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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO LATU SENSU EM DOCÊNCIA DA EJA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: juventudes presentes na EJA. JOVENS NEGRAS DA EJA E SUA IDENTIDADE RACIAL: QUAL A CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA NESTE PROCESSO? TATIANA GONÇALVES DA SILVA BELO HORIZONTE 2011

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Gonçalve… · tinha uma estrutura etária jovem e pouca instrução. (...) O processo de exclusão social da população é claro e reflete

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO LATU SENSU EM

DOCÊNCIA DA EJA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: juventudes presentes na EJA.

JOVENS NEGRAS DA EJA E SUA IDENTIDADE RACIAL: QUAL A

CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA NESTE PROCESSO?

TATIANA GONÇALVES DA SILVA

BELO HORIZONTE

2011

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TATIANA GONÇALVES DA SILVA

JOVENS NEGRAS DA EJA E SUA IDENTIDADE RACIAL: QUAL A

CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA NESTE PROCESSO?

Projeto entregue, como requisito para a

conclusão do Curso de Especialização do

Programa de Pós-Graduação em EJA da

Universidade Federal de Minas Gerais.

Área de concentração: Educação de Jovens e

Adultos.

Orientador: Professor Cláudio E. Santos.

BELO HORIZONTE

2011

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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM DOCÊNCIA DA EJA NA

EDUCAÇÃO BÁSICA: juventudes presentes na EJA.

Jovens negras da EJA e sua identidade racial: qual a contribuição da escola nesse processo?

Tatiana Gonçalves da Silva1

RESUMO

Este artigo trata de uma pesquisa realizada com jovens negras da EJA, do município de

Ribeirão das Neves/MG, na qual tentamos compreender, através da observação de campo e

de entrevistas, se a escola tem contribuído para a formação da identidade racial dessas jovens.

Para tal, traçamos alguns apontamentos sobre a História do/a negro/a no Brasil e discutimos

sobre os conceitos de gênero e raça, além de analisar as múltiplas identidades dos jovens

presentes na EJA e, por fim, apresentamos os resultados obtidos na pesquisa que apontam

para uma revisão e atualização das práticas pedagógicas realizadas nos ambientes escolares no

que tange as questões étnico-raciais.

PALAVRAS-CHAVE: Juventude – EJA – pertencimento racial – identidade – gênero

ABSTRACT

This article is about a research realized with black young of EJA, in Ribeirão das Neves/MG

city, and try to understand in this article, through of field observation and of interviews, if the

school has contributed to the formation of the racial identity of these young. For this, traced

some notes about the History of black people in Brazil and speak about the concepts of gender

and race, beyond analyze the multiple identities of young present in the EJA and, finally, to

show the results obtained in school environments about ethnic racial questions.

KEYWORDS: Youth – EJA – racial belonging – identity – gender

INTRODUÇÃO

1 Licenciada em História pelas Faculdades Integradas de Pedro Leopoldo. Professora da rede municipal

de Ribeirão das Neves e da rede estadual de Minas Gerais.

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Este trabalho busca analisar trajetórias escolares de jovens negras e verificar se a

escola tem contribuído para sua formação identitária com relação ao seu pertencimento racial.

O estudo se justifica pelo fato de vivenciarmos um processo de mudança política no

nosso país com relação a luta pela equidade social e racial e que culminaram em modificações

nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional em todos os âmbitos, através da Lei 10.639/2003,

posteriormente alterada pela lei 11.645/20082, que institui o ensino da História e Cultura Afro-

brasileira e Indígena. Através dessas leis espera-se que o ensino tradicional e eurocêntrico

praticado no Brasil desde a formação institucional da escola, seja revisado e que a presença de

outros sujeitos sociais como a população negra e seus descendentes assim como os indígenas,

seja valorizada e tida como igualmente importante para a construção social, política e

econômica desse país.

Nesse sentido essa pesquisa tentou investigar sobre a implementação efetiva dessas

leis a partir da trajetória escolar das estudantes negras da EJA de Ribeirão das Neves.

O trabalho está organizado em quatro tópicos onde fazemos um resgate histórico

sobre a condição do negro no Brasil desde o fim da escravidão até os dias atuais, articulando

essa discussão com os conceitos de gênero e raça, dimensões fundamentais da nossa pesquisa.

Traçamos também um pequeno histórico sobre o conflituoso processo de formação da

identidade dos/as jovens presentes na EJA e por fim, apresentamos alguns resultados dessa

pesquisa, onde tentamos observar através das entrevistas cedidas pelas jovens, se a escola

tem contribuído para a formação da identidade racial das mesmas.

Sendo educadora da EJA de Ribeirão das Neves há mais de quatro (4) anos, tenho me

preocupado com a forma como a questão racial vem sendo tratada nas escolas onde leciono.

Acredito que pesquisas como essa, mesmo que contemplando apenas um universo pequeno

da população nevense, podem contribuir para despertar nos educadores e alunos um desejo

maior pelo conhecimento sobre a história dos negros e negras no Brasil e sobre o processo de

exclusão social, cultural e política que esse grupo vem sofrendo ao longo da História. Através

desse processo de conscientização poderemos nos sentir verdadeiramente na luta por uma

educação igualitária e livre de qualquer forma de discriminação.

2 Disponível em: http://www.mp.pe.gov.br/uploads/bGGikz17byQwrMAFK30Yfw/Lei_11645.pdf

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A HISTÓRIA E O PROCESSO DE VALORIZAÇÃO DO NEGRO NO BRASIL – ALGUNS

APONTAMENTOS

Atualmente vivenciamos um processo de mudança política no nosso país, onde

movimentos sociais, em especial o Movimento Negro, vem levantando questões acerca da

invisibilidade da população negra na História do Brasil, e também a negação de direitos que

esse grande contingente populacional vem sofrendo ao longo de uma trajetória de mais de

500 anos de História. A situação de dominado a que o/a negro/a sempre foi assimilado/a, está

sendo questionada na perspectiva de buscar outros elementos que contribuam para a

construção de um conhecimento sobre a resistência e cultura negra, com o objetivo de resgate

desses sujeitos históricos sobretudo na desconstrução do mito da democracia racial.

Nesse sentido, Luciana Jaccoud, citando D’Adesky salienta que:

A negação, pela sociedade brasileira, do valor da herança

cultural e histórica negra repercute na reivindicação de uma

cidadania baseada “na preservação e valorização das tradições

culturais de origem africana, na reinterpretação da história e

na denúncia de todos os fatores de desenraizamento e de

alienação que atingem a população negra. Como destaca

D’Adesky (2001), o movimento negro que surge no fim da

década de 1970 não apenas denuncia a imagem negativa do

negro na sociedade brasileira – desde os livros escolares à

mídia em geral -, como assume e enaltece a história de seus

ancestrais, resgatando uma nova base da qual deve emergir

uma identidade do negro, sujeito de sua história e de sua

cultura. (JACCOUD, 2009.p.25)

O processo abolicionista não trouxe consigo uma preocupação política de inclusão

social dos negros e negras. Como se não bastassem a falta de oportunidades e a situação de

miséria a que foi exposta toda essa gente, os primeiros anos da República, foram de intenso

debate sobre a questão do nacionalismo brasileiro, da construção de uma república, onde

valores eurocêntricos deveriam ser exaltados e assimilados pela população. Ocorre aí um

amplo desenvolvimento da política de branqueamento pois acreditava-se que “o elemento

branco era dotado de uma positividade que se acentuava quanto mais próximo estivesse da

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cultura europeia” (JACCOUD,2009.p.20). Ainda nesse contexto desenvolveu-se o mito da

democracia racial desde 1933, defendida por Gilberto Freyre (1963), que contribuiu para

camuflar as situações de discriminação e preconceito vivenciadas pela população negra, pois

ao afirmar a valorização do povo brasileiro, de diversas raças, contribuiu para negar a

existência das diferenças sociais entre elas.

Sobre essa situação Wilma Baía Coelho afirma que

A sociedade brasileira constrói e incorpora em seu quotidiano

uma forte representação de liberdade e de generosidade

racial no país, legitimando ações amigáveis entre o conjunto

de mestiços que a compõe e, deste modo, diminuindo as

possibilidades de enfrentamento – concreto e efetivo – das

reais situações vivenciadas pelo segmento negro (COELHO,

2006. p.132).

Esta falta de reconhecimento da discriminação social, a falsa afirmação de que no

Brasil havia uma “democracia racial” começou a ser questionada duramente após o ano de

1970 pelo Movimento Negro, que se reorganizava após o período da ditadura militar. Mas foi

na década de 1980 que ocorreu uma ampla mobilização em torno da questão racial

reproduzindo encontros regionais em todo o país (JACCOUD, 2009.p.25). A partir de então

inicia-se uma busca e uma valorização do ser negro, da sua dignidade e auto estima,

promovendo o tema da identidade negra como bandeira de luta do Movimento Negro que se

reestruturava.

É importante lembrar que das diversas reuniões, encontros, seminários entre outros

eventos promovidos pelo Movimento Negro Unificado é que surgiu a demanda para que, no

processo de reabertura política do país, o tema racial fosse debatido e incluído na Constituição

de 1988.

Assim, assumir-se negro no Brasil não é apenas uma questão de pertencimento a um

grupo social. É antes de tudo, colocar-se frente a um processo de exclusão e lutar

cotidianamente por reconhecimento, por valorização, por visibilidade. Entendemos que esses

processos são conflituosos principalmente quando enfrentados por jovens, que estão

vivenciando outros processos de formação identitária, seja ela pessoal, de gênero, de

orientação sexual, seja ela, estudantil ou profissional. Sobre esse difícil processo, Nilma Lino

Gomes nos afirma que:

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Construir uma identidade negra positiva em uma sociedade

que, historicamente, ensina ao negro, desde muito cedo, que

para ser aceito é preciso negar-se a si mesmo, é um desafio

enfrentado pelos negros brasileiros.(GOMES,2003. p. 171)

Dessa forma, a nossa intenção em pesquisar se a escola tem contribuído na formação

da identidade negra de jovens estudantes da EJA, do município de Ribeirão das Neves, se

coloca como sendo um tema relevante por se tratar de um município onde grande parte da

população é constituída por jovens negros/as e pelo fato de ser um município de grande

vulnerabilidade social, como bem nos mostra Vânia Noronha em pesquisa sobre políticas

públicas de lazer para juventudes em contexto de vulnerabilidade social, realizada em Ribeirão

das Neves entre os anos de 2008 e 2009:

m 200 , o B es mou a população de ibeirão das Neves

em 0 habitantes, colocando essa cidade como a mais

importante entre as 28 que compõem a RMBH (...) A evolução

da pirâmide etária do município indica uma população jovem

cuja idade mediana varia de aproximadamente 21 anos em

1991 para 28 anos em 2009, ficando mais próximo do valor

estimado para toda a população brasileira. (...) Essa população

tinha uma estrutura etária jovem e pouca instrução. (...) O

processo de exclusão social da população é claro e reflete não

somente nos indicadores econômicos, mas também nos

sociais mais amplos, como o Índice de Desenvolvimento

Humano (IDH). O IDH apurado para a cidade foi de 0,749, o

que coloca Ribeirão das Neves em 15° lugar no quadro desse

índice para os municípios da RMBH, nível próximo aos índices

do Azerbaijão (0,746). (NORONHA, 2009. p. 47,48 e 49)

Outro dado que nos chamou atenção na pesquisa quantitativa realizada por Vânia

Noronha foi o número expressivo de jovens mulheres e a autodeclaração dos pesquisados,

como apresentamos a seguir:

Responderam ao questionário 350 jovens com idade entre 14

e 24 anos. (...) Desse número, 189 eram mulheres (54%) (...)

Desse total, 189 jovens (54%) afirmaram que eram de cor

parda e 82 (24,1%) negros. (idem)

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Assim, compreender sobre a construção da identidade negra dessas jovens representa

muito sobre a população de Ribeirão das Neves - mesmo que contemplando uma amostra ou

universo pequeno dessa população - e pode nos ajudar a compreender o papel que a escola

vem desempenhando nesse contexto.

A QUESTÃO DE GÊNERO E RAÇA: UM NOVO DEBATE

Este trabalho contempla trajetórias estudantis de jovens negras da cidade de Ribeirão

Neves, situada na região metropolitana de Belo Horizonte. Por delimitarmos nossa pesquisa a

esse universo, julgamos necessário revisitar alguns autores que discutem a questão de gênero

e raça para melhor compreender de que maneira tais conceitos vem sendo tratados na

sociedade acadêmica atual e de como eles se relacionam com a pesquisa em questão.

Ao tratar sobre como a discussão de gênero chega ao Brasil, a autora Vera Simone

Kalsing nos informa que

Ao final dos anos 70, os estudos feministas passam por uma

mudança epistemológica muito importante: o foco principal

deixa de ser a categoria mulher para dar lugar ao conceito de

gênero. Significando, com isso, que se passou do estudo da

diferença sexual, centrada na categoria do “outro” - as

mulheres, a se estudar as “relações entre os sexos”, como

também os processos de formação da feminilidade e da

masculinidade. No entanto, no Brasil, é somente no fim dos

anos 80 que as estudiosas feministas começam a utilizar esse

conceito, disputando espaço com os estudos da mulher na

academia. (KALSING, 2008. p.2)

O conceito de gênero é entendido na atualidade como uma construção social sobre o

que representa “ser homem” e “ser mulher”, partindo da análise de que os seres humanos

aprendem a vivenciar essas categorias a partir de modelos sociais impostos e que vem sendo

perpetuados através da educação, seja ela entendida no âmbito familiar, da comunidade, ou

da própria instituição escolar.

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Antes, acreditávamos que ser “mulher” ou ser “homem” estava diretamente

relacionado a questão do corpo interligado ao sexo, seguindo a visão do determinismo

biológico. Porém, autoras da vertente pós-estruturalista vem debatendo sobre a construção

social da identidade de gênero e ressignificando este conceito. Segundo a autora Guacira Loro:

Nossos corpos constituem-se na referência que ancora, por

força a identidade. E, aparentemente, o corpo é inequívoco,

evidente por si; em conseqüência, esperamos que o corpo dite

a identidade, sem ambiguidades nem inconstância.

Aparentemente se deduz uma identidade de gênero, sexual

ou étnica de “marcas” biológicas; o processo é, no entanto,

muito mais complexo e essa dedução pode ser (e muitas vezes

é) equivocada. Os corpos são significados pela cultura e,

continuamente, por ela alterados. (LORO, 2000. p.8)

A afirmação da autora de que “os corpos são significados pela cultura e,

continuamente, por ela alterados”, nos serve de base para discutirmos sobre o conceito de

gênero privilegiado neste trabalho. Considerando que as sociedades são diferentes e que cada

uma possui sua própria cultura, podemos afirmar que ser mulher e ser homem não possui o

mesmo significado em todos os lugares do mundo. Além disso, a cultura é permeada por

relações de poder que acabam por hierarquizar a sociedade e produzir nela fortes

desigualdades que podem ser de gênero, de raça, de condição social, de orientação sexual

entre tantas outras.

uacira Louro discutindo sobre essas relações de poder considera que “ao classificar

sujeitos, toda a sociedade estabelece divisões e atribui rótulos que pretendem fixar as

identidades. Ela define, separa e, de formas sutis ou violentas, também distingue e discrimina”

(LORO, 2000).

Neste trabalho privilegiamos o recorte de gênero por representar parte significativa do

universo jovem da Escola Municipal Maria da Cruz Resende, onde nossa pesquisa foi

desenvolvida; levando em consideração quanto à definição do gênero, não a escolha dos

sujeitos, mas, sobretudo, sua relação e interação no ambiente escolar pesquisado.

O racismo sempre esteve presente nas relações sociais brasileiras, atuando como um

mecanismo de dominação e rejeição sendo protagonista de histórias de vida marcadas pela

discriminação e pela falta de oportunidades. Além disso ele apresenta

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um caráter subjetivo, ideológico, uma visão de mundo baseada

em uma concepção de superioridade de uma raça em relação à

outra. Nesse sentido, entende-se raça como “uma construção

social e não um conceito biológico ou uma realidade

natural”(SANTOS, 200 , p ) O racismo estabelece relações de

poder desigual, pois nele há convicção de que determinados

fenótipos e culturas são superiores a outros, vistos como

inferiores tratados com atitudes negativas e discriminatórias.

(MATIAS;PAULO;RIBEIRO;PRATES;SANTOS, 2010.p.41)

A partir dessa análise sobre o racismo nos propomos a discutir o termo raça como uma

categoria que nasce das relações sociais e não do determinismo biológico uma vez que a

ciência, através do projeto Genoma Humano, nos deu mostras que não existe raças humanas,

“destituindo o conceito de seu status de cientificidade e neutralidade biológica” (ASS S; CAN N,

2004.p.712).

Stuart Hall também contribui para a essa discussão sobre o conceito raça e acrescenta

ao termo a característica discursiva, o que muito nos chama atenção uma vez que ele – o

conceito – envolve as relações sociais, o trato com o outro. Nesse sentido, apresentamos o

que nos diz o autor:

“A raça é uma categoria discursiva e não uma categoria

biológica. Isto é, ela é a categoria organizadora daquelas

formas de falar, daqueles sistemas de representação e práticas

sociais (discursos) que utilizam um conjunto frouxo,

frequentemente pouco específico, de diferenças em termos de

características físicas – cor da pele, textura do cabelo,

características físicas e corporais etc. – como marcas

simbólicas, a fim de diferenciar socialmente um grupo de

outro ” (HALL, 2000. p.63)

Assim, o conceito raça é hoje utilizado de uma forma reinterpretada principalmente

pelo Movimento Negro, que se baseia nas dimensões sociais e políticas do termo. Entendo

raça como um conceito relacional, que se constitui historicamente e culturalmente, a partir de

relações concretas entre grupos sociais em cada sociedade (GOMES, 1995, p.49).

Como nosso objetivo principal é compreender se a trajetória escolar contribuiu para a

formação da identidade negra de jovens estudantes da EJA, não poderíamos deixar de

considerar que esses corpos negros e sexuados carregam consigo marcas de uma sociedade

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machista, desigual e racista e que, consequentemente, esses fatores interferem na formação

da identidade racial dessas jovens.

JUVENTUDES PRESENTES NA EJA E SUAS MÚLTIPLAS IDENTIDADES

Atualmente assistimos a uma grande demanda pela Educação de Jovens e Adultos no

Brasil. Leôncio Soares, em suas pesquisas sobre essa temática, já havia alertado que

A educação voltada para jovens e adultos vem, de forma

acelerada, ocupando um espaço cada vez mais importante no

cenário mundial (SOARES, 2001). Fonseca et. al. (2000)

anunciam um momento de “ proliferação de programas de

JA, quer no âmbito público quer no privado ” Com o

advento das novas relações no mundo do trabalho, a

educação dessa população passou a ser focada como

estratégia e elemento de requalificação profissional. (SOARES,

2005. p.122)

No entanto, percebe-se que muitas escolas não estão preparadas para lidar com as

juventudes presentes na EJA, o que acaba ocasionando conflitos e tensões nos ambientes

escolares.

De acordo com Natalino Neves e Fernanda Vasconcelos Dias “um dos atuais desafios

observados no cotidiano da escola consiste em entender a presença dos jovens no espaço

escolar e, sobretudo, a forma como estes são vistos pelos docentes” (SILVA & DIAS, 2010. p

34). Sabemos que as diversidades presentes na escola exigem dos docentes um olhar apurado

para a diferença, no sentido de transformá-la em material didático e metodológico, evitando

assim, a manutenção da desigualdade e das discriminações tão comuns nos ambiente

escolares.

Compreender a juventude presente no contexto escolar é passo fundamental para se

pensar em uma educação que se faça de fato democrática e inclusiva. Para isso, é necessário

dar visibilidade a esses sujeitos jovens e buscar compreendê-los dentro da realidade social em

que vivem.

Segundo Juarez Dayrell, ao chegarem nas escolas os jovens passam por um processo

de homogeneização onde a instituição escolar, vista como uma instituição única, tende a

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garantir a todos o acesso ao conjunto dos conhecimentos socialmente acumulados pela

sociedade (DAYRELL, 2006. p.139). Nesse processo de homogeneização, a diversidade real dos

jovens passa a ser desconsiderada pelas práticas pedagógicas, reduzindo os sujeitos a meros

alunos o que pode, inclusive, ser apontado como um dos motivos do insucesso ou fracasso

escolar. Dessa forma, este mesmo autor defende que os jovens, ao chegarem nas escolas,

deveriam ser vistos e tratados como “sujeitos sócio-culturais” na tentativa de compreendê-los

na sua diferença enquanto um sujeito que possui história de vida, valores, sentimentos,

emoções, comportamentos e hábitos que lhes são próprios (DAYRELL, 2006. p.140).

A dimensão sócio-cultural envolve os diferentes processos vividos pelos jovens e

influencia a construção de suas identidades e, como afirma Dayrell:

(...) os alunos que chegam a escola são sujeitos sócio-

culturais, com um saber, uma cultura, e também com um

projeto, mais amplo ou mais restrito, mais ou menos

consciente, mas sempre existente fruto das experiências

vivenciadas dentro do campo de possibilidades de cada um

(DAYRELL, 2006. p.144).

Partindo deste entendimento de que os jovens presentes na EJA são sujeitos sócio-

culturais, concordamos com Natalino Neves ao afirmar “a juventude como construção social

que se realiza de forma diferenciada ao longo do processo histórico e nos diferentes contextos

sociais e culturais, que sofre modificações e interferências nos entrecruzamentos com a classe

social, o gênero e a raça (NEVES, 2010. p.95). A formação da identidade dos jovens está,

portanto, diretamente ligada aos elementos sociais e culturais que permeiam a sua vivência.

Assim podemos considerar que a condição de ser jovem e negro é diferente da condição de ser

jovem e branco, é diferente ser jovem e morador de periferia de ser jovem e morador de

grandes centros urbanos, é diferente ser jovem e mulher de ser jovem e homem e assim por

diante. Ter clareza sobre as diversidades que se manifestam na juventude é um exercício

fundamental para aqueles que trabalham na EJA.

É nesse conjunto conflituoso de diversidades e elementos que compõem a identidade

dos sujeitos sócio-culturais jovens que nos propomos a pesquisar se a escola tem contribuído

para a formação da identidade racial de jovens estudantes da EJA do município de Ribeirão das

Neves.

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JOVENS NEGRAS DA EJA E SUA IDENTIDADE RACIAL: QUAL A CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA

NESSE PROCESSO?

A Escola Municipal Maria da Cruz Resende está localizada na cidade de Ribeirão das

Neves, no bairro Veneza e é considerada, no contexto educacional do município, uma escola

com amplo espaço físico, inaugurado em 2008 contando com 16 salas de aula, laboratório de

informática, sala de artes, amplo refeitório, biblioteca, estacionamento, quadra de esportes

coberta e um auditório com capacidade para trezentas pessoas. A escola abriga vários projetos

sociais entre eles o Pró-Jovem e o Mais-Educação, ambos projetos do governo federal. Além

desses, ela faz parte de um projeto denominado Escola Aberta, no qual seu espaço físico é

utilizado pela comunidade para diversas atividades de interesse coletivo. Várias oficinas são

oferecidas à comunidade escolar aos sábados e domingos através do projeto Escola Aberta.

Trata-se, portanto, de uma escola com uma estrutura ímpar no contexto da cidade, uma vez

que boa parte das escolas do município não funcionam em prédios próprios, sendo as

atividades educativas realizadas em casas e galpões alugados para esse fim.

Há mais de dez anos a Escola Municipal Maria da Cruz Resende oferece aos jovens e

adultos do bairro o ensino noturno que, até o ano de 2007 funcionava no sistema de

Telecurso. Neste ano, a resolução municipal 074/2007 regulamentou a Educação de Jovens e

Adultos, garantindo entre outros direitos, a merenda escolar, material didático e profissionais

capacitados para o trabalho na EJA.

A Escola Municipal Maria da Cruz Resende possui atualmente na EJA seis turmas de

Ensino Fundamental, sendo duas turmas correspondentes ao Ensino Fundamental I – 1º ao 5º

Anos – e as demais turmas correspondem ao Ensino Fundamental II. Essas últimas estão

divididas pela organização própria da escola, como Módulo I A e B que correspondem aos 6º e

7º anos e Módulo II A e B que correspondem aos 8º e 9º anos.

Esta pesquisa foi realizada nas turmas de Ensino Fundamental II, onde leciono a

disciplina de Inglês, o que me facilitou o conhecimento dos alunos e a percepção sobre

questões raciais que envolvem os mesmos. Nessas quatro turmas, segundo meu levantamento

feito na própria secretaria da escola, há 155 (cento e cinqüenta e cinco) alunos dos quais 90

(noventa) são classificados nas fichas de matrícula como do sexo masculino e 65 (sessenta e

cinco) como do sexo feminino. Dessas 65 (sessenta e cinco) jovens e adultas 29 (vinte e nove)

estão na faixa etária entre 15 e 29 anos e se auto-declaram como pardas ou negras.

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Consideramos esses números relevantes uma vez que estamos tratando de um recorte de

gênero, de idade e racial. Ou seja, as jovens pardas e negras da EJA da Escola Municipal Maria

da Cruz Resende representam mais de 40% entre as estudantes. Das 29 (vinte e nove)

estudantes jovens, negras ou pardas, elegemos sete para desenvolver essa pesquisa. Os

critérios utilizados para escolha foram critérios simples como a freqüência escolar, uma vez

que na Educação de Jovens e Adultos da escola pesquisada a evasão e a infrequência são

constantes.

Todas as alunas autorizaram a utilização de suas entrevistas portanto, não utilizaremos

pseudonomes. Procuramos preservar ao máximo as falas das jovens concedidas nas

entrevistas, e por isso, até mesmo erros e gírias foram mantidos.

Em nossas pesquisas pudemos observar que todas as jovens são moradoras do próprio

bairro, onde nasceram e estudaram desde a infância com exceção da aluna Nádia como

podemos constatar em sua fala:

TATIANA: Eu queria que você dissesse o seu nome completo,

qual é a sua idade e se você mora aqui no Veneza?

NÁDYA Meu nome é Nádia Ellen Ferreira da Silva, tenho

dezoito anos (18) e moro aqui no Veneza. (...)eu vim de Sete

Lagoas.

TATIANA: Ah ta... Então você teve uma parte da sua história

que você estudou lá em Sete Lagoas...

NÁDYA: Isso...

TATIANA: Depois veio pra cá, né?

NÁDYA: Isso...

Consideramos esse dado como de grande importância uma vez que a aluna Nádia traz

consigo, na sua experiência, contatos com instituições de ensino fora do contexto pesquisado -

a cidade de Ribeirão das Neves - e no caso das demais estudantes pesquisadas, todas elas

vivenciaram uma trajetória escolar no próprio município.

Os motivos que levaram essas jovens a estudar na EJA foram diversos, predominando

entre as entrevistadas, o trabalho que as impediu de continuar a estudar durante o dia no

Ensino Regular como nos conta uma das jovens:

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TATIANA: Quais foram os motivos, Geici, que levaram você a

vir estudar na EJA?

GEICIMARA: O motivo que me levou foi serviço mermo..

trabalho... eu num tinha tempo pra estudar de dia aí eu tive

que trabalhar a noite... estudar a noite pra trabalhar de dia.

TATIANA: Esse estudar a noite pra você tem alguma diferença

com o estudar de dia?

GEICIMARA: Tem (risos)... Tem muita diferença.

TATIANA: Você pode falar um pouquinho sobre isso pra nós?

GEICIMARA: Ó é que de dia eu tinha tempo demais...pegava

firme... Aí de noite assim parece que é assim corrido que eu

saio do serviço seis hora já vô em casa tomá banho... pra mim

é mais corrido.

Também verificamos na fala da aluna Ana Carla (16 anos) como o emprego influenciou

a procura pela EJA, porém, em sua entrevista podemos perceber um processo de exclusão

marcado pela repetência, comum na trajetória dos estudantes que cursam a modalidade EJA,

principalmente no turno noturno:

TATIANA: E eu queria saber quais foram os motivos que

levaram você a vir estudar na EJA?

ANA: Oh... o primeiro motivo é por que antes eu usava óculos

então eu tinha vergonha de ir pra escola de óculos aí como eu

não ia pra escola de óculos eu faltei muito de aula e isso gerou

a bomba...eu tomei bomba... aí eu tomei bomba e fui de novo

pra escola aí quando eu estudei eu estudei na escola lá de

Santa Cecília mas só que aí gerou amizade demais... amizade

demais aí começou a matação de aula. Eu matei aula... matei

aula... até que a professora pego e passo um trabalho que eu

não sabia fazer aí ela não explicou o motivo direito que era pra

fazer aí eu tomei bomba na sétima serie e agora eu to fazendo

de novo a sétima e a oitava no EJA da escola Maria da Cruz.

TATIANA: você está gostando de estudar na EJA?

ANA: Ah... eu to gostando porque adiantou mais... eu to

fazendo duas aulas que é na sétima e na oitava e também

adiantou mais porque pra mim a noite dá pra eu trabalhar de

dia.

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No decorrer desse trabalho pudemos perceber que a noção de cor ou de

pertencimento racial não é algo claro para as alunas entrevistadas. Nem todas confirmaram a

autodeclaração feita no ato da ficha de matrícula, identificando-se, no memento das

entrevistas, em sua grande maioria, como pardas. Vejamos o que nos diz algumas alunas ao

serem questionadas sobre sua cor:

TATIANA: Eu queria que você me falasse qual é a sua cor?

NÁDYA: Cor? ... Parda...

TATIANA: Ahh certo... E qual é o significado que a sua cor tem

pra você?

NÁDYA: É... normal... pra mim a minha cor... é... eu gosto da

minha cor... Eu não tenho preconceito com nenhuma outra cor

não mas eu gosto da minha mesmo.

TATIANA: Eu queria que você falasse também pra mim qual é a

sua cor...

GEICIMARA: A minha cor? ...

TATIANA: Isso.

GEICIMARA: Eu me acho morena. (risos) Eu me acho morena.

TATIANA: Dentro das opções que a gente tem na ficha de

matricula daqui da escola que é Amarelo, Branco, Pardo ou

Negro, qual dessas você...

GEICIMARA: Eu me acho parda.

TATIANA: E qual é o significado de ser parda pra você?

GEICIMARA: Pra mim é tipo assim... num é branco nem

negra...eu to no meio dos dois.

TATIANA: você poderia falar pra mim qual é a sua cor?

ANA: Ah pra mim eu acho que eu sou parda.

TATIANA: E qual é o significado disso pra você? O quê que isso

significa?

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ANA: Parda pra mim é a pessoa que não é nem muito branca e

nem muito morena. No caso de dizer ela é amarela que eles

falam amarelo. Então pra mim eu significo como parda porque

eu não sou nem muito branca e nem muito escura.

A cor parda prevaleceu na fala das alunas entrevistadas o que nos comprova a

dificuldade de se identificar ou de se classificar por cor uma determinada população, fato este

que também prejudica a real identificação e enfrentamento de atitudes discriminatórias e

racistas. Nilma Gomes também verificou em seus estudos com professoras negras, a

dificuldade da auto declaração e os efeitos das políticas de branqueamento:

Analisando a fala de algumas professoras negras entrevistadas,

percebemos o efeito que a ideologia do branqueamento teve e

ainda tem sobre o negro brasileiro. Embora, atualmente,

pouco se fale sobre um banqueamento que levará à

arianização da população, nota-se que muitos negros e,

especificamente, algumas mulheres negras entrevistadas

possuem dificuldade de se nomearem a sim mesmas e ao

outro enquanto tal, preferindo usar expressões com um

caráter eufemístico. (GOMES, 1995. p.88).

O difícil processo de reconhecimento racial no Brasil é iniciado, geralmente, na família.

Nilma omes afirma que “a identificação racial se constrói em um longo processo, que se inicia

desde as primeiras relações estabelecidas no grupo social mais íntimo, em que os contatos

pessoais se estabelecem permeados de sanções, afetividade e primeiros ensaios de uma futura

visão de mundo”( OM S, 1 5 p 117) Para algumas jovens entrevistadas o processo de

identificação racial se iniciou, sobretudo, no meio familiar, onde os pais enfatizaram a questão

da igualdade e o respeito entre os filhos, como verificamos no trecho a seguir:

TATIANA: Desde criança você já se identifica dessa cor?

NÁDYA: É... desde criança minha mãe me ensinou como é...

como é que são... que era as coisa do mundo antigamente né?

Era muito preconceito... e ela me falava que não era pra mim

fazer isso com ninguém porque... dependendo da cor... da

raça... do jeito que a pessoa for tem que respeitá.

TATIANA: Então quer dizer que essa formação, essa

consciência que você tem a respeito da sua cor ela começou

com a sua mãe?

NÁDYA: Isso... Dentro de casa...

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TATIANA: Você pode falar mais um pouquinho sobre isso pra

nós?

NÁDYA: falo...

TATIANA: De que maneira que assim... sua mãe contribuiu...

NÁDYA: Ah foi tipo assim... Nois somos... Lá em casa nois

somos quatro irmão, nós somos quatro mas cada um é de uma

cor diferente...eu tenho uma irmã loira...eu tenho um irmão

mais claro...eu tenho uma mais escurinha que eu... então, tipo

assim... num... não... num pode nem ter preconceito né com

isso... porque tanto eu quanto eles ... nenhum deles falam: ah

você é preta... ah cê é branca... cê é ... nunca falaram... Pro cê

ver... a gente teve uma educação assim... a minha mãe policiou

a gente...

A escola, enquanto lugar privilegiado de formação, não pode estar isenta de

participar do processo de construção de uma identidade positiva da população negra e de seus

descendentes. Ao serem questionadas sobre a participação da escola no processo de

conhecimento sobre as questões raciais no Brasil, as entrevistadas deixaram claro a rara

participação efetiva da escola no processo. Algumas pontuaram, como veremos a seguir,

trabalhos isolados ou aulas ministradas sem o questionamento que a temática necessita ou,

até mesmo, contribuindo para a manutenção das práticas discriminatórias e racistas:

TATIANA: E nas escolas onde você estudou você teve algum

professor que contribuiu pra isso... alguma atividade?

GEICIMARA: Teve... um colega teve... Na brincadeira o

professor chamou ele de neguinho aí o menino levou como

racista mas todo mundo viu que era na brincadeira e ele levou

pro racismo.

TATIANA: E você teve algum trabalho assim...

GEICIMARA: Tive. Sobre o racismo tive...

TATIANA: Você poderia falar sobre isso...

GEICIMARA: Eu mesma não fiz não... o grupo é que fez lá e

botou meu nome. (risos) É falando da cor né que tipo

assim...da dificuldade de a pessoa entrar nos lugar e já acha

estranho...

TATIANA: E você acha que a escola contribui para o

enfrentamento do preconceito, pra luta contra o racismo,

contra a discriminação? Nas escolas onde você estudou você

viu esse movimento acontecer?

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GEICIMARA: Ah.. acho que sim...

TATIANA: Então, Ana, nessa sua trajetória escolar não teve

algum trabalho que a escola realizou... algo que fosse

relacionado com a questão da cor, do preconceito, da

discriminação, que tenha te ajudado a entender melhor essa

questão da cor da pele, as relações sociais que se dão a partir

daí?

ANA: ah...teve sim...a professora acho que de...história...acho

que foi de história que ela falou que ela sabe né? Ela tem as

coisas todas no livro então ela explicou pra gente mas num

falou nada explicando nada demais não...

Na fala da aluna Geicimara (20 anos), citada acima, percebemos como as relações

raciais são conflitantes no espaço escolar e como a “escola não é um campo neutro, onde após

entrarmos, os conflitos sociais e raciais permanecem do lado de fora. A escola é uma

instituição onde convivem conflitos e contradições. O racismo e a discriminação racial (...)

estão presentes nas relações entre educadores e educandos” (GOMES, 1995. p.68). Daí a

urgente e necessária intervenção política e ética dos profissionais da educação no sentido de

fazer dessa discussão uma constante nas atividades pedagógicas desenvolvidas durante todo o

ano letivo. Acreditamos que a escola pode contribuir para a equidade social e para o a luta

contra todo e qualquer tipo de discriminação que oprime grande parte da população

brasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho buscamos identificar elementos da trajetória estudantil de jovens

negras, estudantes da EJA no município de Ribeirão das Neves, que poderiam ter contribuído

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para a formação de uma identidade racial dessas mesmas jovens. No decorrer das entrevistas,

percebemos que as alunas tem uma consciência de quão desiguais são as relações raciais no

Brasil, como percebemos na fala da aluna Geicimara citada a seguir:

TATIANA: E você acha que a sua cor hoje na sociedade ela

enfrenta algum entrave? Alguma dificuldade?

GEICIMARA: Enfrenta... Igual eu trabalho no supermercado aí

tipo assim... chegô alguém moreno a minha patroa fala vai lá

ver o quê que tá fazeno lá... Aí chego um brancão ela nem olha

as vezes pode até ser um branco lá pegando...

No entanto, elas não se identificaram como parte integrante desse processo de

exclusão. Das entrevistadas, as que se autodeclararam negras no ato da matrícula, não

confirmaram seu pertencimento racial no momento das entrevistas, o que nos aponta para um

processo que ainda não foi, politicamente e culturalmente, capaz de criar uma visão positiva

do negro no Brasil, no que tange a experiência dessas alunas.

Reafirmamos a nossa crença no poder transformador que a escola possui ao contribuir

para a formação crítica de opiniões e de cidadania. Contudo, ressaltamos que devemos

observar mais de perto as ações que tem sido desenvolvidas no interior das escolas e lutar

para uma constante atualização de seus professores e gestores no sentido de manter acesa a

chama da luta por uma educação que se faça, de fato para todos; garantindo assim o

cumprimento do que prevê a Constituição Brasileira e as leis que regem a educação no nosso

país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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