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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS UNIMONTES PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS MESTRADO INTERINSTITUCIONAL EM ARTES CÊNICAS LEONARDO SILVA ALVES DA CIA ACÔMICA AO EXERCÍCIO Nº1 SOBRE CATRUMANO: a sistematização de procedimentos metodológicos para a construção de um espetáculo teatral no Norte Mineiro. Salvador 2011

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA UNIVERSIDADE … Silva Alves... · nº1 sobre Catrumano, que teve ainda como embasamento teórico a obra Mineiros e baianeiros: englobamento resistência

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS – UNIMONTES

PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS

MESTRADO INTERINSTITUCIONAL EM ARTES CÊNICAS

LEONARDO SILVA ALVES

DA CIA ACÔMICA AO EXERCÍCIO Nº1 SOBRE

CATRUMANO: a sistematização de procedimentos metodológicos

para a construção de um espetáculo teatral no Norte Mineiro.

Salvador

2011

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LEONARDO SILVA ALVES

DA CIA ACÔMICA AO EXERCÍCIO Nº1 SOBRE

CATRUMANO: a sistematização de procedimentos metodológicos

para a construção de um espetáculo teatral no Norte Mineiro.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Artes Cênicas, Escola de Teatro e Escola de Dança,

Universidade Feral da Bahia, mestrado interinstitucional

com Universidade Estadual de Montes Claros Minas Gerais,

como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em

Artes Cênicas.

Orientador: Daniel Marques da Silva

Salvador

2011

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Dedico este trabalho a minha família, alicerce fundamental de existência...

Ao meu pai ―Zé Legal‖ (In memoriam) que se faz presente sempre em lembranças pela sua

alegria contagiante quando em vida...

A minha Mãe ―Dona Biu‖ figura de valor vital no meu caminho, exemplo de ser humano a

quem respeito e me orgulho...

A minha companheira Cecília, pessoa especial, amiga, criativa, parceira, dedicada e acima de

tudo, compreensiva sempre...

A vocês filhos lindos ―Karol e Arthur‖ razão do meu esforço e dedicação, responsáveis por

grandes mudanças na minha vida...

Aos alunos, professores, orientadores...

Amigos, colegas, companheiros de caminhada que me ajudaram a tecer esta trajetória...

A todos que de uma forma ou de outra contribuíram pelo meu sucesso e que sempre

torcem por mim...

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AGRADECIMENTOS

São tantos e tão especiais...

Ao criador maior de todas as coisas que me rege, me olha e me cuida...

A Minha família que soube compreender as ausências e a necessidade do incentivo constante

em busca do objeto final...

Ao Prof. Dr. Daniel Marques da Silva, orientador, ilustríssimo mestre, sempre tão atencioso,

receptivo e, acima de tudo, um grande amigo.

Ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas - PPGAC da Universidade Federal da

Bahia - UFBA, pelo apoio, a infra-estrutura, a qualidade e a simpatia dos seus professores,

pesquisadores e funcionários.

A Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes, que possibilitou a realização desta

conquista,; o empenho e dedicação do departamento de Artes, coordenação pedagógica do

curso de teatro na pessoa do Prof º Ricardo Malveira, que foi o elo principal de concretização

deste processo; a todos os funcionários, colegas, alunos, que contribuíram com a paciência,

compreensão e colaboração para a realização do processo.

A Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais – FAPEMG, com seu apoio primordial

na logística de realização e consolidação desta parceria interinstitucional, principalmente na

viabilização dos recursos.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Em especial a Efigênia (Fija), colega, amiga que sempre me incentivou e se colocou

disponível para o meu auxílio nos momentos de angústia em várias fases desta caminhada.

A todos aqueles que contribuíram de uma maneira ou de outra para a realização deste

objetivo. Muito obrigado por possibilitarem essa experiência enriquecedora e gratificante,

da maior importância para meu crescimento como ser humano e profissional.

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Porque não há saber, habilidade, ciência ou

qualquer das belas-artes, nenhuma meditação

religiosa e nenhuma ação sagrada que não

possa ser encontrada no drama.

Brahma (deus indiano)

Aquele drama de amor, que parece haver

nascido da perfídia da serpente e da

desobediência do homem, ainda não deixou de

dar enchentes a este mundo. Uma vez ou outra

algum poeta empresta-lhe a sua língua, entre

as lágrimas dos espectadores; só isso. O drama

é de todos os dias e de todas as formas, e novo

como o sol, que também é velho.

(Machado de Assis)

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ALVES, Leonardo Silva. DA CIA ACÔMICA AO EXERCÍCIO Nº1 SOBRE

CATRUMANO: a sistematização de procedimentos metodológicos para a construção de um

espetáculo teatral no Norte Mineiro. 188f. 2011. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-

Graduação em Artes Cênicas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.

RESUMO

A presente pesquisa é um relato de experiência sobre os procedimentos de criação utilizados

pela Companhia Acômica em um núcleo de investigação teatral o qual deu origem ao Grupo

Teatral Catrumano, vinculado ao projeto de extensão da Universidade Estadual de Montes

Claros - UNIMONTES, em parceria ao projeto Rede Teia. As propostas metodológicas de

preparação física da referida companhia teatral, que se utiliza da capoeira angola e de técnicas

de biomecânica, e o processo colaborativo objetivaram a construção do espetáculo Exercício

nº1 sobre Catrumano, que teve ainda como embasamento teórico a obra Mineiros e

baianeiros: englobamento resistência e exclusão, Tese de Doutorado (UnB, 2003) de João

Batista de Almeida Costa. Na primeira seção trata-se da trajetória do Teatro Universitário, em

especial ao vinculado a um Projeto de Extensão da Universidade Estadual de Montes Claros,

e, ainda e um percurso pela história de existência da Cia Acômica. Já na segunda, há uma

descrição da consolidação de parceria da Cia Acômica com a UNIMONTES, por meio do já

referido projeto da Rede Teia. Na terceira seção há uma descrição da abordagem

metodológica e todo o processo de criação até o resultado final e a consolidação do Grupo

Catrumano.

PALAVRAS- CHAVE:

Teatro de Grupo – Processo Colaborativo – Identidade Cultural

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ALVES, Leonardo Silva. Cia Acômica to Exercise No 1 on Catrumano: systematization of

methodological procedures for the construction of a theatrical spectacle in the North of Minas

Gerais. 188f. 2011. Dissertation (master) – graduate program in arts, Universidade Federal da

Bahia, Salvador, 2011.

SUMMARY

This is an account of research experience on creation procedures used by the company

Acômica in a nucleus of theatrical research which gave rise to the theatrical group Catrumano,

linked to the extension project of Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES in

partnership to design network Web site. Methodological proposals of physical preparation of

that troupe, which uses of capoeira angola and biomechanical techniques, and the

collaborative process intend the construction of spectacle Exercise No. 1 on Catrumano, that

has as theoretical foundation and Miners work: baianeiros englobamento resistance and

deletion, PhD thesis (UnB, 2003) by João Batista de Almeida Costa. In the first section is the

trajectory of the University Theatre, in particular when linked to an extension project of

Universidade Estadual de Montes Claros, and, still, and a journey through the history of

existence of Cia Acômica. Already in the second there is a description of the consolidation of

Cia partnership with Acômica UNIMONTES, through the already mentioned Web network

project. In the third section is a description of the methodological approach and the whole

process of creation to the final result and the consolidation of the Group Catrumano.

Keyword:

Theatre Group – collaborative process – Cultural identity

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 9

2 O TEATRO UNIVERSITÁRIO NA UNIMONTES ................................................... 14

2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A TRAJETÓRIA DO TEATRO

UNIVERSITÁRIO DO BRASIL .................................................................................... 19

2.2 O ENTRELAÇAMENTO DE FIOS NA FORMAÇÃO DE UM GRUPO - HISTÓRICO

DA CIA ACÔMICA ........................................................................................................ 28

2.2.1 Criação do sistema de trabalho .................................................................................... 31

2.2.2 Espetáculos montados .................................................................................................. 35

2.2.3 Uma década de caminhada .......................................................................................... 49

3 TECENDO RELACIOMENTOS E CRIANDO UMA REDE DE AÇÕES .............. 55

3.1 PRIMEIRO CONTATO E PARCERIA ........................................................................... 57

3.2 DIVULGAÇÃO DA PROPOSTA - NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO TEATRAL ....... 58

3.3 INÍCIO DOS TRABALHOS DO NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO ............................... 61

3.4 MERGULHO EM RETIRO ............................................................................................. 65

4 PROCESSO DE CRIAÇÃO EM COLETIVO - TECENDO AÇÕES E CRIANDO

CENAS ............................................................................................................................ 69

4.1 ABORDAGEM METODOLÓGICA ............................................................................... 70

4.2 DECISÃO E ESCOLHA DA DRAMATURGIA ........................................................... 95

4.3 PRIMEIROS RASCUNHOS DRAMATÚRGICOS ...................................................... 107

4.4 CONSOLIDAÇÃO E REPERCUSSÃO DO TRABALHO .......................................... 126

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 142

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 149

ANEXOS.........................................................................................................................153

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1 INTRODUÇÃO

Quatre maim,

catre mane,

catri mano,

catrumano;

Observando o costume dos moradores do sertão san-franciscano, o biólogo

naturalista Saint-Hilaire achou curiosa a locomoção, mesmo de pequenas distâncias,

ser feita sempre a cavalo. Sugerindo uma fusão entre as patas dos cavalos e as mãos

de seus condutores, queria denominá-los de quatro mãos. Guimarães Rosa,

retomando o termo em sua obra, atribui valor depreciativo, dando ao interlocutor

caráter de inferioridade intelectual. Em fins de 2005, intelectuais Nortes Mineiros

propõem revisitar o termo junto a pesquisas históricas, num intuito de reverter o

tom pejorativo que a expressão sugere.1

Catrumano sim sinhô!... Expressão forte que traz toda uma história com sentido

de vida ligado ao trabalho duro de criação de gado e plantio de terra, povo alegre, espontâneo,

hospitaleiro. Representatividade do Norte de Minas na criação do estado, sua importância na

labuta diária do homem do norte, que através de matrizes culturais refletidas no seu povo

mostra seu valor. Assim mostro através desta pesquisa a influência artística na minha

trajetória profissional e humana o encontro com a Cia Acômica e a realização do espetáculo

teatral Exercício nº1 sobre Catrumano.

Ao participar do processo de criação que (ora) a Rede Teia2 me proporcionou no

núcleo de investigação teatral de Montes Claros, tive a oportunidade de fazer um retrocesso

na minha trajetória de trabalho artístico e profissional. Situações que me levaram a uma

reflexão sobre o fazer teatral e o trabalho em grupo na busca de um objeto comum.

Aprofundamento nas origens históricas do ser catrumano e suas características marcantes que

estão impregnadas no povo norte mineiro: este corpo forte acostumado a lidar com o sol do

cerrado, corpo pronto para as atribuições corriqueiras do dia a dia do sertão mineiro. Processo

de criação próximo a minha realidade de infância, de cotidiano, de convivência com amigos e

família, de contato com disciplina, respeito, brincadeiras, contos, histórias, dúvidas e anseios.

Assim nos foi proposto construir um pequeno texto para o prospecto do trabalho relatando

1 Locução inicial do Espetáculo Exercício nº1 sobre Catrumano, onde os atores estão deitados como cavalos em

um curral, durante a execução da locução eles começam a se movimentar como animais despertando e se

transformam em cavalos e conduzem a platéia ao local da apresentação como se tocassem uma boiada. 2 Projeto idealizado pela Cia Acômica que visa além de desenvolver ações de formação artística para fortalecer a

produção local, o projeto incentiva a manifestação cultural convidando artistas locais a se apresentar e fazer parte

dessa rede de experiências. Desde 2004, a REDE TEIA atua em Minas Gerais, promovendo apresentações de

espetáculos de artes cênicas, além de palestras e oficinas, tendo sempre grupos e pensadores locais convidados.

Vale ressaltar, a importância dos grupos locais nas atividades da REDE como interlocutores fundamentais e

estruturantes de todo o nosso processo, pois essas parcerias formam essa rede de idéias e iniciativas. A REDE

TEIA avançou em seu formato, aprofundando seu caráter formativo através dos Núcleos de Investigação Teatral

que proporcionam a junção de teoria e prática. REDE TEIA - Experimentação e investigação em artes cênicas,

Montes Claros, 2008. Tabloide.

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nossos sentimentos e emoções. Pelos atores pesquisadores foi executado também em conjunto

o seguinte texto:

No peito, a coragem. Nos braços, a força. Nos pés, a resistência. CATRUMANO:

quatro pés. Homem que anda a cavalo e campea o gado, nos Gerais. Nascimento

prematuro: sete meses – falhas e progressos. Aprendemos a nos esforçar e ser

disciplinados no trabalho diário e intensivo. Compartilhamos nossas emoções e

vidas. Unimos força e superamos nossas inseguranças e dúvidas. Convivemos num

universo de idéias, aprendemos para a arte e para a vida a confiar nas palavras a

perder, a sofrer e a escutar.3

Por ter compreendido a responsabilidade de repassar para as pessoas esta

experiência, aqui estou como pesquisador participante de um processo de criação que traz a

identidade do norte mineiro, como base teórica da dramaturgia e nos mostra sua importância

no movimento de valorização do Norte de Minas.

Desde pequeno tive atração por atividades que prescindiam da utilização do corpo

para serem executadas. Na adolescência tive contato com a capoeira que possibilitou a

ampliação das minhas aptidões corporais. Ingressei no Grupo de Capoeira Berimbau de Ouro

no qual conheci alguns integrantes do Grupo de União e Consciência Negra, onde tive

contado com a cultura afro-brasileira de forma significativa. Conheci ritmos e movimentações

corporais como a dança afro, o samba e o pagode. A partir desta experiência participei dos

espetáculos Luz Negra do Grupo Quilombo e Kizomba - Uma Epopéia Afro-Brasileira do

Grupo Teatro Experimental do Norte – TENOR, ambos em 1989. Surge neste momento o

início do meu contato com a criação artística por meio do trabalho em grupo que me

acompanha até hoje. Grotowski (1971) disse que:

A essência do teatro é um encontro. [...] é também um encontro entre pessoas

criativas. [...] O encontro resulta de um fascínio. Implica numa luta, e também em

algo tão idêntico em profundidade, que existe uma identidade entre aqueles que

tomam parte no encontro. (GROTOWSKI,1971, p. 41-42).

Considerando o fazer teatral na concepção transcrita, surgiu uma variedade de encontros na

minha trajetória artística e profissional na qual o trabalho de criação coletiva sempre se fez

presente. Este envolvimento realmente traz o fascínio pelo encontro e criatividade das

pessoas.

Ao passar pelo serviço militar tive oportunidade de aliar o trabalho em equipe

com a disciplina. Já na graduação em Artes Cênicas, na Universidade Estadual de Montes

3GRUPO CATRUMANO. Exercício nº1 sobre Catrumano. Espetáculo de finalização do Núcleo de investigação

teatral de Montes Claros/2008. Direção: Nelson Bambam; Cláudio Marcio; Leonardo Alves. Dramaturgia

Glicério Rosário. Montagem com Processo Colaborativo pelos Atores pesquisadores do núcleo. Montes Claros –

2008. Prospecto.

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Claros – Unimontes – meu intuito foi buscar aperfeiçoamento e qualificação para aprofundar

conhecimentos teóricos e práticos.

No primeiro contato com trabalho coletivo, já citado anteriormente, participei de

todo o processo de criação: montagem de coreografias, sugestões de figurinos e cenários,

além dos ensaios até as apresentações, mesmo não tendo maturidade suficiente para o

entendimento sobre o fazer artístico. Em seguida participei de outros grupos artísticos ligados

à dança clássica e contemporânea. Em todos eles participei do processo de criação e também

auxiliei a parte técnica com montagem de cenários e iluminação. Percebo hoje, o quanto foi

importante ter vivenciado todas estas experiências com grupos variados e suas formas de

abordagem do processo de preparação física do artista

Já no teatro vivenciei outros pontos importantes no processo de criação como:

concentração, atividades de preparação e utilização da voz, estudo de texto dramático e

especificidade de dramatização. Surge para mim uma nova ideia de trabalho coletivo, própria

do fazer teatral, composta por cumplicidade, confiança, troca, emoção, relação, convivência e

uma atração cada vez maior pelo trabalho de grupo e pelo processo de criação.

Reconhecemos a ideia de teatro de grupo segundo Peixoto (2002):

[...] a forma de organização mais vigorosa e produtiva como processo de

investigação, transformação e criatividade cênica. Um coletivo de trabalho é a única

fonte rigorosamente penetrante e estimulante, capaz de aprofundar um projeto

artístico de forma a mantê-lo permanentemente inserido na vida social e no

constante confronto com a realidade, sem que perca sua capacidade de reinventar-se

a si mesmo, de pesquisar linguagens inesperadas e diversificadas. (PEIXOTO, 2002,

p. 243).

Sempre busquei referência no modelo dos mestres com os quais trabalhei, por

perceber neles criatividade, disciplina, competência, determinação e envolvimento com o

grupo e com o processo artístico. A rotina de atividades de manutenção e ensaios do trabalho

em grupo proporciona a aproximação e a familiarização, configurando uma necessidade de

estar junto. Prescinde de comprometimento. A partir disso, percebi fatores que auxiliam na

sustentação dos princípios do trabalho grupal, a saber:

Forma de convivência ético e responsável, de permanente debate livre e democrático

de idéias e propostas, centro coletivo de exercícios e buscas, a reunião de homens de

teatro num esforço comum de sobrevivência e realização, por um mesmo ideal,

fundamentado num mesmo projeto artístico e/ou ideológico, tem sido também a

mais correta e conseqüente maneira de organização administrativa. (ibidem, p. 244).

Ao receber o convite para coordenar o núcleo de investigação teatral da Rede Teia em sua

edição de 2008, na cidade norte mineira de Montes Claros, em parceria com a Unimontes,

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dentro do projeto de extensão Teatro Universitário – TU, busquei na minha trajetória os

aprendizados que vivenciei desde o primeiro contato com trabalho de grupo. Medos e anseios

surgem como obstáculos ao desempenhar a função de coordenador do núcleo de investigação

que aos poucos foram superados em decorrência do perfil do conjunto e da temática

trabalhada. Após o resultado desse processo, fui motivado a refletir e registrá-lo em forma de

pesquisa cujo título é DA CIA ACÔMICA AO EXERCÍCIO Nº1 SOBRE CATRUMANO: a

sistematização de procedimentos metodológicos para a construção de um espetáculo teatral

no Norte Mineiro.

Trata-se de um relato de experiência do trabalho de criação utilizado na condução

de procedimentos investigativos no processo de construção do espetáculo Exercício nº1 sobre

Catrumano, com ênfase também na preparação física do ator para cena, utilizando uma

metodologia específica. Configura-se também como uma pesquisa bibliográfica e

autoetnográfica.

Juntamente com a Cia Acômica, pude acompanhar e vivenciar vários estágios de

criação artística teatral, envolvendo a teoria e a prática. A condução do processo envolvia

todos os participantes do núcleo nas atividades de criação, que colaboravam na elaboração da

cena teatral. (processo colaborativo) Tal procedimento vem sendo crescente na maioria dos

trabalhos aplicados no teatro de grupo da atualidade. Vejamos:

Aquilo que chamamos hoje de processo colaborativo começou a se aprofundar no

começo dos anos de 1990 com o Teatro da Vertigem de São Paulo, dirigido por

Antônio ARAÚJO. A pesquisa aprofundou-se na medida em que foram criados seus

três primeiros espetáculos ao longo de dez anos: Paraíso Perdido, O livro de Jó e

Apocalipse 1,11. Muitos outros grupos, amadores ou profissionais, dentre os quais a

Cia do Latão, de São Paulo, e o Grupo Galpão de Belo Horizonte, adotam,

sistematicamente ou não, o processo colaborativo na elaboração de seus trabalhos.

(DICIONÁRIO DO TEATRO BRASILEIRO, 2006, p. 254).

A partir desta ideia, nosso propósito é a sistematização e o registro da proposta

metodológica vivenciada e aplicada na criação do espetáculo Exercício nº1 sobre Catrumano,

que tece a construção do norte mineiro.

A dissertação encontra-se dividida em quatro sessões. Na primeira descrevemos

um resumo do Teatro Universitário na Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes

e um breve percurso do Teatro Universitário pelo Brasil, incluindo Minas Gerais. Descrevo a

trajetória da Cia Acômica, como grupo teatral, em sua trajetória de mais de dez anos de

caminhada até a criação do Projeto Rede Teia que possibilitou a parceria com a Unimontes e

o surgimento do Grupo Catrumano. Na segunda sessão, descrevo o contato da Cia Acômica

com a Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes, a divulgação da proposta do

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núcleo de investigação teatral, a seleção e início dos trabalhos do núcleo na universidade. Na

terceira sessão abordo e descrevo o processo de criação teatral do núcleo de investigação

passando pela escolha da dramaturgia e abordagem do Movimento Catrumano, os primeiros

rascunhos de cenas até o resultado final ―Exercício nº1 sobre Catrumano”, fechando a sessão

com relato da consolidação e repercussão do trabalho. E, finalmente nas considerações finais

faço uma reflexão sobre o processo de criação teatral vivenciado pelos integrantes do Núcleo

de Investigação Teatral de Montes Claros. Falo do surgimento e consolidação do Grupo

Teatral Catrumano e a repercussão do trabalho que ora pretendo dar continuidade juntamente

com os integrantes do Núcleo de Investigação Teatral de Montes Claros e o Grupo Teatral

Catrumano.

Enfim, o resultado desta pesquisa proporcionará a construção de um

conhecimento ímpar que registra não apenas o processo de construção artística, mas também

o percurso da participação do norte mineiro na história de Minas Gerais por meio de uma

linguagem clara e acessível de forma abrangente.

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2 O TEATRO UNIVERSITÁRIO NA UNIMONTES

Compreendemos que o histórico do projeto de extensão Teatro Universitário

da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes – segue simultaneamente ao

histórico de criação da própria instituição de ensino na qual se fundou através do artigo

82, parágrafo 3º, do ―Ato das Disposições Constitucionais Transitórias‖ da Constituição

Mineira de 21/09/89. Vale ressaltar que o projeto de extensão do Teatro Universitário

sempre esteve vinculado ao curso de teatro, antiga Faculdade de Educação Artística –

FACEART – criada em 1987. Quanto ao surgimento da Unimontes, para ser mais

específico, reporto ao Histórico da Instituição em site institucional:

Através da Constituição Estadual de 1989, a FUNM foi transformada na

Universidade Estadual de Montes Claros, instituída através do Decreto

Estadual nº 30.971, de 09/03/1990. A efetiva integração da UNIMONTES

como ente público (autarquia) ocorreu, no entanto, a partir de 1º/08/1990,

quando os servidores da extinta FUNM passaram a ser incorporados ao

quadro pessoal do Estado. O primeiro estatuto da universidade foi aprovado

através do Decreto Estadual nº 31.840, de 24/09/1990.4

De acordo com o regimento, a extensão universitária pauta-se pelo processo

educativo, cultural e científico articulando o ensino e a pesquisa e viabilizando a relação

transformadora entre a universidade e a sociedade, através da prática do conhecimento e

divulgação científica. Desta forma, estabelece a participação da comunidade na vida

universitária ao socializar o saber acadêmico e valorizar o processo pedagógico. Sua

abrangência vai além dos currículos e práticas de ensino, uma característica de

autonomia da universidade pública, de administração democrática e socialização do

conhecimento.

Com a criação da FACEART e sua primeira turma de licenciatura em teatro,

aparece a primeira ideia do teatro universitário, trazida pelo Professor Homero Carvalho

Faria quando convidado para assumir algumas disciplinas na Faculdade. Dando início

às suas atividades durante o trabalho na FACEART, o Professor Homero com sua

bagagem de conhecimento e experiência na cena teatral mineira contribuiu para o

desenvolvimento do processo de consolidação do Teatro Universitário, logo assumido

pela egressa da primeira turma de licenciatura, Terezinha Lígia, ficando por muito

4 Site da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes pesquisa sobre missão e histórico da

instituição. Disponível em: <http://portal.unimontes.br/index.php?option=com_content&view =article&id

=3450& Itemid =212.> Acesso em: 06 out. 2011.

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tempo à frente do Projeto. Muitos trabalhos teatrais foram montados durante o percurso

do TU como nos relata a Professora Solange Sarmento:

Desde o ano 1995 até o ano de 2006 o Teatro Universitário – TU, da

Unimontes montou vários espetáculos, como: ―SOSlidão‖ e ―O Coco do Boi

Tungão‖, primeira e ―última‖ produção do TU, que transitou do

contemporâneo ao referencial de cultura popular, que oportunizou a

acadêmicos de diversos cursos a possibilidade do exercício artístico, do

desenvolvimento de habilidade intra e interpessoais, da aproximação com o

teatro enquanto estética artística e legado cultural da humanidade. Neste

período o TU foi coordenado pela professora Terezinha Lígia das Graças

Froes. No ano de 2007 o Teatro Universitário passou por uma reformulação,

assumindo um novo perfil e se transformando em Teatro Universitário / Tu -

Laboratório De Pesquisa, Práticas E Performances Cênicas.5

O que pode ser contabilizado nesse tempo de existência do Teatro

Universitário da Unimontes também se reverte no apoio à formação dos acadêmicos da

Licenciatura em Teatro, valor agregado que no mínimo resultou em espaço de

laboratório teatral e que contribuiu na consolidação da formação acadêmica daqueles

que se propuseram a estar dentro do Teatro Universitário. Ressaltamos aqui a

participação da maioria dos professores da graduação Teatro da Unimontes, que

passaram pelo Teatro Universitário, e com certeza tiraram deste o proveito necessário

para complementação de sua formação.

Outro ponto relevante nesta trajetória do Teatro Universitário da Unimontes

foi a entrada de mais um profissional de teatro, a professora Efigênia Alkimim Praes,

que veio oferecer aos integrantes do Teatro Universitário embasamento teórico

específico. Com este fato estava se delineando a nova estrutura que a Professora

Terezinha Lígia deseja implantar no Teatro Universitário e que comunga com muitas

das experiências existentes em diversas universidades do nosso país, a exemplo da

Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.

Pelo Centro de Extensão (Cenex), o TU oferece cursos e oficinas de iniciação

e aprofundamento em diversas áreas, como, por exemplo, interpretação

teatral, teorias do teatro, arte educação, com profissionais de renome no

campo das artes. O Centro de Produção e Documentação do Teatro

Universitário da UFMG (CPD/TU) - projeto de pesquisa, coordenado pela

professora Maria Clara Lemos desde 2007 - atua nos setores de figurino,

cenário, iluminação e acervos iconográficos (imagens fotográficas e

audiovisuais) com o intuito de preservar a memória e o acervo da instituição,

5 Página da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes com informações dos cursos de

graduação e projetos de extensão cultural. Disponível em: <http://www.cch.unimontes.br/ portal

/index.php/curso-de-teatro/projetos-de-extensao/teatro-universitario> Acesso em: 06 out. 2011.

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além de disponibilizá-lo para uso não apenas do corpo docente e discente da

universidade, mas também do público.6

Também da Universidade de São Paulo – USP, que se organiza da seguinte forma:

Em 1967, inicia as atividades o Teatro dos Universitários de São Paulo -

TUSP, ligado ao DCE central da USP, com A Exceção e a Regra; e, no ano

seguinte, com a mais radical dessas encenações, a de Flávio Império para Os

Fuzis de Dona Tereza, também de Brecht. O TUCA, em nova criação, lança

O&A, de Roberto Freire, encenação de Silnei Siqueira. Com a decretação do

AI-5, a prisão de alguns integrantes dos conjuntos e o total fechamento do

regime, o movimento desaparece.7

Simultaneamente o Teatro Universitário hoje retrata o objetivo primeiro da

extensão universitária um processo educativo, cultural e científico que articula o ensino

e a pesquisa de forma inseparável e viabiliza a relação transformadora entre a

universidade e a sociedade. O Teatro Universitário vislumbra passar de um Projeto de

Extensão da Unimontes a um laboratório de pesquisa, práticas e performances cênicas.

Tem como objetivo principal, ser um espaço de extensão e pesquisa universitária, que

oferecerá suas atividades a diversos segmentos como: os servidores desta instituição;

seus acadêmicos e professores e também à comunidade em geral, em especial as

comunidades mais discriminadas da possibilidade do contato com esta linguagem

artística. Vale ressaltar que durante toda trajetória do Teatro Universitário estavam

presentes nas apreciações de aprovação pelo conselho de ensino pesquisa e extensão –

CEPEX – as ações inovadoras propostas pelos professores envolvidos. Dentre os vários

projetos já aprovados destacamos como referência o seguinte:

O Teatro Universitário mantém uma longa e profícua trajetória dentro da

Universidade Estadual de Montes Claros –Unimontes – , iniciada na antiga

Fundação Norte Mineira de Educação (FUNM), posteriormente incorporado

à Unimontes. Foi institucionalizado pela aprovação no CEPEX com a

resolução nº 004/2000-CEPEX, apoiada no Parecer nº 007/03 da Câmara

de Extensão, e na aprovação do Departamento de Artes. Importante ressaltar

que este Projeto foi referendado pela RESOLUÇÂO Nº 066/CEPEX/2003

que aprova sua continuidade. Agora, nesta nova fase, tramitará nas instâncias

necessárias, com intuito de se transformar em mais um Projeto desta

6 Informação da Revista eletrônica: Enciclopédia Itaú Cultural Teatro sobre o Teatro Universitário da

Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Disponível em: < http://www.itaucultural.org.br/

aplicExternas/ enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=cias_biografia&cd_verbete=12577>. Acesso

em: 23 set. 2011. 7 Informação da Revista eletrônica: Enciclopédia Itaú Cultural Teatro sobre o Teatro Universitário da

Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/

aplicexternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=conceitos_biografia&cd_verbete=619&cd_item=

31>. Acesso em: 23 set. 2011.

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Universidade que levará a Extensão e a Pesquisa como eixos alinhados de

produção acadêmica e de envolvimento com a comunidade.8

Neste projeto modelo, idealizavam-se atividades artísticas como terapias

corporais, teoria teatral, prática em Teatro do Oprimido, teatro de bonecos, atividades

circenses, teatro infanto-juvenil, performances e happening, dentre outras, que iriam

compor esta miríade oferecendo ao Teatro Universitário uma nova abordagem. Surge

um novo momento do Teatro Universitário da Unimontes, que veio ampliar e muito a

contribuição deste diante do cenário artístico-cultural, no que tange o Teatro em Montes

Claros, haja vista, que esta Universidade é a pioneira das instituições regionais a

oferecer um Curso de Formação em Teatro e em abrigar esta linguagem em suas

atividades de pesquisa e de extensão.

A professora Maria Solange Sarmento, em depoimento específico para esta

dissertação, ainda explica que o Teatro Universitário foi dirigido, desde o seu

surgimento, pela Professora Terezinha Lígia das Graças Froes. A professora ainda diz

que o Teatro Universitário funcionou como um espaço de oficina e montagens,

instituído oficialmente como um Projeto de Extensão, assim esteve em atividade até o

ano de 2006. Mas acompanhando as mudanças no Plano Político Pedagógico do curso

de Artes Teatro, o Teatro Universitário foi reestruturado em 2007 e apresentado para a

Câmara de Ensino Pesquisa e Extensão - CEPEX. O então TEATRO

UNIVESITÁRIO/TU – Laboratório de Pesquisa e Práticas e Performances Cênicas

ampliou o espaço na Extensão e na Pesquisa, fortalecendo a prática artística e o elo do

teatro com a comunidade acadêmica e a comunidade em geral.

Dentro dos seus projetos de extensão a Universidade Estadual de Montes

Claros – Unimontes, aprovou em resolução nº066/2003 do Conselho de Pesquisa e

Extensão – CEPEX – a continuidade do Projeto Teatro Universitário que passou por

uma nova aprovação em 2007, em que se encontravam algumas mudanças na

concepção do Projeto, inclusive mudança de nome, passando a se chamar Teatro

Universitário – Laboratório de Pesquisa, Prática e Performances Cênicas, passando pelo

Conselho de Pesquisa e Extensão – CEPEX – e sendo apreciado e aprovado através da

Resolução nº188-CEPEX/2007 de 26 de setembro do mesmo ano.

Ressalto no que tange à pesquisa, dentro do Teatro Universitário TU -

Laboratório de Pesquisa, Práticas e Performances Cênicas, o UTEC9 - Universidade,

8 Informações retiradas do conteúdo histórico do Projeto de Extensão Teatro Universitário aprovado pela

RESOLUÇÂO Nº 066/CEPEX/2003 Unimontes.

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Teatralidade, Experimentação e Corporeidade será o núcleo responsável pelo

desenvolvimento desta, sob a orientação do Sub-Coordenador deste Projeto, o Professor

Dr. João Batista de Almeida Costa.

O Professor Dr. João Batista de Almeida Costa, Coordenador Associado do

Mestrado em Desenvolvimento Social da Unimontes, tem, em seu currículo pessoal,

uma longa trajetória no Teatro de Montes Claros, como diretor e ator, o que justifica a

sua participação neste, além, é claro, de sua vasta experiência na pesquisa universitária,

o que certamente fará o diferencial da pesquisa no Projeto do Teatro Universitário,

assim como seu assistente no UTEC, o professor Ricardo Ribeiro Malveira, membro do

quadro de professores desta instituição e doutorando do Programa de Pós-Graduação

em Artes Cênicas – PPGAC da Universidade Federal da Bahia - UFBA autor do Projeto

UTEC. Funcionando desse modo desde 2008, com oficinas, grupos de pesquisa e como

espaço de estudo de dramaturgia acaba incentivando não apenas a produção artística,

mas a produção científica e literária.

Em 2009, o Teatro Universitário passou a ser coordenado pela professora

Solange Sarmento e o mesmo sofreu reestruturação no seu novo formato, ajustes foram

necessários para assumirmos oficialmente pela universidade uma oficina no projeto de

extensão cultural. A oficina com o Grupo Catrumano10

abordando as mesmas

características do núcleo de investigação teatral trabalhado pela Cia Acômica e a

professora Efigênia Alkimim Praes com a oficina do Ciclo de Leituras Dramáticas11

9 O UTEC nasceu da necessidade de discussão e organização no plano teórico das praticas e fenômenos

relacionados à cena dentro do espaço acadêmico da Unimontes - Universidade Estadual de Montes

Claros. Em um breve relato, sobre o surgimento do UTEC, aqui deixamos registrado que aos 05 (cinco)

dias do mês de agosto de 2005 iniciaram-se as primeiras discussões sobre as condições da pesquisa em

Teatro, Dança, Educação para a Cena e as Manifestações Populares Organizadas no Norte de Minas.

Ressaltamos que nossa inquietação, que desencadeou no surgimento do UTEC, foi influenciada por

pesquisas do campo da Etnomusicologia, realizadas pelo professor Luiz Ricardo Silva Queiroz, ex-

professor de todos participantes do grupo (em seu inicio). O conceito Etnomusicologia que já fora

descrito no texto em nota, merece ser ampliado segundo a The New Encyclopaedia Briannica, 15ªed.

10 Grupo Catrumano (iniciante e veterano) – Resultado da Rede Teia – Núcleo de Experimentação e

Investigação em Artes Cênicas, que atuou em Montes Claros em 2008, como uma rede de pensamentos,

ideias e experimentações que tem o objetivo de contribuir para o desenvolvimento cultural e artístico em

sua área de abrangência. Esse projeto foi coordenado pelo ator e diretor teatral Nelson Bambam Jr. Hoje,

um Grupo instituído no Teatro Universitário como espaço de processo de investigação teatral e de prática

de pesquisa e trabalhos corporais, de preparação dos atores, com intuito de construção de um novo

espetáculo cênico do Grupo Catrumano, bem como manutenção do trabalho Exercício nº 1 – intitulado

Catrumano (espetáculo inspirado na tese de doutorado do professor João Batista da Costa) já apresentado

inclusive no último encontro da União Nacional dos Estudantes, ocorrido em Salvador/BA, e também nas

cidades mineiras de Manga, Matias Cardoso, Itacarambi, Januária e Carbonita. 11

- O Núcleo Avançado de Práticas Teatrais – Montagem ―A Casa de Bernarda Alba‖ de Garcia Lorca –

Espaço de montagem cênica, de integração entre a equipe de professores envolvida no projeto. Neste ano

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favorecendo o dinamismo e o crescimento da atual estrutura. Dentre as oficinas

ministradas na última versão de atividades do Teatro Universitário, tiveram repercussão

os trabalhos das oficinas acima citadas. Ambas as oficinas acima citadas estão

temporariamente suspensas pelo envolvimento dos seus coordenadores em curso de

capacitação profissional. O Grupo Catrumano ainda manteve as atividades até o

semestre final de 2009 e segundo semestre de 2010 com algumas oficinas aplicadas no

decorrer de 2011 somente para divulgação do trabalho para retomar as atividades logo

após o retorno do coordenador do Grupo Catrumano.

Atualmente suspensas às atividades do Teatro Universitário por

envolvimento do corpo docente no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas –

PPGAC da Universidade Federal da Bahia – UFBA a fim de capacitação profissional.

2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A TRAJETÓRIA DO TEATRO

UNIVERSITÁRIO NO BRASIL

Nesta seção faremos uma reflexão sobre a trajetória do teatro universitário

no Brasil e sua repercussão na renovação da cena teatral brasileira. Dentro do período

pesquisado ressalta-se o surgimento dos grupos teatrais com envolvimento de

acadêmicos e universitários, mostrando a fundamental importância destes jovens e seu

espírito inovador e criativo. As considerações a seguir, além de embasadas em fontes

bibliográficas documentais também se baseiam em depoimentos de professores

universitários.

Quando nos referimos ao teatro universitário no Brasil, entenda-se o

estudante de Paschoal Carlos Magno, passando pelo Teatro Universitário de Jerusa

Camões, pelo Grupo Universitário de Teatro comandado por Décio de Almeida Prado.

E, em Minas Gerais, o teatro universitário vinculado à Universidade Federal de Minas

Gerais - UFMG e o da Unimontes.

de 2009 o Núcleo assume a montagem do texto ―A Casa de Bernarda Alba‖, um trabalho iniciado ano

anterior no Ciclo de Leituras Dramáticas.

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20

O elo entre o teatro e os estudantes surge com a iniciativa de Paschoal

Carlos Magno12

já em 1938. De acordo com Carvalho (2006), este grupo apresentava as

seguintes características:

Em 1938, funda o Teatro do Estudante do Brasil - TEB, que seria o marco de

tantas outras iniciativas, apresentando Romeu e Julieta, de Shakespeare, em

sua estréia. Esse teatro obteve ressonância nacional. Impôs a presença de um

diretor - responsável pela unidade artística do espetáculo – acabou com o

ponto, valorizou a contribuição do cenógrafo e do figurinista e introduziu a

fala brasileira no nosso palco, onde até então imperava o sotaque lusitano.

(CARVALHO, 2006, p. 22).

A presença do teatro estudantil no Brasil remonta desde o século XIX, mas

se mostra mais ativo na cultura brasileira do século XX. A montagem de Romeu e

Julieta causou impacto na imprensa onde os jornais dedicavam enormes espaços para

notícias e comentários a respeito do grupo e do espetáculo. Alguns anos após sua

criação o Teatro do Estudante do Brasil passa a ser visto como movimento, mobilizando

e incentivando vários outros grupos conforme Fontana (2010):

[...] o TEB passou a figurar como movimento cultural, a partir da criação de

grupos de teatro amador formados por estudantes, e/ou vinculados a

universidades ou agremiações estudantis, por todo o país. Isso possibilita

enxergar a unicidade do Teatro do Estudante como um empreendimento de

Paschoal Carlos Magno que se estende do fim da década de 30 até meados

dos anos 70 e a sua finalidade: o progresso cultural do Brasil como Estado-

Nação. (FONTANA, 2010. p. 1).

Além de colaborar com refinamento cultural do país o TEB funcionou como

modelo para o início do profissionalismo teatral como afirma Prado (2007):

O ciclo heróico do amadorismo encerra-se em 1948, com a estréia não menos

rumorosa de Hamlet, apresentada pelo Teatro do Estudante do Brasil.

Novamente o encenador era estrangeiro, o alemão Hoffmam Harnisch,

novamente se insistiu no caráter expressionista do espetáculo. Mas a

revelação, desta vez, era um ator de vinte três anos, Sérgio Cardoso (1925-

1972), que vinha nos provar, com inigualável axuberância, que também nós,

brasileiros, podíamos representar Shakespeare. (PRADO, 2007, p. 41).

12

Paschoal Carlos Magno, sem qualquer dúvida, foi uma figura de invulgares contornos. Daí ser muito

difícil resumir suas múltiplas atividades, todas voltadas para o mais puro sentido do ideal. Paschoal

Carlos Magno foi um idealista que dedicou toda a sua vida à modalidade estudantil do Brasil e ao teatro.

Poeta, escritor, teatrólogo, político, diplomata, destacou-se em todos os setores em que militou, mas sua

vida foi sempre uma constante: o teatro e os estudantes. Informações retiradas de: CARVALHO, Marinho

de. Paschoal Carlos Magno: 1906-1980. In: PASCHOAL CARLOS MAGNO: crítica teatral e outras

histórias. Organização de Martinho de Carvalho e Norma Dumar. Rio de Janeiro: Funarte, 2006. p. 21.

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Nesse período, surgiram vários grupos levantando a bandeira da renovação,

com destaque para o Teatro Universitário de Jerusa Camões; o Teatro Experimental do

Negro de Abdias Nascimento, no Rio de Janeiro; o Grupo Experimental de Teatro de

Alfredo Mesquita e o Grupo Universitário de Teatro de Décio de Almeida Prado.

Sobre a fundação do Teatro Universitário do Rio de Janeiro sabemos que:

Uma das primeiras iniciativas com relação ao Teatro Universitário (TU)

ocorreu em 1937, quando da eleição de Jerusa CAMÕES para a presidência

do Diretório Estudantil da Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro.

Com o apoio do ministro Gustavo CAPANEMA, o grupo Teatro

Universitário por ela dirigido estabeleceu-se na sede da União Nacional dos

Estudantes (UNE), na Praia do Flamengo n.132. Esse grupo foi responsável

pela montagem de peças estrangeiras, como Dias Felizes (Claude-André

PUGET), O Pai (STRINDBERG), Romeu e Julieta (SHAKESPEARE), e de

textos brasileiros, dentre os quais estão Gonzaga ou a Revolução de Minas

(Castro ALVES), Dirceu e Marília (Afonso ARINOS), Judas em Sábado de

Aleluia (Martins PENA). Ao lado disso, as atividades do TU motivaram

diversos estudantes, dentre os quais estavam Sérgio BRITTO, Fernando

TORRES, Nathália TIMBERG, Vanda LACERDA, Sérgio CARDOSO,

Hélio SOUTO, Milton CARNEIRO, entre outros, a abandonarem seus cursos

de origem e optarem profissionalmente pela atividade teatral. (DICIONÁRIO

DO TEATRO BRASILEIRO, 2006, p. 296).

A citação acima destaca que, entre os integrantes do grupo, a prática teatral acabara

infundindo o gosto artístico e ajudando a despertar vocações, pois, subsequentemente,

alguns optaram pela carreira profissional.

Os historiadores do teatro nos contam que Mário Brasini, por convite de

Jerusa Camões, estabeleceu um programa de estudos e de preparação dos atores.

Segundo Cafezeiro e Gadelha (1996):

Do ponto de vista do trabalho artístico, o TU centrou-se na figura do ator

como elemento fundamental do espetáculo, mesmo porque os cenários e

figurinos demasiadamente caros estavam fora das possibilidades. Buscava-se

a compreensão do texto em seus ínfimos detalhes, privilegiando o estudo das

personagens em sua intimidade e na sua expressão cênica, estabelecendo

relações entre palavras, pensamentos, gestos e movimentos. (CAFEZEIRO;

GADELHA, 1996, p. 436).

O excerto acima descreve a elaboração do trabalho de grupo, modelo que

orienta para o cuidado no processo de criação que serviu de metodologia para o fazer

teatral de grupos da atualidade.

E todo este zelo com a criação teatral era direcionado a um público

diferenciado, escolhido com extremo cuidado e sensibilidade. O grupo consolidava-se,

transformava-se e produzia na sua própria dinâmica, estabelecendo seu próprio padrão.

Através dos seus relatos Cafezeiro e Gadelha (1996) afirmam:

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Quanto ao repertório, o TU prendeu-se a textos que o grupo considerava mais

adequados a seu fôlego (tanto artístico quanto financeiramente), sem

privilegiar estilos, épocas ou nacionalidades. O TU procurou sua inserção na

sociedade também através de espetáculos feitos em escolas, asilos, hospitais,

para o que encontrava o mesmo apoio da oficialidade. (Ibidem, p. 437).

Após as devidas considerações sobre o trabalho do TU, passemos a

discorrer acerca do Grupo Universitário de Teatro (GUT) coordenado por Décio de

Almeida Prado13

, criado pela Universidade de São Paulo (USP) por estudantes de

cursos diversificados, modelo seguido pelos atuais grupos universitários de teatro.

Décio de Almeida Prado, como crítico e diretor do GUT, teve importância no cenário

contemporâneo com ideias inovadoras sobre a prática teatral como descreve Faria

(2002):

Em 1943, juntamente com Lourival Gomes Machado, criou o Grupo

Universitário de Teatro, que dirigiu por cinco anos. Vale salientar que o

teatro amador, na época, tornou-se um importante instrumento de luta pela

modernização teatral, contrapondo-se às companhias profissionais, que

faziam um teatro considerado anacrônico pelas gerações mais jovens.[...] Na

luta contra o ‗velho teatro‘- o teatro baseado no vedetismo, sem diretor, sem

respeito ao texto dramático, sem cenários, figurinos e iluminação adequados

– Décio foi uma liderança inconteste. E embora tivesse muita consciência de

que exprimia um ponto de vista pessoal ao escrever sobre uma determinada

peça, sabia também que suas idéias em relação ao teatro moderno eram

partilhadas por muitos. (FARIA, 2002, p. 303).

Recorrendo ao descrito acima, nota-se que as ideias críticas e modernas de

Décio de Almeida Prado, em relação ao fazer teatral, iam de encontro aos ―[...]

interesses dos atores já consagrados e de suas companhias teatrais, foi um ato de

coragem de Décio [...]‖. (Ibidem, p. 303). Todas as diferenças de ideias e objetivos, até

mesmo na composição do GUT, envolviam uma diversidade de universitários de vários

cursos. Tal diversidade cria um estímulo à evolução e ao novo. Característica básica

dentro do conceito de grupo, que recorremos a Peixoto, (2002):

13

Décio de Almeida Prado, filho de Antônio de Almeida Prado médico e professor de Medicina também

voltado à literatura e ao teatro, iniciou o filho no gosto pelas artes. Décio recorda o prazer pela ribalta já

aos 10 anos, tinha o desejo de ser poeta como Martins Fontes amigo de seu pai. Escreveu jornais no

período ginasiano, de 1929 a 1933 em colaboração com Paulo Emílio Salles Gomes. Formou-se em

Filosofia e Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, em 1938, e bacharel

em Direito pela Faculdade de Direito da USP, em 1941. Crítico praticamente só escreve sobre teatro. No

decorrer de suas atividades acumulou prêmios, homenagens e distinções. Foi Presidente da Comissão

Estadual de Teatro e da Associação Paulista de Críticos Teatrais. Informações retiradas de: ARÊAS,

Vilma. Traços biobibliográficos de Décio de Almeida Prado. In: DÉCIO DE ALMEIDA PRADO: um

homem de teatro. Organização de João Roberto Faria, Vilma Arêas e Flávio Aguiar. São Paulo : Editora

da USP, 1997.

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[...] aspecto que salta aos olhos de quem se detém na análise do trabalho de

um grupo de teatro é justamente a constatação dialética de que um dos

elementos-chave de estímulo e avanço reside mesmo na diferença entre seus

integrantes: alguns dos momentos mais vigorosos de alguns grupos mostra

que foi justamente nos instantes de ardente discussão interna, quando cada

um investe com intensidade em suas dúvidas e projetos, que a unidade foi

forjada de forma mais produtiva. [...]o mesmo acontece em grupos de teatro

amador ou universitário e até mesmo em empresas de estrutura basicamente

mais comercial, masque, em melhores anos do teatro nacional, estavam

formadas, internamente, dentro de conceitos próximos aos de ―teatro de

grupo. (PEIXOTO, 2002, p. 244-245).

Tal consideração faz-se presente no teatro universitário criado na USP

Considerando os apontamentos acima, presenciamos não só na trajetória do GUT, TU e

no TEB as diferenças que refletiram na renovação da cena teatral. Em 1961, como já

sabido, a Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC), com interesse de construir seu

teatro, organiza campanhas de arrecadação de fundos até a sua inauguração quatro anos

mais tarde. Tinha o objetivo de difundir as artes cênicas nos meios universitários e

acesso das camadas de baixa renda a teatros. Após criação do espaço físico surge a

necessidade de ocupação e coordenação ―[...] tarefa assumida pelo Departamento

Cultural do Diretório Central dos Estudantes, que contratou profissionais com atuação

anterior no Teatro de Arena e no Oficina para o desempenho das funções técnicas e de

criação cênica.‖ (SANTOS, 2010, p. 82). Na sua estréia, foi apresentada a peça Morte e

Vida Severina como nos aponta Santos (2010):

A Peça de estréia do TUCA, em 1965, foi Morte e Vida Severina, poema

dramático de João Cabral de Melo Neto, dirigido por Silnei Siqueira, que

estudou na EAD e participou da fundação do Teatro de Arena, e musicado

por um jovem músico, Chico Buarque, então estudante de Arquitetura na

Universidade de São Paulo. Alunos de Geografia, direito, Letras e Psicologia

empenharam-se para o sucesso da produção. (Ibidem, 2010, p. 82).

Torna-se evidente a diversidade dos participantes do grupo, como descrito

acima, sendo recorrente o encontro de várias áreas de conhecimento que visavam a um

enfoque único na criação teatral.

Ao continuar a abordagem sobre o percurso do teatro universitário pelo

Brasil, agora já em Minas Gerais, chegamos a Universidade Federal de Minas Gerais –

UFMG com a criação do Teatro Universitário, em 1952; uma iniciativa pioneira em

todo estado.

Em Minas Gerais o Teatro Universitário estava vinculado a Universidade

Federal de Minas Gerais – UFMG – instituída como uma escola de preparação técnica,

que já formou várias gerações de profissionais do palco. Um espaço que se consolidou

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como um grande projeto de ensino, de pesquisa e de extensão universitária, aprovado

por resolução nº 05/2007, de 03 de maio de 2007/UFMG bem como o disposto no

Estatuto da Instituição de Ensino Superior e no seu Plano de Desenvolvimento

Institucional - PDI aprovado pelo Conselho Universitário a 5 de julho de 1999, em que

regulamenta sobre a Educação Básica e Profissional:

A oferta do ensino fundamental, médio e profissional na UFMG está em

conformidade com a legislação pertinente. As atividades de educação básica

são desenvolvidas na Escola de Educação Básica e Profissional, Unidade

Especial que substituiu o antigo Centro Pedagógico constituído pela Escola

Fundamental (EF) e pelo Colégio Técnico (COLTEC). A escola e integrada

pelo Centro Pedagógico – CP, Colégio Técnico – COLTEC e Teatro

Universitário – TU, e por outros cursos da educação básica e profissional.

[...] Em 1952, foi criado o Teatro Universitário, destinado a formação de

atores em nível médio. Em 1967, foi criado o Colégio Técnico, em

decorrência de convênio firmado entre o Brasil e o Reino Unido, e destinado

à formação de técnicos de nível médio. [...] O Curso de Formação de Atores e

oferecido pelo Teatro Universitário, vinculado ao Colégio Técnico. Oferece

formação técnica de nível médio para ator, com 20 vagas anuais, estando

voltado também para o fomento à pesquisa e a extensão relacionadas com as

artes cênicas e a montagem de espetáculos.14

(PDI : 2008/2012, UFMG, de 5

jul. 1999, p. 54,55,56).

Essa escola foi um reduto de onde saíram grandes atores e profissionais das

artes cênicas para atuarem no Brasil e no exterior. As atividades da escola abrangem

desde o nível de iniciação até a profissionalização técnica dos envolvidos com as artes

cênicas. Influência direta na cena teatral de Minas Gerais, onde se vê refletido nos

elencos dos vários grupos teatrais formados na capital mineira por alunos do curso

técnico e acadêmicos da universidade. Na publicação NO CENTRO... (2002) da UFMG

encontramos relatos de professores sobre fatos que nos remetem ao início da história de

consolidação do Teatro Universitário em Minas:

Fruto da reunião de estudantes de várias áreas do conhecimento, apaixonados

pelas atividades cênicas, o TU iniciou sua trajetória com o intuito de montar

espetáculos e ajudar na formação dos próprios atores envolvidos na

iniciativa. [...] Os cinco primeiros anos de atividade do TU foram marcados

pela enorme euforia de seus fundadores. Dirigido nos primórdios pelo

italiano Vicenzo Spinelli, o TU ainda não possuía o caráter pedagógico que o

caracteriza nos dias de hoje. "Tudo era muito informal. Havia ensaios, mas

não se pensava ainda nos moldes de uma escola de teatro", conta Linares. A

estrutura de um curso para formação teatral começa a se delinear a partir de

1961, quando a professora Haydée Bittencourt, indicada pelo escritor e

crítico Sábato Magaldi, assume a direção. Influenciada por modelos

14

Plano de Desenvolvimento Institucional - PDI da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.

Disponível em: <http://www.ufmg.br/conheca/pdi_ufmg.pdf> Acesso em: 23 set. 2011.

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europeus, a professora, que acabara de realizar estudos na Inglaterra, deu

novo rumo ao Teatro. (NO CENTRO DO PALCO, 2002, p. 8).

A repercussão do Teatro Universitário mineiro chega até Sábato Magaldi

como podemos perceber acima, com sua indicação da Haydée Bittencourt para direção,

por sua competência inovadora no fazer teatral, registrada pela publicação NO

CENTRO... (2002):

No período em que dirigiu o TU, Haydée foi responsável pela encenação de

inúmeros textos clássicos, como Inês Pereira, de Gil Vicente, Rei Seleuco, de

Camões, Auto de Vicente Anes Joeira, de autor anônimo do século XVI, e

Bodas de sangue, de Federico Garcia Lorca. A noção de teatro-escola, em

moldes ingleses, passou a centralizar as discussões em torno das metas do

Teatro. Em 1977, o Conselho de Extensão reconhece a formação de atores

como atividade de extensão. Durante a segunda metade da década de 80,

inúmeros estudos foram realizados acerca de experiências de cursos técnicos

no país. Apenas na década de 90, o Ministério da Educação reconhece a

grade curricular das atividades de formação de atores do TU, concedendo-lhe

o status de curso com nível de segundo grau. (Ibidem, 2002).

O Curso Superior em Artes Cênicas da UFMG surgiu com fruto do Teatro

Universitário. Há que se ressaltar a importância que esta escola de preparação técnica

teve, inclusive na formação dos professores que hoje atuam na graduação e

desenvolvem trabalhos artísticos em grupos e companhias como Grupo Galpão, Cia

Acômica, ZAP 18, além da participação na coordenação das atividades cênicas que

acontecem no Festival de Inverno da UFMG. Comentário de Rigueira Jr. (2009) em

matéria de comemoração dos dez anos do curso de graduação que diz:

[...] Essa formação é proporcionada por 13 docentes (são sete doutores e seis

mestres), que desenvolvem, paralelamente à atividade acadêmica, trabalho

artístico importante, em grupos como Galpão, Zap 18 e Oficina Multimédia.

Mariana Muniz destaca um aspecto da atuação da equipe de professores: a

contribuição para o desenvolvimento de uma área incipiente – metodologia

de pesquisa em teatro. [...] O curso de Teatro vive expectativas promissoras.

Já no segundo semestre de 2009, passa a compartilhar seu espaço físico com

o Teatro Universitário (TU), segundo curso profissionalizante do país, criado

em 1952. ―Será um desafio interessantíssimo aproximar as gestões desses

cursos, unindo experiências e criando novas formas de trabalhar‖, comemora

Mariana Muniz. Além disso, a instalação na EBA até 2010 de novos cursos

viabilizados pelo Reuni permite vislumbrar a criação, como ela diz, ―de um

grande instituto de artes, que incentivará o cruzamento de currículos e ainda

mais integração‖. O curso de Teatro é, por sinal, marcado pela possibilidade

de o aluno construir um percurso muito próprio, já que são várias as

disciplinas optativas e as alternativas de formação complementar em áreas

como Ciências Sociais e Artes Visuais. (RIGUEIRA JR., 2009, p. 4).

Desta forma podemos definir que as escolas de formação teatral,

profissionalizantes e acadêmicas, foram responsáveis por uma renovação no elenco

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teatral no Brasil, na visão de profissionais das artes cênicas vinculados a universidades e

grupos teatrais. Embora exista uma falta de incentivo de algumas instituições de ensino

superior em apoiar e estimular seus alunos na criação de grupos e companhias teatrais.

Esta iniciativa muitas vezes é tomada pelos próprios universitários que buscam uma

inserção no mercado de trabalho. Conforme Santos (2007):

Durante os anos 70 e, especialmente, nos anos 80, as escolas de formação

teatral tornaram-se, no Brasil, um espaço privilegiado de aprendizagem e de

disseminação da prática teatral, permitindo a formação de uma nova geração

de artistas que não encontrava mais o abrigo das companhias profissionais

estáveis, nem dos grupos amadores que atuaram, de forma sistemática, por

todo o país, nas décadas anteriores. (SANTOS, 2007, p. 55).

Neste sentido, nota-se uma efervescência dos cursos de graduação em artes

cênicas e os cursos técnicos de teatro, os atores sentem a necessidade do

aprofundamento teórico da prática, e para tal surge à proximidade a pesquisa tendo

assim uma nova perspectiva para a cena teatral. Surge então uma forma de projeção dos

grupos e companhias iniciantes através da troca de experiências nos festivais, onde a

teoria e prática são vivenciadas com evidência das características próprias dos grupos

participantes. Cria-se obrigatoriedade de se regulamentar a prática profissional do

teatro. Em relação ao exposto, Santos (2007) nos leva a refletir:

Se, de um lado, assistimos à proliferação de cursos particulares, de escolas de

fachada, de cursos livres, que atendiam a um público ávido para inserir-se

rapidamente no mercado, de outro, a disseminação de espaços de formação

teatral no país criou um trânsito dinâmico e provocador entre pesquisa e

criação teatral, entre fazer e pensar, rompendo as frágeis fronteiras que

separam teoria e prática cênica. (Ibidem, 2007, p. 56).

Além da disseminação de espaços pode se notar o início da descentralização

da produção teatral do dito eixo cultural Rio de Janeiro e São Paulo. Divulgação do

fazer teatral específico e estético de cada grupo, debates e discussões sobre produções,

metodologias de trabalho, processos de criação, palestras e vivências de grupo. Aspecto

relevante no crescimento e aprimoramento do fazer teatral dos grupos mineiros que

começaram através destes contatos a automatizar uma linha de trabalho própria na

sistematização do seu processo de criação.

O movimento do teatro universitário se expande e chega até a cidade de

Montes Claros no interior de Minas Gerais, pela antiga Faculdade de Filosofia e Letras -

FAFIL, no final na década de sessenta. Como já existia a prática da troca e intercâmbio

de grupos teatrais através de festivais, surge o interesse em trazer um profissional de

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teatro da capital mineira com o intuito de promover uma oficina de Teatro e criação de

um espetáculo. O teatro ligado à Faculdade de Artes – Faceart – existia por iniciativa do

Professor José Baptista da Silva que dirigia o Grupo Faceato e manteve, por alguns

anos, o vínculo com a faculdade, produziu espetáculos, inclusive com participação de

acadêmicos do Curso de Artes e pessoas da comunidade, iniciando ,como se pode ver,

uma prática recorrente de formação de grupo com estímulo da academia. O teatro tem

em sua característica primeira o encontro, assim nos afirma Grotowski ―A essência do

teatro é o encontro. [...] um encontro entre pessoas criativas. [...]‖. (GROTOWSKI,

1971, p.41). Após o encontro com o Professor, diretor e ator Homero Carvalho Faria,

oriundo da capital, onde tinha destaque na cena teatral mineira, surge o convite para

este a assumir as disciplinas na primeira turma de licenciatura em teatro da Faceart.

Homero Faria contribuiu para a formatação e consolidação do Teatro Universitário da

Faculdade de Artes, iniciou o trabalho que logo foi assumido pela Professora Terezinha

Lígia das Graças Froes, egressa da primeira turma, na qual já mantinha uma trajetória

consolidada dentro do movimento mineiro de teatro amador. Sobre o Teatro

Universitário da Unimontes, Fróes (2003) nos relata que:

O teatro universitário em nossa cidade começou ainda na antiga Fundação do

Ensino superior do Norte de Minas, na década de 60, onde um grupo foi

formado, nesse período textos como ‗A Sapateira Prodigiosa‘ de Garcia

Lorca e a visita do Embaixador Pascoal Carlos Magno, fundador de teatro

universitário no Brasil foram acontecimentos importantes promovidos por

esse grupo. (FRÓES, 2003, p. 5).

O Teatro Universitário em Montes Claros se mostrou tão vigoroso e

fascinante quanto seus precursores, a prova está na sua existência, ainda hoje, com

envolvimento de pessoas interessadas em reinventar a si mesmas na busca de afirmação

e de mostrar sua realidade através do fazer teatral. Dirigido pela Professora Terezinha

Lígia já passaram pelo TU mais de trezentas pessoas entre universitários de vários

cursos e pessoas da comunidade. Vários obstáculos foram ultrapassados no percurso

adverso do cenário teatral pelo Teatro Universitário, tanto aqui, como em outras regiões

fora do eixo cultural do Rio de Janeiro e São Paulo ―[...] onde a realidade é tão

diferenciada e necessita um mergulho vigoroso e corajoso para que seja poeticamente

transformada em teatro.‖ (PEIXOTO, 2002, p. 250). Mas sobrevive por manter uma

relação intensa com a comunidade com que trabalha, se identificando com seus

conflitos e anseios, o que constitui uma afinidade. Refletindo sobre o acima descrito

Grotowski nos traz que:

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[...] o teatro é uma ação engendrada pelas reações e impulsos humanos, pelos

contatos entre as pessoas. Trata-se de um ato tão biológico quanto espiritual.

[...] um fascínio. Implica numa luta, e também em algo tão idêntico, em

profundidade, que existe uma identidade entre aquêles que tomam parte no

encontro. Todo diretor deve procurar encontros que se afinem com a sua

natureza. (GROTOWSKI, 1971, p. 42).

E assim foi consolidada a trajetória do Teatro Universitário em Montes

Claros através do encontro, luta e envolvimento dos profissionais envolvidos na sua

condução. Desde o surgimento até a atual data, assumiram a coordenação, a professora

Terezinha Lígia das Graças Froes, a professora Solange Maria Veloso Sarmento, e

atualmente a Professora Nelcira Aparecida Durães. Sempre oferecendo várias oficinas

relacionadas à preparação corporal, preparação vocal, montagem teatral, leitura

dramática, cultura popular e grupos de estudo, além de propiciar um espaço de

excelência da teoria, da prática e da pesquisa teatral com assento no Ensino, na Pesquisa

e na Extensão da Universidade Estadual de Montes Claros.

2.2 O ENTRELAÇAMENTO DE FIOS NA FORMAÇÃO DE UM GRUPO -

HISTÓRICO DA CIA ACÔMICA

Tecer uma relação do caminho percorrido através de encontros para

formação de grupos se torna uma tarefa difícil pela característica específica de cada

companhia, mas por essas individualidades dos grupos mineiros na sua linguagem de

trabalho é que foram transformando e renovando o cenário teatral nacional. Reforçando

esta ideia Mencarelli (2007) relata que:

O movimento de contínua e permanente transformação do teatro brasileiro na

década passada resultou num panorama bastante renovado da cena criativa.

Uma produção significativa afirma uma série de procedimentos propostos

pelas correntes mais férteis de artistas cênicos do país nas décadas anteriores.

A aposta na formação de grupos de trabalho contínuo, a atitude de formação

e investigação permanente, a busca e afirmação de um projeto artístico

fundamentado delineavam o perfil almejado pelos artistas para o

estabelecimento de uma prática de criação. Contrastando com certa

predominância dos encenadores nos anos 80, os grupos teatrais voltaram a se

fortalecer, apostando nos coletivos como instância primeira do fazer teatral.

(MENCARELLI, 2007, p. 45).

Refletindo sobre o que diz Mencarelli, podemos presenciar hoje nos

festivais e eventos culturais um efetivo envolvimento dos grupos e companhias na busca

de reflexão acerca da pesquisa teatral no país, fortalecendo as produções artísticas

culturais o aprimoramento das ações específicas na área da prática com metodologias e

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recursos inovadores. Nessa perspectiva, Luiz Lerro, um dos primeiros integrantes da

Cia Acômica, em depoimento, na ocasião de comemoração dos dez anos de trajetória da

Companhia Acômica, relata que formar um grupo teatral é uma tarefa complexa e

desafiadora com muitos percalços, hoje em dia, enfrentados pelos vários grupos que

tentam se consolidar e caminhar sozinhos. Assim Lerro (2007) nos descreve como

formar um grupo teatral:

Em geral, inicia-se com um núcleo de pessoas em busca de outras que

compartilhem o mesmo pensamento, tenham inquietações semelhantes ou

―compreendam‖ uma mesma língua. E, normalmente, num grupo formado

por jovens atores, que ainda não possuem maturidade para perceber a beleza

da diferença, o que predomina é a busca do igual, numa tentativa de

uniformizar o todo. (LERRO, 2007, p. 11).

Ressalta, ainda, que usualmente se esquece que um todo se compõe de

partes, e que, por sua vez, estas são de grande importância para a realização de futuros

projetos. Esta condição estava clara na constituição do grupo, um núcleo composto por

jovens atores que, em meados da década de 90, buscavam desenvolver uma prática de

trabalho que desse suporte e instrumentalizasse o ator, além de oferecer procedimentos

teatrais que abordassem a criação de uma forma não realista.

Uma característica forte trazida dos tempos do teatro universitário com

atores na busca por inovação se via claro na trajetória da Cia Acômica. Um grupo jovem

com futuro promissor, com atores formados numa escola técnica teatral, o Teatro

Universitário da UFMG, mas que amadureceram nos espaços de troca criados pelas

oficinas, seminários e workshops, no convívio com os grupos internacionais e nacionais

que se fizeram presentes na capital mineira no período das atividades dos Festivais

Internacionais de Teatro Palco e Rua de Belo Horizonte – FIT, por quase quinze anos

durante os quais o crescente movimento de grupos teatrais se tornou um dos principais

festivais do país. Iniciativa que coloca a cena teatral mineira em evidência por suas

peculiaridades, assim ressalta Mencarelli (2007):

A Cia. Acômica nos convida a uma reflexão sobre a produção teatral

contemporânea em Minas Gerais, particularmente em Belo Horizonte,

sobretudo por reunir características que a tornam emblemática da renovação

cênica ocorrida nos anos 90, através de suas práticas, seja no treinamento, na

pesquisa, na criação ou na produção. (MENCARELLI, 2007, p. 45).

Essa mesma ideia é compartilhada por Santos (2007) que traça uma

trajetória da cena brasileira em relação às companhias de atores, com seus encontros e

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incertezas, e em depoimento, nos dez anos da Cia Acômica, nos esclarece uma

característica importante na história desta Cia, a qual se enquadra nas características dos

grupos contemporâneos imbuídos de uma visão que vai além do espetáculo, e coloca

os atores a perpassar pelo processo de criação, levando-os a refletir, durante todo o

processo, sobre o fazer da cena teatral. Simultaneamente ao movimento teatral da cena

brasileira a Cia Acômica se junta a esta corrente de renovação segundo a afirmação de

Santos (2007):

[...] é parte de uma rica realidade teatral: o movimento de grupos de pesquisa

que atuam na cidade de Belo Horizonte. A singularidade da experiência

mineira merece ser analisada sob inúmeros pontos de vista. Aqui, entretanto,

gostaria de salientar um aspecto comum a outras experiências no Brasil: a

formação de companhias lideradas por um grupo de atores que tomam para si

a responsabilidade de gerar um discurso e uma prática artística, mantendo

laços com diferentes áreas de criação (diretores, cenógrafos, figurinistas, etc.)

sem, no entanto, transferir para essas parcerias a responsabilidade de

elaboração e/ou regência do seu projeto artístico.

(SANTOS, 2007, p. 53).

De acordo com o mencionado acima, mantendo laços com as demais áreas

de criação e sem um responsável para conduzir os laboratórios, ou seja, um profissional

que soubesse harmonizar esse núcleo de indivíduos/atores com experiências singulares,

sempre iria ocorrer o questionamento: como desenvolver um programa de atividades

destinadas à formação do ator sem uma orientação pedagógica? Voltando a Peixoto

(2002) ―[...] na análise do trabalho de um grupo de teatro é justamente a constatação

dialética de que um dos elementos-chave de estímulo e avanço reside mesmo na

diferença entre seus integrantes [...], (PEIXOTO, 2002, p. 244), e as diferenças eram

estímulo, suas dúvidas e anseios os conduziram a busca de respostas. É o que nos relata

Lerro (2007):

Os primeiros anos de atividades da Cia. Acômica foram dedicados à criação e

experimentação de um roteiro de trabalho, ou seja, um estudo corpóreo

destinado não somente ao treinamento e virtuosismo físico do artista/ator,

mas a uma forma de instrumentalizá-lo e capacitá-lo para compor uma

poética cênica. O primeiro training corporal do grupo foi desenvolvido a

partir da experiência prática com Geraldo Vidigal, ator-bailarino, professor

do Teatro Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG e

fundador da Tropa Mineira de Teatro Dança. (LERRO, 2007, p. 11).

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Como vimos, o professor Geraldo Vidigal15

foi o precursor dos trabalhos

corporais, levando os atores a uma consciência do movimento. Familiarizou o grupo

com uma técnica que dá ao ator uma percepção de um corpo pronto para o trabalho,

sem elementos desnecessários, um estado de prontidão. A partir de então se aumenta a

curiosidade e a busca de uma metodologia de trabalho própria do grupo.

2.2.1 Criação do sistema de trabalho.

Muitos grupos teatrais, a partir do contato com novas experiências de

outros grupos artísticos, em workshops, seminários, debates sobre o trabalho de

manutenção e criação, foram estruturando seu próprio fazer artístico numa linguagem e

metodologia próprias do trabalho de grupo: busca e aprimoramento, perpassando por

dúvidas e curiosidade pelo novo; experiência e junção de técnicas, mesclando formas de

fazer com objetivo de sistematização e personalização de um modo de criação teatral

que uniria a teoria e a prática. Tendo em vista a consciência de trabalho, a Cia Acômica

se enquadra nesta investigação do fazer teatral, segundo nos traz Santos (2007):

Considerando que a função da prática pedagógica, que pode se realizar com

mestres do passado ou com nossos contemporâneos, não é somente

instrumentalizar, mas antes de tudo permitir-nos o ―dom da dúvida‖,

impulsionar-nos a formular perguntas, é para mim no mínimo instigante

observar o modo particular de apropriação dos estudos biomecânicos pelos

atores da Cia Acômica. (SANTOS, 2007, p. 59).

Conforme Santos (2007), quando se fala em sistema organizado de trabalho,

a primeira experiência prática da Cia Acômica foi através da biomecânica16

e dos

estudos do encenador russo Vsevolod Meierhold17

, que a professora Maria Thais Lima

15

Ator-bailarino, professor do Teatro Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG –

e fundador da Tropa Mineira de Teatro Dança. A raiz dos seus estudos era a dança moderna de Isadora

Duncan, bailarina e pesquisadora americana. O professor orientava os laboratórios no Teatro

Universitário com base no corpo do aluno-ator, sua postura em cena, plasticidade corpórea,

movimentação no espaço, sempre utilizando como referência os elementos da natureza: fogo, terra, água e

ar, como Isadora e sua ―dança natural‖. 16

O objetivo do principio fundamental da Biomecânica era o de levar o ator, dessa forma, a aprender a

controlar os próprios meios expressivos independentemente das condições do momento. A biomecânica

coloca em relevo a compreensão, por parte do ator, de sua atividade psicofísica durante seu processo

criativo.(BONFITTO, Matteo,O Ator Compositor.2006.p.44). 17

Vsévolod Meierhold (1894-1940). Diretor, ator e grande homem de teatro russo. Estudou na Escola de

Arte Dramática de Nemirovich-Danchenko e fez parte do Teatro de Arte de Moscou como ator; trabalhou

com Stanislávski. Em 1917 proclama o Outubro Teatral, propondo a revolução artística e política do

teatro. Organizou espetáculos de massa e outros tais como A Floresta e O Inspetor Geral. Introduziu na

cena elementos de crítica social e, em 1937, tem seu teatro fechado. É preso em 1939 e morre fuzilado em

2 de fevereiro de 1940.

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Santos, da Universidade de São Paulo USP, trouxe pela primeira vez à capital mineira.

Esse laboratório fazia parte da programação do Festival Internacional de Teatro Palco e

Rua de Belo Horizonte – FIT/95. O que ficou desse encontro foi o contato com uma

nova abordagem do ofício de ator e uma sequência física que auxiliou os atores do

grupo a executarem uma rotina de trabalho.

A partir dessa sequência de trabalho, desenvolvida sem a presença da

professora Maria Thaís, os atores buscaram em suas pesquisas estabelecer relações com

conhecimentos já adquiridos, ou seja, os preceitos de Isadora Duncan e da Capoeira

Angola. Ao se executar essa série de exercícios, surge então a compreensão de que os

movimentos básicos de treinamento corpóreo da Capoeira Angola possuem uma relação

de proximidade com os conceitos meyerholdianos de transferência de peso e locomoção

no espaço.

Contudo, o grupo ainda não sabia como desenvolver um programa

pedagógico e ser ao mesmo tempo um pedagogo e um aluno; como criar uma

linguagem comum num ambiente plural; como manter um sistema de trabalho; qual

modelo adotar. Mesmo com estas dúvidas o grupo continuava a trabalhar, como ressalta

Lerro (2007):

Sem respostas concretas, o grupo começa, em 1995, a ensaiar seu primeiro

espetáculo, As Criadas, de Jean Genet, sob direção de uma dupla de alunas-

atrizes do Teatro Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais –

UFMG, Raquel de Albergaria e Alexandra Simões. Nos ensaios o sistema de

trabalho adotado era a partitura física, que tinha como base a biomecânica de

Meyerhold e a Capoeira Angola, elaborada durante os encontros do grupo nas

salas do Teatro Universitário. (LERRO, 2007, p. 12).

Lerro explica que a Cia Acômica, ao produzir essa obra de Jean Genet,

refletiu seu fazer artístico, a relação entre os integrantes, a continuidade da pesquisa e a

subsistência financeira do grupo, já que os atores ensaiavam, estudavam e treinavam em

média 12 horas por dia. O espetáculo foi realizado por meio da Lei de Incentivo à

Cultura de Belo Horizonte, com um orçamento que não permitia o pagamento e a

subsistência dos atores-pesquisadores. Na verdade foi parcialmente montado, com o

esforço e o desprendimento do elenco. Independente dos problemas que surgiam, o

grupo mantinha um objetivo de sempre buscar inovação. É nesse período que o grupo e

alguns atores-pesquisadores de Belo Horizonte conhecem a mímica corporal de Etienne

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Decroux18

, num primeiro encontro com o pensamento, a técnica e o sistema de trabalho

da Escola de Mímica Corporal de Etienne Decroux. Segundo Burnier (2001):

Decroux codificou uma série de andares, de exercícios de braço, posições

básicas para o braço e as mãos, e muito outros elementos cuja simples

enumeração seria exaustiva. Chegou ao requinte de codificar as dinâmicas de

ritmo, o dinamorítmo, e as causalidades motoras, que são, como vimos, a

musicalidade e a densidade do movimento, das ações. (BURNIER, 2001, p.

81).

Esse pensamento teatral decrouxiano foi introduzido na capital mineira pelo

grupo Amok Teatro, do Rio de Janeiro, na forma de laboratórios práticos, pelos artistas

Ana Cláudia Teixeira19

e Stephane Brodt na ocasião dos festivais realizados na capital

mineira. Para Teixeira (2007):

Etienne Decroux foi um dos mestres mais influentes do teatro ocidental.

Ator, teórico e pedagogo, trabalhou toda a sua vida para edificar uma arte do

ator. Sua mímica corporal dramática é uma referência incontornável para

todos os que investigam seriamente a questão do corpo e do movimento

cênico. Sua pesquisa sobre os fundamentos do trabalho do ator permanece

inigualável em toda a história do teatro do século XX. (TEIXEIRA, 2007, p.

65).

A mímica corporal, gênero teatral estabelecido por Etienne Decroux (1898-

1991) e até então desconhecido pelos atores da Cia Acômica, chega a Belo Horizonte de

forma inusitada. Na realidade, o grupo estava interessado no laboratório de ―Máscaras

Balinesas‖ que o Amok Teatro desenvolvia. O laboratório de mímica corporal, que fazia

parte dos estudos e treinamento do Amok, foi sugerido pelos artistas Ana Teixeira e

Stephane Brodt, que acreditavam ser a mímica corporal de extrema importância para o

treinamento do universo e da linguagem das máscaras balinesas.

O primeiro módulo dos laboratórios – Mímica Corporal Dramática e

Máscaras Balinesas – acontece em 1998, com um trabalho intenso, com duração um

mês, de segunda a sexta-feira, seis horas por dia. Os atores dedicaram-se de corpo e

alma à práxis e filosofia dessa nova abordagem físico-corporal. Com uma gramática

específica e fundamentada numa pesquisa profunda sobre Etienne Decroux, abordava o

18

Etienne Decroux, pedagogo, pesquisador e encenador do século XX e pai da mímica moderna. Foi e

continua sendo a maior referência da mímica moderna, criador da primeira gramática corporal no

ocidente para a arte de ator, tão complexa e tão original quanto a dos teatros orientais e do ballet. Sua

pesquisa é marcante para a formação do Teatro Físico. Entre todos que passaram por ele, destaca-se seu

primeiro e grandioso discípulo, Jean Louis Barrault. 19

Professora e encenadora, especializada no sistema Laban e na técnica de Etienne Decroux. Licenciada

em Estudos Teatrais pela Sorbonne Nouvelle – Paris III. Fundadora e diretora da companhia Amok

Teatro.

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teatro de uma forma até então não vivenciada por aqueles atores. A princípio o houve o

fascínio, reflexo imediato da capacidade virtuosística desse corpo decrouxiano. O que

ainda não se sabia era que esse incansável pesquisador teatral não havia estruturado um

sistema de trabalho simplesmente para o virtuosismo e a beleza. ―O ator deve possuir

um autêntico saber técnico e levar em conta as leis de sua arte e de seu instrumento, o

corpo, que deve ser capaz de produzir as ações dramáticas e manifestar aquilo que é

imperceptível na vida cotidiana‖. (TEIXEIRA, 2007, p. 71). Conhecer uma gramática,

esse complexo de normas que regulam uma língua ou, no caso da mímica corporal

dramática, um corpo, é tarefa árdua. Para dizer que compreendo uma ―língua‖, o

primeiro ponto a respeitar é o trabalho sistêmico, minucioso, pautado num rigor preciso

e dinâmico. Estes são os problemas colocados para o ator no campo na mímica.

Decroux, a partir de suas reflexões pessoais, apontamentos e palestras

ministradas ao longo da vida, propõem conceitos sobre o teatro, a dança e a mímica,

mas não estabelece uma gramática, ao contrário, apenas nos permite vislumbrar o seu

conceito ideal de arte, sua filosofia de vida artística e sua busca incessante, quase

frenética, por esse ator presente, consciente, capaz de construir uma forma-posição

pensante. Reforçando a disciplina e o cuidado com o treinamento do seu corpo segundo

a filosofia decrouxiana Teixeira (2007) afirma:

Se o ator é aquele que se apresenta fisicamente em cena, então é com seu

corpo e seu movimento que ele de vê edificar a sua arte. Mas no teatro

existem regras e códigos. É necessário que o ator, assim como o músico, o

bailarino ou o pintor pratiquem um treinamento rigoroso, a fim de chegar ao

domínio de sua linguagem. (Ibidem, 71).

Através deste treinamento e domínio das ações no primeiro contato com a

mímica corporal dramática, ainda permanecia como o maior desafio dos atores da Cia

Acômica a compreensão da gramática corpórea decrouxiana. Como o primeiro objetivo,

desde sua criação, a Acômica busca uma metodologia própria, uma forma de

uniformizar o todo. Nessa busca constante de entendimento das linguagens,

questionamentos acerca das vivências do grupo iam aparecendo e não seria diferente

com a abordagem corpórea decrouxiana no qual Lerro (2007) pontua:

Como estudá-la? Como adotá-la? Como analisá-la? Como praticá-la? Como

fugir da forma estereotipada? Existiria uma abordagem diferenciada do

sistema pedagógico decrouxiano para o corpo do ator brasileiro?

Essas e tantas outras questões, fundamentais para a continuidade de uma

pesquisa teatral, suscitam a possibilidade de revisitar o objeto pesquisado, os

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processos de análise e os sistemas pedagógicos adotados para a formação de

atores. (LERO, 2007, p. 15).

Através de tantos questionamentos era evidente o amadurecimento da Cia

Acômica, acumulando no currículo experiências e laços com pessoas importantes na

cena nacional e internacional, principalmente pelo envolvimento em festivais e eventos

no país e no exterior. Chega hora de utilizar este conhecimento adquirido nas suas

montagens teatrais.

2.2.2 Espetáculos montados

Durante sua trajetória o grupo formado pelos atores Alexandra Simões,

Eliseu Custódio, Fábio Furtado, Luiz Lerro e Raquel de Albergaria tem quatro

espetáculos em seu repertório. Outros atores também foram convidados a participar

deste trabalho que daria início a Cia, dentre eles o Nelson Bam Bam, que a princípio,

por outros compromissos, não pode estar junto com a Cia neste primeiro momento,

vindo a se integrar ao elenco mais tarde como nos relata Bambam (2007):

A minha primeira relação com a Cia. Acômica foi a partir do convite para

integrar o elenco da montagem de As Criadas, de Genet, por ainda alguns

estudantes, amigos do Teatro Universitário da UFMG, espetáculo que daria

inicio à Cia. Não pude fazer ―Madame‖por outros compromissos

profissionais à época. Mas os deuses do teatro me manteriam na mira da Cia.

E depois de dois anos acompanhando essa experiência e vendo o projeto do

grupo quase se extinguindo, achei prudente estar junto com esses atores e

amantes do teatro. (BAMBAM, 2007, p. 35).

O primeiro trabalho da Cia Acômica foi As Criadas, de Genet, como o

descrito acima. O processo de montagem foi dividido em duas etapas. Primeiro estudo

das obras de Jean Genet e do texto Les bonnes, com tradução do professor Pontes de

Paula Lima. O grupo convidou o professor Paula Lima para orientá-lo sobre o universo

de Jean Genet e para falar sobre a sua tradução do francês. A segunda etapa do trabalho

foi uma pesquisa de campo, onde os atores visitaram famílias que tinham empregadas,

para se observar a relação de poder entre patroa e empregada. Também visitaram bares

gays e prostíbulos, sistematizando o trabalho em forma de coleta de informações, para

reestruturar em sala de aula. Improvisações das situações específicas como gestos,

corporeidade, timbre de voz, ou seja, componentes externos também foram feitas. Na

observação da relação patroa e empregada deram enfoque no que tange à submissão,

autoritarismo, culpa, constrangimento e poder.

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Essas improvisações eram conduzidas por Raquel de Albergaria e

Alexandra Simões. Este sistema tornou-se referência para os membros da Cia Acômica

e foi adotado em suas futuras criações cênicas. Após o trabalho de campo e estruturação

das cenas surge o espetáculo As Criadas como relata Lerro (2007):

As Criadas estreou em outubro de 1996, na antiga sala multimeios da

Biblioteca Luiz de Bessa, em Belo Horizonte. Escolhemos essa sala porque

sua arquitetura complementava a visão que tínhamos do quarto de Madame.

Ali foi possível colocarmos em prática a concepção que havíamos construído

nas salas do Teatro Universitário, de um espaço ritualizado, um quarto que

seria ―invadido‖ pelos espectadores. (LERO, 2007, p. 16).

Como bem observamos essa primeira experiência foi de fundamental

importância para o grupo, não somente por ser sua primeira apresentação pública em

Belo Horizonte, mas também porque possibilitou exercer funções artísticas e

administrativas essenciais para a manutenção de um grupo, quando em trabalho de

produção teatral.

Como não existe um projeto específico para a manutenção de grupos teatrais

em Belo Horizonte, o grupo recorre às leis de fomento, embora não considere este

procedimento ideal. Deste modo, o grupo conseguiu partir para a sua segunda

montagem, Anjos e Abacates, texto de Eid Ribeiro, com direção de Kalluh Araújo e

bonecos do Grupo Giramundo. O elenco de atores-pesquisadores já não contava com

Alexandra Simões, que se desligara do grupo, mas recebe duas novas integrantes:

Renata Rodrigues e Cláudia Harmes. Agora com seis atores-pesquisadores, e a

condução de diretor Eid Ribeiro, que acompanhara a montagem de As Criadas.

Durante nove meses o grupo se fechou numa sala de trabalho, com uma

rotina semanal de cinco horas, treinamento físico e improvisações conduzidas por Eid

Ribeiro a partir de um tema específico, uma sugestão de ator, um objeto ou música.

Como no processo de montagem e criação de As Criadas, o grupo utilizou o sistema de

observação em campo. Depois deste período de pesquisa de campo sentiu-se a

necessidade de experimentar os personagens na rua, foram feitos dois laboratórios de

peregrinações pelas ruas de Belo Horizonte com percursos determinados.

Experimentamos as mais inusitadas situações e, na realidade, ali se fez a comunhão

teatral, uma manifestação em que os personagens encontravam-se sós, o ator nu, apenas

seu corpo, sua voz e um simples figurino. O objetivo desse trabalho foi estabelecer

relações com o público e fortalecer a história de cada personagem, bem como sua

sustentação. ―Entendemos, então, que o ator deve ter um aprimoramento e um

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aprofundamento na sensibilidade do próprio corpo, para ser um receptor de energias e

vibrações das pessoas que está imitando e observando no trabalho de campo.‖

(FERRACINI, 2001, p. 215).

No auge da aplicação do trabalho de campo, surgiu o entusiasmo com o

resultado. Neste momento o grupo sentiu o peso da falta de uma estrutura física, um

espaço para criação e a elaboração dos momentos de confraternização e troca entre

público e ator, para que isso pudesse ser trabalhado como referência para os membros

do grupo.

Durante os nove meses trabalhados exaustivamente sem nenhum recurso,

possuíam um projeto aprovado pela Lei de Incentivo à Cultura do Estado de Minas

Gerais, mas não dispunham de um patrocinador. Ainda assim o grupo ensaiava horas a

fio, durante toda a semana, mas além de todos os problemas já existentes, tiveram que

entregar o único espaço que utilizavam: a sala cedida pelo sindicato. A crise veio forte,

muito forte. Não sabiam o que fazer, como se manter e dar continuidade a um projeto

sem recursos e sem espaço. Como na grande maioria dos grupos, surgia o problema

maior, como manter um ator num grupo, numa ―casa‖, sem nenhuma condição a

oferecer. Em relação ao apoio pelos poderes constituídos no auxílio aos grupos que

buscam uma sobrevivência Peixoto (2002) nos remete a realidade brasileira:

No caso brasileiro, além do enfrentamento diário com a realidade econômica

catastrófica de um país ainda em luta para construir sua identidade nacional e

popular, os grupos que possuem coerência e fidelidade a seus princípios mais

essenciais têm sofrido falta de amparo dos poderes constituídos. (PEIXOTO,

2002, p.244).

Neste momento de crise, mesmo coerente com seus princípios, a Cia

Acômica perde alguns atores. Saem do grupo Renata Rodrigues, Eliseu Custódio,

Cláudia Harmes e Raquel de Albergaria. Estremece-se a estrutura do grupo sem um

futuro a vislumbrar, sem uma saída para aquele impasse. O período foi difícil para a

Cia, que naquele instante suspende o projeto do próximo trabalho, Lusco-fusco. Dando

ênfase ao exposto por Peixoto (2002) em relação aos poderes constituídos Fischer

(2003) esclarece:

A implementação de leis municipais e federais de amparo e incentivo à

cultura, durante o mandato de Itamar Franco e consolidado pelo governo

seguinte do Presidente Fernando Henrique Cardoso, representou um novo

fôlego para uma pequena parcela da produção cultural. Hoje compreendemos

que a implementação das leis de renúncia fiscal é uma solução ilusória para

compensar as lacunas dos órgãos públicos em se responsabilizar pela

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produção cultural, delegando à iniciativa privada o que deveria ser a sua

obrigação. Grupos iniciantes ou que detêm pouca visibilidade na mídia, ainda

que exerçam qualidade artística, dificilmente recebem investimentos privados

por não atender a estratégia de marketing empresarial. (FISCHER, 2003, p.

27-28).

Refletindo sobre o pensamento de Fischer (2003) a Cia Acômica se vê em

situação complicada, mas não desistiria. Parte à procura de possibilidades e após um

claro-escuro, esse lusco-fusco, nasce o projeto Anjos e Abacates. Nasce de uma

necessidade emergencial, ou seja, queriam manter o grupo e fazer com que os atores

ganhassem algum dinheiro. A produção teatral que dava maior retorno financeiro para

os atores em Belo Horizonte era, certamente, a de espetáculos infantis. Mas não

interessava ao grupo fazer um espetáculo somente por fazer, não os agradava a situação

de ludibriar as crianças, justamente elas que acreditavam fundamentais para o futuro do

teatro.

Já conheciam o texto Anjos e Abacates, de Eid Ribeiro, desde sua

montagem na década de 80. Leram o original e propuseram montá-lo, mas utilizando

uma linguagem não realista. Foi então que tomaram conhecimento de um concurso no

Estado de São Paulo, o prêmio Coca-Cola no Teatro, destinado a produções infanto-

juvenis. Montaram uma equipe com várias gerações do teatro mineiro: Teatro

Giramundo, Eid Ribeiro, Kalluh Araújo e Cia Acômica; e a imagem visual desse novo

projeto, criação artística da publicitária Cristina Torres, foi de extrema importância para

o sucesso no concurso paulista. Ganharam o concurso nacional entre 168 projetos de

todas as regiões. Anjos e Abacates foi o único espetáculo vencedor que não pertencia ao

eixo Rio - São Paulo. Em relação à localização geográfica dos pólos culturais, Santos

(2007) nos esclarece que:

A distância geográfica evidencia a diversidade cultural em que se inseria cada

experiência. A localização, fora do eixo cultural do país (Rio de Janeiro e São

Paulo), para onde convergiu durante décadas o teatro profissional brasileiro,

permitiu respostas singulares aos problemas de produção e criação. As

companhias criaram alternativas aos modos de produção, estabeleceram uma

identidade estética e foram rompendo, paulatinamente, o isolamento

geográfico e artístico a que pareciam estar destinadas. (SANTOS, 2007, p.

55).

Essa iniciativa de produção conduziu a Cia Acômica a uma nova

experiência de fazer teatro. Primeiro porque tinham uma data fixada pelo patrocinador,

não podiam permanecer numa sala de trabalho experimentando e decodificando ações e

improvisações. Restavam apenas quatro meses para montarem um espetáculo e

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gerenciarem uma produção. Algumas constantes se mantiveram: o trabalho de pesquisa

em campo e a improvisação. Esta, que já fazia parte do sistema de trabalho do grupo,

sofreu uma transformação advinda do contato dos atores com a mímica corporal

dramática de Etienne Decroux, técnica que predominou sobre todas as outras, não só

pela identificação com seu sistema de codificação corpórea, mas também porque o

grupo buscava uma linguagem teatral não realista para essa nova montagem de Anjos e

Abacates. Os atores improvisavam utilizando códigos da linguagem decrouxiana, sem

se lançar durante horas sobre um mesmo tema, mas buscando a síntese na construção

dos gestos e da cena. Uma consciência corpórea ampliada que beneficiava tanto ao

grupo na criação do espetáculo, como na dinâmica de improvisação.

A força e a autonomia do teatro de grupo da atualidade vai de encontro às

produções e iniciativas individuais de atores e diretores. Há uma ascendente

ocorrência de companhias com propostas de continuidade de trabalho,

formando um elo vincular entre o elenco permanente e o aprimoramento das

pesquisas moldadas no princípio do coletivo colaborador. Essa condição gera

um universo de múltiplas possibilidades cênicas que visam o aprofundamento

conceitual e a criação de paradigmas estéticos, artísticos e organizacionais

que revêem o tratamento da cena brasileira. (FISCHER, 2003, p. 28).

Este coletivo colaborador que ressalta Fischer (2003) se faz presente nos

trabalhos da Cia, Kalluh Araújo, o diretor, transformou-se num coreógrafo; não era sua

intenção a construção psicológica da personagem, mas a imagem cênica, a estrutura

visível, o efeito a produzir no espectador. No percurso de criação do espetáculo Anjos e

Abacates receberam vários estímulos e introduziram determinadas transformações que

foram fundamentais à continuidade da pesquisa. É um período dedicado a novas

parcerias e ao fortalecimento da estrutura-grupo, tinham necessidade de alguém na

produção que participasse também do processo, juntamente com a Cia. Foi quando

convidaram Nelson Bambam, que logo ingressa na companhia, trazendo consigo a

importância do produtor e sua inserção na dinâmica de um grupo teatral. Com

experiência em produção cultural e na busca de estímulo inovador no teatro através de

parcerias, Bambam (2007) descreve:

Ali vislumbrava parceiros de um novo caminho de vida dentro do teatro. E o

acalanto de um velho sonho: estabelecer um núcleo de investigação teatral no

Brasil, em um centro como Belo Horizonte capital mineira. É um labor

infindável, para além das atividades normais que a proposição já requer.

Buscar formas de financiamento para uma atividade assim é algo quase

insalubre. A Acômica faz parte de um rol de artistas e atividades que, para o

bem e para o mal, foram nutridos pelas leis de incentivo (mais

especificamente pela Lei Estadual de Incentivo à Cultura). Algo quase

impossível de se estabelecer em Belo Horizonte antes de tal política.

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(BAMBAM, 2007, p. 35).

Já familiarizados com a nova estrutura de manutenção de grupo pelo

incentivo das leis culturais, com um ano após a estréia de Anjos e Abacates, Eid Ribeiro

retoma a ideia de reestruturar o espetáculo e montá-lo; e como não havia condições de

produzir o espetáculo com apenas três atores, convidamos mais dois atores; aliás, a

partir de Anjos e Abacates já havíamos adotado o convite a atores como forma

alternativa de trabalho em grupo. Os eventos ligados a cultura, na maioria vinculados a

fomentos das leis de incentivo, de certa forma concorriam com os grupos artísticos na

realização de seus projetos e cada vez mais se fazia necessário uma articulação na

elaboração das propostas para uma futura aprovação.

Os editais são muito bem pensados pelo poder público no sentido de

articulação conjunta de ações. Pode-se observar, em alguns pontos, nos editais, que eles

estão cada vez mais voltados para projetos com envolvimento dos grupos em oficinas

paralelas às apresentações em que se consolidaria a troca e divulgação de metodologia

de trabalhos com a comunidade. Com esta perspectiva, os grupos se organizavam e

quando em festivais e seminários compartilhavam ideias e sugestões de produção

cultural. Neste sentido Fischer (2003) nos traz:

De uma forma geral, os festivais de teatro têm sido um dos principais eixos

promotores de intercâmbio entre os grupos e de projeção de companhias

iniciantes. Notamos também que muitos grupos tomam iniciativas para

interagir suas propostas de pesquisas de linguagens cênicas, metodológicas,

dramatúrgicas e, ainda, articular uma revisão da política cultural do país. [...]

é comum as companhias reconhecerem no seu semelhante os esforços e a

ambição em continuar galgando um espaço em que possam desenvolver suas

atividades artísticas e empreender melhores alternativas de manutenção e

continuidade de pesquisa. Esse tem sido o perfil do teatro de grupo dos anos

90, cuja formação das companhias têm origens diversas: festivais, encontros,

cursos técnicos e, principalmente, nas universidades. (FISCHER, 2003, p.

30).

Com o patrocínio da Lei de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte e Lei de

Incentivo Estadual de Cultura, montamos em 2001 o espetáculo Lusco-fusco ou tudo

muito romântico. O grupo pôde trabalhar durante onze meses numa sala cedida pelo

Sesiminas, Nansem Araújo, por intermédio de colaboradores onde tinham um espaço de

criação. Recomeçam o processo de montagem retomando o núcleo familiar e os

mesmos personagens. Criaram cenas a partir das improvisações dos atores, mas com a

presença de um dramaturgo, Marcus Tafuri, que no processo criava os diálogos.

Registravam toda a improvisação e depois reelaboravam para ser utilizada em cena. Os

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atores tinham liberdade para improvisar era sugerido um tema ou uma música, mas

também utilizavam os canovacci20

, ou seja, pequenos roteiros que o dramaturgo

propunha, e que na realidade já fazia parte de uma releitura da improvisação dos atores.

E é neste ritmo que o grupo alcança seu nível de maior complexidade produtiva.

Na construção do espetáculo Lusco-fusco ou tudo muito romântico os

Atores-poetas que utilizavam o seu corpo como ferramenta de trabalho e criação

continuada. Ator/artista, diretor e dramaturgo em colaboração, todos com o objetivo de

criar uma obra, um texto-espetáculo, uma criação teatral. Inicia-se a concepção do

processo colaborativo de criação que subtendido às atividades da Cia Acômica já se

fazia presente. Fischer (2003) nos expõe sobre processo colaborativo:

Na criação de um evento cênico, entendemos por Processo colaborativo o

procedimento que integra a ação direta entre ator, diretor, dramaturgo e

demais artistas. Essa ação propõe um esmaecimento das formas hierárquicas

de organização teatral. Estabelece um organismo no qual os integrantes

partilham de um plano de ação comum, baseado no princípio de que todos

têm o direito e o dever de contribuir com a finalidade artística. Rompe-se

com o modelo estabelecido de organização teatral tradicional em que se

delega poder de decisão e autoria ao diretor, dramaturgo ou líder da

companhia. (FISCHER, 2003, p. 28).

Com participação dos atores da Cia em todo o processo de criação, as

mesmas rotinas e atividades de trabalho dão início a essa nova montagem Lusco-fusco

ou tudo muito romântico, utilizando o mesmo roteiro das produções anteriores, trabalho

de campo, rituais, treinamento físico e improvisação. O interessante é que neste

momento surge a necessidade de organização e elaboração da metodologia de trabalho,

o grupo define três tópicos fundamentais para sua dinâmica de trabalho: 1-

Improvisação como processo de criação dos personagens; 2 - Estrutura pedagógica

destinada à educação psicofísica do artista-ator; 3 - Produção e execução de eventos

culturais.

Mesmo após a estruturação metodológica da Cia, fica evidente que o

principal campo de pesquisa do grupo é a arte do ator. Através de parceria com a

20

Roteiro sobre o qual o elenco improvisa. Canovaccio é uma estrutura teatral muito simples, que vem

desde o século XV aproximadamente. Era um caderno onde aparecia no princípio o nome das

personagens, ficando-se a conhecer praticamente o conteúdo. Estas estruturas tinham particularidade de

descrever as situações e indicar as personagens intervenientes nelas. Os diálogos eram esboçados e cabia

aos actores através da improvisação completar e desenvolver os mesmos. No início da sua aparição, o

"Canevas" era recriado por "Trupes", companhias ambulantes, que andavam de terra em terra em carroças

e o povo era o seu público alvo. Tinham grande capacidade naquilo que faziam. O "Canevas" constitui a

base dramática da commedia dell'arte.(Wikipédia, A enciclopédia livre, acesso 26/09/2011.)

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Universidade Federal de Minas Gerais, no projeto Cenário, do Centro Cultural da

UFMG21

, a Cia, trabalhando no laboratório de performance ,na Escola de Belas-Artes,

teria um espaço a disposição para desenvolver sua rotina de trabalho, ensaios,

treinamento e pesquisas específicas para a nova montagem. A participação no projeto

contribui para o crescimento do grupo onde atividades executadas pelos atores

mostravam a importância do envolvimento do grupo com os conflitos do social.

Bambam (2007) descreve sobre a experiência:

[...] o aprofundamento de questões brasileiras que nos apunhalavam em

trabalhos sociais externos, veio com a montagem de Lusco-fusco. Fábio e Eid

Ribeiro desenvolviam trabalhos em um projeto social: o Circo de Todo

Mundo. Luiz no Ceacom-Nova Lima/Uemg, e eu no programa

Amas/Bhtrans. Conviver com os adolescentes da periferia da cidade nesses

projetos nos colocava em relação direta com a vida dos ditos ―seres humanos

em situação de risco do Brasil‖. Questões que nos atormentavam

profundamente, começando com a estrutura das famílias, quando essas

existem, e até mesmo das relações entre estratos sociais que provocam as

misérias humanas. Esses projetos em que atuamos como educadores e que

nos proporcionavam certo sustento nem sempre conseguiam dar sentido aos

seus participantes e nos deixavam em uma situação incômoda e de total

impotência. Essa angústia motiva e deslancha nossa única possível forma de

denúncia e de grito: deixar transbordar tudo isso na nossa obra artística.

Dessa forma, a Cia. Se torna nosso espaço de confluência artístico-político-

social. (BAMBAM, 2007, p. 36).

Em contrapartida o grupo ministrava oficinas aos alunos do curso da Escola

de Artes Cênicas. A experiência ―[...] foi um processo que nos fez parar e repensar todo

o nosso trajeto pedagógico e de formação. Um passo importante de treinamento, uma

reflexão de percurso, para o grupo e para cada indivíduo.‖ (BAMBAM, 2007, p. 36).

Através desta experiência e reflexão sobre sua trajetória a Cia revisitou seu

caminho metodológico, as estruturas de condução e posturas do ator e pedagógo. Com

essa reflexão o grupo veio a definir um processo dinâmico em que se podia perceber a

linha de pesquisa do grupo, as observações e improvisações juntamente com a utilização

das técnicas e no treinamento corpóreo do ator bem como seu sistema de criação de

personagens. Atualmente, é essa metodologia que o grupo adota na condução das

oficinas teatrais que ministra em projetos sociais ligados à cultura. A proximidade do

grupo às atividades do processo colaborativo, aplicado ao seu trabalho cotidiano, mostra

a tendência evolutiva da atividade teatral brasileira como mostra Fischer (2003):

21

O Projeto Cenário, que tem a direção do Centro Cultural da UFMG onde através de edital público que

prevê cessão de espaço para o desenvolvimento de atividades de formação de grupos e de pesquisa na

área de artes cênicas (teatro, dança, circo, performance ou ópera).

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[...] o atual teatro de grupo encontra uma relação dialógica com questões

sociais, políticas e culturais brasileiras. Convém ressaltarmos que muitos

grupos vêm se formando sob a perspectiva de pesquisas e aquisições de

metodologias, o que confere ao teatro de grupo relativa importância para o

desenvolvimento da cena brasileira contemporânea. (FISCHER, 2003, p. 44).

Acompanhando o desenvolvimento da cena contemporânea no sentido de

que fala Fischer (2003) a Cia leva seu trabalho a várias cidades interioranas. Já em

2004, o quarto espetáculo da Cia Acômica, Arena de Tolos, não foi montado na sala do

Centro Cultural da UFMG como o grupo tinha idealizado, porque naquele ano havia

uma agenda de apresentações dos espetáculos Lusco-fusco e Anjos e Abacates, que

incluía cidades do interior mineiro e os Estados de São Paulo, Espírito Santo e Santa

Catarina.

Essas experiências teatrais, no percurso do grupo, contribuíram para o

desenvolvimento de uma dinâmica de produção e para a possibilidade de verificar

como os espetáculos e o trabalho do ator eram analisados/avaliados por um público que

não fazia parte do cotidiano do grupo.

Em Londrina aconteceu a primeira experiência da Cia em festivais, em

1998, que apresentou o espetáculo As Criadas. De Londrina partiu para o festival de

São José do Rio Preto e para outras cidades do interior paulista, onde o grupo foi

elogiado por seu trabalho físico-corporal e pela força e juventude do elenco. Em 1999

sob a produção da Cooperativa Paulista de Teatro, o grupo participou da segunda

mostra brasileira de teatro de grupos. As Criadas, um texto por várias vezes montado

em São Paulo, recebeu destaque pela estrutura psicofísica dos personagens, tema central

abordado pela crítica paulista. O mesmo acontecendo em outros festivais dos quais o

grupo participou.

Lusco-fusco ou tudo muito romântico em 2002 foi convidado a participar da

programação do Festival Internacional de Caracas-Venezuela. Contudo, não houve

preocupação em traduzir o texto para o espanhol, confiando-se no trabalho físico dos

atores, considerado mais forte e envolvente do que o texto. Na primeira experiência fora

do Brasil constata-se que realmente valeu a pena a dedicação do grupo na busca do

aprimoramento da preparação do ator. Lá estava a resposta e a satisfação do grupo ao

ver que conseguiu se comunicar com as pessoas através dos personagens e suas

estruturas psicofísicas: a verdade que não se apoiava somente nos diálogos, o cenário da

favela tocou realmente de perto o público. Arenas (2007):

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Como retratar a miséria? Como ignorar estas imagens fáceis e comuns, para

falar da pobreza? Como contar uma mesma história, repetitiva e inesgotável,

com outras palavras? A companhia brasileira Cia Acômica soube dar as

respostas ao levar em cena uma obra que se sustenta, não com acessórios

desnecessários, mas com a atuação de um corpo de atores compacto, hábil em

arrancar distintos matizes dos personagens imbuídos de sua própria desgraça.

Eid Ribeiro conseguiu, através de uma bem medida direção, que a crueza

golpeie o espectador diretamente no rosto, incapaz este de defender-se do

ataque frontal. Sua única, e se assim quiser, elegante saída, é rir diante do

grotesco, diante do tristemente humano. (ARENAS, 2007, p.145).

Retomando, ―[...] os festivais de teatro têm sido um dos principais eixos

promotores de intercâmbio entre os grupos e de projeção de companhias iniciantes.‖

(FISCHER, 2003, p. 30). Participar de festivais não se restringia à experiência artística e

estética, também foi uma oportunidade do grupo colocar em prática sua organização

interna e sua prática cotidiana de produção. Assim aconteceu na participação do grupo

no projeto Palco Giratório do Sesc Nacional – RJ. A Cia tinha o compromisso de

apresentar o espetáculo Lusco-fusco ou tudo muito romântico em 15 cidades do Estado

de Santa Catarina em apenas 30 dias, contando apenas com dois dias para cada cidade.

Era chegar e montar o cenário para apresentar no dia seguinte.

Como metodologia da Cia, ao final de cada apresentação, havia sempre um

debate com o público, curiosidades sobre o trabalho, sobre o grupo, a linha de pesquisa

e sobre como o espetáculo fora estruturado e criado. Adotando tal procedimento a sua

rotina de trabalho e a sua característica de grupo, a Cia Acômica vem reforçar as ideias

levantadas acerca das diferentes tendências e estilos na renovação da cena brasileira,

refletida nas companhias da década de 90 até a atualidade, discriminadas abaixo por

FISCHER (2003):

A multiplicação exponencial de diferentes tendências e manifestações

artísticas definem uma polarização de contextos e propostas que convivem

simultaneamente. Percebemos a proeminência de companhias que se vertem

nos caminhos de pesquisa das mais variadas técnicas, principalmente, pela

via das artes circenses, máscaras e pelo estudo do Clown. [...] outro

importante contingente das atividades artísticas de companhias teatrais é seu

caráter didático, com propostas de inclusão social. Muitas desenvolvem

programas de ensino e formação cultural, oferecendo oficinas, debates,

ensaios abertos e apresentações. (FISCHER, 2003, p. 36).

Para honrar o compromisso assumido de participação no projeto Palco

Giratório do Sesc Nacional-RJ, o grupo passou por um grande desafio e aprendizado

que, mesmo com tanta dificuldade, colocou em prática a experiência, competência e

profissionalismo adquiridos em sua trajetória de formação. Sendo que, de abril a maio

de 2003, cinco atores, dois técnicos e dois motoristas formavam a caravana que

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conduzia o espetáculo, uma trupe que não podia perder tempo, submetida a uma agenda

precisa. Centenas de pessoas envolvidas, numa região dotada de uma cultura tão

específica como a do sul brasileiro, a Cia Acômica mostra com dignidade o exemplo do

trabalho de produção teatral mineira, como nos relata Lerro (2007):

Ali, naquele frio catarinense, com uma recepção tão positiva, o grupo soube

empregar toda a sua força na apresentação de um ―produto‖ de alta qualidade,

digno de representar a produção teatral mineira. Houve profissionalismo e

seriedade, tanto no nível artístico quanto no de produção. Mas, para atingir

esse nível na execução, tivemos de nos adaptar, transformar e improvisar. Em

algumas cidades do interior de Santa Catarina, o teatro ás vezes não estava

disponível e apresentávamos o espetáculo nas sedes do Sesc, espaço, aliás,

mais adequado ao projeto. Em outra ocasião, tínhamos como único local

disponível uma área para churrasco! Era essa, naquele momento, a nossa

realidade: uma improvisação surreal que o grupo nunca vivenciara e que

esperava jamais se repetiria; é porque naquela época ainda não sabíamos que

aquela mesma improvisação, nossa ferramenta de trabalho durante anos,

tornar-se-ia o novo espetáculo do grupo. (LERRO, 2007, p. 24-25).

Nas palavras de Lerro (2007) vimos que, a partir daquele momento, onde a

Cia Acômica mostrou-se uma Cia séria e profissional, ela sempre foi convidada a

participar de eventos e que, também, muito lhe interessava mostrar seu trabalho.

Naquele momento o grupo passava por uma fase de muita reflexão sobre a

cena teatral mineira, com ênfase na falta de vida nos espetáculos, na forma e

racionalidade excessiva, na falta da celebração em cena, de um teatro em festa e

participação. Incomodava-nos também a passividade do público restrito apenas a

aplaudir.

Então surge a Cia Maldita com o Projeto de Cena 3x422

, que tinha como

proposta a criação coletiva fundamentada numa nova prática e abordagem da criação

artística. Participaram da nova Cia ,também neste ano, três grupos de Belo Horizonte

(Armatrux, Reviu a Volta e Teatro Invertido).

A caminho de uma nova empreitada de criação o grupo partia de seu

cotidiano de trabalho, e falar nele é remeter a um discurso imenso sobre o ato de

improvisar a partir de várias óticas, por exemplo, do ator, diretor, dramaturgo, músico,

22

O Cena 3x4, realizado nos anos de 2003 a 2005, numa parceria entre o Galpão Cine Horto e a Maldita

Cia., visava aprofundar os estudos sobre o processo colaborativo de criação teatral. Esse projeto tinha

como principal objetivo a socialização das relações da tríade básica do teatro: direção, dramaturgia e

atuação. Pra tanto, o formato estabelecido era a realização de uma criação entre três novos diretores que

dirigiam três grupos de Belo Horizonte, na montagem de três peças escritas por três novos dramaturgos.

Os diretores participantes do Cena 3x4 foram coordenados por Antônio Araújo (2003/2004) e Francisco

Medeiros (2005), os dramaturgos por Luís Alberto de Abreu (2003/2004/2005) e Tiche Vianna (2005)

ficou responsável pela orientação de atuação.( http://www.galpaocinehorto.com.br/projetos/cena-3x4,

acesso em 27/09/2011).

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cenógrafo, iluminador e público. Em Arena de tolos, nas ações executadas pelos atores,

havia uma particularidade que pertencia ao universo íntimo do ator. Os primeiros meses

foram dedicados ao trabalho específico de ritmo, adaptação e transformação.

Começou-se então um treinamento específico para esse ator-improvisador.

Os atores estudaram diversos jogos e aplicavam alguns mecanismos pertencentes ao

universo do jogo. O palco tornava-se uma maratona: tinham de treinar o ator para lidar

com um sistema codificado e preciso, sem deixar, ao mesmo tempo, de ser livre para

criar em cena. Não sabia qual seria o fio condutor dessa nova produção. Cada ator tinha

um desejo que era compartilhado com o diretor. Nesse primeiro período, conversaram

muito, mesmo porque buscavam trabalhar de acordo com uma proposta específica. E

após tantas discussões, experimentações, propostas lançadas pelo diretor, pelos atores e

pela dramaturga Jória Lima, chegam à conclusão de o ator deveria ser próximo de si

mesmo. Refletindo acerca do surgimento de uma dramaturgia que pode aparecer num

instante de dúvida ou insatisfação, Peixoto (2002) relata:

No caso, entrar dentro de si mesmo, para o artista, significa sair de si mesmo,

expressar-se a si e a realidade que o cerca, com a linguagem que escolha,

procurando comunicar-se com os demais, espectadores no caso do teatro,

numa troca de emoção e/ou reflexão que pode ser mais rica quando encerrar a

emoção e o pensamento de muitos e não apenas de um. (PEIXOTO, 2002, p.

246).

Não havia interesse em estabelecer uma interpretação. Em Arena de tolos, o

objetivo era a improvisação como espetáculo que deveria ser consciente para o ator.

Quem é o foco? Quem é responsável pelo quê? Existia um trabalho racional para,

paradoxalmente, atingir a liberdade e o frescor do ato improvisado em cena. A palavra-

chave era potencializar esse ator-improvisador-criador. Era preciso conhecer e praticar

certos jogos e desenvolver automaticamente a capacidade de compreender e jogar em

cena. Nesse momento aparece a atriz Mariana Muniz, que já estava há alguns anos na

Espanha, onde praticava e estudava a improvisação teatral. Ela foi responsável por nos

introduzir num universo amplo, repleto de regras e conceitos fundamentais para o bom

desenvolvimento de uma cena improvisada. Tivemos uma semana de trabalho árduo,

entre risos e dificuldades, a partir de temas propostos pelo diretor, pela dramaturga e por

Mariana Muniz. Para chegarmos à estrutura final de Arena de tolos, ou seja, a um

espetáculo aberto, tivemos de abandonar muitas ideias e conceitos que faziam parte do

sistema criativo do grupo, como, por exemplo, a construção de uma partitura corpórea,

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estilizada, decodificada, pronta para ser usada em cena, que já utilizávamos desde As

Criadas.

Tais ideias não se encaixavam no novo contexto, não podiam apoiar-se

nesse sistema. Esse fato, inevitavelmente, refletiu-se no trabalho dos atores. ―Não

contávamos com um texto pronto, ao contrário, tínhamos de lidar com uma construção

em tempo real, in loco, a partir de temas colhidos diretamente do público.‖ (LERRO,

2007, p. 27).‖ Além de não poder contar com um personagem construído

analiticamente. Essa nova forma de trabalho mostra o quão dinâmicos são os integrantes

da Cia Acômica e segundo Lerro (2007):

Era o caos criativo instalado: atores que possuíam alguns códigos possíveis

de se repetir em determinadas situações, um dramaturgo que desconhecia o

que poderia ser sua obra, um diretor que não sabia o que poderia dirigir, um

músico que utilizava seu instrumento como voz presente, improvisada em

cena e para a cena. Um espetáculo sem previsão de resultados. Angustiante e

revelador. A elaboração de Arena de tolos refletiu-se diretamente no processo

criativo do grupo, não porque se lançava uma nova proposta para ator, mas

porque se questionavam pontos estabelecidos como fundamentais e

determinantes em nossos procedimentos e práticas teatrais. (LERRO, 2007,

p. 27-28).

Mesmo com os percalços e anseios acima relatados presenciamos uma

trajetória de sucessos com muita luta e vários guerreiros que ajudaram a Cia Acômica a

se estabelecer no cenário contemporâneo da cena brasileira, demonstrações de

competência, profissionalismo — seriedade e dedicação fizeram a diferença. Em relação

ao futuro desta Cia admirável, que se faz de espelho para muitas outras, comenta Lerro

(2007):

É imprevisível o que virá depois dessa arena, desse desnudamento, desse

caos criativo. Uma coisa é certa: são dez anos em busca de um teatro vivo,

pautado na presença de um ator que não somente executa, mas pensa, produz,

questiona e propõe. O futuro da Cia Acômica dependerá desses atores-

criadores, do caminho de cada um, de suas experiências, seus

questionamentos, suas pesquisas em busca de dignificar sua arte. (LERRO,

2007, p. 28).

Ter como espelho a Cia Acômica realmente é um privilégio para poucos,

mas estaremos aqui tentando através da pesquisa ora executada registrar e tornar público

este invejável trabalho artístico, social e político. Ao mesmo tempo, existe o percurso de

um grupo, seus representantes, egressos, seu sistema de trabalho, seus espetáculos, sua

inserção criativa e política num contexto cultural, suas sementes espalhadas pelas Minas

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Gerais, suas possibilidades de produzir cultura no sentido amplo da palavra. Em um

desabafo, Lerro (2007) comenta sobre o sistema político de governo:

E isso remete ao poder público, à necessidade de um programa de

financiamento cultural destinado aos grupos teatrais, como forma de manter

um trabalho digno, pautado no profissionalismo. Improvisação sim, mas no

palco, em cena, criando, estabelecendo um diálogo com o público, com a

cidade. Improvisação cultural não, recusemos essa forma precária de

manutenção e sobrevivência do teatro na cidade de Belo Horizonte. (LERO,

2007, p. 28).

Segundo Nelson da Silva Junior, atual coordenador da Cia Acômica, o

grupo, durante certo período, passou a ser um local de experimentações de metodologias

onde se criavam várias propostas de trabalhos, todas ligadas ao percurso e vivências da

Cia, tanto na aplicação do sistema de formação, que conjuntamente iam elaborando,

quanto nas formas coletivas de produção. Ressalta ainda que, ser ator de teatro de grupo

no Brasil hoje, é ser um pouco de tudo: faxineiro, produtor, divulgador, intérprete,

criador, bilheteiro e tudo mais que for necessário para um espetáculo acontecer.

Sobre a relação interna Bambam (2007) afirma:

Manter a relação entre essa política e o trabalho investigativo e artístico foi

um dos principais desafios que alavanquei dentro da Cia. Mesclar

investigação, formação e produção artística dentro de uma rotina intensa de

trabalho, onde o retorno financeiro dos indivíduos propulsores dos processos

nunca foi suficiente para uma dedicação total. Experiências paralelas sempre

estiveram na pauta de trabalho de cada um dos indivíduos, seja como

produtores ou educadores, experiências que se refletiam tanto nos trabalhos

internos como nos trabalhos externos dos membros da Cia.(BAMBAM,

2007, p. 35).

Chegando a uma década de trabalho árduo dentro do cenário teatral mineiro

e brasileiro, levando com orgulho e competência o nome de Minas Gerais no seu fazer

teatral, em vários palcos nos festivais e eventos no país e fora dele, necessário se faz um

momento de reflexão e avaliação dessa trajetória com ganhos e percalços comuns para

quem se arrisca, a quem tem coragem de buscar. Percorrendo este caminho

presenciamos um exemplo de comprometimento com o público e com a estética, o

cuidado com o espetáculo que mostra o produto final de seu trabalho, o

profissionalismo e a seriedade na execução e cumprimento de contratos firmados.

Parabéns Cia Acômica!

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2.2.3 Uma década de caminhada.

Ao longo dessa caminhada a Cia Acômica reuniu um seleto grupo de

parceiros e profissionais que fizeram e ainda fazem parte da construção desta estrada.

Vários passaram, alguns se foram, outros ficaram como exemplos ou lembranças pela

valiosa contribuição. Neste momento de reflexão algumas pessoas foram convidadas a

descrever a relação com a Cia Acômica no estar junto, trabalhar e conviver em grupo,

mesmo que por pouco tempo: um registro para marcar a história, uma busca da

memória, a ―[...] propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro

lugar a um conjunto de funções psíquicas, [...] o homem pode atualizar impressões ou

informações passadas, ou que ele representa como passadas. (LE GOFF, 1996, p. 423),

efetivada no encontro proporcionado pelo teatro.

O professor Fernando Mencarelli faz parte do grupo de pessoas convidadas

a participar da comemoração dos dez anos da Cia juntamente com profissionais

reconhecidos na área de artes cênicas. Entre seus colaboradores destaca-se a professora

Maria Thaís Lima Santos, que nos fala sobre a Cia. Acômica:

[...] nos seus dez anos, é parte de uma rica realidade teatral: o movimento de

grupos de pesquisa que atuam na cidade de Belo Horizonte. A singularidade

da experiência mineira merece ser analisada sob inúmeros pontos de vista.

Aqui, entretanto, gostaria de salientar um aspecto comum a outras

experiências no Brasil: a formação de companhias lideradas por um grupo de

atores que tomam para si a responsabilidade de gerar um discurso e uma

prática artística, mantendo laços com diferentes áreas de criação... (SANTOS,

2007, p. 53).

Ressaltamos o movimento de contínua e permanente transformação do

teatro brasileiro na década passada que resultou num panorama bastante renovado da

cena criativa. Uma produção significativa afirmava uma série de procedimentos

propostos pelas correntes mais férteis de artistas cênicos do país nas décadas anteriores.

Assim, a nova dinâmica aposta na formação de grupos de trabalho

contínuo, a atitude de formação e investigação permanente, a busca e afirmação de um

projeto artístico fundamentado delineavam o perfil almejado pelos artistas para o

estabelecimento de uma prática de criação. Contrastando com certa predominância dos

encenadores nos anos 80, os grupos teatrais voltaram a se fortalecer, apostando no

coletivo como instância primeira do fazer teatral.

A Cia Acômica nos convida, através de suas práticas, seja no treinamento,

na pesquisa, na criação ou na produção, a uma reflexão sobre a produção teatral

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contemporânea em Minas Gerais, particularmente em Belo Horizonte, sobretudo por

reunir características que a tornam emblemática da renovação cênica ocorrida nos anos

90. Alguns grupos que se formaram nesse período seguiam uma tendência delineada

ainda na década anterior, reunindo atores impulsionados pela crença no trabalho

coletivo, autônomo e contínuo. Em Belo Horizonte, o Grupo Galpão, a Cia. Sonho e

Drama e a Cia. Absurda são, também, exemplos dessa prática renovada, em sintonia

com um movimento atuante no cenário nacional e internacional.

Os espetáculos eram resultado de um projeto artístico que investia na

profissionalização e na pesquisa de linguagem, apostando num teatro pautado pela

indissolução de suas dimensões estéticas e éticas. A direção, seja por integrantes do

grupo ou convidados, era compreendida no contexto do trabalho em grupo,

possibilitando maior participação dos atores como criadores e indicando uma autoria

partilhada. Caminho criativo este que vai ganhar corpo nos anos 90 com a busca de

processos cada vez mais colaborativos, como nos lembra Fischer (2003):

[...] necessário desenvolver todo esse percurso histórico para então poder

dimensionar o processo colaborativo. Como vimos, a retomada do teatro de

grupo se faz presente e determinante para a cena brasileira. Com proposta de

abertura à participação e intervenção de todos os integrantes como co-autores

e empreendedoras, a colaboração torna-se o princípio motor da organização,

da construção cênica e da implementação de uma política nacional. [...] tem

sido usado frequentemente por companhias teatrais em atividade para nomear

uma prática coletiva, [...] procedimento que integra a ação direta entre ator,

diretor, dramaturgo e demais artistas. Essa ação propõe um esmaecimento das

formas hierárquicas de organização teatral. Estabelece um organismo no qual

os integrantes partilham de um plano de ação comum, baseado no princípio

de que todos têm o direito e o dever de contribuir com a finalidade artística.

Rompe-se com o modelo estabelecido de organização teatral tradicional em

que se delega poder de decisão e autoria ao diretor, dramaturgo ou líder da

companhia. (FISCHER, 2003, p. 39).

Nesses anos todos, a revalorização do grupo como núcleo de criação é uma

das características da produção contemporânea, que a trajetória da Cia. Acômica

encarna. Radicalizando a escolha do trabalho com o ator-criador e as novas experiências

de uma dramaturgia produzida no calor das salas de ensaio, a Cia. Acômica, através de

enfoque próprio, buscou a experiência de uma criação partilhada. A produção

cooperativada, típica também do modo de produção dos grupos teatrais desde os anos

60, possibilitou o desenvolvimento da autonomia no estabelecimento dos princípios

norteadores do trabalho e uma independência em relação aos compromissos de

rentabilidade predominantes nas produções orientadas pelos padrões empresariais.

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Para o professor Fernando Mencarelli da UFMG, o surgimento e a procura

por associações, entidades cooperativadas que buscam ações cooperadas, também

marcou os grupos nas duas últimas décadas, em movimentos de alcance nacional ou

local, como o Movimento Nacional de Teatro de Grupos, de vida curta, e seu braço

local, o Movimento Teatro de Grupo de Minas Gerais, do qual a Cia Acômica

participou ativamente em anos recentes. Assim, tem sido grande o envolvimento da Cia

em ações e projetos que promovem o intercâmbio e o aperfeiçoamento coletivo.

Segundo Mencarelli (2007):

Além do Movimento Teatro de Grupos de Minas Gerais (MTG), a Cia.

Acômica foi uma das criadoras do projeto Teia, integrou-se ativamente no

projeto Arena da Cultura da Secretaria Municipal de Cultura de Belo

Horizonte, participou do projeto Cenário, em parceria com a UFMG, e da

organização de várias edições do Festival Internacional de Teatro Palco e

Rua de Belo Horizonte (FIT-BH), caracterizando-se como um grupo que,

atuando além da esfera de suas próprias produções, gera um espaço

privilegiado de reflexão sobre a criação, o aprimoramento dos recursos

técnicos, teóricos e dos métodos pedagógicos no âmbito da criação

contemporânea‖. ( MENCARELLI, 2007, p. 47).

Conforme relato acima, a Cia Acômica, assim como os diretores e grupos

responsáveis pela produção teatral mais significativa dos anos 70 e 80, investe

sistematicamente na investigação da escrita cênica e dos procedimentos criativos do

ator, com treinamento diário e intenso. Tanto é assim que a separação entre a produção

teatral expressiva e a pesquisa acadêmica foi aos poucos deixando de existir. O

fortalecimento gradual dos cursos de artes cênicas nas universidades brasileiras tem

contribuído para a formação de diretores, atores, dramaturgos, iluminadores, cenógrafos

e figurinistas com atitude investigativa.

Quando a Cia Acômica criou a Rede Teia, um projeto que, através da

divulgação de sua metodologia de trabalho nos processos de criação, levou às cidades

do interior do estado a proposta de criação de núcleos de investigação teatral,

possibilitando o acesso e envolvimento com a prática teatral. Este projeto, patrocinado

pelas leis de incentivo à cultura, é o que dá sustentabilidade econômica à Cia, tal como

acontece com os muitos grupos atuais. Em relação a este contexto Oliveira (2005)

afirma:

O desenvolvimento do Teatro de Grupo está intimamente ligado às práticas

pedagógicas. Esta se manifesta como forma de, inclusive, contribuir com a

vida econômica do grupo e de seus membros. Uma vez institucionalizado o

ensino do teatro por meio do trabalho de grupo, os sujeitos do grupo podem

construir uma alternativa laboral e o coletivo pode – ainda que não

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premeditadamente – difundir suas ideologias, e marcar zonas de influência

frente às novas gerações. Este contexto de difusão de saberes tem ganhado

muita força no trabalho dos grupos pelas ideias de treinamento atorial, prática

pedagógica e construção de dramaturgia própria. (OLIVEIRA, 2005, p. 87-

88).

Segundo descrito acima, existe um forte movimento de grupos no país com

a mesma ideologia de trabalho praticada pela Cia Acômica, de que é exemplo, em São

Paulo, o Grupo Lume, laboratório de pesquisa teatral criado na Universidade Estadual

de Campinas há quase duas décadas pelo ator, professor e pesquisador Luis Otávio

Burnier, e que vem desenvolvendo um trabalho pioneiro e exemplar de investigação

criativa, difusão e formação, que aproximou definitivamente a produção artística e a

pesquisa, no contexto universitário brasileiro.

Vale ressaltar, ainda, o apoio das instituições de ensino superior aos grupos

e companhias, formadas em sua maioria por universitários e egressos juntamente com a

comunidade. Porém, os grupos e companhias que não possuem este vínculo sofrem

muito sem apoio, principalmente no dito eixo cultural do Rio de Janeiro e São Paulo.

Fischer (2003) reforça que:

[...] as universidades tornam-se um pólo aglutinador para a formação de

grupos de pesquisa e experimentações teatrais, Tornam-se também,

referências para outros cursos técnicos no incentivo à continuidade e

aprimoramento de conhecimentos e investigações cênicas. No entanto, muitas

companhias formadas fora do contexto universitário ou em localidades

distantes do pólo cultural brasileiro (RJ/SP) encontram dificuldades de

continuidade de suas atividades. (FISCHER, 2003, p. 32).

Quando a pesquisadora Fischer (2003) coloca a universidade como pólo

aglutinador, convém lembrar aqui a recém-criada Associação Brasileira de Pesquisa e

Pós-Graduação em Artes Cênicas, a Abrace, que reúne os programas de pós-graduação

em contínua expansão, constitui um espaço aglutinador das pesquisas teóricas e

práticas, realizadas no ambiente universitário e fora dele. Os pesquisadores do grupo de

trabalho sobre processos de criação e expressão cênicas, da Abrace, fazem

apresentações teórico - práticas nas reuniões e congressos periódicos. Os anais e outras

publicações da associação revelam o fértil campo de pesquisa e a já considerável

produção realizada nesse ambiente universitário.

Na companhia, a busca do apuro técnico do ator soma-se à experimentação,

levando a Acômica a inserir-se em pelo menos duas grandes tendências da pesquisa

cênica atual: a presença de um ator-criador responsável por uma das dimensões da

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dramaturgia cênica; a criação de uma nova dramaturgia. Estes são também os dois

aspectos da produção teatral contemporânea brasileira, muito bem representados pela

experiência do grupo. Esta atitude investigativa da Cia Acômica é refletida na sua

trajetória nestes dez anos que se comemoram, como ressalta Mencarelli (2007):

A escrita e reescrita da cena a partir de um diálogo permanente entre os

atores, diretores, dramaturgos e outros participantes dos processos têm

caracterizado as montagens da companhia, num procedimento que vem

marcar a renovação dramatúrgica em curso na cena contemporânea. A

concepção de uma dramaturgia da cena, constituída por seus múltiplos

elementos (ator, texto, espaço, luz, cenografia, etc.), vem valorizar os

procedimentos colaborativos na construção do texto espetacular. [...]Um

novo ciclo dramatúrgico tem surgido na cena contemporânea brasileira,

provido, em geral, de ‗autores‘ que experimentam o campo fértil dos ensaios

e laboratórios como lugar da escrita. (MENCARELLI, 2007, p. 49-50).

Refletindo sobre esta ideia, a Cia Acômica tem a compreensão do ator como

um dos compositores da escrita cênica, o que pode ser reconhecido na busca pelo rigor

formal, através do estudo sistemático da linguagem do ator, de sua corporalidade e dos

princípios da ação cênica. A importância dada a uma dramaturgia do ator na construção

do espetáculo levou a Cia Acômica a experimentar o desafio da improvisação como

espetáculo, em seu último trabalho.

Parceria fundamental no trajeto feito pela Cia, responsável pelo crescimento

metodológico e sistematizado do seu processo de criação, foi com Universidade Federal

de Minas Gerais – UFMG quando em parceria no Projeto Cenário e oficinas para alunos

da graduação em Artes Cênicas. Lembrando que a Cia Acômica é constituída por ex-

alunos do Curso de Formação do Teatro Universitário da UFMG. A associação com

grupos e artistas de rigorosa formação e longa trajetória de pesquisa fortaleceu o

trabalho investigativo da Cia Acômica, desenvolvido em caráter permanente,

principalmente em torno de técnicas fundamentais para seu trabalho hoje executado,

como a biomecânica de Meyerhold, a mímica corporal dramática de Etienne Decroux e

a capoeira angola.

O cuidado na formação específica dentro de cada estudo levou a procura de

profissionais altamente qualificados em ambas as técnicas, a exemplo disso temos a

diretora e professora da USP/Cia Balagan, Maria Thaís Lima Santos, pesquisadora da

biomecânica; com os professores de mímica corporal dramática Stephane Brodt e Ana

Teixeira, ambos da Amok Teatro/RJ; com Mestre Primo do Grupo Yuna de Belo

Horizonte da capoeira angola. Este aprimoramento tem possibilitado aos componentes

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da Acômica desenvolver atividades pedagógicas em torno dos princípios e

metodologias estudados ou formulados pelo próprio grupo ao longo de sua trajetória.

Mencarelli, (2007) afirma que:

A Cia Acômica, nesta longa caminhada, integrou-se, com muito trabalho a

uma carreira sólida, ao movimento dos grupos teatrais de pesquisa em

atividade no Brasil, realizando um projeto artístico em que estão presentes a

força da renovação cênica contemporânea, a voz própria de seus integrantes e

um olhar apaixonado pela arte teatral e sua potência transformadora.

(MENCARELLI, 2007, p. 50).

Ressaltando esta voz própria relatada pelo professor Mencarelli (2007) a

Cia Acômica possui uma sede desde 2003, onde guarda materiais, figurinos e

equipamentos. Este espaço serve também para treinamento, ensaios e pesquisa interna

dos atores. Em 2007 realizou oficina "A pedagogia do Ator" com Luís Lerro, e o espaço

foi cedido para ensaios e criação do espetáculo "O ar da história", de Poliana Costa, e

das cenas "A debutante" e "O homem do fusca", projetos selecionados e apresentados

no Cenas Curtas do Galpão Cine Horto de 2007 e 2008, com direção de Cláudio

Márcio. Em 2006, abriu-se as portas do espaço para o ensaio aberto e a demonstração de

processos do projeto Brasil-Itália. Ainda em 2008 a Cia. Acômica foi contemplada pelo

prêmio Cena Minas de manutenção e adequação do espaço e desenvolve na sua sede

oficinas de Iniciação Teatral, Capoeira, Núcleo de Arte e Educação, além da

apresentação de espetáculos. Através da proposta inovadora da Cia Acômica com o

Projeto Rede Teia, que se configura por uma rede de experimentações e investigações

em Artes Cênicas, desde 2004 vem tecendo ideias e pensamentos de reflexão sobre o

fazer teatral e a formação artística da sociedade por meio de oficinas, espetáculos,

workshops, núcleo de investigação teatral além da participação de grupos locais e

convidados. É sobre este encontro com a Cia Acômica, através da Rede Teia, que irei

discorrer no próximo capítulo, relatando o envolvimento da academia também no

processo de divulgação e execução das ações junto à comunidade e ressaltando a

parceria da Unimontes e outros grupos locais.

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3 TECENDO RELACIONAMENTOS E CRIANDO UMA REDE DE AÇÕES

Em 1993, ano de início da primeira turma de Licenciatura Plena em Artes

Cênicas da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes – antiga Faculdade

de Educação Artística- FACEART, em Montes Claros, cidade do interior de Minas

Gerais, que mesmo longe do cenário teatral paralelamente à criação da FACEART já

tínhamos iniciado o teatro universitário por iniciativa do professor Homero de Carvalho

Faria, natural da cidade de Lavras/MG, e que na época , atuava em Belo Horizonte.

Durante um longo percurso o curso de teatro da Unimontes veio se transformando até

chegar ao atual currículo de Curso de Artes Teatro, passando por várias nomenclaturas.

O Projeto de Extensão do Teatro Universitário acompanhando esta trajetória com

muitos trabalhos de relevância no meio artístico da cidade norte-mineira também se

manteve presente.

Já em meados de 2007 e 2008 aconteceram algumas reformas na estrutura

do Projeto de Extensão do Teatro Universitário. Foram incorporadas outras oficinas

com intuito de aprimorar e expandir as possibilidades dos acadêmicos de vivenciar

outros caminhos do fazer teatral, buscando a experiência trazida pelos novos professores

agregados ao quadro de docentes com sua transformação, quando em 2008 a

Universidade recebe o convite do então coordenador da Rede Teia, Nelson Bam Bam Jr,

ator diretor produtor, natural de Montes Claros, que residia na capital mineira.

Na proposta de parceria com a universidade foi exposto que o Projeto Rede

Teia - experimentação e investigação em Artes Cênicas – Montes Claros envolveria

atores locais em um núcleo de investigação teatral no qual todo trabalho seria

coordenado pela Cia Acômica juntamente com um coordenador local.

O projeto ainda previa espetáculos, oficinas, debates e núcleos de

investigação e palestras. A Rede Teia vem trabalhando desde 2004 com várias ações

artísticas em cidades como Coronel Fabriciano, Ipatinga, e no Norte de Minas na cidade

de Montes Claros, promovendo além das apresentações artísticas de espetáculos teatrais,

debates, palestras e oficinas, com foco voltado sempre para os grupos locais e convites a

pensadores locais.

Ressalta-se que nas atividades da Rede Teia são de fundamental importância

a interlocução e participação dos grupos locais em todo processo. Para execução do

processo, a Rede Teia investiu na formatação e aprofundamento nos Núcleos de

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Investigação Teatral unindo a teoria e a prática no fazer teatral, com a parceria do

município contemplado, e em conjunto com uma coordenação local convidada. Houve

também a participação de um diretor local e outros profissionais, que no decorrer do

processo de criação se integram às oficinas de acompanhamento, dando suporte à futura

montagem, com apoio nas áreas de Dramaturgia, Produção, Cenário e Figurino,

Cenotécnica e Iluminação. Um processo de colaboração mútua que envolveu todos os

participantes dessa ação. Uma atividade de criação coletiva que Magaldi (1997) define

como:

Mas se a especificidade do teatro se define pela sua presença física diante da

platéia, o ator tem o direito de reivindicar para si não o papel de executante

ou intérprete, e sim o de artista criador. Essa idéia alimenta a criação coletiva,

que se espalhou por todo o mundo. [...] a identidade de propósito num certo

núcleo de artistas. (MAGALDI, 1997, p. 109).

Essa ideia de ator criador é mantida como filosofia do trabalho de criação

da Cia Acômica. Em 2008 dentro de sua proposta a Rede Teia de experimentação e

investigação das Artes Cênicas, propõe tecer esta rede entre onze cidades de Minas

Gerais assim descritas: Bela Vista de Minas, Belo Horizonte, Contagem, Coronel

Fabriciano, Ipatinga, João Monlevade, Juiz de Fora, Montes Claros, Nova Era, Rio

Piracicaba e Sabará. Com tal ação integrou-se as regiões do Médio Piracicaba, Vale do

Aço, Norte de Minas, Zona da Matas e região Central do Estado.

Foram realizados 06 núcleos de investigação, resultando na construção de

05 cinco espetáculos e uma intervenção cênico-plástica, 25 montagens teatrais,

totalizando 134 sessões, 120 debates pós-espetáculos, 06 oficinas, e uma publicação

reflexiva sobre todo o processo. Esses números só se tornaram possíveis graças às

parcerias com os grupos Atrás do Pano, Cia. Acômica, Grupo Farroupilha, TRAMA, e

Z.A.P. 18; além das universidades: Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG,

Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes e a Unileste; às prefeituras de

Bela Vista de Minas, Belo Horizonte, Contagem, João Monlevade, Montes Claros,

Nova Era e Rio Piracicaba; também as instituições Fundação Arcelor Mittal Brasil e

Instituto Cultural Usiminas; incentivo via Lei Estadual com o patrocínio da Usiminas e

da ArcelorMittal. A Rede Teia acredita que essa organização ou trama possibilita que as

artes cênicas, retomem sua função social de agente transformador e aglutimador através

de uma atitude responsável, indo além do simples e passageiro entretenimento.

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3.1 PRIMEIRO CONTATO E PARCERIA

Houve uma longa negociação em relação à parceria da Unimontes e a Rede

Teia, chegando ao contato com a coordenadoria de extensão cultural da Universidade

Estadual de Montes Claros – UNIMONTES – por intermédio da professora Raquel

Helena de Mendonça e Paula. No acordo firmado a Universidade forneceria o apoio

logístico, com espaço e algum material administrativo e também um profissional local

para coordenação das oficinas. Este acordo foi firmado sendo vinculado ao

Departamento de Artes do Centro de Ciências Humanas dentro do Curso de Teatro, no

qual funcionava o Projeto de Extensão Teatro Universitário. O núcleo funcionaria como

uma oficina dentro do projeto de extensão da Unimontes: o Teatro Universitário.

Após a parceria consolidada junto à Universidade, fui designado para a

coordenação local do núcleo de investigação teatral da Rede Teia em Montes Claros, no

qual fui professor do Curso de Artes Teatro do Departamento de Artes da universidade

além da previsão do profissional pela parceria da Unimontes. Sendo assim, já possuía

conhecimento dos trabalhos executados pelo então coordenador do projeto Rede Teia,

Nelson Bam Bam Jr, diretor da Cia Acômica.

Tive o primeiro contato com o coordenador da Rede Teia onde delineamos

algumas ações de divulgação juntamente com apoio da prefeitura local e órgãos da

imprensa local, inclusive da própria universidade. Iniciamos assim a caminhada para o

processo de criação do Núcleo de Montes Claros. Começamos então o processo de

seleção com os critérios de participação, conforme o formato idealizado pela Cia

Acômica, de oficinas em outras cidades, estabelecendo-se como fator importante a

dedicação dos envolvidos no processo.

Logo se percebeu que a realidade diferenciada de uma cidade interiorana,

pouco acostumada ao ritmo dos trabalhos artísticos das capitais, forçou o projeto a

adaptar alguns horários de encontros. As pessoas não estavam acostumadas ao processo

de treinamento adotado pelos integrantes da Cia Acômica. Pela diferente metodologia

de trabalho, surgiram muitas dificuldades no início. Na divulgação do núcleo constava

uma divisão de oficinas internas de investigação relacionadas ao processo de criação,

em que o objetivo de cada oficina seria voltado para o resultado final do próprio núcleo.

Estava previsto oficina de dramaturgia que iria trabalhar o texto do espetáculo, bem

como a oficina de cenário e figurino voltados para os personagens e ambiente proposto

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pelo texto dramático, assim também a oficina de iluminação. Cada oficina seria

conduzida por um profissional da área o que foi previsto dentro do projeto da Rede Teia

e remunerado pelo fomento da lei de incentivo. Já o trabalho de preparação física do

ator era conduzido por integrantes da Cia Acômica e o coordenador local do núcleo. No

período de inscrição surgiram muitas dúvidas sobre a participação das pessoas, que na

maioria tinham interesse em oficinas separadas. Surgiram, também, algumas

desistências após saberem que as oficinas todas seriam aplicadas para os participantes

do núcleo durante o processo de criação, sendo que todos teriam que participar.

Esta prática faz parte da metodologia do trabalho de criação coletiva ou

colaborativa, aplicada pela Cia Acômica nos núcleos de investigação teatral da Rede

Teia. Ela vem se tornando recorrente nas companhias e grupos teatrais contemporâneos,

neste contexto tem sido usado frequentemente o termo processo colaborativo definido

por Schettini (2009) como:

[...] é uma tentativa de vivenciar uma criação em coletivo que mantenha um

rigor quanto às funções desempenhadas pelos artistas na criação da obra,

rigor com elemento da cena, visto que os artistas envolvidos não deixam de

atuar em suas funções artísticas específicas 9 o cenógrafo, o figurinista, o

ator, o dramaturgo, o encenador, etc.), rigor que se expressa no resultado

cênico com o, perceptível, tratamento cuidadoso em cada área da encenação.

[...] Enquanto o modo de criação fundamentado nas heranças do teatro

moderno se pauta na monopolização da autoria pelos dramaturgos e

encenadores, na criação coletiva e na criação colaborativa, e nisso esses dois

últimos modos se aproximam, o campo autoral, a idéia original do

espetáculo, a autoralidade, é resultante do esforço coletivo. (SCHETTINI,

2009, p. 93).

Afirmando a ideia de coletivo levantada acima, conseguimos visualizar a

forma estrutural de trabalho de criação idealizado pela Cia Acômica na condução das

atividades e ações do núcleo de investigação teatral de Montes Claros.

3.2 DIVULGAÇÃO DA PROPOSTA – NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO TEATRAL

Com a consolidação da proposta de criação do núcleo de investigação teatral

pela Rede Teia, coordenado pela Cia Acômica em parceria com Universidade Estadual

de Montes Claros – Unimontes, começamos a trabalhar primeiramente com a

divulgação e seleção dos participantes. Foram oferecidas 30 vagas. Tendo um número

superior de inscritos, fizemos um processo de seleção com questionamentos sobre a

disponibilidade e comprometimento dos participantes, além de esclarecermos sobre

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como aconteceriam os trabalhos e quando. Após este primeiro encontro já tivemos

algumas desistências de vido à forma estrutural do núcleo, a vinculação do participante

à todas as oficinas oferecidas, além de participação diária na preparação física do ator,

contudo tivemos algumas surpresas no andamento do trabalho no sentido de

conscientização e interesse dos participantes.

O primeiro desafio da equipe de coordenação foi conseguir reunir pessoas

com interesse na proposta oferecida naquele momento, sendo a realidade da cidade de

Montes Claros e do público ligado ao trabalho teatral de grupo completamente diferente

ao vivenciado pela Cia Acômica na capital mineira. Montes Claros cidade do Norte de

Minas, pólo acadêmico mas ainda sem força artística e disponibilidade individual do

público na área teatral, talvez pela dificuldade de vislumbrar uma perspectiva

profissional ou até mesmo sustentável nesta prática artística, tendo em vista a realidade

do movimento teatral na própria cidade que depara com vários pontos de impasse: apoio

do setor comercial em relação ao patrocínio, articulação política dos grupos aqui

existentes junto ao poder público, bem como incentivos fiscais de isenção de impostos.

Um fato importante que deve ser colocado é que o público local não

valoriza iniciativas da própria cidade, existe uma grande influência de interesse público

no trabalho com iniciativas vindas de fora da cidade, principalmente da capital mineira;

este foi o fator ajudou muito no processo de inscrição para seleção dos integrantes do

núcleo. Tínhamos uma especificidade neste trabalho que ofereceria aos participantes

oficinas e contato com as áreas de: cenografia e figurino, cenotécnica e iluminação,

dramaturgia e preparação física de atores, além do acompanhamento dos profissionais

responsáveis por cada oficina, até a elaboração da montagem final, como divulgado em

tablóide da Rede Teia para divulgação trazendo as seguintes informações:

[...] O processo passa por todas as fases de construção de um espetáculo

teatral e tem como pedagogia norteadora a junção da prática e da ação

formativa. Além da participação efetiva dos integrantes da Cia Acômica, o

núcleo é desenvolvido em parceria com um diretor local convidado e

profissionais que integram o processo de criação através de oficinas de

dramaturgia, cenário e figurinos, cenotécnica e iluminação e acompanham a

concepção e execução da montagem final.23

Segundo informações acima, que veicularam durante o processo de

divulgação do núcleo, surgiu interesse de profissionais e artistas de várias áreas.

23

Informação retirada do Tabloide de divulgação do Núcleo de Investigação Teatral de Montes Claros da

REDE TEIA – 2008.

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Tivemos um público bastante diversificado pessoas da área musical, de artes visuais,

dançarinos, acadêmicos de letras, teatro, educação física e pessoas da comunidade.

Todo trabalho nas oficinas seria voltado para o espetáculo final do núcleo,

sendo as oficinas separadas por áreas como citado acima. A segunda fase do projeto,

logo após as oficinas, seria o de orientações e estabelecimento de rotinas de trabalho,

perspectivas do percurso e metas a serem cumpridas. Foi apresentado um primeiro

cronograma de trabalho a ser cumprido como pretensão da Cia Acômica de no decorrer

de toda a realização do núcleo de investigação, as mesmas atividades serem realizadas

nos outros núcleos que iriam acontecer também em outras cidades dentro do projeto

Rede Teia. Na proposta de trabalho apresentada foram organizados alguns encontros e

períodos de oficinas relacionadas ao andamento do processo de investigação e criação.

Como as oficinas tinham o objetivo de auxiliar e estar ligadas ao trabalho final do

núcleo, para realização de algumas oficinas surge necessidade de algumas informações

que somente seriam possíveis, no decorrer do trabalho de pesquisa do núcleo: temas,

músicas, cores, cenário, figurinos, personagens e outras informações específicas do

trabalho de criação e investigação. Por este motivo idealizou-se uma previsão de

trabalho no período de fevereiro a setembro de 2008, a princípio com encontros diários

de no mínimo oito horas havendo encontros também aos finais de semana e feriados até

o resultado final.

Dentro do cronograma de trabalho estabelecido, os encontros com os

integrantes da Cia Acômica aconteceriam aproximadamente uma vez por mês, com

permanência de cinco a oito dias no núcleo repassando as atividades e ações seguintes,

que eram executadas sob minha coordenação. O núcleo trabalhava com a metodologia

da Cia Acômica de preparação diária do corpo além de informações e atividades diárias

de manutenção e preparação dos atores para posteriores encontros. Quando não

tínhamos a presença da Cia Acômica o coordenador local conduziria as atividades já

planejadas até um próximo encontro. Algumas informações também eram repassadas

por correio eletrônico, meio necessário e eficiente para o contato e auxílio na execução

de determinadas atividades.

Na programação geral do núcleo constava a execução de dois

―mergulhos24

‖, deslocamento do grupo de trabalho para um local distante do centro

24

Termo dado pela Cia Acômica ao deslocamento do núcleo para um local distante do centro urbano,

onde os participantes do núcleo teriam uma rotina de trabalho voltada para o aprofundamento das teorias

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urbano onde seria feito um intensivo de atividades com objetivo de maior interação e

envolvimento do grupo no processo de criação e vivência em seu cotidiano. O primeiro

seria na segunda quinzena do mês de março, o seguinte na segunda quinzena do mês de

julho. Em todos os meses teríamos encontros com a Cia Acômica e as oficinas estavam

previstas para acontecer da seguinte maneira: última semana do mês de Abril, oficina de

cenário e figurino com Marcos Paulo Rolla. Em junho teríamos também a oficina de

dramaturgia com Glicério Rosário que tinha previsão de outro encontro no mês de

setembro, por necessidade específica do tema no decorrer do processo de criação. No

final de julho seria realizada oficina de iluminação com Ricardo Maia. Em setembro

antes da estreia, todos os profissionais coordenadores das oficinas e envolvidos no

processo estariam presentes no acerto final do resultado do núcleo, para se colocar em

prática o conteúdo das oficinas.

As apresentações da Rede Teia em Montes Claros estavam previstas para o

período de 09 á 14 de setembro 2008, com apresentações artísticas de grupos locais e de

outras cidades. Do dia 17 á 28 de setembro 2008, seria a temporada de apresentações do

resultado final do núcleo de investigação teatral de Montes Claros. Além dos

espetáculos a programação contemplava também oficinas, debates e palestras com os

artistas convidados representando os grupos e pessoas da comunidade com temas

relacionados ao fazer artístico de cada grupo e da região.

No decorrer do processo tivemos muitos contratempos, o cronograma que

sofreu algumas adaptações e alterações, o cenógrafo acabou com problemas em

disponibilidade de datas e foi substituído por Ana Lana Gastelois. O mesmo aconteceu

com o iluminador substituído por Felipe Cosse. Os mergulhos previstos para serem dois

acabaram reduzidos e acontecendo somente um, reduzindo os dias de trabalho para três

dias. Assim foi a princípio a proposta de trabalho da Cia Acômica para o núcleo de

investigação em Artes Cênicas da cidade de Montes Claros.

3.3 INÍCIO DOS TRABALHOS DO NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO.

As atividades do núcleo de investigação teatral iniciaram-se com a seleção

das fichas de inscrições, analise do perfil de cada candidato, sua disponibilidade de

e práticas teatrais que dariam suporte ao trabalho de criação, uma espécie de retiro com duração prevista

de quatro a cinco dias cada mergulho, marcados a partir do terceiro mês de trabalho.

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horários de trabalho. Mais de 40 fichas de inscrições foram analisadas, resultado da

ampla divulgação na Universidade e outros meios de divulgação da imprensa local.

No primeiro encontro fizemos uma pequena apresentação de todos os

envolvidos, buscando ouvir quais as perspectivas. Obtivemos um grupo eclético, com

pessoas de várias áreas artísticas, interessados em participação no núcleo, mas que não

tinham conhecimento específico em artes cênicas. O coordenador da Rede Teia explicou

sobre o projeto, suas ações propostas e cronograma de atividades sobre as vantagens em

realizá-lo também em Montes Claros, por ser oriundo da cidade e teve vontade de

privilegiar o norte de Minas com o projeto.

A rotina de trabalho original, com dedicação diária de seis horas, teve de ser

substituída para que se contemplasse um maior número de participantes. Depois do

acerto dos detalhes, com acomodação dos horários, ficamos com atividades e execução

dos trabalhos de preparação física e criação especificamente no período da tarde, no

horário de 14:00 às 18:00 horas, todos os dias da semana, e aos finais de semana e

feriados, 08:00 às 12:00 e de 14:00 às 18:00; este quadro de horários permaneceria até a

montagem final com modificações nos períodos de oficinas conforme a disponibilidade

dos oficineiros, para melhor aproveitamento do tempo dos profissionais.

Nos períodos em que a Cia Acômica estava em Montes Claros trabalhando

com o núcleo sempre tínhamos algumas mudanças de horários, com encontros também

nas manhãs durante a semana. O projeto na verdade já havia iniciado as negociações

para a execução em meados de novembro e dezembro de 2007, consolidando-se e

iniciando as atividades propriamente ditas em fevereiro de 2008, em local previamente

determinado.

Os encontros do núcleo como contrapartida da universidade através da

parceria seria no Centro de Ciências Humanas – CCH, prédio 02, nas salas do Curso de

Teatro do Departamento de Artes da Universidade Estadual de Montes Claros –

Unimontes. Local destinado às atividades do Teatro Universitário nos turnos matutino e

vespertino.

Indicado pelo Departamento de Artes e do Curso de Teatro para assumir a

coordenação do núcleo de investigação teatral de Montes Claros, pela parceria da

coordenadoria de extensão cultural da Unimontes, com a Rede Teia de experimentação

e investigação em artes cênicas, concordei em assumir o compromisso juntamente com

a instituição na parceria e execução do projeto. Quando recebi o convite me senti um

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pouco preocupado e receoso, estava diante de um compromisso novo e desafiador.

Ainda não tinha passado pela experiência de direção e coordenação de um processo de

criação e montagem com estes moldes propostos pela Cia Acômica. Fui motivado pelos

integrantes da Cia Acômica a aceitar a proposta e juntar forças com eles nesta grande

jornada teatral. Kusnet (1975) nos leva refletir:

Esse amor pelo trabalho coletivo em teatro nunca deve ser superado pelos

anseios e vaidades pessoais. Nós, gente de teatro, somos vaidosos por

excelência, pela própria natureza de nossa arte que é exibicionista, mas o

essencial é que a nossa vaidade seja construtiva e não prejudicial ao trabalho

coletivo. (KUSNET, 1975).

Acompanhado de muita preocupação ainda assim comecei a executar as

atividades propostas no roteiro diário do núcleo de investigação teatral. Tinha como

função principal ser o contato entre a Cia Acômica e o núcleo de investigação, sempre

repassando as informações e atividades propostas por eles aos integrantes do núcleo,

como também repassava os resultados obtidos nas experimentações aplicadas no núcleo

no período em que a Cia não estava presente. Nossa comunicação acontecia por

telefone, correio eletrônico, e através do auxiliar de produção da Rede Teia em Montes

Claros o Vinícius Menezes, que sempre nos mantinha informados sobre as eventuais

mudanças de cronograma e de propostas variadas. Como a Rede Teia envolvia mais seis

cidades com núcleos de investigação teatral como o nosso, a assistência ao núcleo de

investigação de Montes Claros ficava prejudicado tendo alterações no cronograma com

frequência.

O trabalho diário do núcleo de investigação teatral seguia às atividades

metodológicas aplicadas pela Cia Acômica em seu trabalho diário. A dedicação estava

voltada para preparação dos atores na manutenção de um trabalho consciente do ator na

sua formação o que exigia uma linha de atividades ligadas à trajetória de teatro de grupo

da Cia, com suas vivências e experiências adquiridas em dez anos de caminhada teatral,

consolidada e comprovada.

Na seção anterior foi ressaltado o percurso da criação da metodologia de

trabalho da Cia Acômica, que muito se valeu da troca de experiência e das relações

estabelecidas em festivais de teatro e com grupos e profissionais da cena. Como a troca

de experiências se faz objetivo primeiro dos encontros, festivais e workshops essa troca

foi moldando a sistematização e estrutura metodológica de criação teatral que hoje se

presencia na rotina da Cia Acômica.

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Dentro do rol de atividades já vivenciadas pela Cia Acômica até chegar a

uma didática específica do grupo, ou seja, o que realmente eles acharam que seria

necessário para a formação do ator e que até hoje vem trabalhando, a Cia Acômica criou

uma metodologia própria e sempre a transmite nos núcleos de investigação e oficinas de

preparação de atores que ministram. Tal trabalho era desconhecido pelos integrantes do

núcleo de Montes Claros e que tivemos o privilégio de ter o contato com técnicas até

então pouco vivenciadas nas suas práticas. A rotina diária do núcleo passava por uma

sequência de exercícios, onde se podiam identificar todas as técnicas acima

mencionadas, adaptadas a uma dinâmica metodológica rígida e disciplinada. Um

trabalho digno de admiração e respeito por mostrar claramente aos executantes o

potencial de energia, concentração, prontidão e vigor passados por tais exercícios. Sobre

a importância e cuidado de se trabalhar a preparação física do ator para a cena e refletir

sobre a prática diária de manutenção corporal Azevedo (2008) relata:

[...] o corpo vem a ser o canal utilizado, conquanto sejam diversas as suas

formas de abordagem. [...] agora podemos adiantar que há, sem dúvida,

exigências específicas relacionadas ao fazer teatral que não podem ser

desligadas de uma simples preparação do instrumento corpo, exigências estas

que determinam e obrigam a procedimentos igualmente necessários e

fundamentais. (AZEVEDO, 2008, p. 5).

Como nos traz Azevedo (2008) exigências foram fundamentais para

alcançarmos os objetivos de chegar a resultados nítidos, observados pelos próprios

integrantes do núcleo, nas avaliações do processo de preparação física feitas em

determinados momentos das atividades propostas pelo núcleo de investigação.

De vinte oito inscritos para participação assídua nos trabalhos do núcleo,

somente treze a quinze integrantes se faziam presentes no primeiro mês. Este número

caía a cada mês, e já no mês de março, tínhamos assíduos somente a participação de seis

a oito integrantes. Em abril eram somente cinco, permanecendo assim até o mês junho.

Nos meses de julho e agosto aumentaram um pouco os integrantes, devido às oficinas

de cenário e iluminação, para as quais fizemos o convite a algumas pessoas. Também

houve participantes para o processo de montagem, uma vez que o texto já estava em

fase final na oficina de dramaturgia e precisaríamos de alguns figurantes.

No processo final de montagem e criação e confecção de figurino e cenário

houve o empenho de muitas pessoas integrantes da oficina específica de cenário que,

juntamente com a coordenadora da oficina, reuniram-se e executaram o trabalho de uma

maneira muito criativa e funcional para o nosso objetivo. Todo o envolvimento com o

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trabalho e após já estipulado o tema do projeto todos estavam motivados por se

identificarem com a proposta dramática.

Com o intuito de auxiliar e fazer parte da montagem final do núcleo, foi

feito o convite, na oficina de cenário e figurino, às acadêmicas Franciele Pereira e Rita

Maia, do curso de artes e teatro da Unimontes, Por terem uma caminhada no fazer

teatral, conseguiram participar e se encaixar ao processo de montagem. Como o tema

era muito relevante para nossa região, com forte sentido de pertencimento e valorização,

não foi difícil para elas se adaptarem ao trabalho, o que nos faz voltar à introdução

onde abordamos o termo Catrumano, ligado à força e determinação do norte mineiro

em seus afazeres cotidianos e valorização cultural.

Em relação à oscilação de frequência dos integrantes do núcleo, tivemos

dificuldades no desenrolar das atividades previstas, uma vez que determinadas ações

necessitavam de uma constância de presença, por se tratar de atividades de criação

cênica realizadas em grupo. Dentre os participantes com maior assiduidade destacamos

o elenco que finalizou o núcleo: Antonella Sarmento, Gabriel Sanches, Tarsiane

Figueiró, Soraya Santos, Ana Flávia e a Tatiane Teles. Com a execução das oficinas de

iluminação, cenário e figurino, para a montagem final tivemos algumas pessoas

agregadas ao resultado final, como na música em pesquisa regional tivemos a presença

do Lucílio Gomes, e criação da trilha sonora com Daniel Morais e Marçal Maciel,

iluminação com Felipe Cosse e Frederico Almeida.

Dentro da proposta inicial do núcleo de investigação teatral de Montes

Claros estava previsto um trabalho diferenciado da rotina normal diária que seria um

intensivo de aplicação das atividades de criação e de preparação física corporal, com

vivência de grupo até mesmo em atividades domésticas, tendo em vista que tal

intensivo aconteceria em um local distante do centro urbano de preferência um sítio

onde todo o núcleo passaria uns dias isolados somente voltado para o trabalho de

criação. Denominou-se de ―mergulho‖ esta atividade prática. Sobre o mergulho iremos

comentar no próximo item abaixo.

3.4 MERGULHO EM RETIRO

Pré-estabelecidas algumas atividades na realização do mergulho, cada ator

tinha tarefas a executar no período de permanência no mergulho. Algumas ações seriam

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resolvidas antes para culminarem no mergulho. Foi estipulado um cronograma a ser

seguido no decorrer das oficinas e das atividades, principalmente equipes de limpeza e

alimentação, além da rotina de trabalho. Especificamente para o mergulho os

participantes teriam que cumprir uma rotina de atividades pré-estabelecidas; incluído

nas atividades as tarefas cotidianas de preparação de alimentação, horários de refeições

e paralelo a elas o conteúdo específico de treinamento de preparação dos atores,

buscando uma maior concentração e envolvimento do grupo no processo de formação,

criação e maturação individual e coletiva. Nas manhãs, tardes e noites onde todos os

integrantes tinham de cozinhar, fazer atividades domésticas e executar as atividades do

cronograma diário como um centro de estudos e treinamento intensivo.

Após esta convivência com o grupo dentro do mergulho, como integrante e

participante, tive a experiência de vivenciar a evolução dos atores e o desenvolvimento

de um espírito de coletividade completamente diferente das experiências já vivenciadas

por mim. Inicialmente passamos por um período de adaptação, cada um trazendo na

bagagem manias, costumes, hábitos que são compartilhados e ao mesmo tempo moldar

e condicionar ao coletivo que em pouco tempo encontra um ponto comum de

convivência de grupo, crescimento pessoal e intelectual de um grupo de pessoas em

busca de um objetivo único, resultado construído passo a passo dentro de um processo

até então novo e curioso de criação coletiva. Como nos traz Peixoto(2002):

Um grupo com identidade forte e com disposição para mergulhar sem receio

no desconhecido, ávido de desenvolver uma pesquisa de criação nos mais

diferentes níveis, certamente sentirá, em algum instante de sua existência, o

impulso ou mesmo a necessidade de partir de textos ou roteiros, seja qual for

a temática escolhida ou o tipo de diálogo e participação social visado,

elaborados por ele mesmo, enquanto coletivo que possui sua inquietações

estimulantes e mesmo suas divergências produtivas. [...] certamente quanto

mais amplo for o exercício coletivo da criação, mais surpreendente e

fascinante poderá ser o resultado final. (PEIXOTO, 2002, p. 246).

Este envolvimento do grupo foi fundamental como mostra Peixoto (2002),

houve uma grande transmissão de conteúdo artístico teórico e prático desvendando

vários aspectos particulares que na busca do aprimoramento o ator tem que transpor até

atingir a maturidade artística de relacionamento de grupo e entendimento do coletivo.

Percepção do corpo no espaço, concentração e domínio de impulsos; exercitar sua

memória interna mental e corporal organizando seus reflexos, impulsos e informações

na criação de imagens artísticas do processo. Em toda experiência vivida no período de

internato, presenciei o surgimento de várias propostas de criação artísticas que eram

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trazidas pelos atores envolvidos nas suas buscas individuais. Ao presenciar situações de

intimidade emocional o laço de cumplicidade entre os envolvidos no processo

aumentava.

Como pesquisador participante, busquei por várias vezes analisar as

atividades executadas aprofundando percepção de objetivos variados no contexto dos

exercícios aplicados. Cada vez mais emergia a cumplicidade e via-se desnudar a figura

do ator consciente e o sentido puro da essência da criação por meio da emoção da

interiorização de técnicas e caminhos encontrados para aflorar suas indagações.

Experiência única e de certa forma difícil de descrever. Os momentos e as situações que

somente aquelas pessoas que ali compartilharam tem a noção do que estava envolvido,

do que reverberava de resposta àquelas cenas, àqueles movimentos, situações e emoções

até momentâneas mas reais na sua essência de execução, efêmeras situações mas

construídas através do envolvimento coletivo consciente e de cumplicidade e confiança

por conseqüência de todo o conjunto de ações construídas para se propiciar esta

condição. Quando a Cia Acômica propõe o envolvimento de todo o grupo nas práticas

executadas no momento de treinamento, busca-se um maior entrosamento, essa prática

age na concentração e atenção de todos ao grupo e desses com cada um. Este estar junto

é de fundamental importância para o trabalho do coletivo como ressalta Teixeira (2007):

[...] Esta noção de ―estar junto‖ é essencial para o ator e para a coesão de

uma obra, pois os atores atuam com seus parceiros, com o espaço, com os

objetos e as luzes. Eles precisam dessa consciência que os liga às coisas. O

treinamento também traz noção de que o trabalho do ator não se concentra na

apropriação psicológica de um papel, mas em sua apropriação física. No que

tange à coesão do grupo, o treinamento estabelece uma linguagem cênica

comum e fortalece a cumplicidade. (TEIXEIRA, 2007, p. 75).

O estar junto se faz primordial, como nos traz Teixeira (2007) que acima,

vem reforçar o fato de se concretizar uma confiança mútua entre aqueles atores, que por

um determinado período sentiam-se unidos, pura e unicamente ligados, pelo objetivo

maior da criação cênica, os levou, a cada instante, a se limpar das confusões e sujeiras

individuais, para encontrarem a segurança e a confiança de um grupo, um corpo, um

todo. Uma intimidade própria e desnuda de preconceitos para que neste corpo preparado

e estimulado, pudéssemos colocar informações e componentes de um futuro a ser

idealizado. Esta experiência do mergulho me levou a entender e descobrir de uma forma

mais próxima as dificuldades e limitações do grupo, problemas comuns como

relacionamento, humildade, compreensão, paciência, defeitos e qualidades que só

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poderiam ser elucidadas por uma prática desta natureza. O estar junto nos proporcionou

esta vivência que instintivamente nos traz a ajuda mútua de aproximação como nos traz

Mafessoli (1998, p. 37) ―[...] sentido pleno ao termo ‗ajuda-mútua‘. [...] não remete,

apenas, às ações mecânicas, que são as relações de boa vizinhança. [...] perspectiva

orgânica em que todos os elementos, por sua sinergia, fortificam o conjunto da vida. [...]

querer viver social.‖

Isso nos levou a aprender a conviver com as diferenças e trabalhar

respeitando o tempo de cada um, conciliando também o objetivo do todo, que vem a ser

o trabalho de grupo. Retornando do mergulho ainda molhados metaforicamente de

tanto trabalho e vontade de criar, com sentimento de realização e maior cumplicidade de

grupo, foi fundamental e necessária a proximidade que presenciamos no desenrolar do

processo de criação do núcleo. A cada etapa de execução, ficava evidente para o núcleo

de investigação a forma de trabalho construída pela Cia Acômica que a partir disso ou

desse momento, mostra sua identidade teatral. Com uma metodologia ligada aos

objetivos e ideais do grupo, começamos a entender a necessidade de se falar a mesma

linguagem e estarmos abertos e prontos para receber e processar as informações. Iremos

abordar no próximo capítulo os frutos que colhemos ao tecermos tais ações.

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4 PROCESSO DE CRIAÇÃO EM COLETIVO - TECENDO AÇÕES E

CRIANDO CENAS

Começamos a perceber, durante a abordagem metodológica aplicada pela

Cia Acômica, no desenvolvimento das atividades diárias do núcleo de investigação, que

elas muito se assemelhavam ao trajeto de práticas assimiladas pelas Cia durante toda

sua caminhada. Estava nítido o reflexo da elaboração das suas ações metodológicas com

baseadas no conhecimento adquirido em anos de trabalho, com muitos colaboradores e

artistas ligados ao trabalho coletivo de criação, característica atual do movimento de

teatro de grupo.

Fundamentando a criação coletiva Patrice Pavis nos traz no Dicionário de

teatro (2011):

[...] Esse movimento está vinculado à redescoberta do aspecto ritual e

coletivo da atividade teatral, ao fascínio dos que fazem teatro pela

improvisação, pela gestualidade liberada da linguagem e pelas formas de

comunicação não-verbais. Reage contra a divisão do trabalho, contra a

especialização e contra a tecnologização do teatro, fenômeno sensível a partir

do momento em que os empreendores de teatro passam a dispor de todos os

meios modernos de expressão cênica e a apelar mais para operários

―especializados‖ que a artistas polivalentes. (DICIONÁRIO DO TEATRO,

2005, p. 79).

Este fascínio recorrente nos grupos atuais fez com que a Cia Acômica em

contato com outros grupos nos muitos encontros e trocas chegasse à elaboração

específica de uma metodologia própria do trabalho de pesquisa e investigação da cena

teatral. [...] Hoje em dia esse método de trabalho é freqüente no teatro de pesquisa, mas

ele exige, para estar à altura de seu objetivo, alta qualificação e polivalência dos

participantes [...] (DICIONÁRIO DO TEATRO, 2011, p. 79). Passei por muitos

processos de criação durante minha trajetória artística, em várias áreas das artes como

dança clássica e contemporânea, e, no teatro, convivi com vários diretores, diferentes

em relação a formas metodológicas de atingir o objetivo final dos trabalhos de criação,

do espetáculo, e também com atividades de criação coletiva que, a princípio,

instintivamente, utilizavam a metodologia dos processos colaborativos dos

movimentos de teatro de grupo contemporâneo. Como nos traz (TEIXEIRA, 2007, p. 67

) ― [...] A formação é a chave das experiências teatrais mais significativas e está sempre

ligada a um mestre.‖ Na caminhada da Cia Acômica muitos foram os mestres que

contribuíram para a formação desses atores pedagogos, quando trazemos a abordagem

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metodológica da Cia Acômica, este processo foi criado e idealizado durante toda a

trajetória desse grupo como nos relata Lerro (2007):

O percurso dessa pedagogia apropriada à formação de atores, esse caminho

‗misterioso‖, ou seja, a arte do ator, tornou-se nosso campo de pesquisa a

partir do contato direto com realidades e mundos diversos, como, por

exemplo, oficinas para grupos teatrais e atores profissionais, atores jovens,

atores inseridos em projetos sociais e escolas que adotam o teatro como

forma/expressão artística. [...] a participação do grupo, em 2003, no projeto

Cenário do Centro Cultural da UFMG, Laboratório de Performance, da

Escola de Belas-Artes, [...] é nessa atividade que o grupo pôde analisar seus

procedimentos pedagógicos. (LERRO, 2007, p. 21,23 ).

Como ressalta Lerro (2007) foi justamente o contato de parceria com a

academia que possibilitou a Cia a se estruturar como grupo de característica didático

pedagógica, através da parceria tinha o espaço na Escola de Belas-Artes para ensaiar e

criar seus trabalhos artísticos em contrapartida ministravam oficinas para os alunos do

curso da Escola de Artes Cênicas da UFMG. Assim o grupo foi obrigado a elaborar uma

sistematização do trabalho de criação para oficinas e cursos. Fase importante para o

crescimento do grupo tanto na pedagógica como na divulgação de sua metodologia,

como afirma Lerro (2007):

[...] ali, naquela sala [...] revisitamos nosso percurso pedagógico: estruturas

de condução e posturas do pedagogo-ator. Com essa experiência

conseguimos definir um processo dinâmico onde se podia perceber a linha de

pesquisa do grupo, as técnicas utilizadas no treinamento corpóreo do ator e o

seu sistema de criação de personagens, baseado em improvisações e na

observação [...] Hoje, é esse percurso pedagógico que o grupo adota na

condução das oficinas teatrais. (LERRO, 2007, p. 23 ).

Esta sistematização metodológica que nos relata Lerro (2007), e que

tivemos contato durante todo o processo do núcleo de investigação teatral de Montes

Claros, é que abordaremos no tópico abaixo.

4.1 ABORDAGEM METODOLÓGICA

Após buscar uma sustentação teórica para o fazer teatral que executava,

principalmente na academia, tive contato com a teoria acerca de mecanismos de criação

teatral, que dão uma fundamentação teórica para minhas buscas e registros do processo

que vivenciei e coordenei durante o núcleo de investigação teatral de Montes Claros

idealizado pela Cia Acômica, com enfoque no seu próprio trabalho de criação. No

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decorrer do processo fui identificando várias atividades já vivenciadas por mim em

outros momentos sem ter a formalização teórica de sua execução.

A prática que desenvolvia como coordenador/encenador junto ao núcleo,

principalmente quando os coordenadores da Cia Acômica não se faziam presentes,

apresentava determinadas características em seu modo operacional, que muito

dialogavam com as teorias sobre o movimento de teatro de grupo no Brasil, no que se

refere ao processo colaborativo de criação. Primeiramente há um sentido teórico em

relação a este encontro de pessoas ligadas ao objetivo comum do fazer teatral. Assim o

teatro de grupo, segundo Fernando Peixoto, tem suas especificidades:

Forma de convivência ético e responsável, de permanente debate livre e

democrático de idéias e propostas, centro coletivo de exercícios e buscas, a

reunião de homens de teatro num esforço comum de sobrevivência e

realização, por um mesmo ideal, fundamentado num mesmo projeto artístico

e/ou ideológico, tem sido também a mais correta e conseqüente maneira de

organização administrativa. (PEIXOTO, 2002, p. 244).

Peixoto (2002) esclarece aqui um sentido fundamental no teatro de grupo no

coletivo e compartilha também com outros pesquisadores como já relatado em capítulo

anterior, pelo professor Fernando Mencarelli sobre a Cia Acômica, que busca a

experiência de uma criação partilhada, trabalha com um diálogo permanente entre os

atores, diretores, dramaturgos e outros participantes dos processos na escrita e reescrita

das cenas sendo uma característica das montagens da companhia, renovando a

dramaturgia em curso na cena contemporânea brasileira. Entretanto, percebi que a

prática deste coletivo do qual fiz parte também apresentava propriedades particulares.

Deste modo senti-me desafiado a aprofundar o trabalho de busca de uma pesquisa

teórico-prática, no qual articularia os saberes da teoria específica da área com a geração

de conhecimentos a partir do que observava como participante do trabalho desenvolvido

no núcleo de investigação. Este trabalho de pesquisa teórico vinha aparecendo nos

momentos de aprofundamento da investigação de cada técnica identificada entre as

práticas executadas na rotina do grupo. Desta forma surge a Biomecânica de Meyerhold,

Mímica Corporal de Etienne Decroux, Máscaras Balinesas com o Amok Teatro com

Stephane Brodt, a influência da Capoeira Angola e Dança Moderna de Isadora Duncan,

com o Professor Geraldo Vidigal.

Este desafio implicou na construção de uma análise metodológica da prática

cênica e de criação que estava sendo aplicada no núcleo de investigação teatral, pela Cia

Acômica acompanhada por mim, este desafio levou-me a tentar sistematizar o modo

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como a Cia vinha gerindo seus trabalhos nos núcleos de investigação teatral da Rede

Teia nas várias cidades daquela versão do projeto em 2008, especificamente no núcleo

de Montes Claros, no qual estava por surgir o espetáculo Exercício nº 1 sobre

catrumano.

Apreensão e receio tomaram conta de mim, pois, a princípio, ainda não

tinha assumido tal responsabilidade até então. Agora tínhamos um prazo e um objetivo

a atingir. Sem experiência, mas com muita força de vontade começamos a trabalhar e

logo me vi envolvido em um processo que ficaria marcado para sempre na minha

experiência de vida profissional no fazer teatral. Aquela proposta vivenciada por mim e

pelos integrantes do núcleo veio sendo construída, por meio de um processo mútuo de

colaboração de pessoas, artistas dedicados e decididos em executar e realizar um

objetivo comum de doação e de comprometimento. Peixoto (2002) vem novamente

reforçar com suas palavras o significado deste estado de colaboração, esta necessidade e

nos esclarece que:

Teatro de grupo é sem dúvida a forma de organização mais vigorosa e

produtiva como processo de investigação, transformação e criatividade

cênica. Um coletivo de trabalho é a única fonte rigorosamente penetrante e

estimulante, capaz de aprofundar um projeto artístico de forma a mantê-lo

permanentemente inserido na vida social e no constante confronto com a

realidade, sem que perca sua capacidade de reinventar-se a si mesmo, de

pesquisar linguagens inesperadas e diversificadas. (PEIXOTO, 2002, p. 243).

Realmente temos que concordar com Peixoto (2002) quando diz acima

sobre a forma penetrante e estimulante do coletivo, pois trabalho nesta pesquisa com

reflexões que estão no campo de uma arte coletiva, com procedimentos de criação

cênica coletiva e de processo de criação sem textos pré-estabelecidos, sem esboço, sem

arquitetura prévia, somente a experiência trazida de cada um independente de sua

trajetória, somente a vivência individual compartilhada, e então tínhamos somente a

convivência do grupo com suas experiências de vida.

A ideia de espetáculo começa a mexer com o grupo, começávamos a

experimentar improvisações de vivências individuais diversas. Tivemos muitos

exemplos e experiências variadas com proposições interessantes que foram

catalogadas, arquivadas e memorizadas pelos seus atores criadores para um futuro

trabalho de relato coletivo e exercício de dramatização. Essa Atividade era recorrente no

trabalho da Cia Acômica como especificado no tópico de montagens de espetáculos no

momento de observação e improvisações para montagem do espetáculo As Criadas.

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Nas demandas e anseios surgidos no núcleo, iam ficando evidentes as

inquietações dos integrantes, as necessidades de criação e como meio de processos

criativos mais recorrentes nos grupos brasileiros foi a criação coletiva que possibilitava

ao coletivo dizer o que ele queria dizer. Tendo uma característica de horizontalidade da

produção, da autoralidade do espetáculo, todos os artistas são criadores dos elementos

de cena e as funções artísticas e especialidades são esquecidas dando ao resultado uma

liberdade de expressão do coletivo gerada pela pluralidade do coletivo grupo. Em

relação à arbitrariedade de encenadores em outros métodos Patrice Pavis nos revela na

criação coletiva o contrário sendo que:

[...] Quando muito, no final do processo, o dramaturgo (no sentido técnico de

conselheiro literário e teatral) ou o líder do grupo (animador) pode dar sua

opinião sobre o material trazido pelos atores, reagrupar e comparar os

esboços narrativos, até propor princípios de encenação decididos de acordo

com a maioria. A dinâmica do grupo e a capacidade de cada um de

ultrapassar de sua visão parcial serão determinantes para o bom termo da

empreitada coletiva. (DICIONÁRIO DO TEATRO, 2005, p. 79).

Já na década de 1990 se torna recorrente nos grupos brasileiros a

sistematização do modo de criação conhecido como processo colaborativo de criação,

que se diferencia da criação coletiva por conceber a participação dos membros de um

grupo em criação como colaboradores e não como criadores autônomos como na

criação coletiva. Consideremos o conceito de processo colaborativo do Dicionário do

Teatro Brasileiro (2006):

Processo contemporâneo de criação teatral, com raízes na criação coletiva,

teve também clara influência da chamada ―década dos encenadores‖ no Brasil

(década de 1980)‘bem como do desenvolvimento da dramaturgia no mesmo

período e do aperfeiçoamento do conceito de ator-criador. Surge da

necessidade de um novo contrato entre os criadores na busca da

horizontalidade nas relações criativas, prescindindo de qualquer hierarquia pré-

estabelecida, seja de texto, de direção, de interpretação ou qualquer outra.

Todos os criadores envolvidos colocam experiência, conhecimento e talento a

serviço da construção do espetáculo de tal forma que se tornam imprecisos os

limites e o alcance da atuação de cada um deles, estando a relação criativa

baseada em múltiplas interferências.

O Texto dramático não existe a priori, vai sendo construído juntamente com a

cena, requerendo, com isso, a presença de um dramaturgo responsável, numa

periodicidade a ser definida pela equipe. (DICIONÁRIO DO TEATRO

BRASILEIRO, 2006, p. 253).

Quando recorremos ao princípio fundamental da criação coletiva que é a

descentralização e extinção das funções artísticas na criação coletiva, os artistas

trabalham em um grande conjunto harmônico que pressupõe a falta de assinatura, ou

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uma única composta de várias assinaturas. Na criação colaborativa, a autoria, o discurso

central do espetáculo é fundado pela pluralidade, mas a permanência das funções

artísticas faz com que apareça a autoria de cada função, encenação, texto dramático,

cenografia, iluminação, figurino, etc. Segundo a pesquisadora Rosyane Trotta, depois de

virtualmente desaparecer dos palcos durante o período de 1980 e 1990, a criação

coletiva gerou frutos. O processo colaborativo marca o retorno a vários elementos

constitutivos dessa prática de criação coletiva: dramaturgia em aberto, longos percursos

de elaboração e sistema de coletivo. Ao fazer um paralelo entre a criação coletiva e a

criação colaborativa, a pesquisadora propõe um quadro relacional entre os dois modos

de criação, e estabelece aproximações e diferenças, como pode ser observado a baixo:

Tabela: Tabela Relacional sobre Criação coletiva e Criação Colaborativa por Rosyanne Trotta.

Criação Coletiva Processo Colaborativo

O texto não existe antes do processo. O texto não existe antes do processo.

Os atores e o diretor elaboram em conjunto a concepção, a

construção e a produção do espetáculo.

Os atores participam da construção do espetáculo.

Elimina-se o autor dramático como função específica e

especializada.

Insere-se o escritor no processo de criação como função

específica e especializada.

O ponto de partida para a experimentação cênica é a

proposta criada pelo grupo.

O ponto de partida para a experimentação cênica e para a

criação do texto é o projeto apresentado pelo encenador.

O texto emerge da cena. O texto é construído em diálogo com a cena.

As escolhas ligadas ao texto cabem aos atores e ao diretor. As escolhas ligadas ao texto cabem ao escritor.

Texto e cena são instâncias indissociáveis. Cabe ao diretor e ao escritor estabelecer a forma

como se opera o diálogo entre o texto e a cena.

O grupo se forma por afinidade entre os participantes e as

funções se estabelecem no processo.

O grupo se forma por afinidade com o projeto, cada

integrante tendo sido convidado pelo diretor a ocupar

determinada função.

Campo autoral coletivo, unidade. Campo autoral plural, hibridismo.

(TROTTA,2006,p.161)

Segundo a pesquisadora, a criação coletiva, embora tenha emergido de um

contexto histórico específico, não se restringe ao passado, sendo praticada ainda hoje

por grupos cujos integrantes se responsabilizam não apenas pela cena, mas pelo projeto

e sua continuidade. Pode-se considerar que o engajamento e a continuidade necessária a

esta modalidade teatral exigem uma relação estreita entre o teatro que se pratica e os

valores que orientam a vida pessoal do artista. Ela relata que entrevistas com diretores e

atores mostram duas variações de respostas para a origem desta ausência: de um lado,

os atores apontam a tendência de centralização do diretor em relação a todas as opções

que dizem respeito à obra, informando que a função do diálogo não abrigaria de fato

uma instância decisória, mas apenas uma espécie de ouvidoria; de outro lado, diretores

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apontam a tendência de alienação do ator em relação a todas as instâncias que fogem ao

âmbito do personagem e de seu espaço na obra.

O efeito daquilo que chamamos ausência do coletivo, sobre o processo

colaborativo, produz uma configuração da autoria muito distinta daquela encontrada na

criação coletiva, uma vez que, pela falta de identidade entre os participantes, recai sobre

o encenador a tarefa de fabricar o coletivo autor. Seria uma modalidade que procura

conjugar ao mesmo tempo individualismo e pluralidade. Sua principal utopia estaria

expressa no papel preponderante conferido ao diálogo entre os sujeitos na tentativa de

exercitar o consenso na ausência de condições propícias para gerar uma identidade

coletiva. Não sendo por acaso que o processo de criação conjuga texto e cena, hoje

disseminados entre os mais diversos grupamentos teatrais, mesmo entre aqueles que não

pretendem ser ou se tornar grupo.

Talvez por terem vivenciado várias experiências com os processos acima

discutidos foi que a Cia Acômica trouxe uma tendência própria de criação que utiliza-se

das metodologias aplicadas, tanto nos grupos os quais tiveram contato, como aos seus

próprios princípios metodológicos tendo uma longa caminhada de experimentações e

resultados para balizarem sua prática, metodologia a qual tentarei nesta pesquisa

registrar e analisar.

Enveredando em uma pesquisa autoetnográfica25

, sendo pesquisador e

integrante, sujeito colaborador e participante do processo em que abordo e gero uma

investigação sobre um objeto de estudo do qual, juntamente com os integrantes do

núcleo de investigação, compartilhamos da criação e resultado do trabalho: Exercício nº

1 sobre Catrumano, que por sinal seu percurso de criação é o objeto de estudo. A

pesquisa empreitada por mim nesta dissertação é resultado de uma parceria entre a

Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes – e a teoria e experimentação da

prática teatral desenvolvida pela Cia Acômica no âmbito do Projeto Rede Teia/2008, na

qual, por meio do desenvolvimento desta práxis prática da Cia junto ao núcleo, implicou

na articulação de dois procedimentos: o de experimentação e o de geração de

conhecimentos, ou seja, investigação acadêmica e criação artística.

Esta geração de conhecimento e procedimentos investigativos, aliados ao

fazer espetacular, específicos e advindos de um procedimento de encenação, só foi

25

Pesquisa auto etnográfica ocorre quando o pesquisador executa o trabalho de pesquisa e ao mesmo

tempo participa do objeto pesquisado, ou seja, pesquisa participante sendo agente e sujeito.

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possível pela especificidade do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da

Universidade Federal da Bahia - UFBA, que nos permite, enquanto pesquisadores,

através dos seus programas, o empreendimento do trabalho científico na área específica

de Artes Cênicas. Como coordenador local, pesquisador e encenador, estando à frente

do núcleo de investigação juntamente com os integrantes da Cia Acômica, adotei

algumas ações a serem executadas no decorrer das atividades do núcleo, principalmente

para que ao longo do processo como pesquisador e responsável local tivesse o empenho

na aplicação das práticas metodológicas e ao trabalho de registro de todo o processo de

rotina e montagem. Buscando um paralelo ao trabalho da Cia Acômica, vimos que os

mesmos anseios e dificuldades foram vivenciados pelos seus integrantes,

principalmente próximo a criação de sua metodologia de trabalho quando em parceria

com a UFMG no projeto Cenário. O eixo fundamental do trabalho se caracterizou pela

análise dos procedimentos de criação do espetáculo e preparação dos atores, em

concomitância com a criação final do núcleo.

Esta sistematização de pesquisa teórico-prática, tem se tornado cada vez

mais recorrente na área de artes cênicas, buscando com frequência metodologias e

ferramentas que dêem conta da natureza e das demandas do seu campo de atuação. Os

procedimentos de tal pesquisa nos colocam em contato com dificuldades de volume de

trabalho, gerir e registrar sendo ele o pesquisador objeto e sujeito do estudo, tudo

somado às demandas de investigação imposta pela escrita e sistematização dos

conhecimentos da prática artística. Outra dificuldade do pesquisador é o distanciamento

do seu objeto de estudo, evitando uma influência, pois é o estranhamento que

possibilita, em princípio, uma análise e uma escritura acadêmica adequada.

Este tipo de pesquisa experimental gera um enobrecimento, fundamenta os

saberes cênicos do coletivo teatral estudado. O objetivo primeiro do núcleo de

investigação teatral seria o surgimento de um grupo teatral através da vivência prática

ora estabelecida pela Cia Acômica. A conclusão desse processo foi fundamental para

que o coletivo entendesse melhor a própria prática e o que estava em torno do trabalho

do núcleo que gerou como produto o espetáculo Exercício nº1 sobre Catrumano, em

sequência a consolidação do Grupo Teatral Catrumano, através do núcleo de

investigação teatral de Montes Claros.

Na coleta de dados e registros para esta pesquisa, ficamos nós, integrantes

do núcleo de investigação teatral de Montes Claros, em um longo e cansativo trabalho

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de preparação de atores e processo de criação, até chegar à fase de dramaturgia, na qual

escolheríamos a linha temática do trabalho final. Todo processo durou oito meses, de

fevereiro a setembro de 2008. Tivemos vários registros nesta primeira fase de trabalho

de campo, que foram importantíssimos para análise do trabalho executado pela Cia

Acômica, várias anotações e registros fotográficos que auxiliavam na continuidade dos

trabalhos, sendo que como pesquisador e coordenador local do núcleo de investigação

teatral, após os integrantes da Cia Acômica repassarem as atividades e seguirem para

outros núcleos do projeto Rede Teia, entrava em cena a figura do coordenador local,

assumindo a direção e coordenação do núcleo na execução das atividades e registros das

propostas de dramatizações dos atores envolvidos no processo.

O registro das atividades, na maioria das vezes, era feito em um diário de

bordo, e em outros momentos em atividades escritas pelos integrantes do núcleo e

recolhidas por mim para arquivo e repasse para o dramaturgo. Os integrantes da Cia

Acômica também faziam seus registros, na maioria das vezes, para o auxílio no trabalho

de montagem da dramaturgia, além de manter uma rotina de atividades físicas e de

criação com improvisações que fazia parte do processo de preparação do ator, para o

exercício do fazer teatral, a forma adotada de trabalho da Cia na condução dos núcleos

dentro da Rede Teia.

Retomo aqui novamente um reflexo do trabalho de criação utilizado pela

Cia Acômica quando na montagem de Lusco Fusco ou tudo muito romântico, onde

Lerro (2007) nos relata:

[...] Novamente, as cenas foram criadas a partir das improvisações dos atores,

mas desta vez com a presença de um dramaturgo, [...] responsável pela

escrita dos diálogos. Toda a improvisação era registrada e depois reelaborada

para ser utilizada em cena. Os atores improvisavam livremente sobre um

tema ou uma música [...] (LERRO, 2007, p. 21)

A prática acima citada por Lerro (2007), atividade executada pela Cia

Acômica em seus processos de criação, se via refletida no núcleo de investigação

através das práticas executadas. Como o núcleo tinha em seus integrantes acadêmicos

de várias cidades do Norte de Minas e dos arredores de Montes Claros, nas

improvisações de histórias, contos e causos das experiências de cada um, muitos fatos

interessantes ligados ao ser interiorano do Norte de Minas começavam a surgir.

Há registros de fotografias que auxiliam no processo de evolução e

continuidade das ações e fases de criação e ainda material áudio-visual, como vídeos de

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exercícios usados como exemplo para análise e execução correta, principalmente nos

momentos em que não tínhamos ninguém da Cia Acômica para auxiliar na correção.

Imagem: Foto de Leonardo Alves, agosto de 2008, sala 52,

Centro de Ciências Humanas, Universidade Estadual de

Montes Claros, Minas Gerais. Na foto: da direita para

esquerda: Tarciane, Nelson Bambam, Ana Flávia, Gabriel

Sanches, Soraia Santos, Tatiane Teles e Dayane. Oficina de

cenário e figurino.

Existem também registros de vídeos de encenações improvisadas para o

auxilio na marcação de ações físicas, registro de atividades executadas nas oficinas de

montagem de cenário, figurino, iluminação e até mesmo dramaturgia nos exercícios

cênicos com os roteiros de criação de cenas.

Vários roteiros foram feitos no decorrer do processo para a montagem e

criação do texto final assim como a elaboração de textos e sinopses distintas, utilizado

como material para compor a dramaturgia e narrativa do espetáculo. Também foram

feitos croquis de várias sugestões de cenário e figurinos, além de elementos da cena

como adereços, maquiagem, mapa de luz além de documentos diversos, arquivos de

toda ordem como catálogos, livros, registros de experimentos, material gráfico, e-mails,

textos, sons, músicas trabalhadas, imagens e informações da pesquisa referencial;

rascunhos, fotografias, roteiros de cena rasurados, recortes de jornais, etc.

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Imagem: Foto de Leonardo Alves, agosto de 2008, sala 53 B, Centro de Ciências Humanas,

Universidade Estadual de Montes Claros, Minas Gerais. Na foto: croquis da Oficina de cenário e

figurino.

Como atividade recorrente nos núcleos de investigação teatral da Rede Teia,

ao final das apresentações do resultado final de cada núcleo, fazia-se um debate com o

público acerca do tema e do processo com pessoas da comunidade e pensadores locais

convidados.

Vou ressaltar que meu objeto de investigação, como pesquisador, é o

procedimento de criação utilizado para alcançar o resultado espetacular. Não faço aqui a

descrição e crítica do resultado final, mas sim a descrição do processo criativo da obra;

portanto, tal processo criativo constitui igualmente, meu experimento como

pesquisador, uma tentativa de através de uma pesquisa experimental, fazer um teste da

metodologia de encenação que descrevo e sistematizo no núcleo de investigação teatral

de Montes Claros, que foi concebido por meio de observação participante e da

identificação das ferramentas de criação que são, de maneira recorrente, utilizadas pela

Cia Acômica nos trabalhos executados durante muito tempo nos núcleos de

investigação da Rede Teia desde 2004.

Foram necessários alguns momentos de trabalhos diferenciados, ou seja,

uma divisão de atividades e ações de acordo ao cronograma proposto pela Cia Acômica

a priori para a execução no núcleo investigação teatral de Montes Claros, que a

princípio deu início em suas atividades da seguinte forma: após escolhidos os

integrantes do núcleo em um processo de seleção e esclarecimento de algumas regras

básicas, enfim mãos a obra e execução de atividades práticas com todo

acompanhamento meu e dos integrantes da Cia Acômica.

O objetivo fundamental do primeiro momento com os integrantes do núcleo

foi basicamente um reconhecimento das atividades a serem desenvolvidas; o

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envolvimento e socialização dos resultados das experiências individuais de cada

participante, socializando-as com o grupo nos encontros regulares do núcleo de

investigação.

O processo de socialização e harmonização do grupo foi sendo moldado no

decorrer do processo, que teve início no dia 25 de fevereiro de 2008, uma segunda feira,

na sala 53-C do prédio 2, do Centro de Ciências Humanas - CCH, da Universidade

Estadual de Montes Claros – Unimontes – ficando então durante todo processo como o

nosso laboratório teatral.

No primeiro momento houve a recepção dos integrantes pelo coordenador

da Rede Teia, e Diretor da Cia Acômica Nelson Bam Bam, que esclareceu para todos as

metas a serem atingidas, a relação da Cia Acômica com o projeto Rede Teia, e como

funcionava o trabalho de criação artística na Cia Acômica e que aquilo seria nossa

forma de trabalho, uma vez que eles estariam dando orientação ao trabalho e juntamente

comigo estaríamos caminhando juntos para ao final do processo para realizarmos um

espetáculo como resultado final do núcleo de investigação de Montes Claros. Para

chegar a este objetivo, teríamos muito trabalho e obstáculos pela frente. Começaram a

surgir questionamentos em relação à disponibilidade de horários dos integrantes do

núcleo, como relato anteriormente no capítulo referente à proposta da Cia à

universidade, ficando claro que teríamos de fazer um horário mais acessível e ser um

pouco paciente com alguns por realmente não existirem possibilidades de cumprimento

do cronograma sugerido.

Nelson Bam Bam destacou pontos importantes que constavam no

cronograma, falou sobre as oficinas e critérios de participação nas mesmas, e citou

também alguns profissionais que estariam com o grupo nas respectivas oficinas;

pontuou que iria acontecer o projeto em 07 cidades, e que além dos encontros diários,

teríamos no mínimo dois mergulhos com previsão para o primeiro de 18 a 23 de março;

segundo 22 a 27 julho e talvez um terceiro 04 a 09 de setembro. O mergulho seria como

um retiro para uma área rural (sítio), fora da área urbana onde os integrantes iriam

participar de atividades durante todo o tempo, como um intensivo e também dividindo

tarefas domésticas como cozinhar, lavar louças e com horários de alimentação e tarefas

a serem cumpridas no período do mergulho.

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Imagem: Foto de Antonella Sarmento, junho de 2008, sítio

recanto do sol, Montes Claros. Atividade do mergulho logo

após almoço na foto: Atriz Ana Flávia Amaral em seu ritual.

Os horários de funcionamento das atividades no período do mergulho

aconteceriam pelo período da manhã, tarde e noite com vídeos, documentários, textos e

atividades práticas também sendo trabalhadas no período da noite. A previsão de

término do núcleo de investigação teatral de Montes Claros, com 10 apresentações em

espaço a ser definido nos períodos de (10 a 14) e (17 a 21) de setembro 2008. De trinta

inscritos tínhamos presentes apenas 15 pessoas, todos interessados em continuar até o

final do processo de criação. Muitos inscritos colocaram a vontade de participação

somente nas oficinas específicas, mas uma das especificidades do projeto era a

participação do integrante do núcleo em todas as atividades, sendo que a intenção era

que todas as oficinas teriam o enfoque voltado para a montagem final do núcleo, por

este motivo a exigência da participação de todos no processo como um todo.

Infelizmente tivemos que abrir mão de algumas cobranças para não

desfalcar o elenco do núcleo. Começamos com atividades de preparação física por ser

base de criação do trabalho de investigação da Cia Acômica. No início tínhamos que

gastar um tempo maior até assimilar a dinâmica dos exercícios e a execução correta.

Juntamente com o Nelson Bam Bam, tínhamos a presença do Cláudio Márcio também

integrante da Cia Acômica que repassava os exercícios básicos do cotidiano de

treinamento físico do ator utilizado pela Cia.

Fizemos uma sequência metodológica de exercícios que funcionaria como

uma rotina básica de execução durante todo o processo, onde estaríamos sempre

acrescentando mais elementos e assim criando uma dinâmica de preparação própria do

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grupo. Sempre trabalhei com corpo, utilizava muito exercícios da dança contemporânea,

das técnicas circenses, do próprio balé clássico no qual tive uma vivência e criei através

de alguns exercícios meu roteiro de preparação física diária; assim foi fácil adaptar

alguns exercícios na rotina dos integrantes da Cia Acômica que logo encaixaram os

exercícios e os adaptaram ao trabalho diário do grupo. Neste sentido recorro a Azevedo

(2008) que diz:

Basta o ator ter em mente que sempre haverá resistências a vencer, e que

novas conquistas, em termos de desempenho físico, só serão importantes se

forem assimiladas ao seu crescimento como artista. Não se trata, pois, de

buscar um acúmulo de habilidades, mas de ampliar a linguagem de seu corpo,

integrando os elementos dos cursos realizados, como princípios para uma

pesquisa própria. Importa que amplie os horizontes como artífice do

movimento no teatro. (AZEVEDO, 2008, p. 162).

Essa consciência citada por Azevedo (2008) me fez refletir sobre meu

trajeto por caminhos da preparação corporal e que aqui se trata de um ponto interessante

de abordagem, pois tentam agregar aos conhecimentos outras formas de trabalho físico

levando assim a uma característica mais próxima do grupo local. Assim continuamos

fazendo e aprendendo o dia a dia do fazer teatral e da convivência de grupo, começava

ali a experiência de construir um trabalho artístico juntos, uma troca, uma doação uma

prática de criação coletiva, um trabalho de grupo, sendo que cada um começava a

conviver com as diferenças e dificuldades do outro, limites e possibilidades uma

oportunidade única pra mim como pesquisador e participante.

Imagem: Foto de Leonardo Alves, agosto de 2008, sala 53 C,

Centro de Ciências Humanas, Universidade Estadual de

Montes Claros, Minas Gerais. Na foto da direita para esquerda:

Leonardo Alves, Antonella Sarmento, Mônica Mesquita,

Soraia Santos, Tarciane Figueró, Ana Flávia, Rejane Santos,

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Tatiane Teles e Gustavo. executando exercício de Biomecânica

Atirando a pedra.

Durante as atividades desse primeiro momento, tínhamos também após a

prática física, um momento de teoria sobre o trabalho no qual estávamos atuando. Esse

era o cotidiano de uma companhia teatral, consciente do seu papel de responsabilidade

na arte do fazer teatral que necessita de um aprimoramento contínuo. A Cia Acômica

traz no seu dia a dia a prática corporal como ponto fundamental do seu trabalho de

criação como nos relata Santos (2007):

Elegeram, como instrumento dessa formação, o aprimoramento da expressão

do corpo do ator. Elegeram também, na escolha das técnicas que servem de

base para o treinamento, explorar elementos técnicos abertos, como a

capoeira, a biomecânica e a mímica corporal dramática. [...] Nas técnicas

escolhidas, a expressão do ator não é um fim, mas um meio, um instrumento

para a constituição da linguagem espetacular. (SANTOS, 2007, p. 57).

Através da escolha das técnicas vivenciadas na sua trajetória, como ressalta

Santos (2007), a Cia Acômica escolheu aquelas que consideravam primordiais ao seu

trabalho e a partir delas elaborou uma apostila contendo um material riquíssimo sobre a

biomecânica de Meyerhold, mostrando a sua cronologia e alguns textos de reflexão de

Etienne Decroux e Jacques Copeau. Nos momentos de teoria sobre as práticas

discutíamos muito sobre os textos, eles nos ajudavam a compreender melhor o porquê

de defender determinada técnica, porque era importante a prática da biomecânica, onde

ela se parecia com a capoeira angola, por que Etienne Decroux dizia ―O ator deve ser

um artista total, mestre de sua arte, detentor absoluto do controle de seu instrumento de

expressão: o corpo.‖(TEIXEIRA, 2007, p.70). Começamos a entender a prática teatral

da Cia que tem como base a preparação corporal do ator, e que quanto importante era

entender os princípios das técnicas ali vivenciadas, um trabalho de consciência corporal,

improvisações corpóreas conscientes e estruturadas.

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Imagem: Foto de Leonardo Alves, agosto de 2008, sala 53 C,

Centro de Ciências Humanas, Universidade Estadual de

Montes Claros, Minas Gerais. Na foto da direita para esquerda:

Leonardo Alves, Antonella Sarmento e Soraia Santos.

executando exercício condicionamento físico.

Durante todo o momento de prática dos exercícios havia uma preocupação

em executá-los e ao mesmo tempo assimilar para repassá-los após os deslocamentos dos

membros da Cia para os outros núcleos de investigação e também trabalhar o registro

destes recursos metodológicos de preparação físico corporal do ator.

Nossa rotina era estruturada da seguinte forma: o início com o alongamento

geralmente iniciando no plano baixo, trabalhando pernas e quadril, costas e coluna com

exercícios de espreguiçamento como ―gato‖, em cima e baixo, direita e esquerda

buscando o entendimento do controle do cóccix; abdominal e logo após flexões de

braço; rotação de punhos; exercícios de apoio utilizando agachamentos e paradas de

mão como na capoeira angola sempre com transferência de peso, locomoção no espaço

e equilíbrio ao mesmo tempo.

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Imagem: Foto de Leonardo Alves, agosto de 2008, sala 53 C,

Centro de Ciências Humanas, Universidade Estadual de

Montes Claros, Minas Gerais. Na foto: Antonella Sarmento,

executando exercício de parada de mão de capoeira angola.

Logo após, fazíamos o trabalho de correção postural utilizando as cinco

posições que em suas execuções existem algumas peculiaridades. A partir de iniciar a

sequência das cinco posições temos que passar por todas por um determinado tempo de

permanência em cada uma em mais ou menos três minutos, elas são executadas da

seguinte maneira:

A primeira posição, pés paralelos com a mesma abertura dos ombros,

relaxa-se o tronco deixando descer até embaixo, os braços ficam soltos na lateral e

somente deve se colocar a mão direita no cotovelo esquerdo e a mão esquerda no

cotovelo direito, a cabeça fica relaxada, é feita uma pequena flexão nos joelhos, um

pequeno desequilíbrio para frente, onde se tira os calcanhares do chão, sutilmente,

deixando um espaço de forma que possa passar uma folha de papel por baixo deles, ao

mesmo tempo faz-se força com o cóccix para cima como se fosse empurrar o teto sem

esticar as pernas, elas ficam o tempo todo flexionadas, a intenção da atividade é manter

esta tensão em todo o desenvolvimento do exercício, que começa a contar o tempo após

a pessoa estar completamente pronto ao fazer a força de empurrar o teto.

Após o tempo executado relaxa-se um pouco, somente o necessário para

passar para a próxima posição, a segunda, que se posiciona juntando os pés, e mantêm-

se as pernas flexionadas, só que agora se abre os joelhos e os mantêm afastados durante

a execução da segunda posição; o tronco é mantido elevado até ficar paralelo com o

chão e a cabeça também no alinhamento, como se as costas fossem uma tábua reta da

cabeça ao cóccix, os braços vão para a lateral do corpo, esticados com a palma das mãos

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voltadas para cima e o dedos relaxados, a intenção de força e a mesma anterior de

empurrar o teto com o cóccix mantendo os joelhos afastados e o desequilíbrio para

frente como se passasse uma folha por baixo dos calcanhares, começasse a contar o

tempo após entrar na posição corretamente e começar a fazer a força.

Passando agora para terceira posição também com o mesmo cuidado de não

perder a concentração na transição de uma para outra, agora se relaxa e abaixa-se o

cóccix, ficando com as pernas flexionadas até que as plantas dos pés fiquem toda no

chão, depois se juntam os pés e joelhos colados uns nos outros, os braços relaxados na

lateral do corpo com as mãos embaixo das coxas encostadas no chão relaxadas, a ideia

de força agora é imaginar um fio puxando o centro da cabeça para o teto e ao mesmo

tempo tentando deixar os joelhos grudados, quando estiver na posição pode-se começar

a marcar o tempo.

Para a quarta posição esticam-se as pernas mantendo juntas as mãos e

relaxadas repousando em cima das coxas com palmas voltadas para cima, coluna reta e

com a mesma intenção de alguém puxando o centro da cabeça para o teto, só que a força

agora direcionada para tentar tirar os calcanhares do chão como se alguém puxasse seus

dedos dos pés, da mesma forma quando na posição pode-se começar a contar o tempo.

Na quinta e última posição de correção postural, para se posicionar relaxa-

se o corpo, deita-se o tronco ao chão devagar, ao mesmo tempo elevam-se as pernas,

aproximadamente em um ângulo de 45 graus do chão, ainda com joelhos flexionados,

agora pernas com a abertura dos ombros, braços na lateral do corpo relaxados, a ideia de

força seria manter os joelhos flexionados e tentar empurrar o teto com os calcanhares

fazendo força para cima, sem com isso esticar as pernas e a intenção de puxar os dedos

dos pés para trás, esta força durante toda execução da posição e como as outras começa

há contar o tempo quando estiver pronto na posição correta. Lembrando que o tempo

tem que ser o mesmo para todas as posições e a mudança de uma para a outra tem que

ser concentrado e o mais rápido possível.

Refletindo sobre a importância da preparação físico corporal do ator para a

cena retomamos na trajetória da Cia Acômica o árduo trabalho de construção de sua

metodologia de criação, passando por tantas experiências corporais. Azevedo (2008)

relata sobre o trabalho de corpo do ator:

[...] é um participante ativo na formação integral do ator. Ele oferece, sem

dúvida, uma instrumentalização técnica básica; há coisas a serem aprendidas,

há um conteúdo próprio e específico da área a ser transmitido. E esse

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conteúdo deve ser capaz de, em sua especificidade, preparar o ator a

desempenhar bem qualquer papel que lhe seja determinado, em qualquer

proposta teatral a que se dedique. (AZEVEDO, 2008, p. 279 ).

Como nos relata Azevedo (2008 todas as atividades de preparação do ator

para cena devem ser pensadas e estruturadas para atender as necessidades do trabalho

artístico pretendido. Assim trabalhamos durante o núcleo de investigação teatral,

através do exercício das posições de correções corporais levamos os praticantes a ter

uma maior consciência da utilização do seu corpo no trabalho corporal diário de suas

atividades cotidianas e aprender, também, a controlar a intensidade, energia, força.

Durante a execução das posições pode se trabalhar paralelamente também aquecimento

vocal, emitindo sons no decorrer da prática das posições.

Imagem: Foto de Leonardo Alves, agosto de 2009, sala 53 C,

Centro de Ciências Humanas, Universidade Estadual de

Montes Claros, Minas Gerais. Na foto : Alunos da Oficina de

Iniciação Grupo Catrumano, executando exercício de correção

postural, quarta posição.

Dando sequência aos trabalhos de condicionamento e preparação físico-

corporal, aplicamos ao núcleo alguns dos exercícios de estudos de biomecânica, o que

mais utilizamos durante o núcleo foi o ―atirando a pedra‖. Passamos para os integrantes

do grupo passo a passo como executar com consciência os movimentos do exercício na

sua forma, como repassada pela Cia Acômica.

Fizemos vídeos e anotações onde buscávamos auxilio para tirar algumas

dúvidas além de sempre fazer contatos com os integrantes da Cia Acômica via correio

eletrônico. Como descrevê-lo, segundo apostilha repassada pela Cia Acômico para o

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embasamento teórico o exercício de biomecânica denominado ―atirando a pedra26

‖, é

executado da seguinte forma:

A) O ator executa um dáctilo, que é o primeiro movimento a aprender para a

prática de quase todos os exercícios da Biomecânica, seria o relaxamento dos

braços ao longo do corpo e juntos balançam para frente e para trás como se

buscasse energia e já na frente do corpo executa-se duas palmas e sustentação

dessa energia parando com as mãos abertas como se fosse iniciar uma

corrida. B) Em seguida ele salta, vira-se para a direita, e volta ao chão com o

pé esquerdo para adiante. Seus joelhos estão curvados, com sua mão direita à

frente e a esquerda atrás. C) O ator corre com aponta dos pés. D) Ele pula de

novo, voltando ao chão sobre seu pé esquerdo, com o ombro esquerdo para

frente. E) O ator endireita seu corpo. Os dois braços estão pendurados

frouxamente, e perfeitamente simétricos. F) Ele levanta-se na ponta dos pés,

é então cai sobre o joelho direito. Seu corpo oscila para trás e para frente. G)

Pegando uma pedra imaginária em sua mão direita, o ator levanta-se, volteia

seu braço direito num amplo arco para a esquerda, para à frente e para trás no

sentido transversal, atrás de seu corpo, onde este cai. Seu ombro esquerdo

está elevado, o direito abaixado, com a mão direita no nível do joelho. Os

joelhos estão levemente flexionados. H) Ele dá um passo para trás. I) Com a

pedra imaginária ainda presa em sua mão direita atrás do corpo, o ator

começa a correr. Seu ombro esquerdo está levantado. J) Ele para com um

leve pulo, voltando ao chão com seu pé esquerdo à frente. K) Depois de seu

braço direito estar inclinado transversalmente sobre o peito, sua mão

esquerda agarra o pulso. L) O peso do corpo é transferido para o pé direito.

Ainda agarrado pela mão esquerda, o braço direito é puxado abruptamente

para trás, e é balançado em um arco cuja base é o ombro. O ator solta sua

mão esquerda, permitindo que o braço direito forme um círculo amplo e

completo. M) Interrompendo o movimento circular, o braço direito é mantido

à frente, enquanto o ator procura por um alvo imaginário. N) Ele corre alguns

passos adiante e pula. O) Preparando o arremesso, ele balança seu braço e

perna direitos para trás. P) Ele joga a pedra imaginária, torcendo seu lado

direito para à frente, e o esquerdo para trás. Q) Ajoelhando-se sobre o joelho

direito, o ator bate palma e então coloca a mão em concha atrás da orelha

direita, como se esperasse ouvir algum resultado. R) (O alvo imaginário é

atingido.) Ele aponta com seu braço esquerdo e inclina-se pra trás, com o

braço direito no quadril direito. S) Elevando-se, ele executa um dáctilo. E

recomeça o exercício pro outro lado. (Nota: Esta descrição foi tirada de

Theatre in Soviet Russia, de Andre van Gyseghem, de 1943, o único

relato detalhado publicado. Embora o estudo fosse parte básica da

Biomecânica, não há fotografias disponíveis.)

Estas sequências do atirando a pedra fazem parte de uma série de outros

exercícios criados por Meierhold dentro da Biomecânica, onde se registrou muito pouco

sobre sua prática até mesmo pelo que sofreu durante o regime político de repressão do

seu país. Meierhold preso e assassinado morre aos 66 anos e somente na comemoração

de seus cem anos foi publicado um artigo de Mel Gordon, pela revista The Drama

Review, contendo alguns exercícios da Biomecânica baseados em descrições e

26

Nota: Esta descrição foi tirada de Theatre in Soviet Russia, de Andre van Gyseghem, de 1943, o único

relato detalhado publicado. Embora o estudo fosse parte básica da Biomecânica, não há fotografias

disponíveis.

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entrevistas. Segundo trabalho de Azevedo (2008) em relação aos princípios da prática

da Biomecânica, esclarece que:

O ator deve adquirir a capacidade de reagir reflexivamente na sequência

imediata à exitação, diminuindo ao mínimo o tempo entre uma e outra coisa.

Partindo, sem dúvida, do método das ações físicas de Stanislávski, e

auxiliada por ensinamentos dalcrozianos, a Biomecânica é um sistema de

treinamento que leva o ator a se desenvolver a tal ponto que possa exprimir

sinteticamente a substância social da personagem. (AZEVEDO, 2008, p. 16 ).

Através das reflexões revistas por Azevedo (2008), constatamos que, os

objetivos do exercício são exemplo de um ciclo de Interpretação complexo, com

múltiplas preparações, ações, reações e pausas o que resulta num desenvolvimento de

movimentos curvos e livres, e de equilíbrio; há ainda, o uso de braços e ombros para

estabelecer o centro de gravidade, quando em movimento. No Exercício de

excitabilidade reflexiva a estímulos sonoros o estudo é executado em tempos alternados.

Logo após, trabalhávamos com jogos de concentração, coordenação motora, reflexo,

paralelo também o trabalho de voz com algumas músicas e projeções vocais.

Também antes das improvisações fazíamos um trabalho com técnicas de

mímica corporal de Etienne Decroux, os anêlês, trabalho de conscientização de

independência de partes do corpo, cabeça, pescoço, busto, cintura, quadril, perna. Com

as mãos exercícios separados trabalhando a vivacidade e tonificação de todos os

músculos. Havia vários exercícios com a cabeça, busto, pescoço, cintura, braços, tudo

separado e depois unindo um e outro, e, nos deslocamentos, utilizando formas de

caminhar e analisando os mínimos detalhes, alternando velocidade e estilos. Fechando o

trabalho diário, sempre tínhamos exercícios de improvisações individuais ou em grupo,

com utilização do espaço, buscando a espontaneidade e criatividade dos atores.

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Imagem: Foto de Leonardo Alves, agosto de 2009, sala 53 C,

Centro de Ciências Humanas, Universidade Estadual de

Montes Claros, Minas Gerais. Na foto: Alunos da Oficina de

Iniciação Grupo Catrumano, executando exercício de Mínica

Corporal Anelês.

Assim fomos criando uma rotina de trabalho no grupo como um ritual diário

de atividades e sempre, aos poucos, introduzindo novas sugestões de práticas no

decorrer dos períodos de assimilação do grupo e de necessidade de aprofundamento em

determinadas atividades, como exercícios com mímica corporal utilizando as fraldas na

busca da conscientização do ator na criação da expressão, exercícios de se expressar

somente através do corpo.

Presente em todos os momentos a reflexão sobre a importância da Cia

Acômica no processo, não somente pelas trocas efetivas de técnicas e metodologias de

exercícios, mas, ainda, pela sistematização de uma discussão sobra a prática teatral e,

igualmente o contato com profissionais da cena teatral mineira.

Foram executados também trabalho de deslocamento, com várias formas e

planos, alternando velocidade ritmo estilos. Como o trabalho buscava a improvisação

através das vivências e experiências trazidas pelos atores, fatos importantes para cada

um, histórias vividas, situações marcantes que puderam de alguma forma, ser

dramatizadas. Começamos a trabalhá-las e catalogá-las buscando aperfeiçoar as

dramatizações utilizando criatividade, paralelo a este trabalho criando um repertório de

cenas para uma futura utilização na criação da dramaturgia.

Imagem: Foto de Leonardo Alves, agosto de 2008, sala 53 C, Centro de Ciências Humanas,

Universidade Estadual de Montes Claros, Minas Gerais. Nas duas fotos: direita: Cláudio Márcio da

Cia Acômica trabalhando a cena de Tatiane Teles. Esquerda: Cláudio Márcio da Cia Acômica

filmando cenas de improvisaçõ dos atores.

Um dos trabalhos solicitados pela Cia Acômica foi que cada ator buscasse

um artista e uma obra de arte relacionada a sua história e ao seu trabalho cênico, ou seja,

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a sua cena dando início a construção mais apurada desta cena, analisando cenário,

figurino, adereços e que tudo fosse registrado para trabalharmos no decorrer do

processo. Este trabalho levou os atores a elabora as suas cenas podendo se necessário

convidar os colegas para ajudar na concretização de sua cena.

Num primeiro momento, todos contaram suas cenas, narraram explicando os

acontecimentos e o grau de importância do acontecido, o significado para sua pessoa. A

partir daquele momento comecei a notar que as pessoas estavam mais à vontade em se

expor para o grupo, com isso o trabalho começava a tomar outro rumo, uma seriedade,

cumplicidade, confiança e harmonia, um sentido de coletividade se encontrava

instaurado ali naquele grupo.

Paralelamente às montagens da Cia Acômica, foi feita a mesma condução

de trabalhos com cenas improvisadas, por atores, e registradas, para serem trabalhadas

posteriormente. Dessa maneira estavam todos envolvidos no fazer coletivo, o que se

tornou importante para o processo de criação, em que se buscam detalhes que nele

possam ser utilizados, como ressalta Schettini (2009):

[...] o artista que se põe em situação de criação, está, a bem da verdade,

colocando toda a sua sensibilidade voltada para o que está criando. Sua

percepção fica voltada com mais acuidade para detalhes imperceptíveis da

realidade que ele, imediatamente, conecta ao objeto de seu fazer, percebendo

em suas vivências fragmentos do real que, via de regra, se não estivesse em

criação, passariam despercebidos. Qualquer detalhe que seja captado por sua

sensibilidade e que sirva de pulsão para o que está sendo criado será

observado com uma atenção incomum pelo artista, e poderá, sob seu crivo,

ser disparador de novos saltos no processo criativo. (SCHETTINI, 2009, p.

69).

Realmente como relata Schettini (2009) esta fase de criação a que se dispõe

o ator elucida muitos caminhos prováveis de desfecho artístico para a montagem teatral.

Procedimento comprovado pela Cia Acômica em todo processo de sua trajetória com

trabalho de criação em coletivo.

Há que se levar em conta que durante todo o processo houve uma seleção

natural das pessoas, mas neste momento somente aqueles que realmente queriam se

faziam presentes. Esta etapa de registro e criação de cenas pelo grupo foi o início do

segundo momento no processo de criação do núcleo de investigação teatral, estávamos

começando a direcionar o trabalho de criação cênica. Cada ator cria seu trabalho,

começamos com as cenas surgindo aos poucos com certa timidez dos atores em se

expor.

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Neste momento já tínhamos oito cenas sendo trabalhadas, que seriam:

―Carta de um velório‖ cena criada pela atriz Mônica Mesquita, ―A visita da Coruja‖

cena criada pelo ator Gabryel Sanches, ―Entre a vida e a morte‖ cena criada pela atriz

Rejane Santos, ―Izadora‖ cena elaborada por Antonella Sarmento, ―A procura do

mastro‖ cena criada pela atriz Tarciane Figueiró, ―A velha e o menino‖ cena criada pela

atriz Soraya Santos, ―A mulher de vermelho‖ cena criada pela atriz Ana Flávia, ―A

mulher catopé‖ cena elaborada pela atriz Tatiane Telles; todas com estruturação de

cena, com figurino, cenário, adereços idealizados para composição artística e

apresentação dramática.

Imagem: Foto de Leonardo Alves, agosto de 2008, sala 53 C,

Centro de Ciências Humanas, Universidade Estadual de

Montes Claros, Minas Gerais. Na foto : Atriz Rejane Santos

exeecutando cena de improvisação, Entre a vida e a morte.

Surge então o mergulho, momento propício para ajustes e descobertas, lugar

de reflexão, criação e ajustes para realmente o núcleo tomar decisões para consolidação

de um trabalho de criação cênico e aproximação do grupo. Colocar a prova a

convivência e tolerância de um grupo, sua intimidade, seu lado humano, bom senso,

coletividade, tolerância, comprometimento.

No mergulho tínhamos tarefas domésticas a serem executadas além do

trabalho de criação teatral. Antes do deslocamento para o espaço cada ator tinha tarefas

a cumprir. Primeiramente levar algo de valor sentimental para que através de um ritual

de desapego, o ator iria desprende-se do objeto, paralelo teria que levar algo para se

apega a partir daquele momento criando para isto também um ritual. Além de levar todo

material utilizado na elaboração de sua cena inclusive as imagens de artistas e também a

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biografia deles, onde os atores dentro do cronograma do mergulho fariam sua

dramatização. Todas as atividades domésticas foram divididas, estabelecido horários

para as atividades de trabalho do núcleo. Contávamos com a presença dos integrantes da

Cia Acômica que coordenavam as atividades e também participaram da divisão de

tarefas domésticas dentro do trabalho no mergulho além das tarefas cotidianas do

núcleo.

No início das atividades no sítio, chegamos bem cedo acomodamos e logo

pediram para prepararmos nossos rituais de desapego e apego. Todos os atores

percorreram o sítio procurando o melhor local para o seu trabalho ritualístico. Como já

vinha acontecendo no núcleo à dificuldade de conciliação de horários de alguns

integrantes não permitiu que todos participassem do mergulho, mas um número

razoável se fez presente. Aos pouco chega a hora e um por um começa seu ritual

deixando um pouco de si ali naquele local e apegando a outro objeto por força daquele

momento propício. A atividade instintivamente leva o ator a se ligar sentimentalmente

ao trabalho e ao grupo. Em cada momento de ritual era evidente a seriedade com que os

atores se concentravam e se envolviam no ritual e com o sentimento de sagrado, de

mistério, de oculto, de confiança, cumplicidade que se fazia presente a cada instante.

Imagem: Foto de Leonardo Alves, junho de 2008, sítio recanto

do sol, Montes Claros. Atividade do mergulho logo após um

ritual na foto: No banco da esquerda para direita: Nelson

Bambam, Gabryel Sanches, Lilian, Antonella Sarmento,

Cláudio Marcio, Tarciane figueiró, soraya Santos. Sentados no

chão: atores da esquerda para direita Ana Flávia Amaral e

Leonardo Alves.

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Os momentos ritualísticos ficaram marcados e somente quem esteve

presente tem a noção da dimensão e grandiosidade dos sentimentos embutidos nas

palavras e gestos ali vistos, e que instintivamente se fariam presentes no resultado final

do núcleo. O início do mergulho se deu com uma celebração onde cada ator se

encarregava de executar um pequeno ritual, caracterizando um ato de entrega de corpo e

alma ao trabalho de grupo ali a ser executado. Atores em comunhão, membros de um

conjunto, um grupo, um corpo, um todo, um núcleo de investigação determinado e

decidido a traçar sua trajetória para consolidação de objetivo de criação coletiva da

cena.

Imagem: Foto de Leonardo Alves, junho de 2008, sítio recanto

do sol, Montes Claros. Atividade do mergulho ritual na foto:

Da direita para esquerda: Nelson Bambam, Ana Flávia,

Cláudio Marcio filmando, Soraia Santos à frente, Gabriel

Sanches blusa preta, Antonella Sarmento e Tarciane Figueró.

Seguem-se as atividades normais com os exercícios diários do núcleo e

intervalo para almoço com continuação durante a tarde de atividades com dinâmicas

utilizando a busca de personagens das cenas individuais trabalhadas através do corpo,

até chegarmos ao trabalho de criação e buscar a interação entre os personagens criados

para possíveis improvisações onde o coordenador faria a observação para algum

momento de criatividade na improvisação pudesse surgir situações interessantes para

uma futura dramaturgia.

Trabalho vocal e algumas atividades com mímica corporal de Etienne

Decroux através dos exercícios de máscara neutra utilizando as fraldas no rosto e

tentativas de mostrar as emoções somente através do corpo, variações dos exercícios

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eram executadas a sós e em duplas, para ajudar ao ator a buscar um caminho de

inspiração criativo com o parceiro de cena.

Logo após, uma pausa para o jantar, depois passamos para próxima etapa:

apreciação de trabalhos em vídeos de grupos teatrais como o Teatro Oficina,

documentário do trabalho de Ariane Mnouchkine, diretora e fundadora do Théâtre Du

Soleil, espetáculo Macunaíma dirigido por Antunes Filho. No dia seguinte seguimos as

mesmas atividades de rotina diária de preparação corporal e logo após preparamos as

cenas para serem mostradas para apreciação dos coordenadores do núcleo e demais

atores. Algumas cenas trabalhadas pela manhã o restante à tarde.

Imagem: Foto de Leonardo Alves, junho de 2008, sítio recanto

do sol, Montes Claros. Atividade do mergulho improvisação

cena ―Izadora‖ na foto atriz Antonella Sarmento.

Fiz uma reunião com os coordenadores da Cia Acômica para repassar os

resultados do período em que não estavam presentes, atividades executadas, frequência

e resultados das propostas trabalhadas. Intervalo para jantar, e seguindo a programação

do mergulho, passamos para a seção de vídeos e debates. Também foi elaborada uma

rotina de estudos com o material teórico disponibilizado pela Cia Acômica, dentro da

programação diária do mergulho. Essa experiência foi fundamental para o crescimento

do núcleo em determinados aspectos importantes no desenrolar da continuidade do

trabalho de criação, podia se notar a aproximação e entrosamento do grupo de forma

diferente sendo o reflexo do envolvimento e trabalho de consolidação de grupo

realizado no mergulho. Dando sequência ao processo retornamos as nossas atividades

diárias já com a tarefa de escolha e decisão da dramaturgia.

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4.2 DECISÃO E ESCOLHA DA DRAMATURGIA

Após esse mergulho voltamos para as atividades normais do núcleo de

investigação com uma motivação maior para a continuação dos trabalhos no núcleo.

Nos encontros seguintes começamos a elaborar sequências de personagens interagindo

nas cenas já construídas pelos atores, dando andamento as atividades executadas no

mergulho.

Nelson Bam Bam, coordenador do projeto Rede Teia, oriundo de Montes

Claros norte, mineiro, nascido na região, tem muitos amigos ligados a sua infância e

história de vida, carrega consigo a vontade de mostrar um pouco do seu povo, suas

origens sua cultura sua raiz.

Neste momento surge a figura do professor doutor João Batista de Almeida

Costa, o amigo (Joba), que em conversa com Nelson Bam Bam, lhe fala sobre sua

pesquisa de doutorado, intitulada ―Mineiros e Baianeiros: Englobamento resistência e

exclusão‖, e sobre o Movimento Catrumano27

, um projeto coordenado pela

Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), dirigida então pelo Magnífico

Reitor professor Paulo César Gonçalves de Almeida, pela Associação dos Municípios

da Área Mineira da Sudene (AMAMS), por meio do Prefeito Valmir Morais de Sá, e

pela Prefeitura Municipal de Montes Claros, dirigida então pelo Prefeito Athos Avelino

Pereira. Tal movimento constituiu-se em estratégia para construção de poder simbólico

da região Norte Mineira junto à sociedade mineira como um todo.

Entretanto, este é um projeto que não deverá ser realizado por uma única

instituição ou entidade, ele deverá ser fruto da articulação, a mais ampla possível, de

todos os segmentos regionais, em todos os campos de sua vida social, política, cultural e

econômica. Tem como estratégia a construção de poder simbólico capaz de re-significar

o papel desempenhado pelo norte de Minas na fundação e consolidação do Estado de

Minas Gerais.

Uma dualidade de sentido que realmente nos leva a refletir sobre o nosso

lugar, nossa identidade, Costa (2003) nos traz o seguinte esclarecimento:

[...]\Ao se falar Minas Gerais,entende-se uma realidade social civilizada,

aquela vinculada à exploração do ouro no período colonial e vivida sob a

27

Criado em 2005, com o propósito de valorização do norte de minas, o Movimento Catrumano tem

como principal objetivo implementar um plano de desenvolvimento para o Norte de Minas, aproveitando

todas as potencialidades da região e valorizando suas manifestações culturais. A meta é envolver as

prefeituras e órgãos do Governo do Estado, além das entidades relacionadas com o desenvolvimento e a

cultura regionais.

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égide da democratização das relações sociais pela aparecimento de diversas

classes sociais se interrelacionando nas cidades. [...] outro ssigno para se

abarcar o norte de Minas, o signo Sertão Mineiro. Seu significante, distinto

do primeiro, informa a realidade que é vinculada aos currais e às fazendas de

criação de gado, em torno dos quais a vida social se organizou articulando

fazendeiros e vaqueiros por meio de relações sociais assimétricas e

assentadas na violência e pela ausência de estruturação dos organismos de

Estado. (COSTA, 2003, p. 257).

Este duplo sentido que nos traz Costa (2003), agregou-se como suporte

teórico de desdobramento de estudos históricos recentemente revistos e sistematizados

pela sua tese. O antropólogo Dr. João Batista de Almeida Costa foi encampado pela

Fundação Cultural Genival Tourinho e pela Universidade Estadual de Montes Claros

(Unimontes), norteando ações e programas de ambas às instituições. Em síntese, a

proposta do antropólogo é que, contrariando a unidade pretendida pela ideologia da

mineiridade é preciso reconhecer a dualidade subjacente à fundação do território das

Minas Gerais. O movimento cobra o reconhecimento do processo de obliteração da

importância do norte de Minas e, ao mesmo tempo, de sua diferença, imprimindo uma

carga afirmativa nessa importância e nessa diferença como estratégia capaz de criar um

contraponto à hegemonia das minas sobre os geraes. Faz isso por reconhecer que o

poder simbólico cria acesso variado aos recursos de poder material e que a região norte

mineira, subalternizada pelo discurso político-conservador da carência, da falta, da

miséria, da seca e do atraso, deve compreender o lugar que lhe é imputado nessa relação

de forças e empreender levante para restituir-se à sua própria diferença, valorizando-se

nela.

A dualidade que alicerça o movimento tem lugar no momento da vinculação

da região pastoril, os chamados Currais da Bahia, à região aurífera, quando do

nascimento de uma nova unidade administrativa, ocorrida em 1720. Juntavam-se ali

duas realidades totalmente distintas, a dos Currais do São Francisco, sociedade

agropastoril, produtora de gêneros alimentícios, geograficamente marcados pelos

campos gerais, tendo o cerrado como vegetação típica; e a sociedade mineradora,

ocupada pela exploração do ouro e de outras riquezas minerais, abrigada sob a mata

Atlântica, região que até hoje detém a hegemonia do sentido da mineiridade,

equivocadamente atribuída tanto ao povo das minas quanto aos geraizeiros. O valor

cultural de cada uma das regiões vincula-se ao entendimento do termo minas gerais e

assim nos traz Costa (2003):

[...] valor relativo de cada uma dessas regiões culturais é determinado por sua

relação com as minas gerais, região elevada à significante da totalidade social

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mineira. Como parte da Minas Geratriz, cada uma das regiões culturais passa

a ser compreendida em sua temporalidade e em sua formação como

sucedânea da formação e temporalidade da região aurífera. Apesar de cada

uma possuir temporalidade própria e surgir de frentes de expansão colonial

ou de processos de migração que emergiram na sociedade mineira com o

declínio da mineração aurífera em meados do século XVIII. (COSTA, 2003,

p. 259).

Sendo que ambas as regiões se afirmam com temporalidade própria como

nos traz Costa (2003), surge o movimento de valorização e reconhecimento dessa

ambigüidade regional. Através do Movimento e de ações conjuntas, foi elaborada uma

proposta de emenda constitucional aprovando a criação do Dia dos Gerais, em 08 de

dezembro, e a transferência simbólica da Capital Mineira para Matias Cardoso. Esta

comemoração se justifica com dados históricos que indicam que a primeira cidade

mineira foi Matias Cardoso e não Mariana, como consta oficialmente dos compêndios

de história e na própria Constituição mineira. Registros históricos apontam Mariana

como tendo sido fundada em 16 de julho de 1696, quando foi encontrado ouro na região

de Mata Cavalos, no ribeirão que passou a ser denominado Ribeirão do Carmo. Porém,

o livro "História Geral das Bandeiras Paulistas" informa que, entre 1662 e 1664, uma

bandeira capitaneada por Matias Cardoso de Almeida deu início à ocupação do Médio

São Francisco, fundando Morrinho, que passou a se chamar posteriormente Matias

Cardoso. Isso marca a origem do que é atualmente chamado Norte de Minas.

Por fim, o reconhecimento da região como berço fundador da sociedade de

Minas Gerais atende ao objetivo principal do Movimento Catrumano, encabeçado por

entidades do norte de Minas, como a Unimontes, a Associação dos Municípios da Área

Mineira da Sudene e a prefeitura de Montes Claros, que pretendem reforçar e ampliar o

universo da identidade mineira, incluindo a porção Norte nos corações e mentes de

todos os mineiros. Assim, a cidade de Matias Cardoso, 32 anos mais velha que Mariana,

também está sendo reconhecida como antiga Capital de Minas Gerais.

Após se apropriar de todas estas informações, o coordenador do Projeto

Teia, começou a articular com o professor doutor João batista de Almeida Costa a

proposta de montagem do trabalho final do núcleo de investigação tendo como

referência principal o trabalho de pesquisa ―Mineiros e Baianeiros Englobamento

resistência e exclusão‖ e o Movimento Catrumano. Este tema iria se aproximar da

intenção do Nelson Bambam quando almejou um trabalho teatral realizado aqui em

Montes Claros. Assim, partimos para o trabalho de coleta de material teórico acerca do

tema principal do trabalho: o movimento catrumano e assuntos relacionados ao norte de

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minas. Após a definição do tema uma nova etapa surge na busca e preparação do

material de apoio na criação da dramaturgia. Neste sentido Schettini (2009), reforça

que:

[...] Todos os artistas envolvidos devem desempenhar esta função de

garimpeiros, colhendo referências. Este material é compartilhado no grupo e

em seguida arquivado para que, futuramente, possa ser acessado como

matrizes disparadoras de material expressivo. [...] todos os esforços são

voltados para a experimentação. O objetivo central é fazer um minucioso

levantamento de materiais expressivos que serão matéria prima para a

elaboração do espetáculo. É o momento que culminará em esboços e

rascunhos expressivos. (SCHETTINI, 2009, p. 105).

Através desse levantamento minucioso como relata Schettini (2009), e que o

núcleo passa a visualizar as possibilidades de improvisações para a criação. Quando

lançada a proposta ao núcleo, iniciamos a criação propriamente dita da dramaturgia, e,

para tal, elaboramos uma rotina de estudo e pesquisa teórica em cima da tese do

Professor João Batista de Almeida Costa. Todo o grupo fez a leitura da pesquisa e

sempre fazíamos discussões e debates sobre os fatos elucidados no decorrer das leituras.

Como os atores ainda não tinham ciência do objetivo do Movimento Catrumano,

tampouco contato e familiaridade com o tema abordado, começamos a nos surpreender

com tantas situações históricas interessantes.

A partir desta investigação todos nós começamos a ter muita curiosidade

sobre o assunto. Fazíamos ligação das informações ao cotidiano e vivência de cada um,

todos se viam refletidos nas informações contidas nas páginas daquela pesquisa. Como

o tema estava muito próximo da realidade histórica de todos os integrantes do núcleo, o

envolvimento foi muito grande. Iniciamos também a busca de muito material ligado ao

tema, catalogando filmes, documentários, outras pesquisas também sobre fatos ligados

ao Movimento Catrumano.

Sentimos a necessidade de dialogar com o autor/pesquisador professor

doutor João Batista de Almeida Costa, que muito educadamente nos concedeu uma

entrevista, após um convite do núcleo de investigação. Todas as informações, por mais

simples que fossem, sempre causava entusiasmo e curiosidade de aprofundar ainda mais

a pesquisa. O professor João batista trazia em sua fala fatos e acontecimentos que não

estavam nas palavras escritas na pesquisa. Todas as suas ações para colher os dados

foram narrados por ele para nós com uma nitidez dos fatos muito próxima da nossa

imaginação e reprodução das situações vivenciadas por ele.

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Cada vez mais se esclarecia a verdadeira história de Minas e do seu povo,

através da valorização de sua cultura e tradições, a demonstração de hospitalidade e

desconfiança dos tipos tradicionais característicos da composição do povo do estado de

Minas Gerais, um povo com dualidade até mesmo no comportamento, no

relacionamento, no jeito de ser, na cultura, nos costumes e hospitalidade. Conhecemos

detalhes que ajudaram no processo de criação das cenas e composição de cenários,

adereços e criação de personalidades.

Através da entrevista ficamos sabendo, ainda, de confidências da história

descobertas pelo trabalho extremamente cuidadoso, cauteloso e minucioso, reflexo de

competência e dedicação. A todo instante éramos motivados, instigados a enveredar na

história que criou nossa própria identidade. Nós víamos em cada detalhe, explicado nas

falas do professor João Batista, o sentimento de pertencimento começa a tomar conta

dos atores que se envolveram cada vez mais com o desejo de assumirem sua

regionalidade na busca de sua valorização.

O Professor nos relata que ao chegar à cidade de Mariana, foi recebido por

pessoas arredias, desconfiadas, e até sem educação. Às vezes por serem tão fechadas, no

trabalho investigativo, observou, já na própria praça central da cidade, a divisão de

classes sociais da cidade. A praça da cidade de Mariana se dividia: em uma parte, a

classe alta da cidade pessoas da elite; ao centro, classe média, com pessoas não tão

arrumadas assim; e uma terceira parte, que mostrava a classe baixa onde se via pessoas

mais simples. Quando questionava algumas pessoas sobre fatos do passado, na maioria

das vezes teve por respostas monossílabos como ―não sei‖, ―talvez‖, ―às vezes‖, ―não‖,

―hum‖, ―é‖, ―foi‖; mal tinha resposta – isto quando falavam alguma coisa!

O professor descobriu que na região das minas a comida era escassa. Assim,

quem possuía maior quantidade de comida ou mantimentos podia ser considerado rico.

Por isso, as residências na sua maioria tinham enormes dispensas na sala de visitas,

local onde se recebia visitantes. Quando ricos, os donos faziam questão de abrir as

portas das dispensas mostrando sua riqueza, enquanto os mais pobres mantinham as

portas fechadas por este motivo: a comida era sinônimo de riqueza.

Mais uma descoberta foi o termo ―gaveteiros‖ dado aos mineiros, que nada

mais é do que o fato de todas as suas mesas de refeição, possuírem gavetas fundas que

utilizavam da mesma maneira que a dispensa: se chegasse alguém de quem não queriam

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a presença na hora das refeições, eles abriam as gavetas e escondiam os pratos, mesmo

se acontecesse no meio da refeição.

Os dados demoraram muito tempo para começar a ser coletados por esta

postura meio bruta, rígida e fechada do mineiro da região de mariana. Mas com toda

dificuldade o professor conseguiu recolher alguns dados que o ajudaram na confecção

de sua pesquisa.

Quando se fala na dualidade do mineiro e até mesmo no seu modo de ser,

este fato fica claro na narrativa do professor de quando chegou à cidade de Matias

Cardoso no norte de Minas momento em que frisou ―primeira cidade de Minas Gerais‖.

Já no centro da cidade, uma única praça ainda de terra batida e com um único barzinho,

no final da tarde de um domingo, chega o professor João Batista de Almeida Costa, um

estranho, um desconhecido que pensou que teria o mesmo tratamento da cidade de

Mariana. Se enganou completamente. Logo ao chegar ao estabelecimento foi abordado

pela atendente, que imediatamente lhe lançou vários questionamentos sobre sua origem,

pois nunca o tinha visto ali, o que o trazia a cidade, o que ele fazia de profissão. Ao

respondê-la, aquela logo ficou sabendo de sua pesquisa sobre sua origem, surpreso, o

professor presenciou naquele momento a dualidade de tratamento. A atendente chamou

as pessoas que estavam no bar relatando sobre o trabalho do professor. Apresentou aos

fregueses e, ali mesmo, todos, naquele instante, começaram a dar as informações para o

professor, mostrando e comprovando a grande diferença para com o povo mineiro nos

costumes e hospitalidade que não presenciou dentro dos quase seis meses na cidade de

Mariana.

O que o professor encontrou na cidade de Matias Cardoso no primeiro dia,

aliás, na primeira tarde, foram fatos, história e vivência que seria até constrangedor

fazer comparação ao povo da cidade de Mariana. O professor comenta que muitas vezes

era obrigado a se esconder em algumas ilhas, sendo a cidade as margens do Rio São

Francisco, e mesmo assim, os moradores o chamavam das margens do rio para

relatarem algum fato lembrado.

Um povo que às vezes se confunde até mesmo com sua geografia, seu

relevo, com a terra; que se coloca bruto, fechado e calado como as pedras e rochas das

minas, contrastando com os geraes de mata aberta, natureza acolhedora, morada de

muitos quilombos onde os fazendeiros deixavam os negros livres para trabalhar e ajudar

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coletivamente a lidar com a terra e dela retirar o sustento, a criar gado. Êta povo

espontâneo, alegre, aberto, hospitaleiro, ligado aos campos, a terra, a natureza!

Podemos dizer que o povo mineiro se relaciona também a este cotidiano

natural e histórico que traz consigo cicatrizes de uma herança histórica e costumes

mesmo que dualístico. Isso nos leva a refletir pensamentos colocados por pesquisadores

e pensadores como Bakhtin (1987), acerca dessa relação do homem com o mundo

terrestre, a natureza e os aspectos regionais, principalmente quando cita que:

Quanto à terra, ocorre o mesmo que com os homens. Na realidade, onde as

estações do ano produzem mudanças muito grandes e freqüentes, os lugares

são muito selvagens e muito desiguais, e podemos encontrar aí numerosas

florestas invadidas pelo matagal, assim como campos e prados. Mas onde as

estações do ano não são muito diversas, a região pode ser muito uniforme.

Passa-se o mesmo com os homens, se alguém o observar. Com efeito, há

certas naturezas, semelhantes a lugares montanhosos, cobertos de bosques e

aquáticos, e outras, a lugares nus e privados de água; alguns têm a natureza

dos prados e dos lagos, enquanto outros se assemelham à natureza das

planícies e lugares despojados e ressecados, pois as estações do ano, que

diversificam a natureza de uma maneira exterior, se distinguem uma das

outras; e se elas forem muito variadas uma em relação à outra, produzirão

formas de homens muito diversas e muito numerosas. (BAKHTIN, 1987, p.

312).

Como nos diz Bakhtin (1987), a respeito da relação da terra ao homem, aqui

verificamos a proximidade das características deste homem mineiro, que, nas suas

montanhas rochosas e duras, se mostra fechado, arredio, em contradição com a

liberdade, hospitalidade e espontaneidade do homem dos gerais, com seus campos

abertos e vegetação rica, com rios em abundância. Assim, além de todo material

recolhido nas entrevistas e relatos de fatos e vivências, houve descoberta de figuras,

pessoas importantes na história de fundação do lugar, norte de minas.

Houve a participação do professor em várias comissões, palestra, seminários

e outros eventos relacionados com o tema de sua pesquisa, ―Mineiros e Baianeiros

Englobamento, exclusão e resistência‖, que teve uma repercussão interessante e

importante para a visibilidade do Movimento Catrumano, que tem como objetivo a

valorização do Norte Mineiro na historia de consolidação do estado de Minas Gerais.

Outra etapa do processo de criação se deu ao abordarmos os fatos históricos

da pesquisa e executar improvisações alusivas ao conteúdo da pesquisa do professor

João Batista de Almeida Costa. Já que havíamos trabalhado com a criação de

personagens para as cenas individuais, a partir das atividades de improvisações

anteriores, buscamos uma forma corporal para cada personagem criado e transferimos

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estas características físicas e emocionais para os novos personagens criados, agora com

o auxilio da dramaturgia que estávamos criando juntos.

Durante os estudos da tese ―Mineiros e Baianeiros Englobamento, exclusão

e resistência‖, do professor João Batista de Almeida Costa, pelos atores do núcleo de

investigação, foram recolhidos dados e situações que foram utilizadas para o processo

de criação da dramaturgia. Isso foi feito juntamente com o auxiliar de dramaturgia do

núcleo, o ator Gabryel Sanches. Eu e os integrantes da Cia Acômica, Nelson Bam Bam

e o Cláudio Márcio, em parceria com o dramaturgo do processo Glicério do Rosário,

começamos a criar cenas e situações dramáticas para fomentar matéria-prima para a

montagem da dramaturgia do espetáculo final, através das improvisações dos atores

criadas a partir de todas as informações. Quando falamos sobre improvisação,

reportamos a Januzelli (1986):

A improvisação é um dos veículos que nos conduzem à exploração de nossa

imaginação. Ela é a base da atuação teatral contemporânea, seja ao nível de

aprendizado ou como parte integrante de uma encenação, já praticada por

Stanislavski no seu sistema e reforçada na última etapa de suas descobertas e

amplamente aplicada pelos grupos de pesquisa posteriores a ele.

(JANUZELLI, 1986, p. 63).

Conforme Januzelli (1986), a improvisação é a base da atuação. Já o

pensamento contemporâneo de Matteo Bonfitto, ator, pesquisador e professor de teatro,

ao investigar procedimentos e formas de criação teatral com a participação dos atores,

classifica a improvisação em três categorias de acordo sua utilização no processo de

criação: como espaço mental, como método, e como instrumento. Em todo caso,

considera uma atividade diretamente ligada à prática do ator.

Como espaço mental, a improvisação partiria de elementos ficcionais

acabados, o ‗texto proposto‘, em que o ator, sob orientação do encenador ou

dramaturgo, praticaria a improvisação, buscando o entendimento do tema ou situação

abordada. Seria o movimento de sua sensibilidade para o tema e o personagem

construído, ou, como prefere o dramaturgo ou encenador, através dos elementos

ficcionais.

O uso da improvisação enquanto método implicaria nos procedimentos

criativos que partem exclusivamente de improvisação como no processo colaborativo.

Já como instrumento, a improvisação seria a utilização de práticas improvisacionais

durante o processo de criação do resultado final do espetáculo. Este caso de criação com

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o trabalho de improvisações como método seria mais próximo das ideias de Bonfitto

(2006):

[...] independentemente dos diferentes elementos e códigos utilizados,

podemos reconhecer uma função diferenciada assumida pela improvisação.

Nesses casos, ela age como eixo pragmático de construção do espetáculo e

das personagens. Ela age como ―método‖. A partir de temas, idéias,

perguntas ou jogos, faz-se um levantamento de ações, cenas etc., que serão

selecionadas em um momento posterior. E será a partir dessa seleção

posterior que o espetáculo e as personagens serão trabalhados e

aprofundados, podendo-se nessa fase inserir textos, músicas... (BONFITTO,

2006, p. 125).

Sem dúvida, a improvisação como método e o trabalho do dramaturgo no

desenvolver dos trabalhos no núcleo, buscando o estudo das propostas de encenação,

vão consolidando e execução das ideias trazidas pelos atores, ficando claro uma

colaboração mútua e um trabalho de criação coletiva que é da natureza do processo

colaborativo. Através do trabalho executado pelo ator no momento de sua criação, no

jogo de improvisações em modelo coletivo de criação, surge o suporte para o

dramaturgo na fase de criação da dramaturgia, os materiais expressivos apresentados

pelos atores que são matéria-prima para serem analisados, complementados e

elaborados para o texto final.

Daí a importância da improvisação para entendimento da noção de criação

em processo. Noção esta do coletivo em atividade de criar. Neste momento o autor

atribui uma característica de especificidade que é a atitude de busca, por parte do

diretor, encenador, dramaturgo e dos atores, de um desconhecido gerador de

experiências pregnantes e transformadoras. Dessa forma, a improvisação como método

para Bonfitto (2006) se expõem assim:

Na improvisação enquanto ―método‘o processo de criação tem como suporte,

geralmente, conteúdos elaborados através de temas, situações... Também aqui

o ator deve eventualmente ter uma ―competência intersemiótica‘, devendo

traduzir conceitos e conteúdos em ações. O ator, também nesse caso, deverá

preencher de sentido não somente as ações, como também as transições

existentes entre elas. A especificidade da improvisação como ―método‖está

no fato de ser uma prática que deve partir de matrizes que não possuem um

objeto elaborado ou acabado. (BONFITTO, 2006, p. 126).

Como nos traz Bonfitto (2006), através da improvisação temos como

resultado propriedades inacabadas, que, através do trabalho de lapidação e elaboração

do dramaturgo, se transformam no produto final de criação, mesmo tendo ali

envolvimento de atores e encenadores, de uma criação em coletivo, mostrando o

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potencial criativo do grupo. Quando se fala em criar, Fayga Ostrower nos leva a refletir

que criar é:

[...] basicamente formar. É poder dar uma forma a algo novo. Em qualquer

que seja o campo de atividade, trata-se, nesse ―novo‖, de novas coerências

que se estabelecem para a mente humana, fenômenos relacionados de modo

novo e compreendidos em termos novos. O ato criador abrange, portanto, a

capacidade de compreender; e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar,

configurar, significar. [...] o homem é um ser formador. Ele é capaz de

estabelecer relacionamentos entre os múltiplos eventos que ocorrem ao redor

e dentro dele. [...] busca de ordenações e de significados reside a profunda

motivação humana de criar. (OSTROWER, 2007, p. 09).

Segundo Fayga, o homem é um ser formador, sendo capaz de estabelecer

relacionamentos entre os múltiplos eventos que ocorrem ao redor e dentro dele. E,

relacionando os eventos, ele os configura em sua experiência do viver e lhes dá um

significado. Assim fazendo, no núcleo de investigação, tivemos situações de criação que

realmente tornavam reais fatos e momentos do passado existentes na memória de cada

ator criador. No decorrer do processo de criação, sempre estávamos revendo situações,

ideias de cenas. Por este motivo a operação de montagem se deu de forma colaborativa.

Desde o momento de escolha do tema começamos a testar cenas, sugerir fragmentos

cênicos, desencadeava o processo de escolha de acabamento de cenas, do texto. Em

relação a esse potencial criador, Fayga Ostrower reforça e diz que cada decisão que se

toma representa um ponto de partida num processo de transformação que está sempre

recriando o impulso que o criou. E, para Ostrower, (2007) o potencial criador:

[...] elabora-se nos múltiplos níveis do ser sensível-cultural-consciente do

homem, e se faz presente nos múltiplos caminhos em que o homem procura

captar e configurar as realidades da vida. Os caminhos podem cristalizar-se e

as vivências podem integrar-se em formas de comunicação, em ordenações

concluídas, mas a criatividade como potência se refaz sempre. A

produtividade do homem, em vez de se esgotar, liberando-se, se amplia.

(OSTROWER, 2007, p. 27).

Em nossas vivências, segundo o que Ostrower (2007) acima reforça,

fizemos a integração das várias improvisações que foram experimentadas pelo núcleo,

chegando ao processo de criação coletiva do texto dramático do núcleo. Foram surgindo

personagens e elementos dramáticos, que cada vez mais mostravam a magia da

descoberta cênica nas improvisações, sem contar o envolvimento dos atores e uma

vontade de fazer incrível. Acho que pela relevância do tema e identificação ao trabalho,

de certa forma estávamos contando nossa própria história e estávamos buscando uma

valorização de um povo, forte, batalhador e que se sente pertencente a uma cultura.

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Durante esta fase de improvisações com as informações que tínhamos, algumas

sugestões dos coordenadores da Cia Acômica e ideias dos integrantes do núcleo,

juntamente comigo, em debate e discussões a respeito do tema e possíveis personagens,

organizaram um primeiro roteiro de trabalho para improvisações e experimentações

cênicas que foram repassadas posteriormente para o dramaturgo Glicério do Rosário,

com intuito de elaboração do texto dramático e possíveis alterações de acordo com o

material de pesquisa teórica, que também foi repassado para colaborar com o processo

de criação do texto.

Imagem: Foto de Leonardo Alves, agosto de 2008,

Universidade Estadual de Montes Claros Centro de Ciências

Humanas sala 53 B Montes Claros, Minas Gerais.

Experimentando figurinos, na foto: da esquerda para direita,

Soraia Santos, Leonardo Alves com a mordaça, de pé Gabriel

Sanches e Antonella Sarmento com vestido de noiva, Tarciane

Figueró.

Dentro de uma sequência estipulada de trabalho, o núcleo sempre executava

sua rotina diária de preparação até chegar ao momento das improvisações e propostas de

trabalho com várias cenas e situações, seguindo uma ordem de cenas e pesquisas

paralelas, pois sempre era preciso buscar uma sustentação teórica ou até mesmo a

veracidade de determinado fato histórico e suas características de época. O que ajudava

também os atores na construção destes personagens, no que diz respeito a formas de

vocabulário da época e, principalmente, formas de tratamento e relação entre as

diferentes classes de pessoas, que surgiam no decorrer do envolvimento dos

personagens da história.

Relato, agora, detalhes dessa fase de criação do texto dramático e inclusive

o surgimento do nome do trabalho.

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Dia 7 de agosto, após trabalho de estudo do material de pesquisa juntamente

com todos os integrantes do núcleo, elaboramos uma ideia de roteiro para iniciarmos os

trabalhos de dramatização e composição cênica. Chegamos também a uma sugestão de

nome para o primeiro roteiro, que seria: ―Minas Catrumano‖. Assim iniciando nosso

trabalho de criação dramatúrgica, com a dedicação também do auxiliar de dramaturgia

do núcleo, o ator Gabriel Sanches, segue na integra os primeiros passos da montagem.

4.3 PRIMEIROS RASCUNHOS DRAMATÚRGICOS

Início do teatro: Em off: som de um aboio feito por todos os atores... logo

após surge sons de cavalos galopando.

-Passagem dos cavaleiros em cavalgada pela cena, até saírem de cena e

aparece uma mulher grávida e começa seu texto:

- Mulher: (sentindo contrações)- Ai meu rebento... filho gerado nos caminhos

férteis das minas e dos gerais; carrego comigo a vontade de ser, ser o que

meus antepassados não conseguirão ser... Mas meu filho vai ser...(contração e

gemido de dor)...Ai, ai...se for mulher vai se chamar mariana, ser formosa, o

encontro do sol com o horizonte, resplandecente, será tão luminosa quanto o

ouro, é a mais preciosa pedra que alguém já lapidou...( fala com

dificuldade)E se for homem será valente, desbravador...um Bandeirante que

vai desbravar terras neste sertão de meu Deus...vai se chamar Matias (dores e

gemidos com contrações) Ah, ah, socorro...alguém me ajude...(nasce um

menino)...Ah um menino ... Matias (contração e gemido) Ah,ah...meu Deus

outro, há, há, uma menina, são gêmeos...não acredito ai meu Deus... que

benção...Mariana... Matias é Mariana...meus filhos...meus filhos... ( Os filhos

juntos começam a se movimentar com movimentos de contato e

improvisação, até serem separados pela mãe.)

- Começam uma disputa pelos seus pertences. Mariana um colar de ouro e

riquezas, jóias. Matias comida frutas bananas, maças; surge um conflito entre

os dois entre a ganância de Mariana em tentar tomar os bens de Matias que

logo os troca pelas jóias de Mariana, jogo em sentido ideológico. Termina o

atrito com a voz da mãe chamando os dois.

Trabalhamos muito esta improvisação, buscando uma melhor maneira de

mostrar o nascimento de maneira natural, sem ficar agressivo. Estávamos preocupados

com o pudor e vulgaridade que poderiam ficar na cena. Fizemos várias tentativas,

aprofundando na criatividade dos atores, até chegar numa forma simples: com a atriz de

costas para o público e as crianças surgindo por baixo de um praticável até o desenrolar

do segundo parto da mesma forma.

Na seqüência, saindo do plano ideológico, surge o primeiro diálogo entre os

personagens Zé Tropeiro e o mineiro Antônio e depois o Zé tropeiro com o Vaqueiro

Francisco.

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- Cena do Tropeiro se apresentando:

ZÉ TROPEIRO COM ANTÔNIO

Encomenda de mantimentos. Antônio reclama dos Geraizeiros. Envia quantia

de ouro. Zé alerta que o ouro não dará para a encomenda.

TROPEIRO COM VAQUEIRO

Negociação da encomenda e apresentação de Morrinhos: Igreja, pastos, etc.

Vaqueiro reclama do Governo da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro:

depois da Guerra dos Emboabas, o boicote ao ―Curral sanfranciscano‖ ficou

maior, e por isso a mercadoria para os mineiros estava mais cara. Zé

apresenta a lista e o ouro que trouxe. Vaqueiro diz que o montante só daria

para levar 1/3 da encomenda. Zé, por causa da seu lucro, diz que só poderia

levar 1/5 e reclama que os mineiros o chamarão de ladrão. Em meio a

conversas, bebem, o escravo foge. Vaqueiro resolve ir junto com Zé para

confirmar aos mineiros o valor e esticar até São Paulo e tentar recuperar o

escravo.

- Cena do vaqueiro Francisco com o Zé Tropeiro: (O vaqueiro estar

recolhendo o gado com seu Jagunço, momento que avistam o tropeiro... o

convidam para se aprochegar... apeiam dos cavalos e começam a conversar

sobre as mudanças do lugar, o tropeiro fala que o lugar mudou muito, o

vaqueiro confirma e se interessa pelo negro, elogiando os dentes e músculos

tenta comprar mais o tropeiro diz que necessita dele para carregar as

mercadorias, segura a corda presa ao negro para não perder de

vista,continuam a conversa e o vaqueiro fala sobre o aumento de sua

propriedade e que fizeram uma belezura de igreja toda com dinheiro dos

negócios feitos com os baianos do recôncavo, convida para comer alguma

coisa e como o jagunço estar sempre por perto na espreita armado o vaqueiro

manda ele chamar a esposa pra pedir pra fazer um frango ensopado com

quiabo que e uma gostosura, chega a mulher e cumprimenta perguntando ao

marido o que faz o forasteiro, o vaqueiro apresenta o tropeiro e diz sua

atividade de venda de mercadorias e ouro e a mulher já fica logo interessada

e pede ao marido um anel de ouro, este diz que depois resolve pede a ela pra

fazer logo a comida enquanto eles vão tomar uma no buteco do Sr Messias

comerciante do local, o jagunço acompanha sempre armado e em vigia e o

tropeiro sempre preocupado com o negro arrasta ele também para o buteco e

o amarra na porta e vão logo conversar e tomar umas branquinhas(cachaça),

bebem e se apresentam o vaqueiro apresenta o tropeiro ao Sr messias que

logo começa a prosear com ele e quer também negociar, enquanto a conversa

vai e vem só se vê copo de pinga pra lá e pra cá, o negro vendo aquela

distração por causa do gole se livra da corda e do cabresto e foge, logo após a

bebedeira eles resolvem ir comer o frango quando saem da venda dão por

falta do negro, o tropeiro fica doido de raiva e preocupado com seus

pertences, o vaqueiro em solidariedade com o tropeiro decide o acompanhar

até as minas, pois quer negociar pessoalmente com os mineiros, e quem sabe

não encontrariam o negro fujão pelo caminho, manda o jagunço arreiar os

cavalos e vão ao encontro do Mineiro.

ZÉ, VAQUEIRO E ANTÔNIO

Em conversas, esclarecimentos e discussões Vaqueiro relembra o motivo da

alta dos preços ao mineiro: a intromissão do governo da Capitania nos

negócios; o desejo de interditar o ―caminho da Bahia‖, alegando contrabando

de ouro; a proibição do comércio com a região mineradora. Antônio diz da

presunção dos ―curralenses‖, pois diz que o ouro é que sustenta o curral.

Vaqueiro diz que o mineiro é preguiçoso e sem o produto dos ―currais‖ eles

nem estariam ali: tinha morrido de fome. Zé tenta apaziguar. Vaqueiro

remete ao motivo da guerra dos Emboabas. O escravo surge, sorrateiro e

prende os três, usando a arma do Vaqueiro.

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Desabafo do escravo – em meio a desabafos, rouba o ouro deles e esclarece:

―Eu vim do curral pra aqui, pra liberta mais irmãos! Já matamo outros branco

n‘outras vila pra consegui vive livre! Meu bando tá indo p‘ronde eu conheci:

uma terra de liberdade como nossa África... Antes, eu podia mata ocês...

quero não... Num preciso... Ocês, branco, se matam sozinho. Cês num sabe,

mas eu sei! Ouvi! Sempre ouço! (Ri)... Agora ocês é tudo a mesma coisa! O

mesmo dono! (ri) As minas junto cum os gerais! (Ri) A cozinha com o

Curral! (ri) ÊH, Vaqueiro, num sabe o que te espera. Ce num vai mais podê

vende lá pra cima, pra Bahia... é só pros mineiro pão duro! (Ri muito) Agora

cês tem um só dono, um só governo...

Vaqueiro – Preto sujo! Minha freguesia é livre! Morrinhos tem autonomia... o

Rei pessoalmente...

Escravo – (interrompendo-o com um chute violento) O Rei só qué ouro!

Acabô tudo procês do curral! (Mostra um papel) Num leio mas escuto...

matei um mensageiro no caminho... tinha isto aqui ó... (entrega o papel) Vê o

quê que ele fala... (ri mais)... eu num preciso, já sei... (vai saindo)... sempre

ouvi tudo, sempre sabia... liberdade... eu vou pra minha terra... (sai correndo

e dando tiros pro alto)

Os três se desvencilham das cordas e lêem a carta: uma informação Real

sobre a instituição da Capitania das Minas Gerais e as proibições sobre o

comércio e ouro na nova capitania.

- Cavalgam até as minas, chegando lá não encontram o negro pelo caminho

o vaqueiro sempre cuidadoso manda o jagunço ficar lá fora de olho nos

cavalos pra eles não terem mais nenhuma surpresa,(parece que tava

adivinhando), o tropeiro apresenta o vaqueiro para o mineiro que mais

receoso ainda cumprimenta os dois e começa conversar sobre aquela surpresa

de vê um baianeiro naquelas bandas, começa a negociação com dificuldades

pelo preço pedido pelo vaqueiro da sua mercadoria, o mineiro cita que o

negócio tem que ser diferente pois ele tinha em mãos uma carta da coroa

dizendo que os geraseiros estavam proibidos de negociar com os baianos e

que agora seria o comércio só dentro das capitanias de minas... neste exato

momento da conversa o negro aparece também armado e ataca primeiro o

jagunço e lhe rende e amarra, entra na negociação e prende tos os três

tomando todos os bens deles deixando apenas a criança filha do mineiro solta

pois ficou com dó pois tinha a lembrança da criança maltratada pelo pai pois

passava fome. Desabafo do escravo – em meio a desabafos, rouba o ouro

deles e esclarece: ―Eu vim do curral pra aqui, pra liberta mais irmãos! Já

matamo outros branco n‘outras vila pra consegui vive livre! Meu bando tá

indo p‘ronde eu conheci: uma terra de liberdade como nossa África... Antes,

eu podia mata ocês... quero não... Num preciso... Ocês, branco, se matam

sozinho. Cês num sabe, mas eu sei! Ouvi! Sempre ouço! (Ri)... Agora ocês é

tudo a mesma coisa! O mesmo dono! (ri) As minas junto cum os gerais! (Ri)

A cozinha com o Curral! (ri) ÊH, Vaqueiro, num sabe o que te espera. Ce

num vai mais podê vende lá pra cima, pra Bahia... é só pros mineiro pão

duro! (Ri muito) Agora cês tem um só dono, um só governo...

Vaqueiro – Preto sujo! Minha freguesia é livre! Morrinhos tem autonomia... o

Rei pessoalmente...

Escravo – (interrompendo-o com um chute violento) O Rei só qué ouro!

Acabô tudo procês do curral! (Mostra um papel) Num leio mas escuto...

matei um mensageiro no caminho... tinha isto aqui ó... (entrega o papel) Vê o

quê que ele fala... (ri mais)... eu num preciso, já sei... (vai saindo)... sempre

ouvi tudo, sempre sabia... liberdade... eu vou pra minha terra... (sai correndo

e dando tiros pro alto)

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Logo após foge em galope ... Os três amarrados tentam convencer o menino

a soltar os mesmos somente quando o vaqueiro fala que vai lhe dar mais

comida que ele ajuda a libertá-los, após isto resolvem ir atrás do negro e

pegarem custe o que custa; chamas a ajuda de um Capitão do Mato fazem

uma tropa e vão em busca do negro.

-Cena negro em galope com os pertences dos negociantes, ele para analisar o

que roubou ver o ouro a comida fala alguma coisa toca o cavalo pra longe,

para não dar suspeita fala sobre o quilombo para onde estar indo, é que já esta

perto mais estar cansado, e vai descansar e no outro dia continua o caminho,

momento em que adormece.

Imagem: Foto de Leonardo Alves, agosto de 2008, sala 53 C,

Centro de Ciências Humanas, Universidade Estadual de Montes

Claros, Minas Gerais. Cena do Escravo, na foto ator, diretor

Leonardo Alves.

Muitas tentativas surgiram em busca da melhor forma de retratar aquelas

passagens da história sem deixar de mostrar fatos importantes, o que foi um desafio para

nós atores e também para o dramaturgo e coordenadores da Cia Acômica, que

acompanhavam os trabalhos de criação e improvisação cênica, dando sugestões e

auxilio. Todos do núcleo estavam apreensivos por estar próximo o dia da estreia,

enquanto ainda estávamos no processo de criação de cenas.

-Cena dos homens passando para procurar o negro, vêem ele se organizam e

cercam o negro ainda dormindo, acordam ele que se levanta com muito medo

tenta se livrar e fugir mas não consegue, e surrado muito por todos que o

deixa todo quebrado em cena e saem...contando vitória.

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Imagem: Foto de Leonardo Alves, agosto de 2008, sala 53 C,

Centro de Ciências Humanas, Universidade Estadual de

Montes Claros, Minas Gerais. Cena Homens a procura do

Escravo, na foto atores da esquerda para direita: Tatiane

Teles, Tarciane Figueiró, Antonella Sarmento, Soraya Santos

e Gabryel Sanches.

-Lamento do negro frases em idioma afro, ―canto afro‖ e depois desmaia.

Nesta cena trabalhamos músicas pesquisadas na cultura popular, trazendo

para cena muito material musical, como cantos de lavadeiras e de rezadeiras. Tivemos o

auxílio do ator Lucílio Gomes, experiente em pesquisa dos saberes populares, e que

muito contribuiu para nosso trabalho de criação. Com sua experiência, sugeriu músicas

ao início dessa cena em que as lavadeiras encontravam o corpo do escravo e tentavam

curá-lo com benzenços e músicas de romarias. Numa tentativa fizemos a cena da

seguinte forma:

-A cena começa com um canto das lavadeiras em off,

Mandei caia meu sobrado, mandei, mandei, mandei.... Mandei caia de

amarelo, mandei, mandei, mandei... (bis)

-elas começam a sua passagem com o canto, no final da travessia uma delas

escuta um barulho diferente (gemido do negro), vão averiguar e avistam o

negro todo ensangüentado e desfalecido, uma delas com muito medo diz que

tem que ir embora que alguém que fez aquilo vai voltar e fazer com elas a

mesma coisa, começam a cuidar do negro e vêem que se trata de um

escravo... dão água e rezam para ele melhorar... resolvem, levá-lo por que vai

ser melhor e mais seguro.. levantam-no e levam ele no colo para fora de cena

cantando: Mandei caia meu sobrado, mandei, mandei, mandei.... Mandei caia

de amarelo, mandei, mandei, mandei... (bis) logo após em off:

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Imagem : Foto de Leonardo Alves, agosto de 2008, sala 53 C, Centro de Ciências

Humanas, Universidade Estadual de Montes Claros, Minas Gerais. Cena Lavadeiras

cuidam do Escravo. Na foto da esquerda para direita atores: Antonella Sarmento,

Tatiana Teles, Tarciane Figueiró, Soraya Santos, Gabryel Sanches e no chão Leonardo

Alves.

-Texto do baianeiro e projeção de fotos de famílias, sertanejos.

O texto abaixo, que seria gravado, foi retirado na íntegra da pesquisa do

professor João Batista de Almeida Costa, pois se trata de uma entrevista feita com um

morador do povoado de Gado Bravo distrito da cidade de Matias Cardoso, o lavrador

Sr. José Lima. Relato na integra a resposta dele ao seguinte questionamento que lhes

fizeram: se ele era baiano ou teria sido chamado de baiano cansado ou baianeiro ele

respondeu:

“Na verdade, quando falaram que eu era baiano eu disse que não, porque eu

na verdade não sou. Eu disse que sou norte mineiro. Nasci num lugar

chamado Gado Bravo, aí dentro onde tinha uma mataria grande e o gado

andava solto nas terras comuns. Era tudo bravo. Então eu disse, por isso,

que eu nasci em Minas Gerais, no norte, quase na linha da divisa com a

Bahia. Mas, então, eles falaram que eu era baianeiro. Virgem Santa, achar

que eu sou meio gente? Que nem sou mineiro e que nem sou baiano? Senti

como se tivesse recebido um tiro na boca do estômago. Minhas vistas se

anuviaram de raiva. Ai eu disse, gente, eu sou norte mineiro! Eles

acomeçaram a rir de mim e um falou:”ta bom você é mesmo é baianeiro!”.

Eu só não parti para cima deles porque o capataz chegou dizendo para a

gente ir colher café. Eu fiquei a tarde inteirinhazinha, todinha, remoendo

aquele desaforo. Vê só, dizer que não sou gente inteira. Eu sou é muito

homem. Ai eu fiquei pensando e me lembrei que na Bahia, quando fui para o

serviço de eucalipto lá em Cocos, os baianos me chamaram de mineiro

cansado.Aí eu fiquei bestuntando nas minhas idéias. Se os baianos falam que

nós somos mineiros cansados porque não conseguimos ir para São Paulo,

não é? E os mineiros dizem que a gente é baiano e quando eu falei que era

norte mineiro, eles me chamaram de baianeiro. Deve de ser porque eu não

sou nem uma coisa nem outra, não é? A gente cá desse sofrido norte deve ser

uma espécie diferente de gente, não é? Eu fiquei bestuntando nas minhas

idéias a tarde inteirinhazinha, depois que passou a raiva colhendo café. É

sabe que espécie de gente deferente que agente é, porque eu sozinho não,

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esse mundão de gente que vive neste norte seco sofrido. Mas só para os

fracos, não é, que os fortes esses fazem o que querem. Mas eles também, nós

todos formamos uma nação diferente de gente, essa nação de baianeiros.

Deve de ser por isso que nós somos mais pobres que os pobres de Minas e da

Bahia, não é? É quando eu falei isso com as pessoas disseram que eu estava

ficando doido das idéias. Um falou “está louco Zé, deixa de ser besta, nós

somos é da nação dos mineiros”. Mas depois falaram “não é que você tem

algum fio de razão”. Me deu um refrigério pensar que eu estava ficando

mole das idéias.Porque idéia de um homem se não for igual idéia de outros

homens, deve ser porque ele está ficando é mesmo mole, querendo ficar nos

cantos abestalhado. Virgem Santa! Meu Bom Jesus me proteja disso! Mas

que nós somos uma espécie de gente diferente, isso nós somos. É essa gente

toda desse norte de Deus, que agora está cheio de cancela, somos todos uma

nação de baianeiros. Uma gente nem baiana é nem mineira, não é? Mesmo

que a gente diga que nós somos mineiros. Vá entender, Deus, essas

loucuras.”(COSTA, 2003, p. 278,279).

Este texto, como se trata de um relato, a primeiro momento, iríamos gravá-

lo e colocar em off, quando em algumas improvisações fiz um caipira falando com um

sotaque bem típico, ficou de agradável aceitação do grupo e do dramaturgo: então

tínhamos uma segunda maneira de talvez introduzir o texto. Já o dramaturgo deu a ideia,

em um primeiro instante, de vários personagens falarem o texto em alguns momentos

juntos e em outros sozinhos, mais ou menos como num jogral. Muitas tentativas foram

feitas. Continuando o trabalho de montagem:

-Cena da volta dos homens contando vitória e tentando negociar agora que

recuperaram o ouro e as mercadorias que estavam com o negro, fazem a

negociação final e depois saem.

- Entra o negro (talvez com uma mordaça na boca caracterizando a proibição

da fala.), já arruma/prepara o cenário para o ritual como se fosse um criado

das mulheres.

Imagem : Foto de Leonardo Alves, agosto de 2008, sala

53 C, Centro de Ciências Humanas, Universidade

Estadual de Montes Claros, Minas Gerais. Mordaça do

Escravo, na foto: Leonardo Alves. Adereço

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confeccionado nas improvisações, permaneceu no

espetáculo.

- Acontece o Ritual.

(Entra as mulheres de saia e com frases escritas em pedaços de papel, se

ajoelham em frente a uma gamela com água onde molham as frases e colam

no corpo, depois levantam e saem de cena).

Após o dramaturgo receber o esboço do primeiro bloco de experimentações

e sugestões, ele acrescentou algumas mudanças e outras modificações. Segue, com suas

palavras, as recomendações e sugestões:

Escrevo sobre o roteiro que o Léo me mandou, assim como sobre o texto

completo que o Gabriel me enviou.

Ambos estão interessantes, porém carecendo de alguns aprofundamentos e,

sugiro, eliminações de algumas partes.

O plano ideológico (em ambos) tem começo interessante, mas some no

decorrer da peça. Ele precisa aparecer e amarrar ou re-significar a trama.

Dizer o que está subentendido, clarear o que está anunciado no outro plano.

Se não for assim é melhor abandoná-lo.

Alguns personagens não precisariam aparecer, pois estão sem função

importante. Não sei com quantos atores estão contando ao certo, mas me

parece que tem personagem que foram lançados para ter números de

participações para alguns. Será que um bom trabalho tem de ter todos em

cena? Todos estarão mesmo em cena? Pelo que trabalhamos e me

anunciaram, estava contando com, no máximo seis atores (e,

conseqüentemente, seis personagens) para ter um trabalho mais aprofundado.

Se precisar de mais personagens temos de ter cuidado... O Jagunço (no

roteiro do Léo) e o Sr. Messias (em ambos) não tem necessidade alguma,

nem possibilidades práticas de aprofundamento. Melhor descartá-los. A

esposa idem. Além do mais, ela está ―moderninha‖ demais. A mulher não

tinha voz, segundo nossas pesquisas. A força da mulher norte mineira pode

ter surgido depois, mas não sei se naquela época de avanços de bandeiras e

guerras a mulher era tão ―opinadeira‖. Também, a presença dela em nada está

ajudando o foco central da trama. O menino, filho de Antônio, segue no

mesmo raciocínio. Aliá-lo ao escravo por motivo de comida e atribuir força a

ele, capaz de amarrar adultos (um deles seu próprio pai) só é cabível numa

concepção dramatúrgica alegórica para o menino. Não é este o caso. Assim, a

cena fica ingênua e absurda.

As lavadeiras me parecem não favorecer a trama, parecem um desvio do

foco. Além de conter um humor estranho ao que está se criando. A cena delas

com o escravo, no ritual, está sem sentido. O ritual seria mais coerente sem

estas personagens. Qual o sentido de as lavadeira junto com o escravo

estarem naquele ritual?

Vaqueiro e tropeiro, juntos, apresentando justificativa de valor ao mineiro é

insustentável. Apesar de eu mesmo ter sugerido a ida do Vaqueiro junto, o

que já dá margem à cena que foi criada, a presença dos dois não tem

coerência. Pra que um tropeiro se a mercadoria veio com os cavalos do

Vaqueiro e ele mesmo pessoalmente? Além do mais, o Tropeiro somente de

―pacificador‖ em meio aos dois (apesar de ser sugestão minha) é frágil.

No geral, acho que apesar de já ter tido um avanço bom no desenvolvimento

geral, os diálogos merecem mais trabalho. As personagens do Vaqueiro e

Tropeiro estão muito abertas uma com a outra, com resolução muito fácil dos

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problemas. Uma certa ingenuidade nos desenvolvimentos dos diálogos

precisa ser trabalhada. Há também umas incoerências. O escravo é a mula, no

entanto ele foge levando a mula que em momento algum foi mostrada ou

apresentada verbalmente. A palavra está sendo muito usada para cria

situações corriqueiras, coloridos literários que não contribuem para acirrar a

trama. Por exemplo o episódio da escrava Creusa: muito texto e pouco

contexto físico, plástico, dramático... É necessário investigar mais concisão

de informação e texto que tragam com menor número de palavras as

personalidades das personagens.

Abaixo, sugiro novo roteiro que, me parece, traz um desenvolvimento que

aproveita o que está interessante nos textos que me mandaram e traz o plano

ideológico em favor do desenvolvimento da trama.

ROTEIRO

CENA 1 – NASCIMENTO DE MATIAS E MARIANA (Plano

ideológico, configurado por alegoria. Alegoria sobre o descobrimento das

cidades. A mãe não precisa ser relacionada com nada: pessoa, país,

estado, instituição. Apenas é recurso ficcional que introduz o nascimento

(descobrimento) dos dois. Ela não interfere nas ações dos dois. Ela não

tem seqüência nas ações.)

Esta cena já está escrita. Sugiro apenas que não seja colocada aqui a

brincadeira com o boizinho e que a riqueza de Mariana não apareça tanto.

CENA 2 – ZÉ TROPEIRO COM ANTÔNIO

Esta cena está Ok!

CENA 3 – ZÉ COM VAQUEIRO

Tirar a fuga do escravo e os personagens desnecessários. Finalizar fechando a

compra e saída do tropeiro montado no escravo, deixando claro que a compra

foi feita e que a mercadoria, mesmo sendo muito cara, chegará para Antônio.

CENA 4 – PLANO IDEOLÓGICO

Matias brinca com cavalo-de-pau e faz boizinhos com batatas (ou outros

legumes) e palitinhos. Mariana tem uma boneca enorme e chique. Faz

―comidinha‖ para ela. De alguma forma, compra os boizinhos de Matias para

―cozinhar‖ para sua boneca. (Se conseguir qualquer outra imagem com a

mesma idéia pode substituir as brincadeiras. O importante aqui é aumentar

um pouco o nível financeiro entre os dois, de uma forma que ajude a

caracterizar os universos distintos de ambos.)

CENA 5 – VAQUEIRO, ANTÔNIO, ESCRAVO E ZÉ

Vaqueiro rumo à São Paulo para algum encontro estratégico com seus

semelhantes (sobre os Emboabas, sobre alguma feira de gado, sobre compras

de alguma terra, etc.) encontra Antônio e trocam farpas: um reclama do

outro. Durante a discussão (em que pode se clarear algumas informações

interessante, como por que para os mineiros o preço é mais caro) surge o

escravo fugido e armado. Ameaça, rouba os dois e foge. Em seu encalço,

surge Zé Tropeiro, perseguindo-o. Encontra Vaqueiro e Antônio, explica

como foi a fuga do negro e anuncia a novidade: está criada Capitania das

Minas Gerais. Explica também as novas regras. Enquanto tenta descansar da

corrida atrás do negro, este surge sorrateiro e ameaça os três. Rouba o

tropeiro e ironiza, relatando o que ouviu sobre a nova estrutura política da

nova capitania. Agride os três e foge. Zé sai atrás dele. Antônio, percebendo

a nova situação, esnoba Vaqueiro que fica sem palavras.

CENA 6 – PLANO IDEOLÓGICO

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Matias está cantando uma folia (ou se expressando de alguma forma alegre e

expansiva) e surge Mariana interrompendo-o, exigindo que ele pare. Para

convencê-lo mostra um papel dizendo que o ―Papai‖ deu autorização para ela

fazer aquilo. A cada interdição, Matias acata e muda seu modo de expressão,

mas é seguido de uma nova ―autorização‖ mostrada por Mariana. Pode-se

pensar na colocação de partes de um cercado, colocado a cada intervenção de

Mariana. Ao final, Matias encontra-se num cercado, como num curralzinho e

Mariana à vontade, exibindo suas jóias.

CENA 7 – CONCOMITÃNCIA DE PLANOS

MATIAS (num canto) E ZÉ TROPEIRO COM ANTÔNIO

(noutro canto)

Enquanto Zé pega nova lista de compras com Antônio e este anuncia seu

crescimento e o desdém com a mercadoria, pois pode barganhar e já tem

outros fornecedores, Matias se lamenta por estar tão acanhado, desde que

Mariana ―abafou‖ sua voz. Ele se anuncia pequeno, abandonado e pobre.

MARIANA (num canto) E ZÉ TROPEIRO COM VAQUEIRO

(noutro canto)

Enquanto Zé anuncia que o povo das minas não estão fazendo questão de

comprar os produtos do Vaqueiro e este quase implora para que o tropeiro venda

suas mercadorias que estão se perdendo, Mariana se exibe, muito bem vestida,

faz discurso político e agradece o apoio das redes de televisão na sua campanha.

CENA 8 – ZÉ E ESCRAVO

Embate físico. Zé encontra o escravo e lutam. Antes de o escravo matar Zé,

anuncia que seu povo vai fundar um novo quilombo no Jaíba.

CENA 9 – DISCURSO BAIANEIRO EM TRÊS VOZES: VAQUEIRO,

ESCRAVO E MATIAS

Misturando planos, cada qual num canto sem se relacionar, se dirigem à platéia.

O texto, dito pelos três (ou repartido ou ao mesmo tempo) é aquele que está no

roteiro que o Léo mandou. Talvez possar ser acrescido de algo mais.

CENA 10 – FOLIA

Num ato de afirmação norte mineira, os atores finalizam cantando e dançando um

folia.

A partir deste primeiro encontro do dramaturgo com as sugestões dos

integrantes do núcleo e com a participação também dos coordenadores da Cia Acômica,

tínhamos esboçado a primeira ideia. E com um olhar diferenciado o dramaturgo nos

envia uma primeira ideia do que seria um roteiro de texto dramático. Após recebê-lo,

logo começamos a trabalhá-lo com mais improvisações e com anotações para o que

funcionava e o que talvez necessitasse de mudanças.

Como já tínhamos decido sobre como resolver o problema dos planos

ideológico e real do trabalho, o dramaturgo também começa a mandar sugestões

separadas de cenas individuais para os dois personagens Matias e Mariana, sugerindo

ainda um pequeno roteiro de cenas a se realizar no espetáculo, sendo que umas já

estavam escritas e outras ainda em processo de improvisações e criação. Outro contato

do dramaturgo trazendo as cenas 3 e 5 do plano ideológico.

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Vale ressaltar que muitos dos contatos com o dramaturgo eram feitos

através de correio eletrônico. Sempre mandávamos retorno de como se deu o trabalho

do núcleo na execução das cenas e outros detalhes para auxiliá-lo na escrita do texto

dramático. E, assim, andávamos para montar o maior número de cenas possíveis para

que, quando ele chegasse ao encontro presencial, fizesse uma análise com adequações,

correções e sugestões nas cenas já prontas.

01/09/2008

Meninos,

conforme nossos combinados, segue em anexo duas cenas do Plano

Ideológico: a cena 3 e a cena 5. Relembrando o roteiro de cenas:

Prólogo - Aboio e grupos de cavalheiros.

CENA 1 - Nasce Matias e Mariana - Plano Ideológico - já escrita

CENA 2 - Zé e Antônio (1708) - Já escrita

CENA 3 - P. Ideológico - em anexo

CENA 4 - Zé e Francisco (1711) - Escrita só o início. Falta desenvolver

diálogos

CENA 5 - P. Ideológico - em anexo

CENA 6 - Francisco, Antônio, Escravo, Zé (1720) - Falta escrever

CENA 7 - P. Ideológico - Falta escrever, mas teve improvisos que me

ofereceram material - Livros didáticos

CENA 8 - Zé e Francisco (1736) junto com P. Ideológico (Só Mariana)

CENA 9 - Zé e Antônio (1745) junto com P. Ideológico (Só Matias)

CENA 10 - Escravo discursa como baianeiro (2008) - Já escrita

Clareando melhor, acho que as cenas do plano ideológico deveriam

seguir (como verão em anexo) uma cronologia de crescimento dos

personagens: nascimento, infância, pré-adolescência, adolescência, adulto.

A adolescência seria a cena com os livros didáticos e a fase adulta nas cenas

finais, concomitantes com o plano terrestre.

ME DÊEM RETORNO!!

Inté e bom trabalho.

Glicério

CENA 3 - PLANO IDEOLÓGICO

MATIAS E MARIANA - INFÂNCIA

(Luz. Ela brinca com uma boneca chique, ele de cavalo-de-pau e boizinhos

com legumes e frutas)

Matias – Êiah!... (Galopa) Ôôahh!!...

Mariana – (Com a boneca) Tá com fome, neném? (Procura) Não tem nada!

Mamãe vai comprar! (Vai até ele)

Matias – (Com os bois) Muuu... (Percebe-a parada) Que foi Mariana?

Mariana – Minha boneca tá com fome!

Matias – Fala com pai!

Mariana – Papai falou pra gente se virar sozinho... me dá um boizinho pra eu

fazer papinha pra ela?

Matias – Dá num dô, eu troco!

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Mariana – (Pensa, olha em volta, olha em si, arranca um pedaço de sua roupa

e oferece) Toma!

Matias – (Pega) Mais!

(Ela tira mais alguns pedaços e entrega. Ele dá um boizinho pra ela.

Enquanto ela leva pra sua boneca ele se anima enfeitando seu cavalo

com os pedaços da roupa dela que funcionam como fitas no cavalo)

Mariana – (Com a boneca) Quer mais comida, minha filha? (Vai até ele já

oferecendo um pedaço de sua roupa) Toma! Me dá mais um!

Matias – (Pega dois boizinhos) Te dou estes, mas preciso de mais pano!

(Ela tira grandes pedaços de sua roupa, ficando quase sem nada.

Fazem a troca. Ela prepara a papa da boneca enquanto ele termina de enfeitar

seu cavalo que toma a forma de um boi de reisado. Matias entra no boi,

dança e canta um pedaço de alguma folia.)

CENA 5 - PLANO IDEOLÓGICO

MATIAS E MARIANA – PRÉ-ADOLESCÊNCIA

(Luz. Estão ensaiando uma peça de teatro. Matias está vestido de príncipe

com os mesmos retalhos que tinha enfeitado seu cavalo-de-pau. Mariana está

deitada. Ele está com um papel na mão, lendo as falas. Encena que chega,

acha-a, ajoelha e fala, conferindo no papel)

Matias – ―Oh!... como é bela... e está adormecida...

Mariana – (Se levantando) Ah, não Matias, cansei de dormir!

Matias – Mas eu ia...

Mariana – Ia, não vai mais! (Pega o papel da mão dele) Me dá! (Embola)

Vamos ensaiar outra peça!

Matias – Qual?

Mariana – (Depois de pensar) Vou ligar pro papai! (Pega um celular)

Matias – O quê é isto!

Mariana – Um celular, ora!

Matias – Pra quê?

Mariana – Papai me deu pra poder falar com todo mundo que eu quiser! Eu

posso espalhar minha voz por todo o país.

Matias – Por que ele não me deu um?

Mariana – Por que eu posso falar por você!

(O celular toca)

Mariana – Alô... oi papai!

Matias – Deixa eu falar com ele! (Tenta pegar o celular)

Mariana – (Evitando) Papai... quero outro papel!... É... O Matias também

acha...

Matias – (Afoito) Deixa eu falar com ele!.. (Tenta gritar) Pai...

Mariana – (Evita e tapa sua boca)... é... legal!... Ótima idéia... vou falar com

ele... tchau!

Matias – (Nervoso) Deixa...

Mariana – (Passa o celular pra ele) Toma!

Matias – Alô... Alô!... Desligou... O que ele disse?

Mariana – Pra ensaiarmos ―O príncipe encantado‖!

Matias – Então eu continuo sendo príncipe?

Mariana – Só que encantado... uma bruxa transformou você em sapo e... sapo

não, calango, e só a Princesa, que sou eu, posso quebrar o feitiço com um

beijo.

Matias – (Depois de pensar) E o que eu faço?

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Mariana – Primeiro, me dá esta roupa de príncipe, que calango não precisa.

(Tira-lhe a roupa e se envolve com ela) Agora, fica no chão, igual

calango! (Ele faz) Agora é só esperar.

Matias – (No chão) O quê?

Mariana – Papai ligar e me falar que hora que é pra eu quebrar o encanto!

(Desce luz)

Neste momento do trabalho, pensou-se dramaticamente na situação da

importância do fato histórico registrado, e que ainda não foi elucidado diante das

evidências. Para tal, o dramaturgo sugere uma cena no plano ideológico que busca este

embate dos dois no registro da sua história Matias e Mariana.

CENA 7 – PLANO IDEOLÓGICO

MATIAS E MARIANA – ADOLESCÊNCIA

(Mariana está sentada em uma carteira escolar, escrevendo em livros. Ao seu

redor vários livros espalhados no chão. Ela termina a escrita de um e o joga

junto aos outros. Pega outro na carteira e começa a escrever. Matias entra,

observa e pergunta)

Matias – O quê que cê tá fazendo, Mariana?

Mariana – (Sem interromper) Escrevendo, não está vendo?

Matias – O quê?

Mariana – (Escrevendo, sem olhar para ele) Papai falou pra eu escrever a

nossa

história.

Matias – Mas pai num tá viajando? Tempão que eu não consigo falá com ele!

Onde ele tá?

Mariana – (Mostra o celular sem parar a escrita) Me ligou!

(Ele pensa um pouco. Pega um livro da carteira e senta no chão. Tira um

lápis do bolso)

Mariana - (Interrompendo a escrita) O quê você está fazendo?

Matias – (Debocha) Escrevendo, num tá vendo?

Mariana – Escrevendo o quê?

Matias – Uai, nossa história!

Mariana – (Tomando-lhe o livro) Não! Papai falou pra eu somente escrever!

(Tenta

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convencê-lo) Você não sabe escrever direito, Matias. Eu que fui pro Colégio

de Freiras, meu padrinho é rico e compra material pra mim. Você só fica

metido no mato! Parece bicho!

Matias - Mentira! Eu queria estudar também, mas pai dá mais atenção pr‘ocê

do

que pra mim!

Mariana – (Ardilosa) Não é o que a história diz...

Matias – Como assim?!

Mariana- (Pega um livro do chão, abre e lê) ―...Mariana, desde cedo mostrou

vocação para o desenvolvimento. Matias, por outro lado, sempre

esteve

arredio, indomável, duro. Mariana é como terra fértil, predisposta a dar

frutos. Porém, Matias, é terra árida, infrutífera.‖

Matias – Que absurdo! (Tenta pegar o livro) Me dá se não te encho de

pancada!

Mariana – Bate! Bate! Sabe que se me encostar um dedinho, papai te castiga

feio!

Matias – O que você leu é invenção da sua cabeça!

Mariana- Papai me disse:‖Se está escrito, é verdade!‖ (Atiça-o) Você precisa

ver

como minha história é interessante, Matias. Cada detalhezinho ficou

muito

bem escrito. Quando eu ficar famosa, todo mundo vai saber como eu cheguei

ao topo! Desde o meu nascimento, que foi antes de você...

Matias- (Revoltado) Eu nasci primeiro! Todo mundo sabe!

Mariana – (Cínica) Quem?!

(Ambos olham para o público. Silêncio. Retornam à cena)

Matias – Não importa! A gente sabe que eu nasci primeiro!

Mariana- Então prova!

(Ele procura nos livros no chão. Lê um, outro, mais alguns e se resigna. Tem

uma idéia e fica feliz. Tira um ―boizinho‖ do bolso e oferece)

Matias – Qué trocá pro esses livro?

Mariana – (Desdenha) Quero não! Papai agora me traz ―boizinhos‖ melhores,

sempre que eu preciso!

(Ele fica pensativo, olhando o boizinho)

Mariana – (Fala enquanto o cerca com os livros) Preocupa não Matias.

Mesmo eu

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tendo nascido primeiro, está escrito que você é meu irmão e que precisa de

ajuda. Daqui apouco papai arruma um padrinho pra você. É só esperar...

Você vai ver... já, já você vai começar a desenvolver também. Eu também

vou ajudar, tá? (Sai)

Matias – (Olha ela sair. Pega um livro da carteira e escreve, com

dificuldades,

soletrando) Maaaa... tiiiiaaaasss... na... (pára, pensa,volta a escrever)

naaaassss... sssseeeeuuu... priiiii... meeeiiii... roooo...! (Fecha-o. Coloca-o no

chão e põe o boizinho em cima. Sai.)

(Mariana volta, sorrateira, abre o livro que ele escreveu, arranca a folha e

queima-a. Sai)

Desce luz

Todo trabalho com a dramaturgia foi crescendo muito durante todo o

processo, chegando cada cena a ser mudada por mais de oito vezes. Dentro do trabalho

de improvisação do núcleo, surgiam variações das cenas, enquanto eu e os

coordenadores da Cia Acômica e até mesmo o dramaturgo, fazíamos os ajustes, recortes

e adaptações para a dramaturgia, buscando a melhor forma de repassar a ideia do tema e

os fatos importantes, sem deixar de lado pontos importantes a serem abordados no

contexto geral do trabalho.

Imagem : Foto de Leonardo Alves, agosto de 2008, sala 53 C,

Centro de Ciências Humanas, Universidade Estadual de

Montes Claros, Minas Gerais.Encontro com Cia Acômica para

trabalhar o texto. Na foto da esquerda para direita atores:

Antonella Sarmento, Gabriel Sanches blusa preta, Soraia

Santos e Cláudio Márcio da Cia Acômica.

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Tínhamos preocupação com o produto final, no sentido estético e ético, do

trabalho de criação, dando o devido valor aos fatos e exploração cênica dos mesmos.

Neste sentido foi se fazendo retoques, reformulações ao texto dramático, chegando ao

roteiro de cenas, ora apresentados com suas correções finais.

O grande desafio de montagem se deu em virtude da transformação de

planos cênicos para abordagem de duas concepções diferentes de planos ideológicos,

podendo colocar da seguinte forma: um plano real e outro ideológico trazendo ao

espectador a relação entre a situação cênica e a realidade histórica, em que, através da

imaginação, lhe seria levada a concepção do conflito territorial que a dramaturgia trazia

através dos fatos históricos muito bem costurados na trama teatral.

Depois de muito trabalho, estávamos chegando à reta final. Aí foi

importante a presença da cenógrafa e figurinista Ana Lana Gatelois que, juntamente

com os integrantes da oficina de cenário, começou a elaborar o projeto do cenário e

figurinos do trabalho que já tinha um nome Exercício nº1 sobre Catrumano. Até mesmo

os integrantes da oficina de cenário e figurino se sentiram envolvidos no trabalho pela

sua relevância e identificação imediata ao sentido de pertencimento do trabalho

apresentado. Muitos projetos e várias ideias foram compartilhadas no decorrer da

oficina, que teria ainda outro encontro para confecção na semana anterior a estreia.

Juntamente à oficina de cenário e figurino, tivemos um encontro com

dramaturgo, já com um material bem adiantado de criação do texto dramático. Este

trabalho aconteceu nos dias 23 e 24 de agosto e tivemos algumas pessoas que

participaram e foram convidadas a fazerem parte do núcleo, ajudando também na

montagem, vez que passávamos por dificuldade de elenco. Inclusive este pesquisador,

que a princípio não iria representar, somente fazer a direção do trabalho, por falta de

atores, foi obrigado a estar no palco. Foi muito gratificante a experiência, sendo

envolvente pelo que já ressaltei: relevância, identificação e busca de valorização da

mineiridade do norte de Minas.

A atriz Francielle Pereira, que também trabalhava participando da oficina de

cenário e figurino foi convidada a se integrar ao elenco juntamente com a atriz Rita

Maia acadêmica do curso de artes teatro da UNIMONTES, com contribuição na

figuração e confecção do cenário e figurino.

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Imagem: Foto de Leonardo Alves, agosto de 2008, sala 53B,

Centro de Ciências Humanas, Universidade Estadual de

Montes Claros, Minas Gerais. Oficina de Cenografia e

Figurino, na foto: de pé: Ana Lana Gasteloais responsável pela

oficina e os integrantes da oficina.

No primeiro encontro de oficina de cenário tivemos muitas sugestões

viáveis, tendo em vista que o trabalho de elaboração do cenário e figurino deveria ser

feito com um determinado teto de recurso financeiro. Por esse motivo, doei várias peças

de meu acervo particular para confecção de figurinos e adereços do trabalho.

No trabalho executado na oficina de cenografia, tínhamos várias pessoas

ligadas às artes plásticas e à música. Todos os projetos de cenários e figurinos criados

na oficina foram arquivados para retornarem no segundo encontro da oficina, que seria

na semana que antecederia a estreia do resultado final de Exercício nº1 sobre

Catrumano. Junto ao trabalho de cenografia acontecia também um encontro de

dramaturgia, que já estava nos acertos finais de criação dramática do texto.

Em muitos encontros e experimentações os atores também ajudaram no

trabalho de cenografia, por este ser também um objetivo do núcleo, qual seja, que o

elenco participe de todas as oficinas de montagem do trabalho final. Quando nos

encontramos durante o processo de criação, começamos também a fase de pesquisa de

músicas regionais com o ator convidado Lucílio Gomes, que propos diversas canções

regionais relacionadas aos personagens já criados. Ele assistiu aos ensaios,

familiarizando-se com o trabalho para sugerir músicas. Juntamente com Lucílio Gomes,

tínhamos a presença dos músicos Daniel Morais e Marçal Maciel que ajudaram a criar a

trilha sonora do espetáculo.

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Imagem: Foto de Leonardo Alves, agosto de 2008, sala 53 C,

Centro de Ciências Humanas, Universidade Estadual de

Montes Claros, Minas Gerais. Oficina de pesquisa de música

regional, na foto: primeiro plano com o tambor Lucílio Gomes

coordenador da oficina, atores da esquerda para direita: sentado

Gabryel Sanches, em pé no fundo Antonella Sarmento, em pé

de preto Soraya Santos, sentada ao fundo Tatiane Teles e em pé

Ana Flávia Amaral de lenço preto.

Após os trabalhos de criação e o envolvimento de pessoas na concepção do

espetáculo, foi se concretizando as cenas e personagens da trama cênica. Com certeza,

teríamos no plano ideológico o nascimento do Matias Cardoso do de Mariana. Eles

teriam sempre este embate de troca através do ouro, jóias mostrando, através do viés

ideológico, a imagem real de personagens criados para caracterizar cada região.

Tínhamos o Gerazeiro, vaqueiro, criador de gado e produtor de alimentos na

lavoura; e tínhamos o mineiro representando as Minas de ouro, pedras preciosas. Para o

vínculo entre eles, a transportar as mercadorias de ambos para troca, surge, a figura do

tropeiro, mascate, vendedor ambulante, e também mensageiro. Não poderia deixar de

aparecer o escravo, que caracteriza o empregado, escravizado pelo mineiro e

trabalhador dos geraizeiros. Juntamente ao tropeiro e escravo, teríamos a figura das

tropas de carga, representadas por dois atores convidados das oficinas de cenário que,

com certeza, participariam como coringas no espetáculo.

Toda a história se dava em relação a estes personagens e fatos históricos

reais impostos pela coroa portuguesa. O plano ideológico era representado por crianças

que nascem e pela convivência entre eles, da qual surge um elo do plano ideológico ao

real: quando o Matias nasce primeiro, isso tem um objetivo; quando trocam comida por

ouro, da mesma forma. Quando Mariana toma o livro do Matias e queima a história,

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talvez nossa real história também tenha sido queimada. Mas tivemos pessoas de

coragem naquela época que enfrentaram a Coroa, bateram de frente com o governo pela

justa causa de um coletivo. Hoje, através do Movimento Catrumano, começamos a

buscar a valorização da nossa região, seu verdadeiro valor na criação do estado de

Minas Gerais, o sentido de pertencimento do seu povo forte, valente, catrumano, norte

mineiro.

Chega a semana anterior ao espetáculo do resultado do núcleo. Começamos

os preparativos para a confecção do cenário e figurino, compra e confecção de material

gráfico, cartazes e divulgação. Tivemos ensaios no local da apresentação juntamente

com a oficina de iluminação com Felipe Cosse e Frederico Almeida, quando criamos

um mapa de luz, montagem e condução da mesa de luz. Estes detalhes finais

aumentavam o nervosismo dos atores e preocupação com os últimos detalhes. Tínhamos

ainda uma parte do texto para ser apresentado em off, por gravação, e o tempo estava

passando. A atriz Ana Flávia que estava também na assistência de produção

providenciou a gravação. Realizamos os últimos retoques no cenário e figurinos.

Imagem: Foto de Leonardo Alves, setembro de 2008, Casa do

Tambor em Montes Claros/Minas Gerais local da apresentação,

2ª etapa da oficina de cenografia e figurino, na foto: da

esquerda para direita, Antonella Sarmento e Ana Lana

Gastelois. Tingindo tecido que fará parte do cenário.

Havia muitos detalhes com os quais se preocupar e que faziam parte do

processo. Todos os atores ali envolvidos começavam a vivenciar o dia a dia de um

grupo teatral na execução de seu trabalho de criação coletiva. Todos do grupo cresceram

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com esta experiência. Até mesmo quem já havia passado por outros grupos presenciou

um processo diferenciado de condução e de criação.

A motivação era visível, juntamente com a ansiedade da estreia. Tudo

acertado, somente aguardavamos a hora. Tínhamos conseguido. Ali estava o núcleo de

investigação teatral de Montes Claros/2008 com seu produto final pronto: com vocês o

Exercício nº1 sobre Catrumano! Poucos minutos antes de darmos início ao trabalho

surge um empasse entre o dramaturgo e o coordenador da Rede Teia, e integrante da Cia

Acômica, Nelson Bam Bam. Tentando decidir o posicionamento de cenas na ordem de

surgimento dos fatos históricos, fugindo do roteiro estabelecido, a ideia seria inverter a

história. Houve alguns segundos de apreensão, mas tudo se resolveu.

Nervosismo e frio na barriga – normal em estreia. Mas o sucesso estava

certo: de todo trabalho a que se impõe dedicação, responsabilidade, seriedade, se tem

um resultado satisfatório, fruto que se planta e, por ser bem cuidado, reproduz com

qualidade. E assim foi: apresentamos em um local não convencional. Tínhamos

expectativa também do público, que lotou o espaço e, naquele momento. Erámos nós e

eles, narrando e representando uma única história, a verdadeira história do Norte de

Minas. Víamos nos olhos e expressões daquele público a identificação e aceitação do

trabalho, até mesmo nos surpreendendo.

Ao final, fomos aplaudidos de pé por alguns minutos. E, como de praxe,

houve um debate ao término, que nada mais foi do que a consolidação do dever

cumprido – e muito bem cumprido por sinal. A partir daquele momento começamos a

ser chamados de ―Os Catrumanos‖, denominação que também nos incentivou a

concretizar o trabalho na criação de um Grupo Teatral, gerado por oito meses e nascido

por entre vivências inesquecíveis entre pessoas especiais, que são o reflexo do povo

norte-mineiro sendo, representado pelo Grupo Teatral Catrumano. A partir de então foi

se consolidando uma trajetória de repercussão na representação da história de um povo

na busca de sua valorização e reconhecimento de sua identidade.

4.4 CONSOLIDAÇÃO E REPERCUSSÃO DO TRABALHO

A partir daquela primeira apresentação, vieram mais nove, dentro do projeto

rede teia, sempre com muitas pessoas na plateia. E por incrível que pareça, pessoas que

gostaram tanto que assistiram por mais de cinco vezes, e ainda gostariam de rever o

trabalho.

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Dentro das programações da Rede Teia de Investigação Teatral, ao final dos

processos nos núcleos, acontecem as apresentações dos resultados finais e a

coordenação convida algumas pessoas do local e/ou relacionadas aos temas abordados

para, juntos, realizarem um pequeno debate ao final das apresentações acerca do tema e

sobre o processo de criação. Através dos debates, abre-se um bate-papo com a plateia,

esclarecendo curiosidades sobre o processo, pesquisa dos temas e elaboração do

trabalho final de criação cênica. Em Montes Claros um dos debatedores convidado foi o

professor e historiador Petrônio Braz, membro da Academia Montesclarense de Letras

e um dos cronistas do site www.monteclaros.com, que fez a sugestão de mostrar o

trabalho para além de Montes Claros, tendo em vista a relevância do trabalho

apresentado. Comentário sobre o trabalho por Braz (2008):

Catrumano

Participei, como assistente e debatedor, no último domingo (21/09/2008), do

espetáculo que está sendo apresentado no Galpão da Prefeitura Municipal, na

Avenida Sanitária nº 52, aqui em Montes Claros, de 09 a 28 de setembro, de

quarta a domingo, às 19h30minh, que resgata de forma simbólica e muito

bem apresentada a história de nossa região, a partir do povoado de

Morrinhos, hoje Matias Cardoso.

Com coordenação de Cláudio Márcio e Nelson Bambam, direção geral de

Nelson Bambam, assistência de direção de Cláudio Márcio e de Leonardo

Alves, dramaturgia de Glicério Rosário monitorada por Gabryel Sanches e

orientação cenográfica de Ana Lana Gastelois, os atores Ana Flávia Amaral,

Antonella Sarmento, Gabryel Sanches, Leonardo Alves. Soraia Santos,

Tassiane Figueiró, Tatiana Teles e Rita Maia nos contam de forma

dramatizada a história evolutiva no período colonial, buscando fixar, como

uma verdade histórica, a anterioridade de Matias Cardoso em relação a

Mariana. A história por eles apresentada segue uma cronologia real que nos

leva, pelo imaginário, a vislumbrar as lutas da conquista territorial e da

afirmação de domínio. O espetáculo, como eles mesmos afirmam, além de

resgatar o termo catrumano, dando a ele o seu real significado, em

contraposição ao que ficou estabelecido de maneira pejorativa na obra de

Guimarães Rosa, enaltece a cultura baio-mineira, que se estabeleceu na

região em razão do próprio movimento colonizador. Declaram eles:

―Aprendemos a nos esforçar e ser disciplinados no trabalho diário e

intensivo. Compartilhamos nossas emoções e vidas. Unimos força e

superamos nossas inseguranças e dúvidas. Convivemos num universo de

idéias, aprendemos para a arte e para a vida a confiar nas palavras a perder, a

sofrer e a escutar (...). Nós atores, artistas, mineiros, norte mineiros,

consideramos o Exercício número 1: sobre Catrumano, não apenas como o

resultado final do núcleo de investigação teatral de Montes Claros, mas

principalmente, como início de uma nova trajetória, em que redescobrimos

nossa identidade e assumimos nossa história.‖ Sem ultrapassarem o período

colonial da história regional, buscam definir os fatos ocorridos, no processo

de colonização, de 1613 a 1736, quando ocorreu a Conjuração do São

Francisco. O resgate que está sendo buscado precisa ser mais difundido.

Deve se espalhar além de Montes Claros, para que possa chegar à sede do

Poder. Como simples observação, devemos lembrar que a vila de Ribeirão do

Carmo foi fundada efetivamente em 1703 e em 1745 a Vila do Ribeirão do

Carmo foi elevada à condição de cidade, com o nome de Mariana. Enquanto

o povoado de Morrinhos, depois Matias Cardoso, foi fundado em 1660. Não

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se discute, portanto, a anterioridade de Matias Cardoso em relação a Mariana.

Fiquei emocionado com a visão do espetáculo cultural, vendo passar pela tela

de minha mente as lutas da conquista, povoamento e dominação da região.

A Casa estava realmente cheia, dentro dos limites de sua estrutura, o que

demonstra estar havendo interesse cultural de considerável parcela da

população local.28

Além do Professor Petrônio, tivemos várias outras pessoas convidadas,

durante as dez apresentações na Casa do Tambor, em Montes Claros/MG, para

participarem dos debates sobre o trabalho, com excelente aceitação do público.

Estávamos satisfeitos com o resultado, e não podíamos deixar de convidar o professor

João Batista de Almeida Costa, que nos brindou com um trabalho de pesquisa

excepcional, dando um presente para o núcleo e para o povo norte mineiro. Pois, através

do seu trabalho, se fomentou e fortaleceu o Movimento Catrumano. O professor João

Batista também nos privilegiou ao participar dos debates após as apresentações que

assistiu, sendo ele um dos que prestigiaram mais de uma vez nosso trabalho, que de

certa forma também é dele. Ele muito carinhosamente nos relata em um dos seus

inúmeros depoimentos em sites e blogs sobre o trabalho Exercício nº1 sobre

Catrumano:

João Batista 01/10/09 dentro do fórum da comunidade.

O Exercício no. 1 sobre Catrumano, ainda que tenha nascido prematuro como

informa o Gael, ele é um espetáculo pronto, artisticamente belo,

sensivelmente emocionante, criticamentes arcástico. Estas qualidades tocam

não apenas aos apaixonados pelo Norte de Minas e pelos Gerais, mas

qualquer amante da arte teatral, primeiro porque desafia a nossas

mentalidades desde o começo do espetáculo ao sermos, como espectadores,

tocados para dentro do espaço cênico por "cavalos" que nos empurram com

focinhos e que nos atiçam com coices.

Aos poucos vai-se entrando numa história pouco conhecida e vai nos abrindo

a visão para saber de algo até mais antigo que Minas Gerais, mas escondido

"debaixo do tapete da história e da identidade mineiras", porque nos mostram

como verdadeiramente somos, temos a cabeça dourada do ouro e os pés

lambuzados pela lama do curral. E disto os mineiros têm horror e por isto nos

esconderam de sua história e de sua identidade, nos dizendo baianos, baianos

cansados e baianeiros.

E já dentro do conteúdo que esses bravos artistas catrumanos colocam ante

nossos olhos, ler crítica e sarcasticamente, Mariana, como uma estátua da

liberdade, galgar patamares e de lá, para afirmar-se como a protagonista da

liberdade nacional, colocar fogo na historia de Matias e assim, esconder

nosso movimento de libertação em 1736. Bravos artistas catrumanos, vocês

desafiam a nós e a todos, principalmente aos artistas, a colocarem a nós

mesmos em cena, inventando gestos, instigando pensamentos e saberes,

28

Retirado do endereço eletrônico: Mensagem nº 38957, por Petrônio Braz – 24/9/2008 05:47:15.

Disponível em: <http://montesclaros.com/mural/cronistas.asp?cronista=Petronio%20Braz> Acesso em:

30 set. 2008.

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como bem o fizeram o Grupo Catrumano com seu Exercício número 1 sobre

Catrumano! E viva os Catrumanos! E viva o Norte de Minas!29

Um trabalho como esse que traz uma história cheia de textos e contextos

fortes alusivos a fatos históricos esquecidos e apresentados como forma de valorização

de sua origem cultural realmente marca as pessoas. Venho ressaltar uma pessoa

importamte neste processo com grande responsabilidade na realização do trabalho, o

conterrâneo, amigo, artista Nelson Bam Bam Júnior, que acreditou no núcleo, em mim,

em todos que conviveram durante todo o processo, produtores, familiares e

principalmente o público, que é o nosso principal foco. É para este público que

trabalhamos e nos dedicamos, mesmo que nosso desejo também esteja no trabalho. Por

este motivo também de dever cumprido é que ressalto aqui um depoimento do Nelson

Bam Bam, coordenador da Rede Teia, no seu perfil de um site de relacionamento:

Catrumano: sobre o espetáculo, Noh!... Nem parece que aconteceu. Mas é

tudo verdade. Meu coração também dispara, meus olhos lagrimejam. O

espetáculo pra mim e um canto de louvor e tantas historias: da minha

adolescência em Montes Claros convivendo com toda a turma do teatro, de

estar de novo ao lado de, e com Soraya Santos, Rita Maia e Léo Alves, de

saber que as sementes germinam, de estar de volta de onde nunca tive

ausente, de me saber homem Geraizeiro e compreender o que é isso, de amar

novas pessoas e dizer a elas sejam bem vindas ao nosso universo das artes (

Gabriel, Antonella, Franciele, Tarciane, Tatiane, Luiz Felipe, Daiane), não

canso nunca. Minha alma se remexe. Saudades do sertão. Amor a Joba(João

Batista de Almeida), esse homem de plenas convicções e enormes

realizações. Lembrar de quem se foi, mas manteve a benção a esse trabalho:

Luz de Igor, Luz de Aline. Saudades do sertão. De saber que homenageio, do

fundo da minha alma. O meu pai boiadeiro e seus amigos: seu Neco,

Estasim, e todos que fizeram dos cantos que tocam as boiadas, marcar minha

alma,!!!Tudo isso faz parte de mim, da minha base como ser humano.

Juramento, Fazenda Campo Grande... Esse é pra você PAI...

Este Projeto é resultado do núcleo de investigação da Rede Teia em parceria

com a Cia Acômica.(Visita ao site em 09/04/2009).

Após as 10 apresentações previstas no cronograma da Rede Teia, o

coordenador da Rede Teia nos relatou que a partir daquele momento o objetivo do

núcleo de investigação teatral em Montes Claros estava cumprido e que, dali em diante,

era por nossa conta: estávamos com um trabalho nas mãos para podermos aproveitar

essa oportunidade.

Foi o que fizemos, sempre coloquei para o Grupo que estávamos com um

trabalho especial, importante para a região e que só dependia de nós levarmos o sonho

da consolidação do Grupo Catrumano à frente. Dizia mais: que, com a repercussão,

29

Depoimento descrito dentro do site de relacionamento na comunidade‖Grupo Catrumano‖.

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logo estaríamos sendo chamados para apresentar em outros lugares de Minas e quem

sabe até mesmo em Mariana.

Nossos cálculos eram de que esse deslanche do Grupo fosse no ano

seguinte, pois estávamos no final de setembro e já findava o semestre letivo também na

universidade. Surpreendentemente nossos cálculos estavam errados nossa realidade

virou outra.

Tínhamos compromissos e agenda para controlar, contatos por fazer,

produção para ser executada. Um grupo recém-formado ainda sem muita experiência

em produção, mas conseguimos nos sair bem. Começamos a delegar algumas funções

para os integrantes do Grupo e aos poucos foram surgindo os convites. A princípio o

coordenador da Rede Teia deixou formalizado que, se o Grupo Catrumano estivesse em

atividade até o ano seguinte, seríamos chamados como grupo convidado da Rede Teia

em uma nova versão/2009, para participar da programação em três cidades com direito a

cachê como todos os outros grupos participantes.

Era uma boa chance para começarmos bem o ano, continuando nossos

trabalhos de manutenção do Grupo e do espetáculo. Paralelamente ao convite da Rede

Teia, uma das integrantes do Grupo, a atriz Tatiane Teles, nos inscreveu em um

encontro da UNE que aconteceria em Salvador/BA no início de janeiro, em que

participaríamos somente da amostra estudantil, com grupos ligados a universidades. E

assim foi feita a inscrição.

O trabalho teve boa repercussão na mídia bem como em outros meios de

comunicação. O professor João Batista de Almeida Costa que esta ligado ao Movimento

Catrumano, tendo contato com entidades e lideranças políticas ligadas ao movimento,

sugeriu ao então deputado Paulo Guedes, coordenador do Projeto da Expedição

Caminhos dos Gerais, juntamente com a Fundação Genival Tourinho que seria

interessante a participação do Grupo Catrumano nas comemorações do dia dos Geraes

na cidade de Matias Cardoso.

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Imagem: Foto de Leonardo Alves, dezembro de 2008, cidade

de Matias Cardoso na comemoração Do Dia dos Geraes

primeira vez: na foto: de pé: da esquerda para direita: Gabriel

Sanches sentado, Soraya Santos blusa azul, Antonella

Sarmento, em pé Tatiane Teles.

O movimento conseguiu aprovar uma emenda constitucional, levando para a

cidade de Matias Cardoso, em todo o dia 08 de dezembro simbolicamente, a capital de

Minas, simbolizando o dia dos Gerais. Eles nos fizeram a proposta de, juntamente com

a expedição, viajarmos até a cidade de Matias Cardoso e lá fazermos nossa primeira

apresentação fora de Montes Claros com direito a um cachê simbólico. Foi o início de

uma rotina diferente para o grupo, a partir da qual tínhamos de nos organizar para

cumprir compromissos artísticos completamente diferentes das atividades vivenciadas

no período do núcleo de investigação.

Imagem: Foto de Leonardo Alves, dezembro de 2008, quadra

poliesportiva de Matias Cardoso, Minas Gerais. Montagem do

cenário para o espetáculo. Na foto: Da esquerda para direita:

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Tarciane Figueró, Antonella Sarmento, Rita Maia blusa azul,

ao fundo Leonardo Alves.

Estávamos agora enfrentando outra etapa da nossa caminhada:

compromissos e responsabilidades com o trabalho e com o Grupo, que ora estava se

consolidando e se enraizando. Em Matias Cardoso procuramos um local adequado, aos

moldes de um galpão, onde as necessidades do espetáculo pudessem se encaixar. Mas

somente encontramos uma quadra esportiva, na qual tivemos nosso primeiro problema

real – e tínhamos que resolver sozinhos, pois não tínhamos mais o suporte da Rede Teia.

Éramos somente nós mesmos. Entra em cena a criatividade e força de vontade do Grupo

que arregaçou as mangas e transformou o local.

Apresentamos sem iluminação, devido ao horário e local não adequado.

Mesmo assim, essas dificuldades não atrapalharam tanto o trabalho, pois a energia e a

emoção de estarmos ali na primeira comemoração, e festejar juntos aquela vitória, nos

deu a força e a coragem de passar para aquele povo, com emoção, a sua história. Ali

fomos aplaudidos de pé. Não importava para o público o local e as luzes, mas sua

história, ali contada com personagens que os levavam ao passado, revivendo situações e

sensações dos seus antepassados.

Imagem: Foto de Leonardo Alves, dezembro de 2008, quadro poliesportiva da cidade de Matias

Cardoso, Minas Gerais. Comemoração do Dia dos Geraes, apresentação do espetáculo Exercício

nº1 sobre Catrumano, na foto: ajoelhados da esquerda para direita, Gabryel Sanches, Tatiane

Teles, Ana Flávia, Leonardo Alves, Soraya Santos, de costas, Antonella Sarmento e Tassiane

Figueiró, de pé a populção da cidade e convidados.

Foi única a emoção que serviu para mostrar ao Grupo o nosso destino, a

trajetória a seguir; mostrar para o Norte de Minas sua verdadeira história. A aceitação

foi tamanha que os organizadores do evento não esperavam tanto sucesso e logo surgiu

nosso próximo compromisso: fomos convidados a continuar com a expedição Caminhos

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dos Geraes, agora visitando outras cidades do Norte de Minas, com o espetáculo dentro

da programação da IV expedição Caminhos dos Gerais.

A princípio nos assustamos: tudo aconteceu muito rápido para o Grupo.

Sentamos e colocamos em debate a proposta de enfrentar ou não este desafio. Tínhamos

um problema: a logística da expedição não comportava muitos equipamentos e teríamos

que, na maioria das cidades, improvisar a luz, cenário, som ou executarmos como

fizemos em Matias Cardoso.

Como catrumanos que somos decidimos aceitar o desafio para vivenciar

outra experiência. Lembrando que, após as apresentações da Rede Teia em Montes

Claros, nós continuamos nossos encontros, mantendo as atividades rotineiras de

manutenção e preparação físico-corporal do grupo e sempre ensaiando e trabalhando

músicas, entradas e saídas de personagens, quando começamos a ter problemas com

desfalque de atores já estávamos trabalhando outros atores para substituição.

O primeiro desfalque foi da atriz Ana Flávia convidada pela Cia Acômica

para ir para Belo Horizonte trabalhar na produção da Rede Teia. Logo após a

apresentação em Matias Cardoso, ela teve que se afastar do Grupo Catrumano, mas já

estávamos preparando a Rita Maia, atriz convidada da oficina de cenário e figurino, que

participou como convidada na estréia, e foi integrada ao Grupo Catrumano após a

consolidação, já visando, inclusive, esta situação de desfalque.

Ao refletir sobre as situações surgidas no caminho do Grupo Catrumano,

retomamos a trajetória da Cia Acômica quando na montagem de Anjos e Abacates perde

um integrante e ainda com a suspensão do projeto do novo espetáculo Lusco -fusco ,por

falta de fomento para sustentação do Grupo, acaba por perder mais quatro atores. Com

isso fomos obrigados a resolver nosso problema se quiséssemos assumir o compromisso

de partirmos para a IV Expedição Caminhos dos Geraes.

Logo após o trabalho em Matias Cardoso, no início de dezembro, o

próximo compromisso seria após o natal. A atriz Tarciane Figueiró se manifestou no

sentido de não poder participar, por problemas particulares, do segundo trabalho do

grupo na IV expedição caminhos dos gerais. Foram substituídos dois atores importantes

no trabalho: a Ana Flávia, que fazia o personagem Mineiro, foi substituída pela atriz

Rita Maia; a Tarciane, substituída pelo ator Gabryel Sanches, que teria que fazer agora

dois personagens no trabalho (o menino Matias e o Tropeiro, personagem da Tarciane

Figueiró). Como criamos a dramaturgia juntos (inclusive o Gabryel foi monitor de

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dramaturgia do núcleo), facilitou-se a dramatização dos personagens. Tivemos que

assumir funções e refletir sobre a nova rotina de grupo, com a administração dos

compromissos. Segundo García (1988):

[...] a hora de refletir sobre o papel do ator na conformação dos grupos de

teatro e, por sua vez, no papel do grupo de teatro como elemento

determinante das transformações sociais. É evidente que a tendência geral

dos novos grupos de teatro é a de construir um grupo estável de atores que

sejam capazes de resolver inúmeros e complexos problemas, não apenas de

caráter artístico como também administrativo [...] (GARCIA, 1988, p. 11).

Dificuldades foram surgindo e o Grupo, muito unido até então, sempre

resolvendo os problemas, ficou sabendo do desfalque logo após a apresentação em

Matias Cardoso, em 08 de dezembro. Desta data até o próximo compromisso,

trabalhamos as substituições e resolvemos juntos mais um problema. Chega a hora de

assumir nosso primeiro desafio como Grupo formado: uma viagem com a IV Expedição

Caminhos dos Geraes, que aconteceu entre os dias 26 e 29 de dezembro de 2008.

Idealizada e organizada pela Prefeitura Municipal de Montes Claros - MG, por meio da

Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA), em parceria com a Secretaria de

Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, (SEMAD) via Instituto

Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF), e com a Fundação Cultural Genival

Tourinho, a Expedição Caminhos dos Geraes foi pensada como uma ferramenta de

potencialização do Movimento Catrumano, juntamente com o Deputado Paulo Guedes.

Imagem: Foto de Leonardo Alves, dezembro de 2008,

Estacionamento da Fundação Genival Tourinho em Montes

Claros, Minas Gerais. Expedição Caminhos dos Geraes, na

foto: Equipe da expedição com o Grupo Catrumano: da direita

para esquerda calça marron ajoelhado Leonardo Alves, de pé

Daiane e Thiago ao centro de pé com blusa bege Rita Maia

logo atrás dela de óculos Franciele e Eduardo.

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Com esta versão da expedição foram visitadas as cidades de Januária,

Itacarambi e Manga, nas quais nos apresentamos, mesmo sem recursos mais adequados

em relação à parte técnica, à iluminação e sonorização. Estávamos sem nenhuma

informação sobre lugares onde iríamos apresentar, somente com a cara e a coragem.

Chegamos na primeira cidade, Januária. Não tínhamos certeza sobre um local adequado

na cidade, no formato de galpão ou uma quadra esportiva. Conseguiram uma quadra,

mas muito distante do local do evento, onde aconteceria o show artístico, pois

juntamente com o teatro, artistas sertanejos iriam fazer um show musical.

Então resolvemos de última hora apresentar na frente do palco. Foi um

desafio a mais para o grupo. Como tínhamos a referência do trabalho feito em Matias

Cardoso, sentindo a energia das pessoas da cidade enquanto montávamos o cenário, não

resistimos. Também ali, novamente mostramos para o povo norte-mineiro sua

verdadeira história. O espetáculo foi apresentado com grande interação com o público

que, mesmo sem microfones, se fizeram realmente uma plateia disciplinada. Foi

espantoso o silêncio e o envolvimento de todos, devido talvez ao tema e à dramaturgia

regional, bem próximos da vida e do cotidiano deles.

Foi nossa segunda experiência com o trabalho fora de Montes Claros, em

mais uma cidade da expedição. Ficamos motivados ainda mais após o êxito da

apresentação, mesmo com alguns desfalques técnicos, os quais, contudo, soubemos

resolver e contornar com a garra e a responsabilidade dos integrantes do Grupo, que a

cada apresentação me surpreendiam com a união e espírito de equipe. Isso talvez seja

um reflexo do período de investigação no núcleo. Era visível o crescimento tanto

individual quanto coletivamente.

Imagem: Foto de Leonardo Alves, dezembro de 2008, Praça do

chafariz na cidade de Januária, Minas Gerais. Show e

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apresentação da Expedição Caminhos dos Geraes, na foto: de

pé: da esquerda para direita, Dep.Estadual Paulo Guedes,

Francielle Pereira, Soraya Santos, Gabryel Sanches e o público

da cidade.

Depois de Januária teríamos uma apresentação na cidade de Bonito de

Minas, mas devido ao tempo chuvoso, o caminhão com equipamentos não teria acesso à

cidade. Então fomos para a cidade de Itacarambi.

A cada nova apresentação aumentava a motivação do Grupo e a segurança

no trabalho. Logo que chegamos fomos acomodados no hotel. Em seguida fomos

reconhecer o local do show para averiguar a possibilidade de também apresentarmos

próximo do carro de show. Quando chegamos à praça central da cidade de Itacarambi,

nos deparamos com muitos carros de som automotivo, todos ligados ao mesmo tempo e

tocando música eletrônica, sertaneja, axé e outros estilos. Escolhemos um local na

praça, uma pequena arena rebaixada, próxima ao Rio São Francisco e do carro de show,

como estratégia para conseguir público, sendo cidades serem pequenas. Fizemos assim

em todas elas, era também um dos objetivos dos coordenadores da expedição: que os

eventos artísticos acontecessem juntos.

Tivemos uma nova surpresa com as pessoas do local, que se colocaram a

disposição para ajudar, inclusive oferecendo os carros de som para serem utilizados,

caso não tivéssemos som para a peça. O iluminador do show musical nos cedeu três dos

seus refletores do palco, tendo em vista a distância do local ao palco e a impossibilidade

de direcioná-los para o grupo de teatro, cuja apresentação se daria num local um pouco

mais afastado do que na cidade anterior, quando apresentamos na frente do palco e os

refletores puderam ser direcionados sem necessidade de tirá-los das varas de iluminação

do palco.

De repente um morador da cidade nos ofereceu luzes, vez que o mesmo

tinha iluminação de festa e não as estava utilizando. Ele mesmo trouxe a iluminação e a

montou para o grupo, ajudando até mesmo na operação da luz. No decorrer do

espetáculo houve um silêncio incrível e uma participação bastante contagiante,

principalmente no debate ao final do espetáculo.

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Imagem : Foto de Leonardo Alves, dezembro de 2008, Praça do cais na cidade de Itacarambi, Minas

Gerais. Show e apresentação da peça Exercício nº1 sobre Catrumano na Expedição Caminhos dos

Geraes, na foto: Cena das carpideiras, da esquerda para direita, no som, Dayane, sentado ao fundo

Gabryel Sanches, Rita Maia, Soraya Santos, ao fundo, Francielle Pereira e a esquerda Antonella

Sarmento e ao redor o público da cidade.

Saindo da cidade de Itacarambi, fomos para cidade de Manga, seguindo

sempre a rotina de chegar cedo e apresentar à noite nas cidades que tínhamos que

visitar. Foi uma grande experiência teatral pra mim e para os integrantes do grupo. Foi

uma boa experiência observar com quais detalhes devemos ter preocupação quando

contratados para atividades nestes moldes, no sentido de sermos mais exigentes, pois

temos a necessidade de valorizar nosso trabalho cênico impondo certos critérios

técnicos para a realização do espetáculo, não comprometendo a parte artística.

Muitas empresas e contratantes desconhecem as necessidades de uma

produção teatral, por este motivo tem a grande importância da figura de um produtor,

que faça esse contato e repasse essas necessidades básicas e específicas de cada

produção. Na cidade de Manga, tivemos os mesmos problemas: o local de apresentação

não era muito próximo do carro de show, dificultando a execução da iluminação; a voz

dos atores, como não tínhamos microfones, foi prejudicada. Porém, mesmo com

dificuldades, enfrentamos nosso terceiro desafio na expedição, cumprindo-o com

sucesso. Tivemos uma recepção calorosa das pessoas, talvez por se identificarem com

as informações que estávamos trazendo no espetáculo.

Ao fim do espetáculo em Manga, última cidade da expedição, já com a

missão cumprida, nos preparamos para o retorno a Montes Claros, com sensação de

dever cumprido. Todos os integrantes do Grupo, em reunião após a apresentação,

relataram o crescimento, a importância que foi para cada um deles o contato direto com

o público, em um espaço não convencional para aquele trabalho; como se adaptaram e

resolveram os problemas de maneira muito eficaz com o empenho do trabalho de grupo.

Alguns pontos negativos também foram abordados: quanto à concentração, percepção

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de espaço e, principalmente, a falta de ensaios: nem mesmo fizemos uma marcação de

palco no local, achando que não seria necessário e que o tempo estava curto, uma vez

que chegamos um pouco tarde para poder montar o cenário. Isso causou algumas falhas

no decorrer do espetáculo, mas imperceptíveis para o público.

Para o grupo, essa questão, não foi uma experiência muito boa. Contudo, a

partir disso, crescemos muito e tivemos a visão clara da responsabilidade dos ensaios e

rotinas de trabalho, nos momentos que antecedem as apresentações, reconhecendo que

são de estrema importância e necessários para o bom andamento do espetáculo. Esta

preocupação reflete a segurança e domínio do palco e do texto pelos atores e equipe

técnica que nos auxiliam.

Imagem : Foto de Leonardo Alves, dezembro de 2008, Praça

da cidade de Manga, Minas Gerais. Show e apresentação da

peça Exercício nº1 sobre Catrumano na Expedição Caminhos

dos Geraes, na foto: da esquerda para direita, Leonardo Alves e

Francielle Pereira e ao fundo o público da cidade.

Após todo esforço e dedicação, sacrificamos muitos momentos da nossa

vida cotidiana para estar ali, naquele trabalho de comunhão com o Grupo, com o

objetivo único de mostrar a essência do ator na busca da perfeição de levar ao público a

satisfação de assistir e, por alguns instantes, viver conosco aquela história. Foram

momentos inesquecíveis e preciosos para a formação profissional e artística destes

desbravadores do sertão do Norte Minas, esses atores e atrizes Catrumanos.

Logo que chegamos a Montes Claros, tivemos uma grande surpresa com a

notícia da escolha do Grupo Catrumano na seleção de trabalhos universitários para

participação da Mostra Estudantil de Artes Cênicas da 6ª Bienal de Cultura da UNE e 1ª

Trienal Latinoamericana de Estudantes da Oclae, a ser realizada em janeiro de 2009, na

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cidade de Salvador/Bahia, nos dias 20 a 25, com o tema: Raízes do Brasil: Formação e

Sentido do Povo Brasileiro, apresentação no Teatro Vila Velha.

Muita coisa estava acontecendo. Tínhamos pouco tempo para nos organizar,

conseguir transporte, condicionamento para cenário, providenciar mapa de iluminação,

ensaios e contatos com amigos de Salvador e arrumar as malas. Entramos em contato

com a atriz Tarciane Figueiró, que já estava em Montes Claros. Fizemos uma reunião

para decidir as ações e acabamos por aceitar enfrentar o desafio de conseguir o

transporte que ainda estava pendente. Tínhamos alimentação e estadia, mas faltava o

transporte. Fomos até os parceiros, o DCE a Universidade Estadual de Montes Claros

(Unimontes), onde conseguimos lugares no ônibus dos estudantes que também iria

participar do evento. Prontos, e com a resposta do transporte quase no dia de viajar,

descobrimos ser o único grupo escolhido em Minas Gerais: que privilegio e

responsabilidade ao mesmo tempo! já pensou o que era estar representando um estado

em um evento como uma Bienal?

Pé na estrada. Lá fomos para mais uma etapa da história do Grupo

Catrumano. Chegando em Salvador, no dia 19 de janeiro, nos alojamos, e, como nossa

apresentação seria somente no dia 22 de janeiro, tivemos um tempo para estabilizar e

começar a fazer contato com grupos de outros estados como Amapá, Rio de Janeiro,

Salvador e outros artistas que estavam no evento. Ficamos todos, a princípio, em uma

enorme tenda no centro do acampamento dos outros estudantes.

Este evento foi outra experiência para o Grupo, com envolvimento com

muitas pessoas e grupos variados. Nesses casos, se não se tem uma coordenação um

pouco mais rígida as coisas não andam. Mesmo com dificuldade de local ensaiávamos

todos os dias antes da apresentação e mantínhamos a rotina de exercícios de preparação.

Um pequeno acidente quase nos causa um desfalque: a atriz Soraya Santos se machuca,

tem um corte profundo no pé. Tivemos que fazer algumas modificações na marcação de

cena, mas, felizmente, tudo deu certo.

Chega o dia da apresentação. Vamos para o Teatro Vila Velha, o mais

antigo do Brasil. Para nós foi um grande presente estar ali, naquele lugar. Fizemos o que

é de praxe: montamos o cenário, arrumamos figurinos e adereços, preparamos. Chega a

hora. Ansiedade, nervosismo, frio na barriga, mas vamos lá! Era nossa oportunidade:

estávamos ali para isso e iríamos fazer direito.

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Nós nos apresentamos e fomos aplaudidos de pé. Muitas pessoas assistiram

e, ao final no debate, houve vários questionamentos sobre o processo. Foi muito rico o

bate-papo, principalmente pelo fato de Salvador também estar ligada à história do

Movimento Catrumano.

Após a apresentação, paralelamente as palestras, estavam acontecendo

muitas oficinas na área das artes cênicas. Os integrantes do Grupo se dividiram para

participarem de oficinas diferentes, próximas das áreas de domínio de cada um, a fim de

que depois fizéssemos um trabalho de troca de informações, buscando coletar o máximo

de informações possível na viagem. Ao retornar de Salvador/BA, estávamos preparando

nossos horários para continuação dos encontros do Grupo e preparativos para

participação da mostra da Rede Teia de 2009 nas cidades de Carbonita e Senador

Modestino, ambas no Vale do Jequitinhonha/MG, com duas apresentações em cada

cidade de 01 a 03 de maio de 2009 dentro das programações do 12º Carboarte.

Seguindo a mesma rotina de trabalho, cumprimos o compromisso com as

duas cidades da mostra da Rede Teia, enfrentando os mesmos problemas logísticos, mas

agora com um pouco de experiência para solucioná-los. Apresentamos o trabalho na 8ª

mostra teatral de Montes Claros 25 e 26 de julho 2009, mesmo local da estreia do

espetáculo. Fomos convidados a apresentar no V Congresso Mineiro de formação de

professores para a educação básica, no Centro Universitário de Patos de Minas –

UNIPAN. Como proposta de oficina teatral, apresentamos o espetáculo no dia 08 de

outubro e realizamos oficina de preparação física nos dias 08 e 09 de outubro. Essa foi a

primeira experiência de repassar a metodologia trabalhada pelo grupo em oficina. Logo

que chegamos a Montes Claros, apresentamos dentro das programações do Psiu Poético,

23º salão nacional de poesia, com o tema ‗Cinepoesia a invenção dos geraes‘. Fizemos a

apresentação no dia 11 de outubro. Todas as apresentações tinham a mesma proposta de

debates, ao final, sobre o tema abordado e o processo de criação.

Já findando o ano, como nosso elenco era em grande parte constituído de

universitários do último período, tínhamos que nos preparar para os desfalques e

manutenção do espetáculo. Foi elaborado uma oficina de continuidade do trabalho no

teatro universitário, que tivemos que suspender temporariamente, por alguns

contratempos, mas que logo retornará às atividades. Consolidado assim, o Grupo

Catrumano está aberto à propostas que desenvolvam no tocante à arte e a cultura

propriamente ditas, ou à projetos que envolvam temas da história, sociologia ou

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antropologia. Dá-se importância em contar uma História que, por razões políticas, nunca

foi mencionada. A Arte e o universo lúdico compõem a peça de maneira especial.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa que apresento como requisito parcial para obtenção do Mestrado

em Artes Cênicas, no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – PPGAC, da

Universidade Federal da Bahia - UFBA, é uma dissertação que trás uma análise, registro

e sistematização de uma abordagem metodológica para criação cênica, utilizada pela

Cia Acômica, uma companhia teatral de Minas Gerais. Tal companhia acompanha como

as demais companhias surgidas no período contemporâneo de renovação da cena

brasileira, o esforço de reflexão e sistematização dos procedimentos de criação.

Investigando sobre a transformação e renovação contemporânea localizamos

alguns fatores responsáveis, como os avanços científicos e tecnológicos a partir do

século XIX, com influência considerável dos meios de comunicação, ligadas também à

renovação do campo das artes. As artes cênicas também sofrem as influências desta

transformação, como atesta Teixeira (2007):

Ao lado da pintura, as demais artes também procuram se redefinir e se

renovar, buscando novas técnicas e possibilidades expressivas.

Influenciaram-se mutuamente, interpenetraram-se, ao mesmo tempo em que

afirmavam sua autonomia. Esse fenômeno alcançou, ainda que com certo

atraso, as artes cênicas. O teatro passou por uma profunda reflexão sobre seus

fundamentos. Homens como Adolphe Appia, Gordon Craig, Konstantin

Stanislavski, Vsevolod Meyerhold, Jacques Copeau e Etienne Decroux, entre

outros, desenvolveram pesquisas com o intuito de elevar o teatro à dignidade

de arte independente, redescobrir a sua essência, definir os elementos que o

compõem e as leis que o regem. (TEIXEIRA, 2007, p. 66 ).

Através desta essência que nos traz Teixeira (2007) acima, acompanhamos a

evolução da criação da cena teatral, o cuidado com técnicas e metodologias específicas

para compor a criação artística teatral. Com a pesquisa notamos que grande parte dos

grupos e companhias atuais, mantém no seu cotidiano atividades didáticas, como

projetos, oficinas, debates e propostas para a comunidade, na busca de manutenção dos

grupos e continuidade de trabalho de pesquisa, como forma de afirmação de uma

identidade, de uma metodologia própria. Na Cia Acômica não seria diferente, vimos na

sua trajetória e criação do sistema de trabalho o reflexo desta renovação da cena teatral,

muitos nomes citados a cima por Teixeira (2007) aparecem na formação dos grupos e da

Cia Acômica. Incentivo para uma nova forma do fazer teatral como ressalta Teixeira

(2007):

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Um teatro diferente surge em torno desses homens, cuja intensa atividade

pedagógica desenvolvida tinha em vista a formação de um novo homem para

a construção de um novo teatro. Esses mestres-pedagogos geraram

linguagens poéticas que ultrapassavam o quadro dos espetáculos, uma cultura

teatral mais permanente e penetrante. Nessa procura, fundaram escolas com

diferentes métodos, com suas próprias relações de trabalho, seus valores, suas

visões, seus objetivos. Mas, se os métodos de treinamento diferem entre si,

todos consideram os mesmos fundamentos para a atuação: o trabalho do

corpo, da voz e da interioridade. Se o trabalho do corpo e da voz é

indispensável para desenvolver os meios expressivos do ator, a interioridade

constitui uma das bases da vida cênica e da mobilização das emoções que

animarão um personagem. (TEIXEIRA, 2007, p. 67 ).

Como relata Teixeira (2007) surgiram diferentes métodos e relações de

trabalho na renovação da cena teatral e como descrevemos na caminhada da Cia

Acômica houve a necessidade de criar suas próprias sistematizações metodológicas,

imprimindo nelas seus valores e objetivos. Com isto viabilizaram a divulgação do seu

trabalho através do projeto Rede Teia, que tem como objetivo a experimentação e

investigação teatral contendo características próprias do trabalho de criação da Cia. Este

projeto leva às cidades do Vale do Aço e do Norte de Minas, núcleos de investigação

teatral coordenados por um diretor local.

Em 2008, em Montes Claros, tive oportunidade de participar como diretor e

pesquisador local de um desses núcleos. A partir de minha participação no processo,

limitei meus interesses na pesquisa, em busca do objeto recortado, para evidenciar meu

objetivo e propósito. Dentro do trabalho de grupo com propostas coletivas sempre existe

a intenção comum de mostrar valores artísticos e culturais e buscar formas de levar ao

público seus anseios teatrais e identidade cultural. Este espírito de pesquisa vem

traçando um relevante percurso na renovação da cena do século XX segundo Teixeira

(2007):

Ao longo de todo um século, diferentes homens de teatro fomentaram um

espírito de pesquisa e uma efervescência criadora que romperam

definitivamente os limites nos quais as circunstâncias históricas e sociais

haviam confinado o teatro. Essas mudanças ultrapassaram os critérios

estéticos do reconhecimento da crítica e do público. Os grandes mestres não

se contentaram em produzir espetáculos, quiseram também inserir o teatro na

efervescência cultural de sua época, na experiência de uma sociedade em

constante e brutal transformação. Geraram uma cultura teatral em que os

termos ―começar‖ e ―perseverar‖ são realmente significativos. Uma cultura

mais durável e penetrante, que engloba os espetáculos, essas manifestações

efêmeras. (TEIXEIRA, 2007, p. 76,77).

Compreendemos ao dialogar com Teixeira (2007), que o ator conduzido

pela Cia no processo de criação não se reduz simplesmente a executor de uma função,

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mas foco de reflexão sistemática e o principal condutor para a criação da obra artística.

Elo importante na dinâmica de criação no sentido de que, sem suas intervenções

individuais de criação cênica nas improvisações, a dramaturgia e a direção tem suas

possibilidades criativas reduzidas.

A Cia Acômica aplica sua metodologia no processo de criação, que tem

características comuns, quanto ao trabalho de criação, com o movimento teatral de

grupo contemporâneo.

Temos exemplos de investigação criativa, difusão e formação, que

aproximaram definitivamente a produção artística e a pesquisa no contexto universitário

brasileiro: o Grupo Lume, laboratório de pesquisa teatral criado na Universidade

Estadual de Campinas, dirigido há quase duas décadas pelo ator, professor e

pesquisador Luís Otávio Burnier; a própria Cia Acômica, constituída por ex-alunos do

Curso de Formação do Teatro Universitário da UFMG, e que mantém uma relação com

a universidade e com o curso de graduação em Teatro.

No movimento de teatro de grupo desde 1960, os vários grupos teatrais

sempre buscaram resolver seu anseio em formas de elucidação da arte, dos métodos ou

maneiras do fazer teatral, que solucionasse seus desejos. Assim, vários modos de

criação, de composição de fazer teatral foram tentados até se chegar à criação coletiva,

que foi utilizada com frequência pelos grupos, que obtiveram resultados interessantes

até as décadas de 1970 e 1980. Segundo Ficher (2003):

Tido como um conceito recente no âmbito da atividade teatral brasileira, a

originalidade do processo colaborativo encontra-se no compromisso com a

pesquisa de linguagem, na continuidade de trabalhos em equipe, na reflexão e

sistematização de seus procedimentos, na iniciativa de uma produção

dramatúrgica nacional e na implementação de melhores condições e

subsídios para uma política cultural brasileira. Dessa forma, torna-se uma

tendência que emerge com vigor e que podemos considerar como uma

categoria e identidade do teatro nacional dos anos 90. (FISCHER,2003,

p. 198).

Faz-se necessário ressaltar que tal processo colaborativo de criação, vem

sendo praticado por diversos grupos teatrais que estão em atividade no Brasil. Este

processo dá ao artista os meios e ferramentas para entender os caminhos da busca da

criação artística coletiva. Este procedimento, ao ser proposto em determinado grupo,

passa por determinadas adaptações relacionadas à realidade do fazer teatral de cada

grupo. Quanto a esta individualidade, Fischer (2003, p. 202) nos faz refletir que, ―[...] o

que podemos concluir, com relativa precisão, é que a dinâmica de cada companhia se

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processa com características próprias e, por essa razão, não podemos fixar formas nem

metodologias para o processo colaborativo‖. Os grandes mestres do teatro além da

influência na renovação da cena teatral contemporânea, implementaram uma visão

inovadora na formação em ambiente de grupo com um olhar penetrante e investigador,

característica comum refletida nos atuais grupos e companhias como a Cia Acômica.

Teixeira (2007) ilustra trazendo a seguinte reflexão:

[...] grandes mestres colocaram em evidência e desenvolveram o espírito das

companhias de teatro, criaram uma atmosfera de formação intelectual, moral

e técnica, uma disciplina e uma tradição. Por isso, é preciso ter uma

compreensão mais profunda do espírito de companhia. É no interior desses

grupos que se pode encontrar o sentido mais amplo do ato teatral. Todos os

homens que procuraram reformar a cena tinham isto em comum: elaboraram

métodos e técnicas para rever os limites de sua arte, mas que serviam também

para veicular valores que não tinham como único objetivo os resultados.

(TEIXEIRA, 2007, p. 77 ).

Teixeira (2007) nos traz essa reflexão sobre o ato teatral, chegar à conclusão

de rever procedimentos e sentido, a importância e relevância do trabalho para o público.

Responsabilidade moral aos costumes e tradições bem como o respeito à cultura da

região ou de um povo ali representado, e neste sentido, Teixeira (2007, p. 77) ressalta

que [...] ―o treinamento do ator implica um profundo trabalho sobre si mesmo. A

renovação do teatro que nossos mestres sonharam e que a nossa geração continua a

buscar está relacionada com a permanente renovação do homem.‖

Tenho um compromisso com o fazer artístico da minha região. Acredito que

ela é rica em ações e material humano e cultural. Estando na academia como

pesquisador, sinto-me na posição de registrar e articular meios de contato dos artistas

com formas do fazer teatral sistematizado, de recorrer à pesquisa como forma de

incentivo aos futuros pesquisadores. Fomentando o interesse maior na área de artes

cênicas como fonte de produção de conhecimento. Acredito que o PPGAC-UFBA

oportuniza a nós pesquisadores investigar e pesquisar, articulando a teoria e a prática

vivenciada nos processos de criação teatral. Em particular devo dizer que foi muito

importante, como pesquisador participante, sistematizar o processo de montagem do

Exercício nº1 sobre Catrumano, o contato com a Cia Acômica gentilmente nos

brindando com um fazer teatral pautado na reflexão pesquisa e investigação. Pratica que

germinou aqui no Teatro Universitário da Unimontes já com frutos de boa qualidade e

com origem em raízes fortes refletidas no trabalho de grupo e determinação dos

participantes do núcleo de investigação teatral de Montes Claros ao qual deu origem ao

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Grupo Teatral Catrumano. Seu Exercício nº1 sobre Catrumano espetáculo envolvente e

instigador como vimos nos relatos aqui descritos, mostra a procura e aprofundamento

nos fatos históricos, no qual nos mostrou uma forma de valorização e exposição do

conteúdo intelectual e teórico que muito se acumula em estantes de bibliotecas na

academia e em outros lugares. Agora vislumbram outra forma de chegar aos olhos e

ouvidos dos espectadores. Assim como presenciamos em todos os lugares em que

apresentamos o trabalho, a admiração curiosidade e sentido de pertencimento refletido

no semblante de todos aqueles catrumanos, norte mineiros e geraizeiros que nos

assistiram e incentivaram a mostrar nossa história. Aplaudidos e reverenciados pelo

trabalho afinco de busca de idéias e fatos da nossa identidade, aplausos e reverências

para eles mesmos protagonistas da dramaturgia regional, do movimento de valorização

e reconhecimento do seu lugar.

Tive oportunidade de vivenciar muitos momentos citados pelos

pesquisadores que aqui mencionei, mostrando a trajetória trilhada pelas companhias da

cena contemporânea brasileira. Presenciei, representei, dramatizei, improvisei, dirigir,

criei, degustei o sabor da convivência em grupo, o nascer de um sonho e sua condução à

realidade; construí junto e cresci muito, na companhia de atores jovens, que sentem

muita vontade de se expressar através do teatro.

Atuando no processo como assistente de direção, encenador, preparador

corporal, ator, passei por todas as etapas dos processos e, motivado a registrar e

pesquisar tal procedimento teatral, estou envolvido em um processo de consolidação do

desejo maior de poder transmitir a outros esta experiência tão gratificante. É inegável a

importância do trabalho de grupo na formação das identidades, pois a partir do

encontro, das diferenças, temos condições de fazer escolhas, que vão nos aproximar ou

distanciar. Concluí que a decisão de se formar um grupo não é do diretor, coordenador,

encenador, nem de qualquer líder, nem de uma única pessoa, mas de um interesse

comum despertado em muitos indivíduos ao mesmo tempo, como se uma identidade

que fosse criada naquele instante.

A identidade preenche o espaço entre o ‗interior‘ e o ‗exterior‘- entre o

mundo pessoal e o mundo público. O fato de que projetamos a ‗nós próprios‘

nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus

significados e valores, tornando-os ‗parte de nós‘, contribui para alinhar

nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no

mundo social e cultural. A identidade então, costura (ou, para usar uma

metáfora médica, ‗sutura‘) o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos

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quanto os mundos culturais que eles habitam. Tornando ambos

reciprocamente mais unificados e predizíveis. (HALL, 2005, p 11-12).

Lembro que, após a apresentação do resultado final do núcleo de

investigação teatral de Montes Claros, o espetáculo com o nome Exercício nº1 sobre

Catrumano, as pessoas, quando comentavam ou falavam sobre o trabalho,

denominavam aquele grupo teatral de ―Os Catrumanos‖. Daí a origem do grupo teatral

Catrumano, que se consolidou após este núcleo de investigação teatral.

Concluímos que a cena teatral contemporânea deve muito da sua renovação

ao entusiasmo e empreendedorismo dos jovens atores, estudantes e pesquisadores dos

grupos atuais. A partir da insistente busca do aprimoramento e investigação no processo

de trabalho dentro dos grupos, produzem conhecimento, bem como metodologias

através dos processos de criação cênica vivenciados durante suas trajetórias. Eles

divulgam seu trabalho e pesquisas também como forma de sustentabilidade financeira

dos grupos por meios de editais disponibilizados no âmbito das políticas culturais.

Assim se deu o Projeto Rede Teia que oportunizou o núcleo de investigação teatral em

Montes Claros, idealizado pela Cia Acômica que integra a um rol de grupos e

companhias que desenvolve funções didáticas preocupados em envolver a comunidade.

Essa forma do fazer teatral se torna recorrente, assim nós artistas e fazedores de arte,

temos que nos ater a afirmação de uma identidade cultural que possibilite a participação

social e iniciativas de avanço artístico e político. Acho importante o apoio e incentivo

das instituições de ensino diretamente ligadas ao desenvolvimento do processo, como

vimos quase todos os grupos ou companhias tiveram ligação a instituições acadêmicas

que buscam trazer a comunidade e mostrar o caminho traçado na busca do

conhecimento.

Assim a presença do Teatro Universitário com atividades voltadas para

investigação e experimentação teatral se faz essencial no processo de divulgação da

cultura regional e artística da região bem como sua valorização. Espaço aberto para

acesso ao fazer teatral com uma característica acadêmica que traz o encontro de pessoas,

culturas, saberes, anseios e diferenças que juntos se unem na busca do objetivo de

concretizar relações e afinarem o discurso para realização do fazer teatral. Schettini

(2009) ressalta a essência do teatro:

―[...] teatro como arte do encontro é levada as últimas conseqüências [...]

sedimenta todas as relações [...] sem dúvida o que cimenta, de maneira

sensível, os artistas cênicos, pelo Brasil afora, que optam por trabalhar em

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formatos de grupalidade e desejam colocar suas sensibilidades e seus

instrumentos artísticos a serviço do fazer teatral que acreditam

plenamente.‖(SCHETTINI, 2009, p. 258).

Por fim, espero que esta pesquisa leve os estudantes e pesquisadores a

refletir sobre o fazer teatral como um veículo altamente eficiente na busca de

representação de idéias, desejos, anseios. Temos o intuito de continuar com o núcleo de

investigação teatral vinculado ao Teatro Universitário da Unimontes incentivando o

fazer teatral que reflita o pensamento do coletivo criador, preservando a individualidade

de cada um, experiências e troca de saberes. Esta pesquisa se torna o início de uma

investigação ainda mais instigante no sentido de busca e resposta a continuação do

processo de disseminação dos saberes por grupos e companhias teatrais. Acontece que

sem um fomento e apoio das políticas públicas ao avanço do teatro no país eles tendem

a se desfazer como acompanhamos na pesquisa. Existe uma necessita urgente de

implantação de políticas públicas culturais que auxiliem as manifestações artísticas e

que não necessite de tanta burocracia.

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emid=212>

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ANEXOS

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ANEXO A – Texto Dramático – “Exercício nº 1 sobre Catrumano”.

Criação Colaborativa resultado do Núcleo de Investigação Teatral de Montes

Claros/MG.

Coordenação e supervisão de Criação: Cia Acômica – Nelson Bam Bam e Cláudio

Márcio.

Direção Local: Leonardo Alves

Cenário e Figurino: Ana Lana Gastelois

Iluminação e Cenotécnica: Felipe Cosse

Música Regional: Lucílio Gomes

Dramaturgia: Glicério Rosário

Monitor de Dramaturgia: Gabryel Sanches

Atores Pesquisadores: Ana Flávia Amaral, Antonella Sarmento, Gabryel Sanches,

Leonardo Alves, Soraya Santos, Tatiana Teles e Tassiane Figueiró.

REDE TEIA – Núcleo Montes Claros/MG - 2008

Dramaturgia

Prólogo - Aboio

Um curral na entrada e os cavalos se encontram deitados enquanto a platéia chega e é

executado o texto em off:

Os atores fazem o Aboio (canto dos boiadeiros). Após entram em cena com a passagem

dos tropeiros.

Nascimento de Matias

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Bandeira: Mathias! Desbravador, forte. Trará alegria e fartura. Povoará! A terra será grata com

frutos, grãos e animais.

Matias se desenvolve.

Passagem dos cavaleiros

Francisco Fazendeiro e Zé tropeiro – 1706

(música: “Ê boiada, ê boi”)

Coro:

Ê boiada

Ê boi

Ê boiada

Ê boi

Francisco:

Boiadeiro vai à frente

A boiada vai atrás

Boiadeiro toca o berrante

A boiada vai que vai!

Coro:

Ê boiada

Ê boi

Ê boiada

Ê boi

Francisco:

Eu não sou o mestre A,

nem o B e nem o C

Apenas peço licença

Pra falar com vos me ser

Coro:

Ê boiada

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Ê boi (x2)

{Francisco se estabelece, olha a paisagem de campos, bebe água do rio)

Francisco: Sou gerazeiro, fazendeiro aqui de morrinhos. Desde que meus familiares

descobriram esse lugar, em 1660, viemos para cá. Tudo aqui é parente. Criamos

gado, plantamos e 5vendemos muito, pois nessa terra tudo o que se planta dá.

Começamos a negociar com Salvador e o recôncavo, comercio que fez nosso arraial

prosperar muito. Toda essa região faz parte da capitania da Bahia. Em 1695 fomos

elevados à categoria de freguesia de nossa Senhora de morrinhos. Foi a bandeira de

Mathias Cardoso a primeira a chegar nessa região, homem valente, corajoso,

respeitado pelo rei. Em 1684 ele recebeu a patente de governador e administrador

dos índios na capitania de porto seguro por ter exterminado índios e quilombos. Em

1697, além de já ter recebido uma sesmaria de 80 léguas que vai daqui do rio pardo

até as beiradas do rio doce e a patente de governador absoluto da guerra contra os

índios, a coroa, com o fim da guerra dos bárbaros no ceará, deu a ele autonomia

política e administrativa! Eh morrinhos! Por aqui correu muita gente importante. Há

três anos atrás, em 1703, terminamos nossa igreja matriz...

(avista Zé tropeiro que vem chegando.)

Tropeiro: Dia sô Francisco

Francisco: Dia Zé. Como anda suas forças companheiro

Tropeiro: Indo bem. To rodando esse mundão de Deus. E o senhor seu Zé? Vejo que Morrinhos

ta ficando cada vez mais bonita, sempre melhorando.

Francisco: ta sim home. E esse crioulo? (vai ao escravo, o faz mostrar os dentes e admira).

Tropeiro: Comprei em São Paulo. O nego é forte mesmo

Francisco: Zé. Ocê num quer vende pra mim não?

Tropeiro: Não! Pois assim quem é que vai me ajudar com as mercadorias?

Francisco: Ah home, ocê compra outro.

Tropeiro: Depois a gente pode conversar. Mas eu vim fazer outro negócio.

Francisco: Quem vem chegando sempre traz noticia.

Tropeiro: E a noticia que eu trago é que com essas expedições do ouro as coisas não tão indo

muito bem na capitania do Rio de Janeiro e São Paulo não.

Francisco: mas qual é o problema Zé?

Tropeiro: O senhor sabe sô Francisco, desde que os paulistas descobriram o ouro perto do

ribeirão de nossa senhora do Carmo, eles se fazem donos das jazidas e não aceitam

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gente de fora explorar o ouro não, a qualquer momento pode surtir uma guerra. A

situação ta difícil lá, mas o comércio vai bem.

Francisco: A gente vê. Agora ocê só traz encomendas daquelas terras, deixou o recôncavo e

salvador pra outros tropeiros.

Tropeiro: é que o povo de lá tem muito ouro e muita fome. Faltam comida e plantação naquelas

terras.

Francisco: Falta comida e tem muito ouro.

Tropeiro: Muito ouro que a coroa tenta cercar de todo lado. Lembro em 1702 (há quatro anos

atrás), quando o arraial tinha começado, a coroa já havia implantado a intendência...

Francisco: A que cobra o quinto dos mineradores?

Tropeiro: Essa mesma.

Francisco: É... Foi tentando cercar o ouro que vinha das minas que a coroa, nessa mesma época,

tentou fechar o nosso caminho com a Bahia. Vê se pode: querer proibir o povo daqui

gastar lá pra cima o ouro que ganha com as vendas pros mineradores?!

Tropeiro: pelo menos o bloqueio da estrada na funcionou, se não o comercio ia ficar abalado.

Francisco: Mas não ficou Zé!

Tropeiro: (à parte) é... Ainda podemos vender uma galinha lá por 1200, enquanto no recôncavo

sai a 120!

Francisco: Vamo fazer negócio, Zé. O que vai ser? Farinha de mandioca, peixe, carne seca,

Sal... Eita muada, esse negócio com as minas de ouro ainda vai render muito.

(passa os cavaleiros)

Nascimento de Mariana.

Bandeira: Mariana! Será uma princesa, a flor mais preciosa da região! Atrairá muitas pessoas

de diversas partes. Seu fruto será disputado a ferro e fogo. Por ele sangue jorrará.

Desenvolve Mariana. Música (primeiro coro, depois Mariana):

Pedrinha miudinha, miudinha na Ruanda ê.

Lajedo tão grande, tão grade da Ruanda ê

Os cavaleiros passam e a levam.

Antonio Mineiro e Zé tropeiro – 1711

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(O mineiro traz uma mala que se estabelece, abre a gaveta da mala e tira um

pequeno oratório, uma vela, uma bateia e uma balança).

Antonio: Sou Antonio sim. Mineiro aqui do arraial de Nossa Senhora do Carmo, que agora

pertence à capitania de São Paulo e Minas do Ouro. Quando o bandeirante Salvador

Furtado de Mendonça saiu do arraial de São Paulo, em 1696, não tinha idéia que ia

achar um lugar com tanto ouro. Cheguei aqui logo depois, pois sou conhecido de

Salvador Furtado e não achava justo que aqueles emboabas chegassem, aproveitando

do que nos descobrimos. Trabalhamos duro... pagamo imposto... O ouro num é fácil

não! Aliás, desde que se instalou aqui a Intendência pra cobrar o quinto, ta mais

difícil. Ainda mais que pagamos tão caro pelo alimento que vêm de fora. O tal de

manuel Nunes Vianna, que era chefe dos Emboabas, parece mais o cão do que

qualquer coisa. Além de explorar nosso ouro, tem fazenda lá pro lado do curral

sanfranciscano e aposto que ele interfere pra aumentar os preços ainda mais. (um

chocho) vou tratar de enriquecer e o tanto que eu puder e sumir daqui! (Tira um prato

de uma gaveta e fala alto pra algum lugar distante) vem cumê menino! E agradeça a

Deus o pouco que temos.

( o tropeiro entra com a tropa, desce da montaria, atores fazem cavalos carregados de

mercadorias no alforje. Ele se dirige a platéia)

Tropeiro: 1711, em fim acabou a guerra dos emboabas. Os paulistas não queriam que outras

pessoas, esse povo de fora que eles chamavam de emboabas explorassem o ouro das

minas. Nem queriam que a coroa liberassem terras para exploração de novas minas. O

governo da capitania do Rio de janeiro e São Paulo tentou por ordem, nem os novos

mineradores, os emboabas, nem os antigos mineradores, os paulistas, queriam ceder

lugar pro outro. Resultado: muita gente morreu e dividiram a capitania. Aqui agora é

Capitania de São Paulo e Minas do Ouro. Mas meu negócio é vender mercadoria pra

quem precisa. Tem muita gente precisando de mim. Quando descobriram ouro aqui

no ribeirão de Nossa senhora do Carmo, Muita gente veio pra cá. Mas como as terras

não são tão boas pra plantar como são pra achar ouro, nem pra criar gado (rindo) tem

que pagar gente pra trazer.

Vai ao encontro do tropeiro

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Tropeiro: Boas tarde sô Antonio

Antônio: Psss menino, vai lá pra dentro. Depois ocê vem. Tarde Zé

Tropeiro: To indo lá pra morrinhos, quer alguma coisa diferente?

Antônio: careço de nada não, tamo bem servido (fala pra longe)Psss! Depois menino!

Tropeiro: cadê o menino? Ta com fome num é?

Antônio: Não é nada disso não... É que hoje eu passei o dia todo na mina...

Tropeiro: ô sô Antônio, eu sei que a situação aqui na vila ta difícil, Toda nossa senhora do

Carmo ta sem comida, é melhor o senhor encomendar alguma coisa.

Antônio (indignado): è que esses gerazeiros tão abusando, cobrar o que eles cobram por animal

e comida é um absurdo, melhor comprar de outro lugar.

Tropeiro: De onde? Essa rota eu conheço a mais de 40 anos.

Antônio: e o gado do sul?

Tropeiro: Já ouvi falar, mas não tenho certeza e não tem caminhos.

Antonio: A coroa há de fazer alguma coisa.

Tropeiro: Sei não... O curral sempre abasteceu o recôncavo e Salvador. A coroa quer é cobrar

impostos.

Antonio: A intendência cobra mesmo e ta cheio de delatores por ai.

Tropeiro: Depois dessa guerra dos emboabas, eles fecharam o cerco pro ouro. Tão querendo

cobrar o quinto até do gado.

Antônio: Ta certo! Nosso ouro vai quase todo pra Bahia.

Tropeiro: É por isso que alimento e gado tão mais caro. O comercio que eles fazem com o

recôncavo e salvador é bem mais fácil. Por causa do ouro daqui a coroa ta

apertando demais todo mundo. É melhor ficar em paz com o curral sanfranciscano!

Essa vila é nova, tem muita gente procurando o ouro e precisam de comida. Lembra

da crise de fome em 1697?

Antônio: Ouro não é comida.

Tropeiro: 1699?

Antônio: eles deviam ter mais respeito.

Tropeiro: 1701?

Antônio: eu sei que a fome fez muita gente largar a mineração! Mas os gerazeiros deveriam

tratar a gente como irmãos!

Tropeiro: e o que vai ser?

Antônio (emburrado) o de sempre...

Tropeiro: (monta o cavalo e saindo) Em morrinhos eu acho isso tudo. Ah! O senhor devia

conhecer os pastos e a freguesia de morrinhos sô Antônio, o lugar é uma beleza!

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Passam os cavaleiros

Boi e Boneca.

(Luz. Eles entram, dão as mãos e fazem a brincadeira de roda. Ela brinca com uma

boneca chique. Ele com cavalo de pau e boizinhos com mamões. Outros atores

fazem ritual também com boizinhos. ).

(brincadeira de roda)

Mathias: Boca de forno

Mariana: Forno!

Mathias: jacarandá!

Mariana: Dá!

Mathias: onde eu mandar...

Mariana: vai

Mathias: e se não for?

Mariana: Apanha!

Mathias: seu rei mandou dizer que...

(cada um no seu lado)

Mathias: Êiah! (galopa) Ôôahh!

Mariana: (com boneca) Ta com fome? (pausa, olha em volta) (vai até ele).

Mathias: (com os bois) MUUUU ( percebe Mariana parada)

Mariana: me dá um boi?

Mathias: Eu troco!

Mariana: (pensa, olha em volta e para si e o oferece um colar) Toma! (ele recebe,

dá um boi para ela. E ela sai contente. A ação se repete mais duas vezes porém sem

fala. Ele pode comer um boi para variar a ação. Depois da terceira troca mariana é

atacada por um bando, que arranca pedaços de sua roupa, enquanto Mathias fica de

costas brincando com os bois. Depois passam as mulheres, no espaço de Mathias

elas cantam ―Penerei fubá‖. Ele sai de cena. Ao se aproximarem de mariana entram

num espécie de transe que modifica a ação e cantam ―pra lavar minha roupa não

tem sabão‖ e a levam, junto com os objetos deixados por ela.)

Peneirei Fubá, Fubá caiu

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Eu tornei peneirar, fubá subiu(x2)

Ai, Ai, Ai, foi ela quem me deixou!

Ai, Ai, Ai, por que não me tem amor.

(Transe) (Solo) Pra lavar minha roupa não tem sabão!

(outras) Não tem sabão! Não tem sabão! (quantas vezes necessárias até deixarem à

cena)

Passam os cavaleiros.

O Mineiro e o Vaqueiro e o Tropeiro – 1720

(Francisco vem chegando à cavalo. Antonio está em cena)

Francisco: Dia cumpade!

Antonio: ( desconfiado, observa-o de cima a baixo) Dia!

Francisco: Tem muito tempo que to nessa estrada quente... aqui ta fresco né?

Antonio: Parece...

Francisco: faz um tempão que num não venho por essas bandas! Ta tudo muito mudado...

Muito Movimento... Aqui é mesmo a Vila Nossa senhora...

Antonio: (interrompendo-o) Vila LEAL Nossa Senhora do Carmo sim sinhô!

Francisco: Cresceu bastante hein... To indo visitar parentes lá na capital! Sabe me inf...

Antonio: ( interrompendo-o) Se vai à capital da capitania, já chegou...

Francisco: Não, só tive uma semana de viagem... pra chegar até São Paulo leva mais...

Antonio: (desconfiado) ta vindo de onde?

Francisco: Morrinhos, terra da...

Antonio: Qual é o seu nome?

Francisco: Francisco da Silva Cardoso (estica a mão) grande fazendeiro...

Antonio: (sem pegar na mão dele e interrompendo-o) Então ocê é o fazendeiro Francisco

Cardoso, de quem o Zé traz mercadoria... eu sou Antônio! O mineiro que compra mercadoria do

Zé, a preço de ouro... Quer dizer que você acha que oura dá em arvore?! Que pensa que todo

mundo ta nadando em ouro?!... Catrumano!

Francisco: Olha que eu num to desrespeitando o senhor!... cada um paga o que pode daquilo

que precisa!... se acha fácil cria gado e cultivar terra, num precisava comprar de

quem sabe fazer as coisas direito! E se num quer, tem muita gente que quer! Passar

bem, que tenho muita estrada pra seguir e num quero confusão!

Antonio: (zombando) Oahh, calma vaqueiro... a capital agora é aqui.

Francisco: O que?

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Antonio: è isso mesmo... Ce num sabe por que a noticia é fresquinha, mas pode confirmar com

seus próprios olhos. Vai lá na praça central e vai ver um prédio novo e bonito. Sabe

o que é? Administração Colonial. Aqui é a capital da nova capitania. Separamos de

São Paulo. Agora somos a Capitania de Minas Gerais! E melhor: o Curral

sanfranciscano num é mais da Bahia, é de Minas Gerais! Vai ter que amansar um

pouquinho, pois meu governador agora é o seu governador também! Catrumano!

Francisco: (tirando uma arma) Eu falei pra não provocar.

(Antonio também empunha uma arma de fogo. No momento em que ambos apontam a arama

um para o outro, um tumulto de pessoas gritam: “Pega! MATA! Rebelião!” O escravo corre

com uma bolsa e o tropeiro vem logo atrás, quando Francisco o para.)

Tropeiro: Segura esse preto safado!

Antonio: Minha Virgem santa! É na casa de fundição. O meu ouro corre perigo! (sai correndo)

Francisco: (interrompendo Zé). Calma homem de Deus. O preto ta armado.

Tropeiro: (reconhecendo-o) Seu Francisco! Que faz aqui homem?

Francisco: Ia visitar parentes na capital, mas... Que negocio é esse de capitania de Minas

Gerais?!

Tropeiro: (Cansado e mais calmo, ofegante no início, se agacha). É verdade... Guarde bem essa

data: 1720. É um ano de uma mudança forte. Está a maior confusão! A coroa agora ta

cobrando o ouro nas casas de fundição. O quinto agora é retirado depois de cada

minerador levar seu ouro para fundir. E tem mais: Eles vão aumentar a cobrança em

todo o curral... Morrinhos agora presta conta aqui, na Vila, que agora é capital... E

esse tumulto todo que o senhor tá vendo aí, é armação de um tal de Felipe dos Santos,

aqui do Lado, em Vila Rica... Ta todo mundo revoltado com os impostos...

Francisco: (meio atordoado) Mas Morrinhos tem autonomia dada pelo Rei!... Já pagamo o

dizimo certinho.

Tropeiro: Acabou Companheiro, O mensageiro oficial já vai Avisar todo o Curral!

( Francisco monta no cavalo, com pressa)

Tropeiro: ta indo aonde?

Francisco: Pra Morrinhos, pra bahia, Pro rio, Pra São paulo... pra algum lugar que resolva as

coisas! Num vamo aceita esta mudança na nossa política não! Ah, mas num vamo

mesmo! (sai galopando e o tropeiro sai atrás)

Mathias e Mariana

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Mariana está escrevendo em livros. Ao seu redor vários livros espalhados pelo chão. Ela

terminha a escrita de um e o joga junto aos outros. Pega outro na carteira e começa a

escrever. Mathias entra, observa e pergunta)

Mathias: O que ce ta fazendo mariana?

Mariana: escrevendo nossa história!

(ele pensa um pouco, pega um livro, senta em um canto e começa a escrever também)

Mariana: (percebe-o escrevendo, se levanta e se dirige a ele, pergunta a ele) o que você está

fazendo!

Mathias: Escrevendo a nossa história.

Mariana: (Indignada) não! É pra somente eu escrever. Quando eu ficar famosa, todo mundo vai

saber como eu cheguei ao topo, desde do meu nascimento que foi antes do seu.

Mathias: (revoltado) mas eu nasci primeiro, todo mundo sabe disso.

Mariana (cínica): quem?

(ambos dão uma volta em torno de si, observando o publico)

Mathias: não importa, todo mundo sabe que eu nasci primeiro.

Mariana: então prova.

Mathias pega um livro dela para ler, na medida que lê fica revoltado e joga o livro no chão.

Repete essa ação até perder a paciência e escrever em um livro)

Mathias: (escrevendo e narrando) Mathias nasceu primeiro!

( Mariana, sorrateira, pega o livro que ele escreveu, faz um circulo de livros ao redor de

Mathias e, como um encanto, ele fica preso. Ela abre o livro que ele escreveu e arranca e

queima as folhas, enquanto ele se transforma e sente a dor até cair, na medida que ela sobe na

escada. Enquanto isso, é narrado em off o texto abaixo e os atores fazem a cena dos tiros,

interpretando a guerra.)

Carta Régia, de 16 de dezembro de 1736

Eu, Martinho de Mendonça da Pina Proença, governador Interino da Capitania das Minas

Gerais, dou a saber, por meio desta missiva, à Vossa Excelência, fatos e acontecimentos

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relativos ao desenvolvimento e dissolução, em nome da Santa Coroa, dos Motins do Sertão,

chamadas entre os sertanejos de ―Conjuração Sanfranciscana‖.

Com finalidade de ampliar a base arrecadadora em prol da Coroa, este governo, como é sabido

de Vossa Excelência, instituiu a Capitação, tributo relativo à posse de escravos. Em

requerimento os rebeldes exigiam que o meu governo avaliasse a capitação. Afirmavam que a

causa do tumulto era a sublevação que se fazia aos moradores dos sertões; fora das contagens e

terras minerais se impunha a capitação aos seus escravos.

Bradavam que o sistema era injusto, pois tributava escravos que serviam nas fazendas de gado e

cavalo, que já pagavam contagens e dízimos.

O primeiro motim eclodiu em março de 1736, no Arraial de Capela das Armas, contra o juiz de

Papagaio, responsável por tirar devassas de alguns tumultos que haviam ocorrido em Barra do

Rio das Velhas. A mim, informações fazem crer que os rebeldes deste primeiro momento eram

liderados pelo padre Antônio Mendes Santiago. Os amotinados, ficaram a espera da tropa de

Dragões, para enfrentá-la, atitude que indica ser o motim não somente incidente avulso, mas

maquina de maior, fermentada por cabeça grande.

O segundo motim iniciou-se em princípios de maio, no sítio de Montes Claros, junto ao Rio

verde, contra o comissário da capitação, André Moreira. No dia 24 de Junho, se juntaram cerca

de duzentos moradores da região do Brejo Salgado e marcharam para o arraial se São Romão e

dali partiram armados, para as minas, tomar o poder em Vila Rica. Além dos ―cabeças‖, os

amotinados compunha-se de negros, mulatos e índios, pessoas da mais baixa categoria.

Não obstante o envio de viárias tropas de Dragões para controlar a insurreição, os amotinados

continuavam sua marcha, liderados por Pedro Cardoso, investido no cargo de procurador do

povo. Este era filho de D. Maria da Cruz, moça da família da Torre, educada pelas carmelitas e

figura lendária no Sertão, considerada das devassas como peça fundamental da sedição de 1736,

e sobrinho de Domingos Prado Oliveira.

Durante Todo o período que o sertão esteve em conflito, a força militar só foi aumentando. Este

governo chegou a enviar um total de 70 dragões. Por fim, dou ciência a sua majestade, do

controle dos motins do sertão, mandado preso o líder Pedro Cardoso do Prado para uma

fortaleza no rio de janeiro, juntamente com sua mãe Maria da Cruz, que é Sogra de Alexandre

Gomes, um dos mais ricos moradores do sertão da Bahia e de Domingos M. pereira, irmão do

vigário geral do Arcebispado, ambos com grande introdução naquela cidade.

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Agora a região pode ser subjugada e administrada com calma.

(os atores saem, entram as carpideiras com a musica e carregam o Mathias caído)

Mãe Maria, Mãe Cabina,

Lavadeira de sinhá

Lava as chagas dos seus filhos

Nas ondas claras do mar

Ela girou, tornou girar,

E o mal dos filhos mãe Maria vai levar

Ela girou, tornou girar,

E o mal dos filhos mãe Maria vai levar

Discurso Baianeiro

Na verdade, quando falaram que eu era baiano, eu disse que não, por que na verdade não sou.

Eu disse que era norte mineiro. Nasci num lugar chamado Gado Bravo, aí dentro onde tinha

uma mataria grande e o gado andava solto nas terras comuns. Era tudo bravo. Então eu disse,

por isso, que eu nasci em Minas gerais, no norte, quase na linha da divisa com a Bahia. Mas

então, eles falaram que eu era baianeiro. Virgem santa, Achar que eu sou meio gente? Que nem

sou mineiro e que nem sou baiano? Senti como se tivesse recebido um tiro na boca do

estomago. Minhas vistas se anuviaram de raiva. Aí eu disse: gente, eu sou é norte mineiro!

Eles começaram a rir de mim e um falou. ‗Ta bom você é mesmo baianeiro!‘. Eu só não parti

pra cima deles por que o capataz chegou dizendo pra gente ir colher café. Eu fiquei à tarde

inteirinha, todinha, remoendo aquele desaforo. Vê só, dizer que não sou gente inteira. Eu só é

muito homem.

Mas eu não fiz nada. É que me lembrei que na Bahia, quando fui pro serviço de eucalipto lá em

cocos, os baianos me chamaram de mineiro cansado. Aí eu fiquei bestuntando nas minhas

idéias. Se os baianos falam que nós somos mineiros cansados por que não conseguimos ir pra

são Paulo, não é? E os mineiros dizem que a gente é baiano e quando eu falei que era norte

mineiro, eles me chamaram de baianeiro. Deve ser por que eu não sou nem uma coisa nem outra

não é? A gente de cá desse sofrido norte deve ser uma espécie diferente de gente, não é? Eu

fiquei bestuntando nas minha idéias a tarde inteirinha, depois que passou a raiva colhendo café.

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Eu sozinho não, esse mundão de gente que vive neste norte seco e sofrido. Mas só pra os fracos,

não é, que os fortes, esses fazem o que querem. Mas eles também, nós todos, formamos uma

nação diferente de gente, essa nação de Baianeiro. Deve ser por isso que nós somos mais pobres

que os pobres de Minas e da Bahia, não é?

Falaram que eu tava ficando mole das idéias. Um falou ‗está louco Zé, deixa de ser besta, nós

somos é uma nação de mineiros‘.Mas depois uns disseram ‗não é que você tem algum fio de

razão‘. Me deu um refrigério pensar que eu tava ficando mole das idéias. Por que idéia de

homem se não for igual idéia de outros homens, deve ser por que ele deve ta ficando mole,

querendo ficar nos cantos abestalhados. Virgem Santa! Meu Bom Jesus me proteja disso! Mas

que nós somos uma espécie diferente de gente, isso nós somos. E essa gente toda desse norte de

Deus, que agora está cheio de cancela, somos todos uma nação de baianeiros. Uma gente nem

baiana nem mineira, não é? Mesmo que a gente diga que nós somos mineiros. Vá entender,

Deus, essas loucuras.

Sou Uma mistura de raça.(atores começam a entrar conforme ele cita as raças e se

posicionarem no centro para a preparação do ritual.) Sou negro, sou índio, Sou paulista, sou

baiano, sou mineiro, português, mamelucos, uma mistura de raças me esqueceram; ontem

escravo, hoje livre, mas me isolaram. Ontem desbravador, hoje morador. Tempos de fartura e

riqueza se foram eu fiquei. Ontem, Morrinhos, hoje Mathias Cardoso, cidade de Memória que

minas não quer ver. Sou meio de lá, meio de cá, mas tenho orgulho do meu lugar. Sou forte, sou

norte-mineiro! Sou catrumano sim sinhô!

Ritual.

Movimento Catrumano

O Movimento Catrumano, projeto político sociológico Cultural do Norte Mineiro, esta

conseguindo muito mais que apenas uma revisão valorativa do termo Catrumano amparado por

pesquisas e mobilização política, esta em tramitação na Assembléia Legislativa um projeto de

emenda constitucional que visa ampliar a comemoração do dia de Minas Gerais para além da

cidade de Mariana expandindo as cerimônias de comemoração da data também para a cidade de

Morrinhos agora Matias Cardoso afirmando assim a sua importância histórica . A história de

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Minas Gerais também será revista e atualizada, englobando os fatos importantes do norte de

minas na história do estado. Também foi encaminhado, para as prefeituras das cidades Norte-

mineiras, um projeto para ser comemorado civicamente o dia das Geraes no dia 08 de

Dezembro, data de inauguração da Igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição de Matias

Cardoso, a primeira igreja do Estado de Minas Gerais. Além de fazer jus à importância dos

Gerais na constituição do nosso estado, o Movimento Catrumano, constitui-se em uma

estratégia de valorização da região e do povo norte mineiro junto a sociedade mineira como um

todo.

Passa a bacia com as faixas escrita (explanação do movimento catrumano em off) e depois os

atores cantam a música ― neste meu sertão‖.

Neste meu sertão

Meu sertão mineiro

Todo mundo sente

Que é brasileiro

Vendo nosso céu

Céu azul de anil

Céu que cobre inteiro meu povo

Esse meu Brasil

F I M

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ANEXO B – Proposta de Emenda Constitucional - 46

PEC 46 cria Dia das Gerais e homenageia Matias Cardoso

Os deputados Dalmo Ribeiro Silva (PSDB) e Carlos Mosconi (PSDB) foram eleitos, respectivamente,

presidente e vice da Comissão Especial da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 46/08, da

deputada Ana Maria Resende (PSDB) e outros deputados, que cria o Dia das Gerais. A eleição foi feita

na reunião desta quinta-feira (9/10/08), que teve ainda a designação, pelo presidente eleito, do

relator da matéria, que será o deputado Gilberto Abramo (PMDB).

A PEC 46 dá nova redação ao artigo 256 da Constituição do Estado, estabelecendo o dia 23 de março

como o Dia das Gerais, e transferindo simbolicamente a capital mineira para o município de Matias

Cardoso, no Norte de Minas. A justificativa da deputada para a apresentação da proposta de emenda é

o resgate da verdade histórica.

Ana Maria Resende justifica a proposta com dados históricos que indicam que a primeira cidade

mineira foi Matias Cardoso e não Mariana, como consta oficialmente dos compêndios de história e na

própria Constituição mineira. Enquanto Mariana foi fundada em 1696, pesquisas históricas dão conta

da fundação de Matias Cardoso em 1660, pelo bandeirante do mesmo nome. "Nossa Constituição

determina a mudança simbólica da sede do governo estadual para a cidade de Mariana todos os anos,

em 16 de julho, Dia do Estado de Minas Gerais. Minha proposta, para fazer justiça a Matias Cardoso, é

que em definição mais clara, tenhamos as Minas, a partir de Mariana, e os Gerais, a partir de Matias

Cardoso".

Registros históricos apontam Mariana como tendo sido fundada em 16 de julho de 1696, quando foi

encontrado ouro na região de Mata Cavalos, no ribeirão que passou a ser denominado Ribeirão do

Carmo. O livro "História Geral das Bandeiras Paulistas" informa que, entre 1662 e 1664, uma bandeira

capitaneada por Matias Cardoso de Almeida deu início à ocupação do Médio São Francisco, fundando

Morrinho, que passou a se chamar posteriormente Matias Cardoso. Isso marca a origem do que é

atualmente chamado Norte de Minas.

Segundo a deputada, a PEC 46 preserva o reconhecimento de Mariana, mantendo o dia 16 de julho

como Dia do Estado de Minas Gerais, mas estende a comemoração para outra data, 23 de março,

quando seria comemorado o Dia das Gerais, sempre em Matias Cardoso. "Isso atenderia a um

movimento encabeçado por entidades do Norte de Minas, como a Unimontes, a Associação dos

Municípios da Área Mineira da Sudene e a prefeitura de Montes Claros, que pretendem reforçar e

ampliar o universo da identidade mineira, incluindo a porção Norte nos corações e mentes de todos os

mineiros. Assim, esta cidade, 32 anos mais velha que Mariana, também seria reconhecida como antiga

Capital de Minas Gerais", conclui Ana Maria Resende.

Responsável pela informação: Assessoria de Comunicação - 31 - 2108 7715

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ANEXO C – Tabloide de divulgação da Rede Teia/2008.

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ANEXO D – Reportagem Jornal Hoje em Dia de 10/12/2008.

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ANEXO E – Reportagem Jornal de Notícias de 03/02/2009.

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ANEXO F – Convite Oficial da Prefeitura de Matias Cardoso para comemoração

da I Solenidade Comemorativa do DIA DOS GERAIS.

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ANEXO G – 1º Prospecto do Espetáculo Exercício nº 1 sobre Catrumano, para

estréia do Núcleo de Investigação Teatral.

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ANEXO H – 2º Prospecto do Espetáculo Exercício nº 1 sobre Catrumano já com o

Grupo Teatral Catrumano.

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ANEXO I – Propostas de Croquis para cenário do Espetáculo Exercício nº 1

sobre Catrumano resultado da Oficina Cenário.

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ANEXO J – Propostas de Croquis para figurinos do Espetáculo Exercício nº 1

sobre Catrumano resultado da Oficina Cenário e figurino.

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ANEXO K – Projeto de Luz do Espetáculo Exercício nº 1 sobre Catrumano.

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ANEXO L – 1º Cronograma de trabalhos do Núcleo de Investigação Teatral de

Montes Claros.

Núcleo de Investigação Montes Claros

Fevereiro

* Cia. Acômica * 05 Carnaval

Março

DOMINGO SEGUNDA TERÇA QUARTA QUINTA SEXTA SABADO

01

02 03 04 05 06 07 08

09 10 11 12 13 14 15

16 17 18 19 20 21* 22

23 24 25 26 27 28 29

30 31

* Encontros diários do núcleo * Encontro com Cia. Acômica - primeiro mergulho * 21 Feriado de Tiradentes

Abril

DOMINGO SEGUNDA TERÇA QUARTA QUINTA SEXTA SABADO

01 02 03 04 05

06 07 08 09 10 11 12

13 14 22 16 17 18 19

20 21 22 23 24 25 26

27 28 29 30

* Encontro com um integrante da Cia. Acômica * Encontros diários do núcleo

* Encontro com Marco Paulo Rolla

Maio

DOMINGO SEGUNDA TERÇA QUARTA QUINTA SEXTA SABADO

01 02

03 04 05* 06 07 08 09

10 11 12 13 14 15 16

17 18 19 20 21 22 23

24 25 26 27 28 29

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DOMINGO SEGUNDA TERÇA QUARTA QUINTA SEXTA SABADO

01 02 03

04 05 06 07 08 09 10

11 12 23 14 15 16 17

18 19 20 21 22 23 24

25 26 27 28 29 30 31

* Encontros diários do núcleo

Junho

DOMINGO SEGUNDA TERÇA QUARTA QUINTA SEXTA SABADO

01 02 03 04 05 06 07

08 09 10 11 12 13 14

15 16 17 18 19 20 21

22 23 24 25 26 27 28

29 30

*Encontros diários do núcleo *Encontro com Cia. Acômica

* Encontro com Marco Paulo Rolla - Cenografia e figurino

Julho

DOMINGO SEGUNDA TERÇA QUARTA QUINTA SEXTA SABADO

01 02 03 04 05

06 07 08 09 10 11 12

13 14 15 16 17 18 19

20 21 22 23 24 25 26

27 28 29 30 31 01 abril

* Encontros diários do núcleo * Encontro com Cia. Acômica - Segundo mergulho

* Oficina com Ricardo Maia

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Agosto

DOMINGO SEGUNDA TERÇA QUARTA QUINTA SEXTA SABADO

01 02

03 04 05 06 07 08 09

10 11 12 13 14 15 16

17 18 19 20 24 25 26

24 25 26 27 28 29 30

31

* Encontros diários do núcleo *Encontro com Cia. Acômica

Setembro

Mostra TEIA

DOMINGO SEGUNDA TERÇA QUARTA QUINTA SEXTA SABADO

01 02 03 04 05 06

07 08 09 10* 11 12 13

14 15 16 17 18 19 20

21 22 23 24 25 26 27

28 29 30

*Encontro com Cia. Acômica 04 a 11

* Encontro com Marco Paulo Rolla - 09, 10 e 11

* Estréia do núcleo dia 10 de setembro

* Temporada do núcleo de 10 a 14 e 17 a 21

* Mostra TEIA Montes Claros 18 a 28 de setembro

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ANEXO M – Cartaz do Espetáculo Exercício nº 1 sobre Catrumano.

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ANEXO N – Fotos do Espetáculo Exercício nº 1 sobre Catrumano.

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