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Universidade Federal de Goiás
Faculdade de Ciências Sociais
Programa de Pós-graduação em Sociologia
Relações e condições do trabalho docente universitário em um contexto de mercantilização da educação na rede de ensino superior privado em Goiás
Maria Olina Gomes
Goiânia 2010
2
Universidade Federal de Goiás
Faculdade de Ciências Sociais
Programa de Pós-graduação em Sociologia
Relações e condições do trabalho docente universitário em um contexto de mercantilização da educação na rede de ensino superior privado em Goiás
Maria Olina Gomes
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Sociologia como requisito parcial à obtenção do título de mestre em sociologia na linha de pesquisa: Trabalho, Emprego e Sindicato.
Orientador: Prof. Dr. Dijaci David de Oliveira
Goiânia 2010
3
Universidade Federal de Goiás
Faculdade de Ciências Sociais
Programa de Pós-graduação em Sociologia
Relações e condições do trabalho docente universitário em um contexto de mercantilização da educação na rede de ensino superior privado em Goiás
Maria Olina Gomes
Dissertação de mestrado aprovada em ____/____/____ para obtenção do título de mestre em sociologia.
Banca Examinadora:
_______________________________________
Prof. Dr. Dijaci David de Oliveira (UFG)
Presidente
_______________________________________
Prof. Dr. Erlando da Silva Rêses (UNB)
Membro externo
_______________________________________
Prof. Dr. Revalino Antonio de Freitas (UFG)
Membro interno
_______________________________________
Prof. Dr. Danilo Rabelo (UFG)
Suplente externo
_______________________________________
Prof. Dr. Jordão Horta Nunes (UFG)
Suplente interno
4
DEDICATÓRIA
Aos professores que ensinam na esperança e
decência, conscientes dos efeitos de sua
prática para a sociedade.
5
AGRADECIMENTOS
Ao professor Dijaci David de Oliveira pela solicitude e paciência em me orientar,
encaminhando-me a novos rumos neste trabalho de pesquisa.
Ao Professor Jordão Horta Nunes, cujos ensinamentos abriram os horizontes
metodológicos para essa pesquisa. Também à Professora Silvana Krause em
reconhecimento às suas contribuições na primeira fase deste estudo.
Aos colaboradores do Sindicato dos Professores que me proporcionaram, com
presteza, orientações e acesso aos arquivos de processos.
À minha família e amigos, com gratidão pela compreensão, carinho e incansável
apoio ao longo do processo de elaboração deste trabalho.
À todos que direta ou indiretamente contribuíram para a efetivação deste estudo.
6
“Uma análise científica da concorrência só é possível depois de se compreender a natureza interna do capital, do mesmo modo que o movimento aparente dos corpos celestes somente é compreensível para quem conhece seu movimento real, embora impercetível aos sentidos”
Karl Marx
“Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo, descuidado, corre o risco de se amofinar e de já não ser testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa, mas não desiste”.
Paulo Freire
7
SUMÁRIO
Lista de siglas.................................................................................................................. 8
Lista de tabelas................................................................................................................ 9
Resumo............................................................................................................................. 10
Abstract................................................................................................................... 11
Introdução........................................................................................................................ 12
CAPÍTULO 1 - REDEFINIÇÕES DO ESTADO E MERCANILIZAÇÃO DO ENSINO, EM FOCO: O TRABALHO DOCENTE FLEXÍVEL
15
1.1. O Desmonte do Estado de bem-estar................................................................... 18
1.1.1 Estado mínimo e responsabilidade do indivíduo......................................... 24
1.2. Expansão das IES privadas e o trabalho docente................................................... 28
1.3. Mercantilização do Ensino superior: o trabalho docente em questão....................... 32
1.3.1. Racionalização nas gestões e a adaptação do professor .......................... 37
1.3.2. A lógica do trabalho flexível na docência acadêmica ................................. 41
1.4. Desregulamentação do mercado de IES privadas .................................................... 47
1.5. Múltiplas pressões sobre o trabalho docente............................................................. 49
CAPÍTULO 2 - ASPECTOS METODOLÓGICOS E ESTRATÉGIAS DE PESQUISA 53
2.1. Estratégia e procedimentos da pesquisa nos processos trabalhistas..................... 53
2.2. Estratégia e procedimentos da pesquisa qualitativa ............................................. 57
2.2.1 – Reação do professor em pesquisa .......................................................... 60
CAPÍTULO 3 - ALTERNÂNCIAS CONJUNTURAIS E SUPRESSÃO DOS DIREITOS TRABALHISTAS DE DOCENTES EM IES PRIVADAS
63
3.1. Conjuntura e representatividade sindical................................................................... 63
3.1.1. Consciência de classe e enfraquecimento sindical........................................ 68
3.1.2. Flexibilização e desregulamentação dos direitos do trabalhador.................. 69
3.2. Condições e relações de trabalho do professor: análise de processos trabalhistas 71
3.2.1 – Perfil das demandas trabalhistas de docentes em IES privadas................. 73
3.3 – Narrativas jurídicas: supressão dos direitos do docente.......................................... 88
CAPÍTULO 4 - RELAÇÕES E CONDIÇÕES DE TRABALHO SOB GESTÕES RACIONALIZADAS: A OPINIÃO DO PROFESSOR
109
4.1. Velhas e novas práticas de gestão: sobreimplicação no trabalho docente ............ 109
4.2. Representação das relações de trabalho a partir da visão do professor ................ 114
4.3 As condições do trabalho acadêmico.................................................................... 124
Considerações Finais............................................................................................... 135
Bibliografia........................................................................................................... 141
Anexo .................................................................................................................... 147
8
Lista de Siglas
ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
AGS Acordo Geral sobre Comércio em Serviços
ANDES Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
BIRD Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
BM Banco Mundial
CF Constituição Federal
CLT Consolidação das Leis trabalhistas
CPC Código de Processo Civil
Crub Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FMI Fundo Monetário Internacional
GO Estado de Goiás
IES Instituições de Ensino Superior
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
IPES Instituições particulares do ensino superior
MEC Ministério da Educação e Cultura
OIT Organização Internacional do Trabalho
OMC Organização Mundial do Comércio
OVG Organização das Voluntárias de Goiás
OJ Orientações Jurisprudenciais
PDE Plano de Desenvolvimento Educacional
SINPRO Sindicato dos Professores
TRCT Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho
TRT Tribunal Regional do Trabalho
TST Tribunal Superior do Trabalho
Unesco Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura
9
Lista de Tabelas e Quadros
Tabela 1.1 Título: EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO SUPERIOR, POR
CATEGORIA ADMINISTRATIVA – BRASIL 1994-2004
p.29
Tabela 1.2 Título: FUNÇÕES DOCENTES POR TITULAÇÃO, SEGUNDO CATEGORIA ADMINISTRATIVA -
BRASIL 2005
p. 45
Tabela 1.3 Título: FUNÇÕES DOCENTE POR TITULAÇÃO EM GOIÁS E NO PAÍS – BRASIL 2005 p. 46
Tabela 2.1 Título NÚMERO DE QUESTIONÁRIOS APLICADOS E ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DE
IES PRIVADAS SELECIONADAS PARA A PESQUISA, GO, 2010. p. 58
Tabela 3.1 Título: ALEGAÇÕES E PEDIDOS RECLAMADOS CONTRA INSTITUIÇÕES DE ENSINO
SUPERIOR PRIVADAS, SINPRO-GO, 2005-2009 p. 74
Tabela 3.2 Título: AGRUPAMENTO DE PERFIS DE ALEGAÇÕES E PEDIDOS EM 31 PROCESSOS
TRABALHISTAS, SINPRO-GO, 2005-2009 p. 78
Tabela 3.3 Título: HORAS DE TRABALHO EXTRAORDINÁRIO NÃO REMUNERADAS CONFORME
PESQUISA EM 31 PROCESSOS TRABALHISTAS, SINPRO-GO, 2005-2009 p. 81
Tabela 3.4 Título: REIVINDICAÇÕES RELATIVAS À DESCANSO REMUNERADO, FÉRIAS, E 13º
CONFORME PESQUISA EM 31 PROCESSOS TRABALHISTAS, SINPRO-GO, 2005-2009 p. 84
Tabela 3.5 Título: REIVINDICAÇÕES DE DIREITOS SOBRE DIFERENÇAS SALARIAIS, RECISÓRIAS E
REAJUSTE SALARIAL, CONFORME ANÁLISE EM 31 PROCESSOS, SINPRO-GO, 2005-2009 p. 87
Tabela 3.6 Título: ALEGAÇÕES E PEDIDOS JULGADOS PROCEDENTES EM INFRAÇÃO À LEI
CONFORME SENTENÇAS JUDICIAIS DE PROCESSOS TRABALHISTAS DE DOCENTES CONTRA IES PRIVADAS, 2005-2009
p. 90
Tabela 4.1 Título: DEFINIÇÃO DOS DOCENTES DE IES PRIVADAS QUANTO A EXIGÊNCIAS SOBRE O
SEU TRABALHO, GO, 2010 p. 117
Tabela 4.2 Título: RENDA MENSAL DO DOCENTE EM UMA IES PRIVADA, GO, 2010
p. 119
Tabela 4.3 Título: NÚMERO DE INSTITUIÇÕES EM QUE O PROFESSOR EXERCEU ATIVIDADES
DOCENTES NOS ÚLTIMOS 10 ANOS, GO, 2010 p. 121
Tabela 4.4 Título: TIPO DE CONTRATAÇÃO DO DOCENTE EM IES PRIVADA, GO, 2010
p. 122
Tabela 4.5 Título: INTENSIDADE DO TRABALHO EM COMPARATIVO COM A ÉPOCA EM QUE O
DOCENTE COMEÇOU SUAS ATIVIDADES EM IES PRIVADA, 2010 p. 125
Tabela 4.6 Título: COMPARATIVO DA MÉDIA DE HORAS DE DEDICAÇÃO AO TRABALHO DOCENTE
EM IES PRIVADAS 2010 p. 126
Tabela 4.7 Título: FORMAS DE DESVALORIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE EM IES PRIVADAS, NA
VISÃO DO PROFESSOR, GO, 2010 p. 129
Tabela 4.8 Título: FRAGILIDADES DO DOCENTE EM FUNÇÃO DE SEU TRABALHO,NA VISÃO DO
PROFESSOR DE IES PRIVADA, GO, 2010 p. 132
Quadro 4.1 Título: TIPOS DE EXIGÊNCIAS SOBRE OS DOCENTES EM IES PRIVADAS, GO, 2010 p. 116
Quadro 4.2 Título: RESPOSTAS DOS DOCENTES DE IES PRIVADAS QUANTO AO CONTROLE VIA
CARTÃO DE PONTO E VIA RELATÓRIOS RESPONDIDOS POR TERCEIROS, GO, 2010 p. 118
Quadro 4.3 Título: RESPOSTAS DOS DOCENTES ENTREVISTADOS EM IES PRIVADAS POR TIPO DE
ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DA EMPRESA EM QUE EXERCEM ATIVIDADES DIFERENTES DA DOCENCIA, GO- 2010
p. 120
Quadro 4.4 Título: QUESTIONAMENTOS SOBRE ADESÃO SINDICAL E CONSCIENCIA DE DIREITOS
TRABALHISTAS, GO, 2010 p. 123
Quadro 4.5 Título: ESTRUTURA, RECURSOS E APARATO AO TRABALHO DOCENTE NAS IES
PRIVADAS, NA VISÃO DOCENTE, GO, 2010 p. 127
10
Resumo
O presente estudo faz um recorte na literatura que trata sobre o mundo do
trabalho, enfocando o trabalho do professor em Instituições de Ensino Superior (IES)
privadas em Goiás. O procedimento teórico contempla aspectos conjunturais e
estruturais que orientam e condicionam o contexto do trabalho do docente, tais como
as políticas do Estado em relação à educação, as modificações no mundo do
trabalho e a força do livre mercado. Sob essa orientação, a análise perpassa o
contexto das relações e condições de trabalho ante o arrefecimento da força sindical
e concomitante processo de desregulamentação dos direitos trabalhistas em suas
implicâncias sobre o trabalho do professor. Em recorte transversal, num primeiro
momento, as relações e condições do trabalho docente são analisadas a partir de
dados organizados sobre processos trabalhistas da classe; num segundo momento,
o mesmo escopo de análise é retomado com base em pesquisa realizada junto a
docentes, considerando a representação por esta classe sobre sua própria situação
de trabalho. Os resultados do estudo condensam indicativos tanto de mal estar
quanto de aceitabilidade à situação pela categoria docente pesquisada. Esta última,
inserida num contexto em que o ensino é tratado como mercadoria e a ordem é a
adaptação flexível sob gestões racionalizadas em prol da lucratividade das IES
privadas.
Palavras-chave: Trabalho. Docente. Mercantilização. Ensino superior.
11
Abstract
The present study composes an indentation in literature concerning the labor force,
focusing mainly on the profession of teaching in private Higher Education Institutions
in the state of Goias. The theoretical procedure examines cyclical and structural
aspects, comprising of government policies in relation to education, changes in the
labor force and the strength of the free market, that guide and influence the context
of teaching. By means of this, the analysis permeates the context of labor conditions
and relations compared to the reduction of labor unions and, consequently, the
process of deregulation of workers' rights in its implications regarding the profession
of educators. At first glance, in an accompanying perspective, the conditions and
relations of teaching are analyzed from organized data regarding labor lawsuits of
this class. Upon further evaluation, the same scope of analysis is taken based on a
survey of teachers, considering the representation of this class regarding its own
work situation. The research results brings together both indications of malaise and
of acceptance with the studied teaching situation. This situation, inserted in a context
in which education is regarded as a commodity, and order are flexible adaptations
under rationalized management towards profitability of private Higher Education
Institutions.
Key-words: Labor. Teachers. Commodification. Higher education.
12
Introdução
Constituindo uma temática inesgotável de estudos, o trabalho na
contemporaneidade tem suscitado abundantes pesquisas que relacionam aspectos
da flexibilização produtiva, da demarche neoliberal e da recondução das políticas do
Estado com a precarização do mesmo. Não somente a sociologia, mas também a
psicologia, a economia e a educação (ANTUNES, 2001; BAUMAN, 2001;
DEJOURS, 2003; POCHAMAN, 2010; FONSECA, 2001), dentre outros, têm se
debruçado amplamente sobre esse tema procurando explicar e esclarecer os
aspectos que envolvem a vivência do trabalhador em condições de precariedade,
tanto no Brasil quanto em todo o mundo, assim constituindo um rico campo
multidisciplinar.
De forma semelhante observa-se a abundância de estudos sobre a
precarização do trabalho docente nas instituições de ensino superior no Brasil,
especialmente no tocante a temáticas que se relacionam com o trabalho docente da
rede de IES privadas (CATANI, 2001; BOSI, 2007; OLIVEIRA 2008; FRÚGOLI,
2006; GENTILI, 1996; MANCEBO, 2007; ROSSO, 2008). Entretanto, são mais
escassos os trabalhos que aprofundam na discussão das dimensões
macrossocietárias sobre a dinâmica cotidiana do trabalho acadêmico. Menos
abundantes ainda, ou quase inexistentes, são os estudos que correlacionam a
desregulamentação das leis trabalhistas com a vivência do professor de IES
privadas, considerando as relações e condições do fazer acadêmico em seus
reflexos psicopatológicos e subjetivos. Face a esse hiato percebido nas pesquisas
sobre o trabalho do professor, tomou-se como desafio identificar nesta dissertação,
os principais fatores que condicionam, bem como os que pesam sobre o trabalho do
docente, de forma a precarizá-lo. Nessa empreitada, levou-se em consideração não
somente a flexibilização, mas também, a orientação utilitarista das gestões
conjugada com o forte viés mercantil do ensino superior, variáveis que se relacionam
com a deterioração das relações e condições do trabalho acadêmico.
Dado a heterogeneidade e complexidade que envolve o ensino superior,
entende-se que não é possível explicar essa realidade com base apenas em um
marco teórico. De tal modo, a partir dos referenciais teóricos iniciais em Bourdieu,
principalmente quanto às estruturas estruturantes e em Harvey quanto ao trabalho
flexível, extraiu-se de ampla bibliografia, evidências ao processo de precarização do
13
trabalho do professor relacionadas às teorias desses autores. Não obstante, a
motivação deste trabalho partiu da observação sobre o paradoxo entre o amplo
crescimento do número das IES privadas em contrapartida ao baixo crescimento do
número das IES públicas no Brasil nas duas últimas décadas, bem como no Estado
de Goiás. Paralelo a isso, observou-se o quadro indicativo de recorrente
precarização do trabalho do docente nas IES privadas, que caracteriza-se pelas
condições e relações de trabalho no bojo da dinâmica de expansão do ensino
superior privado. Analogamente, entende-se que esse quadro representa a
existência de ‘privação e sofrimento na abastança’, se contrapormos o trabalho do
professor à emulação do investimento capitalista no setor de ensino. Diante desse
“boom” sem precedentes das IES privadas, concomitante ao perceptível desvalor
dado ao docente desse setor, surgiram as indagações sobre que condicionantes,
circunstâncias ou paradigmas suscitam e mantém as relações e condições do
trabalho docente no âmbito das IES privadas em Goiás. Certamente que o pano de
fundo da análise sobre as relações e condições de trabalho absorve a cognição
sobre a confrontação clássica de interesse do capital versus interesse do trabalho,
em Marx.
Para melhor compreensão da realidade em foco, este estudo foi
estruturado em quatro capítulos: no primeiro capítulo, pareceu razoável fazer uma
avaliação sobre os fatores que impulsionaram a expansão do ensino privado, o que
pressupôs a necessidade de uma breve abordagem teórica que explicitasse a
correlação Estado-mínimo e crescimento privado do ensino superior rumo à
mercantilização. Neste caso, procurando identificar os condicionantes macros da
situação do trabalho docente.
Para facilitar a compreensão das análises e dos resultados deste estudo,
fez-se, no segundo capítulo, uma breve abordagem sobre os métodos e estratégias
de pesquisas utilizadas no terceiro capítulo, onde se abordou a pesquisa em
processos trabalhistas, e no quarto capítulo, em relação à pesquisa qualitativa a
docentes.
No terceiro capítulo, a abordagem se deu, primeiramente, sobre a
evolução do movimento sindical da classe de professores mediante aspectos
conjunturais nas três últimas décadas. Aqui, o enfraquecimento sindical e a
14
desregulamentação dos direitos foram abordados sob a luz das teorias de autores
como Pochmann (2005) e Antunes (ANTUNES, 2001), que entendem a flexibilização
como variável condicionante da perda de sentido da legislação trabalhista. Por
último, a partir da investigação sobre processos trabalhistas, foi realizada uma
avaliação sobre como a perda dos sentidos da legislação social afeta as condições e
relações de trabalho do professor em IES privadas em Goiás. Neste caso, estudos
em Rosso (2008;) bastante contribuíram para essa análise.
Ao quarto e último capítulo, foi reservada a finalidade de tirar a
contraprova, através da pesquisa qualitativa, das informações e inferências
abstraídas da revisão bibliográfica contemplada no primeiro capítulo, e,
principalmente dos resultados da pesquisa nos processos, realizada no terceiro
capítulo. Aspectos sobre a racionalização das gestões foram abordados, de onde se
identificou efeitos fisiopsicológicos ao professor, devido às pressões e exigências
oriundas de um contexto que tem apresentado ampla assimilação dos métodos
flexíveis nas relações de trabalho. Autores como Sennett (2007), Dejours (2003),
Bauman (2001), dentre outros, foram utilizados na análise. Esse capítulo condensou
ainda, os resultados da pesquisa qualitativa junto a docentes de IES privadas, cuja
análise foi feita em observância aos estudos acadêmicos em Silva (2008), Sucupira
(2005), Pereira (2010), que realizaram estudos correlacionados à mesma
problemática em IES privadas, neste Estado e em outras regiões.
Em suma, sob a luz das teorias que versaram sobre o tema escolhido,
seguiu-se as pistas que sinalizassem esclarecimentos à complexa situação que
envolve o trabalho do professor de IES privadas, sem nenhuma pretensão de se
esgotar a discussão.
15
CAPÍTULO 1: REDEFINIÇÕES DO ESTADO E MERCANTILIZAÇÃO DO ENSINO, EM FOCO: O TRABALHO DOCENTE FLEXÍVEL
Para uma melhor compreensão dos aspectos que se relacionam com a
situação do trabalho docente nas IES privadas em Goiás, neste capítulo a análise
versará sobre três principais abordagens norteadoras da pesquisa: a primeira,
objetivando compreender os aspectos macroestruturantes que condicionam a
expansão do mercado de IES privada, perpassará fatores que conduziram ao
desmonte da fórmula keynesiana do Estado de bem-estar, imputando a
responsabilidade da educação ao indivíduo. A segunda se relaciona à razão
mercantilista das IES em questão, que dado seu objetivo, o lucro, amplia a utilização
de métodos de racionalização da gestão que nem sempre levam em consideração
as especificidades do ensino. A terceira objetiva dar sustentação a idéia de que no
âmbito das gestões racionalizadas de tais IES, a flexibilização se torna um
instrumento para a competitividade, contribuindo para o enfraquecimento da força
sindical e desregulamentação das relações de trabalho.
Analisar as questões refletidas nas relações e condições de trabalho do
docente, no âmbito da expansão do ensino superior privado, é uma discussão de
alta relevância ao considerarmos que o trabalho docente se encontra ante a duas
problemáticas da sociedade moderna. Por um lado, o trabalho docente sofreu
impacto das reordenações que os sistemas educacionais foram submetidos, via
redefinição do papel do Estado na sua relação com a educação (SILVA e
GENTILI,1996; PEREIRA, 1997; DOURADO, 2002 FRUGOLLI, 2006,). Por outro
lado, é afligido pelas mudanças do mundo do trabalho, sendo que essas vinculam
uma maior exigência de conhecimento técnico-científico num contexto de mercado
com relações de trabalho flexível.
Sobre a questão da redefinição do Estado, Silva (2006) afirma que o
Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003) segue diretrizes imputadas
pelos organismos multilaterais (BM/FMI/Unesco) que induziram e orientaram a
minimização dos investimentos no ensino superior público, na década de 1990.
Também em outros diversos autores (GENTILI, 1996; DOURADO, 2002;
SUCUPIRA, 2005; MANCEBO, 2009), observa-se frequente indicação da influência
desses organismos sobre o modelo de educação nacional. A justificativa de tais
16
autores é a de que a ação restritiva do Estado, nesse setor, a partir da década de
1990, embute políticas que estimulam a concorrência das Instituições de Ensino
Superior (IES) privadas, deixando seus atores a mercê das diretrizes
mercadológicas. Como exemplo concreto, observou-se uma forte retração da
presença do Estado no ensino superior e um forte crescimento praticamente
desordenado da iniciativa privada neste campo. Os autores indicados ressaltam que
ao seguir nessa tendência, o Estado acabou propiciando tanto a má qualidade do
ensino quanto uma maior pressão sobre o trabalho docente.
Para construir outra linha de raciocínio, conforme Martins (2000), o ensino
superior no país apresentou um acentuado crescimento quantitativo a partir da
década de 1970, caracterizado pelo aumento do número de instituições, de
matrículas, de cursos e de funções docentes. Essa dinâmica de expansão do ensino
de terceiro grau, que avançou para o primeiro decênio do ano 2000, reproduziu-se
no formato de um complexo e diversificado sistema de instituições com uma
multiplicidade de tipos de estabelecimentos acadêmicos, indicando a necessidade
de políticas diferenciadas para cada realidade. Houve o processo de interiorização e
de regionalização do ensino, bem como a incorporação de um público mais
diferenciado socialmente, conforme o autor, incluindo tanto o ingresso de alunos já
integrados no mercado de trabalho quanto o ingresso significativo de estudantes do
gênero feminino.
No bojo dessas transformações, complexifica-se o campo acadêmico, em
virtude das diferentes posições ocupadas por essas instituições diante dos
indicadores que comandam o funcionamento desse espaço social. Tais indicadores
são resultados do sistema de “avaliação”1 implantado pelo Ministério da Educação
(MEC), que contemplam um conjunto de quesitos que vão desde qualidade do
ensino e estrutura instalada, à avaliação de titulação e produção do corpo docente.
Gentili (1996) faz crítica a esse modo de avaliação afirmando que essa é uma forma
do MEC ratificar que entende as instituições de ensino como empresas produtoras
1 Para Dourado (2002), “Na contramão de um processo avaliativo emancipatório, indutor do desenvolvimento institucional, as políticas de avaliação da educação superior no Brasil buscam a padronização e a mensuração da produção acadêmica [...] esses processos avaliativos resultam de alterações nos processos de gestão e de regulação desse nível de ensino, permitindo ao Estado desencadear mudanças na lógica do sistema, que resultam na diversificação e diferenciação da educação superior e, conseqüentemente, provocam impactos na cultura institucional das instituições de ensino superior, especialmente das universidades.”
17
de serviços educacionais e que, portanto, suas práticas devem estar submetidas aos
mesmos critérios de avaliação que se aplica em toda empresa dinâmica, eficiente e
flexível. Nesse contexto, explica-se que sendo o corpo docente a equipe de trabalho
que diretamente está ligada ao desempenho da instituição, é ele quem absorverá
diversas formas de pressão para melhorá-lo, principalmente devido à razão
competitiva que permeia o setor privado. De outro modo, a expansão do ensino se
direcionou rumo à mercantilização, num contexto em que o acadêmico é cliente e o
diploma é própria mercadoria. Esse quadro, além de provocar a degradação da
relação professor-aluno, afeta as relações e condições de trabalho do docente,
sendo que ambas as formas resultam em desagregação de valor ao status quo da
profissão docente.
Em face da evidente vertente competitiva das IES privadas, alguns
autores apontam que além dos fortes traços de desvalorização do trabalho docente,
há também o aspecto da insegurança desse profissional. Nesse tocante, Sennett
(1999) explica que o trabalho flexível tendo “foco no curto prazo”, ou seja,
temporário, transitório, rotativo, resulta na destruição do caráter individual estável.
Exige do indivíduo constante mobilidade e agilidade para acompanhar mudanças,
contexto em que se edifica um falseamento de liberdade que serve para intensificar
o uso da força de trabalho sem contrapartida de segurança profissional e
valorização. Para o caso do professor em IES privada, uma questão a ser avaliada é
se essa insegurança quanto a permanência no emprego influencia a busca por
capital humano via conquista de titulação. Por outro lado, é preciso verificar se por
motivos relacionados à estratégia de redução de custos com foco no lucro no curto
prazo em detrimento da pesquisa e desempenho científico, as IES privadas tendem,
em adversidade ao que se espera de uma instituição que afirma que preza pela
qualidade, a não valorizar a titularização do docente. Um indicativo da resposta a
esse questionamento pode ser o fato de que a maior parte dos docentes atuantes no
mercado de ensino superior atua no setor privado e são, na sua maioria, apenas
“especialistas” conforme se verá adiante.
O jogo que relaciona Estado e educação, mercado flexível e trabalho
docente, remete-nos à sugestiva existência de mecanismos estruturantes que
promovem, mesmo que involuntariamente, uma maximização do uso de
instrumentos e meios que corroboram para desvalorização do trabalho do professor
18
nas IES privadas. Nesse contexto, é que se observa a reestruturação do ensino
superior rumo à mercantilização, sugerindo resultar em formas variadas de
acondicionamento e transfiguração do trabalho do docente, redundando em diversos
modos de precarização.
1.1 O desmonte do Estado de bem-estar
O movimento de expansão das IES privadas acontece concomitante a
crise do Estado de bem estar. As explicações têm sido variadas para a configuração
retórica neoliberal no plano educacional (SILVA e GENTILI,1996; PEREIRA, 1997;
FRUGOLLI, 2006). Para ajudar na compreensão sobre a minimização da ação do
Estado quanto a políticas sociais, bem como, sua redefinição quanto às políticas
educacionais, reporta-se a autores que explicaram a crise do Estado de bem-estar
social relacionado à prática neoliberal.
Para Gentili (1996) a intensa e progressiva crise estrutural do regime de
acumulação fordista é o motivo pelo qual a retórica neoliberal ganhará espaço
político e densidade. Segundo esse autor, tal contexto oferecerá a oportunidade
necessária para que o bloco dominante faça frente ao desmoronamento da fórmula
keynesiana de Estado de Bem-estar. Já Bresser-Pereira (1997) indica que a
redução de investimentos sociais pelo Estado se dá em função de dois fatores: por
um lado explica que a intervenção estatal possui um caráter cíclico e, por outro,
indica que o processo de globalização reduziu a autonomia das políticas econômicas
e sociais dos Estados nacionais (BRESSER-PEREIRA, 1997, p. 12). A intersecção
dessas dinâmicas contribui para compreender as forças que nortearam a dimensão
do Estado em sua relação com o ensino superior no Brasil.
O retraimento do Estado em relação aos gastos sociais parece ter
representado crescente transferência de responsabilidades públicas para a
comunidade e, conforme Frúgoli (2006), amplas alterações na relação
público/privado. Em especial, a expansão das instituições privadas de ensino
superior é resultado da estratégia de minimizar a ação do Estado em matéria de
educação nesse setor e deixá-la por conta do mercado. Esse modo de atuação do
Estado, além de significar aporte de recursos públicos direto para o setor privado, na
forma de subsídios aos discentes, tem avalizado o mercado, mesmo que de forma
19
indireta, em toda sua punjança de estratégias competitivas de comercialização de
ensino.
Além disso, constata-se que as redefinições do Estado quanto às novas
formas de condução de políticas sociais são de afetação tanto ao conjunto da
sociedade como um todo, quanto aos indivíduos em particular, e resultam no
condicionamento de seus cotidianos. Ao mesmo tempo, geram paradigmas que
levam à ação individualizada que não rendem grandes modificações nas estruturas
estruturadas e estruturantes de um mercado marcado pela competitividade e
flexibilização das relações trabalhistas, usando de empréstimo termos de Bourdieu
(1989).
Estas são dimensões inter-relacionadas à configuração da narrativa
neoliberal, cujas justificativas podem ser entendidas ao modo como propõe Bourdieu
(1989), enquanto “poder simbólico” que implanta mecanismos da reprodução social
de forma a legitimar as forças dominantes. É assim que a ineficência das ações
estatais passam a simbolizar um Estado fracassado, inapto para gerar soluções,
mesmo no escopo social. Na mesma medida, o mercado se fortalece na
significância do laissez faire como o melhor condutor do mercado rumo ao bem
comum, e se torna o símbolo de boa recondução das crises.
Nesse sentido, para Gentili (1996) a intensa e progressiva crise estrutural
do regime de acumulação fordista é o motivo pelo qual a retórica neoliberal ganhará
espaço político e densidade, resultando na redefinição da política do Estado.
Segundo esse autor, a crise na acumulação do capital oferecerá a oportunidade
necessária para que o bloco dominante faça frente ao desmoronamento da fórmula
keynesiana de Estado de Bem-estar.
A intersecção dessas dinâmicas permite compreender a força
hegemônica do neoliberalismo em sua dimensão sobre a educação. Explica-se que
a perspectiva neoliberal, tendo passado a orientar com intensidade expressiva, a
partir da segunda metade do século XX, as decisões governamentais no plano
educacional em todo o mundo, entedeu que os sistemas educacionais enfrentavam
uma profunda crise de eficiência, eficácia e produtividade. Essa crise na educação,
em ampla medida, prejudicaria a inserção das nações em desenvolvimento no
circuito de globalização. Principalmente nos países periféricos, a educação
funcionava mal por ter se tornado responsabilidade do Estado.
20
Assim se justificou a necessidade de aprimorar a produtividade
educacional via concorrência empresarial, que só pode ser encontrada na vocação
competitiva do setor privado. Partindo desta premissa, a atuação do Estado
procurou deixar à mercê da iniciativa privada, a educação superior, enquanto forma
de reestruturação do ensino para atender às pressões de mercado, quais sejam,
demanda social e demanda por mão de obra qualificada.
O Brasil integra-se a esse cenário a partir da década de 1990. A reforma
da estrutura econômica, principalmene pela necessidade de cobrir os déficits no
balanço de pagamentos, força o obedecimento aos princípios estabelecidos pelos
organismos multilaterais, reproduzindo a lógica mundial consubistanciadas nos
princípios do “consenso de Washington”. Tais princípios se materializam em políticas
restritivas do Estado e combinam redefinição das prioridades dos gastos públicos,
disciplina fiscal, reforma tributária, liberalização do setor financeiro, manutenção das
taxas de câmbio competitivas, liberalização comercial, atração das aplicações de
capital estrangeiro, desregulamentação da economia, proteção dos direitos autorais
e privatização das empresas estatais (GENTILI, 1996 apud SILVA, 2006, p. 95). No
contexto de redefinição dos gastos públicos, a tendência de minimização de
investimentos em educação pública vem corroborar com as metas de equilíbrio
macroeconômico diante dos organismos multilaterais credores.
Em oposição a tais políticas de escopo neoliberalizantes, Bourdieu (1997,
p. 219), vai dizer que numa nova configuração de suas políticas, o Estado deixa de
agir sobre as estruturas da distribuição e assume uma postura que “visa
simplesmente corrigir os efeitos da distribuição desigual dos recursos de capital
econômico e cultural”, em ações que se caracterizam como “caridade de Estado”.
Nesse papel, o Estado toma medidas que privilegiam o combate a pobreza, em
detrimento de medidas que se relacionam com a distribuição do excedente de
riqueza (DEDECCA, 2010).
No contexto nacional do ensino superior, isso pode ser evidenciado
exatamente pelo fato de o Estado estar se eximindo da responsabilidade de realizar
maiores investimentos nessa área. Explica-se que para atender a crescente
demanda para o ensino de 3º grau, ao contrário de ampliar os centros públicos
federais, nas últimas décadas, imputou esta responsabilidade aos Estados
federados e municípios, nem sempre preparados para assumí-la. Em função desse
21
despreparo, a sociedade viu como única alternativa, os centros privados de ensino,
uma vez que a capacidade de absorção da demanda pelo setor público se
apresentou saturada.
De outra forma, o Estado ampliou os meios de subsídios individuais via
bolsas de estudo em instituições privadas de ensino. Com essa ação, o Estado-
providência passa a assumir, de certa forma, o caráter de “Estado-caridade”, uma
vez que ao contrário de investir em educação para o total da população, passa a
direcionar recursos a grupos específicos, considerados “excluídos” do sistema
educacional, privilegiados sob critérios de equidade na distribuição dos recursos não
muito claros.
Por outro lado, a ação estanque do Estado, ofertando subsídios
educacionais individuais, parece ter se tornado alternativa justificadora do status quo
de responsabilidade social do Estado. Este último, mesmo privilegiando indivíduos
em detrimento da sociedade, enseja transmitir a impressão de dever cumprido pela
‘bem-feitoria’ realizada. Atuando dessa forma, ao invés de coibir o lastro neoliberal
de comercialização da educação, reduz a ação da união à “alocação financeira”
(BOURDIEU, 1997, p. 218) solidária2. Então, ao substituir a ação direta em benefício
da sociedade como um todo, a torna mais dependente e marginalizada.
Assim, dentre outros efeitos do “Estado-caridade”, no âmbito do ensino
superior, além de significar “privilégio” para pequena parcela da sociedade - dado
que a maior parte dos jovens em idade universitária não ingressa nesse meio - se
torna também estímulo à mercantilização do ensino. Desse modo, legitimadas e
avalizadas pela ação do Estado, as instituições privadas de ensino superior
assumem a posição de empresas concorrenciais e encampam estratégias de gestão
que nem sempre levam em conta as necessidades de seu alunado, que por sua vez,
se encontra muito aquém da plenitude dos direitos previstos pela constituição de
2 No Estado de Goiás a alocação financeira enquanto atividade “solidária” e filantrópica do Estado, se vincula diretamente a gestão e conexão de bolsas universitárias pela OVG – Organização das Voluntárias de Goiás. A OVG é uma instituição filantrópica com finalidade assistencialista e inclusão social, que atua em parceria com a iniciativa privada, Organizações não Governamentais, prefeituras e governo do Estado.
22
19983. Além disso, essa racionalização do modelo de gestão pouco considera as
peculiaridades do trabalho docente.
Voltando ao foco da análise, o encolhimento do Estado de bem-estar,
segundo Frúgoli (2006), é resultado, principalmente nos anos 1990, do receituário
neoliberal e das chamadas medidas de ajuste estrutural (ajuste na estrutura da
economia) via cumprimento de metas preconizadas pelos organismos multilaterais,
como o Banco Mundial (BM), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD).
Tais medidas acabaram por desencadear um forte movimento de
regressão das políticas públicas e dos direitos sociais. Sobre essa questão, Adrioli
(2002) observa que o BM é a principal fonte de assessoramento da política
educativa. Sua contribuição se dá no sentido de realizar trabalho de assessoria para
ajudar os governos periféricos a desenvolver políticas ‘adequadas’ a seus países.
Segundo esse autor, no Brasil, o BM conduziu o MEC, em diretrizes para um projeto
que prima, dentre outras questões, pela priorização de ensino superior com foco na
preparação imediatista para atender demandas de mercado e pela redução de
investimentos públicos em universidades.
A base retórica para essas diretrizes seria a qualificação e modernização
necessárias para a competitividade no mercado mundializado. Já a materialização
do projeto se sustenta na idéia de minimização da atuação estatal via privatização
dos setores estratégicos, dentro da proposta de “Reforma de Estado”.
Esse estado de coisas pode ser entendido, ao modo como propõe
Bourdieu, na forma dialética de “Interiorização da exterioridade e exteriorização da
interioridade” (BOURDIEU, 1994, p. 60). Explica-se que, conforme já mencionado, a
redefinição do Estado tende a formatar políticas educacionais que resultam, mesmo
que despropositadamente, em atender aos interesses do capital empresarial das IES
privadas. Para tanto, se utiliza da retórica de competitividade no mundo globalizado
que acaba por legitimar a implantação de projetos que nem sempre consideram as
3 “Arts. 206, 207, 208, 213, 215, 218 e no 60 de seus ADCT, que determinam para a educação superior: a gratuidade do ensino público; autonomia; indissocialidade entre ensino; pesquisa e extensão nas universidades; acesso aos níveis mais elevados do ensino; da pesquisa; da criação artística; do desenvolvimento tecnológico; como dever, promoção e incentivo do Estado, garantindo a educação como direito a todos; o financiamento e o apoio financeiro do poder público à pesquisa e à extensão”.
23
necessidades e anseios, ou mesmo as peculiaridades econômicas e sociocultural
das sociedades periféricas.
Essas sociedades interiorizam, via mecanismos de difusão ideológica e
até mesmo símbolos, que seu fracasso competitivo se dá em virtude da deficiência
em capital humano. Numa análise da dialética aí compreendida, a exteriorização é
expressa no paradigma da qualificação – em caráter de habitus4- que tende a ser
considerado como responsabilidade estrita da ação individual.
Isso ocorre uma vez que a sociedade assimila a idéia de que ao indivíduo
cumpre o dever de ser ´qualificado´ em primeira instância, para ser aceito no
mercado de trabalho. Explica-se que a produção simbólica da qualificação é
entendida, aqui, relacionada aos interesses de grupos empresariais (classe
dominante) que difundem ideologias que “servem interesses particulares que
tendem a apresentar como interesses universais” (BOURDIEU, 1989, p. 10). Nesse
caso, observa-se a existência da violência simbólica permeando o conflito, ora
implícito, entre o interesse da classe de empresários da educação e o interesse da
classe da população que necessita de subsídios do Estado para obter educação
superior. Para melhor entendimento disso, retomemos Bourdieu:
“É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e
conhecimento que os <<sistemas simbólicos>> cumprem a sua função
política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que
contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra
(violência simbólica) dando reforço da sua própria força às relações de força
que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de Weber,
para a <<domesticação dos dominados>> (BOURDIEU, 1989, p.11).
Em face da violência simbólica pressionando as sociedades a obter mais
qualificação5 ocorre a naturalização da idéia de que a única alternativa para
4 Para efeito neste trabalho, consideramos o conceito de habitus como expressa Bourdieu (1994, p. 78), ou seja, como “produto do trabalho de inculcação e de apropriação necessário para que esses produtos da história coletiva, que são as estruturas objetivas (por exemplo, da língua, da economia etc.), consigam reproduzir-se, sob a forma de disposições duráveis, em todos os organismos (que podemos, se quisermos, chamar indivíduos), duravelmente submetidos aos mesmos condicionamentos, colocados portanto nas mesmas condições materiais de existência.”
5 Os dirigentes do Estado, que por razões de interesse ou de necessidade, ao “entenderem” que essa
qualidade pode ser melhor obtida através do ensino superior privado, conforme já se mencionou,
24
‘democratizar’ o acesso e melhorar a qualidade da educação superior,
especialmente nas nações periféricas, é através da IES privada. Assim se dá o
reforço para que modelos estandardizados de educação difundidos por stakeholders
(grupos de interesse) altamente organizados e institucionalizados conduzam a ação
do indivíduo, sem haver questionamentos sobre as reais necessidades dos
mercados locais e muito menos sobre as formas que são postas para a obtenção da
tal competitividade. Nesse contexto, conforme Lima (2008, p.12), a redução da
autonomia relativa do Estado na educação superior propicia: o direcionamento
supranacional de políticas educacionais relativamente descontextualizadas; a
deslocalização da discussão democrática de debate dos processos; a não
participação ou participação fluída e difusa dos atores educativos diretamente
envolvidos.
1.1.1 Estado mínimo e responsabilidade do indivíduo
Avaliando por outro ângulo, observa-se o contexto em que o Estado deve
ser forte em sua capacidade de manter o controle social e mínimo nas intervenções
econômicas, intervindo em momentos de crise, porém sem primar pela
universalidade dos direitos sociais. Em outras palavras, a função precípua do Estado
passa a ser o equilíbrio econômico em detrimento de sua função social. Evidencia
isso, o fato de nas últimas décadas constatar-se reduções orçamentárias
significativas em políticas sociais de garantia a condições básicas de vida digna ao
cidadão, tais como: saúde, habitação, saneamento, emprego, previdência, cultura e
principalmente educação (DOURADO, 2002). Em contrapartida, tem-se o fato de
passaram a apregoar a idéia da qualidade como caminho para alcançar a tão aclamada
competitividade no mercado concorrencial. Nesse sentido é que se entende a “qualidade” enquanto
produção simbólica, como instrumento de naturalização e prevalência da idéia de que a demanda por
ensino superior deve ser suprida mediante a oferta de serviços pela rede privada de ensino, uma vez
que essa rede teria maiores condições de ofertar qualidade. Também tornou-se consenso, através do
símbolo, que ao indivíduo cabe a responsabilidade por obter a qualidade competitiva adquirindo os
serviços dessa rede. Desse modo o poder simbólico é “esse poder invisível o qual só pode ser exercido
com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem.”
(BOURDIEU,1989, p. 8). O não querer saber, pode estar relacionado à negligência e apatia da
sociedade quanto aos direitos constitucionais predispostos sobre educação pública.
25
que o crescimento da população torna necessário o aumento do número de salas de
aula, sendo que essa responsabilidade, assim como outras, tem sido deixada pelo
Estado em favor da livre iniciativa do setor privado, conforme já se mencionou.
Tendo em vista que a ideologia predominante reforça a crença da
soberania do individualismo, entendendo o indivíduo como proprietário ou
consumidor, há o consenso de que os direitos sociais se realizarão por meio do
consumo, via ascensão social individualizada, ou mesmo via ações filantrópicas. De
tal modo, havendo maior liberdade de mercado e menor controle do governo, há
maior facilidade para, conforme Sennett (2007, p. 28), o “sistema” se entranhar na
“experiência cotidiana das pessoas como sempre o fizera, com sucesso e fracasso,
dominação e submissão, alienação e consumo”. Assim, as redefinições na ação
social do Estado (HABERMAS, 1987), com tendência para um contexto de Estado
mínimo6, necessariamente deverão orientar a ação dos indivíduos. Estes últimos
deixados a providência da ordem de flexibilização das relações econômicas
assumem os prejuízos das conduções macrossocietárias (estrutura estruturante),
bem como a responsabilidade de buscar os meios de se adaptarem a elas. É nesse
contexto que se percebe, dentre outras profissões, o trabalho do docente no ensino
superior privado.
Na chamada ‘sociedade do conhecimento’, uma forma direta de pressão
sobre o trabalho no âmbito do mercado flexível, por exemplo, é o primado da
valoração técnico-científica que se traduz no paradigma da busca por qualificação.
Com a justificativa de ajustamento à ordem mundial neoliberal, preconiza-se que
‘informação e conhecimento’ substituem o capital físico e financeiro e se constituem
na riqueza da nova sociedade (CRAWFORD, 1994).
Entretanto, as ações, cada vez mais restritivas do Estado quanto a
investimentos no ensino superior público, sugerem a idéia de que ao indivíduo cabe
a exclusiva responsabilidade, independente de sua condição social, de investimento
em sua própria educação e qualificação. Com essa prerrogativa, ao modo como
6 Habermas compreende a crise do Estado atrelada ao fim da centralidade no trabalho enquanto sustentação para as políticas sociais. Explica que essa crise reflete o dilema de que “o capitalismo desenvolvido nem pode viver sem o Estado social nem coexistir com sua expansão contínua” (HABERMAS, 1987). Nesse sentido, enfatiza que a prática de Estado social ainda é a alternativa mais visível para dirimir os problemas sociais. Principalmente porque “os países ainda atrasados no desenvolvimento não têm nenhuma razão plausível para desviarem-se desse caminho” de Estado social.
26
afirma Gramsci (2001, p.263), o sistema lança “no inferno das subclasses, os débeis
e os refratários”, ou simplesmente, “elimina” aqueles que não investem em elevação
de seu capital humano para serem competitivos.
É por essa razão que o fenômeno da globalização na década de 1990,
numa apropriação de Bourdieu, assume o caráter de “mito justificador”, uma
narrativa poderosa que tem força social e se torna a principal arma contra as
conquistas do Welfare State. De tal modo, o paradigma social de busca por
capacitação provoca, no plano individual, a idéia de fracasso enquanto estigma
socialmente construído. Nesse sentido, pode-se retomar Goffman (1988, p. 7)
quando este explica ser uma forma de estigma “as culpas de caráter individual,
percebidas como vontade fraca”, resultando no sofrimento daquele trabalhador que
não se sente competitivo por não conseguir conquistar a qualificação ensejada pelo
mercado.
No caso do trabalhador docente do ensino privado, alguns fatores
parecem sustentar o paradigma da obtenção de títulos. Desses fatores, destaca-se:
insegurança devido à flexibilização das relações de trabalho; necessidade de
elevação da renda; atendimento a exigências de competitividade da ‘empresa’
(Instituição de Ensino) e, por último, receio do estigma de desqualificação
profissional. Entretanto, em relação a este último caso, entende-se que no meio
acadêmico, onde não ter titulação passou a ser considerado uma anomalia, a
normalidade passa pelo senso comum de que a categoria seja titulada. É que, nesse
meio, a titulação assume o caráter de conferir autoridade na produção de mais
conhecimento, substancialmente entre o corpo docente e discente.
Novamente, retomando Goffman (1992, p.6), um atributo que estigmatiza
alguém pode significar a normalidade7 de outro. Fazendo uma analogia a essa
definição desse autor, a naturalização da idéia de existência de relativa oferta de
profissionais titulados no mercado leva, em última análise, à correspondente
desvalorização dos títulos. Não se está afirmando, com isso, que a “universalização”
ou ampliação do ensino universitário seja um problema, nem mesmo se afirma que a
sociedade ou o Estado não possuem estruturas para assimilar todo o contingente de
7 Em Goffman o termo estigma “será usado em referência a um atributo profundamente depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não de atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem”. (Goffman,1992, p.6)
27
titulados, mesmo que essas suposições, de certo modo, também possam ser
entendidas como causas parciais da desvalorização. A referência que se faz é ao
valor que se dá a titulação, ou seja, à sua utilidade, e a partir dessa utilidade, a
aplicabilidade da titulação, tanto pela sociedade, quanto pelo Estado, ou mesmo
pelas IES privadas. Uma análise do valor dado à titulação pode ser feita a partir da
teoria do valor-utilidade em Jevons (1985). Na sociedade, o valor do título tende,
cada vez mais a estar vinculado à creditação para obtenção de vagas no mercado
de trabalho e não de obtenção de conhecimento para qualquer outra aplicabilidade
na vida, considerando a diversidade das situações cotidianas ao longo da mesma.
Já para o Estado, dado o viés político de condução da máquina, o valor à titulação
parece seguir os preceitos do que a sociedade deseja no curto e médio prazo, quais
sejam, emprego e renda. Desse modo, a ação do Estado quanto à educação pretere
a geração de conhecimento pelo desenvolvimento. Por fim, no contexto da IES
privada, que é o recorte em estudo, dado o objetivo no lucro em curto ou médio
prazo (para o caso do interesse que vincule o crescimento da empresa) a utilidade
do título parece tender a variar com o interesse temporal do capital empresarial,
desse modo, variando também o seu valor. Por exemplo, se o interesse é a
qualidade de ensino, mesmo que momentaneamente, para fazer agregação de valor
ao nome da empresa no mercado ou para ganhar reputação junto ao MEC, o título
ganha valor; de outro modo, se o interesse é redução de custos, o título perde valor.
Uma conclusão que se tira é que o desvalor à titulação pode ser
observado, no âmbito do trabalho docente no ensino privado, tanto devido à
tendência de decrescente remuneração aos titulado, quanto pela maior disputa entre
estes pelas vagas de trabalho que surgem, o que significa também que a
aplicabilidade do mesmo não é pela qualidade. Mesmo assim, a titulação continua
representando o trunfo (SENETT, 2007, p. 76) de sobrevivência, tanto para os
docentes quanto para a sociedade em geral, numa realidade em estágio “liquefeito”
(BAUMAN, 2001) pela ordem contemporânea do capital. Conforme esse autor, em
nossos tempos de modernidade, os lugares aos quais os indivíduos poderiam
ganhar acesso e tentar se estabelecer estão ficando cada vez mais fluídos,
dificilmente podendo servir como metas para “projetos de vida”.
Em suma, o que se observa é que a retirada do Estado do campo da
educação superior potencializa a individualização, deixando aos indivíduos a
28
responsabilidade de “adaptar-se ao nicho que lhes foi atribuído” (op. Cit, p. 185):
qualificar-se para competição justificada sob o símbolo de integração global.
1.2. Expansão das IES privadas e o trabalho docente
Conforme Silva (2008) o maior impulso para a expansão das instituições
universitárias adveio do setor privado, se configurando então o que é denominado
de universidades mercantis (CALDERON apud SILVA, 2008, p. 93). De tal modo,
continua tal autor, na medida que essas universidades são orientadas pela lógica de
mercado e pela obtenção do lucro, visando atendimento das massas, optam em
geral pela redução dos custos operacionais. Mediante essa constatação, faz-se o
questionamento: que variáveis econômicas, políticas ou sociais orientaram o
processo de expansão das IES privadas e qual o reflexo desse processo sobre o
trabalho do professor nesse meio? Essa é a pergunta que servirá como pano de
fundo para ampliação da abordagem sobre a mercantilização do ensino relacionada
com o trabalho do docente em questão, que é uma análise que se inicia logo a
seguir.
No Brasil, nos últimos 20 anos, conforme dados do INEP (indicação na
tabela 1), houve amplo crescimento no número de instituições de ensino superior
(IES). A proliferação de instituições de ensino superior privado coincide com a
minimização de políticas voltadas para a criação de instituições de IES públicas,
acompanhando o crescimento populacional. Diante da existência de demanda
efetiva para essa modalidade de qualificação profissional, da insuficiência de vagas
nas instituições públicas e do elevado custo nas instituições de ensino privadas, o
Estado passa a aplicar políticas nem tanto adequadas a um sistema de ensino
eficiente e democrático.
Ao investir na qualificação profissional via política de bolsas universitárias
e financiamentos polarizados aos discentes, além de contemplar pequena parcela
de beneficiários, incorre em transferência de recursos do setor público para o
privado (BOSI, 2007). Mediante o exposto, a não criação de universidades públicas
de forma a comportar a crescente demanda, e também a criação de subsídios
financeiros aos discentes acabam por resultar em formas de estímulo por parte do
Estado à mercantilização do ensino superior.
29
Conforme a Tabela 1.1, em 10 anos, o número de instituições privadas
saltou de 633 para 1.759 (um acréscimo de 177,88%)8. Este índice se apresenta
bastante expressivo e bem superior a média nacional de crescimento do setor
público, que cresceu apenas 2,75% no período. Importa destacar ainda que, até
2004, o número de instituições privadas representava 88,7% do total de instituições
superiores no país, enquanto que o número de instituições públicas, apenas 11,2%
desse total.
TABELA 1.1
EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO SUPERIOR, POR CATEGORIA ADMINISTRATIVA – BRASIL 1994-2004
Ano Total Δ (%) Pública Δ (%) Privada Δ (%)
1994 851 218 633
1995 894 5,1 210 -3,7 684 8,1
1996 922 3,1 211 0,5 711 3,9
1997 900 -2,4 211 0,0 689 -3,1
1998 973 8,1 209 -0,9 764 10,9
1999 1.097 12,7 192 -8,1 905 18,5
2000 1.180 7,6 176 -8,3 1.004 10,9
2001 1.391 17,9 183 4,0 1.208 20,3
2002 1.637 17,7 195 6,6 1.442 19,4
2003 1.859 13,6 207 6,2 1.652 14,6
2004 1.983 8,3 224 8,2 1.759 6,48
Crescimento (%) 133,02
2,75 177,88
Fonte: MEC/INEP/DAES - Censo 2002 e 2004. Tabulação da autora.
*Refere-se ao crescimento ou decrescimento ano a ano.
Sobre essa expansão do ensino, um paradoxo que se evidencia é que
enquanto o crescimento da população torna necessário o aumento do número de
salas de aula9, essa responsabilidade, tem sido cada vez mais deixada pelo Estado
8 Fonte: Mec/ Inep-Censo 2004. Conforme esse senso, na região centro-oeste, o sistema como um todo passou de 90 para 215 instituições, um acréscimo 138,9%. Obtido no site www.inep.gov.br, em 16/01/2009.
9 A crescente demanda pelo ensino superior também pode ser evidenciada pela força de atração à investidores estrangeiros, segundo Calejon (2009) o mercado brasileiro ainda possui um brande número de estudantes potenciais para graduação, desse modo grupos “estrangeiros foram atraídos por uma massa crescente de consumidores de educação no Brasil. Na última década, o número de alunos de graduação em escolas privadas no País passou de 1 milhão para cerca de 4 milhões [...] Na última década, o mercado quintuplicou seu valor e deverá movimentar neste ano 24 bilhões de reais. Boa parte desse crescimento pode ser creditada a classe C – parcela da população com renda familiar entre 1000 e 4600 Reais”. (Calejon, 2009, p. 43)
30
em favor da livre iniciativa do setor privado, conforme os dados supracitados já
demonstraram. Segundo Dourado (2002), isso acontece porque o contexto é de um
Estado com ações restritas. A diretriz é intervir em momentos de crise, porém, sem
primar pela universalidade dos direitos sociais. Por esse motivo, nas últimas
décadas pôde-se observar reduções orçamentárias significativas em políticas
sociais, inclusive na educação.
Em outra análise, embora sejam as universidades públicas as que
efetivamente exerçam uma posição fundamental no interior do campo acadêmico
nacional e papel estratégico no processo de desenvolvimento do país, em
detrimento destas, o que se tem observado é a expansão do setor privado nas
últimas décadas. Sobre isso, Martins (2000) esclarece que a maior parte das
universidades federais surgiu antes da década de 70, e as atualmente existentes
formam uma rede nacional de estabelecimentos espalhados pelo território nacional.
As instituições confessionais vinculadas a Igreja Católica representavam o
conjunto das instituições privadas até a década de 60. Em período mais recente,
esse conjunto é acrescido de algumas instituições confessionais não católicas,
especialmente metodistas e luteranas. Entretanto, não foram as instituições
confessionais que delinearam o processo expansionista verificado nas décadas
subsequentes.
Atualmente, a expansão é marcada no âmbito das instituições de ensino
superior brasileiro exatamente pelo aparecimento de um "novo ensino privado", que
é guiado por uma lógica de mercado e um acentuado ethos empresarial, a partir dos
anos 1980. De tal modo, num quadro mais recente, conforme dados do MEC/Inep,
as universidades privadas prevalecem numericamente em todas as regiões do país,
principalmente no Sudeste, Sul e Centro-Oeste.
Acompanhando a proliferação de instituições de ensino superior privado
enquanto tendência na América Latina e em todo o Brasil, no Estado de Goiás essa
expansão ganhou maior impulso após a década de 1990. Tal expansão coincide
com a aplicação de políticas públicas voltadas para qualificação profissional via
ensino universitário, tais como a implantação da já citada política de fornecimento de
Bolsas Universitárias.
31
Essa política voltada para a qualificação via ensino superior constitui-se
na resposta do Estado a determinados problemas sociais admitidos como
“fenômenos de mercado”, quais sejam: existência de demanda efetiva para o ensino
superior, insuficiência de vagas nas instituições públicas e elevado custo nas
instituições de ensino privadas. A política de distribuição de bolsa universitária
significa aporte de capital advindo do setor público diretamente para as instituições
privadas (LEHER 2004, apud BOSI, 2007, SILVA, 2008) e, pelo menos quanto a sua
aplicação no estado de Goiás, parece contribuir para a proliferação de instituições
com precárias estruturas. Por representar uma forma de receita que garanta o
funcionamento do empreendimento (IES), até que a empresa se estabilize no
mercado, significa uma forma de minimização do risco de se investir nesse setor.
Mediante a exposição e análise dos dados acima, infere-se que em maior
ou menor proporção, a expansão das IES privadas rumo à mercantilização do
ensino, contam, de certo modo, com o estímulo do Estado via financiamento de
bolsas de estudo a discentes. Neste caso, não é possível deixar de relacionar essa
situação com o conceito de Estado patrimonialista a que se referiu Faoro, cujo
fundamento, grosso modo significa beneficiamento ao setor empresarial por via de
recursos públicos. Nesse sentido é válido citar:
“Nas intervenções Estatais, outrora abominadas pelos empresários apenas
se contrárias aos seus imediatos interesses, crescem e proliferam
atividades econômicas incentivadas pelos lucros rápidos, mais jogo de azar
que empresa racional” (FAORO, 19987, p.724).
Nesse jogo, de possíveis perdas (de qualidade no ensino ou de
democratização da educação) e ganhos (de lucro rápido), partindo-se da conjetura
de que quando o Estado deixa de conduzir a educação como um bem social -
passando essa responsabilidade ao setor privado sob o argumento de que não
consegue financiá-la de modo a atender toda a demanda - sua ação subsume a
diretriz de mercado de gerar capital humano a qualquer custo. Podemos entender
esses custos afetando dois “núcleos” de atores sociais: aqueles que não conseguem
ingressar no ensino superior público e nem no ensino privado (potencial corpo
discente); e aqueles que movimentam o ensino superior privado, dentre esse
últimos, os docentes, que ficam a mercê dos interesses do capital mercantil nesse
meio.
32
Em suma, entendendo então a parte desses custos transmutada para
contexto da gestão privada de ensino, identificaremos, em grande medida, tais
custos traduzidos em pressões sobre o trabalho docente dentro de um modelo de
ensino que acabou por vincular as máximas de mercado: “empreendorismo,
competição e voluntarismo” (BOSI, 2007), diretrizes abarcadas pela expansão
desregulamentada.
1.3 - Mercantilização do ensino superior: o trabalho docente em questão
Compreendendo a mercantilização do ensino superior como uma
realidade posta que tende a se expandir no livre mercado, esse tópico volta-se para
uma análise sobre como se configurou essa situação a partir de determinantes
macros, tais como a influência de organismos multilaterais e o interesse de
transnacionalização dos capitais investidores. Além disso, inicia-se, aqui, a
discussão sobre os efeitos do modelo mercantil de ensino superior efetivados no
país no trabalho docente em IES privadas.
O volume de recursos circulado no setor educacional nas últimas décadas
tem sido bastante expressivo. Conforme Ângela Siqueira, por ser de alta monta “tem
atraído o interesse crescente de grupos empresariais da área de comunicação,
informática, serviços e de educação com fins lucrativos” (SIQUEIRA, 2004, p.01)10.
Segundo essa autora, uma vez que nos países mais ricos - dado os níveis de
escolarização e os amplos sistemas educacionais já implantados - há uma saturação
para o crescimento desse setor, os países em desenvolvimento, possuindo forte
demanda potencial para os serviços educacionais, se tornam então uma excelente
alternativa de investimentos.
Conforme Siqueira (2004), as ações do AGS (Acordo Geral sobre
Comércio em Serviços- GATS, sigla em inglês) e da OMC (Organização Mundial do
Comércio), enquanto organismos regulamentadores do comércio mundial, seguem
com a diretriz de reduzir a educação ‘a um serviço educacional qualquer’, com o
objetivo de salvaguardar o interesse dos grupos empresariais. Identifica que pelo
10 Empresas investidoras citadas como exemplo: General Eletric, Motorola, MacDonalds, Sun Microsystems, Fordstar, Microsoft, Sylvan Learning Systems, De Vry Inc., Open Lerning Agency of Austrália, Open University, Wordwide, Universitas21, U21& Thompson Learning, Ecornell, Nyu’s School of continuing, professional Studies, etc. In (SIQUEIRA 2004, apud ROSENBURG 2002; SUVÉ, 2002; WEM, 2002).
33
fato de na maioria dos países a educação ser entendida como um direito social, a
presença, oferta e controle da mesma pelo Estado, se torna uma barreira a entrada
aos empresários da educação. Assim se justifica a influência das Stakeholders
(grupos de interesses) sobre a atuação do GATS/OMC, no sentido de tratar a
educação cada vez mais como uma mercadoria como outra qualquer, regulada pelas
mesmas normas ‘gerais e neutras’ que regem os demais mercados: lucro e
competição.
Deixado à lógica mercantil, e guiado pela orientação dos organismos
multilaterais, o ensino superior que se expandiu pela iniciativa do pequeno e médio
capital nacional privado, na última década, passa a sofrer as influências de modelos
supranacionais de caráter transnacional. Não obstante a força gravitacional do
formato norte-americano, a universidade brasileira segue conduzida num caminho
de expansão confluente com os objetivos da “Declaração de Bolonha (1999)”. Nesse
modelo, a diretriz, conforme se apregoa, é “educação superior coerente, compatível,
competitivo e atrativo para estudantes europeus e de terceiro mundo” (LIMA, 2008,
p.10).
Essa diretriz subsume o escopo de transnacionalização11 ou
“desnacionalização”, em que políticas de liberalização são elaboradas visando a
competitividade, “enquanto a desregulamentação liquefaz as fronteiras geográfico-
políticas e territoriais para maximizar o valor de troca” (op cit p.12),
“Assiste-se, assim, a um complexo processo de redução da autonomia
relativa dos estados nacionais em matéria de educação superior; a uma
11 Como exemplo da forte inserção do capital multinacional no mercado de ensino superior brasileiro, periódicos informativos da mídia nacional, como a revista Exame e revista Veja, tem veiculado matérias sobre educação superior nas páginas de “Consumo” ou “Onde investir”. Apresentando ser um mercado com forte potencial de crescimento, o ensino universitário brasileiro tem atraído o interesse de grupos investidores com arrojado poder de negociação de todo o mundo: “No dia 9 de março, os executivos do grupo americano de ensino DeVry, com sede em Chicago, e faturamento de 1 bilhão de dólares em 2008, encerraram uma busca que levou dois anos. Após pesquisar uma centena de países, eles encontraram no Nordeste brasileiro o destino para dar seu primeiro passo fora da America do Norte. Com investimento de 55 milhões de reais, o grupo arrematou 70% da Faculdade Nordeste (Fanor), com 10000 alunos em cinco campi, no Ceará e na Bahia. O movimento do DeVry é a mais recente demonstração de interesse de investidores estrangeiros pelo mercado brasileiro de educação. O pioneiro foi o também americano Laureate, em 2005, com a compra do controle da rede de faculdades Anhembi Morumbi, de São Paulo. Um ano mais tarde a americana Whitney Internacional University adquiriu participação majoritária na Faculdades Jorge Amado, de Salvador. Representantes do Apollo, o maior grupo de educação do mundo, com receita de 3 bilhões de dólares em 2008, também vem visitando o país em busca de oportunidades.” (CALEJON, 2009)
34
direção supranacional de políticas, agora relativamente
descontextualizadas” (LIMA, 2008, p.12).
Tratada como mercadoria, a educação superior no Brasil se torna atrativo
de diversificação de investimentos de empresas multinacionais do mundo todo12. Os
efeitos disso, por um lado, pode ser a tendência de migração do capital privado de
ensino superior para as mãos de grupos estrangeiros e, por outro lado, a ampliação
das práticas de gestão com foco na competitividade e na manutenção e ampliação
de fatia de mercado (market-share).
Assim se observa a redução da autonomia dos estados nacionais sobre
educação superior com a legitimação e o aval pelo Estado ao livre impulso
mercadológico das instituições privadas de ensino superior. Essas assumem posição
de empresas concorrenciais e encampam estratégias de gestão racionalistas e
gerencialistas, ou seja, de escopo e estrutura empresarial que nem sempre levam
em conta necessidades e peculiaridades dos atores principais da educação, alunado
e docentes, que se encontram muito aquém da plenitude dos direitos previstos pela
constituição de 199813. Além disso, essa racionalização do modelo de gestão que
contempla viés contábil pouco considera o fim precípuo da educação superior, qual
seja, o de ensino, pesquisa e extensão.
Conforme Lima, a desregulamentação liquefaz as fronteiras geográfico-
políticas e territoriais para maximizar o valor de troca e, dessa forma “potencia o
poder inscrito na capacidade aquisitiva, capital econômico e cultural e/ou no estatuto
individual e coletivo” (LIMA 2008, p.12, apud ANTUNES, 2006a, p.69). Paralelo à
redução da autonomia do Estado nacional, investindo, orientando e regulamentando
o ensino, em matéria de educação superior, observa-se a adesão a políticas e
orientações supranacionais “estandardizadas” que trazem em seu bojo ‘soluções’
aparentemente universais com o emblema de “boas práticas” (LIMA, 2008, p. 13)
12 “O ingresso de uma nova geração de consumidores quintuplicou o bilionário mercado brasileiro de ensino superior – que hoje movimenta 25 bilhões de reais por ano e está mudando o perfil das instituições do país” (CALEJON, 2009).
13 “Arts. 206, 207, 208, 213, 215, 218 e no 60 de seus ADCT, que determinam para a educação superior: a gratuidade do ensino público; autonomia; indissocialidade entre ensino; pesquisa e extensão nas universidades; acesso aos níveis mais elevados do ensino; da pesquisa; da criação artística; do desenvolvimento tecnológico; como dever, promoção e incentivo do Estado, garantindo a educação como direito a todos; o financiamento e o apoio financeiro do poder público à pesquisa e à extensão”.
35
que não consideram as peculiariedades situadas e contingentes das sociedades
periféricas.
Numa análise do curso da expansão do ensino superior no Brasil, não é
difícil constatar seus reflexos imediatos sobre o trabalho do professor, traduzidos
como precarização. Essa precarização deve ser entendida, aqui, em relação à piora
nas condições de trabalho, nas relações de trabalho e também na intensificação dos
efeitos do trabalho docente precarizado no cotidiano do professor. Segundo Bosi
(2007), tal precarização é resultado, dentre outros fatores, tanto da expansão
desregulamentada do número de IES privadas quanto da criação das Universidades
Estaduais.
Em relação às IES privadas, sob o empuxo imediatista de lucro
empresarial a baixos custos, as más condições e relações de trabalho podem ser
identificadas enquanto reflexo da investida do capital empresarial: por um lado, do
pequeno capital empresarial familiar e por outro lado, pela investida de Instituições
de médio porte e multinacionais do ramo de ensino. Nos dois casos, há indicação
de que variando a intensidade e a forma, a precarização do trabalho docente é
reflexo, dentre outros motivos, dado a:
1- utilização de estruturas físicas improvisadas;
2- precárias condições de ensino e acondicionamento relativo do regime de
contratação flexível;
3- Baixa e descendente remuneração do professor;
4- Práticas racionalizadas de gestão do ensino enquanto arremedo de técnicas
e formato de gestão de empresas privadas e multinacionais.
De outra forma, também é no contexto de expansão do ensino privado
que conceitos específicos como o de qualidade e competitividade são transferidos
da esfera empresarial para a educacional. Para exemplificar a reestruturação do
ensino aos moldes de certos padrões produtivistas, Gentili (1996) chega a fazer uma
analogia entre esse setor e empresas de fast foods, entitulando tal análise de
“macdonaldização das escolas”. Nesta análise, esse autor ressalta que as
instituições de ensino passaram a incorporar estratégias empresariais que
compreendem a busca por produtividade, competitividade, qualidade e contratos
flexíveis sob a lógica do lucro e da eficiência. Assim, a tendência é a conformação
36
das bases de uma escola Toyotizada, em busca de desempenho no mercado,
dirigida por líderes gerenciais que priorizam novas habilidades para atender as
exigências de um local de trabalho reestruturado.
Por se tratar de um contexto que combina novas e velhas técnicas
organizacionais (ROSSO, 2008), há que se ter em mente que essa nova
racionalidade é construída sobre os princípios que também regulavam a escola
Taylorista como, por exemplo, a existência de mecanismos tradicionais de controle
sobre o trabalho (ROSSO, 2008, p. 176). Inclui-se nesses mecanismos, o controle
do tempo de trabalho com a utilização do cartão de ponto, e também de avaliação
de “produtividade” do professor via relatórios preenchidos pelos acadêmicos. Melhor
explicando, coexistem no mesmo espaço de trabalho, tanto exigências e cobranças
relacionadas a modernas formas de controle do trabalho como, por exemplo, o
cumprimento de metas como a produção de artigos para periódicos; quanto as
antigas formas de controle. Para este último caso exemplifica-se que, em algumas
instituições, pode existir o supervisor exercendo o papel de ‘bedel’, para avaliar o
tempo de aula e o trabalho do professor em sala de aula.
O padrão de produtividade no ensino se alicerça nos conceitos clássicos
de eficácia e eficiência que incitaram a criação de instrumentos apropriados de
avaliação institucional recomendados por organismos multinacionais e governos
nacionais. O modelo de avaliação instituído no Brasil levou as instituições de ensino
superior a agirem junto às diretrizes avaliativas do MEC. Apesar da disseminação da
idéia de que a avaliação é uma política educacional substancial para promover a
qualidade do ensino, tal prática tem sido criticada por embutir o risco de ser
realizada com o fim em si mesma, ou seja, servindo “simplesmente ao propósito de
gerar competição entre instituições” (OLIVEIRA e FONSENCA, 2008, p. 24),
subvertendo o propósito de qualidade educacional e atendendo mais ao objetivo de
reputação institucional enquanto estratégia de Marketing, principalmente como
atitude adotada pelas IES privadas (op cit, p. 93).
Nas IES privadas, o processo de mercantilização do ensino dita a “cultura
do aprimoramento” pela competitividade. É nesse contexto que a avaliação da
qualidade do ensino passa também pela avaliação do trabalho docente. Numa forte
assossiação por esse tipo de IES da idéia de cliente/produto (SOUSA in OLIVEIRA e
FONSENCA, 2008, p. 77), a prática avaliativa acaba por resultar em maior pressão
37
sobre o trabalho do professor, uma vez que esta vem invariavelmente
desacompanhada de análise das condições de trabalho do mesmo. Por outro lado,
tendo em vista que estas IES primam pelo custo mínimo de produção, a avaliação
invariavelmente não faz parte de um planejamento que visem subsídios e
investimentos na qualificação do professor ou em adequação da estrutura para a
boa prática do ensino, podendo resultar apenas em penalidades contigentes ao
docente que é mal avaliado pelo seu alunado.
Já no tocante à reestruturação do ensino sob a lógica de mercado flexível,
faz-se a observação de que mudanças ocorridas no mundo do trabalho “requerem
um novo sistema produtivo capaz de promover um rápido atendimento às flutuações
de mercado que se apresenta extremamente flexível” (Mancebo, 2006, p.1). Como
toda nova forma de organização do trabalho, essa flexibilização reflete-se numa
demanda por trabalhadores com performance adaptáveis, exigindo-lhe uma nova
reacomodação do campo sóciossubjetivo. Conforme essa autora, passou-se a exigir
do indivíduo, no caso, o professor de ensino superior, um conjunto de habilidades
(inteligência, recursos criativos pessoais, potencialidades) que, ao se deparar com
diferentes situações concretas, sejam mobilizadas para alcançar os objetivos de sua
atividade.
Nesse contexto de ensino-mercadoria, dentro de um modelo que acabou
por vincular as máximas de mercado empreendedorismo, competição e voluntarismo
(BOSI, 2007), as IES privadas combinam velhas e novas práticas de gestão que
resultam, em grande medida, em prejuízos de qualidade de ensino e de pressões
sobre o trabalho docente.
1.3.1 - Racionalização nas gestões e a adaptação do professor
As Instituições educativas sempre exerceram papel fundamental no
desenvolvimento e consolidação do sistema capitalista, tanto pela legitimação de
suas práticas, conforme bem explica Bourdieu, quanto fornecendo conhecimento,
ciência e técnicas para a ampliação do capital, bem como “para uma exploração
mais científica da força de trabalho” (MANCEBO, 2007, p. 76). No entanto, no
âmbito da produção de conhecimento nas IES privadas, a produção científica é a
própria força produtiva que conferirá incremento ao capital empresarial. Sendo
assim, a IES no contexto mercantil, naturalmente lança mão de estratégias que
38
permitam melhor extrair e ampliar a mais valia da força de trabalho empenhada no
processo. Logicamente, as IES guiadas por gestões racionalizadas pelo lucro
produzem mudanças no trabalho e na subjetividade dos docentes-cientistas que há
muito considerados “os sacerdotes consagrados ao culto do saber ... a serviço do
bem da humanidade” (GEANNOTI, 2003 apud MANCEBO, 2007), passam a assumir
o papel de executores passivos do processo de produção do ensino para comércio.
Para entender essas modificações, refletidas no mundo do trabalho docente, passa-
se, a seguir, a uma digressão sobre a evolução do processo racionalizante das
gestões, em suas implicâncias sobre o trabalho. Perpassando os modelos de gestão
do fordismo e do taylorismo, chega-se ao toyotismo. Esse último considerado
condensador do viés de flexibilização do trabalho.
O sistema taylorista/fordista de organização faz parte do processo que
evoluiu para a reestruturação produtiva a partir do toyotismo no âmbito das
empresas capitalistas. Cabe aqui, analisar essas transformações entendendo-as
como vetoras do estabelecimento de relações sociais, principalmente no que tange a
adaptação do trabalhador meio a essas mudanças.
A começar pelo sistema taylorista/fordista, Pinto (2007) explica que essa
forma de organização expandiu-se das economias centrais no pós segunda guerra e
se conformou em método de gestão pela produtividade. Se baseava na confecção
de ferramentas e seleção criteriosa dos trabalhadores para treinamento, enquanto
experimento de Taylor, com o objetivo de extrair o máximo de capacidade produtiva.
Conforme esse autor, no interesse “científico” de Taylor também residia o objetivo do
empresariado que o patrocinou, qual seja: o de se criar instrumentos de extração do
sobretrabalho não pago, em outras palavras, mais-valia. As experiências de Taylor
permitiram a Ford uma exploração ainda maior dos trabalhadores a partir do
condicionamento dos mesmos à velocidade da maquinaria. O resultado de tais
técnicas racionalizantes foi a conformação dos seres humanos a um sistema pronto
e acabado de normas rígidas de trabalho. Entretanto, pesquisas14 sobre tais
14 Sob o entendimento de que fatores psicológicos afetavam a produtividade nas fábricas, outros
numerosos estudos foram realizados no sentido de elevá-la a partir da forma organizacional do trabalho, sem entretanto obter o efeito esperado. Dentro das correntes que se voltaram ao estudo das conseqüências da organização dos trabalhadores, Pinto (2008) destaca a da “hierarquia das necessidades, de Maslow e a da “organização e personalidade”, de Argyirs.
39
condições de trabalho levantaram suspeitas sobre a perda de eficácia desses
sistemas, face a estagnação dos níveis de produtividade em contrapartida à baixa
satisfação dos trabalhadores. Não obstante ao fato de que esse sistema de
racionalização “social” torna os trabalhadores mais dependentes de seus
empregadores e mais fragmentados enquanto classe social na defesa de seus
interesses, desenvolveram-se resistências individuais ou coletivas.
A necessidade de quebrar tais resistências e de se obter instrumentos
mais previsíveis de mensuração da mais valia suscitou a utilização de estratégias
que permitissem maior controle dos trabalhadores por via “de mecanismos que têm
variado entre a coerção e o consentimento” (OLIVEIRA, 1996 apud PINTO, 2008).
Nessa perspectiva é que surge o modelo de flexibilização Toyotista, suplantando os
métodos e o conceito de “flexibilidade” da corrente taylorista/fordista que se
vinculava apenas “à capacidade de substituição direta e rápida dos trabalhadores”
(op cit, p. 48). Pinto esclarece que o sistema toyotista superou em produtividade
todos os demais sistemas de organização flexível, uma vez que, por meio da
manipulação da subjetividade dos trabalhadores, extrai-lhes o acúmulo de
conhecimentos tácitos a favor da acumulação capitalista. Ou seja, enquanto Taylor
havia decomposto atividades complexas em operações simples, Ford empenhado no
automatismo, atacou o saber dos trabalhadores mais qualificados. Onho perseguiu o
mesmo objetivo de produtividade, exigindo a “polivalência”, desautorizando o poder
de negociação dos mais qualificados, obteve como resultado o aumento do controle
e a intensificação do trabalho. Inaugura-se, então, o sistema organizacional onde a
automação, a polivalência e a organização celular são a base para o desempenho
do trabalho flexível, que sob exigência de jornadas flexíveis, combinado com o
aumento significativo de horas extras, ampliam a capacidade produtiva. Combinando
com o método flexível de trabalho pela produtividade, o regime Just-in-time, ou de
“produção enxuta” (MAJNONNI, 1999 apud SUCUPIRA, 2005), guiado pela diretriz
de baixos custos, exige capacidade produtiva flexível através do controle de
“estoque mínimo”. Nesse conceito, a utilização do mínimo de efetivo de
trabalhadores e de instalações físicas ajustadas à escala de produção também vêm
complementar as técnicas flexíveis de racionalização da gestão, dentre estas o
sistema de trabalho flexível (HARVEY,1989).
40
Note-se, então, que a difusão do sistema toyotista de gestão permitiu às
empresas não apenas o aumento da produtividade, mas também uma maior
flexibilidade no uso de suas instalações e da força de trabalho. Dos efeitos desse
novo sistema para os trabalhadores, cita-se além do maior raio de ação do
trabalhador sobre o trabalho, a intensificação do ritmo de trabalho, acompanhados
de maior instabilidade no emprego. Além disso, o sistema toyotista permitiu a
intensificação do controle patronal sobre os trabalhadores nos locais de trabalho.
A partir da explanação sobre os métodos de racionalização das gestões,
fica mais fácil de se identificar, a maior ou menor semelhança de práticas desses
métodos de gestões no âmbito das IES privadas, bem como seus efeitos sobre o
trabalho da classe de professores. É preciso lembrar que enquanto empresa no
mercado competitivo, as gestões das IES privadas, ainda pouco evoluídas em
técnicas administrativas adequadas à natureza do empreendimento educação, se
pautam principalmente no foco de redução de custos e aumento da competitividade,
no sentido de conquistar e manter mercado. A busca por qualidade também é muito
citada pelos gestores desses empreendimentos, entretanto, as ações
administrativas para a obtenção da mesma são em grande medida inócuas ou
inexistentes, conforme se verificará adiante. De tal forma, a qualidade para a maioria
das IES privadas se configura apenas como slogan de campanhas publicitárias.
O toyotismo é o método mais acabado, até então, enquanto gestão
racional pela flexibilização que melhor se adapta ao contexto de competição e
concorrência mercadológica atual. Talvez, por esse motivo, na maioria dos estudos
de abordagem sobre o contexto das IES privadas, os vários autores – Bosi, 2007;
Mancebo, 2007; Oliveira, 2008; Pereira, 2010; Silva, 2008; Sucupira, 2010 –
identificam esse modelo de gestão como orientador das situações de trabalho
encontradas. Contudo, nesse estudo, não se desconsiderará, dado a
heterogeneidade e complexidade do ensino superior, que muito se utiliza de práticas
relacionadas ao modelo taylorista na condução de IES privadas, e que essas
práticas também condicionam as relações de trabalho nesse meio.
41
1.3.2 - A lógica do trabalho flexível na docência acadêmica
A racionalização das gestões nas IES privadas condiciona e modifica sob
diversos aspectos o trabalho do professor. Alguns desses reflexos serão analisados
nesse tópico, sob o entendimento de que os efeitos da flexibilização, para além do
trabalho in loco na instituição, invade o cotidiano do profissional docente,
contaminando o tempo que deveria ser destinado ao não trabalho.
Seguindo as estatísticas sobre a expansão do ensino superior, não é
difícil constatar que esse curso de crescimento tem reflexo imediato sobre o trabalho
do professor, se traduzindo, por vezes, na precarização do mesmo. Essa
precarização deve ser entendida, aqui, como a piora nas condições de trabalho, nas
relações de trabalho e também na intensificação dos efeitos do trabalho docente, no
cotidiano do professor. A existência de estruturas improvisadas, com precárias
condições de ensino, amplo acondicionamento do regime de contratação flexível, e
existência de condicionantes que exigem a constante adaptação do docente, são
efeitos que se correlaciona à intensificação comercial da educação superior privada.
Estudos do INEP15 indicam que 67,1% do total de docentes universitários
atuam no setor privado. Esse dado por si só indica a conformação da estrutura do
ensino superior no país, sinalizando sobre a preponderância do quantitativo de IES
privadas em relação ao quantitativo de IES públicas. Nessa mesma pesquisa, a
própria nomenclatura para tabulação dos dados coloca em ressalva algo que pode
ser um indicativo da tendência de precarização do trabalho docente: “Muitos
docentes brasileiros atuam em mais de uma instituição, por isso quando se analisam
as informações (...) se deve falar em funções docentes e não propriamente em
docentes.”16 De tal forma, a diferenciação que se faz de “Docente” para “Função
Docente” é exatamente a de que o segundo termo indica que os professores atuam
em mais de uma instituição. Sendo um fato que parece recorrente no país, para o
caso de docentes em IES superior privadas, incita a indagação do porquê dessa
recorrência. Uma primeira inferência que se faz dessa situação, é a de que a renda
do docente pode estar baixa devido à má remuneração e, por isso, a necessidade
do mesmo se vincular a várias instituições para manter determinado padrão de vida.
15 BRASIL, Inep/Mec/Cadastro Nacional de Docentes 2005.1. Obtido no site http://www.inep.gov.br, em 16/01/2009.
16 BRASIL, Inep/Mec/Cadastro Nacional de Docentes 2005.1. (op. Cit.)
42
A reestruturação do ensino sob a lógica de mercado e de mudanças
ocorridas no mundo do trabalho faz adaptação do padrão de um sistema produtivo
que, conforme (MANCEBO, 2006, p.1), é “capaz de promover um rápido
atendimento às flutuações de mercado que se apresenta extremamente flexível”.
Como toda nova forma de organização do trabalho, essa flexibilização reflete-se
numa demanda por trabalhadores com performances adaptáveis, exigindo-lhe uma
nova reacomodação do campo sóciossubjetivo. Conforme essa autora, passou-se a
exigir do indivíduo, no caso o professor do ensino superior, um conjunto de
habilidades (inteligência, recursos criativos pessoais, potencialidades) que, ao se
deparar com diferentes situações concretas, sejam mobilizadas para alcançar os
objetivos de sua atividade. Para Mancebo,
“Um dos caminhos possíveis para a racionalização dos recursos recai justamente
sobre o professor. Seu trabalho vem sendo precarizado e desregulamentado, com
a redução de salários, diminuição dos direitos trabalhistas, intensificação da
jornada de trabalho, entre outras formas de exploração” (MANCEBO, 2008, p. 10).
Dentre estas formas de exploração que impingem ao professor a
responsabilidade da adaptação, destacam-se as seguintes:
1- Exige-se do docente a qualificação adequada ou mínima, dependendo
da necessidade momentânea da instituição, ou seja, se para atender a exigências
do MEC, a titulação mínima deve ser de Mestrado17; se apenas para ministrar aulas,
não assumindo cargo de diretor de departamento ou coordenador de centro de
pesquisas, por exemplo, o título de especialização é preferível (SILVA, 2008) uma
vez que representa redução de custos de contratação.
2- A polivalência (ROSSO, 2008) designativo ao fato do professor ter que
se adaptar ao desenvolvimento de múltiplas tarefas, se dá em três sentidos:
primeiro, uma vez contratado por uma instituição, o docente deve estar disposto a
ministrar diferentes disciplinas num mesmo semestre, na mesma instituição, também
como forma de reduzir custos de contratação de professor. Em alguns casos, é
exigido, inclusive, que ministre disciplinas que têm baixa ou nenhuma relação com
sua área de qualificação. Segundo, que, além da capacidade para ministrar as
aulas, se torna cada vez mais exigido que o professor deva possuir habilidade e
17 Em alguns casos tem acontecido até a demissão sumária de docentes com titulação de Mestre e Doutor, para a contratação de profissionais com menor titulação em função de estratégias de redução de custos.
43
competência para a produção científica. Por último, ao mesmo tempo em que
também é exigido do docente, empenho em planejamentos extra-pedagógicos, é lhe
exigido, em alguns casos, execução de tarefas relacionadas a atividades
administrativas. Nesse sentido, ressalta-se que é possível que as atividades do
docente extra-sala de aula nem sempre estejam sendo remuneradas, conforme já
mencionado.
3- Já as questões da implementação de horários indefinidos de trabalho e
flexibilização dos vínculos trabalhistas se interrelacionam. Como a maioria das IES
privadas é de pequeno e médio porte, ambas têm ampla dependência da demanda
pelo ensino no mercado em que atuam. Por esse motivo, em alguns semestres não
há turmas para as disciplinas para as quais alguns professores são contratados, o
que pode resultar em elaboração de contratos temporários, tendo em vista a
expectativa de uma possível futura capacidade ociosa, mesmo que temporária, até
que a demanda se ajuste. Explica-se que em função da perspectiva temporária de
trabalho, devido à subcontratação, o professor passa a vincular-se a várias
instituições para manter o padrão de vida. A cada semestre poderá estar ministrando
aulas em diferentes dias da semana, em horários diferentes, e em diferentes IES
privadas. Essa situação caracteriza a maleabilidade, ou seja, a ampla adaptação do
docente ante as necessidades e exigências impostas pela instituições às quais se
vincula.
A chamada reestruturação produtiva com base em trabalho flexível
(HARVEY, 1989; POCHMANN, 1999; ANTUNES, 2002; LEITE, 2003), é o resultado
da evolução histórica do modo de produção capitalista que faz surgir novas formas
de exploração do trabalho e de apropriação de riquezas. Assim, a educação
profissional surge como um imperativo do capital sobre a “classe que vive de
trabalho” (ANTUNES, 2006). A noção de qualificação baseada na idéia de capital
humano é associada à defesa da modernização capitalista, com o padrão fordista de
organização e Gestão do trabalho.
A partir da crise no modelo de produção e das transformações do mercado de
trabalho, o que a ideologia dominante busca é reduzir a função dos processos
educativos à mera formação de cidadãos empregáveis, buscando formar
trabalhadores flexíveis e adaptados às necessidades do mercado, ou seja, ajustar
suas diretrizes ao novo modelo produtivo do capitalismo globalizado. (MANCEBO,
2009, p. 8)
44
Segundo Sennett (2007), num processo cíclico, conforme as crises do
capitalismo flexível, vão surgindo novas propostas para a educação profissional de
forma que atendam à demanda do sistema. Essa concepção de qualificação gera no
plano macrossocietário uma série de políticas educacionais que primam por atender
demandas e necessidades técnico-organizativas dos setores mais organizados do
capital (SAUL, 2007; OLIVEIRA, 2007). “Como o capitalismo cria uma sociedade na
qual ninguém por hipótese consulta qualquer coisa senão o interesse próprio”
(BRAVERMAN, 1974, p. 68), a qualificação profissional condicionada pela
necessidade de mercado aparece como uma forma de dar sobrevida ao sistema
capitalista.
Recorrendo a Gramsci, a busca no plano individual por qualificação pode
ser interpretada também ao modo de pressão coercitiva, em que mudanças no modo
de ser e viver são resultado da coerção por uma “seleção ou educação do homem
adequado... às novas formas de produção e de trabalho” (GRAMSCI, 2001, p.262).
Tal coerção, que atinge a sociedade como um todo, pode ser evidenciada no
trabalho docente pela incessante procura por elevação de capital humano, com
especial interesse na titulação enquanto via de incremento desse capital que, em
última análise, tem o objetivo de acréscimo do capital financeiro. O Cadastro
Nacional de docentes do INEP-2005.1 aponta que houve perceptível crescimento na
representação dos doutores e mestres nos quadros docentes tanto nas IES públicas
quanto nas privadas.
“Quando comparamos as indicações do Censo com as do Cadastro Nacional de
Docentes, percebemos, por exemplo, que no setor público a representação de
doutores no quadro das funções docentes era de 22,4%, em 1994, tendo saltado
para 39,5%, em 2003 (um aumento de 17 pontos percentuais), chegando a 41,7%,
em 2005. Da mesma forma, no setor privado, o percentual de doutores no quadro
das funções docentes saltou de 6,8%, em 1994, para 11,8%, em 2003, chegando
a 12,2%, em 2005. Entre os mestres nota-se um pequeno declínio no setor público
entre 1994 e 2003 (de 28,2 para 27,3), mas chegando a 30,0%, em 2005; no setor
privado, houve um salto significativo: de 18,5%, em 1994, para 39,3%, em 2003,
chegando a 40,7%, em 2005.” (INEP-2005.1, p. 24) 18
18 BRASIL, Inep/Mec/Cadastro Nacional de Docentes 2005.1. Obtido no site http://www.inep.gov.br, em 16/01/2009.
45
Em mais uma apropriação de Sennett (2007, p.27-32), essa busca por
titulação parece ser impulsionada no contexto da nova economia, pela flexibilidade e
fluxo no curto prazo, em que os profissionais têm que se mover para se manterem
no mercado. Muito embora, profissionalização e titulação não sejam mais garantia
de permanência no emprego.
A tabela 2 demonstra a distribuição dos docentes conforme titulação nas
instituições de ensino pública e privada. Destaca-se desta tabela, que a maioria dos
mestres (73,5%) e especialistas (80,2%) atuam no setor privado, enquanto que a
maioria dos Doutores atua no setor público (62,7%). Portanto, há que se fazer uma
análise mais detalhada destacando os fatores que refletem nessa configuração, que
não deixa de ser um indício do baixo incentivo do setor privado à capacitação de
seus professores, ou mesmo, baixa valorização a titulação por esse tipo de
instituição.
TABELA 1.2
FUNÇÕES DOCENTES POR TITULAÇÃO, SEGUNDO CATEGORIA ADMINISTRATIVA - BRASIL 2005
Título Brasil Público (%) Privado (%)
Doutor, LD, PDr 58.711 36.793 62,7 21.918 37,3
Mestre 99.677 26.449 26,52 73.228 73,5
Especialista 77.110 15.230 19,8 61.880 80,2
Graduado 29.993 9.292 31 20.701 69,0
Outro 2.495 482 19,3 2.013 80,7
Total 267.986 88.246 32,9 179.740 67,1
Fonte: Inep/Mec/Cadastro Docente 2005.1
A tabela 2 demonstra a distribuição dos docentes conforme titulação nas
instituições de ensino pública e privada. Destaca-se desta tabela, que a maioria dos
mestres (73,5%) e especialistas (80,2%) atuam no setor privado, enquanto que a
maioria dos Doutores atua no setor público (62,7%). Portanto, há que se fazer uma
análise mais detalhada destacando os fatores que refletem nessa configuração, que
não deixa de ser um indício do baixo incentivo do setor privado à capacitação de
seus professores, ou mesmo, baixa valorização a titulação por esse tipo de
instituição.
46
Em Goiás, a configuração do quadro de funções docentes por titulação se
apresenta semelhante ao nacional, conforme os dados da Tabela 1.3. Sobre essa
última tabela, observando os dados sobre Goiás, é interessante destacar dois
pontos: primeiro que o percentual de funções docentes com doutorado (11,8%)19 é
praticamente a metade do percentual da média nacional da mesma categoria, que é
de 21,9%; segundo, que o percentual de funções docentes com o título de
especialista (42,5%) é muito superior ao da média nacional (28,8%). Deve-se
ressaltar ainda que a maioria dos Docentes universitários da classe de especialistas,
levando-se em conta a tendência nacional (vide tabela 2), atua no setor privado.
TABELA 1.3
FUNÇÕES DOCENTE POR TITULAÇÃO EM GOIÁS E NO PAÍS – BRASIL 2005
Titulo Goiás (%) Brasil (%)
Doutor, LD, PDr 968 11,8 58.711 21,9
Mestre 2.726 33,1 99.677 28,8
Especialista 3497 42,5 77.110 28,8
Graduado 881 10,7 29.993 11,2
Outro 153 1,9 2.495 0,9
Total 8225 100 267.986 100
Fonte: Inep/Mec/Cadastro Nacional de Docentes 2005.
Diante de todo o exposto, portanto, premido de um lado pela condução do
mercado e de outro pela ausência do Estado, a alternativa que é vislumbrada pelo
trabalhador docente para satisfazer anseios individuais, combinando,
enriquecimento intelectual, alcance de melhoria material e qualificação para o
mercado, é a de elevar seu capital humano via titulação. Ressalta-se, entretanto,
conforme já mencionado, que a titulação ou a qualificação parece terem deixado de
ser garantias de valorização da mão-de-obra, retorno financeiro ou mesmo
estabilidade de emprego no sistema de mercado flexível. Talvez por esse motivo, os
profissionais da área em Goiás têm procurado se qualificar na medida da exigência e
da valorização da titulação no mercado de IES privadas.
19 Conforme indica a análise do Inep este índice é o mais baixo da região Centro-Oeste. (Inep/Mec/Cadastro Nacional de Docentes, 2005)
47
1.4 – Desregulamentação do mercado de IES privadas no Brasil
Dado as especificidades da atividade educacional, ressalta-se que a
ausência de regulação adequada para corrigir as distorções que a mercantilização
do ensino propicia acaba por não produzir ensino de qualidade, além de acirrar as
pressões sobre o trabalho docente e o estado de vulnerabilidade desse profissional.
Nesse tocante, a abordagem a seguir versará brevemente sobre a questão da
desregulamentação das IES privadas.
As redefinições na atuação do Estado em confluência com reestruturação
do sistema capitalista resultam em novos condicionamentos da sociedade do
trabalho que permeiam todas as esferas da vida social. Inserida neste contexto de
condicionamentos múltiplos, a profissão docente padece entre o esvaziamento da
categoria trabalho e a remodelação desregulamentada do sistema de ensino
superior.
Nesse sentido, é válido lembrar que a transferência do ensino superior do
Estado para a iniciativa privada20 se deu sob o escopo de busca por “eficiência”.
Entretanto, o processo de transferência dessa responsabilidade parece não ter
seguido um planejamento adequado, se pautando substancialmente na diretriz do
lassez-faire, ou seja, o livre arbítrio das IES privadas levaria a um suposto estágio de
eficiência na qualidade da educação superior.
Conforme Oliveira e Fonseca (2008), a gestão da educação esteve no
centro dos debates pelas cúpulas hemisféricas de chefes de Estado e Governo nas
Américas nas ultimas décadas, sendo elucidativo citar duas das metas estabelecidas
para a educação na segunda cúpula presidencial realizada, em 1998, em Santiago:
primeiro, a melhoria da administração educacional, construção da capacidade
institucional e participação comunitária; e segundo, o estabelecimento de
indicadores de avaliação institucional pela qualidade. Desde então, iniciou-se em
todo o hemisfério, inclusive no Brasil, um intenso debate em matéria de
planejamento, gestão e avaliação institucional por parte dos órgãos governamentais
e instituições de ensino.
20 “o governo vem advogando e empreendendo ações que tornam o ensino superior brasileiro cada vez mais variado, flexível e competitivo, segundo a lógica do mercado, embora controlado e avaliado pelo estado” (CATANI; OLIVEIRA, 2000 in OLIVEIRA; FONSECA, 2008, p. 133)
48
Porém, no Brasil a experiência com avaliação institucional enquanto
instrumento de regulamentação das IES teve início na década de 1970, em
programas de pós-graduação, e ampliou-se para o ensino de graduação na década
de 1980. Esta experiência teve raízes nos debates protagonizados pela Associação
Nacional de Docentes, atualmente Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições
de Ensino Superior (Andes) e pelo Conselho de Reitores das Universidades
Brasileiras (Crub), debates esses suscitados em reação a projetos do Ministério da
Educação.
Entretanto, os referidos autores analisam que o modelo de avaliação do
ensino superior implementado no Brasil desde o início da década de 1990, com
mesmo modelo de aplicação para o setor público e privado, embute riscos. Um
desses riscos se relaciona ao fato da avaliação ser tomada com o fim em si mesma.
Ao invés de propiciar qualidade do ensino, limita-se a “estabelecer comparações
servindo simplesmente ao propósito de gerar competição entre instituições” (op. Cit,
p. 23-29), podendo prejudicar tanto o próprio processo avaliativo quanto a meta de
alcançar qualidade educacional.
Os mesmos autores ressaltam que o sistema de avaliação instituído
privilegiou o ensino de graduação, articulando-se fortemente à política deliberada de
expansão do ensino superior praticada no país. Exemplificam que a forma de
divulgação dos resultados com base no ranqueamento funcionou como marketing
(op. Cit, p. 98) das instituições, ampliando a competição interinstitucional, sobretudo
nas IES privadas, realçando-se o processo de mercantilização do ensino superior.
De tal modo, tais autores consideram que a avaliação, enquanto proposta coerente
de regulação e administração do ensino superior deve levar em conta as suas
implicâncias na cultura acadêmica, nas definições curriculares, na estruturação da
educação superior, na gestão das instituições e também no trabalho docente.
Ante o exposto, pelo fato de a empresa concorrencial capitalista, no caso,
a IES privada, buscar eficiência administrativa por meio de instrumentos de
administração baseados no racionalismo e no utilitarismo, parece ser necessário o
aprimoramento da forma de regulamentação das mesmas. Da forma como são
aplicados, os instrumentos de avaliação atuais desconsideram as necessidades
sociais, dificultando a formulação e aplicação de políticas adequadas às realidades.
Neste caso, para o alcance efetivo da qualidade do ensino, mais que aplicação
49
generalizada de instrumentos estandardizados de regulamentação, parece se fazer
necessário considerar as peculiaridades sócio-culturais e regionais das IES, levando
em conta tanto a estrutura física, quanto a estrutura organizacional, contemplando
os investimentos em pesquisa, as relações e as condições de trabalho do professor.
Esse parece ser o caminho viável para a obtenção de ensino superior equitativo,
democrático e de qualidade.
1.5 - Múltiplas pressões sobre o trabalho docente
O trabalho docente em IES privadas é percebido, então, sob o fogo
cruzado de múltiplas pressões. Por um lado, pelos instrumentos de racionalização
da administração inerentes a finalidade lucrativa e concorrencial do ensino
superior21. Por outro lado, a pressão se dá também dado o sofrimento individual,
pela incerteza quanto a permanência e manutenção do emprego que permeia o
mundo trabalho e, como não poderia deixar de ser, afeta também o professor de IES
privadas. Explanar sobre os aspectos dessas múltiplas pressões sobre o trabalho do
professor é que se pretende nesse tópico.
A prática da condução utilitarista na gestão das IES privadas significa a
aplicação de políticas de racionalização administrativa em busca de redução dos
custos. Esses últimos se refletem diretamente sobre o trabalho do docente quando
são minguados os investimentos pela instituição em melhoria da estrutura física ou
qualificação do docente, implicando diretamente em precarização das condições de
trabalho. Além disso, há indicativos de que a expansão acelerada e guiada
simplesmente pelo impulso de comercializar educação no segmento privado vem
apresentando em uma possível exaustão (FONSECA, 2008, p. 85; ROSSO, 2008, p.
175) do próprio setor, significando capacidade ociosa e consequentes políticas de
racionalização administrativa ainda mais acirradas, pela intensificação da
competitividade e da busca por redução dos custos administrativos.
De outro modo, o trabalho docente também se vê pressionado pela
insegurança e incerteza (SENNET, 2007; BAUMAN, 2001) recorrente nas relações
de trabalho, resultante de contratos de curto prazo, contratos sem cobertura pela
21 Com o objetivo de expandir as vagas no ensino superior, o governo regulamentou através do Decreto nº 2.306/97 a flexibilização e a diversificação, ato que também estabeleceu as IES com finalidade lucrativa. (ASSIS, 2008 in OLIVEIRA; FONSECA, 2008, p. 133)
50
previdência, ou mesmo pelo trabalho realizado na ausência de contrato. Essas
inseguranças tidas como oriundas da reestruturação produtiva, que trouxe consigo o
corolário da flexibilização e das transformações que aflige trabalhadores de outros
mercados, atinge também os docentes em IES privadas. Mediante essa
complexidade de fatores, a precarização das condições e relações de trabalho é a
via pela qual se exacerba a vulnerabilidade do trabalhador. De tal modo, o trabalho
adquire um caráter desumanizador, aumentando a segregação dos indivíduos e de
certo modo, a exclusão social. “A psicodinâmica do trabalho destaca o trabalho
como um dos principais fatores que influenciam a formação do sujeito” (DEJOURS,
1987 in PEREIRA, 2006) entendida essa formação como um processo que está
vinculado ao princípio da alteridade que ocorre quando através do contato com o
outro, eu me descubro e estabeleço minha identidade. Segundo Bauman
(2001,p.170),
“A incerteza do presente é uma poderosa força individualizadora. Ela divide
em vez de unir, e como não há maneira de dizer que acordará no próximo
dia em qual divisão, a idéia de “interesse comum” fica cada vez mais
nebulosa e perde todo valor prático.”
Assim, as transformações no mercado de trabalho influenciam a
identidade dos sujeitos em função do nível de individualização do processo de
trabalho, da concorrência por capacidade, das condições de trabalho, e dos projetos
e interesses que polarizam o meio social. Além disso, a insegurança e incerteza
sobre se ainda estará no emprego na semana seguinte contribui para a opção da
luta individual pela sobrevivência no mercado.
Na sociedade da informação, aquele que exerce o trabalho intelectual
passa por um complexo de estranhamento e alienação, num contexto em que a
empregabilidade surge como “fetiche”, significando que no tempo livre do
trabalhador, ele deverá se qualificar e se preparar constantemente para trabalhar.
Este estranhamento/alienação se intensifica a ponto de desumanizar os atores,
levando-os a perderem o direito de viverem um sentido. A alienação acontece
quando há perca de unidade do trabalho que leva a separação absoluta do cenário
social. Já o contingente de trabalhadores desempregados demonstram sua
alienação através da rejeição da vida social, do isolamento, da apatia, do silêncio, da
violência e da agressão (PEREIRA, 2006, p.16).
51
Para o caso do sofrimento individual dos docentes universitários, esses
demonstram sua alienação pela apatia quanto ao quadro de gradativa depreciação
de suas condições trabalhistas. Esse estado de apatia parece ser condicionado por
algo - insegurança ou o medo da perda do emprego - que os leva a desconsiderar a
existência de meios que possam ser utilizados para manutenção e/ou
reestabelecimento dos direitos já conquistados. Nesse sentido, Antunes e Alves
(2004, p. 56) salientam que a desumanização segregadora leva, dentre outras
formas de exclusão social, ao isolamento individual, porém, conforme esse autor,
tais formas não podem ser vistas “meramente em termos de coesão social da
sociedade como tal, isoladas das contradições da forma de produção capitalista.”
Sob esse prisma é que devem ser analisadas as condições do trabalho docente em
relação ao estado de direitos conquistados através dos movimentos de classe.
Em resumo, por meio da revisão bibliográfica realizada neste capítulo, foi
possível alinhar os principais fatores macroambientes que influenciam as relações e
condições de trabalho dos docentes. Essa relação é possível, uma vez que esses
fatores estruturam, orientam e condicionam as bases da expansão mercadológica do
ensino. Entendidos aqui enquanto Estruturas Estruturantes - conforme conceito de
Bourdieu - podem ser identificados: nas ações neoliberalizantes por parte do Estado
em relação à educação superior, nas modificações havidas no mercado de trabalho
em função da flexibilização, na tendência pela ampliação dos métodos de
racionalização das gestões e na desregulamentação da legislação social dado a
flexibilização das leis trabalhistas.
Outra conclusão possível, a partir desta análise, é o peso individual das
condições macroambientes. Melhor explicando, o conjunto de condicionantes não
manipuláveis pelos sujeitos, quais sejam, as ações, orientações e tendências dos
agentes (grupos de interesses, Estado) que conduzem a estrutura política,
econômica e social, acabam por resultar invariavelmente em maiores cobranças e
exigências sobre o indivíduo. Neste caso, a sociedade, bem como, o docente em
IES privada, assimila passivamente a simbologia de que é preciso se qualificar para
participar (competir) no mercado local e global. Assim, o poder simbólico da palavra
“qualidade” assume variância também na palavra “qualificação”, enquanto credencial
de competitividade.
52
Sintetizando, as múltiplas pressões impingidas sobre o trabalho, carreiam
o sentimento de insegurança e o sofrimento individual. Esses sentimentos podem
potencializar o isolamento individual, se traduzindo na apatia e na alienação quanto
a interesses de classe. Isso parece se evidenciar no contexto da classe docente.
53
CAPÍTULO 2: ASPECTOS METODOLÓGICOS E ESTRATÉGIAS DE PESQUISA
A estruturação dessa dissertação foi elaborada a partir da revisão
bibliográfica que contemplou aspectos macros interrelacionados com as relações e
condições do trabalho docente. Com base naquela excursão teórica, é que se pôde
definir os capítulos consecutivos. De tal modo, para melhor compreensão das
análises que se seguirão, considerou-se necessário intercalar esse breve capítulo
sobre os métodos a serem utilizados para a análise dos dados coletados. Com essa
finalidade, os tópicos a seguir contemplarão tanto as estratégias e procedimentos
utilizados na investigação sobre as relações de trabalho nos processos, do terceiro
capítulo, quanto na pesquisa de representação a partir dos professores,
contemplada no quarto capítulo.
2.1 . Estratégias e procedimentos de pesquisa nos processos trabalhistas
Com base em autores que tratam sobre a jurisprudência (DINAMARCO,
2005; PAVANELI, 2010) esclarece-se que a justiça do trabalho é o órgão
competente para julgar todas as controvérsias e ações decorrentes da relação de
trabalho, na forma da lei. Nisso inclui as ações sobre a representação sindical, atos
decorrentes de greve, indenização por dano moral ou patrimonial resultantes da
relação de trabalho e questões relativas a penalidades administrativas de
fiscalização do trabalho. A justiça do trabalho, para cumprir sua finalidade, está
estruturada em três graus de jurisdição: Primeiro Grau (Varas do Trabalho);
Segundo Grau (Tribunais Regionais do Trabalho) e Terceiro grau (Tribunal Superior
do Trabalho).
Para facilitar a compreensão da análise, descreve-se a seguir, um
resumo do trâmite de uma ação trabalhista, demonstrando o andamento do
processo em suas fases principais, desde sua autuação até a determinação de
execução do processo. O início se dá quando o autor (reclamante) autua seus
pedidos, via petição inicial22, em uma Vara do Trabalho, onde o processo é
cadastrado. Então, a justiça do trabalho notifica o reclamado, devendo este
apresentar argumentos acerca dos pedidos do reclamante (PAVANELLI, 2007). A
partir disso, fica a cargo do juiz do trabalho julgar os pedidos do autor da causa na
22 Petição inicial é a representação física da fase inicial do processo, ou seja, instrumentalização escrita enquanto iniciativa de parte para a formação do processo (DINAMARCO, 2005, p. 45)
54
sentença judicial23, Em seguida, reclamante e reclamado, ao tomarem
conhecimento do julgamento, podem impetrar recurso, ou seja, um instrumento do
processo através do qual as partes contestam o julgado em sentença. As decisões
sobre os recursos são apresentadas na peça do processo denominada acórdão.
Quando não couberem mais recursos, o juiz determina a execução24 da sentença. É
quando são calculados os valores a serem pagos.
Para traçar o perfil das demandas trabalhistas no Estado de Goiás,
procurou-se identificar no SINPRO-GO os processos ajuizados na Justiça do
Trabalho relativos às década de 1980, 1990 e de 2000. Entretanto, pela dificuldade
de localização dos processos mais antigos, ainda não catalogados em sistemas
informatizados, e considerando o objetivo - traçar o perfil de demandas trabalhistas
para identificar as atuais condições e relações de trabalho do docente em IES
privada - reavaliou-se ser assaz suficiente traçar perfis de processos relativos à
última década, alguns dos quais estão também disponíveis no site do Tribunal
Regional do Trabalho (TRT- 18ª região).
Em se tratando de verificar reivindicações trabalhistas docentes por via de
processos movidos na Justiça do Trabalho, é necessário fazer esclarecimentos em
função das seguintes suposições: primeiro, a de que processos trabalhistas, pela
sua natureza, não gerariam informações suficientes para conclusões em uma
análise das condições e relações de trabalho do professor. Outra suposição se
refere à possível existência de conflitos e desentendimentos permeando a relação
de trabalho patrão-empregado, no encerramento do contrato, o que incentivaria a
abertura de processos carregados da intenção de “vingança” contra a instituição
demandada. Desse modo, podendo conter pedidos e exigências exacerbadas, de
forma a não representar a realidade.
Entretanto, há alguns argumentos que sem grandes dificuldades
desqualificam essas suposições. O primeiro argumento se relaciona ao fato de que
23
Objeto do processo de conhecimento “onde o órgão jurisdicional é chamado a julgar, declarando qual das partes tem razão” (CINTRA, 2007, p. 322). 24 Cintra explica que a função jurisdicional não se limita à emissão de sentença. Segundo esse autor “além de formular concretamente a regra jurídica válida para a espécie, em grande número dos casos é necessário atuá-la mediante providências jurisdicionais ulteriores destinados a modificar a situação do fato existente. Isso acontece sempre que a sentença haja reconhecido a existência de uma obrigação a ser cumprida pelo obrigado [...] do dever de realizar uma prestação” (CINTRA, 2007, p. 333), ou seja, alia-se à sentença a declaração à sanção, assim a execução tem o sentido de forçar o devedor à obrigação.
55
nem todas as demandas trabalhistas são oriundas de ‘demissão sem justa causa’,
fator que se suporia impulsionar possíveis ‘vinganças’ via processos trabalhistas.
Embora esse seja o tipo de desligamento mais recorrente encontrado nos processos
investigados, outros tipos também foram identificados, quais sejam: ‘demissão por
justa causa do empregador’ e ‘demissão a pedido do empregado’. Também foi
observada a existência de demandas com o motivo de ‘reclamatória trabalhista’.
Esclarece-se que, neste último caso, os demandantes não se encontravam em
processo de desligamento da instituição. Por outro lado, se considerarmos que o
sentido de ‘vingança’ é um incentivo à moção de processo trabalhista, levando
alguns professores a serem mais criteriosos na exigência de seus direitos de saída,
já se admite a possível existência de direitos que não foram negados ao docente
durante o tempo de contrato de trabalho, ou mesmo no momento de sua rescisão.
O segundo argumento se refere a fato de que, as alegações e pedidos
que sustentam a moção de uma demanda trabalhista são submetidos à
comprovação pela justiça. Caso os fatos não comprovem haver o fundamento das
reivindicações, a justiça indefere os pedidos, ou ainda, o ônus do processo pode ser
revertido a cargo do demandante, no caso, o professor. Além disso, se partirmos do
entendimento que as sentenças e decisões judiciais têm por finalidade julgar as
reivindicações que puderam ser comprovadas durante o trâmite judicial, melhor
dizendo, nos autos do processo, valida-se a expressão “quod non est in actis non est
in mundo” (CINTRA, 2007, p. 74), significando que “o que não está nos autos não
está no mundo”. Desse modo, o juiz só decide com base nos elementos existentes
no processo, mas os avalia conforme “critérios críticos e racionais” (op cit), qual seja,
aquilo que é tratado na legislação. Não cabe, aqui, aprofundar nos significados da
expressão, mas ante o questão que ora se discute, com base no exposto, no mínimo
ela pode colaborar com a idéia da probabilidade de se encontrar nos processos
trabalhistas encontrados no SINPRO-GO consideráveis indicativos sobre as reais
relações e condições cotidianas de trabalho dos docentes em IES privadas.
Nesse sentido, também é preciso ter em observância a existência de
penalidades por falsidade ideológica, o que pode ser tomado como um risco por
parte dos docentes, ou, um incentivo “moral” (LEVITT, 2005, p. 23) que, grosso
modo, também podem contribuir por revestir, em certa medida, as reivindicações do
professor em coerência com a verdade.
56
Por outro lado, quanto às suposições sobre a viabilidade da amostra de
processos não ser representativa da realidade, argumenta-se que, em vista das
dificuldades de se identificar no universo de processos trabalhistas os movidos por
professores de IES privadas junto ao TRT, optou-se por analisar os processos
encontrados no SINPRO-GO. Portanto, os dados obtidos em tais processos servirão
como indicadores complementares para o tema em questão, cujas análises são
orientadas também por outras formas de investigação, quais sejam, a bibliográfica e
a qualitativa.
Noutra linha de raciocínio, reivindicações trabalhistas logicamente não
são uma peculiaridade da educação no ensino superior privado, entretanto, como o
foco dessa pesquisa contempla a relação de trabalho do professor, se faz pertinente
uma verificação sobre essa questão em fontes de dados diretamente relacionados
aos conflitos trabalhistas, dentre estes, as demandas trabalhistas.
É ponto pacífico o entendimento de que as demandas trabalhistas dizem
respeito a relações de trabalho. A questão que se fez foi: como provar que os
pedidos e alegações das demandas trabalhistas de docentes em IES privadas têm
relação com a precarização do trabalho dessa classe? Difícil, então, seria provar a
relação correta de casualidade. Para provar a suposta relação entre as
reivindicações através da justiça do trabalho e a piora nas condições e relações de
trabalho, seria necessário um “evento exógeno” (HADDAD in LEVITT, 2005).
Hadadd explica que o evento exógeno é aquele que afeta a variável de estudo.
Conforme esse autor, podem ser “em geral mudanças de legislação ou outros
eventos do gênero que impliquem descontinuidades de comportamento” (op. Cit., p.
5). Esse evento exógeno, para fins deste estudo, poderia ser o próprio trato dado à
legislação trabalhista para a elaboração da sentença judicial com relação aos
eventos objetos da demanda trabalhistas, quais sejam, os pedidos e alegações do
demandante. Parte-se do entendimento de que sentença judicial modifica a situação
de cada caso em demanda pontualmente. A modificação se dá no sentido de que se
uma das partes em demanda tem razão, a outra parte necessariamente terá que
arcar com o ônus a partir do julgamento da justiça que gera solução para a situação
e põe fim ao conflito, embora essa modificação seja essencialmente devida a uma
condição imposta e não uma reação por expectativa, ou seja, de relação
equidistante entre o evento exógeno e a variável em estudo. Nesses termos, com a
57
frequência das modificações para vários casos obtidos em processos trabalhistas de
professores, acreditou-se, então, ser possível obter indicativos do quadro geral das
relações e condições do trabalho docente em pesquisa.
Considerando pertinente e oportuna uma investigação em processos
trabalhistas para obter indicativos das condições e relações do trabalho docente em
IES privadas, a pesquisa nos processos seguiu dois procedimentos: primeiramente
foram pesquisados 31 processos registrados na Justiça do Trabalho a partir do
SINPRO-GO, com período de início do processo registrado entre 2005 e 2009.
Nesta tarefa, realizou-se a tabulação estatística dos pedidos e alegações,
considerando-se as sentenças e decisões judiciais na análise do perfil das
demandas trabalhistas em questão. Num segundo momento, para a análise da
narrativa jurídica, a ser tratado no tópico 2.3, serão transcritos alegações e pedidos
de petições iniciais e argumentações das petições interlocutórias, bem como,
sentenças judiciais favoráveis ao reclamante. Os resultados podem ser apreciados
nas análises constantes no Capítulo 3.
2.2 . Estratégias e procedimentos da pesquisa qualitativa
Para ajudar na interpretação dos resultados sobre opinião do docente no
tocante ao seu trabalho, é preciso esclarecer como se deu a estratégia de pesquisa,
bem como, quais os critérios utilizados na definição da amostra. Além disso,
considerou-se importante relatar como foi a reação dos entrevistados no momento
de sua abordagem. Estes são aspectos deste estudo que se reservam a serem
tratados neste momento.
Recorreu-se ao método qualitativo, ambicionando contemplar a
experiência do indivíduo, sua percepção e sentimento com relação às condições e
relações de trabalho no contexto de racionalização das formas de gestão nas IES
privadas, ainda, frente aos condicionantes de mercado flexível e competitivo. A
pesquisa foi pautada na observação e pesquisa de campo, se deu via aplicação de
questionário a uma amostra de cinqüenta (50) docentes de instituições de ensino
privado em Goiás, filiados e não filiados ao SINPRO-GO.
A escolha e definição dos locais de pesquisa se deram sob três critérios
diferentes: primeiro, para aplicação da pesquisa selecionou-se instituições privadas
relativamente equidistantes na região metropolitana de Goiânia, e também uma
58
situada no interior do Estado. No interior destas instituições, para possibilitar
condições de privacidade, confidencialidade e evitar constrangimentos ao docente, a
escolha do local para responder o questionário ficou a critério do professor abordado
aleatoriamente. Dentre os locais escolhidos, citam-se as salas de aulas, no intervalo
das mesmas, nos corredores, lanchonetes e pátios externos, em um caso, na sede
da associação de professores de uma das instituições, ou mesmo na própria sala de
professores. Em segundo lugar, a opção de aplicar o questionário a docentes na
sede do SINPRO-GO levou em conta a possibilidade de comparecimento, neste
local, de docentes de diversas IES privadas do Estado de Goiás.
Por último, a aplicação de questionários a docentes em trânsito para uma
instituição de ensino no interior do Estado visou à ampliação da abrangência, na
amostra, de instituições de ensino situada em realidades diferenciadas. Neste caso,
os docentes responderam ao questionário em dois locais públicos enquanto
aguardavam o ônibus que os conduziriam à instituição. Tais critérios contribuíram
para a obtenção de uma amostragem diversificada de docentes em diferentes
realidades. No total, o questionário contendo trinta e oito (38) questões - dentre
estas 27 fechadas e 11 semi-abertas - abrangeu cinco (5) IES privadas do Estado,
sendo 3 delas situadas em Goiânia, 1 situada no entorno de Goiânia, e 1 sediada no
interior do Estado de Goiás.
TABELA 2.1
NÚMERO DE QUESTIONÁRIOS APLICADOS E ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DE IES PRIVADAS SELECIONADAS PARA A PESQUISA, GO, 2010.
IES* Organização
acadêmico/administrativa
Nº Questionários
Aplicados
Percentual
“Aprendizado” Faculdade
(Privada Particular) 11 22,4
“Conhecimento” Faculdade
(Privada Particular) 11 22,4
“Educação” Universidade
(Privada Confessional) 11 22,4
“Esclarecimento” Faculdade
(Privada Particular) 8 16,3
“Leitura” Faculdade
(Privada Particular) 8 16,3
Total 49 100,0
Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora. *Identificação convencionada.
Em função de que nem todas as IES pesquisadas deram anuência para a
pesquisa junto a seus professores, para resguardar a identidade das mesmas,
convencionou-se, para efeito desta pesquisa, suas identificações pelos codinomes:
59
“Aprendizado”, “Conhecimento”, “Educação”, “Esclarecimento, “Leitura”. Nesse
tocante, salienta-se que o propósito desta pesquisa é o de se obter dados gerais das
relações e condições de trabalho do professor de IES privadas em Goiás, e não o de
obter informações estanques quanto a uma ou outra instituição. Além disso, a
estratégia de pesquisa prima por não realização de comparativos entre as
instituições, por dois motivos: primeiro, dado a complexidade e ausência de
parâmetros eficientes de medição para uma relação comparativa sobre condições e
relações de trabalho entre as instituições; segundo, porque, de par do indicativo de
que os docentes teriam vínculo com mais de uma instituição, o questionário foi
elaborado de modo a contemplar principalmente essa situação.
Explica-se que a aplicação dos questionários se deu de forma aleatória
nos três turnos e que se obteve para cada instituição selecionada, no mínimo, 8
questionários respondidos. Ressalta-se que, em certos casos, o docente fez a
ressalva de que estaria avaliando outra IES com a qual também mantinha vínculo,
indicando-a no formulário, evitando relacionar a avaliação à instituição em que se
encontrava. As razões para esse comportamento vinculavam-se ao receio de
constrangimentos ou reprimendas por parte da IES avaliada, como se a auto-
avaliação das suas próprias condições e relações de trabalho fosse uma
contravenção à ordem organizacional vigente. Ordem na qual, o professor é que
deve se submeter às constantes avaliações e não o contrário. Essa ordem segue os
preceitos de habitus em Bourdieu (1994, p. 75), ou seja, faz manter a distância social
reafirmando as condutas exigidas para guardar “a distância social entre as posições
objetivas”, qual seja, a da relação conjuntural trabalho e capital, de modo a tornar as
coisas mais fáceis para o dominante, mantê-las no seu lugar, para manipulá-las de
forma estratégica e mesmo simbólica, conforme explica esse autor.
Resta salientar que da amostra de 5025 questionários considerados,
apenas seis (6) foram obtidos na sede do SINPRO, em três dias de pesquisa neste
local. O restante da amostra fora obtida no interior das IES selecionadas, sendo que
25 Muito embora um dos questionários tenha sido rasgado pela própria docente enquanto a mesma o respondia, o mesmo também foi considerado enquanto expressão do professor sobre as relações e condições de trabalho em que estava inserido. A inferência que se faz do comportamento da professora é a de que a mesma, mediante questionamentos que em maior ou menor medida significavam a expressão de sua realidade, sentiu-se pressionada sob coação de efeito moral, tanto por não querer mentir sobre os condicionamentos percebidos, quanto por medo de possíveis punições por parte da instituição, caso registrasse sua opinião no formulário.
60
em uma dessas instituições, 7 questionários foram aplicados a docentes na sede da
associação dos professores da mesma.
2.2.1 – A reação do professor em pesquisa
Ainda sobre o processo de aplicação dos questionários, é preciso
esclarecer que nem sempre os professores abordados se dispunham a preenchê-
los. Alguns, ao se disporem, se adiantavam: “vou responder, mas, por favor, que eu
não seja identificado”. No caso de abordagens feitas nas instituições, alguns
professores alegavam falta de tempo, outros, pediam para entregar depois, ainda
outros passavam os olhos pelas questões e se recusavam a respondê-las, alegando
que “se fossem começar a descrever as questões relativas às suas condições de
trabalho, o tempo necessário seria muito maior” (professor “A”)26. Houve um caso
em que ao começar a responder o questionário, uma docente aparentou estar
tomada de receios, e, transparecendo se sentir, de algum modo, pressionada, disse
que não poderia devolvê-lo respondido, pediu permissão e rasgou-o.
Entretanto, ressalta-se que, de modo geral, a receptividade dos docentes
abordados nas representatividades da classe mencionadas era bem diferente.
Alguns docentes não só se dispunham a responder de pronto o questionário, como
também se dispunham a sugerir bibliografias, dar sugestões e dicas para a
condução do trabalho de pesquisa. Consoante a essa postura, uma professora fez a
seguinte exclamação: “ou você veio no lugar muito certo ou muito errado para fazer
a sua pesquisa” (Professor “B”). Desta frase, inferiu-se que a professora fez
referência ao nível de consciência do docente que frequentava aquele ambiente,
uma Associação de Professores. E, ao que parece, sua intenção era de fazer um
alerta sobre a possibilidade do resultado da pesquisa ser parcial, tendencioso, em
função da dita consciência. Contudo, considerando que o percentual de docentes
entrevistados nas representatividades sindicais foi apenas de 26% da amostra total,
e, em se levando em conta que a pesquisa contemplou 5 instituições diferentes,
refuta-se a conjetura sobre a parcialidade da pesquisa. Nesse mesmo local, outro
professor orientou:
“Seria interessante se você abordasse professores em suas salas de aulas
[...] dê uma volta por aí [...] daí você perceberá que existe nesta instituição
26 Para preservar a confidencialidade e a privacidade do docente seus nomes não serão identificados.
61
uma grande proporção de professores substitutos, inclusive com
remuneração precária” (Professor “C”).
Não menosprezando a relevância de tal sugestão, esclarece-se que a
meta da pesquisa e os recursos escassos impossibilitaram a ampliação da amostra
para uma maior abrangência. No entanto, registra-se que a questão dos professores
substitutos embora precise ser melhor avaliada em outra oportunidade, numa ligeira
análise, é fácil de identificar essa estratégia enquanto mecanismo de redução de
custos com folha de pessoal e demais relações de trabalho. Porquanto, também se
apresenta como uma sobreimplicação do regime de contratação flexível dado seu
caráter temporário (MANCEBO, 2007). Nesse caso, adianta-se que seus reflexos
sobre a remuneração do professor são presumíveis em tendência de redução.
Considerações finais sobre o método e estratégias de pesquisas
Ressalta-se que o universo de estudo composto pelas instituições de
ensino superior privadas apresenta relativa abrangência em quantidade e em
diversidade de localização das mesmas, esse último aspecto já comentado. Quanto
à quantidade, somando-se as IES identificadas nos processos, mais as IES
identificadas a partir das pesquisas aos docentes, teremos uma abrangência
amostral de 11 IES privadas situadas no Estado de Goiás, alcançadas pela
pesquisa. Isso pode contribuir para a relevância dos resultados sobre o quadro das
relações e condições de trabalho docente evidenciado.
Em suma, colabora também para a ratificação da situação dos
retrocessos nas condições de trabalho dos professores, a complementaridade dos
métodos. Melhor explicando, os resultados estatísticos da investigação realizada a
partir dos processos trabalhistas foram reiterados pelos resultados obtidos com base
na aplicação de questionários aos docentes, ao modo de uma pesquisa
complementar, conforme o método de triangulação proposto por Denzin (2000).
Finalmente, é preciso registrar que os dados coletados, tanto da
investigação feita nos processos trabalhistas, quanto dos questionários aplicados
aos docentes das IES privadas, em pesquisa de campo, foram tabulados no
programa estatístico SPSS (Statistical, Package for the Social Sciences).
62
63
CAPÍTULO 3: ALTERNÂNCIAS CONJUNTURAIS E SUPRESSÃO DOS DIREITOS TRABALHISTAS DO TRABALHO DOCENTE EM IES PRIVADAS
Neste capítulo será feita, primeiramente, uma abordagem sobre a
evolução do movimento sindical da classe docente, mediante aspectos conjunturais
nas três ultimas décadas. Em seguida, a discussão perpassará questões pertinentes
ao arrefecimento da consciência de classe e os direitos trabalhistas. Por último, será
realizada uma avaliação sobre como a perda dos sentidos da legislação social afeta
as condições e relações de trabalho do professor a partir da análise de processos
trabalhistas.
Entendendo que, muito embora o trabalho tenha sofrido modificações sob
novos condicionamentos, ainda é um dos pilares na organização das sociedades e
influencia tanto no estabelecimento das relações sociais entre atores e grupos
quanto nas relações de poder. É assim que o trabalho enquanto integrante na
construção da identidade do sujeito se solidifica também nas relações sociais diárias
do professor, quais sejam, com seu alunado, com a instituição e com a sociedade
(PEREIRA, 2006). São intrínsecas a essas relações todas as implicações políticas
da atuação ou não atuação desse ator que, para além do cumprimento da missão de
exercer a docência, passa pelas condições e relações de trabalho de cada
instituição em que está inserido e alcança as Leis e diretrizes educacionais do
Estado em cada momento conjuntural.
3.1 – Conjuntura e representatividade sindical
Para uma melhor compreensão sobre o que influenciou e condicionou o
estado atual dos direitos trabalhistas da classe docente no setor privado, buscar-se-
á nos parágrafos que seguem, fazer uma breve análise sobre os aspectos
conjunturais e a atuação sindical nas três ultimas décadas.
Iniciando pela década de 1980, observa-se que este foi um período
efervescente de movimentos classistas no Brasil, em prol de reivindicações para a
área social que vinha sendo desprestigiada na agenda governamental. Segundo
Antunes (2001, p.238), nesse momento, houve um particular fortalecimento do
movimento sindical, enquanto representatividade das classes de assalariados
médios e do setor de serviços, bancários, médicos, funcionários públicos e
64
professores. No final dessa década, existiam 9.833 sindicatos no Brasil, e “em
meados dos anos 90 atingiu a casa de 15.972 sindicatos”, sendo que um dos
motivos desse significativo aumento foi a abertura política a partir da década de
1980.
Foi nesse contexto, em 1981, que surgiu a Associação Nacional dos
Docentes de Ensino Superior (ANDES), posteriormente transformada em sindicato
nacional, com a missão de organizar o conjunto de docentes das IES públicas e
privadas, encontrando maior força de representatividade nas públicas. Nessa
década, os docentes reclamavam sobre baixos salários, jornada de trabalho superior
ao tempo dedicado em sala de aula, e sobre o reconhecimento social da classe.
Entretanto, a docência se afigurava como uma forma de transformar a
realidade e mudar as novas gerações. Por esses motivos, conferia ao professor
satisfação e realização no exercício da docência. Nesse período, as características
do trabalho docente vinculavam: os currículos, o controle da sala de aula, a instrução
dos educandos, a especialização em seus respectivos conteúdos disciplinares, a
conquista do direito de se engajarem na elaboração de políticas educacionais
(PEREIRA, 2006).
Nesse sentido, a atuação da ANDES foi significativa para as
reivindicações da categoria e também para participação da mesma na vida social e
política nacional. Da sua atuação destaca-se: a luta pelo fim da ditadura e pelo
retorno do Estado de direito, participação e apoio à campanha das ‘diretas já’ em
1984, pressão na Assembléia Nacional Constituinte em prol dos direitos sociais
plenos de cidadania e adesão ao movimento pelo impeachment do presidente Collor
no início dos anos 90.
O viés de esquerda da ANDES a situava em defesa do bem público em
movimento antiprivatista, defesa da universidade pública e pela liberdade e
autonomia sindicais na década de 1980. Essa atuação sofreu recuo na década
subsequente. Por um lado, devido à reformulação ideológica, política e orgânica
ante a queda dos regimes socialistas na Europa, e por outro lado, devido à própria
força e exacerbação da ideologia do livre mercado e concorrência a partir dos anos
1990.
65
Assim, o cenário dos anos 9027 é caracterizado, conforme já discutido,
pela intensificação das políticas neoliberalizantes, pela reestruturação do mundo
trabalho pelo recuo do Estado em investimentos em políticas sociais e, por
conseguinte, na educação superior pública. As IES perdem o sentido de
universidade e principalmente as IES privadas se configuram como centros de
reprodução ‘acrítico’ da ciência e da tecnologia, cada vez mais empenhadas em
estratégias de fornecimento de cursos conforme o que se entendeu como as
demandas de mercado.
Nesse contexto, muitas das conquistas do profissional docente foram
perdidas, ao tempo que o professor se retira do centro dos debates sobre currículos
e sobre a elaboração da política educacional, e também sobre “o tipo de escola e de
sociedade para as quais os docentes trabalham” (PEREIRA, 2006). Neste ínterim,
aumentam as pressões sobre o trabalho docente que podem ser exemplificadas pela
intensificação de seu trabalho com ênfase na produtividade e exigências
consequentes do processo de avaliação pela qualidade, dentre outras formas que
podem significar exploração e piora nas condições de trabalho (FREITAS, 2002;
PEREIRA, 2006, p.31-33).
Conforme Pochmann (2002), nessa década, corroboraram para a
desmolarização do movimento sindical o baixo crescimento econômico, os níveis
elevados de desemprego e a conjuntura desfavorável. Além disso, também
contribuiu para o movimento de desindicalização, a redução do nível de emprego
assalariado, o processo de privatização dos serviços públicos que implicou em
aplicação de novas práticas de gestão da mão-de-obra, sub-contratação e maior
rotatividade nos postos de trabalho.
27 Conforme Pereira (2006) essa década é considerada a “Década da educação” e no conjunto das medidas tomadas pela “eficiência” na educação, leis foram criadas pressionando professores de ensino básico a se qualificarem até o fim da década. Tal medida se traduz em uma concepção utilitarista centrada na lógica das competências em detrimento de uma formação acadêmica científica. Isso resultou em favorecimento à lógica de mercado com forte impulso ao ensino superior privado. O Art. 62, do Título VI da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Artigo 87 dispõem sobre as exigências aos profissionais da educação quanto a pós-graduação necessária (ensino superior, mestrado ou doutorado) para exercerem sua profissão, abrangendo tanto docentes quanto profissionais administrativos da educação básica. Tais exigências, não obstante terem significado elevação da qualificação do professor, também contribuíram para expansão das instituições privadas de ensino, que passaram a investir em cursos de licenciatura.
66
O enfraquecimento do movimento sindical, bem como o da ANDES28,
também podem ser exemplificados pelo argumento de auto-afirmação desta última,
nas “Propostas para o setor dos docentes nas instituições particulares do ensino
superior (IPES)”, das quais destaca-se:
“1 A necessidade do Sindicato saber traduzir corretamente sua política de defesa
do ensino público e gratuito como não contraditória com os interesses dos
docentes das IPES. [...] 2- a responsabilidade da ANDES-SN em promover
atividades que analisem o crescimento do ensino público, suas causas e efeitos
na composição da Universidade Brasileira hoje, acumulando desta forma dados
que permitam um melhor diagnóstico qualitativo e quantitativo e a construção de
instrumentos para otimizar sua intervenção nas IPES; 3 - o estado atual do setor
das IPES, que teve papel decisivo na criação da ANDES, vem se tornando cada
vez mais inexpressivo no interior do Sindicato. Isto evidencia a necessidade
urgente de consolidação de uma política da ANDES-SN (que se pretende como
Sindicato representativo dos docentes dos três setores no ensino superior, em
nível nacional) que se justifica: a) pelo crescente esvaziamento do Setor, no
âmbito do Sindicato, decorrente, entre outros fatores, da repressão patronal à
organização dos docentes e da ação dos SINPROS (com raras exceções) junto ao
Setor; b) pela expressão numérica dos docentes das IPES, no conjunto dos
professores do ensino superior. 4 - a responsabilidade da ANDES-SN na
explicitação do papel dos docentes das IPES hoje, sua contribuição na construção
de um novo projeto político, bem como o espaço a ser ocupado pelas
Universidades Particulares neste projeto.” (ANDES, 1993, p. 63-64)
Pela narrativa supracitada, é possível perceber a preocupação da
instituição, com a falta de planejamento e integração nas políticas de expansão e
funcionamento das IES públicas em relação às IES privadas, o que também seria
causa do esvaziamento sindical. O trecho expressa a necessidade de a entidade
buscar uma fórmula de conciliar o suposto distanciamento de interesses existentes
entre os docentes de ensino público e dos docentes de ensino privado. Diga-se de
passagem, interesses estes, intrínsecos às próprias condições existenciais das
instituições, em tese, no caso da pública, voltada para o ensino pesquisa e
extensão, e no caso da privada, foco na finalidade lucrativa. A suposição de tal
distanciamento leva a crer que seria necessária para otimização da atuação da
Andes, uma investigação mais acurada no sentido de identificar em que ponto os
28 “As inúmeras tentativas de negociações têm produzido muito pouco resultado palpável, o movimento social organizado adota uma postura passiva, enquanto os conservadores ganham espaço cada vez maior no governo Itamar, mantendo a essência do projeto neoliberal.” (ANDES,1993)
67
interesses se interceptariam. Uma hipótese que se arrisca, nesse sentido, é a de que
esses interesses poderiam ser confluentes mais em relação a condições de trabalho
do que em relação de trabalho.
Conforme se percebe também pelo posicionamento da ANDES, houve, na
década de 1990, um arrefecimento do movimento da classe de professores,
principalmente no âmbito do setor privado de ensino superior, uma vez que estes
representavam a maior parcela dos filiados. Uma das explicações quanto à
inexpressividade dos docentes atuantes em IES privadas, segundo a própria
ANDES, se deveu dentre outras causas, à repressão patronal à organização dos
docentes. Essa constatação pode ser entendida também como um indicativo da
piora das relações de trabalho da classe a partir desse período.
Atravessada a década ‘globalizante’, no primeiro decênio dos anos 2000,
a universidade ou centros universitários29 se encontram meio a crise de autonomia e
legitimidade30 dentro de uma lógica econômica utilitarista, em ultima análise, na qual
prevalece a mercantilização do ensino. A crise se explica pelo fato de que o foco na
formação imediatista para o mercado e a primazia da eficiência intrínseca ao
processo de avaliação remete a um funcionalismo que distancia as IES da função de
ensino pesquisa e extensão, nas respectivas funções de apreensão, produção
científica e socialização dos conhecimentos. Desse modo, os atores das IES,
alunado e principalmente o docente, absorvem a crise institucional, que é oriunda da
crise da autonomia, e que está atrelada ao argumento de produtividade e ao sistema
de avaliação (controle) e ‘ranqueamento’ das instituições. Para o caso das IES
privadas, a natureza de investimento capitalista imprime-lhe autonomia e legitimação
da lucratividade via comercialização do ensino e subsume os esparsos debates
sobre a função social da instituição, quando estes conseguem suplantar a apatia do
docente. Desse modo, tais crises invariavelmente são absorvidas silenciosamente
29 A constituição brasileira define as universidades como instituições autônomas voltadas ao ensino pesquisa e extensão. Nesse sentido, apenas em torno de 7,8% (178) das IES podem ser consideradas universidades. As demais são organizações acadêmicas denominadas centros universitários e faculdades. (MEC/INEP, 2007)
30 Se relacionam aos questionamentos que a universidade realiza em debates sobre sua função social contrapondo questões como: teoria e prática, educação e trabalho, alta cultura e cultura popular, educação formativa e adestramento de atores, questões inerentes a autonomia/identidade; hierarquização e democratização, questões inerentes a legitimação. (PEREIRA, 2006)
68
pela função docente - profissionais flexíveis às novas realidades - ampliando-lhes o
fosso de vulnerabilidade, e em certos casos, de medo, insegurança e estresse.
A análise das três décadas permite ratificar o diagnóstico de
esvaziamento do movimento sindical identificado por outros autores (POCHMAN,
2002, ANTUNES, 2006). Enfraquecimento este, admitido pelas próprias entidades
representativas, conforme se observou na narrativa da ANDES, que explicitam os
motivos justificadores da tendência dos sindicatos se concentrarem apenas em
posição de negociadores e fiscalizadores quanto a proteção dos direitos já
adquiridos. Passando a primar apenas pela ampliação de postos de trabalho e
qualificação profissional em detrimento da ampliação e manutenção das conquistas
trabalhistas, são fortes indicativos de que as condições e relações de trabalho
pioraram gradualmente a partir da década de 1990.
3.1.1. Consciência de classe e enfraquecimento sindical
Sob o entendimento de que a conquista ou manutenção dos direitos
trabalhistas possuem relação direta com a maior ou menor mobilização social das
classes, passa-se a seguir a uma breve explanação quanto aos aspectos políticos e
econômicos refletidos na consciência de classe e, por conseguinte, nos sindicatos.
Não obstante ao fato de o sindicalismo estar dando mostras de re-
fortalecimento em alguns setores, embora sem tanta expressividade quanto há 20
anos atrás31, as pressões no mundo do trabalho docente nos anos 2000,
especialmente no âmbito da IES privadas, parecem não terem dado espaço para o
afloramento da consciência de classe. De outro modo, o esvaziamento do sistema
de relações de trabalho propiciado pela conjugação de políticas neoliberais de
reconversão econômica, concorrência intercapitalista e reformulação do papel do
Estado, terminaram por “retirar parte importante do sentido estabelecido pela
legislação social e trabalhista desde a década de 30” (POCHMANN, 2005, p. 165).
Segundo Pochmann, por meio de modificações pontuais e anestésicas, a legislação
31 “A taxa de sindicalização entre os trabalhadores está próxima de 20%, superior ao vale de 15% dos anos 1990, mas ainda abaixo dos 30% que alcançamos na década de 80. [...] O sindicalismo hoje não é mais tão assentado em greves, como era há 20 ou 25 anos. Em 1989, chegamos a ter mais de quatro mil greves realizadas no Brasil. O sindicalismo hoje converge em grandes temas, como o fortalecimento do salário mínimo, do reajuste na tabela do Imposto de Renda, na atuação mais ativa na ampliação dos benefícios da Previdência, o que aproximou os sindicatos dos aposentados.” (POCHMANN, 2010).
69
trabalhista vem sendo alterada, colaborando para reduzir ainda mais a eficiência do
sistema nacional de relações de trabalho.
“Dessa forma, a norma jurídica reguladora do emprego e das relações de trabalho
formal ficou prejudicada, sem a presença do diálogo e parceria na identificação de
problemas e de caminhos alternativos à profunda modificação no estatuto do
trabalhador brasileiro” (POCHMANN, 2005. p. 171)
O mesmo autor chama a atenção para o fato de que parte importante do
programa de reformulação governamental da legislação trabalhista vem sendo
realizada por medida provisória, com pouco debate no interior da sociedade e sem a
necessária integração dos atores sociais.
Mediante esse histórico do movimento trabalhista, infere-se que a
situação de acomodação sindical reflete o comportamento da classe trabalhadora.
Especificamente, no caso da ANDES e representatividades correlatas, o
enfraquecimento também é resultado da apatia da classe docente, que se encontra
encurralada diante das imposições das condições e relações de trabalho em que
estão inseridas no mercado, naturalizando em seu cotidiano os valores que
constituem a cultura institucional de mercantilização do ensino, daí o
desenvolvimento de uma “sociabilidade produtiva e reducionista” (SILVA et. al.,
2010). A vulnerabilidade dessa classe acaba por conduzir as ações de natureza
defensiva, conforme já exposto, por parte de sua representatividade sindical,
distanciadas do intento de modernizar o sistema de relações de trabalho.
3.1.2 – Flexibilização e desregulamentação dos direitos do trabalhador
O direito do trabalho evoluiu destacadamente, também no Brasil, no pós
segunda guerra, quando, conforme Silva (2007), uma prosperidade econômica
suscitou a ação do Estado no sentido de fazer regulamento mais detalhado das
condições e relações de trabalho, a fim de forçar as partes (empregador e
empregado) a buscarem soluções para os conflitos trabalhistas.
Dedecca (2010, p.6) aponta que “três dimensões marcaram o regime de
regulação construído a partir do final século XIX” dado a ação do Estado, que no
século XX se expandiram e se consolidaram fortalecendo os direitos trabalhistas,
quais sejam: 1) contrato e relações de trabalho, contemplando, definição do salário
mínimo, jornada semanal de trabalho, descanso semanal, direito as pausas e
70
descansos durante a jornada diária de trabalho, controle do despotismo e do uso do
trabalho da mulher, proibição do trabalho infantil, restrições a demissão, controle das
condições de trabalho; 2) proteção social e do trabalho, contemplando, políticas de
previdência, seguro desemprego, qualificação profissional, saúde, educação, água e
saneamento, transporte, habitação; 3) direito de representação, organização e
democracia, contemplando negociações coletivas, contribuindo para a definição de
normas e regras básicas para a contratação e uso do trabalho e o surgimento de
novas instituições políticas significantes da democratização do Estado e de suas
funções. Entretanto, com o advento da reestruturação produtiva, a
heterorregulação32 foi criticada enquanto provocadora da rigidez da legislação e
entrave ao desempenho concorrencial. Sob o pretexto de que uma maior
flexibilidade nas normas trabalhistas seria o caminho para a adaptação do país à
concorrência internacional, enfatizou-se a necessidade de um ordenamento jurídico
flexível sobre as questões trabalhistas.
Segundo Dedecca (op cit), uma crise no desenvolvimento capitalista na
década de 70 foi acompanhado de uma desvalorização progressiva do trabalho e
esgotamento do regime de regulação pública, desconfigurando, a partir daí, as três
dimensões de regulação do trabalho conquistado no pós-Segunda Guerra. Além
disso, as transformações produtivas permitidas pelas inovações técnicas e
organizacionais destituíram, progressivamente, a densidade do contrato de trabalho
por tempo indeterminado, instabilizando a forma de relação de trabalho. A
terceirização e a polivalência deram, sob o escopo de progresso técnico à empresa,
maleabilidade da gestão do trabalho segundo seus interesses, se impondo como
condição de emprego. “Do ponto de vista dos trabalhadores, passou a ser
fundamental defender a simples situação de emprego, perdendo espaço as
demandas33 relativas às condições de trabalho” (op cit, p. 11). Desse modo, tais
autores trazem o conceito de flexibilização intimamente ligado ao de
desregulamentação, ou seja, a desregulamentação dos direitos trabalhistas é o
32 Referente a regulação das relações e contratos econômicos de natureza exógena (heteronomia) ao processo produtivo (DEDECCA, 2010). 33
Dinamarco explica que a “A iniciativa de parte, exigida para a formação do processo civil, chama-se demanda. Demanda é o ato com que se pede uma providência jurisdicional ao juiz; é o primeiro ato do processo, sem o qual ele inexiste”. (DINAMARCO, 2005, p. 45)
71
processo pelo qual os mesmos são derrogados, solapados pela flexibilização das
leis trabalhistas.
De forma semelhante, a essa descrita, depreende-se que os aspectos
estruturais e conjunturais, que suscitaram a desregulamentação dos direitos em
meados da década de 70, retornam ao cenário e parecem contribuir por intensificar a
partir da década de 90, no Brasil, a expansão do processo de flexibilização do
trabalho, afetando, assim, as relações de trabalho em diversos setores, tal como o
do trabalho do docente em IES privadas em variados aspectos, conforme se
observará adiante.
3.2 - Condições e relações de trabalho do professor: análise de processos trabalhistas
Para demonstrar de forma mais evidente os desafios do trabalho docente
nas IES privadas, nesta parte dedicaremos a buscar indicativos sobre a perda de
eficácia da legislação social. Tal situação afeta as condições e relações de trabalho
do professor, face às modificações no mundo do trabalho e à mercantilização do
ensino superior. Para realizar esta parte do trabalho se pretende reconstruir
contextos de confrontos a partir da análise de processos34 trabalhistas. Nesse
sentido, é que se fará aqui uma abordagem geral sobre a correlação entre as
reivindicações trabalhistas das relações de trabalho mediados pela justiça do
trabalho. Para cumprir essa tarefa, será traçado o perfil das demandas trabalhistas
seguida de uma análise de categorias convencionadas a partir de pedidos e
alegações docentes, identificados nos autos dos processos.
Uma característica importante que marca a atuação sindical brasileira no
período recente, conforme Pochmann (2005, p. 174) é o aumento na quantidade de
conflitos trabalhistas individuais e coletivos mediados pela justiça do Trabalho35. O
crescimento de processos trabalhistas ajuizados na Justiça do trabalho a partir da
década de 90, indicou, segundo esse autor, uma mudança na forma de
34 Conforme Dinamarco, “Processo é um vocábulo que indica a idéia de caminhar, caminhada. A forma latina pro-cessus tem precisamente o significado de caminhada adiante. O processo é, por esse aspecto, um percurso que vai do ato inicial de sua formação ao provimento final que o juiz emitirá sobre a pretensão trazida a exame.” (DINAMARCO, 2005, p. 25)
35 O sistema de julgamento dos processos trabalhistas conta com a participação de juízes do trabalho, responsáveis pela administração dos conflitos individuais e coletivos: juízes togados (concursados) e juízes classistas (oriundos do meio sindical e patronal). E é formada por instâncias tripartites no plano local, estadual e federal (POCHMANN, 2005).
72
posicionamento dos sindicatos patronais e de trabalhadores que eram favoráveis ao
distanciamento da justiça externa nas relações de trabalho.
Este autor aponta dois possíveis motivos para a ampliação do
envolvimento do poder judiciário nas relações de trabalho (individuais e coletivas)
que indicam modos diferentes de subtração dos direitos do trabalhador. Em primeiro
lugar, que esse aumento tem relação direta com a taxa de desemprego e com a
expressão do poder relativo dos empregadores. Bem por esse motivo, passou a
haver uma maior frequência de trabalhadores demitidos recorrendo a Justiça do
Trabalho, em busca de algum direito não atendido durante o período de contrato de
trabalho ou no rompimento do mesmo. A postergação de pagamentos de verbas
rescisórias, transferindo a decisão para a justiça do trabalho acaba por favorecer aos
empregadores, dado que o julgamento final de um processo trabalhista pode chegar
a “6 anos no Brasil”36 (cf. POCHMANN, 2005). Em segundo lugar, a procura pela a
Justiça do Trabalho pode ser creditada à ausência de diálogo mais amplo no local
de trabalho e à pouca transparência nas negociações coletivas, o que pode significar
um baixo nível de relacionamento, ou melhor, distanciamento entre empregador e
empregado, capital e trabalho.
Essa externalização dos conflitos trabalhistas, aumentando a procura
pela a Justiça do Trabalho para mediação dos conflitos entre empregados e
empregadores de IES privadas, é também uma indicação ao processo de
enfraquecimento da força sindical, já que a resistência empresarial quanto ao
pagamento dos direitos trabalhistas é entendida como inerente ao constante
interesse de redução de custos por parte do capitalista. As resistências à
negociação ou à aplicação de cláusulas pertencentes aos acordos e convenções
coletivas de trabalho não deixam outra alternativa, senão a busca por solução na
Justiça do Trabalho.
36 Considerando que essa é uma informação relativa à média para o Brasil, é preciso levar em conta que esse tempo pode variar em função da demanda e das estruturas dos tribunais locais. Como exemplo, o TRT do Paraná publicou que o seu tempo médio gasto para resolução dos processos em 2009 era de 335 dias (POPULAR, 2010). Não foi identificada estatística semelhante publicada pelo TRT de Goiás.
73
3.2.1 – Perfil das demandas trabalhistas de Docentes em IES privadas
As condições e relações de trabalho do profissional docente em IES
privadas têm apresentado, sob constatação empírica, gradativa precarização. Como
forma de identificação do estado de perda de sentido dos direitos trabalhistas
constituídos, realizou-se, conforme análise que se seguirá, uma investigação em
processos trabalhistas. A proposta de investigação, aqui, contemplará as seguintes
etapas: primeiramente a de identificar o perfil das demandas trabalhistas; em
seguida, a de sistematizar e catalogar por categorias as alegações e pedidos, bem
como as sentenças judiciais relativas a estes; e por último, a de identificar na
narrativa jurídica constante nos autos dos processos pesquisados, as leis que
fundamentavam os direitos reivindicados.
Antecedendo à análise dos processos, observou-se que existia, até
mesmo por parte dos colaboradores do SINPRO-GO, o senso comum de que as
demandas trabalhista contendo, por excelência, reivindicações apenas de “cunho
salarial”, não poderiam expressar grande avanço nos estudos sobre a precarização
das condições de trabalho do docente. Levando em consideração essa observação,
um primeiro procedimento que se ponderou necessário para a viabilização da
análise, foi o de identificar quais seriam os tipos e as incidências das reivindicações.
A resposta a essas questões estão expressas na Tabela 3.1.
A variedade de tipos de reivindicações obtidas nos 31 processos
analisados e explicitados na referida tabela, contradizem por si só a impressão de
que no perfil das demandas trabalhistas preponderaria apenas reivindicações de
cunho remuneratório salarial.
A partir do estudo, pode-se observar que as reivindicações encontradas
nos processos perpassam desde questões afetas a direitos básicos de seguridade
social, até horas de trabalho extraordinário não remuneradas pelo empregador.
Questões que numa análise mais aprofundada, chegam a afetar a condição de vida
do docente, representando desse modo, mais que mera perda de valor real do
salário.
74
TABELA 3.1
ALEGAÇÕES E PEDIDOS RECLAMADOS CONTRA INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR PRIVADAS, SINPRO-GO, 2005-2009
37
Fonte: SINPRO-GO/TRT 18ª região (dados tabulados pela autora)
De outro modo, a descrição dos pedidos e alegações são orientados,
inicialmente pela noção que os docentes possuem de seus direitos. O nível de
conscientização do docente sobre seus direitos é o fator que os move a buscar o
sindicato ou não, para reivindicá-los, ou mesmo, se esclarecer sobre eles. Essa
reflexão suscita a seguinte indagação: é possível que a apatia da classe docente
mediante a precarização de seu trabalho, bem como o seu afastamento da
37
Quanto aos pedidos relativos à ”arcar com custas processuais e Justiça gratuita” constante em
quase todos os processos, optou-se por não expô-lo na tabela sob o entendimento de que o mesmo não possui correlação direta com o contexto de relações e condições de trabalho docente vivenciadas pelo professor.
ALEGAÇÕES E PEDIDOS
Incidência (%) Amostra
total (%)
Deposito FGTS em atraso 20 64,5 31 100,0% Liberar TRCT pelo código zero um 11 35,5 31 100,0% Recolher Contribuições Previdenciárias 8 25,8 31 100,0% Anotações de contrato de trabalho na CTPS 6 19,4 31 100,0% Pagar salário retido (incluindo 13º retido) 9 29,0 31 100,0% Pagar verbas rescisórias e correções salariais 10 32,3 31 100,0% Pagar diferenças de verbas rescisórias 9 29,0 31 100,0% Pagar diferenças salariais (Conv. Coletiva) e reflexas 9 29,0 31 100,0% Pagar repouso semanal remunerado 2 6,5 31 100,0% Pagar férias não concedidas no prazo legal 9 29,0 31 100,0% Pagar férias em dobro (não concedidas) 5 16,1 31 100,0% Pagar recesso escolar 1 3,2 31 100,0% Pagar aula "magna" 1 3,2 31 100,0% Pagar multa por atraso no pagamento verba rescisória 12 38,7 31 100,0% Pagar multa por atraso depósito de FGTS 11 35,5 31 100,0% Pagar multa por atraso no pagamento de salários 5 16,1 31 100,0% Pagar reuniões acadêmicas extraordinárias 6 19,4 31 100,0% Pagar horas de atividades extraordinárias 4 12,9 31 100,0% Pagar horas de orientação/aulas de substituição 3 9,7 31 100,0% Pagar hora de atividade e dedicação a pesquisa 1 3,2 31 100,0% Pagar adicional de titulação (mestre ou doutor) 4 12,9 31 100,0% Pagar indenização por danos morais 4 12,9 31 100,0% Nulidade da dispensa e reintegração 1 3,2 31 100,0% Irregularidade na dispensa do reclamante 1 3,2 31 100,0% Aumento carga horária sem remuneração compatível 2 6,5 31 100,0% Redução ilegal da carga horária 4 12,9 31 100,0% Redução da remuneração (decorrência de junção de turmas)
1 3,2 31 100,0%
Não oferecer carga horária 1 3,2 31 100,0% Pagamento por meio de recibos não contabilizados 2 6,5 31 100,0% Indenização por uso indevido de Imagem 1 3,2 31 100,0% Reconhecer a titulação e promover (Plano Carreira) 2 6,5 31 100,0% Reajustar salários dos docentes 1 3,2 31 100,0%
75
representatividade sindical, sejam provocadas também pelo baixo nível de
informação sobre seus direitos trabalhistas?
Para essa indagação algumas possíveis respostas precisam ser
consideradas a partir da análise dos dados da Tabela 3.1. Numa primeira resposta
hipotética, a tirar pela incidência dos pedidos registrados na petição inicial,
expressamente concentrados na questão de seguridade social (depósito de FGTS)
em relação à incidência de pedidos sobre, por exemplo, reajuste salarial ou redução
da remuneração em função da redução de turma, poderia ser feita a inferência de
que não haja agravamento das condições trabalho docente em função da
mercantilização do ensino superior privado.
Numa segunda hipótese, adversa à primeira, é possível que a incidência
das reivindicações possam estar camuflando o que a variedade das mesmas está
sinalizando: a existência de diversas formas de precarização do trabalho docente em
IES privadas. Melhor dizendo, pode ser que haja realmente o agravamento das
relações e condições de trabalho, mas, por algum motivo os docentes não estão
reivindicando seus direitos. Ou pelo menos, as petições realizadas através do
SINPRO-GO, não contemplam com grande frequência, a diversidade de
reivindicações trabalhistas. Nesse caso, deve-se ainda considerar, conforme propõe
Pochmann, que dado as pressões do mercado de trabalho, os empregados se
afastaram da representatividade sindical, ou seja, os professores primam por se
abster dos direitos para manter seus empregos.
A partir dos dados, a suposição de que existe certa insuficiência de
informação, por parte do professor, sobre a plenitude de seus direitos trabalhistas
quanto às condições e relações de trabalho cotidianas, também pode ter
fundamento. A desinformação pode impedir que o mesmo entenda como e quando
tais direitos foram ou estão sendo suprimidos. Isso também pode implicar em
dificuldades de contemplação de todos os direitos quando da elaboração das
alegações e pedidos para o caso de uma demanda trabalhista.
Contudo, estas suposições suscitam outras formas de pesquisa para
serem elucidadas. As análises que seguem sobre o perfil dos processos e, a
investigação qualitativa do capítulo III, poderão contribuir para o esclarecimento das
mesmas.
76
Para traçar o perfil dos processos trabalhistas registrados no SINPRO-
GO, inicialmente analisou-se os pedidos e alegações no formulário preenchido pelos
docentes universitários que buscaram a instituição para reivindicar seus direitos. Em
seguida, extraiu-se da petição Inicial de cada processo, os pedidos e alegações do
Docente demandante, conforme se observou na Tabela 3.1. Explica-se que na
petição inicial, que é a primeira peça dos autos do processo, os pedidos e alegações
são expostos. O reclamante relaciona os fatos causadores dos pedidos e das
alegações com as leis preteridas, geralmente citando-as.
Num terceiro momento, passou-se à breve leitura de petições
interlocutórias, visando um melhor entendimento sobre as decisões judiciais nos
processos. Em quarto lugar, fez-se detalhadamente a leitura das sentenças judiciais.
Ressalta-se que, nesta fase da análise, contemplou-se as decisões do Juiz quanto a
cada pedido e alegação apresentados na petição inicial, com observância ao
argumento de referência à infringência ou não à lei que garante direito ao
profissional docente. Por último, passou-se a leitura da decisão disposta nos
acórdãos, em caso da existência de recursos.
Considerando que a análise das sentenças judiciais possa contribuir para
ratificar a hipótese de precarização das condições e relações do trabalho docente
em IES privadas, não se deve negligenciar que as mesmas possuem fundamento
idiossincrático, são carregadas de julgamento de valor. Melhor dizendo, os juízes
elaboram suas sentenças conforme percebem os fatos a partir: da análise que
fazem da coerência dos pedidos e alegações mediante a lei, da apresentação de
provas, da argumentação da defesa em contraposição à argumentação da
acusação, e das falas dos envolvidos no processo (reclamante e reclamada), bem
como, de suas testemunhas. Portanto, pedidos e alegações com fundamentos
circunstanciais semelhantes podem ser sentenciados de forma diversa e até
contrárias por juízes diferentes.
Essa constatação traz a inferência de que mesmo que os pedidos e
alegações sejam julgados desfavorecendo ao reclamante, os mesmo podem ser
correspondentes a realidade vivida pelo professor, mesmo não sendo interpretado
dessa forma pelo juiz. Por outro lado, infere-se também que se dá em menor
incidência, os casos em que os pedidos com julgamento desfavorável à reclamada
77
não possuam fundamento real, já que as sentenças são firmadas com base também
em comprovações e é facultado à reclamada provar o contrário.
Para facilitar a compreensão dos procedimentos de tabulação dos dados,
explica-se que foi identificada nas decisões dos juízes e nas sentenças judiciais, a
utilização dos termos: ‘julgo procedente’ (ou termos sinônimos), quando há
entendimento de que o pedido ou alegação é procede em infração à lei ou direito do
docente; ‘julgo improcedente’ (ou termos sinônimos), quando há entendimento de
que o pedido ou alegação não é procedente quanto à infração à lei ou direito do
docente.
Resta pontuar que ao final das sentenças também foram identificados os
termos de julgamento do processo como um todo, quais sejam: ‘julgo procedente em
parte’, ‘julgo procedentes os pedidos’, ‘denego os pedidos’, ‘julgo parcialmente
procedentes os pedidos’. Entretanto, essa nomenclatura não foi utilizada para a
análise e tabulação dos dados uma vez que o julgamento de cada pedido foi
analisado isoladamente conforme a narrativa do juiz no trato a cada pedido e
alegação na sentença. Ademais, enfatiza-se ainda que, os resultados tabulados
quanto ao julgamento de ‘Procedente’ e ‘improcedente’ se referem às sentenças e
decisões judiciais do processo, em casos de demandas que chegaram até esse
“trâmite” (fase). Fato é que alguns processos trabalhistas tiveram o desfeche
conduzido via acordo entre as partes; ainda, outra parte da amostra se encontrava
na condição de ‘aguardando julgamento’ no momento da análise.
Para delinear o perfil das demandas trabalhistas no enfoque das
condições e relações de trabalho docente, agrupou-se os pedidos e alegações
encontrados nos processos, o que urgiu convencionar as seis categorias expressas
na Tabela 3.2. Tais categorias relacionam as alegações e pedidos referentes a:
titulação; carga horária; trabalho extraordinário; férias e descanso remunerado;
direitos previdenciários e de seguridade social.
Essas reivindicações são as que com maior frequência se identificou nos
processos, e foram contadas e tabuladas conforme as decisões de sentença judicial
que as classificaram como ‘procedente’ ou ‘improcedente’. Além disso, também
foram contados e tabulados os casos em que os pedidos e alegações tinham
decisão condicionada pelo estágio do processo, ou seja, ‘aguardando Julgamento’
78
ou condicionada pelo desfecho do processo pautado na realização de ‘acordo entre
as partes’.
TABELA 3.2 AGRUPAMENTO DE PERFIS DE ALEGAÇÕES E PEDIDOS EM 31 PROCESSOS TRABALHISTAS, SINPRO-
GO, 2005-2009
Categorias de principais Alegações e Pedidos
Procedente
Improcedente
Acordo
Suspenso
Aguardando
Total
1 Adicional de Titulação
4 2 0 0 0 6
2 Carga horária e sua remuneração
5 2 1 0 0 9
3 Trabalho extraordinário não remunerado
5 3 1 3 2 14
4 Recebimento de férias, descanso semanal e 13º
14 4 2 2 3 26
5 Diferenças salariais, rescisórias e de reajuste salarial
12 6 9 0 7 34
6 Direitos de seguridade social, previdenciários e multas
30 11 13 3 16 73
Total
70 28 26 8 28 162
Fonte: SINPRO-GO/TRT 18ª região (dados tabulados pela autora)
Dos dados tabulados conforme as categorias convencionadas, são mais
expressivos os que indicam reivindicações quanto a direitos de seguridade social,
previdenciários e multas, que somam 73 casos. Esses direitos representam o maior
percentual das categorias isoladas, ou seja 45% do total de 162 casos, significando
também a categoria isolada com maior parte de casos julgados procedentes.
Entretanto, é preciso destacar que os direitos descritos na categoria
relativa à previdência e seguridade social, certamente não podem ser
desconsiderados quando se quer avaliar a perda de eficácia da legislação social,
contudo, destaca-se que estes são direitos previstos especialmente para o pós
encerramento da relação de trabalho do professor com a instituição. Por esse
motivo, podem não ser tomados como indicador ideal para entender as relações e
condições trabalho durante o tempo de prestação de serviços do docente à
instituição, muito embora estejam também correlacionados a esse período.
De tal modo, infere-se que das categorias agrupadas, as que mais afetam
o cotidiano do professor em suas condições e relações de trabalho são as quatro
categorias destacadas de 1 a 538, na tabela. Nestas categorias tem-se as
reivindicações relacionadas à possível não concessão de adicional de titulação,
38 Para efeito desta pesquisa, as diferenças “rescisórias”, apesar de representar fração de remuneração a ser paga também após o fim da relação trabalhista, foi disposta na categoria 5 por se referir à direitos trabalhistas de remuneração que não foram repassados mensalmente durante o período de labor na instituição, significando subtração da renda mensal do profissional docente.
79
carga horária não remunerada, trabalho extraordinário não remunerado, supressão
do direito de férias, de descanso semanal remunerado e de décimo terceiro, e ao
não repasse de diferenças e reajustes salariais. É necessário considerar que a
afetação destes direitos sobre o trabalho do docente é de grande relevância, pois
influenciam cotidianamente no seu nível de bem estar necessário a uma adequada
condição individual de trabalho.
Retornando aos dados da tabela, ao agrupar-se as categorias de 1 a 5,
obteremos da soma dos totais, 89 casos de pedidos e alegações, enquanto que a
categoria 6 representa 73 do total de 162. Ressalta-se ainda que, a maioria, ou seja,
57,1% dos casos julgados procedentes têm implicância direta na renda mensal e no
bem estar cotidiano do professor. Melhor explicando, o agrupamento de casos
considerados como de afetação direta sobre trabalho cotidiano dos docentes,
representam a maioria de casos julgados procedentes em infração ao direito do
professor.
Em outra análise, se somarmos o total de frequências julgadas
‘procedentes’, mais as frequências de acordos identificados na amostra analisada,
teremos um total de 96 pedidos e alegações. Isso quer dizer que em torno de 60%
dos 162 casos de reivindicações dispostos nesta tabulação, o direito adquirido ou
mesmo a expectativa de direito, podem ter orientado a restituição dos direitos ao
reclamante, indicando que as reivindicações dos professores eram coerentes e seus
direitos estavam sendo subtraídos. Neste caso, leva-se em consideração que a
expectativa de direito refere-se à mera expectativa de usufruir direito no futuro e este
parece ser um fator que pode ter motivado as partes, reclamante e reclamada, a
realizarem os acordos, que conforme Mota (2006), por mais de um motivo e na
maioria das vezes, tais acordos podem gerar prejuízos para o empregado39
reclamante.
39 Juridicamente a questão dos acordos pode ser entendida conforme segue as explicações de Mota, 2006 “Assim, os empregadores ávidos por obtenção da eficácia de indiscutibilidade da quitação que vier a lhes ser passada pelos seus ex-empregados tomam a iniciativa de ações trabalhistas simuladas, para as quais se prestam os trabalhadores carecedores do recebimento das importâncias que lhe são devidas, ainda que não estejam em conflito com o empregador. Nesse primeiro caso, consideramos a hipótese de a intenção do empregador ser apenas de obter a garantia da coisa julgada. Ou seja, ele paga, em razão do acordo celebrado na Justiça, os direitos trabalhistas relacionados na inicial com as quantias realmente devidas. Essa não é a situação mais comum nas ações simuladas, todavia. Na outra hipótese, os empregadores constrangem os seus empregados a aceitar a simulação do litígio com o fim também de violar direitos trabalhistas. A petição inicial do trabalhador, nesse caso, cobra do
80
A motivação para o acordo pode ser entendida, de um lado, por parte do
reclamante, pelo receio da expectativa de direito não se concretizar em direito
adquirido. Por outro lado, por parte da reclamada, o motivo para a realização do
acordo pode ser o fato de a expectativa de direito do demandante vir a se
concretizar em direito adquirido, no desenrolar do processo, implicando em maiores
ônus para a mesma.
É preciso deixar claro, entretanto, que os termos jurídicos tratados nesta
análise, são utilizados apenas no sentido de elucidar questões referentes às
condições e relações de trabalho do professor. Portanto, não se pretende aprofundar
em méritos ou teses pertinentes a jurisprudência, uma vez que isso exige estudos
mais aprofundados na área.
Retomando o foco da análise, destaca-se que em todos os agrupamentos
da Tabela 3.2, o somatório dos pedidos e alegações julgados ‘procedentes’ mais os
da condição ‘acordo’ identificados na amostra de processos é superior ao somatório
das classificações de ‘improcedentes’, ‘suspenso’ e ‘aguardando’. Além disso, é
preciso pontuar que o número de alegações e pedidos considerados ‘improcedentes’
e ‘suspensos’ foi bem inferior. Finalmente, os dados analisados aqui expressam
também que, em todas as categorias, os números indicam que a razão na demanda
se situou, na maior parte das vezes, a favor do reclamante, ou seja, do professor.
O mais trabalho com menos remuneração: Exploração
Para Rosso (2008, p. 178), o fato dos professores serem remunerados
em função de sua produção, ou seja, com base nas horas de trabalho lecionadas,
alonga as jornadas de trabalho. Esse autor considera que esse é um problema que
aflige os docentes do país inteiro. A essa tese acrescenta-se que, para o Estado de
Goiás, pode estar havendo um agravante de tal problemática: conforme os dados
empregador todos os direitos passíveis de violação durante a vigência e por ocasião da dissolução do contrato de trabalho e a quantia recebida, em vista do acordo celebrado, não corresponde a todos os direitos cobrados. Os juízes trabalhistas não consideram diferentemente as situações, via de regra. É que os órgãos da Justiça do Trabalho, na verdade, se incomodam com a utilização da estrutura judicial para atuação meramente homologatória de rescisão contratual, em substituição dos sindicatos e da DRT. Como corolário da rejeição de tal prática, os juízes trabalhistas quando a identificam, e não são poucos os casos na vida real, promovem a sua repressão mediante a extinção do processo sem resolução do mérito e, não raramente, noticiam o fato ao Ministério Público do Trabalho e a Ordem dos Advogados do Brasil, nesse último caso em razão do envolvimento de algum advogado na simulação.”
81
levantados, as horas de trabalho extraordinário podem não estar sendo devidamente
remuneradas. No sentido de investigar esse indicativo, será realizada, a seguir, uma
análise das horas de trabalho extraordinário a partir dos dados obtidos nos
processos.
Da pesquisa na amostra manuseada, chama à atenção os dados
pertinentes ao trabalho extraordinário não remunerado. Do total de 31 processos
analisados, houve dezessete reivindicações pertinentes ao mais trabalho sem
remuneração compatível.
TABELA 3.3
HORAS DE TRABALHO EXTRAORDINÁRIO NÃO REMUNERADAS CONFORME PESQUISA EM 31 PROCESSOS TRABALHISTAS, SINPRO-GO, 2005-2009
Tipos de Alegações e
Pedidos
Procedente Improcedente Acordo Suspenso Aguardando Total
Reuniões acadêmicas extraordinárias
2 1 1 2 0 6
Orientação e aulas extraordinárias
0 1 0 0 2 3
Atividades e dedicação à pesquisa extra-sala
1 0 0 0 0 1
Outras atividades extraordinárias
2 1 0 1 0 4
Aumento carga horária mantida a remuneração
1 1 0 0 0 2
Redução de remuneração devido junção de turmas
1 0 0 0 0 1
Total 7 4 1 3 2 17
Fonte: SINPRO-GO/TRT 18ª região (dados tabulados pela autora)
A Tabela 3.3 ilustra os reclames dos docentes quanto às horas extras de
trabalho não remuneradas. Nessa tabela, oito das reivindicações – somando-se os
pedidos julgados procedentes mais os acordos realizados - total que representa
mais da metade dos pedidos, implicaram em restituição, via Justiça do Trabalho, dos
direitos ao docente.
A rede privada de ensino se utiliza de alguns mecanismos que priorizam a
redução de custos administrativos, dado que, normalmente, dentre os custos
correntes destas instituições, o de maior peso é a folha de pagamento. Os gestores
procuram racionalizar tais custos sobre os colaborados que mais pesam no
orçamento mensal da folha, os professores. Essa manobra é facilitada pelo próprio
modo de remuneração dos professores, o pagamento por hora aula, conforme já
mencionado. Nesse sentido, os pedidos e alegações descritos na Tabela 3.3
82
exemplificam algumas das formas pelas quais é possível observar indícios de
exploração do trabalho docente, que pela natureza dessas formas, se é remetido ao
conceito de mais-valia absoluta em Marx (1996). Não sendo, portanto, exagero
afirmar que com essa tendência de alongamento das horas de trabalho
extraordinário sem contrapartida em remuneração, as IES privadas apresentam
características de exploração do trabalho que remontam, em certa medida, as
identificadas por Marx no bojo da Revolução Industrial (ROSSO, 2008).
Na atividade de docência nas IES privadas, a carga de trabalho em sala
de aula se eleva normalmente mediante a responsabilização por mais turmas (op.
cit. p. 179). Entretanto, outro processo que se evidencia no Estado de Goiás é
também o da junção de turmas, obedecendo ao mesmo critério utilitarista de
redução de custos. Em última análise isso significa mais trabalho mantida a mesma
remuneração. Não obstante, ocorre também a eminente elevação da sobrecarga de
trabalho do professor, exigindo dele maior exercício na preparação das aulas para
bem conduzir a integração das turmas unidas. Além disso, ocorre a acumulação de
mais trabalho com correção de provas, tarefas e orientação dos discentes. Aliás,
sobre a carga de trabalho extra-sala de aula40, nos processos pesquisados, chama a
atenção o fato de apenas um único caso, nos processos investigados ter feito
referência ao trabalho ex ante e ex post da função docente. Este caso se encontra
tabulado na Tabela 3.3, com o tipo de alegação ou pedido em ‘atividades e
dedicação a pesquisa extra-sala’. Com base nessa verificação, há que se indagar:
será que em todo o universo de professores das IES privadas em Goiás a proporção
é mesmo essa? Da média de 30 docentes, apenas um docente não ‘recebe
ordenado’ por seu trabalho realizado extra-sala?
Já de par do contexto do trabalho docente no cotidiano, e também da
legislação pertinente, certamente as pergunta acima deveriam ser substituídas pela
indagação sobre como corrigir a assimetria de informação relativa ao que é direito
no trabalho docente. Ou, de outra forma, como reduzir o hiato que impede que os
professores recebam a remuneração justa, contemplando toda a força-de-trabalho
empenhada para executar a missão de professor. Os primeiros passos para se
40 Essa é uma questão ainda muito pouco discutida nas pesquisas sobre o trabalho docente, e principalmente, quase totalmente negligenciada em relação ao cumprimento da legislação trabalhista do mesmo.
83
chegar às respostas para tais indagações seriam, primeiramente, o de identificar se
existe realmente a suposta desinformação e, em seguida, o de investigar qual seria
o hiato que impede que o professor receba o proporcional ao efetivo de seu trabalho
total. Deve-se considerar, nesse sentido, que a parte da resposta concernente ao
primeiro caso poderia estar, em certa medida, não na desinformação, mas na
própria abstenção ao direito por parte do docente, dado a força das pressões já
discutidas. Pressões estas, relativas aos aspectos dos condicionantes de mercado
de trabalho, quais sejam, flexibilização e mercantilização do ensino superior. Por seu
turno, o hiato poderia ser creditado à própria forma de ação da representação
sindical, ou seja, enquanto negociador e apenas mantenedor dos direitos até então
adquiridos. Entretanto, infere-se que são necessários estudos mais aprofundados
para resolver essa problemática.
A maior quantidade de pedidos e alegações, com base nos processos
analisados, se refere a atividades extraordinárias realizadas pelos professores que,
também, nem sempre são remuneradas. Um dos motivos que gera a exploração do
trabalho nesse sentido é o caráter marcadamente flexível da profissão docente em
IES privadas. Rosso (2008, p. 179) caracterizou o trabalho docente privado como
representante do “ápice da flexibilidade”. A Relação de trabalho nesse setor é, na
sua maioria, mediada por contratos de trabalho nos quais o critério de remuneração
é o número de horas trabalhadas - entendidas como horas em sala de aula -
havendo raros casos em que se define um período fixo ou de tempo integral de
trabalho. Esses contratos também não consideram as horas de atividades de
execução de tarefas extra-sala. A flexibilização do horário de trabalho do professor,
que pode exercer sua função em dias diferentes, turnos diferentes, semanas ou até
mesmo unidades institucionais diferentes, parece abrir brechas para a convocação
para trabalhos, nem sempre condizentes com as atividades docentes, também em
dias e horários inusitados. O próprio caráter extraordinário desses trabalhos parece
ser um argumento para a não remuneração dos mesmos.
Subtração do direito ao descanso remunerado
O trabalho docente em IES privadas encontra-se inserido em sua
totalidade em um contexto de pressões e exigências que invariavelmente resultam
na vulnerabilidade fisiológica e psicológica do professor. Tais pressões são oriundas
84
das modificações havidas na relação e nas condições de trabalho que exacerbam a
vulnerabilidade e ansiedade (SENNETT, 2008; DEJOURS, 2001) do professor, que
em muitos casos, são acometidos de patologias, principalmente o estresse. A
relação trabalho-saúde que se observa, segue uma tendência do mercado de
trabalho que, conforme Rosso (2008, p. 135) “começa a se manifestar ou está
efetivamente em pleno desenvolvimento em decorrência das consequências das
condições de trabalho sobre a saúde dos trabalhadores”. Corrobora por agravar
essa situação, o fato de a legislação social ser preterida quanto ao direito de
descanso remunerado do professor. Nesse sentido, passa-se a investigar nesse
sub-tópico, os reclames sobre questões salariais das demandas em relação à
sentença judicial. Ainda, relacionando os indicativos obtidos sobre as condições
fisiopsicológicas de trabalho do docente.
Os dados da Tabela 3.4 podem ilustrar e dar suporte a esse argumento
uma vez que evidenciam as reivindicações dos professores principalmente sobre o
direito de descanso remunerado. Da amostra analisada, foram identificados 26
casos relacionados à busca pelo direito a remuneração de repouso semanal, férias,
13º e recesso escolar. Destes, 61% é o total de pedidos e alegações que podem ter
viabilizado a restituição do direito ao professor, somando-se os que resultaram em
‘acordos’ mais os julgados ‘procedentes’.
TABELA 3.4
REIVINDICAÇÕES RELATIVAS À DESCANSO REMUNERADO, FÉRIAS, E 13º CONFORME PESQUISA EM 31 PROCESSOS TRABALHISTAS, SINPRO-GO, 2005-2009
Tipos de
Alegações e Pedidos
Procedente Improcedente Acordo Suspenso Aguardando Total
Repouso semanal remunerado
2 0 0 0 0 2
Salário retido (incluindo 13º)
4 1 1 0 3 9
Férias não concedidas no prazo legal
5 1 1 1 1 9
Férias em dobro, não concedidas e não gozadas
2 2 0 1 0 5
Recesso escolar 1 0 0 0 0 1
Total 14 4 2 2 3 26
Fonte: SINPRO-GO/TRT 18ª região (dados tabulados pela autora)
85
A atividade docente apresenta peculiaridades imbricadas diretamente
com a questão do equilíbrio físico e psíquico do professor. Em primeiro lugar, face
às características de trabalho intelectual, é sabido que o trabalho docente necessita
de ambiente e condições adequadas à concentração tanto para o planejamento
quanto para a execução da aula. É preciso lembrar que ministrar aulas é uma
atividade em que se exercita, tanto as habilidades intelectuais, quanto a inteligência
emocional, uma vez que durante toda a atividade de produção em sala de aula, é
necessário a interação interpessoal na relação de trabalho professor-aluno. A
produtividade da aula, ou seja, a capacidade de gerar bons resultados pedagógicos
via orientação, troca ou transmissão de conhecimentos, no formato de ensino nas
IES privadas (como também nas IES públicas), possui centralidade na figura do
professor. Ou seja, na condução que o professor dá em sala de aula. Nesse sentido,
se torna redundante registrar que o estresse e a instabilidade emocional prejudicam
e restringem a produção do professor, tanto dentro de sala de aula, quanto nas
atividades ex-ante e ex-post da aula ministrada, obviamente, concebendo a
produção docente numa lógica amplamente distanciada do contexto produtivo de
uma empresa que realiza produção material. Ou, de outra forma, entendendo as
especificidades da produção intelectual tal como não parece ser compreendido pelos
administradores da lógica gerencialista, com foco lucrativo do empreendimento no
ramo do ensino. Lógica, esta, que tem orientado o modus operandi de instituições de
ensino superior privado, ao qual se relaciona também, em certos casos, à
postergação da concessão e pagamento do descanso remunerado do docente.
Nesse tocante, há que se registrar que o próprio negligenciamento ao
direito precípuo de descanso remunerado, mesmo que justificados como estratégias
racionalistas de redução de custos ou busca por equilíbrio financeiro, apresentam
dois resultados. Além de contribuir ratificar a tese do processo de precarização das
condições e relações de trabalho do professor nas IES privadas, por evidenciar os
prejuízos ao bem estar daquele, pode resultar também na queda da qualidade do
ensino.
A questão dos direitos salariais na demanda trabalhista
Não desconsiderando que a flexibilização, em grande medida, dificulta a
ação sindical quanto à questão salarial, outro problema evidenciado que deprecia as
86
relações de trabalho do professor é o de que empregadores nem sempre respeitam
os direitos constitucionais e as disposições das convenções coletivas (POCHMANN,
2005). Entendendo o fator remuneração como de importância substancial sobre
condição individual de trabalho do professor, as considerações a seguir
contemplarão os indicativos quanto ao trato das questões salariais do docente nas
IES privadas, a partir dos dados relacionados dos processos.
Dentre os fatores que contribuíram para a ampliação na desigualdade dos
rendimentos no mercado como um todo, segundo Pochmann (2005), está a
flexibilização do contrato de trabalho e a individualização de salários. Para o caso do
trabalhador docente em IES privadas, a questão da individualização pode ser
entendida pelo fato de o salário ser estipulado conforme quantidade de horas/aula
ministradas, ou seja, baseado no sistema tradicional de medição de tempo de
trabalho. Exemplificando, o professor que ministra mais aulas terá remuneração
maior que o professor que ministra menos aulas, isso porque que a carga horária
não é fixa. Entretanto, nesse formato de individualização que diferencia o montante
de remuneração dos professores, não há a combinação de salário fixo com
participação em resultados alcançados por produtividade, conforme definido pela
teoria do salário-eficiência41. Diante disso, compreende-se ser preciso verificar a
pressão sobre o salário do professor também sob outros prismas.
As informações agrupadas a partir dos processos apontam para a
existência de diferentes motivações que levam o professor de ensino superior
privado a reivindicar seus direitos com respeito aos salários.
A partir da Tabela 3.5, constata-se que algumas das reivindicações, nada
têm a ver com a expectativa de elevação do salário. Ao contrário, possuem relação
direta com a intenção de garantir a manutenção de direitos básicos e intrínsecos ao
processo de remuneração do professor, que deveriam ser respeitados
automaticamente. Uma evidência disso é a existência de alegações referentes ao
atraso de pagamento de salários e a pagamento de professores via recibos não
contabilizados. Muito embora esses pedidos não tenham apresentado uma
freqüência expressiva, em relação aos demais pedidos e ao total da amostra, não
41 Conforme a teoria, Salário-eficiência é uma caracterização para o processo em que a remuneração do trabalho é estipulada conforme a produtividade e resultados do trabalho.
87
deixam de ser um indicativo de que o negligenciamento às leis correspondentes
possam ser recorrentes nas IES privadas.
Muito embora esses pedidos não tenham apresentado uma frequência
expressiva, em relação aos demais pedidos e ao total da amostra, não deixam de
ser um indicativo de que o negligenciamento às leis correspondentes possam ser
recorrentes nas IES privadas.
TABELA 3.5
REIVINDICAÇÕES DE DIREITOS SOBRE DIFERENÇAS SALARIAIS, RECISÓRIAS E REAJUSTE SALARIAL, CONFORME ANÁLISE EM 31 PROCESSOS, SINPRO-GO, 2005-2009
Tipos de
Alegações e Pedidos
Procedente Improcedente Acordo Suspenso Aguardando Total
Diferenças salariais e Reflexas
conforme Convenção Coletiva
4 2 2 0 1 9
Verbas rescisórias e correções salariais
2 1 3 0 3 9
Diferenças de verbas rescisórias 3 3 1 0 2 9
Diferenças por pagamento com recibos não contabilizados
0 0 1 0 0 1
Atraso no pagamento de salário 2 0 2 0 1 5
Reajuste do salário dos docentes 0 0 1 0 0 1
Total 11 6 10 0 7 34
Fonte: SINPRO-GO/TRT 18ª região (dados tabulados pela autora)
Um dado que chamou atenção nesse agrupamento foi a expressiva
frequência sobre os pedidos relacionados à ‘diferenças salariais e reflexas conforme
a convenção coletiva’. Essa reivindicação deixa explicita a tendência de não
observância aos direitos predispostos nas Convenções Coletivas, por parte da IES
privadas.
Também a partir dessa tabulação que compreende as questões salariais,
observa-se que do total de casos de pedidos e alegações, os julgados ‘procedentes’
se apresentam em maior número, em relação aos julgados ‘improcedentes’ e às
demais condições. Isso implica que, para a maioria das reivindicações relativas às
questões de salário, os docentes podem ter obtido ganho de causa. Essa
constatação é melhor fundamentada se agruparmos os casos julgados procedentes
88
com os acordos havidos, o que somará um total de 21 reivindicações salariais em
que os docentes foram contemplados pela possível restituição de seus direitos.
A esses argumentos acrescenta-se o fato de que, conforme evidenciado,
em todos os agrupamentos de perfis realizados, o demandante obteve sentença
favorável às suas reivindicações na maioria dos casos. Nesse sentido, a suposição
de que a análise dos processos trabalhistas não permite conclusões confiáveis
sobre as reais condições e relações de trabalho do professor não encontra
sustentação nem mesmo numa verificação superficial dos perfis dos pedidos e
alegações encontrados nos processos.
Em suma, as verificações nesse agrupamento de dados indicam que as
reclamações quanto à remuneração do trabalho docente não possuem apenas o
propósito de aumento salarial, aliás, apenas um pedido foi relativo a isso. Além
disso, pode-se observar que a diversidade da natureza dos pedidos e alegações
quanto a questões salariais apresenta imbricação direta com a deterioração das
relações de trabalho nesse meio. De tal modo, os resultados dessa verificação
remetem à tese de que as relações de trabalho estão sendo condicionadas pela
tendência de flexibilização e desregulamentação dos direitos trabalhistas.
3.3 – Narrativas jurídicas: supressão dos direitos do docente
Dando sequência à proposta da investigação realizada nos processos
trabalhistas do SINPRO-GO, nesta parte buscar-se-á extrair indicativos de
supressão dos direitos trabalhistas dos docentes, a partir da narrativa jurídica do
reclamante e do juiz. Para essa análise, os pedidos, alegações e argumentações do
reclamante foram selecionadas de forma aleatória com base na petição inicial e
interlocutória, já a sentença judicial foi selecionada destacando-se dos 31 processos
analisados, 10 processos que obtiveram sentença judicial favorável ao reclamante.
O sentido desse critério de seleção é exatamente de exemplificar sobre quais são as
principais reivindicações dos docentes, e sobre quais leis podem estar sendo
preteridas nas relações de trabalho do docente,
É necessário esclarecer que, embora seja o acórdão a última peça dos
autos para o caso de processos em que há pedido de recurso, a análise sobre o
julgamento privilegiou as sentenças judiciais pelos seguintes motivos: primeiro
porque é nessa peça dos autos do processo que são contemplados, para
89
julgamento, todas as alegações e pedidos da petição inicial. Sendo o objetivo da
análise o de traçar um perfil dos processos, principalmente no tocante às alegações
e pedidos trabalhistas, a sentença judicial apresenta informações mais completas
sobre o todo das reivindicações, ainda, em relação às leis correlatas a elas. Em
segundo lugar, porque nos acórdãos só são julgados os pedidos de recurso, ou seja,
não contemplam todas as reivindicações do docente, já que tem apenas função de
manter ou reformular aquilo que já foi julgado na sentença judicial pelo juiz. Outro
argumento é que nem todos os processos chegam até a fase de decisão em
acórdão.
Ademais, supõe-se que sob a ótica sociológica, parece ter maior
significância considerar a fundamentação da decisão constante na sentença judicial,
ao se fazer aqui, uma interpretação de que o juiz nessa instância elabora a sentença
com base num trabalho de investigação dos fatos de um modo que lembra o método
da observação participante, utilizado na etnografia, uma vez que assume “a
qualidade de terceiro estranho ao conflito” (CINTRA, 2007, p. 313), enquanto sujeito
imparcial investido de autoridade para dirimir a demanda. Explica-se que, já que a
decisão judicial se dá conforme interpretação diversa da lei, considerando as provas,
argumentações do reclamante, da reclamada e das testemunhas arroladas no
processo; uma análise da narrativa jurídica seria mais relevante, para fins desta
pesquisa, se considerado o argumento do juiz que deu a sentença tendo maior
proximidade com os atores sociais, no caso, as partes envolvidas no processo. Além
de ter manuseado com maior frequência e proximidade os instrumentos ‘objetos de
trabalho’ necessários à elaboração da sentença, quais sejam, as comprovações e as
argumentações mediante a legislação. O juiz em deferência então seria o que
elabora a sentença judicial (juiz de primeira instância) e não os que elaboram o
acórdão. Além do mais, para o caso do acórdão (instância recursal), geralmente os
juízes elaboram suas decisões com base no que já está nos autos, sem que
procedam a coleta de depoimentos das partes ou de suas testemunhas. Daí a
hipótese de que a decisão recursal pode não espelhar necessariamente a realidade
dos fatos. Assim significando, de certo modo, uma falha no sistema judiciário.
De forma a relacionar as alegações e pedidos judiciais à infração a leis,
elaborou-se a Tabela 3.6, na qual se condensa exemplos sobre alguns dos casos
mais recorrentes conforme identificado nos processos.
90
TABELA 3.6
ALEGAÇÕES E PEDIDOS JULGADOS PROCEDENTES EM INFRAÇÃO À LEI CONFORME SENTENÇAS JUDICIAIS DE PROCESSOS TRABALHISTAS DE DOCENTES CONTRA IES PRIVADAS, 2005-2009
ALEGAÇÕES E PEDIDOS INFRAÇÃO À LEI
Depósito FGTS em atraso Art. 7, Inc. II, CF, Lei n 8.036/90 TRCT código zero um Art. 467 da CLT Recolher Contribuições Previdenciárias Julgado procedente (Lei não Identificada) Anotações contrato de trabalho na CTPS Art. 477, § 8º CLT Pagar salário retido (incluindo 13º retido) Julgado procedente (Lei não Identificada) Pagar verbas rescisórias e correções salariais Julgado procedente (Lei não Identificada) Pagar diferenças de verbas rescisórias Julgado procedente (Lei não Identificada) Pagar diferenças salariais (conforme Conv. Coletiva ) e diferenças reflexas
Julgado procedente (Lei não Identificada)
Pagar repouso semanal remunerado Art. 464 da CLT, Súmula 91 TST Pagar férias não concedidas no prazo legal Art. 5, II, CF; Art. 145 da CLT, Pagar férias em dobro (não concedidas) Artigo, 134 e 137 CLT (em dobro); Pagar recesso escolar Julgado procedente (Lei não Identificada) Pagar aula "magna" Julgado Improcedente Pagar multa por atraso no pagamento verba rescisória
Art. 477, CLT
Pagar multa por atraso depósito de FGTS Art. 467, CLT Pagar multa por atraso no pagamento de salários Clausula 6ª, CLT Pagar reuniões acadêmicas extraordinárias Art. 7º, Inc. XVI, CF, Cláusula 4ª CLT Pagar horas de atividades extraordinárias Art. 7º, Inc. XVI, CF, 884 do Cód. Civil Brasileiro,
Cláusula 4ª CLT
Pagar horas de orientação/aulas de substituição Art. 7º, Inc. XVI, CF, 884 Cód. Civil Brasileiro, Cláusula 4ª CLT
Pagar hora de atividade e dedicação a pesquisa Julgado procedente (Lei não Identificada) Pagar adicional de titulação (mestre/ doutor) Julgado procedente (Lei não Identificada) Pagar indenização por danos morais Julgado Improcedente Nulidade da dispensa e reintegração Julgado Improcedente Irregularidade na dispensa do reclamante Art. 53 LDB Aumento carga horária sem remuneração compatível
Julgado procedente (Lei não Identificada)
Redução ilegal da carga horária Art. 468, 320, 483 da CLT, 422 do Código Civil Redução remuneração (decorrência de junção turmas)
Art. 468 da CLT
Não oferecer carga horária Art. 4º CLT Arcar com custas processuais / Justiça gratuita Art. 14 e 16, lei 5584/70 Pagamento por meio de recibos não contabilizados
Art. 790, § 3º, CLT
Indenização por uso indevido de Imagem Julgado Improcedente Reconhecer a titulação e Promover ao cargo ( conforme Plano Carreira)
Julgado Improcedente
Reajustar salário dos docentes Julgado procedente (Lei não Identificada)
Fonte: SINPRO/TRT (Dados tabulados pela autora)
Enfatiza-se que as lei infringidas citadas nesta tabela foram identificadas
nas argumentações que embasaram a sentença judicial favorável ao reclamante, ou
seja, com relação às alegações e pedidos que o juiz sentenciou ‘procedentes’.
Antecedendo a análise de sentenças judiciais, destaca-se que na leitura
dos processos, chamou a atenção a argumentação constante nas petições iniciais e
interlocutórias, quanto às alegações do reclamante, no ato de solicitar à justiça do
trabalho a restituição dos direitos subtraídos. De tal modo, parece conveniente citar
aqui as alegações que, mesmo que a justiça do trabalho não as tenham interpretado
91
como verdadeiras, expressam de certa maneira indicativos sobre as condições de
trabalho docente em contexto de relações de trabalho precarizantes. Na análise das
narrativas extraídas desses documentos, na medida em que se faz referência às
alegações e pedidos, logo em seguida será feita também a análise de uma sentença
judicial relacionada à mesma questão. Também nesse tocante, enfatiza-se que o
objetivo dessa análise é o de identificar, por meio dos processos, indicativos de
condicionantes do trabalho docente e não o de avaliar o mérito do julgamento.
Nesse sentido, passa-se a análise da narrativa jurídica conforme as categorias já
sistematizadas para fins desta pesquisa, quais sejam as categorias que
compreendem as alegações e pedidos referentes à: adicional de titulação, carga
horária e sua remuneração, trabalho extraordinário não remunerado, férias e
descanso não remunerado, questões salariais, rescisórias e direitos previdenciários
e de seguridade social.
Adicional de titulação
Quanto às reivindicações dos docentes encontradas nos processos, muito
embora, as alegações e pedidos relativas a adicionais de titulação não tenham sido
encontradas com grande frequência, considerou-se importante destacar a questão
da titulação pelo que ela pode representar em importância na discussão sobre as
modificações no mundo do trabalho. Nesse tocante, pinçou-se dos processos os
trechos abaixo, que poderá servir como pano de fundo para considerações sobre a
condição do trabalho docente em relação à questão titulação.
Conforme (BOSI, 2007), a expansão das IES privadas gerou num médio
prazo, razoável oferta de profissionais com qualificação mínima (especialização)
para a docência. Isso também parece ter contribuído para, num curto prazo, haver a
queda da renda média do docente universitário. Em função da pressão da oferta de
profissionais com exigência mínima de titulação para atuar no mercado, os mesmos
acabam tendo que se submeter às políticas aleatórias de remuneração praticadas
pelas IES, sob pena de não encontrarem outra vaga de trabalho. Tais políticas
possuem, por vezes, o escopo não formalizado de Plano de cargos e salários42, e se
apresentam bastante criativas enquanto subterfúgios para a redução do custo de
contratação do professor. Essas podem, primando pelo custo mínimo, remunerar de
42 Alguns planos de cargos e salários vinculam, por exemplo, titulação e tempo de experiência com tipo de curso em que se ministra a aula.
92
forma diferente professores com mesma titulação, o que pode ser observado no
exemplo do argumento de alegação sobre direito ao adicional de titulação abaixo:
“8. DO NÃO PAGAMENTO DO ADICIONAL POR TITULARIDADE À ÉPOCA DEVIDA
8.1 A reclamada assegura, aos seus professores, a gratificação de 10% da
remuneração pela aquisição de título de mestre.
8.2 Pois bem. O reclamante adquiriu-o por conclusão do curso de mestrado, o
Diploma de Mestre em Sociologia, que lhe foi expedido aos 13 de junho de 2003,
cópia anexa, entretanto, somente a partir de maio de 2005, a reclamada passou-
lhe a pagar a citada gratificação, ficando, portanto, com a obrigação de pagar-lhe
as diferenças relativas ao período anterior, contado da data da aquisição do título,
até esse mês, calculadas sobre a maior remuneração [...]” (SINPRO-GO, 2010:
processo TRT 18ª N. 000772-2008, p. 18).
Exemplo da narrativa em sentença judicial sobre a questão do adicional
de titularidade:
“DO ADICIONAL DE TITULARIDADE
A requerida alega a existência de outras condições, além da apresentação do
diploma de mestre, para a percepção do adicional de titularidade. Trata-se de fato
impeditivo do direito do autor e, como tal, seu ônus cabe à reclamada (CLT, artigo
818; CP, artigo 333, II).
A ré não acostou a norma regulamentar que instituiu a parcela a fim de provar a
existência de tais condições, nem a prova oral confirmou as alegações da
demandada. [...] Por tais razões, defiro o pedido de adicional de titularidade entre
agosto de 2003 e abril de 2005.” (SINPRO-GO, 2010: processo TRT 18ª N.
000772-2008, p. 18)
Na primeira narrativa, observa-se que o reclamante reivindica os direitos
relativos ao não reconhecimento do título de Mestre em sociologia na data
legalmente devida, em vista do mesmo direito usufruído por seus pares, “de
gratificação” por titularização. Já na segunda narrativa, o juiz sentencia que o
reclamante tem razão em seu pedido, foi-lhe negado, na época devida, o direito a
receber remuneração proporcional à titulação do professor.
Observa-se pelos trechos transcritos dos autos do processo, que a
sentença ratificou o direito reivindicado pelo professor. Muito embora, não se possa
afirmar apenas com base nessa informação que esse tipo de infringência à lei seja
recorrente no âmbito das IES privadas, o contrário também não pode ser dito. Neste
caso, a análise das narrativas acima é relevante, também por permitir inferir que
93
uma das formas de desvalorização do trabalho docente no âmbito das IES privadas,
se dá em relação ao não reconhecimento de titulação do mesmo. No caso
específico, essa forma seria pertinente a negação do direito ao docente, de receber
o retorno financeiro pelo capital humano adquirido.
Carga horária e sua remuneração
As transcrições que se seguirão se relacionam às argumentações obtidas nos
autos, referentes à redução da carga horária e remuneração correlata. Nesse
tocante, inicia-se por dizer que a mera redução da carga horária teria pouca
significância se tomada apenas como um ato administrativo de gestão da ‘empresa
de ensino’, primando pela racionalidade na condução do negócio. Contudo,
considerando as peculiaridades inerentes à função de uma instituição de ensino e,
nesse contexto, as especificidades do trabalho do professor, é preciso refletir, de
forma mais detalhada, sobre os aspectos inerentes a tal condução racionalista da
instituição de ensino superior privado. As manifestações concernentes a carga
horária e junção de turma, expressas nos autos dos processos podem, nesse
sentido, subsidiar uma reflexão sobre a questão. Senão, vejamos o que a discussão
na justiça do trabalho pode nos sugestionar. Exemplo de narrativa de alegação
sobre carga horária:
“I DA FORMAÇÃO DO CONTRATO E DE SUAS CONDIÇÕES
A sua carga horária foi reduzida unilateralmente, sem qualquer justificativa legal,
para 8 aulas, ao início do ano letivo de 2008, retornando ao total de 12, em maio
deste ano, para atender às determinações do MEC, como se extrai do
contracheque desse mês.” (BRASIL, SINPRO-GO, 2010: processo 2149/2008,
Petição TRT 18ª N. 258374- 3/3)
A citação acima é referente à reivindicação de um docente sobre carga
horária. O texto do documento, além de sugestionar a existência de ilegalidade na
forma como se reduziu a carga horária, faz referência a existências de manobras
administrativas com relação à gestão de pessoal para atender às exigências
impostas pelo MEC. Dentre outros exemplos, ressalta-se que outro processo
também apresentou argumento relacionado à atuação da instituição com relação à
carga horária. Neste último caso, o reclamante levantou a questão da instituição de
94
ensino “fazer uso de imagem”43 do professor com relação à carga horária de
trabalho para atender a exigências do MEC. O que as reincidências de casos e
reivindicações com relação à carga horária do professor parecem demonstrar, é que
a administração desta questão é utilizada, no âmbito das IES privadas, enquanto
instrumento de gestão pelo fim utilitarista da instituição. Dentre outros motivos, tanto
pela questão da racionalidade financeira, ou seja, quanto menor o custo maior o
lucro, quanto pela capacidade de ser útil às estratégias de crescimento da
instituição, conforme indicado, atendendo aos pré-requisitos do MEC em sua
empreitada de avaliar (OLIVEIRA e FONCECA, 2008) e regulamentar (LIMA, 2008)
os cursos superiores.
Outra forma de utilização da carga horária do professor, no escopo da
gestão racionalista, se dá conforme se pode identificar na transcrição abaixo. Tal
texto é exemplo de uma narrativa de alegação sobre redução de carga horária
devido à junção de turmas, também obtido nos autos dos processos analisados:
“4 DA REDUÇÃO ILEGAL DA REMUNERAÇÃO MENSAL, EM DECORRÊNCIA DE JUNÇÃO DE TURMAS
4.1 A reclamada, a partir do início do semestre letivo de 2006, inclusive a cada
semestre, promovia a junção de duas turmas, em uma só, que muitas vezes,
passava a contar com mais de 120 (cento e vinte) alunos, inclusive reunindo numa
mesma sala alunos de períodos distintos.
Chegou-se ao extremo de promover a junção de turmas de Direito Tributário I e II;
Direito Financeiro I e II; e Direito Econômico, 3º e 4º períodos.
4.2 As consequências dessas junções são de caráter pedagógicos, com
irreparáveis prejuízos aos alunos, e salarial, aos professores, posto que, a junção
de turmas significou para a reclamante e os demais professores, por ela atingidos,
redução de carga horária de sala de aula, sem efetiva redução de trabalho, em
decorrência da necessidade de se preparar e de se corrigirem os trabalhos e
provas do mesmo quantitativo dos alunos, que antes se encontravam em salas
distintas. Portanto, pela prática implementada pela reclamada, a atividade da
reclamante, assim como de outros professores, permaneceu a mesma; entretanto
a sua remuneração foi drasticamente reduzida, chegando a sê-lo pela metade, em
flagrante violação ao que preceituam o Art. 468, da CLT, e a Orientação
Jurisprudencial N. 244, da SDI – 1, do colendo TST.”
43 Conforme consta no processo, o uso de imagem se deu pelo fato da instituição registrar junto ao MEC, que a carga horária era de 40h semanais, sendo que na realidade eram de 15h semanais. (SINPRO-GO, 2010; processo TRT 18ª 1303562)
95
4.3 Indiscutivelmente, esse artifício utilizado pela reclamada não passa pelo
crivo do Art., 9º, da CLT, e do 844, do Código Civil Brasileiro, pois que, a um só
tempo, visa a fraudar a aplicação de direitos legais, vedado pelo primeiro, e ao
enriquecimento sem causa, repudiado pelo segundo. (BRASIL, SINPRO-GO,
2010: processo 926, Petição TRT 18ª N. 039725 3/3, p. 3ª)
Refletindo a condução da questão carga horária, a partir das citações
acima, observa-se que em ambas há indicativos de que as atuações das IES
privadas exemplificam o sentido utilitarista da gestão institucional. No tocante à
gestão utilitarista das IES privadas, convém citar o que enfatiza Rosso (1998, p.37)
ao resgatar os teóricos do utilitarismo Jevons e Jeremy Bentham, que a utilidade de
um objeto, ação ou serviço varia “para mais ou para menos dependendo da
avaliação subjetiva dos indivíduos”. De forma análoga à explicação daquele autor
sobre a opção utilitarista de jornada de trabalho dos indivíduos, a opção de aumento
ou redução da carga horária do docente é condicionada, no caso em questão, pelos
empreendedores das IES privadas, conforme a utilidade que podem vislumbrar
nessa variação da jornada de trabalho dos professores. Ou seja, se para atender à
exigência do MEC, por exemplo, a carga horária é aumentada, se para reduzir
custos com folha de pagamento ou com contratação de mais professores, a carga
horária é reduzida, utilizando, dentre outras estratégias, a de junção de turmas,
conforme se percebe na transcrição imediatamente supracitada.
Além dos aspectos já analisados aqui quanto à questão utilitarista, é
válido observar que em outros processos pesquisados, constatou-se indícios de que
a redução da jornada de trabalho do docente via diminuição da carga horária, em
IES privadas, se torna também uma estratégia antecipada de redução de custos
visando acertos rescisórios. Ou seja, um docente em vias de ser demitido, recebe no
semestre que antecede sua demissão, uma carga horária mínima, podendo facilitar,
para a instituição, os procedimentos rescisórios, principalmente no tocante aos
saldos de remuneração a serem despendidos pela instituição contratante ao
professor.
Meio a esta profusão de interesses e ações utilitárias, as consequências
são variadas tanto para o docente como para o ensino em questão. Conforme
discutido em tópico anterior, por um lado têm-se os prejuízos pedagógicos, por outro
lado, observam-se os prejuízos aos professores relativos à redução da carga horária
e por consequência também de remuneração, significando ainda, ao invés da
96
redução, o aumento da carga de trabalho, ou seja, da jornada de trabalho. Nesse
momento, se faz importante enfatizar que, para o caso de docentes em IES
privadas, a jornada de trabalho do professor não é coincidente com a carga horária
referente ao trabalho em sala de aula, uma vez que ela avança via atividades extra-
sala. Diante disso, quanto à estratégia de redução de horas via redução de turmas, é
possível inferir que ela apresenta resultados característicos do que Marx (1990,
p.432) teorizou sobre mais-valia relativa. Ao se apropriar dessa teoria de Marx para
explicar aspectos da redução da jornada de trabalho, Rosso (1998) explana que a
produção do mais valor do trabalho “pode ocorrer sem que o número de horas
trabalhadas aumente”. Isso se dá em decorrência do trabalho mais intenso ou mais
denso, ou seja,
“Quando mais produtos ou serviços são produzidos em tempo idêntico ao
despendido anteriormente. Não só a inovação tecnológica, mas também a
reorganização interna do trabalho nas empresas pode levar a este resultado.”
(ROSSO, 1998, p. 44)
Consoante a interpretação de que a redução da carga horária seja um
modo de “reorganização interna do trabalho”, ainda, da existência de instrumentos
didáticos (data-show, laboratório de informática, Internet, dentre outros)44
favorecidos pelo avanço tecnológico sejam utilizados no trabalho docente, parece se
configurar a representação da mais valia relativa no trabalho docente. Entretanto, se
analisarmos mais a fundo considerando que a jornada de trabalho se relaciona a
quantidade de horas trabalhadas, teremos então que a “jornada de trabalho” do
professor, para o exercício de sua função será bem maior que a carga horária, ora
reduzida em função do rearranjo organizacional da instituição quanto a horas de
trabalho. A jornada é maior devido às tarefas anteriores e posteriores às de sala de
aula, conforme já exposto. Sintetizando, a configuração do trabalho do professor
mediante essa análise se encontra num contexto em que há redução de carga
horária paralelo a redução de remuneração, combinadas com aumento da
produtividade para a instituição – neste caso intensificada pelas condições de
44 Ressalta-se que podem haver casos extremos, em que o professor precisa desenvolver o trabalho, ora intensificado pela redução da carga horária em função da redução de turmas, sem poder contar com instrumentos pedagógicos contemplados pelo avanço tecnológico. Isso devido à possíveis insuficiência de estrutura de instrumentalização didático-pedagógica por parte da instituição para qual presta seus serviços. Somando-se a essa constatação à alegação sobre a existência de salas “extra-lotadas”, infere-se sobre a existência expressiva condições de insalubridade permeando o trabalho docente.
97
trabalho mediante sala lotada e facilitada pelo uso da tecnologia - ainda,
concomitante a uma elevação da jornada de trabalho extra-sala para o docente.
Nesses termos, um mesmo trabalho docente em condições precárias, gera tanto
mais-valia relativa quanto mais-valia absoluta para a IES privada.
Seja pela interpretação das narrativas mencionadas, ou por via de outras
narrativas em processos não citados aqui, é possível fazer a inferência de que em
qualquer das hipóteses alegadas sobre a questão, o professor precisa se adaptar
aos condicionantes momentâneos, assumindo em essência o caráter de mão de
obra flexível. Mesmo que suas conquistas trabalhistas possam estar sendo
suplantadas em diversos aspectos legais, conforme é sugestionado pela citação que
segue como exemplo de narrativa interlocutória de reclamante:
“7. DA REDUÇÃO ILEGAL DA CARGA HORÁRIA
7.7 Quanto às alegações da reclamada de que o parâmetro para a fixação da
remuneração é hora-aula e de que se houve diminuição de hora-aula houve
diminuição de trabalho, com resultado de “flutuação natural da carga horária em
razão da demanda” fl. 354, essas não passam pelo crivo da legislação
educacional e da jurisprudência do colendo TST.
7.7.1 Nesse particular a reclamada infringe o Art. 9º, da CLT, e 884, do Código
Civil, que preceituam:
Art. 9º - CLT: Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de
desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente
consolidação.
"Art. 884 – CC – Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem,
será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores
monetários.”
7.7.2 A reclamada aufere lucros, à medida que aumenta o trabalho de seus
professores com a junção de turmas, o que ela própria reconhece, às fl. 355, sob o
manto de que não houve alteração no contrato de trabalho, em razão da fixação
salarial ser por hora aula. Argumento que foge do princípio da razoabilidade, posto
que é, inquestionavelmente, penoso lecionar para uma sala de aula com mais de
60 alunos.” (BRASIL, SINPRO-GO, 2010; Processo 2149/2008, TRT 18ª N.
228770- 2/2, p. 3ª e 4ª )
Obviamente o direito subtraído do docente só poderá ser restituído,
nesses casos, através da justiça do trabalho. Dependerá da interpretação do juiz,
conforme já dito, no julgamento da razão da demanda consoante as provas
98
apresentadas quanto à veracidade para fundamentação dos pedidos e alegações,
pelo que se pode observar na transcrição que segue. Exemplo de narrativa sobre a
questão da carga horária em Sentença Judicial:
“O TST já firmou o seguinte entendimento, em sua OJ 244:
“Professor. Redução de Carga horária. Possibilidade. A redução de carga horária
do professor, em virtude da diminuição do número de alunos, não constitui
alteração contratual, uma vez que não implica redução do valor da hora-aula.”
Portanto, a redução da carga horária desde que decorra da diminuição do número
de alunos, não constitui redução salarial ilícita. Trata-se a redução do número de
alunos de fato modificativo do direito do autor e, como tal, seu ônus cabe ao réu
(CLT, artigo 818; CPC, artigo 333, II)
"O ônus probatório da reclamada também decorre do Princípio da Aptidão para a
Prova, pois a ré poderia facilmente produzir prova documental acerca de tal fato, a
partir dos dados constantes de seus arquivos, o que não foi feito” (BRASIL,
SINPRO-GO, 2010: Petição TRT 18ª N. 00772- 2008)
Ante todo o exposto, e a partir de evidências na abordagem legal, infere-
se sobre indicativos quanto à relevância da teoria da flexibilização e do utilitarismo
para explicar a realidade do professor nas IES privadas. A narrativa jurídica
analisada nesta parte, dentre outros aspectos, revela uma situação em que as horas
de trabalho docente diminuem juntamente com a redução da remuneração, ao
tempo que as condições de trabalho se intensificam.
Trabalho extraordinário não remunerado
Sobre a questão das horas extraordinárias de trabalho, iniciemos pela leitura
da seguinte citação de argumentação do reclamante:
“9.1 O pagamento das horas trabalhadas a mais, é um direito do trabalhador e,
reconhecido como está expresso na ementa do Acórdão prolatado no processo
TST, como se constata pela sua transcrição:
“EMENTA- HORAS EXTRAS. PROFESSOR. ATIVIDADE EXTRACLASSE.
1. O labor do professor em prol do educandário não se exaure na tarefa
em si de lecionar em sala de aula. Também compreende inúmeras atividades
extraclasse, seja na correção de provas e na avaliação de trabalhos, seja no
controle de freqüência e registro de notas, estes cada vez mais exigidos do
professor, em nome da economia de custos com pessoal da área administrativa.
99
2. Reputa-se tempo de serviço efetivo, à luz do Art. 4º, da CLT, inclusive
para efeito de horas extras, a atividade extraclasse comprovadamente realizada
pelo professor e cuja execução deriva de determinação do empregador ou da
própria natureza do magistério.
9.2 O Art. 69, parágrafo único, do Decreto N. 5.773/2006, que trata
exclusivamente da educação superior, joga uma pá de cal nas alegações da
reclamada, senão, veja-se por sua literalidade: Art. 69.
Parágrafo único, O regime de trabalho docente em tempo integral compreende a
prestação de quarenta horas semanais de trabalho na mesma instituição, nele
reservado o tempo de pelo menos vinte horas semanais para estudos, pesquisa,
trabalhos de extensão, planejamento e avaliação (grifou-se).”
9.3 Como se constata, pela literalidade do dispositivo legal em questão, cinquenta
por cento da carga horária semanal docente devem ser destinados a estudos,
pesquisa, trabalhos de extensão, planejamento e avaliação.
9.4 Não se argumentar que tal destinação é reservada apenas aos docentes de
tempo integral, pois que os demais desenvolvem as mesmas atividades e sobre
eles recaem as mesmas responsabilidades.” (BRASIL, SINPRO- GO, 2010:
processo 762/2009, Petição TRT 18º N. 049510-2/2, p. 4-5)
A citação acima, além de explicitar as reivindicações do docente em
demanda trabalhista, com relação às horas de trabalho extraclasse não remunerado,
manifesta a interpretação do reclamente sobre a lei infringida. Concomitantemente,
apresenta indícios de haver ampla recorrência da questão da sobrecarga de trabalho
imputada ao professor, especificamente quanto ao desempenho de atividades não
relacionadas à docência. Isso é exemplificado pela transcrição do argumento que
enfatiza que tal trabalho extraordinário é cada vez mais exigido dado a “economia de
custos com pessoal da área administrativa” (op cit. p. 5). Em outro trecho do mesmo
processo, a questão do trabalho extraordinário foi argumentada da seguinte forma:
“5 Do não pagamento das reuniões extraordinárias
5.1 “De janeiro de 2004 até o final de 2005, a reclamante fora convocada para
reuniões acadêmicas, mensais, com a duração média de 2 (duas) aulas, fora de
seu horário normal de trabalho, e pelas quais, jamais recebera qualquer
importância, em flagrante violação ao disposto no Art. 7º, inciso XVI, da
Constituição Federal, e na Cláusula 4ª, das Convenções Coletivas de Condições
de Trabalho que vigeram durante tal período.” (op. cit, p.3)
100
A transcrição acima evidencia a existência de realização de trabalho
extraordinário pelo professor, fora do horário normal de trabalho, e que não é
remunerado. Esse tipo de reivindicação, conforme se mencionou em tópicos
anteriores, foi identificada em outros processos não somente com referência às
horas extras de aulas ou de participação em reuniões não pagas, mas em outras
atividades extras como: atividades de dedicação a pesquisa e orientação. Ademais,
também identificadas argumentações e pedidos referentes a outras atividades extras
realizadas via internet como, por exemplo, orientação de trabalhos acadêmicos
correntes e orientação de trabalhos de final de curso. Vejamos na narrativa abaixo
uma referência a utilização da internet no trabalho de orientação de discentes:
“9.1 Mais uma vez, a reclamada nega a realidade, com o fim de se beneficiar, por
meio de trabalho gracioso. Ao contrário do que afirma, as orientações jamais
tiveram lugar durante o horário de aulas, sempre ocorriam após o final dessa na
sede dela e pela internet.”(BRASIL, SINPRO-GO, processo 2289/08, Petição
TRT 18º N. 206544-2/2)
Há que se pontuar que o trabalho desenvolvido pelo professor via
internet45, como o de orientação a alunos é uma realidade cada vez mais presente
no cotidiano do mesmo. E apesar de significar a extensão do trabalho, invadindo
cada vez mais suas horas de lazer e descanso (DEJOURS, 2003), sequer é
cogitado na legislação para o computo de sua remuneração. Outro caso relativo à
questão do trabalho extraordinário do professor pode ser exemplificado conforme a
sentença judicial que segue:
“Hora extra - atividades Externas
[...] que a coordenação tem conhecimento da realização desses eventos quando
eles são realizados; [...] que cada professor organiza a sua VT (verificação de
trabalho), conforme achasse conveniente [...] Causa estranheza o fato de a
reclamada recusar-se remunerar um professor que busca, por sua própria
iniciativa e em conformidade com a política da instituição – proporcionar ao aluno
uma maior qualidade de ensino [...] Ainda, a testemunha apresentada pela
empresa, como visto, admitiu que havia competições externas inseridas nas
45Não se pretende aqui, aludir que a internet represente primordialmente uma forma de precarização do trabalho do professor, pois em grande medida a tecnologia da informação tem facilitado o trabalho docente possibilitando-lhe ganho de produtividade e de tempo. Mas nem por esse motivo, as horas trabalhadas na internet deixam de ser horas não remuneradas, além de representar maior invasão das atividades da função docente no cotidiano do professor, significando, portanto, também mais trabalho não remunerado.
101
atividades da instituição; e a reclamada não impugnou especificamente a alegação
de que a reclamante participara dos eventos listados no item 5.2 (fls. 05/06), nem
produziu prova de que havia alunos de outras instituições nesses eventos (artigos
818 da CLT, 302 e 333, I, do CPC). Defiro, pois, trinta e nove horas
extraordinárias, com adicional de 50%, pela participação nas atividades listadas no
item 5.2 (fls. 05 e 06).” (BRASIL, SINPRO-GO, 2010: processo 2289, Petição TRT
18º N. 02289-008, p. 5- 7).
No caso acima, a argumentação do juiz fundamenta a sentença
favoravelmente ao docente, e evidencia o esforço do mesmo em desempenhar seu
trabalho com a preocupação de elevar o nível de qualidade do ensino. Salienta-se
que o docente em IES privadas, não raras vezes, mesmo em condições adversas se
esmera no cumprimento de sua função docente, até para suprir as deficiências
estruturais de instituições em que presta seus serviços, principalmente nas
instituições de menor porte. Entretanto, conforme é indicado na narrativa em análise,
nem sempre há reconhecimento, financeiro ou de qualquer outra natureza, do seu
trabalho empenhado.
Em suma, o trabalho extraordinário para o caso do professor se apresenta
por mais de um motivo como um fator de precarização das condições de trabalho do
docente em IES privada. Em primeiro lugar, por que necessariamente implica em
alongamento da jornada de trabalho. Segundo, porque dado a submissão do
docente aos condicionamentos que a IES privada impõe, nem sempre o trabalho
extra é remunerado. Em terceiro lugar, pelo fato de que algumas atividades docentes
não são contadas, e nem sequer identificadas como extensão das horas em salda
de aula como, por exemplo, a orientação via internet não é reconhecida em lei, e,
portanto, também não é remunerada e nem tão pouco reivindicada.
Férias e descanso não remunerado
A elevação da carga de trabalho, conforme observou Rosso (2008), se
expande com características diferenciadas por ramos de atividades diferentes
produzindo efeitos sobre os corpos dos trabalhadores:
“Seja por meio da explosão tecnológica da informática, seja por meio da
reorganização social, o trabalho é transformado, redesenhado, precarizado,
intensificado. Das especificidades próprias do trabalho contemporâneo parece
resultar um conjunto de problemas de saúde de natureza diversa. Em decorrência
das crescentes exigências emocionais e mentais do trabalho, supomos que seria
102
possível encontrar sinais de um volume maior de problemas dessa ordem sobre a
saúde do trabalhador” (Rosso, 2008, p. 136)
Fato é que as exigências sobre o trabalho do professor afetam diretamente a
sua qualidade de vida. Para o caso do docente em IES privadas, essas imposições
relacionam-se a exigências quanto a horário, formação, informação, nível de
instrução e titulação, experiência, conhecimentos teóricos e práticos, publicações, e
também a cobrança tácita ou explicita de adaptação à ideologia da empresa no trato
com seus clientes, neste caso, os discentes das instituições particulares. Nesse
aspecto, recorre-se a Dejours (2003) onde o mesmo explica que para o trabalhador
existe o sofrimento daqueles que temem não satisfazer as imposições da
organização do trabalho.
Nesse tocante, entende-se que qualidade de vida e saúde são questões
amplamente interrelacionadas, já que a definição de saúde contempla o uma
condição de bem-estar físico, mental e social, conforme a Organização Mundial de
Saúde (JÚNIOR, 2005), ou seja, inclui o bom funcionamento do corpo, sensação de
bem estar espiritual e social. Conforme Pereira (2010), a qualidade de vida no
trabalho explica-se pela forma como o sujeito se relaciona com o ambiente externo e
consigo mesmo, equilibrando as influências e as forças de ambos. Desse modo, a
qualidade de vida no trabalho expressa as transformações que regem as relações
de trabalho na sociedade contemporânea e que afetam a saúde. Para Rosso (2008),
os efeitos sobre a saúde da classe trabalhadora extrapolam a questão física se
manifestando também na saúde mental. Esse autor lembra que para o entendimento
desta questão, no caso brasileiro, são necessárias pesquisas que se voltam ao
contexto atual do trabalho, entendendo que este contexto “recebe influências das
formas sofisticadas de acumulação flexível [...] imprimindo uma ideologia que
justifica como naturais e inerentes às situações certas transformações na realidade
de trabalho” (MENDES et al, 2002 apud ROSSO, 2008, p. 139) que, na maioria das
vezes, de forma perversa potencializam os riscos à saúde do trabalhador.
Os “sinais de problemas sobre a saúde do trabalhador” aludidos por
Rosso, são exemplificados no trabalho do professor através da pesquisa de Pereira
(2006). Tal pesquisa indica que tais problemas que podem acometer docentes em
IES privadas, um deles poderia ser o adoecimento ocasionado por pressões
cotidianas de maiores cobranças e exigências, em parte devido às transformações
103
do mundo do trabalho que campeiam no sistema de ensino superior privado. Dentre
estes adoecimentos, estaria o estresse (op Cit, p. 22). Assim define o estresse “como
o resultado da relação entre a pessoa, o ambiente e as circunstâncias que o cercam”
(CONTAIFER, et al, 2003 apud PEREIRA 2006, p.22) acarretando várias
consequências nocivas, dentre estas, a Síndrome de Burnout. Explica a autora que
essa síndrome se caracteriza pela exaustão emocional em função de estressores
ocupacionais46, salientando que as profissões atualmente mais afetadas por essa
síndrome são os policiais, enfermeiros e professores.
Diante disso, em face das maiores “exigências emocionais e mentais do
trabalho”, se expandindo também para o setor de serviços, e, por conseguinte, sobre
o trabalho do professor, supõe-se que o direito ao descanso deveria ser inviolável
em vista de significar uma forma de equilibrar o estado psíquico-fisiológico do
professor que, ao que tudo indica, se encontra ante as condições de trabalho
intensificado, e por diversos modos precarizado. Entretanto, o que se abstrai da
investigação sobre os processos é que nem sempre esse direito tem sido respeitado.
Tomando por base os processos pesquisados, com referência nos dados analisados
no tópico 2.2.3, chama à atenção a expressiva soma de reivindicações relativas à
questão do descanso remunerado, que podem ser exemplificadas na alegação
transcrita abaixo:
“6 Da Não concessão e do não pagamento das férias nas datas legalmente
devidas
6.1 A teor do que determina o Art. 145, da Consolidação das leis do trabalho –
CLT, as férias dos trabalhadores devem, obrigatoriamente, ser-lhes pagas com a
antecedência mínima de dois dias antes do início de seu gozo. [...] 11.2 Frise-se,
prefacialmente, que a reclamante nada confessou a esse respeito, nem poderia,
porquanto estaria praticando falsidade ideológica, uma vez que jamais gozou de
suas férias, pois, em tempo algum, recebeu-as, antecipadamente, consoante
dispõe o Art. 145, da CLT. [...] 11.3 (...) A prova documental inconteste, sem
desprezar a oral, pode ser obtida pelo cotejo, nos extratos bancários, dos
supostos meses de férias com as datas de efetivo pagamento delas (...)” (BRASIL,
SINPRO-GO, 2010: Processo 762/2009, Petição – 030869- 3/3, p. 4, 5)
46 O estresse ocupacional se daria em decorrência das tensões associadas ao trabalho e à vida profissional, originando-se de dois fatores: 1- individuais ( do empregado), relacionando-se a atitudes, valores expectativas, preocupações, conhecimento; 2- organizacionais (da empresa), relacionando-se a estilos de liderança, reconhecimento, higiene e segurança, relações humanas e ambiente físico. (PEREIRA, 2008).
104
O trecho acima indica a violação do direito preposto do docente em dois
sentidos: o primeiro referente a não remuneração do descanso do professor em
tempo hábil, ou seja, enquanto o docente está em pleno exercício da atividade,
portanto, representando um desfalque no seu rendimento previsto. Nesse caso, a
falta da remuneração em expectativa, em boa medida, pode implicar em dificuldades
de manutenção do padrão de vida e, por consequência queda na qualidade de vida.
O segundo está relacionado diretamente à supressão do direito a um período
sabático, ou melhor, de afastamento do trabalho para reordenamento das condições
físicas e principalmente mentais, dado a peculiaridade do trabalho acadêmico, numa
reposição de forças necessária a condições equilibradas de recomeço da nova
jornada.
Em suma, apreende-se que a posse dos direitos ao descanso remunerado
pelo professor, representa a viabilização do restabelecimento físico e psicológico
necessário a satisfação pessoal, qualidade de vida e também satisfação no
desempenho do trabalho. Entretanto, conforme se pôde depreender da pesquisa a
partir das reivindicações quanto a férias, recesso ou descanso remunerado, é que
há indícios de que tais direitos salutares podem não estar sendo considerados como
deveriam.
Direitos de seguridade social, previdenciários, salariais e de verbas
rescisórias
Muito embora reivindicações sobre seguridade social, previdência,
questões salariais sejam recorrentes em qualquer tipo de demanda trabalhista,
chamou a atenção a reincidência desse tipo de reivindicação na amostra de
processos analisados. Essa constatação leva ao seguinte questionamento: esse tipo
de reivindicação segue uma tendência corriqueira ou mesmo cultural de conflitos
trabalhistas ou ocorre proporcionalmente ao afrouxamento da regulamentação do
Estado sobre as relações trabalhistas?
Seguindo as pistas que possam contribuir para uma resposta a este
questionamento, é preciso ressaltar que para todos os pedidos identificados nas
demandas trabalhistas havia, explicita ou implicitamente, uma legislação
relacionada. Melhor explicando, independentemente da interpretação e decisão
judicial, mediante ao processo de comprovação, a reivindicação se ancorava num
105
aparato legal instituído. Mediante essa constatação, pode-se inferir que muito
embora, os diversos aspectos que norteiam as relações e condições trabalhistas,
possam ser regulamentados por predisposições já contempladas nas legislações
trabalhistas, é possível inferir que a prática dos empregadores no ensino superior
privado é a de negligenciamento a esses direitos. Isso pode ser exemplificado na
narrativa das transcrições que seguem.
“3.4 É consabido que os direitos dos docentes, no âmbito da iniciativa privada, são
regidos pelos Art. 317 a 323, da CLT, pela Lei N 605/49 e pela Súmula 351, do
colendo TST.
3.4.1 A teor do que estipula o Art. 320, caput e Parágrafo 1º, da CLT, combinado
com o 7º, da Lei N. 605/49 e com a base na carga horária semanal, multiplicada
por 4,5 semanas, acrescidas, cada uma delas, de 1,6, a título de repouso semanal
remunerado.
3.5 Pois bem, a reclamada, de forma ilegal, ao arrepio dos dispositivos legais e
jurisprudencial retrocitados, não considera e não remunera consoante os seus
comandos os docentes que ministram o estágio supervisionado, do curso de
fisioterapia, fazendo-o, tão somente, quanto aos das demais disciplinas.” (BRASIL,
SINPRO, 2010: 988/2009 - Petição TRT 18ª 052214- 3/3)
O trecho acima explicita uma forma de supressão do direito do docente
por parte da instituição que não remunera de forma justa e equitativa, conforme
preposto legal, professores que exercem o mesmo tipo de atividade. Não obstante
ao floreamento que o reclamante possa ter dado à questão, o que chama atenção,
neste ínterim, é o indicativo da possibilidade de as IES privadas estarem se
aproveitando das dificuldades do Estado - ou da já aludida flexibilização e pretensa
desregulamentação - em acompanhar com maior acuidade as condições e relações
trabalhistas no cotidiano. Essa forma de atuação das IES intentam, explicitamente,
subverter os direitos dos docentes, transformando-os em saldo de caixa, mesmo que
temporário, para as instituições. Isso, pelo menos até que a justiça, em alguns
casos, os restitua ao professor, conforme se pode observar pela sentença abaixo.
No exemplo que segue, direitos básicos tais como o de Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço (FGTS) e remuneração pela força de trabalho despendida e suas
diferenças salariais reflexas tiveram que ser resgatados através da justiça do
trabalho.
“DAS DIFERENÇAS SALARIAIS
106
[...] Assim, a empresa é livre para organizar sua atividade econômica, inclusive
agrupando turmas, porém, nos termos do artigo 468 CLT, não poderá reduzir a
remuneração dos professores senão nas hipóteses descritas. [...] Tal ônus cabe a
ré, por se tratar de fato modificativo do direito da autora (CPC, artigo 333, II). Este
ônus da reclamada decorre ainda do Princípio da Aptidão para a Prova [...] Como
a requerida não produziu a prova documental indispensável para provar a licitude
[...] defiro o pedido de diferenças salariais, a partir de setembro de 2005, assim
como seus reflexos em aviso prévio, 13º salários, férias acrescidas de 1/3, FGTS e
indenização de 40% do FGTS.” (BRASIL, SINPRO, 2010: processo 00926 2009)
Fato é que o descumprimento das obrigações contratuais pela reclamada
foi a prática mais identificada nas demandas trabalhistas pesquisadas no SINPRO-
GO. Sendo que, das reivindicações, as mais reincidentes foram as relativas à
seguridade social47. Com base no Artigo 194, 201 e 203 da Constituição Federal de
1988, “a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa
dos poderes públicos e da sociedade, destinados a assegurar os direitos relativos à
saúde, à previdência e a assistência social”. A esses se relaciona as reivindicações
relativas ao não depósito do FGTS foi, conforme observado na Tabela 3.1, o
identificado com maior recorrência nos processos. Essa é uma contribuição que
decorre da relação de trabalho e constitui saldo de conta vinculada. Conforme
Sussekind (1996), individualmente, o FGTS é um crédito trabalhista resultante da
poupança forçada do trabalhador, com a finalidade de socorrê-lo em situações
excepcionais, durante a vigência do vínculo empregatício ou na cessação do
mesmo. Portanto, não menosprezando os demais, é um direito essencial para
garantir o bem estar do docente em momentos de dificuldades, não podendo passar
ao largo a possibilidade de sua não obtenção. Além de tudo, representa uma
“poupança forçada” do próprio trabalhador, e por assim dizer, um sacrifício durante
todo o período contratual que fortalece o caráter de injustiça caso não haja a sua
posse. As narrativas a seguir servirão para ilustrar o tratamento às demandas sobre
os direitos em questão na justiça do trabalho:
“III DO DESCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS PELA RECLAMADA
47 Instituído no Brasil aos moldes do que é recomendado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), se “caracteriza como um sistema de proteção social que a sociedade proporciona a seus membros, mediante uma série de medidas públicas contra as privações econômicas e socais que de outra maneira provocariam desaparecimento ou forte redução dos seus rendimentos em consequência de enfermidade, maternidade, acidente de trabalho, enfermidade profissional, emprego, invalidez, velhice e morte, bem como de assistência médica e de apoio à família com os filhos” (Brasil, 2010).
107
4 DA FALTA DE ANOTAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO NA CTPS
4.1 Apesar de viger, ininterruptamente, de 26 de outubro de 2007 a 30 de março
de 2008, o contrato de trabalho da reclamante não foi anotado na sua CTPS,
sendo que, como consequência, não se recolheu as contribuições previdenciárias
devidas, quotas-parte da empresa e do empregado, nem se efetuou o depósito do
FGTS. Aliás, sequer se abriu conta vinculada em seu nome.” (BRASIL, SINPRO-
GO, 2010: Processo 1951/2008, Petição TRT 18ª 103531-3/3, p. 2)
Sentença de outra demanda:
“Assim, defiro à autora o pagamento da remuneração relativa ao período de
março/2006 a maio/2007, no qual permaneceu à disposição da reclamada, à
exceção da parcela denominada “aula magna”.
Deverá a reclamada, ainda, efetuar o recolhimento do FGTS, acrescido da multa
de 40% sobre o valor apurado com posterior liberação.” (BRASIL, SINPRO-GO,
2010:, Petição TRT 18ª 00956 2009)
A partir do exposto, é válido ressaltar que as reivindicações constatadas
na amostra de processos trabalhistas recaem com maior incidência sobre direitos já
consagrados na legislação trabalhista. Ou seja, segue um perfil, por assim dizer,
clássico de reivindicação, uma vez que os pedidos têm expectativa de certo respaldo
legal preexistente. Além disso, há que se ter em mente que a amostra analisada traz
apenas indicativos sobre relações e condições de trabalho do docente em questão,
representando apenas os professores que buscaram o SINPRO-GO para questionar
sobre seus direitos.
Não obstante, a partir das informações levantadas, embora não se possa
afirmar que está em processo a desregulamentação dos direitos trabalhistas em
função da flexibilização propositada dos mesmos por parte do Estado, há indicativos
de que possíveis deficiências de fiscalização preventiva nas relações trabalhistas, no
âmbito das IES privadas, favorecem ao negligenciamento aos direitos do docente.
Nisso sim, pode-se inferir do afrouxamento atinente a função regulamentadora do
Estado.
Os dados tabulados permitem inferir também que, para a maioria dos
professores, os direitos relacionados a partir dos processos pesquisados, que são
garantidos pela Constituição Federal (CF) e pela Consolidação das Leis trabalhistas
(CLT), seriam subtraídos caso não fosse reivindicados via intervenção da Justiça do
Trabalho.
108
Concluindo sobre as análises das narrativas jurídicas pinçadas dos
processos trabalhistas, observa-se que as mesmas serviram primeiramente para
ratificar e exemplificar tanto o trato jurídico às relações de trabalho docente, quanto,
especialmente evidenciar outras questões que imprimem precaridade na condição
de trabalho docente. Nesse sentido, diversos foram os indicativos de desvalor e
precarização do trabalho docente pela supressão de direitos, perpassando
condicionantes de afetação tanto física quanto mental que podem prejudicar o bem
estar docente. Condicionantes estes diretamente imbricados com o
negligenciamento dos direitos, tanto por parte do empregador, quanto por parte da
ausência de fiscalização prévia do Estado e, porque não dizer também, da
representatividade sindical.
Importante observar que o negligenciamento à legislação trabalhista
subsume também um condicionante de caráter moral: fato é que as exigências e
cobranças que se traduziram em pressões sobre o trabalho docente parecem ter
acuado o mesmo no tocante às reivindicações que se concentraram nos direitos já
consagrados na legislação trabalhistas em detrimento de reivindicações que
buscassem a melhoria das condições de trabalho. Neste caso, percebe-se uma
respectiva interrelação entre a ação docente e o enfraquecimento sindical. Com a
recondução de propósitos da força sindical, conforme já mencionado, num processo
reflexivo, se o filiado não reivindica a representação sindical, também não se
mobiliza. De tal modo, as informações obtidas a partir da pesquisa nos processos
trabalhistas pesquisados no SINPRO-GO, devem ser tomadas apenas como extrato
de uma realidade das condições de trabalho docente em IES privada que aparenta
ter problemática bem mais aprofundada.
109
CAPÍTULO 4: RELAÇÕES E CONDIÇÕES DE TRABALHO DOCENTE EM CONTEXTO DE MERCANILIZAÇÃO DO ENSINO: A OPINIÃO DO PROFESSOR
No capítulo anterior, dentre outros estudos, dedicou-se a fazer uma
verificação das condições de trabalho do professor a partir das demandas sobre
relações de trabalho de docentes em IES privadas. Porquanto, este capítulo se
reserva à tarefa de tirar a contraprova das informações e inferências abstraídas da
revisão bibliográfica contemplada no primeiro capítulo e principalmente da análise
dos autos dos processos realizada no capítulo anterior. Aqui, pretende-se orientar a
argumentação sobre as suposições suscitadas por meio da pesquisa qualitativa
junto aos docentes de IES privada, ainda, sob a luz das teorias que versaram sobre
a discussão em pauta. Desse modo, a intenção é a de seguir as pistas que sinalizem
respostas à questão problema: o escopo mercantil do ensino superior privado em
Goiás intensifica a precarização das relações e condições do trabalho docente
universitário desse meio?
Ante a tal propósito, a análise dos dados obtidos a partir da visão do
docente sobre a questão, será realizada conforme a seguinte sequência: num
primeiro momento, será feita uma abordagem quanto aos modos de gestão no
interior das IES privadas, avaliando-se possíveis sobreimplicações destas gestões
sobre o trabalho do professor neste meio; em segundo momento, a representação
sobre as relações e condições do trabalho docente sob a ótica do professor será
analisada a partir das tabulações estatísticas.
4.1- Velhas e novas práticas de gestão: sobreimplicação no trabalho
docente
De forma a contribuir para o entendimento de como as determinâncias do
macrocosmo, dentre elas, o processo de mercantilização do ensino afeta a as
relações e condições do trabalho docente, faz–se a seguir uma breve incursão sobre
os aspectos da gestão do ensino nas IES privadas.
Antecipando o a abordagem dos resultados da pesquisa qualitativa,
salienta-se que a falta de respostas não consensual dos entrevistados, podem estar
relacionadas à forma de gestão das IES pesquisadas. Alguns autores –Dourado,
2002; Fonseca 2008; Mancebo, 2007; Pereira, 2006 – consideram que o modelo de
110
mercantilização do ensino e seus instrumentos estratégicos, passaram a partir da
década de 1990, a serem encampadas nas gestões de IES públicas. Porém, com
base na literatura que aborda a questão – Adriolli, 2006; Bosi, 2007; Catani, 2001;
Fonseca 2001, Gentilli, 1996; Mancebo, 2009; Sucupira, 2005 – percebe-se
indicativos mais claros de efeitos e arraigamento do modelo mercantil nas redes de
ensino superior privado. Diferenciado dos objetivos de ‘ensino, pesquisa e extensão
da gestão’ que são os orientadores da gestão na IES pública, a gestão na IES
privada será conduzida com foco nos objetivos que norteiam o capital empresarial48:
lucro e, em certos casos, expansão. Tornando-se indispensável para tanto, a
utilização de meios que viabilizem esses objetivos, quais sejam, técnicas de gestão
que racionalizem e otimizem a aplicação do capital em observância às modificações
e tendências de mercado, e ao comportamento das empresas concorrentes.
Explica-se que o modo de gestão pode implicar em maiores ou menores
exigências e pressões sobre o trabalho docente. De modo geral, as pressões podem
aumentar quando se observam a utilização das tradicionais técnicas, seguindo
propostas taylorista e fordistas, combinadas com modernas técnicas de
administração que se baseiam no modelo toyotista. Quanto às propostas tayloristas
e fordistas, pode-se tomar como exemplo o maior controle do tempo e da quantidade
de conteúdo a ser ministrado, no ambiente de IES privada. Já no tocante ao modelo
toyotista (ou outras recentes técnicas de gestão do trabalho), sinais de exigências
quanto à polivalência, versatilidade e flexibilidade do professor, foram empiricamente
observados nas IES privadas em Goiás, suscitando a investigação via pesquisa
qualitativa. Identifica-se como inserido no contexto da flexibilidade, dentre outros
48 Levando em conta a necessidade de reavaliação sobre o modo de gestão do ensino em respeito às suas peculiaridades e características que, explicitamente são diferentes de produtos industriais tangíveis e manuseáveis, observa-se indicadores de que certas estratégias de administração dos empreendimentos em ensino superior privado se apresentam idênticas às conduzidas em empresas industriais. Essa constatação pode ser elucidada ao modo como explica Anita Kon: “As firmas capitalistas, como visto nos capítulos anteriores, constituem um lugar central de acumulação de capital e, neste sentido, são constantemente impulsionadas à procura de novas oportunidades de crescimento da produção e de aplicação do capital acumulado. Neste processo, as estratégias de crescimento e ampliação de mercados são elaboradas através da inovação tecnológica – seja instituindo novas técnicas para produção de um mesmo produto, seja através da introdução de novos produtos – e do esforço de vendas através de campanhas promocinoais na busca de ampliação de mercados.” (Kon, 2004, p.83). Ressalta-se que para o caso das IES privadas o produto é o ensino, traduzido no formato de cursos oferecidos pela instituição. As “campanhas promocionais” podem ser identificadas tanto na estratégia de preços, na propaganda veiculada na mídia, quanto nos mecanismos internos de manutenção do alunado, estes nem sempre orientados pelo real busca de qualidade do ensino, mas pelo efeito de marketing do argumento.
111
aspectos já mencionados, as exigências ao professor no tocante a adesão e
aplicação de princípios de qualidade total, bem como, a cooperação em estratégias49
para conquista e fidelização do consumidor, no caso, o discente.
Conforme Mancebo (2007), para o trabalhador, de modo geral, a
flexibilidade do padrão toyotista pode trazer vantagens, pelo menos, no tocante a
contraposição rotina-controle fordista. Justifica-se que a flexibilização tem como
pano de fundo para uma mobilidade eficiente, o fim do horário regular de trabalho, o
uso do tempo parcial e o trabalho temporário em subcontratos. Depreende-se que,
em tese, esse modelo favoreceria a uma relativa liberdade do trabalhador.
Entretanto, os efeitos agregados para a os trabalhadores como um todo, segundo
aquela autora, são decisivamente negativos em função dos novos ritmos e
exigências impingidos sobre o trabalhador. Desse modo, é factível interpretar que as
condições do trabalho docente em questão é agravada uma vez que pesa sobre ele
a sobreimplicação, em maior ou menor medida dependendo da instituição, da
utilização de ambas as técnicas de gestão.
Silva (2008), em uma pesquisa em IES privadas em Goiás, traz
indicadores que ratificam a argumentação sobre as diferentes técnicas de gestão
utilizadas nesse setor, vejamos:
“Além da diferença de preços das mensalidades e consequentemente do público
estudantil a que se dirigem, cumpre notar que as Faculdades Padrão e Alfa
possuem tipos de gestão bastante diferentes. A Faculdade Padrão adotou um
modelo de gestão familiar centrado na figura de seu proprietário mantenedor,
aproximando-se do que Weber chama de Dominação tradicional. A Faculdade
Alfa, por sua vez, não obstante se apresentar como um empreendimento familiar,
estruturou-se de forma muito mais burocrática do que a faculdade Padrão,
assumindo, portanto as feições de Dominação Legal [...]” ( SILVA, 2008, p. 214)
Das múltiplas tecnologias de gestão aplicadas, nota-se que a utilização da
estratégia de preços pode caracterizar o modelo de gestão tradicional50. Porém, o
autor destaca também que ambas as instituições se caracterizavam pelo modelo de 49 Dentre essas técnicas, a partir da observação empírica, pode-se considerar que haja nas IES privadas certa condescendência, ou melhor, menor nível de exigências didático-pedagógicas em relação às obrigações dos discentes.
50 Segundo Silva (2008) a diferença de preços das mensalidades entre as instituições citadas era de 39,28% em relação ao curso de Administração de empresas, de 16% em relação ao curso de Direito, de 31,13% em relação ao curso de Pedagogia e de 32,38% em relação ao curso de Ciências Contábeis, à época de sua pesquisa.
112
direção familiar51, com a diferença de que, numa delas, as técnicas de gestão
moderna foram identificadas dado à estrutura burocratizada.
Numa análise relacional sobre preços de mensalidades e condições de
trabalho do professor, é preciso observar que mensalidades mais baixas suscitam,
ou tornam exigíveis, outros mecanismos de gestão visando à diluição dos custos da
estrutura organizacional montada, sob pena da empresa não obter o retorno
esperado. Tais mecanismos podem contemplar, por exemplo, a opção por
composição de salas mais cheias, por junção de turmas, ou mesmo, por redução do
valor da hora/aula do professor. De outro modo, a estratégia de mensalidades mais
elevadas, naturalmente também suscitam formas mais aprimoradas de gestão para
otimização da aplicação do capital e condução do negócio, principalmente primando
pela qualidade, mesmo que se apresentem apenas enquanto estratégia de
marketing para justificar o preço e manter a procura, em vista da concorrente praticar
preços mais baixos. Para a opção de mensalidades elevadas, também nada impede
que as mesmas estratégias de diluição de custos supracitadas sejam aplicadas.
Desse modo, mesmo havendo heterogeneidade na condução do empreendimento
nos aspectos aqui mencionados, como a finalidade das IES privadas é o lucro,
parece ser inevitável que as estratégias administrativas acabem pesando, de algum
modo, sobre o maior esforço, adequação e sacrifício do trabalho docente, e, em
última análise, prejuízos ao aprendizado do alunado.
51 Com a finalidade de ilustrar aspectos da gestão familiar, bem como, o caráter mercantil imprimido na gestão do empreendimento educacional de ensino superior privado, faz-se a transcrição do relato de Silva (2008) sobre sua entrevista aos proprietários de duas IES privadas de Goiás: “[...] O proprietário da Faculdade Padrão, conforme sua fala em entrevista a essa pesquisa, é proveniente das camadas populares, sendo (sic) engraxate e vendedor de sabão “de bola” nas ruas de Goiânia para depois cursar Direito, tornar-e funcionário técnico-administrativo da Universidade Federal de Goiás, montar seu próprio negócio, o Colégio Padrão, e se tornar o proprietário de uma das instituições de educação superior que mais cresceu nos últimos anos em Goiás. Os mantenedores e proprietários da Faculdade Alfa, por sua vez, já se encontram estruturados enquanto grupo empresarial há cerca de 45 anos no mercado da indústria e do comércio não apenas em Goiás, mas no Brasil como um todo. Esse grupo foi proprietário da atacadista Alô Brasil, que foi por vários anos a maior atacadista da América Latina. Atualmente, além da Faculdade Alfa, o grupo é um dos franqueadores da coca-cola (sic) no Brasil, possuindo franquia para produzir e distribuir essa marca nos Estados de Goiás e Tocantins. São proprietários ainda dos Refrescos Bandeirantes, empresa esta responsável pela fabricação da coca-cola (sic), de uma empresa envasadora de água (Acqua Lia), de uma empresa de produção de vasilhames, de uma empresa de rastreamento de cargas (em São Paulo) e de uma empresa de criação de Softwares, além de outras empresas em fase de criação na área de construção civil e na área de venda, revenda e locação de automóveis. Note-se que essas informações foram repassadas pela Diretoria acadêmica da Faculdade Alfa.” (SILVA, 2008, p. 214)
113
Rosso, em estudo sobre as IES privadas no Distrito federal, sinaliza uma
explicação para esse fenômeno de gestão heterogênea ao indicar que a forma de
condução da gestão do ensino superior privado é um processo que ainda está em
vias de implantação e consolidação. Além disso, segundo esse autor, inexiste “uma
teoria consensual de gestão do trabalho educacional que explicite as capacidades e
competências” (ROSSO, 2008, p. 176) de forma a orientar o teor e a intensidade das
exigências ao professor.
Silva (2008) enfatiza que embora os docentes de IES privadas em Goiás,
pesquisados por ele, tenham se mostrado bastante críticos em relação “à
massificação da educação superior, bem como em relação às condições de trabalho
do corpo docente desse nível de ensino, sobretudo daquelas pertencentes ao setor
privado” (op cit, p. 211), tais docentes consideravam o processo de privatização
necessário, por entenderem que o poder público não consegue suprir a demanda
por ensino superior no país. Mas, não por esse motivo, deixam de perceber que há
falta de compromisso com aprendizagem e também excesso de cobranças para com
os docentes, compreendidos como excesso de burocracia52, por parte deste tipo de
instituição.
Mediante o exposto, é preciso frisar a constatação de que a diversidade
de mecanismos utilizados na gestão das IES privadas não só se traduz em um
fenômeno heterogêneo (ROSSO, 2008, SILVA, 2008) de complexidade relevante,
mas, principalmente, resulta em igual multiplicidade de condicionantes sobre o
trabalho docente.
Resumindo, certamente, as diferentes situações vivenciadas pelos
docentes no interior das instituições em que trabalham devem suscitar uma visão
multivariada sobre suas condições cotidianas. No entanto, mesmo não tendo sido
encontrado unanimidade de respostas a nenhum dos quesitos pesquisados neste
trabalho, o que se observa é uma considerável frequência de alinhamento de
52 A pesquisa de Silva (2008) elucidou duas visões que o docente possui sobre a IES privada em Goiás, valendo a pena também, transcrevê-las aqui: “A visão dos professores da Faculdade Padrão acerca da Instituição em que trabalham tendeu a ser bastante negativa. Criticaram principalmente a postura arbitrária de membros da coordenação e direção da instituição e a falta de compromisso com a aprendizagem por parte do alunado. Os professores da Faculdade Alfa, por sua vez, avaliaram a instituição em que trabalham de forma mais positiva, salientando principalmente a transparência da missão e dos objetivos da instituição em que trabalham. Alguns professores da Alfa que concederam entrevista, no entanto, criticaram o excesso de burocracia em termos de prazos de entregas de notas, relatórios, etc. Além disso, criticaram o fato de que os dirigentes dão mais voz aos alunos do que aos professores”.
114
opiniões sobre as relações e condições de trabalho docente, conforme se verá na
análise subsequente.
4.2 - Representação das relações de trabalho a partir da visão do
professor
De modo geral, a representação sobre as relações e condições de
trabalho do professor, nesta pesquisa, traz resultados confluentes com o que já foi
identificado em outras pesquisas que trataram sobre a temática tanto em Goiás
quanto em outros Estados e regiões do País. Não obstante a isso, seria pouco
coerente encampar a temática do trabalho do professor, sem considerar o olhar do
sujeito pesquisado. Uma vez que se critica políticas massificadoras no campo da
educação, não considerando as diversidades, bem como o saber dos professores
sobre suas realidades locais, seria negar possibilidades de se vislumbrar alternativas
para a resolução da problemática. Nesse sentido, é válido citar Shiva (2003):
“As alternativas existem, sim, mas foram excluídas. Sua inclusão requer um
contexto de diversidade. Adotar a diversidade com uma forma de pensar, como
um contexto em ação, permite o surgimento muitas opções.
Embora essa autora tenha analisado um tema de natureza diferente do
deste trabalho (biodiversidade), vários pontos de sua análise podem ser aplicados
ao contexto da educação superior atual no País, principalmente em relação às
interferências do capital global sobre a economia, cultura e sociabilidade locais.
Mesmo porque ambas temáticas possuem alguns condicionamentos assemelhados
em relação às estruturas estruturantes, que de modo geral para as duas análises,
podem ser traduzidas como sendo o interesse do capital se sobrepondo às
necessidades sociais. De tal modo, considerando a diversidade nas realidades do
trabalho docente universitário em IES privadas em Goiás, analisemos a seguir suas
opiniões sobre alguns aspectos relacionados a seus contextos de trabalho.
Nível de exigências e cobranças sobre o trabalho docente
Para a identificação da percepção do professor sobre o nível de
exigências e cobranças, o mesmo foi indagado de modo a fazer um comparativo em
relação à época em que iniciou suas atividades como docentes em IES privadas.
Conforme os dados tabulados, 3 informaram terem iniciado na década de 1970,
115
apenas 1 na década de 1990, 7 na década de 1990, e a maioria dos pesquisados,
36, afirmaram ter iniciado seus trabalhos na década de 2000. Além disso, 3
pesquisados não informaram a data de início.
Num comparativo das exigências e cobranças em relação à época de
início de suas atividades, para a maioria dos docentes 35 (71,4% dos entrevistados)
intensificaram-se as exigências sobre seu trabalho. Apenas 6 professores (12,2%)
indicaram que houve diminuição, e 7 professores consideram que as exigências são
iguais. Já sobre as cobranças, também 35 docentes (71,4%) disseram que são mais
cobrados que anteriormente, 13 (26,5%) disseram que não aumentaram as
cobranças.
Das formas de exigências apresentadas, conforme o Quadro 4.1, a
questão da versatilidade é a mais recorrente no âmbito das IES privadas
pesquisadas. Para efeito desta pesquisa, a versatilidade foi relacionada à prática de
atribuir à um mesmo professor a responsabilidade de ministrar disciplinas diferentes.
Essa prática pode ser relacionada, consoante as estratégias e finalidade das
instituições em evidência, quanto à redução de custos com folha de pessoal, uma
vez que se economizam custos de contratação. Em resposta semi-aberta, um
docente informou no questionário, que lecionar disciplina diferente é uma das
estratégias53 utilizadas pela instituição em que trabalha para punir descumprimento,
por parte dos docentes, às determinações dos gestores.
Os entrevistados indicaram em semelhante faixa de exigência, dado o
percentual de respostas do total de entrevistados, respectivamente, quanto à
flexibilidade de tempo, horário e dias de trabalho, 49%, polivalência, relacionada à
exigência de desempenhar atividades além da docência, 46,9%. Neste último caso,
conforme observação empírica, é possível vincular, por exemplo, tanto atividades
relacionadas a serviços administrativos, quanto de colaboração em eventos que tem
como objetivo o marketing da instituição, sob escopo de ação social (tanto junto aos
discentes matriculados quanto aos potenciais clientes, ou melhor, discentes). Trotes
solidários, maratonas, distribuição de doações e outros eventos do gênero podem
caracterizar essas formas de propaganda que exigem o trabalho do professor.
53 Outras estratégias seriam redução da carga horária e demissão.
116
QUADRO 4.1
TIPOS DE EXIGÊNCIAS SOBRE OS DOCENTES EM IES PRIVADAS, GO, 2010
Exigências Respostas dos Docentes
(%) da Amostra Total (*)
Polivalência - desempenhar atividades além da docência
23 46,9
Versatilidade - ministrar disciplinas variadas
30 61,2
Flexibilidade - De tempo, horário e dias de trabalho
24 49,0
Competência e habilidade para ministrar “aula show”
11 22,4
Horas extras em atividades docentes remuneradas
4 8,2
Horas extras em atividades docentes não remuneradas
21 42,9
Horas extras em outras atividades acadêmicas remuneradas
6 12,2
Horas extras em outras atividades não remuneradas
13 26,5
De maior rigor em cumprimento de horários
20 40,8
De titulação
19 38,8
Não responderam
5 10,2
Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora.
Em seguida, em percentual aproximado, mas de forma decrescente,
identificam que há exigência também quanto à realização de horas extras em
atividades docentes não remuneradas (21 respostas, 42,9% dos entrevistados), de
maior rigor em cumprimento de horários (20 respostas, 40,8% dos entrevistados) e
exigência de titulação (19 respostas, 38,8% dos entrevistados).
É importante destacar que, ratificando a identificação de que o professor
está realizando horas extras que nem sempre tem sido remuneradas, observa-se
baixo número de respostas, média de 5 (10% para os itens: horas extras em
atividades docentes remuneradas; e horas extras em outras atividades
remuneradas. Cumpre ressaltar que o maior rigor em cumprimento de horários tem
correlação direta com a ampliação da burocracia identificada nas IES privadas em
Goiás, por Silva (2008), conforme já comentado anteriormente.
Perguntados se consideram tais exigências como normais, desumanas,
de exploração do trabalho, ou se seguem tendência de mercado, o maior percentual
de respostas entre essas categorias, indicam que a relação de trabalho tem sido
117
baseada na exploração da força de trabalho do professor, conforme se pode
explicitar pela Tabela 4.1.
TABELA 4.1
DEFINIÇÃO DOS DOCENTES DE IES PRIVADAS QUANTO A EXIGÊNCIAS SOBRE O SEU TRABALHO, GO, 2010
Frequência Percentual
Normais 14 28,6
Desumanas 5 10,2
De exploração do trabalho 19 38,8
Seguem tendência de mercado 11 22,4
Total 49 100,0
Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora.
O sentido dado à questão da exploração do trabalho não foi diretamente
investigado junto ao docente. Entretanto, é factível inferir que ele pode estar
relacionando a exploração tanto à ampliação das exigências, quanto a outros
diversos condicionamentos observados, especialmente à questão do trabalho
realizado e não remunerado, ou em certos casos, não remunerado a contento,
conforme se verá adiante.
Avaliação e controle do trabalho docente
Considerando-se que um dos métodos de gestão racionalista tradicional é
o controle do tempo do trabalho, questionou-se aos entrevistados: Seu tempo de
trabalho é controlado via cartão de ponto?
Para essa questão, a grande maioria dos entrevistados (31) disse que
"sim", enquanto apenas 17 dos mesmos disseram que "não". Apenas um
entrevistado aludiu que existe outra forma de controle. Não se pode deixar de
salientar, ainda em oportuno tempo, sobre o despropósito que é controle do tempo
de trabalho do professor via cartão de ponto, uma vez que a natureza de seu
trabalho é de caráter intelectual. É claro que o registro das hora/aula ministradas
servem como parâmetro de identificação para questões de remuneração. Porém,
uma exigência excessiva quanto a esse tipo de controle serve também para ratificar
que a instituição despreza a força de trabalho que é realizada antes e após o horário
previsto de aulas de trabalho do professor na instituição. Ou seja, despreza ou no
mínimo menospreza o trabalho realizado em casa com planejamento e correção de
118
atividades, com orientação via internet, ou mesmo no interior da instituição antes e o
professor ter batido o cartão de ponto.
Levando-se em conta que a avaliação do docente também é por
excelência uma forma de controle do trabalho, em semelhante proporção os
professores responderam sobre se seu trabalho era avaliado via relatórios
preenchidos por terceiros, conforme se pode verificar no Quadro 4.2:
QUADRO 4.2
RESPOSTAS DOS DOCENTES DE IES PRIVADAS QUANTO AO CONTROLE VIA CARTÃO DE PONTO
E VIA RELATÓRIOS RESPONDIDOS POR TERCEIROS, GO, 2010
Questões Número de entrevistados e percentual na amostra
Sim Não Outra forma
Não Sabe/
Não Respondeu
Controle via Cartão de
Ponto 31 (63,3%) 17 (34,7%) 1 (2,0%) -
Controle via relatório
preenchido por
terceiros
30 (61,2%) 13 (26,5%) - 6 (12,2%)
Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora.
Ainda, sobre o aspecto do controle do trabalho do professor, quando
perguntados se há alguma forma de punição para o descumprimento das
determinações da IES privada em que trabalha, a maioria respondeu que "há", 23
dos entrevistados, enquanto que 19 responderam que "não há". Mas quando
indagados sobre se há alguma forma para assimilar e retransmitir políticas ou
ideologias da IES em que trabalha, as respostas se apresentaram divididas. 19
professores responderam que não há, enquanto 15 responderam que sim, porém
outros quinze não responderam à questão. Talvez, as respostas a esses dois
questionamentos possam ter sido prejudicadas, no caso de questionários aplicados
no interior das IES privadas, pelo fato de que os docentes possam ter se sentido
moralmente constrangidos em respondê-las.
Aspectos da remuneração do trabalho docente
No tocante a renda por ministrar aulas em IES privadas, quando
perguntados se considerava suficiente sua remuneração enquanto docente nesse
setor, a resposta obtida também foi expressiva: 85,7% dos entrevistados consideram
que a remuneração é insuficiente para o padrão de vida que identificam como
satisfatório. Apenas 6 (12,2%) entrevistados disseram que “sim”, a remuneração é
suficiente.
119
Essa constatação pode estar relacionada à possível depreciação da
renda do professor como resultado da própria mobilidade da mão de obra em
contexto de mercado flexível (MANCEBO, 2007). Não obstante, em certa medida,
também podemos avaliar essa situação correlacionando-a ao não pagamento de
trabalho extra-sala de aula, já comentado aqui. Quando questionados sobre se já
exerceram ou exercem trabalho extra-sala de aula que não foi ou não é remunerado
pelas IES, a maior parte, 26 professores disseram que sim, e apenas 16
responderam que não.
A renda mensal de um professor em uma IES privada, conforme os dados
tabulados (vide Tabela 4.2) varia de um a quatro salários mínimos. Sendo que a
maior parte dos entrevistados respondeu que ganha de 3 a 4 salários mínimos.
Uma vez que a remuneração dos professores se apresenta insuficiente
para a sustentação de seus padrões de vida, uma alternativa encontrada por eles
para complementá-la, é a vinculação a mais de uma instituição de ensino.
TABELA 4.2
RENDA MENSAL DO DOCENTE EM UMA IES PRIVADA, GO, 2010
Frequência Percentual Acumulado (%)
Menos de 1 salário mínimo 1 2,0 2,0
De 1 a 2 salários mínimos 6 12,2 14,3
De 2 a 3 salários mínimos 8 16,3 30,6
De 3 a 4 salários mínimos 19 38,8 69,4
De 5 a 6 salários mínimos 1 2,0 71,4
De 6 a 7 salários mínimos 3 6,1 77,6
Mais de 7 salários mínimos 9 18,4 95,9
Não sabe 1 2,0 98,0
Não respondeu 1 2,0 100,0
Total 49 100,0
Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora.
Perguntados sobre em quantas IES atualmente exerce a atividade
docente, em torno de 43% dos entrevistados responderam que em exercem em pelo
menos duas IES. Talvez seja pelo mesmo motivo renda que, em outro
questionamento, os 46,1% dos professores entrevistados disseram trabalhar em
120
mais de uma instituição, contra 53,1% que afirmaram exercer suas atividades em
apenas uma instituição.
Nesse tocante, é preciso considerar ainda que a maioria expressiva dos
profissionais docentes atuantes em IES privadas pesquisados exerce outras
atividades além da docência no ensino superior, num total de 32 entrevistados, ou
seja, 65,3% da amostra.
QUADRO 4.3
RESPOSTAS DOS DOCENTES ENTREVISTADOS EM IES PRIVADAS POR TIPO
DE ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DA EMPRESA EM QUE EXERCEM ATIVIDADES DIFERENTES DA DOCÊNCIA, GO- 2010
Organização administrativa Respostas dos
entrevistados
Percentual Percentual
Acumulado
Outras IES privadas 2 4,1 4,1
Outras empresas privadas 9 18,4 22,5
Empresa própria 9 18,4 40,9
Outras IES públicas 3 6,1 47
Outras empresas públicas 5 10,2 57,2
Outro tipo 4 8,2 65,4
Não responderam 17 34,7 100,0
Total 49 100,0 Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora.
Ainda questionados sobre em que tipo de empresa exercem essas outras
atividades, dos 32 professores que responderam a questão, 20 indicaram trabalhar
em empresas com organização administrativa de ordem privada. Conforme se pode
perceber nos dados da tabela abaixo:
A relevância desses dados também pode ser considerada, se levarmos
em conta que a maioria dos docentes que atuam nas IES privadas, exerce
atividades não docentes. Portanto, surgem duas hipóteses dessa constatação: a
primeira é a de que sendo baixa a renda do docente, ele precisa desenvolver outras
atividades para complementá-la, se sacrificando numa jornada de trabalho, no
mínimo dupla; a segunda é a de que a atividade principal de boa parte dos docentes
em IES privada pode não ser a docência no ensino superior. No entanto, em ambos
os casos, a atividade docente em IES privada apresenta ser uma relação de trabalho
instável, em que a busca por melhoria de renda poderá pressionar a mobilidade do
profissional.
121
Rotatividade e contratação flexível
Outro aspecto concernente à questão da mobilidade do professor de IES
privada em função da renda é a notória indicação da rotatividade concomitante ao
vínculo a várias instituições por parte dos mesmos.
Os indicativos de rotatividade do professor encontrados a partir da
pesquisa qualitativa ratificam os dados sobre a mesma questão, obtidos a partir da
pesquisa nos processos trabalhistas. Foi questionado ao docente sobre em quantas
IES privadas o mesmo trabalhou nos últimos dez anos. Enquanto que 26,5% dos
entrevistados afirmaram ter trabalhado em apenas uma IES privada nesse período,
57,1% dos entrevistados informaram ter trabalhado em mais de uma IES privada,
segundo demonstram os dados da Tabela 4.3.
Conforme os dados da Tabela 4.3, pelo menos 57,5% dos entrevistados
trabalharam em mais que duas instituições de ensino superior privado na última
década. Deste percentual, 48% representa o total de entrevistados que afirmaram
ter trabalhado em duas ou três IES privadas.
TABELA 4.3
NÚMERO DE INSTITUIÇÕES EM QUE O PROFESSOR EXERCEU ATIVIDADES DOCENTES NOS ÚLTIMOS 10 ANOS, GO, 2010
Nº de Instituições Frequência Percentual Acumulado
Apenas Uma 13 26,5 26,5
Duas 9 18,4 44,9
Três 10 20,4 65,3
Quatro 5 10,2 75,5
Seis 3 6,1 81,6
Nove 1 2,0 83,7
Não responderam 8 16,3 100,0
Total 49 100,0
Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora.
Resumindo, mais da metade dos professores entrevistados migraram de
trabalho em média 4 vezes durante 10 anos. O que significa uma média de
permanência de 2,5 anos em cada instituição.
122
Numa análise relacional, a média de permanência nas instituições, a partir
do período de admissão e demissão identificados nos processos trabalhistas, foi de
4 anos. Sendo assim, a questão da mobilidade se apresenta ser muito mais séria
quando tomamos as informações fornecidas pelo docente em IES privada. O
período de 2,5 anos em instituição de ensino privada pode ser insuficiente até para a
qualificação do professor via mestrado, que dirá para o professor implantar algum
projeto pela qualidade em função dos conhecimentos adquiridos via alguma forma
de titulação. Por esse raciocínio, é possível concluir que, grosso modo, além da
baixa remuneração nas IES privadas, este dado ratifica a informação sobre pouca
valorização trabalho do professor via planos de carreira. De outra forma, a afirmativa
de que o setor de ensino privado assume ser o ápice da flexibilização, é reafirmada
também na realidade goiana pelos dados da Tabela 4.4.
Com base nos dados desta tabela, se somarmos aqueles com contrato
por tempos determinado, os sem carteira e sem contrato assinado, mais os
professores substitutos, 17 pesquisados possuem forma de contratação vulnerável,
ou seja, trabalham sob regime temporário de contratação. Considerando, conforme,
exposto no capítulo anterior, que a carteira assinada como horista representa
também uma forma de maleabilidade das relações com o docente, tem-se então que
a condição de trabalho flexível alcançou 39 de 49 pesquisados.
TABELA 4.4
TIPO DE CONTRATAÇÃO DO DOCENTE EM IES PRIVADA, GO, 2010
Tipo de contratação Frequência (%)
Carteira Assinada como Horista 22 44,9
Contrato por tempo determinado 12 24,5
Carteira Assinada como de Tempo integral
9 18,4
Sem carteira e sem contrato 2 4,1
Professor substituto 3 6,1
Total 49 100,0
Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora.
Sindicalização e consciência sobre os direitos
Flexibilidade, sindicalização e consciência sobre direitos de classe
parecem três coisas intimamente relacionadas. A associação que se faz nessa frase
123
remonta Sennett (2007) quando este reafirma que dado a identidade moderna ser
mais fluida, tal fluidez requer desimpedimentos para que haja mobilidade. Por esse
motivo, conforme esse autor, a identificação com classes “se tornou uma estimativa
muito mais pessoal do eu e das circunstâncias” (op. Cit. p. 76). Seguindo esse
raciocínio, a fluidez da consciência de classes, bem como do movimento junto às
representatividades sindicais se tornam também fluídas.
De tal modo, dispersos também se tornam as reivindicações sobre os
direitos trabalhistas. A partir dos dados tabulados na tabela abaixo, podemos
evidenciar indicativos do que Sennett aponta em sua análise, associando-a a
tendência ou “liquidez” (BAUMAN, 2001) também da identidade de classe no
trabalho docente em discussão.
Dos dados relacionados sobre sindicalização e consciência de direitos
trabalhistas, um número chama a atenção: 81,6% dos professores pesquisados
informaram que não recorrem ao sindicato para reivindicar seus direitos trabalhistas,
e, no entanto, mais da metade (57,1%) dos pesquisados afirmou ser sindicalizada. A
correlação desses dois dados leva a inferência de que, grosso modo, embora haja
um relativo índice de sindicalização entre os professores pesquisados, os mesmos
se esquivam de ir à busca de seus direitos por essa via.
QUADRO 4.4
QUESTIONAMENTOS SOBRE ADESÃO SINDICAL E CONSCIENCIA DE DIREITOS TRABALHISTAS, GO, 2010
Questionamentos Opções de Respostas*
SI
M
(%) Não (%) N/S (%) N/R (%)
Teve Direitos trabalhistas,
previdenciários e de seguridade
social negados
14 28,6 32 65,3 1 2,0 2 4,1
Já recorreu ao sindicato para
reivindicar direitos
8 16,3 40 81,6 1 2,0 - -
Deixou de reivindicar direitos por
medo de perder o emprego ou de
retaliações
20 40,8 27 55,1 2 4,1 - -
Conhece todos os direitos de
Docente Universitário
27 55,1 19 38,8 2 4,1 1 2,0
É sindicalizado 28 57,1 21 42,9 - - - -
Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora. * Os termos N/S e N/R corresponderam respectivamente, no questionário, às opções: “Não Sabe” e “Não Respondeu”.
124
Embora a maior parte (55%) afirmou conhecer todos seus direitos, uma
soma expressiva, 40% dos entrevistados afirmaram não conhecer todos os direitos
docentes e, também, representando a minoria das respostas, em torno de 38,8%
disseram ter deixado de reivindicar seus direitos por medo de perder o emprego, ou
de sofrer retaliações. Por outro lado, em torno 65 % dos entrevistados entendem que
não tiveram seus direitos trabalhistas, previdenciários e de seguridade social
negados. Uma minoria considera que os referidos direitos foram negados.
Nesse tocante, é preciso esclarecer que estas últimas informações dos
docentes, se cruzadas com as respostas de outra pergunta no mesmo questionário,
denotarão contradição nas respostas. Por exemplo, com relação ao Quadro 4.1,
onde se observou um baixo número de respostas às horas extras em atividades
docentes remuneradas, em contraposição ao percentual expressivo de horas de
trabalho extra não pagas.
Levando em conta que para a maioria expressiva dos questionamentos
realizados aos docentes, os mesmos deram respostas que indicaram formas de
maior pressão e exigências sobre seu trabalho, o fato de os mesmos não
identificarem que seus direitos trabalhistas podem estar sendo desrespeitados,
embute uma incógnita que ora leva a duas possíveis54 respostas: ou as novas
realidades nas relações de trabalho não estão sendo contempladas pela legislação,
ou, os professores não conseguem interpretar o que está posto na legislação
correlacionando com suas relações de trabalho cotidianas. Talvez a própria fluidez
das relações tenha contribuído para que as informações também se tornem fluídas,
e, dado as pressões e exigências do mercado de trabalho, ou “circunstâncias”,
conforme expõe Sennett, os professores interessados deixem de buscá-las junto a
sua representatividade, já que 81% dos docentes disseram não ter aproximação
com a mesma.
4.3 - As condições do trabalho acadêmico
Mesmo considerando a existência de outras possíveis variáveis, também
afetando as relações de trabalho, os corolários da mercantilização – traduzidos na
54 Além disso, também deve-se considerar a hipótese de que, devido alguns locais de pesquisa ter sido a própria instituição em que o mesmo trabalha, os docentes possam não terem se sentido a vontade para responder a questão, em função da cultura do medo de assoes repressivas dos gestores.
125
ampliação de técnicas de racionalização das gestões e na ampla assimilação das
formas flexíveis de trabalho - notoriamente se refletem sobre as condições de
trabalho docente. Dentre os efeitos sobre o trabalho do professor, identificados
nesse contexto, a maioria deles apontam para a precarização e concomitante
desvalor da profissão. Ratificando os indicativos da pesquisa sobre os processos
trabalhistas, a pesquisa com os docentes evidencia vários aspectos negativamente
condicionantes do seu trabalho, quais sejam: intensificação do trabalho e
prolongação da jornada; deficiência em estrutura física e de recursos didático-
pedagógicos pela instituição; insuficientes e inexistentes recursos financeiros
disponíveis à qualificação e à pesquisa; estresse e sentimento de vulnerabilidade e
insegurança. Tais aspectos também foram identificados a partir das tabulações
estatística dos questionários aplicados, conforme analisa a seguir.
Intensificação do trabalho e prolongação da jornada
Mais uma vez é preciso fazer um comparativo, desta feita confrontando o
trabalho docente na atualidade com o trabalho docente na época em que o mesmo
iniciou suas atividades nessa profissão. Considerando as informações sobre as
épocas de início da atividade do docente, já mencionadas no tópico 3.2 deste
capítulo, um percentual bastante significativo, quase 80% dos pesquisados
considera que o trabalho é mais intenso. Observemos a Tabela 4.5.
A partir dos dados tabulados podemos perceber também que apenas um
docente indicou que o trabalho é menos intenso, outros 8 professores consideram
que a intensidade continua igual, tanto como quando iniciou suas atividades nessa
área.
TABELA 4.5
INTENSIDADE DO TRABALHO EM COMPARATIVO COM A ÉPOCA
EM QUE O DOCENTE COMEÇOU SUAS ATIVIDADES EM IES PRIVADA, 2010
Classificação Frequência Percentual
Mais Intenso 39 79,6 Menos Intenso 1 2,0 Igual 8 16,3 Não Respondeu 1 2,0
Total 49 100,0 Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados tabulados pela autora.
126
Neste caso, devemos observar que a maioria dos pesquisados (36)
afirmaram ter iniciado suas atividades na década de 2000. Isso pode estar indicando
que, na medida em que evoluiu a expansão do ensino superior privado, pode ter
acirrado as formas de intensificação do trabalho docente, especialmente a partir do
momento em que houve sinais de exaustão desta expansão, conforme já se
mencionou. Essa interpretação favorece a analogia de uma busca por maior
produtividade nas IES privadas em função do aumento da concorrência. Ratificam
tais informações sobre a intensidade do trabalho, os dados obtidos sobre o
prolongamento da jornada de trabalho. Veja tabela que segue:
TABELA 4.6
COMPARATIVO DA MÉDIA DE HORAS DE DEDICAÇÃO AO TRABALHO
DOCENTE EM IES PRIVADAS 2010
Período Horas Em sala Horas Extra Sala
No primeiro ano de docência
15 13
Hoje 19 17 Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora.
Relativa ao prolongamento da jornada de trabalho, a Tabela 4.6, expressa
que, em média, os docentes estão dedicando 8 horas semanais a mais em trabalho
docente, quatro horas a mais em sala e 4 horas a mais extra-sala. Correlacionando
esses dados com outra questão aplicada, os indicativos de prolongamento da
jornada de trabalho são ratificados: 36, ou seja, 73,5% dos entrevistados consideram
que trabalham mais horas. Apenas 4 (8,2%) consideram que trabalham menos
horas. Enquanto que, apenas 5 (10,2%) dos entrevistados, consideram que
trabalham a mesma quantidade de horas. 1 professor não respondeu à questão.
Estrutura, recursos e aparato ao trabalho docente
O motivo justificador da transferência da responsabilidade do ensino
superior para instituições privadas de ensino se relaciona à idéia de que o setor
privado seria capaz de gerar maior qualidade serviço (GENTILLI, 1996; OLIVEIRA e
FONSECA, 2008). Entretanto, é senso comum que para a obtenção de qualidade
em um produto ou serviço, é imprescindível a utilização de instrumentos, aparato e
condições que favoreçam o processo de realização desse produto ou serviço. A
127
tomar como referência a visão do professor pesquisado, no Quadro 4.5, essa não é
situação que se observa nas IES privadas em Goiás.
A realidade que se observa nas IES pesquisadas aponta, conforme o
entendimento do docente, para um quadro de insuficiência dos diversos recursos e
instrumentos subsidiários ao bom desempenho do trabalho. O maior percentual de
insatisfação dos docentes, quanto ao aparato ao trabalho docente, recai sobre
equipamentos e recursos didáticos, considerado insuficientes para 69% dos
pesquisados. Outra crítica está relacionada à estrutura física adequada a quantidade
de alunos, também considerado insuficiente por mais da metade dos entrevistados.
QUADRO 4.5
ESTRUTURA, RECURSOS E APARATO AO TRABALHO DOCENTE
NAS IES PRIVADAS, NA VISÃO DOCENTE, GO, 2010
Quanto à: Suficiente (%) Insuficiente (%) Inexistente (%) N/S N/R
Equipamentos e
Recursos didáticos 13 26,5 34 69,4 2 4,1 0 0
Estrutura física e
sala de aula
adequadas à
quantidade de
alunos
14 49 25 51,0 0 0 0 0
Política de estímulo
e qualificação do
corpo docente
12 24,5 25 51 11 22,4 1
Políticas de
estímulo financeiro
à pesquisa
5 10,2 24 49,0 16 32,7 1 3
Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora. * Os termos N/S e N/R corresponderam respectivamente, no questionário, às opções: “Não Sabe” e “Não Respondeu”.
Em grande medida, essas situações podem ser correlacionadas à rápida
expansão das IES privadas - via empreendimentos de médio e pequeno capital -
desprovidos de planejamento, de orientação e interesse didático pedagógico, uma
vez que o interesse circunda a comercialização do ensino e o lucro imediato.
Contudo, esse quadro também pode ser entendido ao modo como Sucupira (2005)
expõe citando Ferrari:
“Tal como ocorre no toyotismo, cujo despotismo de “fábrica” se dá com o
aproveitamento máximo em termos de tempo, espaço, sem estoques de
mercadorias e cooperação forçada em equipes lideradas por coordenadores,
observa-se que os professores são obrigados a lecionar em classes unificadas por
alunos provenientes de outras turmas, e por vezes entupidas por um número
128
absurdo de discentes. Tudo isto para aumentar os lucros e diminuir os custos da
instituição de ensino. O professor que ministrava aulas, por exemplo, em três
classes, passa a ministrar em uma classe “é um processo que absorve trabalho
não pago” (FERRARI, 2001 apud SUCUPIRA, 2005, p. 129)
A visão no lucro e na redução dos custos, conforme a citação acima, é o
pano de fundo para aplicação das estratégias toyotistas de gestão, que através da
minimização na utilização de recursos, condicionam a situação de precaridade do
trabalho docente. Se considerarmos os momentos em que se observa capacidade
ociosa, enquanto sintoma de exaustão das instituições em discussão, certamente há
uma relativa piora nas condições apresentadas, uma vez que mais exigíveis se
tornam as gestões no sentido racionalista da aplicação de recursos, com o objetivo
de se manterem no mercado.
Quando nos debruçamos sobre os dados de estímulo e qualificação do
corpo docente e estímulos financeiros à pesquisa, a situação se agrava.
Principalmente porque além de haver expressividade nos indicativos sobre a
insuficiência dos mesmos, para alguns entrevistados tais estímulos simplesmente
são inexistentes. Também foram considerados insuficientes, e em maior proporção
que os demais itens, inexistentes, estímulos financeiros à pesquisa. Essas
constatações, de modo geral, ratificam a despreocupação das IES privadas com a
qualidade do ensino a partir da qualificação do professor e de investimentos em
pesquisa.
Desvalorização do trabalho e Fragilização do docente
Conforme Mancebo (2007), como toda organização do trabalho, a
flexibilização promove um movimento de reacomodação do campo sócio-subjetivo,
afetando o ritmo de vida dos trabalhadores, de modo a modificar a forma de
organização no trabalho, acirrar a competição na dinâmica interpessoal e promover
constante adaptação espaço-temporal dos professores às exigências.
Nesse sentido, a regulação racionalista-produtivista, encampada nas IES
privadas, parece gerar um contexto em que amplia o fosso de desvalorização do
trabalho docente. As relações de trabalhos nascida desse ambiente marcado pelo
imediatismo de resultados pragmáticos (formação de mais alunos em menos tempo,
cobrança de publicações visando metas e marketing, redução de custos e aumento
129
da margem de lucro, dentre outros) resultam num espaço social de consequências
negativas na vivência e conduta dos atores das IES privadas, ambiente no qual se
observa indicativos de deterioração das relações interpessoais, bem como
ampliação dos condicionantes de desvalorização do trabalho docente.
Indagados os docentes nas IES privadas em Goiás, sobre se sentiam
seu trabalho sendo desvalorizado de alguma forma, vide tabela abaixo, de modo
geral as respostas se apresentaram diversificadas quanto aos apontamentos das
formas que os mesmos entendem de desvalorização.
TABELA 4.7
FORMAS DE DESVALORIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE EM IES PRIVADAS, NA VISÃO DO PROFESSOR, GO, 2010
Desvalorização do trabalho docente Frequência Percentual (%)
Agressão verbal 13 26,5
Agressão Física 1 2,0
Assédio Moral 10 20,4
Assédio sexual 0 0
Desvalor à titulação docente por não
reconhecimento do título
10 20,4
Desvalor à titulação docente devido a
não compensação pecuniária
15 30,6
Meu trabalho enquanto Docente nunca
foi desvalorizado
13 26,5
Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora.
Um maior número de docentes, embora não tão expressivo, indicou que o
desvalor se dá devido a não compensação pecuniária da titularização. Também o
desvalor à titulação pelo não reconhecimento do título foi citado. Na sequência,
observa-se o assédio verbal, seguido do assédio moral também percebidos como
formas de desvalorização do trabalho. Conforme se pode observar na tabela acima,
outro grupo de docentes afirmou que nunca houve desvalorização de seu trabalho.
Há que se considerar que o apontamento pelo professor, de um ou outro
fator de desvalorização de seu trabalho, é resultado da insatisfação que os mesmos
possuem com relação às condições em que desempenham sua profissão. Tais
indicadores sobre desvalorização podem ser traduzidos, de certa forma, conforme
propõe Dejours (2003), enquanto desqualificação do trabalho, ou seja, uma imagem
de si que repercute do trabalho, que na contramão de ser respeitado e honroso se
torna desqualificado podendo implicar na vivência depressiva.
130
“A vivência depressiva condensa de alguma maneira os sentimentos de
indignidade, de inutilidade e de desqualificação, ampliando-os. Cansaço que se
origina não só dos esforços musculares e psicossensoriais, mas que resulta
sobretudo do estado dos trabalhadores taylorizados.” (DEJOURS, 2003, p. 49)
É válido lembrar, entretanto, que para o caso das IES privadas, identifica-
se que o estado dos trabalhadores docentes não é derivado substancialmente de
condicionamentos de caráter organizacional taylorizado, mas principalmente
toyotizado. Isso, dados os aspectos de flexibilização e do formato de racionalização
das gestões que permeiam e condicionam a atividade docente. Contudo,
acrescenta-se, que os efeitos sobre o sentimento dos indivíduos quanto à
indignidade, inutilidade e desqualificação55, identificados por Dejours no formato
taylorizado de gestão, podem ser semelhantes nas duas formas organizacionais, e
também identificados no trabalho do professor de IES privadas em Goiás.
Sobre os reflexos subjetivos do trabalho no cotidiano dos trabalhadores,
Dejours (2003, p.52) trata sobre o sofrimento individual dos mesmos. Tal sofrimento,
no contexto de trabalho toylorizado, segundo esse autor, surge a partir das
frustrações do trabalhador por não poder realizar a organização temporal do trabalho
adequando-o às suas potencialidades e necessidades. Ou seja, não é possível ao
trabalhador a escolha de técnicas operatórias, instrumentos e materiais a serem
empregados de forma a permitir que o mesmo, dentro de certos limites, adapte seu
trabalho às suas condições e competências. Na possibilidade de escolha e
adaptação do trabalho pelo trabalhador, Dejours (2003, p.52) explica que:
Em termos de economia psíquica, esta adaptação espontânea do trabalho ao
homem corresponde à procura, à descoberta, ao emprego e à experimentação de
um compromisso entre o desejo e a realidade. Em tais condições, podemos
perceber um movimento consciente de luta contra a insatisfação ou contra a
indignidade, a inutilidade, a desqualificação e a depressão, graças aos privilégios
de uma organização do trabalho deixada em grande parte, à discreção do
trabalhador.
55 O sentimento de inutilidade, também identificado por Dejours (2003, p.49) no taylorismo, parece não encontrar aplicação no toyotismo encampado nas IES privadas pesquisadas, pelo menos não pelo motivo da relação professor-máquina. Mesmo porque a natureza do trabalho que o professor realiza, não permitiu, ou pelo menos, ainda não significa uma substituição do homem pela máquina, embora que, está em curso a tendência de cursos à distância via ampliação da aplicação do trabalho do professor por meio da internet.
131
Nesse sentido, muito embora o trabalho docente ainda apresente uma
certa independência pedagógica e a possibilidade de trocas como cooperação social
(ANTUNES, 2006), fatores que contribuem para conferir prazer (MANCEBO, 2007;
PEREIRA, 2006) ao trabalho do professor, o mesmo apresenta fortes características
de pré-formatação, ou seja, organização ao modo Taylorista. Tome-se, por
exemplo, que em função do interesse mercantil, as grades curriculares e os
conteúdos das disciplinas são passados aos docentes de forma impositiva, às vezes
padronizadas, desprovidas de qualquer interferência do professor quanto à
coerência didático-pedagógica. Além disso, por vezes os professores são forçados a
ministrar disciplinas alheias à sua área de formação, entrando no processo apenas
como meros executores das grades curriculares. Nesses casos, facilmente se
identifica a “inutilidade” dos conhecimentos do docente. Um certo caráter de
estranhamento pode ser então observado, uma vez que há mecanismos de
distanciamento entre o professor e o seu trabalho, contribuindo para reforçar as
circunstâncias de alienação do mesmo. Configurado nesse contexto, o trabalho
desqualificado pode explicar em parte, a ausência de luta contra a insatisfação ou
contra a indignidade percebidas, que podem se traduzir no sofrimento contido e
individual do trabalhador docente.
Numa analogia às explicações de Dejours sobre os aspectos subjetivos
do trabalho no cotidiano dos professores pesquisados, o sofrimento do professor
também pode ser observado no contexto Toyotizado sob os reflexos da
flexibilização. Tais reflexos são identificados, numa abordagem psicopatológica,
principalmente quanto ao sentimento de insegurança (SENENETT, 2007,
MANCEBO, 2007) e de estresse dos professores (PEREIRA, 2006). Vejamos os
dados da Tabela 4.8.
Da amostra dos 49 pesquisados, a instabilidade emocional é apontada
como o fator que menos o aflige (num percentual de 18,4% dos entrevistados),
enquanto reflexos do seu trabalho docente. Por outro lado, uma vez que o trabalho
docente é considerado por excelência, um trabalho de caráter intelectual, chama a
atenção o fato de 16 professores terem indicado a exaustão física enquanto fator de
fragilidade. Entretanto, se melhor analisarmos, identificaremos na atividade docente
ações repetitivas e de condicionamento físico intenso. Principalmente em condições
de trabalho intensificado, caracterizado pela sobrecarga de trabalho já identificadas
nessa pesquisa: aumento das horas de trabalho na IES, ampliação da jornada de
132
trabalho extra-sala de aula, ampliação da carga de trabalho por ministrar aulas em
mais de uma instituição. Nesse sentido, as ações repetitivas de condicionamento
físico podem ser relacionadas, dentre outras formas: ao esforço de verbalização do
conteúdo em várias salas num mesmo dia; ao fato de permanecer, por longas horas
em pé durante todo o período de aula; ou, na posição de sentado, para leituras,
pesquisas, planejamento de aulas e correções de atividades. Há que se fazer um
estudo mais acurado, mas arrisca-se dizer que talvez o próprio cansaço mental pela
intensificação do trabalho, ou mesmo o estresse, contribuam para a sensação de
cansaço físico.
TABELA 4.8
FRAGILIDADES DO DOCENTE EM FUNÇÃO DE SEU TRABALHO,
NA VISÃO DO PROFESSOR DE IES PRIVADA, GO, 2010
Frequência Percentual (%)
Exaustão Física
16 32,7
Estresse
31 63,3
Instabilidade Emocional
9 18,4
Insegurança quanto à manutenção
do emprego
23 46,9
Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora.
Conforme informação dos professores, em função de seu trabalho, o
estresse é a fragilidade que mais os acomete, indicado por 63% dos entrevistados.
Pereira (2006) em seus estudos sobre a qualidade de vida em IES pública e privada,
indica que a partir de Burnout, as principais características do estresse são os
sentimentos de “insatisfação, desilusão, falta de realização, distanciamento
emocional, impotência e apatia”. Além disso, conforme essa autora, a síndrome
pode acarretar a despersonalização profissional e a exaustão emocional, cujos
sintomas foram identificados quanto ao: “pessimismo, falta de interesse, a fadiga, o
isolamento, a insatisfação, o medo e a insegurança” (op cit, p.59).
Também expressivamente, quase a metade dos entrevistados (46,9%) da
amostra pesquisada apontaram a insegurança do trabalho quanto à permanência no
emprego como fator de fragilidade do professor. Sennett (2007) e também Mancebo
(2007) vêem a insegurança no trabalho relacionada principalmente à mobilidade das
relações trabalhistas, exemplificada na contratação flexível. Flexibilização esta que
133
individualiza e desregulamenta as relações trabalhistas colocando os trabalhadores
em situação vulnerável. De seu lado Bauman (2001, p.155), também explica que os
parâmetros da vida moderna estão individualizados, desregulado e privatizado ante
a idéia de progresso. Nesse sentido, a insegurança no trabalho pode ser
relacionada, a partir desse autor, dado a falta de confiança dos empregados para
com empresa empregadora. Expõe esse autor que num contexto em que o capital
se move livremente, os empregados são expostos “às forças de mercado”, “termos
de troca” e “demandas de competição”, de tal modo que “o que quer que ganhem
hoje lhes pode ser tirado amanhã sem aviso prévio” (op.cit, p. 191). Bauman segue
explicando que essa falta de confiança inibe o enfrentamento por direitos
trabalhistas.
“Não há enfrentamento sem confiança. Se os empregados lutavam por seus
direitos, é porque confiavam no “poder” do quadro em que, como esperavam e
queriam, seus direitos se inseriam; confiavam na empresa como lugar adequado a
quem entregavam seus direitos para a guarda”. (BAUMAN, 2001, p. 190)
Desse modo, a insegurança oriunda do contexto de flexibilização, ou da
modernidade líquida resultam na apatia e no medo do trabalhador, inibindo-os de
engajar junto ao poder político estabelecido (op.cit, p.191) se arriscando na luta por
seus direitos. Isso talvez explique a baixa adesão à representatividade sindical por
parte dos docentes e até mesmo o medo de prestar informações sobre sua situação
de trabalho conforme identificado.
De modo geral, evidencia-se por essa pesquisa um quadro de: sentimento
de exploração do trabalho docente (expansão com Mercantilização e flexibilização
do mercado de trabalho); a cultura do medo-ansiedade nas relações de trabalho
sendo suscitada pela insegurança quanto à manutenção do emprego;
desinformação do docente ou apatia com relação aos direitos trabalhistas, bem
como, a ausência de consciência de classe em relação ao conceito clássico desse
termo, conforme preconizado por Marx.
Em suma, mesmo que cada IES privada possa apresentar uma realidade
diferenciada em função da heterogeneidade nas gestões, a opinião dos professores
mantém certo alinhamento a respeito da situação do trabalho docente. As
estatísticas sobre as opiniões dos professores são convergentes em vários pontos
com os indicativos obtidos a partir dos estudos realizados sobre os processos
134
trabalhistas. As duas pesquisas apontam para o agravamento do quadro de
precarização e desvalorização do trabalho docente em vários aspectos, tais como:
Intensificação do trabalho; prolongamento da jornada de trabalho; exploração do
trabalho pela não remuneração das horas extraordinárias, elevado nível de estresse;
baixa remuneração; não reconhecimento da titulação.
Ante todo o exposto, o sentimento geral é de que as exigências e
pressões relacionadas às estratégias de gestão e ao contexto flexível de mercado
resultam num quadro de exacerbação da intensificação e exploração do trabalho
docente em IES privadas em Goiás, que deprecia, por diversas formas, as relações
e condições deste trabalho e fragiliza o docente alienando-o quanto à manutenção e
busca por direitos trabalhistas.
135
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os objetivos desta pesquisa se fundaram na hipótese de que a
redefinição na forma de atuação do Estado quanto à educação superior contribuiu
para um escopo de mercantilização do ensino nas IES privadas em Goiás, refletindo
na piora das relações e condições do trabalho docente. Atingidos os objetivos de
esclarecimentos sobre como as redefinições da política de Estado estimularam a
expansão da IES privada, a partir da revisão bibliográfica, e sobre como a expansão
mercantil desse setor se correlacionou com as condições e relações de trabalho
docente, a partir da pesquisa aos processos e aos próprios docentes, acredita-se ter
obtido indicativos suficientes para a confirmação da hipótese.
A revisão bibliográfica permitiu deslindar aspectos conjunturais e
estruturais de forte imbricação sobre o trabalho docente em IES privadas. Por um
lado, observou-se que a expansão do ensino está relacionada ao viés de redefinição
de políticas do Estado de bem-estar social, que mediante as orientações de cunho
mercadológico tem modificado as formas de investimento social. Por outro lado,
constatou-se que no bojo dessa expansão ao modo de mercantilização do ensino,
as IES privadas combinam velhos e novos modelos de gestão que resultam em
maiores pressões e exigências sobre o trabalho docente.
Outra situação evidenciada se relaciona à reflexividade no plano
educacional de ensino superior quanto à retração de investimentos por parte do
Estado nesse setor. Essa retração deixa claro a tendência de individualização
também das responsabilidades até pouco tempo consideradas como de caráter
social do Estado. De carona com o peso individual da própria educação, tal retração
se deu de modo favorecer a expansão mal planejada do ensino privado, e de certo
modo até subsidiando a exploração mercantil da educação.
Outro fator que se identificou como de crescente influência sobre as
relações e condições do trabalho docente em IES privada, foi a abordagem sobre a
flexibilização, principalmente em sua relação com a desregulamentação da
legislação trabalhista. O que se observa é que as condições flexíveis de trabalho
favorecem a perca de eficácia, ou conforme já caracterizado, a perca de sentido dos
direitos prepostos dos docentes. Além disso, a áurea de instabilidade e
136
vulnerabilidade que ela impinge sobre o a questão emprego, amplificam de certo
modo, uma cultura de medo e submissão sobre a classe docente, submetendo-a aos
condicionantes do mercado e tolhendo suas ações enquanto sujeito modificador de
sua realidade.
Ainda, um terceiro aspecto evidenciado a partir da literatura estudada, foi
a relação existente entre as pressões devido as modificações genéricas no mundo
do trabalho, que acabaram por se transferir, mesmo que parcialmente à
administração das IES privadas e conduzir a aplicação de modelos racionalistas e
utilitarista de gestão que nem sempre levam em conta as especificidades do ensino,
desse modo, gerando pressões, exigências e condicionamentos sobre a atividade
profissional docente.
Os dados tabulados no terceiro capítulo permitiram a inferência de que
para a maioria dos professores, os direitos relacionados a partir dos processos
pesquisados, que têm garantias na legislação trabalhista constituída, seriam
subtraídos caso não fossem reivindicados via intervenção da Justiça do Trabalho.
De tal modo as narrativas jurídicas serviram primeiramente para ratificar e
exemplificar tanto o trato jurídico às relações de trabalho docente, quanto
especialmente evidenciar outras questões que imprimem precaridade na condição
de trabalho docente. Dentre estas, cita-se a parcial concessão do direito a férias, o
não pagamento de horas extras de trabalho, o não reconhecimento a titulação ao
docente. Nesse sentido, diversos foram os indicativos de desvalor e precarização do
trabalho docente pela supressão de direitos, perpassando condicionantes de
afetação, tanto física quanto mental, que podem prejudicar o bem estar do mesmo.
O modo de adaptação organizacional por parte das IES privadas, nos aspectos
tocantes à flexibilização e às modificações no mundo do trabalho geraram
exigências e cobranças que se traduziram em pressões sobre o trabalho do
professor. Essas pressões parecem ter acuado o docente, enquanto agente
modificador de sua situação, e se traduziram em perda de espaço das demandas
relativas às condições de trabalho, também aí, em respectiva interrelação com o
enfraquecimento, ou recondução de propósitos da força sindical. Esse quadro
evidenciado ratifica a já propalada desregulamentação das leis trabalhistas e a
perda de sentido das mesmas.
137
As informações obtidas, a partir da amostra de processos trabalhistas
pesquisada, se apresentaram como indicativos de uma realidade que se revelou
bem mais recrudescente em termos de desvalorização do trabalho docente em IES
privada. Isso pôde ser confirmado com base na análise qualitativa, em que o
professor expressa sua própria opinião sobre suas condições de trabalho.
A pesquisa realizada junto aos docentes de IES privadas em Goiás
ratifica a tese dos autores que entendem a flexibilidade e mobilidade e agilidade
como indutores de experiências diversas num processo produtivo caracterizado pelo
fim do horário regular de trabalho, uso crescente do trabalhador em tempo parcial,
trabalho temporário ou sub-contratação e uma exigência continuada de novos
atributos aos envolvidos. Como efeitos agregados desse rearranjo, também observa-
se níveis salariais cada vez mais baixos, o binômio qualificação-desqualificação, a
perda dos direitos trabalhistas, a exploração do trabalho, o estresse afligindo os
professores, a insegurança no emprego, dentre outros, que implicam em
transformações cotidianas na vida desses sujeitos.
Da análise dos dois últimos capítulos, se os dados estatísticos dos
processos serviram para indicar a precarização das relações de trabalho docente,
pelo negligenciamento às predisposições legais que regulamentam o trabalho da
classe, a pesquisa qualitativa reitera a piora das relações de trabalho, além de
evidenciar seus reflexos negativos sobre as condições de trabalho do professor.
Desse modo, através dos métodos utilizados na pesquisa, foi possível levantar
indicativos para atingir os objetivos da mesma.
Para além desses objetivos, vale tecer outras considerações. No sistema
concorrencial do ensino privado (flexível e desregulamentado), praticamente parece
não existir a idéia de classe docente, impera senão a filosofia do individualismo.
Nesse sentido, a busca por titulação aparenta ser o trunfo para a professor ser
respeitado por si mesmo, independente das circunstâncias. Assim, o professor em
IES privada é apenas um, no universo de tantos outros, em comuns condições de
trabalho, de exigências e pressão. Bem por esse motivo, parece haver um consenso
de que não lhe cabe insurgir contra ou questionar sobre a conformação da estrutura
estruturante que orienta sua função. O sentimento subliminar é o de que o destino
de seu trabalho, bem como de seu emprego, está nas mãos do capital, por assim
dizer, mercantil, só lhe restando a subserviência.
138
Por outro lado, este estudo leva a abstração de que para desvendar
qualquer problemática relativa à educação do ensino superior privado, deve-se ter
em mente que o recorte, o microcosmo, não deixará de necessitar de uma análise
relacional atinente ao universo de condicionantes que o mesmo está inserido,
macrocosmo. No caso, infere-se que compõem esse universo macro, diretamente
imbricadas e afetadas às questões das relações e condições do trabalho docente
em sua realidade microcósmica, as estruturas condicionantes, ou, ao modo de
Bourdieu, estruturas estruturantes, quais sejam: retração dos investimentos estatais
em educação superior pública, expansão semi-induzida pelo Estado ao ensino
privado rumo à mercantilização, transformações do mundo do trabalho em direção à
flexibilização, arremedo de práticas utilitaristas e racionalistas de gestão oriundas de
países cujo sistema educacional é mais bem planejado e se encontra em estágio
mais avançado. De tal modo, não se concebe uma causa única para as atuais
circunstâncias do trabalho docente nas IES privadas, muito embora pareça haver um
motivo condicionante, a filosofia de livre mercado se sobrepondo às necessidades
sociais. Ou, conforme preconizou Marx, o interesse do capital se sobrepondo ao
interesse de classes.
Consoante a isso, em não havendo um único motivo gerador da
precarização do trabalho em questão, parecem ser necessárias ações múltiplas com
o fito de contribuir para corrigir a distorção. A começar por tomada de ação no plano
microambiente, uma maior aproximação da representação sindical com o docente
parece ser um primeiro passo para que através da troca de informações, a real
problemática seja posta a descoberto conforme cada realidade vivenciada, assim
podendo suscitar alternativas viáveis de melhoria das condições. Um delas, bem
poderia ser uma avaliação e releitura sobre o tratamento dado a legislação
pertinente às relações de trabalho docente, compreendendo que essa releitura
poderia ser incitada tanto por parte do professor quanto de sua representatividade
sindical.
Já no plano macrocósmico, conforme já indicado nos estudos de alguns
autores como Pochmann e também Antunes, seriam necessárias mudanças e
transformações no marco regulatório do mercado de trabalho em prol de modernizar
a relações de trabalho com o objetivo de, através do fortalecimento das
representações sindicais, efetivar a necessária valorização do trabalho docente.
139
Sob a consciência da existência de uma heterogeneidade complexa que
envolve as realidades dos docentes em IES privadas, é preciso reconhecer que
esclarecimentos sobre essa temática não se esgotam nessa pesquisa. São
necessárias outras investigações que levem em conta tanto as especificidades e
necessidades da educação regional e local de renda e de capital cultural, dentre
outras, bem como do que é necessário para o bem-estar do professor bem
desempenhar a sua missão de orientar o discente e a sociedade ao conhecimento.
A Identificação de processos sociais, as relações e a organização do
trabalho não podem ser reduzidas a generalizações, sendo necessários estudos
específicos que desvendem as particularidades de países ou regiões. Tendo em
vista que o princípio da coexistência do ensino público e privado conceitue a
educação como “bem público”, as políticas educacionais precisam captar as
necessidades contingenciais, considerando as condições sócio-econômicas e
culturais de cada sociedade para poder aplicar soluções cabíveis e adequadas.
A partir das análises desta pesquisa quanto a situação de trabalho do
professor, identificou-se que reforçam-se os indicativos de que o resultado desse
contexto de mercantilização do ensino para o alunado, bem como para a sociedade,
assume proporções muito mais desastrosas em termos de eficiência na qualificação
profissional e desenvolvimento fundamentado na ciência e na tecnologia, também
devido a ausência de pesquisa e extensão nas IES privadas, implicando no sub-
aproveitamento dos saberes e potencialidades locais.
Quanto à diversidade nas relações de trabalho consoante às diferentes
formas de gestão no interior de cada instituição e suas múltiplas sobreimplicações
sobre as condições de trabalho, evidencia-se a necessidade de reavaliação da
postura do Estado quanto à educação superior privada. A tirar pelas condições de
trabalho do docente pesquisadas, ao contrário do que prega os ideários do
neoliberalismo e da flexibilização, a realidade do ensino em IES privadas, ante a
contraposição empreendimento lucrativo-função social da educação, prejudica a
qualidade do ensino.
Neste sentido, uma solução em curto prazo, para minimizar as distorções
que se observa, poderia ser uma intensificação da regulamentação, seja por meio de
fiscalização ou maior orientação na gestão do ensino em questão. Tal
regulamentação deveria contemplar critérios e metas melhor planejadas em
140
consideração ao objetivo social do ensino, bem como suas particularidades e as
necessidades dos principais atores sociais deste contexto, que ora destacou-se as
do docente.
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