles, em se tratando

de escolas públicas e de onde são oriundos os estudantes que nela estudam, é

pensar e difundir a ideia de que as pessoas sem instrução ou provenientes de

classes populares não sabem falar o português. Outro mito muito comum entre os

professores de língua materna é acreditar que só existe uma maneira certa de

falar e que esta maneira é a que a gramática ensina. Decorrente desse mito vem

a ideia de que só fala bem quem sabe gramática e de que a escrita é o espelho

da fala. Falar e escrever são modalidades diferentes. Além do mais, saber

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gramática não garante que o um indivíduo seja um escritor proficiente da língua

ou que seja um bom orador.

Ora, se a língua muda conforme o contexto e a intencionalidade, obviamente

que ninguém precisa falar o tempo todo como prescreve a gramática. Por outro

lado, é lógico que a gramática não precisa ser abolida da escola. O problema não

está nela e sim na maneira como é utilizada. O aluno precisa conhecer a norma

dita culta e a padrão para ter acesso a textos em que ela é utilizada. É papel da

escola não negligenciar este estudo, contudo valorizar a língua que o aluno traz

de casa é valorizar a sua identidade, a sua cultura. Além do que existe uma

ideologia por trás desses mitos e dos discursos elitistas que apontam a norma dita

culta como sendo aquela mais importante e que ela promove a ascensão social.

Refletindo sobre a minha prática docente e de colegas a partir da troca de

experiências por meio dos diálogos e discussões e comparando-a com os estudos

mais recentes sobre o ensino da língua portuguesa, surgiram alguns

questionamentos vitais que são a tônica deste memorial: como se define na

atualidade a competência comunicativa? Como desenvolver em sala de aula a

competência comunicativa dos alunos? De que forma pode-se realizar uma

prática de ensino da língua que contribua efetivamente para a competência

comunicativa do aluno, considerando as variedades linguísticas?

Ao refletir sobre a variação linguística e a interação discursiva, é

imprescindível citar Bakhtin (2003, p. 265) quando menciona que “a língua passa

a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente

através de enunciados concretos que a vida entra na língua”. Assim, como a

interação constitui-se como uma realidade primordial da língua, é, justamente,

nesses enunciados concretos que se efetivam as relações intersubjetivas entre os

indivíduos.

Conforme assinala Marcuschi (2003), a língua é um fenômeno heterogêneo,

variável, indeterminado sob o ponto de vista semântico e sintático e que está

situado em contextos concretos tais como o texto e o discurso. Esse caráter

dinâmico encontra um campo para aumentar as fronteiras do domínio do

repertório linguístico de muitas sociedades. Assim sendo, fico a refletir por que

não consideramos, nós professores de língua portuguesa, esta variação nas aulas

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de língua portuguesa e valorizamos apenas a variedade de prestígio ou norma

padrão.

O conhecimento consciente de uma língua (por quem dela queira ser mais

do que usuário) implica o reconhecimento dessa dinâmica diversificante que torna

qualquer língua resistente à normatização. De fato, as variantes normativas são,

como as não normativas, eventualmente passageiras, mudando ao longo do

tempo o modo como os falantes encaram os mesmos fatos linguísticos. Sem esta

consciência, fica mais difícil redimensionar as aulas de língua portuguesa e o uso

da gramática em sala de aula.

As primeiras bases teóricas e metodológicas para estudo do estilo no âmbito

dos estudos variacionistas são de Labov (1966). Segundo o autor, o estilo norteia

os instrumentos de coleta de dados, procurando separar o uso da língua em seus

aspectos formais e informais. Do lado formal, teremos a fala mais monitorada e

cuidada; e, do informal, teremos a fala mais casual. Suas contribuições foram

decisivas para o avanço do pensamento estruturalista no ensino da língua.

O material/trabalho que ora se apresenta é uma tentativa de conceber a sala

de aula num grande laboratório de investigação, onde conhecer não é um ato

individual, mas uma ação cooperativa, como sugere Marcuschi (2008, p 13) que

defende a ideia de que “o conhecimento é elaborado em encontros, trocas e

interações”, por isso não pode haver conteúdo antes de se conhecer os sujeitos

de aprendizagem, pois os “assuntos”, as aprendizagens são construídas em

razão dos interlocutores. Ou como afirma Geraldi (2006, p 19) “A sala de aula é

uma oficina de dizer coisas”. A concepção de língua como processo de interação

se faz necessária, afinal o indivíduo não apenas traduz e exterioriza o

pensamento, “os interlocutores interagem enquanto sujeitos que ocupam lugares

sociais” (TRAVAGLIA: 1996). E a linguagem que o aluno utiliza é reflexo de sua

cultura, de sua identidade e revela a variedade que a língua sofre,

inevitavelmente.

Nos PCN constam que uma das funções da escola no que diz respeito à

área de língua portuguesa é fazer com que o aluno seja um usuário competente

da língua e defende isso como sendo aquele aluno que é capaz de adequar a sua

linguagem às diferentes situações comunicativas. Infelizmente, a escola ainda

carrega alguns mitos – como aquele de que a escrita é o espelho da fala ou então

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de que existe uma única maneira certa de falar e esta deve ser equivalente à

escrita – que prejudica o desenvolvimento de tal habilidade.

É inegável a importância de se trabalhar com a expressão oral dos alunos,

uma vez que sempre estamos em situação comunicativa, o que exige uma

adequação do discurso à situação. Contudo, como assinala Val (191):

a escola negligencia essa atividade por três motivos: 1.

Despreparo dos professores que desconhecem os avanços da Linguística; 2. Ineficácia da prática da linguagem escrita, pois a escola privilegia esta modalidade, mas não oferece orientação devida; 3. O ensino ainda se prende a princípios e conceitos já superados, como os já citados acima.

Há muitos preconceitos decorrentes do valor social que é atribuído aos

diferentes modos de falar: é muito comum se considerarem as variedades

linguísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas. A questão não é falar

certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar, considerando as

características do contexto de comunicação e de interação, ou seja, saber

adequar o registro às diferentes situações comunicativas; é saber coordenar

satisfatoriamente o que falar e como fazê-lo, considerando a quem e por quê se

diz determinada coisa; é saber, portanto, quais variedades e registros de língua

oral são pertinentes em função da situação comunicativa, do contexto e dos

interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é de correção da forma,

mas de utilização eficaz da linguagem: falar bem é falar adequadamente; é

produzir o efeito pretendido.

As instituições sociais fazem diferentes usos da linguagem oral: um cientista,

um político, um professor, um religioso, um feirante, um repórter, um radialista,

enfim todos aqueles que tomam a palavra para falar em voz alta utilizam

diferentes registros em razão das também diferentes instâncias nas quais essa

prática se realiza. A própria condição de aluno exige o domínio de determinados

usos da linguagem oral.

Fica claro, portanto, que tanto a intenção quanto a situação de comunicação

exercem influência decisiva no processo de elocução do discurso. É necessário,

para a implantação de um trabalho de aprendizagem da língua que valorize e

respeite as variedades linguísticas, que o professor tenha convicção do porquê se

está ensinando a língua naquela modalidade, e que fique claro para o estudante

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que é necessário a adequação do ato verbal às necessidades de cada situação

comunicativa e a percepção da diversidade de registros e das regras de emprego

da língua, a partir de escutas cotidianas nas mais variadas situações

comunicativas. Dessa forma, o aluno se torna consciente do que é intuitivo nele a

respeito da língua oral para que, assim, aperfeiçoe suas habilidades

comunicativas em seu meio social. E o professor deve ter como tarefa

desenvolver nos alunos capacidades de observar, de forma objetiva, o

funcionamento da língua enquanto instrumento não apenas de comunicação, mas

antes: de interação, como propõe Bakhtin (2003), para quem linguagem é diálogo.

O caráter sociointeracionista da linguagem oral aponta para uma opção

metodológica de verificação do saber linguístico do aluno como ponto de partida

para a decisão daquilo que será desenvolvido, tendo como referência o valor da

linguagem nas diferentes esferas sociais. O processo de ensino/aprendizagem de

língua portuguesa deve basear-se em propostas interativas língua/linguagem,

consideradas em seu processo discursivo de construção do pensamento

simbólico, constitutivo de cada aluno em particular e da sociedade em geral.

Essa concepção destaca a natureza social e interativa da linguagem, em

contraposição às concepções tradicionais deslocadas de uso social. O trabalho do

professor centra-se no objetivo de desenvolvimento e sistematização da

linguagem interiorizada pelo aluno, incentivando a verbalização da mesma e o

domínio de outras utilizadas em diferentes esferas sociais. A interação é o que faz

com que a linguagem seja comunicativa. Esse princípio anula qualquer

pressuposto que tenta referendar o estudo de uma língua isolada do ato

interlocutivo. Semelhante distorção é responsável pelas dificuldades dos alunos

em compreender estatisticamente a gramática da língua que falam no cotidiano.

Por causa da mudança na concepção de ensino de língua, a

variação linguística, como objeto e objetivo de ensino, veio para

ficar. Daí a necessidade de se conhecer o fenômeno da variação

com base em conceitos bem definidos e sistematizados. (BAGNO:

2007, p 34).

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É preciso considerar a especificidade da língua oral e dissociar a ideia de

que só se fala a língua bem a partir da escrita, afinal esta não é o espelho da fala.

Assim como é importante ouvir a fala dos alunos para propiciar a diversidade do

oral, pois assim os alunos podem perceber a grande variedade de produções

orais que existem na mesma situação comunicativa. “É interessante que se leve o

aluno a refletir sobre três pontos: 1) quanto aos registros; 2) quanto às funções; 3)

quanto à situação comunicativa” (PCN, 1997, p.29).

Hoje temos o acréscimo de uma nova noção de competência comunicativa

(linguística), que é a competência de comunicação não só do conhecimento do

sistema gramatical, mas também e principalmente as regras de emprego e a

capacidade de utilizá-los.

Para que haja interação oral é preciso que o professor abandone aquela

postura tradicional de ser o centro do processo comunicativo sempre assumindo a

palavra com exclusividade e com uma preocupação excessiva na correção

gramatical. Dessa forma, não há interação. A fala do aluno precisa ser ouvida,

explorada, estimulada e expandida e não corrigida, restringida ou reprimida.

Talvez fosse preciso mudar o centro da comunicação para o aluno, e o professor

passasse a ouvi-lo mais.

Considerando que o objetivo do ensino da língua é o de ampliar a

competência linguística (pressuposto estruturalista) do falante e que cada falante

deve adequar sua expressão comunicativa aos diferentes contextos nos quais

circula, o ensino não pode concentrar-se no estudo da língua como um fenômeno

autônomo e desvinculado das práticas sociais de interação, como muitas vezes

ainda ocorre nas nossas salas de aula. Nessa perspectiva, a sociolinguística tem

trazido algumas contribuições relevantes na medida em que considera a reflexão

das relações socioculturais que envolvem, a língua mais importante, para a

discussão do ensino, do que dos aspectos meramente estruturais.

Nesse sentido, Aryon Rodrigues apud Faraco (2008) postula que a

propriedade na expressão falada e escrita é mais importante do que a correção,

visto que os falantes não são monoestilísticos e adéquam a forma de sua

expressão às circunstâncias. Assim, afirma que não há em língua um padrão

absoluto de correção, mas padrões relativos às circunstâncias. Isso tem gerado

equívocos na sociedade, tanto dentro quanto fora dos muros escolares, e os

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lingüistas têm sido acusados injustamente de permissivos, de defender o “vale

tudo na língua” e, consequentemente, de serem contrários ao ensino das

variedades ditas cultas.Esta polêmica em relação aos linguistas, justifica-se pelo

fato de seus acusadores não distinguirem a norma culta e a norma padrão como

duas realidades distintas.

É possível notar que este equívoco se constituiu e se cristalizou na

representação social de uma língua homogênea, única, monolítica, que vê a

variação como um mal a ser combatido. Para isso, utiliza-se os preceitos

gramaticais da norma curta. Infelizmente, esta ainda se configura uma realidade

no ensino de língua em parte das escolas públicas do nosso país que prioriza

uma discussão equivocada de língua – baseada, muitas vezes, nos preceitos da

norma culta – em vez de focar nos usos reais que dela fazemos nos diversos

contextos de interação social e comunicativa. E esta prática, por sua vez,

encontra respaldo no viés altamente normativista da nossa cultura, na qual a

noção de adequação é secundarizada ou até mesmo condenada pela noção de

correção. Acredito que este é um dos grandes desafios que precisamos enfrentar

se quisermos um ensino de língua mais humanizado e produtivo.

Em 1980, os linguistas trataram a questão numa perspectiva do

bidialetalismo, em que a variedade culta era um dialeto social e cabia ao ensino a

tarefa de incorporá-la a outras variedades, tornando os falantes bidialetais. Essa

visão restrita foi superada e os linguistas brasileiros desenvolveram um quadro de

referências bem mais refinado dos fenômenos da variação linguística,

substituindo-a por um continuum que melhor permitia apreender a distribuição

social das variedades.

É sabido que o letramento do sujeito implica, como destaca Britto apud

Faraco (2008), muito mais do que dispor de um conhecimento sobre variedade

linguística, pois quanto maior for o letramento do sujeito, maiores serão a

capacidade e as oportunidades do sujeito em realizar tarefas que exijam

monitoração, inferências diversas e ajustamento constante.

Faraco (2008) enfatiza que seria preciso investir em uma pedagogia que

permitia a ampliação do letramento dos alunos e, mesmo que isso represente o

desafio, não deverá estar restrito ao trabalho em Língua Portuguesa, mas,

principalmente, de todas as disciplinas escolares, pois só assim transformaríamos

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a escola em uma instância letradora, ou seja, que toma as práticas socioculturais

da cultura escrita como o principal eixo organizador. Ao tratar da questão da

norma padrão, ele conceitua-a como um constructo idealizado, ou seja, não é um

dialeto, como é a norma culta, mas uma codificação taxonômica de formas

tomadas como um modelo linguístico ideal, que responde a um projeto político

que visa a impor uma certa uniformidade, quando a heterogeneidade é sentida

como negativa. Esta ideia de homogeneização surgiu no Brasil do século XIX

quando determinada elite letrada, ao ver-se diante das variedades populares e a

um complexo jogo ideológico (projeto de um país branco e europeizado),

trabalhou pela fixação de uma norma padrão.

Por razões que parecem óbvias, linguistas, filólogos e escritores foram e

continuam sendo críticos contumazes desta norma padrão, hoje tachada de

norma curta, por considerá-la impraticável, inócua, disfuncional e difusora do erro

e , consequentemente, um instrumento de violência simbólica desmedido, embora

defendam o acesso escolar às variedades cultas, postulando a fixação de uma

norma padrão que represente o efetivo reflexo da norma culta brasileira. O

combate aos preceitos da norma curta é de natureza política, pois segundo

Lucchesi (2002, p 88), o estigma sempre recairia sobre a norma popular o que,

seria nada mais do que a mais crua manifestação da discriminação econômica e

da ideologia da exclusão social.

Nesse contexto, fica evidente “porque continuamos todos assombrados pela

norma padrão escrita fixada no século XIX, pela violência simbólica que a

acompanha e pelo temor histórico de uma suposta desagregação da língua e do

país” (FARACO, 2004, p 07) e, portanto, ainda insistimos em um projeto de

padronização. Acredito que é urgente exorcizar esse espectro por considerar o

caráter altamente rarefeito de um padrão e a urgente necessidade de a sociedade

brasileira democratizar o letramento como uma das condições vitais para o seu

desenvolvimento pleno.

Embora possamos reconhecer avanços razoáveis no trabalho com leitura e

produção textual graças à contribuição dos estudos linguísticos, não podemos

dizer o mesmo em relação à construção de uma pedagogia da variação

linguística, pois o trabalho realizado na escola ainda se mostra inadequado e

insuficiente. Isso ocorre, talvez, em função da ausência de uma discussão mais

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47

ampla, nos cursos de formação, sobre a nossa realidade linguística no tocante à

sua heterogeneidade e à violência simbólica que a atravessa.

Os livros didáticos trazem os fenômenos da variação de forma marginal,

embasados, muitas vezes, na cultura do erro. Assim, observa-se uma

predominância da abordagem da variação geográfica apresentada muito mais de

forma anedótica do que como expressão linguística da história das comunidades

de cada região. Nesse sentido, destaca-se a abordagem do português rural que

se dá de forma caricaturada, o que acaba reforçando estereótipos e colaborando

para uma compreensão equivocada das diferenças entre os falares urbanos e os

falares rurais. Além disso, pouco contribuem para a crítica dos preconceitos

linguísticos que recobrem esses falares.

Além disso, os livros exploram superficialmente a variação estilística.

Dificilmente consideram que, em língua, o que ocorre são contínuos de variação e

não recortes estanques e que a exploração estilística é um dos meios que os

falantes utilizam para gerar sentidos. Da mesma forma, raramente tratam da

variação social, buscando discutir os contrastes, conflitos, aproximações e

distanciamentos entre a norma popular e a norma culta/comum/standard da nossa

língua.

O nosso grande desafio hoje é lutar pela construção de uma pedagogia que

reconheça o nosso país como multilíngue e dê destaque crítico à variação social

do português, não dê tratamento anedótico ou estereotipado aos fenômenos da

variação (como ocorre com o personagem Chico Bento, que é uma imagem

caricaturada do homem do campo), localize adequadamente os fatos da norma

culta/comum/standard no quadro amplo da variação e no contexto das práticas

sociais que a pressupõe, abandone criticamente o cultivo da norma padrão e

estimule a percepção do potencial estilístico dos fenômenos da variação.

Como professor de língua, eu não poderia ficar indiferente às reflexões aqui

expostas nem deixar de concluir que preciso reavaliar minha prática pedagógica

no tocante ao trabalho com a variação linguística na sala de aula, a fim de que eu

posa contribuir, de fato, com a construção de uma pedagogia da variação que

leve nossos estudantes a formularem uma representação positiva de nossa língua

em suas múltiplas variedades, que se tornem sensíveis à variação e atuem como

agentes de combate ao preconceito linguístico e todas as formas de violência

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simbólica que atravessam as nossas relações sociais. Para isso, preciso rever

não só as minhas próprias crenças quanto aos fenômenos da variação, mas

também a forma como lido com a diversidade. Enfim, preciso buscar novas

alternativas pedagógicas que, de fato, contemplem essas novas orientações para

o ensino de língua e que se aproximem a teoria da prática. Este é, sem dúvida,

um dos grandes desafios do nosso tempo.

4. A SEQUÊNCIA DIDÁTICA8:

PÚBLICO ALVO: Alunos do 9º ano do CEACB, em Acajutiba/BA.

CONTEÚDO: Variedades Linguísticas

TEMPO: 18 aulas organizadas em 09 encontros, cada um com duas aulas

geminadas.

GÊNERO: Entrevista/Quadro Comparativo dos Traços Graduais e Contínuos do

Português Brasileiro falado em Acajutiba.

PROBLEMA: Em que medida a fala dos alunos na roda de conversa realizada

durante as aulas de Língua Portuguesa e a fala da sua comum idade linguística

podem ser aproveitadas em sala de aula para as práticas de escuta e reflexão

sobre a língua a fim de se desenvolver um trabalho com as variedades

linguísticas e a adequação da língua ao contexto?

OBJETIVO GERAL:

• Proporcionar uma reflexão sobre o funcionamento e a variação da língua a

partir das variedades linguísticas.

METODOLOGIA:

1. Aplicação de questionário;

8 Há nesta sequência didática atividades orais e de escrita, que não desmembrei em virtude de se correr o

risco de perder a sequenciação e o entendimento da proposta no que se refere ao estudo da variação linguística e o trabalho com norma prestigiada e norma popular.

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2. Roda de conversa;

3. Sequência didática:

3.1 Entrevista.

3.2 Quadro Comparativo.

SEQUÊNCIA DIDÁTICA:

1º momento (02 aulas)

Objetivo específico: Elaborar roteiro e questões para entrevista gravada.

1. Exibição de um vídeo retirado do youtube sobre entrevistas feitas por alunos.

2. A primeira produção (simulação de uma entrevista com os colegas de sala a

partir de um roteiro criado por eles e pelo que já sabem do gênero em questão,

tendo como tema a Variação Linguística)

3. Elaboração de entrevista gravada9. Elaboração do roteiro. Orientação para a

realização. Quem será entrevistado? Quantos? Quais perguntas? Divisão dos

grupos e dos aspectos a serem observados por eles.

Sugestão de análise e/ou perguntas para fazer emergir o estilo menos

monitorado e/ou mais monitorado:

a. avaliar a variação fonológica de algumas palavras Eis as palavras: bicicleta,

folha, peixe, sandália, esmalte, relógio, botão e arroz;

b. analisar a pronúncia final das palavras terminadas em dígrafos nasais / /, ou

seja, o /m/ como marca de nasalização da vogal anterior e não como consoante;

c. observar e constatar se o /R/10 pós vocálico em final de sílaba em infinitivos é

suprimido, independente da pronúncia, da escolaridade e da região; se é um traço

gradual;

9 A intenção era fazer a entrevista gravada, vez que estou trabalhando com traços graduais e descontínuos

na fala dos entrevistados. Contudo isto não foi possível porque os participantes se recusaram a gravar a entrevista, de forma que tive que adaptar a atividade para retextualização.

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d. observar se o /o/ átono numa palavra paroxítona passa ao som de /u/;

e. observar a realização fonética do /R/. Se é consoante posterior articulada na

garganta ou consoante anterior articulada com vibrações na ponta da língua ou

ainda articulada com a língua dobrada para trás (retroflexa/ o “r” caipira).

2º momento (02 aulas)

Objetivo específico: Discutir sobre o contínuo oralidade/escrita a partir de um

texto e produzir um parágrafo sobre as discussões em torno dele.

Texto: “O FAX DO NIRSO”

Leitura realizada pelo professor, discussão e registro no caderno pelos alunos

(por escrito e em um parágrafo) do que foi discutido.

Leitura voluntária das produções e intervenção (comentários) minha.

3º momento (02 aulas)

Objetivo específico: Identificar os provérbios ilustrados nos emotions, relacioná-

los aos diferentes contextos linguísticos e analisar estrutura linguística (sintática e

semântica).

Provérbios em forma de emotions ( conferir no anexo C)

a. exibição de slide em tv pen drive;

b. decifração em duplas e trios;

c. exploração da linguagem não-verbal, aspectos sintáticos formais da língua

presentes nos ditos populares;

d. Interpretação do uso dos provérbios e seus contextos;

e. Provérbios com léxico na Linguagem formal.

4º momento (02 aulas)

10

Optei pela transcrição fonológica, que é feita utilizando barras inclinadas.

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Objetivo específico: Descrever as ideias do vídeo apresentado e produzir texto

(resumo) registrando as informações e impressões sobre ele.

1. Exibição do vídeo sotaques do Brasil, extraído do site do Jornal Hoje do dia

12/08/1411:

2. Registro no caderno (por parte dos alunos) sobre as impressões do vídeo após

uma breve discussão de ideias.

5º momento (02 aulas)

Objetivo específico: Discutir com os educandos as ideias do texto “Nóis

mudemo”, interpretando-o e promovendo uma reflexão sobre a língua portuguesa

falada no Brasil.

A utilização do texto “Nóis Mudemo”12 proporcionará uma reflexão sobre a

variedade linguística do português brasileiro e oportunizará uma discussão sobre

o preconceito linguístico a fim de se combater o mito que afirma que “as pessoas

sem escolaridade falam errado”.

1.Exploração do título na lousa (inferências hipóteses e perguntas);

2. Apresentação de uma breve biografia do autor na tv pen drive em forma de

slides;

3. Serão distribuídas cópias do texto;

4. Leitura Individual/Leitura Compartilhada;

5.Confirmação/refutamento das hipóteses iniciais;

6. Questionamentos Orais para motivar a discussão:

a. O pai do personagem Lúcio Afirma “ Nós da roça fala tudo errado”. Vocês

concordam com ele?

11

O vídeo encontra-se disponível em: http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2014/08/sotaques-do-

brasil-desvenda-diferentes-formas-de-falar-dobrasileiro.html

12

O texto encontra-se disponibilizado na seção Anexo”.

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b. Para vocês, existe uma forma certa e outra errada de falar?

c. O que vocês acharam da atitude da professora quando em sala de aula corrigiu

a maneira de falar de Lúcio na presença dos colegas?

d. Por que Lúcio falava diferente do restante da turma?

e. A que conclusão chega a professora ao final da história?

f. Gramática normativa e língua são a mesma coisa?

g. É possível falar sempre de acordo como a gramática normativa prescreve?

7. Considerações finais/ Interpretação de texto.

6º momento (02 aulas)

Objetivo específico: Identificar os mitos de que fala o vídeo e comentar sobre

eles

1. Exibição do vídeo Preconceito Linguístico, extraído do Youtube13:

2. Produção de cartaz com frases retiradas do vídeo e imagens de revistas

disponibilizadas pelo professor;

7º momento (02 aulas)

Objetivo específico: Analisar textos literários que trazem a variedade linguística

estigmatizada, a fim de promover uma reflexão e localizar a ideia central de cada

um deles.

1. Distribuição de pequenos textos (poemas) por grupos14:

a. Aula de Português, de Carlos Drummond de Andrade.

b. Erro de Português, de Oswald de Andrade.

c. Pronominais, de Oswald de Andrade.

13 Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=QLsmAGq5jZw

14 Os textos utilizados encontram-se disponibilizados na seção Anexos.

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d. Evocação do Recife, de Manuel Bandeira.

e. O Portuguêis, de Jô Soares.

2. Apresentação por grupo de cada um dos poemas e comentários feitos

por eles no momento em que discutiram a ideia central de cada um e as

impressões que tiveram ao ter contato com os poemas.

8º momento (02 aulas)

Objetivo Específico: Analisar o material coletado a partir dos critérios

selecionados .

1. Discussão em sala de aula do material coletado nas entrevistas e dos

resultados.

9º momento (02 aulas)

Objetivo específico: construir um quadro ilustrativo na lousa, demonstrando o

“mapeamento linguístico” da comunidade de Acajutiba a partir do paralelo: norma

estigmatizada X norma prestigiada, ressaltando as semelhanças presentes nos

dois registros.

1. Produção, pelo professor (na lousa), de um quadro ilustrativo dos traços

graduais e descontínuos existentes no português do Brasil e presentes nos

falares dos entrevistados, abordando palavras e expressões que fazem parte não

só do universo rural ou não-escolarizado, mas também da fala urbana

escolarizada (pais, professores...)

4.1 Descrição das atividades

Em meados de abril, após várias orientações, passei a fazer a pesquisa

etnográfica, que se iniciou em maio e durou o mês inteiro. Assim pude

caracterizar o público de minha intervenção e o cenário pedagógico onde estamos

inseridos. Foi então que em junho elaborei um questionário a fim de colher

informações, por meio de material escrito, a fim de se descobrir a concepção que

cada aluno possuía sobre língua, linguagem, gramática e variação linguística.

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Este questionário foi aplicado e a partir dele começou o processo de intervenção

no início de julho, assim que o recesso junino terminou e voltamos às aulas.

Percebi, por meio da análise das respostas dadas no questionário (apêndice

A) que em sua grande maioria os alunos possuíam uma visão de língua como

algo relacionado apenas à gramática normativa e não havia um discernimento

sobre algumas questões-chave no aprendizado de língua materna, tais como: o

que é falar bem, escrever bem, relação oralidade/escrita, dentre outras. Alguns

acreditavam que a forma “correta” de usar a língua é na escrita, demonstrando

total desprezo (e preconceito) à modalidade falada. Por outro lado,

contraditoriamente, afirmava saber usar a língua portuguesa muito bem na fala,

mas não na escrita.

ALUNOS (AS) QUANTITATIVO Z. URBANA Z RURAL

RAPAZES 09 03 06

MOÇAS 22 06 16

TOTAL 31 09 22

As questões foram assim agrupadas por mim: as de nº 7, 8, 9, 10, 11 e 23

são relativas ao falar; as de nº 17, 18, 19, 20, 21 e 22 referem-se ao escrever; e

as de nº 14, 16 e 30 estão relacionadas à variação linguística. Todas estas de

alguma forma estão tentando fazer emergir a concepção de língua que os

estudantes possuem.

A questão 07 que trata da questão do “falar bem”, e pergunta se eles

consideram que falam bem a língua portuguesa, obtive os seguintes resultados:

SIM NÃO NÃO SOUBERAM

RESPONDER

13 12 06

13 (06 rapazes e 07 moças) responderam sim; 12 (02 rapazes e 10 moças)

responderam não e 06 (03 meninos e 03 meninas) não souberam ou não

quiseram responder. Selecionei algumas respostas dadas a esta questão:

Aluna 1: “as aulas de português é que ensinam a falar bem”.

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Aluno 2: “é o professor que ensina a falar”.

Aluna 3: “diz que fala bem porque não usa gírias”.

Aluna 4: “diz que fala bem porque todos a entendem”.

Aluno 5: “diz que fala bem porque todos o entendem”.

Aluna 6: “afirma que fala bem porque escreve bem”.

A questão 8 quer saber dos estudantes o que é, para eles, falar bem.

Dentre as respostas selecionadas (as mais curiosas) para análise, temos:

Alunas 7, 8 e 9 têm a mesma ideia: afirmam que é saber se expressar e ser

entendido.

Aluna 10 relaciona o bem falar à questão da leitura em voz alta quando afirma

que está relacionado à entonação, ritmo e ortografia/pronúncia.

Aluna 11 afirma que falar bem é obedecer a norma padrão.

Aluno 12 diz que é saber verbos.

Aluna 13 afirma que é falar bonito.

A questão 9 pergunta se há uma forma correta de falar e qual seria?

SIM NÃO NÃO SOUBERAM

RESPONDER

18 10 03

Dentre os 18 que responderam que sim, alguns indicaram qual seria a forma

“correta” de falar:

A forma correta de falar é

a da gramática

É de acordo com o lugar

e com os hábitos

É a do interior; da minha

cidade

06 01 01

A questão 10 quer saber qual o objetivo da escola ensinar uma língua que

eles já falam. Em sua maioria os alunos responderam que era para aprender a ler

melhor ou ampliar o conhecimento, contudo algumas respostas chamaram mais

atenção porque estavam voltadas a uma concepção tradicional de língua que

ainda separa o que é “certo” do que é “errado” na língua. Um respondeu que era

para consertar os erros de ortografia, outro afirmou que era ensinar o modo certo

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de falar, e outro disse que era para aperfeiçoar e atualizar as regras e normas da

língua. A mais estarrecedora foi a resposta da aluna que afirmou que era para

“consertar nossos erros” [sic].

Paradoxalmente a estas respostas acima, na questão 11, onde pergunto se

no Brasil as pessoas falam sempre do mesmo jeito e qual a diferença que eles

percebem, as respostas foram assim contabilizadas:

SIM NÃO Não souberam

responder

02 26 03

Este resultado acima demonstra que há o reconhecimento de que apesar de

a língua ser a mesma, não é falda da mesma forma pelos milhões de brasileiros.

As respostas que mais chamaram minha atenção foram:

“Não, á muitas diferenças linguísticas no Brasil, tais como sutaque, modo de

falar, etc.” [sic];

“Não. O jeito das pessoas falarem se diferem de acordo com a região na qual

elas vivem. Um exemplo é o Sul e o Nordeste”. [sic]

Surpreendentemente, na questão 23, ao perguntar se as pessoas sem

instrução falam tudo errado ou não sabem falar o português, 17 alunos

responderam que sim e 12 responderam que não, enquanto que apenas 02 não

souberam responder. As respostas mais interessantes e inusitadas dos que

responderam “não” e que fugiu à concepção tradicional de língua foram as

seguintes:

Aluna 15: “Não, pois na convivência com as outras pessoas os fazem aprender”

[sic];

Aluna 16: “Na verdade ninguém fala errado, mis sim da forma que foi ensinado”

[sic];

Aluna 17: “Sabem falar, mas com gírias e sem concordância”;

Aluna 18: “Não todas não, porque minha avó não é alfabetizada e fala bem”.

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Com relação às questões 14, 16 e 30, que tratam mais especificamente da

variação linguística, considerei importante destacar algumas respostas que me

chamaram mais a atenção. Na questão 14, a grande maioria respondeu que nas

aulas de língua portuguesa são consideradas as variedades linguísticas e não se

restringe ao ensino da gramática normativa, outros simplesmente responderam

“sim”, por isso não reproduzi aqui nenhuma das respostas, pois não houve

nenhuma de destaque. Na questão 16, poucos foram os que admitiram já ter

passado por uma situação de discriminação pela maneira como falam. Na

questão 30, a maior parte dos alunos acredita que usa a mesma língua sem

alterar em nada a maneira como fala nos diversos contextos em que se encontra.

Questão 16: Você já sofreu algum tipo de discriminação por causa da

maneira como você fala?

Aluno 19: “Sim porque tem muitas pessoas que não gosta do jeito que eu falo”.

[sic]

Aluno 20: “Não. Discriminação não! Mas já corrigiram o meu modo de falar”.

Aluno 21: “Sim, muitas vezes por pessoas de outras cidades como: Salvador e

São Paulo”.

Aluno 22: “Já quando falei amalero para amarelo”.

Aluno 23: “Sim, muitas vezes”.

Aluno 24: “Sim, muitas vezes até por colegas”.

Questão 30: Fora da escola você usa a mesma língua do mesmo jeito ou

usa de maneira diferente?

Aluno 25: “Depende da situação”.

Aluno 26: “As vezes sim quando estou no face abreviu as palavras, quando estou

em casa relaxo e não me importo com a forma como falo”. [sic]

Aluno 27: “A mesma, ou melhor, dependendo do local que esteja ou de com

quem eu esteja”. [sic]

Aluno 28: “Uma língua diferente. Eu uso gírias”.

Aluno 29: “Uma língua diferente, a linguagem popular”.

Aluno 30: “Não. Porque sempre utilizo minhas gírias”.

Aluno 31: “A mesma. Eu não falo diferente em ambientes diferentes”.

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A partir desta constatação, parti para a intervenção propriamente dita, e

realizei uma roda de conversa (duas aulas geminadas) que teve como ponto de

partida a leitura de um capítulo do livro didático adotado pela escola e posterior

discussão com a sala organizada em círculo para que todos pudessem se ver e

também para propiciar uma maior participação de todos. O capítulo tem como

título: Uma língua: muitas línguas/Variação linguística, do livro Ser Protagonista,

da Editora Santa Maria. (anexo A). A partir dele provocações foram sendo feitas

por mim para promover uma reflexão sobre aquilo que eles tinham lido e

principalmente sobre o que tinham dado como resposta no questionário. Mesmo

com a leitura do capítulo, ficou claro na fala dos alunos que as concepções que

possuíam não tinham mudado apenas com a leitura daquele capítulo do livro

didático e que além da conversa ali realizada, precisaria realizar algumas

atividades que fizessem com que eles pudessem vivenciar situações de uso da

língua que derrubassem alguns mitos revelados por eles e mostrasse como a

língua muda de acordo com o contexto. Eis algumas consideração feitas

oralmente por eles:

Depoimento 1: “(...) todas as pessoas do Brasil falam a mesma língua, mas

algumas aprenderam a falar errado e é essa a diferença de falar a mesma língua

e não falar: uns falam certo e outros falam errado”. (aluno de 16 anos)

Depoimento 2: “ (...) as pessoas que não se formaram, os mais velhos não

falam muito bem”. (aluno de 14 anos)

Depoimento 3: “Professor, pessoas que estudaram falam melhor que o

analfabeto”.

Depoimento 4: “No meu entender muitas pessoas falam errado a própria

língua materna”.

A partir daí perguntei à turma se eles conheciam o gênero oral entrevista.

Após ouvir as considerações dos que se pronunciaram, perguntei se eles

gostariam de realizar uma entrevista com a comunidade a fim de observar a

linguagem das pessoas e trazermos apara sala de aula o que eles coletassem

para estudarmos e avaliarmos alguns aspectos da língua. Foi assim que elaborei

as sequências didáticas que norteariam a nossa produção final e na aula seguinte

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levei dois vídeos didáticos retirados da internet15 para exemplificar o que é uma

entrevista, discutimos as ideias apresentadas no vídeo e em seguida expliquei

sobre a linguagem utilizada nos diversos tipos de entrevistas e disse que eles

precisariam vivenciar esta situação de gênero oral para entendê-lo melhor e fazer

um roteiro para executar a entrevista. Este foi o primeiro momento da sequência:

apresentação da situação, como denominam e propõem Schneuwly e Dolz

(2004). Aproveitei a situação do preconceito linguístico evidenciado no

questionário aplicado para servir de tema para nossa entrevista, já que

“as sequências visam ao aperfeiçoamento das práticas de escrita e produção oral (...) não podem assumir a totalidade do trabalho necessário para levar os alunos a um melhor domínio da língua e devem apoiar-se em certos conhecimentos, construídos em outros momentos (...) as sequências didáticas propõem numerosas atividades de observação, de manipulação e de análise de unidades linguísticas”. (SCHENEUWLY E DOLZ: 2004, p. 96)

A partir daí surgiram as três etapas seguintes da sequência didática,

seguindo o modelo proposto pelos autores anteriormente citados: a primeira

produção (simulação de uma entrevista com os colegas de sala a partir de um

roteiro criado por eles e pelo que já sabem do gênero em questão, tendo como

tema a Variação Linguística), os módulos (atividades que darão embasamento

para domínio do gênero e do conteúdo a ser abordado na entrevista) até chegar à

última, que é a produção final: a entrevista em si para daí fazermos um quadro

comparativo dos traços graduais e descontínuos existentes no português do Brasil

e presentes nos falares dos entrevistados. Sobre os módulos que compõem a

sequência didática, os autores consideram:

O caráter modular das atividades não deverá obscurecer o fato de que a ordem dos módulos de uma sequência didática não é aleatória. Se vários itinerários são possíveis, certas atividades apresentam uma base para a realização de outras. (idem, p. 94)

Foi então que na aula seguinte levei e li o texto o Fax do Nirso (anexo B)

para iniciar a discussão sobre variedades linguísticas (discutir as diferenças entre

o oral e o escrito) de maneira descontraída e gerar mais algumas reflexões sobre 15

Os vídeos encontram-se disponíveis em: https://www.youtube.com/watch?v=wLz1dsj7Tn0 e

https://www.youtube.com/watch?v=G0gWgvRkmLI.

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os usos da língua, afinal o Nirso obtém sucesso naquilo que se propõe a fazer

mesmo sem dominar a ortografia oficial. Solicitei então que registrassem por

escrito (em um parágrafo) o que foi discutido e me trouxessem na aula seguinte

para finalizarmos esta atividade e assim eles pudessem perceber a necessidade

do uso formal da língua na escrita e a diferença entre esta modalidade de uso da

língua e a exposição oral. Na aula seguinte (02 aulas) alguns alunos

voluntariamente leram suas considerações sobre o que foi discutido e eu fui

fazendo observações acerca dos ajustes linguísticos, explicando a necessidade

do uso formal ou não da língua na situação de comunicação que eles iriam

realizar, considerando os interlocutores que iriam entrevistar e a utilizada na

produção escrita deles. Segue abaixo dois textos produzidos por dois grupos,

após toda a discussão relatada acima. No 1º texto, os alunos relacionam a

discussão oral ao livro didático que trata da relação entre oralidade e escrita,

assim como fica clara no texto a necessidade do uso da variedade de prestígio –

que aparece representada pela palavra “gramática” – na situação apresentada.

No 2º texto, o grupo deixa claro a diferença das duas modalidades de texto (oral e

escrito), ressaltando sua complementaridade.

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Para justificar a atividade que segue, necessário se faz registrar que, como

foi relatado na etnografia, os alunos (aqui deste interior) em sua maioria fazem

parte de um universo agrícola, esta é base econômica da região, são

provenientes da zona rural em que a escrita não é tão desenvolvida e os

ensinamentos por meio de provérbios é muito intenso e recorrente nos diálogos

deles. Desta forma, a utilização dos provérbios nas aulas que seguem faz parte

de uma estratégia para mostrar que mesmo sendo populares estes ditos mantém

uma estrutura linguística formal, mesmo que em alguns o vocabulário seja muito

mais próximo do popular. Mesmo porque, como já foi dito anteriormente, alguns

alunos acreditam que não sabem escrever e que a única forma de “saber língua

portuguesa” é por meio da escrita e utilização da norma padrão/formal, que eles

acreditam não dominarem e acham que a língua falada por eles não serve para a

escola, para os usos sociais da língua, revelando preconceito linguístico que pode

ter sido desenvolvido na própria escola em anos anteriores.

Embora alguns vivam em áreas rurais, outros (ou até eles mesmos)

possuem celulares, e como se utilizam de ditos populares em sua comunidade,

desenvolvi uma atividade (04 aulas em dois dias) que consistia em utilizar

emotions para decifração dos ditos populares que estavam sendo utilizados na

brincadeira (anexo C). Os emotions foram expostos na TV pendrive em forma de

slide e eles (em duplas ou trios) iam socializando o que sabiam sobre provérbios

com aqueles que não o conheciam tão bem mas que conheciam os emotions por

utilizarem celular com maior frequência e dominavam a comunicação mista

(verbal e não-verbal) das redes sociais. Após a socialização das respostas, fomos

analisando a estrutura linguística de cada provérbio até eles perceberem que

apesar de serem ditos populares, apresentavam uma estrutura gramatical que

estava convergente com a gramática normativa. Ou seja: chegaram à conclusão

de que falavam norma padrão sem ter convicção ou plena consciência e assim

perceberam que são falantes também da norma dita culta. Se um dos objetivos do

trabalho com língua portuguesa é proporcionar o contato com a variedade padrão,

acredito que este trabalho tenha contemplado isto.

Ainda assim solicitei que decifrassem alguns provérbios, mas que estavam

numa linguagem mais formal (o vocabulário foi modificado propositalmente)

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apenas para ilustrar que os mesmos são objetivos e curtos e que na modalidade

mais formal, com palavras mais rebuscadas, eles não atingem o seu objetivo de

ser breve e claro. E ainda: em algumas situações o vocabulário mais rebuscado

não irá servir, assim como em algumas situações a formal não ajuda, pode

inclusive até atrapalhar, considerando os objetivos da situação comunicativa e os

envolvidos nela. Para concluir esta atividade detivemo-nos em cada provérbio

para tentar exemplificar situações em que eles seriam empregados, enfatizando o

caráter poético, metafórico de sua linguagem. É importante observar que, a partir

desta atividade, foi evidenciado para os alunos que o processo de variação ocorre

em todos os níveis de funcionamento da linguagem, sendo mais perceptível na

pronúncia e no vocabulário. Esse fenômeno da variação se torna mais complexo

porque os níveis não se apresentam de maneira estanque, eles se superpõem.

São eles: nível fonológico, nível morfossintático e nível vocabular.

Antes da aplicação das atividades seguintes, que será com textos, resolvi

apresentar um vídeo (02 aulas) que foi exibido no Jornal Hoje, rede Globo, sobre

os sotaques do Brasil16. Este vídeo foi postado no grupo do facebook “Língua

Portuguesa”17, criado por mim no início deste ano com o intuito de postar textos,

vídeos, informações e dicas sobre a língua para que eles tivessem um material

complementar às aulas do colégio. E foi no Laboratório de Informática que

assistimos a este vídeo18 com a utilização da rede social, propiciando também, a

meu ver, o letramento digital.

A partir daí uma nova discussão, desta vez a partir de um vídeo, foi feita e,

para mim, ficou claro, por meio das falas dos alunos, que tinham não só entendido

o vídeo que trata da variação linguística do Brasil com relação ao sotaque ou ao

vocabulário, mas também percebido a necessidade do respeito às diferenças

linguísticas e que elas fazem parte de nosso cotidiano, queiramos ou não. Alguns

alunos fizeram uma relação entre o vídeo e o que foi discutido na aula anterior na

roda de conversa a partir do capítulo do livro didático, que aborda a riqueza da

língua portuguesa do Brasil e fizeram associações também com palavras que

usam em seu cotidiano e que varia em outros estados, lembraram a diferença de

16

disponível em: http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2014/08/sotaques-do-brasil-desvenda-

diferentes-formas-de-falar-do-brasileiro.html. 17

A página do grupo continua ativa em: https://www.facebook.com/groups/582135608552122/ 18

As fotos desta aula encontram-se na seção Anexos como material pessoal do pesquisador.

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pronúncia das letras do alfabeto, já que na sala havia um aluno que veio de São

Paulo, além de outros que vieram de outros estados mais próximos e que deram

exemplos de como se falam alguns vocábulos e expressões por lá: pão,

geladinho, biscoito, frango, enrabar, tangerina, aipim, “comer um trem”, “se avexe

não”, dentre outros.

O objetivo ao trabalhar este vídeo é proporcionar uma reflexão a fim de que

chegassem à conclusão de que a língua não é usada de modo homogêneo por

todos os seus falantes. O uso de uma língua varia de época para época, de

região para região, de classe social para classe social, e assim por diante. Nem

individualmente podemos afirmar que o uso seja uniforme. Dependendo da

situação, uma mesma pessoa pode usar diferentes variedades de uma só forma

da língua. Solicitei aos alunos que pesquisassem na internet e trouxessem (quem

não tivesse acesso à internet a escola o disponibilizaria no turno oposto ou no

intervalo) de casa uma lista de algumas expressões dos diferentes estados do

Brasil para socializar na aula seguinte ou produzissem um texto sobre o que

tínhamos discutido sobre os sotaques do Brasil19

Após socialização das expressões, foi o momento de distribuir entre eles

(dupla) o texto “Nóis Mudemo”, de Fidêncio Bogo para realização de uma tarefa

de interpretação em dupla (anexo D), e para posteriormente à leitura do texto

abordar mitos sobre a língua (em forma de vídeo animado baixado do site

youtube) e propor a confecção de um cartaz, contendo os mitos abordados,

diferentemente da atividade de produção textual que foi feita na atividade após a

roda de conversa. Desta vez a discussão foi em torno do ensino/uso da gramática

em sala de aula. O texto deixa clara a rigidez com que ela é utilizada na escola e

por meio desta crônica ilustra como o preconceito linguístico levou à evasão de

um aluno e a uma reflexão da professora-personagem sobre o ensino de língua

materna. Após a apresentação de uma breve exposição da biografia do autor,

destacamos alguns elementos do gênero em questão: personagem, espaço,

tempo, narrador, etc e exploramos o texto com algumas perguntas orais:

a) A professora agiu corretamente ao corrigir o aluno na frente da turma?

b) O que revela para nós este comportamento da professora?

19

Algumas produções dos alunos sobre esta aula, que abordou os sotaques do Brasil, encontram-se em Apêndice C.

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c) Na sua opinião, qual deveria ser a atitude da professora diante do aluno Lúcio?

d) O pai do personagem Lúcio afirma que não sabe falar, que fala tudo errado. O

que você acha desta afirmação?

e) Ao final da crônica, a professora chega a uma conclusão a respeito da

gramática e de suas aulas de língua portuguesa. Que conclusão é esta? Em

seguida uma atividade escrita (e em dupla) de interpretação de texto.

Após isto, apresentei o vídeo animado sobre Preconceito Linguístico20 e, em

seguida, com papel metro, revistas, tesoura, cola e piloto, os alunos passaram a

fazer a produção dos cartazes, que ficaram exibidos na sala de aula.

No encontro seguinte (02 aulas) após dividir a sala em seis grupos, distribuí

cinco textos (anexo E), um para cada grupo. Ei-los: Aula de Português, de Carlos

Drummond de Andrade; Erro de Português, de Oswald de Andrade; Pronominais,

de Oswald de Andrade; Evocação do Recife, de Manuel Bandeira; O Portuguêis,

de Jô Soares. A escolha destes textos se deu em virtude da provocação de uma

aluna na aula anterior, que questionou o fato de os livros e textos literários dos

que consideramos grandes escritores não estarem numa linguagem mais

acessível, pois eles utilizam a norma culta e não a norma popular. Citou para isso

Machado de Assis e José de Alencar. O objetivo desta aula foi analisar textos

literários que trazem a variedade linguística para reflexão e localizar a ideia

central de cada um deles. Foi dado o tempo de 10 minutos para cada grupo ler e

discutir com seu grupo sobre as ideias do texto, relacionando com o que já tinha

sido discutido nas aulas anteriores. Feito isto, cada grupo elegeu um relator para

ler o texto para a turma e proferir em nome do grupo as conclusões a que

chegaram, que descrevo a seguir:

O grupo 01, após ler o poema para a classe, quis saber quem era o

professor Carlos Góis que estava citado no poema. Após eu explicar, eles

continuaram dizendo que chegaram à conclusão que aquela aula de português do

autor do poema era uma aula era antiga e que o sujeito do poema (eu lírico, na

verdade) estava triste com a aula que estava assistindo porque não era a mesma

linguagem que ele falava: a do namoro com a prima. E que no Brasil parece que

existem duas línguas portuguesas mesmo: uma é a linguagem do aluno e a outra

20

O vídeo está disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=QLsmAGq5jZw

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é a formal que ninguém aprende. O grupo foi aplaudido enquanto eu anotava

essas considerações para, ao final, fazer as minhas intervenções.

O grupo 02, após ler o poema para a classe, seguiu com seu comentário

afirmando que o português vestiu o índio não só com roupas, mas também

impondo a sua língua que na mistura com o tupi virou a língua brasileira. Citaram

a relação de poder entre os povos e que a chuva é apenas uma metáfora para

afirmar o poder de um povo sobre o outro, pois se o sol estivesse brilhando para

os nativos eles é que despiriam o português. Pontuaram que o evento do poema

se refere ao encontro entre índios e portugueses na época do descobrimento do

Brasil.

O grupo 03 leu o poema “Pronominais” e iniciou seu comentário dizendo que

ninguém fala assim: Dê-me um cigarro e ainda exemplificou que a expressão “me

poupe” além de ser mais fácil de falar é mais gostosa de se usar e que até os

atores da novela falam assim e não apenas quem não vai à escola. Finalizam

afirmando que a gramática diz uma coisa, mas as pessoas falam como querem.

Mas que se não escrever como a gramática quer, perde no ENEM.

O grupo 04 leu o poema “Evocação do Recife” e justamente neste grupo

havia um aluno que morou lá e tinha chegado em 2014 para o município de

Acajutiba. O grupo destacou os versos: “a língua errada do povo/ a língua certa

do povo” e “o que fazemos é macaquear a sintaxe lusíada” para fazer as suas

considerações. E resumiram dizendo que o que é certo para o povo é errado para

a gramática, mas o povo se entende falando sem seguir a gramática. O aluno

falou da passagem que se refere aos rios Capibaribe e Beberibe e o fato de

Manuel Bandeira ser um poeta recifense. Finalizaram dizendo que o poema falava

da infância do poeta e que era um poema simples que falava de coisas do dia a

dia e que por isso nem parecia poema. Não sabiam, segundo a representante do

grupo, que um poema poderia contar uma coisa como se fosse uma narração.

Por fim, o grupo 05 leu o texto “U Portuguêis”, de Jô Soares. Disseram que

acharam engraçado porque as apalavras estavam estranhas, pois estavam

escritas como se fala. E opinaram que seria mais fácil se a gente escrevesse

como se fala, mas que a escrita é diferente da fala.

Surgiu o momento de eu fazer os comentários sobre a participação e

observações dos grupos. Comecei pelo último a se apresentar e disse que Jô

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Soares fez um texto cômico a fim de brincar com a diferença entre o português

falado e escrito e que, na verdade, em todas as línguas, as pessoas falam de um

jeito e escrevem de outro. Escrever e falar são modalidades diferentes e que não

há nenhuma escrita que corresponda ou represente a fala de qualquer pessoa e

que cada modalidade possui suas estratégias e regras próprias no processo de

comunicação e interação. Finalizei dizendo que não existem só essas diferenças

na língua, mas outras que dependem de diversos fatores como, por exemplo, as

região, a idade, o grupo social, dentre outros.

Aproveitei para associar isto ao poema de Manuel Bandeira a partir do que

eles explanaram. Informei que a língua falada pelo povo é sempre certa, que não

existe erro linguístico, mas erro gramatical e que nós, algumas vezes,

precisaremos usar esse conhecimento gramatical em algumas situações, contudo

não existe erro de português, mas diferentes situações de uso.

Aproveitei esta ideia e destaquei o uso do pronome oblíquo como regra do

português de Portugal e que está em nossa gramática normativa, mas o nosso

povo usa a língua da maneira que mais lhe convém e que o importante é saber

que a próclise neste caso já se tornou comum e geral e não é só quem não vai à

escola que fala assim; é, pois, um traço gradual no português falado no Brasil.

Contudo é preciso saber usar a forma gramatical quando necessário, afinal tudo

depende do contexto comunicativo. Falei do (des)encontro em portugueses e

nativos em 1.500 e superficialmente sobre a quantidade de línguas aqui

existentes na época da colonização, aproveitei para citar palavras de origem tupi

que até hoje fazem parte de nosso idioma e falei também das relações de poder

de uma língua e o que determina o prestígio de uma variedade sobre outra são

questões políticas e ideológicas e que a língua é um poderoso instrumento de

controle social, de manutenção ou ruptura dos vínculos sociais, basta olhar para o

passado e ver o que ocorreu não só com os indígenas, mas também com os

negros quando eram trazidos em navios negreiros para a colônia: eram

separados os que falavam a mesma língua e pertenciam a uma mesma rede

social para evitar que se rebelassem contra os que escravizavam.

Por fim cheguei às considerações do 1º poema lido: Aula de Português. E foi

com o último verso que iniciei as minhas observações: O português são dois; o

outro, mistério. Na verdade existem três português – e me baseei em Dante

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Lucchesi (2002), Bagno (2007) e em Rosa Virgína (2004) para explicar esta visão

tripartida da língua portuguesa. Aproveitei para explicar o adjetivo “culta” que está

presente na expressão “norma culta” e todas as implicações no uso dele.Preferi

usar a terminologia sugerida por Bagno (2007): norma padrão, variedade

prestigiada e variedade estigmatizada em vez de norma culta e norma popular

para as duas últimas. Aproveitei para desfazer o equívoco entre as expressões

“norma padrão” e “norma culta” Os alunos prestaram atenção enquanto eu falava,

mas interrompiam também e eu aproveitava a fala deles para dar prosseguimento

a respeito do que era a nossa rica língua portuguesa cheia de variedades. E fui

provocando-os com questionamentos, do tipo: O que é norma e o que é regra?

Quem determina a norma? Existe um jeito certo de falar ou adequado? A língua

escrita é formal e a oral é informal? A variedade só ocorre nos falantes da zona

rural? Nós também não fazemos vários usos de uma mesma língua adequando-a

aos contextos?

Na semana seguinte em duas aulas geminadas, passamos a construir os

critérios da entrevista a ser realizada por eles, selecionamos o corpus do trabalho:

coleta de dados (levantamento de material) pela entrevista (evidências da

realidade) e dividimos a sala em grupos para que cada um deles pudesse

entrevistar uma pessoa das que havíamos selecionado. Elaboramos as perguntas

e/ou atividades a serem realizadas e orientei quanto à postura que deveriam ter

ao se dirigir ao possível entrevistado, a linguagem que deveriam utilizar, a

autorização do entrevistado para gravar e o que deveriam informar sobre a

entrevista. O objetivo desta aula foi elaborar roteiro e questões para entrevista

gravada para depois analisar o material coletado a partir dos critérios

selecionados e construir um quadro comparativo demonstrando o mapeamento

linguístico da comunidade de Acajutiba a partir do paralelo: traços graduais X

traços descontínuos, ressaltando o contínuo de urbanização nos registros das

variedades rurais, rurbanas e urbanas padronizadas. Para a entrevista, os

critérios a serem observados e avaliados pelos alunos com a orientação do

professor foram discutidos e decididos conjuntamente em sala, após discussão

sobre alguns aspectos fonéticos, morfossintáticos e semânticos da língua. Tomei

por base os estudos de Bagno (2007):

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Traços linguísticos: descontínuos (aqueles que aparecem na fala de todos os

brasileiros independente de sua origem social, regional, etc) e graduais do

vernáculo geral brasileiro (que aparecem na fala dos brasileiros de origem

social humilde, de pouca ou nenhuma escolaridade, de antecedentes rurais,

etc)21.

Os grupos de trabalho (GT) foram assim divididos:

GT 01 entrevistou 03 pessoas que possuíam a 4ª série (5º ano) do Ensino

Fundamental: um senhor de idade, uma senhora de idade e uma criança em

idade regular. Foi considerada aí a escolarização e a faixa etária, além do turno

em que estudavam.

GT 02 entrevistou 03 pessoas que possuíam a 8ª série (9º ano) do Ensino

Fundamental e mais uma vez decidimos que seriam entrevistados também um

senhor e uma senhora e mais um estudante em idade regular.

GT 03 entrevistou alunos do 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio da escola

onde eles estudam, podendo ser do sexo masculino e feminino.

GT 04 entrevistou um grupo de professores da própria escola e que

possuem graduação: uma professora licenciada em História oriunda de São

Paulo, uma professora licenciada em Letras/Inglês da própria cidade e uma

professora licenciada em Letras/Português.

GT 05 entrevistou profissionais liberais de outras áreas que não eram a

educação: um advogado, um médico (ambos da capital) e uma dentista gaúcha.

GT 06 entrevistou 03 membros de casa, todos da zona rural. Foram

escolhidas os parentes das pessoas do grupo que iriam ser entrevistados e

decidiram fazer a entrevista com a mãe de um, o avô de outro componente e a tia

de uma outra componente deste grupo.

Os alunos procuraram as pessoas selecionadas por nós em sala de aula

para marcar a entrevista e encontraram um obstáculo para realização da mesma:

nenhum dos entrevistados permitiu que gravasse a entrevista, pois foi dito,

segundos os estudantes, que se fosse para gravar não concederiam a entrevista.

Os alunos, ao trazer a informação para sala de aula, foram orientados como

21

Utilizei o agrupamento proposto por Marcos Bagno em seu livro “Nada na Língua é por acaso” (2007), assim como as considerações de Stella Maris Bortoni-Ricado feitas em seu livro “Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula, 2004.

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proceder neste tipo de situação, passaram então a fazer o registro por escrito

enquanto um dos alunos fazia as perguntas. As entrevistas tiveram duração

média de uma hora (no máximo) para cada 3 pessoas entrevistadas, e os alunos

transcreveram (na medida do possível sem interromper a fala do entrevistado) o

que eles iam falando, desenvolvendo assim uma atividade de retextualização. Em

diferentes situações sociais do cotidiano, os indivíduos produzem textos orais que

podem se transformar em produções escritas. Durante uma aula, as produções

verbais orais realizadas por um professor e anotadas no caderno pelos alunos

ilustram tal ocorrência: os alunos transformam texto oral em texto escrito. Nesta

atividade de produção de texto, os alunos estarão desenvolvendo uma atividade

de retextualização. Entendo como retextualização a produção de um texto a partir

de outro. Algumas outras definições tratam da retextualização como a

“transformação de um texto em outro”, mas não gosto muito desta perspectiva.

Muitos teóricos restringem-se a tratar desse fenômeno como passagem, do

registro oral para o registro escrito, como propõe Marcuschi (2004) e, na

transformação de um registro para outro, ocorre a retextualização. Foi isto que

tentei fazer com os alunos. Ressalto ainda que retextualização não visa, a meu

ver, à organização do texto oral, pois fala e escrita são duas modalidades de uso

interativo da língua com suas características próprias e que mantém semelhanças

e diferenças. É engano pensar que o uso formal da língua é característica apenas

do registro escrito, assim como o informal ser restrito ao registro oral.

As perguntas comuns a todos os entrevistados foram: nome, idade,

profissão, grau de escolaridade e naturalidade.

As perguntas/atividades foram as seguintes:

GT 01: Foram apresentadas imagens para que o entrevistado dissesse o

que estava vendo. Nesta atividade queríamos avaliar a variação fonológica de

algumas palavras selecionadas prévia e intencionalmente para depois analisar se

era traço gradual ou descontínuo na comparação com outros entrevistados. Eis as

palavras: bicicleta, folha, peixe, sandália, esmalte, relógio, botão e arroz. Na

primeira palavra queríamos verificar a presença do rotacismo, na segunda o

fenômeno da despalatalização, na terceira a monotongação, na terceira o

fenômeno da palatalização, na quarta o /e/ átono antes da sílaba tônica com som

de /i/, na quinta a supressão da vogal /i/ após a consoante/g/, na sexta a mudança

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de som do /o/ átono de palavras paroxítonas para /u/ e na última a ditongação de

palavras terminadas em /z/.

Ainda neste grupo palavras foram mostrados enunciados (E) aos

entrevistados para que os pronunciasse:

E1: O homem saiu da garagem.

E2: Ivete Sangalo vai cantar em Acajutiba.

E3: Eu pus o livro na mochila.

E4: Nós estamos aqui.

E5: A porta está torta.

E6: Eu não gosto de ameixa, mas gosto de caranguejo.

No E1 a proposta é analisar a pronúncia final das palavras terminadas em

dígrafos nasais /em/, ou seja o /m/ como marca de nasalização da vogal anterior e

não como consoante. Confirmar (ou não) se o travamento nasal foi suprimido. No

E2 observar e constatar se o /r/ pós vocálico em final de sílaba em infinitivos é

suprimido, independente da pronúncia, da escolaridade e da região é um traço

gradual; no E3 observar se o /o/ átono numa palavra paroxítona passa ao som de

/u/; no E4 observar a ditongação; no E5 observar a realização fonética do /r/. Se é

consoante posterior articulada na garganta ou consoante anterior articulada com

vibrações na ponta da língua ou ainda articulada com a língua dobrada para trás

(retroflexa/ o “r” caipira).

Estes mesmos enunciados foram propostos para os entrevistados que

possuíam o 9º ano do Fundamental (GT 02), contudo as imagens para pronunciar

as palavras se modificaram. Foram apresentadas as imagens de um garfo, da

calvície, de uma planície, de um dente com cárie. O objetivo foi detectar o

lambdacismo (troca do /r/ pelo /l/ em garfo) e a monotongação como traço gradual

nas palavras restantes ao compará-las com a pronúncia dos outros entrevistados.

GT 03: Os estudantes do 1ª, 2º e 3º anos tiveram que responder às

seguintes perguntas (P) ou realizar as seguintes atividades (A):

P1: Você já esteve diante de uma experiência de morte? Como foi?

A ideia é fazer surgir o contínuo de monitoração estilística e daí poder

emergir algumas situações a serem observadas pelos entrevistadores:

concordância não redundante (aquela em que apenas um elemento do sintagma

nominal e/ou verbal fica no plural, geralmente o determinante que acompanha o

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substantivo, a realização do som do /s/ na posição pós-vocálica que pode soar

como consoante surda diante de outra consoante surda e soando como

consoante sonora diante de outra consoante sonora ou de uma vogal. Ou ainda

como chiante ou sibilante, a supressão do /r/ nos infinitivos (aférese), e a

pronúncia das vogais /e/ e /o/ em sílabas átonas antes ou depois de sílaba tônica

que são pronunciadas como /i/ e /u/ como sendo traços graduais.

P2: Se você precisasse sair neste exato momento para utilizar o banheiro,

como você me pediria para ir lá?

O objetivo é fazer o entrevistador perceber que o uso de algumas regências,

neste caso do verbo ir, é um traço gradual na língua portuguesa.22

A1: Os entrevistadores apresentaram cartolinas de algumas cores e

perguntaram aos entrevistados qual o nome da cor que estava sendo

apresentada. Foram apresentas pedaços de cartolina da cor amarela e vermelha

com o claro objetivo de se perceber dois processos fonológicos: metátese e

despalatalização como traço descontínuo ao comparar a pronúncia com falares

rurais.

A2: Apresentar um pedaço de cartolina com três palavras desordenadas

para que o entrevistado pudesse juntá-las e formar uma sentença, um enunciado

com sentido. Após isto fazer a seguinte pergunta ao entrevistado: Juntando as

palavras (bebedouro, eu, vou) que estão soltas na cartolina e colocando-as no

plural que sentença formaríamos? Mais uma vez a intenção clara de constatar se

o uso da regência do verbo ir sem a preposição é um traço gradual do português

brasileiro falado em Acajutiba.

GT 04: os estudantes entrevistadores tiveram que realizar sua entrevista

com três professores do próprio colégio: uma professora licenciada em História do

interior paulista que utiliza o famoso /r/ caipira (retroflexo) visto no vídeo de uma

das aulas na série “sotaques do Brasil”, uma professora da cidade licenciada em

Letras/Inglês que necessita usar este mesmo /r/ em palavras do inglês mesmo

22

Os alunos, embora não possuam o repertório teórico fonético-fonológico para realizar a entrevista seguindo os métodos de transcrição, anotaram em seus diários de bordo, à sua maneira, o que percebiam , tendo por base a orientação que dei na aula anterior à entrevista e, depois, com seus escritos informais relataram-me as respostas dos entrevistados. Foi quando eu lancei mão do conhecimento fonético fonológico de pesquisador para embasar teoricamente a tarefa deles. Como o objetivo maior desta atividade (para eles) não era a realização da transcrição, pois são alunos do Fundamental II e sim a observância à variação, tentei dentro das possibilidades analisar conforme os dados que a mim foram apresentados.

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não o utilizando no português brasileiro, e uma professora da cidade de

Alagoinhas licenciada em Letras/Português que ensina português baseada na

gramática normativa e guiada pelo livro didático. Foram feitas duas perguntas (P)

e foi aplicada uma atividade (A) com este grupo de professoras, a saber:

P1: A senhora já esteve diante de uma experiência de morte ou já

presenciou uma morte ou já passou por algum procedimento cirúrgico sério que

provocou esta sensação? O objetivo desta pergunta é fazer surgir o estilo menos

monitorado.23

P2: Se a senhora estivesse neste momento numa entrevista de emprego

para a sua párea de formação, o que me diria para me convencer de que devo

contratá-la? O objetivo desta pergunta é fazer surgir um estilo mais monitorado.

A1: Foram apresentados alguns enunciados (E) às professoras para que as

mesmas (em separado) as pronunciasse:

E1: Nós estamos aqui!

E2: A porta está torta.

E3: Ivete Sangalo vai cantar na festa de Acajutiba.

E4: Eu não gosto de ameixa, mas gosto de caranguejo.

E5: The number of my car is four.

E6: What’s your name?

Os quarto primeiros enunciados têm o mesmo objetivo que foi aplicado ao

grupo 01, contudo os dois últimos servem para comprovar que enquanto o /r/

caipira é visto aqui no Brasil preconceituosamente como “grosseiro”, “feio” e

“coisa de jeca”, este mesmo /r/ é pronunciado quando pessoas querem falar a

língua inglesa, que é vista como “chique”, “bonita” e coisa de elite. Ou seja, é o

mesmo /r/ retroflexo pronunciado, mas fica claro que usamos dois pesos e duas

medidas na hora de observar os sons da língua e as variedades regionais.

GT 05: As perguntas e/ou atividades realizadas com os profissionais liberais

que são privilegiados economicamente e ocupam na pirâmide social um lugar

mais elevado foram feitas atividades voltadas não só para abordar o aspecto

fonológico, mas também para abordar o léxico. Foram apresentadas imagens

para que os profissionais as pronunciassem a fim de se observar a variação

geográfica no léxico: tangerina, aipim, pão francês; e a variação geográfica na

23

Este é um dos modelos de questão apresentados pelo NURC para realização de pesquisa com entrevista de cunho sociolinguista.

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pronúncia: /s/ e /r/: Salvador, calor, porta, escada, casca. E a seguinte frase para

ser pronunciada: “Esqueci o isqueiro na esquina esquerda da escola”. As três

perguntas (P) feitas foram as seguintes:

P1: Se o sr/ a sra for chamar alguém para vir cá agora dando uma ordem, como

diria?

P1: Se o sr/ a sra não entender a minha pergunta, como construirá uma frase

para eu repeti-la?

P3: Vamos imaginar que o sr/ a sra quer me perguntar se vou à festa em sua

companhia, como perguntaria?

Nestas três perguntas o que está em jogo é o uso dos pronomes “Tu” e “Você” e

as formas verbais no imperativo de 2ª e 3ª pessoa.

GT 06: os três entrevistados da zona rural são parentes de cada um dos

entrevistados. E para eles foi mostrado a mesma atividade 1 do grupo 3 e a 1ª

atividade do grupo 01. Além delas foram apresentadas as seguintes imagens para

que os mesmos as pronunciasse: telha, bloco, ameixa, beijo, caranguejo, xícara. O

objetivo é fazer os entrevistados perceber se há (ou não) traços graduais na

pronúncia das palavras beijo, ameixa e caranguejo e se em xícara telha e bloco

realmente se constituem traços descontínuos da língua portuguesa falada no Brasil,

na cidade de Acajutiba. E para finalizar foram apresentadas duas frases (F) para que

os entrevistados a lessem de maneira rápida:

F1: Os meninos estavam comendo e falando ao mesmo tempo.

F2: As meninas fizeram as atividades e chegaram cedo a casa.

O que deve se observar nessas frases é se a concordância redundante está

presente na fala das pessoas da zona rural, constituindo assim um traço gradual da

língua portuguesa falada em Acajutiba.

4.2 Análise dos resultados obtidos

Foi durante a terceira unidade, entre os meses de setembro e outubro, que

organizamos as questões que fariam parte da entrevista e como a mesma seria

realizada. Após várias discussões em sala de aula, enfim, terminamos o roteiro,

aplicamos a entrevista como foi exposta acima detalhadamente e, por fim, chegou

a hora de analisar o material coletado. A análise, feita coletivamente com os

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alunos em sala de aula, só foi possível por causa das aulas e discussões

anteriores à realização da entrevista, desenvolvidas nas sequências didáticas. Da

análise feita oralmente em sala de aula, tivemos os seguintes dados analisados:

GT 01: Optamos por exibir as imagens em vez das palavras, assim como

propõe a metodologia da dialectologia, a fim de não induzir os entrevistados a

uma pronúncia silabada, o que comprometeria a neutralidade da pesquisa

resposta.

Os três entrevistados pronunciaram as palavras: bicicleta e folha exatamente

como são escritas, ou seja, sem variação. Já na palavra peixe houve a

monotongação na fala de todos os entrevistados, segundo o grupo de alunos.

Todos palatizaram a palavra sandália; e com a palavra esmalte, os três

entrevistados transformaram o /e/ átono da primeira sílaba em /i/. No caso da

palavra relógio, os alunos-pesquisadores dizem ter ouvido apenas o estudante

em idade regular pronunciar o /i/ do ditongo; os outros dois monotongaram. Em

botão, todos transformaram o /o/ átono em /u/.

Os alunos entrevistadores foram orientados a pedir para os entrevistados

repetirem as palavras até três vezes, caso não permitissem de maneira alguma a

gravação.

Comparando este grupo com o grupo 06, composto por entrevistados

residentes na zona rural e que tiveram as mesmas ilustrações de palavras, houve

algumas alterações interessantes nas pronúncias. Em bicicleta, houve a troca do

/l/ pelo /r/ (rotacismo) em dois entrevistados. A palavra folha foi despalatizada na

pronúncia pelos mesmos dois entrevistados anteriores, exceto a tia. UM dado a

ser considerado é que a tia de um dos entrevistados frequentou a escola até a 8ª

série. Em peixe, todos monotongaram, sem exceção. Todos também palatizaram

a palavra sandália. Com esmalte ocorreu o mesmo do GT 01. Com a palavra

relógio apenas a tia pronunciou o /i/ do ditongo, segundo os entrevistadores. Em

botão e arroz ocorreu o mesmo do grupo 01.

Conclusão: A palavra peixe monotongada é um traço gradual nos falares de

Acajutiba tanto na sede quanto na zona rural, que também monotonga beijo e

ameixa. Assim também o é com a palavra sandália palatizada, esmalte com som

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inicial de /i/, botão com o /o / átono pronunciado com som de /u/ e a palavra arroz

ditongada. Contudo é traço descontínuo as seguintes palavras: bicicleta, folha,

bloco, telha.

Comparando o GT 06 (pessoas da zona rural) com o GT 03 (estudantes do

Ensino Médio), que tiveram uma mesma atividade (a da cartolina em cores),

confirmamos que nas palavras amarela e vermelha houve a metátese e a

despalatalização, respectivamente, no grupo 06, constituindo assim um traço

descontínuo, já que os alunos entrevistados, (1º, 2º e 3º anos) pronunciaram as

palavras como elas são escritas, sem variação.

Na segunda atividade do GT 01 (pessoas que possuem a 4ª série do

Fundamental) comparada com a Atividade 01 do GT 04, chegamos às seguintes

conclusões:

a) No enunciado “Nós estamos aqui”, apenas a professora (paulista) de

História não ditongou o “nós”;

b) No enunciado “A porta está torta”, apenas a professora de História

(paulista) pronunciou o /r/ retroflexo;

c) No enunciado “Ivete Sangalo irá cantar na festa de Acajutiba”, todos

suprimiram o /r/ final do verbo cantar, mas o /e/ da preposição “de” foi

pronunciado fechado apenas pela professora de História;

d) No enunciado “Eu não gosto de ameixa”, o ditongo de ameixa foi

pronunciado pelos professores talvez pelo fato de estarem numa situação

que exigia um estilo mais monitorado.

Quanto ao enunciado “Eu pus o livro na mochila” (presente no GT 01) e “O

homem saiu da garagem”, a palavra mochila foi pronunciada com /o/ fechado

pela professora (paulista) de História e com som de /u/ pelas demais. Homem e

garagem forma pronunciadas pelas professoras com a nasalização final, talvez

por estarem fazendo uso de um estilo mais monitorado. Pelos demais (alunos do

5º e do 9º ano) houve supressão do “m” final.

Com relação às frases em inglês, do GT 04, ficou claro para a turma que o

/r/ “caipira” da professora de História estava presente nas palavras do inglês

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pronunciadas tanto pela professora de inglês quanto pela professora de

português.

No GT 02 a palavra garfo foi pronunciada com o /r/ vibrante e não houve

troca do /l/; já em calvície, planície e cárie, o /e/ final não foi pronunciado.

No GT 03 (estudantes de Ensino Médio) a pergunta 01 não pode ser bem

avaliada porque não foi gravada. Assim como a pergunta 01 do grupo 04. A

pergunta 02 foi respondida; apenas um entrevistado construiu a frase de acordo

com o que prescreve a gramática normativa, ou seja: “Com licença, posso ir ao

banheiro?” com a regência do verbo ir acompanhado da preposição “a”. Os

demais utilizaram: “Posso ir no banheiro?”

Na atividade 02, ainda do GT 03, os entrevistados formaram sentenças

com as palavras “bebedouro”, “vou”, “eu”. Surgiram três construções distintas:

a) No bebedouro eu vou;

b) Eu vou no bebedouro;

c) Eu vou ao bebedouro (o mesmo aluno que também falou: Ir ao

banheiro).

A P02 do GT 04, as professoras construíram sentenças organizadas

gramaticalmente em virtude da pergunta exigir um estilo mais monitorado. Eis as

respostas das três professoras:

a) “Boa tarde! sou professora licenciada em História e possuo

especialização em História Política. Sou uma pessoa organizada e

pontual, gosto de lecionar e estou apta a ministrar aulas neste

estabelecimento de Ensino”.

b) “Sou professora de Inglês e gosto do que faço. Estou disposta a dar o

melhor de mim para que os alunos aprendam uma língua estrangeira”.

c) “Coloco-me à disposição desta escola o meu currículo para avaliação e

adianto para a sra que tenho experiência e formação para preencher a

vaga que estão oferecendo. Obrigada pela atenção”.

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No GT 05 havia uma gaúcha e dois baianos da capital (sendo que um

desses morou em São Paulo). Quando as imagens foram apresentadas, os dois

baianos denominaram a primeira imagem como tangerina, e a gaúcha como

bergamota, mas esta afirmou saber que a fruta também se chamava tangerina. A

imagem do aipim foi chamada assim pelos três, mas o que morou em São Paulo

afirmou que lá se chama mandioca. E a imagem do pão foi chamada de

“cacetinho” pela dentista gaúcha; pelo baiano que morou em São Paulo foi

chamada de pãozinho, mas pelo outro baiano foi chamada de “pão francês”.

Ainda no GT 05, as palavras “Salvador” e “calor” foram pronunciadas

pelos baianos com a supressão do /r/ final e pela gaúcha o/r/ foi pronunciado sem

muita vibração (fraco), segundo os entrevistadores. As palavras “escada” e

“casca” foram pronunciadas com um /s/ um pouco chiado (menos que o chiado

do carioca) pelos baianos e pela gaúcha não houve pronúncia chiada do “s”. Com

relação à frase: “Esqueci o isqueiro na esquina esquerda da escola”, isso ficou

mais claro, segundo eles.

A palavra “porta” foi pronunciada pelos baianos com um /r/ suave (gutural)

e pela gaúcha saiu um som com a ponta da língua vibrando. As três perguntas

foram assim respondidas:

P 01 foi respondida pelos baianos: venha cá

P 01 foi respondida pela gaúcha: vem cá.

P 02 foi respondida pelos baianos: repita.

P 02 foi respondida pela gaúcha: repete.

P 03 foi respondida pelo 1º baiano: Você vai à festa comigo?

P 03 foi respondida pelo 2º baiano: Você vai comigo pra festa?

P 03 foi respondida pela gaúcha: Tu vai à festa comigo?

Aproveitei a oportunidade para explicar aos alunos o uso do imperativo e o

uso das pessoas “tu” e você”

As frases dos entrevistados pelo GT 06 (os meninos estavam comendo e

falando ao mesmo tempo/ As meninas fizeram as atividades e chegaram cedo a

casa) foram pronunciadas. O 1º não sabia ler (o avô), a mãe demorou para ler a

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sentença, mas falou lentamente cada palavra e, fazendo uso do estilo mais

monitorado, fez a concordância nominal, contudo pronunciou o gerúndio dos dois

verbos (comendo e falando) sem a consoante /d/. A tia também fez a

concordância e, ao contrário da mãe, pronunciou o /d/ dos verbos no gerúndio.

As aulas com explicações teóricas agora faziam sentido, pois partíamos da

realidade local para analisar a língua portuguesa falada. Muitas perguntas foram

feitas pelos alunos, muitas dúvidas iam sendo expostas e eu ia, aos poucos, por

meio da teoria estudada fazendo um elo com os exemplos que eles mesmos

trouxeram das entrevistas.

Os alunos revelaram, por meio de seus comentários, que as pessoas falam

diferente daquilo que se ensina na escola, referindo-se à gramática normativa. E

lançaram o questionamento chave de toda discussão: Por que se ensina tanta

regra gramatical se na prática as pessoas não as usam? Pergunta esta que não

ficou sem resposta e que veio por meio de algumas provocações minha: Vocês

acham que a escrita é o espelho da fala? Vocês acham que existe uma única

forma de se falar determinada coisa? Nós falamos sempre a mesma língua em

todas as situações? Mas se não houvesse uma normatização, critérios e uma

convenção escrita como avaliar um texto feito por pessoas que submetem a um

vestibular, por exemplo?

O que me deixou mais satisfeito não foram meus questionamentos, mas

uma frase que saiu do meio deles e que para mim valeu todo o trabalho. Eis que

uma aluna diz: “Não existe nada errado com a língua, tudo depende, então do

contexto, porque o importante é comunicar e entender”. E eu aproveitei para

complementar: Não só comunicar, mas também interagir, pois os interlocutores

trocam de papel constantemente.

As aulas que se seguiram a este trabalho ainda guardavam resquícios de

toda discussão e intervenção realizada. O assunto parecia não querer calar a voz

deles e nem acabar a discussão. Chegamos a novembro e outros conteúdos

tinham que ser abordados em sala de aula, pois as provas da quarta unidade

estavam muito próximas, mas volta e meia aparecia uma frase, um comentário

entre eles, dentro da sala de aula, demonstrando para mim que o trabalho não foi

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em vão e que aquela experiência ficou gravada na vida deles, inclusive em

mudança de comportamento.

Para ilustrar essa mudança de comportamento, não me furto ao direito de

ilustrar uma situação emblemática em que eles me provaram que estavam

atentos ao que os colegas falavam em sala de aula, a partir agora mais

criticamente, e podiam relacionar com o que foi estudado. Num momento

qualquer da aula em que eu estava a escrever algo, um aluno solta

espontaneamente a palavra bloco trocando o “l” pelo “r”, num exemplo claro de

rotacismo, e entre eles surge um colega que ri e repete a palavra em tom irônico

de reprovação e nem precisou que eu fizesse a intervenção em favor do aluno,

pois os outros colegas quase em unanimidade, mesmo sendo numa celeuma

total, trataram logo de explicar que aquela palavra também estava correta. Outro

complementou que estaria certa se tivesse num determinado lugar: a casa dele.

Outro ainda disse que aquilo era preconceito linguístico e que cada um falava do

jeito que sabia e podia e se dirigiu a mim, inquirindo: “não é, professor?”

Diante disso, acredito que os alunos estavam preparados não só para se

defender quando fossem vítimas de preconceito linguístico com uma explicação

lacônica, mas muito mais do que isto: estavam preparados para não praticarem o

preconceito linguístico tampouco em permitir que o fizessem. Se isso realmente

acontecerá não sei dizer, mas estou otimista em acreditar que é bastante possível

que sim.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de construção do conhecimento nos propicia muitas

descobertas, faz-nos rever conceitos e reelaborá-los constantemente. A atividade

de pesquisador é um exercício de construção, desconstrução e reconstrução do

saber, que é algo inerente à própria condição de um professor-pesquisador em

formação. A pesquisa foi duplamente vital neste trabalho, pois ao mesmo tempo

em que eu pesquisava e me propiciava rever minha prática e criar um material

alternativo e complementar ao livro didático para minha atuação em sala de aula,

também proporcionava ao aluno, por meio do gênero entrevista, o

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desenvolvimento de várias habilidades como, por exemplo, torná-lo pesquisador e

sujeito do processo de aprendizagem, pois assim ele assume a condição de

interlocutor, com autoria e poder de participação. Quando uma atividade em sala

de aula promove que o aluno seja pesquisador, está-se promovendo também

nesta atividade uma reflexão sobre a língua, e o aluno além de estar num

processo investigativo, desenvolve o senso reflexivo e crítico.

Este trabalho foi triplamente significativo para minha atuação em sala de

aula e de importância crucial para redimensionar a minha prática, porque pude

rever alguns conceitos decisivos que norteiam uma prática inovadora em sala de

aula no ensino de língua materna: pude assim rever minha concepção de língua e

linguagem como prática social, interativa e de construção de sentidos e relacioná-

las com o que eu estava a fazer em minha sala de aula, revi também minha visão

de texto e o percebi doravante como unidade de sentido ou unidade de interação

e pude ainda aprofundar a noção de gênero textual, hoje visto por mim como

forma de ação social, assim como propõe Marcuschi (2008), e não como

conteúdo formal desvinculado de práticas sociais.

Desta forma, defendo que o trabalho com língua materna deva partir dos

gêneros textuais – assim como defende Antunes (2009), visto que a língua se

manifesta em nossa sociedade por meio deles e assim, em contato com eles, os

alunos poderão desenvolver melhor sua competência linguística e comunicativa.

A linguagem existe para promover a interação e essas coisas acontecem em

forma de textos, sejam eles orais ou escritos, mediados entre os interlocutores.

Concordo ainda com Silva (2004) quando propõe o trabalho com a oralidade (e

com a escuta) como sendo primordial nas escolas e o ponto de partida para o

estudo de língua materna, pois assim o aluno se sentirá seguro para entender que

sabe usar a sua língua. O procedimento de sequência didática está dentro de

uma perspectiva textual, visto que elas visam ao aperfeiçoamento das práticas de

escrita e de produção oral.

Com relação à competência linguística e comunicativa, para mim ficou

claro que, de acordo com novos estudos da Linguística, a segunda é mais

abrangente, pois reformula o conceito da primeira e o amplia, considerando a

variação linguística e incluindo o conceito de adequação nas interações verbais.

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Acredito que o curso em si tenha cumprido o seu papel de possibilitar uma

relação mais sistemática da teoria com a prática. Diferentemente do mestrado

acadêmico, este mestrado profissional teve como premissa a aplicação, na escola

da rede pública, de teorias estudadas, por meio de um projeto de intervenção, ou

seja, a pesquisa foi algo pragmático; teve aplicação prática e concomitante ao

estudo das teorias desenvolvidas e abordadas no decorrer do curso.

Outra observação que é imprescindível registrar nesta pesquisa é com

relação à importância do NURC, como Projeto pioneiro desde a década de

setenta (1970) como referência para qualquer trabalho que venha se fazer nesta

área da Linguística. É sem dúvida um corpus básico para qualquer publicação

que venha tratar da relação entre língua e sociedade e sua variação. Para mim,

houve a confirmação da importância da metodologia, atentando-se para os

aspectos já longamente observados e testados pelos pesquisadores do projeto e

que garantem sua seriedade e eficácia, principalmente em relação aos tipos e

objetivos de cada questionário.

No que tange à questão das variedades linguísticas, uma coisa, talvez, seja

definitiva (embora nada o seja em nenhuma pesquisa): a língua muda sempre,

pois a única coisa imutável é a própria mudança. A variação e a mudança não são

um “problema” e sim algo natural que faz parte da natureza de qualquer língua e

se modificam ao longo do tempo como tudo na nossa cultura e na sociedade e,

por meio da atividade de pesquisa em sala de aula, o aluno passa a refletir sobre

isso de maneira mais clara do que simplesmente por meio da prática tradicional

de exposição teórica sobre ela. Mas o professor saber isto e dizer ao aluno não

basta; é preciso viver situações de uso real da fala para perceber e refletir os usos

da língua. E numa atividade de pesquisa por meio do gênero entrevista feita pelos

alunos e orientada pelo professor devidamente preparado e com sequências

didáticas previamente elaboradas, o trabalho ganha forma e logra êxito.

Com a abordagem dos traços linguísticos graduais e descontínuos foi

possível refletir com os alunos sobre alguns processos fonológicos e variações

semânticas que ocorrem com a língua portuguesa falada em nosso país, mesmo

o Brasil tendo “uma língua” apenas como oficial. Por meio da atividade de

pesquisa realizada pelos alunos foram trazidas questões de uso real da fala da

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comunidade linguística da qual fazemos parte para percebermos que mesmo

sendo falantes de uma mesma língua, ela se modifica quando falada por seus

diversos usuários em função de vários fatores e que isso não se constitui num

erro ou problema, mas que faz parte do dinamismo que é inerente a ela.

Além disso, foi salutar a percepção de que independente de escolaridade

ou origem social, algumas apalavras são pronunciadas igualmente por todos os

falantes de nossa língua e a discussão foi proveitosa quando girou em torno da

questão: quando é uma pessoa sem escolaridade que fala tal palavra é vista

como ignorante e quando é uma pessoa que possui alta escolaridade nem é

percebida a variação. E o mais importante disso tudo foi perceber que nós

mesmos não falamos de uma forma o tempo todo; modificamos nossa maneira de

falar de acordo com a situação na qual estamos inseridos e em função do

interlocutor, dentre outros fatores. E isto pôde ser percebido pelos alunos porque

viveram uma situação diferente da que ocorre na sala de aula, ou seja, houve um

preparo para uma situação formal de entrevista, mas foi percebido também que

mesmo dentro desta situação a linguagem variou em função dos entrevistados.

Obviamente este material não está completo tampouco acabado nem

aborda todas as questões pertinentes ao tema e também não pretende apresentar

uma fórmula para se trabalhar a questão da variedade linguística em sala de aula.

É apenas uma proposta. Acredito que há muitas lacunas, assim como há muito

ainda o que se acrescentar, melhorar, ampliar, adaptar, mas sem dúvida já é um

caminho de uso e ensino/aprendizagem da língua em sala de aula dentro de uma

perspectiva sociolinguística. Uma possibilidade de trabalho que se apresenta com

um olhar contemporâneo com pressupostos teóricos recentes e que pode servir

de apoio e sugestão de trabalho para os professores de língua portuguesa da

educação básica.

Enfim, quando parece que se chegou ao fim, percebo que agora é que se

inicia uma nova caminhada. O trabalho final é o ponto de partida para uma nova

postura, uma nova maneira de encarar o ensino/aprendizagem da língua

portuguesa plural falada no Brasil para que, desta forma, os alunos se tornem, por

meio da palavra, cidadãos capazes de perceber o poder que se pode ter quando

se assume a palavra na interação com os outros e quando se tem consciência de

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sua língua e do que ela é capaz de fazer, consciência de que existem várias

formas diferentes de se usar a língua falada por eles e cada uma é adequada a

uma situação de comunicação específica.

Mas existe uma pergunta que não quer calar: E em termos práticos qual o

resultado deste trabalho de intervenção, como esta atividade de pesquisa

impactou no comportamento (e na aprendizagem) dos alunos? Será que as

informações se transformaram em conhecimento? Logo após as discussões em

torno da entrevista realizada, vieram as provas de fim do ano e o recesso, mas no

pequeno intervalo de contato com eles que ainda restou pude perceber (e quero

acreditar que isso seja um reflexo do trabalho) por meio do contato informal nos

corredores, nas brincadeiras feitas por eles, que algo tinha ficado, principalmente

quando repetiam um bordão que ficou durante algumas semanas durante a

realização da entrevista e antes do encerramento do ano letivo: “tudo depende do

contexto, não é professor?” E eu respondia afirmativamente com um simples

sorriso, complementando: O contexto é tudo!

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84

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APÊNDICE

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APÊNDICE A – Modelo de Questionário

UFBA: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA.

ILUFBA: INSTITUTO DE LETRAS DA UFBA.

PPGLINC: PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇAO EM LÍNGUA E CULTURA.

MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS - PROFLETRAS

PESQUISADOR: FABRÍCIO PIMENTA.

ORIENTADORA: PROF. DRA. ALVANITA ALMEIDA SANTOS

LOCAL PESQUISADO: COLÉGIO ESTADUAL ANTÔNIO DA COSTA BRITO

SÉRIE: 1º ANO

PROJETO: Uma proposta de Sequência Didática para trabalhar as Variedades Linguísticas em sala de aula.

QUESTIONÁRIO

Prezado (a) aluno (a),

A finalidade deste questionário é obter informações sobre o seu desempenho

como falante de língua portuguesa, dentro e fora da escola, e sobre a sua relação com as

variedades linguísticas de nosso idioma. Essas informações serão de fundamental

importância para a pesquisa que estou desenvolvendo no Mestrado Profissional em Letras,

na Universidade Federal da Bahia, com o objetivo de melhorar o ensino de Língua

Portuguesa nesta Unidade Escolar.

Peço que responda com sinceridade as questões, a fim de que os dados

permitam ter uma visão clara da realidade. Agradeço a sua colaboração.

NOME:___________________________________________________________________

SÉRIE: ___________________________________________________________________

DATA DE NASCIMENTO:______________________________________________________

NATURALIDADE:____________________________________________________________

1.Você gosta da matéria Língua Portuguesa? Justifique.

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_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

2.Você gosta mais de ler, escrever ou falar?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

3.As aulas de língua portuguesa e as atividades desenvolvidas nela são

interessantes/atraentes? Explique.

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

4. Como são suas aulas de Português? Descreva-as.

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

5. Você é estimulado a falar nas aulas de língua portuguesa?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

6. Você costuma participar das aulas emitindo a sua opinião?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

7. Você acha que fala bem a sua língua? Por quê?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

8. Para você, o que é falar bem?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

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90

9. Para você, existe uma forma correta de falar? Se sim, qual?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

10. Em sua opinião qual é o objetivo da escola em ensinar a língua que você já fala?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

11. Você acha que, no Brasil, as pessoas falam sempre do mesmo jeito? Consegue

perceber alguma diferença? Quais?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

12. Você acha que as aulas de língua portuguesa ensinam o que você gostaria de

aprender?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

13. As aulas de língua portuguesa priorizam o ensino de gramática ou discussões e

reflexões sobre o uso da língua em seus diversos contextos?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

14. As aulas de língua portuguesa consideram as variedades linguísticas ou apenas se

restringe ao ensino da gramática e da norma padrão?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

15. Nas aulas de LP, o professor relaciona os conteúdos com situações do

cotidiano?Explique.

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

16. Você já sofreu algum tipo de discriminação por causa da maneira como você fala?

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_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

17. Você acredita que escreve bem?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

18. Em sua opinião o que é escrever bem?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

19. Você acha que usa melhor o português quando fala ou quando escreve?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

20. Você acredita que escrever é a mesma coisa que falar?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

21. Você acha que devemos falar como a gente escreve? Ou escrever como a gente fala?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

22. Para você, é preciso saber gramática para falar e escrever bem?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

23. Você acha que as pessoas sem instrução falam tudo errado e não sabem falar

português?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

24. Que sugestões de textos e/ou assuntos você daria para serem trabalhados na escola,

nas aulas de Língua Portuguesa?

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_________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

25. O que você costuma fazer em seu tempo livre para se distrair?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

26. Você tem acesso ao computador e à internet? Que tipos de atividades você realiza por

meio deles?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

27. Acessa e/ou usa sites, e-mail, MSN, facebook, blogs, YOUTUBE? Com que frequência e

que tipos de atividades de leitura realiza por meio deles?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

28. O que você gostaria de aprender nas aulas de Língua Portuguesa que não aprendeu

ainda?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

29. O que você já aprendeu este ano nas aulas de Língua Portuguesa que não sabia ainda?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

30. Fora da escola você usa a mesma língua ou usa uma língua diferente? Explique.

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APÊNDICE B – SELEÇÃO DE ALGUNS QUESTIONÁRIOS RESPONDIDOS PELOS ALUNOS.

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APÊNDICE C – ALGUMAS PRODUÇÕES DE ALUNOS SOBRE O VÍDEO

“SOTAQUES DO BRASIL”.

Recorte de textos de alunos: Arquivo pessoal do pesquisador

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Texto de aluno: Arquivo pessoal do pesquisador.

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Texto de aluno: Arquivo pessoal do pesquisador.

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ANEXOS

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ANEXO A – CAPÍTULO 17 DO LIVRO “SER PROTAGONISTA”.

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ANEXO B – TEXTO “FAX DO NIRSO”

O FAX DO NIRSO

Autor desconhecido

O gerente de vendas recebeu o seguinte fax de um dos seus novos vendedores:

'Seo Gomis o criente de Belzonte pidiu mais cuatrucenta pessa. Faz favor toma as providenssa, Abrasso, Nirso.'

Aproximadamente uma hora depois, recebeu outro:

'Seo Gomis, os relatório di venda vai xega atrazado proqueto fexando umas venda. Temo que manda treis miu pessa. 'Amanhã tô xegando. Abrasso, Nirso. '

No dia seguinte:

'Seo Gomis, num xeguei pucausa de que vendi maiz deis miu em Beraba. To indo pra Brazilha. Abrasso, Nirso.'

No outro:

'Seo Gomis, Brazilha fexo 20 miu. Vo pra Frolinoplis e delá pra Sum Paulo no vinhão das cete hora. Abrasso, Nirso'.

E assim foi o mês inteiro.

O gerente, muito preocupado com a imagem da empresa, levou ao presidente as mensagens que recebeu do vendedor.

O presidente escutou atentamente o gerente e disse:

'Deixa comigo, que eu tomarei as providências necessárias'.

E tomou.

Redigiu de próprio punho um aviso e fixou no mural da empresa, juntamente com as mensagens de fax do vendedor:

'A parti de oje nois tudo vamo fazê feito o Nirso. Si priocupá menos em iscrevê serto, mod vendê maiz.

Acinado,

O Prizidenti.'

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ANEXO C – DITOS POPULARES EM EMOTIONS.

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ANEXO D – TEXTO “NÓIS MUDEMO” e QUESTÕES PARA INTERPRETAÇÃO.

COLÉGIO ESTADUAL ANTÔNIO DA COSTA BRITO.

ATIVIDADE DE PESQUISA.

CONTEÚDO: VARIAÇÃO LINGUÍSTICA.

PROFESSOR: FABRÍCIO PIMENTA.

DATA: _______________________

ESTUDANTE:____________________________________

“NOIS MUDEMO”

O ônibus da transbrasiliana deslizava pela Belém-Brasília rumo a Porto

Nacional. Era abril, mês das derradeiras chuvas. No céu, uma luazona enorme

pra namorado nenhum botar defeito. Sob o luar generoso, o cerrado verdejante

era um presépio, todo poesia e misticismo. Mas minha alma estava

profundamente amargurada. O encontro daquela tarde, a visão daquele jovem

marcado pelo sofrimento, precocemente envelhecido, a crua recordação de um

episódio que parecia tão banal. Meus olhos percorriam a paisagem enluarada,

mas ela nada mais era para mim que o pano de fundo de um drama estúpido e

trágico

As aulas tinham começado numa segunda-feira. Escola de perife-

ria, classes heterogêneas, retardatários. Entre eles, uma criança crescida, quase

um rapaz.

- Por que você faltou esses dias todos?

- É que nóis mudemo onti, fessora. Nóis veio da fazenda.

Risadinhas da turma.

- Não se diz "nóis mudemo" menino! A gente deve dizer: nós mudamos, tá?

- Tá fessora!

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- No recreio, as chacotas dos colegas: Oi, nóis mudemo! Até amanhã, nóis

mudemo!

No dia seguinte, a mesma coisa: risadinhas, cochichos, gozações.

-Pai, não vô mais pra escola.

-Oxente! Módi quê?

Ouvida a história, o pai coçou a cabeça e disse:

- Meu fio, num deixa a escola por uma bobagem dessa. Não liga pras gozações

da mininada! Logo eles esquece.

Não esqueceram.

Na quarta-feira, dei pela falta do menino. Ele não apareceu no resto da

semana, nem na segunda-feira seguinte. Aí me dei conta de que eu nem sabia o

nome dele. Procurei no diário de classe e soube que se chamava Lúcio - Lúcio

Rodrigues Barbosa. Achei o endereço. Longe, um dos últimos casebres do bairro.

Fui lá , uma tarde . O rapazola tinha partido no dia anterior para casa de

um tio, no sul do Pará.

- É, professora, meu fio não aguentou as gozações da mininada. Eu tentei fazê

ele continuá, mas não teve jeito. Ele tava chatiado demais. Bosta de vida! Eu

devia di tê ficado na fazenda coa famia. Na cidade nóis não tem veis. Nóis fala

tudo errado.

Inexperiente, confusa, sem saber o que dizer, engoli em seco e me despedi .O

episódio ocorrera há dezessete anos e tinha caído em total esquecimento , ao

menos de minha parte .

Uma tarde, num povoado à beira da Belém-Brasília, eu ia pegar o ônibus,

quando alguém me chamou. Olhei e vi, acenando para mim, um rapaz

pobremente vestido, magro, com aparência doentia.

- O que é, moço?

- A senhora não se lembra de mim , fessora ?

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Olhei para ele, dei tratos à bola. Reconstituí num momento meus longos

anos de sacerdócio, digo de magistério. Tudo escuro.

- Não me lembro não , moço . Você me conhece? De onde? Foi meu aluno?

Como se chama?

Para tantas perguntas, uma resposta lacônica:

- Eu sou “Nóis Mudemo”, lembra?

Comecei a tremer.

- Sim, moço. Agora lembro. Como era mesmo seu nome?

- Lúcio - Lúcio Rodrigues Barbosa.

- O que aconteceu? Ah! fessora ! É mais fácil dizê o que não aconteceu. Comi

o pão que o diabo amassô. E êta diabo bom de padaria! Fui garimpeiro, fui bóia-

fria, um "gato" me arrecadou e levou num caminhão pruma fazenda no meio da

mata . Lá trabaiei como escravo, passei fome, fui baleado quando consegui fugi.

Peguei fugi. Peguei tudo quanto é doença. Até na cadeia já fui pará . Nóis

ignorante às véis fais coisa sem querê fazê. A escola fais uma farta danada. Eu

não devia de tê saído daquele jeito, fessora, mas não aguentei as gozações da

turma. Eu vi logo que nunca ia consegui falá direito. Ainda hoje não sei.

- Meu Deus!

Aquela revelação me virou do avesso. Foi demais para mim.

Descontrolada, comecei a soluçar convulsivamente. Como eu podia ter sido tão

burra e má? E abracei o rapaz, que me olhava atarantado.

O ônibus buzinou com insistência. O rapaz afastou-me de si suavemente.

- Chora não, fessora! A senhora não tem curpa .

- Como? Eu não tenho culpa? Deus do céu!

Entrei no ônibus apinhado. Cem olhos eram flechas vingadoras apontadas

para mim. O ônibus partiu. Pensei na minha sala de aula. Eu era uma assassina a

caminho da guilhotina.

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Hoje tenho raiva da gramática. Eu mudo, tu mudas, ele muda , nós

mudamos , mudamos, mudaamoos, mudaaamooos... Super usada, mal usada,

abusada, ela é uma guilhotina dentro da escola. A gramática faz gato e sapato da

língua materna - a língua que a criança aprendeu com seus pais e irmãos e

colegas - e se torna o terror dos alunos. Em vez de estimular e fazer crescer,

comunicando, ela reprime e opri-

me, cobrando centenas de regrinhas estúpidas para aquela idade.

E os Lúcios da vida, os milhares de Lúcios da periferia e do interior,

barrados nas salas de aula: "Não é assim que se diz, menino!" Como se o

professor quisesse dizer : "Você está errado ! Os seus pais estão errados ! Seus

irmãos e amigos estão errados ! A certa sou eu ! Imite-me ! Copie-me ! Fale como

eu ! Você não seja você ! Renegue suas raízes ! Diminua-se ! Desfigure-se !

Fique no seu lugar ! Seja uma sombra !"

E siga desarmado para o matadouro da vida...

Fidêncio Bogo

INTERPRETAÇÃO DE TEXTO

A norma padrão é o conceito tradicional, idealizado pelos gramáticos, aos quais a

tratam como modelo enquanto a linguagem popular é alvo de preconceitos. Como

disse a professora, todos os dias milhares de “Lúcios” são barrados nas salas de

aulas. O texto nós mudemos nos faz refletir sobre nossas atitudes quanto ao falar

popular. A seguir temos algumas situações de reflexão.

1.“Não se diz “nóis mudemo”, menino! A gente deve dizer; nós mudamos, tá?”

Essa foi atitude tomada pela professora diante da fala de Lucio e que

comprometeu seu futuro, uma vez que isso ajudou o garoto a desistir da escola.

Em relação a essa atitude e com base nos assuntos discutidos em sala de

aula julguem as afirmativas a seguir e assinale a mais adequada.

a) A professora agiu corretamente, pois não deveria deixar o Lúcio falar errado.

b) Lucio agiu errado, além de não aceitar a professora lhe corrigir ainda

abandonou a escola.

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c) Lucio foi ignorante, preferiu continuar falando errado que aceitar a ajuda da

professora.

d) Lúcio é apenas uma vítima da situação e a professora não deveria ter agido

daquela forma.

e) Os alunos foram os responsáveis pela saída de Lúcio, deveriam receber

punição por isso.

2. Em relação à atitude da professora...

a) Ela agiu corretamente, pois tinha o dever de ensinar Lúcio a falar o português

correto.

b) Deveria ter castigado os demais alunos que abusavam do Lúcio, pois eles

foram covardes.

c) Não agiu corretamente, se quisesse chamar a atenção do garoto deveria ser de

outra forma.

d) Apenas cumpriu com seu papel de professora Lúcio é que foi ignorante.

3. Na sua opinião, qual seria a melhor atitude a ser tomada pela professora?

4. “Bosta de vida! Na cidade nós não tem ‘veis’. Nós fala tudo errado”.

Essa foi uma afirmação do pai do garoto quando a professora foi procurar pelo

menino. A partir das questões abaixo julguem a mais adequada. É verídica a

afirmação do pai de Lucio que quem mora na roça fala errado? Comente.

5. “Eu era uma assassina a caminho da guilhotina. Hoje tenho raiva da

gramática. Eu mudo, tu mudas, ele mudo, nós mudamos, mudamos,

mudaaamoos, mudaaamooos..., Super usada, mal usada, abusada, (......) em

vez de estimular e fazer crescer, comunicando, ela reprime e oprime,

cobrando centenas de regrinhas estúpidas para aquela idade.”

Essa é a fala da professora de Lucio quanto deparou com o rapaz naquela

situação. O que fez mudar de comportamento em relação ao ensino da

gramática?

6. “Eu mudo, tu mudas, ele mudo”. Essa foi uma conclusão da professora

em relação ao ensino da gramática normativa. Através da fala da professora

podemos inferir que:

a) a professora não acredita mais em um ensino focado apenas da gramática

normativa.

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b) a gramática normativa condena a norma popular e dessa forma pessoas como

Lúcio com medo de sofrer preconceitos podem evitar dar opiniões para não serem

alvos de chacotas.

c) a professora condena a forma que a gramática normativa trata o ensino da

Língua Portuguesa.

d) a professora não dá importância ao ensino da Língua Portuguesa baseado em

normas gramaticais.

e) todas as alternativas estão corretas.

7. A partir das informações abaixo, marque a(s) alternativa(s) correta(s)

I) O uso de uma língua varia de época para época, de região para região, de

classe social para classe social, e assim por diante.

II) Dependendo da situação, uma mesma pessoa pode usar diferentes variedades

de uma só forma da língua.

III) Fatores como, região, faixa etária, classe social e profissão são os

responsáveis pela variação da língua.

IV) A língua não é usada de modo homogêneo por todos os seus falantes.

V) O indivíduo graduado fala somente o linguajar culto enquanto o indivíduo

analfabeto fala somente o dialeto popular.

VI) Fatores como região, faixa etária, classe social e profissão, são

responsáveis pela variação da língua;

VII) O que determina a escolha de uma ou de outra variedade linguística é a

situação concreta de comunicação.

VIII) O uso das vogais abertas em algumas regiões do Nordeste como ménino em

vez de menino – quérida em vez de querida e o s chiado carioca e o s sibilado

mineiro são exemplos de variações regionais.

a) Todas as afirmativas são verdadeiras

b) Somente as afirmativas I – III – IV e VIII são verdadeiras.

c) Nenhuma alternativa é verdadeira.

d) Somente a alternativa V é falsa.

e) Não há alternativa falsa.

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ANEXO E - TEXTOS LITERÁRIOS TRABALHADOS.

TEXTO 1: “AULA DE PORTUGUÊS

A linguagem

na ponta da língua,

tão fácil de falar

e de entender.

A linguagem

na superfície estrelada de letras,

sabe lá o que ela quer dizer?

Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,

e vai desmatando

o amazonas de minha ignorância.

Figuras de gramática, esquipáticas,

atropelam-me, aturdem-me, sequestram-me.

Já esqueci a língua em que comia,

em que pedia para ir lá fora,

em que levava e dava pontapé,

a língua, breve língua entrecortada

do namoro com a prima.

O português são dois; o outro, mistério. Carlos Drummond de Andrade

TEXTO 2: ERRO DE PORTUGUÊS

Quando o português chegou

Debaixo duma bruta chuva

Vestiu o índio

Que pena!Fosse uma manhã de sol

O índio tinha despido

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O português. Oswald de Andrade

TEXTO 3: PRONOMINAIS

Dê-me um cigarro

Diz a gramática

Do professor e do aluno

E do mulato sabido

Mas o bom negro e o bom branco

Da Nação Brasileira

Dizem todos os dias

Deixa disso camarada

Me dá um cigarro. Oswald de Andrade

TEXTO 4: EVOCAÇÃO DO RECIFE

[…] Me lembro de todos os pregões:

Ovos frescos e baratos

Dez ovos por uma pataca

Foi há muito tempo...

A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros

Vinha da boca do povo na língua errada do povo

Língua certa do povo

Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil

Ao passo que nós

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O que fazemos

É macaquear

A sintaxe lusíada. Manuel Bandeira

TEXTO 5: U PURTUGUÊIS

"Português é fácil de aprender porque é uma língua que se escreve exatamente como se fala."

Pois é. U purtuguêis é muinto fáciu di aprender, purqui é uma língua qui a genti iscrevi ixatamenti cumu si fala. Num é cumu inglêis qui dá até vontadi di ri quandu a genti discobri cumu é qui si iscrevi algumas palavras. Im purtuguêis não. É só prestátenção. U alemão pur exemplu. Qué coisa mais doida? Num bate nada cum nada. Até nu espanhol qui é parecidu, si iscrevi muinto diferenti. Qui bom qui a minha língua é u purtuguêis. Quem soubé falá sabi iscrevê. Jô Soares

O texto acima é um comentário do humorista Jô Soares, para a revista Veja. Ele

brinca com a diferença entre o português falado e escrito. Na verdade, em todas

as línguas, as pessoas falam de um jeito e escrevem de outro. A fala e a escrita

são duas modalidades diferentes da língua e é com esse fato que o Jô brincou.

Na língua escrita há mais exigências, em relação às regras da gramática

normativa. Isso acontece porque, ao falar, as pessoas podem ainda recorrer a

outros recursos para que a comunicação ocorra - pode-se pedir que se repita o

que foi dito, há os gestos, etc. Já na linguagem escrita, a interação é mais

complicada, o que torna necessário assegurar que o texto escrito dê conta da

comunicação.

A escrita não reflete a fala individual de ninguém e de nenhum grupo social. Por

essa razão, a fala e a escrita exigem conhecimentos diferentes. A maioria de nós,

brasileiros, falamos, por exemplo, "Eli me ensinô". O português na variante

padrão exige, no entanto, que se escreva assim: "Ele me ensinou". Essas

diferenças geram muitos conflitos.

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A leitura de um trecho do poema de Antonino Sales, "Malinculia", mostra as

interferências da fala na escrita e como elas não anulam a expressividade poética

de suas imagens.

Malinculia, Patrão, É um suspiro maguado Qui nace no coração! É o grito

safucado Duma sodade iscundida Qui nos fala do passado Sem se torná

cunhicida! É aquilo qui se sente Sem se pudê ispricá! Qui fala dentro da

gente Mas qui não diz onde istá! (...)

(BAGNO, Marcos. "A Língua de Eulália: Uma Novela Sociolinguística)

A língua muda, ainda, conforme o grupo social, a região, e o contexto histórico.

São as chamadas variações linguísticas. A gíria e o jargão são algumas

dessas variações.

Disponível em: http://educacao.uol.com.br/disciplinas/portugues/lingua-escrita-e-

oral-nao-se-fala-como-se-escreve.htm Acesso em 05/12/2014.

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ANEXO F – FOTOS

Foto: Sala de aula. Arquivo pessoal do pesquisador.

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Foto: Sala de aula. Arquivo pessoal do pesquisador.

Foto: Sala de aula. Arquivo pessoal do pesquisador

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Foto: Sala de aula. Arquivo pessoal do pesquisador.