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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO LARISSA ANGÉLICA DE SANTANA MADRUGA A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS PELO TELEJORNALISMO POLICIAL DA PARAÍBA JOÃO PESSOA 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO

LARISSA ANGÉLICA DE SANTANA MADRUGA

A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS PELO TELEJORNALISMO POLICIAL

DA PARAÍBA

JOÃO PESSOA

2013

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LARISSA ANGÉLICA DE SANTANA MADRUGA

A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS PELO TELEJORNALISMO POLICIAL

DA PARAÍBA

Monografia apresentada ao curso de Jornalismo do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba, como requisito para conclusão do curso de graduação em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo.

Orientador: Prof. Dr. Josinaldo José Fernandes Malaquias.

JOÃO PESSOA

2013

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LARISSA ANGÉLICA DE SANTANA MADRUGA

A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS PELO TELEJORNALISMO POLICIAL

DA PARAÍBA

Monografia apresentada ao curso de Jornalismo do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba, como requisito para conclusão do curso de graduação em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo.

Aprovada em: ____/____/_______.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________

Prof. Dr. José Josinaldo Fernandes Malaquias (orientador)

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Wilfredo José de Jesus Maldonado Diaz

_______________________________________________________________

Profa. Dra. Glória de Lourdes Freire Rabay

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Dedico este trabalho a Deus e a todos

aqueles que acreditam no Jornalismo

como ferramenta de promoção do Estado

Democrático de Direito, da cultura da paz

e da legalidade.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a Deus por ter permitido que eu chegasse

até aqui, fortalecendo-me nos momentos de maior aflição.

À minha Virgem Maria, fiel intercessora, que está sempre ao meu lado,

rogando a Deus pela minha fragilidade.

À minha mãe Lúcia Maria, por quem nutro uma insuperável admiração e a

quem devo a inspiração pela escolha de meu curso. Meus sinceros agradecimentos

a outra Jornalista da minha casa.

Ao meu pai Luiz Madruga, meu grande incentivador, fonte de sabedoria,

que tem sempre os conselhos certos nas horas mais incertas.

À minha irmã Luciana Madruga, que é meu exemplo de dedicação e

humildade, e que está sempre pronta para me amparar nos momentos de

dificuldade.

Ao meu Namorado Diêgo Ponce de Leon Aguiar, por estar ao meu lado

sempre, dando-me a segurança necessária para eu seguir adiante, lembrando-me

que sou capaz do que eu quiser.

Aos meus familiares, a quem agradeço especialmente em nome de minha

avó Irene Santana, pelo orgulho que sempre demonstrou ao dizer que sua netinha

estuda Comunicação Social.

Ao meu orientador, Professor Josinaldo Malaquias, por me repassar a

serenidade que precisei para concluir este trabalho.

Aos meus colegas de curso pelo incentivo de sempre.

À CNEC, lugar onde aprendi as primeiras palavras e onde recebi valiosas

lições de cidadania.

Enfim, obrigada a todos que torcem pelo meu sucesso e estão sempre

presentes na minha jornada, fazendo dela uma aprazível caminhada.

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“O homem inteligente aprende com os

seus próprios erros, o homem sábio

aprende com os erros dos outros.”

(Platão).

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RESUMO

O presente trabalho monográfico tem por escopo externo a obtenção

do grau de bacharela em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo

pela Universidade Federal da Paraíba-UFPB, no período 2012.2. E interno, o

de discutir o descomprometimento ético dos telejornais policiais da Paraíba,

demonstrando as suas características, não apenas de forma, mas também e,

sobretudo, de conteúdo. Para isso, foram analisados os quatro telejornais

policiais veiculados atualmente no Estado em quatro dias distintos. Partiu-se

então, de uma sucinta análise, também aliada ao aspecto teórico. A exposição

imprudente da desgraça alheia, a exploração da carnificina e da marginalidade,

e a incitação ao preconceito são marcas registradas deste formato, que

conquista cada vez mais audiência. Esse comportamento corresponde a uma

verdadeira afronta aos direitos mais elementares do ser humano. Destarte,

constatou-se com isso a crise moral e de identidade pela qual vem passando

esse formato jornalístico na atualidade. Por ser o direito à informação um

direito meio, pelo qual se garantem todos os outros, fundamental é a reflexão

acerca de seu eventual desvirtuamento, restando evidenciada aí a relevância

desta pesquisa.

PALAVRAS-CHAVE: Telejornalismo Policial. Características.

Descomprometimento ético. Violação de Direitos Humanos.

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ABSTRACT

The following research has as one of its objectives the achievement

of the degree in Social Communication – Journalism, in the Universidade

Federal da Paraíba-UFPB, in the 2012.2 period. The other objective is to

discuss the ethical disengagement of TV police news from Paraíba,

demonstrating its characteristics, not only about the shape, but also and

especially about its content. For this, we analyzed all the four currently aired

police TV news from Paraíba in four different days. The research starts with a

succinct analysis, along with a theoretical basis. The reckless exposure of

misfortune, exploitation and marginalization of the carnage, as well as the

incitement to prejudice are trademarks of this format, which has gotten its

audience higher day by day. Such behavior corresponds to a real affront to the

most basic rights of human beings. Thus, we identified the crisis of identity and

morality that this kind of TV shown has been going through. Considering

information is a right of everyone, which guarantees all the others, it is essential

to discuss about its possible distortions, showing the relevancy of this research.

KEYWORDS: Police News. Features. Disengagement ethical. Violation of

Human Rights.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 10

2 ASPECTOS DO TELEJORNALISMO POLICIAL ........................................ 14

2.1 O PAPEL DA TELEVISÃO ............................................................................... 14

2.2 HISTÓRICO DO TELEJORNALISMO POLICIAL ................................................... 16

2.3 CARACTERÍSTICAS DO TELEJORNALISMO POLICIAL ....................................... 19

2.3.1 FORMAIS ................................................................................................. 19

2.3.2 MATERIAIS .............................................................................................. 21

2.4 BREVE APRESENTAÇÃO DOS TELEJORNAIS POLICIAIS DA PARAÍBA ................. 23

2.4.1 CORREIO VERDADE ................................................................................. 23

2.4.2 CASO DE POLÍCIA .................................................................................... 23

2.4.3 AQUI NA CLUBE ....................................................................................... 24

2.4.4 CIDADE EM AÇÃO .................................................................................... 24

3 NOÇÕES PRELIMINARES DE DIREITO ATINENTES AO TEMA ............. 26

3.1 O QUE SÃO DIREITOS HUMANOS ................................................................. 26

3.2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ............................................ 29

3.3 DIREITO À INFORMAÇÃO .............................................................................. 30

3.4 CÓDIGO DE ÉTICA DOS JORNALISTAS BRASILEIROS ..................................... 32

4 VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS PELO TELEJORNALISMO

POLICIAL ....................................................................................................... 34

4.1 ENFOQUES DO TELEJORNALISMO POLICIAL NA PARAÍBA ................................ 34

4.1.1 PROGRAMA CORREIO VERDADE ............................................................... 34

4.1.2 PROGRAMA CASO DE POLÍCIA .................................................................. 37

4.1.3 PROGRAMA AQUI NA CLUBE ..................................................................... 39

4.1.4 PROGRAMA CIDADE EM AÇÃO .................................................................. 41

4.2 DIREITO À QUALIDADE DA INFORMAÇÃO ....................................................... 45

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CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 47

6 REFERÊNCIAS ........................................................................................... 49

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1 INTRODUÇÃO

O telejornalismo policial, objeto de estudo do presente trabalho, revela

inúmeras características que o diferencia do noticiário televisivo convencional que,

procurando sugerir imparcialidade, é geralmente apresentado por um casal, de

maneira padronizada que, ao nível informativo, relata parcimoniosamente as notícias

da localidade, do Brasil e internacionais.

O apresentador de telejornal do gênero policial fica de pé o tempo todo,

expressando uma suposta indignação e uma má ensaiada valentia, sedimentada na

reprodução de preconceitos potencializados pela falta de pudor, escandido em

gestos obscenos e numa locução repleta de palavras de baixo calão, demonstrando,

de forma caricatural, a espetacularização e o circo da notícia, preconizados por

Debord (1997).

O fato é agravado porque, não tendo notícias relevantes, apelam

exaustivamente para aspectos bizarros, enfatizando, até a saturação, as mais

primárias emoções do ser humano, a saber: o sexo e a violência. Não bastasse isso,

o apresentador porta-se como um verdadeiro juiz sentenciando as autoridades e a

sociedade, cobrando resultados, de forma sumária, parcial, intolerante e

desrespeitosa, sobretudo, com as classes mais baixas e com as minorias. Destarte,

contrariando princípios constitucionais elementares.

Para corroborar as afirmações citadas no parágrafo precedente daremos

alguns exemplos extraídos dos seguintes programas televisivos: Correio Verdade,

transmitido pela TV Correio, afiliada da Rede Record e apresentado por Samuka

Duarte; Caso de Polícia, apresentado por Fábio Araújo e transmitido pela afiliada do

SBT, a TV Tambaú; Aqui na Clube, transmitido pela TV Clube, afiliada da Rede

Bandeirantes e apresentado por Victor Freitas; e o Cidade em Ação, transmitido pela

Rede TV através da afiliada Arapuã, com apresentação de Vinícius Henriques e

participação de Anacleto Reinaldo.

No programa Correio Verdade do dia 11/03/2013 o apresentador Samuka

Duarte, que aparece diante das câmeras ao som de uma sirene policial, vestindo

terno, o que lhe sugere um ar de autoridade, a que ele faz questão de ressaltar com

o seu discurso indignado, anuncia uma das matérias que será exibida da seguinte

forma: “E atenção, uma mulher foi dopada, uma mulher foi dopada e depois

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estuprada por uma dupla em Campina Grande. Doparam ela, colocaram coisas na

boca dela, ela adormeceu e os caras estupraram a mulher.” De forma exagerada o

apresentador gesticula, anda por toda extensão do cenário e anuncia o tema da

reportagem, depois aparentando estar revoltado ele chama a repórter e aponta para

o telão, onde é exibida a matéria: “Eu vou chamar Ana Paula que vai contar essa

história da mulher que levou uma cacetada, deram uma cacetada nela, depois

pintaram e bordaram com ela, estupraram a mulher”. E é dessa forma, no mínimo

insensível, que o apresentador trata o delicado assunto, expondo a vítima e os

familiares ao ridículo.

No Caso de Polícia, exibido no dia 12/03/2013, o apresentador Fábio

Araújo relata um homicídio ocorrido no município de Santa Rita: “Um jovem foi morto

com três tiros quando saía de casa”, enquanto isso no telão aparecem as imagens

do cadáver e da casa da vítima. “De acordo com a polícia, a vítima era usuário de

drogas. Olha aí a novidade: usuário de drogas. O crime teria sido cometido por dois

homens que fugiram a pé. Até agora ninguém foi preso, ninguém sabe o paradeiro, a

velha forma de matar de quem deve ao tráfico de droga. Ficou devendo ao tráfico de

drogas é bala na cabeça.” Ele ainda complementa, justificando a morte do rapaz:

“Mais um que foi pro saco, mais um que foi embora porque devia ao tráfico de

drogas. É melhor o camarada não entrar, porque se entrar é caixão e vela preta, é

saco preto pra você, é gaveta do IML (Instituto de Medicina Legal) pra ti. Olha aí

comunidade do Cadeado em Santa Rita, jovem foi morto com tiro na cabeça,

executado porque provavelmente devia ao tráfico de droga.”

No programa Aqui na Clube, o apresentador Victor Freitas entra no ar ao

som de uma música evangélica e fazendo um discurso de agradecimento a DEUS, e

logo em seguida passa a fazer a chamada das manchetes do programa, à medida

em que também pede a produção para que sejam exibidas as imagens chocantes de

cada uma delas. Pedindo para que os telespectadores interajam através da internet

o apresentador dança em frente as câmeras. Na edição do dia 13/03/2013 em prova

de total menoscabo a princípios constitucionais e a direitos resguardos pela

Constituição Federal, o apresentador anuncia: “Esse bicho do cabelo amarelo

(referindo-se ao acusado). Bandido não me interessa não. Esses bicho não tem

nada a perder. Se puder botar pra mim as imagens (reportando-se a produção do

programa). Eu quero as imagens do safadinho com a mochila nas costas (referindo-

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se ao momento em que o acusado chega para abordar a vítima). Ele não tem nada a

perder. Tá aqui olha (apontando para o telão). O cara ter a ruindade de tirar a vida

de outra pessoa é o cara ser muito miserável. Nojento, rapaz”.

No programa Cidade em Ação, que é transmitido pela Rede TV através da

afiliada TV Arapuã, do dia 14 de março também deste ano, o apresentador Vinícius

Henriques que tem formação em Direito, afronta o direito do telespectador a ter

informação correta, fazendo um juízo de valor a respeito de um crime, ao passo que

coloca sob dúvida a reputação da vítima, pondo sua família em situação vexatória:

“Meu amigo, minha amiga, escapou da primeira e deveria ter entendido o recado.

Mas não, infelizmente ficou. Talvez até por uma condição financeira, não teria como

sair daqui de João Pessoa e ir para um local diferente, mudar de ambiente de ares,

né? Tiro de calibre 12. Na cabeça. Estourou a cabeça da vítima. Agora esse rapaz

era envolvido com alguma coisa, será? Porque tanta vontade assassiná-lo? E assim

conseguiram. O que é lamentável”

Este tipo de discurso em muito é favorecido pela televisão, que é um

veículo capaz de, por suas próprias características técnicas, tocar o imaginário

popular das mais diferentes formas, haja vista que tal mídia se constitui assim em

ambiente propício para a disseminação da indústria do espetáculo, ampliando a

própria realidade, dando margem para a dramatização, para o apelo emocional e

para a espetacularização da vida humana, com ênfase para as notícias que

envolvem crimes, acidentes, tragédias familiares, miséria, entre outras.

Através da dramatização, abre-se espaço para a criação de outra

realidade, o simulacro, em que as pessoas sentem-se bem em serem nele

representadas. A televisão por meio de som e imagem só legitima o fato que está

sendo apresentado como verdadeiro, e dessa forma cria-se a ilusão de que

realmente ele ocorreu.

Neste contexto emerge um formato televisivo híbrido que mistura

jornalismo e dramatização, aliado aos dois importantes aspectos concernentes ao

meio televisivo, que são o técnico, no caso a imagem e o som por ela veiculados, e o

social, por ser um veículo de grande adesão pela massa, torna-se quase que uma

unanimidade de aceitação, principalmente nas classes mais baixas da população,

que têm ao mesmo tempo informação e entretenimento.

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No entanto, todo aparato de suposta análise dos conflitos sociais

inerentes à condição humana é realizado em detrimento da cidadania. Ocorre que a

dignidade da pessoa humana passou a ser então um princípio basilar sobre o qual

se apoiam todos os demais princípios e direitos, conforme preceitua a Constituição

Federal, mostrando de forma estreme de dúvidas, que a violação a qualquer direito

humano é, antes de mais nada, uma afronta ao princípio da Dignidade da Pessoa

Humana.

Diante do desvirtuamento da informação que exsurge a partir deste

contexto, emergem também inúmeras discussões sobre o que fazer a seu respeito,

não apenas na academia, mas também no seio social, pelos entes públicos e pela

própria sociedade, principal interessada nas consequências que este tipo de

discurso pode trazer. Reside justamente aí a relevância para o estudo deste tema.

O objetivo é, portanto, demonstrar a real afronta que vêm sofrendo os

princípios relacionados à cidadania, à dignidade de pessoa humana, o direito à

honra, à privacidade e à imagem, notadamente nos estamentos sociais mais

carentes, tentando revelar uma solução racional para este problema.

O presente trabalho é dividido em três capítulos. No primeiro, procuramos

fazer considerações iniciais a respeito do tema, partindo de um ponto mais amplo,

qual seja o papel da televisão na propagação deste tipo de discurso, enquanto

veículo de comunicação de massa, bem como o histórico desta linguagem e as suas

principais características, tanto de forma quanto de conteúdo, e uma breve

apresentação dos telejornais policiais do estado. Em seguida, no capítulo dois,

fizemos uma sucinta explanação sobre as questões de direito que envolvem o tema.

E, por fim, no último capítulo procuramos demonstrar através de transcrições de

trechos dos programas policiais veiculados no estado, as violações aos direitos

humanos ocorrendo no caso em concreto, bem como os eventuais cometimentos de

delitos por parte dos apresentadores, dando-nos subsídio para fazer o liame entre

Jornalismo e cidadania, mostrando que aquele deve ser uma ferramenta de

promoção desta.

Por último, apresentamos as considerações finais.

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2 ASPECTOS DO TELEJORNALISMO POLICIAL

2.1 O PAPEL DA TELEVISÃO

A televisão é o principal veículo de comunicação na atualidade, pois por

suas próprias características técnicas, reunindo som e imagem, ela é capaz de

seduzir as mais diversas camadas da população, nas mais variadas faixas-etárias.

Neste sentindo, afirma Squirra (1993, p.9): “Desde o seu advento, a televisão tem

sido o veículo preferido na disseminação de informações e peça fundamental para o

entretenimento das sociedades”.

Além disso, a TV é um grande instrumento de interação social, ainda com

a capacidade de unir as famílias a sua volta para assistir e discutir o seu conteúdo, e

proporcionando a troca de ideias entre as pessoas, muitas vezes até desconhecidas,

mas que veem naquele objeto que transmite fascínio, um interesse em comum,

tornando-se um vínculo entre elas. Isso lhe confere uma grande dimensão social que

nenhum outro meio ainda foi capaz de superar.

A televisão é em si, pela maneira como recepcionada a informação por

ela transmitida, um meio coletivizante, agregador, ao passo, que a leitura, por

exemplo, é, por excelência, um meio individual.

Como diz Sodré (1987, p. 8-9), acerca a importância da imagem:

A imagem opera mutações na estrutura psíquica e nos modos de percepção do indivíduo contemporâneo. Daí, a importância ou o grande vulto da televisão. Esta não é um simples “meio de informação” que, ao lado de outros, veicularia conteúdos específicos. Trata-se, na verdade, de uma estrutura, uma forma de saturação informacional do meio ambiente na sociedade pós-moderna, gerida cada vez mais pela tecnologia eletrônica e pela organização tecnoburocrática.

Para Santaella (2000, p. 47) “Por mais que a mensagem transmitida pela

televisão seja banal, superficial esquemática, sua complexidade simbólica é bastante

grande”.

Ao longo dos anos, a televisão tem transformado tanto a sua

programação quanto a forma de abordar os conteúdos. E dentro deste contexto de

mudanças, podemos encarar a inserção da espetacularização como um dos fatores

principais, ingrediente que se faz presente, inclusive, dentro do jornalismo.

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Esse é o nascedouro de um formato híbrido, que envolve informação e

entretenimento. Isso propicia um ambiente simulado que amplia a própria realidade

(SILVA, 2002), tornando-a mais atrativa aos olhos daqueles que se veem ali

representados de alguma forma.

A dramatização além de criar novas realidades, também é capaz de

reforçar as antigas, concedendo legitimidade e veracidade aos discursos veiculados

pela televisão.

Como afirma Rosário (2001, p. 85):

Uma forte estratégia de sedução utilizada pelos textos televisivos é a simulação, consubstanciada não como representação, mas como simulacro, como aparência sem realidade. Essa estratégia encanta e presenteia o espectador com o sonho e com a fantasia. A simulação permite tudo, ou quase tudo. Através da violação da fronteira da realidade é possível mais do que representar, do que “fazer-de-conta”, é possível quase vivenciar aquilo que não tem existência e, dessa maneira, estimular o espectador a recorrer à sua capacidade de fantasiar, de preencher vazios de sentidos com prazeres; de preencher os tristes vazios do mundo com sonhos encantados.

Esse formato ganhou tamanha proporção, que é mesmo impossível

enxergar a TV de outro modo, pois como concluiu Bucci (1993) os programas

espetacularizados assumiram tanta relevância dentro do contexto social que a sua

presença na grade de todas as emissoras é um item obrigatório.

Todo esse apelo social e de audiência, fez com que também o

telejornalismo se adequasse a este novo paradigma, incluindo a dramatização na

veiculação da notícia, tornando-a, ao mesmo tempo, mais atrativa e distante da

realidade. A apuração dos fatos ficou em segundo plano, nesta conjuntura o que

importa, na verdade, é o modo como eles são contados. O que há alguns anos era

absolutamente fora de cogitação: “No passado qualquer gesto que não fosse o facial

era considerado um comentário sobre a notícia e por isso deveria ser evitado”.

(BARBEIRO, 2005, p. 78).

Até mesmo o telejornalismo policial passou por algumas transformações

para ficar em harmonia com o novo modelo midiático. Ajudado pela sua própria

temática, qual seja: criminalidade, violência, descaso do Poder Público, entre outros

assuntos polêmicos, ele aderiu facilmente ao contexto da espetacularização da

notícia, tornando os fatos policiais verdadeiras prosopopeias da vida real.

Assim, analisa Bucci (1993):

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Aos poucos, a televisão permitiu que o universo policial se incorporasse ao seu dia-a-dia. Não tinha escolha. No negócio do entretenimento, ao menos no Brasil, a espetacularização do mundo-cão deixou de ser um item opcional para ser obrigatório. Assim, o tabu do mundo-cão dentro do vídeo – que já havia sido subvertido com tentativas isoladas – foi quebrado no final da década de 80. (p. 101-102)

A exploração das primitivas emoções do ser humano como a violência

e o sexo, do cômico, da dor, do pitoresco, enfim, das fragilidades humanas, são a

tônica deste tipo de programa que retrata de forma esdruxula a intimidade das

pessoas, e que caiu no gosto popular justamente por causa dessa mistura de

jornalismo e entretenimento.

A vida humana é uma grande matéria-prima para a criação dos

espetáculos midiáticos, como afirma Debord (1997, p.13): “Toda a vida das

sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta

como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente

tornou-se uma representação”.

O sensacionalismo é, sem dúvida, marca registrada do telejornalismo

policial contemporâneo, que apoiado na estrutura técnica que a televisão pode

oferecer, reunindo recursos como imagem, som, aproximação, distanciamento e a

palavra, aliado ao seu conteúdo, que mexe com o imaginário popular, é capaz de

alcançar os maiores níveis de audiência, o que explica a explosão deste formato nas

emissoras em todo o país.

Em uma severa crítica Bordieu (1998, p.23) analisa a presença desse

formato nas grades da programação televisiva: “[...] o tempo é algo extremamente

raro na televisão. E se minutos tão preciosos são empregados para dizer coisas tão

fúteis, é que essas coisas tão fúteis são de fato muito importantes na medida em que

ocultam coisas preciosas”.

E Marcondes Filho (1986, p.90) arremata: “No fundo a imprensa

sensacional trabalha com as emoções, da mesma forma que os regimes totalitários

trabalham com o fanatismo, também de natureza puramente emocional”.

2.2 HISTÓRICO DO TELEJORNALISMO POLICIAL

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O telejornalismo policial aderiu aos traços marcantes da

espetacularização ainda na década de 1980, nos Estados Unidos. Esse fenômeno

estaria ligado ao retrocesso do jornalismo investigativo, que tinha uma forte tradição

na televisão americana.

A interferência do poder econômico e dos interesses capitalistas na mídia

fez com esta se tornasse refém da lógica do mercado. Assim, a notícia passou a ser

veiculada à medida em que satisfazia não apenas o interesse público, mas,

principalmente, as conveniências mercadológicas.

Diante disso, percebeu-se que os fatos relacionados à violência eram de

grande interesse para os telespectadores, pois como se diz no jargão capitalista:

“crime vende”. Esse passou então a ser o carro-chefe dos telejornais policiais na

busca sempre por mais audiência.

A fim de explicar tudo isso, Adorno e Horkheimer apud Mattelart (2002,

p.77) criaram o conceito de Indústria Cultural, que traduz toda essa lógica de

produção fabril da notícia: “A indústria cultural fornece por toda a parte bens

padronizados para satisfazer às numerosas demandas, identificadas como

distinções às quais os padrões da produção devem responder”.

Assim emerge um ciclo vicioso em que telejornais policiais abastecem o

interesse do público neste tipo de temática e este, por sua vez, também é

responsável pelo conteúdo, à medida que demonstra sua curiosidade por ela. Como

afirmam mais uma vez os aludidos autores (2002, p.95):

A cultura de massa recebe o seu duvidoso nome exatamente por conformar- se às necessidades de distração e diversão de grupos de consumidores com um nível de formação relativamente baixo, ao invés de, inversamente, formar o público mais amplo numa cultura intacta em sua substância.

Dirigida também pelas regras e apelos mercadológicos, a televisão

brasileira também se rende a este formato, ensejando com isso uma mudança

estrutural no próprio jornalismo, como afirma Neves (2010):

Assim, a prática profissional promove alterações em seu código, substituindo antigos atributos do jornalismo, originários de sua concepção como reflexo objetivo do mundo real, por outros mais pertinentes aos apelos de venda, próprios de seu entendimento como construção da realidade. Esta providência incide diretamente sobre o conteúdo da informação posta no mercado, do mesmo modo que condiciona o tratamento a ela dispensado.

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Tais mudanças trouxeram a tona uma nova maneira de fazer jornalismo,

que segundo a precedentemente citada autora (2010):

A fórmula resultante de tal combinação é a do jornalismo-espetáculo que, afinal, se insere no padrão cultural consagrado pela mídia, cuja matriz é o entretenimento. (...) Ao tomar o espetáculo como modelo, o (tele)jornalismo conjuga a tarefa de informar à função de entreter, permitindo, assim, que a aridez da realidade tangencie o colorido da ficção. Na ânsia de captar a atenção instantânea do grande público, o show informativo recorre a valores socialmente sedimentados, mensagens de fácil reconhecimento, estereótipos e lugares-comuns, valendo-se de trunfos como o sensacionalismo e o escândalo. Com o emprego de recursos desta natureza, torna-se tanto mais fácil banalizar temas de indiscutível interesse público, quanto elevar à condição de informação relevante episódios banais do cotidiano.

Na TV brasileira, a febre do sensacionalismo no telejornalismo policial

exsurge no final da década de 1960, com Jacinto Figueira Júnior, mais conhecido

como “O homem do sapato branco”, que também dava nome ao programa, que

retratava as mazelas da sociedade brasileira, os conflitos familiares, a prostituição, a

pobreza, a violência, a marginalidade, enfim, todo o conteúdo que estamos

acostumados a ver na atualidade. Ele permaneceu no ar por muito tempo e foi

veiculado por várias emissoras como a Globo, a Rede Bandeirantes, o SBT e até

mesmo pela TV Cultura.

Em seguida, já na década de 1970 aparece “A voz do povo na TV”,

exibido pela extinta Rede Tupi durante a tarde, tinha o condão de solucionar os

problemas trazidos pela população, em verdadeira prestação de serviços à

comunidade, alcançando altos índices de audiência.

Em 20 de maio de 1991 estreia o “Aqui Agora”, exibido pelo SBT e

apresentado por Gil Gomes, que com sua gesticulação exagerada, sua voz bem

postada, narrava de forma única os fatos policialescos e do cotidiano. O programa

permaneceu no ar até 1997, dando lugar a outros com o mesmo conteúdo, seguindo

a lógica do mercado em que a ideologia pode continuar a mesma, alterando-se

apenas o produto.

Mais recentemente tivemos a experiência com diversos programas de

todas as emissoras de canais abertos, o que só demonstra que na busca pela

audiência tudo é válido. Entre eles pode-se destacar, o “Brasil Urgente”, da Rede

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Bandeirantes, na Rede Record, o “Cidade Alerta”, o Repórter Cidadão, na Rede TV,

que não são mais exibidos, e seguindo a linha de cobertura de fatos violentos e

dramatização, a Rede Globo tinha em sua grade o extinto “Linha Direta”.

Na Paraíba, seguindo os parâmetros nacionais, como não poderia ser

diferente, temos alguns exemplos de telejornalismo policial sensacionalista em

praticamente todas as emissoras afiliadas na atualidade.

Na TV Corerio, afiliada da Rede Record, temos o líder de Audiência

Correio Verdade, apresentado por Samuka Duarte, na afiliada do SBT, a TV

Tambaú, é exibido o Caso de Polícia, sob o comando de Fábio Araújo, na TV Clube,

afiliada da Rede Bandeirante, com a apresentação de Victor Freitas temos o Aqui na

Clube, e por fim, na Arapuã, afiliada da Rede TV é exibido o Cidade em Ação

apresentado por Vinícius Henriques e com a participação de Anacleto Reinaldo, o

Chumbo Grosso.

Todos esses programas locais seguem a lógica e os apelos do mercado,

noticiando fatos do cotidiano, da vida privada das pessoas, a criminalidade, a

violência, a miséria, entre outros assuntos que aguçam a curiosidade dos

telespectadores ávidos pelo mórbido, pelo pueril e pelo burlesco. Pois citando

Pattias (2006, p. 94): “A violência consumida através do telejornal faz parte e ao

mesmo tempo é alimentada pela violência real que ronda as nossas cidades”.

E assim, esse formato vem ganhando cada vez mais força, alimentado

pelos elevados índices de audiência e, por conseguinte, e pela coerção do poder

econômico.

2.3 CARACTERÍSTICAS DO TELEJORNALISMO POLICIAL

2.3.1 FORMAIS

Ao nos depararmos com os telejornais policiais é nitidamente perceptível

que todos eles seguem um padrão, e por isso mesmo têm muitas características em

comum que nos fazem ser capazes de identifica-los prontamente.

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Em primeiro lugar, é possível saber a partir de aspectos relacionados a

própria forma do programa do que ele trata. Assim, nos telejornais policiais temos,

na atualidade, uma espécie de fórmula que é seguida por todos.

Dando ênfase a sua peculiar forma, surge o telejornalismo policial da

contemporaneidade, como anuncia Neves (2010):

O apelo, afinal, pode recair mais sobre o modo pelo qual a informação foi

obtida do que sobre a informação em si. O efeito de espetáculo é, assim,

deslocado do conteúdo informativo para a forma - menos convencional e até

eticamente duvidosa - de se alcançar a informação, ou seja, do contexto do

enunciado para o código da enunciação, ou ainda, da função referencial

para a metalinguagem.

Por exemplo, quando falamos do cenário, percebemos se tratar de um

ambiente arrojado, onde a bancada, ingrediente indispensável na receita do

telejornalismo padrão, estilo Jornal Nacional, é dispensável. Este fator é

imprescindível nesta lógica, pois com o apresentador de pé, ele tem mais agilidade,

movimentando-se com maior liberdade, e dispõe de mais espaço para gesticular,

demonstrando o caráter eminentemente opinativo deste formato.

Ainda em se tratando de cenário, é sempre certa a presença de um telão,

pois este é um dos principais recursos dos apresentadores. É nele que são exibidas

as matérias, possibilitando ao apresentador visualizá-las diante do telespectador que

pode observar sua reação. Além disso, o apresentador pode, a qualquer instante,

pedir uma pausa, um close, uma repetição, contribuindo para a apresentação do

programa.

Os apresentadores desse formato se vestem de terno ou uma roupa que

traduza certa autoridade, pois é assim que eles são vistos pelos telespectadores,

dada a forma com a qual eles tratam os temas abordados. A despeito disso, se

utilizam de uma linguagem extremamente coloquial, ou como preferem alguns, “a

linguagem do povo”, o que permite certa proximidade com o público. E por falar

nessa proximidade, é bastante comum vermos nesses tipos de programa os

apresentadores mandando saudações, beijos e abraços, mensagens de feliz

aniversário aos telespectadores.

Como afirma Patias (2006, p. 97):

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A linguagem simplificada do produto sensacionalista serve para fortalecer a fusão entre o público com a história relatada. Procura legitimidade de representação das populações periféricas através da linguagem coloquial, do emprego do palavrão e da gíria, como se esse uso caracterizasse o seu engajamento com os interesses, gostos e expectativas populares.

Também não é raro, presenciarmos a comunicação direta dos

apresentadores com a sua produção, elogiando, pedindo imagens, vinhetas, dando

ordens, reclamando, cobrando, o que enseja a informalidade que existe neste

formato.

A narração dos fatos ocorre quase sempre nas ruas, pois os repórteres

sempre estão lá. Não existe tempo determinado para as matérias, o apresentador é

quem define isso, dando enfoque ao que ele presume ser mais relevante.

Todas essas características juntas vão dando forma a este gênero

peculiar que reúne jornalismo e entretenimento, dando contornos ao formato

popularesco de “vender” as notícias, marcas registradas que identificam o

telejornalismo policial sensacional da atualidade, pois é possível se perceber um

pouco de sensacionalismo nos jornais tidos como sérios, mas naqueles, ela é o

ingrediente fundamental, condição sine qua non para a sua existência.

Além disso, elas são capazes de dar maior autenticidade e a sensação de

veracidade na transmissão da informação, fazendo do apresentador um verdadeiro

juiz que julga todos os fatos veiculados no programa.

2.3.2 MATERIAIS

No que diz respeito ao conteúdo, este também é facilmente

identificável no gênero telejornalismo policial. Os temas são sempre relacionados à

criminalidade, à marginalidade, à miséria, à violência, a assuntos bizarros, burlescos,

acidentes, enfim, os assuntos cotidianos que têm fácil adesão dos telespectadores.

A exploração da desgraça alheia, a exibição da intimidade, da vida

privada, dos dramas familiares e sociais, tudo isso é matéria-prima com a qual

trabalha o sensacionalismo que marca o telejornalismo policial.

O apelo emocional é outra característica sobremaneira forte neste

gênero, posto que mais do que informar ele procura seduzir o público. Os quadros

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de dramaturgia que exploram as fragilidades humanas são bastante eficazes nesta

tarefa.

Daí surge o dilema: Quando o jornalismo emociona mais do que informa, embora seja legítimo que as narrativas de TV comportem a emoção e despertem sentimentos, tem-se aí um problema ético, que é a negação da sua função de promover o debate das ideias no espaço público. (PATIAS, apud BUCCI, 2006, p.100)

A busca pelo fait divers, ou seja, daquilo que é mais corriqueiro e que

ao mesmo tempo transmuta-se no que é peculiar, pela forma como é contado é um

dos objetivos do gênero.

Informação sem categoria e sem contexto, o fait divers guarda em seu conteúdo sonhos e frutos da imaginação humana, encerrando a ideia de que há uma espreita do destino. Ao realçar o que existe de mais prosaico na cena cotidiana privada, seu relato assume tom fabulador e produz efeitos que podem resultar tanto no dramático, quanto no cômico. Ocorrência real tomada de assalto pela ficção; refúgio imaginário invadido pela realidade; zona nebulosa entre o fato jornalístico e a trama ficcional... O fait divers - e sua presença nos produtos jornalísticos - parece salientar a habilidade do jornalismo como contador de histórias que, embora reais, mais parecem fictícias. (NEVES, 2010, p.7)

Quanto mais esse conteúdo é veiculado, maior é a necessidade de o

público consumi-lo, pois como explica Wolf (apud RODRIGUES et all, 2008, p. 6):

“Quanto mais expostas as pessoas são a um determinado assunto, mais o seu

interesse aumenta e, à medida que os interesses aumentam, mais as pessoas se

sentem motivadas para saberem mais acerca dele.”

Assim aliando-se as características formais e as de conteúdo, ou

materiais, tem-se um gênero jornalístico híbrido capaz de informar e entreter ao

mesmo tempo, e por isso, também é hábil em arregimentar as massas, pois cada

vez mais telespectadores assistem esse tipo de formato, seduzidos seja pelo

mórbido ou pelo cômico, e pela proximidade que guardam com os fatos

apresentados, já que muitas vezes eles se sentem ali representados.

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2.4 BREVE APRESENTAÇÃO DOS TELEJORNAIS POLICIAIS DA PARAÍBA

2.4.1 CORREIO VERDADE

O Correio Verdade é um telejornal policial exibido de segunda a sábado,

das 12h às 13h30min, pela TV Correio, afiliada da Rede Record de Televisão, canal

12 na grande João Pessoa e canal 13 no interior do estado. Apresentado por

Samuel Duarte, ou como ele mais conhecido, Samuka Duarte, é um dos líderes de

audiência da emissora.

O apresentador conta com a colaboração de repórteres que trazem a

notícia “sempre em primeira mão”, são eles: Emerson Machado, conhecido como

“Mofi”, sempre narrando os fatos policiais do local onde eles acontecem ou mesmo

das delegacias, ele dá o tom sensacionalista da notícia, entrevistando de forma

incisiva e sem meias palavras os indivíduos acusados de cometerem os crimes,

mostrando as cenas fortes, e conversando com os familiares da vítima; Josenildo

Gonçalves, o “cancão da madrugada”, que como seu apelido já aduz, é responsável

em cobrir os fatos que acontecem durante a madrugada da grande João Pessoa,

trazendo informações sobre batidas policiais, perseguições, acidentes; Marcos

Antônio, também chamado de “repórter águia”, facilmente reconhecido por sua voz

pujante e os cômicos encerramentos de suas matérias, sempre descreve o fato com

riqueza detalhes, dando ênfase a narrativa policial.

Em razão até dos altos níveis de audiência o programa é repleto de

comerciais, ou “mershan’s”, como afirma o próprio apresentador que faz a maioria

deles entre uma matéria e outra.

Além do recurso do telão para exibir as notícias e do ponto eletrônico com

o qual mantém comunicação com a diretora do programa, Cristina Cavalcanti,

Samuka Duarte também interage com o sonoplasta “Coxinha”, se comunicando

diretamente com ele através das respostas às vinhetas cômicas que ele solta no ar

durante todo o telejornal.

2.4.2 CASO DE POLÍCIA

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O Caso de Polícia tem apresentação de Fábio Araújo e é exibido de

segunda a sábado pela TV Tambaú, afiliada do SBT, das 11h50min às 12h30min.

Tem como pauta principal os fatos policiais ocorridos durante a semana, com

matérias feitas pelo repórter Rubens Júnior, que também faz chamadas ao vivo nas

ruas ouvindo os apelos do povo ou apenas dando recados.

O aspecto engraçado fica por conta das participações também ao vivo do

famoso comediante, “Biuzinha”, que dá sua opinião sobre os fatos relatados no

programa e convida as pessoas da rua para participarem da transmissão.

Durante o programa Fábio Araújo se comunica diretamente com os

telespectadores por várias redes sociais através da internet.

Em cada edição são feitos, pelo próprio apresentador, diversos comerciais

de marcas conhecidas no estado e até nacionais.

2.4.3 AQUI NA CLUBE

Apresentado por Victor Freitas, o Aqui na Clube é exibido de segunda a

sábado, das 12h30min às 14h, pela TV Clube, afiliada da Rede Bandeirantes.

Com a temática também dos fatos policiais e corriqueiros da semana, o

programa é feito ao vivo e com matérias gravadas pela repórter Mônica Ermírio.

Para dar o tom cômico, em algumas matérias aparece a figura de um comediante

que faz comentários dos fatos.

A cada dia é apresentado um quadro diferente no programa, voltado para

a prestação de serviços à comunidade, apelos e dramas sociais. Além disso, ao final

de cada edição um telespectador participa de uma espécie de quiz e ganha um

prêmio.

O apresentador através de um notebook se comunica ao vivo com os

telespectadores por diversas redes sociais. Como também, faz vários comerciais

durante o telejornal.

2.4.4 CIDADE EM AÇÃO

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Exibido de segunda a sábado, das 12h às 13h20min, pela TV Arapuã,

afiliada da Rede TV, é apresentado por Vinícius Henriques, contando também com a

participação de Anacleto Reinaldo, que faz os comentários dos acontecimentos

policiais da semana .

Além de apresentar o programa, Vinícius Henriques, também é o

responsável por algumas matérias, especialmente aquelas narradas de dentro das

delegacias.

O carro chefe do programa é a temática policial, inclusive, com um quadro

próprio, que é apresentado por Anacleto, chamado de “Delegacia do Chumbo

Grosso”, onde também são tratados outros assuntos como tragédias, acidentes,

ações do governo e entidades não governamentais, entre outros.

Os comercias, como não poderia ser diferente, acompanham a dinâmica

do programa.

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3 NOÇÕES PRELIMINARES DE DIREITO ATINENTES AO TEMA

3.1 O QUE SÃO DIREITOS HUMANOS

Os Direitos Humanos são, segundo o professor que ministra essa

disciplina na UFPB, Eduardo Rabenhorst (2012), aqueles a que todos nós temos

direito, não por imposição do Estado ou por vontade nossa, mas pelo simples fato de

sermos humanos. Nem sempre essa ideia existiu, houve uma época em que nem

todos eram considerados detentores de direitos, eram excluídos e viviam sob

condições desumanas e degradantes. É bem verdade que até hoje muitas pessoas

sobrevivem dessa forma, mas não pela inexistência de seus direitos, mas pela falta

de implementação destes.

A luta pela afirmação dos Direitos Humanos ganhou força principalmente

após as experiências vividas com os regimes totalitários durante as Guerras

Mundiais. A dizimação de milhões de judeus impulsionou o engajamento de ativistas,

grupos, entidades não governamentais e até dos próprios governos a fim de garantir

a todos os seres humanos o acesso a seus direitos.

Neste contexto surge em 1948 a Declaração Universal dos Direitos

Humanos, consolidando o entendimento de que não existe a possibilidade de vida

plena e desenvolvimento humano sem a garantia de condições mínimas para isso.

Demonstrando sua preocupação em evitar o que ocorrera no passado, ainda no

preâmbulo:

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum,

O artigo I traduz bem a essência desse documento que é um marco para

os ordenamentos jurídicos dos Estados Democráticos de Direito, inspirando as

constituições de vários deles: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em

dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação

umas às outras com espírito de fraternidade”.

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Os trinta artigos que compõem a Declaração Universal dos Direitos

Humanos guardam em sua essência formas de tutelar as diferenças e as liberdades

da tirania do próprio Estado, bem como da sociedade.

Para Bobbio (1995, p. 352) o constitucionalismo tem, na Declaração, “um

dos seus momentos centrais de desenvolvimento e conquista, que consagra as

vitórias do cidadão sobre o poder”. Nesse esteio também se firma o entendimento de

Bonavides (1996, p. 517): “São os direitos civis e políticos que correspondem em

grande parte ao momento inaugural do constitucionalismo e podem ser visualizados

como direitos de resistência ou de oposição diante do Estado”.

Os Direitos Humanos podem ser classificados, para fins meramente

didáticos, já que eles são universais e indivisíveis, em categorias, a que os

doutrinadores convencionaram chamar gerações ou dimensões, de acordo com o

seu aparecimento ao longo dos anos. A primeira geração ou dimensão é

conformada pelos direitos civis, a segunda pelos direitos políticos e a terceira pelos

direitos sociais. Bobbio (1995, p. 353) explica cada uma delas da seguinte forma:

Finalmente, estes direitos podem ser classificados em civis, políticos e sociais. Os primeiros são aqueles que dizem respeito à personalidade do indivíduo (liberdade pessoal, de pensamento, religião, de reunião e liberdade econômica), através da qual é garantida a ele uma esfera de arbítrio e de liceidade, desde que seu comportamento não viole o direito dos outros. Os direitos civis obrigam o Estado a uma atitude de impedimento, a uma abstenção. Os direitos políticos (liberdade de associação nos partidos, direitos eleitorais) estão ligados à formação do Estado democrático representativo e implicam uma liberdade ativa, uma participação dos cidadãos na determinação dos objetivos políticos do Estado Os direitos sociais (direito ao trabalho, à assistência, ao estudo, à tutela da saúde, liberdade da miséria e do medo), maturados pelas novas exigências da sociedade industrial, implicam, por seu lado, um comportamento ativo por parte do Estado ao garantir aos cidadãos uma situação de certeza.

A despeito de existir esta divisão, os Direitos Humanos, como dito

anteriormente são indissociáveis, ao ponto de na ausência de quaisquer um deles,

serem negados todos os outros. Como alude o mencionado autor (1995, p.355):

A atualidade é demonstrada pelo fato de hoje se lutar, em todo o mundo, de uma forma diversa pelos direitos civis, pelos direitos políticos e pelas direitos sociais: factualmente, eles podem não coexistir, mas, em vias de princípio, são três espécies de direitos, que para serem verdadeiramente garantidos devem existir solidários. Luta-se ainda por estes direitos, porque após as grandes transformações sociais não se chegou a uma situação garantida definitivamente, como sonhou o otimismo iluminista. As ameaças

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podem vir do Estado, como no passado, mas podem vir também da sociedade de massa, com seus conformismos, ou da sociedade industrial, com sua desumanização. É significativo tudo isso, na medida em que a tendência do século atual e do século passado parecia dominada pela luta em prol dos direitos sociais, e agora se assiste a uma inversão de tendências e se retoma a batalha pelos direitos civis.

Depois de toda esta discussão sobre os Direitos Humanos somos

instados a esclarecer o que são o Direitos Humanos Fundamentais que tanto

ouvimos falar na atualidade. E eles, nada mais são, do que os direitos consagrados

na Declaração Universal dos Direitos Humanos e positivados nos ordenamentos de

cada país.

No nosso país, a Constituição Federal de 1988, a despeito de ser um

documento eminentemente político, onde só deveriam estar previstos assuntos

atinentes a formação do Estado e do Governo brasileiros, diante dos horrores a que

o mundo assistiu perplexo durante a segunda metade do século passado, e ainda

com as memórias do Regime de Exceção por nós vivenciado, traz no Título II um

extenso rol de direitos e garantias fundamentais, a que todos devem ter acesso.

Visando o estabelecimento de condições mínimas para a tutela, não

apenas de existência dos direitos, mas também de concretização destes a

Constituição criou uma séria de garantias para assegurá-los, previstas no mesmo

título.

Os direitos fundamentais são definidos por Moraes (1997, p. 39) da

seguinte forma:

Conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.

Ou ainda, nas palavras de Cunha Jr. (2008, p. 532), direitos fundamentais

são: “Posições jurídicas que investem o ser humano de um conjunto de

prerrogativas, faculdades e instituições imprescindíveis a assegurar uma existência

digna, livre, igual e fraterna de todas as pessoas.”

O real fundamento dos Direitos Humanos já não assume tanta relevância,

diante da real preocupação contemporânea que é a sua implementação para todos

os homens. O Direito Fundamental não é uma criação legislativa, mas sim o

resultado de um processo de construção de todo um contexto histórico cultural da

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humanidade. Desse modo, é necessária a implementação de ferramentas que façam

valer aquilo que já está no ordenamento positivo, ainda que as soluções sejam

encontradas fora dos Estados Nacionais, já que muitas vezes mostram-se

ineficientes em garantir nossos direitos fundamentais.

3.2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O princípio da Dignidade da Pessoa Humana é o principal norte de todos

os ordenamentos jurídicos modernos, pois descende da ideia de que todos os seres

os humanos possuem direitos pelo fato mesmo de serem humanos, como dito

precedentemente. Assim, todos possuem dignidade pelo mesmo fato, e esta deve

ser respeitada sob pena de se violar todo o sistema jurídico, não apenas de um

Estado, mas do mundo, ou pelo menos, do mundo oriental, que se pauta em tais

parâmetros, haja vista a universalidade que tange tal temática.

Nas palavras de Rizzato (2002, p. 58): “Dignidade da Pessoa Humana é

um princípio construído pela história. Consagra um valor que visa proteger o ser

humano contra tudo que lhe possa levar ao menoscabo”.

Diante disso, o principio da dignidade da pessoa humana assume o

importante papel de critério unificador, perante o qual todos os direitos humanos

fundamentais devem se reportar e adequar, em maior ou menor grau. O que por

outro lado, traz uma acalorada discussão a respeito dos limites de interpretação

desse critério, levando-nos a dúvida sobre seu caráter absoluto ou não.

Lembra Cunha Júnior (2008, p. 352):

É preciso enfatizar, que a dignidade da pessoa humana – alçada a princípio fundamental pela Constituição Brasileira (CF/88, art. 1º, III) é vetor para a identificação material dos direitos fundamentais – apenas estará assegurada quando for possível ao homem uma existência que permita a plena fruição de todos os direitos fundamentais.

A discussão a respeito da prevalência do Princípio da Dignidade da

Pessoa Humana em cotejo com outros princípios ganha contornos de relativização a

partir do momento que se compreende que igual dignidade é conferida a todos os

outros seres humanos, como assevera Sarlet (2001), sendo todo ser humano

merecedor de igual respeito em virtude dela.

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Assim para aferir o sobrepujamento de um princípio sobre o outro é

necessário, precipuamente, avaliar sob o prisma da dignidade da pessoa humana o

caso em concreto, pois a realidade traz vicissitudes que variam conforme ela se

apresenta. Sarlet (2001, p. 152) preceitua que:

Parece-nos irrefutável que, na esfera das relações sociais, nos encontramos diuturnamente diante de situações nas quais a dignidade de uma determinada pessoa (e até mesmo de grupos de indivíduos) esteja sendo objeto de violação por parte de terceiros, de tal sorte que sempre se põe o problema – teórico e prático – de saber se é possível, com o escopo de proteger a dignidade de alguém, afetar a dignidade do ofensor, que, pela sua condição humana, é igualmente digno, mas que, ao mesmo tempo naquela circunstância, age de modo indigno e viola a dignidade dos seus semelhantes, ainda que tal comportamento não resulte – como já anunciado alhures – na perda da dignidade.

Mais do que uma norma ou uma regra a dignidade da pessoa humana é

um atributo conferido, independentemente, de quaisquer características sejam elas

físicas, morais, religiosas, relativas à orientação sexual, classe social, etc. Kant

(1984, p.48) foi ainda mais longe, afirmando que aquilo que não tem preço é

insubstituível e, portanto, então possui uma dignidade, neste conceito se enquadra o

ser humano:

No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer

equivalência, compreende uma dignidade.

Em consonância com o pensamento do aludido autor, haverá a violação

da dignidade da pessoa humana toda vez que o ser humano for tratado não como

um fim em si mesmo, mas como um meio, como um objeto.

Com previsão no artigo 1º, III da Constituição Federal, que é o esteio

sobre o qual todas as demais normas devem se curvar, o princípio da Dignidade da

Pessoa Humana é inserido no nosso ordenamento como um dos fundamentos da

República, se espraiando por todo o ordenamento.

3.3 DIREITO À INFORMAÇÃO

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

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inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; (...) IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; (...) XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.

É dessa forma que se encontram consagrados na Constituição Federal de

1988 a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e o direito à informação,

valores intrinsecamente relacionados, que no período obscuro do Regime de

Exceção foram absolutamente negados, e por isso hoje recebem tratamento

especial, sendo elevados à categoria de Direitos Humanos Fundamentais.

As liberdades de expressão e de imprensa são os arautos da democracia.

Um Estado que relega esses direitos a segundo plano não pode ser chamado de

Estado democrático, pois como já dizia Ruy Barbosa:

A imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça.

A imprensa mais do que o direito de informar tem o dever de fazê-lo, e

para que o direito do cidadão ao acesso dessa informação não seja vilipendiado ela

deve ser prestada de forma coerente com a verdade dos fatos, pautada pela ética,

pela moral e pela lei.

Neste contexto, ensina José Afonso (2001,p.245):

“[...] a liberdade de informação compreende a procura, o acesso, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada qual pelos abusos que cometer. O acesso de todos à informação é um direito individual consignado na Constituição, que também resguarda o sigilo da fonte, quando necessário ao sigilo profissional [...].

Assim, os veículos de comunicação exercem um importante papel

social, consubstanciado também no controle dos atos do Poder Público como forma

de garantir a salvaguarda de todos os direitos dos cidadãos, por isso prevê ainda a

Constituição Federal:

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Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º. Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2º. É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

O direito à informação é um direito meio, pelo qual se tem acesso a todos

os demais direitos, aí reside a sua importância, negá-lo é o mesmo que negar os

todos outros direitos fundamentais, a própria Constituição Federal, e até a

Declaração Universal dos Direitos Humanos. Isto quer dizer que desprezar o direito

fundamental à informação é o mesmo que ir de encontro a todo o sistema normativo.

Este direito compreende as variantes: direito de informar, de se informar e

de ser informado ou direito à verdade, como também é conhecido. Enquanto a

primeira compreende a liberdade individual de comunicar fatos, a segunda de ir

busca-los, a última consiste no direito difuso de ser deles informado, como ensina

Barroso (2010).

Contudo, nessas três acepções deve estar contido também o princípio da

dignidade da pessoa humana, como sendo um divisor de águas capaz de limitar o

campo de cada um desses direitos, para que um não invada a área de atuação do

outro.

3.4 CÓDIGO DE ÉTICA DOS JORNALISTAS BRASILEIROS

O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, assim como os códigos de

éticas das demais profissões se constitui em um norte que deve ser seguido pelos

profissionais a fim que o seu mister seja exercido com o mínimo de decoro e siga

padrões morais aceitáveis dentro da sociedade.

A sua existência pressupõe a preocupação com a qualidade da

informação a ser veiculada, ainda que suas regras não tenham força coercitiva,

como ocorre com uma lei, por exemplo, o seu descumprimento pode gerar algumas

punições para os profissionais da área, que se encontrem devidamente inscritos nos

órgãos de registro profissional.

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Muito embora alguns não vejam no Código de Ética um instrumento eficaz

para inibir determinados tipos de condutas destoantes com o legítimo exercício do

direito de informar e de ser informado, a sua ausência poderia levar à sociedade ao

descredito nessa classe de profissionais que exercem um papel fundamental para a

sociedade.

Em vigor há vinte e seis anos, o Código de Ética dos Jornalistas

Brasileiros foi atualizado no XXXII Congresso Nacional da categoria, realizado em

2006, em Vitória, Espírito Santo.

Já no seu primeiro artigo o Código ratifica como seu supedâneo o direito

fundamental que tem o cidadão à informação, subdividido nos três aspectos,

abordados precedentemente :

Art. 1º O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros tem como base o direito fundamental do cidadão à informação, que abrange seu o direito de informar, de ser informado e de ter acesso à informação.

Além disso, quando trata do capítulo referente à conduta profissional do

jornalista ele reafirma a importância do dever social deste profissional, bem como e,

por conseguinte, o compromisso com a verdade dos fatos, e impõe os deveres que

devem pautar o exercício do Jornalismo. Vejamos:

Art. 4º O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, razão pela qual ele deve pautar seu trabalho pela precisa apuração e pela sua correta divulgação.

Como poderemos observar dos exemplos trazidos no próximo capítulo,

essa não é a regra que vigora hoje em dia. Cada vez mais temos que lidar com o

outro lado da moeda, o Jornalismo descomprometido com a ética, com a

investigação da verdade dos fatos e eivado de vícios, comprometendo assim a

qualidade do acesso à informação.

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4 VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS PELO TELEJORNALISMO

POLICIAL

4.1 ENFOQUES DO TELEJORNALISMO POLICIAL NA PARAÍBA

O telejornalismo policial paraibano vem seguindo um padrão nacional

desse gênero em que os apresentadores se portam como donos da verdade,

justiceiros, cobrando iniciativas e ações do Poder Público, e sendo tratados pela

população como verdadeiras autoridades. Esse formato é caracterizado

principalmente, pela exposição imprudente da desgraça alheia, exploração da

carnificina e da marginalidade, e pela incitação ao preconceito e ao ódio.

Tais condutas podem ser caracterizadas como autênticas violações aos

direitos mais elementares dos seres humanos e, além disso, algumas delas podem

ser configuradas como práticas delitivas, sendo tipificadas pelo Código Penal

Brasileiro.

Vejamos alguns recortes dos programas veiculados no estado em que

são constatados tais comportamentos afrontosos aos Direitos Humanos.

4.1.1 PROGRAMA CORREIO VERDADE

No programa Correio Verdade e transmitido pela TV Correio, afiliada da

Rede Record, exibido no dia 11 de março deste ano, o apresentador Samuka Duarte

atribui claramente a prática de um crime a um indivíduo, ridicularizando-o ao vivo

durante a transmissão. É desse modo que ele trata da prisão do acusado:

“Olha, o pastor e mulher são presos acusados de estelionato. Meu DEUS

do céu! O delegado, atenção, o delegado vai estar aqui ao vivo contando esse fato.

Ele estará aqui ao vivo, falando desse caso, desse caso do pastor, vocês vão saber.

Não é pastor, é um pastel, só pode ser. Um pastor verdadeiro não faz esse tipo de

coisa. O pastor verdadeiro cuida das ovelhas. Todos os detalhes hoje, aqui no

programa.”

Agindo dessa forma, o apresentador está indo de encontro a um dos

princípios basilares do nosso ordenamento jurídico, qual seja, o princípio da não

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culpabilidade, ou como ele é mais conhecido, princípio da presunção de inocência,

que é tratado pela Constituição Federal como um Direito Fundamental:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de

sentença penal condenatória;

Sem falar que com esta postura, ao utilizar estes termos, ele ainda

comete o crime de calúnia, atribuindo a prática de um delito ao indivíduo acusado. O

Código Penal tipifica esta conduta da seguinte forma:

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção, de seis (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. § 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga. § 2º - É punível a calúnia contra os mortos. Exceção da Verdade § 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo: I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível; II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do Art. 141; III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

O doutrinador penalista Guilherme Nucci (2009, p.421) assim caracteriza

a calúnia:

É o crime mais grave de todos os crimes contra honra previstos pelo Código Penal. Na narração da conduta típica, a lei penal aduz expressamente a imputação falsa de um fato definido como crime. Assim podemos indicar três pontos principais que especializam a calúnia com relação as demais infrações contra a honra, a saber: a) a imputação de um fato; b)esse fato imputado à vítima deve, obrigatoriamente, ser falso; c) além de falso, o fato deve ser definido como crime.

Diante desses esclarecimentos, resta comprovada que a abordagem feita

pelo apresentador é nitidamente desrespeitosa aos Direitos Humanos, além de

configurar o cometimento de um delito. Pois, agindo dessa forma, ele acaba

contribuindo para um julgamento antecipado do acusado, formando um juízo de

valor antes mesmo que ele tenha direito a um julgamento justo, após ter passado por

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um processo judicial, em que ele teria direito a produzir provas e demonstrar a sua

inocência.

Muitas vezes, esse pré-julgamento do acusado feito pela mídia acaba

influenciando de maneira negativa no julgamento realizado pela Justiça, porque de

certa forma esse tipo de tratamento espetacularizado dado a notícia acaba atraindo

os olhares da sociedade e suscitando o clamor público, que protesta pela

condenação sem, no entanto, a certeza jurídica para tal. Isso termina criando um

clima de insegurança no Judiciário, em que a mídia, especialmente a televisiva,

torna-se um fator decisivo nas sentenças judiciais.

Em outra passagem do programa, Samuka Duarte relata um homicídio,

explorando de maneira insensível a dor e a perda da família da vítima, e ao final

ainda fere a honra desta, vejamos:

“Olha gente, vocês viram, vocês viram que situação. É o que eu digo

sempre aqui, no final de tudo a família sofre. A dor da mãe, a dor da esposa. Bota aí

a imagem do desmaio, a hora que chega. Tem como Cristina, ver? Ele diz isso

reportando-se a diretora do programa. Vai olhando. Olha o desmaio aí. A mulher

desmaia. A mãe desmaia. Veja só. É Linguiça que tá colocando? Dirigindo-se a

alguém da produção. Linguiça, bota aí. A mãe vai desmaiar, olha aí. Presta a

atenção, a mãe vai desmaiar, olha. A mãe desmaiando, olha aí. Já está a esposa

dele ali, desmaiada. Tá ali a prima dele de blusa amarela. Olha o desespero da

família, gente. A família no desespero. (voltam as imagem chocantes da matéria).

Isso é lamentável. É o que a droga causa, ou o que as drogas causam nas

pessoas.”

As imagens a que o apresentador se reporta são chocantes e expõem

não apenas o cadáver que está ao solo, mas toda a família que é filmada no

momento em que se depara com o corpo da vítima.

Ao mostrar estas cenas, não apenas o apresentador, mas o veículo em si,

está desrespeitando os preceitos do artigo 5º, X da CF/88, e podem ser

responsabilizados por isso:

Art. 5º (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

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E ainda, quando o apresentador justifica a morte da vítima em razão de

seu possível envolvimento com as drogas, ele está incorrendo em outro crime contra

a honra, a saber: a difamação. Mesmo a Lei Penal pátria só fazendo menção a

possibilidade de a vítima ser falecida no delito de calúnia, a Lei nº 5.250/67 (Lei de

Imprensa), que é mais específica, deixa clara a viabilidade do cometimento de todos

os crimes contra honra tendo como sujeitos passivos os mortos. Senão, vejamos:

Art. 24. São puníveis, nos termos dos arts. 20 a 22, a calúnia, difamação e injúria contra a memória dos mortos.

Pois em conformidade ao que preceitua Nucci (2009, p. 430) a memória

do falecido deve ser respeitada: “certo que o morto não goza mais do status de

pessoa (...). Contudo sua memória merece ser preservada, impedindo que seus

parentes sejam, mesmo que indiretamente, atingidos pelo fato”.

Segundo a definição de Rogério Sanches (2009, p. 86) difamação:

“consiste na imputação (atribuição) de fato determinado que é ofensivo a reputação

da pessoa a quem se atribui.” Neste caso, ofende-se a honra objetiva, ou seja,

aquela relacionada com a boa fama que o indivíduo dispõe perante a sociedade.

É tipificado pelo Código Penal da seguinte forma:

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. Exceção da Verdade Parágrafo único - A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.

4.1.2 PROGRAMA CASO DE POLÍCIA

Em outro fragmento deste formato, desta vez no Caso de Polícia,

apresentado por Fábio Araújo, através da afiliada do SBT, a TV Tambaú, na edição

do dia 12 de março também deste ano, o apresentador, da mesma forma que o

anterior também se reporta a um fato criminoso de maneira escrachada e

comprometendo a reputação da vítima e de sua família:

“Atenção! Homicídio ontem a tarde na comunidade do Cadeado,

município de Santa Rita. Um jovem foi morto com três tiros quando saía de casa. No

telão aparecem as imagens do cadáver e da casa da vítima. De acordo com a

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polícia, a vítima era usuário de drogas. Olha aí a novidade: usuário de drogas. O

crime teria sido cometido por dois homens que fugiram a pé. Até agora ninguém foi

preso, ninguém sabe o paradeiro, a velha forma de matar de quem deve ao tráfico

de droga. Ficou devendo ao tráfico de drogas é bala na cabeça. Mais um que foi pro

saco, mais um que foi embora porque devia ao tráfico de drogas. É melhor o

camarada não entrar, porque se entrar é caixão e vela preta, é saco preto pra você,

é gaveta do IML (Instituto de Medicina Legal) pra ti. Olha aí comunidade do Cadeado

em Santa Rita, jovem foi morto com tiro na cabeça, executado porque

provavelmente devia ao tráfico de droga”.

Mais uma vez fica nítida a violação aos Direitos Humanos, ao princípio

elementar dos ordenamentos jurídicos de todos os Estados que na modernidade se

intitulem Democráticos de Direito qual seja, o Princípio da Dignidade da Pessoa

Humana. Este é o norte para todos os demais direitos, todos devem partir desse

pressuposto, sua violação é, portanto, uma afronta a todo o ordenamento

constituído.

Sarlet (2001, p. 60) assim define este primado:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.

Além dos delitos já mencionados, ambos os apresentadores, tanto

Samuka Duarte quanto Fábio Araújo, também podem ser responsabilizados pelo

prática delituosa de vilipêndio de cadáver, que está previsto no Diploma Penal, in

verbis:

Art. 212 - Vilipendiar cadáver ou suas cinzas: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

A esse respeito, a doutrina de Sanches (2009, p. 230) se posiciona:

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A ação nuclear típica é vilipendiar, ou seja, desprezar, desdenhar, aviltar, menoscabar, rebaixar o cadáver ou suas cinzas. É crime de execução livre, podendo ser praticado pelo escarro, pela conspurcação, desnudamento e até mesmo por meio de palavras.

Desse modo, é possível constatar que existe a preocupação com o direito

à Imagem e à honra, inclusive dos mortos, tamanha é a relevância desse fator para

o ordenamento jurídico, justificando o tratamento constitucional que é dado a esta

matéria.

4.1.3 PROGRAMA AQUI NA CLUBE

Já no programa Aqui na Clube, exibido , no dia 13 de março do corrente,

pela afiliada da Rede Bandeirantes, a TV Clube, o apresentador Victor Freitas sem

qualquer cerimônia apresenta os fatos policias que ocorreram no estado, utilizando-

se de palavras chulas, termos popularescos e dançando de modo burlesco, como no

exemplo que segue:

“Dois acusados foram presos em flagrante, levando drogas para um

maconheiro que estava dentro do motel aqui na capital. Imagine a cena: eles

estavam lá dando uma lapada no bichinho e vem um traficante de cocaína. Será que

cocaína é viagra, hein? O traficante pega a mercadoria e entrega, só que nessa, os

criminosos tomaram no caneco. Ao dizer isso, ele mostra as imagens dos acusados.

Quem foi para o motel com os acusados? Quem foi que entrou no quarto do motel

com os acusados? Quem foi que mostrou a cama que os acusados estavam? Ela,

vai Mônica”. Ele diz apontando para o telão e mostrando a repórter.

Depois de exibida a matéria, o apresentador fingindo dar a seriedade que

o caso merece, chama um comediante a quem ele atribui a função de especialista

criminal para comentar o assunto, este por sua vez, faz a seguinte análise:

“Aí é um casal, eles iriam se amar. Isso tá errado. Você está muito

fofoqueiro, se metendo na vida dos outros. Reportando-se ao apresentador. Eles

não são safados, são pessoas boas.” Ao dizer isso, ele finge estar chorando.

É dessa forma jocosa que são narradas todas as matérias exibidas

durante o programa, em total desrespeito à legislação de imprensa, ao Código de

Ética dos Jornalistas Brasileiros, à Constituição Federal, e principalmente, aos

Direitos Humanos respaldados no sistema normativo como um todo.

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Além de todas as implicações jurídicas já tratadas anteriormente nos

outros dois programas, como por exemplo, a violação ao direito à imagem e à honra,

a afronta ao princípio constitucional da não culpabilidade, a conduta do apresentador

também pode ser arrostada pelo Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros (2007)

que afirma em seu artigo 9º que “a presunção de inocência é um dos fundamentos

da atividade jornalística”.

O Código também apresenta deveres desses profissionais, tais como:

Art. 6º É dever do jornalista: I - opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos; (...)VIII - respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão; (...)X - defender os princípios constitucionais e legais, base do estado democrático de direito; XI - defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, em especial as das crianças, adolescentes, mulheres, idosos, negros e minorias;

Trazendo também proibições que devem ser respeitadas pelos jornalistas

em consonância com todo o ordenamento jurídico, sob pena de infringi-lo.

Art. 11. O jornalista não pode divulgar informações:

(...) II - de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes;

E o apresentador segue em mais um exemplo de desrespeito:

“Ontem a noite três adolescentes foram vítimas de tentativa de homicídio

em Mandacaru. Os jovens estavam numa rua do bairro quando os criminosos

chegaram num carro de cor prata e meteram bala, graças a Deus ninguém morreu.

Um levou um tiro na bunda, mas foi levado para o Trauma. Na busca pelos

acusados a polícia prendeu uma mulher, bicha bandida, que estava dirigindo o

veículo. Ela confessou que iria matar todos os adolescentes recebendo a ordem de

um preso chamado Jeferson que está no presídio da capital. Eu não sei quem é

mais besta, o cara que mandou ou o otário solto que tá recebendo ordem do preso”.

Nesta passagem além de tratar a fatalidade que ocorreu com os

menores de idade de maneira risível, ele ainda expõe a vida de uma das

personagens da matéria, informando que ela revelou o nome do mandante do crime.

Sobre isso também cuida o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros:

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Art. 7º O jornalista não pode: IV - expor pessoas ameaçadas, exploradas ou sob risco de vida, sendo vedada a sua identificação, mesmo que parcial, pela voz, traços físicos, indicação de locais de trabalho ou residência, ou quaisquer outros sinais;

Apesar de não ter a força de lei, isto é, de não ser capaz de impelir o

indivíduo a cumpri-lo, o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros demarca um

norte para a profissão, traçando os caminhos pelos quais o jornalismo comprometido

com a verdade dos fatos deve passar. Servindo, portanto, de divisor de águas entre

o jornalismo sério e aquele que tem como maior preocupação a audiência.

4.1.4 PROGRAMA CIDADE EM AÇÃO

Em mais um exemplo de afronta ao direito à imagem e á honra do nosso

telejornalismo policial, o apresentador Vinícius Henriques, que está a frente do

Cidade em Ação, transmitido pela TV Arapuã, afiliada da Rede TV relata na edição

do dia 14 de março deste ano, no seu programa, uma morte que ocorreu em um

motel da capital. Primeiro ele dá a manchete da notícia:

“Um homem morreu na madrugada de hoje em um motel, no bairro do

Geisel. A causa da morte ainda está para ser investigada. Que drama, hein? Você

vai ver aqui na tela da poiva”, apontando para o telão, em que é exibida a matéria.

Em seguida, entre risadas, o apresentador tece os seguintes comentários:

“Toda morte é uma morte complicada, mas essa deixa a família numa situação mais

complicada ainda. Se ele for casado e estava pulando a cerca, meu amigo eu acho

que o velório nem acontece. Se ele é solteiro, o que é que vai explicar a família, né?

(risos) Que situação, eu não vou nem dizer o nome do rapaz. Trinta e oito anos, o

rabecão do IML (Instituto de Medicina Legal), a polícia, todo mundo ali no Motel. E

os outros casais? Não podem nem sair”. (risos)

Em mais um exemplo de tratamento desumano dado à notícia, o

apresentador descreve outra fatalidade:

“Um motociclista de 42 anos morreu após um acidente em Mangabeira.

Segundo informações ele tentou fazer uma ultrapassagem, mas acabou batendo na

traseira de um caminhão. E o local foi aquele mesmo que o PM foi morto. Aqui na

tela da poiva, apontando para o telão.” É exibida a matéria, com a exposição do

cadáver coberto com um lençol. Seguindo o apresentador com os seus comentários:

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“Meu amigo, minha amiga, pilotar moto, com todo respeito, não é para

todo mundo não. Muitas pessoas têm vontade de ser piloto de motocicleta, mas tem

que ter um dom. Não é fácil não, é complicado. Você tem que ter a noção de espaço

e tempo senão acontece tragédia. É diferente de carro. No carro se você cometer

um erro há mais prejuízos materiais do que a própria vida. O motociclista não,

sempre ele é o para-choque. O rapaz puxou para a esquerda tentou ultrapassar,

como não deu, ele voltou. Pelo o que eu vi foi fratura de pescoço, porque ele estava

de capacete”. Referindo-se as imagens veiculadas.

Afora a vil justificativa que o próprio apresentador cria para a ocorrência

do acidente, falando como se especialista fosse, ele ainda vilipendia a vítima e a sua

família mostrando as cenas do cadáver, e fazendo elucubrações sobre a possível

causa da morte. Agindo assim ele vai de encontro ao que preceitua o artigo 11 do

Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, analisado precedentemente, bem como

direitos e garantias fundamentais, também já mencionadas anteriormente.

Neste programa há uma peculiaridade, pois além do apresentador,

responsável em chamar as principais matérias, existe a figura, do que podemos

chamar, comentarista de fatos policiais, que tem um quadro e um cenário exclusivos

para falar, sobretudo, de notícias que envolvam crimes e prisões.

O responsável em fazer tais comentários é Anacleto Reinaldo, ou como

ele mesmo se intitula, o Chumbo Grosso, que o faz sem qualquer pudor ou

comprometimento com a informação, utilizando-se de termos grosseiros, palavras de

baixo calão, palavrões, aviltando de várias formas os Direitos Humanos, o que já é

perceptível a partir de sua apresentação no programa:

“Boa tarde Vinícius. Boa tarde João Pessoa. Boa tarde Paraíba. É o

Chumbo Grosso voltando para marretar bandido sem vergonha, para dar pau em

cabra safado. Você que é bandido sem vergonha, ladrão, traficante, maconheiro,

bandido sem vergonha, é pau agora. Aqui é o Chumbo de verdade, o resto é bagaço

que a porca chupa. Sem medo de bandido, sem medo de nada, com a gota serena.

Quer vir, venha. Prepara o lombo para levar pau agora, filhote de corno”.

A seguir, sentado em uma cadeira e em um cenário que imita uma

delegacia de polícia, o apresentador chama a manchete da notícia, que em geral é

muito simples, e em seguida comenta o fato:

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“Duas pessoas foram presas após um assalto em Intermares, no

Município de Cabedelo.”

“Esse bandido estava solto com habeas corpus, saiu da cadeia foi roubar

novamente. Não há recuperação para bandido. Só que tem um bando de cabra

safado aqui em João Pessoa que defende direito para bandido. Eu queria que uma

peste dessa levasse uma facada de um bandido. Esses cabras safados, um padre

velho sem vergonha que defende bandido levasse uma peixeirada de um bandido,

pra deixar de estar defendendo bandido. Tá vendo que bandido não tem

recuperação? Saiu da cadeia foi roubar novamente. E roubou um velho, um vovô.

Mas vô, Vô com 81 anos e ele roubou vô. Uma pistola de plástico, essa pistola é

bom para enfiar na .... Sem vergonha, safado, filhote de corno, tu era pra ter morrido

safado. Cadê a moto preta? Meus amigos da moto preta vamos andar na cidade, tá

faltando gasolina? Venha aqui para eu encher o tanque. Quero ver você morto no

IML, bandido sem vergonha.”

Ao reportar-se desse modo aos defensores de agentes criminosos, ele

desrespeita claramente o direito à defesa destes, que é um princípio constitucional,

elevado à categoria de Direito Humano Fundamental:

Art.5º (...) LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Ressaltando a importância deste princípio, manifesta-se a doutrina:

A partir dessa afirmação compartilhada ainda por outros juristas, deve-se observar a possibilidade do princípio do contraditório na peça inquisitorial. A Constituição da República do Brasil é repleta de princípios que doa fundamento e dinamicidade a todo embasamento teórico do seu corpo normativo. No artigo 5°, como já citado, são definidos princípios fundamentais de proteção e efetividade dos direitos inerentes aos cidadãos. Tem-se, pois, um novo Estado Democrático de Direito no qual o bem-estar das pessoas é elevado à categoria primária de proteção integral e amparo do Direito Processual Constitucional. O princípio é tão amplo e tão significativo que legitima a jurisdição e se confunde com o próprio Estado de Direito. Assim, aplica-se tanto na jurisdição civil e penal, quanto nos procedimentos administrativos. (PORTANOVA, 2003, p. 146).

A despeito da relevância que tem este princípio, das consequências

engendradas por sua violação, como podemos depreender das explanações acima,

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o que nos chama mais atenção neste discurso é o fato de o apresentador fazer

menção várias vezes a violência como saída plausível para dar um basta na

criminalidade. E este discurso acaba sendo, muitas vezes legitimado em razão da

grande audiência que tem esse tipo de programa, conformada em sua maioria por

pessoas com baixo nível de instrução.

É importante salientar que esta conduta do apresentador encontra-se

tipificada no Código Penal como incitação ao crime, disposta da seguinte maneira:

Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime. Pena - detenção, de 3 (três) a 6 (seis) meses, ou multa.

Sanches (2009, p.166) afirma que para que o delito se configure

necessário se faz que haja a publicidade da instigação, ou seja, é preciso que ela

seja percebida por um número indeterminado de pessoas.

O delito se consuma, segundo Nucci (2009, p. 201), quando: “o agente,

incitando publicamente a prática do crime, coloca efetivamente em risco a paz

pública, criando uma sensação de instabilidade social, de medo, de insegurança no

meio social”.

A lei de imprensa disciplinou a matéria da seguinte forma:

Art. 19 Incitar à prática de qualquer infração às leis penais: Pena: Um terço da prevista na lei para a infração provocada, até o máximo de 1 (um) ano de detenção, ou multa de 1 (um) a 20 (vinte) salários-mínimos da região. § 1º Se a incitação for seguida da prática do crime, as penas serão as mesmas cominadas a este. § 2º Fazer apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena: Detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa de 1 (um) a 20 (vinte) salários-mínimos da região.

E ainda, ao fazer alusão à moto preta, expressão direta e sabidamente

relacionada ao cometimento de homicídios de ex-presidiários, o apresentador

demonstra sua satisfação com tal prática, e agindo assim ele comete o delito de

apologia ao crime, previsto no Código Penal:

Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena - detenção, de 3 (três) a 6 (seis) meses, ou multa.

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A lei de imprensa também dispensa tratamento específico a este delito

no §2º do já citado artigo 19, inclusive, prevendo uma penalidade diferente do crime

de incitação ao crime que menciona no caput do dispositivo.

Com o fito de esclarecer o significado de apologia, ensina Nucci, (2009, p. 205):

Fazer apologia significa enaltecer, realizar com afinco, engrandecer, glorificar. Essa apologia deve ser realizada publicamente, bem como dizer respeito a fato criminoso ou a autor de crime. Assim a conduta do agente deve ser dirigida, finalisticamente a enaltecer, engrandecer, elogiar, aplaudir em público, fato criminoso ou autor de crime.

Neste diapasão, é possível verificar mais uma série de exemplos nesta

mesma edição, proferidos pelo mesmo apresentador, ou melhor, comentarista.

Então, vejamos:

“Essa gangue que matou o agente penitenciário foi ameaçar a viúva.

Vocês tomem cuidado. Estão presos. É pra levar cassete, mete o cassete, dá-lhe um

pau, quebra o cassete neles. A gangue deles foi ameaçar a viúva. Sem vergonha tu

vai morrer visse? Os agentes penitenciários tão caçando a gangue. E vocês que

estão presos vão levar cassete. Eu quero ver pau em bandido. A polícia, eu só digo

uma coisa: prendeu bandido, quebra-lhe pau logo. Porque bota um veado, sem

vergonha desse na cadeia, daqui a pouco ele está solto. Quebra o pau, chuta na

barriga aqui, estoura o fígado, o pâncreas e tudo. Esbraveja o apresentador

indicando o local onde a polícia deve bater, apontando para a própria barriga. É pra

morrer, vagabundo, sem vergonha.”

Nessa passagem o apresentador faz mais uma vez apologia à violência

contra acusados de cometerem crimes, como se esta fosse a única saída para a

criminalidade. Com esse discurso ele cria um ambiente ainda mais violento, além de

um clima de insatisfação com o Poder Público, pois gera insegurança e medo,

ferindo de morte o ordenamento jurídico conglobadamente.

4.2 DIREITO À QUALIDADE DA INFORMAÇÃO

Examinando todos os programas podemos verificar a presença de

elementos destoantes com os paradigmas modernos de respeito à Dignidade da

Pessoa Humana, que segundo Barroso (2010) “é um dos grandes consensos éticos

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do mundo ocidental”, servindo de norte para interpretações jurídicas em todos os

planos, o que a conforma em verdadeira faca de dois gumes. Pois, se de um lado,

ela é a panacéia de todos os males, utilizada para adequar o ordenamento jurídico

aos ditames dos brados democráticos dos Estados ocidentais, ela também serve, de

outro lado, de subterfúgio para o descumprimento de preceitos humanos

fundamentais.

Trazendo esta discussão para o âmbito do Jornalismo, temos o direito à

informação, como um dos principais direitos humanos, posto que é um direito-meio,

pelo qual se tem acesso a todos os outros, e portanto, também elevado a categoria

de direito humano fundamental por nossa Carta Magna.

O ponto controvertido neste sentido se estabelece, na realidade, quando

temos que traçar um limite para este direito. Até onde a mídia pode ir em nome

dele? Qual o extremo do direito à informação? São as respostas para estas

perguntas a que tentamos chegar com a conclusão deste trabalho.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A televisão continua sendo um dos principais veículos de comunicação da

atualidade, a despeito do crescente avanço tecnológico e da rápida disseminação da

informação através da internet. Isso se deve aos seus próprios recursos técnicos,

pois é capaz de transmitir, ao mesmo tempo, áudio e imagem.

Neste contexto, o telejornalismo policial encontra terreno fértil para a

propagação de seu discurso sensacionalista, em consonância com os apelos

mercadológicos e do público, dando ensejo a um padrão que vem sendo seguido em

todo o país.

A Paraíba acompanhando a lógica dessa conjuntura exibe diariamente

quatro telejornais policiais em quatro emissoras diferentes, que analisados, ainda

que superficialmente, demonstraram guardar as mesmas características formais e

de conteúdo.

E mais do que isso, a partir desse exame, foi possível constatar as

invariáveis violações a que são submetidos os Direitos Humanos, não apenas dos

atores sociais que têm a vida exposta nestes telejornais, mas também daqueles que

consomem este produto midiático.

Rotineiramente a Dignidade da Pessoa Humana, princípio norteador de

todo o ordenamento jurídico, é vilipendiada pelo discurso autoritário, machista e

preconceituoso dos apresentadores desse tipo de telejornal sensacionalista, bem

como pelas imagens repugnantes e chocantes que são a tônica desse formato.

Nesse esteio o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros exsurge como

um instrumento abalizador das condutas profissionais, como uma meta a ser

alcançada, entretanto, parece que ela se encontra cada vez mais distante, até

porque a maioria dos apresentadores dos telejornais policiais que seguem essa

formatação não são jornalistas, e por isso, não se submetem a essas regras.

O Direito à informação é direito meio pela qual se tem acesso a todos os

demais direitos, por isso ele foi elevado à categoria de Direito Humano Fundamental

pela Constituição Federal de 1988. A grande questão que emerge é onde se

encontra resguardado o direito à qualidade desta informação.

A conclusão a que podemos chegar com o término desta pesquisa é que

cabe aos telespectadores o primeiro filtro para a informação que recebem, pois

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apenas eles podem atestar a sua qualidade e decidir o uso que podem fazer dela. A

partir daí é possível quebrar o ciclo vicioso em que a audiência passiva daqueles

que consomem esse produto alimenta a sua subsistência, e vice-versa.

Ademais, o presente trabalho não tem um fim em si mesmo, nem a

pretensão de ser completo, tendo em vista que o conhecimento é algo inesgotável.

Esperamos ter contribuído não para o esvaziamento do tema, muito pelo contrário,

mas para mais questionamentos e indagações a seu respeito, gerando a curiosidade

para a sua continuação e aperfeiçoamento.

A título de encerramento acreditamos que o Jornalismo ético é uma

ferramenta de promoção do Estado Democrático de Direito, da cultura da paz e da

legalidade. A mídia leviana, por outro lado, é um instrumento de desrespeito aos

direitos fundamentais, garantidos pela Constituição Federal e pelo sistema normativo

internacional.

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