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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - UFMT INSTITUTO DE EDUCAÇÃO - IE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - PPGE EDSON GOMES EVANGELISTA PERCURSOS FORMATIVOS DE FORMADORES DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA QUE ATUAM NO CEFAPRO DE CUIABÁ-MT CUIABÁ 2011

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - ufmt.br€¦ · Lenine . RESUMO Esta pesquisa foi delineada com fulcro na Pesquisa Narrativa ... Los analisis apuntán también hacia la necesidad

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - UFMT

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO - IE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - PPGE

EDSON GOMES EVANGELISTA

PERCURSOS FORMATIVOS DE FORMADORES DE PROFESSORES DE LÍNGUA

PORTUGUESA QUE ATUAM NO CEFAPRO DE CUIABÁ-MT

CUIABÁ

2011

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EDSON GOMES EVANGELISTA

PERCURSOS FORMATIVOS DE FORMADORES DE PROFESSORES DE LÍNGUA

PORTUGUESA QUE ATUAM NO CEFAPRO DE CUIABÁ-MT

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Educação da Universidade

Federal de Mato Grosso, como parte dos

requisitos para obtenção do Título de Mestre

em Educação, área de concentração: Formação

de Professores.

Orientadora: Pra. Dra. Filomena Maria de

Arruda Monteiro

CUIABÁ

2011

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Dados Internacionais de Catalogação na Fonte

E92p Evangelista, Edson Gomes.

Percursos formativos de formadores de professores de língua

portuguesa que atuam no CEFAPRO de Cuiabá-MT / Edson Gomes

Evangelista. -- 2011.

164 f. ; 30 cm.

Orientadora: Filomena Maria de Arruda Monteiro.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso,

Instituto de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação,

Cuiabá, 2011.

Inclui bibliografia.

1. Formação de professores - Formadores. 2. Língua portuguesa –

Professores. 3. Formadores de professores. 4. Professores – Formação

continuada. 5. Professores – CEFAPRO – Cuiabá, MT. I. Título.

CDU 371.13:811.134.3(817.2)

Ficha Catalográfica elaborada pelo Bibliotecário Jordan Antonio de Souza - CRB1/2099

Permitida a reprodução parcial ou total desde que citada a fonte

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EDSON GOMES EVANGELISTA

PERCURSOS FORMATIVOS DE FORMADORES DE PROFESSORES DE LÍNGUA

PORTUGUESA QUE ATUAM NO CEFAPRO DE CUIABÁ-MT

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Educação da Universidade

Federal de Mato Grosso, como parte dos

requisitos para obtenção do Título de Mestre

em Educação, área de concentração: Formação

de Professores.

Orientadora: Pra. Dra. Filomena Maria de

Arruda Monteiro

COMISSÃO EXAMINADORA

______________________________________

Dr.º ELIZEU CLEMENTINO DE SOUZA

Examinador Externo - UNEB

___________________________________

Dr.ª JORCELINA ELIZABETH FERNANDES

Examinadora Interna – PPGE/IE/UFMT

____________________________________________

Drª. FILOMENA MARIA DE ARRUDA MONTEIRO

Orientadora- PPGE/IE/UFMT

_______________________________________

Dr.ª OZERINA VICTOR DE OLIVEIRA

Suplente – PPGE/IE/UFMT

Aprovado em: 09/12/2011

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DEDICATÓRIA

Ao Serafim Esperdião, o narrador, um

contador de estórias e encantador de gentes.

A Zezão, meu pai, pela fé inabalável na

constância de meu caráter, “Um doutor na

minha roça”.

À Darcília, minha mãe, por me iniciar na

Literatura de Cordel.

À Geni, por potencializar meu percurso de

formação.

Às princesas Tâmara e Tácita.

Ao príncipe Tales.

A meus irmãos: Wanderley, José Gomes e

Edmar.

À minha irmã Daiane.

Aos tios: Bidó e Preta.

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AGRADECIMENTOS

Ao transcendente, por facultar encontros que dotam de sentidos a vida da gente.

À Professora Dr.ª Filomena Maria de Arruda Monteiro pela generosidade, competência e

autenticidade com que orientou este trabalho.

À Professora Dr.ª Jorcelina Elizabeth Fernandes pela leitura atenta e equalizadora.

Ao Professor Dr.º Elizeu Clementino de Souza pelo constante diálogo que, mediado pela

leitura, encetamos ao longo desta pesquisa.

Aos membros do Grupo Estudos e Pesquisas em Política e Formação Docente: Educação

Infantil e Ensino Fundamental, pelas leituras, debates e reflexões que, de certo modo,

tornaram factível este trabalho.

À Adriana Tomasoni, a metódica, por partilhar comigo os sentidos, alegrias, dissabores e

labor, neste percurso.

Aos companheiros de trabalho – Adriana, Dagoberto, Ezemar, Izabel e Solange - sujeitos

desta pesquisa pela confiança e solidariedade com que se predispuseram a narrar os

respectivos percursos de formação e partilhar comigo sentidos potencializadores das

experiências vividas.

À Leani, Kely, Elisete, Soely, Sônia, Dimam e Rita Menegão, por contribuírem, cada uma a

seu modo, nesta realização.

À Maria Helena, Gilmar, Newton e Edmar, por compartilharem comigo o pão e o passo,

conhecimentos e afeto ao longo de minha caminhada

À Telvone, Nilson, Vanelson, Air, Raquel, Maria Aparecida, Márcia, Walkíria, Gilmar

Oliveira, Evany, Ivanir Joana, Carmelita, Vilma, Célio, Eliane, Lucilene, Gleice, João

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Rodrigues, Juraci Queiroz, Adriângela, Nair, todos os funcionários da Escola Alvarina Alves

de Freitas por participarem de minha trajetória de formação.

À Maria Sebastiana e Adenilza por participarem de minha luta.

À tia Narcisa, pelo afeto.

À madrinha Cacho, pela coragem.

Aos tios: Newton Gomes, Alcim, João, Francisco, Altina, Alzira, Manoel e Juraci, por

auxiliarem meus pais na hercúlea tarefa de me educar.

À tia Maria, pela alegria.

À Vó Dinha, pela seriedade.

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Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma

Até quando o corpo pede um pouco mais de alma

A vida não pára

(...)

O mundo vai girando cada vez mais veloz

A gente espera do mundo e o mundo espera de nós

Um pouco mais de paciência.

Lenine

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RESUMO

Esta pesquisa foi delineada com fulcro na Pesquisa Narrativa (SOUZA, 2010; PASSEGGI

2010 e MONTEIRO, 2003) e está ancorada na compreensão de Formação como

Desenvolvimento Profissional que implica as dimensões: pessoal, organizacional e contextual

(GARCÍA, 1999). Nesta, busco compreender as trajetórias pessoais e profissionais de

formadores de Língua Portuguesa que atuam no CEFAPRO de Cuiabá, bem como são

interpretadas pelos formadores, nos respectivos percursos formativos, a política de formação

vigente na instituição. Em virtude disto, pesquisei os percursos formativos, aspectos

identitários e concepções de política de formação e de formação continuada por meio de

interpretações (RICOUER, 2011), tendo como instrumentos de coleta de dados as narrativas,

casos de ensino e situação-problema, produzidos por cinco formadores de professores de

Língua Portuguesa do CEFAPRO de Cuiabá. As análises apresentadas ao longo da pesquisa

conduzem a um cômpito. Encruzilhadas que emergem das trajetórias de formação dos sujeitos

pesquisados e confluem para diversas dimensões de ordem histórica, pessoal, subjetiva,

profissional, identitária, institucional, política, contextual. Dimensões que engendram,

porquanto, no âmbito da formação o desenvolvimento pessoal, profissional e institucional e

apontam para a influência preponderante dos contextos neste processo. Assim, parece possível

depreender que ocorre na mencionada instituição a reinterpretação das políticas públicas de

formação continuada, aspecto que aproxima os estudos, ora apresentados, da conceituação de

política tal como empregada por Ball (1992). As análises apontam ainda, para a necessidade

de se inscrever as políticas de formação de formadores de Língua Portuguesa que atuam no

CEFPRO de Cuiabá em uma ciência da mediação (FERRAROTTI, 1988; PASSEGGI, 2010)

e do acompanhamento (SOUZA, 2010).

Palavras-Chave: Percursos Formativos; Formação de Professores-formadores; Pesquisa

Narrativa.

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RESUMEN

La Investigación fue definida basada en la Investigación Narrativa (SOUZA, 2010;

PASSEGGI, 2010 e MONTEIRO, 2003) y está sostenida en la compreensión de la formación

en cuanto desarrollo profesional, personal y organizacional (GARCÍA, 1999). En esta, busco

comprender las trayetorias personales y profesionales de formadores de profesores que actuán

en el CEFAPRO de Cuiabá, así como són interpretadas por los formadores, en los respectivos

percursos de formación, la política de formación vigente en la instituición. Por lo tanto,

investigué los percursos de formación, rasgos identitarios, concepciones de política de

formación y de formación continuada por médio de interpretaciones (RICOUER, 2011) de las

narrativas, casos de enseñanza y situación-problema, producidos junto a cinco formadores de

profesores de Lengua Portuguesa del CEFAPRO de Cuiabá. Los análisis presentados

configurán encruzilladas que, emergén de las trayectorias de formación de los sujeitos

investigados y apuntán hacia diversas dimensiones: historica, personal, subjectiva,

profesional, identitária, institucional, política, contextual. Dimensiones que engendrán, por lo

cuanto, en la formación, el desarollo personal, profesional y institucional y apuntán hacia

influencias cruciales de los contextos en este proceso. Entonces, es posible comprender que

ocurre en la instituición la reinterpretación de las políticas públicas de formación continuada,

acercandose a los estudios presentados en la conceituación de política como de Ball (1992).

Los analisis apuntán también hacia la necesidad de insertarse las políticas de formación de

formadores de Lengua Portugesa que actuán en el CEFAPRO de Cuiabá en una ciencia de la

mediación (FERRAROTTI, 1988; PASSEGGI, 2010) e del acompañamiento (SOUZA,

2010).

Palabras-clave: Percursos de formación; Formación de Profesores-formadores; Investigación

Narrativa.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11

1.0 CONTEXTOS DE UMA PESQUISA ............................................................................. 20

1.1Uma perspectiva política de contexto: Dialogando com Ball ............................................. 26

1.2 Contexto da Pesquisa: CENTRO DE FORMAÇAO E ATUALIZAÇÃO DOS

PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA DE CUIABÁ ................................................ 29

2.0 FORMAÇÃO DE PROFESSORES: TERMO POLISSÊMICO ................................. 34

2.1 Ancoradouros teórico-práticos ........................................................................................... 34

2.2 Formação de professores: Engendramento dos Desenvolvimentos Pessoal, Profissional e

Organizacional .......................................................................................................................... 45

3.0 FORMAÇÃO DE FORMADORES: TEMA EM DEBATE ....................................... 52

4.0 PESQUISA QUALITATIVA EM EDUCAÇÃO: A PESQUISA NARRATIVA ....... 58

4.1 Memórias na Pesquisa Narrativa ........................................................................................ 65

4.2 Encontros narrativos: o universal singular ......................................................................... 69

4.3 Procedimentos Metodológicos ........................................................................................... 73

4.3.1 Instrumentos de coleta de dados ...................................................................................... 75

4.3.2 Critérios que Referendaram a Escolha dos Sujeitos da Pesquisa .................................... 80

5. PERCURSOS FORMATIVOS E NARRATIVAS DE FORMAÇÃO: TRAVESSIAS82

5.1 Sentidos possíveis: Interpretando os percursos formativos ................................................ 82

5.2 Aurora ................................................................................................................................. 83

5.3 Sol ....................................................................................................................................... 89

5.4 Dia ...................................................................................................................................... 92

5.5 Mar ..................................................................................................................................... 97

5.6 Ocaso ................................................................................................................................ 100

6.0 TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES

DE LÍNGUA PORTUGUESA: CONSTRUÇÃO/RECONSTRUÇÃO DAS

IDENTIDADES PROFISSIONAIS .................................................................................... 106

6.1 A Identidade de Professor ................................................................................................ 109

6.2 De professores a formadores de professor ........................................................................ 114

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6.3 Os significados da política de formação construídos nos percursos formativos:

Concepções de Professoras-formadoras acerca da Formação Continuada ............................. 129

6.4 Das Políticas de Formação Continuada Vigentes no CEFAPRO de Cuiabá .................... 136

CONSIDERAÇÕES ............................................................................................................. 144

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 147

ANEXOS ............................................................................................................................... 151

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INTRODUÇÃO

O narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou

a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência dos

seus ouvintes. Walter Benjamin

Esta pesquisa, que toma por objeto de estudo as trajetórias de formação de

professores-formadores de Língua Portuguesa, adquire características relevantes no tocante ao

recorte temático, pois em levantamento na Biblioteca online de teses e dissertações realizado

em outubro de 2011, com a temática formação de formadores no Portal da CAPES, foram

encontradas três dissertações e uma tese que versam sobre o tema. Aspecto deveras marcante

quando considerado o fato de que este mesmo levantamento aponta seiscentas e quatro

dissertações e cento e dezenove teses quando enfocada a temática formação de professores,

considerada a formação de modo geral.

A singularidade do estudo aqui apresentado ratifica-se ainda mais, ante a

confirmação de que muito embora se voltem à formação de formadores as pesquisas

mencionadas não coincidem em termos político-contextuais e metodológicos com o trabalho

ora exposto. As três dissertações referidas foram apresentadas nos de 2006, 2007 e 2008. A

tese foi defendida no ano de 2009. Duas destas dissertações foram defendidas no âmbito do

programa de pós-graduação em Educação da UECE e têm como objetos de estudo: os

processos formativos do professor orientador da ação docente supervisionada do Programa de

Formação Docente em Nível Superior e seus processos formativos – Magister da

Universidade Estadual do Ceará e a descrição de como os alunos do curso de

Aperfeiçoamento/Especialização em Formação de Formadores, oferecido pelo Centro de

Educação da Universidade Estadual do Ceará, apropriaram-se dos discursos sobre a formação

docente reflexiva, que fundamenta teórico-metodologicamente o referido curso,

respectivamente.

A terceira dissertação que integra o referido levantamento foi apresentada ao

programa de pós-graduação em Educação da UNICID e toma por objeto de estudo a formação

dos formadores que atuam nos programas de formação; mais especificamente a formação de

professores formadores envolvidos em programas oferecidos a professores das séries iniciais

da rede pública Estadual de São Paulo. A tese encontrada por meio deste levantamento foi

defendida no âmbito do programa de pós-graduação em Educação (Currículo) da PUC/SP e

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buscou identificar quais indicadores de mudança na prática docente vivenciada em ambientes

virtuais de aprendizagem podem ser evidenciados no processo de formação de formadores

desencadeado no contexto do "Projeto Gestão Escolar e Tecnologias/CONSED - PUC/SP.

Assim, a pesquisa ora apresentada constituiu para mim um desafio instigante.

Primeiramente por engendrar possibilidades bastante tangíveis para o alargamento de meu

entendimento no que se refere à formação de professores. Depois por tornar exeqüível a

compreensão de que a formação constitui-se de processos tecidos intersubjetivamente.

Processos que, enredados nas narrativas se potencializam e tornam possível a descoberta de

que é a pessoa que se forma e, o faz por meio do embate, do diálogo, da construção a um só

tempo singular e universal de sentidos partilhados com outrem. Então, se me proponho a

interpretar os sentidos presentes nas narrativas dos sujeitos que colaboram com este trabalho,

não posso me eximir, sob pena de incorrer em grave incoerência metodológica e em flagrante

egoísmo, de partilhar com estes colaboradores e com todos aqueles a quem esta pesquisa

possa interessar, a minha própria narrativa pessoal e profissional.

No sentido posposto, destaco que a narrativa de meu percurso formativo, aqui

concebido no âmbito de uma trajetória de formação, é motivada nos meandros deste trabalho

pelo questionamento apresentado por Nóvoa (1995, p.16): “Como é que cada um se tornou no

professor que é hoje? De que forma a acção pedagógica é influenciada pelas características

pessoais e pelo percurso de vida profissional de cada professor?” Assim, nas páginas

seguintes apresentarei experiências, sejam elas próprias ou entretecidas com outrem,

buscando incorporar as coisas narradas à experiência dos leitores- ouvintes- inclusos aqueles

que participam diretamente da pesquisa, precipuamente o pesquisador, narrador-ouvinte de si

e dos outros.

Primogênito entre quatro irmãos, filho de agricultores de pouco poder

aquisitivo, vivi toda infância e os primeiros anos da adolescência em um pequeno sítio. Casa

de adobe, erigida sob um morro e circundada por um pequeno riacho. Desde tenra idade fui

iniciado na crença de que a Escola representava um lugar de ascensão social e prestígio

pessoal. Meu pai anunciava a quem quer que se dispusesse a ouvi-lo que o filho iria estudar

para não puxar cobra aos pés. Assim, em uma metáfora, expressava o desejo de que o rebento

não se tornasse também ele, um trabalhador rural.

Não obstante, até os sete anos não tive nenhuma experiência escolarizada.

Cavalguei poltros, travei batalhas fantásticas insuflado por estórias tão bem narradas por meu

avô e viajei longa e magicamente nas águas do pequeno riacho. Então, a Escola há muito

anunciada chegou. Veio em um final de tarde, trazida por meu pai sob a forma de um caderno

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pequeno, uma borracha –azul e vermelha- e um lápis. Chamou-me ao quarto: “Sabe pra quê

serve isso?” apontando o caderno. Tendo ouvido de mim a resposta de que servia para

escrever letras, continuou indagando acerca da utilidade do lápis e da borracha,

respectivamente. Por fim, entregou-me todo o material e anunciou solene: “Amanhã cê vai pra

escola!”.

Noite intensa, diante de tão alvissareira notícia não pude conciliar com o sono.

Pela manhã lá estava eu, diante da maior casa vista por mim até aquele momento. Paredes

verdes e azuis, imensas. Meu pai me entregou ao Senhor Antônio e este me conduziu à sala da

primeira série, matutino, Escola Nossa Senhora Aparecida, Planalto da Serra. Na sala, entre

tímido e temeroso, vislumbrei de relance a professora e os alunos. Sentei-me na segunda

cadeira da segunda fila. Tremia.

Naqueles primeiros dias de Escola dois fatos me marcaram indelevelmente. O

primeiro foi a minha dificuldade em copiar da lousa, mesmo tendo sido conduzido pela

professora nos primeiros movimentos, não conseguia domar o lápis e, isto me causava grande

pesar. O segundo me envolveu indiretamente, aconteceu com uma menina que à época me

fascinava. Morena, pequena, com traços graciosos, era vizinha de sítio. Na sala de aula se

sentava à minha frente. Um dia, tendo olhado para um lado, depois para o outro, moveu-se e

cuspiu no chão, bem junto à cadeira em que se sentava. Acompanhei todo o movimento,

pareceu-me delicado até. Todavia, em um átimo compreendi que aquele gesto mesmo

parecendo delicado, era inapropriado para aquele ambiente, pois a professora imediatamente

vociferou e ordenou vigorosa que a garotinha fosse até a “zeladeira”, trouxesse um pano de

chão, depois a fez limpar metodicamente o cuspe, diante de toda a turma.

Quiçá, advenha dos fatos narrados as maiores aprendizagens que obtive em

meus primeiros anos de escola: Era preciso saber mais que nadar rios, encantar-se ao ouvir

belas histórias ou cavalgar potros para ser bem sucedido naquele contexto. No sentido de

marcar a relevância das vivências advindas ainda do tempo em que o docente era aluno Bueno

(2002), afirma que é preciso conceber a formação do professor como processo iniciado nos

primórdios da escolarização, antes até. Nesta perspectiva, compreendo que meu percurso

formativo começou a ser delineado já nas experiências narradas por meu avô, e, no que

concerne à escola, este percurso adquire novos contornos quando meu pai me apresenta os

materiais didáticos, assim como quando presencio o evento em que minha colega de sala sofre

sanção por adotar um comportamento comum entre os membros do grupo em que eu me

inseria. De fato, com o tempo e as vivências no ambiente escolar, aprendi a não cuspir no

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chão e conclui o primeiro grau reconhecido como um dos melhores dentre os alunos daquele

colégio e isto, comprazia muito meus pais, me deixava lisonjeado e confiante no porvir.

Findo o ensino fundamental, a época denominado primeiro grau, migrei para

Cuiabá. Novas relações, novos conflitos, outras aprendizagens. Durante os três anos que vivi

na capital fui balconista, auxiliar contábil, servente de pedreiro. Das relações encetadas me

marcaram particularmente as que estabeleci com um tio, uma tia, posteriormente uma prima,

filha do casal que acompanhei desde a concepção até por volta dos dois anos de idade,

período durante o qual vivemos na mesma casa. Tão afetuosas e profícuas foram as vivências

em companhia destas pessoas que até os dias presentes as tenho no circulo íntimo de amigos.

Concluído o segundo grau, Ensino Médio, quedei indeciso quanto ao futuro e,

após uma tentativa pouco exitosa de ingressar no Curso de História na UFMT, recebi uma

carta de meu pai na qual me conclamava a prestar o concurso vestibular para o Curso de

Pedagogia em um Campus da UFMT, recém instalado em Primavera do Leste. Enviou-me

ainda vinte reais, valor equivalente a duas passagens de ônibus no trajeto entre Cuiabá e

aquela cidade.

Em janeiro de 1997 iniciei o Curso de Pedagogia na modalidade parcelada pela

UFMT, Campus de Primavera do Leste. Naquele mesmo ano fui iniciado na docência;

professor contratado para lecionar as disciplinas de Língua Portuguesa, Geografia e Filosofia

nos ensinos Fundamental e Médio da Escola Estadual Alvarina Alves de Freitas, em Planalto

da Serra. O retorno àquela localidade, à casa de adobe, ao riacho, ao sítio, possibilitou-me

perceber que embora eu tivesse saído daquele lugar, a roça nunca saíra de mim.

Porquanto, compreendi com Riobaldo Tatarana que “sertão: é dentro da gente”

(GUIMARÃES ROSA, 1994, p. 435), de modo que os contextos de vivência acabam por

constituírem dimensões significativas da identidade daquele que se forma e, assim sendo a

formação pressupõe o engendramento das dimensões subjetivas e pessoais, com o entorno

político, histórico e social. Além disso , por suscitar muitos sentidos e concepções várias, a

formação de professores configura-se concomitantemente como um problema político e

filósico e, se insere em um processo histórico. De modo que está inscrita em uma

problemática mais ampla na qual estão envoltas dimensões científicas e epistêmicas acerca

dos saberes da profissão e sobre a profissão docente (SOUZA, 2010).

Neste sentido, situo o processo de desenvolvimento profissional e pessoal em

que me encontro numa perspectiva ampla o suficiente para envolver fatos que, remetem a

ações iniciais ocorridas ainda na infância e adolescência, mas que corroboraram

decisivamente para que eu fosse me construído. Ao tempo em que revelo a importância do

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curso de Pedagogia, do ingresso no Magistério, da ulterior atuação como professor-formador

no Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação de Cuiabá, bem como do

ingresso posterior no Mestrado em Educação, para o redimensionamento de minha trajetória

histórica, por conseguinte de meu desenvolvimento pessoal e profissional.

Pautado no exposto nos parágrafos precedentes, enuncio que o Curso de

Pedagogia no qual ingressei em 1997 resultou do compromisso político da Universidade

Federal de Mato Grosso com a formação de docentes. Este curso integrou o Programa de

Formação do Educador das séries iniciais do Ensino Fundamental, o qual foi desenvolvido

pelo Instituto de Educação em parceria com a Secretaria de Estado de Educação e Secretárias

Municipais de Educação e representa uma das ações de interiorização da UFMT (BERALDO,

2007). Neste caso, esta interiorização se deu pela via do Curso de Pedagogia na modalidade

parcelada e foi realizado nos meses de janeiro, fevereiro e julho entre os anos de 1997 e 2000,

no município de Primavera do Leste; destinava-se à formação de professores em efetivo

exercício na rede pública de ensino nos municípios de Planalto da Serra, Poxoréo, Nova

Brasilândia, Paranatinga e Campo Verde, além do município sede.

O fato de o Curso de Pedagogia mencionado destinar-se a professores em

efetivo exercício na rede pública me levou a ingressar na rede pública estadual de Ensino em

Planalto da Serra, no mesmo ano em que iniciei este Curso de Licenciatura Plena em

Pedagogia: Magistério das Séries Iniciais do Ensino Fundamental, cujos objetivos

fundamentais se voltavam

à criação de condições teóricas reflexivas favoráveis à melhor compreensão,

explicação e explicitação da lógica da prática educativa e à atuação crítica e

ativa no Projeto Político Pedagógico da escola. Nessa perspectiva, as

atividades curriculares deveriam criar espaços de encontro de consciências

intersubjetivas e interessadas na problematização e análise da prática

educativa. (BERALDO, 2007, p. 74).

Em consonância com que objetivava e/ou era praticizado no Curso a que me

venho referindo, eu ia burilando minha prática, elaborando e atribuindo novos sentidos a meu

ser pessoa e ao ser professor. É certo que, também os encontros e confrontos intersubjetivos

encetados tanto no âmbito da Escola Estadual Alvarina Alves de Freitas em Planalto da Serra

quanto, nos meandros das Escolas Paraíso e Waldemon Morais Coelho nas quais atuei no ano

de 1998, quando migrei para Campo Verde ou da Escola João Ribeiro Vilela em Primavera do

Leste, na qual assumi uma condição melhor de profissionalização ao ser lotado como

professor concursado no ano de 2000 ou, ainda, no retorno a Planalto para atuar como

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Assessor de Formação Continuada dos professores da Rede Municipal durante quatro anos;

assim como posteriormente, Coordenador da mesma escola em que iniciei os trabalhos na

docência, vêm me constituindo quer seja na dimensão profissional, quer seja nos aspectos

pessoais e identitários. Vivências e saberes advindos de todos estes lugares me fazem ser o

que no momento estou sendo. E, este momento é uma extensão histórica de todos aqueles

instantes até aqui relatados, acrescidos do saberes experienciais que me têm sido facultados

elaborar desde que ingressei no CEFAPRO – Centro de Formação e Atualização dos

Profissionais da Educação Básica de Cuiabá, em 2009.

O ingresso no mencionado Centro de Formação representa em meu percurso a

assunção de uma nova etapa no âmbito da profissionalidade, fato que certamente marca muito

significativamente minha identidade, pois a atuação na formação de outros docentes requer do

formador de professores a compreensão dentre outros aspectos da noção de mediação e

acompanhamento na contemporaneidade (SOUZA, 2010). E, esta compreensão não se dá

tacitamente, tampouco desvinculada das políticas de formação instaraudas no macrocontexto

e vigentes no microcontexto, logo, a assunção do metier de formador de professores envolve

necessariamente conflitos de ordem contextual, histórica e identitária. Então, formaçao e

identidade estão entrelaçadas ao longo de meu percurso de formaçao, sendo infactível

desvincular uma da outra e se definem mescladas dinamicamente, de modo a caracterizar o

jeito como na condição de formador de professor me sinto e me faço anunciar. Subjetividade

e enunciação discursiva se tornam proeminentes, posto que integram minha identidade

docente, esse espaço marcado pelo conflito e pela construção que se dá nos meandros de

minha formação (NÓVOA, 1995).

À minha atuação como professor-formador de Língua Portuguesa no

CEFAPRO de Cuiabá precederam, em termos mais específicos, uma pós-graduação na Área

de Linguagem e uma segunda licenciatura: Língua Portuguesa, Língua Espanhola e

respectivas Literaturas. Deliberei por cursar Letras tão logo conclui o Curso de Pedagogia e o

fiz pelo envolvimento que tive com a disciplina que comecei lecionar ainda como professor

leigo nos idos de 1997 e, pela salutar descoberta e o súbito encantamento com a Literatura

Contemporânea Brasileira e Latina, mormente as obras de João Guimarães Rosa, José Luis

Borges e Garcia Marquez, somados ao deleite advindo dos estudos concernentes à Análise do

Discurso.

Ingressei no Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação

Básica de Cuiabá por meio de um Concurso Seletivo realizado no ano de 2008 com incidência

exclusiva sobre professores concursados na rede pública estadual de ensino. Aprovado, atuo

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na instituição desde janeiro de 2009. Na condição de formador de professores da Área de

Linguagens, compartilhei com outros formadores da Área encontros formativos muito

significativos, participei de conferências valorosas ministradas, dentre outros por Antônio

Nóvoa e assumi demandas formativas junto a cinco escolas públicas de Cuiabá, além de ter

atuado como professor-formador no Programa Gestar1 e no Pro - infantil

2. Amparado na

dinamicidade proveniente destes labores, bem como na reflexão deles advinda, participei da

Seleção para o Mestrado em Educação no PPGE/UFMT, na Linha: Organização Escolar,

Formação e Práticas Pedagógicas, em fins de 2009. Tendo sido aprovado passei a integrar o

Grupo: Estudos e Pesquisas em Política e Formação Docente: Educação Infantil e Ensino

Fundamental, em fevereiro de 2010.

No Grupo de pesquisa em política e formação docente, eu à época, já fascinado

pelas narrativas como possibilidades de organização de experiências humanas a partir de

diversos gêneros discursivos e textuais, aprendi uma nova maneira de recorrer a elas com o

intuito de potencializar as experiências humanizantes, agora como método de pesquisa

voltado à compreensão dos percursos formativos de diversos profissionais, inclusos os

professores. De modo que, em parceria com minha orientadora Drª. Filomena Maria de

Arruda Monteiro, propus-me a incumbência de pesquisar, tomando como método a Pesquisa

Narrativa, os percursos formativos de formadores de professores de Língua Portuguesa que

atuam no CEFAPRO de Cuiabá. Desde então, tenho buscado compreender no âmbito de

minha trajetória de formação que a formação congrega diferentes dimensões, conforme

assentido por Souza (2010). Neste sentido, por meio da aproximação dos estudos deste autor

com os trabalhos de Nóvoa (1995, 2009) e Marcelo Garcia (1999), venho fomentando o

entendimento de que embora seja o professor, o adulto que se forma ao assumir um projeto

histórico existencial do qual é ator e autor, não o faz num universo lacunar, antes concebe e

concretiza tal projeto amparado pelo contexto no qual atua, portanto,

Um dos elementos positivos que encontramos na utilização do conceito de

desenvolvimento profissional reside no facto de pretender superar a

concepção individualista e celular das práticas habituais de formação

permanente. Quer isso dizer que o desenvolvimento do professor não ocorre

no vazio, mas inserido num contexto mais vasto de desenvolvimento

organizacional e curricular. (GARCÍA, 1999, p. 139)

1 Programa de formação continuada de professores de Língua Portuguesa e Matemática, concebido pelo

Ministério de Educação e Cultura e praticizado em parceria com as Secretarias de Estado de Educação. 2 Programa concebido do MEC e implantado em Regime Emergencial visa à formação inicial e em serviço de

professores que atuam na Ed. Infantil, cuja formação não atende aos preceitos legais da LDB 9394/96 de

formação inicial para o exercício do Magistério.

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Entretecida esta narrativa, passo agora a apresentar o modo como está

organizado este texto, o qual se encontra organizado em seis capítulos e resultou de uma

pesquisa de Mestrado em Educação no PPGE/UFMT, na Linha: Organização Escolar,

Formação e Práticas Pedagógicas; Grupo: Estudos e Pesquisas em Política e Formação

Docente: Educação Infantil e Ensino Fundamental.

No capítulo primeiro apresento o contexto da pesquisa: O centro de formação e

Atualização dos profissionais da Educação Básica, CEFAPRO de Cuiabá, o qual é situado

historicamente no âmbito das políticas de formação de professores em âmbito nacional e no

cenário estadual. Do mesmo modo, o mencionado contexto é compreendido de conformidade

com o conceito de Políticas apresentado por Ball (1992).

No segundo capítulo exponho a concepção teórico-epistemológica em que se

sustenta a pesquisa: formação como desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional.

Ao passo em que evidencio os trabalhos de García (1999), Nóvoa (1992, 1995, 2009) e

Monteiro (2003, 2007) como sustentáculos teórico desta concepção de formação. De seguida

apresento as similitudes/divergências entre esta concepção de formação com aquelas

concepções presentes nos trabalhos de Sácristan (1992), Giroux (1997), Zeichner (1992,

2005) e Peréz Gómez (1992), dentre outros.

No capítulo terceiro apresento o debate concernente à formação dos

formadores e a formação como acompanhamento e mediação, ancorado nos trabalhos de

Souza (2010) e Passeggi (2010).

No quarto capítulo apresento o delineamento metodológico da pesquisa e,

referencio, neste sentido, nos trabalhos de Bogdan e Bilklen (1994) e Ludke e André (1986)

ao tratar da pesquisa qualitativa em Educação. Do mesmo modo, busco sustentação teórico-

metodológica nos trabalhos de Souza (2010), Passeggi (2010), Galvão (2005) e Monteiro

(2003), ao referendar este trabalho na Pesquisa Narrativa. Discuto também, neste capítulo, o

conceito de memória conforme consta nos trabalhos de Bosi (1994) e a relevância deste

último para o desenvolvimento da pesquisa. Do mesmo modo apresento no capítulo quatro o

conceito de universal singular tal como apresentado por Ferrarotti (1988).

No capítulo seguinte, apresento os percursos formativos dos cinco professores

formadores de Língua Portuguesa que atuam no CEFAPRO de Cuiabá e, busco caracterizar

nestes percursos aspectos pessoais e subjetivos, profissionais e contextuais que marcaram a

trajetória de formação destes formadores. E, nesta perspectiva, uma vez mais foram

indispensáveis os contributos de García (1999) e Nóvoa (1995), assim como algumas

categorias constantes do projeto hermenêutico de Paul Ricoeur (2011), precipuamente aquela

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referida ao discurso como acontecimento. A propósito das categorias presentes na

Hermenêutica de Ricoeur (2011) é mister anunciar que, de certo elas presidem e dão

sustentação a análises constantes não só no capítulo cinco como também no capítulo seis.

O capítulo seis está organizado em quatro sub-eixos. No item 6.1 A Identidade

de Professor, apresento as análises das narrativas produzidas pelos pesquisados buscando

matizar os sentidos subjacentes a constituição identitária do professor-formador; no item

seguinte 6.2, procuro evidenciar no âmbito da trajetória de formação destes profissionais

aspectos que, representam por assim dizer, uma travessia de Professor a Formador. Nos dois

últimos sub-eixos do capítulo, denominados: “Os significados da política de formação

construídos nos percursos formativos: Concepções de Professoras-formadoras acerca da

Formação Continuada” e “Políticas de Formação Continuada Vigentes no CEFAPRO de

Cuiabá”, apresento as concepções sobre formação continuada de professores presentes nas

narrativas orais e escritas de Aurora, Sol e Dia, bem como interpretações sobre a política de

formação continuada vigente no CEFAPRO de Cuiabá. Retomo ainda, concepções de

professores-formadores sobre o tema, a partir das narrativas de Mar e Ocaso. Ancoram as

respectivas interpretações o conceito de Políticas presente em Ball (1992), a compreensão da

formação como desenvolvimento que engendra concomitantemente as dimensões pessoais,

profissionais e institucionais (GARCÍA, 1999) e os conceitos de Universal Singular e de

Mediação social tal como entendidos por Ferrarotti (1988).

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1.0 CONTEXTOS DE UMA PESQUISA

Uma resposta ainda precisa ser construída no contexto, contraposta ou

balanceada por outras expectativas. Ball

Da formação de professores concebida como desenvolvimento profissional, tal

como o é nesta pesquisa, decorre uma série de implicações com vistas a alcançar o coletivo de

professores e não os indivíduos isoladamente. Do mesmo modo, nesta perspectiva, nenhuma

formação pode ser exitosa se ocorrer desvinculada do contexto no qual estes coletivos de

professores atuam, posto que não incide sobre aqueles somente. Fato explicitamente

enunciado nas palavras de Monteiro (2006), para quem

(...) o desenvolvimento profissional implica não só indivíduos, mas

essencialmente grupos: os professores no coletivo, os formadores dos

professores, os responsáveis pelas instituições formadoras e os responsáveis

pelas políticas de formação. (MONTEIRO, 2006, p. 67)

António Nóvoa (2009), a exemplo de Monteiro (2006) destaca a importância

das comunidades de práticas, espaço conceptual constituído por grupos de professores

comprometidos com atividades de pesquisa e inovação para o desenvolvimento profissional e

pessoal dos docentes, segundo o autor

através dos movimentos pedagógicos ou das comunidades de prática,

reforça-se um sentimento de pertença e de identidade profissional que é

essencial para que os professores se apropriem dos processos de mudança e

os transformem em práticas concretas de intervenção. É esta reflexão

colectiva que dá sentido ao seu desenvolvimento profissional. (NÓVOA,

2009, p. 20)

Contudo, alerta sobre o fato de que as condições existentes nas escolas e as

políticas públicas em relação aos professores precisam ser alteradas, sob pena de não se

realizar a mudança necessária, cujo ensejo se deu no âmbito da reforma educacional, assim

como tornar exeqüível a formação de professores do modo como vem sendo compreendida e

requerida na contemporaneidade,

Mas nada será conseguido se não se alterarem as condições existentes nas

escolas e as políticas públicas em relação aos professores. É inútil apelar à

reflexão se não houver uma organização das escolas que a facilite. É inútil

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reivindicar uma formação mútua, inter-pares, colaborativa, se a definição das

carreiras docentes não for coerente com este propósito. É inútil propor uma

qualificação baseada na investigação e parcerias entre escolas e instituições

universitárias se os normativos legais persistirem em dificultar esta

aproximação. (id. , 2009, p.20)

Sendo assim, o delineamento desta pesquisa pressupõe necessariamente a

caracterização do contexto em que ocorre que, neste caso, remete de modo mais abrangente a

políticas públicas de formação continuada de professores instituídas em âmbito nacional e

estadual e, em termos mais específicos, ao CEFAPRO de Cuiabá - Centro de formação e

atualização dos profissionais da Educação Básica.

No tocante a políticas públicas de formação continuada de professores

encampadas em âmbito nacional é possível notar que, a exemplo do que declara Antônio

Nóvoa (2009) acerca do tema no cenário mundial ocorreu, “nas últimas décadas, o retorno do

professor à ribalta educacional”, uma vez que a melhoria da qualidade da educação brasileira

tem se configurado como um desafio aos governos, instituições formadoras, entidades

sindicais e profissionais da área.

“Muitos debates têm ocorrido, sempre vinculando a melhoria da qualidade do

ensino com investimentos na formação inicial e continuada dos profissionais da educação”

(MATO GROSSO: Secretaria de Estado de Educação, 2010). Desta maneira, quando se trata

de formação de professores e maior equalização da aprendizagem discente, as ações do

Ministério da Educação e Cultura, bem como das Secretarias de Estado de Educação apontam

incisivamente para o profissional docente e de todos os lados advém os proclames que instam

o professor a desenvolver as capacidades que, de acordo com os mentores destas políticas, são

imprescindíveis na formação das gerações que estão sendo escolarizadas. Logo, estas políticas

acabam por adquirirem um espectro de grande relevância e, tornam possível um enfoque

panóptico do professor tanto nos meandros educacionais quanto em outras instâncias sociais.

Nos dizeres de Albuquerque; Nunes (2007:12) “todo o cenário tem pontuado, para os

docentes, a necessidade de maior adaptação às mudanças, inovação, flexibilidade,

criatividade”.

No entanto, o retorno do profissional da educação a lugar de destaque no

proscênio, parece não equivaler proporcionalmente a melhorias nas condições de trabalho,

formação e remuneração, como a discursividade erigida em torno das políticas de formação

continuada instituídas pelo MEC dão a entender. Antes, a tais políticas parecem caber o

mesmo questionamento que Domingos Fernandes (2006) apresentou ao se referir à formação

de professores em países da União Européia

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Uma questão que poderemos colocar é a de saber se as lógicas que têm

prevalecido na formação de professores estarão em condições de responder

às exigências atuais da educação escolar e são consistentes com os principais

resultados da investigação. (FERNANDES, 2006, p. 22).

À questão posposta Fernandes (2006) responde com um contundente e enfático

não. Aspecto que torna similar a ineficácia de muitos programas de políticas educacionais de

um modo geral e de formação de modo específico, tanto do lado de lá do atlântico quanto do

lado de cá do Equador. Principalmente quando as razões apresentadas por Fernandes (2006)

como sendo causa desta ineficácia se confundem com os dilemas presentes na formação

docente vigente em diversas instituições brasileiras como, por exemplo, a falta de abrangência

e articulação integradas, profundas das questões e dos fenômenos educativos característica de

vários programas de formação de professores. Porquanto, os dizeres do autor uma vez mais

são providenciais quando considerados os programas de Formação delineados no Brasil nos

últimos anos, pois

Parece assim evidente a necessidade de se repensarem os currículos de

formação de professores, para que possam ser mais congruentes com os

correntes desafios e exigências da sociedade e da educação escolar, e para

que a formação proporcionada possa ter a relevância e a pertinência que se

desejam. Os climas de formação, de modo geral, não são estimulantes, não

promovem atitudes investigativas nem hábitos de resolução de problemas. A

verdade é que, no fundo, se está a exigir aos professores que façam o que a

formação inicial, e mesmo a formação contínua, não estão a serem capazes

de lhes ensinar. E, esta situação é, no mínimo, um absurdo. (FERNANDES,

20006, p.25).

Entretanto, o reconhecimento da necessidade de se considerar os

saberes/dizeres do profissional da Educação que assumiram posição de destaque nas pesquisas

mais recentes, as quais mostram a urgência de se compreender processos tais como: reflexão,

teorias implícitas e pessoais, importantes no percurso formativo, na configuração curricular e

nas práticas de sala de aula (MONTEIRO, 2007); bem como a concepção e praticização dos

programas de formação sustentados nos resultados advindos destas pesquisas e, a legitimação

de demandas formativas bastante específicas em alguns documentos de assinatura oficial

podem ser representativos de avanços advindos de políticas educacionais institucionalizadas

no cenário brasileiro. Estes possíveis avanços ganharam expressividade por meio do que os

estudiosos da educação denominam reforma educacional e, a julgar pelo discurso ratificado

por Albuquerque; Nunes (2007) esta reforma forjou importantes mudanças na educação

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brasileira, ao tempo em que tornou consonantes as políticas deste País com aquelas

implementadas na América Latina,

No Brasil, mais especificamente, em consonância com políticas para a

América Latina, o cenário descrito traz consigo a implementação de uma

reforma educacional. Nesse período produziram-se importantes mudanças na

educação, como a aprovação da nova LDB. a criação do Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do

Magistério- FUNDEF, a elaboração do Plano Nacional de Educação – PNE-

e a implantação de Parâmetros Curriculares Nacionais -PCN. Todos com

repercussão sobre os docentes, inclusive quanto a sua formação.

(ALBUQUERQUE; NUNES, 2007, p. 14)

No contexto da mencionada reforma educacional, os investimentos em

programas de formação vêm apresentando acentuado crescimento. De modo que novas

políticas e linhas de ação são desenvolvidas e visam à proposição de novos programas de

formação, por meio de estratégias transformadoras tanto no que se refere à questão

organizacional e curricular quanto à questão conceptual ao modelo de formação

(MONTEIRO, 2007). A partir dos anos de 1990, esta reforma passou a eleger a escola como

espaço fulcral para a regulação do sistema de ensino e lugar privilegiado para a mudança, por

conseguinte, também a formação continuada de professores tem se voltado paulatinamente

para o contexto da prática, para o lócus de atuação do profissional docente.

Assim, parece importante destacar que ao ser enfocada de uma perspectiva

histórico-política, a reforma educacional no Brasil pode ser vinculada a mudanças que

afetaram a formulação de políticas públicas no pós- governo ditatorial, em meados da década

de oitenta. Neste sentido, se apresenta associada ao movimento de democratização do País o

qual, ensejou a homologação da Constituição de 1988. No bojo deste movimento, professores

e diversos outros segmentos da sociedade organizada fizeram-se ouvir e, reivindicaram a

valorização do magistério, tendo, em virtude disso, chegado ao Congresso Nacional a

necessidade de inserir dispositivos concernentes à formação e à carreira do Magistério público

no projeto de reforma da Educação (MATO GROSSO: Secretaria de Estado de Educação,

2010). De maneira que

a partir da década de 90, o arcabouço legal que dá as bases para a

elaboração e execução de políticas públicas para a formação e valorização

dos profissionais da educação têm avançado consideravelmente. A mudança

do FUNDEF para FUNDEB, a permanência dos princípios estabelecidos

pela LDB em 1996, a Lei do Piso, a publicação do Decreto Nº. 6.755/09, que

institui a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da

Educação Básica e disciplina a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento

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de Pessoal de Nível Superior no fomento a programas de formação inicial e

continuada, as alterações estruturais e orçamentárias ocorridas na CAPES, a

consolidação da plataforma Paulo Freire e a elaboração de Planos

estratégicos participativos para a formação são exemplos destes avanços (...).

A implantação e consolidação dos Fóruns Estaduais Permanentes de Apoio à

Formação Docente em todo o país indicam que cada dia há mais controle

social sobre as políticas estabelecidas pelos governos. (MATO GROSSO:

Secretaria de Estado de Educação, 2010, p. 11)

Em Mato Grosso, os impactos da reforma educacional delineada nos anos de

1990 se fizeram notar de forma bastante contundente. No que tange aos aspectos estruturais e

organizacionais da carreira docente, por exemplo, o Estado foi um dos primeiros em todo o

Brasil, a aprovar uma Lei Orgânica regulamentadora da profissão docente em consonância

com a constituição federal de 1988 e com a nova Lei de Diretrizes e Bases Educacionais de

1996, a LOPEB- Lei Orgânica dos Profissionais da Educação Básica, sancionada em 1º. de

Outubro de 1998, a qual esclarece no artigo primeiro

Art. 1° Esta lei complementar cria a carreira dos Profissionais da Educação

Básica do Sistema Público Educacional, tendo por finalidade organizá-la,

estruturá-la e estabelecer as normas sobre o regime jurídico de seu pessoal.

Diante do instituído, no parágrafo primeiro da Lei complementar número

50/01/1998, ao menos em termos jurídicos passou a ser factível no Estado de Mato Grosso, a

constituição de uma carreira docente definida pela profissionalização e, conseguintemente,

erigiu um dos primeiros pilares no sentido de se estabelecer como política de formação do

professor a concepção de formação concebida segundo a ideia de desenvolvimento

profissional. E, nesta perspectiva é importante mencionar que no Capítulo II, Seção I, a

referida Lei institui a Licença para Qualificação Profissional. No entanto, a concessão desta

licença não se dá de modo aleatório e as condições que são requeridas, parecem caminhar em

direção ao engendramento da carreira docente com o conceito de desenvolvimento

profissional e organizacional, isto no contexto do texto, conforme pode ser depreendido das

leituras dos artigos 50, 51 e 52

Art. 50 A licença para qualificação profissional se dará com prévia

autorização do Governo do Estado, e consiste no afastamento dos

Profissionais da Educação Básica das suas funções, sem prejuízo do seu

subsídio e vantagens, assegurada a sua efetividade para todos os efeitos da

carreira, e será concedida:

I - para freqüência a cursos de atualização, em conformidade com a Política

Educacional ou com o Plano de Desenvolvimento Estratégico;

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II - para freqüência a cursos de formação, aperfeiçoamento e especialização

profissional ou de pós-graduação, e estágio, no País ou no exterior, se do

interesse da unidade;

III - participar de congressos e outras reuniões de natureza científica,

cultural, técnica ou sindical, inerentes às funções desempenhadas pelo

Profissional na Educação Básica.

Art. 51 São requisitos para a concessão de licença para aperfeiçoamento

profissional:

I - exercício de 03 (três) anos ininterruptos na função;

II - curso correlacionado com a área de atuação, em sintonia com a Política

Educacional ou com o Plano de Desenvolvimento Estratégico da escola;

III - disponibilidade orçamentária e financeira.

Art. 52 Os Profissionais da Educação Básica licenciados para os fins de que

trata o Artigo 50, obrigam-se a prestar serviços no órgão de lotação, quando

de seu retorno, por um período mínimo igual ao do seu afastamento.

É possível ler nos artigos citados e em nos respectivos incisos, uma intenção,

reiterada de maneira insistente, em se vincular a formação continuada dos profissionais da

Educação, primeiramente, com a Política Educacional ou com o Plano de Desenvolvimento

Estratégico; depois com o interesse da unidade escolar e às funções requeridas pelo metier do

Profissional da Educação Básica; por fim são requisitados: tempo mínimo de atuação, curso

correlacionado com a área de atuação, disponibilidade orçamentária e financeira da instituição

e o retorno obrigatório do licenciando a unidade de atuação, empós conclusa a etapa

formativa. Aspectos que, posteriormente no cenário legislativo estadual foram ratificados

pelo Decreto 6481/2005 e pela Instrução Normativa 011/2009/GS/Seduc/MT e, a meu ver,

apontam no sentido de se instituir formações continuadas que sejam minimamente

condizentes com as necessidades requeridas pelo contexto onde o professor desenvolve a

respectiva prática. Posicionamento que se evidencia ainda mais quando no contexto de

produção do texto, a Secretaria de Estado de Educação se faz anunciar nos seguintes termos

Reconhece-se, assim, que o desenvolvimento profissional está intimamente

relacionado com o desenvolvimento da escola, com o desenvolvimento e a

inovação curricular, com o desenvolvimento do ensino e com o

desenvolvimento da profissionalização. A Seduc/MT propõe uma concepção

de formação que possibilite a articulação do desenvolvimento pessoal com o

profissional, compreendido como processos contínuos e ininterruptos,

orientados pela concepção metodológica dialética que permite responder ao

dinamismo da prática educativa e as contradições de seu contexto,

orientando para a sua transformação. (MATO GROSSO: Secretaria de

Estado de Educação, 2010, p. 15)

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Obviamente, pode-se obstar que nas circunstâncias atuais as políticas

educacionais vigentes no Estado de Mato Grosso, não são por si só, suficientes para que seja

implementada a formação como desenvolvimento profissional, pessoal e organizacional,

todavia há que se considerar que em âmbito estadual, esta legislação e o arcabouço teórico

que a sustenta, constituem um avanço relevante na perspectiva da formação continuada de

professores. E, neste sentido, parece oportuno trazer o modo como Ball (2006), conceitua a

política de um modo geral. Importa destacar ainda, a ênfase que o autor atribui à ação das

pessoas no contexto em que os problemas se dão ao enfrentamento

(...) políticas colocam problemas para seus sujeitos, problemas que precisam

ser resolvidos no contexto. Soluções para os problemas postos pelos textos

políticos serão localizados e deveria ser esperado que discernissem

determinados fins e situações confusas. Respostas que precisam, na verdade,

ser “criativas”. As políticas normalmente não nos dizem o que fazer, elas

criam circunstâncias nas quais o espectro de opções disponíveis sobre o que

fazer é reduzido ou modificado ou nas quais metas particulares ou efeitos

são estabelecidos. Uma resposta ainda precisa ser construída no contexto,

contraposta ou balanceada por outras expectativas. Tudo isso envolve algum

tipo de ação social criativa. (BALL, 2006, p. 26).

1.1Uma perspectiva política de contexto: Dialogando com Ball

Da leitura atenta da tessitura até este momento entretecida, pode-se

depreender, dentre outros aspectos que: os fenômenos educacionais constituem dilemas

políticos e sociais; a formação de professores constitui um fenômeno complexo marcado por

contingências políticas e contextuais que, por isso, requer ao ser eleita como objeto de estudo,

o desvelamento de múltiplas facetas que a delimitam. E, esta complexidade característica nos

eventos educacionais, por conseguinte, na formação docente, pressupõe não somente para

efeitos de entendimento do tema, mas também para legitimação e validação da pesquisa,

considerar necessariamente os entrelaçamentos que, formam por assim dizer, cômpitos

erigidos nas interfaces dos micro e dos macrocontextos.

A partir das ponderações aventadas no parágrafo antecedente, busco encetar

nesta seção um diálogo com Stephen Ball (1994). Dialogo, mediado inclusive pelos trabalhos

de Mainardes (2006). O tema da conversa compreende o conceito de política presente nos

trabalhos de Ball. Subjaz a este colóquio o entendimento de que as contribuições do

pesquisador britânico me permitem problematizar de modo potencializador um tema

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complexo como a formação de professores formadores no âmbito de uma instituição não

menos complexa como o Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação

Básica- CEFAPRO- de Cuiabá.

De acordo com Mainardes (2006), Stephen Ball e Richard Bowe (1992)

os profissionais que atuam no contexto da prática [escolas, por exemplo] não

enfrentam os textos políticos como leitores ingênuos, eles vêm com suas

histórias, experiências, valores e propósitos (...). Políticas serão interpretadas

diferentemente uma vez que histórias, experiências, valores, propósitos e

interesses são diversos. A questão é que os autores dos textos políticos não

podem controlar os significados de seus textos. Partes podem ser rejeitadas,

selecionadas, ignoradas, deliberadamente mal entendidas, réplicas podem ser

superficiais etc. Além disso, interpretação é uma questão de disputa.

Interpretações diferentes serão contestadas, uma vez que se relacionam com

interesses diversos, uma ou outra interpretação predominará, embora desvios

ou interpretações minoritárias possam ser importantes. (BOWE ET AL.,

1992, p. 22 apud MAINARDES, 2006, p. 53)

Desde esta ótica, amparado na concepção Política proposta por Stephen Ball e

Richard Bowe (1992) é possível afirmar que os profissionais da educação, assim como os

demais profissionais “exercem um papel ativo no processo de interpretação e reinterpretação

das políticas educacionais e, dessa forma, o que eles pensam e no que acreditam têm

implicações para o processo de implementação das políticas”. (MAINARDES, 2006).

Por outro lado, é preciso considerar que desde a abordagem de política tal

como concebida por Ball (1994), paira continuamente entre o macro e microcontexto, um

movimento politicamente engendrado. De certo modo este movimento constitui a política, as

políticas, as quais em virtude deste contínuo devir são reinterpretadas no âmbito da

discursividade que perpassa diversos contextos, pois desde esta perspectiva a política são

textos e os textos são discursos. Logo, o texto da política, jamais vai ser interpretado de modo

unívoco, já que

Os textos políticos, portanto, representam a política. Essas representações

podem tomar várias formas: textos legais oficiais e textos políticos,

comentários formais ou informais sobre os textos oficiais, pronunciamentos

oficiais, vídeos etc. Tais textos não são, necessariamente, internamente

coerentes e claros, e podem também ser contraditórios. Eles podem usar os

termos-chave de modo diverso. A política não é feita e finalizada no

momento legislativo e os textos precisam ser lidos com relação ao tempo e

ao local específico de sua produção. Os textos políticos são o resultado de

disputas e acordos, pois os grupos que atuam dentro dos diferentes lugares

da produção de textos competem para controlar as representações da política

(Bowe et al., 1992). Assim, políticas são intervenções textuais, mas elas

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também carregam limitações materiais e possibilidades. As respostas a esses

textos têm conseqüências reais. (MAINARDES, 2006, p. 52).

As políticas desde este prisma, não prescindem de espaços de legitimação e

formação discursivas nas quais se sustentam . E, nestes espaços, os discursos em formação,

por vezes, duelam com princípios e argüições mais amplos que estão a influenciar arenas

públicas de ação, representadas tanto por meios de comunicação quanto por conjuntos mais

formais, a exemplo de comissões e grupos representativos, os quais podem se constituir em

lugares onde a influência é articulada. Nesta perspectiva, é importante ressaltar as influências

de políticas globais no processo de formulação de políticas nacionais, a despeito disto,

Mainardes (2006), amparado nos trabalhos de Ball, afirma

a disseminação de influências internacionais pode ser entendida, pelo menos,

de duas maneiras. A primeira e mais direta é o fluxo de idéias por meio de

redes políticas e sociais que envolvem (a) a circulação internacional de

idéias (Popkewitz, apud Ball, 1998a), (b) o processo de “empréstimo de

políticas” (Halpin & Troyna, apud Ball 1998a) e (c) os grupos e indivíduos

que “vendem” suas soluções no mercado político e acadêmico por meio de

periódicos, livros, conferências e“performances” de acadêmicos que viajam

para vários lugares para expor suas idéias etc. A segunda refere-se ao

patrocínio e, em alguns aspectos, imposição de algumas “soluções”

oferecidas e recomendadas por agências multilaterais (World Bank e outras).

(MAINARDES, 2006, p. 51-52).

Assim, da leitura dos trabalhos de Ball (1994) pode-se depreender que existe

uma mediação entre o micro e macrocontexto, o imediato e o mediato. E, sendo assim, é

preciso entender que as intenções do Banco Mundial se configuram como instâncias

ideológicas para a promoção de um sistema mundial integrado com linhas de mercado

(Mainardes, 2006). Há que se considerar, no entanto, que os profissionais, sujeitos aos quais

se direciona o texto político, interpretam e dotam de sentido estas políticas de acordo com as

necessidades e, de conformidade com as intencionalidades configuradas em contextos

específicos. Então, as influências internacionais, por meio da constante interação dialética

vigente entre o local e o global, são sempre reinterpretadas no âmbito das políticas nacionais,

as quais por se turno, são reinterpretadas no âmbito das mais diversas instituições, inclusas as

educacionais.

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1.2 Contexto da Pesquisa: CENTRO DE FORMAÇAO E ATUALIZAÇÃO DOS

PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA DE CUIABÁ

A política não é feita e finalizada no momento legislativo e os textos

precisam ser lidos com relação ao tempo e ao local específico de sua

produção. Mainardes

Nesta pesquisa o contexto imediato no qual ela é elaborada, está marcado por

múltiplas relações com o contexto mediato, o macrocontexto. Assim, se replicam mutuamente

no Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica/CEFAPRO de

Cuiabá políticas, nos termos em que foram conceituadas por Ball e Richard Bowe (1992) e

explicitados na seção anterior.

Compreendo que a complexidade constitui uma característica marcante da

natureza dos processos educacionais e formativos vigentes na mencionada instituição, a qual

estando diretamente vinculada à Superintendência de Formação dos Profissionais da

Educação Básica/SUFP, torna-se co-responsável pela implementação das políticas públicas

educacionais impetradas pela Secretaria de Estado e Educação de Mato Grosso. E, estando

está última vinculada às diretrizes e políticas nacionais delineadas pelo Ministério de

Educação e Cultura que, por sua vez reinterpreta e implanta no cenário brasileiro, políticas

globais advindas de organismos internacionais como o Banco Mundial e a UNESCO, acaba

por se engendrar em uma cadeia de políticas educacionais constituídas dialeticamente no

entrecruzamento do local com o global, isto, certamente considerando que tal engendramento,

não se dá em perspectiva linear ou mecanicamente, pois há que se conceber no bojo deste

movimento as particularidades contextuais e ação dos sujeitos ante tais políticas.

De fato, o CEFAPRO por meio da atuação dos professores-formadores, a qual

se dá também no interior das escolas, torna-se uma unidade catalisadora dos efeitos das

políticas que, em muitos casos ajudou na concepção, sobre o cotidiano dos sujeitos aos quais

estas políticas se destinam e pelos quais são, no mais das vezes, reinterpretadas, recriadas de

múltiplas formas. Assim, “os CEFAPROs planejam e executam suas ações a partir das

necessidades formativas das escolas, considerando a demanda dos profissionais a serem

atendidos, a área da atuação docente e o cronograma de execução da formação.” (MATO

GROSSO: Secretaria de Estado de Educação, 2010). Em virtude disso, emergem deste

contexto novas ideias que, ao se tornarem discurso representativo de demandas ensejadas por

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grupos reconhecidos e, uma vez legitimadas repercutem no âmbito das instituições que

implementam as políticas públicas educacionais, podendo, alterar substancialmente os textos

políticos. Configura-se deste modo, não só no CEFAPRO de Cuiabá, como também nos

demais, uma constante interdiscursividade marcadamente dialética, com efeitos conjunturais,

inclusive quando considerada a constituição histórica, a atuação e a redefinição das

finalidades destes Centros no que concerne à formação de professores, como é possível inferir

no entrecho a seguir

uma análise histórica da implantação e fortalecimento dos CEFAPROs leva

à consideração de que, ao serem paulatinamente criados, também sua

finalidade, expressa nos documentos legais, foi alterada. Estas alterações não

são, certamente equívocos do legislador, mas sim refletem amadurecimento

das concepções de política de formação no debate coletivo e uma definição

mais clara do papel destes centros no contexto da execução,

acompanhamento, avaliação e reelaboração desta mesma política. (MATO

GROSSO: Secretaria de Estado de Educação, 2010, p. 20)

Tecidas estas considerações preambulares acerca da complexidade vigente nos

CEFAPROs, de modo geral e no CEFAPRO de Cuiabá, mais especificamente, penso ser

apropriado apresentar sinteticamente o processo histórico e político-legal em que foram

concebidos e implantados estes centros.

Criados a partir de 1997 pelos decretos 2.007/1997 (Cuiabá, Diamantino e

Rondonópolis), 2319/1998 (Sinop, São Félix do Araguaia, Matupá, Juara e Cáceres), 53/199

(Juína, Alta Floresta e Barra do Garças e Confresa) , 6824/2005 (Tangará da Serra) e pela Lei

Complementar 9.072/2008 (Pontes e Lacerda e Primavera do Leste), os Centros de Formação

e Atualização dos Profissionais da Educação Básica são concebidos com a finalidade de

“desenvolver projetos de formação continuada para professores da rede pública de ensino,

programas de formação de professores leigos e projetos pedagógicos para a qualificação dos

profissionais da educação”( Decretos 2.007/1997, 2319/1998, 53/199, 6824/2005) e, são

oriundos de políticas públicas de formação e profissionalização resultantes das Reforma

Educacional ocorrida no Brasil nos anos de 1990, instituídas pela Constituição de 1988 e

regulamentadas no cenário nacional pela LDB 9394/96 e, no contexto mato-grossense pela

LOPEB Nº. 50/98, Decreto 6481/2005 e Instrução Normativa 011/2009/GS/Seduc/MT,

respectivamente.

Na continuidade das políticas públicas voltadas ao fortalecimento da formação

e profissionalização dos docentes os CEFAPROS foram alçados em dezembros de 2005 à

condição de Unidades Administrativas (Lei 8405/2005) e passaram ter como finalidade além

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da formação continuada constante nos decretos anteriormente citados, desenvolver o uso de

novas tecnologias no processo de ensino e aprendizagem e a inclusão digital de profissionais

da rede. De modo que

atualmente os CEFAPROs estão concentrados na busca de constituírem-se

como centros de referência de formação para os profissionais da Educação

do Estado, configurando-se em pólos irradiadores das políticas, dos

programas e diretrizes há tanto tempo debatidos e propostos pelos setores

educacionais. Nesta caminhada, definem sua agenda de trabalho conforme

sua matriz de formação e as necessidades formativas diagnosticadas nas

escolas, tendo como foco seis eixos norteadores: Organização Curricular por

Ciclo de Formação Humana; Alfabetização; Ensino Fundamental de Nove

anos; Ensino de Matemática e Língua Portuguesa e o Uso de Novas

Tecnologias. (MATO GROSSO: Secretaria de Estado de Educação,

2010, p. 21)

Entretanto, diante da demanda crescente pela equalização do Ensino Público,

da necessidade em se avançar no âmbito das políticas de formação e no debate político das

concepções de educação pública, erigidos em torno da construção do Sistema Nacional de

Educação, aos CEFAPROs têm se apresentado desafios imensos que dizem respeito tanto ao

aumento da demanda por formação dos profissionais da educação quanto a uma maior e

melhor condição de formação e profissionalização dos professores formadores que atuam

nesta instituição, dentre outros dilemas que requerem um novo redimensionamento

organizacional e estrutural destes centros, a fim de que possam cumprir as incumbências a

eles atribuídas, quais sejam:

-diagnosticar necessidades, apoiar e propor ações formativas junto às escolas

da rede pública de ensino;

-elaborar, acompanhar e avaliar o projeto de formação continuada nas

escolas, contribuindo para o desenvolvimento dos profissionais que nela

atuam;

-estimular, divulgar e realizar ações inovadoras, através da troca de

experiências, reflexão e pesquisa sobre a própria realidade educativa;

-diagnosticar as necessidades de melhorar os projetos formativos nas escolas

e co-responsabilizar todos os envolvidos nesse processo;

-disseminar as políticas públicas nacionais e estaduais de formação inicial e

continuada em todo o território mato-grossense;

-mediar as necessidades formativas e as políticas oficiais, fortalecendo e

dinamizando a rede de formação. (MATO GROSSO: Secretaria de Estado de

Educação, 2010, p. 22)

No que concerne aos desafios enfrentados pelos CEFAPROs, estes adquirem

um espectro ainda mais abrangente e complexo no seio do Centro de Formação e Atualização

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do Profissional da Educação Básica de Cuiabá, seja pela demanda colossal requerida desta

instituição, a qual atende cento e oitenta e quatro escolas situadas na capital e em onze

municípios no interior do Estado; seja pela existência de questões específicas referidas à

formação continuada dos professores formadores que atuam neste centro, como por exemplo,

o fato de que nos Programas instituídos pelo MEC em parceria com a SEDUC (Pró-infantil, a

título de exemplo), os formadores do CEFAPRO de Cuiabá assumirem estas formações

específicas junto aos demais professores formadores das Unidades do interior. Aspecto assaz

relevante ao se considerar que,

o professor formador do CEFAPRO deve ser um pesquisador e um produtor

de conhecimentos sobre a educação, sobre o que e como ensina,

investigando na e sobre a prática. Deve estar preparado para permitir que o

CEFAPRO seja realmente um espaço de formação e atue como referência de

apoio teórico-metodológico ao profissional que está na escola. Deve, então,

trabalhar continuamente na construção de uma prática integrada de

formação, inicial e continuada, em exercício, visando ao aperfeiçoamento do

ensino. (MATO GROSSO: Secretaria de Estado de Educação, 2010, p. 22)

Ante o perfil requerido no dispositivo legal referente ao professor formador, se

instaura nos CEFAPROs e no CEFAPRO de Cuiabá de modo particular grave dilema, cujo

fulcro se refere precisamente à formação do formador. Contextualmente, esta formação está a

cargo da SUFP/Seduc, vem sendo realizada por meio de parcerias com instituições de ensino

superior e consultores de diversas áreas de conhecimento, alguns de renome internacional

como António Nóvoa e Domingos Fernandes e adquirem no mais das vezes, o formato de

grandes eventos. Todavia formação é processo, não evento. Assim,

diante dos novos desafios impostos aos CEFAPROs, há necessidade de se

investir na consolidação de um “Programa de Formação de Formadores”,

contínuo e consistente, contemplando temas como gestão, currículo,

metodologia e avaliação; um programa voltado para o aprofundamento nos

campos epistemológicos, filosóficos e metodológicos das áreas de

conhecimento e das especificidades de atuação. (MATO GROSSO:

Secretaria de Estado de Educação, 2010, p. 34)

Ciente da urgência de se delinear um enfrentamento histórico e político a estes

desafios, na condição de professor formador, é que me propus a pesquisar a formação

continuada de professores formadores de Língua Portuguesa que atuam no CEFAPRO de

Cuiabá. Problematizei o tema por meio das seguintes questões: Como se constituem os

percursos formativos e identitários dos formadores de professores de Língua Portuguesa que

atuam no CEFAPRO de Cuiabá-MT? Como os formadores interpretam, nos respectivos

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percursos de formação, a política vigente na instituição? Que políticas de formação são

evidenciadas a partir da análise interpretativa de narrativas feitas por estes profissionais

acerca dos percursos delineados por eles? Que concepções concernentes à formação

continuada de professores podem ser inferidas quando considerada a análise mencionada?

Neste ínterim, as questões pospostas pressupõem para melhor compreensão da

temática e o delineamento profícuo da pesquisa a consecução do seguinte objetivo geral:

Compreender as trajetórias pessoais e profissionais de formadores de Língua Portuguesa que

atuam no CEFAPRO de Cuiabá, bem como são interpretadas nos percursos formativos destes

formadores a políticas de formação vigente na instituição. No que concerne aos objetivos

específicos, busco na pesquisa a consecução dos apresentados a seguir: Identificar

especificidades formativas próprias de formadores de professores de Língua Portuguesa; bem

como as aprendizagens e os conhecimentos construídos; perscrutar aspectos concernentes a

concepções de política formação continuada presentes nas propostas de formação pelos

formadores de professores de Língua Portuguesa; apresentar percursos formativos subjacentes

à constituição pessoal e profissional de formadores de professores de Língua Portuguesa.

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2.0 FORMAÇÃO DE PROFESSORES: TERMO POLISSÊMICO

No que se refere ao campo educacional, o conceito de formação apresenta

variações diversas e tem objetivos diferentes ao longo do tempo. Elizeu

Clementino de Souza

Neste capítulo, busco explicitar os referenciais, sustentáculos teórico-práticos

desta pesquisa. Entendo que estes referenciais emolduram e direcionam meu olhar de

pesquisador, ao tempo em que potencializam por meio de uma interdiscursividade tríade –

pesquisador, autores e sujeitos pesquisados-, a interpretação depreendida da análise dos

dados. Assim a pergunta: “Como se constituem os percursos formativos dos formadores de

professores de Língua Portuguesa que atuam no CEFAPRO de Cuiabá-MT?” sintetiza tensos

diálogos encetados por mim com um grupo autores internacionais e nacionais, cujas leituras

precederam a elaboração do problema ora pesquisado. Do mesmo modo, precede à indagação

posposta a postura que venho assumindo quer seja como pesquisador, professor formador de

professores de Língua Portuguesa quer seja como pessoa, ser de relações marcadamente

políticas, porquanto dotadas de sentidos singulares e universais concomitantemente. Relações

por isso mesmo, formativas, termo que engendra uma gama imensa de significados,

precipuamente quando referido aos professores. Em virtude desta multiplicidade de

significados atribuídos à formação de professores é que delimitarei explicitamente no decorrer

do tópico seguinte a concepção na qual este trabalho está fulcrado.

2.1 Ancoradouros teórico-práticos

A formação conjuga diferentes dimensões, implica investimentos de

diferentes ordens. Elizeu Clementino de Souza

Estudos concernentes à formação de professores vêm assumindo contornos

cada vez mais amplos nas últimas décadas. Decorrentes destes estudos, das pesquisas e

publicações que deles resultam, as concepções sobre as quais se assenta o conceito de

formação de professores são múltiplas. Fato que me leva desde o princípio a evidenciar o

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lugar de onde compreendo o mencionado conceito. Primeiramente cumpre esclarecer que a

formação desde este lugar teórico não se confunde com palestras-shows, treinamentos ou

eventos educacionais voltados a grupos massivos de professores.

Depois, cabe mencionar que aqui o termo formação de professores é

compreendido nas perspectivas apresentadas nos estudos de Marcelo Garcia (1992, 2010);

Nóvoa (1988, 1995, 1999, 2002, 2005, 2009) e Monteiro (2003). Ancorado na perspectiva de

formação apresentada nos estudos destes autores, a qual constitui sustentáculo para esta

pesquisa, realizo o cotejamento com os estudos apresentados por autores que comungam desta

mesma base teórica, tais como: Pérez Goméz (1992); Gimeno Sacristán (1999); Zeichner

(2005, 2010), Giroux (1997); Gastón Pineau (1988, 2000) e Schulman (1990, 2001). No que

se refere à formação do formador, Souza (2006, 2010), Passeggi (2010) e Mizukami (2005),

constituíram os referenciais deste trabalho.

Assim anuncio que, por suscitar muitos sentidos e concepções várias, a

formação de professores configura-se concomitantemente como um problema político e

filósico e, se insere em um processo histórico. Além disso, está inscrita em uma problemática

mais ampla na qual estão envoltas dimensões científicas e epistêmicas acerca dos saberes da

profissão e sobre a profissão docente (SOUZA, 2010). Fato que me leva já no preâmbulo

deste trabalho a evidenciar que ao referir ao termo, o compreendo conforme enunciado por

Marcelo García (1999) para quem a formação constitui-se como um processo de

desenvolvimento profissional, engendrado tanto nos aspectos identitários quanto

organizacional. Monteiro (2003, p. 06) explicita o que para ela pode-se entender como

Formação no sentido de desenvolvimento profissional nos seguintes termos: "Assim, pode-se

dizer que o desenvolvimento profissional pressupõe um crescimento contínuo de

possibilidades na atuação docente durante toda a carreira profissional".

Discursando de um lugar que resguarda similitudes teóricas com as pesquisas

desenvolvidas por Garcia (1999), Nóvoa (1995) problematiza a formação de professores em

perspectiva ampla o suficiente para açambarcar toda uma gama de vivências que entrelaçam o

pessoal, o profissional e o organizacional. O autor indaga primeiramente sobre as condições

históricas que corroboraram para que este profissional viesse a ser o que no presente, está

sendo e o faz do seguinte modo: “como é que cada um se tornou no professor que é hoje?” No

cerne desta questão parece pairar o postulado de que o processo de formação remete a uma

coletividade e a contextos específicos, tangenciando, portanto, os aspectos políticos da

formação docente. Entendimento caro ao profissional da educação, vez que possibilita

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desautorizar produções discursivas que na contemporaneidade tendem a culpabilizar o

professor.

Não obstante à compreensão de que a formação sustenta-se em uma

coletividade historicamente situada, Nóvoa (1995) ressalta a importância das características

pessoais, individuais porquanto, do professor neste processo, matizando sobremaneira a

influência da história pessoal na atuação profissional e, uma vez mais convida a excogitar

sobre a temática por meio da indagação: “De que forma a acção pedagógica é influenciada

pelas características pessoais e pelo percurso de vida profissional de cada professor?” No

entremeio que subjaz às duas proposições apresentadas pelo pesquisador mencionado está

sendo erigida uma concepção de formação docente, pautada em um novo conceito de

identidade, não-essencialista, não fixa, continuamente burilada na e pela formação

A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção

de maneiras de ser e de estar na profissão, por isso, é mais adequado falar em

processo identitário, realçando a mescla dinâmica que caracteriza a maneira

como cada um se sente e se diz professor. (NÓVOA, 1995, p. 16).

Desde este lugar, formação docente e processo identitário se entrelaçam, sendo

infactível desvincular um do outro e, o realce a julgar pelo que afirma o autor mencionado,

deve enfatizar a mescla dinâmica que caracteriza o jeito como cada professor se sente e se faz

anunciar. Subjetividade e enunciação discursiva se tornam proeminentes, posto que integram

a identidade docente, esse espaço marcado pelo conflito e pela construção que se dá nos

meandros da formação.

García (2009) ao conceber a formação como desenvolvimento profissional,

erigida tanto sobre os aspectos organizacionais quanto identitários também entrelaça

identidade docente e formação. Parece comungar das idéias presentes em Nóvoa quando

declara

É preciso entender o conceito de identidade docente como uma realidade que

evolui e se desenvolve tanto pessoal como coletivamente. A identidade não é

algo que se possua, mas sim algo que se desenvolve durante a vida. A

identidade não é um atributo fixo para uma pessoa, e sim um fenômeno

relacional. O desenvolvimento da identidade acontece no terreno do

intersubjetivo e se caracteriza como um processo evolutivo, um processo de

interpretação de si mesmo como pessoa dentro de determinado contexto.

(GARCÍA 2009, p. 112)

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A definição de identidade como fenômeno relacional, uma realidade não fixa

que evolui tanto em âmbito pessoal como no coletivo está subsidiada em uma concepção

histórico-dialética da formação, no âmago da qual a práxis fulgura como possibilidade de

realização e desenvolvimento humano integral; uma cosmovisão em que o ser, o sentir, o

pensar, o fazer e o conviver se encontram inextricavelmente associados. Neste diapasão, a

formação de professores não pode ser concebida numa perspectiva da racionalidade técnica

(SCHÖN, 1983) fomentadora da dualidade entre a concepção e a execução, entre a teoria e a

prática, posto que

A formação conjuga diferentes dimensões, implica investimentos de

diferentes ordens e articula-se com a noção de acompanhamento na

contemporaneidade, vinculando-se a princípios teóricos de formação como

centradas no adulto, como ator-autor de seu projeto histórico existencial. (

SOUZA 2010, p. 161)

O entendimento de que a formação congrega diferentes dimensões, conforme

assentido por Souza (2010) coteja com as perspectivas teóricas de Nóvoa (1995, 2009) e

Carlos Marcelo Garcia (1999). As definições do autor baiano se aproximam daquelas

apresentadas por Nóvoa (1995) no que concerne à compreensão de que embora seja o

professor, o adulto que se forma ao assumir um projeto histórico existencial do qual é ator e

autor, não o faz num universo lacunar, antes concebe e concretiza tal projeto amparado pelo

contexto no qual atua. Tal qual é assentido no entrecho a seguir

Um dos elementos positivos que encontramos na utilização do conceito de

desenvolvimento profissional reside no facto de pretender superar a

concepção individualista e celular das práticas habituais de formação

permanente. Quer isso dizer que o desenvolvimento do professor não ocorre

no vazio, mas inserido num contexto mais vasto de desenvolvimento

organizacional e curricular. (GARCÍA, 1999, p.139)

No entanto, somente este sujeito dota de sentido as ações formativas a ele

direcionadas, daí a relevância da idéia de mediação e acompanhamento na formação docente,

defendidas por Souza (2010), bem como do principio perene nos estudos do lusitano, nos

quais o autor ratifica o entrelaçamento inextricável entre pessoalidade e profissionalidade

docente “a pessoa é o professor e o professor é a pessoa” (NÓVOA, 1995, p.16). É comum a

ambos o entendimento de que o subjetivo, o identitário, o social, o institucional e o

organizacional se replicam mutuamente nos processos formativos docentes. Por outro lado, as

conceptualizações de Souza (2010) podem ser associadas às pesquisas desenvolvidas pelo

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estudioso espanhol, posto que para este último formação é também compreendida como

centrada no adulto e configura, quando concebida de uma perspectiva voltada para a mudança

educativa, um projeto de desenvolvimento profissional, organizacional e institucional, no qual

é conceituada como

Área de conhecimentos, investigação e de propostas teóricas e práticas que,

no âmbito da Didáctica e da Organização Escolar, estuda os processos

através dos quais os professores- em formação ou em exercício- se implicam

individualmente ou em equipa, em experiências de aprendizagem através das

quais adquirem ou melhoram os seus conhecimentos, competências e

disposições, e que lhes permite intervir profissionalmente no

desenvolvimento do seu ensino, do currículo e da escola, com o objectivo de

melhorar a qualidade da educação que os alunos recebem. (GARCÍA, 1999,

p.11).

Da conceituação de formação de professores apresentada por Marcelo García,

(1999) é possível inferir primeiramente, que embora resguardem especificidades, não parece

apropriado cindir a formação inicial da formação continuada, tampouco dissociar investigação

e experiências de aprendizagem, teoria e prática. Segundo, a formação docente se configura

como processos nos quais os professores estão imbricados individualmente ou em grupo.

Terceiro, a formação docente se dá em um triplo desenvolvimento que engendra

concomitantemente o ensino, o currículo e a escola e objetiva equalizar a educação ofertada

aos alunos. Neste sentido, parece-me possível ratificar a assertiva de que formação de

professores se define pela complexidade, não podendo portanto, ser concebida como cursos

pontuais e esporádicos, muito menos pode ser associada a termos que apontam para o

aligeiramento e, a conseguinte desqualificação do trabalho docente como: reciclagem e

treinamento.

A complexidade que envolve a formação de professores aponta ainda

(GARCÍA, 1999) para uma dimensão da história pessoal que remete ao processo de

escolarização vivenciado pelo professor desde tenra idade. Conforme o citado autor a criança

não passa incólume às vivencias ritualizadas por meio da educação formal, de modo que

aqueles que optam por se tornarem professores dispõem a priori de um repertório de

representações e práticas legados dos docentes que tiveram na infância e adolescência.

Repertório que, presumivelmente adquire corpora nos Cursos de Licenciatura, mas que se

plasma, por vezes, indelevelmente àqueles adquiridos alhures, quiçá no tempo de criança. A

despeito disto, Belmira Bueno (2002), assim se manifesta

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Argumentar nestes termos supõe um redimensionamento do que se entende

por formação. Fundamentalmente, é preciso pensar a formação do professor

como processo, cujo início se situa muito antes do ingresso nos cursos de

habilitação – ou seja, desde os primórdios de sua escolarização e até mesmo

antes – e que depois destes tem prosseguimento durante todo o percurso

profissional do docente. (BUENO, 2002, p. 22)

Por outro lado, ao ratificar que a formação se define em triplo

desenvolvimento- ensino, currículo e escola- Marcelo García (1999) dá margens ao

cotejamento com as asserções de Pérez Gómez (1992) para quem a formação de professores

deve ser compreendida como possibilidade de intervenção em todo um entorno sociocultural e

ecológico, vez que

Na realidade, o professor intervém num meio ecológico complexo, num

cenário psicossocial vivo e mutável, definido pela interação simultânea de

múltiplos fatores e condições. Nesse ecossistema o professor enfrenta

problemas de natureza prioritariamente prática, que, quer se refiram a

situações individuais de aprendizagem ou a formas de comportamento de

grupos, referem um tratamento singular, na medida em que se encontram

fortemente determinados pelas características situacionais do contexto e pela

própria história de uma turma enquanto grupo social. (PÉREZ GÓMEZ,

1992, p. 102)

Também Gimeno Sacristán (1995) partilha das asserções até o momento

apresentadas. Ao se referir à formação docente este pesquisador, cujo trabalho vem

adquirindo notoriedade há alguns anos, insiste na necessidade de se construir melhores

condições que assegurem, em última instância a profissionalização da carreira docente; ao

tempo em que redefine Currículo desde um prisma bastante ampliado, situando o termo como

constitutivo de toda a gama de concepções e práticas delineadas em âmbito formal de ensino.

Do mesmo modo associa o desenvolvimento profissional ao desenvolvimento curricular e

organizacional, ratifica a indissociabilidade entre políticas de formação de professores,

Cultura, Currículo e mudanças educacionais. Para o autor (SACRISTÁN, 1995, p. 72) “a

caracterização técnica dos currículos, a sua elaboração prévia por especialistas e uma maior

regulamentação da actividade pedagógica, constituem fatores de desprofisionalização do

professorado.

No que concerne às inter-relações que pairam entre cultura, prática

pedagógica, profissionalização docente e formação de professores Gimeno Sacristán recorre a

Feiman-Nemser (1983) para dizer que “a sala de aula não é somente um lugar para ensinar,

mas também de aprendizagem para o docente”; os autores reiteram a importância das

influências informais na socialização, conseguintemente, na formação de professores. Gimeno

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Sacristán (1995) realça, neste sentido, a existência de uma cultura que, incidindo sobre o

pedagógico é partilhada socialmente e assumida pelos professores. Com fulcro neste

postulado, o pesquisador ressalta a componente autobiográfica que afeta os professores e

demais atores educativos. Neste diapasão é que o autor a que neste momento estou me

referindo, destaca no contexto educacional a cultura profissional codificada, um meio do jogo

de influências educativas, enfatizada por ele como fonte privilegiada para a interpretação dos

fatos pedagógicos. A despeito disto evidencia

a importância profissional da origem social dos professores, que fazem parte

de um mundo cultural onde existem múltiplas referências aos conteúdos e

aos métodos de educação. A profissão docente é socialmente partilhada, o

que explica a sua dimensão conflituosa numa sociedade complexa na qual os

significados divergem entre grupos sociais, econômicos e culturais.

(SACRISTÁN, 1995, p. 71)

A propósito da complexidade que tangencia os aspectos pedagógicos,

formativos e profissionais da docência, Sacristán (1995) defende a tese de que existem

contextos de determinação da prática profissional dos professores e que, estes últimos como

coletivo social, possuem um status que varia segundo estes contextos complexos e variados.

Em virtude disso, argumenta o autor que “é importante repensar os programas de formação de

professores, que têm uma incidência mais forte nos aspectos técnicos da profissão do que nas

dimensões pessoais e culturais”. (SACRISTÁN, 1995, p. 67)

A relevância dos trabalhos de Sacristán (1995) para esta pesquisa advém

principalmente, da forte vinculação que o autor realiza da formação de professores com a

profissão e/ou semiprofissão docente, com a pessoalidade do professor, com a componente

autobiográfica, com a cultura, com o currículo, bem como a dimensão conflituosa e complexa

em que a formação como também os demais fatos pedagógicos se inserem. Devido a esta

dimensão complexa e conflituosa, faço eco a voz do autor quando ele afirma que “toda

mudança educativa deve assumir-se, em primeiro lugar, como um mudança cultural”. (

SACRISTÁN, 1995, p. 71). Em razão destes motivos é que evoco também as contribuições de

Henri Giroux.

Partícipe do ideal de que a educação, a despeito da complexidade que a

caracteriza deve ser transformada Giroux (1997) concebe o conhecimento como uma forma

de práxis, subsidiado por Sartre, conceitua conhecimento para além de uma habilidade

instrumental, como uma mediação entre o indivíduo e a realidade social mais ampla. Para o

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autor, adepto da Teoria Crítica do Currículo e da Formação de Professores como Intelectuais

críticos e transformadores

O conhecimento torna-se importante na medida em que ajuda os seres

humanos a compreenderem não apenas as suposições embutidas em sua

forma e conteúdo, mas também os processos através dos quais ele é

produzido, apropriado e transformado dentro de ambientes sociais e

históricos específicos. (GIROUX, 1997, p. 39)

Para o autor de “Os professores como Intelectuais: rumo a uma pedagogia

crítica da aprendizagem”, no âmbito da formação de professores, é preciso e urgente que estes

profissionais desenvolvam um discurso que torne exeqüível a atuação deles como intelectuais

transformadores. Este pesquisador atribui ao Currículo Oculto posição de relevo por oferecer

um possível direcionamento para a análise da mudança educacional. Defende que

Em vez de tentar fugir de suas próprias ideologias e valores os educadores

deveriam confrontá-los criticamente de forma a compreender como a

sociedade os moldou como indivíduos, no que é que acreditam e como

estruturar mais positivamente os efeitos que tem sobre estudantes e outros.

(GIROUX, 1997, p. 40).

Por seu turno Zeichner (2010), advoga em favor de uma maior aproximação

entre os professores e os pesquisadores acadêmicos. Reitera que é preciso criar um espaço

interinstitucional a fim de superar o fosso que paira entre a Universidade e a Escola, bem

como engendrar ações no sentido de que as pesquisas desenvolvidas por pesquisadores da

Academia envolvam as escolas, as comunidades, os professores e se constituam em lócus

formativos. O pesquisador norte-americano afirma que é necessária a realização de mais

pesquisas capazes de examinar natureza e impacto de componentes diversos que integram a

formação docente, matiza entre estes componentes os diferentes contextos programático,

institucional e de política estadual. Justifica tais proposições dizendo

Porque a formação docente está inserida em contextos com determinados

conjuntos de critérios de admissão, exigências e objetivos do curso, padrões

de alocação de pessoal, culturas institucionais, políticas estaduais e

comunidade demográfica, é importante compreender como diferentes

contextos afetam a eficácia dos componentes dos cursos, os estágios e

determinadas estratégias de formação que são utilizadas nesses

componentes. (ZEICHNER, 2010, p. 05)

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Muito embora possam ser estabelecidas aproximações entre os

posicionamentos teóricos de Zeichner, Giroux, Nóvoa e Marcelo Garcia, no que concerne à

formação de professores, vez que elegem temáticas, que podem resguardam, entre si, certas

similitudes; como por exemplo, ao enfocarem nas respectivas obras a importância do contexto

ao se conceber a formação docente; a idéia de que a formação deve passar para dentro da

profissão3, bem como a necessidade e a legitimidade de os professores controlarem a própria

prática, no entanto, a despeito destas aproximações conceptuais e teóricas, abordam a

formação de professores desde perspectivas diferentes. De modo que dentre os quatro,

Zeichner (2005) e Giroux (1997), ainda que o façam sob um prisma, por vezes, diverso, são

aqueles que explicitam a importância de que a formação docente se volte para a

transformação social. Tanto é assim, que o primeiro em um artigo publicado em (2005) em

parceria com Diniz-Pereira, faz-se anunciar nos seguintes termos

A realidade é que o político e o crítico estão em nossas salas de aula e em

outros locais de trabalho, e as escolhas que fazemos diariamente em nossos

ambientes de trabalho revelam nossos compromissos morais em relação à

continuidade ou transformação social. Não podemos ser neutros.

(ZEICHNER; DINIZ-PEREIRA, 2005, p.64)

Enunciada a vinculação, vigente nos trabalhos de Zeichner (2005) entre

pesquisa, formação docente, política e transformação social se me afigura como sendo

apropriado fazer menção aos trabalhos Gastón Pineau (1988, 2000). Por apresentar (PINEAU,

2000) de forma assaz original a integração tripartite entre o contexto, as influências

intersubjetivas e o sentido subjetivo que constituem a formação docente. Em textos diversos o

pesquisador francófono dá ênfase a conceitos e princípios da formação compreendida em

perspectiva tripolar: autoformaçao, ecoformação e heteroformação. Pautado em abordagens

biográficas e experiencial de formação, o autor entende estes três movimentos desde uma

3 Este me parece um aspecto fundamental dos estudos de Nóvoa, precipuamente; entendo que ao advogar em

favor de que se deve passar a formação de professores para dentro da profissão, o pesquisador toca em ponto

crucial, pois a consolidação deste fato envolveria mudanças multidimensionais encampadas no âmbito das

políticas – tal como insiste Ball – ou seja, trata-se de mudanças a serem delineadas histórica e politicamente. Já

que passar a formação para dentro da profissão significa a meu ver elevar a docência ao status de profissão

reconhecida e valorada, constituída dentro outras coisas pelo reconhecimento social dos conhecimentos que o

professorado detém, para além das exegeses de especialistas que se arvoram de sapiência, a expensas da

dicotomia ainda bastante presente nos meandros educacionais; a cissiparidade que paira entre aqueles que

planejam de outros que executam. Passar a formação para dentro da profissão é assumir que os coletivos de

professores desenvolvem as respectivas ações no âmbito de uma práxis e que inseridos, nos respectivos

contextos de atuação, conhecem-no e porquanto devem assumir a formação desde estes locais, a formação deles

mesmos e a formação de outrem, intersubjetivamente. Assim factível seria admitir que no âmbito de uma

trajetória de formação – institucionalmente delineada – existem espaços para que se cumpram escolhas

subjetivas e pessoais, os percursos de formação.

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óptica dialética voltada à emancipação, na qual a formação docente se inscreve no campo da

educação permanente. De acordo com Souza (2010)

Para apresentar os três movimentos e a teoria tripolar da formação, Pineau

(1983 e 1999) recorre a Rousseau e à sua abordagem dos três mestres em

educação, ou seja, a própria pessoa, os outros e as coisas. Na sua teoria,

Pineau cunha a formação como função vital da espécie e evolução humana,

numa dimensão de complexidade governada por três mestres. O primeiro

demarca o soi, ou seja, o autos, e compreende a emergência de um gerir sua

própria formação no decurso da vida; a sociedade, ou seja, os outros,

também atuam e exercem ações sobre o sujeito, configurando-se no eixo

hetero; as coisas, ou seja, o ambiente, o mundo, designa a vertente eco e suas

dimensões físicas e naturais. A definição e indicação dos prefixos- auto, eco

e hetero- demarcam conceitos próprios de formação, os quais se inscrevem

num movimento transdisciplinar e centram-se na multipolaridade que a

complexidade das relações apresenta nas transações, negociações e

religações consigo próprio (ontológica e psicológica), com o outro (cósmica

e psicossociológica), por entender que a formação é resultado das

permanentes transformações entre o organismo (auto), o contexto social

(hetero) e o mundo físico e natural (eco). (SOUZA, 2010, p. 167-168)

A inscrição da formação de professores no âmbito da Educação Permanente,

conforme postulado por Pineau (1988, 2000) além de promover a sintonia entre os estudos do

autor com as pesquisas realizadas por autores como Nóvoa (2009) e Marcelo Garcia (1999),

ao se considerar a conjuntura internacional, aproxima-o em termos conceptuais de

pesquisadores como Souza (2010) e Monteiro (2003), no âmbito nacional, bem como acarreta

implicações importantes nos meandros da formação docente. Em primeiro plano, apresenta o

tema desde uma perspectiva multidimensional e histórico-existencial. Depois, reafirma a

importância da assunção por parte dos profissionais da docência dos processos de formação

nos quais está envolto. Por último, pare-me factível o entendimento de que a concepção

tripolar de formação implica o redirecionamento tanto das políticas internas de formação de

professores quanto das deliberações ocorridas em dimensões macro. Um redirecionamento

capaz de interligar todas essas dimensões ao fazer trivial, cotidiano do professor,

compreendido também ele como sendo fruto de uma opção política. Tudo isso, concebido e

praticizado sinergicamente. Desde este ponto de vista, a prática docente deve ser entendida

como estando interligada à gama de todas as demais componentes que integram a formação

docente. Em consonância com estas asserções evoco as contribuições de Lee Schulman.

Schulman (1990) associa formação de professores, aprendizagem da docência,

profissionalidade e Desenvolvimento do Conhecimento no Ensino. Enuncia a aprendizagem

como espaço legítimo de formação e categoriza uma base de conhecimentos para a docência,

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a qual segundo ele não abrange todos os aspectos daquela, constituindo uma idéia basilar, por

conseguinte fundamental. Schulman (2001) apresenta as seguintes categorias como base dos

conhecimentos docentes: conhecimento do conteúdo; conhecimento didático geral;

conhecimento do currículo; conhecimento didático do conteúdo; conhecimento dos alunos e

de suas características, conhecimento dos contextos educativos e conhecimentos dos

objetivos, finalidades e valores educativos, de seus fundamentos filosóficos e históricos.

O autor se volta ao contexto da prática e enfatiza que neste contexto o

conhecimento pode se apresentar em três categorias: o conhecimento proposicional,

constituído a partir de reflexões teóricas e experienciais; o conhecimento de caso, construído

com base em princípios e proposições teóricos e práticos que dão direcionamento às decisões

no que concerne às práticas; e, o conhecimento estratégico, apreendido em circunstâncias

práticas e cotidianas. Este último se relaciona ao modo como o professor articula, quando se

depara com conflitos e precisa tomar decisões, conhecimento, crenças e valores. Neste sentido

e com foco no conhecimento de caso, recorri no âmbito desta pesquisa, aos casos de Ensino,

os quais constituíram um dos instrumentos de coleta. Neste diapasão, Monteiro (2003)

esclarece que

Para Schulman (1986) a essência da profissionalidade está no domínio dos

conhecimentos pelos professores. Ao se referir a esse conhecimento

chamado por ele de “teacher knowledge” apresenta o estudo do

Desenvolvimento do Conhecimento no Ensino, em que investiga os

diferentes tipos e modalidades de conhecimentos que os professores

possuem e que constituem a dimensão epistemológica da identidade do

professor. (MONTEIRO, 2003, p. 13)

Assim, tendo discorrido neste tópico sobre os conceitos de formação presentes

nas obras de Nóvoa (1988, 1995, 1999, 2002, 2005); Marcelo Garcia (1992, 2010); 2009);

Gastón Pineau (1988, 2000), Pérez Goméz (1992); Zeichner (2005, 2010), Gimeno

Sacristán (1999); Giroux (1997), Schulman( 1990, 2001), Souza (2006, 2010) e

Monteiro(2003), cumpre enunciar que o enfoque dado ao trabalho destes autores justifica-se

primeiramente pelo fato de que particípes de uma mesma base teórica, congregam posturas

teórico-epistemológicas que corroboram, resguardas as especificidades presentes nas obras

destes pesquisadores, para o delineamento do conceito de formação como desenvolvimento

pessoal, profissional e organizacional, o qual constitui sustentáculo nesta pesquisa. Depois, tal

enfoque se ratifica por constituir uma síntese de estudos que integram a literatura da área de

concentração deste estudo, fundamental ao desenvolvimento desta pesquisa. Feitas estas

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ponderações, cabe mencionar que no tópico seguinte o foco incidirá sobre a concepção de

formação sob a qual está erigida a pesquisa.

2.2 Formação de professores: Engendramento dos Desenvolvimentos Pessoal, Profissional e

Organizacional

O ponto central deste movimento é a pessoa, com todos os seus limites e

possibilidades. Marcelo García

Conforme enunciado no capítulo precedente, para os efeitos pretendidos nesta

pesquisa, o termo formação docente é concebido como sendo constituído por contínuo

desenvolvimento capaz de associar aspectos identitários e pessoais, profissionais,

organizacionais e institucionais. Do mesmo modo, matizei brevemente as paragens teórico-

práticas por onde passei ao construir os referenciais que ancoram este trabalho. Neste tópico,

busco aprofundar o diálogo com Carlos Marcelo Garcia (1999), intento explicitar noções que

compõem o conceito de formação como desenvolvimento, nas perspectivas apresentadas pelo

pesquisador.

Assim, explicito que para o autor ora enfatizado, formação de professores

constitui tanto uma área de conhecimento quanto de investigação, que tem como centro o

estudo dos processos por meio dos quais os professores aprendem e desenvolvem a

competência profissional. A formação, neste diapasão se dá como

Um processo (salientando o caráter de evolução que este conceito contém),

que de modo algum é assistemático, pontual ou fruto do improviso, e por

isso enfatizamos o seu caráter sistemático e organizado. (...) pensamos que a

formação de professores é um conceito que se deve referir tanto aos sujeitos

que estão a estudar para serem professores, como àqueles docentes que já

tem alguns anos de ensino. O conceito é o mesmo, o que poderá mudar é o

conteúdo, foco ou metodologia de tal formação. (GARCÍA, 1999, p. 26)

Penso ser importante, destacar a fala do autor citado para marcar o fato de que

a formação de professores é concebida por ele como desenvolvimento contínuo e processual

e, que por isso, não se lhe apresenta como necessária a dicotomia em termos conceituais, entre

formação inicial e formação continuada. Contudo, Marcelo Garcia (1999) compreende o

processo que compõem a formação de professores como sendo sistemático e organizado,

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quiçá decorra daí o caráter evolutivo que o conceito é capaz de engendrar. Além disso, o autor

(GARCÍA, 1999) esclarece que embora possam coexistir formações individuais ou em

equipes, a que comporta maior potencialidade de mudança consiste no envolvimento de um

grupo de professores imbuídos em realizar atividades de desenvolvimento profissional

centradas nos próprios interesses e necessidades. Assevera ainda que a formação de

professores deve resultar em uma aquisição ou em um aperfeiçoamento da competência

profissional dos professores envolvidos nas tarefas de formação, dá ênfase à necessidade de

que esta incida sobre os elementos básicos do currículo de formação, quais sejam: os

conhecimentos, as competências e as disposições.

Uma vez apresentado o conceito de formação de professores na perspectiva do

desenvolvimento profissional, o catedrático da Universidade de Sevilha (GARCIA, 1999),

especifica sete princípios necessários ao desenvolvimento do conceito nesta perspectiva

teórica. O primeiro destes princípios defendidos pelo autor é o de conceber a formação de

professores como um contínuo, um processo que, mesmo sendo constituído por fases

diferenciadas, deve manter em comum, princípios éticos, didáticos e pedagógicos referidos a

quaisquer níveis de formação de professores. Este princípio implica na imprescindibilidade de

uma forte interligação entre formação inicial dos professores e formação permanente.

No segundo princípio Marcelo Garcia (1999) destaca a necessidade de integrar

a formação de professores em processos de mudança, inovação e desenvolvimento curricular.

Amparado por Escudero ele reafirma que

a formação e a mudança têm de ser pensadas em conjunto como duas faces

da mesma moeda. Hoje é pouco defensável uma perspectiva sobre a

mudança para a melhoria de educação que não seja em si mesma,

capacitadora, geradora de sonho e compromisso, estimuladora de novas

aprendizagens e, em suma, formativa para os agentes que têm de

desenvolver na prática as reformas. Simultaneamente, a formação, se bem

entendida, deve estar preferencialmente orientada para a mudança, activando

reaprendizagens nos sujeitos e na sua prática docente que deve ser, por sua

vez, facilitadora de processos de ensino e de aprendizagem dos alunos.

(ESCUDERO, 1992, p. 57 apud GARCIA, 1999, p. 23)

O terceiro princípio proposto pelo pesquisador espanhol salienta a necessidade

de ligar os processos de formação de professores com o desenvolvimento organizacional da

escola. Garcia (1999) não desqualifica outras modalidades de formação como sendo

complementares, mas reitera que “é a formação que adopta como problema e referência o

contexto próximo dos professores, aquela que tem maiores possibilidades de transformação da

escola”. O autor ratifica no princípio subseqüente a necessária integração entre a formação de

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professores em relação aos conteúdos propriamente acadêmicos e no âmbito das disciplinas

com a formação pedagógica dos professores. Neste postulado Carlos Marcelo confirma a

importância do Conhecimento Didático do Conteúdo, um dos tipos de conhecimento

conceituados pela equipe investigativa de Schulman, como sendo básico para o ensino. Deste

modo, o conhecimento didático do conteúdo adquire status e relevo como estruturador do

pensamento pedagógico do professor.

O quinto princípio preceitua a necessidade de integração entre a teoria e a

prática na formação de professores. Aqui, Garcia (1999) promove o cotejamento das

pesquisas desenvolvidas por diversos pesquisadores a fim de afirmar que a formação de

professores deve considerar a reflexão epistemológica da prática, de forma tal que os

processos de aprender a ensinar possam, por meio da integração de conhecimentos práticos e

teóricos, constituírem-se em um currículo voltado para a ação.

Os trabalhos de Schwab, Argyris, Shon, ou Connelly e Clandinin e outros,

apontam para um estudo do processo de construção da teoria a partir de

posições centradas, sobretudo na prática. Assim, Schawb fala de “reflexão

deliberativa”, Shon(1983) propõe a “reflexão na acção” , Elbaz (1983)

introduz o conceito de “conhecimento prático”, enquanto Connelly e

Cladinin (1985) o ampliam até o “conhecimento prático pessoal”. Estes

trabalhos nada mais fazem senão salientar que os professores, enquanto

profissionais do ensino, desenvolvem um conhecimento próprio, produto das

suas experiências de vivências pessoais, que racionalizaram e inclusive

rotinizaram. (GARCIA, 1999, p. 23).

Seqüencialmente, são destacados pelo pesquisador com o qual venho cotejando

concepções de formação como desenvolvimento profissional, a congruência entre o

conhecimento didático do conteúdo e conhecimento pedagógico transmitido, e a forma como

esse conhecimento se transmite; bem como “o princípio da individualização como elemento

integrante de qualquer programa de formação de professores.” (GARCIA, 1999, p. 24). Este

argúi que

o ensino é uma atividade com implicações científicas, tecnológicas e

artísticas. Isso implica que aprender a ensinar não deve ser um processo

homogêneo para todos os sujeitos, mas que será necessário conhecer as

características pessoais, cognitivas, contextuais, relacionais, etc., de cada

professor ou grupo de professores de modo a desenvolver as suas próprias

capacidades e potencialidades. É este o ponto de vista de McNergney e

Carrier (1981) para quem a formação de professores deve responder às

necessidades e expectativas dos professores como pessoas e como

profissionais. (GARCIA, 1999, p. 24)

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García (1999) argumenta ainda que o princípio da individualização deve ser

entendido tanto em relação ao professor como pessoa, como também no que se refere a

unidades maiores como as equipes de professores ou a escola como unidade. Assim, penso

que o autor ao reiterar a necessidade da expansão do princípio da individualização desde a

pessoa que se forma até a unidade escolar, retoma de certo modo todos os princípios

precedentes e promove a idéia de que a formação de professores deve ser entendida como o

engendramento dos desenvolvimentos pessoal, profissional e organizacional. Fato que,

consideradas a advertência do autor, no que se refere à classificação de orientações

conceptuais na formação de professores elaboradas por Feiman (1990), as quais se

destinariam fundamentalmente à formação inicial de professores, fazendo emergir uma

escassez teórico e conceptual no que se refere à formação permanente ou desenvolvimento

profissional dos docentes, parece alinhar o conceito de formação defendido pelo pesquisador

de Sevilha com pressupostos vigentes na orientação personalista de formação de professores,

pois conforme o autor

O ponto central deste movimento é a pessoa, com todos os seus limites e

possibilidades. (...) Os conceitos de si próprio, autoconceito,

desenvolvimento são comuns nesta abordagem. O comportamento de uma

pessoa depende do modo como ela se percebe a si própria, de como entende

a situação em que está inserida e da inter-relação destas duas percepções.

(GARCIA, 1999, p. 37)

No escopo deste trabalho a compreensão da formação em perspectiva, cujo

foco recaia na pessoa do professor, desde que enfatizado concomitantemente o contexto no

qual esta pessoa interage, assume contornos de grande relevo, posto ser a questão central da

pesquisa voltada ao entendimento dos percursos formativos dos formadores de Língua

Portuguesa com atuação no CEFAPRO de Cuiabá. De modo que vicejo na orientação

personalista de formação uma seara potencializadora da pesquisa. Seara, cuja evidência

transparece com maior nitidez quando, Garcia (1999) ancorado em Combes e outros (1979)

explicita que

O paradigma personalista da Formação de Professores enfatiza o caráter

pessoal do ensino, no sentido em que cada sujeito desenvolve as suas

estratégias peculiares de aproximação e percepção do fenômeno educativo.

Desta forma, o professor eficaz “é um ser humano único que aprendeu a

fazer uso de si próprio eficazmente, e a realizar os seus propósitos e os da

sociedade na educação de outras pessoas. (...) O objectivo de um programa

personalista de Formação de Professores consistiria, pois em proporcionar

aos professores em formação a capacidade de serem pessoas com um

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autoconceito positivo, ou seja, pessoas com uma maturidade adequada, tendo

em conta as três dimensões: profissional, pessoal e de processos

identificadas por Pickle. (GARCÍA, 1999, p. 37)

A mencionada categorização realizada por Feiman e citada por Carlos Marcelo

Garcia (1999) envolve além do paradigma personalista de Formação de Professores outros

quatro: Orientação acadêmica, Orientação tecnológica, Orientação prática e Orientação social-

reconstrucionista. Do cotejamento entre os cinco paradigmas de formação de professores

mencionados, interessam no âmbito desta pesquisa além do paradigma personalista, conforme

as razões apresentadas, o paradigma social-reconstrucionista, por motivos que a partir de

agora predisponho a apresentar.

O paradigma social-reconstrucionista na formação de professores vincula-se

diretamente com a teoria crítica aplicada ao currículo ou ao ensino, não concebe a reflexão

como atividade de análise técnica ou prática somente, pressupõe que as práticas educativas,

conseqüentemente, a formação de professores incorporam um compromisso ético e social,

respaldadas em relações mais justas e democráticas. Neste sentido, é enfatizado no modelo de

formação precedente o caráter político presente na identidade dos professores, concebidos

como ativistas, cujo compromisso se volta ao tempo em que vivem. Logo, a formação de

professores quando concebida desde este lugar teórico embora não prescinda, ultrapassa o

âmbito da prática e a dimensão técnica da ação docente. Representa antes, uma escolha, uma

decisão e um compromisso do professor com a transformação social. Por isso, inscreve a

formação no bojo de uma problemática bastante ampla, marcada pelas contingências

históricas, políticas, econômicas e culturais, bem como pela necessidade de reconhecimento,

deliberação consciente e intelectualmente crítica assumida pelos professores. (GIROUX,

2000; ZEICHNER, 2005).

A importância que atribuo ao paradigma social-reconstrucionista para a

realização desta pesquisa é oriunda principalmente do posicionamento de Liston e Zeichner

(1991) citados por Marcelo Garcia (1999) que afirmam:

Muitos dos que defendem as metas social-reconstrucionistas para a formação

de professores devem começar a fazer mais do que dizer aos outros o que

devem fazer, e começar a desenvolver propostas concretas de programas que

sejam sensíveis às realidades culturais e sociais da formação de professores.

(LISTON; ZEICHNER, 1991, p.189 apud GARCÍA, 1999, p. 46)

Uma posição teórica como a apresentada traduz mais que boas intenções,

reveste a formação de professores em uma aura que não encobre, mas desvela a profundidade

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da temática, assim como o equívoco dos modelos formativas que tratam o problema desde um

prisma instrucional. Desta forma constitui um libelo contra os programas e/ou políticas de

formações erigidas em torno da cissiparidade que opõem especialistas e professores;

concepção e execução; pesquisador acadêmico e professor. Um brado contra a imposição de

parâmetros de formação de professores que desconsiderem o contexto onde estes

trabalhadores atuam.

Subjaz à importância em se considerar às realidades culturais e sociais na

formação de professores a reflexão, concebida no modelo de formação posposto, como um

eixo orientado para a indagação que se traduz pelo afastamento por parte dos professores das

posições estáticas referentes ao currículo, ao conhecimento e ao ensino, implicando estes

profissionais em processos de questionamento de aspectos que, presentes no ensino formal,

geralmente são assumidos como válidos. “Portanto, uma das funções da formação de

professores será transformar as concepções estáticas prévias dos professores em formação

acerca do ensino, gestão da classe, autoridade ou contexto educativo.” (TOM, 1985 apud

GARCÍA, 1999, p. 45).

Pensada como eixo de Formação de professores Orientada para a Indagação,

conforme proposto pelo paradigma social-reconstrucionista a reflexão segundo Kemmis

(1985, in PÉREZ GÓMEZ, 1987, p.14) apud Marcelo Garcia (1999, p. 44) é dotada das

seguintes características:

1. A reflexão não é determinada biológica ou psicologicamente, nem é mero

pensamento, expressa uma orientação para a acção e refere-se às relações

entre pensamento e acção nas situações históricas em que nos encontramos.

2. A reflexão não é uma forma individualista de trabalho mental, quer seja

mecânica ou especulativa, mas pressupõe e prefigura relações sociais.

3. A reflexão não é nem independente dos valores nem neutra; expressa e

serve interesses humanos, políticos, culturais e sociais particulares.

4. A reflexão não é indiferente nem passiva perante a ordem social, nem se

limita a propagar valores sociais consensuais, mas reproduz ou transforma

activamente as práticas ideológicas que estão na base da ordem social.

5. A reflexão não é um processo mecânico, nem é simplesmente um

exercício criativo na construção de nossas idéias; é uma prática que expressa

o nosso poder para reconstruir a vida social, ao participar na comunicação,

na tomada de decisões e na acção social.

Tecidas as explanações acerca da Formação de Professores como

desenvolvimento profissional, discorridos os princípios que sustentam esta concepção e

enfatizados os paradigmas de formação que considero importantes para o desenvolvimento

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deste trabalho, apresento agora, breves considerações nas quais busco explicitar o

entrelaçamento entre os aspectos expostos e a o trabalho a que me referi.

Preciso dizer já no início destas considerações que o entendimento da

Formação de Professores como o engendramento de múltipos desenvolvimentos, conforme

apresentado por García (1999) é princípio basilar neste trabalho. Assim sendo, reitero que a

Formação de professores tal como é entendida aqui não resguarda filiação teórica com

concepções cujo fulcro seja a compreensão pontual, unilateral do tema. Em seguida, afigura-

me como sendo relevante a informação de que é pressuposto da concepção de Formação de

Professores em que me sustento a compreensão da reflexão como eixo indagativo da

formação, constituindo esta última possibilidade de transformação histórico-existencial e

contextual. Por fim, julgo como sendo válida a observação de que tal concepção de formação

requer para a respectiva consecução programas que consideram o entorno sociocultural e

ecológico no qual o professor atua, bem como a necessidade de que este profissional

compreenda e assuma compromissos formativos marcados pela ética e pelo fortalecimento

das relações democráticas.

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3.0 FORMAÇÃO DE FORMADORES: TEMA EM DEBATE

Estamos em vários lugares e não pertencemos definitivamente a nenhum.

Stuart Hall

Do entrelugar, de onde me faço anunciar, a formação de professores-

formadores se constitui em um conceito multidimensional, pois envolve sinergicamente as

dimensões pessoais e identitárias; profissionais e organizacionais; políticas e institucionais.

Neste entremeio conceptual e prático-epistemológico, a formação de formadores de

professores, a despeito das especificidades que lhes são características, comunga desta

concepção holística de formação. E, no que tange às especificidades que marcam a formação

dos formadores ressalto, em primeiro plano, que o objeto fulcral desta pesquisa é

precisamente: Compreender as trajetórias pessoais e profissionais de formadores de

professores de Língua Portuguesa que atuam no CEFAPRO de Cuiabá, bem como são

interpretadas nos percursos formativos destes formadores a políticas de formação vigente na

instituição.

Ora, uma pesquisa cujo foco incida precisamente na compreensão de trajetórias

pessoais e profissionais de formadores se inscreve desde o princípio em uma acepção de

formação marcada pelo engendramento de múltiplos fatores, decorre disto a importância do

conceito de formação como desenvolvimento profissional, pessoal, organizacional e

institucional, conforme defendido por Marcelo Garcia (1999), conceito que dada a relevância

que assume no escopo deste trabalho, explicitei com mais pausar nas laudas precedentes. Do

mesmo modo, a vinculação entre os sentidos atribuídos aos percursos formativos no

entrecruzamento da vivência pessoal e profissional com a política institucional está ancorada

tanto no conceito de formação de Marcelo Garcia (1999) quanto nos estudos de Nóvoa (1988,

2005, 2009) e nos trabalhos de Souza (2010), Passegi (2010) e Monteiro (2003), dentre

outros.

Por outro lado, no caso específico desta pesquisa existem outros fatores a

serem considerados, a começar pela explicitação do termo “Formador”. Ocorre que na

literatura consultada este termo, no mais das vezes se refere ao professor que atua no Ensino

Superior, em âmbito universitário. Aqui, quando me refiro ao Formador, Professor-formador

ou Formador de Professores, estou a designar o profissional que tendo sido aprovado em

concurso para provimento do cargo de professores da Educação Básica, promovido pela

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Secretaria de Estado de Educação, submete-se a um novo processo seletivo, no qual tendo

sido aprovado, passa a atuar na Formação Continuada de Professores nos CEFAPROs.

Uma vez aprovado no Seletivo para atuar no Centro de Formação e atualização

dos Profissionais da Educação -CEFAPRO- o professor se insere em uma instituição

vinculada diretamente à Secretaria de Estado de Educação, cujo metier precípuo é auxiliar no

planejamento e consecução das políticas de Formação de Professores em âmbito estadual.

Então, passa a ser denominado Professor-formador, e, lotado no CEFAPRO, assume funções

específicas, no mais das vezes, voltadas a demandas de formação continuada de professores.

Assim, o professor-formador é um agente fundamental para o desenvolvimento das políticas

de formação impetradas em âmbito estadual, por conseguinte, demanda para si, programas de

formação com ênfase em “aspectos vinculados às dimensões de profissionalização, de

inserção e desenvolvimento profissional de professores dos diferentes níveis de ensino e das

áreas do conhecimento” (MATO GROSSO: Secretária de Estado de Educação, 2010)

corroborando, deste modo com as asserções de Souza (2010) quando este autor menciona o

debate construído, de forma bastante específica no contexto brasileiro, sobre formação de

formadores. Contexto no qual, segundo o estudioso citado

Na última década, a noção que mobilizou a discussão sobre formação de

formadores adotou como princípio o trabalho desenvolvido na/para a

formação de professores, incorporando pressupostos teóricos do paradigma

da racionalidade prática, do professor reflexivo, dos saberes docentes e da

construção da identidade profissional, entre outros. (SOUZA, 2010, p. 157)

No excerto, Souza (2010) ressalta que no cenário nacional a discussão sobre

formação de formadores adotou como princípio o trabalho e os pressupostos teóricos

presentes na formação de professores, configurando desta maneira, conforme me parece, um

leque amplo de perspectivas que apontam para modelos diversos de formação. Fato que leva o

autor a elucidar que

Convém demarcar a compreensão que tenho da formação como movimento

constante e contínuo de construção e reconstrução da aprendizagem pessoal

e profissional, envolvendo saberes, experiências e práticas. A formação

integra a construção da identidade social, pessoal e profissional, que se

interrelacionam e demarcam a autoconsciência, o sentimento de pertença.

(SOUZA, 2010, p. 158)

Igualmente, destaco que compartilho da compreensão de formação de

formadores apregoada por Souza (2010). Comparto este entendimento como necessário,

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possível e desejável e o faço fulcrado nas condições pessoais, profissionais e organizacionais

vivenciadas por mim como Professor-formador que atua no CEFAPRO de Cuiabá, e, neste

sentido reitero o pensamento do autor de que no contexto contemporâneo, dois aspectos são

fundantes na formação de formadores, quais sejam: o conceito de acompanhamento e a ideia

de mediação biográfica. De conformidade com o professor da Universidade Estadual da Bahia

A emergência do trabalho de acompanhamento tem raízes nos processos

civilizatórios e nas crises instaladas nas complexas relações humanas,

institucionais e sociais. As crises paradigmáticas vividas pelos agentes

sociais, dentre eles a família, a escola, a religião e o mundo do trabalho

fazem eclodir um individualismo exacerbado em confronto com a

descaracterização de „ancoragens tradicionais‟, em oposições entre

dimensões individuais e coletivas. É neste contexto de proliferação de crises

identitárias e sociais que noção de acompanhamento ganha expressão, como

fértil para a formação de formadores. (SOUZA, 2010, p. 158)

Passegi (2010), por seu turno se ampara em Pineau (1998) para definir o

“acompanhamento como uma participação não diretiva”. A autora busca refúgio nos estudos

de Ferrarotti (2010) para ratificar a inserção do acompanhamento em uma ciência da

mediação. Em seguida, menciona que vem buscando teorizar o conceito de mediação

biográfica, a qual no dizer da pesquisadora é inspirada nos estudos de Vigotsky (1989, 1981)

e

não significa ingerência ou interferência. Por ser formativa, a intenção de

formar (se) é guiada pelo coinvestimento do formador e de quem se forma.

Ela se define, sobremaneira, pela noção de cuidado de respeito mútuo.

(PASSEGGI, 2010, p. 117).

Contextualmente, Passeggi (2010) dá ênfase à centralidade que a formação do

formador adquiriu no âmbito do movimento sócio-educativo das histórias de vida em

formação. A pesquisadora ressalta neste sentido, a pesquisa (auto) biográfica, a qual segundo

ela objetiva compreender como formar o formador. A professora do Departamento de

Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte argumenta que “os achados da

pesquisa autobiográfica sobre os modos de narrar auxiliam e são imprescindíveis para a

formação do formador” (PASSEGGI, 2010, p. 119).

No que concerne à formação de formadores no contexto enunciado, embora

desde uma perspectiva diferente daquela apresentada por Souza (2010) e Passeggi (2010),

também Mizukami (2005) se faz anunciar e, optei por referenciar os estudos dela devido ao

modo como a mesma problematiza a formação de formadores no cenário brasileiro. Pautada

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no Paradigma da Racionalidade Crítica, a pesquisadora afirma que tanto as escolas quanto as

universidades são agências formadoras, vez que ambas estão envolvidas com o domínio da

teoria e da prática. Neste sentido, a autora esclarece

Entendo como formadores todos os profissionais envolvidos nos

processos formativos de aprendizagem da docência de futuros

professores ou daqueles que já estão desenvolvendo atividades

docentes: os professores das disciplinas Prática de Ensino e Estágio

Supervisionado, os das disciplinas pedagógicas em geral, os das

disciplinas específicas de diferentes áreas do conhecimento e os

profissionais das escolas que acolhem os futuros professores.

Concebe-se aqui formação do formador como um processo continuado

de autoformação – envolvendo dimensões individuais, coletivas e

organizacionais desenvolvido em contextos e momentos

diversificados e em diferentes comunidades de aprendizagem

constituídas por outros formadores. (MIZUKAMI, 2005, p. 04)

Interessa particularmente, no âmbito desta pesquisa, o modo como Mizukami

(2005) concebe a formação do formador, definida pela autora como processo e, processo

continuado de autoformação, capaz de engendrar dimensões individuais, coletivas,

organizacionais. De modo que a formação do formador deve ocorrer em diversificados

contextos e em momentos diversos, constituídos em comunidades de aprendizagens. Tal

perspectiva coteja muito proximamente com a maneira como vimos conceituando formação

quer seja do professor, quer seja do formador de professores ao longo deste estudo.

Importa ainda, destacar nos estudos da pesquisadora mencionada, o fato de que

são evidenciados no cenário nacional, investimentos no que concerne à elaboração,

implementação e acompanhamento de políticas públicas educacionais destinadas à formação

de professores. Entretanto, tais políticas não têm sido implementadas com mesma intensidade

quando considerada a formação de formadores. De conformidade com Mizukami (2005), as

iniciativas neste sentido, são tímidas e, mesmo no interior das instituições formadoras, não

vem ocorrendo em termos curriculares uma explicitação formal que se volte à formação do

professor-formador, inclusive no que se refere ao que este último deve saber e fazer no

sentido de ir ao encontro do instituído nas políticas públicas atuais concernentes à formação

de professores, os quais são acompanhados pelos formadores. Então, instaura-se neste ponto,

um dilema, pois se os professores, ao menos no âmbito de textos políticos de assinatura

oficial, ocupam lugar de destaque, como ignorar que os formadores de professores,

constituem também eles, pilares no âmbito destas novas reformas educacionais? A

inquietação advinda desta questão inscreve a formação de formadores no âmbito de uma

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problemática que engendra concomitantemente aspectos políticos, históricos e

epistemológicos e aponta incisivamente para a mediação e acompanhamento como

possibilidades estratégicas no enfretamento do dilema.

Em virtude do disposto, na literatura internacional, mas precisamente na

literatura de influência francófona, coloco em destaque a despeito da importância da pesquisa

(auto) biográfica e do conceito de acompanhamento na formação de formadores, os trabalhos

de Gastón Pineau (1998, apud Souza 2010) nos quais o pesquisador afirma que a noção de

acompanhamento está vinculada a uma dimensão antropológica, posto que a partir da palavra,

quer seja oral quer seja escrita, o adulto em formação se interroga sobre as condições

profissionais e existenciais, fato que propicia a construção de outros sentidos atribuídos à vida

em formação.

Entrementes, no contexto nacional, uma vez mais os dizeres de Souza (2010)

se me apresentam como essenciais ao debate instituído em torno da temática concernente à

formação dos formadores

A pesquisa (auto) biográfica no processo de formação de formadores

vincula-se à ideia de que é a pessoa que se forma e forma-se através da

compreensão que elabora do seu próprio processo de formação , permitindo

ao sujeito perceber-se como ator da sua trajetória de formação. Através da

pesquisa (auto) biográfica, o sujeito produz um conhecimento sobre si,

sobre os outros e o cotidiano, o qual se revela através da subjetividade, da

singularidade, das experiências e dos saberes, ao narrar com profundidade.

(SOUZA, 2010, p. 163)

À luz dos conceitos sobre formação de formadores apresentados nos estudos

dos autores que neste texto menciono, reitero que busco tanto no conceito de formação como

desenvolvimento profissional, pessoal e organizacional quanto no cotejamento entre esta

última e a formação do professor-formador sustentada pelo princípio da formação ao longo da

vida, pensar a formação dos formadores com base em uma lógica centrada em um “projeto de

produção da vida mediada pelos sentidos estabelecidos pelos sujeitos no processo de

formação” (SOUZA, 2010, p. 164).

Assim, é importante reconhecer que, diante dos dilemas que se fazem presentes

ao se pensar a formação de formadores no âmbito das políticas públicas instituídas na

conjuntura nacional, as narrativas, com fulcro nos conceitos de mediação biográfica e

acompanhamento, constituem-se como relevantes atividades formadoras, ancoradas nos

recursos experienciais, capazes de engendrar marcas de experiências elaboradas e mudanças

identitárias. Tal perspectiva torna possível dotar as aprendizagens construídas ao longo de

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uma trajetória de formação de um novo sentido, de modo a potencializar estas aprendizagens

no âmbito do percurso formativo. Desta forma, no que concerne a formação de professores de

modo geral e à formação de formadores de modo particular, as narrativas constituem

concomitantemente, um fenômeno e uma abordagem de investigação-formação, pois se

referenciam nas experiências e nos fenômenos humanos advindos destas experiências

(SOUZA, 2006). Este fato torna exeqüível a existência de uma dimensão interativa e

dialógica, fortemente marcada no âmbito da abordagem biográfica e da pesquisa narrativa,

por conseguinte. Por seu turno esta dimensão interativa e dialógica potencializa enormemente

os processos formativos ao tornar passível de compreensão as memórias e histórias de

formação na perspectiva da investigação/formação tanto no que se refere ao pesquisador,

quanto no tocante aos sujeitos partícipes da pesquisa.

Portanto, considerando que no contexto brasileiro, a formação de formadores

constitui um grande dilema, reitero os dizeres de Passegi (2006) que subsidiada em Pineau

(1998), afirma que na contemporaneidade acompanhamento é o termo que melhor responde

ao dilema referido à formação de formadores; entendida esta formação de modo a engendrar o

papel do formador, o estatuto e a profissionalização, conforme os princípios epistemológicos

da formação ao longo da vida e da compreensão do adulto como sujeito histórico, autônomo,

capaz de conceber seu próprio projeto existencial. Então, necessário se faz, retomar

etimologicamente o termo acompanhar que derivado do latim cum (com) e panis (pão),

remete à ideia de caminhar ao lado de outrem, partilhando com ele o pão e o passo

(PASSEGGI, 2006), e, elevá-lo a condição de um dos pilares na formação dos formadores.

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4.0 PESQUISA QUALITATIVA EM EDUCAÇÃO: A PESQUISA NARRATIVA

A construção de uma ciência é um fenômeno social por excelência. Lüdke e

André

Neste capítulo, busco caracterizar e explicitar as bases metodológicas da

pesquisa, a qual inscrita na Área Educacional, resguarda proximidades conceituais e

metodológicas com estudos desenvolvidos no seio de diversas disciplinas que compõem as

Ciências Humanas e Sociais; notadamente a Sociologia, a História, a Antropologia e a

Linguagem. Da Sociologia decorrem contribuições significativas no tocante a abordagem

metodológica da Pesquisa Qualitativa em Educação; à História tributo os conceitos de Sujeito,

Práxis, Mediação Social, Dialética e Contexto indispensáveis ao desenvolvimento deste

trabalho; dos estudos Antropológicos advém a concepção antropológica do termo Cultura e o

conceito de Identidade. Discursividade, enunciação discursiva, discurso como acontecimento

e formação discursiva constituem conceitos fundantes da Linguagem, os quais reaproprio ao

longo deste trabalho.

A pesquisa situa-se mais especificamente no âmbito da Formação de

Professores, sendo também tributária dos conhecimentos pedagógicos e do enfoque

epistemológico concernente à Formação, no qual se sustenta.

Feitas estas ponderações preambulares, passo a apresentar o delineamento

metodológico da mencionada pesquisa. Saliento que a mesma está ancorada nas abordagens

Qualitativas de Pesquisa em Educação, com fulcro na Pesquisa Narrativa.

As abordagens Qualitativas de Pesquisa em Educação foram popularizadas em

âmbito internacional, pelos pesquisadores americanos Bogdan e Bilklen (1994) que as

denominam “Investigação Qualitativa em Educação” e esclarecem

A investigação qualitativa em educação assume muitas formas e é conduzida

em múltiplos contextos. (...) Privilegiam, essencialmente, a compreensão dos

comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação. As

causas exteriores são consideradas de importância secundária. Recolhem

normalmente os dados em função de um contacto aprofundado com os

indivíduos, nos seus contextos ecológicos naturais. (BOGDAN; BILKLEN,

1994, p. 16)

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Do esclarecimento conceitual realizado por Bogdan e Bilklen me interessa

destacar a multiplicidade, a diversidade que a abordagem mencionada assume, pois essas

características vêm contribuindo para a afirmação das pesquisas qualitativas em educação nas

últimas décadas não somente na conjuntura internacional como também no Brasil. Do mesmo

modo é primordial para o desenvolvimento desta pesquisa o privilégio que a compreensão dos

comportamentos desde a perspectiva dos sujeitos pesquisados, assume nos meandros deste

enfoque metodológico. Neste sentido é que os dois pesquisadores americanos definem o

objetivo principal do pesquisador que recorre à abordagem Qualitativa de Pesquisa em

Educação como sendo “o de construir conhecimento e não o de dar opiniões sobre

determinado contexto”. (BOGDAN; BILKLEN, 1994, p. 67). Para os autores a utilidade do

estudo desenvolvido conforme esta abordagem “é a capacidade que tem de gerar teoria,

descrição ou compreensão”.

Para a consecução do objetivo principal que segundo Bogdan e Bilklen (1994)

caracteriza a Pesquisa Qualitativa em Educação, eles asseveram que o pesquisador qualitativo

deve expandir a compreensão, posto serem múltiplas as realidades que interessam a quem

opta por desenvolver pesquisas deste tipo. Não obstante, o caráter eminentemente

compreensivo, hermenêutico e subjetivo das pesquisas que se ancoram na abordagem

Qualitativa, estes estudiosos sinalizam muito oportunamente, para o zelo que o pesquisador

deve ter ao lidar com a subjetividade dos sujeitos aos quais se predispõem a pesquisar, a fim

de não incorrer em equívocos metodológicos que, em última instância possam comprometer a

legitimidade da pesquisa. Nesta perspectiva, afirmam “os investigadores qualitativos

interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos.

(BOGDAN; BILKLEN, 1994, p. 49). Ressaltam ainda, o caráter indutivo com que os

investigadores qualitativos tendem a avaliar os seus dados e o fato de o significado ser de

importância vital para a abordagem qualitativa.

Ainda no cenário internacional Bauer e Gaskell (2008) destacam que um dos

elementos essenciais a atividade científica, „é comunicar‟, fato que implica na persuasão dos

ouvintes a respeito da importância de algumas coisas em detrimento de outras.

Presumivelmente, o aspecto persuasivo assume posição de relevo no âmbito desta pesquisa e

se relaciona a fatores concernentes ao modo como esta se legitima discursivamente. Seguindo

esta lógica, acordo com estes autores de que “a finalidade real da pesquisa qualitativa não é

contar opiniões ou pessoas, mas ao contrário, explorar o espectro de opiniões, as diferentes

representações sobre o assunto em questão.” (BAUER; GASKELL 2008, p. 68). Assim,

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constitui um dos pilares que me orientam neste trabalho de pesquisa o evidenciamento por

parte dos autores, os quais menciono neste parágrafo de que

a prontidão dos pesquisadores em questionar seus próprios pressupostos e as

interpretações subseqüentes de acordo com os dados, juntamente com o

modo como os resultados são recebidos e por quem são recebidos, são

factores muito mais importantes para a possibilidade de uma ação

emancipatória do que a escolha da técnica empregada. (BAUER; GASKELL

2008, p. 68)

No Brasil, Menga Lüdke e Marli André (1986) realizaram um estudo

cartográfico sobre a evolução da pesquisa em Educação, tendo enfatizado sobremaneira a

relevância das abordagens qualitativas para o desenvolvimento dos trabalhos científicos nesta

área. As autoras iniciam ressaltando o fato de que a realização de uma pesquisa pressupõe

promover o confronto entre os dados coletados e conhecimento teórico acumulado sobre o

tema da pesquisa. Corroboram a tese de que estando situado no âmbito das ciências humanas

e sociais, o estudo dos fenômenos educacionais é influenciado pelas evoluções ocorridas no

seio destas ciências e, situam as abordagens Qualitativas em uma realidade histórica na qual a

educação passa a ser concebida como sendo dinâmica, marcada pela fluidez e complexidade.

Segundo estas duas pesquisadoras brasileiras a evolução dos estudos em educação como

também em outras ciências sociais denotam que

Os fatos, os dados não se revelam gratuita e diretamente aos olhos do

pesquisador. Nem este os enfrenta desarmado de todos os princípios e

pressuposições. Ao contrário, é a partir da interrogação que ele faz aos

dados, baseada em tudo o que ele conhece do assunto – portanto, em toda a

teoria acumulada a respeito- que, se vai construir o conhecimento sobre o

fato pesquisado. (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 10)

Do enunciado precedente é possível inferir que as pesquisadoras citadas

endossam o caráter de escolha deliberada, bem como as influências contextuais presentes no

ato de pesquisar, fato que o torna um ato político, evidenciado - a julgar pela posição teórica

assumida pelas autoras – pelas pesquisas em educação, quando cauciadas em abordagens

qualitativas.

A despeito disso, Lüdike e André (1986) advertem ao pesquisador que também

nas abordagens qualitativas da pesquisa em educação o rigor do trabalho científico deve se

constituir como elemento fundamental, mesmo que sem exageros capazes de despotencializar

este trabalho

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o pesquisador deve estar sempre atento à acuidade e veracidade das

informações que vai obtendo, ou melhor construindo. Que ele coloque nessa

construção toda sua inteligência, habilidade técnica e uma dose de paixão

para temperar (e manter a têmpera!). Mas que cerque o seu trabalho com

maior cuidado e exigência, para merecer a confiança dos que necessitam dos

seus resultados. ( LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 15).

Por outro lado, o enunciado da epígrafe me remete á compreensão sócio-

histórica dos processos em que se constituem os saberes com status científicos, por

conseguinte é um convite à reflexão concernente a abordagens metodológicas, posto que

ambos se modificam, concomitantemente às transformações históricas, políticas e sociais.

Assim, é possível situar já na década de vinte do século homônimo o grupo de

Chicago realizando estudos de cunho qualitativo, numa tentativa de compreender os

problemas enfrentados por grupos marginalizados. Naquele período também Maliowisk,

antropólogo polonês, contribui decisivamente para o desenvolvimento do que se configurava

como um novo paradigma de pesquisa ao elaborar o que se convencionou denominar

antropologia interpretativa, ao passo que Franz Boas, tenha sido provavelmente o primeiro

antropólogo a escrever sobre antropologia e educação, fato que contribui sobremaneira para a

compreensão das origens antropológicas da pesquisa qualitativa em educação (BOGDAN e

BILKLEN, 1994). Neste diapasão, igualmente válidos foram os trabalhos desenvolvidos pelo

grupo dos Analles, pela Sociologia Crítico-social e mais contemporaneamente por

pesquisadores como Ferrarotti (1988), Geertz (1973), Stengers (1984) e Fischer(1986).

Trabalhos que, de certo modo foram predecessores da Pesquisa Narrativa, tal como

compreendida nesta pesquisa.

A opção pela pesquisa narrativa se deu em virtude das características

deste trabalho que, inscrito na temática de formação de professores, visa a investigar e

compreender primeiramente os percursos4 formativos por que passam professores que

atuam na formação contínua de outros docentes e que, porquanto, precisa ser delineado

sob tripla perspectiva: pessoalidade, profissionalidade e dimensão organizacional. Isto

porque cauciado por pesquisas precedentes e pela vivência como professor-formador

não posso conceber a formação continuada como sendo treino ou aprendizagem de

novas técnicas de ensino, tampouco é concebível investigá-los sob o prisma da

objetividade, da neutralidade ou da quantificação pura e simples dos dados. Assim é que

4 O termo é utilizado neste texto em consonância com os estudos de Marcelo García (1999) e Nóvoa (1995), bem

como de conformidade com os trabalhos de Monteiro (2003).

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respaldado por metodologias de pesquisa qualitativas, mais precisamente, pela Pesquisa

Narrativa, perscruto possibilidades de averiguar os sentidos de formação vigentes nos

percursos formativos de professores formadores do CEFAPRO de Cuiabá-MT.

Proposição exeqüível e potencializada pela mencionada abordagem, posto que “a

postura do pesquisador precede o método” (FRIGOTTO, 1989). A escolha

metodológica, portanto, fora precedida desde logo pelo modo como compreendo a

Formação de Professores de um lugar singular, subjetivo e quiçá, por isso mesmo,

intersubjetivo e universal no dizer de Ferrarotti (1988). Neste diapasão, a formação de

professores não pode ser concebida numa perspectiva da racionalidade técnica

fomentadora da dualidade entre a concepção e a execução, entre a teoria e a prática,

posto que

A formação conjuga diferentes dimensões, implica

investimentos de diferentes ordens e articula-se com a noção de

acompanhamento na contemporaneidade, vinculando-se a

princípios teóricos de formação como centradas no adulto, como

ator-autor de seu projeto histórico existencial. (SOUZA, 2010,

p. 161)

Com ancoragem na concepção de Formação de Professores posposta é que

concebo como sendo exeqüível o desenvolvimento da pesquisa a partir dos aportes teóricos e

metodológicos da Pesquisa Narrativa em Educação, pois Segundo, Galvão

A narrativa como processo de investigação, permite-nos aderir ao

pensamento experiencial do professor, ao significado que dá às suas

experiências, à avalicão de processo e de modos de atuar, assim como

permite aderir a contextos vividos e em que se desenrolam as ações,

dando uma informação situada e avaliada do que se está a investigar.

Concepções, modos de praticar a profissão, conhecimento didático,

significado de aprendizagens de formação, elaboração do conteúdo

científico, são alguns exemplos de temáticas específicas passíveis de

investigação por meio da narrativa, iluminativas de desenvolvimento

profissional. (GALVÃO, 2005, p. 343)

Assim, é factivel afirmar que pautadas em uma epistemologia na qual busca-se

compreender o subjetivo como sendo parte indissociável do institucional e do social, as

entrevistas narrativas estão vinculadas diretamente às pesquisas (Auto)biográficas e às

narrativas como método de pesquisa, investigação e formação e segundo Passeggi (2010)

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O princípio orientador é que as narrativas autobiográficas propiciam um

processo de pesquisa-ação-formação, e se realizam mediante o

coinvestimento da pessoa em formação e do formador, no contexto

institucional no qual estas narrativas são solicitadas e produzidas.

(PASSEGGI, 2010, p. 114-115)

Desde este ponto de vista, são ressaltados nas narrativas autobiográficas a

intersubjetividade, bem como a relevância do contexto institucional quando se está a pensar

em formação de professores. Ainda conforme Passeggi (2010)

Nos últimos anos, estreitaram-se as relações entre aprendizagem e

reflexividade autobiográfica. Estamos longe da racionalidade técnica na

formação do adulto profissional, dos métodos prescritivos com regras rígidas

e das normas a serem observadas. (PASSEGGI, 2010, p. 115)

A pesquisadora respaldada nos trabalhos de Goodson (2007) menciona os

conceitos de "aprendizagem narrativa e de capital narrativo para sinalizar que toda

aprendizagem é uma resposta a situações reais". Deste modo as pesquisas que tomam como

método as narrativas, se inscrevem em um novo paradigma, posto que ao se voltarem para

compreensão e interpretação das relações vigentes entre o subjetivo e o intersubjetivo, o

pessoal e o institucional, não encontram validação científica no modelo cartesiano. Conforme

Passeggi (2010:112) trata-se de um "posicionamento epistemopolítico". A pessoa humana é

colocada no centro das preocupações deste posicionamento. Logo, a obstinação em se buscar

e comprovar uma verdade objetiva não mais se sustenta, pois parte-se do entendimento de que

"a realidade" se apresenta sob a mediação de sistemas simbólicos constituintes do imaginário

social, porquanto subjetivados pelos indivíduos. Para a autora a pesquisa (auto)biográfica não

busca neutralizar a validade de métodos cientícos legados, nesta mirada epistemológica

almeja a superação da concepção fragmentária do humano. Nesse parâmetro metodológico, a

interação entre o pesquisador e o colaborador da pesquisa é imprescindível, e, com fulcro

neste paradigma Nóvoa (2010, p. 39) anuncia que “estamos no limiar de uma proposta como

enormes consequencias para a formação de professores que constrói uma teoria da

pessoalidade no interior de uma teoria da profissionalidade. De modo que, como pilar desta

interação deve figurar a confiança e a valoração mútua entre ambos, do contrário esta postura

metodológica não se viabiliza como muito bem enfatizou Galvão (2005)

A narrativa como método de investigação pressupõe uma postura

metodológica firmada na interação entre investigador e participantes, um

jogo de relações baseado na confiança mútua e na aceitação da importância

da intervenção de cada um na coleta dos dados e na sua interpretação. As

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dificuldades começam logo após a decisão de se enveredar por um método

desta natureza, uma vez que é necessário desbloquear desconfianças iniciais

e estabelecer uma relação franca, indispensável ao fornecimento, por parte

dos investigados, de dados o mais aproximados possível à sua realidade.

Ultrapassados os primeiros obstáculos, as fases de coleta são morosas e

exigem dedicação quase constante, uma vez que a análise é, em grande parte,

simultânea, para que haja um retrocesso da informação coletada e

interpretada junto dos sujeitos que viveram as experiências, resultando num

texto em que haja participação na sua própria construção. (GALVÃO, 2005,

p.342)

Das considerações feitas por Galvão (2005), são particularmente importantes à

consecução desta pesquisa o relevo acentuado ao conceito de interaçao, pois venho

destacando neste trabalho o caráter de co-participação no que tange ao meu papel como

pesquisador e ao papel assumido pelos sujeitos pesquisados; a seriedade que sustenta a coleta

de dados e a interpretação que, neste caso, pode ser compreendida como sentidos

intersubjetivados.

Ratifico, igualmente que, uma vez concebidas como capazes de abordar

temáticas iluminativas de desenvolvimento profissional as narrativas de investigação ou

Pesquisa Narrativa representam por assim dizer, encruzilhadas, por meio das quais é possível

o entendimento de que o necessário reconhecimento da tecnicidade e cientificidade do

trabalho docente não esgotam todas as dimensões do ser professor, sendo fundamental

reforçar a pessoa-professor e o professor-pessoa, como insiste Nóvoa (2009), para o qual

Estamos no limiar de uma proposta como enormes consequencias para a

formação de professores que constrói uma teoria da pessoalidade no interior

de uma teoria da profissionalidade. Assim sendo é importante estimular,

junto aos professores e nos primeiros anos de exercicio profissional, práticas

de auto-formação, momentos que permitam a construção de narrativas sobre

as suas próprias histórias de vida pessoal e profissional.(NÓVOA, 2009, p.

39)

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4.1 Memórias na Pesquisa Narrativa

Como sugerem os psicólogos sociais da memória, um Bartlet e um Wiliam

Stern, só fica o que significa. Ecléa Bosi

A Pesquisa Narrativa em Educação, conforme já enunciei neste capítulo

resultou do desdobramento histórico ocorrido no âmbito da Pesquisa Qualitativa em Educação

que, por sua vez angariou grandes contributos da Sociologia, da Antropologia e dos Estudos

Lingüísticos, dentre outros. Assim sendo, muitos conceitos originários daquelas áreas

passaram a ser utilizados tanto no âmbito da pesquisa qualitativa quanto nos meandros da

pesquisa narrativa.

O conceito de memória constitui um dos conceitos que tendo sido pesquisado e

popularizado no campo dos estudos sócio-histórico-antropológicos, torna-se muito importante

na seara da Pesquisa Narrativa em Educação. No entanto, em virtude de ter assumido esse

aspecto transdisciplinar por assim dizer, o termo Memória acabou por se tornar polissêmico.

Congrega assim, sentidos diversos.

Ante a polissemia do termo memória e a relevância do conceito para o

desenvolvimento deste trabalho é importante dizer sob que perspectiva conceptual a palavra

memória se torna proeminente no delineamento desta pesquisa. Cumpre esclarecer já no

princípio que no âmbito do mencionado trabalho “Memória” não está vinculada ao ideário

passadista e mistificador que fixa tipos e personagens monumentais, muitas vezes, a expensas

da compreensão de que a História não se restringe ao relato de grandes feitos e fatos, mas

constitui, em última instância, o fazer cotidiano e o fazer-se no cotidiano.

Por outro lado, “Memória” no escopo desta pesquisa não coaduna com a ideia

bastante comum que a concebe com sendo uma evocação pura e simples do passado, uma

visão quase onírica evocada por aquele que rememora. Posto que

Não há evocação sem uma inteligência do presente, um homem não sabe o

que ele é se não for capaz de sair das determinações atuais. Aturada reflexão

pode preceder e acompanhar a evocação. Uma lembrança é diamante bruto

que precisa ser lapidado pelo espírito. Sem o trabalho da reflexão e da

localização, seria uma imagem fugidia. O sentimento também precisa

acompanhá-la para que ela não seja uma repetição do estado antigo, mas

uma reaparição. (BOSI, 1994, p. 81)

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Concebida como uma constante atualização do passado, uma reaparição

suscitada pelos dilemas vivenciados por aquele que lembra no tempo presente, a Memória se

torna em um poderoso instrumento para a Pesquisa Narrativa em Educação. Note que não se

trata aqui de um lembrar ao acaso, mas de uma lembrança burilada pelo espírito, precedida e

acompanhada por intenso trabalho de reflexão e de localização. Mediado por uma inteligência

do presente, o ato de lembrar possibilita ao ser humano sair das determinações atuais,

constituindo-se em ferramenta potencializadora das ações deste ser ante os problemas

vivenciados, visto não se tratar de uma repetição do estado antigo, pois os sentimentos se

fazem presentes e de certo modo, atualizam estas lembranças. Fato que, a julgar pelos dizeres

de Bosi (1994), remete a aspectos identitários já que “Não há evocação sem uma inteligência

do presente, um homem não sabe o que ele é se não for capaz de sair das determinações

atuais” (p. 410).

Desde esta óptica Memória é termo complexo capaz de engendrar o uno e o

múltiplo, o idêntico e o diverso; o individual e o social, em perspectiva complementar e

sinérgica, tal como anunciado por Bosi por meio de instigante diálogo encetado com

Halbwachs, Stern e Bartlet dentre outros estudiosos da memória. No âmbito destes estudos

Bosi (1994) destaca o fato de que

Uma memória coletiva se desenvolve a partir de laços de convivência

familiares, escolares, profissionais. Ela entretém a memória de seus

membros, que acrescenta, unifica, diferencia, corrige e passa a limpo.

(BOSI, 1994, p. 410-411)

Todavia, a memória coletiva só encontra sustentação na dimensão subjetiva,

quem lembra é o indivíduo

Por muito que deva à memória coletiva, é o indivíduo que recorda. Ele é o

memorizador e das camadas do passado a que tem acesso pode reter objetos

que são, para ele, e só para ele, significativos dentro de um tesouro comum.

(BOSI, 1994, p. 411)

Assim, a autora parece postular a existência de uma complementaridade

constante entre a memória individual e a memória social. Do mesmo modo Bosi (1994)

amparada nos trabalhos de Halbwachs parece advogar a vinculação das lembranças

significativas evocadas por aquele que recorda ao momento presente, aos grupos com quais

convive, bem como ao que convém à ação desenvolvida no momento em que se vive.

Segundo a pesquisadora

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Para Halbwachs, cada memória individual é um ponto de vista sobre a

memória coletiva. Nossos deslocamentos alteram esse ponto de vista:

pertencer a novos grupos nos faz evocar lembranças significativas para este

presente e sob a luz explicativa que convém à ação atual. O que nos parece

unidade é múltiplo. Para localizar uma lembrança não basta um fio de

Ariadne; é preciso desenrolar fios de meadas diversas, pois ele é um ponto

de encontro de vários caminhos, é um ponto complexo de convergência dos

muitos planos do nosso passado. (BOSI, 1994, p. 413)

Das ponderações acerca do trabalho de Bosi (1994) decorre que a memória

individual está imbricada na memória social. Logo, o indivíduo que recorda não o faz no

vazio institucional e histórico, também não lembra por lembrar apenas, ao fazê-lo se coloca

em um ponto para o qual convergem vários caminhos e planos do passado, ponto complexo.

Uma vez que

O caráter livre, espontâneo, quase onírico da memória é, segundo

Halbwachs, excepcional. Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver,

mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as

experiências do passado. A memória não é sonho é trabalho. (BOSI, 1994,

p. 55)

Precisamente desta conceituação de Memória como trabalho, o qual seleciona,

burila e entrelaça o passado com o presente e o individual com o social, numa ação de refazer

e reconstruir, repensar as experiências deste passado com imagens e ideias de hoje, advém a

relevância dos trabalhos de Bosi (1994) para esta pesquisa; posto que nos meandros desta

última busco ancorado, em uma compreensão da formação de formadores como sendo

constituída por meio do entrelaçamento do individual, pessoal, subjetivo com o profissional e

o organizacional interpretar possíveis sentidos e percursos formativos, amparado para tanto na

pesquisa narrativa. E reitero escudado pela autora mencionada que “A narração da própria

vida é o testemunho mais eloqüente dos modos que a pessoa tem de lembrar. É a sua

memória. (BOSI,1994:68)

Narração, testemunho, memória termos que assumem igualmente grande

relevância no âmbito desta pesquisa e, que estão, não obstante, contigenciados pela

linguagem, pois este constitui “o instrumento decisivamente socializador da memória é a

linguagem. [...] As convenções verbais produzidas em sociedade constituem o quadro ao

mesmo tempo mais elementar e mais estável da memória coletiva”. (BOSI, 1994, p. 57).

Neste sentido, as narrativas, testemunhos, memórias, sentidos por mais subjetivos que sejam

sempre estão sujeitos à ideologia e convencionalização, fixados em quadros sociais e

convenções verbais. Daí, a consciência de que ao trabalhar com memórias no âmbito das

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pesquisas narrativas o que se está a fazer é interpretar possíveis sentidos decorrentes destas

narrativas, todavia, mesmo estes sentidos por indissiocráticos que pareçam encontram

retumbância nestes quadros sociais da memória social e da linguagem, fato que,

possivelmente reveste estas narrativas pessoais de um caráter institucional, transubjetivo;

social e histórico, porquanto.

A interpretação social que Halbwachs dá da capacidade de lembrar é radical.

Entenda-se que não se trata apenas de um condicionamento externo de um

fenômeno interno, isto é, não se trata de uma justaposição de “quadros

sociais” e “imagens evocadas”. Mais do que isso, entende que já no interior

da lembrança, no cerne da imagem evocada, trabalham noções gerais,

veiculadas pela linguagem, logo, de filiação institucional. É graças ao caráter

objetivo, transubjetivo, dessas noções gerais que as imagens resistem e se

transformam em lembranças. (BOSI, 1994, p. 59)

Contribui ainda para a ratificação da assertiva de que memórias externadas por

meio das narrativas pessoais por integrarem quadros sociais e serem transubjetivas,

constituem concomitantemente dimensões grupais, institucionais, culturais, sociais e

históricas, o cotejamento feito por Bosi (1994) entre os trabalhos de Bartlet e Halbwachs

Bartlet postula que a “matéria-prima” da recordação não aflora em estado

puro na linguagem do falante que lembra; ela é tratada, às vezes estilizada,

pelo ponto de vista cultural e ideológico do grupo em que o sujeito está

situado. [...] Nessa altura, constatamos uma singular coincidência entre as

formulações de Halbwachs e as de Bartlet: o que um e outro buscam é fixar a

pertinência dos “quadros sociais” e das instituições e das redes de convenção

verbal no processo que conduz à lembrança. (BOSI, 1994, p. 64)

Portanto, como afirmou Bosi (1994, p. 466) mencionada na epígrafe desta

seção ao reiterar Stern e Bartlet “Só fica o que significa”. No entanto há que se ponderar que o

significado, os sentidos atribuídos pelo indivíduo ao dado fato ou evento por ele narrado está

associado dentre outros fatores, ao valor que o grupo no qual este sujeito se insere ou inseria

atribui a este mesmo fato. De modo que o significado, o sentido para lembrar encontra, muitas

vezes, motivações grupais, culturais e históricas. Parecendo, ser factível, portanto, mesmo

quando enfocadas as narrativas pessoais, falar em sentido negociado ou significados

partilhados.

Feitas estas considerações sobre memórias e pesquisa narrativa, passo a

apresentar na continuidade deste ancoradouro teórico- epistemológico, os estudos de Ferraroti

(1988), a partir dos quais é possível traçar algumas similitudes entre a pesquisa biográfica e a

pesquisa narrativa. O enfoque dado ao trabalho de Ferrarotti (1988) a esta altura desta

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pesquisa é justificado tendo em vista a legitimidade desta última com fulcro dentre outros

aspectos nos conceitos de Universal Singular e Mediação Social.

4.2 Encontros narrativos: o universal singular

Pode haver ciência do particular e do subjectivo. E, por outras vias- vias

muitas vezes aparentemente paradoxais-, esta ciência resulta num

conhecimento geral. Franco Ferrarotti

A Pesquisa narrativa resguarda, no que concerne ao aspecto epistemo-

metodológico, proximidades com o Método Biográfico, o qual por sua vez está ancorado na

abordagem qualitativa que, conforme já enfatizado em sessões anteriores deste texto, é

tributária das transformações metodológicas ocorridas no âmbito das ciências humanas e

sociais desde meados do século vinte. Nesta perspectiva é que diversos conceitos sócio-

antropológicos se tornam importantes para o desenvolvimento desta pesquisa. Conceitos que

serão apresentados nesta seção, referendados nos trabalhos de Franco Ferrarotti (1988) e que,

a meu ver, são importantes à medida que contribuem para a autonomia e validação de

trabalhos delineados conforme o paradigma da Pesquisa narrativa, tal como é pretendido aqui.

E, em virtude desta proximidade teórico-epistemológica, contextualizo a seguir brevemente a

construção histórico-social do método biográfico; paralelamente, apresento estes conceitos

estruturantes do mencionado método e imprescindíveis para esta pesquisa.

Conforme Ferrarotti (1988) o método biográfico emerge da valorização

crescente de uma metodologia mais ou menos alternativa, a qual resultou da crítica à

objetividade e à nomotetia características na epistemologia sociológica. Para este autor as

condições de vida contemporâneas passam a exigir uma nova antropologia concebida como

uma ciência das mediações capaz de traduzir estruturas sociais em comportamentos

individuais ou microssociais, posto que “as pessoas querem compreender a sua vida

quotidiana, as suas dificuldades e contradições, e as tensões e problemas que esta lhes impõe”

(FERRAROTTI, 1988, p. 20). O sociólogo destaca que a sociologia clássica falha à medida

que não satisfaz a necessidade de uma hermenêutica social do campo psicológico individual.

Instaura-se então o método biográfico, situado em um compito de investigação teórica e

metodológica das ciências humanas e sociais. Deste modo, o método biográfico se apresenta

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como uma aposta científica e, direcionado e sustentado pela razão dialética, em vez da razão

formal e mecanicista atribui à subjetividade um valor de conhecimento, ao tempo em que se

situa mais além das metodologias experimentais e quantitativas. “Subjectivo, qualitativo,

alheio a todo esquema hipótese-verificação, o método biográfico projecta-se à partida fora do

quadro epistemológico estabelecido das ciências sociais” (FERRAROTTI, 1988, p. 21).

Subsidiado no novo quadro epistemológico reivindicado pelo método

biográfico Ferraroti (1988) historiciza e crítica as abordagens que intentaram reconduzir este

método ao axioma aristotélico de que “só existe ciência do geral” (Ferrarotti, 1988:22). Neste

sentido, ratifica a especificidade do Método Biográfico dizendo que

a negação da especificidade da biografia, graças a uma metodologia

nomotética e a técnicas coisificadoras, trai seu carácter essencial, isto é, a

sua historicidade profunda, a sua unicidade. Pelo contrário, trata-se de

explicitar até o fim as implicações desta especificidade, de fundar assim a

especificidade epistemológica, metodológica e técnica do método biográfico.

(FERRAROTTI, 1988, p. 25)

Assim, devem ser enfatizados no âmbito das pesquisas biográficas os materiais

primários em detrimento dos secundários, em uma clara inversão, já que o método biográfico

tradicional nutre predileção pelos materiais secundários. Desta forma,

Devemos voltar a trazer para o coração do método biográfico os materiais

primários e a sua subjectividade explosiva. Não é só a riqueza objectiva do

material biográfico primário que nos interessa, mas também e, sobretudo, a

sua pregnância subjectiva no quadro de uma comunicação interpessoal

complexa e recíproca entre o narrador e o observador. (FERRAROTTI,

1988, p. 25)

No limiar desta pregnância subjectiva no quadro de uma comunicação

interpessoal complexa e recíproca entre o narrador e o observador, o pesquisador citado traça

em linhas gerais, possíveis respostas ao dilema instaurado no que concerne ao conhecimento

científico que resulta da subjetividade fundante do método biográfico; para tanto recorre ao

conceito de práxis humana, entendida como atividade sintética, totalização ativa do contexto

social. Desde esta perspectiva

Toda a vida humana se revela, até nos seus aspectos menos generalizáveis,

como síntese vertical de uma história social. Todo comportamento ou acto

individual nos parece, até nas formas mais únicas, a síntese horizontal de

uma estrutura social. [...] O nosso sistema social encontra-se integralmente

em cada um dos nossos actos, em cada um dos nossos sonhos, delírios,

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obras, comportamentos. E a história deste sistema está contida por inteiro na

história de nossa vida individual. [...] Mas, sendo produzida por uma práxis

sintética, a relação que liga um acto a uma estrutura social não é linear, e a

relação estreita entre a história social e uma vida não é determinismo

mecânico. [...] O indivíduo não é um epifenômeno do social. Em relação às

estruturas e à história de uma sociedade, coloca-se como um pólo activo,

impõe-se como uma práxis sintética. Mais que reflectir o social, apropria-se

dele, mediatiza-o, filtra-o e volta a traduzi-lo, projectando-se numa outra

dimensão, que é a dimensão psicológica da sua subjetividade.

(FERRAROTTI, 1988, p. 26)

Das mediações entre o social e o individual, bem como da compreensão do

indivíduo como um pólo ativo que, em relação à história de uma sociedade, impõe-se como

uma práxis sintética, decorre um dos conceitos essenciais para as pesquisas fulcradas na

narrativa como método, qual seja: a definição sartreana do homem como o Universal

Singular. Ferraroti se apropria deste conceito e sobre ele assenta toda a pujança do

conhecimento advindo da subjetividade reivindicada à ciência. Logo,

Uma antropologia social que considera todo o homem como a síntese

individualizada e activa de uma sociedade, elimina a distinção do geral e do

particular num indivíduo. Se nós somos, se todo o indivíduo é, a

reapropriação singular do universal social e histórico que o rodeia, podemos

conhecer o social a partir da especificidade irredutível de uma práxis

individual. (FERRAROTTI, 1988, p. 26-27)

No âmbito da Pesquisa narrativa e deste trabalho de pesquisa em particular, o

conceito de Universal Singular tal como concebido por Sartre e reapropriado por Ferrarotti

(1988) constitui um pilar, uma vez que engendra possibilidades de superar a clássica

polarização que, opõe em termos de metodologia o geral e o particular, mesmo quando

consideradas as ciências humanas e sociais; ao tempo em que aponta para novas dimensões de

legitimação do conhecimento, concebido desde um prisma mais dialético e menos formalista e

mecanicista. Do mesmo modo insere nos meandros das ciências humanas um novo

paradigma, no qual a epistemologia é compreendida em uma perspectiva plural capaz de

açambarcar as dimensões técnicas, éticas, políticas e sociais do conhecimento,

concomitantemente.

Igualmente relevantes para esta pesquisa são os conceitos de entrevista

biográfica e mediação social. A entrevista biográfica por apresentar similitudes com o modo

como foi concebida a entrevista-narrativa no decorrer deste trabalho; ambas são

compreendidas no escopo desta pesquisa como sendo mais que relatos de experiências

vividas, uma micro-relação social (FERRAROTTI, 1988). Neste sentido tanto a entrevista

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biográfica quanto a entrevista-narrativa engendram uma interação em uma hermenêutica da

ação social, tal como conceituada pelo autor mencionado; de modo que entre o pesquisador e

o entrevistado paira sempre e ineludivelmente uma constante interação, assentada em

complexa discursividade. Assim, entendo como sendo válido também para a entrevista-

narrativa aquilo que Ferraroti (1988) assentiu em relação à entrevista biográfica

Toda entrevista biográfica é uma interacção social completa, um sistema de

papéis, de expectativas, de injunções, de normas e de valores implícitos, e

por vezes até de sanções. Toda entrevista biográfica esconde tensões,

conflitos e hierarquias de poder. [...] O entrevistador nunca está ausente,

mesmo o que se finge ausente. É sempre recíproco, mesmo se aparentemente

se recusa a toda a reciprocidade. [...] A ilusão da objectividade nega a

qualidade interaccional da narrativa biográfica. Se por vezes a reconhece, é

para exorcizar o seu papel constitutivo e relegá-la para segundo plano, para o

meio dos resíduos subjectivos que conspurcam sempre a objectividade das

ciências humanas. Trata-se de restituir a narrativa biográfica à plenitude da

sua natureza relacional e da sua intencionalidade comunicativa.

(FERRAROTTI, 1988, p. 27).

No que concerne ao conceito de mediação social este assume aspecto

fundamental quando considerada a validação desta pesquisa, vez que, muito embora não seja

buscado aqui o ideal de generalidade e universalidade, jamais serão negligenciadas as

múltiplas relações que se imbricam entre o particular, subjetivo e o geral, institucional. Ao

contrário, a pesquisa foi concebida com o fito de minimizar em termos conceptuais e

metodológicos esta polarização. Sendo assim, o conceito de mediação social, concebido como

“campos activos das totalizações recíprocas” (FERRAROTTI, 1988:31), potencializa no

quadro das análises, o desenvolvimento da pesquisa em pauta, já que

cada indivíduo não totaliza directamente uma sociedade global, mas totaliza-

a pela mediação do seu contexto social imediato, pelos grupos restritos de

que faz parte, pois estes grupos são por sua vez agentes sociais activos que

totalizam o seu contexto. (FERRAROTTI, 1988, p. 31)

Portanto, entendo que o Método Biográfico tal como compreendido por

Ferraroti (1988), bem como os conceitos do Singular Universal e de Mediação Social por

engendrarem possibilidades de entrelaçar o subjetivo, pessoal com institucional e

organizacional em uma perspectiva plural, não polarizadora; quando empregadas no contexto

da formação de formadores de professores, contribuem para a percuciência e relevância das

análises do material produzido no delineamento desta pesquisa, pois tornam possível a

construção de um entrelugar, no qual por meio das narrativas, o encontro entre o singular e o

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universal é possível, desejável, necessário. Pautado nestes pressupostos, passo a apresentar

nas páginas vindouras as referidas análises.

4.3 Procedimentos Metodológicos

Caminhar é ter falta de lugar. É o processo indefinido de estar ausente e à

procura de um próprio. Michel de Certeau

No delineamento metodológico desta pesquisa, vicejei desde o princípio que

ela estava já na gênese, inscrita na abordagem qualitativa. Todavia, a opção no âmbito desta

abordagem, pela metodologia de Pesquisa Narrativa, não se deu peremptoriamente; veio

sendo delineada processualmente, marcada por avanços e recuos, fomentados tanto na

dimensão pessoal quanto na coletividade dos debates ensejados no Grupo de Estudos e

Pesquisas, coordenado pela professora Dr.ª Filomena Maria de Arruda Monteiro. Pesavam

nesta decisão, equanimente, o caminho teórico e epistemológico que o grupo vinha

elaborando há alguns anos, bem como o fato de que até o momento, não obstante toda a gama

de conhecimentos concernentes às narrativas de investigação-formação dos quais o grupo

vinha se apropriando, as narrativas ainda não terem sido utilizadas como metodologia de

pesquisa, apenas como instrumentos para coleta de dados. Muito embora, a professora Dr.ª

Filomena Maria de Arruda Monteiro viesse acenando continuamente para a necessidade de

que a narrativa fosse assumida como Método de Pesquisa, dado o amadurecimento teórico do

grupo.

A opção pela Pesquisa narrativa começou a ser definida quando em uma

comunicação oral, na qual eu apresentava dados preliminares desta pesquisa em um dos

grupos de trabalho do Seminário de Educação promovido pelo IE/UFMT, no segundo

semestre de 2010, fui instigado por uma das professoras Dr.ª, que participava do seminário a

assumir as Narrativas como metodologia de Pesquisa. Posteriormente, tendo sido também a

professora Dr.ª Filomena Monteiro, minha orientadora, consultou-me, no sentido de que

talvez, eu pudesse assumir esta perspectiva metodológica. Erigiu-se aí um desafio hercúleo

que, no entanto, fascinava-me. Redirecionei então meus esforços, no sentido de me

potencializar epistemologicamente. Debrucei-me no referencial concernente às narrativas de

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formação-investigação que o grupo vinha estudando e somente então, consegui entrelaçar o

problema da pesquisa: a formação de formadores às Narrativas de investigação, fato factível a

partir da concepção de mediação e acompanhamento (SOUZA, 2010; PASSEGI, 2006).

Entretanto, tendo sido dados, os primeiros passos na direção de assumir as

Narrativas como método de Pesquisa, restava muito ainda por fazer. E, reconheço: não fosse a

generosidade pautada na mediação e no acompanhamento, tão presentes nas orientações e

indicações de leituras feitas por minha orientadora, bem como a proficuidade dos debates

encetados no Grupo de Estudo e Pesquisas, eu não teria reunido condições para a assunção da

metodologia mencionada.

Neste caminho, vim redefinindo concomitamente, minha perspectiva pessoal

no que concerne à minha trajetória como formador, à concepção de formação, por um lado e

os fundamentos da Pesquisa Narrativa tal como concebida nos meandros deste trabalho, por

outro lado. Assim, cheguei à percepção de que a narrativa como metodologia se torna legitima

por reunir dentre, outros fatores, aspectos concernentes ao caráter formativo que elas

engendram ao tornarem possível a compreensão dos percursos de formação no âmbito das

trajetórias formativas, bem como por fazerem vicejar que tais percursos são delineados nos

meandros de contextos, por sua vez, formativos também. Concebi então, a partir de intensos

debates e leituras no e com o grupo de estudo e pesquisas que a Pesquisa Narrativa, pressupõe

alguns pilares, princípios elementares: formação, considerados os percursos e trajetórias tanto

do pesquisador quanto dos pesquisados; recolha e análise dos dados segundo critérios da

hermenêutica (RICOEUR, 2011) e triangulação das fontes, dentre outros.

Sustentado nos critérios apresentados, interpretei as fontes em dupla

perspectiva, aspecto que, de certo modo, singulariza esta pesquisa. Optei por apresentar

primeiramente, os percursos de cada um dos formadores, buscando apreender os sentidos e

singularidades presentes nos mesmos. Depois, por meio da análise interpretativa dos dados,

busquei apresentar no âmbito das trajetórias de formação dos professores-formadores, a

construção/reconstrução das identidades profissionais, neste sentido, enceto o debate acerca

das identidades de professores e dos formadores de professores. Da interpretação mencionada,

resultaram ainda as análises presentes no último capítulo, no qual, são enfatizados os

significados e concepções expressas em narrativas de formação de formadores de Língua

Portuguesa do CEFAPRO/Cuiabá.

Assim, convém anunciar que o aporte metodológico e as análises

interpretativas, encontram sustentação tanto nas opções teóricas e políticas do pesquisador

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quanto nos instrumentos de coleta de dados, os quais foram definidos de acordo com a

temática da pesquisa e a metodologia empregada e, são apresentados a seguir.

4.3.1 Instrumentos de coleta de dados

No real da vida, as coisas acabam com menos formato, nem acabam.

Guimarães Rosa

Os instrumentos de coleta de dados que foram utilizadas na pesquisa

constituem uma opção delineada segundo alguns critérios. O primeiro refere-se ao recorte

temático e aos objetivos. O segundo pauta-se pela abordagem metodológica. O terceiro está

vinculado à postura que assumo como pesquisador que busca a compreensão por meio de

interpretações possíveis dos significados atribuídos pelos sujeitos da pesquisa aos respectivos

percursos formativos.

Por outro lado, no momento mesmo em que delibero por trabalhar com a

abordagem supramencionada, percebo a urgência em assegurar tanto quanto possível e

necessário a validade e a legitimidade do trabalho, sob pena de não inscrevê-lo no universo do

conhecimento científico. Optei, então, por fazer uma coleta tríplice dos dados e utilizar como

instrumento de coleta a entrevista narrativa5 – Narrativas em Educação - segundo conceitos

referendados por Bauer e Gaskel (2008), Galvão (2005), Monteiro (2003), Passeggi (2010) e

Suárez (2005, 2010); Casos de Ensino (LEE SCHULMAN, 1995), e Relato escrito

(SUÁREZ, 2010), que além dos Casos de Ensino, abrangem no escopo desta pesquisa a

Situação-problema.

Bauer e Gaskell (2008, p. 73-75) afirmam que toda entrevista é um processo

social, um empreendimento cooperativo erigido por meio das palavras, principalmente,

enfocam nesta interação a importância da fala, posto que para eles “talvez seja apenas falando

que nós podemos saber o que pensamos”. Neste processo, os autores enfatizam as

potencialidades da Entrevista Qualitativa e afirmam que “a entrevista narrativa é classificada

5 Em virtude da riqueza de sentidos presentes na entrevista-narrativa, ela foi tomada como fonte principal de

análises nesta pesquisa. Foi a partir da interpretação dos significados que os sujeitos revelaram na entrevista-

narrativa e da busca por aprofundar interpretação destes sentidos, que deliberei pelos demais instrumentos de

coleta, configurando três instrumentos.

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como um método de pesquisa qualitativa. Ela é considerada uma forma de entrevista não

estruturada, de profundidade, com características específicas.” (BAUER e GASKELL, 2008,

p. 95). Nesta perspectiva, este tipo de entrevista pode ser compreendido também como uma

técnica na produção de histórias. Uma técnica aberta no que concerne aos procedimentos que

o pesquisador lança mão para analisar os dados coletados. Este último aspecto da entrevista

narrativa remete, desde meu ponto de vista, para uma dimensão capaz de potencializar muito

as pesquisas que utilizam desta técnica de coleta de dados, pois a não definição apriorística

dos procedimentos de análise pode evitar que o pesquisador se deixe encilhar por uma camisa

de força que o levaria a adotar uma postura inflexível ante os dados coletados.

Os pesquisadores citados no parágrafo precedente atribuem ao sociólogo

alemão Fritz Schütze um papel relevante para o desenvolvimento da entrevista narrativa

quando do início desta modalidade de entrevista e apresentam cinco passos a serem trilhados

pelo pesquisador que fizer a opção por utilizar a entrevistas narrativas, os quais são

mencionados na seqüencia pelo fato de ancorarem minha ação como pesquisador na

realização das entrevistas

1. Preparação;

2. Início; começar gravando e apresentar o tópico inicial;

3. A narração central: não fazer perguntas, apenas encorajamento não

verbal;

4. Fase de questionamento: apenas questões imanentes;

5. Fala conclusiva: parar de gravar e continuar a conversação informal;

6. Construir um protocolo de memórias de fala conclusiva. (BAUER;

GASKELL, 2008, P. 111).

Nesse trajeto metodológico, exponho a relevância dos conceitos apresentados

por Bauer e Gaskell (2008) para o desenvolvimento desta pesquisa tanto no tocante a

definição e orientações no que se refere à utilização profícua da entrevista narrativa quanto

pela ênfase dada por estes estudiosos à postura do entrevistador, segundo eles

primeiro o entrevistador não deve aceitar nada como se fosse pacifico.

Segundo, ele deve sondar cuidadosamente mais detalhe do que aqueles que o

entrevistado pode oferecer em uma primeira resposta à pergunta. Terceiro, é

através de acúmulo de informações conseguidas a partir de um conjunto de

entrevistas que podemos chegar a compreender os mundos da vida dentro de

um grupo de entrevistados. (BAUER; GASKELL, 2008, p. 72-3).

Na esteira das contribuições de Bauer e Gaskell (2008), ressalto por último um

aspecto basilar na obra dos dois e, fundante no desenvolvimento deste trabalho. Refiro-me ao

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fato de que na obra consultada, estes autores inscrevem a entrevista narrativa no seio da

narração que, na visão partilhada entre eles Schütze (1977) e Brunner (1990) reflete a

interpretação da situação de entrevista e “reconstrói ações e contextos da maneira mais

adequada; ela mostra o lugar, o tempo, a motivação e as orientações do sistema simbólico do

ator”.( SCHÜTZE (1977); BRUNNER (1990) apud BAUER e GASKELL, 2008, p. 92). Do

mesmo modo penso ser muito relevante destacar que nesta perspectiva teórico-metodológica

a narrativa privilegia a realidade do que é experienciado pelos contadores de

história (...) não copiam a realidade do mundo fora delas: elas propõem

representações/interpretações particulares do mundo. (...) não estão abertas à

comparação e não podem ser simplesmente julgadas com verdadeiras ou

falsas (...) estão sempre inseridas no contexto sócio-histórico. (BAUER;

GASKELL, 2008, P. 110).

Por seu Turno, Suárez (2005, 2010) situa a pesquisa narrativa como um

importante parâmetro no que se refere às potencialidades engendradas no âmbito da formação

quando voltada à construção de uma teoria pessoal sinergicamente a uma teoria profissional,

ambas inseridas no contexto histórico. Neste sentido, o autor destaca em diversos trabalhos, a

importância da “Documentação Narrativa” nos processos formativos de professores, desde

que, no processo de implementação sejam criadas e sustentadas condições político-

institucionais que tornem possível aos professores escrever, ler, conversar e refletir em torno

dos relatos como parte integrante do trabalho docente e da formação profissional.

Contempladas as condições político-institucionais, segundo o escritor

portenho a documentação narrativa pode se constituir em um recurso valioso para pesquisas,

indagação e formação docente concebidas de conformidade com um novo parâmetro, no qual

as vivências e os saberes docentes sejam compartilhados e fortalecidos, por meio da

integração de ações interinstucionais que abranjam desde as reflexões e práticas cotidianas do

professorado até aquelas delineadas no âmbito das instituições formadoras de docentes. Estas

últimas, devem se consolidar como comunidades do saber docente, instâncias fomentadoras

do pensamento e da ação educativa; lugares de referência, consulta e intercambio com e entre

as escolas e demais centros educativos da respectiva área de abrangência. Nos dizeres do

pesquisador

A documentação narrativa de experiências pedagógicas pode contribuir para

recriar o pensamento e a ação educativos e, no melhor dos casos, pode

colaborar na construção de outra teoria pedagógica da formação. E se

sustentamos que a documentação narrativa ajuda a pensar teoricamente, é

porque pensar deste modo não é simplesmente agregar a nossos repertórios

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de estratégias e formas de pensamento pedagógicos conceitos abstratos e

separados da experiência escolar. Pensar teoricamente, é, entre outras coisas,

tratar de explicitar os saberes práticos construídos ao mesmo tempo em que

acontecem as experiências, para torná-los passíveis de reflexões, debates e

reformulações. Não existe pratica, nem sequer a mais espontânea, que no

implique certos saberes e pressupostos sobre a gente, suas aprendizagens,

suas visões do justo, do desejável e do possível. (SUÁREZ, 2005, p. 13)6

Assim Suárez (2005) corrobora decisivamente para o delineamento desta

pesquisa ao acenar para a possibilidade da documentação narrativa influenciar positivamente

para a construção de outra teoria de formação sustentada, dentre outros aspectos, na

explicitação dos saberes práticos a fim de torná-los passíveis de reflexões, debates e

reformulações. Para, além disso, o autor ao ratificar a crítica de Walter Benjamin ao

desenvolvimento das formas de vida ocidentais e industrializadas, nas quais escrever sobre as

próprias experiências e sobre como chegamos a ser o que somos passou a ser algo

desacreditado, esquecido, associados a tempos passados, dá-me a entender que as narrativas

tal qual são compreendidas pelo autor representam um novo paradigma onde seja possível

“esse gesto amistoso e prazeroso de compartilhar escritos, leituras reflexões e de conversar

sobre elas.” (SUÁREZ, 2005, p. 10)7

No sentido de compartilhar as escrituras, leituras e reflexões, Daniel Suárez

(2005, 2010) destaca de modo bastante acentuado, no conjunto da Documentação Narrativa,

os relatos escritos os quais nos meandros desta pesquisa são utilizados ora como situação-

problema, ora como caso de ensino. Nesta perspectiva, estes relatos se configuram como um

mecanismo eficaz quando se trata de considerar a versão, a voz daqueles que estão às voltas

com o trabalho de ensinar, os quais enfrentam assuntos e dilemas pedagógicos, no mais das

vezes, corajosa e criativamente. Por outro lado, a escritura deste tipo de documento de

investigação-formação, pressupõe uma postura de enfrentamento na maneira de produzir

conhecimento. Um posicionamento capaz de instituir novos processos de formação e

transformação profissional. Desta forma, à escritura de relatos dos docentes subjaz a idéia de

que as experiências de formação podem circular por espaços educativos e serem conhecidas,

6 Livre tradução do original em espanhol: “La documentación narrativa de experiencias pedagógicas puede

contribuir a recrear el pensamiento y la acción educativos y, en el mejor de los casos, puede colaborar en la

construcción de otra teoría pedagógica de la formación. Y si sostenemos que la documentación narrativa ayuda a

pensar teóricamente, es porque pensar de este modo no es simplemente agregar a nuestros repertórios de

estrategias y formas de pensamiento pedagógicos conceptos abstractos y desprendidos de la experiencia escolar.

Pensar teóricamente es, entre otras cosas, tratar de hacer explícitos los saberes prácticos construidos al mismo

tiempo que se despliegan las experiencias, para tornarlos pasibles de reflexiones, discusiones y reformulaciones.

No hay práctica, ni siquiera la espontánea, que no implique ciertos saberes y supuestos acerca de la gente, su

aprendizaje, sus visiones de lo justo, de lo deseable y de lo posible.” 7 Livre tradução do original e espanhol: “esse gesto amistoso y placentero de compartir escrituras, lecturas ,

reflexiones y de conversar sobre ellas.”

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pensadas e recriadas, constituindo uma rede de produção, publicação e legitimação dos

saberes da profissão e sobre a profissão docente, conforme advoga Nóvoa (2005, 2009).

Também Monteiro (2003, p. 51-52) reitera pautada nos trabalhos de Connely e

Clandinin(1988) uma visão ampla da narrativa de investigação a partir do conceito de

indagação narrativa. Conforme a pesquisadora, ao narrarem as respectivss histórias, alunos e

professores revelam o modo como experienciam o mundo, engendrando e reconstruindo a

própria história pessoal e social. Para a autora “as narrativas são instrumentos formativos e

investigativos.”

Da assertiva referendada por Monteiro, acima mencionada, bem como da

compreensão externada pela pesquisadora, a qual concebe as narrativas em perspectiva ampla,

decorrem, o segundo e o terceiro instrumentos utilizados como técnica para coleta de dados

do trabalho que ora anunciamos, qual seja: Casos de Ensino, aqui concebidos como

narrativas, por meio das quais os sujeitos, colaboradores da pesquisa serão instados a dizerem

como fariam a formação, elaboradas junto ao pesquisador e Situações-problema Almejei, por

meio destes recursos, identificar que concepções de formação continuada estão presentes no

fazer dos professores- formadores.

Os casos de Ensino se vinculam ao que Lee Shulman e sua equipe (1985 )

denominam base de conhecimentos pedagógicos. Referem-se mais especificamente ao

conhecimento pedagógico do conteúdo e à necessidade que os professores têm de além de

conhecerem os contéudos específicos da disciplina que lecionam, transformar estes

conhecimentos em experiências que dão suporte ao aprendizado dos alunos. Deste modo, o

ensino baseado nos casos de ensino e/ou aprendizagem baseada em problemas torna possível

a compreensão da disciplina de maneira que se destine a estimular, envolver e dotar de

sentido a aprendizagem do educando, posto que de acordo com Schulman, 2002 (apud

MIZUKAMI, 2004) Casos de Ensino são narrativas elaboradas ou analisadas por professores

que devem conter informações referentes ao contexto em que ocorreram, interações (palavras,

sentimentos, ideias tanto do professor quanto dos alunos) e possíveis análises da situação a

partir de aspectos teóricos. Neste sentido, a elaboração de Casos de Ensino por professores a

partir das próprias experiências constitui importante recurso para a formação, pois um caso,

entendido em toda a sua globalidade, não é apenas um relato de um acontecimento ou

incidente. Para que se possa chamar de caso, é preciso que se teorize. (SHULMAN,1986).

Como técnica de coleta de dados, os casos de ensino advém da necessidade de

pesquisar como os professores pensam, compreendem os conceitos e princípios subjacentes

aos diversos assuntos que se predisponhem a ensinar, bem como entender a razão das

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principais ideias vigentes na prática destes profissionais (SHULMAN, 2010). Parte-se do

pressuposto de que ao se propor a explicar o que se sabe a outros, os docentes encontram

maneiras de entender melhor a disciplina na qual trabalham. Logo, as experiências podem se

constituir em fonte valiosa para a resolução dos problemas pedágogicos e formativos. Tais

aspectos se fazem presentes em uma entrevista do autor (SHULMAN, 2010, p. 10)

É claro que professores excelentes podem desenvolver o PCK apenas através

de suas práticas de ensino, mas a experiência não é garantia para o

desenvolvimento profundo do PCK . Os professores devem ser

propositadamente ensinados a enxergar como ideias complexas de sua área

do conhecimento podem ser representadas de forma que os estudantes

compreendam melhor. E para termos um conhecimento pedagógico do

conteúdo, temos que entender o que faz algumas ideias serem de difícil

compreensão e que tipos de exemplos, analogias e problemas podem torná-

las mais claras para os alunos. Uma preparação efetiva do professor, que o

permita desenvolver o PCK , certamente proporcionará um valioso começo

em sua trajetória de ensino.

4.3.2 Critérios que Referendaram a Escolha dos Sujeitos da Pesquisa

Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de

alguma espécie de encanto. As pessoas– as coisas, não são de verdade.

Guimarães Rosa

Do mesmo modo que a escolha da abordagem metodológica e das técnicas de

coleta dados, a opção pelos cinco sujeitos que integraram este estudo foi criteriosa. Os

critérios desta escolha foram definidos tendo como pressuposto maior a relevância que

assume no momento atual a instituição na qual estes sujeitos desenvolvem os respectivos

trabalhos qual seja: O Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação –

CEFAPRO- de Cuiabá. Contextualmente, os CEFAPROs assumem lugar de destaque nos

meandros políticos e educacionais no que concerne à implementação das reformas do ensino

formal e à formação continuada de professores no Estado de Mato Grosso. Decorre daí o

segundo critério, muitas pesquisas foram realizadas nos últimos anos tendo como objeto de

estudo a formação continuada de professores, contudo há uma carência importante quando

considerada a formação continuada daqueles que assumem a formação de outrem. Quando

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esta formação destina-se aos docentes de Língua Portuguesa, disciplina tão mal compreendida

e responsável, em última instância por preconceitos, negação das expressividades linguajeiras

e exclusões, então receio que temos motivos assaz importantes para a escolha dos sujeitos

mencionados.

Os critérios enunciados na seqüência estão tangenciados mais pelas trajetórias

individuais e se referem respectivamente ao tempo de trabalho na docência-todos o fazem há

mais de dez anos; às concepções de linguagem, ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa-

bastante divergentes; à capacidade de situar o CEFAPRO no âmbito das políticas

educacionais; bem como ao posicionamento face às políticas de formação continuada

implantadas em âmbito estadual e às concepções no que tange ao próprio conceito de

formação continuada de professores. Estabelecidos estes critérios organizei a pesquisa em

torno das Trajetórias pessoais, profissionais e os percursos formativos dos formadores de

professores de Língua Portuguesa que atuam no CEFAPRO de Cuiabá-MT.

Assim, no capítulo seguinte apresento os percursos formativos dos cinco

sujeitos pesquisados. Busco expor por meio das narrativas destes formadores a tessitura

histórico pessoal que tornou possível a existencialidade subjetiva e intersubjetiva destas

pessoas.

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5. PERCURSOS FORMATIVOS E NARRATIVAS DE FORMAÇÃO: TRAVESSIAS

O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão

sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre

mudando.Guimarães Rosa

Neste capítulo apresento os percursos formativos dos sujeitos pesquisados.

Busco expor por meio das narrativas destes formadores a tessitura histórico pessoal que

tornou possível a existencialidade subjetiva e intersubjetiva destas pessoas. Todavia, tais

narrativas ao constituírem um cômpito entretecido de múltiplas travessias vincula

necessariamente as dimensões pessoais e profissionais e contextos, por vezes,

inextricavelmente. E, na configuração sempre inconclusa destes percursos os diversos

contextos vivenciados pelos pesquisados constituem uma dimensão fundamental. Assim, nos

tópicos subseqüentes procuro sentidos possíveis que possam ser atribuídos aos percursos

formativos dos professores que participaram da pesquisa. Daí, emergem interpretações,

provisórias e sem pretensões exclusivistas ou de irrefutabilidade, constituídas sob grande

medida com fulcro em uma das questões que figuram entre as demais constantes deste

trabalho, qual seja: Trajetórias pessoais e profissionais: percursos formativos dos formadores

de professores de Língua Portuguesa que atuam no CEFAPRO de Cuiabá-MT?

5.1 Sentidos possíveis: Interpretando os percursos formativos

Um sentir é do sentente, mas o outro é o do sentidor. Guimarães Rosa

Conforme enunciado por mim, as interpretações aqui apresentadas não são

cabais, por outro lado, cumpre esclarecer que o termo percurso não adquire nos meandros da

pesquisa um caráter estanque, essencialista. Antes, este conceito coaduna no escopo deste

trabalho, com as concepções apresentadas tanto por García (1999, 2010) quanto por Nóvoa

(1988, 1992, 1995) e Monteiro (2003). Nesta perspectiva o termo percurso formativo volta-se

à compreensão dos questionamentos apresentados por Nóvoa (1995, p. 16): “Como é que cada

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um se tornou no professor que é hoje? De que forma a acção pedagógica é influenciada pelas

características pessoais e pelo percurso de vida profissional de cada professor?” Do mesmo

modo, as interpretações mencionadas se ancoram na perspectiva hermenêutica, tal como

apresentada por Ricoeur (2011).

Porquanto, passo a apresentar nas seções subseqüentes os percursos dos

formadores de professores partícipes deste trabalho, os quais foram denominados no âmbito

desta pesquisa pelos seguintes pseudônimos: Aurora, Sol, Dia, Mar e Ocaso. A propósito, a

escolha destes codinomes, resultou de sucessivos ensaios metalingüísticos voltados à tentativa

de construir uma sequencia narrativa sustentada nos pseudônimos atribuídos aos sujeitos

pesquisados. Após laboriosas incursões neste sentido, elaborei a partir da organização pautada

na coincidência de dois tempos cronológicos: o tempo oriundo do movimento de rotação da

Terra, do qual advém a passagem do dia e da noite, e do tempo costumeiramente utilizado

para delinear o enredo da narração, uma sequencia narrativa com ancoragem na ordenação

destes nomes fictícios. Tendo consultado os sujeitos partícipes da pesquisa sobre a

concordância em serem, no âmbito da pesquisa, apresentados pelos pseudônimos

mencionados, delineei desde o modo como ordeno a apresentação dos percursos destes

sujeitos uma sequencia que, fulcrada na passagem do tempo típica na narração, constitui ela

própria uma pequena narrativa, a qual poderia ser metaforizada na história do ser que tendo

presenciado a aurora, contempla o nascer do sol, adentra o dia em um banho de mar e, deleita-

se em contemplá-lo até o por do sol, a chegada do ocaso. Então, a escolha dos nomes fictícios

e o modo, como estes estão organizados, configura mais uma narrativa no escopo deste

trabalho.

5.2 Aurora

Movida desde criança pelo sonho de ser mãe, Aurora tem o percurso

profissional marcado por contigências assaz significativas, pois tendo-se casado com um

militar teve filhos muito jovem e percorreu grande parte do Brasil em virtude dos sucessivos

deslocamentos a que, por motivos profissionais, o esposo estava submetido. Todavia,

obstinada cursou a faculdade e se tornou professora, tendo atuado na universidade pública no

interior de Mato Grosso e no ensino fundamental, concomitantemente, migrou-se para Cuiabá

e, intentando possibilitar aos professores de Língua Portuguesa transformarem a prática de

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sala de aula, segundo discurso proferido por ela, prestou concurso seletivo para o CEFAPRO

de Cuiabá. Atua como formadora de professores desde o segundo semestre do ano de 2009.

Para Aurora a professora, profissional dedicada e zelosa- a julgar pela fala da

entrevistada-, foi precedida em muito pelo desejo acalentador de ser mãe, no entanto, ao longo

do percurso por ela construído parece pairar o princípio que, oportunamente, a levaria a fazer

a opção por ser professora de Língua Portuguesa e Literatura, conforme enunciado no

entrecho subseqüente

Bom, assim, não vou dizer que... eu desde pequena queria que... que ah! era um sonho eu ser professora

desde pequena não; porque assim... que relação a sonho que tinha desde criança eu quis muito é... ser mãe,

esse sempre foi o grande sonho de minha vida, que eu realizei. Me lembro que as minhas primas dizia eu

quero ser médica, eu quero ser isso. Inclusive, né, tenho primas que estudaram, chegaram a ser médica

realmente. Eu dizia eu quero ter os meus filhos! Desde pequena. Mas, a vida da gente... eu não sei, eu

sempre gostei muito de lê, sempre gostei e... eu me casei muito nova; me casei e terminei o Ensino Médio já

casada e, aí por essa questão dos filhos eu resolvi que eu não queria... queria dá um tempo, queria me dedicar

ao marido e ser mãe. Mas só que eu nunca abandonei essa questão da leitura. Isso prá mim foi sempre um...

um rumo assim e, eu sempre tive isso daí entranhado na minha vida por causa do meu irmão que meu irmão,

ele sempre foi uma pessoa muito inteligente... ( Narrativa Oral8)

De fato, consolidado o desejo da maternidade, Aurora se deixa enlevar pela

ideia de cursar uma faculdade que a levasse para as sendas da leitura

E...então sempre tive essa questão da leitura e... passou... passaram alguns anos e... eu aí comecei a querer,

ver... que deveria ter continuado a estudar né, não devia ter abandonado, devia te ido fazer uma faculdade,

que eu sentia muita falta de viver no mundo da cultura e... hum-hum, aí... só que aí como era no começo

que não podia, a gente sempre tava morando muito longe; meu marido era militar e a gente morava em

muitos locais, vários como até no interior de Boa Vista a gente morou e, aí as dificuldades foram muitas e

aí, comecei a pensar : eu queria estudar, eu queria estudar, queria e queria e... eu queria alguma coisa que eu

pudesse ler, que eu pudesse ler e eu pudesse é... repassar essa... essas aventuras que eu tinha na leitura pras

pessoa e aí , começou esse... essa... e aí, eu comecei a pensar em fazer letras, na verdade eu pensava em

muitos cursos, eu pensava em biblioteconomia e em letras que era tudo no rumo da lite...da linha que tinha

leitura né... e aí, só que aí a oportunidade veio no curso de letras e, aí fui fazer quando eu tive essa

8 Refere-se ao instrumento de coleta, neste trabalho especificamente, toda narrativa oral corresponde aos dados

coletados por meio de entrevistas-narrativas. As narrativas são encontradas na íntegra em anexos no final do

texto.

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oportunidade, eu fui estudar mais tarde já né... Entrei na faculdade em 1994, me formei em 97, fiz o curso

de letras e literatura também. (Narrativa Oral)

O ingresso na Faculdade Tereza D‟Ávila em Lorena, cidade localizada no

interior de S. Paulo se deu em meio a um dos sucessivos deslocamentos a que Aurora se

predispunha a fim de acompanhar o marido, deixa entrever a obstinação desta mulher em

busca da realização pessoal e parece ter marcado de modo muito significativo o percurso de

Aurora, pois decorridos muitos anos ela rememora este evento, confere ao mesmo o status de

uma conquista exitosa e o narra um tanto tangenciada pela emotividade

Sim, então, eu cursei em... no interior de S. Paulo é...gente morava numa cidade grande em um outro estado,

aí saiu uma transferência e ele foi transferido para o interior de S. Paulo, uma cidade chamava Lorena fica

próximo de... Guaratinguetá, São José dos Campos, Aparecida dos Montes, por ali... e... é no Vale do

Parnaíba né... essa cidade e aí, nesse momento já eu queria... mas, não,...ah, eu quero porque quero fazer uma

faculdade! Aí, eu cheguei e fui e, assim nós chegamos e, a faculdade... fui procurar a única que tinha né. E,

aí eu cheguei lá o... rapaz disse assim: ah, era até ontem. Era pra fazer o vestibular né; eu falei: Ah! Mas eu

acredito né e aí ele disse: não, mas pode fazer. Hoje ainda tem... tá aceitando. Aí eu fiz né... fui fazer esse

vestibular e aí passei em segundo lugar na época né...e fiquei muito feliz que... estudando enfim eu tava, eu

estava!Mas aí eu fiz e fui muito feliz né. (Narrativa Oral)

Tendo ingressado na universidade após quase vinte anos longe da Escola,

Aurora enceta novas e significativas relações a ponto de recordar e avaliar muito

positivamente as aulas do professor de Teoria e Literária, ao tempo que considera um

privilégio ter sido aluna de Gabriel Chalita.

Foi muito bom, bons professores né... professores muito bons! Alguns ainda um pouco assim tradicionais.

Mas eu penso que naquele momento foi muito bom prá mim! Porque como eu tava muito tempo sem estudar

já de maneira formal né; porque eu terminei o Ensino médio em 79, fui voltar a estud... fui pro.. estudo

mesmo em 94, apesar de que o... eu já tava fazendo curso sabe, tudo que aparecia eu fazia curso, até um

curso na área de alfabetização. Cursos rápidos né... porque sabe a minha mente, tava precisando demais ser

alimentada pela...pela teoria, pelo estudo mesmo né... fazer uma reflexão e...então não foi uma facu...

faculdade... mas, nesse momento foi bom prá mim porque me deu um rumo. Talvez, se fosse uma faculdade

maior né... onde a dinâmica fosse outra eu não tives... tivesse tido mais dificuldade né...então ali os

professores, alguns né...mais tradicionais... mas, professores muito bons. Eu considero até uma sorte, um

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privilégio de ter sido aluna de Gabriel Chalita! Ele trabalhava com gente com Filosofia né... e, ele era muito

bom e tudo e... professor ... u... meu professor de literatura latino-americana que, por coincidência era até de

Cuiabá,formado na UFMT né, e ele foi muito bom, foi um dos melhores viu...tinha um conhecimento muito

grande sobre literatura. (Narrativa Oral)

Do excerto precedente é possível inferir que ali na faculdade pequena do

interior, a mulher e mãe que apesar de quase duas décadas longe do ensino formal não deixara

de fazer vários cursos porque “a mente tava precisando demais ser alimentada pelo estudo,

pela reflexão” parece ter se sentido acolhida e fortalecida na caminhada rumo à futura

prossionalização, nascia a professora Aurora. No entanto, o percurso formativo assumiria

outros contornos e, a carreira docente só seria iniciada em outro Estado e, após a superação de

muitos percalços. Dilemas vivenciados pela esposa e mãe que agora se predispunha a se

tornar educadora para além da esfera doméstica sem, contudo se desvencilhar dos

compromissos familiares a despeito do contingenciamento que estes compromissos lhe

impunham.

A partir de 97 e, aí eu me formei...e aí eu ainda fiquei 98 e aí fomos transferidos... meu esposo foi transferido

pra Cáceres, né...e aí, eu tinha recém terminado a faculdade, eu fiquei muito chateada porque tinha

algumas... uma perspectiva de eu trabalhar nessa Universidade... universidade não... faculdade que eu

estudei... em função assim de ter feito um curso muito bom, já tinha assim uma... é... possibilidade de eu

trabalhar lá e, só que aí saiu essa transferência né... de meu marido e aí, saiu e eu... que eu no meio da

faculdade eu tive essa filha né e aí eu... meus filhos já eram maiores, mas eu tinha um bebê. Em Cáceres

eu...assim uma ano e meio e inda...com um bebe e aí eu...fui pro um lugar estranho, foi uma adaptação um

pouco difícil para todos nós porque assim eu... a princípio eu pensava que eu iria ficar lá em Lorena que eu

ia iniciar uma carreira lá, que eu queria como professora né, a gente já tinha alguns contatos, já conhecia as

escolas sabe? E...só que não aconteceu assim né... Então aí que aconteceu, aí saiu essa transferência pra

Cáceres, aí um fiquei assim um ano ainda, né...gente chega num lugar totalmente estranho que não tinha

ninguém, filha pequena...e, meus filhos tendo de estudar né, já tavam adolescentes já os rapazes, que hoje

tão homem né, mas aí quando chegou o... no final de 98 apareceu oportunidade de eu fazer um concurso pra

prefeitura de lá e, até uma conhecida lá falou: não, você tem que tentar!Você tem que tentar! Que você é

uma pessoa que a gente ta vendo aí que é ótima, você é muito boa. Aí eu fui fazer o concurso, passei; na

época passei até muito bem né, passei em terceiro lugar e... aí assumi a prefeitura de Cáceres, as aulas de

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Língua Portuguesa numa escola distante, lá da periferia da cidade! Mas foi um ano muito bom pra mim,

sabe, foi assim uma realização né. (Narrativa Oral)

A carreira docente se lhe apresenta então, como uma realização no âmago da

qual possivelmente pessoalidade e profissionalidade se entrelaçam. O desenvolvimento de

uma destas dimensões interfere necessariamente no delinear da outra, ambas se replicam

mutuamente como insistem Nóvoa (2009), Souza (2010) e Monteiro (2003). Neste sentido a

identidade (GARCÍA, 2010) de Aurora parece ser afetada diante das novas perspectivas

apresentadas ao longo do desenvolvimento pessoal e profissional. Inserida nas artes da

docência Aurora busca ampliar os espaços de atuação e fortalecer a respectiva carreira: presta

o concurso para professores do Estado, cursa todas as disciplinas de uma especialização pela

UNEMAT, por fim opta por lecionar no Estado e na Universidade

Eu... tava trabalhando, dando aula, fiz muitas amizades, alunos gostaram. Aí quando foi no final de 99

veio a oportunidade de fazer o concurso do Estado que... aí foi... aí eu fiz né, e aí na época passei né, até eu

passei em primeiro lugar né...na época concurso do Estado que foi esse que eu assumi em dois mil né...Me

lembro que o pessoal perguntava: Aurora! Quem que é essa Aurora? (alterando o timbre de voz); porque na

época eu fazia uma especialização na UNEMAT, ao longo de 99 eu fiz uma especialização, que

infelizmente eu não conclui por motivos vários né...fiz as disciplinas, mas depois os problemas de saúde de

meu marido... acabei não terminando a monografia... Mas, então aí, ao longo dessa... eu conheci muita gente

nessa... nessa especialização né... e aí, foi quando eu comecei ter contato com a UNEMAT né. [....]

(Narrativa Oral)

Aí, em 2000 eu já estava no Estado e, fiz um teste seletivo pra dar aula na UNEMAT, apareceu a

oportunidade né; e, aí o pessoal falou: Ah, Aurora, tem lá na área de Literatura Portuguesa e Literatura

Infantil. Eram essas duas disciplinas. “Porque cê num quer tentar fazer o teste seletivo?” Falei: ah, acho

que eu vou tentar. Aí tentei, consegui... aí comecei a dar aula também na UNEMAT; aí trabalhava a tarde

no Estado, à noite dava aula na UNEMAT. (Narrativa Oral)

Todavia, uma vez mais Aurora migrou, desta vez veio para Cuiabá e prestou

um novo concurso público municipal em Várzea Grande. Aprovada, passou a vivenciar uma

nova realidade. E, neste novo contexto parece ter sido impelida para um novo desafio:

transformar a prática dos professores de Língua Portuguesa e Literatura, tornando-a mais

significativa para os alunos. Como desdobramento deste desejo atinge um novo patamar na

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carreira docente, torna-se formadora de professores na Área de Linguagens no CEFAPRO de

Cuiabá.

O CEFAPRO, ele é alguma coisa de muito novo pra mim, porque como ele é pioneiro aqui no Mato Grosso,

nessa proposta... então, aí eu já via né, eu já pensava, falava: nossa deve ser interessante fazer é... buscar,

levar para o professor uma outra postura, tentar desenvolver nesse professor uma outra postura. E, aí ano

passado né, eu já estava lá na escola aí eu... Deixa eu só continuar né o meu percurso; eu fiz esse concurso

do Estado né, que eu to... assumi em 2000 e, depois eu precisei pegar uma licença e tal, quando voltei pra

Cuiabá, pedi remoção e, eu... houve oportunidade de eu fazer o segundo concurso e fui trabalhar em Várzea

Grande. E, nessa escola de Várzea Grande foi onde mais eu vi a necessidade de que... o professor , ele precisa

de uma formação continuada, os professores precisam. Lá em Várzea Grande foi onde eu mais percebi isso.

Percebi professores muito, assim, tradicionais, é... muitas vezes, assim querendo... assim, num de... sei lá.

Assim uma coisa pensada assim... muito do senso comum, professores de senso comum e, aí eu...fui...lá o

período do ano passado antes de eu entrar aqui, eu, na Sala de Professor 9eu tava tendo uma atuação muito

assim, buscando ta sempre falando com eles, levando propostas de uma nova educação, buscando conceitos

das escolas organizadas por ciclos de formação humana. Buscando fazê-los entender né, a importância de

um outro olhar assim... é...tente mudar mesmo, entrar num novo é...rumo, dá um novo rumo à educação pra

que, é... não como uma fórmula mágica essa escola organizada por ciclo, mas como uma maneira assim...uma

saída possível pra esse problema que a escola vem enfrentando, e que o professores não conseguem lidar com

os alunos. Não consegue lidar com os alunos frente a esse mundo que a gente ta vivendo, tecnológico, um

mundo onde os alunos... os alunos já não são os alunos do passado. E, aí então quando surgiu a

oportunidade de fazer o concur... o teste, a prova aqui do CEFAPRO né, eu vim com muitas esperanças de

poder atuar, principalmente nessa questão de mostrar pra eles a importância dessa... transfor... que se

transforme, que o professor se transforme! (Narrativa Oral)

O percurso de Aurora é marcado por múltiplas travessias: do desejo de uma

menina emerge a mulher, mãe migrante, designada maritalmente; do gosto pela leitura a

possibilidade de profissionalização, professora; do compromisso com a profissão, a opção:

formadora de professores.

9 Projeto de formação continuada elaborado e desenvolvido pelos profissionais da escola com assessoria dos

professores-formadores do CEFAPRO. Em 2011 o projeto Sala de Professor passou a ser denominado Sala do

Educador, conforme consta na Instrução Normativa Nº. 002/2011/GS/Seduc/MT, D.O. 21.01.2011

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5.3 Sol

Na infância Sol teve como preceptora a avó sexagenária; educada para ser

Dona de Casa, traçou um novo rumo para si e se tornou Técnica em Enfermagem. Do contato

com a população desfavorecida econômica e socialmente, incapaz muitas vezes de entender as

instruções médicas e de cuidar da própria saúde devido, ao baixo índice de escolaridade,

surgiu o ideal de que a Educação era “absurdamente” necessária.

Vi a necessidade da Educação na vida daquele povo que... meus estágios foram só em hospitais públicos,

mais carente da Capital de S. Paulo né. Então eu trabalhei com muita gente de favelas, sem nenhuma

escolaridade é, uma escolaridade muita pequena, muita dificuldade em fazer a assinatura do próprio

nome...enfim, e... pra, pra mim enquanto enfermeira, técnica de enfermagem essa necessidade a cada contato,

a cada ano que passava, mesmo trabalhando em casas particulares, casas de família alemães, alemãs como eu

trabalhei a necessidade era absurda né, da educação. (Narrativa Oral)

No percurso da formadora de professores na Área de Linguagens, cujo

ingresso no CEFAPRO se deu em Janeiro de 2009, a faculdade de Letras cursada parte em

Avaré, parte em Ourinhos, cidades interioranas de S. Paulo, foi antecedida pelo casamento

com um médico e por três gestações consecutivas.

Eu...cursei em Ourinhos, uma parte em Avaré né, por necessidades pessoais é, por conta do casamento,

tempo... tempo mais curto né, eu, passei pra Ourinhos... mas aí eu fiz pra Avaré, cidade do interior de S.

Paulo, conclui em OURINHOS na FIO (enfática), Faculdades Integradas de Ourinhos e, eu escolhi, né é, é,

essa...essa Faculdade em Avaré é... por ter um reconhecimento, apesar de ser uma Faculdade de interior, ter

um bom reconhecimento é...no Estado (Narrativa Oral)

O casamento precoce, as gestações sucessivas e a educação para ser Do Lar

não despojaram de Sol o ideal, quiçá inesperado à época e no grupo no qual se inseria, de

autonomia pessoal e profissional. Embora se realizasse parcialmente com a maternidade,

destemida, não queria só isso, precisava irradiar teu fulgor por outras paragens. O tom jocoso

com que esta formadora narra a quebra de expectativas no que se refere ao fato de ter sido

educada para ser Dona de Casa e optar por não se limitar somente ao papel de esposa e mãe

parece demonstrar que para ela mesma, a despeito da coragem de ousar transpor as margens

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pelas quais se deixara circunscrever, esta transição se constituira em “dangerosíssimo”

desafio.

Eu entrei aos trinta anos que eu me casei aos dezenove, tive três filhos um atrás do outro, em quatro anos

tive três filhos, apesar de ter televisão em casa (risos) né, tive três filhos é... em quatro anos e...não tava

satisfeita com aquilo ser só do lar (sarcástica) né, apesar de que como fui criada pela a minha vó, tinha oito

meses minha vó me pegou com sessenta e três anos né, fui é...preparada pra ser...do lar, mas aí, é...sei lá

se...fiquei pervertida (risos) na tentativa desta atividade que eu tô (pronúncia rápida e humorada). Eu não

tava satisfeita com aquela vida de fazer bolo, fazer comida, apesar de que, tudo isso eu gosto. (Narrativa

Oral)

A faculdade cursada tardiamente, aos trinta anos, empós a paradoxalmente,

agradável e extenuamente experiência da maternidade e a coragem de perverter a ordem dada

como socialmente desejável - a julgar pela fala da formadora-, talvez revele os obstáculos

históricos que muitas professoras, mesmo aquelas que viveram próximas aos grandes centros

do País, predispuseram a transpor para que pudessem assumir uma identidade profissional na

carreira docente. Isto por meio da reinvenção de novo espaço para estar e ser e, a expensas de

se exporem ao opróbrio, como parece sugerir a fala de Sol ao dizer que tendo sido preparada

para ser do lar ficou pervertida na tentativa da atividade, profissão de professora.

No percurso formativo de Sol, nem mesmo a escolha do Curso de Letras

parece ter sido uma opção feita sem o contingenciamento do contexto fortemente marcado

pelas relações familiares, mormente pelos desígnios do marido que teve participação precípua

no sentido de que ela viesse a cursar a mencionada faculdade. E, certamente os motivos desta

injunção são bem pouco ortodoxos, conforme é possível depreender no entrecho a seguir.

Então, eu queria fazer uma faculdade né, enquanto eu fazia o curso de...de Técnico em Enfermagem meu

sonho era fazer terapia ocupacional é...mas, ficou inviável por conta de eu ter casado e...a única coisa é...que

meu ex-marido me deixava fazer era uma faculdade pra ser professora. E, eu gostei disso! Gostei porque eu

tinha aquela... não tinha pensado em ser, pensei, é...levada mais do lado da enfermagem, não no lado da

educação, mas quando ele falou: “Se você quiser ser, cê vai ser professora! Se quiser fazer uma faculdade, vai

ser professora!” Tudo bem, gostei meu bem (divertida)! Tudo bem, gostei da idéia. Gostei da idéia porque

também levaria aquele pessoal todo que eu tinha uma dificuldade enorme para passar todos os procedimentos

pós-operatório parara, parara... por falta de educação, eu me vi ta, um caminho aberto para levar toda essa

informação pra que não acontecesse aquilo que eu vi, que eu presenciei ali na...enquanto técnico de

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enfermagem. E, pra ser professora de Língua Portuguesa é...por incrível que pareça, isso foi uma imposição

de meu ex-marido. Por conta de que...que tinham menos homem na sala e a maioria não é homem, é! Mas, a

minha tendência sempre foi pra área de exatas, fui muito boa aluna de Exatas e uma aluna muito ruim de

Língua Portuguesa e Língua Estrangeira né, aí eu tava ali, quando foi fazer a matrícula, o cara falou: “Se

a senhora quiser ir pra Ciências da Natureza, a senhora pode ir, a senhora tem nota pra isso e, ele falou:

“deixa eu vê a lista”. Tinha cinqüenta por cento homem, cinqüenta por cento mulher na sala. Ele estava

próximo: “Deixa eu vê a lista aí”(batendo com dedos na mesa). A minha primeira opção foi Letras. Aí ele

olhou tinha cinco homens e, geralmente não são né, quem faz Letras...é uma, uma coisa complicada ali né, e,

cê sabe que isso não é mentira (risos) são poucos, raros que tem ali né, então isso não oferecia...risco. Isso

porque ele é um médico formado pela USP; entrou em segundo lugar, gabaritou as provas de Química e

Física no vestibular e tem residência no Hospital das Clínicas e era jovem! Tinha vinte e três anos quando eu

me casei com ele. Então... é complicado...então vamo né, vamo encarar, vamo encarar [...] Quando entrei na

faculdade peguei mais gosto porque eu tive bons professores e, hoje... adoro ser professora. Não mudaria de

profissão. (Narrativa Oral)

Ainda que não constitua objeto principal de análise neste trabalho é

impossível, diante da eloqüência do testemunho de Sol, não apontar o quanto as questões de

gênero, tão presentes na dimensão interpessoal podem interferir na profissionalidade.

Principalmente quando considerado o Magistério, espaço marcado pela expressiva presença

feminina. Então, diante de narrativas como esta, talvez seja importante ressaltar que a

feminização do Magistério não pode ser explicada a partir de questões mercadológicas ou pela

ideia largamente presente no senso comum de que as mulheres têm características que as

fazem serem mais bem sucedidas na área educacional. O que está presente aqui, dentre outros

aspectos, é a dominação machista/sexista, representativa das estruturas sociais nas quais se

assenta o Capitalismo.

Entretanto, ante o fato de a escolha do Curso de Letras, ter sido uma imposição

do ex-marido àquela que nos tempos de estudante se considerava boa em Exatas e uma aluna

muito ruim de Língua Portuguesa, Sol assumiu esse espaço que lhe fora definido por outrem

como sendo um lugar de desenvolvimento pessoal e profissional. E o fez de tal modo que

atualmente reafirma a identidade docente, dizendo inclusive que não trocaria de profissão.

Assim, a ex-técnica de enfermagem a quem a ignorância dos pacientes levou a

ratificar a necessidade da Educação desenvolvida em âmbito formal de ensino e, que sonhava

cursar terapia ocupacional, conclui os estudos em meados da década de noventa do século

vinte e passou a se dedicar ao exercício do magistério. E, ao refletir sobre este percurso

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reafirma que mesmo antes da docência o que pretendia era formar o cidadão crítico, conforme

transcrito a seguir.

Minha, minha meta era levar educação... Já desde aquela época formar o cidadão crítico e... as dificuldades

enfrentadas por conta de não terem...estudo né, famílias de classe social extremamente baixa. (Narrativa Oral)

A inquietação de Sol ante as limitações impostas aqueles que não têm acesso

ao ensino formal, possivelmente acompanhou a professora ao longo do percurso formativo,

pois ao escolher atuar como professora-formadora de professores ela esclarece que o fez

pensando em ajudar ao profissional que estava na sala de aula, que não tem tempo para

pesquisar e ter uma nova metodologia para lidar com o público diferenciado – leia alunos- que

recebe ano a ano. De modo que ao ser questionada sobre os motivos que a levaram a escolher

ser formadora no CEFAPRO de Cuiabá, argüiu que foi

Pensando no profissional que ta na sala de aula que não tem tempo, que não sabe, na grande maioria das

vezes, como pesquisar e ter uma nova metodologia pra lidar com o público diferenciado de um ano pro outro,

muito diferente. Então essa dificuldade, o professor não tem preparo nenhum e, eu enquanto formadora do

CEFAPRO, com o tempo pra fazer essas pesquisas e levar pra ele as coisas mais mastigadas, esse é o

maior...motivo de eu ter entrado no CEFAPRO. (Narrativa Oral)

5.4 Dia

Dia debutou no metier do magistério aos dezessete anos, época em que

assumiu uma turma de quarenta e dois alunos com idade média de onze a vinte anos em uma

escola localizada em uma cidade do interior de Mato Grosso. Relata que foi grande desafio,

pois precisava conquistar o respeito e confiança da turma, a despeito da pouca idade e da

inexperiência na docência. Afirma também que, naquele instante, a opção pela docência se

deu em virtude de ser uma das poucas alternativas que se lhe apresentava naquele contexto.

Bom...os... é...a priori quando morava no interior é...a gente escolhe ser professora porque a opção é

magistério né. Daí me convidaram pra lecionar pra quarta...antiga quarta série né com...tinha em torno de

uns quarenta e dois alunos e como eu queria trabalhar eu assumi a turma. No começo assim foi bastante

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complicado, que eu tinha apenas dezessete anos e eu tinha alunos entre onze a dezessete, vinte anos de

idade. Então era, foi um desafio muito grande; você chegar fazer com a turma te respeitasse. Primeiro

momento a pessoa olhar pra uma pessoa nova sabendo que é inexperiente ela te respeitar e, esse foi o primeiro

momento. O segundo momento é fazer com que a turma participasse da aula né. Então eu tive... um terceiro

momento foi, assim, pegar a confiança da turma né. Então o trabalho foi desenvolvido da seguinte maneira:

Tentar, na época, eu tive de ser um pouco general e um pouco mãezona né. Então, os alunos levantavam

quando eu... eu solicitava, pra ir embora, então e...sempre fazia alguma coisa diferente pra eles né. Eu falei,

tinha conversado com a diretora que na sexta-feira eu teria recreação como uma forma também de... fazer

com que os alunos gostassem né de ir pra escola e, quando os alunos, quando o aluno melhorava eu premiava

da seguinte maneira: eu falava em sala Parabéns ou então era o aluno... um dos alunos que saía primeiro os

que fossem melhorando ou questão comportamental também que depois que melhoraram o comportamento

eles melhoraram também nas participações né. (Narrativa Oral)

Jovem e inexperiente a professora lançou mão dos recursos que lhe pareciam

capazes de, além de assegurar a legitimidade dela na profissão, possibilitar o envolvimento

dos alunos com a escola. Aspecto, certamente de grande relevo quando consideradas as

circunstâncias que Dia vivenciava naquele momento: início da carreira docente. Desta forma,

entre elogios e o rígido controle disciplinar e comportamental, ela se define como tendo

atuado no entrelugar onde agira um pouco como general e pouco como mãe dos alunos. Nesta

perspectiva, buscava o apoio possível no sentido de fazer alguma coisa diferente, despertar o

interesse dos alunos pelas aulas, ao tempo em que procurava validar a respectiva atuação

docente.

Entretanto, Dia, uma vez submetida ao “Batismo de Fogo” da docência,

buscou trilhar novos caminhos, vicejar outros horizontes. Assim é que após ter trabalhado seis

meses como professora contratada no interior de Mato Grosso, migrou para Várzea Grande

com o intuito de cursar uma faculdade.

Eu trabalhei seis meses né, só que eu ainda não tinha descoberto que era realmente aquilo que eu queria. Aí

eu vim pra cá pra Várzea Grande pra fazer faculdade e...e trabalhar. Peguei uma turma de quinta a oitava

série Língua Portuguesa, Ciências, Educação Artística, questão multi... foi quatro ou cinco disciplinas

complicadíssimas; peguei uma que era...na oitava que era Física(enfática)...Risos. E, fui levando né...

(Narrativa Oral)

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Em Várzea Grande, a professora recém-chegada do interior passou a lecionar

nos anos finais do ensino fundamental e, com uma multiplicidade de disciplinas, componentes

de Áreas de conhecimento bastante diversas. Mas, como ela mesma afirmou: foi levando...até

ser aprovada para o concurso para trabalhar em um Banco,

Nesse meio tempo passei no concurso do... do Banco(ênfase) Bandeirantes e fui pro Banco Bandeirantes.

Fiquei em torno de nove meses lá e, em seguida eu retornei pra sala de aula. Depois, um tempo depois,

trabalhei até noventa e oito em sala de aula, passando no concurso do Fórum em noventa e nove e trabalhei

um ano no Fórum e, foi exatamente em noventa e nove que eu fui descobrir que a vocação não é algo que

você escolhe; nós somos escolhidos por ela... nós somos escolhidos por ela. Porque a partir do momento que eu

fui para o Fórum eu repensei todo meu trajeto vivido como profissional como professora e como pessoa.

Descobri que em um único lugar, depois de tudo isso, desse trajeto que eu fiz, descobri que num único lugar

que eu posso ser eu mesma e, eu posso ter a chance de contribuir com... com alguém né, que seria nossos

alunos né. Então, nesse momento eu joguei um concurso estadual do Fórum e voltei pra sala de aula como

interina no ano de dois mil... no ano dois mil eu fiquei na sala; noventa e nove no Fórum e voltei em dois mil

pra sala de aula e voltei contente porque realmente eu tive a certeza daquilo que eu queria. Dois mil e um fiz

o concurso passei e... desse... a partir desse momento não saí mais e firmei o pé que pra você estar na

profissão você tem que amá-la, tem que ser aquela paixão como se fosse o ar que respira né, então, depois em

dois mil e... dois mil e nove fui me aventurar como... nesse meio tempo eu trabalhei com formação do

GESTAR, trabalhei com formação do Eterno Aprendiz, mas não concursada como professora né. Em dois

mil e nove eu fiz o concurso do CEFAPRO e aqui estou (tom baixo, conclusivo). (Narrativa Oral)

Entre o emprego no Banco e o novo cargo no Fórum, Dia parece ter construído

referências e saberes que lhe tornaram possível deliberar autônoma e conscientemente pelo

trabalho docente. Neste percurso a formadora de professores reflete sobre o trajeto vivido

tanto na dimensão profissional quanto na dimensão pessoal e, opta por, nas palavras dela, ser

ela mesma e contribuir com os alunos. Nesse movimento, Dia se volta sobre a própria

constituição identitária e assume a escola como lócus de reafirmação pessoal e a carreira

docente como uma instância de desenvolvimento profissional; então abdica da estabilidade

adquirida como funcionária concursada no Fórum e tal qual no início da carreira retorna a lide

educacional como professora contratada, e, nos dizeres dela, voltou contente porque

realmente teve certeza de que era aquilo que queria. Convicta da opção profissional, a

professora vinda do interior se predispõe a aventurar no âmbito da formação de professores e,

tendo atuado como formadora no âmbito de programas de formação continuada de

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professores implementados pelo MEC, como o GESTAR e o Eterno Aprendiz, passa a atuar

como formadora de professores de Língua Portuguesa, concursada e lotada no CEFAPRO de

Cuiabá no segundo semestre de 2009.

No respectivo percurso formativo Dia destaca que a opção por cursar Letras na

UFMT foi precedida pela superação de muitas dificuldades vigentes tanto na esfera doméstica

e familiar quanto nas muitas tentativas sem êxito até conseguir ingressar na Universidade.

UFMT. Também foi... foi assim, foi a... não foi assim um caminho muito fácil não. Primeira a conquista do

meu pai pra vir morar do interior para a capital né, morar na casa das tias. Aí a primeira tentativa

fracassada, a segunda fracassada né, até a terceira tentativa... porque eu sempre coloquei na cabeça que o é...

não sei... eu quero o Curso... o Curso de Letras. Talvez por achar bonito o nome ou... ou então porque eu já

tinha trabalhado com Língua Portuguesa, sempre fui muito apaixonada pela, pela Língua Materna né.

Então, parti... foi por isso que eu... vim pra cá já com esse propósito né. E, estudei na UFMT né; foi um...

conhecimento muito.... muito válido pra minha prática de sala de aula né e, acredito também que pós-

graduação com certeza será lá. (Narrativa Oral)

Contudo, o fato desta professora ter migrado com o propósito de ingressar no

Curso de Letras, origina a julgar pelo discurso por ela proferido, da paixão que diz ter tido

sempre pela Língua Materna, quiçá por ter trabalhado com Língua Portuguesa antes mesmo

do ingresso na Universidade. E, possivelmente o ideal, a esperança de que um dia faria o

curso desejado, tenha tido papel preponderante na constituição da identidade de Dia que,

declara a relevância dos conhecimentos adquiridos na UFMT para a prática de sala de aula, ao

tempo em que evidencia a crença de que a continuidade dos estudos, agora no âmbito da pós-

graduação, ocorra na mesma instituição.

No que concerne aos motivos que a levaram a ser formadora do CEFAPRO de

Cuiabá, Dia ressalta o fato de estar atuando com formação continuada de professores desde

que assumiu o concurso para professora no Estado como uma das razões que a levaram a

fazer esta opção.

É que eu trabalho com formação desde dois mil e dois e...quando...quando eu efetivei o diretor falou pra mim

assim: “Dia, é eu ou é você ! eu não posso estou na direção, então é você.” Tremi, tremi nas bases, né, porque

pra mim era um...era uma oportunidade nova que estava se abrindo. Depois eu falei: “Bom como toda...como

tudo na vida da gente é desafio, vou tentar!” E, eu tinha, inclusive era formação do GESTAR, GESTAR I

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para professores das séries iniciais. Tinha alguns professores também de quinta a oitava série né e, foi...foi

uma, foi muito interessante porque ali eu fui construindo uma, uma...não sei se é uma outra identidade, fui

construindo uma outra visão de formação né; que as vezes você não assume uma formação por medo de

críticas, por medo talvez, de não dar conta do recado e...ou uma série de coisas que... que estão ali... presas

na... no seu inconsciente né. Então quando eu assumi e fui...assim fui descobrindo junto com os professores,

construindo conhecimento junto com eles e, era tão interessante(enfática) professor, que as vezes, eles

falavam assim: “Dia, gostaria muito que você assistisse a minha aula! Tem possibilidade?” Falei: “Ah, bom

sendo num período inverso ao que eu leciono tudo bem, eu assisto né.” Eu ia assistia,

gravava...é...fotografava; eles ficavam superansiosos, avisava na sala que a professora... a professora deles

ia assistir. Então, isso foi o máximo. Daí quando foi em dois mil e cinco é... por não ter vindo a formação do

GESTAR, eu fiquei com o Eterno Aprendiz e foi assim uma... foi uma experiência muito boa né, que ele...

que o Eterno Aprendiz ele não se estruturado até então; ele teve problema no primeiro semestre, nós

entramos a partir do segundo semestre e estruturamos. Tinha formadores aqui do CEFAPRO como a

Cláudia, a... não me lembro de outros e vários professores da Escola que... que vinham trabalhar com a gente

também. Então a partir desse... desse momento eu fui repensando também o meu papel enquanto educadora

né, e a partir de dois mil e cinco fui pensando, não tinha amadurecido a ideia né, quando foi em dois mil e

seis teve a formação né, em dois... voltando em dois mil e nove com o GESTAR II, módulo II né, que foi a

partir de dois mil e nove que eu me decidi a... a tentar esse novo desafio que é a formação né. E aí, até

então, tô dando continuidade. (Narrativa Oral)

Desta narrativa é possível depreender que Dia, vem construindo uma trajetória

marcada por desafios, as quais ela a despeito de tremer nas bases, aceita e encara como novas

oportunidades. E, neste percurso de formação enfatiza o fato de ir construindo uma nova

identidade, bem como outra visão de formação. Na constituição desta nova identidade, a

formadora dá ênfase à superação do medo das críticas e de toda uma gama de coisas que,

segundo ela, estão presas no inconsciente. Do mesmo modo, Dia afirma que na visão de

formação que foi construindo o formador vai descobrindo junto com os professores,

construindo conhecimento junto com eles. E isto, ela adjetiva como sendo o máximo. Neste

sentido, Dia – quiçá, involuntariamente- ratifica a idéia mediação e acompanhamento na

formação de professores, conforme defendido por Passeggi (2010) e Souza (2010).

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5.5 Mar

Concursado como professor da Educação Básica para MT desde o ano dois

mil, professor formador do CEFAPRO a partir de dois mil e seis, Mar adentrou o universo

educacional e assumiu a condição de profissional docente pós vivenciar circunstâncias

trágicas. De modo que ao ser indagado sobre os motivos que o levaram a se tornar professor,

rememora estes eventos, dando a entender o quão significativo eles foram no respectivo

percurso formativo.

Rapaz (enfaticamente) essa é uma pergunta... não é muito fácil não , porque... envolve um pouco... questões

pessoais, né, ...ahm... meu pai era funcionário do Banco do Brasil e... faleceu (baixando o tom de voz)...

Meus pais faleceram em um acidente de carro em 1987, final do ano... e aí né, meu pai era funcionário do

Banco do Brasil, aí ficou eu e minha irmã a gente recebia pensão do Banco do Brasil né, por... conta... do

falecimento (baixo tom de voz) dele. Então, até a gente completar dezoito anos de idade, eu e minha irmã

receberia uma pensão pra... subsistir... do Banco do Brasil. Se eu tivesse fazendo faculdade essa pensão iria

até vinte e quatro anos e aí eu... eu tava terminando o segundo grau fui pro exercito né, a.. a...recém sai do

exército e aí pra eu não perder a pensão do Banco eu fiz vestibular pra Letras, na verdade eu queria fazer o

vestibular pra Direito né como eu é... é...é não tava confiante pra passar pra Direito que era muito

concorrido eu fiz pra Letras né; pra me garantir na faculdade depois, eu... lá dentro, que eu tivesse lá

dentro eu dava um jeito de mudar de curso né. É... mas, foi a melhor escolha que eu fiz na minha vida. Foi

ter feito o curso de Letras que lá que fui saber na verdade, essa questão da leitura, das narrativas né, de você

aprender a dar valor né, a questões da Língua né, isso tudo foi uma abertura... uma abertura que eu tive na

Faculdade que foi uma coisa importante pra mim né. E a partir dali eu resolvi assumir essa...essa profissão

né. (Narrativa Oral)

Jovem, órfão dos pais, Mar busca na universidade uma possibilidade de

subsistência. A faculdade para além da aprendizagem representa a expansão temporal dos

recursos financeiros advindos da pensão pela morte dos pais. Então, a faculdade de Direito é

preterida pelo curso de Letras, pois não podia colocar em risco as finanças com quais ele e a

irmã garantiam o sustento. Logo, é possível depreender que em um primeiro momento a

opção pela licenciatura se deu de modo pragmático: Não estando convicto do êxito no

vestibular para cursar Direito, devido à concorrência do mesmo, Mar opta pela faculdade de

Letras.

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Entretanto, a despeito do sinistro evento que o impeliu para a Licenciatura, ao

reconstituir a trajetória Mar ratifica a mencionada escolha como tendo sido a melhor dentre

aquelas que poderia fazer. Nas palavras dele, foi no Curso de Letras que soube

verdadeiramente de aspectos importantes concernentes à Língua, resultando daí a conseqüente

valoração desta última. Fato que teria possibilitado a este professor importante abertura e, por

conseguinte, levou-o a assumir a profissão docente.

Não obstante, a convicção de que fizera a escolha acertada, o formador narra

que não foi fácil ingressar na carreira docente. Primeiro por características pessoais; a timidez,

conforme Mar lhe causara muitos dissabores, mesmo no tempo de faculdade. Depois, pelas

condições precárias de profissionalização vivenciadas por professores contratados pela

Secretária de Estado de Educação de MT, à época.

Mas eu não assumi ela com muita tranqüilidade não, nem foi muito fácil né, até por uma questão assim, a

gente tem uma, uma...eu particularmente né, sempre tenho dificuldade em achar que meu trabalho é bom,

dá, dá o devido valor né, as vezes as pessoas dão muito mais valor que eu próprio. E, eu tinha muita

dificuldade por...primeiro por conta disso nunca achava que tava bom o suficiente pra enfrentar uma sala de

aula e, segundo que é...é que naquele tempo, eu era muito tímido pra poder chegar na frente. Eu quando

tinha que apresentar trabalho pra turma minha lá, nossa! Era um sacrifício, era um sofri...um sofrimento

danado! Por conta dessa timidez né. Mas, essas coisas foram sendo vencidas né, e aí, eu to aqui. E aí, tinha

uma outra problemática também, aí é questão profissional. Eu via os interinos dando aula , e, eu achava

aquilo uma falta de respeito tremendo né, um sofrimento danado daquele pessoal que pegava aula sem ser

efetivo sofria demais, ainda hoje né, que as coisas evoluíram bastante a gente vê essa, essa diferenciação né.

Na minha época, quando eu tava saindo da Faculdade, aquilo era um absurdo! E...eu prometi pra mim

mesmo que só ia dar aula no momento que eu fosse efetivo... a partir do momento que eu fosse concursado e

efetivo do Estado né. Isso demorou um pouquinho, o Estado demorou um pouco fazer concurso, concurso

público né. Tanto é que nesse ínterim... ínterim eu fiz uma outra... um outro curso.... uma outra faculdade

né, fiz Comunicação Social; aí depois que eu fiz esse curso eu me preparei para fazer o concurso. Fui muito

bem colocado, então a partir daí ... Dois mil prá cá é na sala... na sala de aula, minha formação. (Narrativa

Oral)

Em Mar, a autocrítica somada à timidez parecem terem se constituído em

grande entrave quando do início do trabalho na docência. Transpostos estes obstáculos de

ordem pessoal, restavam ainda barreiras de ordem profissional, organizacional e contextual a

serem transpostas. E, estas parecem ter demorado mais a serem minimizadas, a julgar pelo

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tempo em que o Estado de Mato Grosso necessitou naquele período para realizar um concurso

público para contratação de professores. Tanto tempo que foi suficiente para que Mar, o qual

não se predispunha a trabalhar como professor contratado temporariamente em razão da

precariedade a que estavam submetidos os profissionais nesta condição, cursasse outra

faculdade.

Eu queria ta... entrar na UFMT e, pra mim tinha um motivo a mais ainda que era o financeiro né, era.. era

minha sustentabilidade, tanto é que eu fiz, é... eu fiz...duas faculdades né, a primeira a de letras,

principalmente tinha a maior tranqüilidade, eu não tive muito essa... essa questão de... que eu via meus

colegas lá para fazer faculdade trabalhando, ralando pra trabalhar, trabalhando e fazendo faculdade...Essa

correria do dia a dia, eu fui privilegiado nesse aspecto né, eu tive muita tranqüilidade pra fazer... pra fazer

meu curso. (Narrativa Oral)

Paradoxalmente, a pensão, cuja origem se deu no limiar de incidentes fatídicos,

acabou por privilegiar o jovem universitário, o qual em virtude de ter a sustentabilidade

econômica assegurada, podia abdicar do trabalho remunerado, dedicando-se somente aos

estudos. Situação diversa daquela vivenciada pelos colegas de classe do mesmo que

precisavam conciliar trabalho e estudos.

Possivelmente, o fato de Mar ter se dedicado ao Curso de Letras sem a

necessidade de conciliar trabalho e estudo, constitua um dos fatores que o levou a ser

aprovado entre os primeiros colocados no concurso para professores, realizado pela Secretaria

de Estado de Educação de MT em 1999.

Ah! Isso é uma coisa que...eu passei no concurso em 99 pra dois mil e, é... muito bem colocado, passei em

segundo lugar na época! Então eu tive o privilégio de escolher... onde que eu iria dar aula né. E, eu tinha

uma visão assim... muito... também muito minha da...da questão da escola né. Como segundo colocado, eu

gostaria de uma escola grande, de uma escola...eu ia escolher o Liceu Cuiabano né, pra dar aula, escola

grande! Mas, minha esposa já dava aula na Escola Barão de Melgaço né, como interina e ela também

passou no concurso junto comigo e ela falou: não Mar! Vai pro... vamos nós dois lá pra Escola Barão de

Melgaço... a gente... e, mais uma vez acho que foi uma escolha acertada. Sair de uma escola grande e ir

trabalhar em uma escola menor ,ta. Então aí, na Escola Barão de Melgaço, trabalhei lá seis anos de dois mil

a dois mil e seis, né. Iniciei lá e sai em dois mil e seis. Depois eu fui convidado para trabalhar no Eterno

Aprendiz né, teve aqui no Estado e também nesse período . E aí, pela primeira vez, eu fui trabalhar com os

meus, diretamente com os... com os...meus colegas né, e professores, formador de professor! Era uma...

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uma...é aí pra trabalhar como professor, como professor-formador e, algo assim... cê trabalhar com seu colega

não é muito... não é muito fácil não, e exige um preparo seu né, estudar...(baixo tom de voz). E, aí foi uma

experiência muito boa trabalhar no Eterno Aprendiz...Aliás, foi a primeira vez assim que eu... trabalhei

com grandes platéias, grandes públicos e, exigentes né! E, é... sempre um teste né, os professores estão lá, as

vezes, te testando pra saber se você mesmo. Se você tem que.., competência, capacidade pra exercer aquela

função que poderia ser de qualquer um deles ali né. Então...foi muito bom né, logo depois, eu fui convidado

pra trabalhar com o GESTAR né. Para assumir o GESTAR que também era uma formação direta com os

professores. É, aí teve um seletivo pro CEFAPRO de... Cuiabá. Aí eu fiz o seletivo é...era um seletivo

interno né... Aí eu passei nesse seletivo e, vim prá cá continuei trabalhando com o GESTAR e também como

professor-formador aqui do CEFAPRO. Depois o GESTAR veio para o CEFAPRO como ação do... desse

Centro de Formação né. (Narrativa Oral)

Decorridos seis anos desde o respectivo ingresso na carreira docente, Mar, cuja

opção por atuar em uma escola com menor número de alunos se lhe apresenta como sendo

adequada, parece adquirir segurança e autonomia para, a despeito de adjetivar como não

sendo fácil por exigir preparo e estudos, assumir um trabalho de formação junto aos

professores, um trabalho direto com aqueles que tinha como colegas. No Eterno Aprendiz,

Mar avança no território da formação continuada, estréia como formador de professores. E,

pela primeira vez trabalha com grandes platéias, públicos exigentes. Testado e, ao que parece

tendo sido aprovado pelos pares como sendo capaz de exercer este metier, recebe um novo

convite para continuar atuando no âmbito da formação continuada de professores, desta vez

com o GESTAR. Neste ínterim, presumivelmente assumiu a identidade de formador de

professores; participa do seletivo interno para professor formador do CEFAPRO e atua nesta

instituição até o presente momento.

5.6 Ocaso

Graduado em Letras pela UNESP, Campus de Marília, Ocaso atua como

formador de professores em cursos de pós-graduação em institutos e universidades

particulares. Professor contratado por meio de concurso público trabalha na Educação Básica

há mais de uma década. Com titulação em âmbito de Mestrado, participou da seleção para

contratação de professor formador do CEFAPRO realizado pela SEDUC em 2009, atuou

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como formador de professores de Língua Portuguesa no CEFAPRO de Cuiabá nos anos de

2009 e 2010; atualmente reassumiu salas dos ensinos fundamental e médio em escolas

públicas estaduais situadas em Várzea Grande10

.

Morador de um bairro periférico na infância e adolescência, Ocaso só vicejou

possibilidades de cursar uma faculdade quando já cursava o Ensino Médio e, tendo passado a

estudar em uma escola localizada no centro da cidade em virtude de trabalhar em um hospital

localizado em área central, segundo ele, deixou-se levar pela “onda” da turma e então passou

a fomentar o ideal de frequentar o ensino superior: Pensava em cursar Geografia. Cônscio da

relevância que estes fatores tiveram no respectivo percurso formativo ao ser indagado sobre

os motivos que o levaram a escolher ser professor ele declara não poder discernir se escolheu

ou se foi escolhido a enveredar na docência.

Bem, eu não sei se escolhi ou se a vida foi me escolhendo né, no caminho né, mas assim, eu morava num

bairro periférico e...quando eu fiz colegial eu fui estudar...por conta de que eu fui trabalhar em hospital, eu

fui estudar em um bairro do centro. Quando eu estudava na periferia, essa idéia de faculdade, eu na...não

existia. Pessoas não falavam isso...oh vou fazer faculdade e...não fazia parte do imaginário das pessoas.

Mas, quando eu entrei nessa escola, eu ti...eu fazia, acho que segundo colegial e a minha sala devia

ter...quinze, doze alunos e as pessoas assim...pensavam em prestar o vestibular(ênfase). E, aí foi...foi,

naquele convívio cê acaba entrando nessa onda né. Aí, foi quando eu comecei a visitar a Universidade

né,mesmo no , no colegial a gente começou a visitar a faculdade, tinha professores que eram

interessantes...E, a idéia de fazer uma faculdade me visitou né. E, eu pensei num primeiro momento “eu vou

fazer Geografia”por conta de que eu tinha um bom professor de Geografia. Um professor que...eu gostaria de

ser. E aí, foi indo, foi indo e eu ia prestar Geografia assim, ia prestar Geografia no final do ano, aí minha

mãe morreu em março! E aí, o plano de prestar Geografia e... ia prestar Geografia na UNESP! O plano de

prestar Geografia e terminar o colegial se encerrou ali. Tive que adiar por mais um ano. E aí, aconteceu uma

coisa interessante, a gente tava falando sobre cinema né, e, eu assisti Sociedade dos Poetas Mortos com

Hobin Wiliams, eu falei “É isso que eu quero ser” né. E aí veio a Literatura né. Eu lia, lia bastante; eu lia

é...eu lia o Helman Has, já leu Helman Has? Lia o Helman Has, Lia é Richard Bach, o Saint´expueri, essas

10

À época em que me concedeu esta entrevista, setembro de 2010, Ocaso ainda atuava como formador no

CEFAPRO de Cuiabá. Com a opção deste formador por assumir outra cadeira junto a Secretária de Estado de

Educação e, por conseguinte, retornar ao trabalho na docência diretamente com turmas da Educação Básica,

quedei indeciso quanto ao fato de mantê-lo como sujeito partícipe desta pesquisa, cujo foco recai sobre

formadores de professores do CEFAPRO de Cuiabá. Todavia, em virtude da clareza conceptual e do

conhecimento acerca das políticas de formação encampadas em âmbito estadual denotados por Ocaso, deliberei

juntamente com a Professora Orientadora Drª. Filomena Monteiro por continuar o trabalho de pesquisa já

iniciado com o formador.

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pessoas aí, algumas da geração de vinte. E tinha me apaixonado pelo José Lins, cara sábio...mas nunca

passou pela minha cabeça antes de ter pensado essa coisa da Literatura, de Letras, de ser professor de

Letras. Depois do filme, foi legal porque daí eu comecei a pensar melhor nisso. E aí eu fui fazer faculdade,

prestar vestibular numa cidade que ficava setenta quilômetros da cidade onde eu morava. Morava em

Marília foi prestar vestibular...prestei vestibular em Marília mesmo, mas pra Assis que é...uns setenta

quilômetros da cidade e...na minha cabeça, eu que sempre trabalhei, eu ia...eu fiz uma reserva de grana né,

que dava pra pagar aí...uns dois meses de pensão né; ia pra cidade arrumava um trabalho durante o dia e

estudava à noite né, isso é o que tava nos meus projetos (diminuindo o tom de voz). (Narrativa Oral)

Da fala de Ocaso é possível depreender, dentre outros aspectos, o quanto o

percurso formativo está contigenciado pelo contexto vivencial, o garoto da periferia precisou

freqüentar uma escola do centro para em adquirindo novas experiências relacionais e

vivenciais perspectivar novos horizontes, os quais tendo iniciado com o partilhamento de

saberes com um grupo diverso daquele do qual é oriundo começam a adquirir contornos mais

nítidos por meio da conquista de um espaço que se lhe afigurava como muito distante talvez,

qual seja: a universidade, visitada ainda no tempo em era um colegial. Também parece

coerente destacar a importância do professor de Geografia neste momento em que a faculdade

passara a constar dos planos de Ocaso: “E, eu pensei num primeiro momento „eu vou fazer

Geografia‟ por conta de que eu tinha um bom professor de Geografia. Um professor que...eu

gostaria de ser”. No entanto, diante da morte da mãe, o postulante à vaga de acadêmico do

curso de Geografia na UNESP, precisava protelar o projeto e, em algum momento ao longo

destes doze meses, o acaso alcança Ocaso e o filme “Sociedade dos poetas Mortos”

redimensiona a trajetória do rapaz. O aprendiz de Geografia que mesmo antes de concluir o

ensino médio, cuja conclusão foi protelada quando do falecimento da mãe, cursa Letras e se

torna professor de Literatura e Língua Portuguesas. Todavia, no trajeto do jovem estudante

que projetara trabalhar durante o dia e estudar à noite quando o dinheiro economizado

findasse surgiriam desafios de grande monta.

E aí, eu...eu fui né, fiquei na pensão, procurando trabalho, não achava trabalho de jeito nenhum. E aí meu

dinheiro foi acabando né, a dona da pensão falou assim...pra mim “olha, vamo fazer o seguinte tem que

lavar os banheiros e fazer o café, se quiser a gente segura você por uns dias, cê me auxilia aí, penso um

desconto aí” . Aí eu ficava, acordava de manhã , lavava os banheiros da pensão e fazia café, enfim...Mas,

era uma angústia porque cê...pensava até quando isso vai durar né, porque questão da grana também né. E

aí, a Universidade entrou de greve...entrou de greve e eu...eu arrumei um trabalho de abrir valeta. Sabe essas

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casas da Cohab? São produzidas em massa né, e aí, tinha que cê abrir uma valeta da entrada né, passando

pela entrada, uma valeta aí...no decorrer de toda a casa. Pagava um URV por valeta né. E aí eu tinha uma

bicicletinha roxinha ( tom evocativo) e aí eu ia pra abrir valeta. Ficava o dia inteiro abrindo valeta e a

Faculdade tava de greve mesmo. Uns quinze dias assim que...que, eu fiquei eu consegui uma grana e

consegui alugar uma casa né. Sai da pensão aluguei uma...cubículo (enfático) e fui morar lá no cubículo.

Mas, engraçado é que falava pro pessoal do...da obra que eu fazia faculdade né(risos). E aí o pessoal da obra

cha... “Aí o cara que faz faculdade ta chegano”(zombeteiro, risos) . É, umas coisas ocorreram assim, bem

legal! Quando voltou as férias saiu minha bolsa de apoio ao estudante né. Aí, foi alegria. Daí pra frente, foi

só bolsa, me dediquei, eu consegui me dedicar à faculdade durante os quatro anos, foi bem legal! (Narrativa

Oral)

Escasso o dinheiro, difícil o emprego, Ocaso não se nega a lavar banheiros da

pensão em que se hospedara e preparar café por uns dias a mais de moradia na cidade para

onde migrara devido à faculdade. A incerteza, a angústia o acompanham e o lançam para o

trabalho na construção civil, ofício: Cavar valeta. Na obra se expõe a zombarias ao falar do

ideal que acalentava. Possivelmente era incompreensível para os companheiros de labuta de

Ocaso que o moço, cujo meio de transporte era uma bicicleta roxinha, estivesse de fato

frequentando uma faculdade em uma das mais renomadas instituições públicas do País.

Entretanto, Ocaso ao que parece não desistira do sonho que estava projetando e do cubículo

que alugara, consegue ser contemplado com uma bolsa de apoio ao estudante ofertada pela

universidade, então nas palavras dele próprio: “Aí, foi alegria. Daí pra frente, foi só bolsa, me

dediquei, eu consegui me dedicar à faculdade durante os quatro anos, foi bem legal!”

Na UNESP, o jovem acadêmico que trabalhara muito toda a vida até ali vivida,

pode finalmente dedicar-se aos estudos em tempo integral. Com a bolsa que passara a receber,

reuniu condições de freqüentar a biblioteca e aprender muito. Assim, no percurso formativo

de Ocaso a transferência de uma escola da periferia para outra localizada no centro, sucedida

pelas visitas à universidade, bem como pelo ideal de cursar uma faculdade, parecem ter sido

fundamental. Mas, quando ouço a narrativa deste formador, penso no quão importante foi no

percurso formativo dele o fato de em virtude de ser contemplado com uma bolsa poder se

dedicar ao oficio de ser estudante em tempo integral, experiência que jamais vivenciara e,

provavelmente tenha se constituído em um marco na trajetória de Ocaso. Daí, a convicção

externada pelo formador de professores de que a UNESP foi uma presente na vida dele.

É, UNESP... Foi um presente assim, na minha vida mesmo. E, eu freqüentava a Universidade o dia todo,

vivia na universidade. Sempre eu trabalhei muito. Trabalhei toda a vida eu trabalhei e, foi um período assim

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depois de adulto que eu parei. Parei de trabalhar, entendeu? Ganhava bolsa, eu parei de trabalhar. Tinha

uma boa biblioteca, tinha uma bolsa de estudo. Eu não tinha... Não tinha tido essa... O que eu acho é que

talvez, se eu fosse melhor preparado. Tivesse tido uma base melhor o aproveitamento seria melhor. Era uma

Universidade assim que... Era uma... Um atalho assim bem legal. Tinha professores excelentes... A gente

aprende muito coisa. Muitas coisas mesmo. (Narrativa Oral)

Presente ou justiça social, o fato é que Ocaso se potencializou

profissionalmente desde que adentrou a UNESP e tendo migrado de S. Paulo para Mato

Grosso, ingressou na carreira docente, cursou Mestrado na UFMT e, estando a atuar como

coordenador em uma escola pública estadual foi convidado a integrar temporariamente uma

equipe da Área de Humanas que iria ministrar um curso de formação para professores no

Norte de Mato Grosso. Aceitou o convite, gostou da experiência e optou por se tornar

formador de professores no CEFAPRO de Cuiabá.

Então... Eu traba... Trabalhava de coordenador numa escola né, e. Quando, quando é... Tava ainda

trabalhando de coordenador me convidaram pra ser... Pra auxiliar em um curso que ia ter em uma cidade

aqui do Norte. Se eu não me engano Guarantã do Norte. É... Faltava um formador de História tinha... Não

sei se tinha acontecido alguma coisa que o CEFAPRO tava sem esse formador e me pediram pra que eu

fosse. E eu fui e. Assim a equipe que estava que eu fazia parte, a equipe de Humanas assim, muito boa,

muito boa mesmo. A professora Débora, a professora Cláudia, nós conseguimos fazer um trabalho assim...

Muito legal mesmo de formação. Desses trabalhos que não é todo dia que se faz. Aí eu pensei “Putz, se é

assim, vou virar formador do CEFAPRO”. Mas quando chega aqui, a coisa não é bem assim né, a coisa é...

Uma outra coisa. É... Mais foi esse o primeiro movimento que fez com que eu viesse pra cá né, mesmo porque

a gratificação que dão aqui eu já tinha né. Foi um trabalho um pouco mais tranquilo...não sei se é mais, não

sei se é tranqüilo, mas foi um trabalho que já conhecia né, já tinha o domínio. Mas eu vejo assim... Eu vejo

uma potencialidade, acho que essa é a palavra, uma potencialidade bem legal, aqui, trabalhando no

CEFAPRO. Agora, fazer essa potencialidade virar números, aí já é outra coisa. (Narrativa Oral)

Ocaso parece ter optado por trabalhar como formador do CEFAPRO motivado

pela participação em um trabalho que qualificou como muito legal, desses trabalhos que não é

todo que se faz. Destaca, nesta perspectiva a relevância da equipe com a qual trabalhou e

delibera, ao que me parece um tanto entusiasticamente, por ingressar no quadro de formadores

do Centro de formação e atualização dos profissionais da Educação, CEFAPRO de Cuiabá:

“Aí eu pensei: Putz se é assim, vou virar formador do CEFAPRO”. Todavia, uma vez tendo

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ingressado nesta instituição Ocaso, a despeito do reconhecimento de que existe uma

potencialidade no CEFAPRO, faz o ajuizamento de que esta potencialidade necessariamente

não esta se traduzindo em números. Possivelmente o formador, estivesse dizendo que nos

meandros desta instituição as formações nas quais vinha atuando não se equiparavam

qualitativamente com aquela que o moveu a compor o grupo de professores formadores deste

centro, é o que parece estar presente no entrecho: “Mas quando chega aqui, a coisa não é bem

assim né, a coisa é... Uma outra coisa.”

Portanto, parece factível afirmar que os percursos formativos destes cinco

formadores de professor, por meio dos quais aqueles vieram se constituindo pessoal e

profissionalmente, a despeito de apresentarem algumas similitudes, caracterizavam-se no mais

das vezes, pelas diferenças. E, estas diferenças, de certo modo, parecem definir as maneiras de

ser e de estar na profissão, neste sentido é que me parece possível identificar ao longo das

trajetórias de formação de Aurora, Sol, Dia, Mar e Ocaso, especificidades formativas e

identitárias que vão sendo ressignificados continuamente, no mais das vezes, tangenciadas

pelo embate e pelo conflito, suscitados contextualmente. Cabe mencionar ainda que a

apresentação destes percursos não se pautou pela ideia de que as experiências destes

formadores possam ser diretamente transferidas a quem quer que seja, por meio da

apresentação mencionada. Antes, procurei compreender os sentidos, a significação que

subjazem a estas experiências e que de certo modo, as tornam partilháveis e formativas. Nesta

perspectiva, parece oportuno recorrer aos dizeres de Ricoeur (2011)

Um acontecimento que pertence a uma corrente de consciência não pode

transferir-se como tal para outra corrente de consciência. E, no entanto, algo

passa de mim para vocês, algo se transfere de uma esfera de vida para outra.

Este algo não é a experiência vivida, mas a sua significação. Eis o milagre. A

experiência vivida, como vivida, permanece privada, mas seu sentido, a sua

significação, torna-se pública. (RICOEUR, 2011, p. 30)

Delineados os percursos formativos de Aurora, Sol, Dia, Mar e Ocaso, passo a

apresentar no capitulo seguinte, análises concernentes à construção/reconstrução das

identidades profissionais nos meandros da trajetória de formação dos pesquisados, assim

como concepções de política e de formação continuada inferidas das narrativas destes cinco

formadores.

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6.0 TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE FORMADORES DE PROFESSORES DE

LÍNGUA PORTUGUESA: CONSTRUÇÃO/RECONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES

PROFISSIONAIS

Os professores, como sujeitos adultos, diferenciam-se entre si em função de

diversas características. Marcelo García

Neste capítulo, o qual está organizado em quatro sub-eixos denominados: “A

Identidade de Professor”, “De Professores a formadores de professores”, Os significados da

política de formação construídos nos percursos formativos - Concepções de Professoras-

formadoras acerca da Formação Continuada” e “Das Políticas de Formação Continuada

Vigentes no CEFAPRO de Cuiabá”; as interpretações se voltam primeiramente, para a

compreensão das diferentes trajetórias, por meio das quais os professores formadores

constroem/reconstroem as respectivas identidades profissionais.

Com fulcro tanto nas narrativas orais, produzidas na entrevista-narrativa

quanto nas narrativas escritas referentes ao caso de ensino e à situação-problema, busco por

meio destas interpretações, discorrer sobre o modo como os formadores pesquisados vêm, nos

meandros das trajetórias de formação construindo/reconstruindo a identidade profissional do

ser professor, bem como do ser formador de professor. Para tanto busco amparo no

cotejamento das concepções e conceitos apresentados neste trabalho até o presente momento,

quer digam respeito à formação compreendida como desenvolvimento pessoal, profissional e

organizacional e à memória como uma reconstrução que o indivíduo mediado pelo grupo e

instigado pelo presente faz do passado com os conceitos de universal singular e mediação

social. Isto pautado na compreensão de que no âmbito da pesquisa narrativa, o subjetivo, o

institucional e o profissional estão contextualmente, entrelaçados. Resulta então a

interpretação das narrativas, a partir do entendimento de que os sentidos das experiências

vividas podem ser comunicados, partilhados (RICOUER, 2011).

Em seguida, apresento as concepções sobre formação continuada de

professores presentes nas narrativas orais e escritas de Aurora, Sol e Dia. No sub-eixo

seguinte apresento interpretações sobre a política de formação continuada vigente no

CEFAPRO de Cuiabá, bem como retomo concepções de professores-formadores sobre o

tema, a partir das narrativas de Mar e Ocaso. Ancoram as respectivas interpretações o

conceito de Políticas de Ball, (1992) e a compreensão da formação como desenvolvimento

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que engendra concomitantemente as dimensões pessoais, profissionais e institucionais

(GARCÍA, 1999). De modo que ao desenvolvimento profissional dos professores, por

conseguinte também o desenvolvimento profissional dos professores-formadores, deve-se

entender como um processo que para além dos indivíduos, implica fundamentalmente, os

grupos (GARCÍA, 1999), pois

Na realidade, o professor intervém num meio ecológico complexo, num

cenário psicossocial vivo e mutável, definido pela interação simultânea de

múltiplos fatores e condições. Nesse ecossistema o professor enfrenta

problemas de natureza prioritariamente prática, que, quer se refiram a

situações individuais de aprendizagem ou a formas de comportamento de

grupos, referem um tratamento singular, na medida em que se encontram

fortemente determinados pelas características situacionais do contexto e pela

própria história de uma turma enquanto grupo social. (PÉREZ GÓMEZ

1992, p. 102)

Neste cenário complexo e mutável, o formador de professores, mormente os

formadores de professores que atuam no CEFAPRO de Cuiabá, ao que parece são instados a

atuarem em um espaço, cuja definição de políticas resulta da interação simultânea de

múltiplos fatores e condições. Estas últimas, dizem respeito tanto aos aspectos práticos das

ações formativas, como à dimensão teórica e conceptual que subjaz a estas ações e, de certo

modo, entrelaça nos meandros da atuação deste formador as características situacionais do

contexto, tanto imediato quanto mediato, do grupo ou dos grupos com os quais este

profissional interage ou se identifica, de modo a apontar possíveis sentidos conceituais e

políticos de atuação deste sujeito, uma vez que, de conformidade com o texto político o

formador que atua na instituição citada deve assumir a identidade de pesquisador de modo a

produzir conhecimentos sobre educação, isto pautado na investigação na e sobre a prática de

formação, de modo a permitir que o CEFAPRO torne-se um espaço de referência aos

professores que atuam em âmbito escolar. Então, este formador deve trabalhar, no sentido de

construir práticas integradas de formação inicial e continuada.

No entanto, os formadores de professores de Língua Portuguesa que atuam no

âmbito do CEFAPRO de Cuiabá “não enfrentam os textos políticos como leitores ingênuos,

eles vêm com suas histórias, experiências, valores e propósito (BOWE et al.,1992, p. 22, apud

MAINARDES, 2006, p. 53). Nas interfaces contextuais e políticas (BALL, 1992), parece

pairar múltiplas margens interpretativas em que estes textos são interpretados, a partir dos

conhecimentos e crenças pessoais destes formadores. Neste sentido, parece relevante enunciar

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que ao se referirem aos textos da política, estes formadores os enfocam a partir das ações

destes textos sobre a respectiva atuação.

Assim, as narrativas, nas quais estes professores discorrem acerca da política

de formação implementada no CEFAPRO de Cuiabá, sobre o modo como concebem a

formação continuada de professores, bem a situação-problema em que foram instados a

refletir e narrar como desenvolveriam no âmbito da formação ações formativas com vistas a

efetivar a implantação das Orientações Curriculares concebidas por instâncias estaduais,

parecem ratificar o entendimento de política tal qual evidenciado por Ball (1992); ao tempo

em que facultam inferir no âmbito das políticas de formação delineadas contextualmente, as

concepções destes profissionais acerca da formação continuada, bem como tornam factível

depreender nas trajetórias pessoais e profissionais destes formadores de Língua Portuguesa a

maneira como eles interpretam, no âmbito dos respectivos percursos formativos a política de

formação vigente na instituição.

Por outro lado, a mencionada análise está ancorada tanto nos dados produzidos

junto aos pesquisados, quanto nas teorias de aprendizagem do adulto tal como apresentadas

por Knowles (1984) e retomadas por García (1999). Teorias as quais, no escopo deste

trabalho são compreendidas nos meandros de uma trajetória de formação (GARCÍA, 1999).

Assim, ao buscar interpretar e apontar aquilo que afigurou como indícios da

construção/reconstrução das identidades profissionais destes formadores de professores de

Língua Portuguesa, considero em grande medida o fato de que esta construção e/ou

reconstrução identitária se dá nos meandros de uma trajetória de formação11

, cujo

contingenciamento e definição está ancorado na aprendizagem do adulto. Desta maneira,

assumo nestas interpretações que:

1- O autoconceito do adulto, como pessoa que possui maturidade, evolui de

uma situação de dependência para a autonomia.

2- O adulto acumula uma ampla variedade de experiências que podem

constituir um recurso muito rico para a aprendizagem.

3- A disposição de um adulto para aprender está intimamente relacionada

com a evolução das tarefas que representam o seu papel social.

4- Ocorre uma mudança em função do tempo à medida que os adultos

evoluem das aplicações futuras do conhecimento para as aplicações

imediatas. Assim, um adulto está mais interessado na aprendizagem a

partir de problemas do que na aprendizagem de conteúdos.

11

Para Marcelo García (1999:208) “A ideia de trajectórias de formação leva-nos, em primeiro lugar, à

necessidade de flexibilizar as opções formativas, de modo a que possam responder às exigências de indivíduos

ou grupos em diferentes momentos de desenvolvimento”. Neste texto, utilizo o termo em sintonia com a ideia de

Percurso Formativo. Todavia, assim como Marcelo García (1999), enfoco a trajetória de formação em

perspectiva mais abrangente, capaz de açambarcar o Percurso Formativo.

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5- Os adultos motivam-se para aprender por factores internos em vez de por

factores externos. (KNOWLES, 1984, p.12 apud GARCÍA, 1999, p. 207)

Cumpre enfatizar ainda que juntamente com esta concepção de aprendizagem

do adulto, assumem nos limites deste trabalho grande relevo, os conceitos de identidade e

processos identitários presentes tanto em Dubar (1997), quanto em García (2010) e Nóvoa

(1995). Do estudo daquilo que consta nos trabalhos dos três no que tange aos aspectos

identitários importa destacar aqui: a vinculação entre identidade, profissão e formação, assim

como a compreensão do conceito de identidade como sendo algo não-essencilialista,

constituída sempre de modo inconcluso por meio das socializações dos conflitos e dos

embates.

6.1 A Identidade de Professor

É preciso entender o conceito de identidade docente como uma realidade

que evolui e se desenvolve tanto pessoal como coletivamente. Marcelo

García

Pautado nos pressupostos apresentados na sessão anterior, busco neste sub-

eixo, identificar ao longo das trajetórias de formação de Aurora, Sol, Dia, Mar e Ocaso, os

modos como estes professores formadores vêm construindo/reconstruindo as respectivas

identidades profissionais. Maneiras de ser ou de estar sendo professores- formadores.

Nesta perspectiva, no que concerne a construção da própria identidade

profissional como professora de Língua Portuguesa, Aurora parece vir definindo este jeito de

ser e de estar na profissão muito tangenciada pela leitura e destaca no percurso formativo as

lacunas profissionais, bem como o fato de ter iniciado na carreira docente já adulta.

Meu percurso não foi aquele daquela profissional que desde novinha começou, não! eu tive sempre essas

lacunas profissionais na minha vida. Mas, foi muito pela questão da... leitura viu! Por isso assim oh, os

alunos falam, eles sempre falam: ah nossa mas, a senhora já leu muito né?! Eu falo: i...que nada eu leio

muito pouco, em vista da quantidade de livros que tá aí, que tem pra lê! (Narrativa Oral)

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110

Já Sol, assinala neste processo de construção da identidade profissional a

opção por ser professora e, mais especificamente, professora de Língua Portuguesa, dois

fatos. Primeiramente, a sensibilização dela, quando atuava ainda com técnica de enfermagem

ante a dificuldade dos pacientes em compreender as instruções médicas:

Primeira coisa né, que me levou a ser professora é que eu já tinha feito o curso Técnico em Enfermagem né, e

vi a necessidade da Educação na vida daquele povo [...] aquele pessoal todo que eu tinha uma dificuldade

enorme para passar todos os procedimentos pós-operatórios parara, parara... por falta de educação. ( Sol,

Narrativa Oral)

Em segundo plano, mas ao que parece não menos relevante para a construção

da identidade profissional de Sol, destaca-se a imposição do ex-marido para que se tornasse

professora “a única coisa é...que meu ex-marido me deixava fazer era uma faculdade pra ser

professora”. Sendo assim, parece possível confirmar que neste processo de construção da

identidade profissional, Sol desde o início parece ter se deparado com aquilo que Nóvoa

(1995) declara sobre a identidade:

A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção

de maneiras de ser e de estar na profissão, por isso, é mais adequado falar em

processo identitário, realçando a mescla dinâmica que caracteriza a maneira

como cada um se sente e se diz professor. (NÓVOA, 1995, p. 16).

Dia, marca ao narrar os processos por meio dos quais vem construindo a

identidade profissional docente, a opção pelo magistério, delineada por circunstâncias

contextuais “no interior é... a gente escolhe ser professora porque a opção é o magistério [...]

No começo assim foi bastante complicado, que eu tinha apenas dezessete anos e eu tinha

alunos entre onze a dezessete, vinte anos de idade”. Depois, migra de cidade já com o intuito

de se desenvolver profissionalmente “Aí eu vim para cá pra Várzea Grande pra fazer

faculdade e... trabalhar”. Na cidade para onde migrou, exerce por um período relativamente

curto a função da docência, e em condições muito precárias logo busca um novo trabalho,

desta vez como bancária.

Peguei uma turma de quinta a oitava série Língua Portuguesa, Ciências, Educação Artística, questão

multi... foi quatro ou cinco disciplinas complicadíssimas; peguei uma que era...na oitava que era

Física(enfática)...Risos.

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111

E, fui levando né, nesse meio tempo passei no concurso do... do Banco(ênfase) Bandeirantes e fui pro Banco

Bandeirantes. ( Dia, Narrativa Oral)

Assim, a construção da identidade profissional da formadora Dia, apresenta um

aspecto bastante peculiar quando comparada ao modo como se dá esta construção identitária

nos percursos de Aurora e Sol. Estas duas ingressam na carreira docente mais tardiamente,

quando já eram adultas, ao passo que Dia o faz ainda muito jovem, marcada por todos os

contingenciamentos característicos do exercício do magistério em uma cidade interiorana.

Todavia, a despeito desta peculiaridade que marca o percurso formativo de Dia, no que

concerne às respectivas construções/ reconstruções da identidades profissionais, Aurora,

Ocaso e Dia, passam por deslocamentos tanto espaço-temporal quanto institucional que

parecem marcar muito fortemente este processo. E, quiçá, em virtude, dentre outros fatores,

das diferenças de idade, bem como das aprendizagens construídas, lidam de modo diferente

com estes deslocamentos. Aurora, busca reafirmar-se tão logo quanto possível a identidade

profissional no âmbito da docência, enquanto Dia exerce por diversas vezes outros trabalhos,

até assumir a docência como profissão e o ser professora como identidade profissional.

A partir de 97 e, aí eu me formei...e aí eu ainda fiquei 98 e aí fomos transferidos... meu esposo foi transferido

pra Cáceres, né...e aí, eu tinha recém terminado a faculdade, eu fiquei muito chateada porque tinha

algumas... uma perspectiva de eu trabalhar nessa Universidade... universidade não... faculdade que eu

estudei... em função assim de ter feito um curso muito bom, já tinha assim uma... é... possibilidade de eu

trabalhar lá e, só que aí saiu essa transferência né... de meu marido e aí, saiu e eu... que eu no meio da

faculdade eu tive essa filha né e aí eu... meus filhos já eram maiores, mas eu tinha um bebê. Em Cáceres

eu...assim uma ano e meio e inda...com um bebê e aí eu...fui pro um lugar estranho, foi uma adaptação um

pouco difícil para todos nós porque assim eu... a principio eu pensava que eu iria fica lá em Lorena que eu ia

iniciar uma carreira lá, que eu queria como professora né, a gente já tinha alguns contatos, já conhecia as

escolas sabe? (Aurora, Narrativa Oral)

Porque a partir do momento que eu fui para o Fórum eu repensei todo meu trajeto vivido como profissional

como professora e como pessoa. Descobri que em um único lugar, depois de tudo isso, desse trajeto que eu fiz,

descobri que num único lugar que eu posso ser eu mesma e, eu posso ter a chance de contribuir com... com

alguém né, que seria nossos alunos né. Então, nesse momento eu joguei um concurso estadual do Fórum e

voltei pra sala de aula como interina. (Dia, Narrativa Oral)

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Nesta perspectiva, a quebra de expectativas no que concerne à inserção na

profissão docente parece ter significado muito na dimensão identitária de Aurora, pois ao que

parece ela buscava já naquele momento diferentemente de Dia, em termos de maturidade e

desenvolvimento pessoal evoluir de uma situação de dependência para uma situação de

autonomia (Knowles, 1984 p.12, apud GARCÍA, 1999, p. 207), sendo que esta última, a

julgar pela fala da entrevistada, quiçá estivesse sendo vislumbrada no âmbito da carreira

docente. No entanto, a despeito da difícil adaptação em um lugar estranho, a mencionada

professora-formadora parece ter buscado na ampla variedade de experiências (KNOWLES,

1984 p. 12, apud GARCÍA, 1999, p. 207) vivenciadas, recursos para a aprendizagem

necessária a esta adaptação, pois cerca de um ano depois deste deslocamento, para ela tão

significativo prestou concurso público em âmbito municipal e, decorrido igual período de

tempo realizou novo concurso, desta feita em âmbito estadual.

Aí eu fui fazer o concurso, passei; na época passei até muito bem né, passei em terceiro lugar e... aí assumi a

prefeitura de Cáceres, as aulas de Língua Portuguesa numa escola distante, lá da periferia da cidade! Mas

foi um ano muito bom pra mim, sabe, foi assim uma realização né. Eu... tava trabalhando, dando aula, fiz

muitas amizades, alunos gostaram. Aí quando foi no final de 99 veio a oportunidade de fazer o concurso do

Estado que... aí foi... aí eu fiz né, e aí na época passei né, até eu passei em primeiro lugar né...na época

concurso do Estado que foi esse que eu assumi em dois mil né. (Narrativa Oral)

Parece bastante evidente que Dia, em vez de buscar a autonomia da identidade

profissional no âmbito da docência, veio se definindo profissionalmente em outras áreas, até a

opção deliberada pela docência. Assim, revela, na respectiva trajetória de formação,

especificidades identitárias bastante acentuadas, bem como uma importante dimensão do ser/

estar sendo profissional na contemporaneidade: a dimensão profissional das identidades que,

para Dubar (1997)

adquire uma importância particular. Porque se tornou um elemento raro, o

emprego condiciona a construção das identidades sociais; porque conhece

mutações impressionantes, o trabalho obriga a transformações identitárias

delicadas; porque acompanha cada vez mais frequentemente as evoluções do

trabalho e do emprego, a formação intervém nestes domínios identitários

muito para além do período escolar. (DUBAR, 1997, p. 03)

Quanto a Ocaso, a inferir pelo que ele diz anteriormente sobre o próprio

percurso de formação, vem se constituindo como professor a partir de processos identitários e

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especificidades formativas delineadas concomitantemente no âmbito dos diversos contextos

pelos quais veio se fazendo professor,

UNESP...foi um presente assim, na minha vida mesmo. E, eu freqüentava a Universidade o dia todo, vivia

na universidade e...sempre eu trabalhei muito. Trabalhei toda a vida eu trabalhei e, foi um período assim

depois de adulto que eu parei. Parei de trabalhar, entendeu? Ganhava bolsa, eu parei de trabalhar. Tinha

uma boa biblioteca, tinha uma bolsa de estudo. (Ocaso, Narrativa Oral)

De fato, o ingresso na UNESP parece ter representando muito no processo

identitário de Ocaso, para ele “Era uma Universidade assim que...era uma...um atalho assim

bem legal. Tinha professores excelentes...a gente aprende muito coisa. Muitas coisas

mesmo.” Neste sentido, é preciso atentar para a origem social (Sacristán,1992) deste docente

que tendo migrado da periferia passa a vivenciar novos contextos, por conseguinte a

perspectivar novos modos de ser e de estar no mundo, por conseguinte no âmbito da docência.

Tornando factível a compreensão que assume a partir de então um novo papel social, aspecto

muito importante na trajetória de formação deste professor formador, pois “a disposição de

um adulto para aprender está intimamente relacionada com a evolução das tarefas que

representam o seu papel social” (KNOWLES, 1984 p. 12 apud GARCÍA, 1999, p. 207).

Quando eu estudava na periferia, essa idéia de faculdade, eu na...não existia. Pessoas não falavam isso...oh

vou fazer faculdade e...não fazia parte do imaginário das pessoas. Mas, quando eu entrei nessa escola, eu

ti...eu fazia, acho que segundo colegial e a minha sala devia ter...quinze, doze alunos e as pessoas

assim...pensavam em prestar o vestibular(ênfase). E, aí foi...foi, naquele convívio cê acaba entrando nessa

onda né. Aí, foi quando eu comecei a visitar a Universidade né,mesmo no , no colegial a gente começou a

visitar a faculdade, tinha professores que eram interessantes...E, a idéia de fazer uma faculdade me visitou

né. (Ocaso, Narrativa Oral)

Ora, presumivelmente ao deslocamento espacial –saída da periferia-

correspondeu outro deslocamento de ordem identitária na trajetória de formação de Ocaso,

pois novo contexto que passou a freqüentar – a escola do centro e a universidade- encetou

novas relações que, é bem provável, resultaram em novas socializações e, segundo Dubar

(1997)

a identidade humana não é dada, de uma vez por todas, no acto do

nascimento: constrói-se na infância e deve reconstruir-se sempre ao longo da

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vida. O indivíduo nunca a constrói sozinho: ela depende tanto dos

julgamentos dos outros como das suas próprias orientações e autodefinições.

A identidade é um produto de sucessivas socializações. (DUBAR, 1997, p.

06)

Neste sentido, no que concerne à construção da identidade profissional no

âmbito da docência, Mar reafirma este processo nos termos seguintes: “Na verdade no fundo,

no fundo eu sou professor! É... é no fundo não, eu acho que no raso mesmo (risos) eu sou

professor. [...]”. Ao passo que em Sol a construção desta maneira de ser e de estar na

profissão, marcada desde o início pelo conflito com o esposo “pra ser professora de Língua

Portuguesa é... por incrível que pareça, isso foi uma imposição de meu ex-marido”,

potencializa-se nos meandros da carreira docente e, ela realça nesta mescla dinâmica a

afirmação identitária como profissional da Educação. “E, eu gostei disso”. “[...] adoro ser

professora. Não mudaria de profissão”.

6.2 De professores a formadores de professor

O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é

no meio da travessia. Guimarães Rosa

Aqui, procuro apontar nas narrativas tanto orais, quanto escritas dos

formadores pesquisados a trajetória que perfizeram até se tornarem professores formadores no

CEFAPRO de Cuiabá. Busco enfatizar, como se deu a construção/Reconstrução da identidade

profissional destes docentes nessa travessia, bem como tenciono elucidar com fulcro nos

estudos de García (1999), se de fato no âmbito desta trajetória de formação estes profissionais

se assumem como formadores ou se estão ainda contigenciados identitariamente como

professor e não como formadores. Todavia, ao realizar este movimento, não classifico

peremptoriamente, o nível de constituição ou de desenvolvimento em que se encontram os

formadores pesquisados. Antes, busco demonstrar que se aproximam, neste ou naquele

aspecto, do nível de desenvolvimento no qual García, situa o formador de professores, isto

porque nos meandros de uma trajetória de formação, por conseguinte, no processo de

construção/reconstrução das identidades profissionais, os níveis de desenvolvimento não

devem ser compreendidos desde uma óptica linear ou fixa, mas em um contínuo processo de

mudança.

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115

Assim, parece importante destacar na trajetória de formação de Aurora, o fato

de que tendo ingressado na carreira docente, ela abdica de um concurso municipal em prol da

carreira na esfera estadual e o fez pautada em uma característica bastante especifica ao longo

desta trajetória: o fato de vicejar desde o princípio perspectivas de desenvolvimento

profissional, isto se deve quem sabe a um aspecto importante na trajetória de formação,

enunciado por Knowles (1984, p. 12 apud GARCÍA, 1999, p. 207) “A disposição de um

adulto para aprender está intimamente relacionada com a evolução das tarefas que

representam o seu papel social”. E, Aurora, sabia-se agora em um novo papel social e

possivelmente, ao compreender os desafios que se lhe apresentavam ante este novo lugar,

passa a redefinir aspectos identitários tanto no âmbito da dimensão pessoal quanto na esfera

profissional, voltada que estava para a consolidação da nova carreira nos meandros

institucionais da docência.

E, aí eu precisei sair da prefeitura porque a carga horária ultrapassava, porque meu concurso na prefeitura

era de quarenta horas né... e aí não tinha como ficar trinta no Estado e quarenta... aí eu pensei e optei por

deixar a prefeitura e assumir o Estado porque eu já nesse momento eu pensava que... o... ia chega um

momento que eu ia ter que morar em Cuiabá, que aí, eu comecei a conhecer, a ver as perspectivas e... pensar...

aí pensei já, aí comecei a pensar em um dia quem sabe fazer um mestrado. (Narrativa Oral)

Ao assumir o novo papel a que acedera Aurora, opta deliberadamente por

fortalecer a própria condição de profissionalização e, assim, faz frente aos desafios que a

docência contextualmente lhe apresenta. Então, vai de professora da Educação básica a

formadora de professoras “Aí comecei a dar aula também na UNEMAT”. Por outro lado, do

entrelaçamento do pessoal com o profissional são suscitadas demandas por vezes,

circunstancialmente inexeqüíveis

Aí veio a oportunidade, a UNEMAT fez uma é...uma parceria com a USP e, aí ofereceu aquele mestrado

que chamava MINTER né; aí, as minhas colegas que também eram da UNEMAT , que faziam

especialização nesse momento, foram tentar fazer, acabaram aprovadas. Na época me chamaram, mas eu

não... a gente tinha que passar um período em S. Paulo de seis meses, eu...no momento eu não tinha como

passar esses seis meses lá, porque eu tinha essa filha... pequena, meu esposo tava entrando numa fase assim

que, até acabou ele tendo que...entrar pra reserva, que se aposentar né, porque a situação dele...saúde se

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agravou e aí eu não tive como né, e... foi uma oportunidade; todo mundo falou: “Aurora!” mas,

infelizmente...tem coisa que é impossível né. (Narrativa Oral)

Contudo, o desejo de se reafirmar pessoal e profissionalmente levou-a, tal

como afirmara Knowles (1984, p. 12 apud García, 1999, p. 207), ao longo da trajetória de

formação, a motivar-se para aprender por factores internos associados à ideia de

desenvolvimento profissional com base nos princípios da aprendizagem do adulto e dos

processos de mudança (GARCÍA, 1999).

A partir daí, eu comecei a pensar que um dia eu gostaria de fazer que eu também seria capaz né, de fazer

de...sabe, poder me debruçar nos estudos! Poder estudar aquilo que eu tinha vontade. Claro que a gente sabe,

quer dizer hoje eu sei, naquele tempo não; assim, que muitas vezes, a gente...quando entra...quando inicia o

mestrado que não bem assim que, ou por um motivo ou outro a gente precisa deslocar essa nossa...nosso olhar

né, mas apesar disso, eu penso que ainda é lá que eu vou poder me amadurecer profissionalmente,

intelectualmente sabe...não, eu não tenho vontade de fazer mestrado é...porque eu,eu quero ter um título,

não é isso. Mas, eu... eu penso que eu sou capaz, sabe? De dissertar sobre um determinado assunto, de me

tornar especialista numa...especialista não no sentido de... mas assim, eu...eu posso é...alcançar os patamares

que eu vejo tantas pessoas alcançando e que vai me... me enriquecer, vai me transformar. Eu quero me

transformar numa pesquisadora! E, é por isso que quero fazer isso. ( Aurora, Narrativa Oral)

A intenção de se transformar em uma pesquisadora, a vivência em sala de aula,

quiçá com o intuito de potencializar-se profissionalmente no contexto da atuação docente,

mais especificamente na atuação como professora de Língua Portuguesa, levou Aurora a

perceber algo que no dizer dela “é uma coisa muito difícil.”

Eu fiquei esses anos todos na sala de aula. Então, eu...e trabalhando né, logo, prá mim era tudo muito novo

né...no início, aí a gente vai ficando um pouquinho mais, vai conhecendo e, eu percebi uma coisa assim...

muito...difícil com os meus colegas né, que...a gente tava até falando ainda há pouco, essa questão de que os

colegas estão cada vez mais transformando em técnicos. Que, os professores não valorizam determinados

aspectos que não poderiam ser deixados de lado... de lado, assim, o jeito de trabalhar. E, especificamente na

minha área né, nas outras áreas eu não saberia dizer mas, essa questão professores, eles não lêem,

infelizmente. O professor não é um leitor. (Aurora, Narrativa Oral)

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117

Para a professora, cujo gosto pela leitura tornou-se um aspecto fundamental na

escolha da profissão, deve parecer inconcebível que outros profissionais da mesma área de

atuação negligenciem algo para ela essencial. Para Aurora, o professor deve constituir-se

como leitor, não como técnico. Nesta perspectiva, a entrevistada parece pautar a concepção de

leitura em uma perspectiva que coaduna com os princípios teóricos que defendem a leitura

como produção de sentido em diversas arenas sociais instituídas discursivamente (BAKHTIN,

1997), pois anuncia que os professores continuam atuando em termos de metodologia no

esquema tradicional; e, ao que parece Aurora classifica como esquema tradicional o trabalho

com a Língua Materna pautado em uma perspectiva mais estruturalista da Língua, embora

denuncie que falta aos professores concepções de linguagem, de ensino, de gramática; ao

tempo em que aponta dilemas referidos à formação de professores de Língua Portuguesa.

Neste sentido, a professora-formadora parece responsabilizar um tanto incisivamente os

professores por possíveis limitações na respectiva formação, fato que destoa ligeiramente do

modo como a formação de professores é entendida no âmbito desta pesquisa:

Desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional (GARCÍA, 1999).

O professor continua vendo... assim na, no esquema tradicional a única forma de ensinar, nem sempre o

professor inova as suas metodologias; quando inova é... talvez, eu esteja sendo dura, mas é essa situação

que... eu infelizmente vejo, eu não percebo os professores assim é... preocupados em, em ter um... uma base

teórica quando eles... é propõem uma metodologia diferenciada. Eu vejo como uma forma assim de que os

alunos é... é...assim... estejam ocupados,fazendo alguma coisa; sabe que vai ter um resultado mas, sem uma

reflexão, falta ao professor reflexão! Reflexão da sua prática,porque que ele faz isso. Falta concepções ,

professor não tem uma concepção de linguagem, uma concepção de ensino, uma concepção de gramática, o

professor não tem. ( Aurora, Narrativa Oral)

Todavia, o fato é que foi desta mirada teórica que Aurora vicejou a

possibilidade de atuar como professora-formadora no CEFAPRO de Cuiabá e neste sentido

reafirma no âmbito da especificidade identitária, o desejo de uma mudança em função do

tempo à medida que veio evoluindo das aplicações futuras do conhecimento para as

aplicações imediatas (Knowles, 1984, p. 12 apud GARCÍA, 1999, p. 55).

O CEFAPRO, ele é alguma coisa de muito novo pra mim, porque como ele é pioneiro aqui no Mato Grosso,

nessa proposta... então,aí eu já via né, eu já pensava, falava: nossa deve ser interessante fazer é... buscar,

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levar para o professor uma outra postura, tentar desenvolver nesse professor uma outra postura. ( Aurora,

Narrativa Oral)

No entanto, ao assumir este novo papel social no contexto do CEFAPRO,

Aurora, embora já tivesse atuado como formadora de professores na UNEMAT, pareceu

apresentar à época em que elaborou o caso de ensino que lhe fora solicitado, certa dubiedade

quanto a identidade de formadora de professores, no âmbito daquela instituição. Convidada a

refletir sobre a prática cotidiana como formadora de professores, a relatar por escrito os

saberes importantes na respectiva atuação como professora-formadora, a partilha destes

saberes e onde os aprendeu ou apreende, retoma as experiências de sala de aula elaboradas

durante os anos em que atuou na Educação Básica, estrutura o próprio discurso em torno dos

dilemas vigentes naquele espaço e desloca o foco da pergunta. Parece assumir, no mais das

vezes, o lugar de professora, em vez de formadora de professores. De modo que tangencia

muito brevemente o papel de formadora. Contudo, ao fazê-lo ratifica uma vez mais a

especificidade formativa e identitária marcada ao longo do percurso: a perspectiva de

desenvolvimento profissional.

Ao longo de minha atividade como formadora de professores, pude constatar algo de que já suspeitava

enquanto atuei em sala de aula: existe uma tentativa, no cotidiano escolar, por parte do professor, de

enquadrar o aluno nos padrões exigidos por uma escola que vigorava no passado e, que, portanto, não se

coaduna mais com as exigências impostas pela modernidade. Percebe-se que ainda há muita dificuldade em

perceber o aluno como um ser ativo em um mundo que é totalmente novo e dinâmico. Por isso, o foco da

relação professor – aluno que deve ser uma interação saudável, e de respeito mútuo ainda é um desafio a ser

conquistado no ambiente escolar. [...] A fim de reconhecer e desempenhar cada vez melhor o meu papel nessa

engrenagem educacional, na qual acredito ocupar um importante espaço, na medida em que posso

acompanhar e estimular o trabalho dos docentes que atuam em sala de aula, venho buscando aperfeiçoar-me.

[...] É necessário acrescentar que enquanto formadora da área de Linguagem, e mestranda em Estudos

Literários, percebo a necessidade de uma revisão da prática do ensino de Literatura que, ainda hoje, norteia-

se por uma concepção tradicional. (Aurora, Narrativa Escrita12).

12

Refere-se aos instrumentos de coleta, neste trabalho especificamente, toda narrativa escrita corresponde aos

dados coletados por meio de Casos de Ensino e Situação-problema e, encontram-se na íntegra no final deste

texto. Para a produção dos casos de ensino, os formadores foram instados, a refletirem a partir da leitura do texto

“Meu Batismo de Fogo” de Telma Weisz. Já a Situação-problema foi concebida a partir do entrelaçamento dos

sentidos que os formadores atribuíam às políticas de formação com a implantação em âmbito estadual de Novas

Orientações Curriculares.

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119

Assim, Aurora parece falar de um entrelugar que vem sendo definido

identitaria e contextualmente: Professora de sala de aula/Formadora de professores. Seria isto

um indício de que não lhe foram possibilitadas condições históricas e institucionais de se

assumir como formadora de professores, do modo como se assumiu como professora? De fato

ao ser convidada a caracterizar o ser/estar sendo formadora no CEFAPRO de Cuiabá, ela

aponta que tem como função “o papel de auxiliar a reflexão do professor e da escola como um

todo”. Define-se como “portadora de novos e atualizados saberes no espaço escolar”. Neste

sentido, García (1999) sugere que ao longo da trajetória de formação, poder-se-ia falar em

quatro níveis de desenvolvimento profissional:

Despreocupação, indiferença: Professores com um baixo nível de

inquietação com o seu desenvolvimento profissional, quer por recusa

manifesta, quer por considerarem que as ofertas de formação são pouco

atractivas.

Informação: Professores com preocupações mínimas com o seu

aperfeiçoamento, mas com um limitado nível de compromisso

profissional, o que os pode levar a aceitar participar em actividades de

formação pontuais, mas sem se implicarem em actividades que exijam

mais tempo e dedicação (pojectos de inovação, seminários, etc.).

Construção/aprofundamento: Professores que realizam cursos de

iniciação em alguma área curricular e continuam a trabalhar em grupos,

em seminários permanentes, em projectos de inovação, assessorados por

outros professores.

Orientação/assessoria: Este nível corresponderia a professores com uma

vasta trajectória profissional de implicação em projetos de inovação, e

que podem assessorar outros professores que se iniciam nestes projectos,

quer como formadores em cursos de iniciação, quer como mentores de

professores principiantes. (MARCELO e SÁNCHEZ, 1990; SÁNCHEZ,

1993 apud GARCÍA, 1999, p. 209).

Sendo assim, da análise da trajetória de formação de Aurora, penso ser

possível inferir que ela parece ter avançado os três primeiros níveis conceituados por García

(1999). Entretanto, o mencionado autor situa o formador de professores no quarto nível e, ao

que me parece não basta para alcançar este nível o desempenho ou performance pessoal, pois

nele estão inseridos os professores com vasta trajetória profissional de implicação em projetos

de inovação. E, um professor, principalmente um formador de professores necessita para que

possa implicar-se em projetos de inovação profissional além de um empenho pessoal e

profissional –como extensamente denotado no percurso de Aurora- uma inserção no âmbito

de uma instituição que dê sustentação a estes projetos de inovação. Daí, entendo como sendo

possível inferir que tanto a especificidade formativa quanto a constituição identitária de um

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formador de professores para atuar no CEFAPRO só se faz possível se ocorrer nos meandros

de projetos formativos engendrados contextual e coletivamente (NÓVOA, 2009), no âmbito

desta instituição.

Neste espaço do ser e do se dizer professora, Sol concebe o estar sendo

professora-formadora, de forma a vincular este papel social a uma tentativa de “aliviar” o

professor que atua na Educação Básica. Nesta perspectiva busca enunciar no contexto

brasileiro as dificuldades enfrentadas pelos docentes.

Em princípio, eu imaginei é...ser formadora e tentar aliviar um pouco o professor. O professor hoje,

independente de ser o Estado de Mato Grosso, ele tem uma jornada de trabalho muito grande (enfática)

é...com pouquíssimo tempo pra fazer uma formação continuada e...eu acho que a formação do professor no

Brasil( ênfase na palavra) , é muito falha. (Sol, Narrativa oral)

Assim, Sol parece entender como sendo especifico da respectiva atribuição

como formadora de professores de Língua Portuguesa contribuir em uma perspectiva

complementar, para minimizar as deficiências formativas destes docentes, principalmente em

termos teóricos e metodológicos. “Então essa dificuldade, o professor não tem preparo

nenhum e, eu enquanto formadora do CEFAPRO, com o tempo pra fazer essas pesquisas e

levar pra ele as coisas mais mastigadas, esse é o maior...motivo de eu ter entrado no

CEFAPRO”. Desta maneira, a professora parece não compreender a formação de professores

do modo como tem sido enunciada neste trabalho: desenvolvimento que engendra tanto as

dimensões pessoais quanto as dimensões profissionais, organizacional e contextual,

configurando um continuum formativo no qual este professor evolui constantemente, “o

conceito „desenvolvimento‟ tem conotação de evolução e continuidade” (GARCÍA, 1999, p.

137).

O fato mencionado parece estar bastante evidenciado no entrecho em que Sol

parece se aproximar, em termos conceptuais da idéia de mediação e acompanhamento como

enunciada por Souza (2010), uma vez que salienta a necessidade de estar próxima do

professor e da escola, a fim de ouvi-lo nas respectivas dificuldades, mas que, no entanto,

afasta-se desta perspectiva de formação ao enfocar no âmbito da ação como formadora as

deficiências destes docentes de modo a tornar possível a interpretação de que o fulcro do

trabalho do formador de professores está em orientar as práticas pedagógicas, apresentando

aos mesmos, informações referentes ao papel que desempenham na sociedade contemporânea.

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Aspecto fortemente marcado, quando consideradas as construções discursivas apresentadas

nas narrativas desta formadora que, parece conceber nos meandros da formação, uma

discursividade fulcrada no evento como experiência expressa e comunicada. Destoa assim,

do modo como Ricoeur (2011) situa o discurso no interior de uma dialética de evento e

significação, posto que muito embora, o autor, conceba estas construções discursivas como

eventos, as compreendem como sendo constituídas também pelas trocas dialógicas,

intersubjetivas. Logo, ao conceber formações erigidas em torno de uma discursividade

unilateral em que os discursos do formador é que orientam as práticas dos professores, Sol se

afasta, por conseguinte da concepção de formação tal como defendida pelos autores

pospostos.

Hoje, no estado de Professora Formadora, sinto a necessidade em estar o mais próximo possível da escola, do

Professor, escutando suas dificuldades e, até mesmo suas deficiências, através de estudos, pesquisas que

faço, e assim, poder orientá-los às suas práticas pedagógicas. Vejo que a posição que me encontro hoje me

permite apresentar aos meus colegas algumas informações e possibilidades que, com as quais, poderão ser um

caminho que facilitará a compreensão do seu papel e, claro, a importância desse papel na sociedade atual.

(Sol, Narrativa escrita)

Ora, presumivelmente, a escuta atenta e acolhedora é muito importante nas

ações formativas, do mesmo modo é imprescindível ao bom desempenho do trabalho do

formador conhecer o contexto onde desenvolve estas ações. Entretanto, se estes são aspectos

fundamentais na formação de professores, não são condições bastantes, pois para Souza

(2010).

A formação conjuga diferentes dimensões, implica investimentos de

diferentes ordens e articula-se com a noção de acompanhamento na

contemporaneidade, vinculando-se a princípios teóricos de formação como

centradas no adulto, como ator-autor de seu projeto histórico existencial.

(SOUZA, 2010, p. 161)

Nesta perspectiva, a despeito de ter assegurada a estabilidade no emprego, pois

era funcionária concursada no Banco Bandeirantes, Dia retorna à sala de aula, onde fica por

um dado período de tempo, antes de mais uma vez, em virtude de um novo concurso passar a

trabalhar no Fórum: “trabalhei até noventa e oito em sala de aula, passando no concurso do

Fórum em noventa e nove e trabalhei um ano no Fórum”. Entrementes, durante o tempo em

que trabalhou no órgão citado, a formadora mencionada parece ter se debruçado sobre a

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própria trajetória de formação e, atribuindo novos sentidos aos processos identitários

delineados no âmbito pessoal, profissional e organizacional, opta conscientemente a julgar

pelo depoimento dela, por atuar na docência.

Imersa nesta seara onde o trabalho obriga a transformações identitárias

delicadas, Dia, parece paradoxalmente, ter retornado ao ambiente escolar fortemente insuflada

pelo ideal de que a escolha profissional, precipuamente a opção pela carreira docente se dá

como uma vocação, uma missão aos predestinados “Foi exatamente em noventa e nove que eu

fui descobrir que a vocação não é algo que você escolhe; nós somos escolhidos por ela... nós

somos escolhidos por ela”. A convicção de que a docência constitui missão, algo vocacionado

ainda que evidencie a intensidade da entrega e do compromisso requerido pela faina laboral

na educação, pode dar margens a um entendimento equivocado que alija a profissão docente,

por conseguinte, a formação de professores e a carreira docente de alguns de seus aspectos

centrais, como por exemplo, a dimensão política e institucional. E de fato, a dimensão

política, passível de compreensão somente em uma perspectiva critica se faz presente no local

de trabalho, na sala de aula. De modo que as escolhas que, nos espaços de trabalho, são feitas

diariamente revelam os compromissos morais daquele que as faz, posto que ninguém é

politicamente neutro, precipuamente nos meandros educacionais, conforme já enfatizaram

Zeichner e Diniz-Pereira, (2005), mencionados neste texto.

Das escolhas feitas por Dia nos meandros desta realidade na qual o político e o

crítico estão sempre presentes, surgiu a oportunidade desafiadora de atuar como formadora de

professores. A assunção de novo espaço de atuação possivelmente desencadeou no processo

de constituição identitária dela e na percepção concernente à formação de professores, novos

sentidos e significados.

Quando eu efetivei o diretor falou pra mim assim: “Dia, é eu ou é você! eu não posso estou na direção, então

é você.” Tremi, tremi nas bases, né, porque pra mim era um...era uma oportunidade nova que estava se

abrindo. Depois eu falei: “Bom como toda...como tudo na vida da gente é desafio, vou tentar!” E, eu tinha,

inclusive era formação do GESTAR, GESTAR I para professores das séries iniciais. Tinha alguns

professores também de quinta a oitava série né e, foi...foi uma, foi muito interessante porque ali eu fui

construindo uma, uma...não sei se é uma outra identidade, fui construindo uma outra visão de formação.(

Dia, Narrativa oral)

Ao trabalhar com a formação de professores, a professora Dia afirma que foi

levada a repensar o respectivo percurso como educadora: “Então a partir desse... desse

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momento eu fui repensando também o meu papel enquanto educadora né”. Neste novo espaço

a neófita formadora de professores procura partilhar com os docentes descobertas e

conhecimentos “quando eu assumi e fui...assim fui descobrindo junto com os professores,

construindo conhecimento junto com eles e, era tão interessante(enfática)”. Nesta perspectiva

Passegi (2010, p. 117), situa a ação do formador de professores no âmbito da mediação

biográfica e declara que “por ser formativa, a intenção de formar (se) é guiada pelo

coinvestimento do formador e de quem se forma. Ela se define, sobremaneira, pela noção de

cuidado de respeito mútuo”. Deste modo, Dia parece vir buscando desde seu ingresso na

formação de professores, delinear sua conduta tendo como pressuposto este coinvestimento, o

cuidado e o respeito mútuo com os pares.

Mar, por sua vez, destaca a complexidade do trabalho como professor-

formador

pela primeira vez, eu fui trabalhar com os meus, diretamente com os...meus colegas né, e professores,

formador de professor! Era uma...é aí pra trabalhar como professor, como professor-formador e, algo assim...

cê trabalhar com seu colega não é muito... não é muito fácil não. (Narrativa Oral)

Certamente, atuar na formação de professores requer do formador uma série de

capacidades, caracterizadas, no mais das vezes, pela complexidade. No âmbito da formação se

entrelaçam diversos aspectos, pois a “formação integra a construção da identidade social,

pessoal e profissional, que se interrelacionam e demarcam a autoconsciência, o sentimento de

pertença.” (SOUZA , 2010, p.158). Desde este prisma, Mar ao que parece, veio construindo

ao longo da trajetória de formação a respectiva identidade, delineando-a sinergicamente nos

aspectos pessoal, social e profissional, ao tempo em que torna possível a interpretação de que

também vem desenvolvendo neste trajeto a autoconsciência, seja como professor, seja como

formador de professores; assim como, o sentimento de pertencer e se autoafirmar em termos

formativos e identitários ao grupo dos profissionais da Educação, isto pode ser inferido ao

longo do percurso de formação deste professor-formador, conforme exposto nos entrechos a

seguir.

A partir dali eu resolvi assumir essa...essa profissão né. Mas eu não assumi ela com muita tranqüilidade não,

nem foi muito fácil né, até por uma questão assim, a gente tem uma...eu particularmente né, sempre tenho

dificuldade em achar que meu trabalho é bom, dá, dá o devido valor né, as vezes as pessoas dão muito mais

valor que eu próprio. E, eu tinha muita dificuldade por...primeiro por conta disso nunca achava que tava

bom o suficiente pra enfrentar uma sala de aula e, segundo que é...é que naquele tempo, eu era muito tímido

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pra poder chegar na frente. Eu quando tinha que apresentar trabalho pra turma minha lá, nossa! Era um

sacrifício, era um sofri...um sofrimento danado! Por conta dessa timidez né. Mas, essas coisas foram sendo

vencidas né, e aí, eu to aqui. E aí, tinha outra problemática também, aí é questão profissional. Eu via os

interinos dando aula, e, eu achava aquilo uma falta de respeito tremendo né, um sofrimento danado daquele

pessoal que pegava aula sem ser efetivo sofria demais. [...] ( Mar, Narrativa Oral)

As mudanças e as percepções pedagógicas aconteciam quase que intuitivamente, ou seja, na maioria das

vezes sem bases conceituais. Então, veio o GESTAR, programa de formação para professores de Língua

Portuguesa e Matemática e fui convidado para fazer o curso de professor formador do GESTAR.

Profissionalmente, foi uma das melhores coisas que aconteceu em minha vida profissional. ( Mar, Narrativa

escrita)

Assim, conforme enunciado no excerto precedente, Mar pelo que consta nos

entrechos apresentados, dá a entender que desde que optou pela Licenciatura na Área de

Linguagens tem fortalecido nos processos formativo e identitário a convicção de que é

professor e, ao dizer-se professor, dimensiona inclusive, o ser formador de professores em um

contexto desafiador, “Ser professor-formador é, na sua essência, ser pesquisador. Como são

inúmeros os desafios na educação é necessário que tenhamos o firme propósito de ousar com

novas posturas” (Narrativa escrita). Neste sentido, Escudero (1992), vincula no contexto de

atuação do formador, a formação e a mudança.

A formação e a mudança têm de ser pensadas em conjunto como duas faces

da mesma moeda. Hoje é pouco defensável uma perspectiva sobre a

mudança para a melhoria de educação que não seja em si mesma,

capacitadora, geradora de sonho e compromisso, estimuladora de novas

aprendizagens e, em suma, formativa para os agentes que têm de

desenvolver na prática as reformas. (ESCUDERO, 1992, p. 57 apud

GARCIA, 1999, p. 139).

Portanto, no cenário em que a formação e a mudança estão imbricadas e, que

esta última se compreendida como melhoria da educação precisa gerar sonhos e

compromissos, Mar busca na trajetória de formação dizer das especificidades formativas e

identitárias que vem marcando seu percurso ao longo deste processo gerador de sonhos,

conhecimentos, embates e compromissos, no qual vem se constituindo na condição de

formador.

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Quando comecei a trabalhar como professor [...] não raro era desencorajado pelos colegas que diziam: “no

começo é assim... depois você entra nos eixos...” ou “ a educação não vai mudar” ou ainda “esses alunos não

aprendem mesmo”. Esses falares que na maioria das vezes se transformavam em ações pedagógicas me

levavam a refletir sobre a minha prática profissional. Então, decidi: vou tentar ser diferente. A primeira

lição para ser diferente, aprendi com uma professora de espanhol que dizia e provava que “toda criança era

capaz de aprender”. Cada uma a seu tempo, mas aprende. Anos mais tarde, já como professor formador

entendi claramente a sua fala (é claro que depois de muitas leituras). Mas aquilo ficou marcado. Outra

situação que me fez refletir foi quando ao assistir uma fala via “TV ESCOLA” alguém disse: “o professor

precisa aprender a ensinar”. (Mar, Narrativa escrita)

Ao optar, por não desenvolver o trabalho docente em uma perspectiva

conformista, tentando ser diferente, Mar, provavelmente, inscreveu no próprio processo

identitário um jeito de ser e de estar na profissão que, possivelmente, tenha reafirmado a sua

identidade profissional. E, esta autoafirmação, quiçá tivesse adquirido contornos bastante

diferentes, caso este formador não tivesse imergido no contexto político e social em que se

estabeleceu este embate. Posto ser necessário que o conceito de identidade docente seja

compreendido como algo que se desenvolve tanto na perspectiva pessoal quanto no âmbito da

coletividade, então a identidade não é algo que se possua, não constitui um atributo fixo de

determinada pessoa, antes, trata-se de um fenômeno relacional, cujo desenvolvimento se dá na

intersubjetividade, trata-se, portanto, de um processo evolutivo, um processo por meio do qual

a pessoa interpreta a si mesma no âmbito de dado contexto, conforme já assentido por García

(2009) em outro momento deste trabalho.

Nesta conjuntura em que a identidade do formador vai evoluindo e se

desenvolvendo pessoal e coletivamente no terreno intersubjetivo, constituindo um processo de

interpretação como pessoa no âmbito de dado contexto, os conhecimentos, lições

intersubjetivamente entretecidos, assumem posição de grande relevo. Nesta perspectiva, Mar

revela na respectiva fala um aspecto emblemático referido à construção dos conhecimentos da

docência que caracterizam os processos identitários, contextuais e políticos do formador

“Normalmente, os conhecimentos adquiridos ocorrem por meio de muitas leituras e ações

autoformativas. São raras as formações específicas para o professor formador”(Narrativa

escrita). Se, são raras as formações especificas para o professor formador, é no âmbito das

formações que este formador desenvolve junto aos professores que atuam nas instituições

escolares, que tem se dado, a inferir pelo exposto por Mar, efetivamente a formação do

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formador, inclusos no tocante àqueles conhecimentos referidos ao desenvolvimento profícuo e

eficaz destas formações.

Nos cursos de formação aprendemos e refletimos muito. Hoje, ainda nesse percurso formativo como professor

de Língua Portuguesa, tenho ciência de que precisamos aprender a identificar e encontrar os conhecimentos

pertinentes à resolução de uma dada situação e que na vida escolar precisamos saber fazer e isso significa

identificar, compreender, relacionar, sintetizar, julgar, ou seja, refletir sobre a nossa prática pedagógica.

Para que a formação atinja o seu objetivo faz-se necessário que o professor formador tenha alguns conceitos

claros, como, por exemplo, o diagnóstico. Não dá para propor uma ação formativa sem ter um diagnóstico em

mãos. Outra situação que deve ser levada em consideração no processo formativo é o planejamento coletivo.

Outro aspecto importante é o conceito de avaliação, ou seja, ter claro o que, quando e como avaliar. (Mar,

Narrativa escrita)

Por seu turno, na trajetória em que vem, por meio de sucessivas socializações,

produzindo a própria identidade, Ocaso se move na direção de se tornar formador de Língua

Portuguesa no CEFAPRO de Cuiabá.

Não sei se tinha acontecido alguma coisa que o CEFAPRO tava sem esse formador e me pediram pra que eu

fosse. E eu fui e...assim a equipe que estava, que eu fazia parte, a equipe de Humanas assim, muito boa,

muito boa mesmo.[...] nós conseguimos fazer um trabalho assim...muito legal mesmo de formação.(Narrativa

oral)

Inserido, uma vez mais em um novo contexto, o formador de professores se

debruça no processo de formação de si mesmo e de outrem em uma perspectiva crítica -

aproximando-se de autores como Giroux, (1997) e Zeichner e Diniz-Pereira (2005)- na qual

denuncia práticas de formação continuada que desconsideram as características e as condições

do contexto onde os professores atuam, bem como a lógica subjacente ao trabalho deste

profissional. Ocaso denuncia ainda, a discursividade excessiva e a dissociação entre estes

discursos enunciados no âmbito das formações e o cotidiano da escola.

Nós formadores e boa parte das pessoas que refletem educação hoje, não faz o que pede aos professores.

Observar o contexto do educando, ter a generosidade de procurar saber como esse profissional atende, e tem

atendido o alunado com as estruturas que ele tem acesso. Como é a lógica do trabalho desse profissional que

ao procurar um curso de formação ouve quase sempre que precisa ser diferenciado, diferente, de outro

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profissional que quase sempre não conhece sua prática. Reagindo a isso esses professores, como qualquer

aluno, se apropria do discurso que o formador trás. Nega a sua realidade e cria duas dimensões distintas. O

que se fala nas formações e o cotidiano da escola. Em casos mais raros desenvolve uma ou outra atividade

satélite que atenda ao parlapatório que nós formadores ruminamos. (Ocaso, Narrativa escrita)

Mesmo compreendendo a crítica relevante e fundamentada de Ocaso, afigura-

me como sendo importante circunscrever essa discursividade excessiva presente, segundo o

pesquisado em âmbito educacional, a uma compreensão da linguagem e do discurso menos

determinista em termos dos sentidos que professores possam vir a atribuir aos discursos

proferidos pelos formadores, posto que resultaria daí uma perspectiva menos mecanicista

tanto da formação quanto da discursividade erigida em torno dela.

A linguagem não é um mundo próprio. Nem sequer é um mundo. Mas

porque estamos no mundo, somos afectados por situações e porque

orientamos mediante a compreensão em tais situações, temos algo a dizer,

temos a experiência para trazer à linguagem. (RICOEUR, 2011, p. 36)

Assim, parece possível que os professores ainda, que envoltos por esta aura

erigida pela discursividade de outrem, possam por meio da compreensão do contexto em que

atuam, não apenas se apropriarem dos discursos proferidos pelos formadores no sentido de

repetir estes discursos, mas dizerem seus discursos e trazerem à linguagem os sentidos

presentes nas experiências deles mesmos.

Desde a mirada teórico-epistemológica até agora apresentada, Ocaso então,

passa a conceber o trabalho do formador como hercúleo, enorme. E, neste sentido, o formador

possivelmente, demarque nos processos formativos e identitários, outra dimensão do ser

formador de professores, definida agora, pela complexidade com se caracteriza este espaço de

atuação e de formação.

O professor Edson por conta de sua pós - graduação, mais precisamente por conta de sua pesquisa me

solicitou alguns apontamentos diante de uma situação-problema. Primeiro me senti lisonjeado pela escolha

do professor, logo depois, quando a proposta me chegou até as mãos notei o quão complexa é e tem sido o

trabalho desse professor que trabalhar como formador. Esse me pareceu ser um trabalho hercúleo, um

trabalho enorme. (Narrativa escrita)

Ciente, ao que parece, desta complexidade inerente aos processos formativos,

Ocaso aponta no âmbito da formação continuada a polarização que dissocia a teoria da prática

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As pessoas que fazem esse tipo de formação acham esse tipo de formação legal, elas partem do seguinte

pressuposto que é uma...que é um lugar assim, bem legal, que o professor não pode vir aqui só ouvir teoria,

porque a impressão que eu tenho é...que até então ou é isso, ou você fica falando de uma teoria totalmente

descolada da realidade. Não sei se...parece que polariza as coisas ahm...isso é como eu vejo formação no

CEFAPRO né. (Narrativa oral)

Ao fazê-lo, procura situar no âmbito da formação docente os contextos-

organizacional e estrutural- onde ela se dá, denota deste modo uma compreensão bastante

ampla da própria trajetória formativa, dos contextos e dos processos em que vem se

constituindo na condição de formador de professores de Língua Portuguesa.

Eu acho que nós prof...e aí, falando como professor, mas eu acho que nós professores esquecemos de muitos

aspectos na escola, esquecemos da questão estrutural, da questão do número de alunos, da questão dos jogos

de poderes na escola, de como isso se desencadeia, como é essa dança é... dança que é uma dança mesmo dos

professores pra pegar aula, como é que é essa mecânica de...de você funciona...que funciona mesmo do

professor ter aula, do professor não ter aula. É...tudo isso nós sabemos influência na aprendizagem não a

troca de professores, também influência né, mas é não simplesmente a troca de professores. É um jogo em

cadeia, as estruturas né. (Ocaso, Narrativa oral)

Neste sentido, este formador parece se aproximar ao longo da respectiva

trajetória de formação do nível em que García (1999) conceitua como sendo de

Orientação/assessoria, o qual corresponderia àquele nível em que se encontram os professores

com ampla trajetória profissional de implicação em projeto de inovação que, porquanto

poderiam assessorar aos professores que iniciam as respectivas trajetórias.

Portanto, pós apresentar e interpretar ao longo das sessões precedentes,

processos de construção/Reconstrução das identidades profissionais de cinco formadores de

Língua Portuguesa, bem como os movimentos realizados por estes profissionais até acederem

à condição de professor-formador, penso ter sido possível assinalar nos meandros das

trajetórias de formação destes profissionais o fato de que os professores, como sujeitos

adultos, diferenciam-se entre si em função de diversas características (GARCÍA, 1999).

Características estas que se tornam ainda mais acentuadas, talvez, porque os formadores de

professores vêm se constituindo identitaria e profissionalmente desde perspectivas e contextos

bastante diversos. Por outro lado, quiçá, seja possível afirmar com fulcro nas análises

apresentadas até o presente momento que, a despeito desta diferenciação de percurso e de

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identidade, por virem se constituindo como uma síntese irredutível e totalizadora

(FERRAROTTI, 1988) elaborada por meio de mediações sociais, parece factível depreender

que, pairam entre as mencionadas trajetórias de formação, características, por assim dizer,

partilháveis entre os formadores pesquisados. E, sendo assim, poder-se-ia falar em encontros

narrativos. Encontros intersubjetiva e contextualmente produzidos de modo a reafirmar a

Universalidade do Singular (FERRAROTTI, 1988). Encontros entretecidos e burilados na e

pela memória (BOSI, 1994), externados, reconstituídos e ressignificados pela linguagem

transformada em discurso, por sua vez engendrada em arenas históricas eminentemente

políticas, ideológicas e sociais (BAKHTIN, 1997).

Assim, referendado por estas interpretações, pelo conceito de Políticas de Ball

(1992) e pela compreensão da formação como desenvolvimento que engendra

concomitantemente as dimensões pessoais, profissionais e institucional (GARCÍA, 1999),

apresento no tópico seguinte análises referentes a políticas de formação e formação

continuada, com vistas a interpretar os conceitos e inferir os significados e concepções

presentes em narrativas de formadores de professores de Língua Portuguesa do CEFAPRO de

Cuiabá, bem como compreender como os mencionados formadores interpretam, no âmbito

dos respectivos percursos formativos a política de formação vigente na instituição a que

venho me referindo.

6.3 Os significados da política de formação construídos nos percursos formativos: concepções

de professoras-formadoras acerca da formação Continuada

Soluções para os problemas postos pelos textos políticos serão localizados e

deveria ser esperado que discernissem determinados fins e situações

confusas. Ball

Ao disposto explicitamente no texto político “mediar as necessidades

formativas e as políticas oficiais, fortalecendo e dinamizando a rede de formação” (MATO

GROSSO: Secretaria de Estado de Educação, 2010, p. 22), pairam múltiplas interpretações,

discursivamente enunciadas pelos formadores ao situarem a compreensão da respectiva ação

de formação nos meandros do CEFAPRO de Cuiabá.

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Eu vejo a gente assim muito sem uma direção assim, sabe. E, não sei eu to tendo que... refazer, repensar qual

é o meu papel aqui. Assim, meu papel... qual o nosso papel como formadores aqui né, porque eu não tenho

encontrado espaço pra fazer esse trabalho... porque além de... não sei, as escolas são muito difíceis sabe,

infelizmente o que eu imaginava que ia acontecer....que, eu...assim...talvez eu tenha... não tenha ainda bem

delineado o que significa... ser formador. Eu imaginava que eu aqui... eu ia ter uma atuação muito... assim

mais voltada pra essa questão mesmo de estudar, sabe. De estudar e de... fazer formações que proporcionasse

ao professor essa...esse arcabouço teórico. (Aurora, Narrativa oral).

Nesse ínterim, a professora-formadora parece interpretar a política de

formação instituída em âmbito estadual e operacionalizada no Centro de formação desde uma

perspectiva bastante pessoal, ao passo em que parece apresentar certa dubiedade no que tange

à concepção de formação continuada de professores vigente no CEFAPRO de Cuiabá.

Eu não sei... eu não vejo as nossas formações, as vezes... é assim...gerarem frutos produtivos. Eu não vejo

transformação na prática! Eu to há um no e meio aqui, eu não vejo mudanças nos professores. Eu não

consigo ver! Não consigo...sabe é Sala de Professor, é... assim um encadeamento de idéias desconexas, de

temas que muitas vezes, não contemplam absolutamente nada que seria necessário para mais... renovação de

postura do professor, tá. Então, então assim, eu não sei se eu vou saber responder. Eu não to conseguindo

nem responder a sua pergunta porque eu to...sem saber direito, qual é a nossa concepção, eu... estou um

pouco perdida... (Aurora, Narrativa oral).

A dubiedade conceitual de Aurora quando referida a concepção de formação

continuada vigente institucionalmente, contrasta com a firmeza conceptual quando se trata da

concepção pessoal da formadora acerca do tema: “eu compreendo essa formação como uma

renovação de postura mesmo. [...] fazer essa formação é dar esse sustentáculo ao professor de

perceber que a... o quanto, por exemplo, em relação à gramática, o quanto a gramática ela está

ligada, é intrínseca ao texto” (Narrativa oral). A perspectiva de formação apresenta por

Aurora resguarda, ao que parece, proximidades conceptuais com os trabalhos de Giroux

(1997), para o qual

O conhecimento torna-se importante na medida em que ajuda os seres

humanos a compreenderem não apenas as suposições embutidas em sua

forma e conteúdo, mas também os processos através dos quais ele é

produzido, apropriado e transformado dentro de ambientes sociais e

históricos específicos. (GIROUX, 1997, p. 39)

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Para Aurora, atrelado a esta perspectiva em que o conhecimento e a mudança

da prática estão imbricados, está o entendimento de que o enfoque metodológico dado aos

conteúdos em âmbito escolar está ultrapassado, necessitando porquanto, em termos de

formação, de uma profunda inovação dos pressupostos pedagógicos que sustentam a educação

no Brasil. Assim, no entrecho a seguir a formadora discorre sobre a necessidade da inovação

pedagógica

Um debate que instaure o desequilíbrio de velhos alicerces e que possa assegurar uma reflexão profunda

acerca dos valores passadistas em que repousam a educação brasileira, que insiste em nortear suas ações por

idéias ultrapassadas, impedindo, muitas vezes, de forma reacionária, os avanços propostos pelas esferas

educacionais, sob o equívoco discurso de que “as mudanças sempre são instituídas de forma autoritária”.

(Narrativa escrita)

Já Sol, entrelaça a formação continuada com a formação inicial, segundo esta

professora-formadora “a formação continuada volta pra formação” (Narrativa oral). Para a

formadora, a experiência na docência de sala de aula é importante para a atuação do

professor-formador “eu acho que a falta de experiência de alguns formadores como professor,

em sala de aula, pé „mesmo‟ ali no chão interfere muito né” (Narrativa oral). A óptica de

formação perspectivada por Sol permite traçar alguma similitude com os estudos de García

(1999), nos quais ele pontua no âmbito do desenvolvimento profissional do professor quatro

níveis que vão desde a despreocupação/indiferença até a orientação e assessoria. Assim, ao

longo da trajetória de formação o docente para perfazer os quatro níveis de desenvolvimento

implicar-se-ia em projetos de inovação, assessorados por outros professores, antes de se

tornarem formadores, já numa dimensão mais vasta desta trajetória profissional. Todavia, a

discursividade de Sol parece voltar-se sobremaneira para a dimensão individual da trajetória

profissional e, nisto se distancia dos postulados de Garcia (1999), para quem

Faz sentido falar-se também de trajectórias grupais de formação, na medida

em que correspondem ao trabalho realizado por um grupo de professores ao

longo de um determinado tempo. [...] Deste modo, os professores em níveis

superiores de desenvolvimento profissional poderiam assessorar grupos de

trabalho de outros professores. (GARCÍA, 1999, p. 209)

Assim, ao enfocar no âmbito da formação continuada de professores a relação

entre o formador e o professor pautada na confiança e na tutoria que primeiro exerceria em

relação ao segundo, tal como expresso no excerto seguinte;

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é preciso atenção, é preciso que o professor tenha confiança no professor-formador pra que ele... procure, pra

que ele não tenha vergonha, não tenha medo de procurar o professor do CEFAPRO para orientá-lo. “Eu

não sei isso, dá pra você me ensinar isso?” E, não é o que acontece... infelizmente. Não é o que acontece... Eu

pego na mão mesmo e ensino, não sabe vamos aprender eu to aqui pra isso. Então não vejo nenhum problema

em ensinar meu professor a dar aula. Se ele não sabe, se ninguém o ensinou, vamos ensinar, vamos começar

lá de baixo (Narrativa oral)

Sol parece estar sustentada em termos de concepção no que concerne à

formação continuada de professores no paradigma da Racionalidade Prática, pois

O modelo de aprendizagem associado a esta orientação na formação de

professores é a aprendizagem pela experiência e pela observação. Aprender a

ensinar é um processo que se inicia através da observação dos mestres

considerados “bons professores”, durante um período de tempo prolongado.

(GARCÍA, 1999, p. 39)

De modo que, a formadora, ao centrar a necessidade de formação na figura

dos professores que atuam em sala de aula, parece desconsiderar e/ou não incluir em termos

de formação, a necessidade formativa dela própria na condição de formadora de professores,

por vezes, é impossível inferir que ela parece se sustentar em uma perspectiva na qual a

própria não é questionada, como se aprendizagem da docência fosse uma particularidade dos

professores, e, conforme venho enunciando, no âmbito da formação continuada o formador ao

mediar e acompanhar o docente no respectivo percurso formativo torna-se também ele, um

aprendiz, já que toda ação formativa pauta-se pela interação dialógica, de modo que sejam

compartilhados entre aquele que se forma e o formador, o passo e o pão (PASSEGI, 2006).

Assim, a mencionada formadora parece não circunscrever a própria concepção

de formação continuada no âmbito de um única concepção, posto que ao narrar o modo como

desenvolveria uma formação que objetivasse a implementação das novas orientações

curriculares estaduais, apresenta uma perspectiva centrada na abordagem tradicional da

prática (Pérez Gómez, 1992), muito embora não negligencie a interação dialógica com os

professores e o debate junto ao equipe do centro de formação, parece voltar-se para “esta

concepção de formação de professores caracterizada pelo seu tradicionalismo na medida em

que favorece um tipo de aprendizagem passiva”(COHEN e MANION, 1977 apud GARCÍA,

1999, p. 40)

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Bem, em primeiro lugar, independentemente da localidade/ bairro, eu entraria em contato com a equipe

gestora e forneceria o material a ser estudo e pediria que repassasse aos professores para que, juntos e/ ou

individualmente, apreciassem o material antes do encontro no qual faríamos nossas considerações a respeito

do documento.

Quando percebo uma situação que poderá ser de conflito, seja por falta de compreensão do material em

discussão ou por termos opiniões – eu enquanto professora formadora do CEFAPRO de Cuiabá – adversa,

procuro ouvir no primeiro momento e, em seguida peço para apresentem os problemas encontrados e as

possíveis soluções para cada um deles. Só então depois de tudo exposto pelo grupo é que faria as devidas

intervenções, esclarecendo os pontos obscuros apresentados por eles e, orientando-os a fazerem uma segunda

leitura, levando em conta o que havia sido discutido naquele momento e, proporia novo encontro para

retomarmos os temas que geraram as discussões. Por último abriria para sugestões, as quais traria para a

socialização com os demais colegas e equipe gestora do CEFAPRO. (Narrativa escrita).

A exemplo de Sol, para quem “a formação continuada volta pra formação”,

Dia vincula ao termo formação o adjetivo continuada. Não obstante, para Dia o projeto de

formação Sala de Professor, assume grande relevo nos meandros da política de formação

continuada impetrada no CEFAPRO de Cuiabá, ao passo em que parece possível depreender

da fala dela um sentido de formação instituído pelos professores que atuam nas escolas e, que,

por vezes caminha em paralelo com os projetos de formação concebidos pelos professores-

formadores; sendo que a professora formadora destaca a positividade do engendramento de

ambas as formações, aquela pensada pelo coletivo da escola com a assessoria do formador

com a concebida pelo formador. Neste processo, Dia destaca no âmbito do projeto Sala de

Professor a partilha do conhecimento e o acompanhamento.

Bom, quando se fala em formação nós temos que pensar no termo continuada né. E, as... uma... uma das

formações assim que tem sido muito válida é a Sala de Professor porque ao mesmo tempo que você está

acompanhando a sala de professor que são os momentos de partilha, de conhecimento dos colegas em

oficinas, em falas, em projetos mesmo de... de sala de aula, você consegue de uma certa forma é... opinar.

Opinar projetos que... a primeira coisa que o professor pede Ah... professora você pode dar uma olhadinha no

projeto; dar sua opinião que...que seja interessante pra ver é... teóricos, pra ver material substancial né, para

o nosso projeto, pra ver idéias (enfática) pra trabalhar em sala de aula. Então nesse ponto a Sala de

Professor...olha, tem sido muito válida porque de uma certa forma você pode(alongado) além da formação ali

que é feita pelos próprios membros, ás vezes, você também entra na parte da formação. Você pode

acompanhar os seus colegas professores né. (Narrativa oral)

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Ao enfocar na política de formação implementada por meio do projeto “Sala

de Professor” a partilha de conhecimentos e o acompanhamento “Você pode acompanhar os

seus colegas professores né”, Dia possibilita cotejar a concepção de formação que, segundo

ela se faz presente no projeto de formação mencionado com o entendimento de Souza (2010)

sobre a emergência e a relevância do trabalho de acompanhamento para a formação dos

formadores. A emergência deste trabalho de acompanhamento encontra retumbância nos

meandros de uma crise de paradigma por que passam os agentes sociais na

contemporaneidade. Neste contexto em que proliferam estas crises identitárias e sociais, a

noção de acompanhamento, se apresenta como alternativa profícua para a formação de

formadores.

No entanto, ao enunciar por que são interessantes as formações feitas no

CEFAPRO de Cuiabá, Dia parece se afastar da compreensão tal como externada

anteriormente acerca do acompanhamento no âmbito da formação continuada, passando a

vincular está última a uma perspectiva mais pragmática, de Orientação Prática (García, 1999),

o foco da narrativa desta formadora, parece recair neste sentido, em uma perspectiva em que a

formação continuada parece se reduzir a apresentar modelos didáticos aos professores. Do

mesmo, não enuncia explicitamente, a percepção que ela tem acerca desta política de

formação no que concerne à formação de si mesma como formadora de professores

As formações feitas no CEFAPRO elas são interessantes por quê? Por que elas dão ideias, várias ideias para

os professores de como aplicar em sala de aula. Porque desvincula aquela ideia de somente aula teórica. A

aula ela pode ser a partir de... de uma brincadeira, do lúdico, ela pode ser a partir de uma oficina mesmo. E

quando você trabalha o aspecto oficina, você tem assegurado a sua aula ali de uma forma nova, não

tradicional porque você ta trabalhando com o aluno ele, ele vai ter, vai ter o conhecimento e ao mesmo tempo

ele não vai sentir tão... pressionado a ter aquele conhecimento, vamos dizer assim, porque quando você

trabalha de forma somente teórica, claro que é cansativo. A teoria ela é importante, ela é necessária? É.

Mas só a teoria desvinculada da prática é inviável. Então essas formações que tem acontecido aqui são

muito relevantes porque tem modificado muito a prática de sala de aula. (Narrativa oral)

Quiçá, decorra desta percepção mais voltada à vinculação mais direta entre as

formações delineadas em âmbito institucional e o trabalho docente em sala de aula, a resposta

um tanto pontual, com ênfase nos aspectos metodológicos apresentadas por Dia quando

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instada a narrar sobre o modo como desenvolveria uma formação visando à implementação

das Novas orientações curriculares em âmbito estadual, em que foram conjeturados

posicionamentos diversos por parte dos professores que participariam da ação de formação,

desde a aceitação indiferente e acrítica da proposta curricular até a refuta consciente e

alicerçada da propositura.

1) As formações de Língua Portuguesa são elaboradas por professores que saíram recentemente da Sala de

aula, ou seja, conhecem a realidade da Escola, mas caso isso ocorra, a melhor maneira é sempre ter um plano

B na formação (Atividade ou dinâmica que atenda a todos.

2) Fazer um questionamento com os profissionais sobre as dúvidas.

3) A partir dos questionamentos direcionar a formação. O replanejamento sempre é uma forma de obter êxito

nas ações. (Narrativa escrita)

Assim, Dia mesmo instada a narrar, apresenta respostas “telegráficas”

ancoradas em questões que remetem apenas ao aspecto metodológico da formação. Seria esta

formação para ela uma questão de adequação metodológica? Que implicações decorrem deste

fato quando considerada a interpretação nos meandros do percurso de formação, bem como as

aprendizagens desta formadora ante a política de formação continuada vigente no CEFAPRO

de Cuiabá? Estes questionamentos se referem, sob certa medida, às três formadoras, cujas

narrativas venho interpretando, ao longo desta sessão, pois também Aurora e Sol, enfatizam-

embora não o façam de modo exclusivista- em determinados momentos o fulcro das ações

formativas nos aspectos metodológicos: “eu não percebo os professores assim é...

preocupados em, em ter um... uma base teórica quando eles... é propõem uma metodologia

diferenciada” (Aurora, Narrativa oral); “Eu acho que falta muita metodologia, muita, muita,

muita, eu bato muito em cima da metodologia. Falta pra nós professores é a metodologia. As

possibilidades e realidades” (Sol, Narrativa oral). Quiçá, está ênfase demasiada na

metodologia decorra de influências do modelo de formação que Shön (1988) denominou

como “Racionalidade Técnica”. Isso não significa que estas formadoras venham

desenvolvendo as respectivas ações formativas com fulcro apenas na Racionalidade Técnica.

Até o momento presente, parece mais coerente dizer que em termos de concepções de

formação continuada, é possível inferir que as formadoras apresentam uma perspectiva

bastante eclética, mas de certo modo, todas partilham, em alguma medida, dos postulados da

Racionalidade Técnica.

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6.4 Das Políticas de Formação Continuada Vigentes no CEFAPRO de Cuiabá

Políticas colocam problemas para seus sujeitos, problemas que precisam ser

resolvidos no contexto. Ball

Do disposto até agora, é possível depreender que contextualmente, os

professores-formadores, parecem interpretar os textos políticos de modo a enfatizar a

interferência destes textos nos percursos formativos e aprendizagens que vêm construindo ao

longo da respectiva trajetória de formação no âmbito do CEFAPRO de Cuiabá. No entanto, é

sintomático assinalar que em nenhum dos três instrumentos de coleta estes formadores

referiram à existência, nos meandros da instituição de políticas sistemáticas e contínuas

voltadas à formação do formador, corroborando, de certo modo, com os estudos de Mizukami

(2005) acerca da ausência de políticas voltadas à formação de formadores no cenário

brasileiro. Assim, a análise parece no que se refere às políticas de formação continuada de

formadores de professores, evidenciar aquilo que Ball (2006) declara acerca das políticas

As políticas normalmente não nos dizem o que fazer, elas criam

circunstâncias nas quais o espectro de opções disponíveis sobre o que fazer é

reduzido ou modificado ou nas quais metas particulares ou efeitos são

estabelecidos. Uma resposta ainda precisa ser construída no contexto,

contraposta ou balanceada por outras expectativas. Tudo isso envolve algum

tipo de ação social criativa. (BALL, 2006, p. 26)

Nesta perspectiva parece evidente a necessidade de que no âmbito do

CEFAPRO de Cuiabá sejam fortalecidas contextualmente, a política de formação continuada

dos formadores de professores que atuam na instituição. A propósito, esta necessidade consta

inclusive, no texto político, documento de assinatura oficial que dispõe sobre o tema nos

seguintes termos:

Diante dos novos desafios impostos aos CEFAPROs, há necessidade de se

investir na consolidação de um “Programa de Formação de Formadores”,

contínuo e consistente, contemplando temas como gestão, currículo,

metodologia e avaliação; um programa voltado para o aprofundamento nos

campos epistemológicos, filosóficos e metodológicos das áreas de

conhecimento e das especificidades de atuação. (MATO GROSSO:

Secretaria de Estado de Educação, 2010, p. 34)

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Neste panorama, o dilema concernente à política de formação e à Formação de

Formadores no âmbito das políticas de formação vigente no CEFAPRO é anunciado, nos

limites desta análise pelas narrativas dos dois últimos sujeitos partícipes desta pesquisa: Mar e

Ocaso.

Normalmente, os conhecimentos adquiridos ocorrem por meio de muitas leituras e ações auto-formativas.

São raras as formações específicas para o professor formador (Mar, Narrativa escrita).

Eu vejo que nós temos aqui hoje no CEFAPRO...(diminuindo o tom de voz) eu acho que nossa equipe é

subutilizada. São pessoas assim muito boas, não fazem nada assim, e não é porque não querem é pelas

condições, a própria burocracia do lugar que, não é uma burocracia daqui é uma burocracia da Instituição

como se gira, como... Eu não sei, eu acho que se talvez aproveitasse as potencialidades né, afinar um

discurso pedagógico, aqui a gente não tem um discurso pedagógico afinado né. (Ocaso, Narrativa oral).

Além de apresentarem perspectivas próximas, no que concerne à necessidade

de que sejam instituídas, revistas ou ampliadas as políticas de formação vigentes no

CEFAPRO, Mar e Ocaso, têm no que se refere à formação continuada dos professores

concepções que resguardam entre si similitudes. Mar pontua no âmbito da formação

continuada dos professores a dificuldade que eles enfrentam em virtude de questões

relacionadas ao contexto e às condições de profissionalização vivenciadas por estes

profissionais. Questões que entrelaçam aspectos pessoais e institucionais, conforme se pode

depreender no entrecho seguinte:

Eu vejo que o professor tem muita dificuldade de buscar formação e, aí ele tem as... tem várias razões pra

isso e, são colocados por eles próprios né, a questão financeira, a questão da jornada de trabalho né,

é...porque pra suprir essa necessidade financeira ele tem que, as vezes, da...tá trabalhando em três períodos

né, quando não mais de uma, duas, três... três unidades escolares pra poder dar conta da... até da condição

de vida...Então tudo isso faz com o que o professor, ele se afaste um pouco da sua formação né e tem uma

outra coisa que...que é... que eu acho crucial que é..é o próprio sistema de ensino né, ele nos leva a...até então,

até há uns três, quatro anos atrás ele não levava a isso né, porque cada professor ficava na sua disciplina

é...é um conteúdo X para iniciar determinada turma e um conteúdo X pra ele terminar né; então ele

praticamente fechava naquilo né e, aí...ele iniciava, por exemplo, no livro na página trinta e ia terminar lá

na página oitenta e, ele fazia isso a vida inteira né, até eles chama de planejamento ad eterno né, começa...só

muda o ano né, mas o próprio sistema levava a isso né, então tem toda essa condição aí. E, e o professor né,

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isso é do ser humano e, percebendo que... sabendo isso,né... não sendo cobrado também para que não saia

disto, ele se...meu amigo(enfático), ele não vai se preocupar de ta fazendo formação ou ta buscando

novas...novas formas, ele vai seguir o que ta ali né, também por conta do tempo que ele tem que trabalhar .

(Narrativa oral)

Para Ocaso, a formação continuada deve ter em conta a especificidade da área

de atuação do professor, sem desconsiderar o espaço onde atua e o aspecto identitário do ser

professor, isto posto em uma perspectiva holística

Nossas formações, na medida do possível deveriam fazer o professor pensar um pouco sobre a sua...eu sou da

área de Linguagem, sobre a sua especificidade. Ter as concepções de Língua Portuguesa claras, ter claro as

concepções de Linguagem, em que concepções ele se insere, como esse professor vê a prática dele. Sem perder

de vista o lugar da sala dele, de ser professor. [...] Se a gente pensa entender o aluno como um todo, entender

o aluno de forma holística, entender o aluno como um ser humano né, entender o aluno... respeita esse ciclo

de formação do aluno né, tem que pensar que esse ciclo de formação não é só do aluno, tem professores

também, tem escola, instituição. (Narrativa oral)

Ao fazerem, nas respectivas narrativas, menção à formação em uma

perspectiva em que os fatores de ordem contextual, institucional e pessoal estão inter-

relacionados, ao que parece no âmbito de uma política de formação que deveria ser

sistemática e abrangente, Mar e Ocaso, de certa maneira se aproximam em termos conceptuais

do conceito de formação suleador deste trabalho, posto que aqui a formação é compreendida

como desenvolvimento profissional e, este último

implica não só indivíduos, mas essencialmente grupos: os professores no

coletivo, os formadores dos professores, os responsáveis pelas instituições

formadoras e os responsáveis pelas políticas de formação. (Monteiro, 2006,

p. 67)

Mar parece assumir, em alguns aspectos, o princípio enunciado por Monteiro

(2006), pois ao narrar como procederia em uma situação de formação onde deveria abordar as

Novas Orientações Curriculares implantadas no Estado, enfatizou a importância de firmar

parceria com a equipe gestora, construindo o entendimento sobre a relevância do tema;

buscando sensibilizar os envolvidos e entender o nível de conhecimento dos docentes sobre o

assunto, de modo a integrar na formação aspecto teórico-práticos e metodológicos. Em uma

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perspectiva pautada na flexibilidade, na contextualização e na avaliação, donde parece vicejar

contextualmente o grupo.

Em primeiro lugar entraria em contato com a equipe gestora da unidade escolar. É de suma importância que

a gestão da escola seja parceira e entenda a importância da formação e das orientações curriculares. A partir

dessa sensibilização, fazer um diagnóstico sobre quais as reais necessidades de ações formativas para estes

professores. Perceber até onde os professores leram e quais os caminhos que precisam ser percorridos para o

entendimento das orientações curriculares.

Após o diagnóstico, fazer o planejamento levando em consideração os aspectos conceituais e os aspectos

metodológicos, ou seja, teoria e prática (oficinas).

Lembrar sempre que o planejamento tem que ser flexível e indicativo;

Que as disciplinas e as áreas se interrelacionam;

Trabalha-se por resolução de problemas em situações contextualizadas;

Aprende-se por meio da observação atenta, da criação e da condução de projetos;

Pratica-se uma avaliação formadora diante de situações reais. (Narrativa escrita)

Atento às transformações no contexto da atuação e da formação docente, Mar

situa o CEFAPRO como uma instituição vinculada ao processo de mudanças ocorridas no

contexto histórico e social em que são demandas novas políticas para a formação continuada

de professores

Mas, as coisas tão mudando, né, o professor hoje, né, a qualidade do ensino hoje ta muito aquém daquilo que

deveria estar né e, um dos responsáveis por isso é o professor né, é a formação do professor né, é a

profissionalidade desse profissional! Da Educação... Então, e, ele tem percebido isso e neste caso é... nesse

aspecto, o...o Centro de Formação de Mato Grosso, ele vem trabalhando justamente pra suprir essa

necessidade que o professor tem sentido na...na, lá na sala de aula e, e porque que ele tem sentido isso né,

porque há uma cobrança também da sociedade.(Mar, Narrativa oral)

Por outro lado, Ocaso apresenta uma perspectiva que se afasta sensivelmente

daquela apresentada por Mar no que se refere a política de formação presente na instituição

mencionada e, parece mirar nos meandros da concepção de formação vigente no CEFAPRO

de Cuiabá limitações bastante acentuadas, pois estaria desde a ótica deste formador voltada

para uma perspectiva Tecnicista - Racionalidade Técnica (SHÖN, 1988)

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O esforço que a gente tem né...quando a gente pensa formação, quando eu digo a gente, eu digo a

Instituição, pensa formação sempre pensa que o professor venha até o CEFAPRO ou vá até...que o

CEFAPRO vai até o professor e dê um curso e que esse curso possa...o professor possa utilizar esse curso

com o aluno né. Como se fosse bem instrumental mesmo né. Então, o aluno...o professor vem aqui...o

professor-aluno né, vem aqui fazer uma...um curso de...é “O Uso do Computador em Sala de Aula” ou

qualquer coisa assim “Gêneros Textuais” e pega esse exemplo que o professor deu aqui e leva pros alunos dele.

Ou seja, pensa-se no sentido de que o professor estude aqui e ele possa repassar lá pro aluno dele. Eu não sei

se é uma questão de concepção né, mas, é...eu...penso...que esse tipo de formação não auxilia muito. Auxilia

de forma imediata porque o professor vem aqui fazer um curso e sai com uma aula já pronta né, que o

formador montou né. [...] Eu penso que isso é tecnicista. Tecnicista no sentido de que não provoca um

processo reflexivo. O professor não se dobra sobre sua prática, não começa pensar sua prática. E, isso é

muito ruim. (Narrativa oral)

A problematização apresentada por Ocaso, no que se refere ao caráter das

formações desenvolvidas no CEFAPRO de Cuiabá, a que ele denomina Tecnicista “Eu penso

que isso é tecnicista, tecnicista no sentido de que não provoca um processo reflexivo, o

professor não se dobra sobre sua prática, não começa pensar sua prática”, parece confirmar a

necessidade já anunciada de que é preciso repensar a política de formação continuada vigente

nesta instituição, pois a partir do conceito de formação tal como compreendido neste trabalho

desenvolvimento profissional, (GARCIA, 1999) e do entendimento de que pairam nos

meandros educacionais e formativos, políticas (BALL, 1992), às quais todos os profissionais

da educação precisam entender e situar seu respectivo desenvolvimento profissional e ação

educativa, parece infactível a aceitação de que, no âmbito da formação continuada, seja

concebida uma perspectiva em que todos os envolvidos não estejam comprometidos com uma

reflexão constante, sistemática e conjuntural acerca do contexto onde atuam. Reflexão

pensada como eixo de Formação de professores Orientada para a Indagação, dotada

porquanto, das seguintes características:

1. A reflexão não é determinada biológica ou psicologicamente, nem é mero

pensamento, expressa uma orientação para a acção e refere-se às relações

entre pensamento e acção nas situações históricas em que nos

encontramos.

2. A reflexão não é uma forma individualista de trabalho mental, quer seja

mecânica ou especulativa, mas pressupõe e prefigura relações sociais.

3. A reflexão não é nem independente dos valores nem neutra; expressa e

serve interesses humanos, políticos, culturais e sociais particulares.

4. A reflexão não é indiferente nem passiva perante a ordem social, nem se

limita a propagar valores sociais consensuais, mas reproduz ou

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transforma activamente as práticas ideológicas que estão na base da

ordem social.

5. A reflexão não é um processo mecânico, nem é simplesmente um

exercício criativo na construção de nossas idéias; é uma prática que

expressa o nosso poder para reconstruir a vida social, ao participar na

comunicação, na tomada de decisões e na acção social. (KEMMIS 1985,

in PÉREZ GÓMEZ, 1987, p.14 apud GARCÍA, 1999, p. 44)

Então, parece emergir das formações nas quais a Reflexão não se faz

sistematicamente presente como eixo de Formação Orientada para a Indagação toda uma série

de limitações que, a inferir pela fala de Ocaso, resulta na responsabilização do professor pelos

fracassos escolares, conseguintemente os desqualifica, uma vez que desconsidera as

condições, o contexto em que desenvolvem o trabalho pedagógico por meio da legitimação do

discurso de que cabe ao professor a busca por uma prática diferenciada. Aspecto que, para

Ocaso reforça a dicotomia entre o falar sobre educação e que se prática nas escolas.

Bem, vejo que o que temos feito é isso mostrado aos professores que estão lá na ponta do processo,

trabalhando diretamente com aluno o quanto eles são incompetentes, posto não estarem plugados no novo,

no moderno, as novas falas, as novas orientações e assim por diante. Ignoramos por exemplo as condições

reais da escola, quando somos questionados muitas vezes com relação ao numero de alunos, as condições das

salas, a falta de tempo nas escolas, a falta de estrutura e de logística ou algo assim, muitos de nós

formadores, falamos que cabe a nós a busca por uma mudança, cabe ao professor a busca por uma prática

diferenciada, que segundo a portaria número tal do ano tal deve ser assim. E os professores reforçam sua

ideia de dicotomia entre o falar sobre educação e o que se tem praticado nas escolas a respeito da educação.

(Narrativa escrita)

Ocaso denota conceber a formação de professores de maneira em que a

profissionalidade, a pessoalidade e o contexto não sejam dissociados. Deste modo, ao

responder acerca de uma formação que, hipoteticamente, desenvolveria sobre as Orientações

Curriculares implementadas no âmbito das políticas públicas educacionais de Mato Grosso,

situa as mencionadas orientações em termos conceptuais e políticos e reitera a necessidade de

entendimento acerca das dimensões profissionais, pessoais e contextuais. O formador destaca

nesta narrativa que professores de escola pública desenvolveram uma inteligência para lidar

com a lógica subjacente ao discurso da educação e, a primeira atitude ao pensar esta ação

formativa seria reconhecer o professor e sua prática, visando a aproximação entre o postulado

teórico e o cotidiano desses professores. Depois assinala que destacaria no momento de

formação, o fato de que estes profissionais lidam como podem e como sabem com a demanda

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educativa no espaço em que atuam, porquanto para ele é preciso visualizar todo o contexto de

atuação docente e, por meio da alteridade, reconhecer neste outro, a respectiva importância e

valor. Nesse ínterim, Ocaso tangencia ainda, ao narrar sobre o modo como foram elaboradas e

a maneira em que, possivelmente, serão legitimadas estas Orientações Curriculares, a

concepção de política de Ball (1992), pois, ao que parece, subjaz ao discurso deste professor-

formador, o entendimento de que tem existido uma cissiparidade entre o disposto no texto

político e a institucionalização na prática. Cissiparidade que, na óptica dele, parece constar

como despotencializadora. Neste sentido, é possível inferir também na narrativa deste

formador, um aspecto que tendo sido tangenciado nas falas de outros formadores, é abordado

de modo contundente na narrativa de Ocaso qual seja o ideário de que as mudanças propostas

no âmbito do texto político não representam inovação em termos educacionais e formativos. É

importante destacar que decorre desta interpretação uma perspectiva que, embora esteja

norteada por uma interpretação histórico-social das reformas educacionais, não potencializa a

construção de políticas pedagógicas inovadoras, pois acabam por obstar a procura de

respostas criativas ao disposto no texto político, por conseguinte, tal interpretação não

contribui, em termos formativos, para equalizar a formação do formador.

As Orientações Curriculares atendem essa mesma lógica, fazem parte do discurso da educação, isso não é

novo, assim como a relação dos professores com esse discurso. O professor da rede pública desenvolveu uma

inteligência para lidar com essa fala, sem, contudo ouvi-la.

Ao buscar uma formatação de um curso que tenha como público os professores de Língua Portuguesa que

atuem no Ensino Fundamental em escolas, da Rede pública estadual, para discutir o resultado de

deliberações políticas advindas da SEDUC no intuito de implementar as Orientações Curriculares

instituídas recentemente, faria primeiro esse reconhecimento do professor e de sua prática. Dizendo em

outras palavras, reservaria um tempo para ouvir esses professores e saber sobre o seu lugar. Assim ficaria

mais tranquilo, penso buscar aproximar o teórico do cotidiano desses professores.

Em um segundo momento falar e reconhecer o valor desses profissionais que, como estão podendo e sabendo,

respondem pela educação naquele espaço em que atuam. Cabe deixar claro a esses professores que essas

orientações não trazem em seu bojo grandes novidades, mas atendem a quase tudo que se vêm discutindo a

respeito de educação nos últimos anos. Logo não há nada de novo sob o sol.

Quanto ao processo de construção das Orientações não se deu de forma diversa as outras discussões sobre

educação que muitas vezes são travadas longe do professor que atua diretamente em sala de aula, este vive

dividindo e seu tempo entre escolas, município e estado, diário e preparação de aula, sala do educador e hora

atividades. Enfim ele toma seu tempo na rotina da escola o que lhe inviabiliza a participação nos fóruns e

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nos bancos em que são colocados esses debates. Salvo raras exceções, quem discute educação está muito longe

da sala de aula, e se esta na escola atua na coordenação ou em outro cargo. Raramente tem uma carga

horária de 30 horas com alunos, de segunda a sexta-feira, atende mais de uma escola com um salário de

aproximadamente mil reais.

Visualizando este contexto, tendo generosidade e reconhecimento ao trabalho do professor e colocando de

forma clara para ele acredito que é possível falar das orientações de forma tranquila. Posto ser para muitos

professores mais um documento, entre tantos, que precisam ser legitimados. Cabe ao formador, na medida do

possível, deixar além das orientações um espaço para o diálogo. Um espaço de alteridade, posto reconhecer o

outro e a sua importância. (Narrativa escrita).

Apresentados os percursos formativos, os aspectos identitários e as concepções

de política de formação e de formação continuada por meio de interpretações das narrativas

produzidas por cinco formadores de professores de Língua Portuguesa do CEFAPRO de

Cuiabá,; penso ter contemplado no âmbito das análises as questões que sustentaram esta

pesquisa, tal como enunciadas a seguir: Como se constituem os percursos formativos e

identitários dos formadores de professores de Língua Portuguesa que atuam no CEFAPRO de

Cuiabá-MT? Como estes formadores interpretam, no âmbito dos respectivos percursos

formativos, a política de formação continuada vigente no CEFAPRO de Cuiabá?Que políticas

de formação são evidenciadas a partir da análise interpretativa de narrativas feitas por estes

profissionais acerca dos percursos delineados por eles?

Assim, passo a apresentar as considerações resultantes deste trabalho de

pesquisa. Considerações que não assumem nos meandros do trabalho mencionado caráter de

terminalidade ou de irrefutabilidade, posto tratar-se de interpretações intersubjetiva e

contextualmente constituídas.

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CONSIDERAÇÕES

Tudo que já foi, é o começo do que vai vir, toda a hora a gente está num

cômpito. Guimarães Rosa

De fato, as análises apresentadas ao longo desta pesquisa, conduzem a um

cômpito. Encruzilhadas que emergem das trajetórias de formação dos sujeitos pesquisados e

confluem para diversas dimensões de ordem histórica, pessoal, subjetiva, profissional,

identitária, institucional, política, contextual. Dimensões que engendram, porquanto, no

âmbito da formação o desenvolvimento pessoal e profissional e apontam para a influência

preponderante dos contextos neste processo. Deste modo, parece importante ressaltar que nos

percursos de formação dos professores formadores pesquisados as escolhas pessoais e as

trajetórias profissionais, assim como os processos identitários vêm sendo delineados em uma

perspectiva na qual interferem múltiplos fatores contextualmente engendrados. No mais das

vezes, no âmbito desta trajetória de formação, as especificidades formativas e os aspectos

identitários resultam de socializações, aprendizagens, embates que entrelaçam questões

pessoais e subjetivas com os dilemas profissionais.

Neste sentido é que as políticas institucionalmente vigentes influenciam

decisivamente os percursos de formação e, parece factível a compreensão de que as trajetórias

pessoais e profissionais de formadores de Língua Portuguesa que atuam no CEFAPRO de

Cuiabá vêm sendo constituídas pessoal e profissionalmente no âmbito destas políticas

presentes nos diversos contextos de formação. Daí, a compreensão de que as narrativas

utilizadas ao longo desta pesquisa quer sejam orais, quer sejam escritas configuram discursos

que apontam para os sentidos e significados resultantes das experiências e aprendizagens dos

formadores pesquisados.

As políticas de formação vigente no CEFAPRO de Cuiabá, a julgar pelas

narrativas destes formadores, são interpretadas desde um prisma singular e multifacetado.

Assim, parece possível depreender que ocorre na mencionada instituição a interpretação

destas políticas (BALL, 1992), desde uma perspectiva bastante pessoal, pautada nas crenças e

nos conhecimentos de cada formador. Desta maneira, estes formadores parecem situar o texto

político a partir do modo como este interfere na ação deles, como formadores. Assim, é

possível inferir que não concebem as políticas de formação continuada em uma perspectiva

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que engendre diferentes contextos, nos quais se instaura uma discursividade perene, pautada

no devir infindo de idéias, interpretações, práticas, movimento.

Assumem posição de destaque, as aprendizagens e conhecimentos elaborados

por estes formadores ao longo da trajetória de formação, pois diante das políticas de formação

institucionalizadas procuram dotá-las de sentido e, não o fazem no vazio teórico-

epistemológico. Esta interpretação está sustentada na própria concepção de formação que

estes professores formadores vieram construindo ao longo da carreira docente. E, estas

aprendizagens e conhecimentos constituídos ao longo do percurso formativo que eles vêm

delineando, estão relacionadas a preferências, opções ou constrangimentos - presentes no

texto por ausências significativas nas narrativas dos mesmos- de ordem pessoal, profissional e

organizacional; dizem respeito a especificidades que por um lado, apontam para a Área

disciplinar de atuação destes formadores e por outro, tangenciam os aspectos conceptuais da

formação continuada, por conseguinte, da Educação desenvolvida em âmbito formal. Daí ser

possível inferir que “tornar-se professor-formador requer intencionalidade, envolvimento,

disponibilidade para as mudanças e para enfrentar situações incertas, conflitos”

(MONTEIRO, 2007, p. 120).

Parece possível reafirmar ainda, que a formação conjuga diferentes dimensões,

tem a ver com a ideia de mediação e acompanhamento na contemporaneidade (SOUZA,

2010), requer o co-investimento daquele que se forma e do formador (PASSEGGI, 2010) e

que deve ser compreendida como o desenvolvimento concomitante da pessoalidade e da

profissionalidade em dado contexto (GARCÍA, 1999). Do mesmo modo, quiçá, seja factível a

ratificação de que no âmbito da Pesquisa Narrativa a ciência do particular e do subjetivo pode

resultar num conhecimento legítimo (FERRAROTTI, 1988), sustentada na interpretação de

que o homem é o universal singular e que a memória é atualizada (BOSI, 1994)

discursivamente em diversas arenas sociais (BAKHTIN, 1997).

Sustentado nestas interpretações, é possível, portanto, dizer que as análises,

aqui apresentadas apontam para a necessidade de que a política de formação continuada

vigente no CEFAPRO de Cuiabá seja ressignificada a partir do desenvolvimento de uma nova

concepção de formação continuada, capaz de açambarcar toda a complexidade que envolve as

trajetórias de formação, a identidade dos formadores, o desenvolvimento profissional e os

contextos. Nos meandros desta nova concepção político-epistemológica de formação é preciso

considerar que aos limites do texto político, soluções precisam ser encontradas e, isto requer

dos formadores de professores o entendimento de como se processam tais políticas, bem

como uma mobilização capaz de aglutinar em torno da concepção de formação como

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desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional, uma atuação no sentido de

compreender que a formação se estende ao longo da vida e que mescla aspectos pessoais,

coletivos e organizacionais.

É possível inferir ainda, das análises precedentes que é urgente e necessário

construir, no âmbito das mencionadas políticas de formação dos formadores de Língua

Portuguesa que atuam no CEFAPRO de Cuiabá dimensões formativas, cujo sustentáculo seja

instituído no seio de uma ciência da mediação (FERRARROTTI, 1988; PASSEGGI, 2010) e

do acompanhamento (SOUZA, 2010), com vistas a potencializar os percursos formativos que

perfazem os formadores mencionados nos meandros de uma trajetória de formação. Então, é

preciso a compreensão de que

os percursos de vida, os acontecimentos, as decisões, as experiências e as

aprendizagens pessoais e profissionais, os contextos, os períodos da carreira

e as condições de trabalho são contextos formativos de desenvolvimento

profissional. (Monteiro, 2007, p.120).

Por fim, ratifico que no que se refere a minha própria trajetória de formação,

como formador de professores de Língua Portuguesa no CEFAPRO de Cuiabá, esta pesquisa

me possibilitou compreender que as narrativas, interpretadas de uma perspectiva pautada na

hermenêutica (RICOEUR, 2011) me permitem compreender os sentidos e significados que

atribuo às experiências vividas por mim ao longo de meu percurso formativo, dotando assim,

estas experiências de um caráter deveras formativo. Porque pautadas na reflexão e no conceito

de formação como desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional, podem ser

comunicadas, tornadas públicas, partilhadas. Contudo, considerando as limitações presentes

neste estudo, acrescento: “eu quase que nada não sei. Mas passei a desconfiar de muita coisa”

e “vivendo, se aprende; e o que se aprende, mais, é só fazer outras maiores perguntas”

(GUIMARÃES ROSA, 1993, p. 13-14).

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ANEXOS

Instrumentos para Coleta de Dados

Instrumento 01- Entrevista Narrativa

Poderia, por favor, falar sobre os motivos que te levaram a escolher ser professora?

Como se deu teu ingresso na faculdade, onde a cursou?

Poderia falar sobre as razões que te levaram a ser formadora no CEFAPRO?

Poderia falar sobre como compreende a formação de professores e a maneira como a

formação de professores é concebida pelo CEFAPRO?

Fale, por gentileza, sobre o modo como você compreende a formação de professores de

Língua Portuguesa?

Sou muito grato, por tua colaboração com este trabalho, inexeqüível sem ti.

Obrigado.

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Instrumento de Coleta 02: Casos de Ensino

Meu Batismo de Fogo

Telma Weisz

Fiz o curso Normal no Instituto de Educação, Rio de Janeiro. Até hoje não sei

exatamente por que, mas aos 10 anos de idade havia decidido que, depois do ginásio, faria o

normal. Provavelmente porque gostava da minha professora do primário. Ao longo do curso,

quis sair. Uma das razões é que estava muito envolvida com outros interesses, sobretudo com

artes plásticas; outra é que o curso me parecia fraco e desinteressante. Mas meus pais me

convenceram do contrário. Diziam que, se eu quisesse, faria depois uma faculdade em outra

área, mas que o importante era, aos 18 anos, já ter uma profissão. Coisa de imigrante. Meu pai

costumava repetir que se aos 18 anos não tivesse uma profissão - e ele tinha -, sua família

teria passado um mau pedaço, porque havia perdido tudo o que possuía.

Fiquei. Mas fiz o Instituto de Belas-Artes (atual escola de Artes Visuais do Parque

Lage) ao mesmo tempo, durante dois anos. Em 1962, quando cursava meu último ano do

normal, a repetência fabricada pelas escolas finalmente ultrapassou os limites: não havia mais

vagas na 1ª série para os novos alunos. O governador tomou então três providências: aprovou

as crianças por decreto – e foi todo mundo para 2ª série, soubesse ou não ler -, montou escolas

de madeira, com telhado de zinco, horrorosas, e convocou todas as normalistas que estavam

no último ano de curso para dar aulas. Assim, lá fui eu para a escola, onde me confiaram uma

classe de alunos que tinham entre 11 a 12 anos e que, depois de terem repetido várias vezes

a1ª série, tinham passado para 2ª por decreto. Quando eles faziam fila, na entrada, para cantar

o Hino Nacional – porque essas coisas se usavam, naquela época -, meus alunos eram os mais

altos e de outra cor. Dos meus 45 alunos, apenas três não eram negros. Não eram todos

analfabetos. Mas isso não significa que pudessem ser considerados alfabetizados. Nós,

professores, não estávamos preparados para lidar com alunos que, ainda tateando na leitura,

produziam escritas fora dos padrões convencionais. Eu percebia que alguns meninos sabiam

escrever alguma coisa e que outros só copiavam; os outros, para mim, eram uma incógnita.

Tinha algumas idéias genéricas sobre o fato de que todas as crianças eram capazes de

aprender e de que havia técnicas para ensinar. Passei a empregá-las. E não demorei a perceber

que havia coisas inteiramente absurdas acontecendo e que eu não tinha como me assenhorear

do que estava fazendo. As situações que criava em classe demandavam que o professor

cumprisse determinados passos, faziam tudo o que eu mandava, mas na verdade eu não

compreendia o que resultava daquilo, era como se estivesse apenas preenchendo o tempo de

aula.

Não conseguia avaliar o resultado do trabalho, nem o que devia esperar das

propostas que punha em prática. No curso Normal havia aprendido apenas uma seqüência de

atos cegos para realizar – agora o professor faz isso, depois aquilo, depois aquilo -, sem

compreender que efeitos de esses atos causariam. Isso me levou a viver inúmeras situações

que me deixaram confusa e impotente – como esta, que foi um momento de crise para mim:

muitos meninos e meninas da minha classe trabalhavam, os meninos quase todos. Eram

favelados e faziam carreto na feira, vendiam balas na porta do cinema, batiam carteiras. Um

deles, por exemplo, dormia muito na aula porque era gandula no Tênis Clube. Acordava às 4

horas da manhã, ia ara lá, depois ia a pé até a escola, que era muito longe. Inseridos na vida

prática, eles faziam trabalhos que exigiam o desenvolvimento de operações matemáticas. No

domingo eu ia ao cinema e, na porta, sempre encontrava um menino que era meu aluno,

vendendo bala. Eu comprava. Dava uma nota de 50 para comprar um saco de balas que

custava 17, e ele nem piscava. Fazia a conta mais rápido do que eu e dava o troco na mesma

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hora; 3 para fazer 20, depois mais 10, para fazer 30, e seguia até chegar aos 50, como faz todo

mundo que dá troco. Na segunda-feira eu botava na lousa um problema do tipo “João tem 5

figurinhas, comprou mais 3, quantas figurinhas João tem?” e esse mesmo menino me

perguntava: “Fessora, é de mais ou é de menos?”.

Aquilo me deixava perplexa. E eu argumentava; “Mas você não sabe? Se eu te der

tanto e depois te der mais tanto...” Ele respondia: “Sei”. “E por que aqui você não sabe?”.

Lamento muito não ter registrado na época, mas lembro que essas situações

revelavam para mim o abismo que existia entre o desempenho desses meninos na

escola e o que a vida lá fora exigia deles. Depois que me mudei para São Paulo e, em outras

circunstâncias, encontrei também situações absurdas desse tipo. Como a de um

menino de 12 anos, que ganhava a vida fabricando pipas, retido numa classe que só fazia

coordenação motora. Como pode alguém que vive de fabricar pipas não ter coordenação

motora?

A sensação de que a escola parecia uma armadilha montada para que esses

meninos não pudessem se sair bem, e a convicção de que esse tipo de situação tinha um papel

político muito importante, me perseguiram durante toda a minha vida profissional. Para mim

aqueles meninos eram uma representação da classe dominada, nos termos que se usavam na

época. E eu – que buscava na história e na política elementos para compreender como era

possível que a maioria da população fosse dominada pela minoria – naquele momento me dei

conta de que a escola desempenhava um papel central nessa possibilidade. Compreendi que a

percepção que as crianças tinham do que mereciam no mundo era marcada pela sensação de

fracasso pessoal que a escola construía para elas. Que a capacidade de brigar pelos seus

direitos era determinada ali – seja porque sem boas condições intelectuais é difícil sair da

miséria, seja pelo fato de que, se você acha que é o culpado do seu fracasso escolar,

certamente vai ser mais fácil se conformar em ser culpado do seu fracasso econômico.

Ficava muito impressionada também – porque na época eu conversava com

muitas mães, apesar de isso não ser costume na escola – com visão que elas tinham, dos

próprios filhos. Não achavam que fosse natural, eles passarem de ano e terem sucesso na

escola, já que essa era uma sorte reservada a apenas alguns. E aceitavam facilmente a idéia de

que seus filhos não eram capazes, diziam mesmo que eles não tinham boa cabeça para o

estudo. Muitas deixavam claro que eu podia bater neles para ver se estudavam. Eu ficava

profundamente chocada. Enquanto uma mãe de classe média faria um escarcéu se alguém

encostasse o olho torto no filho dela, a mãe pobre chegava até a professora e, para ganhar sua

simpatia, dizia que podia bater em seu filho. Para uma mocinha com a cabeça cheia de

idealismo e de um marxismo de manual, isso tinha um impacto enorme.

Esse foi o meu batismo de fogo, e fez que eu me afastasse durante os onze anos

seguintes da educação. Penso hoje que a experiência com esses meninos está na origem de

tudo o que fiz depois e do rumo que minha vida profissional tomou. Ao trabalhar com eles

pude ter uma dimensão da realidade que minha condição de adolescente de classe média não

me havia permitido antes. Era uma garota ainda, com muito envolvimento político – do tipo

que se tinha na época, algo que ficava entre o ativismo estudantil e a militância política -, me

achava muito sabida e nunca havia defrontado com uma situação tão aguda de fracasso. Pois

foi assim que a vivi: como um fracasso terrível, que me deixou, no final do ano, fisicamente

doente de tão deprimida. Mas a sensação mais profunda que me ficou ao sair dessa

experiência foi a de ignorância. Durante esse ano foi se tornando extraordinariamente claro

para mim que as

informações e idéias que circulavam na educação não davam conta do problema

do ensino.

Um professor não era alguém que soubesse o que estava fazendo na sala de aula, e

fazer direitinho tudo o que havia aprendido no curso normal não lhe garantiria bons

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resultados. Na verdade, o professor era um cego. Seguia um conjunto de rituais com a

esperança de que, lá no fim, os meninos demonstrassem ter aprendido. Mas de que maneira o

que ele fazia afetava ou não o aprender das crianças, isto era completamente desconhecido.

Formada no normal, um curso técnico de 2º grau, supunha-se que a professora deveria

aprender um conjunto de procedimento para realizar sua tarefa de ensinar. Tínhamos aulas de

metodologia da linguagem, da matemática, das ciências, dos estudos sociais. Essas

metodologias eram um conjunto de práticas que aprendíamos e deveríamos reproduzir com os

nossos alunos. Saiamos da escola menos preparadas que um mecânico, a quem se ensina a

apertar esse parafuso e soltar aquele, mas que tem de conhecer muito bem o motor com o qual

está trabalhando, para compreender o que se modifica lá quando se mexe aqui ou ali. Antes

que esses insucessos começassem a me acontecer na prática eu já tinha uma intuição deles.

Quando começamos a ter metodologia, no 2º ano normal, me possuía uma formação

acadêmica sólida e prestígio no Rio de Janeiro -, para conversar. Disse-lhe que não

compreendida o porquê daquelas orientações. Ela me recomendou ler Piaget – em francês,

pois não havia nada publicado em português. Como tinha uma boa formação em língua

francesa, do ginásio, pus-me a ler. Lembro-me de ter tido uma dificuldade enorme para

entender, e o que me sobrou naquele momento foi à idéia de que era importante trabalhar em

grupos, que os meninos deviam ter a possibilidade de trocar idéias apenas do ponto de vista

da formação da sociabilidade, da moralidade, de uma questão política, que era privilegiar o

desenvolvimento da cooperação, em vez da competição. A grande questão de como é que as

pessoas aprendem – e por quê, diante de uma mesma situação, uma pessoa pode aprender e

outra não -, sobre isso eu não consegui informação.

Em classe eu tinha uma relação muito boa com as crianças. Gostava delas,

reconhecia que eram inteligentes e capazes. E elas tinham claro que eu não as jogava no fogo,

mas defendia quando o resto da escola atacava, porque elas eram a “rapa do fundo do tacho”

da escola, os eternos culpados de qualquer coisa que acontecesse. Consegui fazer trabalhos

interessantes com esses meninos. Desenvolvíamos projetos e minha classe era coberta de

material do teto ao chão – de tal maneira que, quando a escola recebia alguma visita, a

diretora a levava até lá, para mostrar as crianças trabalhando em grupo, produzindo coisas.

Por animação, eu acabava oferecendo muitas oportunidades. Como montar uma peça teatral,

com as milhares de coisas que precisavam ser feitas. Tínhamos um acordo: passávamos a

metade do período fazendo tarefas escolares e a outra metade preparando “o projeto” –

sempre havia um em andamento. Estávamos sempre cheios de entusiasmo, produzindo

alguma coisa que no fim ia ficar pronta e ser vista por nós mesmos – não pensávamos em

apresentar nada em público, porque nem eu era bem-vistas na escola, nem eles.

Talvez eu tenha desperdiçado, todos os dias, duas horas desses meus alunos, com

as chamadas “atividades escolares”. Se eles aprenderam alguma coisa foi desenvolvendo

esses projetos, que eles achavam que era diversão e que eu não sabia bem o que fossem, mas

sentia que, no mínimo, iam ajudá-los a ser mais cooperativos. Brincava, propunha alguns

jogos de construção mais elaborados e percebia que eles se envolviam muito com essas

atividades. Fizemos bonecos de teatro, roupas para o espetáculo, cenários, o que aparecesse.

Desenhava-se muito também. Por conta da minha própria experiência pessoal como estudante

de belas artes, eu acabava inventando propostas que faziam os alunos trabalhar com diferentes

linguagens. E eles praticamente não faltavam. Eu tinha 45 alunos todos os dias, o que era

impressionante. Alguns desses meninos aprenderam. Mas não sei o que aprenderam, nem

como aprenderam, acho que aprenderam apesar de mim. Não lembro exatamente a proporção

dos que, no final do ano, foram promovidos para a 3ª série. Havia uma prova que eles tinham

de fazer no final do ano que não era eu quem elaborava nem aplicava. Mas, sem desconsiderar

a importância de ajudá-los a passar de ano, a questão central para mim era a minha própria

cegueira, a sensação de eu fazia um trabalho mecânico, que não compreendia, como se fosse o

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apertador de parafusos do filme Tempos modernos, e isso era muito angustiante. Acho que

meu ideal de professor era alguém que pensa, uma espécie de intelectual com a mão na massa,

capaz de equacionar e propor soluções, e não alguém que é arrastado a fazer coisas que não

compreende, nem quando dão certo, nem quando dão errado.

Não consegui descobrir, por exemplo, se os meninos que vi sabendo ler – e que,

embora não produzissem as coisas que a escola esperava, eu reconhecia que sabiam ler, -

tinham aprendido isso comigo ou já sabiam antes e só passaram a demonstrar que sabiam a

partir do momento em que sua ansiedade baixou. Quando um aluno queria escrever moleque,

por exemplo, e escrevia muleci, eu olhava para aquilo e pensava: “Não é que ele não sabia

escrever, ele não sabe é escrever certo”, enquanto a escola dizia: “Ele não sabe escrever”. No

entanto, embora reconhecesse como escrita, o que ele produzia, não sabia como fazer para que

aquele conhecimento que a escola recusava avançasse até um patamar aceitável para ela.

Acho que o professor continua chegando hoje à escola com as mesmas

insuficiências com que eu cheguei em 1962. Ele acaba ganhando experiência e também algum

conhecimento de natureza intuitiva, mas, dependendo da formação que recebe, continua tão

cego, perdido quanto eu estava. O que mudou, hoje, é a maneira pela qual ele pode, se quiser,

tentar resolver essa situação. Por exemplo: durante muitos anos os professores do sistema

público, que viviam uma situação semelhante à minha, consolaram-se com a idéia de que uma

quantidade enorme de seus alunos, a cada nova turma, eram crianças com algum tipo de

deficiência, por isso é que repetiam e iam continuar repetindo. Eles não conseguiam ensinar a

essas crianças, só que pensavam que a culpa não era deles, professores, mas das crianças.

Hoje seria mais difícil sustentar uma afirmação como essa, pois o conhecimento

que se desenvolveu nos últimos vinte anos aponta na direção contrária. O que está à

disposição dos professores hoje é um corpo de conhecimento que, se não dá conta de tudo,

pelo menos ilumina os processos através dos quais as crianças conseguem ou não aprender

certos conteúdos. Já é possível observar uma situação de sala de aula e interpretar as ações das

crianças e do professor com um grau de profundidade que não existia antes. Cada vez mais a

concepção que se tem do ato de ensinar desenha o perfil de um professor que reflete enquanto

age, pode tomar decisões, mudar rapidamente o rumo de sua ação, interpretar as respostas dos

alunos dão, auto corrigir-se. O entendimento que se tem de um professor hoje é o de alguém

com condições de ser sujeito de sua ação profissional. Assim, vai ficando ultrapassada aquela

prática educacional na qual alguém pensava procedimentos técnicos, passava-os como um

pacote para o professor, que entrava na classe e simplesmente os executava.

Ao final de 1962, e durante os doze anos seguintes, eu fugi da educação. Estudei e

trabalhei em áreas completamente diferentes. Mas essas idéias e sentimentos permaneceram

guardados dentro de mim, e a verdade é que nenhuma outra atividade dava sentido à minha

vida profissional. Então, acabei voltando. Meu compromisso com esses meninos que foram

meus alunos em 1962 está de pé até hoje. E a questão central para mim é, sempre foi, como é

que a gente faz para que essas crianças – que são a maioria das que estão na escola pública –

tenham sucesso escolar.

Hoje sou vista como especialista em alfabetização, mas na verdade nunca tive a

intenção de me especializar nisso. Acontece que o primeiro instrumento de fracasso para os

meninos da escola pública é que não conseguem aprender a ler. Então me dediquei a entender

isso. E como me dediquei também a estudar a trabalho da Dra. Emilia Ferreiro – quer abriu

uma perspectiva extraordinária nessa área e teve uma importância enorme na mudança da

compreensão do papel do professor -, acabei me tornando uma especialista em alfabetização.

Mas, na verdade, minha questão é aprendizagem, em especial a aprendizagem escolar.

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Indagações Reflexivas

01. A professora descreve situações práticas vivenciadas no cotidiano da sala de aula, sobre o

trabalho pedagógico com conteúdos específicos de algumas áreas do conhecimento e sobre o

trabalho com a heterogeneidade discente. E você, Que situações, vivencia na prática cotidiana

como formador de professores? Que saberes você detém sobre os diversos conhecimentos que

precisa partilhar com estes professores? Quais conhecimentos têm sido realmente importantes

pra você como professor (a) formador (a), no dia-a-dia com os docentes? Onde os aprendeu

ou os apreende?

02. Considerando as reflexões suscitadas tanto pela leitura do texto quanto pela narração que

você elaborou na questão anterior, diga: com palavras tuas que aspectos

traduzem/caracterizam o ser/estar professor (a) formador (a) no CEFAPRO de Cuiabá neste

momento?

Sou muito grato, por tua colaboração com este trabalho, inexeqüível sem ti.

Obrigado.

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Instrumento 03 – Situação-Problema

Vamos supor, hipoteticamente, que você tenha sido convidado a trabalhar em um programa de

formação continuada de professores de Língua Portuguesa que atuem no Ensino Fundamental

em escolas, da Rede pública estadual, localizadas em diferentes bairros de Cuiabá. O

mencionado programa de formação teria resultado de deliberações políticas advindas da

SEDUC no intuito de implementar as Orientações Curriculares instituídas recentemente. Que

providências antecederiam teu primeiro encontro formativo com os professores?

Conjecturemos que empós todas estas providências ao dar início à formação você perceba que

um número significativo dos professores partícipes no Programa não interpretou

adequadamente o disposto nas orientações concernentes a Língua Portuguesa por não

conhecerem a contento os conteúdos específicos da área e que, o restante dos professores se

negam a subsidiarem os respectivos trabalhos nestas Orientações Curriculares por

discordarem do modo como foram instituídas. Que medidas adotaria a fim de dar andamento

profícuo à formação?

Sou muito grato, por tua colaboração com este trabalho, inexeqüível sem ti.

Obrigado.

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Instrumento de Coleta 01

Entrevista-Narrativa

CEFAPRO, 24 de Agosto de 2010.

Entrevista PF02, Codinome: MAR.

EN: (Risos) Eu gostaria que você falasse... um pouco, por favor, sobre os motivos que te

levaram a escolher ser professor.

MAR: Rapaz(enfaticamente) essa é uma pergunta... não é muito fácil não , porque... envolve

um pouco... questões pessoais, né, ...ahm... meu pai era funcionário do Banco do Brasil e...

faleceu(baixando o tom de voz)... meus pais faleceram em um acidente de carro em 1987,

final do ano...e aí né, meu pai era funcionário do Banco do Brasil, aí ficou eu e minha irmã a

gente recebia pensão do Banco do Brasil né, por... conta... do falecimento(baixo tom de voz)

dele. Então, até a gente completar dezoito anos de idade, eu e minha irmã receberia uma

pensão pra... subsistir... do Banco do Brasil. Se eu tivesse fazendo faculdade essa pensão iria

até vinte e quatro anos e aí eu... eu tava terminando o segundo grau fui pro exercito né, a..

a...recém sai do exército e aí pra eu não perder a pensão do Banco eu fiz vestibular pra

Letras, na verdade eu queria fazer o vestibular pra Direito né como eu é... é...é não tava

confiante pra passar pra Direito que era muito concorrido eu fiz pra Letras né; pra me garantir

na faculdade depois, eu... lá dentro, que eu tivesse lá dentro eu dava um jeito de mudar de

curso né. É... mas, foi a melhor escolha que eu fiz na minha vida. Foi ter feito o curso de

Letras que lá que fui saber na verdade, essa questão da leitura, das narrativas né, de você

aprender a dar valor né, a questões da Língua né, isso tudo foi uma abertura... uma abertura

que eu tive na Faculdade que foi uma coisa importante pra mim né. E a partir dali eu resolvi

assumir essa...essa profissão né. Mas eu não assumi ela com muita tranqüilidade não, nem foi

muito fácil né, até por uma questão assim, a gente tem uma, uma...eu particularmente né,

sempre tenho dificuldade em achar que meu trabalho é bom, dá, dá o devido valor né, as

vezes as pessoas dão muito mais valor que eu próprio. E, eu tinha muita dificuldade

por...primeiro por conta disso nunca achava que tava bom o suficiente pra enfrentar uma sala

de aula e, segundo que é...é que naquele tempo, eu era muito tímido pra poder chegar na

frente. Eu quando tinha que apresentar trabalho pra turma minha lá, nossa! Era um sacrifício,

era um sofri...um sofrimento danado! Por conta dessa timidez né. Mas, essas coisas foram

sendo vencidas né, e aí, eu to aqui. E aí, tinha uma outra problemática também, aí é questão

profissional. Eu via os interinos dando aula , e, eu achava aquilo uma falta de respeito

tremendo né, um sofrimento danado daquele pessoal que pegava aula sem ser efetivo sofria

demais, ainda hoje né,que as coisas evoluíram bastante a gente vê essa, essa diferenciação né.

Na minha época, quando eu tava saindo da Faculdade, aquilo era um absurdo! E...eu prometi

pra mim mesmo que só ia dar aula no momento que eu fosse efetivo... a partir do momento

que eu fosse concursado e efetivo do Estado né. Isso demorou um pouquinho, o Estado

demorou um pouco fazer concurso, concurso público né. Tanto é que nesse ínterim... ínterim

eu fiz uma outra... um outro curso.... uma outra faculdade né, fiz Comunicação Social; aí

depois que eu fiz esse curso eu me preparei para fazer o concurso. Fui muito bem colocado,

então a partir daí ... Dois mil prá cá é na sala... na sala de aula, minha formação.

EN: Como se deu esse... ingresso na faculdade onde você a cursou?

MAR: Eu cur...eu fiz aqui na UFMT né... como eu disse pra você...é... era um projeto de vida

de todo jovem daqui da... da cidade, todo mundo eu freqüentei escola particular e, a... todo

mundo queria fazer vestibular. Não tinha um na minha turma né, e, eu acho que nos terceiros

anos dos cursinhos,que... que não tava ali para fazer vestibular e ingressar na universidade, eu

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não era diferente. Eu queria ta... entrar na UFMT e, pra mim tinha um motivo a mais ainda

que era o financeiro né, era.. era minha sustentabilidade, tanto é que eu fiz, é... eu fiz...duas

faculdades né, a primeira a de letras, principalmente tinha a maior tranqüilidade, eu não tive

muito essa... essa questão de... que eu via meus colegas lá para fazer faculdade trabalhando,

ralando pra trabalhar, trabalhando e fazendo faculdade...Essa correria do dia a dia, eu fui

privilegiado nesse aspecto né, eu tive muita tranqüilidade pra fazer... pra fazer meu curso.

EN: Eu gostaria que você falasse um pouquinho sobre esse seu trajeto até se tornar formador

do CEFAPRO.

MAR: Ah! Isso é uma coisa que...eu passei no concurso em 99 pra dois mil e, é... muito bem

colocado, passei em segundo lugar na época! Então eu tive o privilégio de escolher... onde

que que eu iria dar aula né. E, eu tinha uma visão assim... muito... também muito minha

da...da questão da escola né. Como segundo colocado, eu gostaria de uma escola grande, de

uma escola...eu ia escolher o Liceu Cuiabano né, pra dar aula, escola grande! Mas, minha

esposa já dava aula na Escola Barão de Melgaço né, como interina e ela também passou no

concurso junto comigo e ela falou: não Mar! Vai pro... vamos nós dois lá pra Escola Barão de

Melgaço... a gente... e, mais uma vez acho que foi uma escolha acertada. Sair de uma escola

grande e ir trabalhar em uma escola menor ,ta. Então aí, na Escola Barão de Melgaço,

trabalhei lá seis anos de dois mil a dois mil e seis, né. Iniciei lá e sai em dois mil e seis.

Depois eu fui convidado para trabalhar no Eterno Aprendiz né, teve aqui no Estado e também

nesse período . E aí, pela primeira vez, eu fui trabalhar com os meus, diretamente com os...

com os...meus colegas né, e professores, formador de professor! Era uma... uma...é aí pra

trabalhar como professor, como professor-formador e, algo assim... cê trabalhar com seu

colega não é muito... não é muito fácil não, e exige um preparo seu né, estudar...(baixo tom de

voz). E, aí foi uma experiência muito boa trabalhar no Eterno Aprendiz...Aliás, foi a primeira

vez assim que eu... trabalhei com grandes platéias, grandes públicos e, exigentes né! E, é...

sempre um teste né, os professores estão lá, as vezes, te testando pra saber se você mesmo. Se

você tem que.., competência, capacidade pra exercer aquela função que poderia ser de

qualquer um deles ali né. Então...foi muito bom né, logo depois, eu fui convidado pra

trabalhar com o GESTAR né. Para assumir o GESTAR que também era uma formação direta

com os professores. É, aí teve um seletivo pro CEFAPRO de... Cuiabá. Aí eu fiz o seletivo

é...era um seletivo interno né... Aí eu passei nesse seletivo e, vim prá cá continuei trabalhando

com o GESTAR e também como professor-formador aqui do CEFAPRO. Depois o GESTAR

veio para o CEFAPRO como ação do... desse Centro de Formação né. Aí eu trabalhei seis

meses como professor-formador,aí quando foi em 2007 né, em 2007 vagou, teve vacância

na...na, na direção aqui do CEFAPRO e... professora Jane que era diretora, ela foi pra

assumir, para assumi a...uma Gerência de Educação Básica lá na SEDUC, na sede né. Quando

eu voltei de férias em... em fevereiro é... foi feita aqui uma reunião entre os professores-

formadores pra saber quem que iria assumir no lugar da... da professora JANE, aí o... o grupo

de professores né, o colegiado que tem aqui, eles me... me indicaram pra assumir né. Na

verdade eu levei um susto muito grande que eu tinha só seis meses de professor-formador né.

não tinha muito experiência de CEFAPRO, não tinha experiência de Secretaria, meu negócio

era escola. Mas eu nunca fui muito de...falar não pra desafios e, eu achei que seria um desafio

muito grande, embora né...é, embora eu nunca tenha gostado muito de trabalhar com parte

administrativa, essa questão de setor administrativo, fosse pedagógica ainda seria muito mais

tranqüilo. Mas é isso, desde dois mil e sete que eu to aqui né, as vezes querendo voltar pra

sala de aula porque eu acho que lá... na verdade no fundo, no fundo eu sou professor! É... é no

fundo não, eu acho que no raso mesmo(risos) eu sou professor né, não tenho... eu sinto falta

dessa... de preparar, de ta né, de ta estudando, na gestão você não tem muito tempo para

estudar né as coisas que são sua né, é...é próprio da sua formação é , você vai vê, ler sobre

outras coisas que também são importantes, mas aquelas área que se formou você se afasta um

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pouco e, eu sinto falta disso;as vezes, eu sinto inveja de meus colegas da Àrea de Linguagem

né, quando vão pra formação, tão preparando cartazes, e datashow e, tão buscando em

outros...outros livros e discutindo com os colegas a formação né; isso... assim, me causa uma

nostalgia né..., mas né, tenho... tenho tentado equilibrar essas duas coisas com tranqüilidade.

EN: Poderia falar um pouco sobre como compreende a formação de professores e a maneira

como essa formação de professores é compreendida pelo CEFAPRO.

MAR: Olha...é, eu sempre falo o seguinte, que hoje nos dias de hoje, de uns tempos pra cá

não se vê mais profissionais que não estejam em constante formação né, é a... a exigência né,

do mercado de trabalho e, aí eu to falando enquanto mercado de trabalho mesmo, eu duvido

que qualquer profissional ele tenha... ele tenha um certo conhecimento, ele esteja

acompanhando essa evolução e, na educação não é diferente; acho que principalmente na

educação, o professor ele tem que ta sempre em formação, ta sempre buscando né. É, mas é, e

é engraçado que na educação é...é parece meio que tabu né, é... o professor...a gente, eu como

formador hoje, na direção né do Centro de Formação, eu vejo que o professor tem muita

dificuldade de... de buscar formação e, aí ele tem as... as... tem várias razões pra isso e, são

colocados por eles próprios né, a questão financeira, a questão da jornada de trabalho né,

é...porque pra suprir essa necessidade financeira ele tem que, as vezes, da...tá trabalhando em

três períodos né, quando não mais de uma, duas, três... três unidades escolares pra poder dar

conta da... até da condição de vida...Então tudo isso faz com o que o professor, ele se afaste

um pouco da sua formação né e tem uma outra coisa que...que é... que eu acho crucial que é..é

o próprio sistema de ensino né, ele nos leva a...até então, até há uns três, quatro anos atrás ele

não levava a isso né, porque cada professor ficava na sua disciplina é...é um conteúdo X para

iniciar determinada turma e um conteúdo X pra ele terminar né; então ele praticamente

fechava naquilo né e, aí...ele iniciava, por exemplo, no livro na página trinta e ia terminar lá

na página oitenta e, ele fazia isso a vida inteira né, até eles chama de planejamento ad etereno

né, começa...só muda o ano né, mas o próprio sistema levava a isso né, então tem toda essa

condição aí. E, e o professor né, isso é do ser humano e, percebendo que... sabendo isso,né...

não sendo cobrado também para que não saia disto, ele se...meu amigo(enfático), ele não vai

se preocupar de ta fazendo formação ou ta buscando novas...novas formas, ele vai seguir o

que ta ali né, também por conta do tempo que ele tem que trabalhar . Mas, as coisas tão

mudando, né, o professor hoje, né, a qualidade do ensino hoje ta muito aquém daquilo que

deveria estar né e, um dos responsáveis por isso é o professor né, é a formação do professor

né, é a profissionalidade desse profissional! Da Educação... Então, e, ele tem percebido isso e

neste caso é... nesse aspecto, o...o Centro de Formação de Mato Grosso, ele vem trabalhando

justamente pra suprir essa necessidade que o professor tem sentido na...na, lá na sala de aula

e, e porque que ele tem sentido isso né, porque há uma cobrança também da sociedade, a

cobrança do aluno né; hoje o aluno quando ele vai para sala de aula, ele não quer mais saber

daquelas...daquelas aulinhas é... arcaicas lá de 1980, 1970 ...ele quer um pouco do que ele tem

aí fora né. Então, a gente tem que ta... em formação, saber o que ta, o que... que o aluno ta

vivendo lá fora, saber o que a sociedade ta exigindo né, e trazer um pouquinho disso pra

dentro da sala de aula. Esse mundo que ta além muro, é trazer um pouco pra sala de aula. Até

pra servir de motivação pra essas crianças estudarem né, porque... se continuar do jeito que

está né...

EN: Com relação a professores de Língua Portuguesa que é sua área específica de formação...

MAR: É...é, eu tenho...uma, uma preocupação muito grande sabe, com essa... essa questão de

professores da...da Língua Portuguesa...a nós né, pra nós é dado uma responsabilidade muito

grande né, é jogada uma responsabilidade muito grande. Tanto é que fala assim o aluno não,

não lê direito, o aluno não escreve direito, o aluno ta escrevendo tudo errado!Errado pode ser

entre aspas né,... tudo errado né... ah é porque o professor de Língua Portuguesa não ta dando

conta né, é o professor de Língua Portuguesa, é o Professor de Língua Portuguesa, é o

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professor de Língua Portuguesa...Então o professor de Língua Portuguesa sempre carregou,

culturalmente vem carregando uma responsabilidade muito grande, assim como o de

Matemática né, é...é por isso é, e talvez tenha se dado também uma importância é..é muito

exagerada né... a essas, a essas disciplinas. Talvez, ela não é em nenhum momento mais

importante do que geografia, do que história, do que física né e, todas elas deveriam...

deveriam estar ajudando a Língua Portuguesa, assim como a Língua Portuguesa ajudando

essas disciplinas. Então com essa carga de responsabilidade relacionadas aos professores, a

gente fica meio... meio perdido na hora de fazer o próprio planejamento né, das aulas...é,

redação, produção de texto; produção de texto é uma das coisas mais terríveis pra... pro

professor de Língua Portuguesa né, por...é, é... porque o aluno tem que aprender, tem que

saber escrever, tem que chegar num determinado momento ele tem que saber né, algumas é...

algumas questões sobre gêneros textuais, é coesão, coerência né, e, isso é muito complicado

né pra você ensinar e pra você é.. fazer com que o aluno aprenda(baixo tom de voz) e o

professor, a gente, não tem...nós não tivemos uma formação pra isso né; a gente sabe muito

sobre teoria. Na faculdade, eles dão lá, muita teoria; você escreve, na faculdade, a gente

escreve muito pouco ne´. Eu sempre falava pros meus professores: nossa, a gente lê demais! E

a gente lia pouco né, e... muito mais do que a gente escreve. E, a gente sai com essa

dificuldade da...da e, a gente tem que cobrar isso de nossos alunos né. Tanto é, né...uma vez

eu tive uma experiência muito interessante né, lá na escola, Escola Barão de Melgaço a

coordenadora né que acompanhava bem... com tranqüilidade essa questão dos professores de

Língua né, da área de Linguagem ; toda vez que um professor de Língua Portuguesa pedia

pro aluno fazer uma... produção de texto né, ela pedia pro professor também produzir um e, aí

você via a dificuldade que era né de... dos professores de linguagem em cima de produção

de...de texto( baixo tom de voz) . E, o que é pior... dificilmente eles colocavam seu texto pra

avaliação dos alunos né, pra avaliação dos alunos...E eu achei essa coordenadora assim, uma

sacada do tamanho do mundo né, porque ela me abriu, ela me abriu algumas coisas que na

verdade eu...a, a, as vezes, a gente não percebe. Cê mandar o outro fazer né, pedir pro outro

fazer aquilo que você ta ensinando, as vezes, não é aquilo que você sabe fazer. Então né, essa

questão da teoria e prática ainda, pra área de linguagem, ela ta um pouco distante, pro próprio

professor da... da área, precisa estudar mais.

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Instrumento de Coleta 02

Caso de Ensino

01. A professora descreve situações práticas vivenciadas no cotidiano da sala de aula, sobre o

trabalho pedagógico com conteúdos específicos de algumas áreas do conhecimento e sobre o

trabalho com a heterogeneidade discente. E você, Que situações, vivencia na prática cotidiana

como formador de professores? Que saberes você detém sobre os diversos conhecimentos que

precisa partilhar com estes professores? Quais conhecimentos têm sido realmente importantes

pra você como professor (a) formador (a), no dia-a-dia com os docentes? Onde os aprendeu

ou os apreende?

02. Considerando as reflexões suscitadas tanto pela leitura do texto quanto pela narração que

você elaborou na questão anterior, diga: com palavras tuas que aspectos

traduzem/caracterizam o ser/estar professor (a) formador (a) no CEFAPRO de Cuiabá neste

momento?

Reflexão 01 –

Antes de entrar no cerne das questões, faz-se necessário entender um pouco do percurso

formativo que alicerça a minha carreira profissional como professor. Aliás, sou de fato

professor. Explico. Quando comecei a trabalhar como professor dos anos finais do ensino

básico algumas atitudes e situações de colegas que já estavam há mais tempo na profissão me

preocupavam. Eu, todo cheio de ânimo, não raro era desencorajado pelos colegas que diziam:

“no começo é assim... depois você entra nos eixos...” ou “ a educação não vai mudar” ou

ainda “esses alunos não aprendem mesmo”. Esses falares que na maioria das vezes se

transformavam em ações pedagógicas me levavam a refletir sobre a minha prática

profissional. Então, decidi: vou tentar ser diferente. A primeira lição para ser diferente,

aprendi com uma professora de espanhol que dizia e provava que “toda criança era capaz de

aprender”. Cada uma a seu tempo, mas aprende. Anos mais tarde, já como professor formador

entendi claramente a sua fala (é claro que depois de muitas leituras). Mas aquilo ficou

marcado. Outra situação que me fez refletir foi quando ao assistir uma fala via “TV

ESCOLA” alguém disse: “o professor precisa aprender a ensinar”.

Por conta dessas duas situações, entendi qual a razão de ser professor. É claro que

dificuldades foram apresentadas e uma das principais era justamente a falta de formação. As

mudanças e as percepções pedagógicas aconteciam quase que intuitivamente, ou seja, na

maioria das vezes sem bases conceituais. Então, veio o GESTAR, programa de formação para

professores de Língua Portuguesa e Matemática e fui convidado para fazer o curso de

professor formador do GESTAR. Profissionalmente, foi uma das melhores coisas que

aconteceu em minha vida profissional.

Quando comecei a trabalhar diretamente com formação de professor percebi algo que parecia

óbvio mas que me assustou um pouco: o profissional da educação era e ainda é resistente a

formação. Quando se fala em planejamento, avaliação, trabalho coletivo, mudança de postura

profissional a situação complica. O professor até ouve, mas não aplica.

Nos cursos de formação aprendemos e refletimos muito. Hoje, ainda nesse percurso formativo

como professor de Língua Portuguesa, tenho ciência de que precisamos aprender a identificar

e encontrar os conhecimentos pertinentes à resolução de uma dada situação e que na vida

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escolar precisamos saber fazer e isso significa identificar, compreender, relacionar, sintetizar,

julgar, ou seja, refletir sobre a nossa prática pedagógica.

Para que a formação atinja o seu objetivo faz-se necessário que o professor formador tenha

alguns conceitos claros, como, por exemplo, o diagnóstico. Não dá para propor uma ação

formativa sem ter um diagnóstico em mãos. Outra situação que deve ser levada em

consideração no processo formativo é o planejamento coletivo. Outro aspecto importante é o

conceito de avaliação, ou seja, ter claro o que, quando e como avaliar.

Normalmente, os conhecimentos adquiridos ocorrem por meio de muitas leituras e ações auto-

formativas. São raras as formações específicas para o professor formador.

Reflexão 02 – Ser professor formador é, na sua essência, ser pesquisador. Como são inúmeros

os desafios na educação é necessário que tenhamos o firme propósito de ousar com novas

posturas. É somente partindo dessa quebra de paradigmas estabelecidos e arraigados na

educação formal, que, efetivamente, os professores e alunos terão em seu cotidiano escolar

acesso a uma formação de qualidade estabelecida pelos documentos oficiais.

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Instrumento de Coleta 03

Situação-problema

Vamos supor, hipoteticamente, que você tenha sido convidado a trabalhar em

um programa de formação continuada de professores de Língua Portuguesa que atuem no

Ensino Fundamental em escolas, da Rede pública estadual, localizadas em diferentes bairros

de Cuiabá. O mencionado programa de formação teria resultado de deliberações políticas

advindas da SEDUC no intuito de implementar as Orientações Curriculares instituídas

recentemente. Que providências antecederiam teu primeiro encontro formativo com os

professores? Conjecturemos que empós todas estas providências ao dar início à formação

você perceba que um número significativo dos professores partícipes no Programa não

interpretou adequadamente o disposto nas orientações concernentes a Língua Portuguesa por

não conhecerem a contento os conteúdos específicos da área e que, o restante dos professores

se negam a subsidiarem os respectivos trabalhos nestas Orientações Curriculares por

discordarem do modo como foram instituídas. Que medidas adotaria a fim de dar andamento

profícuo à formação?

Reflexão situação-problema

Em primeiro lugar entraria em contato com a equipe gestora da unidade escolar. É de suma

importância que a gestão da escola seja parceira e entenda a importância da formação e das

orientações curriculares. A partir dessa sensibilização, fazer um diagnóstico sobre quais as

reais necessidades de ações formativas para estes professores. Perceber até onde os

professores leram e quais os caminhos que precisam ser percorridos para o entendimento das

orientações curriculares.

Após o diagnóstico, fazer o planejamento levando em consideração os aspectos conceituais e

os aspectos metodológicos, ou seja, teoria e prática (oficinas).

Lembrar sempre que o planejamento tem que ser flexível e indicativo;

Que as disciplinas e as áreas se interrelacionam;

Trabalha-se por resolução de problemas em situações contextualizadas;

Aprende-se por meio da observação atenta, da criação e da condução de projetos;

Pratica-se uma avaliação formadora diante de situações reais.

É claro que podemos citar tantas outras medidas, mas penso que se o professor entender que

as orientações curriculares nada mais são que um norte para prática pedagógica reflexiva e

transformadora, teremos meio caminho andado.

Sou muito grato, por tua colaboração com este trabalho, inexeqüível sem ti.

Obrigado.