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Universidade Federal de Goiás Faculdade de Ciências Sociais Programa de Pós-graduação em Sociologia Relações e condições do trabalho docente universitário em um contexto de mercantilização da educação na rede de ensino superior privado em Goiás Maria Olina Gomes Goiânia 2010

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Universidade Federal de Goiás

Faculdade de Ciências Sociais

Programa de Pós-graduação em Sociologia

Relações e condições do trabalho docente universitário em um contexto de mercantilização da educação na rede de ensino superior privado em Goiás

Maria Olina Gomes

Goiânia 2010

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Universidade Federal de Goiás

Faculdade de Ciências Sociais

Programa de Pós-graduação em Sociologia

Relações e condições do trabalho docente universitário em um contexto de mercantilização da educação na rede de ensino superior privado em Goiás

Maria Olina Gomes

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Sociologia como requisito parcial à obtenção do título de mestre em sociologia na linha de pesquisa: Trabalho, Emprego e Sindicato.

Orientador: Prof. Dr. Dijaci David de Oliveira

Goiânia 2010

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Universidade Federal de Goiás

Faculdade de Ciências Sociais

Programa de Pós-graduação em Sociologia

Relações e condições do trabalho docente universitário em um contexto de mercantilização da educação na rede de ensino superior privado em Goiás

Maria Olina Gomes

Dissertação de mestrado aprovada em ____/____/____ para obtenção do título de mestre em sociologia.

Banca Examinadora:

_______________________________________

Prof. Dr. Dijaci David de Oliveira (UFG)

Presidente

_______________________________________

Prof. Dr. Erlando da Silva Rêses (UNB)

Membro externo

_______________________________________

Prof. Dr. Revalino Antonio de Freitas (UFG)

Membro interno

_______________________________________

Prof. Dr. Danilo Rabelo (UFG)

Suplente externo

_______________________________________

Prof. Dr. Jordão Horta Nunes (UFG)

Suplente interno

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DEDICATÓRIA

Aos professores que ensinam na esperança e

decência, conscientes dos efeitos de sua

prática para a sociedade.

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AGRADECIMENTOS

Ao professor Dijaci David de Oliveira pela solicitude e paciência em me orientar,

encaminhando-me a novos rumos neste trabalho de pesquisa.

Ao Professor Jordão Horta Nunes, cujos ensinamentos abriram os horizontes

metodológicos para essa pesquisa. Também à Professora Silvana Krause em

reconhecimento às suas contribuições na primeira fase deste estudo.

Aos colaboradores do Sindicato dos Professores que me proporcionaram, com

presteza, orientações e acesso aos arquivos de processos.

À minha família e amigos, com gratidão pela compreensão, carinho e incansável

apoio ao longo do processo de elaboração deste trabalho.

À todos que direta ou indiretamente contribuíram para a efetivação deste estudo.

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“Uma análise científica da concorrência só é possível depois de se compreender a natureza interna do capital, do mesmo modo que o movimento aparente dos corpos celestes somente é compreensível para quem conhece seu movimento real, embora impercetível aos sentidos”

Karl Marx

“Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo, descuidado, corre o risco de se amofinar e de já não ser testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa, mas não desiste”.

Paulo Freire

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SUMÁRIO

Lista de siglas.................................................................................................................. 8

Lista de tabelas................................................................................................................ 9

Resumo............................................................................................................................. 10

Abstract................................................................................................................... 11

Introdução........................................................................................................................ 12

CAPÍTULO 1 - REDEFINIÇÕES DO ESTADO E MERCANILIZAÇÃO DO ENSINO, EM FOCO: O TRABALHO DOCENTE FLEXÍVEL

15

1.1. O Desmonte do Estado de bem-estar................................................................... 18

1.1.1 Estado mínimo e responsabilidade do indivíduo......................................... 24

1.2. Expansão das IES privadas e o trabalho docente................................................... 28

1.3. Mercantilização do Ensino superior: o trabalho docente em questão....................... 32

1.3.1. Racionalização nas gestões e a adaptação do professor .......................... 37

1.3.2. A lógica do trabalho flexível na docência acadêmica ................................. 41

1.4. Desregulamentação do mercado de IES privadas .................................................... 47

1.5. Múltiplas pressões sobre o trabalho docente............................................................. 49

CAPÍTULO 2 - ASPECTOS METODOLÓGICOS E ESTRATÉGIAS DE PESQUISA 53

2.1. Estratégia e procedimentos da pesquisa nos processos trabalhistas..................... 53

2.2. Estratégia e procedimentos da pesquisa qualitativa ............................................. 57

2.2.1 – Reação do professor em pesquisa .......................................................... 60

CAPÍTULO 3 - ALTERNÂNCIAS CONJUNTURAIS E SUPRESSÃO DOS DIREITOS TRABALHISTAS DE DOCENTES EM IES PRIVADAS

63

3.1. Conjuntura e representatividade sindical................................................................... 63

3.1.1. Consciência de classe e enfraquecimento sindical........................................ 68

3.1.2. Flexibilização e desregulamentação dos direitos do trabalhador.................. 69

3.2. Condições e relações de trabalho do professor: análise de processos trabalhistas 71

3.2.1 – Perfil das demandas trabalhistas de docentes em IES privadas................. 73

3.3 – Narrativas jurídicas: supressão dos direitos do docente.......................................... 88

CAPÍTULO 4 - RELAÇÕES E CONDIÇÕES DE TRABALHO SOB GESTÕES RACIONALIZADAS: A OPINIÃO DO PROFESSOR

109

4.1. Velhas e novas práticas de gestão: sobreimplicação no trabalho docente ............ 109

4.2. Representação das relações de trabalho a partir da visão do professor ................ 114

4.3 As condições do trabalho acadêmico.................................................................... 124

Considerações Finais............................................................................................... 135

Bibliografia........................................................................................................... 141

Anexo .................................................................................................................... 147

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Lista de Siglas

ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

AGS Acordo Geral sobre Comércio em Serviços

ANDES Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior

BIRD Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento

BM Banco Mundial

CF Constituição Federal

CLT Consolidação das Leis trabalhistas

CPC Código de Processo Civil

Crub Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras

FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FMI Fundo Monetário Internacional

GO Estado de Goiás

IES Instituições de Ensino Superior

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

IPES Instituições particulares do ensino superior

MEC Ministério da Educação e Cultura

OIT Organização Internacional do Trabalho

OMC Organização Mundial do Comércio

OVG Organização das Voluntárias de Goiás

OJ Orientações Jurisprudenciais

PDE Plano de Desenvolvimento Educacional

SINPRO Sindicato dos Professores

TRCT Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho

TRT Tribunal Regional do Trabalho

TST Tribunal Superior do Trabalho

Unesco Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura

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Lista de Tabelas e Quadros

Tabela 1.1 Título: EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO SUPERIOR, POR

CATEGORIA ADMINISTRATIVA – BRASIL 1994-2004

p.29

Tabela 1.2 Título: FUNÇÕES DOCENTES POR TITULAÇÃO, SEGUNDO CATEGORIA ADMINISTRATIVA -

BRASIL 2005

p. 45

Tabela 1.3 Título: FUNÇÕES DOCENTE POR TITULAÇÃO EM GOIÁS E NO PAÍS – BRASIL 2005 p. 46

Tabela 2.1 Título NÚMERO DE QUESTIONÁRIOS APLICADOS E ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DE

IES PRIVADAS SELECIONADAS PARA A PESQUISA, GO, 2010. p. 58

Tabela 3.1 Título: ALEGAÇÕES E PEDIDOS RECLAMADOS CONTRA INSTITUIÇÕES DE ENSINO

SUPERIOR PRIVADAS, SINPRO-GO, 2005-2009 p. 74

Tabela 3.2 Título: AGRUPAMENTO DE PERFIS DE ALEGAÇÕES E PEDIDOS EM 31 PROCESSOS

TRABALHISTAS, SINPRO-GO, 2005-2009 p. 78

Tabela 3.3 Título: HORAS DE TRABALHO EXTRAORDINÁRIO NÃO REMUNERADAS CONFORME

PESQUISA EM 31 PROCESSOS TRABALHISTAS, SINPRO-GO, 2005-2009 p. 81

Tabela 3.4 Título: REIVINDICAÇÕES RELATIVAS À DESCANSO REMUNERADO, FÉRIAS, E 13º

CONFORME PESQUISA EM 31 PROCESSOS TRABALHISTAS, SINPRO-GO, 2005-2009 p. 84

Tabela 3.5 Título: REIVINDICAÇÕES DE DIREITOS SOBRE DIFERENÇAS SALARIAIS, RECISÓRIAS E

REAJUSTE SALARIAL, CONFORME ANÁLISE EM 31 PROCESSOS, SINPRO-GO, 2005-2009 p. 87

Tabela 3.6 Título: ALEGAÇÕES E PEDIDOS JULGADOS PROCEDENTES EM INFRAÇÃO À LEI

CONFORME SENTENÇAS JUDICIAIS DE PROCESSOS TRABALHISTAS DE DOCENTES CONTRA IES PRIVADAS, 2005-2009

p. 90

Tabela 4.1 Título: DEFINIÇÃO DOS DOCENTES DE IES PRIVADAS QUANTO A EXIGÊNCIAS SOBRE O

SEU TRABALHO, GO, 2010 p. 117

Tabela 4.2 Título: RENDA MENSAL DO DOCENTE EM UMA IES PRIVADA, GO, 2010

p. 119

Tabela 4.3 Título: NÚMERO DE INSTITUIÇÕES EM QUE O PROFESSOR EXERCEU ATIVIDADES

DOCENTES NOS ÚLTIMOS 10 ANOS, GO, 2010 p. 121

Tabela 4.4 Título: TIPO DE CONTRATAÇÃO DO DOCENTE EM IES PRIVADA, GO, 2010

p. 122

Tabela 4.5 Título: INTENSIDADE DO TRABALHO EM COMPARATIVO COM A ÉPOCA EM QUE O

DOCENTE COMEÇOU SUAS ATIVIDADES EM IES PRIVADA, 2010 p. 125

Tabela 4.6 Título: COMPARATIVO DA MÉDIA DE HORAS DE DEDICAÇÃO AO TRABALHO DOCENTE

EM IES PRIVADAS 2010 p. 126

Tabela 4.7 Título: FORMAS DE DESVALORIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE EM IES PRIVADAS, NA

VISÃO DO PROFESSOR, GO, 2010 p. 129

Tabela 4.8 Título: FRAGILIDADES DO DOCENTE EM FUNÇÃO DE SEU TRABALHO,NA VISÃO DO

PROFESSOR DE IES PRIVADA, GO, 2010 p. 132

Quadro 4.1 Título: TIPOS DE EXIGÊNCIAS SOBRE OS DOCENTES EM IES PRIVADAS, GO, 2010 p. 116

Quadro 4.2 Título: RESPOSTAS DOS DOCENTES DE IES PRIVADAS QUANTO AO CONTROLE VIA

CARTÃO DE PONTO E VIA RELATÓRIOS RESPONDIDOS POR TERCEIROS, GO, 2010 p. 118

Quadro 4.3 Título: RESPOSTAS DOS DOCENTES ENTREVISTADOS EM IES PRIVADAS POR TIPO DE

ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DA EMPRESA EM QUE EXERCEM ATIVIDADES DIFERENTES DA DOCENCIA, GO- 2010

p. 120

Quadro 4.4 Título: QUESTIONAMENTOS SOBRE ADESÃO SINDICAL E CONSCIENCIA DE DIREITOS

TRABALHISTAS, GO, 2010 p. 123

Quadro 4.5 Título: ESTRUTURA, RECURSOS E APARATO AO TRABALHO DOCENTE NAS IES

PRIVADAS, NA VISÃO DOCENTE, GO, 2010 p. 127

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Resumo

O presente estudo faz um recorte na literatura que trata sobre o mundo do

trabalho, enfocando o trabalho do professor em Instituições de Ensino Superior (IES)

privadas em Goiás. O procedimento teórico contempla aspectos conjunturais e

estruturais que orientam e condicionam o contexto do trabalho do docente, tais como

as políticas do Estado em relação à educação, as modificações no mundo do

trabalho e a força do livre mercado. Sob essa orientação, a análise perpassa o

contexto das relações e condições de trabalho ante o arrefecimento da força sindical

e concomitante processo de desregulamentação dos direitos trabalhistas em suas

implicâncias sobre o trabalho do professor. Em recorte transversal, num primeiro

momento, as relações e condições do trabalho docente são analisadas a partir de

dados organizados sobre processos trabalhistas da classe; num segundo momento,

o mesmo escopo de análise é retomado com base em pesquisa realizada junto a

docentes, considerando a representação por esta classe sobre sua própria situação

de trabalho. Os resultados do estudo condensam indicativos tanto de mal estar

quanto de aceitabilidade à situação pela categoria docente pesquisada. Esta última,

inserida num contexto em que o ensino é tratado como mercadoria e a ordem é a

adaptação flexível sob gestões racionalizadas em prol da lucratividade das IES

privadas.

Palavras-chave: Trabalho. Docente. Mercantilização. Ensino superior.

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Abstract

The present study composes an indentation in literature concerning the labor force,

focusing mainly on the profession of teaching in private Higher Education Institutions

in the state of Goias. The theoretical procedure examines cyclical and structural

aspects, comprising of government policies in relation to education, changes in the

labor force and the strength of the free market, that guide and influence the context

of teaching. By means of this, the analysis permeates the context of labor conditions

and relations compared to the reduction of labor unions and, consequently, the

process of deregulation of workers' rights in its implications regarding the profession

of educators. At first glance, in an accompanying perspective, the conditions and

relations of teaching are analyzed from organized data regarding labor lawsuits of

this class. Upon further evaluation, the same scope of analysis is taken based on a

survey of teachers, considering the representation of this class regarding its own

work situation. The research results brings together both indications of malaise and

of acceptance with the studied teaching situation. This situation, inserted in a context

in which education is regarded as a commodity, and order are flexible adaptations

under rationalized management towards profitability of private Higher Education

Institutions.

Key-words: Labor. Teachers. Commodification. Higher education.

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Introdução

Constituindo uma temática inesgotável de estudos, o trabalho na

contemporaneidade tem suscitado abundantes pesquisas que relacionam aspectos

da flexibilização produtiva, da demarche neoliberal e da recondução das políticas do

Estado com a precarização do mesmo. Não somente a sociologia, mas também a

psicologia, a economia e a educação (ANTUNES, 2001; BAUMAN, 2001;

DEJOURS, 2003; POCHAMAN, 2010; FONSECA, 2001), dentre outros, têm se

debruçado amplamente sobre esse tema procurando explicar e esclarecer os

aspectos que envolvem a vivência do trabalhador em condições de precariedade,

tanto no Brasil quanto em todo o mundo, assim constituindo um rico campo

multidisciplinar.

De forma semelhante observa-se a abundância de estudos sobre a

precarização do trabalho docente nas instituições de ensino superior no Brasil,

especialmente no tocante a temáticas que se relacionam com o trabalho docente da

rede de IES privadas (CATANI, 2001; BOSI, 2007; OLIVEIRA 2008; FRÚGOLI,

2006; GENTILI, 1996; MANCEBO, 2007; ROSSO, 2008). Entretanto, são mais

escassos os trabalhos que aprofundam na discussão das dimensões

macrossocietárias sobre a dinâmica cotidiana do trabalho acadêmico. Menos

abundantes ainda, ou quase inexistentes, são os estudos que correlacionam a

desregulamentação das leis trabalhistas com a vivência do professor de IES

privadas, considerando as relações e condições do fazer acadêmico em seus

reflexos psicopatológicos e subjetivos. Face a esse hiato percebido nas pesquisas

sobre o trabalho do professor, tomou-se como desafio identificar nesta dissertação,

os principais fatores que condicionam, bem como os que pesam sobre o trabalho do

docente, de forma a precarizá-lo. Nessa empreitada, levou-se em consideração não

somente a flexibilização, mas também, a orientação utilitarista das gestões

conjugada com o forte viés mercantil do ensino superior, variáveis que se relacionam

com a deterioração das relações e condições do trabalho acadêmico.

Dado a heterogeneidade e complexidade que envolve o ensino superior,

entende-se que não é possível explicar essa realidade com base apenas em um

marco teórico. De tal modo, a partir dos referenciais teóricos iniciais em Bourdieu,

principalmente quanto às estruturas estruturantes e em Harvey quanto ao trabalho

flexível, extraiu-se de ampla bibliografia, evidências ao processo de precarização do

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trabalho do professor relacionadas às teorias desses autores. Não obstante, a

motivação deste trabalho partiu da observação sobre o paradoxo entre o amplo

crescimento do número das IES privadas em contrapartida ao baixo crescimento do

número das IES públicas no Brasil nas duas últimas décadas, bem como no Estado

de Goiás. Paralelo a isso, observou-se o quadro indicativo de recorrente

precarização do trabalho do docente nas IES privadas, que caracteriza-se pelas

condições e relações de trabalho no bojo da dinâmica de expansão do ensino

superior privado. Analogamente, entende-se que esse quadro representa a

existência de ‘privação e sofrimento na abastança’, se contrapormos o trabalho do

professor à emulação do investimento capitalista no setor de ensino. Diante desse

“boom” sem precedentes das IES privadas, concomitante ao perceptível desvalor

dado ao docente desse setor, surgiram as indagações sobre que condicionantes,

circunstâncias ou paradigmas suscitam e mantém as relações e condições do

trabalho docente no âmbito das IES privadas em Goiás. Certamente que o pano de

fundo da análise sobre as relações e condições de trabalho absorve a cognição

sobre a confrontação clássica de interesse do capital versus interesse do trabalho,

em Marx.

Para melhor compreensão da realidade em foco, este estudo foi

estruturado em quatro capítulos: no primeiro capítulo, pareceu razoável fazer uma

avaliação sobre os fatores que impulsionaram a expansão do ensino privado, o que

pressupôs a necessidade de uma breve abordagem teórica que explicitasse a

correlação Estado-mínimo e crescimento privado do ensino superior rumo à

mercantilização. Neste caso, procurando identificar os condicionantes macros da

situação do trabalho docente.

Para facilitar a compreensão das análises e dos resultados deste estudo,

fez-se, no segundo capítulo, uma breve abordagem sobre os métodos e estratégias

de pesquisas utilizadas no terceiro capítulo, onde se abordou a pesquisa em

processos trabalhistas, e no quarto capítulo, em relação à pesquisa qualitativa a

docentes.

No terceiro capítulo, a abordagem se deu, primeiramente, sobre a

evolução do movimento sindical da classe de professores mediante aspectos

conjunturais nas três últimas décadas. Aqui, o enfraquecimento sindical e a

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desregulamentação dos direitos foram abordados sob a luz das teorias de autores

como Pochmann (2005) e Antunes (ANTUNES, 2001), que entendem a flexibilização

como variável condicionante da perda de sentido da legislação trabalhista. Por

último, a partir da investigação sobre processos trabalhistas, foi realizada uma

avaliação sobre como a perda dos sentidos da legislação social afeta as condições e

relações de trabalho do professor em IES privadas em Goiás. Neste caso, estudos

em Rosso (2008;) bastante contribuíram para essa análise.

Ao quarto e último capítulo, foi reservada a finalidade de tirar a

contraprova, através da pesquisa qualitativa, das informações e inferências

abstraídas da revisão bibliográfica contemplada no primeiro capítulo, e,

principalmente dos resultados da pesquisa nos processos, realizada no terceiro

capítulo. Aspectos sobre a racionalização das gestões foram abordados, de onde se

identificou efeitos fisiopsicológicos ao professor, devido às pressões e exigências

oriundas de um contexto que tem apresentado ampla assimilação dos métodos

flexíveis nas relações de trabalho. Autores como Sennett (2007), Dejours (2003),

Bauman (2001), dentre outros, foram utilizados na análise. Esse capítulo condensou

ainda, os resultados da pesquisa qualitativa junto a docentes de IES privadas, cuja

análise foi feita em observância aos estudos acadêmicos em Silva (2008), Sucupira

(2005), Pereira (2010), que realizaram estudos correlacionados à mesma

problemática em IES privadas, neste Estado e em outras regiões.

Em suma, sob a luz das teorias que versaram sobre o tema escolhido,

seguiu-se as pistas que sinalizassem esclarecimentos à complexa situação que

envolve o trabalho do professor de IES privadas, sem nenhuma pretensão de se

esgotar a discussão.

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CAPÍTULO 1: REDEFINIÇÕES DO ESTADO E MERCANTILIZAÇÃO DO ENSINO, EM FOCO: O TRABALHO DOCENTE FLEXÍVEL

Para uma melhor compreensão dos aspectos que se relacionam com a

situação do trabalho docente nas IES privadas em Goiás, neste capítulo a análise

versará sobre três principais abordagens norteadoras da pesquisa: a primeira,

objetivando compreender os aspectos macroestruturantes que condicionam a

expansão do mercado de IES privada, perpassará fatores que conduziram ao

desmonte da fórmula keynesiana do Estado de bem-estar, imputando a

responsabilidade da educação ao indivíduo. A segunda se relaciona à razão

mercantilista das IES em questão, que dado seu objetivo, o lucro, amplia a utilização

de métodos de racionalização da gestão que nem sempre levam em consideração

as especificidades do ensino. A terceira objetiva dar sustentação a idéia de que no

âmbito das gestões racionalizadas de tais IES, a flexibilização se torna um

instrumento para a competitividade, contribuindo para o enfraquecimento da força

sindical e desregulamentação das relações de trabalho.

Analisar as questões refletidas nas relações e condições de trabalho do

docente, no âmbito da expansão do ensino superior privado, é uma discussão de

alta relevância ao considerarmos que o trabalho docente se encontra ante a duas

problemáticas da sociedade moderna. Por um lado, o trabalho docente sofreu

impacto das reordenações que os sistemas educacionais foram submetidos, via

redefinição do papel do Estado na sua relação com a educação (SILVA e

GENTILI,1996; PEREIRA, 1997; DOURADO, 2002 FRUGOLLI, 2006,). Por outro

lado, é afligido pelas mudanças do mundo do trabalho, sendo que essas vinculam

uma maior exigência de conhecimento técnico-científico num contexto de mercado

com relações de trabalho flexível.

Sobre a questão da redefinição do Estado, Silva (2006) afirma que o

Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003) segue diretrizes imputadas

pelos organismos multilaterais (BM/FMI/Unesco) que induziram e orientaram a

minimização dos investimentos no ensino superior público, na década de 1990.

Também em outros diversos autores (GENTILI, 1996; DOURADO, 2002;

SUCUPIRA, 2005; MANCEBO, 2009), observa-se frequente indicação da influência

desses organismos sobre o modelo de educação nacional. A justificativa de tais

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autores é a de que a ação restritiva do Estado, nesse setor, a partir da década de

1990, embute políticas que estimulam a concorrência das Instituições de Ensino

Superior (IES) privadas, deixando seus atores a mercê das diretrizes

mercadológicas. Como exemplo concreto, observou-se uma forte retração da

presença do Estado no ensino superior e um forte crescimento praticamente

desordenado da iniciativa privada neste campo. Os autores indicados ressaltam que

ao seguir nessa tendência, o Estado acabou propiciando tanto a má qualidade do

ensino quanto uma maior pressão sobre o trabalho docente.

Para construir outra linha de raciocínio, conforme Martins (2000), o ensino

superior no país apresentou um acentuado crescimento quantitativo a partir da

década de 1970, caracterizado pelo aumento do número de instituições, de

matrículas, de cursos e de funções docentes. Essa dinâmica de expansão do ensino

de terceiro grau, que avançou para o primeiro decênio do ano 2000, reproduziu-se

no formato de um complexo e diversificado sistema de instituições com uma

multiplicidade de tipos de estabelecimentos acadêmicos, indicando a necessidade

de políticas diferenciadas para cada realidade. Houve o processo de interiorização e

de regionalização do ensino, bem como a incorporação de um público mais

diferenciado socialmente, conforme o autor, incluindo tanto o ingresso de alunos já

integrados no mercado de trabalho quanto o ingresso significativo de estudantes do

gênero feminino.

No bojo dessas transformações, complexifica-se o campo acadêmico, em

virtude das diferentes posições ocupadas por essas instituições diante dos

indicadores que comandam o funcionamento desse espaço social. Tais indicadores

são resultados do sistema de “avaliação”1 implantado pelo Ministério da Educação

(MEC), que contemplam um conjunto de quesitos que vão desde qualidade do

ensino e estrutura instalada, à avaliação de titulação e produção do corpo docente.

Gentili (1996) faz crítica a esse modo de avaliação afirmando que essa é uma forma

do MEC ratificar que entende as instituições de ensino como empresas produtoras

1 Para Dourado (2002), “Na contramão de um processo avaliativo emancipatório, indutor do desenvolvimento institucional, as políticas de avaliação da educação superior no Brasil buscam a padronização e a mensuração da produção acadêmica [...] esses processos avaliativos resultam de alterações nos processos de gestão e de regulação desse nível de ensino, permitindo ao Estado desencadear mudanças na lógica do sistema, que resultam na diversificação e diferenciação da educação superior e, conseqüentemente, provocam impactos na cultura institucional das instituições de ensino superior, especialmente das universidades.”

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de serviços educacionais e que, portanto, suas práticas devem estar submetidas aos

mesmos critérios de avaliação que se aplica em toda empresa dinâmica, eficiente e

flexível. Nesse contexto, explica-se que sendo o corpo docente a equipe de trabalho

que diretamente está ligada ao desempenho da instituição, é ele quem absorverá

diversas formas de pressão para melhorá-lo, principalmente devido à razão

competitiva que permeia o setor privado. De outro modo, a expansão do ensino se

direcionou rumo à mercantilização, num contexto em que o acadêmico é cliente e o

diploma é própria mercadoria. Esse quadro, além de provocar a degradação da

relação professor-aluno, afeta as relações e condições de trabalho do docente,

sendo que ambas as formas resultam em desagregação de valor ao status quo da

profissão docente.

Em face da evidente vertente competitiva das IES privadas, alguns

autores apontam que além dos fortes traços de desvalorização do trabalho docente,

há também o aspecto da insegurança desse profissional. Nesse tocante, Sennett

(1999) explica que o trabalho flexível tendo “foco no curto prazo”, ou seja,

temporário, transitório, rotativo, resulta na destruição do caráter individual estável.

Exige do indivíduo constante mobilidade e agilidade para acompanhar mudanças,

contexto em que se edifica um falseamento de liberdade que serve para intensificar

o uso da força de trabalho sem contrapartida de segurança profissional e

valorização. Para o caso do professor em IES privada, uma questão a ser avaliada é

se essa insegurança quanto a permanência no emprego influencia a busca por

capital humano via conquista de titulação. Por outro lado, é preciso verificar se por

motivos relacionados à estratégia de redução de custos com foco no lucro no curto

prazo em detrimento da pesquisa e desempenho científico, as IES privadas tendem,

em adversidade ao que se espera de uma instituição que afirma que preza pela

qualidade, a não valorizar a titularização do docente. Um indicativo da resposta a

esse questionamento pode ser o fato de que a maior parte dos docentes atuantes no

mercado de ensino superior atua no setor privado e são, na sua maioria, apenas

“especialistas” conforme se verá adiante.

O jogo que relaciona Estado e educação, mercado flexível e trabalho

docente, remete-nos à sugestiva existência de mecanismos estruturantes que

promovem, mesmo que involuntariamente, uma maximização do uso de

instrumentos e meios que corroboram para desvalorização do trabalho do professor

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nas IES privadas. Nesse contexto, é que se observa a reestruturação do ensino

superior rumo à mercantilização, sugerindo resultar em formas variadas de

acondicionamento e transfiguração do trabalho do docente, redundando em diversos

modos de precarização.

1.1 O desmonte do Estado de bem-estar

O movimento de expansão das IES privadas acontece concomitante a

crise do Estado de bem estar. As explicações têm sido variadas para a configuração

retórica neoliberal no plano educacional (SILVA e GENTILI,1996; PEREIRA, 1997;

FRUGOLLI, 2006). Para ajudar na compreensão sobre a minimização da ação do

Estado quanto a políticas sociais, bem como, sua redefinição quanto às políticas

educacionais, reporta-se a autores que explicaram a crise do Estado de bem-estar

social relacionado à prática neoliberal.

Para Gentili (1996) a intensa e progressiva crise estrutural do regime de

acumulação fordista é o motivo pelo qual a retórica neoliberal ganhará espaço

político e densidade. Segundo esse autor, tal contexto oferecerá a oportunidade

necessária para que o bloco dominante faça frente ao desmoronamento da fórmula

keynesiana de Estado de Bem-estar. Já Bresser-Pereira (1997) indica que a

redução de investimentos sociais pelo Estado se dá em função de dois fatores: por

um lado explica que a intervenção estatal possui um caráter cíclico e, por outro,

indica que o processo de globalização reduziu a autonomia das políticas econômicas

e sociais dos Estados nacionais (BRESSER-PEREIRA, 1997, p. 12). A intersecção

dessas dinâmicas contribui para compreender as forças que nortearam a dimensão

do Estado em sua relação com o ensino superior no Brasil.

O retraimento do Estado em relação aos gastos sociais parece ter

representado crescente transferência de responsabilidades públicas para a

comunidade e, conforme Frúgoli (2006), amplas alterações na relação

público/privado. Em especial, a expansão das instituições privadas de ensino

superior é resultado da estratégia de minimizar a ação do Estado em matéria de

educação nesse setor e deixá-la por conta do mercado. Esse modo de atuação do

Estado, além de significar aporte de recursos públicos direto para o setor privado, na

forma de subsídios aos discentes, tem avalizado o mercado, mesmo que de forma

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indireta, em toda sua punjança de estratégias competitivas de comercialização de

ensino.

Além disso, constata-se que as redefinições do Estado quanto às novas

formas de condução de políticas sociais são de afetação tanto ao conjunto da

sociedade como um todo, quanto aos indivíduos em particular, e resultam no

condicionamento de seus cotidianos. Ao mesmo tempo, geram paradigmas que

levam à ação individualizada que não rendem grandes modificações nas estruturas

estruturadas e estruturantes de um mercado marcado pela competitividade e

flexibilização das relações trabalhistas, usando de empréstimo termos de Bourdieu

(1989).

Estas são dimensões inter-relacionadas à configuração da narrativa

neoliberal, cujas justificativas podem ser entendidas ao modo como propõe Bourdieu

(1989), enquanto “poder simbólico” que implanta mecanismos da reprodução social

de forma a legitimar as forças dominantes. É assim que a ineficência das ações

estatais passam a simbolizar um Estado fracassado, inapto para gerar soluções,

mesmo no escopo social. Na mesma medida, o mercado se fortalece na

significância do laissez faire como o melhor condutor do mercado rumo ao bem

comum, e se torna o símbolo de boa recondução das crises.

Nesse sentido, para Gentili (1996) a intensa e progressiva crise estrutural

do regime de acumulação fordista é o motivo pelo qual a retórica neoliberal ganhará

espaço político e densidade, resultando na redefinição da política do Estado.

Segundo esse autor, a crise na acumulação do capital oferecerá a oportunidade

necessária para que o bloco dominante faça frente ao desmoronamento da fórmula

keynesiana de Estado de Bem-estar.

A intersecção dessas dinâmicas permite compreender a força

hegemônica do neoliberalismo em sua dimensão sobre a educação. Explica-se que

a perspectiva neoliberal, tendo passado a orientar com intensidade expressiva, a

partir da segunda metade do século XX, as decisões governamentais no plano

educacional em todo o mundo, entedeu que os sistemas educacionais enfrentavam

uma profunda crise de eficiência, eficácia e produtividade. Essa crise na educação,

em ampla medida, prejudicaria a inserção das nações em desenvolvimento no

circuito de globalização. Principalmente nos países periféricos, a educação

funcionava mal por ter se tornado responsabilidade do Estado.

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Assim se justificou a necessidade de aprimorar a produtividade

educacional via concorrência empresarial, que só pode ser encontrada na vocação

competitiva do setor privado. Partindo desta premissa, a atuação do Estado

procurou deixar à mercê da iniciativa privada, a educação superior, enquanto forma

de reestruturação do ensino para atender às pressões de mercado, quais sejam,

demanda social e demanda por mão de obra qualificada.

O Brasil integra-se a esse cenário a partir da década de 1990. A reforma

da estrutura econômica, principalmene pela necessidade de cobrir os déficits no

balanço de pagamentos, força o obedecimento aos princípios estabelecidos pelos

organismos multilaterais, reproduzindo a lógica mundial consubistanciadas nos

princípios do “consenso de Washington”. Tais princípios se materializam em políticas

restritivas do Estado e combinam redefinição das prioridades dos gastos públicos,

disciplina fiscal, reforma tributária, liberalização do setor financeiro, manutenção das

taxas de câmbio competitivas, liberalização comercial, atração das aplicações de

capital estrangeiro, desregulamentação da economia, proteção dos direitos autorais

e privatização das empresas estatais (GENTILI, 1996 apud SILVA, 2006, p. 95). No

contexto de redefinição dos gastos públicos, a tendência de minimização de

investimentos em educação pública vem corroborar com as metas de equilíbrio

macroeconômico diante dos organismos multilaterais credores.

Em oposição a tais políticas de escopo neoliberalizantes, Bourdieu (1997,

p. 219), vai dizer que numa nova configuração de suas políticas, o Estado deixa de

agir sobre as estruturas da distribuição e assume uma postura que “visa

simplesmente corrigir os efeitos da distribuição desigual dos recursos de capital

econômico e cultural”, em ações que se caracterizam como “caridade de Estado”.

Nesse papel, o Estado toma medidas que privilegiam o combate a pobreza, em

detrimento de medidas que se relacionam com a distribuição do excedente de

riqueza (DEDECCA, 2010).

No contexto nacional do ensino superior, isso pode ser evidenciado

exatamente pelo fato de o Estado estar se eximindo da responsabilidade de realizar

maiores investimentos nessa área. Explica-se que para atender a crescente

demanda para o ensino de 3º grau, ao contrário de ampliar os centros públicos

federais, nas últimas décadas, imputou esta responsabilidade aos Estados

federados e municípios, nem sempre preparados para assumí-la. Em função desse

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despreparo, a sociedade viu como única alternativa, os centros privados de ensino,

uma vez que a capacidade de absorção da demanda pelo setor público se

apresentou saturada.

De outra forma, o Estado ampliou os meios de subsídios individuais via

bolsas de estudo em instituições privadas de ensino. Com essa ação, o Estado-

providência passa a assumir, de certa forma, o caráter de “Estado-caridade”, uma

vez que ao contrário de investir em educação para o total da população, passa a

direcionar recursos a grupos específicos, considerados “excluídos” do sistema

educacional, privilegiados sob critérios de equidade na distribuição dos recursos não

muito claros.

Por outro lado, a ação estanque do Estado, ofertando subsídios

educacionais individuais, parece ter se tornado alternativa justificadora do status quo

de responsabilidade social do Estado. Este último, mesmo privilegiando indivíduos

em detrimento da sociedade, enseja transmitir a impressão de dever cumprido pela

‘bem-feitoria’ realizada. Atuando dessa forma, ao invés de coibir o lastro neoliberal

de comercialização da educação, reduz a ação da união à “alocação financeira”

(BOURDIEU, 1997, p. 218) solidária2. Então, ao substituir a ação direta em benefício

da sociedade como um todo, a torna mais dependente e marginalizada.

Assim, dentre outros efeitos do “Estado-caridade”, no âmbito do ensino

superior, além de significar “privilégio” para pequena parcela da sociedade - dado

que a maior parte dos jovens em idade universitária não ingressa nesse meio - se

torna também estímulo à mercantilização do ensino. Desse modo, legitimadas e

avalizadas pela ação do Estado, as instituições privadas de ensino superior

assumem a posição de empresas concorrenciais e encampam estratégias de gestão

que nem sempre levam em conta as necessidades de seu alunado, que por sua vez,

se encontra muito aquém da plenitude dos direitos previstos pela constituição de

2 No Estado de Goiás a alocação financeira enquanto atividade “solidária” e filantrópica do Estado, se vincula diretamente a gestão e conexão de bolsas universitárias pela OVG – Organização das Voluntárias de Goiás. A OVG é uma instituição filantrópica com finalidade assistencialista e inclusão social, que atua em parceria com a iniciativa privada, Organizações não Governamentais, prefeituras e governo do Estado.

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19983. Além disso, essa racionalização do modelo de gestão pouco considera as

peculiaridades do trabalho docente.

Voltando ao foco da análise, o encolhimento do Estado de bem-estar,

segundo Frúgoli (2006), é resultado, principalmente nos anos 1990, do receituário

neoliberal e das chamadas medidas de ajuste estrutural (ajuste na estrutura da

economia) via cumprimento de metas preconizadas pelos organismos multilaterais,

como o Banco Mundial (BM), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco

Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD).

Tais medidas acabaram por desencadear um forte movimento de

regressão das políticas públicas e dos direitos sociais. Sobre essa questão, Adrioli

(2002) observa que o BM é a principal fonte de assessoramento da política

educativa. Sua contribuição se dá no sentido de realizar trabalho de assessoria para

ajudar os governos periféricos a desenvolver políticas ‘adequadas’ a seus países.

Segundo esse autor, no Brasil, o BM conduziu o MEC, em diretrizes para um projeto

que prima, dentre outras questões, pela priorização de ensino superior com foco na

preparação imediatista para atender demandas de mercado e pela redução de

investimentos públicos em universidades.

A base retórica para essas diretrizes seria a qualificação e modernização

necessárias para a competitividade no mercado mundializado. Já a materialização

do projeto se sustenta na idéia de minimização da atuação estatal via privatização

dos setores estratégicos, dentro da proposta de “Reforma de Estado”.

Esse estado de coisas pode ser entendido, ao modo como propõe

Bourdieu, na forma dialética de “Interiorização da exterioridade e exteriorização da

interioridade” (BOURDIEU, 1994, p. 60). Explica-se que, conforme já mencionado, a

redefinição do Estado tende a formatar políticas educacionais que resultam, mesmo

que despropositadamente, em atender aos interesses do capital empresarial das IES

privadas. Para tanto, se utiliza da retórica de competitividade no mundo globalizado

que acaba por legitimar a implantação de projetos que nem sempre consideram as

3 “Arts. 206, 207, 208, 213, 215, 218 e no 60 de seus ADCT, que determinam para a educação superior: a gratuidade do ensino público; autonomia; indissocialidade entre ensino; pesquisa e extensão nas universidades; acesso aos níveis mais elevados do ensino; da pesquisa; da criação artística; do desenvolvimento tecnológico; como dever, promoção e incentivo do Estado, garantindo a educação como direito a todos; o financiamento e o apoio financeiro do poder público à pesquisa e à extensão”.

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necessidades e anseios, ou mesmo as peculiaridades econômicas e sociocultural

das sociedades periféricas.

Essas sociedades interiorizam, via mecanismos de difusão ideológica e

até mesmo símbolos, que seu fracasso competitivo se dá em virtude da deficiência

em capital humano. Numa análise da dialética aí compreendida, a exteriorização é

expressa no paradigma da qualificação – em caráter de habitus4- que tende a ser

considerado como responsabilidade estrita da ação individual.

Isso ocorre uma vez que a sociedade assimila a idéia de que ao indivíduo

cumpre o dever de ser ´qualificado´ em primeira instância, para ser aceito no

mercado de trabalho. Explica-se que a produção simbólica da qualificação é

entendida, aqui, relacionada aos interesses de grupos empresariais (classe

dominante) que difundem ideologias que “servem interesses particulares que

tendem a apresentar como interesses universais” (BOURDIEU, 1989, p. 10). Nesse

caso, observa-se a existência da violência simbólica permeando o conflito, ora

implícito, entre o interesse da classe de empresários da educação e o interesse da

classe da população que necessita de subsídios do Estado para obter educação

superior. Para melhor entendimento disso, retomemos Bourdieu:

“É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e

conhecimento que os <<sistemas simbólicos>> cumprem a sua função

política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que

contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra

(violência simbólica) dando reforço da sua própria força às relações de força

que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de Weber,

para a <<domesticação dos dominados>> (BOURDIEU, 1989, p.11).

Em face da violência simbólica pressionando as sociedades a obter mais

qualificação5 ocorre a naturalização da idéia de que a única alternativa para

4 Para efeito neste trabalho, consideramos o conceito de habitus como expressa Bourdieu (1994, p. 78), ou seja, como “produto do trabalho de inculcação e de apropriação necessário para que esses produtos da história coletiva, que são as estruturas objetivas (por exemplo, da língua, da economia etc.), consigam reproduzir-se, sob a forma de disposições duráveis, em todos os organismos (que podemos, se quisermos, chamar indivíduos), duravelmente submetidos aos mesmos condicionamentos, colocados portanto nas mesmas condições materiais de existência.”

5 Os dirigentes do Estado, que por razões de interesse ou de necessidade, ao “entenderem” que essa

qualidade pode ser melhor obtida através do ensino superior privado, conforme já se mencionou,

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‘democratizar’ o acesso e melhorar a qualidade da educação superior,

especialmente nas nações periféricas, é através da IES privada. Assim se dá o

reforço para que modelos estandardizados de educação difundidos por stakeholders

(grupos de interesse) altamente organizados e institucionalizados conduzam a ação

do indivíduo, sem haver questionamentos sobre as reais necessidades dos

mercados locais e muito menos sobre as formas que são postas para a obtenção da

tal competitividade. Nesse contexto, conforme Lima (2008, p.12), a redução da

autonomia relativa do Estado na educação superior propicia: o direcionamento

supranacional de políticas educacionais relativamente descontextualizadas; a

deslocalização da discussão democrática de debate dos processos; a não

participação ou participação fluída e difusa dos atores educativos diretamente

envolvidos.

1.1.1 Estado mínimo e responsabilidade do indivíduo

Avaliando por outro ângulo, observa-se o contexto em que o Estado deve

ser forte em sua capacidade de manter o controle social e mínimo nas intervenções

econômicas, intervindo em momentos de crise, porém sem primar pela

universalidade dos direitos sociais. Em outras palavras, a função precípua do Estado

passa a ser o equilíbrio econômico em detrimento de sua função social. Evidencia

isso, o fato de nas últimas décadas constatar-se reduções orçamentárias

significativas em políticas sociais de garantia a condições básicas de vida digna ao

cidadão, tais como: saúde, habitação, saneamento, emprego, previdência, cultura e

principalmente educação (DOURADO, 2002). Em contrapartida, tem-se o fato de

passaram a apregoar a idéia da qualidade como caminho para alcançar a tão aclamada

competitividade no mercado concorrencial. Nesse sentido é que se entende a “qualidade” enquanto

produção simbólica, como instrumento de naturalização e prevalência da idéia de que a demanda por

ensino superior deve ser suprida mediante a oferta de serviços pela rede privada de ensino, uma vez

que essa rede teria maiores condições de ofertar qualidade. Também tornou-se consenso, através do

símbolo, que ao indivíduo cabe a responsabilidade por obter a qualidade competitiva adquirindo os

serviços dessa rede. Desse modo o poder simbólico é “esse poder invisível o qual só pode ser exercido

com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem.”

(BOURDIEU,1989, p. 8). O não querer saber, pode estar relacionado à negligência e apatia da

sociedade quanto aos direitos constitucionais predispostos sobre educação pública.

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que o crescimento da população torna necessário o aumento do número de salas de

aula, sendo que essa responsabilidade, assim como outras, tem sido deixada pelo

Estado em favor da livre iniciativa do setor privado, conforme já se mencionou.

Tendo em vista que a ideologia predominante reforça a crença da

soberania do individualismo, entendendo o indivíduo como proprietário ou

consumidor, há o consenso de que os direitos sociais se realizarão por meio do

consumo, via ascensão social individualizada, ou mesmo via ações filantrópicas. De

tal modo, havendo maior liberdade de mercado e menor controle do governo, há

maior facilidade para, conforme Sennett (2007, p. 28), o “sistema” se entranhar na

“experiência cotidiana das pessoas como sempre o fizera, com sucesso e fracasso,

dominação e submissão, alienação e consumo”. Assim, as redefinições na ação

social do Estado (HABERMAS, 1987), com tendência para um contexto de Estado

mínimo6, necessariamente deverão orientar a ação dos indivíduos. Estes últimos

deixados a providência da ordem de flexibilização das relações econômicas

assumem os prejuízos das conduções macrossocietárias (estrutura estruturante),

bem como a responsabilidade de buscar os meios de se adaptarem a elas. É nesse

contexto que se percebe, dentre outras profissões, o trabalho do docente no ensino

superior privado.

Na chamada ‘sociedade do conhecimento’, uma forma direta de pressão

sobre o trabalho no âmbito do mercado flexível, por exemplo, é o primado da

valoração técnico-científica que se traduz no paradigma da busca por qualificação.

Com a justificativa de ajustamento à ordem mundial neoliberal, preconiza-se que

‘informação e conhecimento’ substituem o capital físico e financeiro e se constituem

na riqueza da nova sociedade (CRAWFORD, 1994).

Entretanto, as ações, cada vez mais restritivas do Estado quanto a

investimentos no ensino superior público, sugerem a idéia de que ao indivíduo cabe

a exclusiva responsabilidade, independente de sua condição social, de investimento

em sua própria educação e qualificação. Com essa prerrogativa, ao modo como

6 Habermas compreende a crise do Estado atrelada ao fim da centralidade no trabalho enquanto sustentação para as políticas sociais. Explica que essa crise reflete o dilema de que “o capitalismo desenvolvido nem pode viver sem o Estado social nem coexistir com sua expansão contínua” (HABERMAS, 1987). Nesse sentido, enfatiza que a prática de Estado social ainda é a alternativa mais visível para dirimir os problemas sociais. Principalmente porque “os países ainda atrasados no desenvolvimento não têm nenhuma razão plausível para desviarem-se desse caminho” de Estado social.

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afirma Gramsci (2001, p.263), o sistema lança “no inferno das subclasses, os débeis

e os refratários”, ou simplesmente, “elimina” aqueles que não investem em elevação

de seu capital humano para serem competitivos.

É por essa razão que o fenômeno da globalização na década de 1990,

numa apropriação de Bourdieu, assume o caráter de “mito justificador”, uma

narrativa poderosa que tem força social e se torna a principal arma contra as

conquistas do Welfare State. De tal modo, o paradigma social de busca por

capacitação provoca, no plano individual, a idéia de fracasso enquanto estigma

socialmente construído. Nesse sentido, pode-se retomar Goffman (1988, p. 7)

quando este explica ser uma forma de estigma “as culpas de caráter individual,

percebidas como vontade fraca”, resultando no sofrimento daquele trabalhador que

não se sente competitivo por não conseguir conquistar a qualificação ensejada pelo

mercado.

No caso do trabalhador docente do ensino privado, alguns fatores

parecem sustentar o paradigma da obtenção de títulos. Desses fatores, destaca-se:

insegurança devido à flexibilização das relações de trabalho; necessidade de

elevação da renda; atendimento a exigências de competitividade da ‘empresa’

(Instituição de Ensino) e, por último, receio do estigma de desqualificação

profissional. Entretanto, em relação a este último caso, entende-se que no meio

acadêmico, onde não ter titulação passou a ser considerado uma anomalia, a

normalidade passa pelo senso comum de que a categoria seja titulada. É que, nesse

meio, a titulação assume o caráter de conferir autoridade na produção de mais

conhecimento, substancialmente entre o corpo docente e discente.

Novamente, retomando Goffman (1992, p.6), um atributo que estigmatiza

alguém pode significar a normalidade7 de outro. Fazendo uma analogia a essa

definição desse autor, a naturalização da idéia de existência de relativa oferta de

profissionais titulados no mercado leva, em última análise, à correspondente

desvalorização dos títulos. Não se está afirmando, com isso, que a “universalização”

ou ampliação do ensino universitário seja um problema, nem mesmo se afirma que a

sociedade ou o Estado não possuem estruturas para assimilar todo o contingente de

7 Em Goffman o termo estigma “será usado em referência a um atributo profundamente depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não de atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem”. (Goffman,1992, p.6)

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titulados, mesmo que essas suposições, de certo modo, também possam ser

entendidas como causas parciais da desvalorização. A referência que se faz é ao

valor que se dá a titulação, ou seja, à sua utilidade, e a partir dessa utilidade, a

aplicabilidade da titulação, tanto pela sociedade, quanto pelo Estado, ou mesmo

pelas IES privadas. Uma análise do valor dado à titulação pode ser feita a partir da

teoria do valor-utilidade em Jevons (1985). Na sociedade, o valor do título tende,

cada vez mais a estar vinculado à creditação para obtenção de vagas no mercado

de trabalho e não de obtenção de conhecimento para qualquer outra aplicabilidade

na vida, considerando a diversidade das situações cotidianas ao longo da mesma.

Já para o Estado, dado o viés político de condução da máquina, o valor à titulação

parece seguir os preceitos do que a sociedade deseja no curto e médio prazo, quais

sejam, emprego e renda. Desse modo, a ação do Estado quanto à educação pretere

a geração de conhecimento pelo desenvolvimento. Por fim, no contexto da IES

privada, que é o recorte em estudo, dado o objetivo no lucro em curto ou médio

prazo (para o caso do interesse que vincule o crescimento da empresa) a utilidade

do título parece tender a variar com o interesse temporal do capital empresarial,

desse modo, variando também o seu valor. Por exemplo, se o interesse é a

qualidade de ensino, mesmo que momentaneamente, para fazer agregação de valor

ao nome da empresa no mercado ou para ganhar reputação junto ao MEC, o título

ganha valor; de outro modo, se o interesse é redução de custos, o título perde valor.

Uma conclusão que se tira é que o desvalor à titulação pode ser

observado, no âmbito do trabalho docente no ensino privado, tanto devido à

tendência de decrescente remuneração aos titulado, quanto pela maior disputa entre

estes pelas vagas de trabalho que surgem, o que significa também que a

aplicabilidade do mesmo não é pela qualidade. Mesmo assim, a titulação continua

representando o trunfo (SENETT, 2007, p. 76) de sobrevivência, tanto para os

docentes quanto para a sociedade em geral, numa realidade em estágio “liquefeito”

(BAUMAN, 2001) pela ordem contemporânea do capital. Conforme esse autor, em

nossos tempos de modernidade, os lugares aos quais os indivíduos poderiam

ganhar acesso e tentar se estabelecer estão ficando cada vez mais fluídos,

dificilmente podendo servir como metas para “projetos de vida”.

Em suma, o que se observa é que a retirada do Estado do campo da

educação superior potencializa a individualização, deixando aos indivíduos a

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responsabilidade de “adaptar-se ao nicho que lhes foi atribuído” (op. Cit, p. 185):

qualificar-se para competição justificada sob o símbolo de integração global.

1.2. Expansão das IES privadas e o trabalho docente

Conforme Silva (2008) o maior impulso para a expansão das instituições

universitárias adveio do setor privado, se configurando então o que é denominado

de universidades mercantis (CALDERON apud SILVA, 2008, p. 93). De tal modo,

continua tal autor, na medida que essas universidades são orientadas pela lógica de

mercado e pela obtenção do lucro, visando atendimento das massas, optam em

geral pela redução dos custos operacionais. Mediante essa constatação, faz-se o

questionamento: que variáveis econômicas, políticas ou sociais orientaram o

processo de expansão das IES privadas e qual o reflexo desse processo sobre o

trabalho do professor nesse meio? Essa é a pergunta que servirá como pano de

fundo para ampliação da abordagem sobre a mercantilização do ensino relacionada

com o trabalho do docente em questão, que é uma análise que se inicia logo a

seguir.

No Brasil, nos últimos 20 anos, conforme dados do INEP (indicação na

tabela 1), houve amplo crescimento no número de instituições de ensino superior

(IES). A proliferação de instituições de ensino superior privado coincide com a

minimização de políticas voltadas para a criação de instituições de IES públicas,

acompanhando o crescimento populacional. Diante da existência de demanda

efetiva para essa modalidade de qualificação profissional, da insuficiência de vagas

nas instituições públicas e do elevado custo nas instituições de ensino privadas, o

Estado passa a aplicar políticas nem tanto adequadas a um sistema de ensino

eficiente e democrático.

Ao investir na qualificação profissional via política de bolsas universitárias

e financiamentos polarizados aos discentes, além de contemplar pequena parcela

de beneficiários, incorre em transferência de recursos do setor público para o

privado (BOSI, 2007). Mediante o exposto, a não criação de universidades públicas

de forma a comportar a crescente demanda, e também a criação de subsídios

financeiros aos discentes acabam por resultar em formas de estímulo por parte do

Estado à mercantilização do ensino superior.

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Conforme a Tabela 1.1, em 10 anos, o número de instituições privadas

saltou de 633 para 1.759 (um acréscimo de 177,88%)8. Este índice se apresenta

bastante expressivo e bem superior a média nacional de crescimento do setor

público, que cresceu apenas 2,75% no período. Importa destacar ainda que, até

2004, o número de instituições privadas representava 88,7% do total de instituições

superiores no país, enquanto que o número de instituições públicas, apenas 11,2%

desse total.

TABELA 1.1

EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO SUPERIOR, POR CATEGORIA ADMINISTRATIVA – BRASIL 1994-2004

Ano Total Δ (%) Pública Δ (%) Privada Δ (%)

1994 851 218 633

1995 894 5,1 210 -3,7 684 8,1

1996 922 3,1 211 0,5 711 3,9

1997 900 -2,4 211 0,0 689 -3,1

1998 973 8,1 209 -0,9 764 10,9

1999 1.097 12,7 192 -8,1 905 18,5

2000 1.180 7,6 176 -8,3 1.004 10,9

2001 1.391 17,9 183 4,0 1.208 20,3

2002 1.637 17,7 195 6,6 1.442 19,4

2003 1.859 13,6 207 6,2 1.652 14,6

2004 1.983 8,3 224 8,2 1.759 6,48

Crescimento (%) 133,02

2,75 177,88

Fonte: MEC/INEP/DAES - Censo 2002 e 2004. Tabulação da autora.

*Refere-se ao crescimento ou decrescimento ano a ano.

Sobre essa expansão do ensino, um paradoxo que se evidencia é que

enquanto o crescimento da população torna necessário o aumento do número de

salas de aula9, essa responsabilidade, tem sido cada vez mais deixada pelo Estado

8 Fonte: Mec/ Inep-Censo 2004. Conforme esse senso, na região centro-oeste, o sistema como um todo passou de 90 para 215 instituições, um acréscimo 138,9%. Obtido no site www.inep.gov.br, em 16/01/2009.

9 A crescente demanda pelo ensino superior também pode ser evidenciada pela força de atração à investidores estrangeiros, segundo Calejon (2009) o mercado brasileiro ainda possui um brande número de estudantes potenciais para graduação, desse modo grupos “estrangeiros foram atraídos por uma massa crescente de consumidores de educação no Brasil. Na última década, o número de alunos de graduação em escolas privadas no País passou de 1 milhão para cerca de 4 milhões [...] Na última década, o mercado quintuplicou seu valor e deverá movimentar neste ano 24 bilhões de reais. Boa parte desse crescimento pode ser creditada a classe C – parcela da população com renda familiar entre 1000 e 4600 Reais”. (Calejon, 2009, p. 43)

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em favor da livre iniciativa do setor privado, conforme os dados supracitados já

demonstraram. Segundo Dourado (2002), isso acontece porque o contexto é de um

Estado com ações restritas. A diretriz é intervir em momentos de crise, porém, sem

primar pela universalidade dos direitos sociais. Por esse motivo, nas últimas

décadas pôde-se observar reduções orçamentárias significativas em políticas

sociais, inclusive na educação.

Em outra análise, embora sejam as universidades públicas as que

efetivamente exerçam uma posição fundamental no interior do campo acadêmico

nacional e papel estratégico no processo de desenvolvimento do país, em

detrimento destas, o que se tem observado é a expansão do setor privado nas

últimas décadas. Sobre isso, Martins (2000) esclarece que a maior parte das

universidades federais surgiu antes da década de 70, e as atualmente existentes

formam uma rede nacional de estabelecimentos espalhados pelo território nacional.

As instituições confessionais vinculadas a Igreja Católica representavam o

conjunto das instituições privadas até a década de 60. Em período mais recente,

esse conjunto é acrescido de algumas instituições confessionais não católicas,

especialmente metodistas e luteranas. Entretanto, não foram as instituições

confessionais que delinearam o processo expansionista verificado nas décadas

subsequentes.

Atualmente, a expansão é marcada no âmbito das instituições de ensino

superior brasileiro exatamente pelo aparecimento de um "novo ensino privado", que

é guiado por uma lógica de mercado e um acentuado ethos empresarial, a partir dos

anos 1980. De tal modo, num quadro mais recente, conforme dados do MEC/Inep,

as universidades privadas prevalecem numericamente em todas as regiões do país,

principalmente no Sudeste, Sul e Centro-Oeste.

Acompanhando a proliferação de instituições de ensino superior privado

enquanto tendência na América Latina e em todo o Brasil, no Estado de Goiás essa

expansão ganhou maior impulso após a década de 1990. Tal expansão coincide

com a aplicação de políticas públicas voltadas para qualificação profissional via

ensino universitário, tais como a implantação da já citada política de fornecimento de

Bolsas Universitárias.

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Essa política voltada para a qualificação via ensino superior constitui-se

na resposta do Estado a determinados problemas sociais admitidos como

“fenômenos de mercado”, quais sejam: existência de demanda efetiva para o ensino

superior, insuficiência de vagas nas instituições públicas e elevado custo nas

instituições de ensino privadas. A política de distribuição de bolsa universitária

significa aporte de capital advindo do setor público diretamente para as instituições

privadas (LEHER 2004, apud BOSI, 2007, SILVA, 2008) e, pelo menos quanto a sua

aplicação no estado de Goiás, parece contribuir para a proliferação de instituições

com precárias estruturas. Por representar uma forma de receita que garanta o

funcionamento do empreendimento (IES), até que a empresa se estabilize no

mercado, significa uma forma de minimização do risco de se investir nesse setor.

Mediante a exposição e análise dos dados acima, infere-se que em maior

ou menor proporção, a expansão das IES privadas rumo à mercantilização do

ensino, contam, de certo modo, com o estímulo do Estado via financiamento de

bolsas de estudo a discentes. Neste caso, não é possível deixar de relacionar essa

situação com o conceito de Estado patrimonialista a que se referiu Faoro, cujo

fundamento, grosso modo significa beneficiamento ao setor empresarial por via de

recursos públicos. Nesse sentido é válido citar:

“Nas intervenções Estatais, outrora abominadas pelos empresários apenas

se contrárias aos seus imediatos interesses, crescem e proliferam

atividades econômicas incentivadas pelos lucros rápidos, mais jogo de azar

que empresa racional” (FAORO, 19987, p.724).

Nesse jogo, de possíveis perdas (de qualidade no ensino ou de

democratização da educação) e ganhos (de lucro rápido), partindo-se da conjetura

de que quando o Estado deixa de conduzir a educação como um bem social -

passando essa responsabilidade ao setor privado sob o argumento de que não

consegue financiá-la de modo a atender toda a demanda - sua ação subsume a

diretriz de mercado de gerar capital humano a qualquer custo. Podemos entender

esses custos afetando dois “núcleos” de atores sociais: aqueles que não conseguem

ingressar no ensino superior público e nem no ensino privado (potencial corpo

discente); e aqueles que movimentam o ensino superior privado, dentre esse

últimos, os docentes, que ficam a mercê dos interesses do capital mercantil nesse

meio.

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Em suma, entendendo então a parte desses custos transmutada para

contexto da gestão privada de ensino, identificaremos, em grande medida, tais

custos traduzidos em pressões sobre o trabalho docente dentro de um modelo de

ensino que acabou por vincular as máximas de mercado: “empreendorismo,

competição e voluntarismo” (BOSI, 2007), diretrizes abarcadas pela expansão

desregulamentada.

1.3 - Mercantilização do ensino superior: o trabalho docente em questão

Compreendendo a mercantilização do ensino superior como uma

realidade posta que tende a se expandir no livre mercado, esse tópico volta-se para

uma análise sobre como se configurou essa situação a partir de determinantes

macros, tais como a influência de organismos multilaterais e o interesse de

transnacionalização dos capitais investidores. Além disso, inicia-se, aqui, a

discussão sobre os efeitos do modelo mercantil de ensino superior efetivados no

país no trabalho docente em IES privadas.

O volume de recursos circulado no setor educacional nas últimas décadas

tem sido bastante expressivo. Conforme Ângela Siqueira, por ser de alta monta “tem

atraído o interesse crescente de grupos empresariais da área de comunicação,

informática, serviços e de educação com fins lucrativos” (SIQUEIRA, 2004, p.01)10.

Segundo essa autora, uma vez que nos países mais ricos - dado os níveis de

escolarização e os amplos sistemas educacionais já implantados - há uma saturação

para o crescimento desse setor, os países em desenvolvimento, possuindo forte

demanda potencial para os serviços educacionais, se tornam então uma excelente

alternativa de investimentos.

Conforme Siqueira (2004), as ações do AGS (Acordo Geral sobre

Comércio em Serviços- GATS, sigla em inglês) e da OMC (Organização Mundial do

Comércio), enquanto organismos regulamentadores do comércio mundial, seguem

com a diretriz de reduzir a educação ‘a um serviço educacional qualquer’, com o

objetivo de salvaguardar o interesse dos grupos empresariais. Identifica que pelo

10 Empresas investidoras citadas como exemplo: General Eletric, Motorola, MacDonalds, Sun Microsystems, Fordstar, Microsoft, Sylvan Learning Systems, De Vry Inc., Open Lerning Agency of Austrália, Open University, Wordwide, Universitas21, U21& Thompson Learning, Ecornell, Nyu’s School of continuing, professional Studies, etc. In (SIQUEIRA 2004, apud ROSENBURG 2002; SUVÉ, 2002; WEM, 2002).

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fato de na maioria dos países a educação ser entendida como um direito social, a

presença, oferta e controle da mesma pelo Estado, se torna uma barreira a entrada

aos empresários da educação. Assim se justifica a influência das Stakeholders

(grupos de interesses) sobre a atuação do GATS/OMC, no sentido de tratar a

educação cada vez mais como uma mercadoria como outra qualquer, regulada pelas

mesmas normas ‘gerais e neutras’ que regem os demais mercados: lucro e

competição.

Deixado à lógica mercantil, e guiado pela orientação dos organismos

multilaterais, o ensino superior que se expandiu pela iniciativa do pequeno e médio

capital nacional privado, na última década, passa a sofrer as influências de modelos

supranacionais de caráter transnacional. Não obstante a força gravitacional do

formato norte-americano, a universidade brasileira segue conduzida num caminho

de expansão confluente com os objetivos da “Declaração de Bolonha (1999)”. Nesse

modelo, a diretriz, conforme se apregoa, é “educação superior coerente, compatível,

competitivo e atrativo para estudantes europeus e de terceiro mundo” (LIMA, 2008,

p.10).

Essa diretriz subsume o escopo de transnacionalização11 ou

“desnacionalização”, em que políticas de liberalização são elaboradas visando a

competitividade, “enquanto a desregulamentação liquefaz as fronteiras geográfico-

políticas e territoriais para maximizar o valor de troca” (op cit p.12),

“Assiste-se, assim, a um complexo processo de redução da autonomia

relativa dos estados nacionais em matéria de educação superior; a uma

11 Como exemplo da forte inserção do capital multinacional no mercado de ensino superior brasileiro, periódicos informativos da mídia nacional, como a revista Exame e revista Veja, tem veiculado matérias sobre educação superior nas páginas de “Consumo” ou “Onde investir”. Apresentando ser um mercado com forte potencial de crescimento, o ensino universitário brasileiro tem atraído o interesse de grupos investidores com arrojado poder de negociação de todo o mundo: “No dia 9 de março, os executivos do grupo americano de ensino DeVry, com sede em Chicago, e faturamento de 1 bilhão de dólares em 2008, encerraram uma busca que levou dois anos. Após pesquisar uma centena de países, eles encontraram no Nordeste brasileiro o destino para dar seu primeiro passo fora da America do Norte. Com investimento de 55 milhões de reais, o grupo arrematou 70% da Faculdade Nordeste (Fanor), com 10000 alunos em cinco campi, no Ceará e na Bahia. O movimento do DeVry é a mais recente demonstração de interesse de investidores estrangeiros pelo mercado brasileiro de educação. O pioneiro foi o também americano Laureate, em 2005, com a compra do controle da rede de faculdades Anhembi Morumbi, de São Paulo. Um ano mais tarde a americana Whitney Internacional University adquiriu participação majoritária na Faculdades Jorge Amado, de Salvador. Representantes do Apollo, o maior grupo de educação do mundo, com receita de 3 bilhões de dólares em 2008, também vem visitando o país em busca de oportunidades.” (CALEJON, 2009)

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direção supranacional de políticas, agora relativamente

descontextualizadas” (LIMA, 2008, p.12).

Tratada como mercadoria, a educação superior no Brasil se torna atrativo

de diversificação de investimentos de empresas multinacionais do mundo todo12. Os

efeitos disso, por um lado, pode ser a tendência de migração do capital privado de

ensino superior para as mãos de grupos estrangeiros e, por outro lado, a ampliação

das práticas de gestão com foco na competitividade e na manutenção e ampliação

de fatia de mercado (market-share).

Assim se observa a redução da autonomia dos estados nacionais sobre

educação superior com a legitimação e o aval pelo Estado ao livre impulso

mercadológico das instituições privadas de ensino superior. Essas assumem posição

de empresas concorrenciais e encampam estratégias de gestão racionalistas e

gerencialistas, ou seja, de escopo e estrutura empresarial que nem sempre levam

em conta necessidades e peculiaridades dos atores principais da educação, alunado

e docentes, que se encontram muito aquém da plenitude dos direitos previstos pela

constituição de 199813. Além disso, essa racionalização do modelo de gestão que

contempla viés contábil pouco considera o fim precípuo da educação superior, qual

seja, o de ensino, pesquisa e extensão.

Conforme Lima, a desregulamentação liquefaz as fronteiras geográfico-

políticas e territoriais para maximizar o valor de troca e, dessa forma “potencia o

poder inscrito na capacidade aquisitiva, capital econômico e cultural e/ou no estatuto

individual e coletivo” (LIMA 2008, p.12, apud ANTUNES, 2006a, p.69). Paralelo à

redução da autonomia do Estado nacional, investindo, orientando e regulamentando

o ensino, em matéria de educação superior, observa-se a adesão a políticas e

orientações supranacionais “estandardizadas” que trazem em seu bojo ‘soluções’

aparentemente universais com o emblema de “boas práticas” (LIMA, 2008, p. 13)

12 “O ingresso de uma nova geração de consumidores quintuplicou o bilionário mercado brasileiro de ensino superior – que hoje movimenta 25 bilhões de reais por ano e está mudando o perfil das instituições do país” (CALEJON, 2009).

13 “Arts. 206, 207, 208, 213, 215, 218 e no 60 de seus ADCT, que determinam para a educação superior: a gratuidade do ensino público; autonomia; indissocialidade entre ensino; pesquisa e extensão nas universidades; acesso aos níveis mais elevados do ensino; da pesquisa; da criação artística; do desenvolvimento tecnológico; como dever, promoção e incentivo do Estado, garantindo a educação como direito a todos; o financiamento e o apoio financeiro do poder público à pesquisa e à extensão”.

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que não consideram as peculiariedades situadas e contingentes das sociedades

periféricas.

Numa análise do curso da expansão do ensino superior no Brasil, não é

difícil constatar seus reflexos imediatos sobre o trabalho do professor, traduzidos

como precarização. Essa precarização deve ser entendida, aqui, em relação à piora

nas condições de trabalho, nas relações de trabalho e também na intensificação dos

efeitos do trabalho docente precarizado no cotidiano do professor. Segundo Bosi

(2007), tal precarização é resultado, dentre outros fatores, tanto da expansão

desregulamentada do número de IES privadas quanto da criação das Universidades

Estaduais.

Em relação às IES privadas, sob o empuxo imediatista de lucro

empresarial a baixos custos, as más condições e relações de trabalho podem ser

identificadas enquanto reflexo da investida do capital empresarial: por um lado, do

pequeno capital empresarial familiar e por outro lado, pela investida de Instituições

de médio porte e multinacionais do ramo de ensino. Nos dois casos, há indicação

de que variando a intensidade e a forma, a precarização do trabalho docente é

reflexo, dentre outros motivos, dado a:

1- utilização de estruturas físicas improvisadas;

2- precárias condições de ensino e acondicionamento relativo do regime de

contratação flexível;

3- Baixa e descendente remuneração do professor;

4- Práticas racionalizadas de gestão do ensino enquanto arremedo de técnicas

e formato de gestão de empresas privadas e multinacionais.

De outra forma, também é no contexto de expansão do ensino privado

que conceitos específicos como o de qualidade e competitividade são transferidos

da esfera empresarial para a educacional. Para exemplificar a reestruturação do

ensino aos moldes de certos padrões produtivistas, Gentili (1996) chega a fazer uma

analogia entre esse setor e empresas de fast foods, entitulando tal análise de

“macdonaldização das escolas”. Nesta análise, esse autor ressalta que as

instituições de ensino passaram a incorporar estratégias empresariais que

compreendem a busca por produtividade, competitividade, qualidade e contratos

flexíveis sob a lógica do lucro e da eficiência. Assim, a tendência é a conformação

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das bases de uma escola Toyotizada, em busca de desempenho no mercado,

dirigida por líderes gerenciais que priorizam novas habilidades para atender as

exigências de um local de trabalho reestruturado.

Por se tratar de um contexto que combina novas e velhas técnicas

organizacionais (ROSSO, 2008), há que se ter em mente que essa nova

racionalidade é construída sobre os princípios que também regulavam a escola

Taylorista como, por exemplo, a existência de mecanismos tradicionais de controle

sobre o trabalho (ROSSO, 2008, p. 176). Inclui-se nesses mecanismos, o controle

do tempo de trabalho com a utilização do cartão de ponto, e também de avaliação

de “produtividade” do professor via relatórios preenchidos pelos acadêmicos. Melhor

explicando, coexistem no mesmo espaço de trabalho, tanto exigências e cobranças

relacionadas a modernas formas de controle do trabalho como, por exemplo, o

cumprimento de metas como a produção de artigos para periódicos; quanto as

antigas formas de controle. Para este último caso exemplifica-se que, em algumas

instituições, pode existir o supervisor exercendo o papel de ‘bedel’, para avaliar o

tempo de aula e o trabalho do professor em sala de aula.

O padrão de produtividade no ensino se alicerça nos conceitos clássicos

de eficácia e eficiência que incitaram a criação de instrumentos apropriados de

avaliação institucional recomendados por organismos multinacionais e governos

nacionais. O modelo de avaliação instituído no Brasil levou as instituições de ensino

superior a agirem junto às diretrizes avaliativas do MEC. Apesar da disseminação da

idéia de que a avaliação é uma política educacional substancial para promover a

qualidade do ensino, tal prática tem sido criticada por embutir o risco de ser

realizada com o fim em si mesma, ou seja, servindo “simplesmente ao propósito de

gerar competição entre instituições” (OLIVEIRA e FONSENCA, 2008, p. 24),

subvertendo o propósito de qualidade educacional e atendendo mais ao objetivo de

reputação institucional enquanto estratégia de Marketing, principalmente como

atitude adotada pelas IES privadas (op cit, p. 93).

Nas IES privadas, o processo de mercantilização do ensino dita a “cultura

do aprimoramento” pela competitividade. É nesse contexto que a avaliação da

qualidade do ensino passa também pela avaliação do trabalho docente. Numa forte

assossiação por esse tipo de IES da idéia de cliente/produto (SOUSA in OLIVEIRA e

FONSENCA, 2008, p. 77), a prática avaliativa acaba por resultar em maior pressão

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sobre o trabalho do professor, uma vez que esta vem invariavelmente

desacompanhada de análise das condições de trabalho do mesmo. Por outro lado,

tendo em vista que estas IES primam pelo custo mínimo de produção, a avaliação

invariavelmente não faz parte de um planejamento que visem subsídios e

investimentos na qualificação do professor ou em adequação da estrutura para a

boa prática do ensino, podendo resultar apenas em penalidades contigentes ao

docente que é mal avaliado pelo seu alunado.

Já no tocante à reestruturação do ensino sob a lógica de mercado flexível,

faz-se a observação de que mudanças ocorridas no mundo do trabalho “requerem

um novo sistema produtivo capaz de promover um rápido atendimento às flutuações

de mercado que se apresenta extremamente flexível” (Mancebo, 2006, p.1). Como

toda nova forma de organização do trabalho, essa flexibilização reflete-se numa

demanda por trabalhadores com performance adaptáveis, exigindo-lhe uma nova

reacomodação do campo sóciossubjetivo. Conforme essa autora, passou-se a exigir

do indivíduo, no caso, o professor de ensino superior, um conjunto de habilidades

(inteligência, recursos criativos pessoais, potencialidades) que, ao se deparar com

diferentes situações concretas, sejam mobilizadas para alcançar os objetivos de sua

atividade.

Nesse contexto de ensino-mercadoria, dentro de um modelo que acabou

por vincular as máximas de mercado empreendedorismo, competição e voluntarismo

(BOSI, 2007), as IES privadas combinam velhas e novas práticas de gestão que

resultam, em grande medida, em prejuízos de qualidade de ensino e de pressões

sobre o trabalho docente.

1.3.1 - Racionalização nas gestões e a adaptação do professor

As Instituições educativas sempre exerceram papel fundamental no

desenvolvimento e consolidação do sistema capitalista, tanto pela legitimação de

suas práticas, conforme bem explica Bourdieu, quanto fornecendo conhecimento,

ciência e técnicas para a ampliação do capital, bem como “para uma exploração

mais científica da força de trabalho” (MANCEBO, 2007, p. 76). No entanto, no

âmbito da produção de conhecimento nas IES privadas, a produção científica é a

própria força produtiva que conferirá incremento ao capital empresarial. Sendo

assim, a IES no contexto mercantil, naturalmente lança mão de estratégias que

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permitam melhor extrair e ampliar a mais valia da força de trabalho empenhada no

processo. Logicamente, as IES guiadas por gestões racionalizadas pelo lucro

produzem mudanças no trabalho e na subjetividade dos docentes-cientistas que há

muito considerados “os sacerdotes consagrados ao culto do saber ... a serviço do

bem da humanidade” (GEANNOTI, 2003 apud MANCEBO, 2007), passam a assumir

o papel de executores passivos do processo de produção do ensino para comércio.

Para entender essas modificações, refletidas no mundo do trabalho docente, passa-

se, a seguir, a uma digressão sobre a evolução do processo racionalizante das

gestões, em suas implicâncias sobre o trabalho. Perpassando os modelos de gestão

do fordismo e do taylorismo, chega-se ao toyotismo. Esse último considerado

condensador do viés de flexibilização do trabalho.

O sistema taylorista/fordista de organização faz parte do processo que

evoluiu para a reestruturação produtiva a partir do toyotismo no âmbito das

empresas capitalistas. Cabe aqui, analisar essas transformações entendendo-as

como vetoras do estabelecimento de relações sociais, principalmente no que tange a

adaptação do trabalhador meio a essas mudanças.

A começar pelo sistema taylorista/fordista, Pinto (2007) explica que essa

forma de organização expandiu-se das economias centrais no pós segunda guerra e

se conformou em método de gestão pela produtividade. Se baseava na confecção

de ferramentas e seleção criteriosa dos trabalhadores para treinamento, enquanto

experimento de Taylor, com o objetivo de extrair o máximo de capacidade produtiva.

Conforme esse autor, no interesse “científico” de Taylor também residia o objetivo do

empresariado que o patrocinou, qual seja: o de se criar instrumentos de extração do

sobretrabalho não pago, em outras palavras, mais-valia. As experiências de Taylor

permitiram a Ford uma exploração ainda maior dos trabalhadores a partir do

condicionamento dos mesmos à velocidade da maquinaria. O resultado de tais

técnicas racionalizantes foi a conformação dos seres humanos a um sistema pronto

e acabado de normas rígidas de trabalho. Entretanto, pesquisas14 sobre tais

14 Sob o entendimento de que fatores psicológicos afetavam a produtividade nas fábricas, outros

numerosos estudos foram realizados no sentido de elevá-la a partir da forma organizacional do trabalho, sem entretanto obter o efeito esperado. Dentro das correntes que se voltaram ao estudo das conseqüências da organização dos trabalhadores, Pinto (2008) destaca a da “hierarquia das necessidades, de Maslow e a da “organização e personalidade”, de Argyirs.

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condições de trabalho levantaram suspeitas sobre a perda de eficácia desses

sistemas, face a estagnação dos níveis de produtividade em contrapartida à baixa

satisfação dos trabalhadores. Não obstante ao fato de que esse sistema de

racionalização “social” torna os trabalhadores mais dependentes de seus

empregadores e mais fragmentados enquanto classe social na defesa de seus

interesses, desenvolveram-se resistências individuais ou coletivas.

A necessidade de quebrar tais resistências e de se obter instrumentos

mais previsíveis de mensuração da mais valia suscitou a utilização de estratégias

que permitissem maior controle dos trabalhadores por via “de mecanismos que têm

variado entre a coerção e o consentimento” (OLIVEIRA, 1996 apud PINTO, 2008).

Nessa perspectiva é que surge o modelo de flexibilização Toyotista, suplantando os

métodos e o conceito de “flexibilidade” da corrente taylorista/fordista que se

vinculava apenas “à capacidade de substituição direta e rápida dos trabalhadores”

(op cit, p. 48). Pinto esclarece que o sistema toyotista superou em produtividade

todos os demais sistemas de organização flexível, uma vez que, por meio da

manipulação da subjetividade dos trabalhadores, extrai-lhes o acúmulo de

conhecimentos tácitos a favor da acumulação capitalista. Ou seja, enquanto Taylor

havia decomposto atividades complexas em operações simples, Ford empenhado no

automatismo, atacou o saber dos trabalhadores mais qualificados. Onho perseguiu o

mesmo objetivo de produtividade, exigindo a “polivalência”, desautorizando o poder

de negociação dos mais qualificados, obteve como resultado o aumento do controle

e a intensificação do trabalho. Inaugura-se, então, o sistema organizacional onde a

automação, a polivalência e a organização celular são a base para o desempenho

do trabalho flexível, que sob exigência de jornadas flexíveis, combinado com o

aumento significativo de horas extras, ampliam a capacidade produtiva. Combinando

com o método flexível de trabalho pela produtividade, o regime Just-in-time, ou de

“produção enxuta” (MAJNONNI, 1999 apud SUCUPIRA, 2005), guiado pela diretriz

de baixos custos, exige capacidade produtiva flexível através do controle de

“estoque mínimo”. Nesse conceito, a utilização do mínimo de efetivo de

trabalhadores e de instalações físicas ajustadas à escala de produção também vêm

complementar as técnicas flexíveis de racionalização da gestão, dentre estas o

sistema de trabalho flexível (HARVEY,1989).

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Note-se, então, que a difusão do sistema toyotista de gestão permitiu às

empresas não apenas o aumento da produtividade, mas também uma maior

flexibilidade no uso de suas instalações e da força de trabalho. Dos efeitos desse

novo sistema para os trabalhadores, cita-se além do maior raio de ação do

trabalhador sobre o trabalho, a intensificação do ritmo de trabalho, acompanhados

de maior instabilidade no emprego. Além disso, o sistema toyotista permitiu a

intensificação do controle patronal sobre os trabalhadores nos locais de trabalho.

A partir da explanação sobre os métodos de racionalização das gestões,

fica mais fácil de se identificar, a maior ou menor semelhança de práticas desses

métodos de gestões no âmbito das IES privadas, bem como seus efeitos sobre o

trabalho da classe de professores. É preciso lembrar que enquanto empresa no

mercado competitivo, as gestões das IES privadas, ainda pouco evoluídas em

técnicas administrativas adequadas à natureza do empreendimento educação, se

pautam principalmente no foco de redução de custos e aumento da competitividade,

no sentido de conquistar e manter mercado. A busca por qualidade também é muito

citada pelos gestores desses empreendimentos, entretanto, as ações

administrativas para a obtenção da mesma são em grande medida inócuas ou

inexistentes, conforme se verificará adiante. De tal forma, a qualidade para a maioria

das IES privadas se configura apenas como slogan de campanhas publicitárias.

O toyotismo é o método mais acabado, até então, enquanto gestão

racional pela flexibilização que melhor se adapta ao contexto de competição e

concorrência mercadológica atual. Talvez, por esse motivo, na maioria dos estudos

de abordagem sobre o contexto das IES privadas, os vários autores – Bosi, 2007;

Mancebo, 2007; Oliveira, 2008; Pereira, 2010; Silva, 2008; Sucupira, 2010 –

identificam esse modelo de gestão como orientador das situações de trabalho

encontradas. Contudo, nesse estudo, não se desconsiderará, dado a

heterogeneidade e complexidade do ensino superior, que muito se utiliza de práticas

relacionadas ao modelo taylorista na condução de IES privadas, e que essas

práticas também condicionam as relações de trabalho nesse meio.

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1.3.2 - A lógica do trabalho flexível na docência acadêmica

A racionalização das gestões nas IES privadas condiciona e modifica sob

diversos aspectos o trabalho do professor. Alguns desses reflexos serão analisados

nesse tópico, sob o entendimento de que os efeitos da flexibilização, para além do

trabalho in loco na instituição, invade o cotidiano do profissional docente,

contaminando o tempo que deveria ser destinado ao não trabalho.

Seguindo as estatísticas sobre a expansão do ensino superior, não é

difícil constatar que esse curso de crescimento tem reflexo imediato sobre o trabalho

do professor, se traduzindo, por vezes, na precarização do mesmo. Essa

precarização deve ser entendida, aqui, como a piora nas condições de trabalho, nas

relações de trabalho e também na intensificação dos efeitos do trabalho docente, no

cotidiano do professor. A existência de estruturas improvisadas, com precárias

condições de ensino, amplo acondicionamento do regime de contratação flexível, e

existência de condicionantes que exigem a constante adaptação do docente, são

efeitos que se correlaciona à intensificação comercial da educação superior privada.

Estudos do INEP15 indicam que 67,1% do total de docentes universitários

atuam no setor privado. Esse dado por si só indica a conformação da estrutura do

ensino superior no país, sinalizando sobre a preponderância do quantitativo de IES

privadas em relação ao quantitativo de IES públicas. Nessa mesma pesquisa, a

própria nomenclatura para tabulação dos dados coloca em ressalva algo que pode

ser um indicativo da tendência de precarização do trabalho docente: “Muitos

docentes brasileiros atuam em mais de uma instituição, por isso quando se analisam

as informações (...) se deve falar em funções docentes e não propriamente em

docentes.”16 De tal forma, a diferenciação que se faz de “Docente” para “Função

Docente” é exatamente a de que o segundo termo indica que os professores atuam

em mais de uma instituição. Sendo um fato que parece recorrente no país, para o

caso de docentes em IES superior privadas, incita a indagação do porquê dessa

recorrência. Uma primeira inferência que se faz dessa situação, é a de que a renda

do docente pode estar baixa devido à má remuneração e, por isso, a necessidade

do mesmo se vincular a várias instituições para manter determinado padrão de vida.

15 BRASIL, Inep/Mec/Cadastro Nacional de Docentes 2005.1. Obtido no site http://www.inep.gov.br, em 16/01/2009.

16 BRASIL, Inep/Mec/Cadastro Nacional de Docentes 2005.1. (op. Cit.)

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A reestruturação do ensino sob a lógica de mercado e de mudanças

ocorridas no mundo do trabalho faz adaptação do padrão de um sistema produtivo

que, conforme (MANCEBO, 2006, p.1), é “capaz de promover um rápido

atendimento às flutuações de mercado que se apresenta extremamente flexível”.

Como toda nova forma de organização do trabalho, essa flexibilização reflete-se

numa demanda por trabalhadores com performances adaptáveis, exigindo-lhe uma

nova reacomodação do campo sóciossubjetivo. Conforme essa autora, passou-se a

exigir do indivíduo, no caso o professor do ensino superior, um conjunto de

habilidades (inteligência, recursos criativos pessoais, potencialidades) que, ao se

deparar com diferentes situações concretas, sejam mobilizadas para alcançar os

objetivos de sua atividade. Para Mancebo,

“Um dos caminhos possíveis para a racionalização dos recursos recai justamente

sobre o professor. Seu trabalho vem sendo precarizado e desregulamentado, com

a redução de salários, diminuição dos direitos trabalhistas, intensificação da

jornada de trabalho, entre outras formas de exploração” (MANCEBO, 2008, p. 10).

Dentre estas formas de exploração que impingem ao professor a

responsabilidade da adaptação, destacam-se as seguintes:

1- Exige-se do docente a qualificação adequada ou mínima, dependendo

da necessidade momentânea da instituição, ou seja, se para atender a exigências

do MEC, a titulação mínima deve ser de Mestrado17; se apenas para ministrar aulas,

não assumindo cargo de diretor de departamento ou coordenador de centro de

pesquisas, por exemplo, o título de especialização é preferível (SILVA, 2008) uma

vez que representa redução de custos de contratação.

2- A polivalência (ROSSO, 2008) designativo ao fato do professor ter que

se adaptar ao desenvolvimento de múltiplas tarefas, se dá em três sentidos:

primeiro, uma vez contratado por uma instituição, o docente deve estar disposto a

ministrar diferentes disciplinas num mesmo semestre, na mesma instituição, também

como forma de reduzir custos de contratação de professor. Em alguns casos, é

exigido, inclusive, que ministre disciplinas que têm baixa ou nenhuma relação com

sua área de qualificação. Segundo, que, além da capacidade para ministrar as

aulas, se torna cada vez mais exigido que o professor deva possuir habilidade e

17 Em alguns casos tem acontecido até a demissão sumária de docentes com titulação de Mestre e Doutor, para a contratação de profissionais com menor titulação em função de estratégias de redução de custos.

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competência para a produção científica. Por último, ao mesmo tempo em que

também é exigido do docente, empenho em planejamentos extra-pedagógicos, é lhe

exigido, em alguns casos, execução de tarefas relacionadas a atividades

administrativas. Nesse sentido, ressalta-se que é possível que as atividades do

docente extra-sala de aula nem sempre estejam sendo remuneradas, conforme já

mencionado.

3- Já as questões da implementação de horários indefinidos de trabalho e

flexibilização dos vínculos trabalhistas se interrelacionam. Como a maioria das IES

privadas é de pequeno e médio porte, ambas têm ampla dependência da demanda

pelo ensino no mercado em que atuam. Por esse motivo, em alguns semestres não

há turmas para as disciplinas para as quais alguns professores são contratados, o

que pode resultar em elaboração de contratos temporários, tendo em vista a

expectativa de uma possível futura capacidade ociosa, mesmo que temporária, até

que a demanda se ajuste. Explica-se que em função da perspectiva temporária de

trabalho, devido à subcontratação, o professor passa a vincular-se a várias

instituições para manter o padrão de vida. A cada semestre poderá estar ministrando

aulas em diferentes dias da semana, em horários diferentes, e em diferentes IES

privadas. Essa situação caracteriza a maleabilidade, ou seja, a ampla adaptação do

docente ante as necessidades e exigências impostas pela instituições às quais se

vincula.

A chamada reestruturação produtiva com base em trabalho flexível

(HARVEY, 1989; POCHMANN, 1999; ANTUNES, 2002; LEITE, 2003), é o resultado

da evolução histórica do modo de produção capitalista que faz surgir novas formas

de exploração do trabalho e de apropriação de riquezas. Assim, a educação

profissional surge como um imperativo do capital sobre a “classe que vive de

trabalho” (ANTUNES, 2006). A noção de qualificação baseada na idéia de capital

humano é associada à defesa da modernização capitalista, com o padrão fordista de

organização e Gestão do trabalho.

A partir da crise no modelo de produção e das transformações do mercado de

trabalho, o que a ideologia dominante busca é reduzir a função dos processos

educativos à mera formação de cidadãos empregáveis, buscando formar

trabalhadores flexíveis e adaptados às necessidades do mercado, ou seja, ajustar

suas diretrizes ao novo modelo produtivo do capitalismo globalizado. (MANCEBO,

2009, p. 8)

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Segundo Sennett (2007), num processo cíclico, conforme as crises do

capitalismo flexível, vão surgindo novas propostas para a educação profissional de

forma que atendam à demanda do sistema. Essa concepção de qualificação gera no

plano macrossocietário uma série de políticas educacionais que primam por atender

demandas e necessidades técnico-organizativas dos setores mais organizados do

capital (SAUL, 2007; OLIVEIRA, 2007). “Como o capitalismo cria uma sociedade na

qual ninguém por hipótese consulta qualquer coisa senão o interesse próprio”

(BRAVERMAN, 1974, p. 68), a qualificação profissional condicionada pela

necessidade de mercado aparece como uma forma de dar sobrevida ao sistema

capitalista.

Recorrendo a Gramsci, a busca no plano individual por qualificação pode

ser interpretada também ao modo de pressão coercitiva, em que mudanças no modo

de ser e viver são resultado da coerção por uma “seleção ou educação do homem

adequado... às novas formas de produção e de trabalho” (GRAMSCI, 2001, p.262).

Tal coerção, que atinge a sociedade como um todo, pode ser evidenciada no

trabalho docente pela incessante procura por elevação de capital humano, com

especial interesse na titulação enquanto via de incremento desse capital que, em

última análise, tem o objetivo de acréscimo do capital financeiro. O Cadastro

Nacional de docentes do INEP-2005.1 aponta que houve perceptível crescimento na

representação dos doutores e mestres nos quadros docentes tanto nas IES públicas

quanto nas privadas.

“Quando comparamos as indicações do Censo com as do Cadastro Nacional de

Docentes, percebemos, por exemplo, que no setor público a representação de

doutores no quadro das funções docentes era de 22,4%, em 1994, tendo saltado

para 39,5%, em 2003 (um aumento de 17 pontos percentuais), chegando a 41,7%,

em 2005. Da mesma forma, no setor privado, o percentual de doutores no quadro

das funções docentes saltou de 6,8%, em 1994, para 11,8%, em 2003, chegando

a 12,2%, em 2005. Entre os mestres nota-se um pequeno declínio no setor público

entre 1994 e 2003 (de 28,2 para 27,3), mas chegando a 30,0%, em 2005; no setor

privado, houve um salto significativo: de 18,5%, em 1994, para 39,3%, em 2003,

chegando a 40,7%, em 2005.” (INEP-2005.1, p. 24) 18

18 BRASIL, Inep/Mec/Cadastro Nacional de Docentes 2005.1. Obtido no site http://www.inep.gov.br, em 16/01/2009.

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Em mais uma apropriação de Sennett (2007, p.27-32), essa busca por

titulação parece ser impulsionada no contexto da nova economia, pela flexibilidade e

fluxo no curto prazo, em que os profissionais têm que se mover para se manterem

no mercado. Muito embora, profissionalização e titulação não sejam mais garantia

de permanência no emprego.

A tabela 2 demonstra a distribuição dos docentes conforme titulação nas

instituições de ensino pública e privada. Destaca-se desta tabela, que a maioria dos

mestres (73,5%) e especialistas (80,2%) atuam no setor privado, enquanto que a

maioria dos Doutores atua no setor público (62,7%). Portanto, há que se fazer uma

análise mais detalhada destacando os fatores que refletem nessa configuração, que

não deixa de ser um indício do baixo incentivo do setor privado à capacitação de

seus professores, ou mesmo, baixa valorização a titulação por esse tipo de

instituição.

TABELA 1.2

FUNÇÕES DOCENTES POR TITULAÇÃO, SEGUNDO CATEGORIA ADMINISTRATIVA - BRASIL 2005

Título Brasil Público (%) Privado (%)

Doutor, LD, PDr 58.711 36.793 62,7 21.918 37,3

Mestre 99.677 26.449 26,52 73.228 73,5

Especialista 77.110 15.230 19,8 61.880 80,2

Graduado 29.993 9.292 31 20.701 69,0

Outro 2.495 482 19,3 2.013 80,7

Total 267.986 88.246 32,9 179.740 67,1

Fonte: Inep/Mec/Cadastro Docente 2005.1

A tabela 2 demonstra a distribuição dos docentes conforme titulação nas

instituições de ensino pública e privada. Destaca-se desta tabela, que a maioria dos

mestres (73,5%) e especialistas (80,2%) atuam no setor privado, enquanto que a

maioria dos Doutores atua no setor público (62,7%). Portanto, há que se fazer uma

análise mais detalhada destacando os fatores que refletem nessa configuração, que

não deixa de ser um indício do baixo incentivo do setor privado à capacitação de

seus professores, ou mesmo, baixa valorização a titulação por esse tipo de

instituição.

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Em Goiás, a configuração do quadro de funções docentes por titulação se

apresenta semelhante ao nacional, conforme os dados da Tabela 1.3. Sobre essa

última tabela, observando os dados sobre Goiás, é interessante destacar dois

pontos: primeiro que o percentual de funções docentes com doutorado (11,8%)19 é

praticamente a metade do percentual da média nacional da mesma categoria, que é

de 21,9%; segundo, que o percentual de funções docentes com o título de

especialista (42,5%) é muito superior ao da média nacional (28,8%). Deve-se

ressaltar ainda que a maioria dos Docentes universitários da classe de especialistas,

levando-se em conta a tendência nacional (vide tabela 2), atua no setor privado.

TABELA 1.3

FUNÇÕES DOCENTE POR TITULAÇÃO EM GOIÁS E NO PAÍS – BRASIL 2005

Titulo Goiás (%) Brasil (%)

Doutor, LD, PDr 968 11,8 58.711 21,9

Mestre 2.726 33,1 99.677 28,8

Especialista 3497 42,5 77.110 28,8

Graduado 881 10,7 29.993 11,2

Outro 153 1,9 2.495 0,9

Total 8225 100 267.986 100

Fonte: Inep/Mec/Cadastro Nacional de Docentes 2005.

Diante de todo o exposto, portanto, premido de um lado pela condução do

mercado e de outro pela ausência do Estado, a alternativa que é vislumbrada pelo

trabalhador docente para satisfazer anseios individuais, combinando,

enriquecimento intelectual, alcance de melhoria material e qualificação para o

mercado, é a de elevar seu capital humano via titulação. Ressalta-se, entretanto,

conforme já mencionado, que a titulação ou a qualificação parece terem deixado de

ser garantias de valorização da mão-de-obra, retorno financeiro ou mesmo

estabilidade de emprego no sistema de mercado flexível. Talvez por esse motivo, os

profissionais da área em Goiás têm procurado se qualificar na medida da exigência e

da valorização da titulação no mercado de IES privadas.

19 Conforme indica a análise do Inep este índice é o mais baixo da região Centro-Oeste. (Inep/Mec/Cadastro Nacional de Docentes, 2005)

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1.4 – Desregulamentação do mercado de IES privadas no Brasil

Dado as especificidades da atividade educacional, ressalta-se que a

ausência de regulação adequada para corrigir as distorções que a mercantilização

do ensino propicia acaba por não produzir ensino de qualidade, além de acirrar as

pressões sobre o trabalho docente e o estado de vulnerabilidade desse profissional.

Nesse tocante, a abordagem a seguir versará brevemente sobre a questão da

desregulamentação das IES privadas.

As redefinições na atuação do Estado em confluência com reestruturação

do sistema capitalista resultam em novos condicionamentos da sociedade do

trabalho que permeiam todas as esferas da vida social. Inserida neste contexto de

condicionamentos múltiplos, a profissão docente padece entre o esvaziamento da

categoria trabalho e a remodelação desregulamentada do sistema de ensino

superior.

Nesse sentido, é válido lembrar que a transferência do ensino superior do

Estado para a iniciativa privada20 se deu sob o escopo de busca por “eficiência”.

Entretanto, o processo de transferência dessa responsabilidade parece não ter

seguido um planejamento adequado, se pautando substancialmente na diretriz do

lassez-faire, ou seja, o livre arbítrio das IES privadas levaria a um suposto estágio de

eficiência na qualidade da educação superior.

Conforme Oliveira e Fonseca (2008), a gestão da educação esteve no

centro dos debates pelas cúpulas hemisféricas de chefes de Estado e Governo nas

Américas nas ultimas décadas, sendo elucidativo citar duas das metas estabelecidas

para a educação na segunda cúpula presidencial realizada, em 1998, em Santiago:

primeiro, a melhoria da administração educacional, construção da capacidade

institucional e participação comunitária; e segundo, o estabelecimento de

indicadores de avaliação institucional pela qualidade. Desde então, iniciou-se em

todo o hemisfério, inclusive no Brasil, um intenso debate em matéria de

planejamento, gestão e avaliação institucional por parte dos órgãos governamentais

e instituições de ensino.

20 “o governo vem advogando e empreendendo ações que tornam o ensino superior brasileiro cada vez mais variado, flexível e competitivo, segundo a lógica do mercado, embora controlado e avaliado pelo estado” (CATANI; OLIVEIRA, 2000 in OLIVEIRA; FONSECA, 2008, p. 133)

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Porém, no Brasil a experiência com avaliação institucional enquanto

instrumento de regulamentação das IES teve início na década de 1970, em

programas de pós-graduação, e ampliou-se para o ensino de graduação na década

de 1980. Esta experiência teve raízes nos debates protagonizados pela Associação

Nacional de Docentes, atualmente Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições

de Ensino Superior (Andes) e pelo Conselho de Reitores das Universidades

Brasileiras (Crub), debates esses suscitados em reação a projetos do Ministério da

Educação.

Entretanto, os referidos autores analisam que o modelo de avaliação do

ensino superior implementado no Brasil desde o início da década de 1990, com

mesmo modelo de aplicação para o setor público e privado, embute riscos. Um

desses riscos se relaciona ao fato da avaliação ser tomada com o fim em si mesma.

Ao invés de propiciar qualidade do ensino, limita-se a “estabelecer comparações

servindo simplesmente ao propósito de gerar competição entre instituições” (op. Cit,

p. 23-29), podendo prejudicar tanto o próprio processo avaliativo quanto a meta de

alcançar qualidade educacional.

Os mesmos autores ressaltam que o sistema de avaliação instituído

privilegiou o ensino de graduação, articulando-se fortemente à política deliberada de

expansão do ensino superior praticada no país. Exemplificam que a forma de

divulgação dos resultados com base no ranqueamento funcionou como marketing

(op. Cit, p. 98) das instituições, ampliando a competição interinstitucional, sobretudo

nas IES privadas, realçando-se o processo de mercantilização do ensino superior.

De tal modo, tais autores consideram que a avaliação, enquanto proposta coerente

de regulação e administração do ensino superior deve levar em conta as suas

implicâncias na cultura acadêmica, nas definições curriculares, na estruturação da

educação superior, na gestão das instituições e também no trabalho docente.

Ante o exposto, pelo fato de a empresa concorrencial capitalista, no caso,

a IES privada, buscar eficiência administrativa por meio de instrumentos de

administração baseados no racionalismo e no utilitarismo, parece ser necessário o

aprimoramento da forma de regulamentação das mesmas. Da forma como são

aplicados, os instrumentos de avaliação atuais desconsideram as necessidades

sociais, dificultando a formulação e aplicação de políticas adequadas às realidades.

Neste caso, para o alcance efetivo da qualidade do ensino, mais que aplicação

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generalizada de instrumentos estandardizados de regulamentação, parece se fazer

necessário considerar as peculiaridades sócio-culturais e regionais das IES, levando

em conta tanto a estrutura física, quanto a estrutura organizacional, contemplando

os investimentos em pesquisa, as relações e as condições de trabalho do professor.

Esse parece ser o caminho viável para a obtenção de ensino superior equitativo,

democrático e de qualidade.

1.5 - Múltiplas pressões sobre o trabalho docente

O trabalho docente em IES privadas é percebido, então, sob o fogo

cruzado de múltiplas pressões. Por um lado, pelos instrumentos de racionalização

da administração inerentes a finalidade lucrativa e concorrencial do ensino

superior21. Por outro lado, a pressão se dá também dado o sofrimento individual,

pela incerteza quanto a permanência e manutenção do emprego que permeia o

mundo trabalho e, como não poderia deixar de ser, afeta também o professor de IES

privadas. Explanar sobre os aspectos dessas múltiplas pressões sobre o trabalho do

professor é que se pretende nesse tópico.

A prática da condução utilitarista na gestão das IES privadas significa a

aplicação de políticas de racionalização administrativa em busca de redução dos

custos. Esses últimos se refletem diretamente sobre o trabalho do docente quando

são minguados os investimentos pela instituição em melhoria da estrutura física ou

qualificação do docente, implicando diretamente em precarização das condições de

trabalho. Além disso, há indicativos de que a expansão acelerada e guiada

simplesmente pelo impulso de comercializar educação no segmento privado vem

apresentando em uma possível exaustão (FONSECA, 2008, p. 85; ROSSO, 2008, p.

175) do próprio setor, significando capacidade ociosa e consequentes políticas de

racionalização administrativa ainda mais acirradas, pela intensificação da

competitividade e da busca por redução dos custos administrativos.

De outro modo, o trabalho docente também se vê pressionado pela

insegurança e incerteza (SENNET, 2007; BAUMAN, 2001) recorrente nas relações

de trabalho, resultante de contratos de curto prazo, contratos sem cobertura pela

21 Com o objetivo de expandir as vagas no ensino superior, o governo regulamentou através do Decreto nº 2.306/97 a flexibilização e a diversificação, ato que também estabeleceu as IES com finalidade lucrativa. (ASSIS, 2008 in OLIVEIRA; FONSECA, 2008, p. 133)

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previdência, ou mesmo pelo trabalho realizado na ausência de contrato. Essas

inseguranças tidas como oriundas da reestruturação produtiva, que trouxe consigo o

corolário da flexibilização e das transformações que aflige trabalhadores de outros

mercados, atinge também os docentes em IES privadas. Mediante essa

complexidade de fatores, a precarização das condições e relações de trabalho é a

via pela qual se exacerba a vulnerabilidade do trabalhador. De tal modo, o trabalho

adquire um caráter desumanizador, aumentando a segregação dos indivíduos e de

certo modo, a exclusão social. “A psicodinâmica do trabalho destaca o trabalho

como um dos principais fatores que influenciam a formação do sujeito” (DEJOURS,

1987 in PEREIRA, 2006) entendida essa formação como um processo que está

vinculado ao princípio da alteridade que ocorre quando através do contato com o

outro, eu me descubro e estabeleço minha identidade. Segundo Bauman

(2001,p.170),

“A incerteza do presente é uma poderosa força individualizadora. Ela divide

em vez de unir, e como não há maneira de dizer que acordará no próximo

dia em qual divisão, a idéia de “interesse comum” fica cada vez mais

nebulosa e perde todo valor prático.”

Assim, as transformações no mercado de trabalho influenciam a

identidade dos sujeitos em função do nível de individualização do processo de

trabalho, da concorrência por capacidade, das condições de trabalho, e dos projetos

e interesses que polarizam o meio social. Além disso, a insegurança e incerteza

sobre se ainda estará no emprego na semana seguinte contribui para a opção da

luta individual pela sobrevivência no mercado.

Na sociedade da informação, aquele que exerce o trabalho intelectual

passa por um complexo de estranhamento e alienação, num contexto em que a

empregabilidade surge como “fetiche”, significando que no tempo livre do

trabalhador, ele deverá se qualificar e se preparar constantemente para trabalhar.

Este estranhamento/alienação se intensifica a ponto de desumanizar os atores,

levando-os a perderem o direito de viverem um sentido. A alienação acontece

quando há perca de unidade do trabalho que leva a separação absoluta do cenário

social. Já o contingente de trabalhadores desempregados demonstram sua

alienação através da rejeição da vida social, do isolamento, da apatia, do silêncio, da

violência e da agressão (PEREIRA, 2006, p.16).

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Para o caso do sofrimento individual dos docentes universitários, esses

demonstram sua alienação pela apatia quanto ao quadro de gradativa depreciação

de suas condições trabalhistas. Esse estado de apatia parece ser condicionado por

algo - insegurança ou o medo da perda do emprego - que os leva a desconsiderar a

existência de meios que possam ser utilizados para manutenção e/ou

reestabelecimento dos direitos já conquistados. Nesse sentido, Antunes e Alves

(2004, p. 56) salientam que a desumanização segregadora leva, dentre outras

formas de exclusão social, ao isolamento individual, porém, conforme esse autor,

tais formas não podem ser vistas “meramente em termos de coesão social da

sociedade como tal, isoladas das contradições da forma de produção capitalista.”

Sob esse prisma é que devem ser analisadas as condições do trabalho docente em

relação ao estado de direitos conquistados através dos movimentos de classe.

Em resumo, por meio da revisão bibliográfica realizada neste capítulo, foi

possível alinhar os principais fatores macroambientes que influenciam as relações e

condições de trabalho dos docentes. Essa relação é possível, uma vez que esses

fatores estruturam, orientam e condicionam as bases da expansão mercadológica do

ensino. Entendidos aqui enquanto Estruturas Estruturantes - conforme conceito de

Bourdieu - podem ser identificados: nas ações neoliberalizantes por parte do Estado

em relação à educação superior, nas modificações havidas no mercado de trabalho

em função da flexibilização, na tendência pela ampliação dos métodos de

racionalização das gestões e na desregulamentação da legislação social dado a

flexibilização das leis trabalhistas.

Outra conclusão possível, a partir desta análise, é o peso individual das

condições macroambientes. Melhor explicando, o conjunto de condicionantes não

manipuláveis pelos sujeitos, quais sejam, as ações, orientações e tendências dos

agentes (grupos de interesses, Estado) que conduzem a estrutura política,

econômica e social, acabam por resultar invariavelmente em maiores cobranças e

exigências sobre o indivíduo. Neste caso, a sociedade, bem como, o docente em

IES privada, assimila passivamente a simbologia de que é preciso se qualificar para

participar (competir) no mercado local e global. Assim, o poder simbólico da palavra

“qualidade” assume variância também na palavra “qualificação”, enquanto credencial

de competitividade.

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Sintetizando, as múltiplas pressões impingidas sobre o trabalho, carreiam

o sentimento de insegurança e o sofrimento individual. Esses sentimentos podem

potencializar o isolamento individual, se traduzindo na apatia e na alienação quanto

a interesses de classe. Isso parece se evidenciar no contexto da classe docente.

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CAPÍTULO 2: ASPECTOS METODOLÓGICOS E ESTRATÉGIAS DE PESQUISA

A estruturação dessa dissertação foi elaborada a partir da revisão

bibliográfica que contemplou aspectos macros interrelacionados com as relações e

condições do trabalho docente. Com base naquela excursão teórica, é que se pôde

definir os capítulos consecutivos. De tal modo, para melhor compreensão das

análises que se seguirão, considerou-se necessário intercalar esse breve capítulo

sobre os métodos a serem utilizados para a análise dos dados coletados. Com essa

finalidade, os tópicos a seguir contemplarão tanto as estratégias e procedimentos

utilizados na investigação sobre as relações de trabalho nos processos, do terceiro

capítulo, quanto na pesquisa de representação a partir dos professores,

contemplada no quarto capítulo.

2.1 . Estratégias e procedimentos de pesquisa nos processos trabalhistas

Com base em autores que tratam sobre a jurisprudência (DINAMARCO,

2005; PAVANELI, 2010) esclarece-se que a justiça do trabalho é o órgão

competente para julgar todas as controvérsias e ações decorrentes da relação de

trabalho, na forma da lei. Nisso inclui as ações sobre a representação sindical, atos

decorrentes de greve, indenização por dano moral ou patrimonial resultantes da

relação de trabalho e questões relativas a penalidades administrativas de

fiscalização do trabalho. A justiça do trabalho, para cumprir sua finalidade, está

estruturada em três graus de jurisdição: Primeiro Grau (Varas do Trabalho);

Segundo Grau (Tribunais Regionais do Trabalho) e Terceiro grau (Tribunal Superior

do Trabalho).

Para facilitar a compreensão da análise, descreve-se a seguir, um

resumo do trâmite de uma ação trabalhista, demonstrando o andamento do

processo em suas fases principais, desde sua autuação até a determinação de

execução do processo. O início se dá quando o autor (reclamante) autua seus

pedidos, via petição inicial22, em uma Vara do Trabalho, onde o processo é

cadastrado. Então, a justiça do trabalho notifica o reclamado, devendo este

apresentar argumentos acerca dos pedidos do reclamante (PAVANELLI, 2007). A

partir disso, fica a cargo do juiz do trabalho julgar os pedidos do autor da causa na

22 Petição inicial é a representação física da fase inicial do processo, ou seja, instrumentalização escrita enquanto iniciativa de parte para a formação do processo (DINAMARCO, 2005, p. 45)

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sentença judicial23, Em seguida, reclamante e reclamado, ao tomarem

conhecimento do julgamento, podem impetrar recurso, ou seja, um instrumento do

processo através do qual as partes contestam o julgado em sentença. As decisões

sobre os recursos são apresentadas na peça do processo denominada acórdão.

Quando não couberem mais recursos, o juiz determina a execução24 da sentença. É

quando são calculados os valores a serem pagos.

Para traçar o perfil das demandas trabalhistas no Estado de Goiás,

procurou-se identificar no SINPRO-GO os processos ajuizados na Justiça do

Trabalho relativos às década de 1980, 1990 e de 2000. Entretanto, pela dificuldade

de localização dos processos mais antigos, ainda não catalogados em sistemas

informatizados, e considerando o objetivo - traçar o perfil de demandas trabalhistas

para identificar as atuais condições e relações de trabalho do docente em IES

privada - reavaliou-se ser assaz suficiente traçar perfis de processos relativos à

última década, alguns dos quais estão também disponíveis no site do Tribunal

Regional do Trabalho (TRT- 18ª região).

Em se tratando de verificar reivindicações trabalhistas docentes por via de

processos movidos na Justiça do Trabalho, é necessário fazer esclarecimentos em

função das seguintes suposições: primeiro, a de que processos trabalhistas, pela

sua natureza, não gerariam informações suficientes para conclusões em uma

análise das condições e relações de trabalho do professor. Outra suposição se

refere à possível existência de conflitos e desentendimentos permeando a relação

de trabalho patrão-empregado, no encerramento do contrato, o que incentivaria a

abertura de processos carregados da intenção de “vingança” contra a instituição

demandada. Desse modo, podendo conter pedidos e exigências exacerbadas, de

forma a não representar a realidade.

Entretanto, há alguns argumentos que sem grandes dificuldades

desqualificam essas suposições. O primeiro argumento se relaciona ao fato de que

23

Objeto do processo de conhecimento “onde o órgão jurisdicional é chamado a julgar, declarando qual das partes tem razão” (CINTRA, 2007, p. 322). 24 Cintra explica que a função jurisdicional não se limita à emissão de sentença. Segundo esse autor “além de formular concretamente a regra jurídica válida para a espécie, em grande número dos casos é necessário atuá-la mediante providências jurisdicionais ulteriores destinados a modificar a situação do fato existente. Isso acontece sempre que a sentença haja reconhecido a existência de uma obrigação a ser cumprida pelo obrigado [...] do dever de realizar uma prestação” (CINTRA, 2007, p. 333), ou seja, alia-se à sentença a declaração à sanção, assim a execução tem o sentido de forçar o devedor à obrigação.

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nem todas as demandas trabalhistas são oriundas de ‘demissão sem justa causa’,

fator que se suporia impulsionar possíveis ‘vinganças’ via processos trabalhistas.

Embora esse seja o tipo de desligamento mais recorrente encontrado nos processos

investigados, outros tipos também foram identificados, quais sejam: ‘demissão por

justa causa do empregador’ e ‘demissão a pedido do empregado’. Também foi

observada a existência de demandas com o motivo de ‘reclamatória trabalhista’.

Esclarece-se que, neste último caso, os demandantes não se encontravam em

processo de desligamento da instituição. Por outro lado, se considerarmos que o

sentido de ‘vingança’ é um incentivo à moção de processo trabalhista, levando

alguns professores a serem mais criteriosos na exigência de seus direitos de saída,

já se admite a possível existência de direitos que não foram negados ao docente

durante o tempo de contrato de trabalho, ou mesmo no momento de sua rescisão.

O segundo argumento se refere a fato de que, as alegações e pedidos

que sustentam a moção de uma demanda trabalhista são submetidos à

comprovação pela justiça. Caso os fatos não comprovem haver o fundamento das

reivindicações, a justiça indefere os pedidos, ou ainda, o ônus do processo pode ser

revertido a cargo do demandante, no caso, o professor. Além disso, se partirmos do

entendimento que as sentenças e decisões judiciais têm por finalidade julgar as

reivindicações que puderam ser comprovadas durante o trâmite judicial, melhor

dizendo, nos autos do processo, valida-se a expressão “quod non est in actis non est

in mundo” (CINTRA, 2007, p. 74), significando que “o que não está nos autos não

está no mundo”. Desse modo, o juiz só decide com base nos elementos existentes

no processo, mas os avalia conforme “critérios críticos e racionais” (op cit), qual seja,

aquilo que é tratado na legislação. Não cabe, aqui, aprofundar nos significados da

expressão, mas ante o questão que ora se discute, com base no exposto, no mínimo

ela pode colaborar com a idéia da probabilidade de se encontrar nos processos

trabalhistas encontrados no SINPRO-GO consideráveis indicativos sobre as reais

relações e condições cotidianas de trabalho dos docentes em IES privadas.

Nesse sentido, também é preciso ter em observância a existência de

penalidades por falsidade ideológica, o que pode ser tomado como um risco por

parte dos docentes, ou, um incentivo “moral” (LEVITT, 2005, p. 23) que, grosso

modo, também podem contribuir por revestir, em certa medida, as reivindicações do

professor em coerência com a verdade.

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Por outro lado, quanto às suposições sobre a viabilidade da amostra de

processos não ser representativa da realidade, argumenta-se que, em vista das

dificuldades de se identificar no universo de processos trabalhistas os movidos por

professores de IES privadas junto ao TRT, optou-se por analisar os processos

encontrados no SINPRO-GO. Portanto, os dados obtidos em tais processos servirão

como indicadores complementares para o tema em questão, cujas análises são

orientadas também por outras formas de investigação, quais sejam, a bibliográfica e

a qualitativa.

Noutra linha de raciocínio, reivindicações trabalhistas logicamente não

são uma peculiaridade da educação no ensino superior privado, entretanto, como o

foco dessa pesquisa contempla a relação de trabalho do professor, se faz pertinente

uma verificação sobre essa questão em fontes de dados diretamente relacionados

aos conflitos trabalhistas, dentre estes, as demandas trabalhistas.

É ponto pacífico o entendimento de que as demandas trabalhistas dizem

respeito a relações de trabalho. A questão que se fez foi: como provar que os

pedidos e alegações das demandas trabalhistas de docentes em IES privadas têm

relação com a precarização do trabalho dessa classe? Difícil, então, seria provar a

relação correta de casualidade. Para provar a suposta relação entre as

reivindicações através da justiça do trabalho e a piora nas condições e relações de

trabalho, seria necessário um “evento exógeno” (HADDAD in LEVITT, 2005).

Hadadd explica que o evento exógeno é aquele que afeta a variável de estudo.

Conforme esse autor, podem ser “em geral mudanças de legislação ou outros

eventos do gênero que impliquem descontinuidades de comportamento” (op. Cit., p.

5). Esse evento exógeno, para fins deste estudo, poderia ser o próprio trato dado à

legislação trabalhista para a elaboração da sentença judicial com relação aos

eventos objetos da demanda trabalhistas, quais sejam, os pedidos e alegações do

demandante. Parte-se do entendimento de que sentença judicial modifica a situação

de cada caso em demanda pontualmente. A modificação se dá no sentido de que se

uma das partes em demanda tem razão, a outra parte necessariamente terá que

arcar com o ônus a partir do julgamento da justiça que gera solução para a situação

e põe fim ao conflito, embora essa modificação seja essencialmente devida a uma

condição imposta e não uma reação por expectativa, ou seja, de relação

equidistante entre o evento exógeno e a variável em estudo. Nesses termos, com a

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frequência das modificações para vários casos obtidos em processos trabalhistas de

professores, acreditou-se, então, ser possível obter indicativos do quadro geral das

relações e condições do trabalho docente em pesquisa.

Considerando pertinente e oportuna uma investigação em processos

trabalhistas para obter indicativos das condições e relações do trabalho docente em

IES privadas, a pesquisa nos processos seguiu dois procedimentos: primeiramente

foram pesquisados 31 processos registrados na Justiça do Trabalho a partir do

SINPRO-GO, com período de início do processo registrado entre 2005 e 2009.

Nesta tarefa, realizou-se a tabulação estatística dos pedidos e alegações,

considerando-se as sentenças e decisões judiciais na análise do perfil das

demandas trabalhistas em questão. Num segundo momento, para a análise da

narrativa jurídica, a ser tratado no tópico 2.3, serão transcritos alegações e pedidos

de petições iniciais e argumentações das petições interlocutórias, bem como,

sentenças judiciais favoráveis ao reclamante. Os resultados podem ser apreciados

nas análises constantes no Capítulo 3.

2.2 . Estratégias e procedimentos da pesquisa qualitativa

Para ajudar na interpretação dos resultados sobre opinião do docente no

tocante ao seu trabalho, é preciso esclarecer como se deu a estratégia de pesquisa,

bem como, quais os critérios utilizados na definição da amostra. Além disso,

considerou-se importante relatar como foi a reação dos entrevistados no momento

de sua abordagem. Estes são aspectos deste estudo que se reservam a serem

tratados neste momento.

Recorreu-se ao método qualitativo, ambicionando contemplar a

experiência do indivíduo, sua percepção e sentimento com relação às condições e

relações de trabalho no contexto de racionalização das formas de gestão nas IES

privadas, ainda, frente aos condicionantes de mercado flexível e competitivo. A

pesquisa foi pautada na observação e pesquisa de campo, se deu via aplicação de

questionário a uma amostra de cinqüenta (50) docentes de instituições de ensino

privado em Goiás, filiados e não filiados ao SINPRO-GO.

A escolha e definição dos locais de pesquisa se deram sob três critérios

diferentes: primeiro, para aplicação da pesquisa selecionou-se instituições privadas

relativamente equidistantes na região metropolitana de Goiânia, e também uma

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situada no interior do Estado. No interior destas instituições, para possibilitar

condições de privacidade, confidencialidade e evitar constrangimentos ao docente, a

escolha do local para responder o questionário ficou a critério do professor abordado

aleatoriamente. Dentre os locais escolhidos, citam-se as salas de aulas, no intervalo

das mesmas, nos corredores, lanchonetes e pátios externos, em um caso, na sede

da associação de professores de uma das instituições, ou mesmo na própria sala de

professores. Em segundo lugar, a opção de aplicar o questionário a docentes na

sede do SINPRO-GO levou em conta a possibilidade de comparecimento, neste

local, de docentes de diversas IES privadas do Estado de Goiás.

Por último, a aplicação de questionários a docentes em trânsito para uma

instituição de ensino no interior do Estado visou à ampliação da abrangência, na

amostra, de instituições de ensino situada em realidades diferenciadas. Neste caso,

os docentes responderam ao questionário em dois locais públicos enquanto

aguardavam o ônibus que os conduziriam à instituição. Tais critérios contribuíram

para a obtenção de uma amostragem diversificada de docentes em diferentes

realidades. No total, o questionário contendo trinta e oito (38) questões - dentre

estas 27 fechadas e 11 semi-abertas - abrangeu cinco (5) IES privadas do Estado,

sendo 3 delas situadas em Goiânia, 1 situada no entorno de Goiânia, e 1 sediada no

interior do Estado de Goiás.

TABELA 2.1

NÚMERO DE QUESTIONÁRIOS APLICADOS E ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DE IES PRIVADAS SELECIONADAS PARA A PESQUISA, GO, 2010.

IES* Organização

acadêmico/administrativa

Nº Questionários

Aplicados

Percentual

“Aprendizado” Faculdade

(Privada Particular) 11 22,4

“Conhecimento” Faculdade

(Privada Particular) 11 22,4

“Educação” Universidade

(Privada Confessional) 11 22,4

“Esclarecimento” Faculdade

(Privada Particular) 8 16,3

“Leitura” Faculdade

(Privada Particular) 8 16,3

Total 49 100,0

Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora. *Identificação convencionada.

Em função de que nem todas as IES pesquisadas deram anuência para a

pesquisa junto a seus professores, para resguardar a identidade das mesmas,

convencionou-se, para efeito desta pesquisa, suas identificações pelos codinomes:

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“Aprendizado”, “Conhecimento”, “Educação”, “Esclarecimento, “Leitura”. Nesse

tocante, salienta-se que o propósito desta pesquisa é o de se obter dados gerais das

relações e condições de trabalho do professor de IES privadas em Goiás, e não o de

obter informações estanques quanto a uma ou outra instituição. Além disso, a

estratégia de pesquisa prima por não realização de comparativos entre as

instituições, por dois motivos: primeiro, dado a complexidade e ausência de

parâmetros eficientes de medição para uma relação comparativa sobre condições e

relações de trabalho entre as instituições; segundo, porque, de par do indicativo de

que os docentes teriam vínculo com mais de uma instituição, o questionário foi

elaborado de modo a contemplar principalmente essa situação.

Explica-se que a aplicação dos questionários se deu de forma aleatória

nos três turnos e que se obteve para cada instituição selecionada, no mínimo, 8

questionários respondidos. Ressalta-se que, em certos casos, o docente fez a

ressalva de que estaria avaliando outra IES com a qual também mantinha vínculo,

indicando-a no formulário, evitando relacionar a avaliação à instituição em que se

encontrava. As razões para esse comportamento vinculavam-se ao receio de

constrangimentos ou reprimendas por parte da IES avaliada, como se a auto-

avaliação das suas próprias condições e relações de trabalho fosse uma

contravenção à ordem organizacional vigente. Ordem na qual, o professor é que

deve se submeter às constantes avaliações e não o contrário. Essa ordem segue os

preceitos de habitus em Bourdieu (1994, p. 75), ou seja, faz manter a distância social

reafirmando as condutas exigidas para guardar “a distância social entre as posições

objetivas”, qual seja, a da relação conjuntural trabalho e capital, de modo a tornar as

coisas mais fáceis para o dominante, mantê-las no seu lugar, para manipulá-las de

forma estratégica e mesmo simbólica, conforme explica esse autor.

Resta salientar que da amostra de 5025 questionários considerados,

apenas seis (6) foram obtidos na sede do SINPRO, em três dias de pesquisa neste

local. O restante da amostra fora obtida no interior das IES selecionadas, sendo que

25 Muito embora um dos questionários tenha sido rasgado pela própria docente enquanto a mesma o respondia, o mesmo também foi considerado enquanto expressão do professor sobre as relações e condições de trabalho em que estava inserido. A inferência que se faz do comportamento da professora é a de que a mesma, mediante questionamentos que em maior ou menor medida significavam a expressão de sua realidade, sentiu-se pressionada sob coação de efeito moral, tanto por não querer mentir sobre os condicionamentos percebidos, quanto por medo de possíveis punições por parte da instituição, caso registrasse sua opinião no formulário.

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em uma dessas instituições, 7 questionários foram aplicados a docentes na sede da

associação dos professores da mesma.

2.2.1 – A reação do professor em pesquisa

Ainda sobre o processo de aplicação dos questionários, é preciso

esclarecer que nem sempre os professores abordados se dispunham a preenchê-

los. Alguns, ao se disporem, se adiantavam: “vou responder, mas, por favor, que eu

não seja identificado”. No caso de abordagens feitas nas instituições, alguns

professores alegavam falta de tempo, outros, pediam para entregar depois, ainda

outros passavam os olhos pelas questões e se recusavam a respondê-las, alegando

que “se fossem começar a descrever as questões relativas às suas condições de

trabalho, o tempo necessário seria muito maior” (professor “A”)26. Houve um caso

em que ao começar a responder o questionário, uma docente aparentou estar

tomada de receios, e, transparecendo se sentir, de algum modo, pressionada, disse

que não poderia devolvê-lo respondido, pediu permissão e rasgou-o.

Entretanto, ressalta-se que, de modo geral, a receptividade dos docentes

abordados nas representatividades da classe mencionadas era bem diferente.

Alguns docentes não só se dispunham a responder de pronto o questionário, como

também se dispunham a sugerir bibliografias, dar sugestões e dicas para a

condução do trabalho de pesquisa. Consoante a essa postura, uma professora fez a

seguinte exclamação: “ou você veio no lugar muito certo ou muito errado para fazer

a sua pesquisa” (Professor “B”). Desta frase, inferiu-se que a professora fez

referência ao nível de consciência do docente que frequentava aquele ambiente,

uma Associação de Professores. E, ao que parece, sua intenção era de fazer um

alerta sobre a possibilidade do resultado da pesquisa ser parcial, tendencioso, em

função da dita consciência. Contudo, considerando que o percentual de docentes

entrevistados nas representatividades sindicais foi apenas de 26% da amostra total,

e, em se levando em conta que a pesquisa contemplou 5 instituições diferentes,

refuta-se a conjetura sobre a parcialidade da pesquisa. Nesse mesmo local, outro

professor orientou:

“Seria interessante se você abordasse professores em suas salas de aulas

[...] dê uma volta por aí [...] daí você perceberá que existe nesta instituição

26 Para preservar a confidencialidade e a privacidade do docente seus nomes não serão identificados.

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uma grande proporção de professores substitutos, inclusive com

remuneração precária” (Professor “C”).

Não menosprezando a relevância de tal sugestão, esclarece-se que a

meta da pesquisa e os recursos escassos impossibilitaram a ampliação da amostra

para uma maior abrangência. No entanto, registra-se que a questão dos professores

substitutos embora precise ser melhor avaliada em outra oportunidade, numa ligeira

análise, é fácil de identificar essa estratégia enquanto mecanismo de redução de

custos com folha de pessoal e demais relações de trabalho. Porquanto, também se

apresenta como uma sobreimplicação do regime de contratação flexível dado seu

caráter temporário (MANCEBO, 2007). Nesse caso, adianta-se que seus reflexos

sobre a remuneração do professor são presumíveis em tendência de redução.

Considerações finais sobre o método e estratégias de pesquisas

Ressalta-se que o universo de estudo composto pelas instituições de

ensino superior privadas apresenta relativa abrangência em quantidade e em

diversidade de localização das mesmas, esse último aspecto já comentado. Quanto

à quantidade, somando-se as IES identificadas nos processos, mais as IES

identificadas a partir das pesquisas aos docentes, teremos uma abrangência

amostral de 11 IES privadas situadas no Estado de Goiás, alcançadas pela

pesquisa. Isso pode contribuir para a relevância dos resultados sobre o quadro das

relações e condições de trabalho docente evidenciado.

Em suma, colabora também para a ratificação da situação dos

retrocessos nas condições de trabalho dos professores, a complementaridade dos

métodos. Melhor explicando, os resultados estatísticos da investigação realizada a

partir dos processos trabalhistas foram reiterados pelos resultados obtidos com base

na aplicação de questionários aos docentes, ao modo de uma pesquisa

complementar, conforme o método de triangulação proposto por Denzin (2000).

Finalmente, é preciso registrar que os dados coletados, tanto da

investigação feita nos processos trabalhistas, quanto dos questionários aplicados

aos docentes das IES privadas, em pesquisa de campo, foram tabulados no

programa estatístico SPSS (Statistical, Package for the Social Sciences).

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CAPÍTULO 3: ALTERNÂNCIAS CONJUNTURAIS E SUPRESSÃO DOS DIREITOS TRABALHISTAS DO TRABALHO DOCENTE EM IES PRIVADAS

Neste capítulo será feita, primeiramente, uma abordagem sobre a

evolução do movimento sindical da classe docente, mediante aspectos conjunturais

nas três ultimas décadas. Em seguida, a discussão perpassará questões pertinentes

ao arrefecimento da consciência de classe e os direitos trabalhistas. Por último, será

realizada uma avaliação sobre como a perda dos sentidos da legislação social afeta

as condições e relações de trabalho do professor a partir da análise de processos

trabalhistas.

Entendendo que, muito embora o trabalho tenha sofrido modificações sob

novos condicionamentos, ainda é um dos pilares na organização das sociedades e

influencia tanto no estabelecimento das relações sociais entre atores e grupos

quanto nas relações de poder. É assim que o trabalho enquanto integrante na

construção da identidade do sujeito se solidifica também nas relações sociais diárias

do professor, quais sejam, com seu alunado, com a instituição e com a sociedade

(PEREIRA, 2006). São intrínsecas a essas relações todas as implicações políticas

da atuação ou não atuação desse ator que, para além do cumprimento da missão de

exercer a docência, passa pelas condições e relações de trabalho de cada

instituição em que está inserido e alcança as Leis e diretrizes educacionais do

Estado em cada momento conjuntural.

3.1 – Conjuntura e representatividade sindical

Para uma melhor compreensão sobre o que influenciou e condicionou o

estado atual dos direitos trabalhistas da classe docente no setor privado, buscar-se-

á nos parágrafos que seguem, fazer uma breve análise sobre os aspectos

conjunturais e a atuação sindical nas três ultimas décadas.

Iniciando pela década de 1980, observa-se que este foi um período

efervescente de movimentos classistas no Brasil, em prol de reivindicações para a

área social que vinha sendo desprestigiada na agenda governamental. Segundo

Antunes (2001, p.238), nesse momento, houve um particular fortalecimento do

movimento sindical, enquanto representatividade das classes de assalariados

médios e do setor de serviços, bancários, médicos, funcionários públicos e

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professores. No final dessa década, existiam 9.833 sindicatos no Brasil, e “em

meados dos anos 90 atingiu a casa de 15.972 sindicatos”, sendo que um dos

motivos desse significativo aumento foi a abertura política a partir da década de

1980.

Foi nesse contexto, em 1981, que surgiu a Associação Nacional dos

Docentes de Ensino Superior (ANDES), posteriormente transformada em sindicato

nacional, com a missão de organizar o conjunto de docentes das IES públicas e

privadas, encontrando maior força de representatividade nas públicas. Nessa

década, os docentes reclamavam sobre baixos salários, jornada de trabalho superior

ao tempo dedicado em sala de aula, e sobre o reconhecimento social da classe.

Entretanto, a docência se afigurava como uma forma de transformar a

realidade e mudar as novas gerações. Por esses motivos, conferia ao professor

satisfação e realização no exercício da docência. Nesse período, as características

do trabalho docente vinculavam: os currículos, o controle da sala de aula, a instrução

dos educandos, a especialização em seus respectivos conteúdos disciplinares, a

conquista do direito de se engajarem na elaboração de políticas educacionais

(PEREIRA, 2006).

Nesse sentido, a atuação da ANDES foi significativa para as

reivindicações da categoria e também para participação da mesma na vida social e

política nacional. Da sua atuação destaca-se: a luta pelo fim da ditadura e pelo

retorno do Estado de direito, participação e apoio à campanha das ‘diretas já’ em

1984, pressão na Assembléia Nacional Constituinte em prol dos direitos sociais

plenos de cidadania e adesão ao movimento pelo impeachment do presidente Collor

no início dos anos 90.

O viés de esquerda da ANDES a situava em defesa do bem público em

movimento antiprivatista, defesa da universidade pública e pela liberdade e

autonomia sindicais na década de 1980. Essa atuação sofreu recuo na década

subsequente. Por um lado, devido à reformulação ideológica, política e orgânica

ante a queda dos regimes socialistas na Europa, e por outro lado, devido à própria

força e exacerbação da ideologia do livre mercado e concorrência a partir dos anos

1990.

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Assim, o cenário dos anos 9027 é caracterizado, conforme já discutido,

pela intensificação das políticas neoliberalizantes, pela reestruturação do mundo

trabalho pelo recuo do Estado em investimentos em políticas sociais e, por

conseguinte, na educação superior pública. As IES perdem o sentido de

universidade e principalmente as IES privadas se configuram como centros de

reprodução ‘acrítico’ da ciência e da tecnologia, cada vez mais empenhadas em

estratégias de fornecimento de cursos conforme o que se entendeu como as

demandas de mercado.

Nesse contexto, muitas das conquistas do profissional docente foram

perdidas, ao tempo que o professor se retira do centro dos debates sobre currículos

e sobre a elaboração da política educacional, e também sobre “o tipo de escola e de

sociedade para as quais os docentes trabalham” (PEREIRA, 2006). Neste ínterim,

aumentam as pressões sobre o trabalho docente que podem ser exemplificadas pela

intensificação de seu trabalho com ênfase na produtividade e exigências

consequentes do processo de avaliação pela qualidade, dentre outras formas que

podem significar exploração e piora nas condições de trabalho (FREITAS, 2002;

PEREIRA, 2006, p.31-33).

Conforme Pochmann (2002), nessa década, corroboraram para a

desmolarização do movimento sindical o baixo crescimento econômico, os níveis

elevados de desemprego e a conjuntura desfavorável. Além disso, também

contribuiu para o movimento de desindicalização, a redução do nível de emprego

assalariado, o processo de privatização dos serviços públicos que implicou em

aplicação de novas práticas de gestão da mão-de-obra, sub-contratação e maior

rotatividade nos postos de trabalho.

27 Conforme Pereira (2006) essa década é considerada a “Década da educação” e no conjunto das medidas tomadas pela “eficiência” na educação, leis foram criadas pressionando professores de ensino básico a se qualificarem até o fim da década. Tal medida se traduz em uma concepção utilitarista centrada na lógica das competências em detrimento de uma formação acadêmica científica. Isso resultou em favorecimento à lógica de mercado com forte impulso ao ensino superior privado. O Art. 62, do Título VI da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Artigo 87 dispõem sobre as exigências aos profissionais da educação quanto a pós-graduação necessária (ensino superior, mestrado ou doutorado) para exercerem sua profissão, abrangendo tanto docentes quanto profissionais administrativos da educação básica. Tais exigências, não obstante terem significado elevação da qualificação do professor, também contribuíram para expansão das instituições privadas de ensino, que passaram a investir em cursos de licenciatura.

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O enfraquecimento do movimento sindical, bem como o da ANDES28,

também podem ser exemplificados pelo argumento de auto-afirmação desta última,

nas “Propostas para o setor dos docentes nas instituições particulares do ensino

superior (IPES)”, das quais destaca-se:

“1 A necessidade do Sindicato saber traduzir corretamente sua política de defesa

do ensino público e gratuito como não contraditória com os interesses dos

docentes das IPES. [...] 2- a responsabilidade da ANDES-SN em promover

atividades que analisem o crescimento do ensino público, suas causas e efeitos

na composição da Universidade Brasileira hoje, acumulando desta forma dados

que permitam um melhor diagnóstico qualitativo e quantitativo e a construção de

instrumentos para otimizar sua intervenção nas IPES; 3 - o estado atual do setor

das IPES, que teve papel decisivo na criação da ANDES, vem se tornando cada

vez mais inexpressivo no interior do Sindicato. Isto evidencia a necessidade

urgente de consolidação de uma política da ANDES-SN (que se pretende como

Sindicato representativo dos docentes dos três setores no ensino superior, em

nível nacional) que se justifica: a) pelo crescente esvaziamento do Setor, no

âmbito do Sindicato, decorrente, entre outros fatores, da repressão patronal à

organização dos docentes e da ação dos SINPROS (com raras exceções) junto ao

Setor; b) pela expressão numérica dos docentes das IPES, no conjunto dos

professores do ensino superior. 4 - a responsabilidade da ANDES-SN na

explicitação do papel dos docentes das IPES hoje, sua contribuição na construção

de um novo projeto político, bem como o espaço a ser ocupado pelas

Universidades Particulares neste projeto.” (ANDES, 1993, p. 63-64)

Pela narrativa supracitada, é possível perceber a preocupação da

instituição, com a falta de planejamento e integração nas políticas de expansão e

funcionamento das IES públicas em relação às IES privadas, o que também seria

causa do esvaziamento sindical. O trecho expressa a necessidade de a entidade

buscar uma fórmula de conciliar o suposto distanciamento de interesses existentes

entre os docentes de ensino público e dos docentes de ensino privado. Diga-se de

passagem, interesses estes, intrínsecos às próprias condições existenciais das

instituições, em tese, no caso da pública, voltada para o ensino pesquisa e

extensão, e no caso da privada, foco na finalidade lucrativa. A suposição de tal

distanciamento leva a crer que seria necessária para otimização da atuação da

Andes, uma investigação mais acurada no sentido de identificar em que ponto os

28 “As inúmeras tentativas de negociações têm produzido muito pouco resultado palpável, o movimento social organizado adota uma postura passiva, enquanto os conservadores ganham espaço cada vez maior no governo Itamar, mantendo a essência do projeto neoliberal.” (ANDES,1993)

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interesses se interceptariam. Uma hipótese que se arrisca, nesse sentido, é a de que

esses interesses poderiam ser confluentes mais em relação a condições de trabalho

do que em relação de trabalho.

Conforme se percebe também pelo posicionamento da ANDES, houve, na

década de 1990, um arrefecimento do movimento da classe de professores,

principalmente no âmbito do setor privado de ensino superior, uma vez que estes

representavam a maior parcela dos filiados. Uma das explicações quanto à

inexpressividade dos docentes atuantes em IES privadas, segundo a própria

ANDES, se deveu dentre outras causas, à repressão patronal à organização dos

docentes. Essa constatação pode ser entendida também como um indicativo da

piora das relações de trabalho da classe a partir desse período.

Atravessada a década ‘globalizante’, no primeiro decênio dos anos 2000,

a universidade ou centros universitários29 se encontram meio a crise de autonomia e

legitimidade30 dentro de uma lógica econômica utilitarista, em ultima análise, na qual

prevalece a mercantilização do ensino. A crise se explica pelo fato de que o foco na

formação imediatista para o mercado e a primazia da eficiência intrínseca ao

processo de avaliação remete a um funcionalismo que distancia as IES da função de

ensino pesquisa e extensão, nas respectivas funções de apreensão, produção

científica e socialização dos conhecimentos. Desse modo, os atores das IES,

alunado e principalmente o docente, absorvem a crise institucional, que é oriunda da

crise da autonomia, e que está atrelada ao argumento de produtividade e ao sistema

de avaliação (controle) e ‘ranqueamento’ das instituições. Para o caso das IES

privadas, a natureza de investimento capitalista imprime-lhe autonomia e legitimação

da lucratividade via comercialização do ensino e subsume os esparsos debates

sobre a função social da instituição, quando estes conseguem suplantar a apatia do

docente. Desse modo, tais crises invariavelmente são absorvidas silenciosamente

29 A constituição brasileira define as universidades como instituições autônomas voltadas ao ensino pesquisa e extensão. Nesse sentido, apenas em torno de 7,8% (178) das IES podem ser consideradas universidades. As demais são organizações acadêmicas denominadas centros universitários e faculdades. (MEC/INEP, 2007)

30 Se relacionam aos questionamentos que a universidade realiza em debates sobre sua função social contrapondo questões como: teoria e prática, educação e trabalho, alta cultura e cultura popular, educação formativa e adestramento de atores, questões inerentes a autonomia/identidade; hierarquização e democratização, questões inerentes a legitimação. (PEREIRA, 2006)

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pela função docente - profissionais flexíveis às novas realidades - ampliando-lhes o

fosso de vulnerabilidade, e em certos casos, de medo, insegurança e estresse.

A análise das três décadas permite ratificar o diagnóstico de

esvaziamento do movimento sindical identificado por outros autores (POCHMAN,

2002, ANTUNES, 2006). Enfraquecimento este, admitido pelas próprias entidades

representativas, conforme se observou na narrativa da ANDES, que explicitam os

motivos justificadores da tendência dos sindicatos se concentrarem apenas em

posição de negociadores e fiscalizadores quanto a proteção dos direitos já

adquiridos. Passando a primar apenas pela ampliação de postos de trabalho e

qualificação profissional em detrimento da ampliação e manutenção das conquistas

trabalhistas, são fortes indicativos de que as condições e relações de trabalho

pioraram gradualmente a partir da década de 1990.

3.1.1. Consciência de classe e enfraquecimento sindical

Sob o entendimento de que a conquista ou manutenção dos direitos

trabalhistas possuem relação direta com a maior ou menor mobilização social das

classes, passa-se a seguir a uma breve explanação quanto aos aspectos políticos e

econômicos refletidos na consciência de classe e, por conseguinte, nos sindicatos.

Não obstante ao fato de o sindicalismo estar dando mostras de re-

fortalecimento em alguns setores, embora sem tanta expressividade quanto há 20

anos atrás31, as pressões no mundo do trabalho docente nos anos 2000,

especialmente no âmbito da IES privadas, parecem não terem dado espaço para o

afloramento da consciência de classe. De outro modo, o esvaziamento do sistema

de relações de trabalho propiciado pela conjugação de políticas neoliberais de

reconversão econômica, concorrência intercapitalista e reformulação do papel do

Estado, terminaram por “retirar parte importante do sentido estabelecido pela

legislação social e trabalhista desde a década de 30” (POCHMANN, 2005, p. 165).

Segundo Pochmann, por meio de modificações pontuais e anestésicas, a legislação

31 “A taxa de sindicalização entre os trabalhadores está próxima de 20%, superior ao vale de 15% dos anos 1990, mas ainda abaixo dos 30% que alcançamos na década de 80. [...] O sindicalismo hoje não é mais tão assentado em greves, como era há 20 ou 25 anos. Em 1989, chegamos a ter mais de quatro mil greves realizadas no Brasil. O sindicalismo hoje converge em grandes temas, como o fortalecimento do salário mínimo, do reajuste na tabela do Imposto de Renda, na atuação mais ativa na ampliação dos benefícios da Previdência, o que aproximou os sindicatos dos aposentados.” (POCHMANN, 2010).

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trabalhista vem sendo alterada, colaborando para reduzir ainda mais a eficiência do

sistema nacional de relações de trabalho.

“Dessa forma, a norma jurídica reguladora do emprego e das relações de trabalho

formal ficou prejudicada, sem a presença do diálogo e parceria na identificação de

problemas e de caminhos alternativos à profunda modificação no estatuto do

trabalhador brasileiro” (POCHMANN, 2005. p. 171)

O mesmo autor chama a atenção para o fato de que parte importante do

programa de reformulação governamental da legislação trabalhista vem sendo

realizada por medida provisória, com pouco debate no interior da sociedade e sem a

necessária integração dos atores sociais.

Mediante esse histórico do movimento trabalhista, infere-se que a

situação de acomodação sindical reflete o comportamento da classe trabalhadora.

Especificamente, no caso da ANDES e representatividades correlatas, o

enfraquecimento também é resultado da apatia da classe docente, que se encontra

encurralada diante das imposições das condições e relações de trabalho em que

estão inseridas no mercado, naturalizando em seu cotidiano os valores que

constituem a cultura institucional de mercantilização do ensino, daí o

desenvolvimento de uma “sociabilidade produtiva e reducionista” (SILVA et. al.,

2010). A vulnerabilidade dessa classe acaba por conduzir as ações de natureza

defensiva, conforme já exposto, por parte de sua representatividade sindical,

distanciadas do intento de modernizar o sistema de relações de trabalho.

3.1.2 – Flexibilização e desregulamentação dos direitos do trabalhador

O direito do trabalho evoluiu destacadamente, também no Brasil, no pós

segunda guerra, quando, conforme Silva (2007), uma prosperidade econômica

suscitou a ação do Estado no sentido de fazer regulamento mais detalhado das

condições e relações de trabalho, a fim de forçar as partes (empregador e

empregado) a buscarem soluções para os conflitos trabalhistas.

Dedecca (2010, p.6) aponta que “três dimensões marcaram o regime de

regulação construído a partir do final século XIX” dado a ação do Estado, que no

século XX se expandiram e se consolidaram fortalecendo os direitos trabalhistas,

quais sejam: 1) contrato e relações de trabalho, contemplando, definição do salário

mínimo, jornada semanal de trabalho, descanso semanal, direito as pausas e

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descansos durante a jornada diária de trabalho, controle do despotismo e do uso do

trabalho da mulher, proibição do trabalho infantil, restrições a demissão, controle das

condições de trabalho; 2) proteção social e do trabalho, contemplando, políticas de

previdência, seguro desemprego, qualificação profissional, saúde, educação, água e

saneamento, transporte, habitação; 3) direito de representação, organização e

democracia, contemplando negociações coletivas, contribuindo para a definição de

normas e regras básicas para a contratação e uso do trabalho e o surgimento de

novas instituições políticas significantes da democratização do Estado e de suas

funções. Entretanto, com o advento da reestruturação produtiva, a

heterorregulação32 foi criticada enquanto provocadora da rigidez da legislação e

entrave ao desempenho concorrencial. Sob o pretexto de que uma maior

flexibilidade nas normas trabalhistas seria o caminho para a adaptação do país à

concorrência internacional, enfatizou-se a necessidade de um ordenamento jurídico

flexível sobre as questões trabalhistas.

Segundo Dedecca (op cit), uma crise no desenvolvimento capitalista na

década de 70 foi acompanhado de uma desvalorização progressiva do trabalho e

esgotamento do regime de regulação pública, desconfigurando, a partir daí, as três

dimensões de regulação do trabalho conquistado no pós-Segunda Guerra. Além

disso, as transformações produtivas permitidas pelas inovações técnicas e

organizacionais destituíram, progressivamente, a densidade do contrato de trabalho

por tempo indeterminado, instabilizando a forma de relação de trabalho. A

terceirização e a polivalência deram, sob o escopo de progresso técnico à empresa,

maleabilidade da gestão do trabalho segundo seus interesses, se impondo como

condição de emprego. “Do ponto de vista dos trabalhadores, passou a ser

fundamental defender a simples situação de emprego, perdendo espaço as

demandas33 relativas às condições de trabalho” (op cit, p. 11). Desse modo, tais

autores trazem o conceito de flexibilização intimamente ligado ao de

desregulamentação, ou seja, a desregulamentação dos direitos trabalhistas é o

32 Referente a regulação das relações e contratos econômicos de natureza exógena (heteronomia) ao processo produtivo (DEDECCA, 2010). 33

Dinamarco explica que a “A iniciativa de parte, exigida para a formação do processo civil, chama-se demanda. Demanda é o ato com que se pede uma providência jurisdicional ao juiz; é o primeiro ato do processo, sem o qual ele inexiste”. (DINAMARCO, 2005, p. 45)

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processo pelo qual os mesmos são derrogados, solapados pela flexibilização das

leis trabalhistas.

De forma semelhante, a essa descrita, depreende-se que os aspectos

estruturais e conjunturais, que suscitaram a desregulamentação dos direitos em

meados da década de 70, retornam ao cenário e parecem contribuir por intensificar a

partir da década de 90, no Brasil, a expansão do processo de flexibilização do

trabalho, afetando, assim, as relações de trabalho em diversos setores, tal como o

do trabalho do docente em IES privadas em variados aspectos, conforme se

observará adiante.

3.2 - Condições e relações de trabalho do professor: análise de processos trabalhistas

Para demonstrar de forma mais evidente os desafios do trabalho docente

nas IES privadas, nesta parte dedicaremos a buscar indicativos sobre a perda de

eficácia da legislação social. Tal situação afeta as condições e relações de trabalho

do professor, face às modificações no mundo do trabalho e à mercantilização do

ensino superior. Para realizar esta parte do trabalho se pretende reconstruir

contextos de confrontos a partir da análise de processos34 trabalhistas. Nesse

sentido, é que se fará aqui uma abordagem geral sobre a correlação entre as

reivindicações trabalhistas das relações de trabalho mediados pela justiça do

trabalho. Para cumprir essa tarefa, será traçado o perfil das demandas trabalhistas

seguida de uma análise de categorias convencionadas a partir de pedidos e

alegações docentes, identificados nos autos dos processos.

Uma característica importante que marca a atuação sindical brasileira no

período recente, conforme Pochmann (2005, p. 174) é o aumento na quantidade de

conflitos trabalhistas individuais e coletivos mediados pela justiça do Trabalho35. O

crescimento de processos trabalhistas ajuizados na Justiça do trabalho a partir da

década de 90, indicou, segundo esse autor, uma mudança na forma de

34 Conforme Dinamarco, “Processo é um vocábulo que indica a idéia de caminhar, caminhada. A forma latina pro-cessus tem precisamente o significado de caminhada adiante. O processo é, por esse aspecto, um percurso que vai do ato inicial de sua formação ao provimento final que o juiz emitirá sobre a pretensão trazida a exame.” (DINAMARCO, 2005, p. 25)

35 O sistema de julgamento dos processos trabalhistas conta com a participação de juízes do trabalho, responsáveis pela administração dos conflitos individuais e coletivos: juízes togados (concursados) e juízes classistas (oriundos do meio sindical e patronal). E é formada por instâncias tripartites no plano local, estadual e federal (POCHMANN, 2005).

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posicionamento dos sindicatos patronais e de trabalhadores que eram favoráveis ao

distanciamento da justiça externa nas relações de trabalho.

Este autor aponta dois possíveis motivos para a ampliação do

envolvimento do poder judiciário nas relações de trabalho (individuais e coletivas)

que indicam modos diferentes de subtração dos direitos do trabalhador. Em primeiro

lugar, que esse aumento tem relação direta com a taxa de desemprego e com a

expressão do poder relativo dos empregadores. Bem por esse motivo, passou a

haver uma maior frequência de trabalhadores demitidos recorrendo a Justiça do

Trabalho, em busca de algum direito não atendido durante o período de contrato de

trabalho ou no rompimento do mesmo. A postergação de pagamentos de verbas

rescisórias, transferindo a decisão para a justiça do trabalho acaba por favorecer aos

empregadores, dado que o julgamento final de um processo trabalhista pode chegar

a “6 anos no Brasil”36 (cf. POCHMANN, 2005). Em segundo lugar, a procura pela a

Justiça do Trabalho pode ser creditada à ausência de diálogo mais amplo no local

de trabalho e à pouca transparência nas negociações coletivas, o que pode significar

um baixo nível de relacionamento, ou melhor, distanciamento entre empregador e

empregado, capital e trabalho.

Essa externalização dos conflitos trabalhistas, aumentando a procura

pela a Justiça do Trabalho para mediação dos conflitos entre empregados e

empregadores de IES privadas, é também uma indicação ao processo de

enfraquecimento da força sindical, já que a resistência empresarial quanto ao

pagamento dos direitos trabalhistas é entendida como inerente ao constante

interesse de redução de custos por parte do capitalista. As resistências à

negociação ou à aplicação de cláusulas pertencentes aos acordos e convenções

coletivas de trabalho não deixam outra alternativa, senão a busca por solução na

Justiça do Trabalho.

36 Considerando que essa é uma informação relativa à média para o Brasil, é preciso levar em conta que esse tempo pode variar em função da demanda e das estruturas dos tribunais locais. Como exemplo, o TRT do Paraná publicou que o seu tempo médio gasto para resolução dos processos em 2009 era de 335 dias (POPULAR, 2010). Não foi identificada estatística semelhante publicada pelo TRT de Goiás.

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3.2.1 – Perfil das demandas trabalhistas de Docentes em IES privadas

As condições e relações de trabalho do profissional docente em IES

privadas têm apresentado, sob constatação empírica, gradativa precarização. Como

forma de identificação do estado de perda de sentido dos direitos trabalhistas

constituídos, realizou-se, conforme análise que se seguirá, uma investigação em

processos trabalhistas. A proposta de investigação, aqui, contemplará as seguintes

etapas: primeiramente a de identificar o perfil das demandas trabalhistas; em

seguida, a de sistematizar e catalogar por categorias as alegações e pedidos, bem

como as sentenças judiciais relativas a estes; e por último, a de identificar na

narrativa jurídica constante nos autos dos processos pesquisados, as leis que

fundamentavam os direitos reivindicados.

Antecedendo à análise dos processos, observou-se que existia, até

mesmo por parte dos colaboradores do SINPRO-GO, o senso comum de que as

demandas trabalhista contendo, por excelência, reivindicações apenas de “cunho

salarial”, não poderiam expressar grande avanço nos estudos sobre a precarização

das condições de trabalho do docente. Levando em consideração essa observação,

um primeiro procedimento que se ponderou necessário para a viabilização da

análise, foi o de identificar quais seriam os tipos e as incidências das reivindicações.

A resposta a essas questões estão expressas na Tabela 3.1.

A variedade de tipos de reivindicações obtidas nos 31 processos

analisados e explicitados na referida tabela, contradizem por si só a impressão de

que no perfil das demandas trabalhistas preponderaria apenas reivindicações de

cunho remuneratório salarial.

A partir do estudo, pode-se observar que as reivindicações encontradas

nos processos perpassam desde questões afetas a direitos básicos de seguridade

social, até horas de trabalho extraordinário não remuneradas pelo empregador.

Questões que numa análise mais aprofundada, chegam a afetar a condição de vida

do docente, representando desse modo, mais que mera perda de valor real do

salário.

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TABELA 3.1

ALEGAÇÕES E PEDIDOS RECLAMADOS CONTRA INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR PRIVADAS, SINPRO-GO, 2005-2009

37

Fonte: SINPRO-GO/TRT 18ª região (dados tabulados pela autora)

De outro modo, a descrição dos pedidos e alegações são orientados,

inicialmente pela noção que os docentes possuem de seus direitos. O nível de

conscientização do docente sobre seus direitos é o fator que os move a buscar o

sindicato ou não, para reivindicá-los, ou mesmo, se esclarecer sobre eles. Essa

reflexão suscita a seguinte indagação: é possível que a apatia da classe docente

mediante a precarização de seu trabalho, bem como o seu afastamento da

37

Quanto aos pedidos relativos à ”arcar com custas processuais e Justiça gratuita” constante em

quase todos os processos, optou-se por não expô-lo na tabela sob o entendimento de que o mesmo não possui correlação direta com o contexto de relações e condições de trabalho docente vivenciadas pelo professor.

ALEGAÇÕES E PEDIDOS

Incidência (%) Amostra

total (%)

Deposito FGTS em atraso 20 64,5 31 100,0% Liberar TRCT pelo código zero um 11 35,5 31 100,0% Recolher Contribuições Previdenciárias 8 25,8 31 100,0% Anotações de contrato de trabalho na CTPS 6 19,4 31 100,0% Pagar salário retido (incluindo 13º retido) 9 29,0 31 100,0% Pagar verbas rescisórias e correções salariais 10 32,3 31 100,0% Pagar diferenças de verbas rescisórias 9 29,0 31 100,0% Pagar diferenças salariais (Conv. Coletiva) e reflexas 9 29,0 31 100,0% Pagar repouso semanal remunerado 2 6,5 31 100,0% Pagar férias não concedidas no prazo legal 9 29,0 31 100,0% Pagar férias em dobro (não concedidas) 5 16,1 31 100,0% Pagar recesso escolar 1 3,2 31 100,0% Pagar aula "magna" 1 3,2 31 100,0% Pagar multa por atraso no pagamento verba rescisória 12 38,7 31 100,0% Pagar multa por atraso depósito de FGTS 11 35,5 31 100,0% Pagar multa por atraso no pagamento de salários 5 16,1 31 100,0% Pagar reuniões acadêmicas extraordinárias 6 19,4 31 100,0% Pagar horas de atividades extraordinárias 4 12,9 31 100,0% Pagar horas de orientação/aulas de substituição 3 9,7 31 100,0% Pagar hora de atividade e dedicação a pesquisa 1 3,2 31 100,0% Pagar adicional de titulação (mestre ou doutor) 4 12,9 31 100,0% Pagar indenização por danos morais 4 12,9 31 100,0% Nulidade da dispensa e reintegração 1 3,2 31 100,0% Irregularidade na dispensa do reclamante 1 3,2 31 100,0% Aumento carga horária sem remuneração compatível 2 6,5 31 100,0% Redução ilegal da carga horária 4 12,9 31 100,0% Redução da remuneração (decorrência de junção de turmas)

1 3,2 31 100,0%

Não oferecer carga horária 1 3,2 31 100,0% Pagamento por meio de recibos não contabilizados 2 6,5 31 100,0% Indenização por uso indevido de Imagem 1 3,2 31 100,0% Reconhecer a titulação e promover (Plano Carreira) 2 6,5 31 100,0% Reajustar salários dos docentes 1 3,2 31 100,0%

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representatividade sindical, sejam provocadas também pelo baixo nível de

informação sobre seus direitos trabalhistas?

Para essa indagação algumas possíveis respostas precisam ser

consideradas a partir da análise dos dados da Tabela 3.1. Numa primeira resposta

hipotética, a tirar pela incidência dos pedidos registrados na petição inicial,

expressamente concentrados na questão de seguridade social (depósito de FGTS)

em relação à incidência de pedidos sobre, por exemplo, reajuste salarial ou redução

da remuneração em função da redução de turma, poderia ser feita a inferência de

que não haja agravamento das condições trabalho docente em função da

mercantilização do ensino superior privado.

Numa segunda hipótese, adversa à primeira, é possível que a incidência

das reivindicações possam estar camuflando o que a variedade das mesmas está

sinalizando: a existência de diversas formas de precarização do trabalho docente em

IES privadas. Melhor dizendo, pode ser que haja realmente o agravamento das

relações e condições de trabalho, mas, por algum motivo os docentes não estão

reivindicando seus direitos. Ou pelo menos, as petições realizadas através do

SINPRO-GO, não contemplam com grande frequência, a diversidade de

reivindicações trabalhistas. Nesse caso, deve-se ainda considerar, conforme propõe

Pochmann, que dado as pressões do mercado de trabalho, os empregados se

afastaram da representatividade sindical, ou seja, os professores primam por se

abster dos direitos para manter seus empregos.

A partir dos dados, a suposição de que existe certa insuficiência de

informação, por parte do professor, sobre a plenitude de seus direitos trabalhistas

quanto às condições e relações de trabalho cotidianas, também pode ter

fundamento. A desinformação pode impedir que o mesmo entenda como e quando

tais direitos foram ou estão sendo suprimidos. Isso também pode implicar em

dificuldades de contemplação de todos os direitos quando da elaboração das

alegações e pedidos para o caso de uma demanda trabalhista.

Contudo, estas suposições suscitam outras formas de pesquisa para

serem elucidadas. As análises que seguem sobre o perfil dos processos e, a

investigação qualitativa do capítulo III, poderão contribuir para o esclarecimento das

mesmas.

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Para traçar o perfil dos processos trabalhistas registrados no SINPRO-

GO, inicialmente analisou-se os pedidos e alegações no formulário preenchido pelos

docentes universitários que buscaram a instituição para reivindicar seus direitos. Em

seguida, extraiu-se da petição Inicial de cada processo, os pedidos e alegações do

Docente demandante, conforme se observou na Tabela 3.1. Explica-se que na

petição inicial, que é a primeira peça dos autos do processo, os pedidos e alegações

são expostos. O reclamante relaciona os fatos causadores dos pedidos e das

alegações com as leis preteridas, geralmente citando-as.

Num terceiro momento, passou-se à breve leitura de petições

interlocutórias, visando um melhor entendimento sobre as decisões judiciais nos

processos. Em quarto lugar, fez-se detalhadamente a leitura das sentenças judiciais.

Ressalta-se que, nesta fase da análise, contemplou-se as decisões do Juiz quanto a

cada pedido e alegação apresentados na petição inicial, com observância ao

argumento de referência à infringência ou não à lei que garante direito ao

profissional docente. Por último, passou-se a leitura da decisão disposta nos

acórdãos, em caso da existência de recursos.

Considerando que a análise das sentenças judiciais possa contribuir para

ratificar a hipótese de precarização das condições e relações do trabalho docente

em IES privadas, não se deve negligenciar que as mesmas possuem fundamento

idiossincrático, são carregadas de julgamento de valor. Melhor dizendo, os juízes

elaboram suas sentenças conforme percebem os fatos a partir: da análise que

fazem da coerência dos pedidos e alegações mediante a lei, da apresentação de

provas, da argumentação da defesa em contraposição à argumentação da

acusação, e das falas dos envolvidos no processo (reclamante e reclamada), bem

como, de suas testemunhas. Portanto, pedidos e alegações com fundamentos

circunstanciais semelhantes podem ser sentenciados de forma diversa e até

contrárias por juízes diferentes.

Essa constatação traz a inferência de que mesmo que os pedidos e

alegações sejam julgados desfavorecendo ao reclamante, os mesmo podem ser

correspondentes a realidade vivida pelo professor, mesmo não sendo interpretado

dessa forma pelo juiz. Por outro lado, infere-se também que se dá em menor

incidência, os casos em que os pedidos com julgamento desfavorável à reclamada

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não possuam fundamento real, já que as sentenças são firmadas com base também

em comprovações e é facultado à reclamada provar o contrário.

Para facilitar a compreensão dos procedimentos de tabulação dos dados,

explica-se que foi identificada nas decisões dos juízes e nas sentenças judiciais, a

utilização dos termos: ‘julgo procedente’ (ou termos sinônimos), quando há

entendimento de que o pedido ou alegação é procede em infração à lei ou direito do

docente; ‘julgo improcedente’ (ou termos sinônimos), quando há entendimento de

que o pedido ou alegação não é procedente quanto à infração à lei ou direito do

docente.

Resta pontuar que ao final das sentenças também foram identificados os

termos de julgamento do processo como um todo, quais sejam: ‘julgo procedente em

parte’, ‘julgo procedentes os pedidos’, ‘denego os pedidos’, ‘julgo parcialmente

procedentes os pedidos’. Entretanto, essa nomenclatura não foi utilizada para a

análise e tabulação dos dados uma vez que o julgamento de cada pedido foi

analisado isoladamente conforme a narrativa do juiz no trato a cada pedido e

alegação na sentença. Ademais, enfatiza-se ainda que, os resultados tabulados

quanto ao julgamento de ‘Procedente’ e ‘improcedente’ se referem às sentenças e

decisões judiciais do processo, em casos de demandas que chegaram até esse

“trâmite” (fase). Fato é que alguns processos trabalhistas tiveram o desfeche

conduzido via acordo entre as partes; ainda, outra parte da amostra se encontrava

na condição de ‘aguardando julgamento’ no momento da análise.

Para delinear o perfil das demandas trabalhistas no enfoque das

condições e relações de trabalho docente, agrupou-se os pedidos e alegações

encontrados nos processos, o que urgiu convencionar as seis categorias expressas

na Tabela 3.2. Tais categorias relacionam as alegações e pedidos referentes a:

titulação; carga horária; trabalho extraordinário; férias e descanso remunerado;

direitos previdenciários e de seguridade social.

Essas reivindicações são as que com maior frequência se identificou nos

processos, e foram contadas e tabuladas conforme as decisões de sentença judicial

que as classificaram como ‘procedente’ ou ‘improcedente’. Além disso, também

foram contados e tabulados os casos em que os pedidos e alegações tinham

decisão condicionada pelo estágio do processo, ou seja, ‘aguardando Julgamento’

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ou condicionada pelo desfecho do processo pautado na realização de ‘acordo entre

as partes’.

TABELA 3.2 AGRUPAMENTO DE PERFIS DE ALEGAÇÕES E PEDIDOS EM 31 PROCESSOS TRABALHISTAS, SINPRO-

GO, 2005-2009

Categorias de principais Alegações e Pedidos

Procedente

Improcedente

Acordo

Suspenso

Aguardando

Total

1 Adicional de Titulação

4 2 0 0 0 6

2 Carga horária e sua remuneração

5 2 1 0 0 9

3 Trabalho extraordinário não remunerado

5 3 1 3 2 14

4 Recebimento de férias, descanso semanal e 13º

14 4 2 2 3 26

5 Diferenças salariais, rescisórias e de reajuste salarial

12 6 9 0 7 34

6 Direitos de seguridade social, previdenciários e multas

30 11 13 3 16 73

Total

70 28 26 8 28 162

Fonte: SINPRO-GO/TRT 18ª região (dados tabulados pela autora)

Dos dados tabulados conforme as categorias convencionadas, são mais

expressivos os que indicam reivindicações quanto a direitos de seguridade social,

previdenciários e multas, que somam 73 casos. Esses direitos representam o maior

percentual das categorias isoladas, ou seja 45% do total de 162 casos, significando

também a categoria isolada com maior parte de casos julgados procedentes.

Entretanto, é preciso destacar que os direitos descritos na categoria

relativa à previdência e seguridade social, certamente não podem ser

desconsiderados quando se quer avaliar a perda de eficácia da legislação social,

contudo, destaca-se que estes são direitos previstos especialmente para o pós

encerramento da relação de trabalho do professor com a instituição. Por esse

motivo, podem não ser tomados como indicador ideal para entender as relações e

condições trabalho durante o tempo de prestação de serviços do docente à

instituição, muito embora estejam também correlacionados a esse período.

De tal modo, infere-se que das categorias agrupadas, as que mais afetam

o cotidiano do professor em suas condições e relações de trabalho são as quatro

categorias destacadas de 1 a 538, na tabela. Nestas categorias tem-se as

reivindicações relacionadas à possível não concessão de adicional de titulação,

38 Para efeito desta pesquisa, as diferenças “rescisórias”, apesar de representar fração de remuneração a ser paga também após o fim da relação trabalhista, foi disposta na categoria 5 por se referir à direitos trabalhistas de remuneração que não foram repassados mensalmente durante o período de labor na instituição, significando subtração da renda mensal do profissional docente.

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carga horária não remunerada, trabalho extraordinário não remunerado, supressão

do direito de férias, de descanso semanal remunerado e de décimo terceiro, e ao

não repasse de diferenças e reajustes salariais. É necessário considerar que a

afetação destes direitos sobre o trabalho do docente é de grande relevância, pois

influenciam cotidianamente no seu nível de bem estar necessário a uma adequada

condição individual de trabalho.

Retornando aos dados da tabela, ao agrupar-se as categorias de 1 a 5,

obteremos da soma dos totais, 89 casos de pedidos e alegações, enquanto que a

categoria 6 representa 73 do total de 162. Ressalta-se ainda que, a maioria, ou seja,

57,1% dos casos julgados procedentes têm implicância direta na renda mensal e no

bem estar cotidiano do professor. Melhor explicando, o agrupamento de casos

considerados como de afetação direta sobre trabalho cotidiano dos docentes,

representam a maioria de casos julgados procedentes em infração ao direito do

professor.

Em outra análise, se somarmos o total de frequências julgadas

‘procedentes’, mais as frequências de acordos identificados na amostra analisada,

teremos um total de 96 pedidos e alegações. Isso quer dizer que em torno de 60%

dos 162 casos de reivindicações dispostos nesta tabulação, o direito adquirido ou

mesmo a expectativa de direito, podem ter orientado a restituição dos direitos ao

reclamante, indicando que as reivindicações dos professores eram coerentes e seus

direitos estavam sendo subtraídos. Neste caso, leva-se em consideração que a

expectativa de direito refere-se à mera expectativa de usufruir direito no futuro e este

parece ser um fator que pode ter motivado as partes, reclamante e reclamada, a

realizarem os acordos, que conforme Mota (2006), por mais de um motivo e na

maioria das vezes, tais acordos podem gerar prejuízos para o empregado39

reclamante.

39 Juridicamente a questão dos acordos pode ser entendida conforme segue as explicações de Mota, 2006 “Assim, os empregadores ávidos por obtenção da eficácia de indiscutibilidade da quitação que vier a lhes ser passada pelos seus ex-empregados tomam a iniciativa de ações trabalhistas simuladas, para as quais se prestam os trabalhadores carecedores do recebimento das importâncias que lhe são devidas, ainda que não estejam em conflito com o empregador. Nesse primeiro caso, consideramos a hipótese de a intenção do empregador ser apenas de obter a garantia da coisa julgada. Ou seja, ele paga, em razão do acordo celebrado na Justiça, os direitos trabalhistas relacionados na inicial com as quantias realmente devidas. Essa não é a situação mais comum nas ações simuladas, todavia. Na outra hipótese, os empregadores constrangem os seus empregados a aceitar a simulação do litígio com o fim também de violar direitos trabalhistas. A petição inicial do trabalhador, nesse caso, cobra do

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80

A motivação para o acordo pode ser entendida, de um lado, por parte do

reclamante, pelo receio da expectativa de direito não se concretizar em direito

adquirido. Por outro lado, por parte da reclamada, o motivo para a realização do

acordo pode ser o fato de a expectativa de direito do demandante vir a se

concretizar em direito adquirido, no desenrolar do processo, implicando em maiores

ônus para a mesma.

É preciso deixar claro, entretanto, que os termos jurídicos tratados nesta

análise, são utilizados apenas no sentido de elucidar questões referentes às

condições e relações de trabalho do professor. Portanto, não se pretende aprofundar

em méritos ou teses pertinentes a jurisprudência, uma vez que isso exige estudos

mais aprofundados na área.

Retomando o foco da análise, destaca-se que em todos os agrupamentos

da Tabela 3.2, o somatório dos pedidos e alegações julgados ‘procedentes’ mais os

da condição ‘acordo’ identificados na amostra de processos é superior ao somatório

das classificações de ‘improcedentes’, ‘suspenso’ e ‘aguardando’. Além disso, é

preciso pontuar que o número de alegações e pedidos considerados ‘improcedentes’

e ‘suspensos’ foi bem inferior. Finalmente, os dados analisados aqui expressam

também que, em todas as categorias, os números indicam que a razão na demanda

se situou, na maior parte das vezes, a favor do reclamante, ou seja, do professor.

O mais trabalho com menos remuneração: Exploração

Para Rosso (2008, p. 178), o fato dos professores serem remunerados

em função de sua produção, ou seja, com base nas horas de trabalho lecionadas,

alonga as jornadas de trabalho. Esse autor considera que esse é um problema que

aflige os docentes do país inteiro. A essa tese acrescenta-se que, para o Estado de

Goiás, pode estar havendo um agravante de tal problemática: conforme os dados

empregador todos os direitos passíveis de violação durante a vigência e por ocasião da dissolução do contrato de trabalho e a quantia recebida, em vista do acordo celebrado, não corresponde a todos os direitos cobrados. Os juízes trabalhistas não consideram diferentemente as situações, via de regra. É que os órgãos da Justiça do Trabalho, na verdade, se incomodam com a utilização da estrutura judicial para atuação meramente homologatória de rescisão contratual, em substituição dos sindicatos e da DRT. Como corolário da rejeição de tal prática, os juízes trabalhistas quando a identificam, e não são poucos os casos na vida real, promovem a sua repressão mediante a extinção do processo sem resolução do mérito e, não raramente, noticiam o fato ao Ministério Público do Trabalho e a Ordem dos Advogados do Brasil, nesse último caso em razão do envolvimento de algum advogado na simulação.”

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levantados, as horas de trabalho extraordinário podem não estar sendo devidamente

remuneradas. No sentido de investigar esse indicativo, será realizada, a seguir, uma

análise das horas de trabalho extraordinário a partir dos dados obtidos nos

processos.

Da pesquisa na amostra manuseada, chama à atenção os dados

pertinentes ao trabalho extraordinário não remunerado. Do total de 31 processos

analisados, houve dezessete reivindicações pertinentes ao mais trabalho sem

remuneração compatível.

TABELA 3.3

HORAS DE TRABALHO EXTRAORDINÁRIO NÃO REMUNERADAS CONFORME PESQUISA EM 31 PROCESSOS TRABALHISTAS, SINPRO-GO, 2005-2009

Tipos de Alegações e

Pedidos

Procedente Improcedente Acordo Suspenso Aguardando Total

Reuniões acadêmicas extraordinárias

2 1 1 2 0 6

Orientação e aulas extraordinárias

0 1 0 0 2 3

Atividades e dedicação à pesquisa extra-sala

1 0 0 0 0 1

Outras atividades extraordinárias

2 1 0 1 0 4

Aumento carga horária mantida a remuneração

1 1 0 0 0 2

Redução de remuneração devido junção de turmas

1 0 0 0 0 1

Total 7 4 1 3 2 17

Fonte: SINPRO-GO/TRT 18ª região (dados tabulados pela autora)

A Tabela 3.3 ilustra os reclames dos docentes quanto às horas extras de

trabalho não remuneradas. Nessa tabela, oito das reivindicações – somando-se os

pedidos julgados procedentes mais os acordos realizados - total que representa

mais da metade dos pedidos, implicaram em restituição, via Justiça do Trabalho, dos

direitos ao docente.

A rede privada de ensino se utiliza de alguns mecanismos que priorizam a

redução de custos administrativos, dado que, normalmente, dentre os custos

correntes destas instituições, o de maior peso é a folha de pagamento. Os gestores

procuram racionalizar tais custos sobre os colaborados que mais pesam no

orçamento mensal da folha, os professores. Essa manobra é facilitada pelo próprio

modo de remuneração dos professores, o pagamento por hora aula, conforme já

mencionado. Nesse sentido, os pedidos e alegações descritos na Tabela 3.3

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exemplificam algumas das formas pelas quais é possível observar indícios de

exploração do trabalho docente, que pela natureza dessas formas, se é remetido ao

conceito de mais-valia absoluta em Marx (1996). Não sendo, portanto, exagero

afirmar que com essa tendência de alongamento das horas de trabalho

extraordinário sem contrapartida em remuneração, as IES privadas apresentam

características de exploração do trabalho que remontam, em certa medida, as

identificadas por Marx no bojo da Revolução Industrial (ROSSO, 2008).

Na atividade de docência nas IES privadas, a carga de trabalho em sala

de aula se eleva normalmente mediante a responsabilização por mais turmas (op.

cit. p. 179). Entretanto, outro processo que se evidencia no Estado de Goiás é

também o da junção de turmas, obedecendo ao mesmo critério utilitarista de

redução de custos. Em última análise isso significa mais trabalho mantida a mesma

remuneração. Não obstante, ocorre também a eminente elevação da sobrecarga de

trabalho do professor, exigindo dele maior exercício na preparação das aulas para

bem conduzir a integração das turmas unidas. Além disso, ocorre a acumulação de

mais trabalho com correção de provas, tarefas e orientação dos discentes. Aliás,

sobre a carga de trabalho extra-sala de aula40, nos processos pesquisados, chama a

atenção o fato de apenas um único caso, nos processos investigados ter feito

referência ao trabalho ex ante e ex post da função docente. Este caso se encontra

tabulado na Tabela 3.3, com o tipo de alegação ou pedido em ‘atividades e

dedicação a pesquisa extra-sala’. Com base nessa verificação, há que se indagar:

será que em todo o universo de professores das IES privadas em Goiás a proporção

é mesmo essa? Da média de 30 docentes, apenas um docente não ‘recebe

ordenado’ por seu trabalho realizado extra-sala?

Já de par do contexto do trabalho docente no cotidiano, e também da

legislação pertinente, certamente as pergunta acima deveriam ser substituídas pela

indagação sobre como corrigir a assimetria de informação relativa ao que é direito

no trabalho docente. Ou, de outra forma, como reduzir o hiato que impede que os

professores recebam a remuneração justa, contemplando toda a força-de-trabalho

empenhada para executar a missão de professor. Os primeiros passos para se

40 Essa é uma questão ainda muito pouco discutida nas pesquisas sobre o trabalho docente, e principalmente, quase totalmente negligenciada em relação ao cumprimento da legislação trabalhista do mesmo.

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chegar às respostas para tais indagações seriam, primeiramente, o de identificar se

existe realmente a suposta desinformação e, em seguida, o de investigar qual seria

o hiato que impede que o professor receba o proporcional ao efetivo de seu trabalho

total. Deve-se considerar, nesse sentido, que a parte da resposta concernente ao

primeiro caso poderia estar, em certa medida, não na desinformação, mas na

própria abstenção ao direito por parte do docente, dado a força das pressões já

discutidas. Pressões estas, relativas aos aspectos dos condicionantes de mercado

de trabalho, quais sejam, flexibilização e mercantilização do ensino superior. Por seu

turno, o hiato poderia ser creditado à própria forma de ação da representação

sindical, ou seja, enquanto negociador e apenas mantenedor dos direitos até então

adquiridos. Entretanto, infere-se que são necessários estudos mais aprofundados

para resolver essa problemática.

A maior quantidade de pedidos e alegações, com base nos processos

analisados, se refere a atividades extraordinárias realizadas pelos professores que,

também, nem sempre são remuneradas. Um dos motivos que gera a exploração do

trabalho nesse sentido é o caráter marcadamente flexível da profissão docente em

IES privadas. Rosso (2008, p. 179) caracterizou o trabalho docente privado como

representante do “ápice da flexibilidade”. A Relação de trabalho nesse setor é, na

sua maioria, mediada por contratos de trabalho nos quais o critério de remuneração

é o número de horas trabalhadas - entendidas como horas em sala de aula -

havendo raros casos em que se define um período fixo ou de tempo integral de

trabalho. Esses contratos também não consideram as horas de atividades de

execução de tarefas extra-sala. A flexibilização do horário de trabalho do professor,

que pode exercer sua função em dias diferentes, turnos diferentes, semanas ou até

mesmo unidades institucionais diferentes, parece abrir brechas para a convocação

para trabalhos, nem sempre condizentes com as atividades docentes, também em

dias e horários inusitados. O próprio caráter extraordinário desses trabalhos parece

ser um argumento para a não remuneração dos mesmos.

Subtração do direito ao descanso remunerado

O trabalho docente em IES privadas encontra-se inserido em sua

totalidade em um contexto de pressões e exigências que invariavelmente resultam

na vulnerabilidade fisiológica e psicológica do professor. Tais pressões são oriundas

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das modificações havidas na relação e nas condições de trabalho que exacerbam a

vulnerabilidade e ansiedade (SENNETT, 2008; DEJOURS, 2001) do professor, que

em muitos casos, são acometidos de patologias, principalmente o estresse. A

relação trabalho-saúde que se observa, segue uma tendência do mercado de

trabalho que, conforme Rosso (2008, p. 135) “começa a se manifestar ou está

efetivamente em pleno desenvolvimento em decorrência das consequências das

condições de trabalho sobre a saúde dos trabalhadores”. Corrobora por agravar

essa situação, o fato de a legislação social ser preterida quanto ao direito de

descanso remunerado do professor. Nesse sentido, passa-se a investigar nesse

sub-tópico, os reclames sobre questões salariais das demandas em relação à

sentença judicial. Ainda, relacionando os indicativos obtidos sobre as condições

fisiopsicológicas de trabalho do docente.

Os dados da Tabela 3.4 podem ilustrar e dar suporte a esse argumento

uma vez que evidenciam as reivindicações dos professores principalmente sobre o

direito de descanso remunerado. Da amostra analisada, foram identificados 26

casos relacionados à busca pelo direito a remuneração de repouso semanal, férias,

13º e recesso escolar. Destes, 61% é o total de pedidos e alegações que podem ter

viabilizado a restituição do direito ao professor, somando-se os que resultaram em

‘acordos’ mais os julgados ‘procedentes’.

TABELA 3.4

REIVINDICAÇÕES RELATIVAS À DESCANSO REMUNERADO, FÉRIAS, E 13º CONFORME PESQUISA EM 31 PROCESSOS TRABALHISTAS, SINPRO-GO, 2005-2009

Tipos de

Alegações e Pedidos

Procedente Improcedente Acordo Suspenso Aguardando Total

Repouso semanal remunerado

2 0 0 0 0 2

Salário retido (incluindo 13º)

4 1 1 0 3 9

Férias não concedidas no prazo legal

5 1 1 1 1 9

Férias em dobro, não concedidas e não gozadas

2 2 0 1 0 5

Recesso escolar 1 0 0 0 0 1

Total 14 4 2 2 3 26

Fonte: SINPRO-GO/TRT 18ª região (dados tabulados pela autora)

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A atividade docente apresenta peculiaridades imbricadas diretamente

com a questão do equilíbrio físico e psíquico do professor. Em primeiro lugar, face

às características de trabalho intelectual, é sabido que o trabalho docente necessita

de ambiente e condições adequadas à concentração tanto para o planejamento

quanto para a execução da aula. É preciso lembrar que ministrar aulas é uma

atividade em que se exercita, tanto as habilidades intelectuais, quanto a inteligência

emocional, uma vez que durante toda a atividade de produção em sala de aula, é

necessário a interação interpessoal na relação de trabalho professor-aluno. A

produtividade da aula, ou seja, a capacidade de gerar bons resultados pedagógicos

via orientação, troca ou transmissão de conhecimentos, no formato de ensino nas

IES privadas (como também nas IES públicas), possui centralidade na figura do

professor. Ou seja, na condução que o professor dá em sala de aula. Nesse sentido,

se torna redundante registrar que o estresse e a instabilidade emocional prejudicam

e restringem a produção do professor, tanto dentro de sala de aula, quanto nas

atividades ex-ante e ex-post da aula ministrada, obviamente, concebendo a

produção docente numa lógica amplamente distanciada do contexto produtivo de

uma empresa que realiza produção material. Ou, de outra forma, entendendo as

especificidades da produção intelectual tal como não parece ser compreendido pelos

administradores da lógica gerencialista, com foco lucrativo do empreendimento no

ramo do ensino. Lógica, esta, que tem orientado o modus operandi de instituições de

ensino superior privado, ao qual se relaciona também, em certos casos, à

postergação da concessão e pagamento do descanso remunerado do docente.

Nesse tocante, há que se registrar que o próprio negligenciamento ao

direito precípuo de descanso remunerado, mesmo que justificados como estratégias

racionalistas de redução de custos ou busca por equilíbrio financeiro, apresentam

dois resultados. Além de contribuir ratificar a tese do processo de precarização das

condições e relações de trabalho do professor nas IES privadas, por evidenciar os

prejuízos ao bem estar daquele, pode resultar também na queda da qualidade do

ensino.

A questão dos direitos salariais na demanda trabalhista

Não desconsiderando que a flexibilização, em grande medida, dificulta a

ação sindical quanto à questão salarial, outro problema evidenciado que deprecia as

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relações de trabalho do professor é o de que empregadores nem sempre respeitam

os direitos constitucionais e as disposições das convenções coletivas (POCHMANN,

2005). Entendendo o fator remuneração como de importância substancial sobre

condição individual de trabalho do professor, as considerações a seguir

contemplarão os indicativos quanto ao trato das questões salariais do docente nas

IES privadas, a partir dos dados relacionados dos processos.

Dentre os fatores que contribuíram para a ampliação na desigualdade dos

rendimentos no mercado como um todo, segundo Pochmann (2005), está a

flexibilização do contrato de trabalho e a individualização de salários. Para o caso do

trabalhador docente em IES privadas, a questão da individualização pode ser

entendida pelo fato de o salário ser estipulado conforme quantidade de horas/aula

ministradas, ou seja, baseado no sistema tradicional de medição de tempo de

trabalho. Exemplificando, o professor que ministra mais aulas terá remuneração

maior que o professor que ministra menos aulas, isso porque que a carga horária

não é fixa. Entretanto, nesse formato de individualização que diferencia o montante

de remuneração dos professores, não há a combinação de salário fixo com

participação em resultados alcançados por produtividade, conforme definido pela

teoria do salário-eficiência41. Diante disso, compreende-se ser preciso verificar a

pressão sobre o salário do professor também sob outros prismas.

As informações agrupadas a partir dos processos apontam para a

existência de diferentes motivações que levam o professor de ensino superior

privado a reivindicar seus direitos com respeito aos salários.

A partir da Tabela 3.5, constata-se que algumas das reivindicações, nada

têm a ver com a expectativa de elevação do salário. Ao contrário, possuem relação

direta com a intenção de garantir a manutenção de direitos básicos e intrínsecos ao

processo de remuneração do professor, que deveriam ser respeitados

automaticamente. Uma evidência disso é a existência de alegações referentes ao

atraso de pagamento de salários e a pagamento de professores via recibos não

contabilizados. Muito embora esses pedidos não tenham apresentado uma

freqüência expressiva, em relação aos demais pedidos e ao total da amostra, não

41 Conforme a teoria, Salário-eficiência é uma caracterização para o processo em que a remuneração do trabalho é estipulada conforme a produtividade e resultados do trabalho.

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deixam de ser um indicativo de que o negligenciamento às leis correspondentes

possam ser recorrentes nas IES privadas.

Muito embora esses pedidos não tenham apresentado uma frequência

expressiva, em relação aos demais pedidos e ao total da amostra, não deixam de

ser um indicativo de que o negligenciamento às leis correspondentes possam ser

recorrentes nas IES privadas.

TABELA 3.5

REIVINDICAÇÕES DE DIREITOS SOBRE DIFERENÇAS SALARIAIS, RECISÓRIAS E REAJUSTE SALARIAL, CONFORME ANÁLISE EM 31 PROCESSOS, SINPRO-GO, 2005-2009

Tipos de

Alegações e Pedidos

Procedente Improcedente Acordo Suspenso Aguardando Total

Diferenças salariais e Reflexas

conforme Convenção Coletiva

4 2 2 0 1 9

Verbas rescisórias e correções salariais

2 1 3 0 3 9

Diferenças de verbas rescisórias 3 3 1 0 2 9

Diferenças por pagamento com recibos não contabilizados

0 0 1 0 0 1

Atraso no pagamento de salário 2 0 2 0 1 5

Reajuste do salário dos docentes 0 0 1 0 0 1

Total 11 6 10 0 7 34

Fonte: SINPRO-GO/TRT 18ª região (dados tabulados pela autora)

Um dado que chamou atenção nesse agrupamento foi a expressiva

frequência sobre os pedidos relacionados à ‘diferenças salariais e reflexas conforme

a convenção coletiva’. Essa reivindicação deixa explicita a tendência de não

observância aos direitos predispostos nas Convenções Coletivas, por parte da IES

privadas.

Também a partir dessa tabulação que compreende as questões salariais,

observa-se que do total de casos de pedidos e alegações, os julgados ‘procedentes’

se apresentam em maior número, em relação aos julgados ‘improcedentes’ e às

demais condições. Isso implica que, para a maioria das reivindicações relativas às

questões de salário, os docentes podem ter obtido ganho de causa. Essa

constatação é melhor fundamentada se agruparmos os casos julgados procedentes

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com os acordos havidos, o que somará um total de 21 reivindicações salariais em

que os docentes foram contemplados pela possível restituição de seus direitos.

A esses argumentos acrescenta-se o fato de que, conforme evidenciado,

em todos os agrupamentos de perfis realizados, o demandante obteve sentença

favorável às suas reivindicações na maioria dos casos. Nesse sentido, a suposição

de que a análise dos processos trabalhistas não permite conclusões confiáveis

sobre as reais condições e relações de trabalho do professor não encontra

sustentação nem mesmo numa verificação superficial dos perfis dos pedidos e

alegações encontrados nos processos.

Em suma, as verificações nesse agrupamento de dados indicam que as

reclamações quanto à remuneração do trabalho docente não possuem apenas o

propósito de aumento salarial, aliás, apenas um pedido foi relativo a isso. Além

disso, pode-se observar que a diversidade da natureza dos pedidos e alegações

quanto a questões salariais apresenta imbricação direta com a deterioração das

relações de trabalho nesse meio. De tal modo, os resultados dessa verificação

remetem à tese de que as relações de trabalho estão sendo condicionadas pela

tendência de flexibilização e desregulamentação dos direitos trabalhistas.

3.3 – Narrativas jurídicas: supressão dos direitos do docente

Dando sequência à proposta da investigação realizada nos processos

trabalhistas do SINPRO-GO, nesta parte buscar-se-á extrair indicativos de

supressão dos direitos trabalhistas dos docentes, a partir da narrativa jurídica do

reclamante e do juiz. Para essa análise, os pedidos, alegações e argumentações do

reclamante foram selecionadas de forma aleatória com base na petição inicial e

interlocutória, já a sentença judicial foi selecionada destacando-se dos 31 processos

analisados, 10 processos que obtiveram sentença judicial favorável ao reclamante.

O sentido desse critério de seleção é exatamente de exemplificar sobre quais são as

principais reivindicações dos docentes, e sobre quais leis podem estar sendo

preteridas nas relações de trabalho do docente,

É necessário esclarecer que, embora seja o acórdão a última peça dos

autos para o caso de processos em que há pedido de recurso, a análise sobre o

julgamento privilegiou as sentenças judiciais pelos seguintes motivos: primeiro

porque é nessa peça dos autos do processo que são contemplados, para

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julgamento, todas as alegações e pedidos da petição inicial. Sendo o objetivo da

análise o de traçar um perfil dos processos, principalmente no tocante às alegações

e pedidos trabalhistas, a sentença judicial apresenta informações mais completas

sobre o todo das reivindicações, ainda, em relação às leis correlatas a elas. Em

segundo lugar, porque nos acórdãos só são julgados os pedidos de recurso, ou seja,

não contemplam todas as reivindicações do docente, já que tem apenas função de

manter ou reformular aquilo que já foi julgado na sentença judicial pelo juiz. Outro

argumento é que nem todos os processos chegam até a fase de decisão em

acórdão.

Ademais, supõe-se que sob a ótica sociológica, parece ter maior

significância considerar a fundamentação da decisão constante na sentença judicial,

ao se fazer aqui, uma interpretação de que o juiz nessa instância elabora a sentença

com base num trabalho de investigação dos fatos de um modo que lembra o método

da observação participante, utilizado na etnografia, uma vez que assume “a

qualidade de terceiro estranho ao conflito” (CINTRA, 2007, p. 313), enquanto sujeito

imparcial investido de autoridade para dirimir a demanda. Explica-se que, já que a

decisão judicial se dá conforme interpretação diversa da lei, considerando as provas,

argumentações do reclamante, da reclamada e das testemunhas arroladas no

processo; uma análise da narrativa jurídica seria mais relevante, para fins desta

pesquisa, se considerado o argumento do juiz que deu a sentença tendo maior

proximidade com os atores sociais, no caso, as partes envolvidas no processo. Além

de ter manuseado com maior frequência e proximidade os instrumentos ‘objetos de

trabalho’ necessários à elaboração da sentença, quais sejam, as comprovações e as

argumentações mediante a legislação. O juiz em deferência então seria o que

elabora a sentença judicial (juiz de primeira instância) e não os que elaboram o

acórdão. Além do mais, para o caso do acórdão (instância recursal), geralmente os

juízes elaboram suas decisões com base no que já está nos autos, sem que

procedam a coleta de depoimentos das partes ou de suas testemunhas. Daí a

hipótese de que a decisão recursal pode não espelhar necessariamente a realidade

dos fatos. Assim significando, de certo modo, uma falha no sistema judiciário.

De forma a relacionar as alegações e pedidos judiciais à infração a leis,

elaborou-se a Tabela 3.6, na qual se condensa exemplos sobre alguns dos casos

mais recorrentes conforme identificado nos processos.

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TABELA 3.6

ALEGAÇÕES E PEDIDOS JULGADOS PROCEDENTES EM INFRAÇÃO À LEI CONFORME SENTENÇAS JUDICIAIS DE PROCESSOS TRABALHISTAS DE DOCENTES CONTRA IES PRIVADAS, 2005-2009

ALEGAÇÕES E PEDIDOS INFRAÇÃO À LEI

Depósito FGTS em atraso Art. 7, Inc. II, CF, Lei n 8.036/90 TRCT código zero um Art. 467 da CLT Recolher Contribuições Previdenciárias Julgado procedente (Lei não Identificada) Anotações contrato de trabalho na CTPS Art. 477, § 8º CLT Pagar salário retido (incluindo 13º retido) Julgado procedente (Lei não Identificada) Pagar verbas rescisórias e correções salariais Julgado procedente (Lei não Identificada) Pagar diferenças de verbas rescisórias Julgado procedente (Lei não Identificada) Pagar diferenças salariais (conforme Conv. Coletiva ) e diferenças reflexas

Julgado procedente (Lei não Identificada)

Pagar repouso semanal remunerado Art. 464 da CLT, Súmula 91 TST Pagar férias não concedidas no prazo legal Art. 5, II, CF; Art. 145 da CLT, Pagar férias em dobro (não concedidas) Artigo, 134 e 137 CLT (em dobro); Pagar recesso escolar Julgado procedente (Lei não Identificada) Pagar aula "magna" Julgado Improcedente Pagar multa por atraso no pagamento verba rescisória

Art. 477, CLT

Pagar multa por atraso depósito de FGTS Art. 467, CLT Pagar multa por atraso no pagamento de salários Clausula 6ª, CLT Pagar reuniões acadêmicas extraordinárias Art. 7º, Inc. XVI, CF, Cláusula 4ª CLT Pagar horas de atividades extraordinárias Art. 7º, Inc. XVI, CF, 884 do Cód. Civil Brasileiro,

Cláusula 4ª CLT

Pagar horas de orientação/aulas de substituição Art. 7º, Inc. XVI, CF, 884 Cód. Civil Brasileiro, Cláusula 4ª CLT

Pagar hora de atividade e dedicação a pesquisa Julgado procedente (Lei não Identificada) Pagar adicional de titulação (mestre/ doutor) Julgado procedente (Lei não Identificada) Pagar indenização por danos morais Julgado Improcedente Nulidade da dispensa e reintegração Julgado Improcedente Irregularidade na dispensa do reclamante Art. 53 LDB Aumento carga horária sem remuneração compatível

Julgado procedente (Lei não Identificada)

Redução ilegal da carga horária Art. 468, 320, 483 da CLT, 422 do Código Civil Redução remuneração (decorrência de junção turmas)

Art. 468 da CLT

Não oferecer carga horária Art. 4º CLT Arcar com custas processuais / Justiça gratuita Art. 14 e 16, lei 5584/70 Pagamento por meio de recibos não contabilizados

Art. 790, § 3º, CLT

Indenização por uso indevido de Imagem Julgado Improcedente Reconhecer a titulação e Promover ao cargo ( conforme Plano Carreira)

Julgado Improcedente

Reajustar salário dos docentes Julgado procedente (Lei não Identificada)

Fonte: SINPRO/TRT (Dados tabulados pela autora)

Enfatiza-se que as lei infringidas citadas nesta tabela foram identificadas

nas argumentações que embasaram a sentença judicial favorável ao reclamante, ou

seja, com relação às alegações e pedidos que o juiz sentenciou ‘procedentes’.

Antecedendo a análise de sentenças judiciais, destaca-se que na leitura

dos processos, chamou a atenção a argumentação constante nas petições iniciais e

interlocutórias, quanto às alegações do reclamante, no ato de solicitar à justiça do

trabalho a restituição dos direitos subtraídos. De tal modo, parece conveniente citar

aqui as alegações que, mesmo que a justiça do trabalho não as tenham interpretado

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como verdadeiras, expressam de certa maneira indicativos sobre as condições de

trabalho docente em contexto de relações de trabalho precarizantes. Na análise das

narrativas extraídas desses documentos, na medida em que se faz referência às

alegações e pedidos, logo em seguida será feita também a análise de uma sentença

judicial relacionada à mesma questão. Também nesse tocante, enfatiza-se que o

objetivo dessa análise é o de identificar, por meio dos processos, indicativos de

condicionantes do trabalho docente e não o de avaliar o mérito do julgamento.

Nesse sentido, passa-se a análise da narrativa jurídica conforme as categorias já

sistematizadas para fins desta pesquisa, quais sejam as categorias que

compreendem as alegações e pedidos referentes à: adicional de titulação, carga

horária e sua remuneração, trabalho extraordinário não remunerado, férias e

descanso não remunerado, questões salariais, rescisórias e direitos previdenciários

e de seguridade social.

Adicional de titulação

Quanto às reivindicações dos docentes encontradas nos processos, muito

embora, as alegações e pedidos relativas a adicionais de titulação não tenham sido

encontradas com grande frequência, considerou-se importante destacar a questão

da titulação pelo que ela pode representar em importância na discussão sobre as

modificações no mundo do trabalho. Nesse tocante, pinçou-se dos processos os

trechos abaixo, que poderá servir como pano de fundo para considerações sobre a

condição do trabalho docente em relação à questão titulação.

Conforme (BOSI, 2007), a expansão das IES privadas gerou num médio

prazo, razoável oferta de profissionais com qualificação mínima (especialização)

para a docência. Isso também parece ter contribuído para, num curto prazo, haver a

queda da renda média do docente universitário. Em função da pressão da oferta de

profissionais com exigência mínima de titulação para atuar no mercado, os mesmos

acabam tendo que se submeter às políticas aleatórias de remuneração praticadas

pelas IES, sob pena de não encontrarem outra vaga de trabalho. Tais políticas

possuem, por vezes, o escopo não formalizado de Plano de cargos e salários42, e se

apresentam bastante criativas enquanto subterfúgios para a redução do custo de

contratação do professor. Essas podem, primando pelo custo mínimo, remunerar de

42 Alguns planos de cargos e salários vinculam, por exemplo, titulação e tempo de experiência com tipo de curso em que se ministra a aula.

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forma diferente professores com mesma titulação, o que pode ser observado no

exemplo do argumento de alegação sobre direito ao adicional de titulação abaixo:

“8. DO NÃO PAGAMENTO DO ADICIONAL POR TITULARIDADE À ÉPOCA DEVIDA

8.1 A reclamada assegura, aos seus professores, a gratificação de 10% da

remuneração pela aquisição de título de mestre.

8.2 Pois bem. O reclamante adquiriu-o por conclusão do curso de mestrado, o

Diploma de Mestre em Sociologia, que lhe foi expedido aos 13 de junho de 2003,

cópia anexa, entretanto, somente a partir de maio de 2005, a reclamada passou-

lhe a pagar a citada gratificação, ficando, portanto, com a obrigação de pagar-lhe

as diferenças relativas ao período anterior, contado da data da aquisição do título,

até esse mês, calculadas sobre a maior remuneração [...]” (SINPRO-GO, 2010:

processo TRT 18ª N. 000772-2008, p. 18).

Exemplo da narrativa em sentença judicial sobre a questão do adicional

de titularidade:

“DO ADICIONAL DE TITULARIDADE

A requerida alega a existência de outras condições, além da apresentação do

diploma de mestre, para a percepção do adicional de titularidade. Trata-se de fato

impeditivo do direito do autor e, como tal, seu ônus cabe à reclamada (CLT, artigo

818; CP, artigo 333, II).

A ré não acostou a norma regulamentar que instituiu a parcela a fim de provar a

existência de tais condições, nem a prova oral confirmou as alegações da

demandada. [...] Por tais razões, defiro o pedido de adicional de titularidade entre

agosto de 2003 e abril de 2005.” (SINPRO-GO, 2010: processo TRT 18ª N.

000772-2008, p. 18)

Na primeira narrativa, observa-se que o reclamante reivindica os direitos

relativos ao não reconhecimento do título de Mestre em sociologia na data

legalmente devida, em vista do mesmo direito usufruído por seus pares, “de

gratificação” por titularização. Já na segunda narrativa, o juiz sentencia que o

reclamante tem razão em seu pedido, foi-lhe negado, na época devida, o direito a

receber remuneração proporcional à titulação do professor.

Observa-se pelos trechos transcritos dos autos do processo, que a

sentença ratificou o direito reivindicado pelo professor. Muito embora, não se possa

afirmar apenas com base nessa informação que esse tipo de infringência à lei seja

recorrente no âmbito das IES privadas, o contrário também não pode ser dito. Neste

caso, a análise das narrativas acima é relevante, também por permitir inferir que

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uma das formas de desvalorização do trabalho docente no âmbito das IES privadas,

se dá em relação ao não reconhecimento de titulação do mesmo. No caso

específico, essa forma seria pertinente a negação do direito ao docente, de receber

o retorno financeiro pelo capital humano adquirido.

Carga horária e sua remuneração

As transcrições que se seguirão se relacionam às argumentações obtidas nos

autos, referentes à redução da carga horária e remuneração correlata. Nesse

tocante, inicia-se por dizer que a mera redução da carga horária teria pouca

significância se tomada apenas como um ato administrativo de gestão da ‘empresa

de ensino’, primando pela racionalidade na condução do negócio. Contudo,

considerando as peculiaridades inerentes à função de uma instituição de ensino e,

nesse contexto, as especificidades do trabalho do professor, é preciso refletir, de

forma mais detalhada, sobre os aspectos inerentes a tal condução racionalista da

instituição de ensino superior privado. As manifestações concernentes a carga

horária e junção de turma, expressas nos autos dos processos podem, nesse

sentido, subsidiar uma reflexão sobre a questão. Senão, vejamos o que a discussão

na justiça do trabalho pode nos sugestionar. Exemplo de narrativa de alegação

sobre carga horária:

“I DA FORMAÇÃO DO CONTRATO E DE SUAS CONDIÇÕES

A sua carga horária foi reduzida unilateralmente, sem qualquer justificativa legal,

para 8 aulas, ao início do ano letivo de 2008, retornando ao total de 12, em maio

deste ano, para atender às determinações do MEC, como se extrai do

contracheque desse mês.” (BRASIL, SINPRO-GO, 2010: processo 2149/2008,

Petição TRT 18ª N. 258374- 3/3)

A citação acima é referente à reivindicação de um docente sobre carga

horária. O texto do documento, além de sugestionar a existência de ilegalidade na

forma como se reduziu a carga horária, faz referência a existências de manobras

administrativas com relação à gestão de pessoal para atender às exigências

impostas pelo MEC. Dentre outros exemplos, ressalta-se que outro processo

também apresentou argumento relacionado à atuação da instituição com relação à

carga horária. Neste último caso, o reclamante levantou a questão da instituição de

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ensino “fazer uso de imagem”43 do professor com relação à carga horária de

trabalho para atender a exigências do MEC. O que as reincidências de casos e

reivindicações com relação à carga horária do professor parecem demonstrar, é que

a administração desta questão é utilizada, no âmbito das IES privadas, enquanto

instrumento de gestão pelo fim utilitarista da instituição. Dentre outros motivos, tanto

pela questão da racionalidade financeira, ou seja, quanto menor o custo maior o

lucro, quanto pela capacidade de ser útil às estratégias de crescimento da

instituição, conforme indicado, atendendo aos pré-requisitos do MEC em sua

empreitada de avaliar (OLIVEIRA e FONCECA, 2008) e regulamentar (LIMA, 2008)

os cursos superiores.

Outra forma de utilização da carga horária do professor, no escopo da

gestão racionalista, se dá conforme se pode identificar na transcrição abaixo. Tal

texto é exemplo de uma narrativa de alegação sobre redução de carga horária

devido à junção de turmas, também obtido nos autos dos processos analisados:

“4 DA REDUÇÃO ILEGAL DA REMUNERAÇÃO MENSAL, EM DECORRÊNCIA DE JUNÇÃO DE TURMAS

4.1 A reclamada, a partir do início do semestre letivo de 2006, inclusive a cada

semestre, promovia a junção de duas turmas, em uma só, que muitas vezes,

passava a contar com mais de 120 (cento e vinte) alunos, inclusive reunindo numa

mesma sala alunos de períodos distintos.

Chegou-se ao extremo de promover a junção de turmas de Direito Tributário I e II;

Direito Financeiro I e II; e Direito Econômico, 3º e 4º períodos.

4.2 As consequências dessas junções são de caráter pedagógicos, com

irreparáveis prejuízos aos alunos, e salarial, aos professores, posto que, a junção

de turmas significou para a reclamante e os demais professores, por ela atingidos,

redução de carga horária de sala de aula, sem efetiva redução de trabalho, em

decorrência da necessidade de se preparar e de se corrigirem os trabalhos e

provas do mesmo quantitativo dos alunos, que antes se encontravam em salas

distintas. Portanto, pela prática implementada pela reclamada, a atividade da

reclamante, assim como de outros professores, permaneceu a mesma; entretanto

a sua remuneração foi drasticamente reduzida, chegando a sê-lo pela metade, em

flagrante violação ao que preceituam o Art. 468, da CLT, e a Orientação

Jurisprudencial N. 244, da SDI – 1, do colendo TST.”

43 Conforme consta no processo, o uso de imagem se deu pelo fato da instituição registrar junto ao MEC, que a carga horária era de 40h semanais, sendo que na realidade eram de 15h semanais. (SINPRO-GO, 2010; processo TRT 18ª 1303562)

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4.3 Indiscutivelmente, esse artifício utilizado pela reclamada não passa pelo

crivo do Art., 9º, da CLT, e do 844, do Código Civil Brasileiro, pois que, a um só

tempo, visa a fraudar a aplicação de direitos legais, vedado pelo primeiro, e ao

enriquecimento sem causa, repudiado pelo segundo. (BRASIL, SINPRO-GO,

2010: processo 926, Petição TRT 18ª N. 039725 3/3, p. 3ª)

Refletindo a condução da questão carga horária, a partir das citações

acima, observa-se que em ambas há indicativos de que as atuações das IES

privadas exemplificam o sentido utilitarista da gestão institucional. No tocante à

gestão utilitarista das IES privadas, convém citar o que enfatiza Rosso (1998, p.37)

ao resgatar os teóricos do utilitarismo Jevons e Jeremy Bentham, que a utilidade de

um objeto, ação ou serviço varia “para mais ou para menos dependendo da

avaliação subjetiva dos indivíduos”. De forma análoga à explicação daquele autor

sobre a opção utilitarista de jornada de trabalho dos indivíduos, a opção de aumento

ou redução da carga horária do docente é condicionada, no caso em questão, pelos

empreendedores das IES privadas, conforme a utilidade que podem vislumbrar

nessa variação da jornada de trabalho dos professores. Ou seja, se para atender à

exigência do MEC, por exemplo, a carga horária é aumentada, se para reduzir

custos com folha de pagamento ou com contratação de mais professores, a carga

horária é reduzida, utilizando, dentre outras estratégias, a de junção de turmas,

conforme se percebe na transcrição imediatamente supracitada.

Além dos aspectos já analisados aqui quanto à questão utilitarista, é

válido observar que em outros processos pesquisados, constatou-se indícios de que

a redução da jornada de trabalho do docente via diminuição da carga horária, em

IES privadas, se torna também uma estratégia antecipada de redução de custos

visando acertos rescisórios. Ou seja, um docente em vias de ser demitido, recebe no

semestre que antecede sua demissão, uma carga horária mínima, podendo facilitar,

para a instituição, os procedimentos rescisórios, principalmente no tocante aos

saldos de remuneração a serem despendidos pela instituição contratante ao

professor.

Meio a esta profusão de interesses e ações utilitárias, as consequências

são variadas tanto para o docente como para o ensino em questão. Conforme

discutido em tópico anterior, por um lado têm-se os prejuízos pedagógicos, por outro

lado, observam-se os prejuízos aos professores relativos à redução da carga horária

e por consequência também de remuneração, significando ainda, ao invés da

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redução, o aumento da carga de trabalho, ou seja, da jornada de trabalho. Nesse

momento, se faz importante enfatizar que, para o caso de docentes em IES

privadas, a jornada de trabalho do professor não é coincidente com a carga horária

referente ao trabalho em sala de aula, uma vez que ela avança via atividades extra-

sala. Diante disso, quanto à estratégia de redução de horas via redução de turmas, é

possível inferir que ela apresenta resultados característicos do que Marx (1990,

p.432) teorizou sobre mais-valia relativa. Ao se apropriar dessa teoria de Marx para

explicar aspectos da redução da jornada de trabalho, Rosso (1998) explana que a

produção do mais valor do trabalho “pode ocorrer sem que o número de horas

trabalhadas aumente”. Isso se dá em decorrência do trabalho mais intenso ou mais

denso, ou seja,

“Quando mais produtos ou serviços são produzidos em tempo idêntico ao

despendido anteriormente. Não só a inovação tecnológica, mas também a

reorganização interna do trabalho nas empresas pode levar a este resultado.”

(ROSSO, 1998, p. 44)

Consoante a interpretação de que a redução da carga horária seja um

modo de “reorganização interna do trabalho”, ainda, da existência de instrumentos

didáticos (data-show, laboratório de informática, Internet, dentre outros)44

favorecidos pelo avanço tecnológico sejam utilizados no trabalho docente, parece se

configurar a representação da mais valia relativa no trabalho docente. Entretanto, se

analisarmos mais a fundo considerando que a jornada de trabalho se relaciona a

quantidade de horas trabalhadas, teremos então que a “jornada de trabalho” do

professor, para o exercício de sua função será bem maior que a carga horária, ora

reduzida em função do rearranjo organizacional da instituição quanto a horas de

trabalho. A jornada é maior devido às tarefas anteriores e posteriores às de sala de

aula, conforme já exposto. Sintetizando, a configuração do trabalho do professor

mediante essa análise se encontra num contexto em que há redução de carga

horária paralelo a redução de remuneração, combinadas com aumento da

produtividade para a instituição – neste caso intensificada pelas condições de

44 Ressalta-se que podem haver casos extremos, em que o professor precisa desenvolver o trabalho, ora intensificado pela redução da carga horária em função da redução de turmas, sem poder contar com instrumentos pedagógicos contemplados pelo avanço tecnológico. Isso devido à possíveis insuficiência de estrutura de instrumentalização didático-pedagógica por parte da instituição para qual presta seus serviços. Somando-se a essa constatação à alegação sobre a existência de salas “extra-lotadas”, infere-se sobre a existência expressiva condições de insalubridade permeando o trabalho docente.

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trabalho mediante sala lotada e facilitada pelo uso da tecnologia - ainda,

concomitante a uma elevação da jornada de trabalho extra-sala para o docente.

Nesses termos, um mesmo trabalho docente em condições precárias, gera tanto

mais-valia relativa quanto mais-valia absoluta para a IES privada.

Seja pela interpretação das narrativas mencionadas, ou por via de outras

narrativas em processos não citados aqui, é possível fazer a inferência de que em

qualquer das hipóteses alegadas sobre a questão, o professor precisa se adaptar

aos condicionantes momentâneos, assumindo em essência o caráter de mão de

obra flexível. Mesmo que suas conquistas trabalhistas possam estar sendo

suplantadas em diversos aspectos legais, conforme é sugestionado pela citação que

segue como exemplo de narrativa interlocutória de reclamante:

“7. DA REDUÇÃO ILEGAL DA CARGA HORÁRIA

7.7 Quanto às alegações da reclamada de que o parâmetro para a fixação da

remuneração é hora-aula e de que se houve diminuição de hora-aula houve

diminuição de trabalho, com resultado de “flutuação natural da carga horária em

razão da demanda” fl. 354, essas não passam pelo crivo da legislação

educacional e da jurisprudência do colendo TST.

7.7.1 Nesse particular a reclamada infringe o Art. 9º, da CLT, e 884, do Código

Civil, que preceituam:

Art. 9º - CLT: Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de

desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente

consolidação.

"Art. 884 – CC – Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem,

será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores

monetários.”

7.7.2 A reclamada aufere lucros, à medida que aumenta o trabalho de seus

professores com a junção de turmas, o que ela própria reconhece, às fl. 355, sob o

manto de que não houve alteração no contrato de trabalho, em razão da fixação

salarial ser por hora aula. Argumento que foge do princípio da razoabilidade, posto

que é, inquestionavelmente, penoso lecionar para uma sala de aula com mais de

60 alunos.” (BRASIL, SINPRO-GO, 2010; Processo 2149/2008, TRT 18ª N.

228770- 2/2, p. 3ª e 4ª )

Obviamente o direito subtraído do docente só poderá ser restituído,

nesses casos, através da justiça do trabalho. Dependerá da interpretação do juiz,

conforme já dito, no julgamento da razão da demanda consoante as provas

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apresentadas quanto à veracidade para fundamentação dos pedidos e alegações,

pelo que se pode observar na transcrição que segue. Exemplo de narrativa sobre a

questão da carga horária em Sentença Judicial:

“O TST já firmou o seguinte entendimento, em sua OJ 244:

“Professor. Redução de Carga horária. Possibilidade. A redução de carga horária

do professor, em virtude da diminuição do número de alunos, não constitui

alteração contratual, uma vez que não implica redução do valor da hora-aula.”

Portanto, a redução da carga horária desde que decorra da diminuição do número

de alunos, não constitui redução salarial ilícita. Trata-se a redução do número de

alunos de fato modificativo do direito do autor e, como tal, seu ônus cabe ao réu

(CLT, artigo 818; CPC, artigo 333, II)

"O ônus probatório da reclamada também decorre do Princípio da Aptidão para a

Prova, pois a ré poderia facilmente produzir prova documental acerca de tal fato, a

partir dos dados constantes de seus arquivos, o que não foi feito” (BRASIL,

SINPRO-GO, 2010: Petição TRT 18ª N. 00772- 2008)

Ante todo o exposto, e a partir de evidências na abordagem legal, infere-

se sobre indicativos quanto à relevância da teoria da flexibilização e do utilitarismo

para explicar a realidade do professor nas IES privadas. A narrativa jurídica

analisada nesta parte, dentre outros aspectos, revela uma situação em que as horas

de trabalho docente diminuem juntamente com a redução da remuneração, ao

tempo que as condições de trabalho se intensificam.

Trabalho extraordinário não remunerado

Sobre a questão das horas extraordinárias de trabalho, iniciemos pela leitura

da seguinte citação de argumentação do reclamante:

“9.1 O pagamento das horas trabalhadas a mais, é um direito do trabalhador e,

reconhecido como está expresso na ementa do Acórdão prolatado no processo

TST, como se constata pela sua transcrição:

“EMENTA- HORAS EXTRAS. PROFESSOR. ATIVIDADE EXTRACLASSE.

1. O labor do professor em prol do educandário não se exaure na tarefa

em si de lecionar em sala de aula. Também compreende inúmeras atividades

extraclasse, seja na correção de provas e na avaliação de trabalhos, seja no

controle de freqüência e registro de notas, estes cada vez mais exigidos do

professor, em nome da economia de custos com pessoal da área administrativa.

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2. Reputa-se tempo de serviço efetivo, à luz do Art. 4º, da CLT, inclusive

para efeito de horas extras, a atividade extraclasse comprovadamente realizada

pelo professor e cuja execução deriva de determinação do empregador ou da

própria natureza do magistério.

9.2 O Art. 69, parágrafo único, do Decreto N. 5.773/2006, que trata

exclusivamente da educação superior, joga uma pá de cal nas alegações da

reclamada, senão, veja-se por sua literalidade: Art. 69.

Parágrafo único, O regime de trabalho docente em tempo integral compreende a

prestação de quarenta horas semanais de trabalho na mesma instituição, nele

reservado o tempo de pelo menos vinte horas semanais para estudos, pesquisa,

trabalhos de extensão, planejamento e avaliação (grifou-se).”

9.3 Como se constata, pela literalidade do dispositivo legal em questão, cinquenta

por cento da carga horária semanal docente devem ser destinados a estudos,

pesquisa, trabalhos de extensão, planejamento e avaliação.

9.4 Não se argumentar que tal destinação é reservada apenas aos docentes de

tempo integral, pois que os demais desenvolvem as mesmas atividades e sobre

eles recaem as mesmas responsabilidades.” (BRASIL, SINPRO- GO, 2010:

processo 762/2009, Petição TRT 18º N. 049510-2/2, p. 4-5)

A citação acima, além de explicitar as reivindicações do docente em

demanda trabalhista, com relação às horas de trabalho extraclasse não remunerado,

manifesta a interpretação do reclamente sobre a lei infringida. Concomitantemente,

apresenta indícios de haver ampla recorrência da questão da sobrecarga de trabalho

imputada ao professor, especificamente quanto ao desempenho de atividades não

relacionadas à docência. Isso é exemplificado pela transcrição do argumento que

enfatiza que tal trabalho extraordinário é cada vez mais exigido dado a “economia de

custos com pessoal da área administrativa” (op cit. p. 5). Em outro trecho do mesmo

processo, a questão do trabalho extraordinário foi argumentada da seguinte forma:

“5 Do não pagamento das reuniões extraordinárias

5.1 “De janeiro de 2004 até o final de 2005, a reclamante fora convocada para

reuniões acadêmicas, mensais, com a duração média de 2 (duas) aulas, fora de

seu horário normal de trabalho, e pelas quais, jamais recebera qualquer

importância, em flagrante violação ao disposto no Art. 7º, inciso XVI, da

Constituição Federal, e na Cláusula 4ª, das Convenções Coletivas de Condições

de Trabalho que vigeram durante tal período.” (op. cit, p.3)

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A transcrição acima evidencia a existência de realização de trabalho

extraordinário pelo professor, fora do horário normal de trabalho, e que não é

remunerado. Esse tipo de reivindicação, conforme se mencionou em tópicos

anteriores, foi identificada em outros processos não somente com referência às

horas extras de aulas ou de participação em reuniões não pagas, mas em outras

atividades extras como: atividades de dedicação a pesquisa e orientação. Ademais,

também identificadas argumentações e pedidos referentes a outras atividades extras

realizadas via internet como, por exemplo, orientação de trabalhos acadêmicos

correntes e orientação de trabalhos de final de curso. Vejamos na narrativa abaixo

uma referência a utilização da internet no trabalho de orientação de discentes:

“9.1 Mais uma vez, a reclamada nega a realidade, com o fim de se beneficiar, por

meio de trabalho gracioso. Ao contrário do que afirma, as orientações jamais

tiveram lugar durante o horário de aulas, sempre ocorriam após o final dessa na

sede dela e pela internet.”(BRASIL, SINPRO-GO, processo 2289/08, Petição

TRT 18º N. 206544-2/2)

Há que se pontuar que o trabalho desenvolvido pelo professor via

internet45, como o de orientação a alunos é uma realidade cada vez mais presente

no cotidiano do mesmo. E apesar de significar a extensão do trabalho, invadindo

cada vez mais suas horas de lazer e descanso (DEJOURS, 2003), sequer é

cogitado na legislação para o computo de sua remuneração. Outro caso relativo à

questão do trabalho extraordinário do professor pode ser exemplificado conforme a

sentença judicial que segue:

“Hora extra - atividades Externas

[...] que a coordenação tem conhecimento da realização desses eventos quando

eles são realizados; [...] que cada professor organiza a sua VT (verificação de

trabalho), conforme achasse conveniente [...] Causa estranheza o fato de a

reclamada recusar-se remunerar um professor que busca, por sua própria

iniciativa e em conformidade com a política da instituição – proporcionar ao aluno

uma maior qualidade de ensino [...] Ainda, a testemunha apresentada pela

empresa, como visto, admitiu que havia competições externas inseridas nas

45Não se pretende aqui, aludir que a internet represente primordialmente uma forma de precarização do trabalho do professor, pois em grande medida a tecnologia da informação tem facilitado o trabalho docente possibilitando-lhe ganho de produtividade e de tempo. Mas nem por esse motivo, as horas trabalhadas na internet deixam de ser horas não remuneradas, além de representar maior invasão das atividades da função docente no cotidiano do professor, significando, portanto, também mais trabalho não remunerado.

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atividades da instituição; e a reclamada não impugnou especificamente a alegação

de que a reclamante participara dos eventos listados no item 5.2 (fls. 05/06), nem

produziu prova de que havia alunos de outras instituições nesses eventos (artigos

818 da CLT, 302 e 333, I, do CPC). Defiro, pois, trinta e nove horas

extraordinárias, com adicional de 50%, pela participação nas atividades listadas no

item 5.2 (fls. 05 e 06).” (BRASIL, SINPRO-GO, 2010: processo 2289, Petição TRT

18º N. 02289-008, p. 5- 7).

No caso acima, a argumentação do juiz fundamenta a sentença

favoravelmente ao docente, e evidencia o esforço do mesmo em desempenhar seu

trabalho com a preocupação de elevar o nível de qualidade do ensino. Salienta-se

que o docente em IES privadas, não raras vezes, mesmo em condições adversas se

esmera no cumprimento de sua função docente, até para suprir as deficiências

estruturais de instituições em que presta seus serviços, principalmente nas

instituições de menor porte. Entretanto, conforme é indicado na narrativa em análise,

nem sempre há reconhecimento, financeiro ou de qualquer outra natureza, do seu

trabalho empenhado.

Em suma, o trabalho extraordinário para o caso do professor se apresenta

por mais de um motivo como um fator de precarização das condições de trabalho do

docente em IES privada. Em primeiro lugar, por que necessariamente implica em

alongamento da jornada de trabalho. Segundo, porque dado a submissão do

docente aos condicionamentos que a IES privada impõe, nem sempre o trabalho

extra é remunerado. Em terceiro lugar, pelo fato de que algumas atividades docentes

não são contadas, e nem sequer identificadas como extensão das horas em salda

de aula como, por exemplo, a orientação via internet não é reconhecida em lei, e,

portanto, também não é remunerada e nem tão pouco reivindicada.

Férias e descanso não remunerado

A elevação da carga de trabalho, conforme observou Rosso (2008), se

expande com características diferenciadas por ramos de atividades diferentes

produzindo efeitos sobre os corpos dos trabalhadores:

“Seja por meio da explosão tecnológica da informática, seja por meio da

reorganização social, o trabalho é transformado, redesenhado, precarizado,

intensificado. Das especificidades próprias do trabalho contemporâneo parece

resultar um conjunto de problemas de saúde de natureza diversa. Em decorrência

das crescentes exigências emocionais e mentais do trabalho, supomos que seria

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possível encontrar sinais de um volume maior de problemas dessa ordem sobre a

saúde do trabalhador” (Rosso, 2008, p. 136)

Fato é que as exigências sobre o trabalho do professor afetam diretamente a

sua qualidade de vida. Para o caso do docente em IES privadas, essas imposições

relacionam-se a exigências quanto a horário, formação, informação, nível de

instrução e titulação, experiência, conhecimentos teóricos e práticos, publicações, e

também a cobrança tácita ou explicita de adaptação à ideologia da empresa no trato

com seus clientes, neste caso, os discentes das instituições particulares. Nesse

aspecto, recorre-se a Dejours (2003) onde o mesmo explica que para o trabalhador

existe o sofrimento daqueles que temem não satisfazer as imposições da

organização do trabalho.

Nesse tocante, entende-se que qualidade de vida e saúde são questões

amplamente interrelacionadas, já que a definição de saúde contempla o uma

condição de bem-estar físico, mental e social, conforme a Organização Mundial de

Saúde (JÚNIOR, 2005), ou seja, inclui o bom funcionamento do corpo, sensação de

bem estar espiritual e social. Conforme Pereira (2010), a qualidade de vida no

trabalho explica-se pela forma como o sujeito se relaciona com o ambiente externo e

consigo mesmo, equilibrando as influências e as forças de ambos. Desse modo, a

qualidade de vida no trabalho expressa as transformações que regem as relações

de trabalho na sociedade contemporânea e que afetam a saúde. Para Rosso (2008),

os efeitos sobre a saúde da classe trabalhadora extrapolam a questão física se

manifestando também na saúde mental. Esse autor lembra que para o entendimento

desta questão, no caso brasileiro, são necessárias pesquisas que se voltam ao

contexto atual do trabalho, entendendo que este contexto “recebe influências das

formas sofisticadas de acumulação flexível [...] imprimindo uma ideologia que

justifica como naturais e inerentes às situações certas transformações na realidade

de trabalho” (MENDES et al, 2002 apud ROSSO, 2008, p. 139) que, na maioria das

vezes, de forma perversa potencializam os riscos à saúde do trabalhador.

Os “sinais de problemas sobre a saúde do trabalhador” aludidos por

Rosso, são exemplificados no trabalho do professor através da pesquisa de Pereira

(2006). Tal pesquisa indica que tais problemas que podem acometer docentes em

IES privadas, um deles poderia ser o adoecimento ocasionado por pressões

cotidianas de maiores cobranças e exigências, em parte devido às transformações

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do mundo do trabalho que campeiam no sistema de ensino superior privado. Dentre

estes adoecimentos, estaria o estresse (op Cit, p. 22). Assim define o estresse “como

o resultado da relação entre a pessoa, o ambiente e as circunstâncias que o cercam”

(CONTAIFER, et al, 2003 apud PEREIRA 2006, p.22) acarretando várias

consequências nocivas, dentre estas, a Síndrome de Burnout. Explica a autora que

essa síndrome se caracteriza pela exaustão emocional em função de estressores

ocupacionais46, salientando que as profissões atualmente mais afetadas por essa

síndrome são os policiais, enfermeiros e professores.

Diante disso, em face das maiores “exigências emocionais e mentais do

trabalho”, se expandindo também para o setor de serviços, e, por conseguinte, sobre

o trabalho do professor, supõe-se que o direito ao descanso deveria ser inviolável

em vista de significar uma forma de equilibrar o estado psíquico-fisiológico do

professor que, ao que tudo indica, se encontra ante as condições de trabalho

intensificado, e por diversos modos precarizado. Entretanto, o que se abstrai da

investigação sobre os processos é que nem sempre esse direito tem sido respeitado.

Tomando por base os processos pesquisados, com referência nos dados analisados

no tópico 2.2.3, chama à atenção a expressiva soma de reivindicações relativas à

questão do descanso remunerado, que podem ser exemplificadas na alegação

transcrita abaixo:

“6 Da Não concessão e do não pagamento das férias nas datas legalmente

devidas

6.1 A teor do que determina o Art. 145, da Consolidação das leis do trabalho –

CLT, as férias dos trabalhadores devem, obrigatoriamente, ser-lhes pagas com a

antecedência mínima de dois dias antes do início de seu gozo. [...] 11.2 Frise-se,

prefacialmente, que a reclamante nada confessou a esse respeito, nem poderia,

porquanto estaria praticando falsidade ideológica, uma vez que jamais gozou de

suas férias, pois, em tempo algum, recebeu-as, antecipadamente, consoante

dispõe o Art. 145, da CLT. [...] 11.3 (...) A prova documental inconteste, sem

desprezar a oral, pode ser obtida pelo cotejo, nos extratos bancários, dos

supostos meses de férias com as datas de efetivo pagamento delas (...)” (BRASIL,

SINPRO-GO, 2010: Processo 762/2009, Petição – 030869- 3/3, p. 4, 5)

46 O estresse ocupacional se daria em decorrência das tensões associadas ao trabalho e à vida profissional, originando-se de dois fatores: 1- individuais ( do empregado), relacionando-se a atitudes, valores expectativas, preocupações, conhecimento; 2- organizacionais (da empresa), relacionando-se a estilos de liderança, reconhecimento, higiene e segurança, relações humanas e ambiente físico. (PEREIRA, 2008).

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O trecho acima indica a violação do direito preposto do docente em dois

sentidos: o primeiro referente a não remuneração do descanso do professor em

tempo hábil, ou seja, enquanto o docente está em pleno exercício da atividade,

portanto, representando um desfalque no seu rendimento previsto. Nesse caso, a

falta da remuneração em expectativa, em boa medida, pode implicar em dificuldades

de manutenção do padrão de vida e, por consequência queda na qualidade de vida.

O segundo está relacionado diretamente à supressão do direito a um período

sabático, ou melhor, de afastamento do trabalho para reordenamento das condições

físicas e principalmente mentais, dado a peculiaridade do trabalho acadêmico, numa

reposição de forças necessária a condições equilibradas de recomeço da nova

jornada.

Em suma, apreende-se que a posse dos direitos ao descanso remunerado

pelo professor, representa a viabilização do restabelecimento físico e psicológico

necessário a satisfação pessoal, qualidade de vida e também satisfação no

desempenho do trabalho. Entretanto, conforme se pôde depreender da pesquisa a

partir das reivindicações quanto a férias, recesso ou descanso remunerado, é que

há indícios de que tais direitos salutares podem não estar sendo considerados como

deveriam.

Direitos de seguridade social, previdenciários, salariais e de verbas

rescisórias

Muito embora reivindicações sobre seguridade social, previdência,

questões salariais sejam recorrentes em qualquer tipo de demanda trabalhista,

chamou a atenção a reincidência desse tipo de reivindicação na amostra de

processos analisados. Essa constatação leva ao seguinte questionamento: esse tipo

de reivindicação segue uma tendência corriqueira ou mesmo cultural de conflitos

trabalhistas ou ocorre proporcionalmente ao afrouxamento da regulamentação do

Estado sobre as relações trabalhistas?

Seguindo as pistas que possam contribuir para uma resposta a este

questionamento, é preciso ressaltar que para todos os pedidos identificados nas

demandas trabalhistas havia, explicita ou implicitamente, uma legislação

relacionada. Melhor explicando, independentemente da interpretação e decisão

judicial, mediante ao processo de comprovação, a reivindicação se ancorava num

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aparato legal instituído. Mediante essa constatação, pode-se inferir que muito

embora, os diversos aspectos que norteiam as relações e condições trabalhistas,

possam ser regulamentados por predisposições já contempladas nas legislações

trabalhistas, é possível inferir que a prática dos empregadores no ensino superior

privado é a de negligenciamento a esses direitos. Isso pode ser exemplificado na

narrativa das transcrições que seguem.

“3.4 É consabido que os direitos dos docentes, no âmbito da iniciativa privada, são

regidos pelos Art. 317 a 323, da CLT, pela Lei N 605/49 e pela Súmula 351, do

colendo TST.

3.4.1 A teor do que estipula o Art. 320, caput e Parágrafo 1º, da CLT, combinado

com o 7º, da Lei N. 605/49 e com a base na carga horária semanal, multiplicada

por 4,5 semanas, acrescidas, cada uma delas, de 1,6, a título de repouso semanal

remunerado.

3.5 Pois bem, a reclamada, de forma ilegal, ao arrepio dos dispositivos legais e

jurisprudencial retrocitados, não considera e não remunera consoante os seus

comandos os docentes que ministram o estágio supervisionado, do curso de

fisioterapia, fazendo-o, tão somente, quanto aos das demais disciplinas.” (BRASIL,

SINPRO, 2010: 988/2009 - Petição TRT 18ª 052214- 3/3)

O trecho acima explicita uma forma de supressão do direito do docente

por parte da instituição que não remunera de forma justa e equitativa, conforme

preposto legal, professores que exercem o mesmo tipo de atividade. Não obstante

ao floreamento que o reclamante possa ter dado à questão, o que chama atenção,

neste ínterim, é o indicativo da possibilidade de as IES privadas estarem se

aproveitando das dificuldades do Estado - ou da já aludida flexibilização e pretensa

desregulamentação - em acompanhar com maior acuidade as condições e relações

trabalhistas no cotidiano. Essa forma de atuação das IES intentam, explicitamente,

subverter os direitos dos docentes, transformando-os em saldo de caixa, mesmo que

temporário, para as instituições. Isso, pelo menos até que a justiça, em alguns

casos, os restitua ao professor, conforme se pode observar pela sentença abaixo.

No exemplo que segue, direitos básicos tais como o de Fundo de Garantia por

Tempo de Serviço (FGTS) e remuneração pela força de trabalho despendida e suas

diferenças salariais reflexas tiveram que ser resgatados através da justiça do

trabalho.

“DAS DIFERENÇAS SALARIAIS

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[...] Assim, a empresa é livre para organizar sua atividade econômica, inclusive

agrupando turmas, porém, nos termos do artigo 468 CLT, não poderá reduzir a

remuneração dos professores senão nas hipóteses descritas. [...] Tal ônus cabe a

ré, por se tratar de fato modificativo do direito da autora (CPC, artigo 333, II). Este

ônus da reclamada decorre ainda do Princípio da Aptidão para a Prova [...] Como

a requerida não produziu a prova documental indispensável para provar a licitude

[...] defiro o pedido de diferenças salariais, a partir de setembro de 2005, assim

como seus reflexos em aviso prévio, 13º salários, férias acrescidas de 1/3, FGTS e

indenização de 40% do FGTS.” (BRASIL, SINPRO, 2010: processo 00926 2009)

Fato é que o descumprimento das obrigações contratuais pela reclamada

foi a prática mais identificada nas demandas trabalhistas pesquisadas no SINPRO-

GO. Sendo que, das reivindicações, as mais reincidentes foram as relativas à

seguridade social47. Com base no Artigo 194, 201 e 203 da Constituição Federal de

1988, “a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa

dos poderes públicos e da sociedade, destinados a assegurar os direitos relativos à

saúde, à previdência e a assistência social”. A esses se relaciona as reivindicações

relativas ao não depósito do FGTS foi, conforme observado na Tabela 3.1, o

identificado com maior recorrência nos processos. Essa é uma contribuição que

decorre da relação de trabalho e constitui saldo de conta vinculada. Conforme

Sussekind (1996), individualmente, o FGTS é um crédito trabalhista resultante da

poupança forçada do trabalhador, com a finalidade de socorrê-lo em situações

excepcionais, durante a vigência do vínculo empregatício ou na cessação do

mesmo. Portanto, não menosprezando os demais, é um direito essencial para

garantir o bem estar do docente em momentos de dificuldades, não podendo passar

ao largo a possibilidade de sua não obtenção. Além de tudo, representa uma

“poupança forçada” do próprio trabalhador, e por assim dizer, um sacrifício durante

todo o período contratual que fortalece o caráter de injustiça caso não haja a sua

posse. As narrativas a seguir servirão para ilustrar o tratamento às demandas sobre

os direitos em questão na justiça do trabalho:

“III DO DESCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS PELA RECLAMADA

47 Instituído no Brasil aos moldes do que é recomendado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), se “caracteriza como um sistema de proteção social que a sociedade proporciona a seus membros, mediante uma série de medidas públicas contra as privações econômicas e socais que de outra maneira provocariam desaparecimento ou forte redução dos seus rendimentos em consequência de enfermidade, maternidade, acidente de trabalho, enfermidade profissional, emprego, invalidez, velhice e morte, bem como de assistência médica e de apoio à família com os filhos” (Brasil, 2010).

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4 DA FALTA DE ANOTAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO NA CTPS

4.1 Apesar de viger, ininterruptamente, de 26 de outubro de 2007 a 30 de março

de 2008, o contrato de trabalho da reclamante não foi anotado na sua CTPS,

sendo que, como consequência, não se recolheu as contribuições previdenciárias

devidas, quotas-parte da empresa e do empregado, nem se efetuou o depósito do

FGTS. Aliás, sequer se abriu conta vinculada em seu nome.” (BRASIL, SINPRO-

GO, 2010: Processo 1951/2008, Petição TRT 18ª 103531-3/3, p. 2)

Sentença de outra demanda:

“Assim, defiro à autora o pagamento da remuneração relativa ao período de

março/2006 a maio/2007, no qual permaneceu à disposição da reclamada, à

exceção da parcela denominada “aula magna”.

Deverá a reclamada, ainda, efetuar o recolhimento do FGTS, acrescido da multa

de 40% sobre o valor apurado com posterior liberação.” (BRASIL, SINPRO-GO,

2010:, Petição TRT 18ª 00956 2009)

A partir do exposto, é válido ressaltar que as reivindicações constatadas

na amostra de processos trabalhistas recaem com maior incidência sobre direitos já

consagrados na legislação trabalhista. Ou seja, segue um perfil, por assim dizer,

clássico de reivindicação, uma vez que os pedidos têm expectativa de certo respaldo

legal preexistente. Além disso, há que se ter em mente que a amostra analisada traz

apenas indicativos sobre relações e condições de trabalho do docente em questão,

representando apenas os professores que buscaram o SINPRO-GO para questionar

sobre seus direitos.

Não obstante, a partir das informações levantadas, embora não se possa

afirmar que está em processo a desregulamentação dos direitos trabalhistas em

função da flexibilização propositada dos mesmos por parte do Estado, há indicativos

de que possíveis deficiências de fiscalização preventiva nas relações trabalhistas, no

âmbito das IES privadas, favorecem ao negligenciamento aos direitos do docente.

Nisso sim, pode-se inferir do afrouxamento atinente a função regulamentadora do

Estado.

Os dados tabulados permitem inferir também que, para a maioria dos

professores, os direitos relacionados a partir dos processos pesquisados, que são

garantidos pela Constituição Federal (CF) e pela Consolidação das Leis trabalhistas

(CLT), seriam subtraídos caso não fosse reivindicados via intervenção da Justiça do

Trabalho.

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Concluindo sobre as análises das narrativas jurídicas pinçadas dos

processos trabalhistas, observa-se que as mesmas serviram primeiramente para

ratificar e exemplificar tanto o trato jurídico às relações de trabalho docente, quanto,

especialmente evidenciar outras questões que imprimem precaridade na condição

de trabalho docente. Nesse sentido, diversos foram os indicativos de desvalor e

precarização do trabalho docente pela supressão de direitos, perpassando

condicionantes de afetação tanto física quanto mental que podem prejudicar o bem

estar docente. Condicionantes estes diretamente imbricados com o

negligenciamento dos direitos, tanto por parte do empregador, quanto por parte da

ausência de fiscalização prévia do Estado e, porque não dizer também, da

representatividade sindical.

Importante observar que o negligenciamento à legislação trabalhista

subsume também um condicionante de caráter moral: fato é que as exigências e

cobranças que se traduziram em pressões sobre o trabalho docente parecem ter

acuado o mesmo no tocante às reivindicações que se concentraram nos direitos já

consagrados na legislação trabalhistas em detrimento de reivindicações que

buscassem a melhoria das condições de trabalho. Neste caso, percebe-se uma

respectiva interrelação entre a ação docente e o enfraquecimento sindical. Com a

recondução de propósitos da força sindical, conforme já mencionado, num processo

reflexivo, se o filiado não reivindica a representação sindical, também não se

mobiliza. De tal modo, as informações obtidas a partir da pesquisa nos processos

trabalhistas pesquisados no SINPRO-GO, devem ser tomadas apenas como extrato

de uma realidade das condições de trabalho docente em IES privada que aparenta

ter problemática bem mais aprofundada.

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CAPÍTULO 4: RELAÇÕES E CONDIÇÕES DE TRABALHO DOCENTE EM CONTEXTO DE MERCANILIZAÇÃO DO ENSINO: A OPINIÃO DO PROFESSOR

No capítulo anterior, dentre outros estudos, dedicou-se a fazer uma

verificação das condições de trabalho do professor a partir das demandas sobre

relações de trabalho de docentes em IES privadas. Porquanto, este capítulo se

reserva à tarefa de tirar a contraprova das informações e inferências abstraídas da

revisão bibliográfica contemplada no primeiro capítulo e principalmente da análise

dos autos dos processos realizada no capítulo anterior. Aqui, pretende-se orientar a

argumentação sobre as suposições suscitadas por meio da pesquisa qualitativa

junto aos docentes de IES privada, ainda, sob a luz das teorias que versaram sobre

a discussão em pauta. Desse modo, a intenção é a de seguir as pistas que sinalizem

respostas à questão problema: o escopo mercantil do ensino superior privado em

Goiás intensifica a precarização das relações e condições do trabalho docente

universitário desse meio?

Ante a tal propósito, a análise dos dados obtidos a partir da visão do

docente sobre a questão, será realizada conforme a seguinte sequência: num

primeiro momento, será feita uma abordagem quanto aos modos de gestão no

interior das IES privadas, avaliando-se possíveis sobreimplicações destas gestões

sobre o trabalho do professor neste meio; em segundo momento, a representação

sobre as relações e condições do trabalho docente sob a ótica do professor será

analisada a partir das tabulações estatísticas.

4.1- Velhas e novas práticas de gestão: sobreimplicação no trabalho

docente

De forma a contribuir para o entendimento de como as determinâncias do

macrocosmo, dentre elas, o processo de mercantilização do ensino afeta a as

relações e condições do trabalho docente, faz–se a seguir uma breve incursão sobre

os aspectos da gestão do ensino nas IES privadas.

Antecipando o a abordagem dos resultados da pesquisa qualitativa,

salienta-se que a falta de respostas não consensual dos entrevistados, podem estar

relacionadas à forma de gestão das IES pesquisadas. Alguns autores –Dourado,

2002; Fonseca 2008; Mancebo, 2007; Pereira, 2006 – consideram que o modelo de

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mercantilização do ensino e seus instrumentos estratégicos, passaram a partir da

década de 1990, a serem encampadas nas gestões de IES públicas. Porém, com

base na literatura que aborda a questão – Adriolli, 2006; Bosi, 2007; Catani, 2001;

Fonseca 2001, Gentilli, 1996; Mancebo, 2009; Sucupira, 2005 – percebe-se

indicativos mais claros de efeitos e arraigamento do modelo mercantil nas redes de

ensino superior privado. Diferenciado dos objetivos de ‘ensino, pesquisa e extensão

da gestão’ que são os orientadores da gestão na IES pública, a gestão na IES

privada será conduzida com foco nos objetivos que norteiam o capital empresarial48:

lucro e, em certos casos, expansão. Tornando-se indispensável para tanto, a

utilização de meios que viabilizem esses objetivos, quais sejam, técnicas de gestão

que racionalizem e otimizem a aplicação do capital em observância às modificações

e tendências de mercado, e ao comportamento das empresas concorrentes.

Explica-se que o modo de gestão pode implicar em maiores ou menores

exigências e pressões sobre o trabalho docente. De modo geral, as pressões podem

aumentar quando se observam a utilização das tradicionais técnicas, seguindo

propostas taylorista e fordistas, combinadas com modernas técnicas de

administração que se baseiam no modelo toyotista. Quanto às propostas tayloristas

e fordistas, pode-se tomar como exemplo o maior controle do tempo e da quantidade

de conteúdo a ser ministrado, no ambiente de IES privada. Já no tocante ao modelo

toyotista (ou outras recentes técnicas de gestão do trabalho), sinais de exigências

quanto à polivalência, versatilidade e flexibilidade do professor, foram empiricamente

observados nas IES privadas em Goiás, suscitando a investigação via pesquisa

qualitativa. Identifica-se como inserido no contexto da flexibilidade, dentre outros

48 Levando em conta a necessidade de reavaliação sobre o modo de gestão do ensino em respeito às suas peculiaridades e características que, explicitamente são diferentes de produtos industriais tangíveis e manuseáveis, observa-se indicadores de que certas estratégias de administração dos empreendimentos em ensino superior privado se apresentam idênticas às conduzidas em empresas industriais. Essa constatação pode ser elucidada ao modo como explica Anita Kon: “As firmas capitalistas, como visto nos capítulos anteriores, constituem um lugar central de acumulação de capital e, neste sentido, são constantemente impulsionadas à procura de novas oportunidades de crescimento da produção e de aplicação do capital acumulado. Neste processo, as estratégias de crescimento e ampliação de mercados são elaboradas através da inovação tecnológica – seja instituindo novas técnicas para produção de um mesmo produto, seja através da introdução de novos produtos – e do esforço de vendas através de campanhas promocinoais na busca de ampliação de mercados.” (Kon, 2004, p.83). Ressalta-se que para o caso das IES privadas o produto é o ensino, traduzido no formato de cursos oferecidos pela instituição. As “campanhas promocionais” podem ser identificadas tanto na estratégia de preços, na propaganda veiculada na mídia, quanto nos mecanismos internos de manutenção do alunado, estes nem sempre orientados pelo real busca de qualidade do ensino, mas pelo efeito de marketing do argumento.

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aspectos já mencionados, as exigências ao professor no tocante a adesão e

aplicação de princípios de qualidade total, bem como, a cooperação em estratégias49

para conquista e fidelização do consumidor, no caso, o discente.

Conforme Mancebo (2007), para o trabalhador, de modo geral, a

flexibilidade do padrão toyotista pode trazer vantagens, pelo menos, no tocante a

contraposição rotina-controle fordista. Justifica-se que a flexibilização tem como

pano de fundo para uma mobilidade eficiente, o fim do horário regular de trabalho, o

uso do tempo parcial e o trabalho temporário em subcontratos. Depreende-se que,

em tese, esse modelo favoreceria a uma relativa liberdade do trabalhador.

Entretanto, os efeitos agregados para a os trabalhadores como um todo, segundo

aquela autora, são decisivamente negativos em função dos novos ritmos e

exigências impingidos sobre o trabalhador. Desse modo, é factível interpretar que as

condições do trabalho docente em questão é agravada uma vez que pesa sobre ele

a sobreimplicação, em maior ou menor medida dependendo da instituição, da

utilização de ambas as técnicas de gestão.

Silva (2008), em uma pesquisa em IES privadas em Goiás, traz

indicadores que ratificam a argumentação sobre as diferentes técnicas de gestão

utilizadas nesse setor, vejamos:

“Além da diferença de preços das mensalidades e consequentemente do público

estudantil a que se dirigem, cumpre notar que as Faculdades Padrão e Alfa

possuem tipos de gestão bastante diferentes. A Faculdade Padrão adotou um

modelo de gestão familiar centrado na figura de seu proprietário mantenedor,

aproximando-se do que Weber chama de Dominação tradicional. A Faculdade

Alfa, por sua vez, não obstante se apresentar como um empreendimento familiar,

estruturou-se de forma muito mais burocrática do que a faculdade Padrão,

assumindo, portanto as feições de Dominação Legal [...]” ( SILVA, 2008, p. 214)

Das múltiplas tecnologias de gestão aplicadas, nota-se que a utilização da

estratégia de preços pode caracterizar o modelo de gestão tradicional50. Porém, o

autor destaca também que ambas as instituições se caracterizavam pelo modelo de 49 Dentre essas técnicas, a partir da observação empírica, pode-se considerar que haja nas IES privadas certa condescendência, ou melhor, menor nível de exigências didático-pedagógicas em relação às obrigações dos discentes.

50 Segundo Silva (2008) a diferença de preços das mensalidades entre as instituições citadas era de 39,28% em relação ao curso de Administração de empresas, de 16% em relação ao curso de Direito, de 31,13% em relação ao curso de Pedagogia e de 32,38% em relação ao curso de Ciências Contábeis, à época de sua pesquisa.

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direção familiar51, com a diferença de que, numa delas, as técnicas de gestão

moderna foram identificadas dado à estrutura burocratizada.

Numa análise relacional sobre preços de mensalidades e condições de

trabalho do professor, é preciso observar que mensalidades mais baixas suscitam,

ou tornam exigíveis, outros mecanismos de gestão visando à diluição dos custos da

estrutura organizacional montada, sob pena da empresa não obter o retorno

esperado. Tais mecanismos podem contemplar, por exemplo, a opção por

composição de salas mais cheias, por junção de turmas, ou mesmo, por redução do

valor da hora/aula do professor. De outro modo, a estratégia de mensalidades mais

elevadas, naturalmente também suscitam formas mais aprimoradas de gestão para

otimização da aplicação do capital e condução do negócio, principalmente primando

pela qualidade, mesmo que se apresentem apenas enquanto estratégia de

marketing para justificar o preço e manter a procura, em vista da concorrente praticar

preços mais baixos. Para a opção de mensalidades elevadas, também nada impede

que as mesmas estratégias de diluição de custos supracitadas sejam aplicadas.

Desse modo, mesmo havendo heterogeneidade na condução do empreendimento

nos aspectos aqui mencionados, como a finalidade das IES privadas é o lucro,

parece ser inevitável que as estratégias administrativas acabem pesando, de algum

modo, sobre o maior esforço, adequação e sacrifício do trabalho docente, e, em

última análise, prejuízos ao aprendizado do alunado.

51 Com a finalidade de ilustrar aspectos da gestão familiar, bem como, o caráter mercantil imprimido na gestão do empreendimento educacional de ensino superior privado, faz-se a transcrição do relato de Silva (2008) sobre sua entrevista aos proprietários de duas IES privadas de Goiás: “[...] O proprietário da Faculdade Padrão, conforme sua fala em entrevista a essa pesquisa, é proveniente das camadas populares, sendo (sic) engraxate e vendedor de sabão “de bola” nas ruas de Goiânia para depois cursar Direito, tornar-e funcionário técnico-administrativo da Universidade Federal de Goiás, montar seu próprio negócio, o Colégio Padrão, e se tornar o proprietário de uma das instituições de educação superior que mais cresceu nos últimos anos em Goiás. Os mantenedores e proprietários da Faculdade Alfa, por sua vez, já se encontram estruturados enquanto grupo empresarial há cerca de 45 anos no mercado da indústria e do comércio não apenas em Goiás, mas no Brasil como um todo. Esse grupo foi proprietário da atacadista Alô Brasil, que foi por vários anos a maior atacadista da América Latina. Atualmente, além da Faculdade Alfa, o grupo é um dos franqueadores da coca-cola (sic) no Brasil, possuindo franquia para produzir e distribuir essa marca nos Estados de Goiás e Tocantins. São proprietários ainda dos Refrescos Bandeirantes, empresa esta responsável pela fabricação da coca-cola (sic), de uma empresa envasadora de água (Acqua Lia), de uma empresa de produção de vasilhames, de uma empresa de rastreamento de cargas (em São Paulo) e de uma empresa de criação de Softwares, além de outras empresas em fase de criação na área de construção civil e na área de venda, revenda e locação de automóveis. Note-se que essas informações foram repassadas pela Diretoria acadêmica da Faculdade Alfa.” (SILVA, 2008, p. 214)

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Rosso, em estudo sobre as IES privadas no Distrito federal, sinaliza uma

explicação para esse fenômeno de gestão heterogênea ao indicar que a forma de

condução da gestão do ensino superior privado é um processo que ainda está em

vias de implantação e consolidação. Além disso, segundo esse autor, inexiste “uma

teoria consensual de gestão do trabalho educacional que explicite as capacidades e

competências” (ROSSO, 2008, p. 176) de forma a orientar o teor e a intensidade das

exigências ao professor.

Silva (2008) enfatiza que embora os docentes de IES privadas em Goiás,

pesquisados por ele, tenham se mostrado bastante críticos em relação “à

massificação da educação superior, bem como em relação às condições de trabalho

do corpo docente desse nível de ensino, sobretudo daquelas pertencentes ao setor

privado” (op cit, p. 211), tais docentes consideravam o processo de privatização

necessário, por entenderem que o poder público não consegue suprir a demanda

por ensino superior no país. Mas, não por esse motivo, deixam de perceber que há

falta de compromisso com aprendizagem e também excesso de cobranças para com

os docentes, compreendidos como excesso de burocracia52, por parte deste tipo de

instituição.

Mediante o exposto, é preciso frisar a constatação de que a diversidade

de mecanismos utilizados na gestão das IES privadas não só se traduz em um

fenômeno heterogêneo (ROSSO, 2008, SILVA, 2008) de complexidade relevante,

mas, principalmente, resulta em igual multiplicidade de condicionantes sobre o

trabalho docente.

Resumindo, certamente, as diferentes situações vivenciadas pelos

docentes no interior das instituições em que trabalham devem suscitar uma visão

multivariada sobre suas condições cotidianas. No entanto, mesmo não tendo sido

encontrado unanimidade de respostas a nenhum dos quesitos pesquisados neste

trabalho, o que se observa é uma considerável frequência de alinhamento de

52 A pesquisa de Silva (2008) elucidou duas visões que o docente possui sobre a IES privada em Goiás, valendo a pena também, transcrevê-las aqui: “A visão dos professores da Faculdade Padrão acerca da Instituição em que trabalham tendeu a ser bastante negativa. Criticaram principalmente a postura arbitrária de membros da coordenação e direção da instituição e a falta de compromisso com a aprendizagem por parte do alunado. Os professores da Faculdade Alfa, por sua vez, avaliaram a instituição em que trabalham de forma mais positiva, salientando principalmente a transparência da missão e dos objetivos da instituição em que trabalham. Alguns professores da Alfa que concederam entrevista, no entanto, criticaram o excesso de burocracia em termos de prazos de entregas de notas, relatórios, etc. Além disso, criticaram o fato de que os dirigentes dão mais voz aos alunos do que aos professores”.

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114

opiniões sobre as relações e condições de trabalho docente, conforme se verá na

análise subsequente.

4.2 - Representação das relações de trabalho a partir da visão do

professor

De modo geral, a representação sobre as relações e condições de

trabalho do professor, nesta pesquisa, traz resultados confluentes com o que já foi

identificado em outras pesquisas que trataram sobre a temática tanto em Goiás

quanto em outros Estados e regiões do País. Não obstante a isso, seria pouco

coerente encampar a temática do trabalho do professor, sem considerar o olhar do

sujeito pesquisado. Uma vez que se critica políticas massificadoras no campo da

educação, não considerando as diversidades, bem como o saber dos professores

sobre suas realidades locais, seria negar possibilidades de se vislumbrar alternativas

para a resolução da problemática. Nesse sentido, é válido citar Shiva (2003):

“As alternativas existem, sim, mas foram excluídas. Sua inclusão requer um

contexto de diversidade. Adotar a diversidade com uma forma de pensar, como

um contexto em ação, permite o surgimento muitas opções.

Embora essa autora tenha analisado um tema de natureza diferente do

deste trabalho (biodiversidade), vários pontos de sua análise podem ser aplicados

ao contexto da educação superior atual no País, principalmente em relação às

interferências do capital global sobre a economia, cultura e sociabilidade locais.

Mesmo porque ambas temáticas possuem alguns condicionamentos assemelhados

em relação às estruturas estruturantes, que de modo geral para as duas análises,

podem ser traduzidas como sendo o interesse do capital se sobrepondo às

necessidades sociais. De tal modo, considerando a diversidade nas realidades do

trabalho docente universitário em IES privadas em Goiás, analisemos a seguir suas

opiniões sobre alguns aspectos relacionados a seus contextos de trabalho.

Nível de exigências e cobranças sobre o trabalho docente

Para a identificação da percepção do professor sobre o nível de

exigências e cobranças, o mesmo foi indagado de modo a fazer um comparativo em

relação à época em que iniciou suas atividades como docentes em IES privadas.

Conforme os dados tabulados, 3 informaram terem iniciado na década de 1970,

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115

apenas 1 na década de 1990, 7 na década de 1990, e a maioria dos pesquisados,

36, afirmaram ter iniciado seus trabalhos na década de 2000. Além disso, 3

pesquisados não informaram a data de início.

Num comparativo das exigências e cobranças em relação à época de

início de suas atividades, para a maioria dos docentes 35 (71,4% dos entrevistados)

intensificaram-se as exigências sobre seu trabalho. Apenas 6 professores (12,2%)

indicaram que houve diminuição, e 7 professores consideram que as exigências são

iguais. Já sobre as cobranças, também 35 docentes (71,4%) disseram que são mais

cobrados que anteriormente, 13 (26,5%) disseram que não aumentaram as

cobranças.

Das formas de exigências apresentadas, conforme o Quadro 4.1, a

questão da versatilidade é a mais recorrente no âmbito das IES privadas

pesquisadas. Para efeito desta pesquisa, a versatilidade foi relacionada à prática de

atribuir à um mesmo professor a responsabilidade de ministrar disciplinas diferentes.

Essa prática pode ser relacionada, consoante as estratégias e finalidade das

instituições em evidência, quanto à redução de custos com folha de pessoal, uma

vez que se economizam custos de contratação. Em resposta semi-aberta, um

docente informou no questionário, que lecionar disciplina diferente é uma das

estratégias53 utilizadas pela instituição em que trabalha para punir descumprimento,

por parte dos docentes, às determinações dos gestores.

Os entrevistados indicaram em semelhante faixa de exigência, dado o

percentual de respostas do total de entrevistados, respectivamente, quanto à

flexibilidade de tempo, horário e dias de trabalho, 49%, polivalência, relacionada à

exigência de desempenhar atividades além da docência, 46,9%. Neste último caso,

conforme observação empírica, é possível vincular, por exemplo, tanto atividades

relacionadas a serviços administrativos, quanto de colaboração em eventos que tem

como objetivo o marketing da instituição, sob escopo de ação social (tanto junto aos

discentes matriculados quanto aos potenciais clientes, ou melhor, discentes). Trotes

solidários, maratonas, distribuição de doações e outros eventos do gênero podem

caracterizar essas formas de propaganda que exigem o trabalho do professor.

53 Outras estratégias seriam redução da carga horária e demissão.

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116

QUADRO 4.1

TIPOS DE EXIGÊNCIAS SOBRE OS DOCENTES EM IES PRIVADAS, GO, 2010

Exigências Respostas dos Docentes

(%) da Amostra Total (*)

Polivalência - desempenhar atividades além da docência

23 46,9

Versatilidade - ministrar disciplinas variadas

30 61,2

Flexibilidade - De tempo, horário e dias de trabalho

24 49,0

Competência e habilidade para ministrar “aula show”

11 22,4

Horas extras em atividades docentes remuneradas

4 8,2

Horas extras em atividades docentes não remuneradas

21 42,9

Horas extras em outras atividades acadêmicas remuneradas

6 12,2

Horas extras em outras atividades não remuneradas

13 26,5

De maior rigor em cumprimento de horários

20 40,8

De titulação

19 38,8

Não responderam

5 10,2

Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora.

Em seguida, em percentual aproximado, mas de forma decrescente,

identificam que há exigência também quanto à realização de horas extras em

atividades docentes não remuneradas (21 respostas, 42,9% dos entrevistados), de

maior rigor em cumprimento de horários (20 respostas, 40,8% dos entrevistados) e

exigência de titulação (19 respostas, 38,8% dos entrevistados).

É importante destacar que, ratificando a identificação de que o professor

está realizando horas extras que nem sempre tem sido remuneradas, observa-se

baixo número de respostas, média de 5 (10% para os itens: horas extras em

atividades docentes remuneradas; e horas extras em outras atividades

remuneradas. Cumpre ressaltar que o maior rigor em cumprimento de horários tem

correlação direta com a ampliação da burocracia identificada nas IES privadas em

Goiás, por Silva (2008), conforme já comentado anteriormente.

Perguntados se consideram tais exigências como normais, desumanas,

de exploração do trabalho, ou se seguem tendência de mercado, o maior percentual

de respostas entre essas categorias, indicam que a relação de trabalho tem sido

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117

baseada na exploração da força de trabalho do professor, conforme se pode

explicitar pela Tabela 4.1.

TABELA 4.1

DEFINIÇÃO DOS DOCENTES DE IES PRIVADAS QUANTO A EXIGÊNCIAS SOBRE O SEU TRABALHO, GO, 2010

Frequência Percentual

Normais 14 28,6

Desumanas 5 10,2

De exploração do trabalho 19 38,8

Seguem tendência de mercado 11 22,4

Total 49 100,0

Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora.

O sentido dado à questão da exploração do trabalho não foi diretamente

investigado junto ao docente. Entretanto, é factível inferir que ele pode estar

relacionando a exploração tanto à ampliação das exigências, quanto a outros

diversos condicionamentos observados, especialmente à questão do trabalho

realizado e não remunerado, ou em certos casos, não remunerado a contento,

conforme se verá adiante.

Avaliação e controle do trabalho docente

Considerando-se que um dos métodos de gestão racionalista tradicional é

o controle do tempo do trabalho, questionou-se aos entrevistados: Seu tempo de

trabalho é controlado via cartão de ponto?

Para essa questão, a grande maioria dos entrevistados (31) disse que

"sim", enquanto apenas 17 dos mesmos disseram que "não". Apenas um

entrevistado aludiu que existe outra forma de controle. Não se pode deixar de

salientar, ainda em oportuno tempo, sobre o despropósito que é controle do tempo

de trabalho do professor via cartão de ponto, uma vez que a natureza de seu

trabalho é de caráter intelectual. É claro que o registro das hora/aula ministradas

servem como parâmetro de identificação para questões de remuneração. Porém,

uma exigência excessiva quanto a esse tipo de controle serve também para ratificar

que a instituição despreza a força de trabalho que é realizada antes e após o horário

previsto de aulas de trabalho do professor na instituição. Ou seja, despreza ou no

mínimo menospreza o trabalho realizado em casa com planejamento e correção de

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118

atividades, com orientação via internet, ou mesmo no interior da instituição antes e o

professor ter batido o cartão de ponto.

Levando-se em conta que a avaliação do docente também é por

excelência uma forma de controle do trabalho, em semelhante proporção os

professores responderam sobre se seu trabalho era avaliado via relatórios

preenchidos por terceiros, conforme se pode verificar no Quadro 4.2:

QUADRO 4.2

RESPOSTAS DOS DOCENTES DE IES PRIVADAS QUANTO AO CONTROLE VIA CARTÃO DE PONTO

E VIA RELATÓRIOS RESPONDIDOS POR TERCEIROS, GO, 2010

Questões Número de entrevistados e percentual na amostra

Sim Não Outra forma

Não Sabe/

Não Respondeu

Controle via Cartão de

Ponto 31 (63,3%) 17 (34,7%) 1 (2,0%) -

Controle via relatório

preenchido por

terceiros

30 (61,2%) 13 (26,5%) - 6 (12,2%)

Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora.

Ainda, sobre o aspecto do controle do trabalho do professor, quando

perguntados se há alguma forma de punição para o descumprimento das

determinações da IES privada em que trabalha, a maioria respondeu que "há", 23

dos entrevistados, enquanto que 19 responderam que "não há". Mas quando

indagados sobre se há alguma forma para assimilar e retransmitir políticas ou

ideologias da IES em que trabalha, as respostas se apresentaram divididas. 19

professores responderam que não há, enquanto 15 responderam que sim, porém

outros quinze não responderam à questão. Talvez, as respostas a esses dois

questionamentos possam ter sido prejudicadas, no caso de questionários aplicados

no interior das IES privadas, pelo fato de que os docentes possam ter se sentido

moralmente constrangidos em respondê-las.

Aspectos da remuneração do trabalho docente

No tocante a renda por ministrar aulas em IES privadas, quando

perguntados se considerava suficiente sua remuneração enquanto docente nesse

setor, a resposta obtida também foi expressiva: 85,7% dos entrevistados consideram

que a remuneração é insuficiente para o padrão de vida que identificam como

satisfatório. Apenas 6 (12,2%) entrevistados disseram que “sim”, a remuneração é

suficiente.

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119

Essa constatação pode estar relacionada à possível depreciação da

renda do professor como resultado da própria mobilidade da mão de obra em

contexto de mercado flexível (MANCEBO, 2007). Não obstante, em certa medida,

também podemos avaliar essa situação correlacionando-a ao não pagamento de

trabalho extra-sala de aula, já comentado aqui. Quando questionados sobre se já

exerceram ou exercem trabalho extra-sala de aula que não foi ou não é remunerado

pelas IES, a maior parte, 26 professores disseram que sim, e apenas 16

responderam que não.

A renda mensal de um professor em uma IES privada, conforme os dados

tabulados (vide Tabela 4.2) varia de um a quatro salários mínimos. Sendo que a

maior parte dos entrevistados respondeu que ganha de 3 a 4 salários mínimos.

Uma vez que a remuneração dos professores se apresenta insuficiente

para a sustentação de seus padrões de vida, uma alternativa encontrada por eles

para complementá-la, é a vinculação a mais de uma instituição de ensino.

TABELA 4.2

RENDA MENSAL DO DOCENTE EM UMA IES PRIVADA, GO, 2010

Frequência Percentual Acumulado (%)

Menos de 1 salário mínimo 1 2,0 2,0

De 1 a 2 salários mínimos 6 12,2 14,3

De 2 a 3 salários mínimos 8 16,3 30,6

De 3 a 4 salários mínimos 19 38,8 69,4

De 5 a 6 salários mínimos 1 2,0 71,4

De 6 a 7 salários mínimos 3 6,1 77,6

Mais de 7 salários mínimos 9 18,4 95,9

Não sabe 1 2,0 98,0

Não respondeu 1 2,0 100,0

Total 49 100,0

Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora.

Perguntados sobre em quantas IES atualmente exerce a atividade

docente, em torno de 43% dos entrevistados responderam que em exercem em pelo

menos duas IES. Talvez seja pelo mesmo motivo renda que, em outro

questionamento, os 46,1% dos professores entrevistados disseram trabalhar em

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mais de uma instituição, contra 53,1% que afirmaram exercer suas atividades em

apenas uma instituição.

Nesse tocante, é preciso considerar ainda que a maioria expressiva dos

profissionais docentes atuantes em IES privadas pesquisados exerce outras

atividades além da docência no ensino superior, num total de 32 entrevistados, ou

seja, 65,3% da amostra.

QUADRO 4.3

RESPOSTAS DOS DOCENTES ENTREVISTADOS EM IES PRIVADAS POR TIPO

DE ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DA EMPRESA EM QUE EXERCEM ATIVIDADES DIFERENTES DA DOCÊNCIA, GO- 2010

Organização administrativa Respostas dos

entrevistados

Percentual Percentual

Acumulado

Outras IES privadas 2 4,1 4,1

Outras empresas privadas 9 18,4 22,5

Empresa própria 9 18,4 40,9

Outras IES públicas 3 6,1 47

Outras empresas públicas 5 10,2 57,2

Outro tipo 4 8,2 65,4

Não responderam 17 34,7 100,0

Total 49 100,0 Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora.

Ainda questionados sobre em que tipo de empresa exercem essas outras

atividades, dos 32 professores que responderam a questão, 20 indicaram trabalhar

em empresas com organização administrativa de ordem privada. Conforme se pode

perceber nos dados da tabela abaixo:

A relevância desses dados também pode ser considerada, se levarmos

em conta que a maioria dos docentes que atuam nas IES privadas, exerce

atividades não docentes. Portanto, surgem duas hipóteses dessa constatação: a

primeira é a de que sendo baixa a renda do docente, ele precisa desenvolver outras

atividades para complementá-la, se sacrificando numa jornada de trabalho, no

mínimo dupla; a segunda é a de que a atividade principal de boa parte dos docentes

em IES privada pode não ser a docência no ensino superior. No entanto, em ambos

os casos, a atividade docente em IES privada apresenta ser uma relação de trabalho

instável, em que a busca por melhoria de renda poderá pressionar a mobilidade do

profissional.

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121

Rotatividade e contratação flexível

Outro aspecto concernente à questão da mobilidade do professor de IES

privada em função da renda é a notória indicação da rotatividade concomitante ao

vínculo a várias instituições por parte dos mesmos.

Os indicativos de rotatividade do professor encontrados a partir da

pesquisa qualitativa ratificam os dados sobre a mesma questão, obtidos a partir da

pesquisa nos processos trabalhistas. Foi questionado ao docente sobre em quantas

IES privadas o mesmo trabalhou nos últimos dez anos. Enquanto que 26,5% dos

entrevistados afirmaram ter trabalhado em apenas uma IES privada nesse período,

57,1% dos entrevistados informaram ter trabalhado em mais de uma IES privada,

segundo demonstram os dados da Tabela 4.3.

Conforme os dados da Tabela 4.3, pelo menos 57,5% dos entrevistados

trabalharam em mais que duas instituições de ensino superior privado na última

década. Deste percentual, 48% representa o total de entrevistados que afirmaram

ter trabalhado em duas ou três IES privadas.

TABELA 4.3

NÚMERO DE INSTITUIÇÕES EM QUE O PROFESSOR EXERCEU ATIVIDADES DOCENTES NOS ÚLTIMOS 10 ANOS, GO, 2010

Nº de Instituições Frequência Percentual Acumulado

Apenas Uma 13 26,5 26,5

Duas 9 18,4 44,9

Três 10 20,4 65,3

Quatro 5 10,2 75,5

Seis 3 6,1 81,6

Nove 1 2,0 83,7

Não responderam 8 16,3 100,0

Total 49 100,0

Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora.

Resumindo, mais da metade dos professores entrevistados migraram de

trabalho em média 4 vezes durante 10 anos. O que significa uma média de

permanência de 2,5 anos em cada instituição.

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122

Numa análise relacional, a média de permanência nas instituições, a partir

do período de admissão e demissão identificados nos processos trabalhistas, foi de

4 anos. Sendo assim, a questão da mobilidade se apresenta ser muito mais séria

quando tomamos as informações fornecidas pelo docente em IES privada. O

período de 2,5 anos em instituição de ensino privada pode ser insuficiente até para a

qualificação do professor via mestrado, que dirá para o professor implantar algum

projeto pela qualidade em função dos conhecimentos adquiridos via alguma forma

de titulação. Por esse raciocínio, é possível concluir que, grosso modo, além da

baixa remuneração nas IES privadas, este dado ratifica a informação sobre pouca

valorização trabalho do professor via planos de carreira. De outra forma, a afirmativa

de que o setor de ensino privado assume ser o ápice da flexibilização, é reafirmada

também na realidade goiana pelos dados da Tabela 4.4.

Com base nos dados desta tabela, se somarmos aqueles com contrato

por tempos determinado, os sem carteira e sem contrato assinado, mais os

professores substitutos, 17 pesquisados possuem forma de contratação vulnerável,

ou seja, trabalham sob regime temporário de contratação. Considerando, conforme,

exposto no capítulo anterior, que a carteira assinada como horista representa

também uma forma de maleabilidade das relações com o docente, tem-se então que

a condição de trabalho flexível alcançou 39 de 49 pesquisados.

TABELA 4.4

TIPO DE CONTRATAÇÃO DO DOCENTE EM IES PRIVADA, GO, 2010

Tipo de contratação Frequência (%)

Carteira Assinada como Horista 22 44,9

Contrato por tempo determinado 12 24,5

Carteira Assinada como de Tempo integral

9 18,4

Sem carteira e sem contrato 2 4,1

Professor substituto 3 6,1

Total 49 100,0

Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora.

Sindicalização e consciência sobre os direitos

Flexibilidade, sindicalização e consciência sobre direitos de classe

parecem três coisas intimamente relacionadas. A associação que se faz nessa frase

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remonta Sennett (2007) quando este reafirma que dado a identidade moderna ser

mais fluida, tal fluidez requer desimpedimentos para que haja mobilidade. Por esse

motivo, conforme esse autor, a identificação com classes “se tornou uma estimativa

muito mais pessoal do eu e das circunstâncias” (op. Cit. p. 76). Seguindo esse

raciocínio, a fluidez da consciência de classes, bem como do movimento junto às

representatividades sindicais se tornam também fluídas.

De tal modo, dispersos também se tornam as reivindicações sobre os

direitos trabalhistas. A partir dos dados tabulados na tabela abaixo, podemos

evidenciar indicativos do que Sennett aponta em sua análise, associando-a a

tendência ou “liquidez” (BAUMAN, 2001) também da identidade de classe no

trabalho docente em discussão.

Dos dados relacionados sobre sindicalização e consciência de direitos

trabalhistas, um número chama a atenção: 81,6% dos professores pesquisados

informaram que não recorrem ao sindicato para reivindicar seus direitos trabalhistas,

e, no entanto, mais da metade (57,1%) dos pesquisados afirmou ser sindicalizada. A

correlação desses dois dados leva a inferência de que, grosso modo, embora haja

um relativo índice de sindicalização entre os professores pesquisados, os mesmos

se esquivam de ir à busca de seus direitos por essa via.

QUADRO 4.4

QUESTIONAMENTOS SOBRE ADESÃO SINDICAL E CONSCIENCIA DE DIREITOS TRABALHISTAS, GO, 2010

Questionamentos Opções de Respostas*

SI

M

(%) Não (%) N/S (%) N/R (%)

Teve Direitos trabalhistas,

previdenciários e de seguridade

social negados

14 28,6 32 65,3 1 2,0 2 4,1

Já recorreu ao sindicato para

reivindicar direitos

8 16,3 40 81,6 1 2,0 - -

Deixou de reivindicar direitos por

medo de perder o emprego ou de

retaliações

20 40,8 27 55,1 2 4,1 - -

Conhece todos os direitos de

Docente Universitário

27 55,1 19 38,8 2 4,1 1 2,0

É sindicalizado 28 57,1 21 42,9 - - - -

Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora. * Os termos N/S e N/R corresponderam respectivamente, no questionário, às opções: “Não Sabe” e “Não Respondeu”.

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124

Embora a maior parte (55%) afirmou conhecer todos seus direitos, uma

soma expressiva, 40% dos entrevistados afirmaram não conhecer todos os direitos

docentes e, também, representando a minoria das respostas, em torno de 38,8%

disseram ter deixado de reivindicar seus direitos por medo de perder o emprego, ou

de sofrer retaliações. Por outro lado, em torno 65 % dos entrevistados entendem que

não tiveram seus direitos trabalhistas, previdenciários e de seguridade social

negados. Uma minoria considera que os referidos direitos foram negados.

Nesse tocante, é preciso esclarecer que estas últimas informações dos

docentes, se cruzadas com as respostas de outra pergunta no mesmo questionário,

denotarão contradição nas respostas. Por exemplo, com relação ao Quadro 4.1,

onde se observou um baixo número de respostas às horas extras em atividades

docentes remuneradas, em contraposição ao percentual expressivo de horas de

trabalho extra não pagas.

Levando em conta que para a maioria expressiva dos questionamentos

realizados aos docentes, os mesmos deram respostas que indicaram formas de

maior pressão e exigências sobre seu trabalho, o fato de os mesmos não

identificarem que seus direitos trabalhistas podem estar sendo desrespeitados,

embute uma incógnita que ora leva a duas possíveis54 respostas: ou as novas

realidades nas relações de trabalho não estão sendo contempladas pela legislação,

ou, os professores não conseguem interpretar o que está posto na legislação

correlacionando com suas relações de trabalho cotidianas. Talvez a própria fluidez

das relações tenha contribuído para que as informações também se tornem fluídas,

e, dado as pressões e exigências do mercado de trabalho, ou “circunstâncias”,

conforme expõe Sennett, os professores interessados deixem de buscá-las junto a

sua representatividade, já que 81% dos docentes disseram não ter aproximação

com a mesma.

4.3 - As condições do trabalho acadêmico

Mesmo considerando a existência de outras possíveis variáveis, também

afetando as relações de trabalho, os corolários da mercantilização – traduzidos na

54 Além disso, também deve-se considerar a hipótese de que, devido alguns locais de pesquisa ter sido a própria instituição em que o mesmo trabalha, os docentes possam não terem se sentido a vontade para responder a questão, em função da cultura do medo de assoes repressivas dos gestores.

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ampliação de técnicas de racionalização das gestões e na ampla assimilação das

formas flexíveis de trabalho - notoriamente se refletem sobre as condições de

trabalho docente. Dentre os efeitos sobre o trabalho do professor, identificados

nesse contexto, a maioria deles apontam para a precarização e concomitante

desvalor da profissão. Ratificando os indicativos da pesquisa sobre os processos

trabalhistas, a pesquisa com os docentes evidencia vários aspectos negativamente

condicionantes do seu trabalho, quais sejam: intensificação do trabalho e

prolongação da jornada; deficiência em estrutura física e de recursos didático-

pedagógicos pela instituição; insuficientes e inexistentes recursos financeiros

disponíveis à qualificação e à pesquisa; estresse e sentimento de vulnerabilidade e

insegurança. Tais aspectos também foram identificados a partir das tabulações

estatística dos questionários aplicados, conforme analisa a seguir.

Intensificação do trabalho e prolongação da jornada

Mais uma vez é preciso fazer um comparativo, desta feita confrontando o

trabalho docente na atualidade com o trabalho docente na época em que o mesmo

iniciou suas atividades nessa profissão. Considerando as informações sobre as

épocas de início da atividade do docente, já mencionadas no tópico 3.2 deste

capítulo, um percentual bastante significativo, quase 80% dos pesquisados

considera que o trabalho é mais intenso. Observemos a Tabela 4.5.

A partir dos dados tabulados podemos perceber também que apenas um

docente indicou que o trabalho é menos intenso, outros 8 professores consideram

que a intensidade continua igual, tanto como quando iniciou suas atividades nessa

área.

TABELA 4.5

INTENSIDADE DO TRABALHO EM COMPARATIVO COM A ÉPOCA

EM QUE O DOCENTE COMEÇOU SUAS ATIVIDADES EM IES PRIVADA, 2010

Classificação Frequência Percentual

Mais Intenso 39 79,6 Menos Intenso 1 2,0 Igual 8 16,3 Não Respondeu 1 2,0

Total 49 100,0 Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados tabulados pela autora.

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126

Neste caso, devemos observar que a maioria dos pesquisados (36)

afirmaram ter iniciado suas atividades na década de 2000. Isso pode estar indicando

que, na medida em que evoluiu a expansão do ensino superior privado, pode ter

acirrado as formas de intensificação do trabalho docente, especialmente a partir do

momento em que houve sinais de exaustão desta expansão, conforme já se

mencionou. Essa interpretação favorece a analogia de uma busca por maior

produtividade nas IES privadas em função do aumento da concorrência. Ratificam

tais informações sobre a intensidade do trabalho, os dados obtidos sobre o

prolongamento da jornada de trabalho. Veja tabela que segue:

TABELA 4.6

COMPARATIVO DA MÉDIA DE HORAS DE DEDICAÇÃO AO TRABALHO

DOCENTE EM IES PRIVADAS 2010

Período Horas Em sala Horas Extra Sala

No primeiro ano de docência

15 13

Hoje 19 17 Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora.

Relativa ao prolongamento da jornada de trabalho, a Tabela 4.6, expressa

que, em média, os docentes estão dedicando 8 horas semanais a mais em trabalho

docente, quatro horas a mais em sala e 4 horas a mais extra-sala. Correlacionando

esses dados com outra questão aplicada, os indicativos de prolongamento da

jornada de trabalho são ratificados: 36, ou seja, 73,5% dos entrevistados consideram

que trabalham mais horas. Apenas 4 (8,2%) consideram que trabalham menos

horas. Enquanto que, apenas 5 (10,2%) dos entrevistados, consideram que

trabalham a mesma quantidade de horas. 1 professor não respondeu à questão.

Estrutura, recursos e aparato ao trabalho docente

O motivo justificador da transferência da responsabilidade do ensino

superior para instituições privadas de ensino se relaciona à idéia de que o setor

privado seria capaz de gerar maior qualidade serviço (GENTILLI, 1996; OLIVEIRA e

FONSECA, 2008). Entretanto, é senso comum que para a obtenção de qualidade

em um produto ou serviço, é imprescindível a utilização de instrumentos, aparato e

condições que favoreçam o processo de realização desse produto ou serviço. A

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tomar como referência a visão do professor pesquisado, no Quadro 4.5, essa não é

situação que se observa nas IES privadas em Goiás.

A realidade que se observa nas IES pesquisadas aponta, conforme o

entendimento do docente, para um quadro de insuficiência dos diversos recursos e

instrumentos subsidiários ao bom desempenho do trabalho. O maior percentual de

insatisfação dos docentes, quanto ao aparato ao trabalho docente, recai sobre

equipamentos e recursos didáticos, considerado insuficientes para 69% dos

pesquisados. Outra crítica está relacionada à estrutura física adequada a quantidade

de alunos, também considerado insuficiente por mais da metade dos entrevistados.

QUADRO 4.5

ESTRUTURA, RECURSOS E APARATO AO TRABALHO DOCENTE

NAS IES PRIVADAS, NA VISÃO DOCENTE, GO, 2010

Quanto à: Suficiente (%) Insuficiente (%) Inexistente (%) N/S N/R

Equipamentos e

Recursos didáticos 13 26,5 34 69,4 2 4,1 0 0

Estrutura física e

sala de aula

adequadas à

quantidade de

alunos

14 49 25 51,0 0 0 0 0

Política de estímulo

e qualificação do

corpo docente

12 24,5 25 51 11 22,4 1

Políticas de

estímulo financeiro

à pesquisa

5 10,2 24 49,0 16 32,7 1 3

Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora. * Os termos N/S e N/R corresponderam respectivamente, no questionário, às opções: “Não Sabe” e “Não Respondeu”.

Em grande medida, essas situações podem ser correlacionadas à rápida

expansão das IES privadas - via empreendimentos de médio e pequeno capital -

desprovidos de planejamento, de orientação e interesse didático pedagógico, uma

vez que o interesse circunda a comercialização do ensino e o lucro imediato.

Contudo, esse quadro também pode ser entendido ao modo como Sucupira (2005)

expõe citando Ferrari:

“Tal como ocorre no toyotismo, cujo despotismo de “fábrica” se dá com o

aproveitamento máximo em termos de tempo, espaço, sem estoques de

mercadorias e cooperação forçada em equipes lideradas por coordenadores,

observa-se que os professores são obrigados a lecionar em classes unificadas por

alunos provenientes de outras turmas, e por vezes entupidas por um número

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absurdo de discentes. Tudo isto para aumentar os lucros e diminuir os custos da

instituição de ensino. O professor que ministrava aulas, por exemplo, em três

classes, passa a ministrar em uma classe “é um processo que absorve trabalho

não pago” (FERRARI, 2001 apud SUCUPIRA, 2005, p. 129)

A visão no lucro e na redução dos custos, conforme a citação acima, é o

pano de fundo para aplicação das estratégias toyotistas de gestão, que através da

minimização na utilização de recursos, condicionam a situação de precaridade do

trabalho docente. Se considerarmos os momentos em que se observa capacidade

ociosa, enquanto sintoma de exaustão das instituições em discussão, certamente há

uma relativa piora nas condições apresentadas, uma vez que mais exigíveis se

tornam as gestões no sentido racionalista da aplicação de recursos, com o objetivo

de se manterem no mercado.

Quando nos debruçamos sobre os dados de estímulo e qualificação do

corpo docente e estímulos financeiros à pesquisa, a situação se agrava.

Principalmente porque além de haver expressividade nos indicativos sobre a

insuficiência dos mesmos, para alguns entrevistados tais estímulos simplesmente

são inexistentes. Também foram considerados insuficientes, e em maior proporção

que os demais itens, inexistentes, estímulos financeiros à pesquisa. Essas

constatações, de modo geral, ratificam a despreocupação das IES privadas com a

qualidade do ensino a partir da qualificação do professor e de investimentos em

pesquisa.

Desvalorização do trabalho e Fragilização do docente

Conforme Mancebo (2007), como toda organização do trabalho, a

flexibilização promove um movimento de reacomodação do campo sócio-subjetivo,

afetando o ritmo de vida dos trabalhadores, de modo a modificar a forma de

organização no trabalho, acirrar a competição na dinâmica interpessoal e promover

constante adaptação espaço-temporal dos professores às exigências.

Nesse sentido, a regulação racionalista-produtivista, encampada nas IES

privadas, parece gerar um contexto em que amplia o fosso de desvalorização do

trabalho docente. As relações de trabalhos nascida desse ambiente marcado pelo

imediatismo de resultados pragmáticos (formação de mais alunos em menos tempo,

cobrança de publicações visando metas e marketing, redução de custos e aumento

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da margem de lucro, dentre outros) resultam num espaço social de consequências

negativas na vivência e conduta dos atores das IES privadas, ambiente no qual se

observa indicativos de deterioração das relações interpessoais, bem como

ampliação dos condicionantes de desvalorização do trabalho docente.

Indagados os docentes nas IES privadas em Goiás, sobre se sentiam

seu trabalho sendo desvalorizado de alguma forma, vide tabela abaixo, de modo

geral as respostas se apresentaram diversificadas quanto aos apontamentos das

formas que os mesmos entendem de desvalorização.

TABELA 4.7

FORMAS DE DESVALORIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE EM IES PRIVADAS, NA VISÃO DO PROFESSOR, GO, 2010

Desvalorização do trabalho docente Frequência Percentual (%)

Agressão verbal 13 26,5

Agressão Física 1 2,0

Assédio Moral 10 20,4

Assédio sexual 0 0

Desvalor à titulação docente por não

reconhecimento do título

10 20,4

Desvalor à titulação docente devido a

não compensação pecuniária

15 30,6

Meu trabalho enquanto Docente nunca

foi desvalorizado

13 26,5

Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora.

Um maior número de docentes, embora não tão expressivo, indicou que o

desvalor se dá devido a não compensação pecuniária da titularização. Também o

desvalor à titulação pelo não reconhecimento do título foi citado. Na sequência,

observa-se o assédio verbal, seguido do assédio moral também percebidos como

formas de desvalorização do trabalho. Conforme se pode observar na tabela acima,

outro grupo de docentes afirmou que nunca houve desvalorização de seu trabalho.

Há que se considerar que o apontamento pelo professor, de um ou outro

fator de desvalorização de seu trabalho, é resultado da insatisfação que os mesmos

possuem com relação às condições em que desempenham sua profissão. Tais

indicadores sobre desvalorização podem ser traduzidos, de certa forma, conforme

propõe Dejours (2003), enquanto desqualificação do trabalho, ou seja, uma imagem

de si que repercute do trabalho, que na contramão de ser respeitado e honroso se

torna desqualificado podendo implicar na vivência depressiva.

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“A vivência depressiva condensa de alguma maneira os sentimentos de

indignidade, de inutilidade e de desqualificação, ampliando-os. Cansaço que se

origina não só dos esforços musculares e psicossensoriais, mas que resulta

sobretudo do estado dos trabalhadores taylorizados.” (DEJOURS, 2003, p. 49)

É válido lembrar, entretanto, que para o caso das IES privadas, identifica-

se que o estado dos trabalhadores docentes não é derivado substancialmente de

condicionamentos de caráter organizacional taylorizado, mas principalmente

toyotizado. Isso, dados os aspectos de flexibilização e do formato de racionalização

das gestões que permeiam e condicionam a atividade docente. Contudo,

acrescenta-se, que os efeitos sobre o sentimento dos indivíduos quanto à

indignidade, inutilidade e desqualificação55, identificados por Dejours no formato

taylorizado de gestão, podem ser semelhantes nas duas formas organizacionais, e

também identificados no trabalho do professor de IES privadas em Goiás.

Sobre os reflexos subjetivos do trabalho no cotidiano dos trabalhadores,

Dejours (2003, p.52) trata sobre o sofrimento individual dos mesmos. Tal sofrimento,

no contexto de trabalho toylorizado, segundo esse autor, surge a partir das

frustrações do trabalhador por não poder realizar a organização temporal do trabalho

adequando-o às suas potencialidades e necessidades. Ou seja, não é possível ao

trabalhador a escolha de técnicas operatórias, instrumentos e materiais a serem

empregados de forma a permitir que o mesmo, dentro de certos limites, adapte seu

trabalho às suas condições e competências. Na possibilidade de escolha e

adaptação do trabalho pelo trabalhador, Dejours (2003, p.52) explica que:

Em termos de economia psíquica, esta adaptação espontânea do trabalho ao

homem corresponde à procura, à descoberta, ao emprego e à experimentação de

um compromisso entre o desejo e a realidade. Em tais condições, podemos

perceber um movimento consciente de luta contra a insatisfação ou contra a

indignidade, a inutilidade, a desqualificação e a depressão, graças aos privilégios

de uma organização do trabalho deixada em grande parte, à discreção do

trabalhador.

55 O sentimento de inutilidade, também identificado por Dejours (2003, p.49) no taylorismo, parece não encontrar aplicação no toyotismo encampado nas IES privadas pesquisadas, pelo menos não pelo motivo da relação professor-máquina. Mesmo porque a natureza do trabalho que o professor realiza, não permitiu, ou pelo menos, ainda não significa uma substituição do homem pela máquina, embora que, está em curso a tendência de cursos à distância via ampliação da aplicação do trabalho do professor por meio da internet.

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Nesse sentido, muito embora o trabalho docente ainda apresente uma

certa independência pedagógica e a possibilidade de trocas como cooperação social

(ANTUNES, 2006), fatores que contribuem para conferir prazer (MANCEBO, 2007;

PEREIRA, 2006) ao trabalho do professor, o mesmo apresenta fortes características

de pré-formatação, ou seja, organização ao modo Taylorista. Tome-se, por

exemplo, que em função do interesse mercantil, as grades curriculares e os

conteúdos das disciplinas são passados aos docentes de forma impositiva, às vezes

padronizadas, desprovidas de qualquer interferência do professor quanto à

coerência didático-pedagógica. Além disso, por vezes os professores são forçados a

ministrar disciplinas alheias à sua área de formação, entrando no processo apenas

como meros executores das grades curriculares. Nesses casos, facilmente se

identifica a “inutilidade” dos conhecimentos do docente. Um certo caráter de

estranhamento pode ser então observado, uma vez que há mecanismos de

distanciamento entre o professor e o seu trabalho, contribuindo para reforçar as

circunstâncias de alienação do mesmo. Configurado nesse contexto, o trabalho

desqualificado pode explicar em parte, a ausência de luta contra a insatisfação ou

contra a indignidade percebidas, que podem se traduzir no sofrimento contido e

individual do trabalhador docente.

Numa analogia às explicações de Dejours sobre os aspectos subjetivos

do trabalho no cotidiano dos professores pesquisados, o sofrimento do professor

também pode ser observado no contexto Toyotizado sob os reflexos da

flexibilização. Tais reflexos são identificados, numa abordagem psicopatológica,

principalmente quanto ao sentimento de insegurança (SENENETT, 2007,

MANCEBO, 2007) e de estresse dos professores (PEREIRA, 2006). Vejamos os

dados da Tabela 4.8.

Da amostra dos 49 pesquisados, a instabilidade emocional é apontada

como o fator que menos o aflige (num percentual de 18,4% dos entrevistados),

enquanto reflexos do seu trabalho docente. Por outro lado, uma vez que o trabalho

docente é considerado por excelência, um trabalho de caráter intelectual, chama a

atenção o fato de 16 professores terem indicado a exaustão física enquanto fator de

fragilidade. Entretanto, se melhor analisarmos, identificaremos na atividade docente

ações repetitivas e de condicionamento físico intenso. Principalmente em condições

de trabalho intensificado, caracterizado pela sobrecarga de trabalho já identificadas

nessa pesquisa: aumento das horas de trabalho na IES, ampliação da jornada de

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trabalho extra-sala de aula, ampliação da carga de trabalho por ministrar aulas em

mais de uma instituição. Nesse sentido, as ações repetitivas de condicionamento

físico podem ser relacionadas, dentre outras formas: ao esforço de verbalização do

conteúdo em várias salas num mesmo dia; ao fato de permanecer, por longas horas

em pé durante todo o período de aula; ou, na posição de sentado, para leituras,

pesquisas, planejamento de aulas e correções de atividades. Há que se fazer um

estudo mais acurado, mas arrisca-se dizer que talvez o próprio cansaço mental pela

intensificação do trabalho, ou mesmo o estresse, contribuam para a sensação de

cansaço físico.

TABELA 4.8

FRAGILIDADES DO DOCENTE EM FUNÇÃO DE SEU TRABALHO,

NA VISÃO DO PROFESSOR DE IES PRIVADA, GO, 2010

Frequência Percentual (%)

Exaustão Física

16 32,7

Estresse

31 63,3

Instabilidade Emocional

9 18,4

Insegurança quanto à manutenção

do emprego

23 46,9

Fonte: Pesquisa sobre relações e condições do trabalho docente, 2010. Dados Tabulados pela autora.

Conforme informação dos professores, em função de seu trabalho, o

estresse é a fragilidade que mais os acomete, indicado por 63% dos entrevistados.

Pereira (2006) em seus estudos sobre a qualidade de vida em IES pública e privada,

indica que a partir de Burnout, as principais características do estresse são os

sentimentos de “insatisfação, desilusão, falta de realização, distanciamento

emocional, impotência e apatia”. Além disso, conforme essa autora, a síndrome

pode acarretar a despersonalização profissional e a exaustão emocional, cujos

sintomas foram identificados quanto ao: “pessimismo, falta de interesse, a fadiga, o

isolamento, a insatisfação, o medo e a insegurança” (op cit, p.59).

Também expressivamente, quase a metade dos entrevistados (46,9%) da

amostra pesquisada apontaram a insegurança do trabalho quanto à permanência no

emprego como fator de fragilidade do professor. Sennett (2007) e também Mancebo

(2007) vêem a insegurança no trabalho relacionada principalmente à mobilidade das

relações trabalhistas, exemplificada na contratação flexível. Flexibilização esta que

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individualiza e desregulamenta as relações trabalhistas colocando os trabalhadores

em situação vulnerável. De seu lado Bauman (2001, p.155), também explica que os

parâmetros da vida moderna estão individualizados, desregulado e privatizado ante

a idéia de progresso. Nesse sentido, a insegurança no trabalho pode ser

relacionada, a partir desse autor, dado a falta de confiança dos empregados para

com empresa empregadora. Expõe esse autor que num contexto em que o capital

se move livremente, os empregados são expostos “às forças de mercado”, “termos

de troca” e “demandas de competição”, de tal modo que “o que quer que ganhem

hoje lhes pode ser tirado amanhã sem aviso prévio” (op.cit, p. 191). Bauman segue

explicando que essa falta de confiança inibe o enfrentamento por direitos

trabalhistas.

“Não há enfrentamento sem confiança. Se os empregados lutavam por seus

direitos, é porque confiavam no “poder” do quadro em que, como esperavam e

queriam, seus direitos se inseriam; confiavam na empresa como lugar adequado a

quem entregavam seus direitos para a guarda”. (BAUMAN, 2001, p. 190)

Desse modo, a insegurança oriunda do contexto de flexibilização, ou da

modernidade líquida resultam na apatia e no medo do trabalhador, inibindo-os de

engajar junto ao poder político estabelecido (op.cit, p.191) se arriscando na luta por

seus direitos. Isso talvez explique a baixa adesão à representatividade sindical por

parte dos docentes e até mesmo o medo de prestar informações sobre sua situação

de trabalho conforme identificado.

De modo geral, evidencia-se por essa pesquisa um quadro de: sentimento

de exploração do trabalho docente (expansão com Mercantilização e flexibilização

do mercado de trabalho); a cultura do medo-ansiedade nas relações de trabalho

sendo suscitada pela insegurança quanto à manutenção do emprego;

desinformação do docente ou apatia com relação aos direitos trabalhistas, bem

como, a ausência de consciência de classe em relação ao conceito clássico desse

termo, conforme preconizado por Marx.

Em suma, mesmo que cada IES privada possa apresentar uma realidade

diferenciada em função da heterogeneidade nas gestões, a opinião dos professores

mantém certo alinhamento a respeito da situação do trabalho docente. As

estatísticas sobre as opiniões dos professores são convergentes em vários pontos

com os indicativos obtidos a partir dos estudos realizados sobre os processos

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trabalhistas. As duas pesquisas apontam para o agravamento do quadro de

precarização e desvalorização do trabalho docente em vários aspectos, tais como:

Intensificação do trabalho; prolongamento da jornada de trabalho; exploração do

trabalho pela não remuneração das horas extraordinárias, elevado nível de estresse;

baixa remuneração; não reconhecimento da titulação.

Ante todo o exposto, o sentimento geral é de que as exigências e

pressões relacionadas às estratégias de gestão e ao contexto flexível de mercado

resultam num quadro de exacerbação da intensificação e exploração do trabalho

docente em IES privadas em Goiás, que deprecia, por diversas formas, as relações

e condições deste trabalho e fragiliza o docente alienando-o quanto à manutenção e

busca por direitos trabalhistas.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os objetivos desta pesquisa se fundaram na hipótese de que a

redefinição na forma de atuação do Estado quanto à educação superior contribuiu

para um escopo de mercantilização do ensino nas IES privadas em Goiás, refletindo

na piora das relações e condições do trabalho docente. Atingidos os objetivos de

esclarecimentos sobre como as redefinições da política de Estado estimularam a

expansão da IES privada, a partir da revisão bibliográfica, e sobre como a expansão

mercantil desse setor se correlacionou com as condições e relações de trabalho

docente, a partir da pesquisa aos processos e aos próprios docentes, acredita-se ter

obtido indicativos suficientes para a confirmação da hipótese.

A revisão bibliográfica permitiu deslindar aspectos conjunturais e

estruturais de forte imbricação sobre o trabalho docente em IES privadas. Por um

lado, observou-se que a expansão do ensino está relacionada ao viés de redefinição

de políticas do Estado de bem-estar social, que mediante as orientações de cunho

mercadológico tem modificado as formas de investimento social. Por outro lado,

constatou-se que no bojo dessa expansão ao modo de mercantilização do ensino,

as IES privadas combinam velhos e novos modelos de gestão que resultam em

maiores pressões e exigências sobre o trabalho docente.

Outra situação evidenciada se relaciona à reflexividade no plano

educacional de ensino superior quanto à retração de investimentos por parte do

Estado nesse setor. Essa retração deixa claro a tendência de individualização

também das responsabilidades até pouco tempo consideradas como de caráter

social do Estado. De carona com o peso individual da própria educação, tal retração

se deu de modo favorecer a expansão mal planejada do ensino privado, e de certo

modo até subsidiando a exploração mercantil da educação.

Outro fator que se identificou como de crescente influência sobre as

relações e condições do trabalho docente em IES privada, foi a abordagem sobre a

flexibilização, principalmente em sua relação com a desregulamentação da

legislação trabalhista. O que se observa é que as condições flexíveis de trabalho

favorecem a perca de eficácia, ou conforme já caracterizado, a perca de sentido dos

direitos prepostos dos docentes. Além disso, a áurea de instabilidade e

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vulnerabilidade que ela impinge sobre o a questão emprego, amplificam de certo

modo, uma cultura de medo e submissão sobre a classe docente, submetendo-a aos

condicionantes do mercado e tolhendo suas ações enquanto sujeito modificador de

sua realidade.

Ainda, um terceiro aspecto evidenciado a partir da literatura estudada, foi

a relação existente entre as pressões devido as modificações genéricas no mundo

do trabalho, que acabaram por se transferir, mesmo que parcialmente à

administração das IES privadas e conduzir a aplicação de modelos racionalistas e

utilitarista de gestão que nem sempre levam em conta as especificidades do ensino,

desse modo, gerando pressões, exigências e condicionamentos sobre a atividade

profissional docente.

Os dados tabulados no terceiro capítulo permitiram a inferência de que

para a maioria dos professores, os direitos relacionados a partir dos processos

pesquisados, que têm garantias na legislação trabalhista constituída, seriam

subtraídos caso não fossem reivindicados via intervenção da Justiça do Trabalho.

De tal modo as narrativas jurídicas serviram primeiramente para ratificar e

exemplificar tanto o trato jurídico às relações de trabalho docente, quanto

especialmente evidenciar outras questões que imprimem precaridade na condição

de trabalho docente. Dentre estas, cita-se a parcial concessão do direito a férias, o

não pagamento de horas extras de trabalho, o não reconhecimento a titulação ao

docente. Nesse sentido, diversos foram os indicativos de desvalor e precarização do

trabalho docente pela supressão de direitos, perpassando condicionantes de

afetação, tanto física quanto mental, que podem prejudicar o bem estar do mesmo.

O modo de adaptação organizacional por parte das IES privadas, nos aspectos

tocantes à flexibilização e às modificações no mundo do trabalho geraram

exigências e cobranças que se traduziram em pressões sobre o trabalho do

professor. Essas pressões parecem ter acuado o docente, enquanto agente

modificador de sua situação, e se traduziram em perda de espaço das demandas

relativas às condições de trabalho, também aí, em respectiva interrelação com o

enfraquecimento, ou recondução de propósitos da força sindical. Esse quadro

evidenciado ratifica a já propalada desregulamentação das leis trabalhistas e a

perda de sentido das mesmas.

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As informações obtidas, a partir da amostra de processos trabalhistas

pesquisada, se apresentaram como indicativos de uma realidade que se revelou

bem mais recrudescente em termos de desvalorização do trabalho docente em IES

privada. Isso pôde ser confirmado com base na análise qualitativa, em que o

professor expressa sua própria opinião sobre suas condições de trabalho.

A pesquisa realizada junto aos docentes de IES privadas em Goiás

ratifica a tese dos autores que entendem a flexibilidade e mobilidade e agilidade

como indutores de experiências diversas num processo produtivo caracterizado pelo

fim do horário regular de trabalho, uso crescente do trabalhador em tempo parcial,

trabalho temporário ou sub-contratação e uma exigência continuada de novos

atributos aos envolvidos. Como efeitos agregados desse rearranjo, também observa-

se níveis salariais cada vez mais baixos, o binômio qualificação-desqualificação, a

perda dos direitos trabalhistas, a exploração do trabalho, o estresse afligindo os

professores, a insegurança no emprego, dentre outros, que implicam em

transformações cotidianas na vida desses sujeitos.

Da análise dos dois últimos capítulos, se os dados estatísticos dos

processos serviram para indicar a precarização das relações de trabalho docente,

pelo negligenciamento às predisposições legais que regulamentam o trabalho da

classe, a pesquisa qualitativa reitera a piora das relações de trabalho, além de

evidenciar seus reflexos negativos sobre as condições de trabalho do professor.

Desse modo, através dos métodos utilizados na pesquisa, foi possível levantar

indicativos para atingir os objetivos da mesma.

Para além desses objetivos, vale tecer outras considerações. No sistema

concorrencial do ensino privado (flexível e desregulamentado), praticamente parece

não existir a idéia de classe docente, impera senão a filosofia do individualismo.

Nesse sentido, a busca por titulação aparenta ser o trunfo para a professor ser

respeitado por si mesmo, independente das circunstâncias. Assim, o professor em

IES privada é apenas um, no universo de tantos outros, em comuns condições de

trabalho, de exigências e pressão. Bem por esse motivo, parece haver um consenso

de que não lhe cabe insurgir contra ou questionar sobre a conformação da estrutura

estruturante que orienta sua função. O sentimento subliminar é o de que o destino

de seu trabalho, bem como de seu emprego, está nas mãos do capital, por assim

dizer, mercantil, só lhe restando a subserviência.

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Por outro lado, este estudo leva a abstração de que para desvendar

qualquer problemática relativa à educação do ensino superior privado, deve-se ter

em mente que o recorte, o microcosmo, não deixará de necessitar de uma análise

relacional atinente ao universo de condicionantes que o mesmo está inserido,

macrocosmo. No caso, infere-se que compõem esse universo macro, diretamente

imbricadas e afetadas às questões das relações e condições do trabalho docente

em sua realidade microcósmica, as estruturas condicionantes, ou, ao modo de

Bourdieu, estruturas estruturantes, quais sejam: retração dos investimentos estatais

em educação superior pública, expansão semi-induzida pelo Estado ao ensino

privado rumo à mercantilização, transformações do mundo do trabalho em direção à

flexibilização, arremedo de práticas utilitaristas e racionalistas de gestão oriundas de

países cujo sistema educacional é mais bem planejado e se encontra em estágio

mais avançado. De tal modo, não se concebe uma causa única para as atuais

circunstâncias do trabalho docente nas IES privadas, muito embora pareça haver um

motivo condicionante, a filosofia de livre mercado se sobrepondo às necessidades

sociais. Ou, conforme preconizou Marx, o interesse do capital se sobrepondo ao

interesse de classes.

Consoante a isso, em não havendo um único motivo gerador da

precarização do trabalho em questão, parecem ser necessárias ações múltiplas com

o fito de contribuir para corrigir a distorção. A começar por tomada de ação no plano

microambiente, uma maior aproximação da representação sindical com o docente

parece ser um primeiro passo para que através da troca de informações, a real

problemática seja posta a descoberto conforme cada realidade vivenciada, assim

podendo suscitar alternativas viáveis de melhoria das condições. Um delas, bem

poderia ser uma avaliação e releitura sobre o tratamento dado a legislação

pertinente às relações de trabalho docente, compreendendo que essa releitura

poderia ser incitada tanto por parte do professor quanto de sua representatividade

sindical.

Já no plano macrocósmico, conforme já indicado nos estudos de alguns

autores como Pochmann e também Antunes, seriam necessárias mudanças e

transformações no marco regulatório do mercado de trabalho em prol de modernizar

a relações de trabalho com o objetivo de, através do fortalecimento das

representações sindicais, efetivar a necessária valorização do trabalho docente.

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Sob a consciência da existência de uma heterogeneidade complexa que

envolve as realidades dos docentes em IES privadas, é preciso reconhecer que

esclarecimentos sobre essa temática não se esgotam nessa pesquisa. São

necessárias outras investigações que levem em conta tanto as especificidades e

necessidades da educação regional e local de renda e de capital cultural, dentre

outras, bem como do que é necessário para o bem-estar do professor bem

desempenhar a sua missão de orientar o discente e a sociedade ao conhecimento.

A Identificação de processos sociais, as relações e a organização do

trabalho não podem ser reduzidas a generalizações, sendo necessários estudos

específicos que desvendem as particularidades de países ou regiões. Tendo em

vista que o princípio da coexistência do ensino público e privado conceitue a

educação como “bem público”, as políticas educacionais precisam captar as

necessidades contingenciais, considerando as condições sócio-econômicas e

culturais de cada sociedade para poder aplicar soluções cabíveis e adequadas.

A partir das análises desta pesquisa quanto a situação de trabalho do

professor, identificou-se que reforçam-se os indicativos de que o resultado desse

contexto de mercantilização do ensino para o alunado, bem como para a sociedade,

assume proporções muito mais desastrosas em termos de eficiência na qualificação

profissional e desenvolvimento fundamentado na ciência e na tecnologia, também

devido a ausência de pesquisa e extensão nas IES privadas, implicando no sub-

aproveitamento dos saberes e potencialidades locais.

Quanto à diversidade nas relações de trabalho consoante às diferentes

formas de gestão no interior de cada instituição e suas múltiplas sobreimplicações

sobre as condições de trabalho, evidencia-se a necessidade de reavaliação da

postura do Estado quanto à educação superior privada. A tirar pelas condições de

trabalho do docente pesquisadas, ao contrário do que prega os ideários do

neoliberalismo e da flexibilização, a realidade do ensino em IES privadas, ante a

contraposição empreendimento lucrativo-função social da educação, prejudica a

qualidade do ensino.

Neste sentido, uma solução em curto prazo, para minimizar as distorções

que se observa, poderia ser uma intensificação da regulamentação, seja por meio de

fiscalização ou maior orientação na gestão do ensino em questão. Tal

regulamentação deveria contemplar critérios e metas melhor planejadas em

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consideração ao objetivo social do ensino, bem como suas particularidades e as

necessidades dos principais atores sociais deste contexto, que ora destacou-se as

do docente.

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ANEXO